titulo
stringlengths
7
371
resumo
stringlengths
0
145k
categoria
stringclasses
17 values
texto
stringlengths
10
359k
link
stringlengths
47
265
Gastos com Pessoal do Poder Executivo: Entre Limitações Legais e Medidas de Enfrentamento
Resumo: A preocupação básica deste estudo é refletir sobre o papel do gestor público diante da delicada situação financeira experimentada por diversas administrações públicas brasileiras, devendo tomar decisões em conformidade com a legislação vigente. Entretanto, tendo como pressupostos a continuidade do serviço público, o interesse público e os direitos subjetivos, os gestores da coisa pública não podem simplesmente cruzar os braços. Em tempos de crises, várias medidas são sugeridas ou impostas pela própria legislação, porém como proceder de maneira a controlar o déficit público e não afetar a continuidade dos serviços públicos? Este artigo tem como objetivo analisar as normas concernentes ao controle fiscal dos Estados frente aos crescentes gastos com pessoal, detectados diante dos relatórios fiscais, bem como analisar medidas a serem tomadas para alterar este obscuro cenário e apresentar alguns panoramas existentes nos gastos públicos, inclusive contemplando contexto de agravamento em decorrência da pandemia de COVID-19.
Direito Administrativo
Introdução  A principal investigação deste estudo é o papel do gestor público diante da delicada situação financeira atual de diversas administrações públicas brasileiras nos diferentes níveis de governo, federal, estadual ou municipal. Dessa sorte, questiona-se: Quais decisões esse gestor deverá tomar quando o poder público extrapolar os limites de gastos impostos pela legislação vigente? Como fazer isso tendo como pressuposto o interesse público e a necessidade de se respeitar os direitos subjetivos e adquiridos de cidadãos?   O limite de gastos com pessoal será objeto dessa pesquisa, tendo em vista ser a maior despesa do orçamento do setor público. Ocorre que, ao ser ultrapassado, existem diversas medidas sugeridas ou impostas pela própria legislação que serão apresentadas oportunamente.  Preambularmente, há de contextualizar que hodiernamente diversos entes federativos encontram-se em uma situação de déficit público que vem se agravando ano após ano, fazendo concluir que uma postura rígida frente aos gastos públicos se faz urgente.  Nesse desiderato, esse estudo demonstrará ações emergenciais a serem tomadas, bem como limitações para atuação do gestor, que são na maioria das vezes impostas pela própria legislação conjugada com a interpretação dessas normas pelas assessorias jurídicas dos órgãos.  Porém, ainda resta a questão de como proceder de maneira a controlar o déficit público e não afetar a continuidade dos serviços públicos? Eis que um governo deficitário não consegue realizar seu preceito básico de existência: servir à população., tampouco prover serviços públicos, dos mais essenciais, como educação, saúde e segurança, bem como serviços acessórios, como cultura, esporte, turismo, igualdade social, trabalho, dentre outros. Como poderia nessas circunstâncias prover de serviços públicos e investir em novos hospitais, escolas, estradas, prisões, etc., já que a quase totalidade dos recursos financeiros é gasta com a própria folha de pessoal (ativos e inativos)?  É o que se pretende demonstrar ao final deste estudo: opções, revestidas de legalidade e orientadas pelo interesse público de ajuste fiscal e controle das contas públicas visando a possibilitar um equilíbrio financeiro para que se possa planejar e executar políticas públicas visando o interesse público, principalmente em momentos de crises, com destaque para o agravamento promovido pela pandemia do novo Coronavírus da SARS-CoV-2 –  COVID-19 .  Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa documental e bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada da legislação vigente, dos relatórios fiscais da Secretaria de Estado de Fazenda, de Notas Jurídicas da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais e materiais dos principais autores sobre o tema.  Vale destacar que as medidas propostas foram fundamentadas com base nas imposições da Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000 ou Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF e da Constituição Federal do Brasil – CF/88.    O orçamento público foi criado como um instrumento de controle, principalmente sobre os gastos do Estado. E a análise histórica dos orçamentos públicos nos permite traçar uma tendência negativa, relativa à forma com que as despesas vêm crescendo. Giacomoni (2001) e Rezende (2001) apontam que o século XX foi marcado pelo crescente aumento das despesas públicas mesmo em países defensores da livre iniciativa e da economia de mercado. Ao passo que Giacomoni (1994, p. 17) afirma que “uma das características mais marcantes da economia do Século XX é o crescente aumento das despesas públicas”.  E o que comporta tais gastos afinal? De acordo com Pires (2008), os gastos públicos ou gastos governamentais comportam todas as despesas da Administração Pública realizadas em todas as esferas da administração direta e indireta, englobando inclusive as despesas do governo com suas atividades econômicas através das empresas estatais.  A justificativa para tais gastos, conforme Mota, Maciel e Pires (2015), concentra-se no fato de que o gasto público é o instrumento para a viabilização da atuação do Estado na economia, com vistas a atender demandas da sociedade relacionadas à qualidade de vida.  Segundo Mota, Maciel e Pires (2015), para além da recuperação econômica, é necessário que o gasto público também busque lançar as bases para o desenvolvimento futuro e ainda atender as demandas do mercado por equilíbrio fiscal.  Rezende e Cunha (2005) destacam a LRF como importante instrumento para sanar as contas públicas e restringir o endividamento. Para os autores a qualidade dos gastos públicos passa pela responsabilidade fiscal, visto que através dela advêm a estabilidade econômica e as bases para o crescimento econômico sustentável.  Rezende e Cunha (2005) esclarecem que, das instabilidades intrínsecas às crises políticas e econômicas, decorre a prática do contingenciamento, o qual, em se elevando, compromete proporcionalmente mais as despesas públicas discricionárias, tais como investimentos, políticas sociais e emendas parlamentares. Porém, é um mal necessário, são decisões às vezes maquiavélicas que o gestor deve tomar, tendo por base o interesse público.  Cabe ressaltar, que caso medidas drásticas não sejam tomadas pelo gestor de maneira administrativa, e os limites de despesas não sejam reduzidos, as medidas legais da LRF poderão ter consequências muito mais impactantes e negativas, tanto no âmbito político quanto no âmbito social, pelo impacto que as ações de governo têm sobre a sociedade.  A forma como o Estado aloca seus recursos pode ser considerada uma importante questão estratégica no tocante à qualidade do gasto público. Alguns gastos públicos que aparentemente impactam apenas o curto prazo podem promover mudanças na estrutura econômica no longo prazo. Investimentos em infraestrutura podem elevar a produtividade dos fatores da economia e gastos com educação e tecnologia criam um capital humano mais refinado que potencialmente também pode incrementar a produtividade da economia a médio e longo prazo (ACEMOGLU, 2006).    1.1 Tendência a Aumento dos Gastos Públicos Especificamente em relação ao Brasil, Giacomoni (2001) destaca que ocorre expressiva elevação dos gastos a partir da Segunda Guerra Mundial, mas não chega aos patamares dos países desenvolvidos. Entre 1948 e 1994 as despesas com o setor público, excetuando-se o gasto das empresas estatais, passou de 17% para 30% do Produto Interno Bruto – PIB (REZENDE, 2001).  Porém, não é objetivo deste estudo discutir ou demonstrar o crescimento dos gastos públicos no cenário recente, mas aceitá-lo como fato. Aceita-se a realidade de há o aumento do endividamento do setor público e o desequilíbrio nas contas públicas. Tanto que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal foi criada no intuito de auxiliar no ajuste fiscal do Estado.   Santos e Gentil (2010, p. 241) refutam afirmativas baseadas no senso comum de que o “Governo gasta muito com máquina pública ao invés de gastar com investimentos em infraestrutura que leva ao crescimento econômico”. Segundo os autores, tais gastos também estão relacionados a serviços essenciais de saúde, educação, assistência social, justiça e outros, bem como a investimentos pretéritos, como escolas, hospitais, batalhões e outros equipamentos públicos construídos.   Como pode-se ver as áreas em que há uma discricionariedade para cortes de despesas estão cada vez menores e esta tomada de decisão implica em grande responsabilidade.  Ao analisarmos apenas as despesas com investimentos, temos a afirmativa de que o Estado está cada vez mais inchado confirmada. Em relação aos investimentos realizados pela Administração Pública, de acordo com o levantamento realizado entre 1995 a 2008 constata-se um nível baixo de gasto público. Ressalvados os investimentos públicos realizados pelas empresas estatais, uma vez que estas conseguem manter um nível de investimento considerável (SANTOS; GENTIL, 2010).   A partir do gráfico acima, pode-se observar quedas significativas no nível de investimento nos anos de crise econômica de 1999 e 2003. Segundo Santos e Gentil (2010), tal queda nos anos de crise se deveu principalmente a um ajuste fiscal de má qualidade, que promoveu o aumento de impostos e a redução nos investimentos ao invés de reduzir gastos correntes.  Outro dado interessante é que os gastos com investimento público são mais comprometidos em nível subnacional, estados e municípios, devido principalmente à necessidade de honrar dívidas com a União (SANTOS; GENTIL, 2010).  Há divergência na doutrina, sendo que alguns autores defendem que o aumento do gasto corrente gera o aumento de renda que faz girar a economia, porquanto outros afirmam e demonstram que o inchaço público gera uma retração dos investimentos que interfere direta e negativamente sobre o desenvolvimento da economia.    Abaixo está o quadro com a análise dos últimos relatórios fiscais publicados pela Secretaria de Estado de Fazenda – SEF que permite visualizar o comportamento dos gastos públicos recentes do Estado de Minas Gerais.  É possível observar que ainda em 2014 o estado havia ultrapassado o limite de alerta estabelecido na LRF e em 15/09/2015 foi ultrapassado o limite prudencial, sendo que até meados do ano de 2018 a situação ainda não havia sido revertida. No terceiro quadrimestre de 2016 e de 2017 pode-se verificar que foi ultrapassado o limite máximo de gastos estabelecido pela LRF.   Após a publicação dos relatórios fiscais da SEF, demonstrando o excesso de gastos, o Governo de Minas Gerais realizou consultas à Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais – AGE-MG, no intuito de se compreender os limites legais para despesas com pessoal, dentre elas a relativa a novas nomeações de cargos em comissão e de efetivos no setor público. As consultas foram realizadas em três momentos distintos: primeiro quando foi ultrapassado o limite prudencial e posteriormente quando foi ultrapassado o limite máximo e por fim quando se retornou do limite máximo aos patamares do limite prudencial.  A AGE-MG emitiu cinco pareceres1 em que analisaram a divisão estabelecida pela própria legislação e suas implicações para o governo estadual. A AGE-MG estabeleceu um primeiro corte onde separou os órgãos de saúde, educação e segurança, como prioritários (conforme determinado pela legislação) e os demais no grupo seguinte. Outra dicotomia foram os limites ultrapassados (limite prudencial, e limite máximo – também chamado de limite efetivo por alguns procuradores). Dessa forma alguns pareceres tratam das situações que ocorrem enquanto o estado ultrapassou o limite prudencial, já outros tratam das situações enquanto perdura ultrapassado o limite máximo.  As interpretações da AGE-MG foram tomadas com base na legislação. Abaixo o quadro com as principais vedações e recomendações impostas pela LRF após o estado ultrapassar os limites prudencial e máximo, respectivamente.  Além do descrito no Quadro 1, a legislação prevê também que os gastos devem ser controlados de modo a não prejudicar a gestão seguinte, o que quer dizer que no último ano de mandato o gestor deverá reduzir as despesas de modo que ela não exceda o limite prudencial no 1º quadrimestre do último ano de mandato (ano eleitoral). Caso contrário, as medidas restritivas são previstas, como a vedação ao ente receber transferências voluntárias; obter garantia, direta ou indireta, de outro ente; e contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das despesas com pessoal.    2.1 Mitigação das Medidas de Contenção de Gastos pela AGE-MG Ao compararmos as normas restritivas impostas pela LRF e a interpretação da AGE-MG, fica claro que os procuradores estaduais utilizaram de uma interpretação bastante extensiva, com entendimentos de que mesmo com as vedações explícitas da legislação, para que o interesse público da prestação de serviços não fosse imediatamente prejudicado, seria defensável algumas nomeações, seja de cargos efetivos, seja de comissionados, desde que cumpridos os requisitos descritos nos pareceres como: devida comprovação da indispensabilidade da medida; impossibilidade de reposição do cargo mediante reestruturação administrativa; não ocorrer aumento do percentual preexistente de comprometimento com despesas de pessoal; substituição de cargos vagos antes da data do relatório que demonstra a entrada no limite prudencial e compensação por meio de exonerações de cargos e/ou funções, após essa data no valor equivalente ou maior. Ao utilizar a expressão defensável, os procuradores empurram toda a responsabilidade sobre a tomada de decisão aos gestores, que em caso de futuro questionamento, deverão ter os meios de comprovar a real necessidade das nomeações realizadas, diante do momento de crise fiscal e financeira do estado.    2.2 Consequências Potenciais do Abrandamento das Medidas de Contingenciamento Esta postura e falta de objetividade nos pareceres da AGE-MG pode ser compreendida como perigosa, pois apesar de visar a abrir uma brecha para atuação do gestor, visando a proteger, em última instância, o interesse público, ela gera o risco de se deixar nas mãos de gestores políticos e transitórios, que por muitas vezes não estariam realmente interessados em buscar o interesse público mas sim o benefício privado.    2.3 Aspectos Intocáveis pelas Medidas de Contingenciamento Outro ponto importante e que limita a atuação dos gestores é a preservação da segurança jurídica e dos direitos subjetivos. Por exemplo, após o decurso do prazo de validade de concurso público, o estado é obrigado a nomear os aprovados dentro das vagas previstas no edital.   Outrossim, tem-se o direito à promoção e progressão nas carreiras, já previstos em lei. Estes direitos, dentre outros, limitam a atuação dos gestores e implicam em aumento dos gastos públicos. Daí a importância de se ter um controle sobre estes diretos e se fazer uma projeção futura para não se criar déficits inesperados.    2.4 Discricionariedade na Política de Contingenciamento de Gastos Públicos Diante desse quadro em que a legislação protege direitos por um lado e exige cortes imediatos por outro é essencial se prezar pela eficiência nos gastos públicos. Deve-se combinar uma política de contingenciamento de recursos, visando priorizar os gastos essenciais e se congelar ou mesmo reduzir ou cortar despesas não essenciais. Para isso é necessário avaliar, preambularmente, quais gastos são passíveis liberdade de escolha ao gestor público, somando-se o estudo pormenorizado do orçamento para finalmente se estabelecer as despesas prioritárias de determinado exercício.  Como exemplo, sob o prisma da discricionariedade do gasto público, podemos citar algumas ações passíveis de realização imediata, com efeitos positivos. São elas: reestruturação administrativa, com redução da estrutura administrativa, de chefias e reagrupamentos de competências e atividades; corte de gastos e contingenciamento de despesas com viagens (nacionais e internacionais), coffe break, eventos, cessões e licenças de servidores com ônus, combustível, aquisição de veículos e imóveis, nomeações de cargos efetivos e em especial os de comissão, dentre outros.  Diante de tudo isso, os gestores devem permanecer firmes, com uma postura ativa e responsável, para que as pressões políticas interfiram minimamente neste processo de tomada de decisões.    O cenário apresentado anteriormente, de dificuldades fiscais enfrentadas pelo Estado de Minas Gerais e de elevadas despesas com pessoal se perpetuou no ano de 2019 e nessa primeira metade do ano de 2020. Tanto que os últimos relatórios de Gestão Fiscal da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais comprovam este fato, uma vez que a despesa total com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida foi de 45,52% no último quadrimestre de 2019, ficando acima do limite de alerta (44,10%).   Já o relatório do primeiro Quadrimestre de 2020 demonstra ultrapassagem, pelo Poder Executivo, do limite máximo de despesa com pessoal estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme critérios da Secretaria do Tesouro Nacional – STN. Na apuração do cumprimento do limite legal, segundo a metodologia da STN, o Poder Executivo atingiu o índice de 58,00% frente ao limite máximo de 49,00% definido pela LRF. Já em relação à metodologia adotada pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais – TCE-MG, o desempenho correspondeu a 47,86%, portanto abaixo do limite máximo (49%) e acima do limite prudencial (46,55%).  Destaca-se que foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 69 para suspender entendimentos dos Tribunais de Contas Estaduais que não computem os gastos com inativos e pensionistas para calcular as Despesas com Pessoal. Neste sentido, caso prospere a ADI, o índice a ser considerado deverá ser aquele calculado com base nos critérios do STN.    3.1 Agravamento Fiscal em Decorrência da COVID-19 e as Novas Diretrizes Além do difícil cenário fiscal apresentado, foi reconhecido o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia causada pela COVID-19, pelo Decreto Estadual Nº 47.891, de 20 de março de 2020. Diante disso, algumas normas foram expedidas, como a Lei Complementar Nº 173, de 27 de maio de 2020, que estabeleceu o Programa Federativo de Enfrentamento à COVID-19, além de alterar alguns dispositivos da LRF, e o Decreto Estadual Nº 47.904, de 31 de março de 2020, que dispõe sobre o Plano de Contingenciamento de Gastos do Poder Executivo e atualiza o Anexo do Decreto nº 47.865, que dispõe sobre a programação orçamentária e financeira do Estado de Minas Gerais.  Dessa forma, diante das duas situações apresentadas anteriormente, o grave quadro fiscal do Estado, a situação de calamidade pública e as novas disposições normativas para enfrentar esse cenário, a Secretaria de Planejamento e Gestão de Minas Gerais realizou alguns questionamentos à AGE-MG quanto a questões atinentes à gestão e ao aumento de gastos com pessoal, como: datas de referência para aplicação do art. 8º da LCP 173/2020; evolução nas carreiras; concessão e atualização de gratificações, adicionais, vencimento básico e demais vantagens pecuniárias; atualização de vencimento básico e correção anual de benefícios previdenciários; adicionais por tempo de serviço, férias-prêmio e mecanismos equivalentes; realização de concursos públicos, contratações temporárias, nomeações e remanejamento de cargos; e providências cabíveis em caso de atos publicados ou concessões realizadas que contrariam as vedações previstas no art. 8º da LCP 173/2020.  Dessa forma, a AGE respondeu por meio do Parecer Jurídico AGE nº 16.247, de 22 de julho de 2020. Inicialmente destaca-se que a Consultoria Jurídica da AGE firmou o entendimento no sentido de que a eficácia temporal da LC nº 173/2020, teve seu termo inicial em 28/05/2020, quando ocorreu a sua publicação, razão pela qual por coerência e integridade, manteve-se este entendimento. Ademais, entenderam também que Marco legal para fins de aplicação das excepcionalidades previstas no art. 8º, incisos I e VI da LC nº 173/2020, a ser adotado como referência foi o Decreto Estadual nº 47.891, que reconheceu o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia de COVID-19.     3.1.1 Manutenção dos Aspectos Intocáveis nas Medidas de Contingenciamento Com relação a concessão de progressões e promoções nas carreiras decorrentes de direitos subjetivos dos servidores, o entendimento foi de que estes atos não se enquadram nas vedações impostas pela LC nº 173/2020, já que são amparadas por determinação legal anterior à calamidade pública, entendimento este que será base para a análise da maioria dos outros benefícios em questão.  A concessão/atualização de gratificações, adicionais, vencimento básico e demais vantagens pecuniárias, como ciclos avaliativos em andamento para fins de concessão e/ou manutenção das respectivas gratificações de desempenho; gratificações de desempenho que tiverem fundamento em determinação legal anterior à calamidade pública; Gratificação de Estímulo à Produção Individual, Adicional de Desempenho, Abono de permanência, Gratificação de Incentivo ao Exercício, Gratificação Temporária de Emergência em Saúde Pública, Pensão acidentária à dependente de servidor público, dentre outros, também não são afetadas pelas vedações, já que as referidas gratificações de desempenho tem fundamento em determinação legal anterior à calamidade pública, não configurando criação ou majoração de vantagens, mas apuração de valor previamente estabelecido.    3.1.2 Atualização do Vencimento Básico dos Servidores durante a Pandemia de COVID-19 A atualização de vencimento básico, a correção anual de benefícios previdenciários e a revisão geral anual da remuneração também não foram afetados pelos atos normativos expedidos após o início da pandemia, tendo em vista que os respectivos fundamentos legais são anteriores ao estado de calamidade pública e que a norma somente veda a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo IPCA. Portanto, proceder à recomposição das perdas inflacionárias no percentual estabelecido pelos índices oficiais é permitido, conforme destacado a seguir.  “Caso haja revisão do salário mínimo, o valor do vencimento básico mínimo estadual deverá ser corrigido nos mesmos moldes, inclusive durante o período de 28/05/2020 a 31/12/2021 […] Em matéria de reajuste de proventos de aposentadoria e de pensões, é assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real. (PARECER JURÍDICO AGE nº 16.247, 2020).”    3.1.3 Atualização dos Benefícios Remuneratórios durante a Pandemia de COVID-19 Já sobre adicionais por tempo de serviço, férias-prêmio e mecanismos equivalentes, a AGE-MG teve o seguinte entendimento:  “Depreende-se que os servidores que tenham completado o período aquisitivo exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal até 27 de maio de 2020, terão os seus efeitos financeiros implementados. Por outro lado, os demais, que não tenham completado o respectivo período aquisitivo até essa data, terão suspenso até 31 de dezembro de 2021 a concessão de pagamento e fruição das vantagens mencionadas no inciso IX do art. 8º da Lei Complementar n. 173/2020 que forem adquiridas neste período”. (PARECER JURÍDICO AGE nº 16.247, 2020).”    Ressalta-se que aqueles que não tenham complementado o respectivo período aquisitivo até 27 de maio de 2020, não ficam impedidos de ter o período mencionado acima contado para aquisição do direito aos benefícios referidos posteriormente, como destacado a seguir.  “Em atenção a orientação exposta anteriormente, não há impedimento para que o período compreendido entre a publicação da LC nº 173/2020, 28/05/2020, até 31/12/2021 seja contado para aquisição do direito aos benefícios referidos no inciso IX, do art. 8º, da LC nº 173/2020. Na verdade, o que se restringe é o pagamento/fruição decorrente da implementação desses benefícios durante o período de eficácia determinado na Lei, a fim de proporcionar condições financeiras para que o Estado possa enfrentar a pandemia. (PARECER JURÍDICO AGE nº 16.247, 2020).”    3.1.4 Concursos Públicos e Nomeações durante a Pandemia de COVID-19 Em relação aos concursos públicos, às contratações temporárias, às nomeações e ao remanejamento de cargos, em que pese a Lei Complementar suspender a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, bem como a realização de concursos públicos, ela prevê exceções, permitindo as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos, o atendimento a medidas de combate à calamidade pública e hipóteses específicas de contratação temporária.  Dessa forma, a AGE firmou entendimento de que a reposição de cargo de chefia, de direção e de assessoramento pode ocorrer independentemente do período em que o cargo deixou de ser ocupado, de forma que aquela que eleve o patamar de despesa, será permitida se houver a adoção de alguma medida compensatória do valor acrescido, como o desligamento de outro cargo.   Com relação aos concursos públicos, a AGE-MG entende que desde que o certame pretenda dar provimento a cargos em decorrência da vacância dos mesmos, não há óbice a continuidade dos concursos autorizados antes da publicação da LC nº 173/2020, ainda que o edital não tenha sido publicado. Porém, se o certame visa preencher novas vagas, ainda que criadas antes da vigência da lei federal em referência, a publicação do edital estaria vedada. Além disso, os concursos em andamento (edital publicado) ao tempo da edição da aludida lei federal, se tiverem por finalidade o preenchimento de novas vagas, apesar de não haver óbice ao seu prosseguimento, a admissão dos aprovados não será possível, uma vez que não se referem a reposição de vacâncias.    3.1.5 Oportunidade para Reorganização Administrativa durante a Pandemia de COVID-19 Por fim, a AGE-MG entende que a reorganização administrativa para promoção da racionalização, otimização de gastos e maior eficiência na prestação de serviços, amparada em lei, mostra-se possível, ainda quando não seja configurada a reposição da vacância do mesmo cargo em comissão, desde que o resultado final da reestruturação não enseje aumento de despesa. Da mesma forma, o parecer opina pela vedação da criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa, de forma que a transformação de cargos sem impacto financeiro não se encontra proibida.    Conclusão  Diante do exposto, concluiu-se que é impreterível que os gestores públicos adotem uma postura ativa, responsável e severa frente ao grave quadro de elevado gasto público e déficit fiscal, considerando, não obstante, seus limites de atuação quanto à discricionariedade dos gastos públicos em política de contingenciamento meticulosamente arquitetada.  O estudo permite constatar que a legislação impõe uma série de medidas extremas para cortes imediatos de gastos, caso o Poder Público não consiga reduzir determinados gastos, em especial, as despesas com pessoal. Doutra sorte, o mesmo aparato jurídico, impõe limites às possibilidades de cortes, por exemplo, os direitos subjetivos e adquiridos.   Após o breve aprofundamento realizado sobre os gastos públicos, em especial as despesas com pessoal, pode-se destacar o estratégico papel que o gasto público assume não só para controle fiscal, estabilização ou reestruturação econômica. Os gastos públicos desempenham potencial papel de orientar o futuro, visto que, em se considerando a escassez de recursos públicos, sempre haverá priorização de certos gastos por outros e cada escolha desencadeia um cenário futuro diferente.  Verificou-se uma elevação dos gastos com pessoal, ultrapassando-se os limites impostos pela LRF e, de acordo com as informações sobre a evolução em Minas Gerais, verifica-se que seus gestores foram incapazes de aplicar medidas para que este cenário fosse alterado no curto prazo. De setembro de 2015 até o início de 2018, por exemplo, o estado não conseguiu reduzir de forma suficiente o gasto com pessoal. E cabe ressaltar que o limite imposto já é relativo a um gasto muito elevado.   Sobre o aumento de gastos, admite-se que é uma tendência universal, comum a países desenvolvidos ou não, seja de corrente liberal ou intervencionista. Porém, cabe aos gestores das administrações públicas sempre buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e aferição de eficiência e qualidade dos gastos públicos, promovendo uma melhor utilização dos recursos disponíveis.  Acerca dos novos posicionamentos da AGE-MG durante a pandemia de COVID-19, mediante as informações coletadas e pelo já exposto em seções anteriores, percebe-se clara uma interpretação bastante extensiva, com entendimentos de que mesmo com as vedações explícitas da legislação, para que o interesse público da prestação de serviços não fosse imediatamente prejudicado.  Ademais, e como já ressaltado alhures, outro ponto importante e que limita a atuação dos gestores é a preservação da segurança jurídica e dos direitos subjetivos. Exemplo disso é o direito à promoção e progressão nas carreiras e a concessão/atualização de gratificações, adicionais, vencimento básico e demais vantagens pecuniárias, que segundo a AGE-MG, não se enquadram nas vedações impostas pela LC nº 173/2020, já que são amparadas por determinação legal anterior à calamidade pública. Estes direitos, dentre outros, limitam a atuação dos gestores e implicam em aumento dos gastos públicos. Daí a importância de se ter um controle sobre estes direitos e de se fazer uma projeção futura para não se criar déficits inesperados.  Nesse ínterim, cabe ao gestor uma grande responsabilidade, de modo que suas escolhas não sejam baseadas apenas em pensamentos e efeitos imediatistas, há que se planejar também para estruturar o futuro para as próximas gerações.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/gastos-com-pessoal-do-poder-executivo-entre-limitacoes-legais-e-medidas-de-enfrentamento/
Mobilidade Urbana e Regulamentação Municipal: aluguel de bicicletas como modelo de interação entre Estado e setor privado
O presente artigo busca analisar a atuação do Poder Público Municipal e o exercício econômico de empresas que atuam no ramo de bicicletas compartilhadas. Por meio de metodologia de natureza exploratória, utilizando notícias veiculadas na imprensa local e nacional, bem como mediante pesquisa bibliográfica em periódicos e pesquisa documental da legislação referente ao tema, o estudo aborda, em linhas gerais, a competência do ente federativo municipal para legislar acerca de matéria de trânsito. Discorre, ainda, sobre a necessidade da implementação de um modelo de mobilidade urbana sustentável, fomentando a utilização de modais de transporte alternativo (em especial, o “bikesharing”), uma das diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Após tecidas as considerações teóricas sobre o tema, analisa-se o ato administrativo da Prefeitura Municipal de Vila Velha, consubstanciado no recolhimento de bicicletas de determinada empresa, no ano de 2019, sendo verificado excessos na medida de polícia, haja vista flagrante afronta aos limites constitucionais impostos pelo princípio da livre iniciativa na ordem econômica.
Direito Administrativo
Introdução A mobilidade urbana é assunto recorrente em centros urbanos, haja vista a necessidade de a sociedade transitar com segurança, conforto e agilidade. Para manter o equilíbrio desse tripé, faz-se essencial, no que tange a segurança, a manutenção de políticas públicas que visam conter a criminalidade nas vias terrestres e manter a integridade física dos passageiros durante os trajetos. O conforto, por sua vez, é elemento que busca adequar satisfatoriamente o meio de transporte utilizado às necessidades pessoais dos usuários de vias urbanas, compreendendo também a estrutura física das ruas e estradas que guarnecem os destinos dos passageiros. O terceiro aspecto em análise, agilidade, depende do comportamento dos usuários de transportes terrestres, bem como da organização da malha viária pelo Poder Executivo, uma vez que inúmeros fatores influenciam no fluxo do trânsito: antecipação de complicações decorrentes de acidentes, organização de tempo e sincronização de semáforos, rodízio de placas de veículos automotores, dentre outras medidas necessárias para o regular funcionamento do transporte em ambiente urbano. Objetivando a preservação da ordem pública, da segurança viária e da incolumidade dos sujeitos e do patrimônio nas vias públicas, cuida a Constituição da República de 1988 (CRFB/88) sobre o tema da mobilidade urbana. A atuação do Poder Público ganha relevância a partir do momento em que este possui obrigação constitucional de promover, por meio de órgãos e agentes de trânsito, a mobilidade urbana de maneira eficiente (vide art. 144, §10, II da CRFB/88), garantindo, inclusive, conforme legislação infraconstitucional, a qualidade e os requisitos mínimos de segurança e de conforto no transporte individual de passageiros (vide artigo 12 da Lei 12.587/2012)[2]. Com o incremento da urbanização e das facilidades tecnológicas, novos arranjos foram formados no sistema de transportes, principalmente no transporte individual de passageiros. Ainda, as ideias de redução de custos e de um modelo de consumo consciente, que inspiram a economia de compartilhamento ou economia colaborativa, também denominada “peer to peer economy”, “sharing economy”, “peer production economy” e “crowdsourcing”,[3],[4] permitiram o advento de empresas de compartilhamento de transporte individual privado em vias urbanas, como a “Uber”,  a “99”, a “Cabify” e, mais recentemente, de empresas de transporte especializadas em intermediar viagens coletivas, uma espécie de fretamento rodoviário colaborativo (como a “Buser” e a “UBus”). Essas iniciativas têm sido fundamentais para viabilizar ou, ao menos, fomentar alternativas de mobilidade urbana – uma vez que, na prática, persistem os desafios regulatórios. Para Mendes e Ceroy[5], é evidente a importância da “sharing economy” às questões referentes à mobilidade urbana, mormente em um país cujo sistema de transporte não se encontra em consonância com a grandeza de suas metrópoles, muito menos com os desejos da sociedade por meios de circulação mais confortáveis e seguros. Ainda nessa onda de meios alternativos de mobilidade, destaca-se o sistema de “bikesharing” ou sistema de compartilhamento de bicicletas, objeto da análise do presente artigo. Seguindo a tendência mundial (China, Estados Unidos, Holanda, França, Bélgica, Espanha)[6], o Brasil passou a contar com semelhantes iniciativas, como o programa do Banco Itaú, operado pela empresa Tembici, em diversas cidades brasileiras, “Bike Sampa” (São Paulo), “Bike Poa” (Porto Alegre), “Bike Rio” (Rio de Janeiro)[7]. Nessa mesma linha, segue a “Bike VV” (Vila Velha/ES)[8], que é operada pela Tembici e conta com o patrocínio de instituições privadas, além das startups “Yellow” e “Grin”, que, no ano de 2019, foram objeto de fusão, resultando a “Grow Mobility Inc.”. A propósito, a utilização de bicicletas compartilhadas possibilita que o indivíduo, via aplicativos de smartphones, alugue uma bicicleta para atender demanda por transporte daquele usuário, que não precisa arcar com os custos de compra e de manutenção referente à bicicleta, tal como se proprietário o fosse. A propagação do uso do sistema de bicicletas compartilhadas nos diversos países do mundo representa mudança no que diz respeito aos padrões de consumo e ao uso diário de automóveis privados, uma vez que ao desestimular a aquisição pessoal de bicicletas ou de veículos automotores, facilita-se o tráfego urbano, reduzindo, inclusive, a emissão de gases poluentes na atmosfera. Apesar da tímida capilaridade no Brasil – quando comparada a realidade experimentada nos países citados – e dos desafios regulatórios enfrentados (vide o caso concreto que será analisado neste artigo), o sistema de compartilhamento de bicicletas via startups pode favorecer a integração do transporte público urbano por meio de deslocamentos multimodais, sobretudo, de forma sustentável, constituindo, a longo prazo, componente para a formulação de políticas públicas de transporte. Registra-se, contudo, que a introdução e a propagação do “bikesharing”, bem como dos demais modos de transporte urbano baseados no uso de aplicativos têm gerado controvérsias entre usuários, pedestres, motoristas, empresas prestadoras do serviço e a Administração Pública, daí porque o artigo intenciona, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, utilizando a legislação pertinente, bem como notícias veiculadas na imprensa local e nacional, analisar a relação travada entre a Administração Pública e as iniciativas de caráter privado na mobilidade urbana, em especial, o compartilhamento de bicicletas (“bikesharing”) por startups. A análise se limitará ao município de Vila Velha, localizado no estado do Espírito Santo, palco do episódio da apreensão de bicicletas da startup Yellow (atualmente, “Grow Mobility”, resultado das fusões entre “Yellow” e “Grin”)[9], empresa privada de aluguel de bicicletas, por determinação da Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV). Conforme o noticiário eletrônico[10], após o início das atividades no município de Vila Velha (mais especificamente, em fevereiro de 2019), a empresa foi surpreendida com ato administrativo da Prefeitura Municipal, tendo esta, mediante atuação de fiscais da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSU), recolhido cerca de 130 bicicletas, tendo, ainda, aplicado multa na importância de R$120.000,00 (cento e vinte mil reais) à startup. A justificativa utilizada pelo então coordenador de Fiscalização de Posturas da Secretaria foi a ausência de requisição da empresa para praticar os serviços implementados na cidade, informando que o ato de confisco das bicicletas foi decorrente da ausência de uma satisfação, por parte da empresa, aos órgãos competentes da prefeitura[11]. Assim, a questão que move o presente artigo cinge-se na regularidade ou não da Administração Pública em ter recolhido as bicicletas compartilhadas do município de Vila Velha, bem como na análise da responsabilidade do ente federativo ante a implementação de um modelo de transporte eficaz à mobilidade urbana, vide previsão constitucional já referenciada[12].   1 Previsão constitucional para que municípios legislem sobre matéria de trânsito Em análise da sistemática constitucional que oferece subsídio ao tema da mobilidade urbana, faz-se necessário tecer apontamento a respeito da competência municipal para exercer tarefas legislativas e administrativas em determinadas matérias. Dispõe o artigo 30, inciso I, da CRFB/88 que compete ao município legislar sobre assuntos de interesse local. Bulos[13] compreende a expressão genérica (“interesse local”) do dispositivo como aquela “que diz respeito às necessidades básicas e imediatas do Município”. Para Guimarães, “deve compreender-se por interesse local toda matéria que, diretamente, corresponda a alguma necessidade imediata do município, ou que, indiretamente, corresponda à sua necessidade geral[14].” Resta, assim, estabelecida a possibilidade de o ente federativo municipal legislar sobre os temas que influenciam diretamente nas necessidades diárias do cidadão. Para fins do presente estudo, relevante análise em relação à atuação do órgão legislativo municipal em matérias de trânsito: Acresce, ainda, notar a existência de matérias que se sujeitam simultaneamente à regulamentação pelas três ordens estatais, dada a sua repercussão no âmbito federal, estadual e municipal. Exemplos típicos dessa categoria são o trânsito e a saúde pública, sobre os quais dispõem a União (regras gerais; Código Nacional de Trânsito, Código Nacional de Saúde Pública), os Estados (regulamentação: Regulamento Geral de Trânsito, Código Sanitário Estadual) e o Município (serviços locais: estacionamento, circulação, sinalização etc.; regulamentos sanitários municipais), isso porque sobre cada faceta do assunto há um interesse predominante de uma das três entidades governamentais. Quando essa predominância toca ao Município, a ele cabe regulamentar a matéria, como assunto do seu interesse local. […] Na competência do Município insere-se, portanto, a fixação de mão e contramão nas vias urbanas, limites de velocidade e veículos admitidos em determinadas áreas e horários, locais de estacionamento, estações rodoviárias, e tudo o mais que afetar a vida da cidade[15]. Desse modo, verifica-se que a competência municipal para legislar sobre matéria de trânsito dependerá do nível de intervenção nos assuntos relativos à mobilidade urbana, uma vez que a Carta Magna não elencou espécies taxativas envolvendo o tema. Sobre os limites legislativos em matéria de trânsito, assegura Guimarães: (a) são regras gerais e, portanto, de interesse da União, os sinais de trânsito, a emissão da Carteira Nacional de Habilitação e os deveres dos condutores de veículos, tais como, trafegar à noite com os faróis acesos e dar passagem a ambulâncias, viaturas policiais e do Corpo de Bombeiros; (b) competem ao Estado matérias mais específicas, porém não ao ponto de serem de peculiar interesse do Município, tais como a cobrança de pedágio e o limite de velocidade em rodovias estaduais; (c) e finalmente, são matérias de interesse predominantemente local, que bem por isso se inserem dentro da competência legislativa municipal, a determinação da mão de tráfego, o estacionamento e o limite de velocidade nas vias urbanas, entre outras[16]. Nessa linha, extrai-se que a competência legislativa sobre trânsito é supletiva aos municípios, ou seja, estes entes podem dispor, em caráter suplementar, sobre matérias já regulamentadas na legislação federal, ficando a cargo do município, por exemplo, a partir do regramento da União, a “ordenação do trânsito urbano”[17]. A propósito, exemplo citado na obra de João Guimarães é a escolha realizada pela União (Código de Trânsito Brasileiro) a respeito do lado que será definido como mão e contramão, não sendo permitido ao município alterar a regra já instituída. De outra parte, é plenamente possível que o ente federativo local, verificando necessidade de adequar o trânsito para eficácia da mobilidade urbana, regulamente vias de mão única, bem como horários para circulação de determinados tipos de veículo[18].   2 Dever do município em promover e regulamentar o uso de transportes alternativos Conforme já mencionado nas linhas introdutórias deste artigo, a mobilidade urbana, garantia constitucional prevista no art. 144, §10 da CRFB/88, é direito dos cidadãos e reclama a atuação do Estado (segundo a esfera de competência de cada um dos entes federativos), sobretudo para regulamentar e integrar os diferentes modais de transportes, a fim de efetivar a ordenação urbana. Buscando solidificar o comando constitucional, emergiram instrumentos legais como, o Estatuto das Cidades (lei nº 10.257/2001) que, dentre outros, estabeleceu as diretrizes gerais da política urbana no Brasil, e a Lei da Mobilidade Urbana (lei nº 12.587/2012), que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do município. A lei nº 12.587/2012 estabelece, como prioritários, os modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. Elenca, ainda, princípios que fundamentam a Política Nacional da Mobilidade Urbana, como o princípio da acessibilidade universal, do desenvolvimento sustentável das cidades e da equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo. Observa-se que a lei nº 12.587/2012 avançou no sentido de reverter a lógica individualista (centrada no padrão de mobilidade motorizado e individual) e marcada pela falta de integração entre planejamento urbano e mobilidade de pessoas, aprimorando, inclusive, instrumentos já disciplinados pelo Estatuto das Cidades (lei nº 10.257/2001) com a finalidade de promover o crescimento urbano equilibrado. Aliado a esses instrumentos legais, decorre da própria Constituição da República de 1988 (art. 170, VI e art. 225) o dever de preservação do meio ambiente, daí a razão de se pensar em sistemas de transportes alternativos, eficientes, acessíveis e que, concomitantemente, contribuam para a diminuição da poluição atmosférica e sonora, dos congestionamentos, dos acidentes e do consumo de combustíveis. Já restou consolidado, inclusive por manifestação do Supremo Tribunal Federal há mais de duas décadas[19], que o meio ambiente ecologicamente equilibrado constitui direito de terceira geração, que assiste a todo gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações. Bulos elucida a garantia constitucional como “um direito difuso, pois não se funda num vínculo jurídico determinado, específico, mas em dados genéricos, contingentes, acidentais e modificáveis”[20]. A respeito do dever da municipalidade em promover ações que visam à preservação do meio ambiente, restou configurado pelo art. 23, VI da CRFB/88 que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas. A partir de tais dispositivos constitucionais que resguardam a preservação ambiental, evidente que a poluição praticada a partir da combustão necessária para propulsão de veículos automotores é medida prejudicial ao meio ambiente ecologicamente equilibrado[21], sendo imperativa a implementação, pelos municípios, de políticas públicas que incentivam o deslocamento por meios de transporte alternativos[22]. Nessa perspectiva de uma política de mobilidade urbana que busca a qualidade de vida nas cidades por meio de um sistema de transporte adequadamente organizado para garantir condições dignas de circulação de pessoas e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente, tem-se o pano de fundo que encampa a discussão do presente artigo, conforme os próximos subitens.   2.1 Utilização de bicicletas como modal de transporte sustentável da população urbana Nas décadas passadas, o planejamento urbano concedia espaço privilegiado ao automóvel no sistema viário, em detrimento aos modais não-motorizados. Além disso, as  políticas de redução de financiamento, de tarifas de importação e de impostos (Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI), os vultosos investimentos em rodovias, somado ao aumento da produção de veículos, foram fatores responsáveis pela transformação dos centros urbanos, bem como pelo excessivo aumento de veículos automotores nesses espaços[23]. Esse cenário explica as recorrentes situações de lentidão no trânsito que marcam a rotina dos indivíduos nos centros urbanos, inclusive, daqueles que podem adquirir veículos próprios e confortáveis, uma vez que a questão relativa ao tempo dispendido no trânsito não pode ser solucionada com o poder de compra do usuário do transporte em via terrestre. Também reverbera para cada sujeito a questão financeira relativa ao consumo de combustível pelos veículos, já que em decorrência dos congestionamentos, se faz necessária maior quantidade de combustível para se percorrer a mesma distância. Como efeito cascata, o que se tem é um progressivo aumento do valor do combustível nos postos de gasolina, que influencia, não somente as despesas do consumidor direto (usuários individuais de vias urbanas), mas também daqueles usuários do transporte coletivo, que terão que arcar com o aumento da passagem, em razão do gasto proporcional que incidirá sobre as companhias de transporte coletivo de passageiros (ônibus)[24]. As ações implementadas no passado, resultantes de uma política de valorização do veículo individual, tornaram o automóvel, na atualidade, um meio de transporte oneroso, danoso ao meio ambiente (responsável por representativa parcela da poluição e dos congestionamentos nos centros urbanos). Ainda, quando comparado ao crescimento demográfico brasileiro, verifica-se, segundo estudo feito por Castiglioni e Faé, que “o ritmo de crescimento da frota supera o da população”.[25] Em pesquisa realizada pela Revista Exame[26] constatou-se evolução vertiginosa da concentração de carros em todo Brasil e, especificamente, nas capitais brasileiras. Foi possível observar que no ano de 2001 havia no Brasil uma população aproximada de 170 milhões de habitantes e uma frota de 21 milhões de carros, ou seja, um veículo para cada oito pessoas. No fim do ano de 2010, esta proporção passou a ser de um automóvel para cinco habitantes. Assim, enquanto a população do país cresceu 12%, o volume de carros aumentou 75%, portanto, em um ritmo seis vezes maior. Atualizando a pesquisa desenvolvida pela Exame e de acordo com os dados obtidos em consulta ao IBGE[27],[28], foi possível concluir que do ano de 2010 ao ano de 2018, houve um aumento demográfico de 9,31%, enquanto o aumento do número de veículos foi de 55,43%, ou seja, aproximadamente, seis vezes mais.[29] Observa-se, pois, que o aumento da frota persistiu maior que o crescimento populacional e se deu na mesma a proporção dos anos anteriores (2001-2010). Para Costa[30], os problemas crônicos gerados pelo sistema de transportes, tais como a poluição do ar e sonora, e demais complicações que afligem as pessoas (dificuldade de mobilidade) e as cidades (como o inchaço das vias que ligam os principais centros comerciais) motivou o aparecimento de conceitos ligados à mobilidade urbana sustentável e iniciativas em promover o transporte sustentável. O conceito de mobilidade urbana sustentável proposto pelo antigo Ministério das Cidades[31], por meio da Secretaria Nacional de Transportes e da Mobilidade Urbana, compreende o conjunto de políticas de transporte e circulação que visa proporcionar acesso amplo e democrático ao espaço urbano, na medida em que se prioriza os modos de transporte coletivo e não-motorizados, de maneira socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável[32]. Com efeito, pensar em mobilidade urbana sustentável perpassa pela otimização logística dos meios transporte; pela integração entre os diferentes modais de transporte; por mudanças tecnológicas e de fontes alternativas de energia e pelo fomento de um sistema de transporte seguro, eficiente, inteligente e com menor impacto para o meio ambiente. Nesse contexto de gestão da mobilidade urbana sustentável, a bicicleta surge como alternativa viável para locomoção nos centros urbanos, ou seja, revela-se como instrumento apto a minimizar os problemas de modalidade urbana nas cidades brasileiras, mormente se integrada aos meios de transporte público coletivo. Assim, a bicicleta passa a ser considerada como elemento essencial que integra este novo desenho urbano. A utilização de bicicletas é motivada por diversos aspectos (ambientais, energéticos de custo e de ocupação espacial) que impactam na qualidade de vida das cidades. Além de evitar os congestionamentos, a bicicleta ocupa menos espaço nos estacionamentos (uma vaga para um carro, comporta, em média aproximada, até seis bicicletas). Em comparação ao veículo motorizado, a bicicleta é mais vantajosa quanto ao custo de aquisição e de manutenção. Aponta-se, ainda, o fato de que o uso bicicleta traz benefícios para a saúde, além de facilitar o trânsito e contribuir para a redução da poluição ambiental. Além das bicicletas para uso individual, tem surgido novas soluções sustentáveis, associadas à micromobilidade compartilhada, que é considerada uma alternativa complementar de transporte. Os sistemas de compartilhamento de bicicletas (“bikesharing”) e de patinetes elétricos, via aplicativos (plataformas digitais), se inserem no conceito de micromobilidade compartilhada e constituem exemplos de solução para mobilidade urbana, tratando-se, pois, de opções acessíveis para se percorrer destinos mais curtos, em que, muitas vezes, não há rotas de ônibus, em razão da baixa demanda de usuários ou da dimensão das ruas. Dediu[33] define a micromobilidade como uma categoria de veículos, sistemas e serviços que são direcionados para veículos leves, movidos por motor elétrico, destinados ao transporte urbano, com peso inferior a 500 kg, como espécie de alternativa em meio aos veículos pesados e poluentes, com o objetivo de proporcionar aos usuários o deslocamento rápido, uma vez que com a adição de energia armazenada, pode percorrer de 10 a 15 quilômetros. O termo angariou popularidade com a proliferação de startutps de aluguel de patinetes e as bicicletas elétricas em diversos países do mundo. Embora os patinetes e as bicicletas elétricas sejam as principais expressões da micromobilidade, definições mais amplas já incluem as bicicletas convencionais. Na prática, o compartilhamento de bicicletas convencionais no modelo dockless (sem estações de retirada e devolução)[34], o usuário, por meio de aplicativo disponível em seu smartphone, se direciona até o local em que a bicicleta está disponível e, após determinar a forma de pagamento, destrava o equipamento, podendo dar início à corrida. Ao final, o usuário não necessita de devolver a bicicleta a uma estação, poderá deixar a bicicleta em áreas pré-definidas da cidade, ou seja, pontos virtuais que se inserem na área de cobertura da empresa e que podem variar de acordo com a normativa do município. Por outro lado, no modelo de compartilhamento com estações, só é permitido ao usuário encerrar a viagem após o travamento da bicicleta em uma estação. Existe, ainda, o sistema híbrido por meio do qual os usuários podem: efetuar a retirada e a devolução em uma estação; ou retirar a bicicleta da estação e travá-la em qualquer ponto virtual; ou efetuar a retirada a bicicleta de uma área virtual e devolvê-la a uma estação; ou retirar e devolver a bicicleta dentro de uma área designada. A inclusão da bicicleta (principalmente do “bikesharing”) como modal de transporte regular para circulação nos centros urbanos deve ser tomada como norte, considerando a concepção de mobilidade urbana sustentável e micromobilidade. Esse intento, contudo, está sendo efetivado a passos curtos. Conforme pesquisa realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2015, as medidas visando a implementação da Política Nacional de Mobilidade Urbana não estão sendo adotadas de maneira massiva, havendo carência do Estado na implementação de medidas que priorizam o transporte não motorizado sobre o motorizado, bem como o transporte coletivo sobre o individual[35]. Dentre outros fatores, o órgão fiscalizador das contas públicas valeu-se de análise do Orçamento Geral da União, tendo constatado que, entre 2012 a 2014, apenas R$ 956 milhões dos R$ 6,8 bilhões disponibilizados pelo governo federal para fomento ao Programa de Mobilidade Urbana e Trânsito foram utilizados pelos gestores responsáveis[36].   2.2 Regulamentação da atividade envolvendo o aluguel de bicicletas Apesar das vantagens envolvendo a utilização de meios de transporte que não demandam queima de combustível para locomoção de usuários, havendo evidente ganho ambiental, a regulamentação envolvendo as bicicletas se faz necessária, tanto em razão das regras de trânsito que deverão ser observadas nos centros urbanos, quanto em razão da segurança necessária aos usuários, com vistas a evitar acidentes e contratempos que seriam de responsabilidade da empresa exploradora da atividade econômica. Sobre a temática, há exemplos internacionais e no país envolvendo a necessária observância à legislação para regular a utilização das bicicletas compartilhadas (e afins), via aplicativos de smartphones: Na França, o governo afirmou que a evolução da circulação de patinetes elétricos foi “rápida e anárquica”, colocando pedestres em risco e, por isso, proibiu o uso do equipamento nas calçadas, além de outras regras. Em São Paulo, a Fundação Procon constatou aumento do número de acidentes com bicicletas e patinetes elétricos e recentemente notificou empresas responsáveis para fornecimento de informações[37]. Sobre o que fora noticiado na introdução, envolvendo as bicicletas compartilhadas e o Município de Vila Velha, verifica-se existir perante este ente a Lei Complementar nº 10/2006, a qual estabelece o dever de consulta prévia para o início da atividade econômica, sendo tal previsão caracterizada pela doutrina que vem sendo construída acerca da temática como “surpreendente exigência genérica de prévia aprovação municipal para o exercício de qualquer atividade econômica em seu território”[38]. Pois bem, a análise jurídica desse cenário demanda a interpretação de critérios constitucionais. A exigência de autorização para o exercício da atividade econômica parece afrontar diretamente a regra constitucional que assegura a livre iniciativa (art.170 caput e parágrafo único), ou seja, que resguarda a liberdade de exercício de atividade econômica, independente de autorização antecedente de órgãos públicos. Desse modo, a existência de condição para o exercício dessa atividade econômica acaba por ferir a livre iniciativa – valor que funda a ordem econômica nacional – das startups de compartilhamento de bicicletas. Inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal já entendeu que a intervenção estatal na economia possui limites no princípio constitucional da liberdade de iniciativa e na responsabilidade objetiva do Estado, que é decorrente da existência de dano atribuível à atuação deste[39]. Ainda sobre a discussão que envolve o art. 170, parágrafo único da CRFB/88, Bulos esclarece que a livre iniciativa econômica encontra limitação nos próprios princípios constitucionais, dentre eles o da dignidade da pessoa humana, da defesa do consumidor, do direito de propriedade e da igualdade de todos perante a lei[40]. Para Silva, a intervenção do Estado na livre iniciativa privada estaria condicionada à observância da justiça social (interesse público)[41]. Recentemente, mais uma vez o STF se manifestou, tendo declarado, em 2019, a inconstitucionalidade das leis municipais que proíbem o transporte individual acionado por plataforma digital[42], a uma porque restaria violada a liberdade de exploração da atividade econômica, a outra porque somente a União poderia legislar sobre o tema, cabendo aos Municípios a legislação acerca de matéria de interesse local (vide item 2.1, esclarecendo que a permissão ou vedação caberia à União, enquanto que a normativa envolvendo o modo de utilização do que foi permitido, esta sim, caberia aos municípios). Cabe enfatizar que a decisão da Suprema Corte envolvendo transporte privado de passageiros por empresas como a “UBER” e a “99” foi precedida por regulamentação de Lei Federal sobre a matéria, tendo a Lei nº 13.640/2018, ao alterar o Plano Nacional de Mobilidade Urbana, permitido a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras em plataformas de comunicação em rede (art. 4º, X), sendo atribuição dos municípios a regulamentação e a fiscalização deste serviço. A legislação ordinária também enfrentou o tema por linhas transversas. A título de exemplo, a Lei Federal nº 12.695/2014 (Marco Civil da Internet) dispôs sobre as diretrizes que envolvem a utilização da internet como meio de exercício da atividade econômica, afetando os modelos de negócios promovidos via internet e o funcionamento dos aplicativos desenvolvidos por statups. Anote-se que, apesar das inciativas legislativas de regulamentação, quer sejam diretas ou indiretas – neste último caso merece destaque o Marco civil da Internet que, ao incentivar a promoção da inovação e a difusão de novas tecnologias e de modelos de negócios online, regulamentou cuidadosamente questões relativas à privacidade e à segurança a serem observadas pelas startups – ainda existem limitações na regulamentação do uso compartilhado de bicicletas (“bikesharing”), como meio de transporte alternativo. A regulamentação se mostra relevante para a manutenção da ordenação urbana, de maneira que todos os meios de transporte permitidos nos centros urbanos, individuais ou coletivos, motorizados ou não, possam coexistir de maneira harmônica, respeitando, inclusive, os planos de desenvolvimento urbano estabelecidos pelos municípios[43]. Nessa linha abriga-se a competência dos municípios para estipular locais em que seria possível transitar ou não com o transporte compartilhado, estipulando regras de velocidade, de segurança, dentre outros fatores que possibilitam a exploração da atividade econômica e, concomitantemente, asseguram o regular funcionamento dos demais setores da sociedade, de forma a contribuir para a prevenção de acidentes e para eficiência da mobilidade urbana[44]. No caso em análise, a regulamentação do município de Vila Velha mostra-se plenamente questionável, já que a Lei Complementar nº 10/2006, ao exigir, de maneira genérica[45], licenciamento da Prefeitura Municipal para qualquer prestação de serviço, viola o princípio constitucional da livre iniciativa. Desse modo, tendo em vista a interpretação de que a intervenção do Estado na ordem econômica apenas seria possível ante a existência de interesse público, o que não restou elucidado/esclarecido pela Secretaria responsável pela fiscalização ao efetuar o recolhimento das bicicletas, verifica-se a ausência de motivo idôneo no ato da Administração Pública municipal.   3 Recolhimento das bicicletas em Vila Velha/ES: abuso do poder de polícia? A discussão relativa ao poder de polícia envolve, por um lado, o cidadão que quer exercer plenamente seus direitos individuais e, de outro, a Administração Pública que tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem estar coletivo, e ela o faz usando o poder de polícia[46]. Insta reconhecer que não se vislumbra qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites opostos pelo poder de polícia, já que tal limitação tem por finalidade assegurar direitos essenciais à sociedade e o fundamento do poder de polícia é o próprio princípio da supremacia do interesse público sobre o particular. Nesse aspecto, corrobora Carvalho Filho: Desse modo, outra não poderia ser a finalidade dessa intervenção através do poder de polícia senão a de proteção dos interesses coletivos, o que denota estreita conotação com o próprio fundamento do poder, ou seja, se o interesse público é o fundamento inspirador dessa atuação restritiva do Estado, há de constituir alvo dela a proteção do mesmo interesse[47]. Esse interesse público guarda relação com diversos setores da sociedade, como segurança, meio ambiente, saúde, trânsito, o que explica, por exemplo, o fato de a Administração Pública aplicar multas de trânsito, apreender medicamentos que contrariam regulamentação da ANVISA, dentre outras inúmeras situações envolvendo a intervenção do Estado sobre a iniciativa privada. A doutrina reparte o poder de polícia entre Legislativo e Executivo. No primeiro caso, o exercício do poder de polícia confere ao Estado poder para criar, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas. No segundo caso, confere-se à Administração Pública poder para regulamentar leis e deter o controle de sua aplicação, de forma preventiva (licenças, autorizações, notificações) ou repressiva (medidas coercitivas)[48]. Nesse sentido, pode o município legislar sobre matéria de trânsito, quando houver interesse predominantemente local, de forma a suplementar a legislação federal –  conforme reconhecido no item 2.1 do estudo – e, além disso, pode o município no exercício do poder de polícia, por meio de lei, criar limitações administrativas (condicionando a liberdade e a propriedade, por exemplo, aos interesses coletivos. Exemplo: limitação de velocidade de vias localizadas no perímetro urbano), como também é conferido ao ente, no exercício do poder de polícia, exercer fiscalização, à proporção que a administração municipal identificar, por exemplo, infrações de trânsito que violam a legislação elaborada pelo próprio município. Segue lavra de Guimarães sobre o tema: Portanto, não há como escapar à conclusão de que, uma vez que o Município tem competência para baixar normas de trânsito – sempre que este estiver no âmbito do seu interesse local é o próprio Município que dispõe do poder de polícia para fiscalizar o cumprimento dessas suas normas. […] (1) no âmbito do preponderante interesse local, o Município tem competência para legislar sobre trânsito; (2) por esse motivo, o Município tem poder de polícia para fiscalizar o cumprimento das normas de trânsito; (3) do que, necessariamente, decorre que o Município dispõe de mecanismos de coerção para exercer o poder de polícia, dentre os quais se destaca a imposição de multas[49]. Com efeito, respeitada a matéria e, havendo interesse da coletividade na intervenção da esfera de direitos individuais, é possível que o ente atue de maneira fiscalizatória, no exercício do poder de polícia. No exemplo do trânsito, é possível que a Administração interfira na esfera individual, desde que não exceda a competência constitucional legislativa e fiscalizatória sobre a matéria (rememore-se o exemplo relativo à inversão do sentido da “mão” e “contramão”, em que não é dado ao município poder de alteração, ante a competência privativa da União para legislar sobre matéria de trânsito). Embora o poder de polícia seja uma prerrogativa da Administração Pública, não lhe é conferida a possibilidade de, invocando a sua discricionariedade (margem de liberdade conferida por lei, que deve ser exercida com base no juízo de conveniência e oportunidade), agir de forma excessiva ou ilegal. No caso em estudo, a Administração Pública do município de Vila Velha, ao optar pela retirada das bicicletas da startup, agiu dentro da discricionariedade, porém com excesso. A medida de polícia foi excessiva e não se mostrou adequada para impedir o dano ao interesse público, porque ao tentar assegurar direitos da coletividade (na tentativa de ordenar o trânsito e evitar acidentes) – burocratizando a atividade econômica (exigindo autorização para a empresa “GROW” atuar no município) – violou outros direitos (até mesmo o direito à mobilidade urbana eficiente, disposto no artigo 144, §10, I da CRFB/88) de uma coletividade, ou seja, daqueles que almejam usar o referido meio de transporte. Uma regra a ser observada no âmbito do poder de polícia é que os meios diretos de coação só devem ser usados quando não subsistir outro também eficaz para alcançar o mesmo resultado e, nesse caso, o meio adequado seria a regulamentação de forma eficaz do uso das bicicletas compartilhadas, jamais a peremptória retirada.   3.1 Princípio da Proporcionalidade Para reconhecer eventual legitimidade da Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV) no ato de recolher bicicletas da startup “GROW” espalhadas pela cidade, faz-se necessário exame da proporcionalidade do ato em face das demais medidas cabíveis ao caso, já que a Administração Pública não deve servir de “meios mais enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei”[50]. Destaca-se, inclusive, que a própria Lei Complementar nº 10/2006 do município regra em seu art. 59, §1º que a escolha de medidas preventivas a serem aplicadas em caso de indícios de irregularidade na prestação de serviços deverá recair na menos gravosa ao estabelecimento, desde que suficiente para eliminar o risco verificado ou reduzi-lo a níveis aceitáveis. Conforme indicado na introdução do artigo, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSU) recolheu as bicicletas do município de Vila Velha, sob fundamento de que a startup não tinha comunicado previamente a prefeitura sobre o início das atividades. Evidente que o exercício do poder de polícia pela Administração Pública municipal, consistente na retirada de circulação das bicicletas, deveria ter ocorrido após diálogo com os gestores responsáveis pela startup, haja vista que o suposto interesse coletivo que motivou a retirada das bicicletas colidiu com interesse coletivo relativo à mobilidade urbana daqueles que optaram pelo uso do referido veículo de propulsão humana como meio de transporte alternativo, além do próprio direito de a pessoa jurídica exercer a sua atividade econômica (decorrência do art. 170, parágrafo único da CRFB/88). Sobre a proporcionalidade no âmbito da polícia administrativa – que se traduz pela exigência de uma relação necessária entre a limitação ao direito individual e o prejuízo a ser evitado[51] – há exemplo colacionado na obra de Carvalho Filho[52], que lista situação em que o TJRJ (TJ/RJ, ApCív nº 3.594/97, Rel. Des. Martinho Campos) reconheceu a desproporcionalidade de ato administrativo que deu prazo a estabelecimento comercial para providências contra incêndio e ao mesmo tempo o interditou. Ou seja, no caso aventado, o poder de polícia foi além do necessário para a satisfação do interesse público a qual visou proteger. Outro exemplo trazido pelo autor[53] vem do próprio Supremo Tribunal Federal (RE nº 153540-7-SP, 2ª Turma, unân., Rel. Min. Marco Aurélio, publ. DJ de 15.9.1995, p. 29519), tendo a Corte entendido que “não subsiste decisão administrativa que, sem observância do rito imposto constitucionalmente, implique a imposição de pena de suspensão, projetada no tempo, obstaculizando o desenvolvimento do trabalho de taxista”.  Extrai-se do julgado que a autoridade administrativa extrapolou o interesse público, na medida em que aplicou punição mais gravosa, circunstância que constituiu ofensa ao princípio da proporcionalidade. No caso em exame, extrai-se que não houve qualquer envio de notificação para a empresa “GROW” antecedente ao ato de recolhimento das bicicletas, o que revela que a medida coercitiva, com vistas à regularização da situação diante da Administração Pública, valeu-se de ação mais gravosa ante a necessidade do caso concreto.   3.2 Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa A aplicação de sanção no âmbito do processo administrativo ou judicial não pode ocorrer sem prévia apuração por meio de procedimento legal, em que sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da CRFB/88). O desígnio dos princípios do contraditório e da ampla defesa é a tutela do cidadão em face do arbítrio do Estado, especialmente quando atua com desvio calcado na suposta legitimidade de seus atos e esses repercutem no campo de interesses individuais do administrado. É ainda em decorrência do princípio da ampla defesa, que se impõe que nos processos administrativos (e judiciais) sejam asseguradas ao réu todas as oportunidades e meios que a lei lhe propicia para defesa, tais como “direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas (art. 2º, parágrafo único, inciso X, da Lei nº 9.784/99). O princípio do contraditório, por seu turno, é decorrente da bilateralidade do processo, consiste na oportunidade de resposta da parte contrária. Na lição de Carvalho Filho, “dentro da ampla defesa já se inclui, em seu sentido, o direito ao contraditório, que é o direito de contestação, de redarguição a acusações, de impugnação de atos e atividades”[54]. Resta pacificado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que todo ato administrativo que repercuta na esfera individual do administrado tem de ser precedido de processo administrativo que assegure a este o contraditório e a ampla defesa, com intuito de conferir segurança ao administrado e resguardar direitos conquistados por este (MS 25.687/DF, Rel. Ministro Sérgio Kukina, primeira seção, julgado em 10/06/2020, DJe 17/06/2020[55]). Acerca do tema, novamente corrobora Carvalho Filho, […] se o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir as provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade, devendo ser corrigido na via administrativa ou judicial[56]. Do caso em apreço, tem-se que a Administração Pública municipal sancionou a empresa “GROW” em multa no valor aproximado de R$120.000,00 (cento e vinte mil reais) e o ato sancionatório da Administração Pública, consubstanciado na retirada de circulação, ocorreu na mesma semana em que as bicicletas foram colocadas à disposição do público (fevereiro de 2019), ausente, portanto, qualquer processo administrativo que tenha permitido o exercício do contraditório e da ampla defesa pela startup. A partir da análise do quadro fático, diante dos princípios ora abordados, evidente a irregularidade da Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV) nos atos de fiscalização, já que, sem que fosse dada oportunidade de manifestação à startup, aplicou medida coercitiva preventiva de maior gravidade (apreensão de bens).   4 A (i)legalidade na regulamentação dos serviços de transporte urbano pela Prefeitura de Vila Velha/ES Regra o art. 18, inciso I, da Lei nº 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que é atribuição dos municípios planejar, executar e avaliar a política de mobilidade urbana, bem como promover a regulamentação dos serviços de transporte urbano. Apesar de o município de Vila Velha não ter regulamentado a matéria envolvendo a utilização de bicicletas compartilhadas, já que até a edição do presente artigo, não há qualquer disposição municipal sobre este tipo de veículo alternativo, é possível identificar anomalia na edição de norma envolvendo veículos movidos a eletricidade. Em 19/08/2019, através do Decreto nº 236/2019, a Prefeitura Municipal de Vila Velha (PMVV) regulamentou o uso e compartilhamento de veículos ciclo elétricos na infraestrutura de mobilidade urbana da cidade[57]. Ocorre que sem uma legislação federal sobre a matéria, como foi o caso da Lei nº 13.640/2018, citada em item 2.4, não seria viável que a PMVV regulamentasse o transporte de passageiros por veículos ciclo elétricos, haja vista necessária disciplina prévia pela União (vide art. 22, IX da CRFB/88). Tratando de caso análogo, em que o município de São Paulo teria regulamentado de antemão a matéria, assim restou estabelecido[58]: Se o legislador federal, a quem compete primeiro cuidar do tema, ainda é revel em relação aos novos modais de transporte, não me parece que possa o Município de São Paulo formular normas com base apenas nas metas fixadas pela Lei Municipal 16.050/2014, sem que haja parâmetros legais para balizar como será sua atuação. Do contrário, seria o mesmo que admitir uma atuação indevida da Administração Pública no vácuo legislativo, em clara ofensa ao princípio da legalidade. Dessa forma, mesmo buscando fundamentação na competência constitucional do Município para elaboração de seu plano diretor, a imprescindibilidade de edição de lei federal é inescapável. […] Ora, a regulamentação do compartilhamento de bicicletas e patinetes elétricos na capital paulista demandava edição de normas de caráter geral e abstrato e, por isso, o uso do decreto para esse fim é de duvidosa legalidade. A licença exigida pelo Poder Executivo do município de Vila Velha referente aos veículos ciclo elétricos[59] viola o princípio da legalidade, porquanto somente Lei Federal poderia exigir o cumprimento de certos requisitos para exploração de determinada atividade econômica. O ato administrativo de licenciar determinada atividade, inclusive, já foi apontado por Carvalho Filho[60] e Di Pietro[61] como ato vinculado, ou seja, havendo adequação aos requisitos previstos em Lei, a autorização é medida que se impõe. O cerne do problema é que não há lei federal regrando o tema, razão pela qual as exigências postas pela PMVV, por meio do Decreto Municipal nº 236/2019 (que regulamento os ciclos elétricos), também são eivadas de ilicitude.   Considerações finais Este artigo buscou elucidar a importância da utilização de modais de transporte alternativo (em especial, o “bikesharing”) como ferramenta apta a concretizar o que se denomina mobilidade urbana sustentável, bem como apontou sobre a necessidade de regulação das atividades que envolvem o compartilhamento de bicicletas, a fim de harmonizar e ordenar o funcionamento dos meios de transporte em vias municipais. Primeiramente, restou evidenciado os limites da competência legislativa em âmbito municipal sobre matéria de trânsito, situação em que caberia ao município, de maneira suplementar à normativa federal, legislar sobre matéria local, visando organizar e otimizar o transporte em vias urbanas. Também fora esclarecido que o ente federativo municipal tem o dever de implementar políticas públicas visando a disseminação de transportes alternativos, seja em razão de previsão constitucional no sentido de que cabe ao município proteger o meio ambiente e combater a poluição, seja em razão de legislação ordinária, como a Lei nº 12.587/2012, que implementou a Política Nacional de Mobilidade Urbana, a qual determina aos municípios a tarefa de planejar e executar alternativas de mobilidade urbana, priorizando, por exemplo, os modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e os serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. Apesar das vantagens envolvendo a utilização de bicicletas (tanto para o indivíduo, quanto para a coletividade), foi possível constatar que a regulamentação do uso deste modal de transporte em vias urbanas é medida que se impõe ao município, tendo em vista principalmente a necessidade de normas de segurança para a convivência harmônica com outros meios de transporte, coletivos ou individuais. Ocorre que tal regulamentação encontra limites constitucionais. O princípio da livre iniciativa é um desses limites, cuja observância deve ser imperativa quando da edição de normas envolvendo o transporte terrestre. Parte-se da previsão constitucional de que a todos é garantido o livre exercício e exploração de atividades econômicas, de modo que cabe ao município, dentro da legislação que envolve interesse local, regulamentar estas atividades sem que haja cerceamento no seu exercício (medidas desproporcionais ou exigências prévias à implementação que não estejam justificadas em motivos idôneos, leia-se, motivos que justificam a prevalência do interesse coletivo sobre o interesse individual). Feitas as considerações teóricas, foi possível concluir que o poder de polícia, materializado na atividade fiscalizatória realizada pela Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSU), mostrou-se excessivo, já que, ao ter tirado as bicicletas de circulação, não respeitou a proporcionalidade na medida preventiva aplicada. Também não oportunizou o contraditório e ampla defesa à pessoa jurídica que sofreu a apreensão dos bens, já que não houve qualquer procedimento que conferisse à empresa “GROW” a possibilidade de manifestação prévia ao ato administrativo exercido pela SEMSU. A partir de análise doutrinária, verificou-se que a Lei Complementar nº 10/2006, editada pelo Poder Executivo do Município de Vila Velha, viola o princípio do livre exercício econômico, na medida em que prevê licenciamento, de maneira genérica, a todas as atividades e serviços de natureza econômica. Também restou esclarecido que o Decreto Municipal nº 236/2019 não poderia ter versado sobre veículos ciclo motores, haja vista a ausência de legislação federal dispondo sobre regras gerais acerca da matéria. Isso porque faz-se necessária a disciplina pela União, para que posteriormente o ente municipal, em atenção ao interesse local, discipline as particularidades da questão. Apesar do encerramento das atividades pela statup no município de Vila Velha não ter sido unicamente motivado pelo regramento editado em âmbito municipal (Lei Complementar nº 10/2006) que cerceou a livre iniciativa econômica (a saída também se deu por motivos operacionais, envolvendo o mercado de ações e outros fatores privados)[62], impõe-se necessário o reconhecimento da inconstitucionalidade da LC nº 10/2006 (violação ao princípio da livre iniciativa econômica), da ilegalidade do ato de retirada sumária das bicicletas (realizado em fevereiro de 2019), bem como da ausência de competência do ente federativo para a edição de normas envolvendo o compartilhamento de bicicletas até que a União legisle, ainda que genericamente, sobre o tema.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/mobilidade-urbana-e-regulamentacao-municipal-aluguel-de-bicicletas-como-modelo-de-interacao-entre-estado-e-setor-privado/
Limites da Discricionariedade Administrativa
Resumo:  Este artigo traz a análise dos limites da discricionariedade administrativa, com base na doutrina de direito administrativo. O presente trabalho abordará a Administração Pública, conceituando-a e destacando alguns de seus principais princípios, pertinentes ao tema. Adiante, será feita a análise  do ato administrativo, elementos, atributos e mérito, a fim de chegar ao estudo do poder discricionário da administração pública, destacando aspectos terminológicos e conceituais, bem como a distinção dos atos vinculados, e verifica, ainda, acerca dos limites da discricionariedade administrativa e aspectos de seu controle jurisdicional, em especial, quanto a possibilidade ou não do exame de mérito do ato 6administrativo discricionário e do controle jurisdicional efetuar-se mediante princípios.
Direito Administrativo
Introdução Nem todas as condutas dos agentes administrativos são possíveis de serem totalmente determinadas em lei, mesmo que esta busque estabelecer parâmetros e restrições à atuação dos administradores, e também, ofereça em determinadas situações, liberdade de escolha de uma dentre duas ou mais soluções válidas, bem como a possibilidade de valoração de suas condutas, mediante aspectos de oportunidade e conveniência dos atos que praticarem, considerando o mérito administrativo. A prerrogativa de escolha de uma solução válida e a possibilidade de valoração das condutas mais adequadas à satisfação do interesse público, conferida aos agentes administrativos, com base nos aspectos de oportunidade e conveniência, é o que se denomina de discricionariedade administrativa, ou poder discricionário. Percebe-se que o conceito de poder discricionário acompanhou a evolução do princípio da legalidade, de modo que quanto mais se amplia o conceito de legalidade, mais se reduz a discricionariedade administrativa, ou vice-versa, eis que este é um princípio característico do Estado de Direito. Assim, a discricionariedade administrativa é um tema que sempre revelou preocupação aos estudiosos de Direito Administrativo, pois é um assunto que não permaneceu estático no tempo, de modo que o posicionamento e tratamento doutrinário brasileiro têm evoluído no sentido de tentar estabelecer parâmetros para sua caracterização e limites para sua atuação. Ao longo do trabalho, percebe-se que existem posicionamentos diversos sobre o assunto. De um lado há quem defenda a necessidade de um maior limite aos atos administrativos discricionários e um maior controle do Poder Judiciário, em virtude dos inúmeros problemas da Administração Pública, como, por exemplo, a corrupção. E, de outro lado, aqueles que veem a necessidade de liberdade de escolha aos agentes administrativos, considerando as múltiplas demandas e as reinvindicações da sociedade atual para que a Administração possa agir de forma mais gerencial e eficiente no intuito de melhor prestar o serviço público. Neste sentido, se mostra relevante o tema em pauta, eis que busca verificar e compreender melhor as tendências atuais do Direito Administrativo a respeito do assunto, sendo o grande desafio do presente trabalho investigar e identificar os limites do poder discricionário, examinando a possibilidade e abrangência de seu controle jurisdicional, conforme o posicionamento da moderna doutrina pátria.   É um artigo de revisão que analisa doutrinas contemporâneas acerca da discricionariedade administrativa mediante revisões bibliográficas. O estudo será realizado de forma qualitativa, eis que trabalhará com analise da natureza, do alcance e das possíveis interpretações para o tema em pauta, sendo que o aspecto qualitativo refere-se a “[…] propriedade de ideias, coisas e pessoas que permite que sejam diferenciadas entre si de acordo com suas naturezas” (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2017, p.138).   O método usado para o desenvolvimento do trabalho, será o dedutivo, que parte da analise de argumentos gerais para premissas particulares, sendo apresentados conceitos já formulados para se chegar ao tema proposto, ou seja, iniciando pela análise da Administração Pública até tratar especificamente da discricionariedade administrativa. Assevera-se que o propósito deste estudo é contribuir para uma melhor compreensão do tema proposto, sem pretender-se, no entanto, esgotar a análise, haja vista a ampla dimensão da matéria para o Direito Administrativo.   1 Limites da Discrionariedade Administrativa 1.1 A administração Pública             Inicialmente, destaca-se uma função específica do Estado, qual seja, a função administrativa. Sendo, o Poder Executivo quem desempenha preponderantemente a função ou atividade administrativa. Embora, todos os Poderes exercitem funções administrativa e para desempenhar essas funções, são criadas estatais, indicadas normalmente por meio da expressão Administração Pública (JUSTEN FILHO, 2018).   Com base nesse entendimento, de acordo com Gasparini (2007, p.56) a função ou atividade administrativa está relacionada a um “múnus público para quem a exerce”, significando encargo de guarda, conservação e aprimoramento de bens, interesses e serviços da coletividade, que se desenvolve segundo a lei e a moralidade administrativa (p.56).   Dessa forma, acerca da origem etimológica da palavra Administração, faz-se referência a “manus, mandare, cuja raiz é man” destacando ser-lhe” natural a ideia de comando, orientação, direção e chefia, ao lado da noção de subordinação, obediência e servidão (GASPARINI, 2007).   Embora pode-se considerar difícil estabelecer um conceito para Administração, Medaur (2006, p. 44) ensina que a Administração Pública “como objeto precípuo do Direito Administrativo, encontra-se inserida no Poder Executivo, podendo ser considerada pelo ângulo funcional e organizacional. De modo que, no aspecto funcional, significa um conjunto de atividades do Estado que auxiliam as instituições políticas e organizam a realização das finalidades públicas. Já sob o aspecto organizacional, representa a Administração um conjunto de órgãos e entes estatais que produzem serviços, bens e utilidades para a população.   Diante desses aspectos, interessante destacar que para Di Pietro (2012, p. 54, grifo do autor) a Administração Pública em conceito amplo e subjetivo é identificada como, “[…] compreende tanto os órgãos governamentais, supremos, constitucionais (Governo), aos quais incumbe traçar planos de ação, dirigir, comandar, como também os órgãos administrativos, subordinados, dependentes (Administração Pública, em sentido estrito), aos quais incumbe executar os planos governamentais’     Por outro lado, a Administração em sentido amplo, entretanto objetivamente considerada para o mesmo autor acima citado, compreende a função política, que traça as diretrizes governamentais e a função administrativa, que as executa (DI PIETRO, 2012).   Feitas essas considerações acerca do conceito de Administração Pública, nota-se que há dificuldade em estabelecer um conceito preciso e definido sobre o assunto. A seguir serão destacados alguns princípios que norteiam a Administração Pública a fim de contribuir para um melhor entendimento do tema em discussão.   1.2 Princípios da Administração Pública Princípios são proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturas e institutos subsequentes de uma disciplina. São os alicerces, os fundamentos da ciência, e surgem como parâmetros para a interpretação das demais normas jurídicas (MARINELLA, 2018), por isso, neste momento buscar-se-á estudar alguns dos principais princípios que norteiam o Direito Administrativo, bem como o ordenamento jurídico.   Estabelece expressamente a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, caput, alterado pela Emenda Constitucional n. 19/98, cinco princípios mínimos a que a Administração Direta e a Indireta devem obedecer, sendo eles: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. No entanto, a Administração também é orientada por inúmeros outros princípios espalhados pelo texto constitucional. Assim, passa-se a uma breve análise individual de alguns princípios.   1.2.1 Princípio da Supremacia do Interesse Público Mediante um patamar de superioridade, o princípio da supremacia determina privilégios jurídicos do interesse público sobre o particular, de modo que a Administração terá posição privilegiada em face dos administrados, além de prerrogativas e obrigações que não são extensíveis aos particulares. Sobre o assunto, leciona Marinella (2018, p. 74):    “A supremacia é considerada um princípio geral do direito, inerente a qualquer sociedade, como condição de sua existência e como pressuposto lógico do convívio social. Esse princípio não está escrito, de forma expressa, no texto da Constituição, embora se encontrem inúmeras regras constitucionais que a ele aludem ou impliquem manifestações concretas dessa superioridade do interesse público. Empregando essa ideia, o constituinte introduziu alguns dispositivos que permitem ao Estado adquirir a propriedade do particular, independentemente da sua vontade, tendo como fundamento uma razão de interesse público […]”.   Mais especificadamente, no Direito Administrativo, esse princípio pode ser identificado nas prerrogativas do regime público de algumas pessoas jurídicas, como é o caso das autarquias que trazem em seu bojo privilégios tributários e processuais, além de outros.   Destaca-se que nos atos administrativos, verifica-se essa supremacia em seus atributos, eis que gozam de presunção de legitimidade, autoexecutoriedade e de imperatividade, podendo ser praticados independente da autorização do Poder Judiciários e impostos de forma coercitiva à coletividade (MARINELLA, 2018).   Por fim, há de se destacar também, que o princípio da supremacia do interesse público serve de instrumento para “inspirar o legislador, inclusive na criação de novos institutos” (DI PIETRO, 20012, p. 219), bem como para vincular a Administração na aplicação da lei sempre em busca de atender o interesse público.   1.2.2 Princípio da Legalidade O Estado Democrático de Direito possui como base o princípio da legalidade, garantindo que todos os conflitos sejam resolvidos pela lei, considerado assim princípio basilar do regime jurídico-administrativo, bem como, para Marinella, (2018. p.77) “o princípio da legalidade trata-se, inclusive, da maior característica do Estado brasileiro”.   A validade e a eficácia da atividade administrativa ficam condicionadas à observação da norma legal, entretanto, é impreterível salientar que a exata compreensão do princípio da legalidade não exclui o exercício da atuação discricionário do agente administrativo, levando-se em consideração a conveniência e oportunidade do interesse público, o juízo de valor da autoridade e sua liberdade, de modo que em inúmeras situações  a Administração terá de se valer do poder discricionário para efetivamente atender à finalidade legal e, por corolário, cumprir o princípio da legalidade previsto no art. 37, caput da CF/88 (MARINELLA, 2018).   Diante do exposto, pode-se dizer que, ao administrador público não se concede faculdade de escolha. Não optando pelo interesse público, não será, consequentemente, administrador público (FAZZIO JÚNIOR, 2007).   1.2.3 Princípio da Impessoalidade  O princípio da impessoalidade, consagrado expressamente no art. 37 da CF/88, para Oliveira (2019) possui duas possíveis acepções : igualdade ou isonomia e proibição de promoção pessoal, de modo que na primeira a Administração deve dispensar tratamento impessoal e isonômico aos particulares, com a finalidade de atender o interesse público, já na segunda, as realizações públicas não são feitos pessoais dos seus respectivos agentes, mas, sim, da respectiva entidade administrativa, motivo pelo qual o Poder Público deve dar caráter educativo, informativo ou de orientação social a seus atos administrativos, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagem que caracterizem promoção pessoal dos agentes públicos, conforme prescrição do art. 37, §1º, da CF/88.   1.2.4 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade O princípio da razoabilidade nasce e desenvolve-se no sistema da common law. À parte a sua origem remota na cláusula law of the land da Magna Carta de 1215, o princípio surgiu no direito norte-americano por meio da evolução jurisprudencial da cláusula do devido processo legal, consagrada nas Emendas 5.ª e 14.ª da Constituição dos Estados Unidos (OLIVEIRA, 2019).   O princípio da proporcionalidade divide-se em três subprincípios, conforme leciona Oliveira (2019), o primeiro é a Adequação ou idoneidade: o ato estatal será adequado quando contribuir para a realização do resultado pretendido; Necessidade ou exigibilidade: em razão da proibição do excesso, caso existam duas ou mais medidas adequadas para alcançar os fins perseguidos, o Poder Público deve adotar a medida menos gravosa aos direitos fundamentais; Proporcionalidade em sentido estrito: encerra uma típica ponderação, no caso concreto, entre o ônus imposto pela atuação estatal e o benefício por ela produzido.   Assim, finda a breve analise sobre alguns dos principais princípios do Direito Administrativo, tem-se por esgotada a abordagem de alguns dos princípios mais relevantes da Administração Pública ao presente estudo, passando-se, a seguir, ao exame do ato administrativo, o qual é imprescindível a compreensão do tema neste trabalho.   2.3 Atos Administrativos             Os atos administrativos podem ser conceituados, como a exteriorização da vontade administrativa, podendo ocorrer de inúmeras maneiras, notadamente mediante manifestações unilaterais, que são os atos administrativos bilaterais, ocorrendo através dos contratos da Administração Pública ou plurilaterais por meio de consórcios e convênios, (OLIVEIRA, 2019).   Ainda, conforme Meirelles (2014) ato administrativo é toda a manifestação de vontade unilateral da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.   A fim de expor em linhas gerais, o significado de ato administrativo, passa-se, por conseguinte, ao exame dos elementos necessários à sua formação.   2.3.1 Elementos Os atos administrativos, espécies de atos jurídicos, podem ser analisados a partir dos “planos da existência que são elementos de estruturação dos atos, da validade que corresponde à compatibilidade com o ordenamento jurídico e da eficácia, que identifica-se como a aptidão para produção de efeitos jurídicos” (OLIVEIRA, 2019, p.312).   Quanto aos os efeitos dos atos administrativos podem ser divididos da seguinte forma: Efeitos típicos (ou próprios), que são os efeitos principais, previstos em lei e que decorrem diretamente do ato administrativo (ex.: o ato de demissão acarreta a extinção do vínculo funcional do servidor); ou Atípicos (ou impróprios), que correspondem a efeitos secundários do ato administrativo, (OLIVEIRA, 2019).   Assim, é possível elencar basicamente cinco elementos necessários à sua formação, quais sejam: competência, finalidade, forma, motivo e objeto, sendo que constituem a infraestrutura do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão.   Partindo para o exame dos elementos, o primeiro a ser estudado é a competência, a qual trata-se de um elemento relacionado ao poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções, sendo resultado da lei e por delimitada (MAZZA, 2018).   O segundo elemento a ser analisado é o da finalidade, o qual deve ser abordado explicita ou implicitamente pela lei, não cabendo ao administrador  escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos (OLIVEIRA, 2019).   A forma é o terceiro elemento a ser tratado, sendo esta característica de todo ato administrativo, possibilitando que o mesmo seja contrasteado com a lei e aferido frequentemente, pela própria administração e até pelo Judiciário, para verificação de sua validade.   Assim, a forma é exteriorização do conteúdo. Não haverá ato administrativo se o conteúdo não for divulgado pelo agente competente. Exemplo: texto de ato administrativo esquecido na gaveta. Objeto do ato administrativo é o bem ou a pessoa a que o ato faz referência. Desaparecendo ou inexistindo o objeto, o ato administrativo que a ele faz menção é tido como juridicamente inexistente. (MAZZA, 2018).   Já o quarto elemento é o motivo, que significa “a situação de direito ou de fato que determina ou autoriza a realização do ato administrativo”, (MEIRELLES, 2014), o qual pode estar expresso na lei, sendo então vinculado, ou pode ser um critério de oportunidade e conveniência, considerado assim como um elemento do poder discricionário. Desse modo, ressalta-se que o motivo deve sempre ser ajustado ao resultado do ato, ou seja, aos fins que se destina.   O objeto, é o quinto e último requisito, o qual para Meirelles (2014) é identificado como o conteúdo do ato, mediante o qual a Administração Pública manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta situações preexistentes. Dessa forma, nos atos discricionários, por exemplo, o objeto fica na dependência da escolha da Administração pública, constituído essa vontade opcional o mérito administrativo.   Além dos elementos citados acima, será analisado o mérito administrativo, que apesar de não integrar o rol sugerido, é de fundamental importância para a compreensão do tempo proposto no presente trabalho. Verificados os elementos do ato administrativo, passa-se a examinar os principais atributos inerentes ao mesmo.   2.3.2 Atributos Os atos administrativos são revestidos de propriedades jurídicas especiais decorrentes da supremacia do interesse público sobre o privado. Nessas características, reside o traço distintivo fundamental entre os atos administrativos e as demais categorias de atos jurídicos, especialmente os atos privados. “A doutrina faz referência a quatro atributos: presunção de legitimidade; imperatividade; autoexecutoriedade; e tipicidade” (MAZZA, 2018, p.303).   A seguir observa-se algumas considerações a respeito dos atributos aqui mencionados de maneira concisa.   2.3.2.1 Presunção de legitimidade e de veracidade Os principais efeitos da presunção de legitimidade e de veracidade são a autoexecutoriedade dos atos administrativos e a inversão do ônus da prova. Neste sentido, leciona Oliveira (2019, p. 330):   “A presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos é justificada por várias razões, tais como a sujeição dos agentes públicos ao princípio da legalidade, a necessidade de cumprimento de determinadas formalidades para edição dos atos administrativos, celeridade necessária no desempenho das atividades administrativas, inviabilidade de atendimento do interesse público, se houvesse a necessidade de provar a regularidade de cada ato editado etc. Trata-se, no entanto, de presunção relativa (iuris tantum), pois admite prova em contrário por parte do interessado”.   Quanto à inversão do ônus da prova, é preciso esclarecer que tal efeito não decorre da presunção de legitimidade, mas da presunção de veracidade, uma vez que a adequação à lei é matéria de interpretação. Inclusive, na hipótese em que o administrado pretende invalidar o ato administrativo, não há propriamente inversão do ônus da prova, pois o autor da pretensão já possui o ônus primário de provar os fatos constitutivos do seu direito. Por outro lado, o Poder Público, quando propõe a ação judicial, está dispensado, em princípio, de provar a veracidade dos atos administrativos, invertendo-se o ônus da prova (OLIVEIRA, 2019).   2.3.2.2 Imperatividade Os atos administrativos são, em regra, imperativos ou coercitivos, uma vez que representam uma ordem emanada da Administração Pública que deve ser cumprida pelo administrado. “A Administração Pública, pautada pelo respeito à juridicidade e pela busca da efetivação do interesse público, tem a prerrogativa de impor condutas positivas e/ou negativas aos particulares” (OLIVEIRA, 2019, p. 331).   A imperatividade, faz com que os comandos administrativos sejam obrigatórios a todos os que na hipótese se enquadrem, porque tais atos presumem-se legítimos e verdadeiros até prova definitiva em contrário, uma vez que o Estado só pode agir conforme a lei e o interesse público, assim a Administração executa imediatamente, independentemente de declaração de validade ou aquiescência, as atividades necessárias, e o particular que se sentir prejudicado é que deve acionar o Judiciário, se assim o desejar (ARAÚJO, 2018).   2.3.2.3 Autoexecutoriedade A autoexecutoriedade permite à Administração Pública executar suas decisões sem necessidade de autorização do Poder Judiciário. Deve-se respeitar os princípios da legalidade e da proporcionalidade. São situações emergenciais ou hipóteses legalmente previstas. Por serem desde logo exigíveis e permitirem autoexecutoriedade, presume-se que os atos administrativos são legais. é presunção relativa, pois admite prova em contrário.   Para Oliveira (2019) A autoexecutoriedade dos atos administrativos significa que a Administração possui a prerrogativa de executar diretamente a sua vontade, inclusive com o uso moderado da força, independentemente da manifestação do Poder Judiciário. Ex.: demolição de obras clandestinas, inutilização de gêneros alimentícios impróprios para consumo, interrupção de passeata violenta, requisição de bens em caso de iminente perigo público etc. Trata-se de atributo que decorre da presunção de legitimidade e de veracidade dos atos administrativos com o objetivo de promover, com celeridade, o interesse público.   2.3.2.4 Tipicidade             A tipicidade diz respeito à necessidade de respeitar a finalidade específica definida na lei para cada espécie de ato administrativo. Dependendo da finalidade que a Administração pretende alcançar, existe um ato definido em lei.   Ela é válida para todos os atos administrativos unilaterais, podendo proibir, por exemplo, que a regulamentação de dispositivo legal seja promovida utilizando­se uma portaria, já que tal tarefa cabe legalmente a outra categoria de ato administrativo, o decreto (MAZZA, 2018).   2.3.3 Mérito O mérito é a liberdade conferida pelo legislador ao agente público para exercer o juízo de ponderação dos motivos e escolher os objetos dos atos administrativos discricionários. É possível afirmar que o mérito é o núcleo dos atos administrativos discricionários. Não há mérito na edição de atos vinculados. (OLIVEIRA, 2019).   Ainda, é na possibilidade de valoração dos motivos e na escolha do objeto feitas pela Administração Pública incumbida de sua prática, quando autorizada a deliberar sobre conveniência e oportunidade, bem como justiça na realização do ato, que é constituído o mérito administrativo (MEIRELLES, 2014).   Destarte, para Meirelles (2014), tem-se que no mérito administrativo consiste em instituto diretamente relacionado com a discricionariedade administrativa, já que nos atos vinculados, nos quais o motivo e o objeto já vêm predeterminados na lei, não há que se falar em mérito administrativo, visto que toda a atuação do Executivo se resume no atendimento de disposições legais.   Resta constar um aspecto interessante, segundo a doutrina de Carvalho Filho (2019) quanto á impossibilidade do Poder Judiciário intrometer-se na análise dos critérios de conveniência e oportunidade eleitos, sendo-lhes vedado exercer controle judicial sobre mérito administrativo.   Cabe, por fim,  examinar a extinção dos atos administrativos, de modo que pode a Administração desfazer seus atos mediante considerações de mérito e legalidade, ao passo que o Judiciário só os pode invalidar quando ilegais (MEIRELLES, 2014).   Assim, para Di Pietro (2012) a anulação ou invalidação, significa o desfazimento do ato administrativo por razões de ilegalidade, produzindo efeitos ex tunc, ou seja, a partir da data em que foi emitido. Já a revogação, consiste no ato discricionário pelo qual a Administração extingue um ato válido, por razões de oportunidade e conveniência, produzindo efeitos ex nunc, a partir da própria revogação.   Importante, referir que a anulação do ato administrativo pode ocorrer mediante o Judiciário, no entanto, em âmbito judicial a anulação somente pode ocorrer mediante a provocação do interessado. Por outro lado, a anulação do ato pela Administração, independe de provocação, uma vez que estando vinculada ao princípio da legalidade, ela tem o poder-dever de zelar pela sua observância (DI PIETRO, 2006).   1.4 Poder Discricionário Discricionariedade administrativa, doutrinariamente, é “a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar o caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher entre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito” Araújo (2018, p.536).   Desse modo, destaca o mesmo autor sobre o assunto, Araújo (2018, p.536):   “Os poderes administrativos são disciplinados pela lei, e esta é o limite ao qual se circunscreve toda a atividade administrativa, em especial no que concerne à declaração da vontade do Estado nos atos administrativos: “dotados que são de imperatividade, presunção de legitimidade e autoexecutoriedade, é fácil imaginar que o exercício ilimitado desses poderes pode resvalar para a arbitrariedade”.     Para Meirelles (2014) o poder discricionário é caracterizado como sendo o que o Direito concede à Administração, de modo explicito ou implícito, para a prática dos atos administrativos com liberdade de sua conveniência, conteúdo e oportunidade.   Já a discricionariedade administrativa conforme DI PIETRO (2012 ) significa  a possibilidade de se ter mais de uma alternativa de escolha no exercício da função administrativa, para determinado caso concreto, respeitados os limites legais.   Muitas vezes a lei determina que, diante de certas circunstâncias ou de certos pressupostos, a Administração deverá agir de tal e qual maneira, ou tomar tais providências. Deixar apenas uma solução possível ao administrador público, sem qualquer liberdade de escolha dos meios, da ocasião ou da conveniência de, através de ato administrativo, procurar atingir interesse público objetivado, é o que se denomina vinculação.   No entanto, nem sempre isso acontece: às vezes o ordenamento jurídico deixa certa margem de opção ao agente, para a escolha de várias soluções, todas válidas perante o direito, e mesmo sobre a ocasião ou conveniência de tomar certas providências, porque a lei, propositadamente, deixou este aspecto indeterminado, para que o administrador integre a vontade da lei com sua participação direta, ao decidir qual o melhor meio de satisfazer o interesse público que a norma legal visa realizar (ARAÚJO, 2018).   Os limites da ação voluntária do agente são, portanto, o ordenamento jurídico (limites traçados pela lei para o caso concreto), a competência (do agente e do órgão), a finalidade (do interesse público concreto) e a forma (prescrita ou permitida pela lei): ultrapassar esses limites significa arbitrariedade, ao contrário da discricionariedade, que é a liberdade de movimentação do agente público, nos atos não vinculados, dentro de tais limites.   Nota-se que o poder discricionário enseja certa margem de desvinculação do agente público, permitindo‐lhe a formulação de juízo de valor, desse modo, leciona Couto (2019, p.310):   “Ciente da sua incapacidade e da necessidade de ação do agente público, o legislador estabelece, em determinados casos, uma pauta aberta com mais de uma solução. Ressalte‐se, por oportuno, que essa margem de liberdade não tem como objetivo outorgar poder ilimitado ao Administrador Público, mas tem como escopo melhor atender ao interesse público. Não há qualquer margem para a arbitrariedade, pois a liberdade de escolha outorgada pela lei tem que observar a conveniência e a oportunidade para a satisfação das finalidades públicas e não dos interesses pessoais daqueles que detêm tal poder‐dever”.     Assim, é pertinente lembrar que que somente quando os conceitos jurídicos indeterminados ensejarem opções para ao gestor público haverá falar em discricionariedade, pois quando a questão for de mera interpretação ou atualização dos conceitos legais não haverá falar em discricionariedade.   Exemplo de ato administrativo discricionário é autorização, visto que não basta o preenchimento de todos os requisitos normativos. A outorga precisa ser conveniente e oportuna para a Administração Pública em face do interesse público. Outro exemplo é a remoção de servidor público ex officio, pois poderá ser efetivada pela Administração Pública em caso de conveniência e oportunidade (COUTO, 2019).   1.4.1 Poder Vinculado             De acordo com Couto (2019) o poder vinculado exige que a Administração Pública adote apenas, e tão somente, a conduta estabelecida clara e taxativamente na lei, sem que se tenha estabelecido qualquer outra opção além do que prescreveu. A observância ao que fora estabelecido na lei é ponto comum a qualquer ato administrativo, portanto, o que o diferencia do ato administrativo discricionário é a inexistência de opção.   Salienta-se que o ato vinculado não permite ao administrador a possibilidade de escolha, bem como qualquer análise sobre a oportunidade e conveniência do ato ser praticado, sendo que o descumprimento na adoção da medida determinada pela lei, acarreta responsabilidade funcional do agente público.   Hely Lopes Meirelles (2014) assevera que o poder vinculado ou regrado é aquele em que o direito positivado, a lei, confere à Administração Pública a prática de ato de sua competência, determinando elementos e requisitos necessários à sua formalização. Aduz o mestre que: “Nestes atos, a norma legal condiciona sua expedição aos dados constantes de seu texto. Daí se dizer que tais atos são vinculados ou regrados, significa que, na sua prática, o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da lei”.   Como exemplo de ato vinculado, é o que outorga licença, pois a Administração pública, desde que preenchidos todos os requisitos normativos, não tem a faculdade de não editar o ato. Porém, algumas licenças, concedidas a servidores públicos, como para capacitação e para tratar de interesses particulares, são atos administrativos discricionários, conforme art. 91 da Lei n. 8.112/90.   Alguns autores defendem a existência do ato vinculado, ao afirmarem que “ao maios ou menor grau de vinculação do administrador à juricidade corresponderá, via de regra, maior ou menor grau de controlabilidade judicial de seus atos[…]” (COUTO, 2019, p.309).   1.4.2 Limites da Discricionariedade Administrativa O exercício do poder discricionário deve ser realizado com observância a determinados limites, caso contrário, poderá configurar atividade arbitrária do agente público.   Desse modo, o estudo sobre os limites da discricionariedade administrativa deve ser relacionado ao controle jurisdicional dos atos da administração  pública, eis que são esses limites que definirão a esfera de atuação administrativa e seu poder de livre decisão, que para Di Pietro (2014, p. 133), constituem-se em aspectos “inapreciáveis pelo Poder Judiciário”.   Neste sentido, ao Poder Judiciário não é permitido invadir o espaço reservado, pela lei, ao administrador, pois senão, o juiz substituiria, por seus próprios critérios de escolha, a opção legal da Administração Pública, com base em critérios de oportunidade e conveniência que ela, melhor do que ninguém, pode apreciar diante de cada caso concreto (DI PIETRO, 2014).   Carvalho Filho (2019) enfatiza que a moderna doutrina, sem exceção, tem consagrado com limitação ao poder discricionário, possibilitando maior controle do Judiciário sobre atos que dele derivem. No entanto, salienta que não se permite ao Judiciário a aferição a critérios administrativos de conveniência e oportunidade firmados em conformidade com os parâmetros legais, isso porque o juiz não é administrador e não exerce basicamente função administrativa, mas sim jurisdicional.   Ademais, segundo o autor, um dos fatores exigidos para a legalidade do exercício desse poder consiste na adequação da conduta escolhida pelo agente à finalidade que a lei expressa, bem como a verificação dos motivos inspiradores da conduta (CARVALHO FILHO, 2019).   Inclusive, quanto à necessária adequação da conduta do agente à finalidade legal, faz-se, aqui, sucinta referência à teoria dos Desvio de Poder, mediante a qual, segundo Di Pietro (2014), fica o poder judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionaridade, ao desviar-se dos fins de interesse público definido na lei.   Outrossim, quanto à necessária verificação dos motivos inspiradores da conduta Carvalho Filho (2019) leciona que segundo a teoria dos motivos determinantes, a qual tem o objetivo de fazer com que a Administração indique “os motivos que levaram a pratica do ato”, sendo que este ato somente terá validade se os motivos forem verdadeiros. A exemplo, segundo o autor, seria o reexame das provas de um processo administrativo pelo Poder Judiciário, com finalidade de identificar se o motivo (infração) existiu de verdade.   Cumpre referir, o esforço da doutrina de Medaur (2006) em estabelecer alguns tipos de limites à discricionariedade  administrativa, para os quais denomina parâmetros, inicialmente decorrentes da observância aos princípios da CFRF/88; interesse público estabelecido por normas de regulamentação do órgão; normas de competência que atribuem poder legal para tomar medidas atinentes a determinada situação; consideração dos fatos, tal como a realidade se exterioriza; motivação da decisões; garantias organizacionais; e preceitos referentes à forma, ou seja, modo de exteriorização das decisões administrativas.   Nota-se, como são específicos os limites e parâmetros elencados pelo doutrinador acima referido, o que, sem dúvida, enrique o entendimento doutrinário a acerca do assunto. No entanto, foi possível verificar que o princípio da legalidade, de acordo com Di Pietro (2014) adquire um conteúdo axiológico, de valoração da conformidade da Administração Pública com o Direito, o que inclui, não apenas a lei, em sentido formal, mas todos os princípios que são inerentes ao ordenamento jurídico do Estado Democrático de Direito.   Conclusão Diante de todo o exposto, verificou-se que os princípios servem, na verdade, como “parâmetros” para que o administrador possa bem exercer os juízos de conveniência e oportunidade, sendo possível a anulação de qualquer ato discricionário que se torne lesivo a um dos princípios fundamentais. Portanto, com a vinculação imanente da discricionariedade aos princípios, alargam-se os horizontes de controle dos atos administrativos, impedindo que prevaleçam, por exemplo, atos arbitrários, praticados no exercício do poder discricionário. Destacados todos estes aspectos sobre a discricionariedade administrativa, percebe-se quão ricas e significativas são as discussões a respeito do tema, embora não tenha se esgotado, aqui, tão ampla matéria. Dessa maneira, o objetivo fundamental deste estudo foi apenas demonstrar que segundo o entendimento de parte da doutrina brasileira, existe a possibilidade de ampliar o controle da legalidade do ato administrativo discricionário, submetendo-o também ao crivo dos demais princípios constitucionais e gerais do Direito. Em suma, almeja-se que este estudo tenha possibilitado uma breve compreensão a respeito da discricionariedade administrativa no contexto atual, frente aos entendimentos e posicionamentos da doutrina administrativa pátria, sem ter-se, contudo, esgotado esta ampla matéria do Direito Administrativo. Por fim, como já destacado na introdução, trata-se de assunto que não permanece estático no tempo, que vem evoluindo e propiciando discussões, o que certamente, contribui  para a construção do Direito e para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e solidária, com base nos princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/limites-da-discricionariedade-administrativa/
A Amplitude de Aplicação da Sanção de Suspensão Temporária de Licitar e Impedimento de Contratar com a Administração da Lei nº 8.666/1993
O presente trabalho objetiva apresentar os pontos controvertidos sobre a amplitude da aplicação da sanção de suspensão temporária em licitação e impedimento de contratar com a administração, conforme delimita o artigo 87, inciso III, da Lei nº 8.666/1993. A atividade da pesquisa irá se orientar por várias fontes, como obras doutrinárias, artigos e legislação vigente no Brasil. Por meio das etapas do presente trabalho se fez possível entender as possíveis interpretações acerca do âmbito de abrangência da sanção de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração e a controvérsia existente entre as posições do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de um lado, e do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Advocacia-Geral da União (AGU), de outro, bem como as principais visões doutrinárias acerca da questão. Nesse sentido, faz-se relevante o estudo em busca da corrente interpretativa que se mostra mais adequada, sob diferentes prismas.
Direito Administrativo
Introdução Em linhas gerais, pretende-se apresentar as possíveis interpretações acerca do âmbito de aplicação da sanção de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a administração prevista no artigo 87, inciso III, da Lei nº 8.666/1993, destacando-se a controvérsia existente entre as posições sobre o assunto do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de um lado, e do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Advocacia-Geral da União (AGU), de outro. Nesse sentido, o escopo da pesquisa é identificar a corrente interpretativa que se mostra mais adequada, sob diferentes pontos de análise. Leva-se em consideração, para tanto, desde a análise estritamente legal do instituto à teleológica, bem como o exame sistemático e os reflexos de cada interpretação, com seu desdobramento na práxis jurídica. No momento inaugural do trabalho, opta-se por fazer uma apresentação sumária de alguns aspectos da Lei de Licitações Públicas (Lei nº 8.666/1993), com foco nas sanções nela previstas para os casos de inexecução do contrato pelo particular, explorando alguns aspectos gerais, sem maiores aprofundamentos. Ultrapassada a fase inicial, far-se-á um levantamento das diferentes posições existentes acerca da abrangência da aplicação da sanção de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, notadamente as do STJ, do TCU e da AGU. A partir disso, será desenvolvido o escopo do trabalho, a saber, um detalhamento sobre as distintas correntes interpretativas adotadas pelas referidas instituições públicas, seguida de uma análise do panorama doutrinário. Por derradeiro, será defendida a tese de que a posição do TCU, a qual também é adotada pela AGU, afigura-se como a mais correta para ser aplicada nos casos concretos. Demonstrar-se-á isso com diferentes argumentos e técnicas interpretativas, além da apresentação de acórdãos do TCU, pareceres da AGU e entendimentos doutrinários que consubstanciam a visão aduzida. O trabalho será orientado por várias fontes, como obras jurídicas diversas, jurisprudência e legislação vigente no Brasil. O método de abordagem será prioritariamente indutivo, onde se inicia a análise a partir de uma premissa particular, para atingir uma conclusão universal. Além do indutivo será utilizado também o método comparativo, com o escopo de comparar as diferentes interpretações existentes acerca da questão objeto da pesquisa. A principal fonte do material a ser pesquisado é constituída por acervo privado e estudos anteriores. Em tempo, tratando-se de metodologia de escrita científica e trabalhos acadêmicos em geral, merece destaque a lição do professor Rizzato Nunes: “O trabalho de cunho científico tem de ser útil à comunidade científica à qual se dirige, bem como, numa pretensão mais alargada, a toda a comunidade” (NUNES, 2018, p. 27).   1. Apontamentos Iniciais 1.1. Aspectos Gerais A Lei Federal nº 8.666/93, que instituiu o Estatuto das Licitações e Contratos Administrativos, é, por sua vastidão e complexidade, recheada de temas controvertidos. Notadamente por tratar de relações jurídicas verticalizadas, nas quais a Administração Pública ocupa posição vantajosa, com especiais prerrogativas, discute-se com frequência questões envolvendo o ius puniendi em face do particular que prejudica o devido cumprimento de contrato administrativo. De acordo com o artigo 54, da referida lei, os Contratos Administrativos são regidos por suas cláusulas, pelos preceitos de Direito Público e, supletivamente, pela teoria geral dos contratos e pelas disposições de direito privado. Os efeitos do descumprimento dos contratos administrativos diferem-se, em muitos aspectos, do descumprimento dos contratos privados. Com efeito, se no âmbito privado o não cumprimento das obrigações acordadas, seja ele voluntário ou não, com ou sem culpa, conduz à resolução do pacto, o descumprimento de obrigações no âmbito dos contratos administrativos pode propiciar, além da rescisão da avença, a aplicação de penalidades pelo ente público contratante. Vejamos, então, a redação do art. 87 e seus incisos, da Lei nº 8.666/1993, que estabelece, justamente, um rol de possíveis sanções a que pode lançar mão a Administração:   “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – advertência; II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.” Inicialmente, convém ponderar que, em se tratando da aplicação de sanções pela Administração Pública, não há que se falar em discricionariedade por parte do agente público. Em face do descumprimento contratual, ele possui o dever e não a faculdade de penalizar o particular infrator, sob pena de ser responsabilizado pessoalmente. Trata-se do conhecido “poder-dever” da Administração. São vários os princípios que regulam a atuação da Administração Pública no mister de aplicar penalidades. Eles estão expressos no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, bem como na própria Lei nº 8.666/1993. Além disso, algumas normas principiológicas essenciais do Direito Penal também devem ser observadas no exercício do jus puniendi administrativo. Em primeiro lugar, destacam-se os princípios da legalidade e da anterioridade, segundo os quais nenhuma sanção poderá ser imposta ao contratado senão em virtude de lei prévia que defina a infração e a penalidade a ela correspondente. Também merecem referência os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, que demandam a adequação da penalidade ao desvio de conduta cometido, levando-se em consideração a gravidade deste, as suas consequências e os eventuais prejuízos que tenha causado. Objetiva-se, assim, impedir a ocorrência de abusos e arbitrariedades. Por fim, o princípio da culpabilidade, tipicamente do Direito Penal, impõe a comprovação, no caso concreto, da presença de elemento subjetivo (dolo ou culpa) na conduta que ocasionou o descumprimento contratual, o qual deverá ser levado em consideração na aplicação da penalidade. Nada obstante, é assegurado ao contratado o devido processo legal, sendo forçosa a instauração do competente processo administrativo para apuração dos fatos ocorridos, com a salvaguarda do exercício do contraditório e da ampla defesa, inclusive, por meio da produção probatória, em observância ao disposto no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna. Finalizado o processo administrativo, emerge para o Estado o direito de punir. Exatamente nesse ponto, pretende-se focar o presente estudo na abrangência da penalidade prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, qual seja, a de suspensão temporária de licitar e contratar com a Administração, que provoca relevante controvérsia jurídica.   2. A Controvérsia Acerca da Sanção do Art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993 2.1. Diferentes Interpretações   A Lei nº 8.666/1993, em seu art. 87, inciso III, prevê a penalidade de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração, a ser aplicada ao contratado que deixar de cumprir total ou parcialmente o contrato, senão vejamos:   “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: (…) III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos”   Inicialmente, cabe destacar que, para fins da aplicação dessa penalidade, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgão ou entidade da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada (parágrafo único, do art. 2º, da Lei nº 8.666/1993). Noutra vertente, verifica-se que a amplitude de aplicação dessa sanção é tema que se mostra bastante complexo, sendo objeto de ruidosa discussão hermenêutica. Por um lado, tem-se o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em vários acórdãos, filiou-se a uma tese ampliativa da aplicação da penalidade de suspensão. Por outro lado, o Tribunal de Contas da União (TCU), a quem compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, bem como a Advocacia-Geral da União (AGU), instituição responsável pelas atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo, interpretam a questão de maneira restritiva, opondo-se à linha do STJ. Em apertada síntese, a controvérsia deriva do fato de os textos legais dos incisos III e IV, do art. 87, da Lei 8.666/93, utilizarem expressões diferentes na descrição de cada sanção. Na primeira, suspensão temporária, o legislador se vale do termo “Administração”, enquanto na segunda utiliza “Administração Pública”. Poderia ser mero caso de sinonímia, tendo os termos “Administração” e “Administração Pública” idênticos sentidos, como normalmente acontece na prática jurídica. Entretanto, a própria Lei de Licitações apresenta, em seu art. 6º, conceitos diferentes para essas duas expressões, senão vejamos:   “Art. 6º Para os fins desta Lei, considera-se: (…) XI – Administração Pública – a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas; XII – Administração – órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”   Como se observa, é notório que o legislador quis, para os fins previstos na Lei nº 8.666/1993, distinguir “Administração” e “Administração Pública”. E exatamente por isso, suscita-se o questionamento: teriam as penalidades dos incisos III e IV, do art. 87, ao utilizarem termos diferentes, a mesma amplitude de aplicação? A fim de compreender as possíveis interpretações sobre o referido tema de forma pormenorizada, passemos à análise de cada uma das correntes.   2.2. O Posicionamento do STJ O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em vários acórdãos, filiou-se à tese da incidência geral da penalidade de suspensão prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, o que impede a participação da empresa suspensa em qualquer outro certame perante a Administração Pública. Dito de outro modo, o STJ entende que a aplicação da sanção (suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração) deve produzir efeitos em relação a toda a Administração Pública e não somente ao órgão sancionador. Confiram-se alguns acórdãos daquela colenda Corte:   “ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – LICITAÇÃO – SUSPENSÃO TEMPORÁRIA – DISTINÇÃO ENTRE ADMINISTRAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – INEXISTÊNCIA – IMPOSSIBILIDADE DE PARTICIPAÇÃO DE LICITAÇÃO PÚBLICA – LEGALIDADE – LEI 8.666/93, ART. 87, INC. III. É irrelevante a distinção entre os termos Administração Pública e Administração, por isso que ambas as figuras (suspensão temporária de participar em licitação (inc. III) e declaração de inidoneidade (inc. IV) acarretam ao licitante a não-participação em licitações e contratações futuras. A Administração Pública é una, sendo descentralizadas as suas funções, para melhor atender ao bem comum. A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer órgão da Administração Pública. Recurso especial não conhecido.[1]   PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE PARTICIPAR DE LICITAÇÃO E IMPEDIMENTO DE CONTRATAR. ALCANCE DA PENALIDADE. TODA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. (…) 2. De acordo com a jurisprudência do STJ, a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei n. 8.666/1993 não produz efeitos apenas em relação ao ente federativo sancionador, mas alcança toda a Administração Pública. (…)”[2]   O fundamento para essa posição é a ideia de que a Administração Pública é una e indivisível, de modo que eventual sanção de impedimento deveria vincular todos os entes da federação. Ou seja, o STJ ignora as diferenças propostas pelo art. 6º, da Lei 8.666/1993, que diferencia categoricamente, para fins de sua aplicação, Administração e Administração Pública, bem como a utilização dessas expressões pelos incisos III e IV, do art. 87, do mesmo diploma. Dessa maneira, privilegia-se a proteção à moralidade pública, penalizando mais severamente os desvios de conduta praticados por aqueles que se sujeitam a contratos administrativos. O principal princípio que dirige o entendimento do STJ é o da supremacia do interesse público, sendo este a justificativa da extensão da abrangência da sanção de suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a administração.   2.3. Os Posicionamentos do TCU e da AGU  Por outro lado, a despeito do entendimento do respeitável Superior Tribunal de Justiça (STJ), impende observar que o Tribunal de Contas da União (TCU), a quem compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial dos órgãos e entidades públicas do país quanto à legalidade, legitimidade e economicidade, interpreta a amplitude de aplicação da sanção do art. 87, III, da Lei n. 8.666/93. Entende o TCU, de forma inequívoca, que a suspensão temporária prevista na Lei de Licitações, em vez de gerar consequências para toda a Administração Pública, deve ter seus efeitos adstritos somente ao órgão ou entidade que aplicou a sanção. É o que se observa em reiterados acórdãos, como nos seguintes:   “REPRESENTAÇÃO. DÚVIDAS SOBRE A ABRANGÊNCIA DAS PENALIDADES CONTIDAS NO ART. 87 DA LEI 8.666/1993 E NO ART. 7º DA LEI 10.520/2002. CONHECIMENTO. QUESTÃO PACIFICADA NA JURISPRUDÊNCIA DO TCU. FALTA DE CLAREZA DO EDITAL INSUFICIENTE PARA MACULAR O CERTAME. FALHA FORMAL. CIÊNCIA À ENTIDADE. IMPROCEDÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONHECIMENTO. NÃO PROVIMENTO. (…) Quanto à abrangência da sanção, o impedimento de contratar e licitar com o ente federativo que promove o pregão e fiscaliza o contrato (art. 7º da Lei 10.520/02) é pena mais rígida do que a suspensão temporária de participação em licitação e o impedimento de contratar com um órgão da Administração (art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93), é mais branda do que a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com toda a Administração Pública (art. 87, inciso IV, da Lei 8.666/93).[3]   REPRESENTAÇÃO. PREGÃO ELETRÔNICO MCID 16/2014. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE GARÇOM. INABILITAÇÃO DA FIRMA REPRESENTANTE EM RAZÃO DA APLICAÇÃO DA SANÇÃO PREVISTA NO ART. 87, III, LEI 8.666/1993, PELA SECRETARIA DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DA BAHIA. CONTROVÉRSIA ACERCA DA EXTENSÃO DA SANÇÃO ADMINISTRATIVA. ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL: EFEITOS DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA APLICAM-SE NO ÂMBITO AO ÓRGÃO/ENTIDADE SANCIONADOR. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZATIVOS PARA ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. SUSPENSÃO CAUTELAR DO CERTAME LICITATÓRIO. OITIVA DO PREGOEIRO E DA CGRL/MCID. ADMINISTRAÇÃO APLICOU O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SUPERVENIÊNCIA DE INDÍCIOS DE USO INDEVIDO DAS PREFERÊNCIAS ATRIBUÍDAS A MICRO EMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE POR PARTE DA EMPRESA REPRESENTANTE. OUTRAS RAZÕES PLAUSÍVEIS PARA AFASTAR DO CERTAME A EMPRESA REPRESENTANTE. REVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DETERMINADA NOS AUTOS. OITIVA DA REPRESENTANTE. MANIFESTAÇÕES. CIÊNCIA À CGRL/MCID QUANTO AOS PROCEDIMENTOS PARA AFERIÇÃO DA RECEITA BRUTA DAS EMPRESAS LICITANTES. COMUNICAÇÕES. (…) Os efeitos da sanção de suspensão temporária de participação em licitação (art. 87, III, Lei 8.666/93) são adstritos ao órgão ou entidade sancionadora.[4]   REPRESENTAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS DE VIGILÂNCIA DESARMADA E DE SEGURANÇA PATRIMONIAL. CLÁUSULA IMPEDITIVA DA PARTICIPAÇÃO DE POTENCIAL LICITANTE QUE HAJA SIDO SUSPENSA TEMPORARIAMENTE PARA LICITAR POR OUTRO ÓRGÃO OU ENTIDADE. CONHECIMENTO. OITIVA. PROCEDÊNCIA PARCIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO OU AO INTERESSE PÚBLICO. INDEFERIMENTO DA CAUTELAR REQUERIDA. COMUNICAÇÕES. ARQUIVAMENTO. (…) Em observância ao princípio da supremacia do interesse público, não se configura hipótese de anulação do procedimento licitatório ou do contrato firmado, o fato de empresa ter sido impedida de participar do certame, por força de interpretação errônea na aplicação da penalidade de suspensão prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 (válida apenas em relação ao órgão ou entidade que a aplicou) quando é baixa a materialidade do objeto, não houve restrição à competitividade da licitação e nem indícios de conluio entre licitantes e gestores.[5]   REPRESENTAÇÃO SOBRE EVENTUAIS IRREGULARIDADES EM PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CONHECIMENTO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. DETERMINAÇÃO. COMUNICAÇÕES. ARQUIVAMENTO. (…) O edital da licitação, ao estabelecer vedações à participação no certame, deve ser suficientemente claro no sentido de que a penalidade de suspensão para licitar e contratar, prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/93, tem abrangência restrita ao órgão ou entidade que aplicou a sanção.”[6]   Como se pode notar, esses entendimentos, no sentido de que as sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, alcançam apenas o órgão ou a entidade que as aplicaram, encontram-se sedimentados no âmbito do TCU. Nesse diapasão, também é extremamente relevante destacar a interpretação da AGU acerca da questão. Inicialmente, importa apontar que a Lei Complementar nº 73/1993, que instituiu a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e deu outras providências, dispõe que são atribuições do Advogado-Geral da União “unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal.” [7] À Consultoria-Geral da União, por sua vez, direta e imediatamente subordinada ao Advogado-Geral da União, incumbe, principalmente, colaborar com este em seu assessoramento jurídico ao Presidente da República, por meio da produção de pareceres, informações e demais trabalhos jurídicos que lhes sejam atribuídos pelo chefe da instituição. Exatamente no exercício da competência de assessoramento jurídico ao Presidente da República, fixada pelo art. 4º, inciso XI, cumulada com o art. 10, ambos da Lei Complementar nº 73/1993, a Consultoria-Geral da União uniformizou a jurisprudência administrativa sobre a abrangência da sanção prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/1993, dirimindo, assim, a controvérsia existente a respeito da aplicação da referida penalidade. A distinção feita pelo TCU foi consagrada, pela AGU, com a elaboração do Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012, aprovado pelo Consultor-Jurídico da União. A propósito, confiram-se trechos extraídos do referido documento, verbis:   “Parecer nº 02/2013/GT/Portaria nº 11, de 10 de agosto de 2012 I – RELATÓRIO Os membros da Comissão de Atualização de Editais, durante as discussões para confecção e atualização das minutas, perceberam a necessidade de provocar a Consultoria-Geral da União sobre o tema relacionado à amplitude dos efeitos da sanção suspensão de licitar, prevista pela Lei ns 8.666/93. (…) (…) (…) (…) As sanções de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, alcançam apenas o órgão ou a entidade que as aplicaram Representação formulada por empresa apontou supostas irregularidades na condução do Pregão Eletrônico122/ADCO/SRCO/2012, realizado pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero, que tem por objeto “a contratação de empresa para prestação de serviços de transporte de cargas e encomendas via aérea e/ou terrestre, em âmbito nacional, no sistema direto e exclusivo (porta-a-porta), para atendimento à Superintendência Regional do Centro-Oeste, aeroportos e grupamentos de navegação aérea (gnas) vinculados”. A autora da representação apontou possível falta de conformidade entre o comando contido no subitem 3.5.3 do edital do citado pregão, o disposto no art. 7º da Lei 10.320/2005 e os princípios da competitividade. Tal cláusula do edital impedia a participação, na licitação, de empresa apenada com as sanções previstas no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 (suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração) não só pela Infraero, mas também por outros entes da Administração, em qualquer de suas esferas. Em face de tal vedação, a autora estaria impedida de participar desse certame, por ter sido apenada por entidade que não a Infraero. O relator, ao reconhecer a pertinência de suas alegações e endossar o entendimento da unidade técnica,anotou que a citada cláusula “está em desacordo com o disposto nos arts. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993 e 7º da Lei 10.520/2002 e, também, com a jurisprudência do Tribunal, consoante explicitado no Acórdão 3.243/2012 – TCU – Plenário…”. E também que a extrapolação a outros entes da Administração dos efeitos de sanção somente poderia ocorrer na hipótese prevista no inciso IV do art. 87 da Lei 8.666/1993 (declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública). Em face desse panorama e da iminência de realização do certame, o relator entendeu configurados o fumus boni iuris e o periculum in mora e determinou à Infraero, em caráter cautelar, que promova a correção do subitem 3.5.3 do referido edital, a fim de ajustá-lo ao disposto nos referidos comandos normativos, “no sentido de limitar o impedimento de participar do certame apenas a empresa que se encontrar suspensa de licitar ou contratar com aquela estatal, consoante entendimento constante do Acórdão 3.243/2012 – TCU – Plenário”. O Plenário do Tribunal endossou essa providencia. Precedente mencionado: Acórdão 3.243/2012 – Plenário. Comunicação de Cautelar, TC-046.782/2012-5, relator Ministro Aroldo Cedraz, 6.2.2013). (…) (…)   Ora, resta cristalino que a posição adotada pela AGU coincide com a do TCU. A interpretação, em suma, é a de que a sanção de suspensão de licitar e contratar remete seus efeitos à “Administração” e a sanção de declaração de inidoneidade, por sua vez, impõe seus efeitos à “Administração Pública”. Esses conceitos, usualmente tidos como sinônimos, foram definidos de forma diversa pela Lei nº 8.666/93 e, por isso, devem ser interpretados distintamente. Assim, prevalece também no âmbito da AGU a tese de que a suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração é penalidade administrativa que tem seus efeitos restritos ao ente federativo do órgão que a aplicou.   2.4. O Posicionamento da Doutrina Majoritária A doutrina majoritária também sustenta, em respeito ao princípio da federação, que os efeitos da suspensão temporária devem ser limitados, não podendo ultrapassar a esfera política do órgão que aplicou a sanção. Assim, penalidades de suspensão temporária aplicadas pelos Municípios, pelos Estados ou pelo Distrito Federal não podem, por exemplo, afetar licitações e contratações das autarquias e fundações públicas federais. Celso Rocha Furtado, atento às definições conceituais insertas na Lei das Licitações, afirma que:   “(…) a suspensão temporária somente é válida e, portanto, somente impede a contratação da empresa ou profissional punido durante sua vigência perante a unidade que aplicou a pena; a declaração de inidoneidade impede a contratação da empresa ou profissional punido, enquanto não reabilitados, em toda a Administração Pública federal, estadual e municipal, direta e indireta (FURTADO, 2007, p. 217, grifo nosso).”   Valioso é o posicionamento do professor Floriano Azevedo Marques Neto, que questiona o “absurdo” que haveria se as penalidades de suspensão e de declaração de inidoneidade tivessem o mesmo âmbito de aplicação, pois seriam equivalentes, senão vejamos:   “E aqui reside justamente o eixo do argumento: entendêssemos nós que a suspensão e a inidoneidade, ambas, têm o mesmo âmbito de conseqüências, e chegaríamos ao absurdo de tornar as duas penalidades indiferenciadas. Sim, porque ambas possuem uma conseqüência comum: impedem que o apenado participe de licitação ou firme contrato administrativo. Se desconsiderarmos as diferenças de extensão que ora sustentamos, perderia o sentido existirem duas penalidades distintas. Afinal ambas teriam a mesma finalidade, a mesma conseqüência e o mesmo âmbito de abrangência. Estaríamos diante de interpretação que leva ao absurdo (MARQUES NETO, 1995, p. 3, grifo nosso).”   Nesse compasso, é evidente que as sanções prescritas pela Lei nº 8.666/1993 estão enumeradas e posicionadas de forma a sugerir uma gradação de gravidade, ou seja, cada uma delas corresponde a um patamar superior de gravidade na conduta punível, da pena mais branda até a mais gravosa. Nesse sentido, veja-se o ensinamento de Marçal Justen Filho, para quem o princípio fundamental quanto às infrações recai sobre a reprovabilidade da conduta:   “O princípio fundamental atinente à configuração de infrações reside na reprovabilidade da conduta do particular. Isso significa que a infração se caracterizará pelo descumprimento aos deveres legais ou contratuais, que configure materialização de um posicionamento subjetivo reprovável. Daí se segue que não se configura infração quando a conduta externa do agente não seja acompanhada de um posicionamento subjetivo imaterial merecedor de reprovação. Isso não equivale a exigir a presença de dolo, na acepção da vontade de produzir um resultado antijurídico ou de aceitar sua concretização. Também se configura o elemento subjetivo reprovável quando o sujeito deixa de adotar as precauções e cautelas inerentes à posição jurídica de partícipe de uma relação jurídica com a Administração Pública. A culpa em sentido estrito consiste na ausência da diligência necessária e inerente ao sujeito contratado para executar certa prestação (JUSTEN FILHO, 2005, p. 621, grifo nosso).”   Ainda a respeito da distinção entre as sanções previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei 8.666/1993, confira-se também a ilibada lição do jurista Jessé Torres Pereira Junior:   “A diferença do regime legal regulador dos efeitos da suspensão e da declaração de inidoneidade reside no alcance de uma e de outra penalidade. Aplicada a primeira, fica a empresa punida impedida perante licitações e contratações da Administração; aplicada a segunda, a empresa sancionada resulta impedida perante as licitações e contratações da Administração Pública. Assim é porque, em seu art. 6°, a Lei n° 8.666/93 adota conceitos distintos para Administração e Administração Pública, estatuindo que, para fins de sua aplicação, considera Administração Pública “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas” (inciso XI), e Administração o “órgão, opera e atua concretamente” (inciso XII). Por conseguinte, sempre que o artigo da Lei n° 8.666/93 referir-se a Administração, fá-lo-á no sentido do art. 6°, XII. E quando aludir Administração Pública, emprega a acepção do art. 6°, XI (PEREIRA JÚNIOR, 2009, p. 561, grifo nosso).”   Tocando em outro ponto sensível, Carlos Ari Sundfeld alude para o fato de que o intérprete deve se afastar dos padrões meramente lógicos para definir a amplitude das sanções, veja-se:   “A tendência inicial do intérprete, raciocinando por padrões meramente lógicos, é a de, constatando ser a inidoneidade um dado subjetivo, que acompanha a empresa onde ela for, sustentar o caráter genérico das sanções de que se cuida. Deveras: em termos racionais, é impossível ser inidôneo para fins federais e não sê-lo para efeitos municipais. Mas há de considerar um fator jurídico de relevância a afastar o mero enunciado lógico. Silente a lei quanto à abrangência das sanções, deve-se interpretá-la restritiva, não ampliativamente, donde a necessidade de aceitar, como correta, a interpretação segundo o qual o impedimento de licitar só existe em relação à esfera administrativa que tenha imposto a sanção (SUNDFELD, 1995, p. 117, grifo nosso).”   Finalmente, importa destacar o entendimento de Hely Lopes Meirelles, segundo o qual os efeitos da suspensão temporária poderiam ser manipulados pelo gestor com certa discricionariedade, de modo que a sanção poderia se aplicar apenas a determinado contrato, licitação ou órgão. Seria possível manipular a amplitude de aplicação da norma para fins de dosimetria. Segundo a doutrina do ilustre professor, “a suspensão provisória pode restringir-se ao órgão que a decretou ou referir-se a uma licitação ou a um tipo de contrato, conforme a extensão da falta que a ensejou (…)” (MEIRELLES, 2010, p. 337). Vale dizer, porém, que esse entendimento não possui respaldo legal no art. 87, III, da Lei nº 8.666/97. Dessa forma, a despeito de a doutrina do professor Meirelles permitir uma manipulação da abrangência da suspensão temporária com fulcro na gravidade da conduta, a mera leitura atenta ao supracitado dispositivo exclui essa interpretação, porque a única autorização legal expressa, para que se leve em consideração a gravidade da infração no dimensionamento da punição, está ligada à dosimetria do tempo da suspensão. Assim, quanto maior a gravidade do dano, mais longo deve ser o tempo; por um intervalo maior deverá o particular ser afastado de participar de licitações e de contratar.   3. A Interpretação Mais Adequada Pode soar presunçoso o intento de apontar uma pretensa melhor exegese sobre algum tema do universo jurídico. No entanto, na análise entre os diferentes entendimentos anteriormente apresentados e discutidos, é evidente que a interpretação que enfoca a distinção feita pelo legislador entre os vocábulos Administração e Administração Pública, adotada pelo TCU, pela AGU e pela doutrina majoritária, privilegia sobremaneira o princípio da proporcionalidade na dosimetria das sanções. Nesse sentido, é facilmente percebível que as penalidades adotadas pela Lei nº 8.666/1993 estão enumeradas e posicionadas de forma a sugerir uma clara gradação de gravidade, isto é, cada uma delas corresponde a um patamar superior de gravidade na conduta punível. Constatemos isso uma vez mais:   “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – advertência; II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.”   Assim, a suspensão de licitar e contratar (art. 87, III) é mais branda em relação à declaração de inidoneidade para licitar (art. 87, IV), pois aquela tem sua amplitude limitada ao ente federativo do órgão que aplicou a sanção, e esta atinge toda a Administração Pública. Nessa linha interpretativa, a Instrução Normativa nº 03, do outrora nominado Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, de 26 de abril de 2018, válida no âmbito federal e de observância desejável pelos órgãos gestores da União, que estabeleceu novas regras de funcionamento para o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF), programa com o qual trabalham diretamente as comissões de licitação no âmbito federal, asseverou, em seu art. 40, § 1º, que o alcance da sanção de suspensão temporária fica restrita ao órgão público que penalizou a contratada, como se nota:   “Art. 34. São sanções passíveis de registro no Sicaf, além de outras que a lei possa prever: (…) III – suspensão temporária, conforme o inciso III do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, e o inciso III do art. 83 da Lei nº 13.303, de 2016; (…)   O posicionamento ora defendido, que se coaduna com a atual jurisprudência do TCU e da AGU, diferentemente do que se pode levar a crer por quem dele discorda, não desvaloriza os princípios da moralidade e da probidade administrativas, senão, por outro lado, reforça substancialmente o princípio da proporcionalidade da sanção em razão do grau de culpabilidade, preservando a possibilidade de dosimetria das penas previstas no art. 87, incisos III e IV, da Lei nº 8.666/93. Essa conclusão deriva da interpretação autêntica contextual do diploma legal, uma vez que o próprio legislador estabeleceu limites específicos e diversos para as referidas sanções. Dessa forma, atribui-se discricionariedade ao gestor, que poderá aplicar, com efeitos práticos distintos, ora a sanção mais grave, ora a menos grave, conforme exija o caso concreto. Permite-se a aplicação da sanção mais compatível e proporcional à conduta que se pretende reprimir, o que, essencialmente, satisfaz o princípio da igualdade material. Destarte, em face da clara delimitação legal aos efeitos da suspensão temporária de licitar e contratar, dos limites constitucionais à restrição de direitos das pessoas pela Administração Pública, da evidente gradação existente entre as sanções estabelecidas pela Lei nº 8.666/1993, da necessidade de respeito à proporcionalidade na aplicação das penalidades, verifica-se que a aplicação de efeitos restritos à sanção de suspensão é a interpretação tecnicamente mais adequada e condizente com o estabelecido pela Lei de Licitações e pela Constituição federal.   Conclusão O presente trabalho teve o desiderato de discutir sobre a controvérsia existente quanto à amplitude de abrangência da sanção prevista no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, qual seja, de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração. Nesse sentido, objetivou-se realizar um estudo sobre as interpretações propostas por STJ, TCU, AGU e doutrina majoritária. Inicialmente, foram apresentadas generalidades relativas ao poder punitivo da Administração Pública, notadamente quanto aos princípios procedimentais que norteiam o exercício do jus puniendi administrativo, bem como elencadas as sanções previstas em rol taxativo nos incisos do art. 87, da Lei de Licitações, enfatizando-se a necessidade de instauração de processo administrativo para que sejam aplicadas aos casos concretos. Na sequência, abordou-se, em linhas gerais, a respeito do ponto controvertido que é o da amplitude de aplicação da sanção de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administração, constante do inciso III, do art. 87, da retromencionada Lei. Nesse diapasão, buscou-se analisar as diferentes interpretações existentes sobre a questão, com enfoque no dilema entre as posições do STJ, de um lado, e do TCU e da AGU, de outro. Após isso, expôs-se o entendimento dominante na doutrina brasileira, que se inclina ao último posicionamento. Por derradeiro, o capítulo final destinou-se à sustentação da tese de que o entendimento ao qual se filia o TCU, a AGU e a doutrina majoritária, com uma interpretação mais restritiva quanto ao âmbito de aplicação da sanção de suspensão temporária, é o mais adequado, sob diferentes aspectos. Defendeu-se, portanto, que a penalidade expressa no art. 87, III, da Lei nº 8.666/1993, qual seja, de suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração deve ter seu âmbito de aplicação restrito ao ente federativo do órgão que a aplicou, e não generalizado para toda a Administração Pública. Entende-se ser essa uma conclusão legal e lógica, além de adequada sob o ponto da proporcionalidade e da realidade prática administrativa. É certo que a matéria é assaz complexa, como se denota pela enorme controvérsia que a permeia. Nesse iter, é patente que uma investigação ainda mais aprofundada pode elevar consideravelmente o diálogo de interpretações. De qualquer sorte, acredita-se que o presente trabalho possa depositar sua parcela de contribuição para o debate acadêmico.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-amplitude-de-aplicacao-da-sancao-de-suspensao-temporaria-de-licitar-e-impedimento-de-contratar-com-a-administracao-da-lei-no-8-666-1993/
A Infidelidade Virtual e suas Consequências
O presente artigo tem como objetivo principal analisar a Infidelidade Virtual e suas consequências. Atualmente com o avanço desenfreado da tecnologia, o acesso às redes sociais que possibilitam a aproximação entre indivíduos conhecidos e também desconhecidos, fazendo com que o entusiasmo individual cresça e os relacionamentos crescem via internet por meio dos aplicativos e redes sociais. São muitas as divergências acerca do tema, por isso o estudo objetiva uma breve consideração sobre as famílias, os casamentos atuais e a infidelidade virtual e o dever conjugal à fidelidade recíproca, e o que leva um individuo a ter relações extraconjugais, também será feito um breve comentário sobre a culpa e como é aplicado no Direito de Família, onde são muitas as controvérsias em quais são os reais deveres do casal. Um capitulo será para explanação sobre a infidelidade virtual e os danos causados, tanto sociais, quanto psicológicos, sendo essas consequências passível de punição pelo dano moral causado.[3]
Direito Administrativo
Introdução A infidelidade virtual, em termo de conceito geral trata se de práticas afetivas ou até mesmo de prática sexual, por meio de aplicativos ou redes sociais por intermédio da internet, com pessoas conhecidas ou até mesmo desconhecida, mais, alheias ao relacionamento conjugal em que vive.   O Código Civil em seu artigo 1566, inciso I, diz que a fidelidade é Recíproca, sendo de ambos os cônjuges.  São muitas as discussões acerca do tema, tanto favoráveis como as contrárias à intervenção do Estado nessas relações, e se caso houvesse a intervenção seria apenas com a finalidade de resguarda o patrimônio de ambos.   O artigo 1.566 do Código Civil estabelece:   “Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I – fidelidade recíproca; II – vida em comum, no domicílio conjugal; III – mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V – respeito e consideração mútuos.” (BRASIL 2002)   Por outro lado, também há aqueles que defendem a ideia de que o Estado precisa intervir para que independente de qual tipo de relação seja, tenha lealdade e não cause dano a outrem, seja em qual ordem for.   A discussão tomou proporção muito maior com o avanço tecnológico e a modernidade dos aplicativos e redes sociais trazidas pela ferramenta chamada internet, na qual passaram a inúmeras possibilidades, como por exemplo, a comunicação com qualquer pessoa e em qualquer lugar, não necessitando estar próximo e nem necessitando conviver diariamente e principalmente não necessitando de apresentações, mas sim de um “oi” ou um convite para ser seu ou sua “amiga (o)”. São muitas as mudanças trazidas pela internet, e esta causou e causa profundo impacto na vida cotidiana dos indivíduos e principalmente em suas relações seja em qual âmbito for: social, pessoal ou profissional. Trouxe benefícios, como: aproximar pessoas que estão longe, criando laços de amizades e revendo outras que não via há tempos, entre outras facilidades, por outro lado, trouxe também alguns problemas ou até mesmo perigos à vida quando utilizada de forma irresponsável, como o caso de relacionamentos extraconjugais de forma virtual. O fato de ser um tipo de relacionamento virtual, trás muitas discussões e por isso que o objetivo é estudar os impactos da infidelidade virtual na família e no casamento, também buscar entender o que é fidelidade, o que é infidelidade virtual e quais as consequências. Ao estudar a infidelidade virtual e importante para que se tenha uma compreensão das relações existente nos dias atuais diante da evolução tecnológica com a ferramenta internet, visando assim buscar meios para proteger as relações sociais e até mesmo as interpessoais, uma vez que as inovações avançam em passos largos, enquanto as leis e o judiciário não conseguem acompanhar os mesmos avanços.    1 – A família No Direito brasileiro o Direito de Família é aquele que cuida das relações pessoais e na maioria das vezes são momentos onde os sentimentos estão aflorados seja por alguma perda ou algum sentimento que fragiliza, trazendo impactos nos mais variados âmbitos familiar. São muitas as questões em que o Direito de Família precisa dirimir ou disciplinar, são inúmeras as peculiaridades, que dificilmente encontrará em outro ramo.   Direito de família é o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, vínculo de parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela (DINIZ, 2007, p.07)   Para que se tenha uma melhor compreensão dessas questões, necessita se aprofundar na analise do caso concreto, para que ao descobrir quais são as emoções envolvidas, possa ter uma solução mais adequada, conforme entendimento de Silvio de Salvio Venosa (2003, p.145): “a família é um dado natural, uma realidade social que preexiste ao Direito. Seus fundamentos repousam prioritariamente em princípios de base sociológica que o ordenamento transforma em jurídicos”.   No ordenamento jurídico brasileiro, a base da sociedade é a família, assim diz o artigo 226 da Constituição Federal dispõe:   “Art. 226: A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. 1º – O casamento é civil e gratuito a celebração. 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. 3º – Para efeito da proteção do estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”   Assim também, dispõe o artigo 1.565 do Código Civil (BRASIL, 2002): “Art. 1565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”   Já o artigo 1.672 do Código Civil, trás a seguinte redação: “Art. 1.672. “Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.”   Importante salientar que o Direito de Família deve estar sempre em consonância com a legislação vigente e principalmente com a Constituição Federal, que rege os valores fundamentais de ordem jurídica, sendo um deles a dignidade da pessoa humana.   1.1. O Casamento No conceito matrimonial a lealdade e fidelidade são alguns dos requisitos para uma boa convivência, no entanto, muitas são as confusões, pois possuem significados diferentes, no caso da fidelidade de forma bem simples, é não fazer nada que desrespeite o outro cônjuge, quanto que na lealdade e bem mais profundo e quer dizer algo intimo, algo do caráter, onde o individuo buscam sempre uma convivência harmoniosa em todos os sentidos.   Para Gama (2001, p. 194), “envolve o dever de lealdade entre os partícipes, sob os aspectos físicos e moral, no sentido de abster-se de manter relações sexuais com terceira pessoa, e mesmo praticar condutas que indiquem este propósito, ainda que não consume a traição”.   Diante da facilidade de comunicação entre os indivíduos, voltou se a discussão sobre a infidelidade, tema este que já parecia superado. Mas, a cada dia esse tema surge com mais força, pois a nova forma de infidelidade é moderna e pode acontecer sem mesmo o cônjuge sair de casa ou do seu sofá, essa é a chamada infidelidade virtual, e ocorre por meio da internet, ou seja, aplicativos e redes sociais, não importando a distancia, pois onde a internet alcança a infidelidade também poderá chegar. São pessoas casadas, outras vivem em união estável, outras são namorados, noivos, não importa. Se a internet chega, está o perigo, pois começa na conversa e se gostar passa a um relacionamento que pode ficar intimo, não só nas conversas, mas até mesmo com experiências sexuais. Atualmente o casamento é um instituto onde muitos ainda sonham, mas que poucos vivem com a fidelidade e a lealdade que foi no passado, a reciprocidade em muitos casos não há, mas naqueles indivíduos que acreditam nessa instituição ou vivem ainda de forma mais tradicional o casamento muitas vezes é bem sucedido ou tentam de todas as formas mantê-los sucedidos.   No art. 1.573 do Código civil, mostram alguns dos motivos pelo qual o juiz considerará impossível a continuidade do matrimônio, são eles:   “Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos: I – adultério; II – tentativa de morte; III – sevícia ou injúria grave; IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V – condenação por crime infamante; VI – conduta desonrosa. Parágrafo único. O juiz poderá considerar outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida em comum.”   Contudo, a fidelidade e a lealdade devem ser independentes da separação ou mesmo da convivência, pois a sua violação pode gerar abalos psíquicos e pessoais, também podendo gerar consequências jurídicas levando até a indenização.   2. Internet e Redes Sociais A internet e as redes sociais são febres em todo o mundo na atualidade, o Brasil e um dos grandes usuários, são inúmeros computadores interligados pelo mundo. Na realidade o numero vem aumentando cada dia mais, com essa conectividade em alta, o mundo precisa se modernizar para acompanhar e isso também se aplica ao judiciário, onde certos casos aparecem buscando uma solução ao conflito que são verdadeiros desafios às leis e seus entendimentos.   O filósofo Aaron Ben-Ze’ev (2004 apud PEREIRA, op. cit., p. 85), escreve em seu livro Love on line: “a realidade cibernética terá como consequência uma modificação inevitável das formas sociais atuais, como casamento, sexo casual, namoro e infidelidade. Isso não significa que as relações on-line se tornarão a nova essência das experiências modernas, mas certamente trazem uma nova dimensão para essas experiências, que serão cada vez mais populares. Um dos grandes desafios da sociedade será o de aprender a integrar o ciberespaço e o espaço real no domínio romântico. Teremos de aprender a lidar com duas formas de relacionamentos românticos, o on line e o off-line.”   Para aqueles que nunca se aventuraram em um romance a dois, com encontros as escondidas, com preocupações em não deixar marcas para os cônjuge verem, entre outras situações, hoje buscam de forma virtual, onde acreditam que não será descoberto, que ao apagar mensagens e conversas não deixará rastros, sendo que a vontade de trair já existia, só não sabia que a ferramenta para praticar tal ato também logo se tornaria tão acessível. Hoje a internet está na vida de cada individuo, e a traição está cada vez mais presente também, pois o individuo acredita que consegue separar a vida pessoal, ou amorosa da vida sexual. São inúmeros computadores, celulares, entre outros equipamentos do qual você possui acessos ou que permite que máquinas e pessoas fiquem ligadas por horas e horas, sejam a trabalho, pesquisas, estudos, namoros, e até mesmo em casos de infidelidade. Ocorre que, o ato libidinoso, ou as carícias feitas de forma virtual em nada se difere da realidade, uma vez que o cônjuge possui o interesse ou o desejo real de consumação. O sexo virtual, mensagens eróticas, namoro online, conversas seja por computador ou até mesmo por telefone, esses são algumas das situações que também podem ser chamada de infidelidade virtual, pois quando há a intenção considera se infidelidade.   3. Evolução Histórica da Infidelidade Ao longo do tempo à infidelidade ou adultério foi tratado como um tema de suma importância na sociedade, pois trata se de um tema muito antigo, com o passar do tempo em quase nada se alterou, tirando os meios mais moderno de pratica-lo. Porém desde Moisés, se sustenta a proibição, como sustentado na Lei das Doze Tábuas, com os seguintes dizeres: “não cometerás adultério”. A partir de então a quebra da fidelidade conjugal foram regidas por normas severas no qual o adultério era punido de formas rígida com castigos corporais.   Yussef Said Cahali (2002. p. 20) ensina que: “as relações matrimoniais frustradas, as decepções pós-matrimoniais, os desencantos e as derivações em busca de novas aventuras ou de prazeres transitórios sempre existiram, aqui e acolá, em todos os tempos, com maior ou menor frequência”   No entanto, alguns dos Códigos traziam normas mais rígidas, o brasileiro não era muito diferente, por volta de 1830 o Código Penal trouxe o adultério como um dos crimes contra a segurança do estado civil e domésticos. Vejamos: “SECÇÃO III   Adultério   Art. 250. A mulher casada, que cometer adultério, será punida com a pena de prisão com trabalho por um a três anos.   A mesma pena se imporá neste caso ao adultero.   Art. 251. O homem casado, que tiver concubina, teúda, e manteúda, será punido com as penas do artigo antecedente.   Art. 252. A acusação deste crime não será permitida á pessoa, que não seja marido, ou mulher; e estes mesmos não terão direito de acusar, se em algum tempo tiverem consentido no adultério.   Art. 253. A acusação por adultério deverá ser intentada conjunctamente contra a mulher, e o homem, com quem ela tiver cometido o crime, se for vivo; e um não poderá ser condenado sem o outro. “   Com o passar do tempo o tema continuou sendo muito discutido e por muitos anos no Brasil o adultério ou infidelidade era considerado crime e só houve mudança na lei em 2005 por meio da Lei 11.106 (BRASIL 2005) foi descriminalizado o adultério, passando a ser apenas um ato ilícito para quem praticava. A infidelidade surgiu como uma forma de impulso sexual, com o intuito apenas de alívio para o estresse físico do dia a dia sem sentimentalismo ou emoção, também nunca foi visto como crime, ou afronta, a família, honra ou bons costumes ou qualquer outra instituição. Ao longo do tempo percebemos que a sociedade veio evoluindo, homens e mulheres em igualdade de direitos e oportunidades em todas as esferas, são muitas as evoluções e em todas as esferas, mas nem sempre a legislação consegue acompanha-las, como podemos observar em casos de infidelidades virtuais, onde não há uma legislação sobre o tema, mas de alguma forma precisa ser regulamentada e ser amparada juridicamente.   3.1. Infidelidade Virtual O mundo imaginário criado pelo cônjuge em um relacionamento pelas redes sociais ou aplicativos é perfeito em sua ideia e por isso, suas vontades e desejos afloram, e os segredos mais profundos podem ser externados por meio virtual.   Marilene Silveira Guimarães (2000, p. 443): “até bem pouco tempo, a fuga inconsciente para o mundo imaginário ficava apenas no terreno da fantasia, no mundo do sonho, único espaço onde se pode ser verdadeiramente livre, onde se pode ser infiel sem que ninguém descubra, onde a infidelidade fantasiosa jamais é confessada a alguém. Agora existe a Internet e o espaço virtual permite ‘estar junto’ com outra pessoa, permite revelar sonhos e desejos, realizar fantasias, sem riscos aparentes”.   A infidelidade virtual acontece quando uma pessoa possui um relacionamento ou é comprometida e busca por meio da internet satisfazer o que chama de vazio, ou a falta de algo a mais. O cônjuge ao invés de tentar suprir isso com seu (ua) parceiro (a) busca uma terceira pessoa, por ter medo de rejeição, por achar que a (o) cônjuge não aceitaria, ou por inúmeros motivos não faz.   No entendimento de Bembom (2008), “casados, ou que vivem em união estável, em face das mais variadas razões, como carência afetiva, fuga da rotina, incompreensão, por acreditarem estarem livres, por exemplo, de um flagrante de adultério, encontram no computador, via internet, o meio seguro de ‘trair’ sem consumar”.   Para Rosa (2001, p. 27), “a motivação interna vai desde a curiosidade até a ausência afetivo-sentimental”.   O cônjuge fantasia em seu relacionamento virtual, colocando em prática todos os seus desejos e imaginação, para isso modifica fotos de perfil, idade, raça, sexo, profissão, ou seja, cria se um personagem muitas vezes muito diferente da realidade. Isso pode caracterizar uma insegurança, ou seria apenas para esconder a identidade real, mas independente de qualquer coisa a infidelidade virtual vem prejudicando e vida de muitas famílias e até mesmo de pessoas.   Já para Maria Helena Diniz (2010), a infidelidade Virtual é:   “Os problemas do dia-a-dia podem deteriorar o relacionamento conjugal, passando, em certos casos, o espaço virtual a ser uma válvula de escape por possibilitar ao cônjuge insatisfeito a comunicação com outra pessoa, cuja figura idealizada não enfrenta o desgaste da convivência. Tal laço erótico-afetivo, platônico com pessoa sem rosto e identidade, visto que o internauta pode fraudar dados pessoais, por exemplo, usando apelidos e mostrar caracteres diferentes do seu real comportamento, pode ser mais forte do que o relacionamento real, violando a obrigação de respeito e consideração que se deve ter em relação ao consorte.   Os relacionamentos presenciais exigem tempo, paciência, compromisso e muita disposição para que não vire rotina. Já o virtual, muitas vezes não há um compromisso sério e o tempo é bem mais rápido, pois basta um clique, para ter acesso a qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo.   No entendimento de Rosa (2001), essa situação possui algumas fases, e essas fases passam rápidas e em curto espaço de tempo o fato já ocorreu, como podemos ver abaixo:   “Na primeira: o individuo sozinho começa a navegar por meio da internet sem nenhum objetivo aparente, tem o primeiro contato e a conversa vai longe, começando aí uma conversa amigável e natural.   Na segunda: Começa as apresentações, as perguntas e respostas, buscando conhecer um ao outro e deixando claro como é e onde quer  chegar.   Na terceira: Aqui um papo pais intimo, apresentações de forma mais aberta ou real e uma grande interação pessoal.   Na quarta: ou seja, aqui finalmente o jogo é aberto e o distanciamento se perde e já não se sabe o que é virtual e o que é real, passando aos finalmente e a infidelidade virtual e consumada.”   E nessa etapa que o judiciário por sua fez tem um papel importante, pois a infidelidade virtual está plenamente confirma e o cônjuge que esta sentindo se traído (a) busca alguma forma de reparação ao mal causado pelo companheiro, não que isso mudará toda situação, mas que amenizará de certa forma todos os transtornos. Pois, para determinadas pessoas essa experiência virtual é considerada como humilhante e acredita se que chega a ser mais dolorosa do que a pessoal, quando ocorre conversar e troca de fantasias sexuais ou o próprio sexo por um longo período. Essa infidelidade virtual parece um furacão quando o cônjuge descobre, causa tanto mal e tanto problema, físico, psíquico, emocional que a união perde o sentido e o cônjuge traído sente como se tudo fosse real. E assim, por culpa da sua infidelidade o cônjuge poderá ser condenado pela dor causada, seja moral ou emocional.   4. Dano Moral No ordenamento jurídico atual não há ainda uma legislação especifica que trata da infidelidade virtual ou para os casos de indenizações requeridas por tal motivo, nesses casos tem se aplicado os mesmos dispositivos da indenização por danos morais, conforme descreve os artigos do Código Civil abaixo listado:   “Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.   Artigo 187. Também comete ato ilícito o titulo de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo eu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.   Artigo 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.   Nesse caso deverá observar atentamente a responsabilidade civil do caso prático, verificando o dano causado, a culpa do agente e o nexo da causa. Pois o dano moral em caso de infidelidade virtual e o abalo moral e em outros casos o abalo emocional e psíquico. Nesses casos o direito é personalíssimo e intrínseco a cada pessoa, por isso a violação de algumas obrigações ou deveres conjugais que possa trazer certos prejuízos a um dos cônjuges comete este um ato ilícito e assim devera rapara-lo, sendo necessário a analise do caso para que seja determinando o tipo de danos que ocorreu.   José de Castro Bigi (2000, p.54), diz que: “não haver a mínima dúvida de que o mesmo ilícito que configurou infração grave dos deveres conjugais posto como fundamento para a separação judicial contenciosa como causa culposa prestasse igualmente para legitimar uma ação de indenização de direito comum por eventuais prejuízos que tenham resultado diretamente do ato ilícito para o cônjuge afrontado.”   Contudo, a partir do momento que o dano decorrente da infidelidade virtual e comprovado, aplica se a responsabilidade civil, conforme menciona o artigo 186 do Código Civil. Desta forma, a infidelidade comprovada enseja em dano moral e também poderá acarretar em dano material, pelos sentimentos e abalos negativos enfrentados pelo companheiro(a).   Desta forma, no Direito de Família as lesões sofridas possui cunho intimo e afetivo ou sentimental e por isso deve restar demonstrado e comprovado para que se configure o dano moral, conforme preceitua Cavalieri Filho (2009, p.70):   […] só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos.   Cavalieri Filho (2009, p. 2): “A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever, surgirá outro dever jurídico: o da reparação do dano.”   Por mais que a infidelidade seja praticada há séculos suas repercussões ainda não enormes e suas consequências também, ainda mais na atualidade onde a nova ferramenta chamada “internet” pode te levar a qualquer parte do mundo elevando a imaginação para o que quiser, também dá a oportunidade de conhecer uma quantidade de pessoas ilimitadas sem sair do lugar. Claro, para aqueles que não sabem usar tal ferramenta ou resolve se aventurar poderá haver consequências, mesmo que tal situação seja muito moderna ante a legislação atual, mas isso não significa ficar impune quando cometido ato ilícito.   5. Discussões A infidelidade virtual é a nova onda do momento, pois não possui identidade, é considerado quase perfeito, pois não tem a presença continua da pessoa e nesses casos utiliza se a imaginação para que seja um par perfeito, trazendo assim a forma de mulher ou homem perfeito e sem defeitos, claro, os riscos são menores e quase impossíveis de existir, como os da vida real que na maioria das vezes estão ali na sua frente e são difíceis de ser encarados.   As discussões são muitas e variadas, cada um com seu entendimento. Mas, na verdade todos estão corretos dependendo do caso concreto e do ponto de vista. Se o cônjuge é infiel mesmo que seja por meio virtual deverá arcar com suas responsabilidades, como acredita Santos (2000), “adverte que “a prática de ato ilícito pelo cônjuge que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório”.   Enquanto outros doutrinadores acreditam não há que se falar em responsabilidade, culpa, indenização, dano moral, dano material, mas sim na dissolução do casamento. Assim, diante de um comportamento diferente da sociedade ante a esse tipo de infidelidade o Direito se depara com uma nova situação sem muitos parâmetros e daí, como o judiciário deve agir? Alguns entendem que não se refere a uma infidelidade e por tal motivo não há o que falar em consequências, são aqueles que acreditam que para haver a traição deve haver o contato físico. Assim, são muitas as discussões e são muitos os entendimentos, como os baixos demonstrados:   Regina Beatriz Tavares (p.533):“é evidente o retrocesso daqueles que concluem que a infidelidade virtual não seria descumprimento desse dever, por inexistir relação sexual no plano virtual. Há muito o Direito evoluiu para concluir que na infidelidade importa a busca de satisfação sexual fora do par conjugal, e não a relação sexual propriamente dita, que pode ou não existir”.   Ângela Bittencourt Brasil (http://www.advogado.com/internet/zip/adulterio.htm) : “se partirmos da realidade de que entre duas pessoas existe um equipamento de hardware e que essas pessoas não têm qualquer contato físico, não poderíamos falar em adultério (…) No entanto, se olharmos sob a ótica de atos inequívocos que levam ao prazer sexual (…) poderia ser uma tese aceitável, pois são inúmeros os meios de encontros para este fim disponibilizados pela rede.”   Ao retirar tal tema do Código Penal, a discussão está vaga, pois entende que já é tema pacificado na sociedade e que atualmente o que prevalece são apenas os entendimentos doutrinários. Deste modo, a infidelidade ou adultério mesmo que virtual não é caracterizado um crime, mas mesmo assim pode ser passível de reparações.   Conclusão Por toda a narrativa acima exposta podemos concluir que a tecnologia faz parte da vida moderna, mas que também cria um grande impacto, principalmente no dia a dia da sociedade e em suas relações, seja qual for, e como várias outras transformações ocorridas ao longo dos anos trouxe reflexos no ordenamento jurídico. A infidelidade virtual não é tema novo, pelo contrário, isso ocorre a milhares de anos, mas atualmente se mostrou de uma forma inovadora, ou melhor, de forma virtual, onde não há necessariamente a presença física, mas precisa apenas de um aparelho uma rede de internet, para que o ato seja consumado, devendo assim o campo jurídico se atentar para que haja normas eficazes para regulamentar tais situações. O instituto família, casamento, fidelidade, entre outros, são basicamente entidades que devem continuar sendo preservadas, e um dever a sua manutenção, não deixando que seja ferida a dignidade, a honra de nenhum individuo, seja em qual esfera for, principalmente no conjugal onde envolve patrimônio, pessoas e sentimentos. E para que isso ocorra, precisa ser aparado juridicamente, responsabilizando aqueles que de alguma forma cometer, devendo se ater na modernidade virtual ou eletrônica, devendo agir com cautela e analisando caso a caso, por meio de provas. Assim, a responsabilidade deve ser aplicada como em outros casos quando comprovado o dano causado, o judiciário deve acompanhar tais evoluções para que o Estado posso intervir naqueles casos onde o cônjuge busca ver seu dano reparado para que não haja um perigo de dano ainda maior caso este permaneça inerte.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-infidelidade-virtual-e-suas-consequencias/
A subcontratação no âmbito da Lei das Estatais (Lei n. 13.303/2016)
O presente artigo tem como principal característica abordar a subcontratação no âmbito das Estatais (Lei 13.303/2016). Para tanto, serão tratados alguns aspectos aplicáveis à espécie, tais como, a subcontratação na Administração Pública e a relação jurídica de natureza contratual entre a Administração Pública e o subcontratado. Além disso, será feita uma análise jurisprudencial e doutrinária sobre o tema no sentido de dar as necessárias balizas para verificação dos requisitos para admitir a subcontratação do objeto licitatório. Outro ponto a ser analisado será o risco litigioso trabalhista quanto à possibilidade de condenação subsidiária da Administração Pública em face da subcontratação. O método utilizado será o jurídico-compreensivo que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e doutrina acerca do tema.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma breve análise sobre a subcontratação nos procedimentos licitatórios e os seus aspectos jurídicos no âmbito das Estatais (Lei 13.303/2016). O método utilizado será o jurídico-compreensivo, que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e doutrina sobre o tema, com o objetivo de melhor entender o seu significado e alcance no mundo fático e jurídico. Para tanto, serão tratados alguns aspectos aplicáveis à espécie, tais como, a subcontratação na Administração Pública e a relação jurídica de natureza contratual entre a Administração Pública e o subcontratado. Além disso, será feita uma análise jurisprudencial e doutrinária sobre o tema no sentido de dar as necessárias balizas para verificação dos requisitos para admitir a subcontratação do objeto licitatório. Outro ponto a ser analisado será o risco litigioso trabalhista e cível quanto à possibilidade de condenação subsidiária da Administração Pública em face da subcontratação. Dessa forma, imperioso o presente estudo para oferecer segurança e certeza nas hipóteses de subcontratação dos contratos administrativos oriundos dos procedimentos licitatórios, conforme será demonstrado nos tópicos a seguir.   A Lei 13.303/2016 “Dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios” e interessa ao presente trabalho as normas sobre a subcontratação disposta em seu artigo 78. Ressalta-se que a Lei das Estatais, ao regulamentar os procedimentos licitatórios, trouxe apenas pequenas inovações quando comparada à Lei 8.666/1993. Inclusive, a maior parte dos dispositivos consiste em nada mais do que melhoras de interpretação, em conformidade com a doutrina e jurisprudência sobre o tema. Quando o particular contratado pela Administração Pública transmite a execução de partes do objeto terceiro por ele contratado, e que não mantém elo contratual com a Administração Pública, há a ocorrência da subcontratação. Não há uma relação jurídica de natureza contratual entre a Administração Pública e o subcontratado. Ao contrário, trata-se de uma relação jurídica de natureza civil, própria e autônoma em relação àquela firmada com a Administração Pública, a qual vincula apenas o contratado e o subcontratado, cabendo, contudo, à Administração contratante autorizar sua formação no caso concreto, quando admitida nos instrumentos convocatório e contratual. O entendimento do Egrégio Tribunal de Contas da União é no sentido de que a “[…] subcontratação consiste na entrega de parte de fornecimento de bem, execução de obra ou prestação de serviço a terceiro, estranho ao contrato, para que execute em nome do contratado item, etapa ou parcela do objeto avençado.” (Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. 4ª ed. Brasília: TCU, 2010) A Lei 13.303/2016 admite que a parte contratada, sem prejuízo de suas responsabilidades contratuais e legais, realize a subcontratação de parte do objeto durante a execução do negócio jurídico, até limite previamente estabelecido pela parte contratante no instrumento convocatório. Veja o dispositivo abaixo que trata do instituto jurídico da “subcontratação”:   Lei 13.303/2016 “Art. 78. O contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, poderá subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela empresa pública ou pela sociedade de economia mista, conforme previsto no edital do certame”.   Sendo assim, inferem-se alguns requisitos para admitir a subcontratação do objeto licitatório:     Isso porque, apesar de não haver exigência nesse sentido no correspondente dispositivo da Lei 13.303/16, o entendimento do TCU é de que “[…] o princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões, inclusive das discricionárias.” (Acórdão TCU nº 1.453/2009). Até mesmo porque todo o procedimento licitatório é baseado na premissa de escolher, dentre tantos, aquele licitante que mais possui condições de satisfazer plenamente o interesse público envolvido na contratação. De modo que a permissão do ente público quanto à delegação de parte da execução do objeto sem a devida motivação colocaria em risco, de forma desfundamentada, a plena satisfação do interesse público compreendido na perfeita execução do objeto.   Este é o entendimento dominante do TCU:   A subcontratação, embora não seja proibida por lei, deve estar prevista no contrato.” (Acórdão 496/2012-Plenário | Relator: RAIMUNDO CARREIRO – grifo nosso).   “Não é permitida a subcontratação integral dos serviços, admitindo-se tão somente a subcontratação parcial quando expressamente prevista no edital de licitação e no contrato.” (Acórdão 2093/2012-Plenário| Relator: ANDRÉ DE CARVALHO – grifo nosso).   “A subcontratação em patamar superior ao permitido contratualmente, à revelia do contratante e por preços significativamente inferiores aos fixados no instrumento pactuado com a Administração Pública, desnatura as condições estabelecidas no procedimento licitatório, caracterizando fraude à licitação.” (Acórdão 799/2019-Plenário | Relator: WALTON ALENCAR RODRIGUES – grifo nosso).   No mesmo sentido, veja-se, exemplificativamente, o Acórdão nº 1014, proferido ainda do ano de 2005:   “nos ensinamentos de Jessé Torres Pereira Junior (in Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, Editora Renova, 2002, p. 694.) “(…) poderá subcontratar se for em parte e desde que tal possibilidade houvesse sido prevista no ato convocatório e no contrato, vedada a inclusão, em regulamento, de autorização genérica para subcontratar, uma vez que a subcontratação terá de ser expressamente admitida em cada contrato, inclusive com a fixação de limite condizente com o objeto deste.” (grifei) Assim, deve-se observar a previsão de subcontratação no instrumento convocatório do certame licitatório e no contrato celebrado com a empresa, nos termos dos arts. 78, IV, combinado com o art. 72, todos da Lei nº 8.666/1993.” (TCU, Acórdão nº 1014/2005, Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, j. em 20.07.2005.)   Para que haja permissão de subcontratação de parte do objeto, o instrumento convocatório deve trazer regras claras e objetivas, estabelecendo, obrigatoriamente: Motivação e presença do interesse público, necessidade de prévia autorização da Administração e especificação das razões do serviço a ser subcontratado e do prazo desejado. Porém, é possível admitir a subcontratação restar demonstrada a ocorrência de fato superveniente que a torne conveniente para a Administração Pública quando não houver sido prevista no edital e no respectivo contrato, em caráter excepcional, quando restar demonstrada a ocorrência de fato superveniente que a torne conveniente para a Administração. Vejamos:   “No caso da cessão parcial, a concordância deve ser realizada, como regra, na fase de planejamento e deve constar no edital, mas é possível, de forma excepcional, que ela seja concedida na fase contratual, mesmo não prevista em edital. Nesse último caso, deve haver situação relevante que justifique tal possibilidade. (…) Ressalta-se que não se deve concluir que a cessão parcial (subcontratação) não autorizada no edital e a cessão total estão absolutamente proibidas. É preciso dizer, no entanto, que a admissão da subcontratação não prevista no edital e da cessão total são possibilidades que dependerão de condições especiais. Simplesmente considerar a proibição como algo absoluto não parece ser a melhor solução jurídica.” MENDES, Renato Geraldo. Lei de Licitações e Contratos Anotada. Notas e Comentários à Lei nº 8.666/93. 8ª Ed. Curitiba: Zênite, 2011, p. 962. O autor adota o termo cessão parcial para designar subcontratação.   Ressalta-se que o TCU lavrou decisão acatando que, em situações excepcionais, resultantes de fatos supervenientes, nas quais a subcontratação apresenta-se essencial à preservação da execução do contrato, tal procedimento poderá ocorrer, ainda que não prevista no instrumento convocatório ou no contrato. Vejamos:   “Ante o exposto, é de se concluir que a orientação emanada do Acórdão nº 5.532/2010 – 1ª Câmara, invocado pela Secex-MG em sua instrução, no sentido de que a subcontratação parcial de serviços contratados “não necessita ter expressa previsão no edital ou no contrato, bastando apenas que não haja expressa vedação nesses instrumentos” deve ser vista não como regra, mas sim como hipótese absolutamente excepcional, extraordinária, resultante de fato superveniente, de forma a atender, aí sim, na expressão usada pela unidade técnica, “a uma conveniência da administração”. 15. Nessa situação excepcional, a necessidade da subcontratação surgirá no curso da execução contratual, à evidência, pois, de um fato superveniente à celebração da avença, de sorte a garantir a viabilidade da execução do contrato administrativo mesmo ante a eventuais circunstâncias que impeçam a execução integral do avençado nos moldes originais em que fora pactuado.16. É, portanto, providência de exceção, haja vista que o interesse da Administração é pelo cumprimento do contrato na forma originalmente avençada.” (Acórdão nº 3.378/2012-Plenário, rel. Min. José Jorge, j. em 05.12.2012.)     Registra-se que a Administração deve estabelecer o limite da subcontratação, a fim de evitar a subcontratação total do objeto. Assim leciona Jessé Torres Pereira Junior:    “A subcontratação tem que ser parcial, sem o trespasse dos encargos contratuais, sem a liberação do contrato original pelo subcontratante e com prévia aprovação da Administração”. PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. 5.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 692-693.   No mesmo sentido o entendimento do TCU:   “É vedada a subcontratação integral em contratos administrativos, sendo possível a subcontratação parcial quando não se mostrar viável, sob a ótica técnico-econômica, a execução integral do objeto por parte da contratada e desde que tenha havido autorização formal do contratante.” (Acórdão 6189-2019 | Relator: MARCOS BEMQUERER) (grifo nosso). Texto: (…) Igualmente assentada na jurisprudência é a compreensão de que “a subcontratação integral do objeto a terceiros caracteriza prejuízo ao erário, o qual corresponde à diferença entre os pagamentos recebidos pela empresa contratada e os valores por ela pagos na subcontratação integral“. Em seu voto, na esteira da manifestação da unidade instrutiva, o relator pontuou que a transferência da execução de parte das atividades a terceiros tem caráter acessório e complementar, “jamais por meio de repasse integral da execução das ações ajustadas pelo convenente para outros estranhos ao contrato, sob pena de desfigurar o processo de escolha da contratada.” (grifo nosso).   “Não é permitida a subcontratação integral de serviços, admitida tão somente a subcontratação parcial quando expressamente prevista no edital de licitação e no contrato. Acórdão 983/2012-Plenário | Relator: AUGUSTO SHERMAN  ÁREA: Contrato Administrativo |  TEMA: Sub-rogação | SUBTEMA: Vedação Outros indexadores: Autorização, Edital de licitação, Possibilidade, Subcontratação negritei    Além disso, parte da doutrina entende que permitir a subcontratação total do objeto configuraria afronta ao procedimento licitatório e ferimento ao Princípio da Igualdade, bem como afronta ao art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, pois, caso fosse admitida, ludibriaria a própria licitação, adjudicando-se o objeto contratual a não participante do certame.   Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.   Até mesmo porque permitir a delegação total da execução do objeto a ente estranho ao processo licitatório, não obstante violar o princípio da igualdade exporia sob mesmo risco os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade.   Posto que a permissão do ente público quanto à adjudicação total do objeto contratual a outrem incrementaria demasiadamente o risco de conluio – uma empresa inidônea, por exemplo, poderia conspirar com a empresa licitante para executar por completo o objeto contratual.   De fato, a subcontratação total encontra óbice na própria lógica do procedimento licitatório. Tendo em vista que o ente público, mediante rigorosa exigência criterial, visou selecionar a empresa mais apta para concretizar o interesse comum envolto na execução daquele objeto, a delegação total nada mais parece ser do que afronta direta e explícita.   Os riscos se sobrepõem aos benefícios. Isso porque a subcontratação total – não obstante ser ilegal – pode se caracterizar como verdadeira delegação da execução contratual a terceiro, em clara tentativa de violar eventual proibição de contratar com o ente público ou requisitos de habilitação por estes estabelecidos.   Portanto, os serviços que poderão ser subcontratados deverão ser complementares ou acessórios, mas não principais.     Portanto, a parte contratada é quem responderá pelo integral cumprimento do objeto perante a Administração Pública, não sendo possível a Administração Pública, como regra, efetuar o pagamento devido diretamente aos subcontratados pelos serviços prestados, pois, a relação jurídica decorrente da subcontratação não envolve diretamente a contratante (Administração Pública). Assim, diante de eventuais inadimplementos do subcontratado, na forma do art. 76  da Lei  13.306/2016 “O contratado é obrigado a reparar, corrigir, remover, reconstruir ou substituir, às suas expensas, no total ou em parte, o objeto do contrato em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções resultantes da execução ou de materiais empregados, e responderá por danos causados diretamente a terceiros  ou à empresa pública ou sociedade de economia mista, independentemente da comprovação de sua culpa ou dolo na execução do contrato”. Vejamos também o entendimento do Tribunal de Contas da União: “9.2. determinar à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que: 9.2.1. quando da elaboração e fiscalização de contratos, observe a vedação feita pela Lei n. 8.666/1993, nos arts. 72 e 78, inciso VI, no tocante à subcontratação total dos objetos pactuados; 9.2.2. abstenha-se de efetuar pagamentos diretos a subcontratadas, tendo em vista a falta de amparo legal, uma vez que não há qualquer relação jurídica entre a Administração Pública e o terceiro subcontratado (…)”. (TCU. Acórdão nº 502/2008 – Segunda Câmara) (negritei).   Sobressai que na subcontratação parcial, a relação da subcontratada é com a subcontratante, e não com a empresa estatal, de maneira que não pode demandar diretamente a estatal. Além disso, a subcontratação, quando autorizada pela Administração Pública, prevista em edital, não acarretará a exoneração de responsabilidades da contratada matriz, ou seja, a contratada continua a responder diretamente perante a Administração Pública, e não a subcontratada.   Vejamos o exemplo retirado do livro dos professores Adriel de Sá e Cyonil Borges, chamado “Novas Leis das Estatais”:   “A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) formalizou contrato com a empresa “entrega certa” para o transporte de cargas. Por sua vez, a transportadora subcontratou com a empresa “mecânica sem graxa” a manutenção dos caminhões da frota. A empresa subcontratada deixou de fazer, regularmente, a devida manutenção nos veículos e, por consequência, os serviços de entrega de cargas da ECT restaram atrasados. Então, de quem a empresa estatal deverá cobrar? Da empresa “entrega certa” ou da “mecânica sem graxa”?  A ECT deverá acionar diretamente a empresa contratada, com a qual mantém relação e a essa aplicar as devidas penalidades. As relações travadas entre a contratada e a subcontratada serão resolvidas no âmbito da subcontratação”. Contudo, tal como compreende a Consultoria Zênite[1], isso não significa que a Administração deve negligenciar seu dever de cautela. Tendo em mente o princípio da indisponibilidade do interesse público – este que tangencia o objeto licitatório – à administração cabe exigir os documentos capazes de comprovar a idoneidade e a capacidade técnica do interessado, tudo visando proteger o bem comum.     O TCU entende que é incabível a subcontratação nas hipóteses de contratação direta:   “Não deve ser permitida subcontratação, nos contratos firmados com inexigibilidade de licitação. Acórdão 1183/2010-Plenário | Relator: AROLDO CEDRAZ ÁREA: Contrato Administrativo | TEMA: Subcontratação | SUBTEMA: Requisito Outros indexadores: Vedação, Inexigibilidade de licitação”     Art. 78. (…)   Conforme descrito anteriormente, embora a subcontratação não isente o contratado das responsabilidades contratuais, como também não estabelece uma relação jurídica de natureza contratual entre a Administração Pública e o subcontratado, não há como afastar a obrigação de a Administração adotar determinadas medidas relativas ao subcontratado com o objetivo de proteger o interesse público.   É necessário que a Administração exija os documentos capazes de comprovar a idoneidade e a capacidade técnica para desempenhar as parcelas que serão objeto da subcontratação.   O subcontratado deverá apresentar os documentos capazes de demonstrar que a subcontratada tem habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhista e cumpre o disposto no inc. XXXIII do art. 7º da Constituição, além daqueles pertinentes à comprovação de sua qualificação técnica, os quais deverão replicar os requisitos constantes do edital de licitação para a parcela que se pretende subcontratar.   Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)   Nesse sentido, cita-se precedente do TCU: “No caso de subcontratação de parcela da obra para a qual houve solicitação de atestados de qualificação técnica na licitação, ou na hipótese de não terem sido exigidos atestados por se tratar de serviço usualmente prestado por limitadíssimo número de empresas, a contratada original deve exigir da subcontratada comprovação de capacidade técnica, disposição essa que deve constar, necessariamente, do instrumento convocatório”. (TCU, Acórdão nº 2.992/2011, Plenário, TC-008.543/2011-9, Rel. Min. Valmir Campelo, 16.11.2011.)     TCU – Acórdão n.º 3144/2011-Plenário, TC-015.058/2009-0, rel. Min. Aroldo Cedraz – É ilícita a inserção, em editais do XXX, de autorização que permita a subcontratação do principal de objeto licitado, entendido essa parcela do objeto como o conjunto de itens para os quais foi exigida, como requisito de habilitação técnico-operacional, a apresentação de atestados que comprovem execução de serviço com características semelhantes.   Conforme disposto no §2º do artigo 78 da Lei 13.303/2016:   Art. 78. (…) I – do procedimento licitatório do qual se originou a contratação; II – direta ou indiretamente, da elaboração de projeto básico ou executivo.     Art. 78. (…)      “Subcontratação em patamar superior ao permitido contratualmente, à revelia do contratante e por preços significativamente inferiores aos fixados no instrumento pactuado com a Administração Pública, desnatura as condições estabelecidas no procedimento licitatório, caracterizando fraude à licitação”.   Visto que a subcontratação é mera benesse da Administração Pública, que sinaliza ao licitante a permissão para delegar parte da execução do objeto é evidente que faz parte do arbítrio da entidade pública decidir positiva ou negativamente pela possibilidade de subcontratação. Não obstante o fato de a subcontratação ser uma relação autônoma, de natureza civil, entre o licitante e o subcontratado, ela requer a permissão explícita da Administração Pública, visto que o que se encontra em jogo é a efetivação do interesse público orbitado no objeto da licitação. De modo que caso a Administração Pública, por motivação discricionária, opte pela vedação à subcontratação, é evidente que não cabe à contratada delegar a execução do objeto, visto que estaria explicitamente violando o assentado no instrumento convocatório e seus anexos. Se de má-fé o licitante venha a proceder com a subcontratação, mesmo com previsão no instrumento convocatório em sentido contrário, cabe à entidade pública promover a rescisão do contrato. É o entendimento doutrinário, manifestado por Carlos Wellington Leite de Almeida:   “O órgão ou entidade contratante poderá, sendo mesmo recomendável, estabelecer, já no edital, percentuais máximos do objeto permitidos para a subcontratação. Ou, se for ocaso, inserir cláusula que vede a subcontratação. A prática, pelo contratado original, de subcontratação não autorizada constitui motivo para a rescisão contratual” (CWL de Almeida. Fiscalização contratual:”Calcanhar de Aquiles” da execução dos contratos administrativos. Revista do TCU. Ed. 114. 2009).   A jurisprudência também se manifestou no mesmo sentido. Confira-se:   “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. LEI 8.666/1993. VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. SUBCONTRATAÇÃO. NÃO AUTORIZADA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RESCISÃO CONTRATUAL. CABIMENTO. APLICAÇÃO DE PENALIDADES. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado com o fito de obter a não rescisão do contrato administrativo de prestação de serviço de transporte urbano de cargas, a não imposição da penalidade de multa, bem como a suspensão de futura licitação. 2. O artigo 3º da Lei nº 8.666/1993 garante na licitação a observância do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, estando ambas as partes – Poder Público e licitante – vinculados à plena observância das regras do edital, o qual, por sinal, faz lei entre as partes. 3. Deveras, ao se habilitar no procedimento licitatório, o licitante concordou com as exigências contidas no edital e passou a sujeitar-se a todas as normas ali previstas, até mesmo às que estipulam as sanções ao descumprimento do contrato. 4. Segundo a Lei de Licitações, a subcontratação do objeto licitado depende de prévia autorização da Administração Pública, constituindo motivo de rescisão contratual sua realização total ou parcial não admitida no edital e no contrato (artigos 72 e 78, VI, da Lei nº 8.666/93). 5. Na hipótese dos autos, o contrato a vedava expressamente, no entanto, a impetrante firmou contrato de subcontratação de transportes de cargas com outra empresa, vindo a transferir a execução do contrato administrativo a terceiro. 6. Constata-se que foi a impetrante, por sua inadimplência, quem deu causa à rescisão contratual, devendo, portanto, suportar as penalidades dela decorrentes. 7. A aplicação de mais de uma penalidade é autorizada pelo artigo 87, § 2º, da Lei nº 8.666/93, não havendo ilegalidade na aplicação da penalidade pecuniária cumulada com a rescisão contratual. 8. Precedentes. 9. Apelação desprovida” (TRF-3 – Ap: 00134422220154036100 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS. Data de Julgamento: 15/05/2019, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA: 22/05/2019) (grifo nosso).   De qualquer modo, adverte-se aqui a necessidade de previsão explícita quanto à vedação à subcontratação, caso seja este o anseio da Administração Pública.   É que a má elaboração do instrumento vinculante pode acarretar grande prejuízo ao ente público caso haja a vedação à transferência de parte da execução do objeto, e haja a má redação, como o ingresso da contratada em ação litigiosa, por exemplo. A previsão explícita se impõe tendo em vista a gravidade do instrumento utilizado Administração Pública para sanar os efeitos da desobediência da contratada.   “[Contratação. Subcontratação sem previsão editalícia. Rescisão contratual.] O art. 78, VI, da Lei n. 8.666/93 prevê expressamente a rescisão contratual no caso de subcontratação não admitida em contrato ou no edital. Considero, portanto, irregular a subcontratação de caminhões autorizada pelo prefeito municipal, por estar em discordância com o dispositivo legal acima mencionado. […] considero irregular o Convite n. […], bem como o contrato dele decorrente, por contrariarem o disposto no […] inciso VI do art. 78 da Lei de Licitações. [Processo Administrativo n. 702.593. Rel. Conselheira Adriene Andrade. Sessão do dia 25/05/2010. TCE MG]”.   A eventual permissão da Administração Pública quanto à subcontratação do objeto requer, também, demasiada atenção em virtude do grande risco de condenação em possíveis ações versando sobre a responsabilidade subsidiária do ente público face ao hipotético inadimplemento trabalhista da subcontratada. De fato, conforme visto, a subcontratação não se traduz em um vínculo entre a subcontratada e o ente público. Ela é, na verdade, um vínculo entre a subcontratada e a contratada, apenas. Todavia, a jurisprudência tem ecoado o entendimento de que há, em caso de descumprimento de obrigações por parte da subcontratada, responsabilidade subsidiária da contratada e da contratante. Há potencial e iminente risco de, permitida a subcontratação, sobrevir à condenação da administração em eventuais litígios envolvendo sua responsabilidade subsidiária por conta de eventual inadimplemento das obrigações pela subcontratada. À vista do exposto, colacionam-se os seguintes julgados (tese dominante):   “AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA – DESCABIMENTO. QUARTEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. OCORRÊNCIA. O Regional, ao condenar subsidiariamente o segundo réu, decidiu conforme entendimento consagrado no item IV da Súmula 331 desta Corte. Agravo de instrumento conhecido e desprovido” (AIRR-354-68.2011.5.01.0072, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 07/01/2020).   Texto: “(…) Atendendo ao pressuposto do art. 896, § 1º-A, I, da CLT, a parte transcreveu, no recurso de revista, os seguintes trechos do acórdão (fl. 380-PE): “Além disso, restou demonstrado nos autos que, embora o 2° reclamado alegue não ter firmado contrato de prestação de serviços com a 1ª ré, este reconhece ter firmado “Contrato de Prestação de Serviços de Correspondente não Bancário” com o RCS 91 – CONSULTORIA FINANCEIRA LTDA. (fls. 98/114) e que esta firmou contrato com a ré, RCS EMPREENDIMENTOS E SOLUÇÕES FINANCEIRAS LTDA. Verifica-se, assim, que houve uma verdadeira ‘quarteirização’ da prestação de serviços, o que não afasta o ônus do 2° reclamado em fiscalizar a execução dos contratos firmados entre a empresa diretamente contratada e aquela subcontratada. Os serviços deveriam ser prestados pela empresa contratada pelo 2° réu e se esta, na execução do contrato, subcontratou outra pessoa jurídica, tal procedimento não exclui a responsabilidade do tomador de serviços. Destaque-se que não prospera o argumento de que eventual responsabilidade limita-se ao tomador imediato dos serviços, na medida em que a fiscalização do contrato é dever do 2º reclamado e a eventual subcontratação deve ser objeto de igual controle.” (…) A Eg. Turma, ao condenar subsidiariamente o segundo réu, decidiu   conforme entendimento consagrado no item IV da Súmula 331 desta Corte, a   qual está posta no seguinte sentido: “O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial (…)” (grifo nosso).     “AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CULPA IN VIGILANDO . PRINCÍPIO DA APTIDÃO PARA A PROVA. A despeito das razões expostas pela parte agravante, merece ser mantido o despacho que negou seguimento ao Recurso de Revista. No caso, além de não ter sido apresentada “nenhuma prova de que foram observadas as regras do procedimento de licitação” (trecho do acórdão, a fls. 210), o ente público, Agravante, também não comprovou ter fiscalizado o cumprimento das obrigações trabalhistas, seja por parte da empresa por ele contratada, seja por parte da subcontratada, e o fato de ter havido “quarteirização” não afasta o dever de fiscalização por parte deste, considerando a sua condição de real beneficiário dos serviços prestados. Assim, mantidas as circunstâncias fáticas delineadas pelo Regional, seu posicionamento se alinha ao disposto na Súmula n.º 331, V, do TST, cujo entendimento cuidou de amoldar a jurisprudência desta Corte aos termos do que foi decidido pelo STF nos autos do ADC n.º 16. Agravo de Instrumento conhecido e não provido” (AIRR-63-91.2013.5.01.0074, 4ª Turma, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, DEJT 24/06/2016) (grifo nosso). Ementa: SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES E ALIMENTAÇÃO EM ESTABELECIMENTO DA CONTRATANTE. SUBCONTRATAÇÃO PERMITIDA NO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. A negligência na escolha da contratada e na autorização de subcontratação dos serviços ajustados (culpa in eligendo) e na vigilância da prestação de serviços e do cumprimento das obrigações pela empresa contratada e sua subcontratada (culpa in vigilando) conduz à responsabilização do tomador de serviços pela totalidade dos créditos deferidos ao empregado. ACIDENTE DE TRABALHO. DANO MORAL E ESTÉTICO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. Segundo a Teoria do Risco Integral aplicável às relações laborais, demonstrado tão só o dano, moral e estético, e o nexo de causalidade entre os serviços prestados pelo trabalhador e a atividade empresarial, exsurge o dever de indenizar o obreiro, conforme os termos do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.(TRT-1 – RO: 00010719020115010004 RJ, Relator: Valmir De Araujo Carvalho, Data de Julgamento: 13/11/2019, Segunda Turma, Data de Publicação: 19/11/2019) Apesar de um dos requisitos para a caracterização da responsabilidade subsidiária do ente público ser, justamente, a constatação de culpa in vigilando, é necessário atentar-se para o fato de que, mesmo assim, há, com a subcontratação, manifesto risco litigioso envolvendo a temática. Não se pode denegar a verdade de que, por mais que a Administração Pública fiscalize de maneira ostensiva a contratada e sua subcontratada, o risco judicial de eventual condenação subsiste.   O evidente risco legal também se manifesta na Súmula nº 331 do TST, visto que, conforme exposto nos julgados anteriores, prevalece na Corte do Trabalho o entendimento de que o item IV da referida súmula também se aplica às subcontratações. Confira-se:                  SÚMULA Nº 331 DO TST CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011 I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.   Observa-se que mesmo na hipótese de “quarteirização” não há como se afastar o dever de fiscalização por parte da Administração Pública, considerando a sua condição de beneficiária dos serviços prestados ao fim da cadeia de quarteirização, ainda que não seja a real empregadora de um possível reclamante/autor.   De fato, o risco de condenação em um processo judicial envolvendo a temática abordada é, relativamente, grande. Contudo, há a existência de certos elementos que podem auxiliar a Administração Pública em uma estratégia defensiva para eventual caso envolvendo o tema. Vejamos:     Ementa: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. De acordo com o entendimento jurisprudencial predominante, fica vedada a atribuição de responsabilidade ao ente público nos casos de terceirização, excetuando-se exclusivamente as hipóteses em que o empregado comprovar robustamente a ausência de fiscalização, pela administração pública, do cumprimento do contrato de prestação de serviços por parte da empresa prestadora.   (TRT12 – ROT – 0000690-35.2018.5.12.0003 , MIRNA ULIANO BERTOLDI , 6ª Câmara , Data de Assinatura: 21/03/2020)     “(…) RECURSO ORDINÁRIO DO SEGUNDO RECLAMADO Responsabilidade subsidiária. Ente público Insurge-se o segundo reclamado contra a r. sentença que o condenou como responsável subsidiária pelas verbas deferidas ao reclamante. Após a decisão proferida na ADC nº 16 do STF, não cabe a interpretação que permitia responsabilizar por débitos trabalhistas, de forma “automática”, entidades públicas tomadoras de mão de obra. O c. TST também condicionou o reconhecimento da responsabilidade subsidiária à prova da conduta culposa do ente público, ressaltando não decorrer do mero inadimplemento das obrigações trabalhistas: “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE. (…) IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.” (Súmula nº 331 do TST, com redação da Resolução nº 174/2011) A questão jurídica discutida nos casos de terceirização por ente público se relaciona a aferir de quem é o ônus de provar a culpa in vigilando. Considerando que o reconhecimento da responsabilidade subsidiária pela mera inadimplência do prestador de serviços, de forma automática, esvazia a força normativa do art. 71 da Lei nº 8.666/1993 e que o disposto nos arts. 58, inc. III, e 67 da Lei de Licitações gera presunção de fiscalização pela entidade pública, o encargo probatório só pode ser do trabalhador. No entanto, o Pleno deste E. Tribunal Regional do Trabalho, no julgamento do incidente de uniformização de jurisprudência IUJ/TRT 0011608-93.2017.5.03.000 (processo originário TRT/RO 0010522-21.2014.5.03.0153), fixou a seguinte Tese Prevalente nº 23: “RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TERCEIRIZAÇÃO. ENTE PÚBLICO. FISCALIZAÇÃO. ÔNUS DA PROVA. É do ente público o ônus da prova quanto à existência de efetiva fiscalização dos contratos de trabalho de terceirização, para que não lhe seja imputada a responsabilidade subsidiária.”  Friso, no entanto, que este não é o entendimento por mim adotado, pelos motivos já suficientemente expressados, ousando dele divergir com amparo no princípio da legalidade. O cotejo dos dados factuais em exame com os entendimentos dos Tribunais Superiores impõe rejeitar a responsabilidade subsidiária do segundo reclamado, pois de acordo com o item V da Súmula nº 331 do TST, a responsabilidade subsidiária do ente público não persiste apenas pela inadimplência da empresa contratada. A mera ausência de preposto do segundo reclamado no local de trabalho (depoimento da testemunha ouvida a pedido do reclamante, ID. ee8b551) não evidencia culpa, pois a Lei nº 8.666/1991 não prevê esta obrigação. O reclamante aduz que: “o recorrente não apresentou nenhuma prova de que houve efetiva fiscalização do contrato mantido com a primeira reclamada, especialmente em relação ao adimplemento de obrigações trabalhistas pela empresa prestadora de serviços” (ID. e94c04e). Entretanto, o próprio reclamante não desincumbiu do seu ônus probatório, vez que não apontou prova de que não houve fiscalização por parte do recorrente. Não há culpa in eligendo e in vigilando do segundo réu, não havendo como responsabilizá-lo subsidiariamente. Dou provimento para excluir a responsabilidade subsidiária do segundo reclamado, ficando prejudicados os demais pedidos. Em consequência, condeno o reclamante a pagar honorários advocatícios de 5% do valor dos pedidos iniciais em favor do segundo reclamado, conforme se apurar em liquidação, o qual será descontado do seu crédito  (TRT 3ª Região. Processo 0010984-97.2018.5.03.0068. Nona Turma. Relator Ricardo Antonio Mohallem (PJE  – assinado em 29.01.2020)     (…) II – RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.015/2014. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF. ENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1 – Conforme o Pleno do STF (ADC nº 16 e Agravo Regimental em Reclamação 16.094) e o Pleno do TST (item V da Súmula nº 331), relativamente às obrigações trabalhistas, é vedada a transferência automática para o ente público, tomador de serviços, da responsabilidade da empresa prestadora de serviços; a responsabilidade subsidiária não decorre do mero inadimplemento da empregadora, mas da culpa do ente público no descumprimento das obrigações previstas na Lei nº 8.666/1993. 2 – No voto do Ministro Relator da ADC nº 16, Cezar Peluso, constou a ressalva de que a vedação de transferência consequente e automática de encargos trabalhistas, “não impedirá que a Justiça do Trabalho recorra a outros princípios constitucionais e, invocando fatos da causa, reconheça a responsabilidade da Administração, não pela mera inadimplência, mas por outros fatos”. Contudo, a Sexta Turma do TST, por disciplina judiciária, a partir da Sessão de Julgamento de 25/3/2015, passou a seguir a diretriz fixada em reclamações constitucionais nas quais o STF concluiu que o ônus da prova, quanto ao cumprimento das obrigações previstas na Lei nº 8.666/1993, não é do ente público. 3 – O Pleno do STF, em repercussão geral, com efeito vinculante, no RE 760931, Redator Designado Ministro Luiz Fux, fixou a seguinte tese: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93”. Nos debates no julgamento do RE 760931, o Pleno do STF deixou claro que o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, ao estabelecer que “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas (…) não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento”, veda a transferência automática, objetiva, sistemática, e não a transferência fundada na culpa do ente público. Embora não tenham constado na tese vinculante, no julgamento do RE 760931 foram decididas as seguintes questões: a) ficou vencido o voto da Ministra Relatora Rosa Weber de que o   da prova seria do ente público; b) a maioria julgadora entendeu que o reconhecimento da culpa do ente público exige elemento concreto de prova, não se admitindo a presunção (como são os casos da distribuição do ônus da prova e do mero inadimplemento). 4 – Recurso de revista a que se dá provimento. Fica prejudicado o exame do tema remanescente.(TST-RR-45200-42.2009.5.06.0351, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, 6ª T., pub. DEJT 15/12/2017).       De outro norte, caso eventualmente haja uma ação judicial movida pela empresa subcontratada contra a Administração Pública, é necessário alegar em peça defensiva de que não há que se falar em legitimidade passiva, porquanto inexiste relação jurídica direta entre a subcontratada e a Administração Pública, afastando-se, portanto, eventual obrigação solidária/subsidiária pelo inadimplemento contratual decorrente do ato negocial entre a empresa subcontratante e subcontratada. Vejamos os julgados: Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – SUBCONTRATAÇÃO – RELAÇÃO JURÍDICA DIVERSA – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA CONTRATANTE COM A SUBCONTRATADA – PRECEDENTE DESTA CÂMARA CÍVEL – DECISÃO MANTIDA. – Do manejo dos documentos acostados nos autos principais, tem-se que a Agravante não firmou qualquer tipo de negócio contratual com a Petrobras Transportes S.A. – TRANSPETRO ou com a Petróleo Brasileiro S .A. – Petrobras, e sim com a contratada destas, qual seja M BRÁS CONSTRUÇÕES, CONSULTORIA E TECNOLOGIA LTDA – ME; – Na subcontratação de prestação de serviço, a relação original permanece juridicamente inalterada, ou seja, o contrato original permanece o mesmo, constituindo-se um outro contrato. A responsabilidade, neste caso, permanece com a contratada original, passando a existir outra relação jurídica: a da contratada com a subcontratada; – Não há, portanto, qualquer relação jurídica entre a Recorrente com a PETROBRAS e TRANSPETRO, configurando partes ilegítimas para figurarem no polo passivo da demanda; – PRECEDENTE: Apelação Cível nº 0211865-02.2010.8.04.0001, Relator: Exmo. Desembargador Airton Luís Corrêa Gentil; – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.(TJ-AM – AI: 40044552520188040000 AM 4004455-25.2018.8.04.0000, Relator: Aristóteles Lima Thury, Data de Julgamento: 18/03/2019, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 18/03/2019) Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE COBRANÇA – SUBEMPREITADA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – NÃO CONFIGURADA – ILEGITIMIDADE PASSIVA – CONFIGURADA – TUTELA DE URGÊNCIA – BLOQUEIO DE BENS – AÇÃO DE CONHECIMENTO – REQUISITOS NÃO CONFIGURADOS. – O subcontrato constitui novo vínculo contratual, razão pela qual o litígio do subcontratado com a contratante principal é estranha à parte que não participou desta contratação – Em se tratando de fase de conhecimento, tenho que é prematuro o deferimento da liminar de constrição de valores – Estando ausentes os requisitos para a concessão da tutela de urgência previstos no art. 300 do CPC, o seu indeferimento é medida que se impõe.(TJ-MG – AI: 10335160024741001 MG, Relator: Pedro Aleixo, Data de Julgamento: 06/02/2019, Data de Publicação: 15/02/2019)   Considerações Finais Em síntese, observou-se por meio deste estudo que a Lei n. 13.303/2016 apresenta expressa disposição sobre a subcontratação no âmbito dos contratos administrativos. Em seguida, constatou-se que, dentre os benefícios da subcontratação para a entidade pública, encontram-se principalmente a possibilidade por meio da autorização em instrumento convocatório para a subcontratação, a Administração Pública  obtenha êxito em atrair potenciais licitantes a futuras compras, haja vista que – na maior parte dos casos – a subcontratação realizada pela contratada visa à diminuição dos custos e o aumento de sua margem de lucro. Já os malefícios, concentram-se no risco judicial quanto a eventuais ações cíveis e ações movidas por empregados da subcontratada e que, hipoteticamente, exijam a responsabilidade da Administração Pública conjuntamente à da contratada. Ressalta-se, contudo, que a menção a eventuais malefícios não se traduz em crítica ao instituto da subcontratação em si, apenas é mister observar os possíveis efeitos decorrentes de sua utilização. E para tomar decisões conforme o prevalecente modelo gerencial da Administração Pública é necessário que a entidade avalie, minuciosamente, as possíveis consequências de suas escolhas, ponderando possíveis riscos e benefícios da mesma decisão. Por fim, restou evidenciada a possibilidade da subcontratação nos contratos administrativos regidos pela Lei das Estatais.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-subcontratacao-no-ambito-da-lei-das-estatais-lei-n-13-303-2016/
Responsabilidade Extracontratual Estatal e a Aplicação Da Tese Da Dupla Garantia
O presente trabalho visa travar uma discussão sobre a responsabilidade civil do Estado sobre os danos que seus agentes públicos causarem quando atuarem nessa qualidade. O dilema envolvendo a responsabilidade civil estatal se refere à superação (ou não) da tese da dupla garantia. Tal discussão foi alavancada principalmente por novos julgamentos nas cortes superiores, segundo os quais haveria possibilidade do particular ingressar com ação indenizatória diretamente em face do próprio agente público. Assim, após a realização de uma análise de doutrinas e jurisprudências, buscou-se realizar levantamento bibliográfico jurisprudencial sobre tal assunto, debatendo os mais atuais entendimentos sobre o referido tema.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No direito brasileiro, um indivíduo, ao praticar um ato, pode vir a sofrer consequências (sanções) em três esferas distintas, a saber, cível, penal e administrativa; tais esferas são independentes entre si, sem que haja prejuízo de aplicação de penalidades cumulativamente. Na seara criminal, uma conduta pode ser enquadrada como crime ou contravenção, ao passo em que na esfera administrativa, o ato ou fato ilícito pode-se enquadrar como infração às normas administrativas e, por fim, na esfera cível, tal conduta pode ensejar uma responsabilização patrimonial ou extrapatrimonial (dano moral). Especificamente quanto à responsabilidade civil do Estado – também denominada de responsabilidade extracontratual do Estado -, trata-se da responsabilidade estatal em relação ao dano provocado pelo comportamento dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ao tratar-se de responsabilidade do Estado, busca-se a responsabilização na esfera cível – ou seja, uma responsabilização pecuniária. Atualmente entende-se por responsabilidade extracontratual do Estado a atribuição de responsabilidade do ente público por todos os atos comissivos que os agentes públicos vierem a ocasionar, nesta qualidade, a algum particular (conforme redação do artigo 37, §6º, da Constituição da República Federativa do Brasil[1] [BRASIL, 1988]). O grande dilema envolvendo tema da responsabilização do Estado se refere à duvida sobre a possibilidade (ou não) do indivíduo lesado, responsabilizar somente no polo passivo da demanda a Fazenda Pública ou de também poder acionar como sujeito passivo de uma demanda, o agente que praticou uma conduta e causou um dano a um determinado individuo. Note-se que o § 6º do artigo 37, CFRB/1988, é expresso ao dispor sobre a responsabilidade da Fazenda Pública em responder sobre os danos que seus agentes causarem quando atuarem, nessa qualidade, garantindo, todavia, à Fazenda Publica sua chance em intentar uma ação de regresso em face do agente causador do dano. Este entendimento é, inclusive, adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), através da chamada tese da dupla garantia, expressão que significaria garantir ao particular a chance de demandar em face da Fazenda Pública, esta que possuiria patrimônio – através dos pagamentos por precatório – para realizar a solvência do debito, ao passo em que iria também garantir ao servidor público, a segurança de somente ser demandado administrativamente e civilmente, através do Estado, por meio de uma ação de regresso. O termo “dupla garantia” foi registrado pela primeira vez há alguns anos, em um julgamento da Primeira Turma do STF, o Recurso Extraordinário 327.904, relatado pelo Ministro Carlos Britto (BRASIL, 2006c). Registram-se, ainda, outros julgamentos paradigmáticos sobre o tema, a exemplo dos Recursos Extraordinários 344.133 e 720.275 (BRASIL, 2008, 2013b). Em oposição ao entendimento anteriormente consagrado pelo STF, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial 1.325.862, da Quarta Turma, relatado pelo Min. Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2013a), apresentou entendimento de que seria cabível, em tese, a possibilidade do lesado ingressar com ação somente em face do agente publico causador de um dano e/ou em face da Fazenda Pública e do agente, como litisconsórcio passivo. Tal posição é, também, a adotada por alguns doutrinadores, como Celso Antônio Bandeira de Melo e José dos Santos Carvalho Filho. O posicionamento adotado pelo STJ acabou por ensejar questionamentos e inseguranças, vez que não há consenso sobre a superação (ou não) da tese da dupla garantia, razão pela qual o presente artigo visa ampliar o debate sobre o assunto, por meio de revisão bibliográfica e breve estudo de julgamentos de cortes superiores.   1. ETAPAS PELAS QUAIS PASSOU A CONSTRUÇÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO A responsabilidade civil do Estado não era admitida nos primórdios dos primeiros Estados, tratando-se de uma construção doutrinária e legislativa. Assim sendo, a doutrina vislumbra que, inicialmente, havia uma teoria de não responsabilização (ou irresponsabilidade) do Estado, bastante difundida no bojo dos Estados absolutistas e que se baseava na ideia de soberania, ou seja, se baseava em adágios como “o rei nunca errava” ou, ainda, na ideia de que “aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei”. Destaca De Mello (2010), todavia, que tais assertivas não significavam uma completa irresponsabilidade estatal, já que alguns compilados legislativos admitiam a responsabilidade da Administração Pública em situações específicas, já contempladas pela lei. Salienta-se, ainda, que “[d]emais disso, o princípio da irresponsabilidade do Estado era temperado em suas consequências gravosas para os particulares pela admissão da responsabilidade do funcionário, quando o ato lesivo pudesse ser diretamente relacionado a um comportamento pessoal, seu” (DE MELLO, 2010, p. 1001). De toda sorte, a referida teoria foi superada, alcançando-se, pouco a pouco, o entendimento de que o Estado deve responder por seus atos comissivos e omissivos que venham a causar um dano à terceiro. Registra-se, ainda, que na legislação brasileira não havia norma que isentasse totalmente o Estado da responsabilidade, embora seja conhecido que o Brasil foi, por muitos anos, colônia de Portugal, país governado por monarquia até o início do século XX. Vale, todavia, o destaque de que se registrava, na constituição do Império de 1824, norma que imputava aos agentes públicos a responsabilidade pelo dano que provocassem no exercício da função. A Constituição republicana de 1891 possuía igual previsão, compreendendo parte da doutrina da época, ainda, que haveria solidariedade do Estado (DE MELLO, 2010). Ainda segundo De Mello (2010), a responsabilidade do Estado pelos danos causados a particulares teve como marco o caso Blanco, do Tribunal de Conflitos francês; tal julgamento consubstanciou-se em marco porque reconheceu que, mesmo à míngua de previsão legal expressa, diante de certos critérios o Estado deveria ter responsabilizado por atos praticados pelos agentes públicos que gerassem prejuízos aos cidadãos. Assim, a teoria da responsabilidade por culpa comum objetivava equiparar o estado ao indivíduo, de forma que atuando o estado por meio dos seus agentes, caberia ao particular lesionado provar que o agente público agiu com os elementos subjetivos dolo ou culpa. Tal responsabilidade se daria de forma subjetiva, notadamente porque se leva em conta a conduta do causador do dano. Com o passar dos anos surgiu, ainda, a teoria da responsabilidade por culpa administrativa, também conhecida como teoria da culpa do serviço. Para a caracterização da culpa administrativa, também conhecida por culpa do serviço ou também como culpa anônima, deve existir a presença de alguns elementos: dano, acrescido de nexo causal e, ao fim, deve existir uma falha no serviço. No Brasil, tal teoria consagrou-se com o Código Civil de 1916 (MELLO, 2010). Importante frisar que a falha no serviço, em verdade se refere à ausência de prestação do serviço ou prestação ineficiente, ou com atraso, sendo da vitima o ônus da prova de atestar a ocorrência da alegada falha do serviço. Segundo De Mello (2010, p. 1003), “[e]m suma: a ausência do serviço devido ao seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em agravo dos administrados”. Vale lembrar, ainda, que esta teoria não se baseia na ideia de culpa do agente, e sim no serviço como um todo, por isso a presente teoria também é conhecida por “culpa anônima”. A teoria do risco administrativo, também conhecida como teoria da responsabilidade objetiva, é a atualmente adotada no Brasil, tendo sido primeiramente positivada na Constituição de 1946 (MELLO, 2010). Tal tese preconiza que acaso o Estado, através da conduta comissiva dos seus agentes, cause um dano a outrem, caberá ao Estado responder e indenizar o particular que for comprovadamente lesado uma vez que reste comprovada a existência do dano e o nexo causal. Sobre o tema, Mello (2010, p. 1005 – 1006), conceitua no seguinte sentido: “a responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incube a alguém em razão de um procedimento licito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem”.  Neste sentido, deve ser observado que o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), é expresso ao dispor sobre a responsabilidade da Fazenda Pública, em responder sobre os danos que seus agentes causarem quando atuarem nessa qualidade. Deve ser ressaltado que os danos podem ser gerados tanto por atos omissivos quanto comissivos, à exemplo da regra geral em matéria de responsabilidade civil. O artigo 43 do Código Civil (BRASIL, 2002) estabelece, no mesmo sentido, que a responsabilidade do ente público se configura de maneira objetiva, conforme se infere de sua transcrição: “As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”. Assim sendo, conclui-se que, conforme preconiza a teoria do Risco Administrativo, não há necessidade do particular lesado comprovar a existência do elemento subjetivo para se valer do seu direito, bastando apenas que exista o dano decorrente da atuação administrativa. Assim, um dos fundamentos da responsabilização repousa no princípio da Legalidade. Merece relevo, ainda, que existe uma forma de excluir a responsabilidade estatal, cabendo ao Estado o ônus da prova, de que o suposto dano ao particular se deu por caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. Vale frisar que, se muito embora a responsabilidade do Estado se impute de forma objetiva, no que toca à responsabilidade do agente causador do dano, esta se imputa de modo subjetivo, fazendo-se necessário, portanto, averiguar a existência de dolo ou culpa. Por fim, registra-se, ainda, a teoria do risco integral, que se assemelha à teoria do risco administrativo e é, também, uma modalidade de responsabilidade objetiva. Comparada à teoria do risco administrativo, todavia, nota-se esta não admite nenhuma excludente. Embora não comum na legislação brasileira, nota-se sua prevalência no âmbito do direito ambiental.   2. RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA, CIVIL E PENAL DO AGENTE PÚBLICO No ordenamento jurídico brasileiro, um indivíduo, ao praticar um ato ilícito, pode vir a sofrer consequências em três esferas, a saber, cível, penal e administrativa. Tais esferas são independentes entre si, podendo ser aplicadas as três penalidades também cumulativamente. Especificamente quanto ao agente público federal, essa regra encontra-se prevista no art. 125, Lei nº 8.112/1990 (BRASIL, 1990). Na seara penal, uma conduta pode ser enquadrada como crime ou contravenção, ao passo em que, na esfera administrativa, pode-se enquadrar um ato ou fato como infração às normas administrativas ou infração disciplinar. Por fim, na seara cível, tal conduta pode ensejar uma responsabilização patrimonial ou moral (extrapatrimonial), conforme já elucidado no curso do presente artigo. A responsabilização na órbita criminal, a conduta imputada ao servidor pode possuir os seguintes resultados, a saber, a condenação criminal do servidor, a sua absolvição por inexistência de fato ou por negativa de autoria e, por fim, absolvição por ausência de tipicidade ou de culpabilidade penal, insuficiência de provas ou por qualquer outro motivo. Deve ser destacado, ainda, que acaso um servidor pratique um crime ou contravenção no exercício de sua função e que venha a se enquadrar na seara administrativa como infração disciplinar e, além disso, causar dano patrimonial a terceiro, a condenação criminal do servidor, após ser transitada em julgado, implicará em responsabilidade automática do servidor nas demais searas (cível e administrativa). O mesmo não se opera quanto à condenação cível ou administrativa, que não serve como meio de prova à condenação criminal. De outro lado, acaso o servidor público seja absolvido pela inexistência de fato ou pela negativa de autoria, a absolvição também irá refletirá nas demais searas (cível e administrativa), haja vista que toda a investigação criminal é extremamente minuciosa e cautelosa, motivo pelo qual não haveria como se sustentar o contrário nas outras esferas. Neste sentido, verifica-se que, na hipótese do servidor ter sido exonerado de seu cargo por fato discutido na esfera penal e que resultou na absolvição pela inexistência de fato ou pela negativa de autoria, terá o agente o direito de reintegração à sua atividade anterior, tornando-se sem efeito condenações administrativas e cíveis oriundas do mesmo fato. Vale destacar, todavia, que o mesmo não se opera, todavia, quanto à absolvição no âmbito penal por ausência de tipicidade ou de culpabilidade penal, por insuficiência de provas, ou por qualquer outro motivo, não é motivo suficiente para absolver nas demais esferas – civil e administrativa. Sobre o tema Alexandrino e Paulo (2011, p. 403) afirmam que “[j]á a absolvição penal por mera insuficiência de provas ou por ausência por ausência de tipicidade ou culpabilidade penal, ou por qualquer outro motivo, não interfere nas demais esferas. A doutrina e a jurisprudência utilizam a expressão “falta residual” para aludir ao fato que não chega a carretar condenação na órbita penal, mas configura ilícito administrativo ou cível, ensejando a responsabilização do agente nessas esferas. É pertinente ao tema a Súmula 18 do STF […]”. Assim, tem-se que, de igual sorte, caso o agente público seja absolvido no âmbito penal porque sua conduta não configurou crime ou contravenção, não se exclui a hipótese de que o fato enseje responsabilização administrativa e/ou cível. Deve ser destacado que a expressão “falta residual” aplica-se quando a conduta não configurou crime ou contravenção, ocorrendo, todavia, responsabilização na seara administrativa e/ou cível.   3. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS LEGISLATIVOS E POR ATOS JURISDICIONAIS 3.1. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS LEGISLATIVOS A função de legislar, se enquadra dentre uma das mais importantes no Estado Moderno, sobretudo por se tratar da própria criação do direito. A função legislativa, de seu turno, transcende a materialização das leis, para alcançar o status que espelha o exercício da soberania estatal, com a instituição de normas para disciplina social. Em regra geral, no que toca à responsabilidade civil por atos legislativos, tem-se que não se atribui responsabilidade civil ao Estado, sobretudo porque a edição de leis, por si só, não possui o condão de acarretar danos indenizáveis à coletividade. Admite-se, todavia, a possibilidade de responsabilização civil estatal, em decorrência de atos legislativos, em casos de leis inconstitucionais e de efeitos concretos. Quanto às leis inconstitucionais, a doutrina compreende, em sua maioria, que é pressuposto prévio para responsabilização do Estado pelos danos causados aos particulares a declaração de inconstitucionalidade. Neste contexto, pertinente a abordagem de Moraes (2001, p. 615): “Em relação a amplitude dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a regra geral consiste em que a decisão tenha efeito erga omnes, decretando-se, conforme já analisado, a nulidade total de todos os atos emanados do Poder Público com base na lei ou ato normativo inconstitucional. Além disso, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma acarreta a repristinação da norma anterior que por ela havia sido revogada, uma vez que norma inconstitucional é norma nula, não subsistindo nenhum de seus efeitos”. Desse modo, um indivíduo que sofreu com a aplicação da lei que foi declarada inconstitucional, deverá ingressar com uma ação especifica objetivando ser indenizado pelos danos advindos da lei declarada inconstitucional. As leis de efeitos concretos, de seu turno, são aquelas que, embora se apresentem como leis sob o aspecto formal, constituem-se, materialmente, como meros atos administrativos, não irradiando efeitos gerais, abstratos e pessoais. Tais legislações atingem esferas jurídicas de indivíduos determinados, motivo pelo qual se dizem ser concretos os seus efeitos. Di Pietro (2004, p. 556), sobre o tema, assevera que “[c]om relação às leis de efeitos concretos, que atingem pessoas determinadas, incide a responsabilidade do Estado porque, como elas fogem às características da generalidade e abstração inerentes aos atos normativos, acabam por acarretar ônus não suportado pelos demais membros da coletividade. A lei de efeito concreto, embora promulgada pelo Legislativo, com obediência ao processo de elaboração das leis, constitui, quanto ao conteúdo, verdadeiro ato administrativo, gerando, portanto, os mesmos efeitos que este quando cause prejuízo ao administrado, independentemente de considerações sobre a sua constitucionalidade o não”. Cabe destacar que a doutrina já informou que tais leis podem ser impugnadas através de ações em geral, e inclusive através de mandado de segurança, sendo assegurado a um individuo possivelmente lesado – por tal lei – o direito à reparação de tais prejuízos. Tal reparação deve ser intentada, naturalmente, pela via ordinária, já que o mandado de segurança não admite dilação probatória, prestando-se somente a fazer cessar o ato que ameaça direito líquido e certo.   3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS JURISDICIONAIS Como regra, admite-se responsabilidade civil por atos jurisdicionais quando restar configurada a ocorrência de erro judiciário, exclusivamente na esfera penal. Nesse sentido, registra-se, inclusive, o art. 5º, LXXV, da Constituição Federal, segundo o qual “O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso por tempo além do tempo fixado na sentença” (BRASIL, 1988). O art. 37, §6º, CF/88, de seu turno, estabelece que a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva. A interpretação conjunta dos dispositivos permite inferir, portanto, que a obrigação de indenizar do Estado independe da culpa ou dolo do magistrado. Neste sentido, verifica-se o julgamento do Recurso Extraordinário nº 505.393/PE (BRASIL, 2007), no qual o STF adotou o posicionamento de, considerando que, em regra, o Estado é tido como irresponsável pelos atos jurisdicionais, a regra constitucional do art. 5º, LXXV, representa um mínimo a ser garantido ao jurisdicionado. Curiosamente, o próprio julgamento ressalva que não há impedimento para que a lei ou até mesmo a doutrina, com o passar do tempo, venha a reconhecer existência de responsabilidade civil do Estado em outras situações decorrentes de atos jurisdicionais. Em que pese a irresponsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, em regra, é importante recordar que há responsabilidade do juiz quando proceder com dolo, ou fraude, ou até mesmo quando recusar omitir ou retardar, sem justo motivo, providencia que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte. Em tais casos, todavia, a responsabilidade do juiz de reparar os eventuais prejuízos que causou, advindos de condutas dolosas, é pessoal, não havendo aí, portanto, qualquer exceção à regra geral estabelecida acima.   4. PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE REPARAÇÃO E PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE REGRESSO No que tange à prescrição da ação, se a ré for entidade federativa ou autárquica (incluídas as fundações de direito público), consumava-se a prescrição no prazo de 5 anos, tornando impossível o pedido de indenização no âmbito administrativo ou através de ação judicial após tal prazo, conforme se infere no Decreto nº 20.910/32 (BRASIL, 1932). Se a parte ré for, todavia, pessoa jurídica de direito privado, conta-se o prazo prescricional conforme a Medida Provisória nº 2.180-35, de 24/08/2001, que inseriu o artigo 1º-C na Lei nº 9.494, de 10/9/1997. Esta norma consigna que prescreve em cinco anos o direito de obter indenização por danos causados por pessoas de direito publico e pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (BRASIL, 2001). O Código Civil (BRASIL, 2002), todavia, instituiu algumas modificações quanto aos prazos prescricionais em gerais. Uma delas foi a fixação do prazo de 3 anos para a prescrição da pretensão de reparação civil, é dizer, caso um individuo sofra algum determinado dano, este individuo possuirá o prazo de 3 anos para ingresso da ação, sob pena de prescrição. O Superior Tribunal de Justiça, de seu turno, no julgamento do Recurso Especial nº 698.195, relatado pelo Ministro Jorge Scartezzini (BRASIL, 2006b), adotou o entendimento de que o advento do Código Civil teria importado em revogação dos demais diplomas descritos alhures que tratem sobre reparação civil, ressalvado, todavia, os prazos iniciados antes da vigência do Código Civil na forma do art. 2.028 das disposições transitórias do dito código. Deve ser notado, todavia, que a legislação que prevê o prazo prescricional de cinco anos para reparação civil contra a Fazenda Pública está previsto em legislação especial, pelo que deve ser aplicado o prazo do Decreto nº 20.910/32 (BRASIL, 1932); todavia, a prescrição da pretensão de terceiros contra os agentes públicos e as de direito privado prestadoras de serviços públicos é aquela prevista no Código Civil, ou seja, trienal. Quanto ao prazo prescricional para o Estado intentar a ação de regresso, o art. 37, § 5º, da CF/1988 dispõe que o estabelecimento de tais prazos é de competência legislativa, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento, ressalvadas as ações de ressarcimento referentes a dano ao erário, imprescritíveis. Especificamente quanto às ações de ressarcimento acima mencionadas, previstas no at. 37, §4º e §5º da Constituição, por serem entendidas como imprescritíveis, não se cogita, evidentemente, em prazo para que o Poder Público possa ingressar com ação em face do seu agente para perquirir ressarcimento devido pelos danos causados. Esta imprescritibilidade alcança apenas as pessoas jurídicas de direito público, ou seja, pessoas federativas, as autarquias, as fundações autárquicas, não se estendendo às pessoas jurídicas de direito privado. Destaca-se, todavia, que caso o causador do dano seja terceiro não vinculado ao Estado, será observada a regra geral de prescrição de reparação civil de 3 (três) anos, conforme preceitua o artigo 206 § 3º, V, do Código Civil. Deve ser ressaltado, todavia, que mesmo no caso de ato doloso de improbidade, somente se cogita em imprescritibilidade da pretensão civil, havendo prescrição, na forma estabelecida em lei, quanto a eventuais pretensões administrativas e penais.   5. RESPONSABILIDADE DO AGENTE PÚBLICO Como já exposto, a responsabilidade extracontratual do Estado se refere à responsabilização do Ente Público por todos os atos comissivos que os agentes públicos vierem a ocasionar nesta qualidade, a algum particular. Entretanto, para se responsabilizar a conduta do servidor publico, é necessário se auferir a relação entre o dano, a conduta comissiva do agente e o nexo causal. No que toca à conduta do agente, tem-se que este somente deve responder diretamente desde que reste comprovada a ocorrência do dolo ou da culpa, para, a partir da aferição destes elementos, comprovar a existência da ocorrência da negligencia, imprudência ou imperícia do servidor estatal. Sobre a responsabilidade do agente público, Carvalho (2015, p. 341) é claro ao dispor que “[…] não há qualquer relação entre o agente público e o particular prejudicado, haja vista o fato de que quando o agente causou o prejuízo, não o fez na condição de particular, o fez em nome do Estado. Em outras palavras, a conduta do agente público não deve ser imputada à pessoa do agente, mas sim ao Estado que esta atuando por meio dele. Essa faceta do principio da impessoalidade nada mais é do que a aplicação da teria do órgão, ou teoria da imputação volitiva”. Assim, conclui-se que o Estado não pode, mesmo mediante ação regressiva, responsabilizar objetivamente a figura do seu agente público, na medida em que tal conduta violaria a norma constitucional do art. 37, §6º, da CF/88, que concede ao servidor público a garantia de somente ser responsabilizado pela Administração através de ação regressiva se comprovado o dolo ou a culpa (imprudência, negligencia e imperícia) do causador do dano.   5.1 DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE PÚBLICO Como já discutido no curso do presente estudo, o art. 37, §6º, da CF/88 é taxativo ao dispor sobre a responsabilidade da Fazenda Pública para responder sobre os danos que seus agentes causarem quando atuarem de forma comissiva, nessa qualidade, sendo garantida à Fazenda Pública a oportunidade de intentar uma ação de regresso em face do agente causador do dano. De outro lado, tem-se que o art. 125 do Código de Processo Civil admite a de denunciação à lide contra aquele que “estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo” (BRASIL, 2015). Assim, partindo de tal premissa, pode-se se levantar a seguinte reflexão: é possível realizar denunciação à lide contra o servidor público, em ação de indenização ajuizada pelo particular? Primeiramente, é importante destacar que, quando se pleiteia a realização da denunciação à lide, em verdade busca-se a entrega da celeridade processual, bem como garantir ao denunciado à lide o contraditório e à ampla defesa, de forma que seu direito de defesa na ação regressiva não seja prejudicado. No caso ora discutido, em que se refere à responsabilização da Fazenda Pública, todavia, a denunciação à lide poderia resultar um atraso na ação de reparação ajuizada pelo particular em face do Estado. Na ação de reparação ajuizada pelo particular em face do Estado a responsabilidade do ente público é objetiva, bastando somente a análise do ato comissivo do agente e o dano propriamente dito. Acaso realizada uma denunciação à lide do agente público, haveria uma necessidade de dilação probatória maior nesta ação de reparação, para que seja possível analisar, justamente, a existência de dolo ou culpa, elementos subjetivos para condenar um agente. Nesse sentido, se faz importante destacar o posicionamento dos doutrinadores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, segundo os quais “[p]ercebe-se que, se fosse cabível a denunciação da lide ao agente público pela Administração, haveria inegável prejuízo para o particular que sofreu o dano, porque seria retardado o reconhecimento do seu direito a reparação. Com efeito, a Administração será condenada a indenizar o particular que sofreu o dano com base na responsabilidade objetiva. Diferentemente, se tivesse que ser discutida, na mesma ação de indenização, eventual responsabilidade do agente perante a Administração – o agente está sujeito a responsabilidade subjetiva na modalidade culpa comum -, ficaria o litígio na dependência de demonstração, pela Administração de que o agente atuou com dolo ou culpa, e só lhe causaria transtorno, por atrasar a solução final do litígio […]” (ALEXANDRINO, PAULO, 2011, p. 781). O Superior Tribunal de Justiça também se posiciona, em sua maioria, no mesmo sentido, citando-se como julgamento paradigmático o Recurso Especial nº 770.590, segundo o qual a denunciação da lide visa resguardar a economia e a celeridade processual, não devendo ter lugar quando colocar em risco tais princípios (BRASIL, 2006a). Assim, ainda segundo este julgamento, a denunciação da lide, nas ações versando sobre responsabilidade civil do Estado, precisamente por implicar em prejuízo à celeridade e à economia processual, não deve ter lugar. Conclui-se, portanto, que permitir a denunciação à lide nesse tipo de ação indenizatória seria extremamente prejudicial ao particular/vítima, notadamente porque tal discussão resultaria em maior instrução probatória, que acabaria por violar a celeridade na prestação jurisdicional.   6. AÇÃO REGRESSIVA CONTRA O AGENTE CAUSADOR DO DANO: TESE DA DUPLA GARANTIA E SUA POSSÍVEL SUPERAÇÃO O entendimento pela possibilidade de ação de regresso, a ser proposta pelo Estado, contra o funcionário público causador do dano, sempre fora o adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na denominada tese da “dupla garantia”. Esta tese representa garantir ao particular a chance de demandar em face da Fazenda Pública, que possuiria patrimônio e paga suas condenações, em regra, através dos pagamentos por precatório ou requisição de pequeno valor, conforme for o caso, garantindo-se a solvência do débito, ao passo em que garante ao servidor público a segurança de somente ser demandado administrativamente e civilmente através do Estado, por meio de uma ação de regresso. O termo “dupla garantia” foi adotado há alguns anos em um julgamento da Primeira Turma do STF, o Recurso Extraordinário nº 327.904/2006 (BRASIL, 2006c). Merecem nota, ainda, os julgamentos dos Recursos Extraordinários de números 344.133 (BRASIL, 2008) e 720.275 (BRASIL, 2013b). Em oposição ao entendimento anteriormente consagrado pelo STF, todavia, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.325.862-PR, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2013a), adotou a tese de haver possibilidade do lesado ingressar com ação somente em face do agente público causador de um dano ou em face da Fazenda Pública e do agente, em litisconsórcio passivo. O julgamento, que versava sobre uma sentença erroneamente publicada ajuizada em desfavor de uma serventuária, adotou a tese de que a servidora, naquele caso específico, seria legitimada para figurar no polo passivo e que a decisão de demandar contra o Estado ou diretamente contra o servidor pertenceria, unicamente, ao lesado, renunciando, todavia, à responsabilidade objetiva e ao regime de precatórios ao assim optar. Nada obstante, no caso concreto, afastou a responsabilidade subjetiva da serventuária, compreendendo ter havido, no caso, mero aborrecimento. Assim, o entendimento apontado alhures pelo Superior Tribunal de Justiça, por ter sido um dos últimos julgamentos nos tribunais superiores sobre o referido tema, conduziu a questionamentos, entre juristas, a respeito de uma possível superação (ou não) da tese da dupla garantia. Para que se melhor compreenda a controvérsia, é necessário refletir a respeito dos propósitos constitucionais ao instituir as garantias estipuladas no art. 37, §6º, CF/88. De fato, o texto da CRFB visa dar segurança ao servidor público, de forma que este só possa ser acionado em ação de regresso manejada pelo Estado. Por outro lado, a norma também objetiva dar segurança ao particular para que possa manejar ação contra a Fazenda Publica, que possui liquidez em seu patrimônio para adimplir a condenação judicial. Por outro lado, deve ser notado que a tese adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, facultando que a demanda seja ajuizada diretamente contra o funcionário público, também possui vantagens, malgrado considerando que tal entendimento importa em dizer que o particular lesado não necessitaria aguardar a formação do precatório e a habilitação do crédito em uma fila, nos moldes do art. 100, CF/88, para que ele pudesse ser indenizado. Neste sentido, registra-se que alguns doutrinadores defendem que a tese adotada pelo STF acaba por trazer lentidão ao processo, já que, apesar de uma demanda ser manejada contra o Estado, sem necessidade de se provar o dolo e a culpa, haveria, em contrapartida, uma demora na satisfação do débito, que deve ser adimplido por meio de precatório, conforme art. 100, CF/88. Por outro lado, parte da doutrina compreende que, ao se intentar a ação contra o servidor público, o demandante atrairá para si o ônus de provar que o agente público agiu com dolo ou culpa. Ademais, caso o particular seja vitorioso, deve ser considerada, ainda, que o referido agente pode não possuir solvência suficiente para quitar o débito. Em contrapartida, todavia, os trâmites até a sentença de mérito e trânsito em julgado seriam, em tese, mais rápidos, já que os prazos contra a Fazenda Pública são, em regra, contados em dobro, ao que provoca um aumento substancial na demora da tramitação processual. Não há, ainda, como se afirmar que a tese da dupla garantia foi superada, haja vista as Cortes Superiores não mais se pronunciaram acerca do tema, não existindo, portanto, uma definição se, a tese da dupla garantia foi, de fato, superada. Deve ser destacado, todavia, que o mais importante regramento jurídico que rege a responsabilidade civil do Estado se encontra no art. 37 da CF/88 e que a sua interpretação literal parece coadunar-se melhor com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.   CONCLUSÃO O art. 37, §6º, CF/88, é expresso ao dispor sobre a responsabilidade da Fazenda Pública, em responder sobre os danos que seus agentes causarem quando atuarem, nessa qualidade, em face do particular. Como visto no curso deste trabalho, a responsabilidade da Fazenda Pública é objetiva, independentemente de se auferir a existência de dolo ou culpa, com base no que preconiza a teoria do Risco Administrativo. Nada obstante, o mesmo dispositivo garante ainda à Fazenda Publica sua chance de intentar uma ação de regresso em face do agente causador do dano, após a verificação da existência dos elementos subjetivos dolo ou culpa no ato praticado por esse agente. O Supremo Tribunal Federal (STF) adotou a tese da “dupla garantia”, expressão essa que significaria garantir ao particular a chance de demandar em face da Fazenda Pública, sem necessitar provar a existência de dolo ou culpa. Tal tese representa, ainda, garantia ao servidor público, a segurança de somente ser demandado administrativamente e civilmente, através do Estado, por meio de uma ação de regresso, após aferição da existência dos elementos subjetivos (dolo ou culpa). O Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, trouxe à tona uma também vantajosa tese, vez que a referida Corte entendeu sobre a possibilidade do lesado ingressar com ação somente em face do agente publico causador de um dano. Tal entendimento visava também dar uma celeridade ao particular, haja vista que o mesmo não necessitaria aguardar que o credito fosse habilitado em uma fila de precatório para que ele pudesse ser indenizado. Além disso, os prazos não iriam ser computados em dobro, o que também traria uma maior celeridade processual. Nada obstante, nota-se que a questão está longe de uma resolução, eis que não existem muitos julgamentos no sentido apontado pelo Recurso Especial nº 1.325.862, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão (BRASIL, 2013a). Não há, portanto, como se afirmar que a tese da dupla garantia foi superada, mesmo porque a literalidade do art. 37 da CF/88 não permite sua superação por completo. A questão deve, portanto, ser enfrentada pela doutrina e pela legislação infraconstitucional, de forma a sanar-se os principais problemas e questões oriundos dos entendimentos exarados pelas Cortes Superiores do país.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/responsabilidade-extracontratual-estatal-e-a-aplicacao-da-tese-da-dupla-garantia/
A Impossibilidade de Aplicação de Sanções de Natureza Contratual ao Fornecedor Registrado na Ata de Registro de Preço em Decorrência de Restrição advinda de Aplicação de Penalidade Contratual por Outro Órgão Público
O presente artigo tem como principal característica a análise da impossibilidade de aplicação de sanções de natureza contratual ao fornecedor registrado na ata de registro de preço, em decorrência da inviabilidade de efetivação de contrato (ou documento equivalente, tal como emissão de nota de empenho), em virtude de não manutenção das condições de habilitação, resultante de restrição inscrita no SICAF, advinda de aplicação de penalidade contratual por outro órgão público, por se configurar bis in idem, que seria uma segunda sanção administrativa a quem já sofreu, pela prática da mesma conduta, uma primeira, cabendo, apenas, a consequência administrativa de cancelamento da Ata de Registro de Preço.
Direito Administrativo
Introdução O presente estudo discorre sobre a impossibilidade de aplicação de penalidade ao fornecedor registrado na Ata de Registro de Preço, no decorrer de sua vigência, em virtude do impedimento de assinatura de contrato ou emissão de empenho, por estar o referido com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão público resultante de descumprimentos da sua relação contratual com este. Inicialmente, aborda-se no presente artigo o dever da Administração Pública de aplicar sanções aos licitantes e contratados, quando cometem infrações contratuais administrativas. Em seguida, estuda-se a natureza jurídica pré-contratual da Ata de Registro de Preço, considerando tratar-se apenas de compromisso do fornecedor de realizar contrato futuro com a administração, de acordo com o preço registrado. Após, esclarece-se a necessidade de manutenção das condições de habilitação pelo fornecedor registrado na Ata de Registro de Preço para possível realização de contrato (ou emissão de nota de empenho), em atendimento ao princípio da boa-fé objetiva. Posteriormente, demonstra-se a impossibilidade de penalização do fornecedor registrado em Ata de Registro de Preço, pela impossibilidade de assinatura de contrato ou emissão de empenho, em decorrência de penalidade inserida por outro órgão no SICAF durante a vigência da ata, sendo viável, apenas, a medida administrativa de cancelamento da Ata de Registro de Preço. O interesse e a escolha da temática do presente artigo originam-se da necessidade de demonstrar que a penalização de um fornecedor registrado em Ata de Registro de Preço, e que não tenha firmado contrato ou instrumento equivalente resultante desta, em decorrência de infração contratual cometida junto a outro órgão público, não é possível, pois seria caracterizado bis in idem, ou seja, o fornecedor seria penalizado mais de uma vez pela mesma infração. E, por fim, o intuito do presente artigo é demonstrar que, na hipótese acima, caberia, apenas, a consequência administrativa de cancelamento da Ata de Registro de Preços, devendo a administração registrar novo fornecedor.   A apuração de infrações e aplicação de sanções administrativas pela Administração Pública ao licitante ou contratado faltosos é uma das cláusulas constantes no edital e no contrato administrativo, que decorre do interesse público, e que se visa resguardar, uma vez que a licitação tem como um dos objetivos maiores a economicidade das contratações para o Poder Público, e a falta, acaso cometida por um licitante/contratante, pode causar dano ao erário. Sabe-se que a Administração, diferentemente da esfera cível e particular, é totalmente regida pelo Princípio da Legalidade, ou seja, enquanto o particular só pode ser proibido de fazer algo em virtude de lei, a Administração não pode em nenhum momento dela se afastar. Isto implica dizer que, mesmo que por vezes não se vislumbre uma efetiva lesão ao erário, a Administração não pode deixar de apurar, haja vista a indisponibilidade do dinheiro público e a determinação de apuração nos dispositivos legais, como o previsto na Lei de licitações. Assim, destaque-se que, muito embora a legislação estabeleça expressamente que a Administração “poderá” aplicar ao licitante e ao contratado sanções, a expressão não traz uma discricionariedade ao administrador público de aplicar ou não a sanção administrativa, quando verificada a infração pelo particular, trata-se, na verdade, de um dever! Nesse sentido, entende o TCU: “Acórdão: 2077/2017 – Plenário Enunciado: 20 A apuração das condutas faltosas praticadas por licitantes não consiste em faculdade do gestor público com tal atribuição, mas em dever legal. A aplicação de penalidades não se restringe ao Poder Judiciário, mas, nos termos das Leis 8.666/1993 e 10.520/2002, cabe também aos entes públicos que exercem a função administrativa. Acórdão: 1793/2011 – Plenário 9.2. determinar à (…) que: 9.2.1. oriente os gestores dos órgãos integrantes do Sisg: 9.2.1.1. a autuarem processos administrativos contra as empresas que praticarem atos ilegais previstos no art. 7º da Lei nº 10.520/2002, alertando-os de que a não autuação sem justificativa dos referidos processos poderá ensejar a aplicação de sanções, conforme previsão do art. 82 da Lei nº 8.666/1993, bem como representação por parte do Tribunal de Contas da União, com fulcro no art. 71, inciso XI, da Constituição Federal c/c o art. 1º, inciso VIII, da Lei nº 8.443/1992”. (grifos nossos)   Dessa forma, a única discricionariedade do Administrador está em, após o regular procedimento administrativo de apuração e constatação da falta, escolher a penalidade, dentre as sanções cabíveis e mais adequadas ao caso concreto: (i) a advertência; (ii) multa; (iii) suspensão temporária do direito de licitar e contratar com a Administração Pública/União, estas de competência do ordenador de despesas, e, ainda: (iv) a declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, de competência do Ministro de Estado. O poder deferido ao ente público de impor sanções aos seus contratados decorre do poder disciplinar. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (DI PIETRO, 2006, p. 105) define tal poder como “aquele que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidades aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa”. Trata-se de uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza. Segundo há anos observa o doutrinador português Marcelo Caetano (CAETANO, 1932, p. 25), “o poder disciplinar tem sua origem e sua razão de ser no interesse e na necessidade de aperfeiçoamento progressivo do serviço público “.   A Ata de Registro de preços não se confunde com o contrato. Ela precede o contrato, pois possui natureza jurídica de acordo preliminar. Logo, ela nada mais é do que o compromisso que o fornecedor assume com a Administração Pública de realizar o fornecimento nas condições estabelecidas na licitação. Tal conceito está disposto no artigo 14 do Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços: “Art. 14. A ata de registro de preços implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, após cumpridos os requisitos de publicidade”. Nesse mesmo sentido, Joel de Menezes (Niebuhr, 2015, p.683) define com sabedoria que “ …a ata de registro de preço é documento que formaliza relação pré-contratual unilateral, por meio da qual o seu signatário assume o compromisso de firmar contratos com a Administração em relação ao objeto consignado na ata, de acordo com as condições e preços ofertados por ele durante a licitação, dentro do prazo da validade da ata.” Portanto, “Registro de Preços significa a licitação não para compras imediatas, mas para eleição de cotações vencedoras, que, ao longo do prazo máximo de validade do certame, podem ensejar, ou não, contratos de compra” (RIGOLIN, Ivan Barbosa; BOTTINO, Marco Tullio, 2002, p.227). A ata é precedente ao contrato. Inclusive, de uma Ata de Registro de preços poderão ser realizados diversos contratos (instrumento contratual ou documento equivalente), respeitados a quantidade máxima estimada. Logo, o Sistema de Registro de Preços reveste-se de três fases: licitação, assinatura da Ata de Registro de Preços e assinatura de Contrato ou termo equivalente, conforme necessidade da Administração. Sendo assim, após ser homologada com a melhor proposta, a empresa vencedora do certame assina Ata de Registro de Preço para promessa de fornecimento futuro e incerto de bens ou prestação de serviços. Destarte, toda vez que a Administração necessita do item registrado na Ata de Registro de Preço, um novo contrato pode ser realizado, isto é, durante sua vigência (até 12 meses), vários contratos poderão ser efetivados, de acordo com a necessidade do órgão contratante. Pode, ainda, ser elaborado um único contrato, com prazo longo e prorrogável, o qual transmudará a característica de ata para relação contratual. Quanto a manutenção da ata com realização de sucessivos contratos, esclarece-se que, em regra, na prática, a minuta de contrato é substituída por nota de empenho, nos termos do permissivo legal contido no artigo 15 do Decreto nº 7.892/2013 e no caput do art. 62 da Lei no 8.666/93, observada a recomendação contida no § 2º do mesmo artigo, in verbis: “Art. 15. A contratação com os fornecedores registrados será formalizada pelo órgão interessado por intermédio de instrumento contratual, emissão de nota de empenho de despesa, autorização de compra ou outro instrumento hábil, conforme o art. 62 da Lei nº 8.666, de 1993. Art. 62.  O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço. (…) Desta feita, após a assinatura de contrato ou emissão da nota de empenho pela Administração Pública, a relação existente passa a ser contratual. Contudo, sem a referida, entende-se que há relação apenas pré-contratual.   Como é cediço, antes de qualquer contratação para prestação de serviços ou pagamento à fornecedor, deve a Administração verificar no SICAF sua viabilidade, sem prejuízo de nova consulta ao CADIN, conforme disposto no artigo 30 da Instrução Normativa nº 03, de 26 de abril de 2018: “Art. 30. Previamente à emissão de nota de empenho, à contratação e a cada pagamento, a Administração deverá realizar consulta ao Sicaf para identificar possível suspensão temporária de participação em licitação, no âmbito do órgão ou entidade, proibição de contratar com o Poder Público, bem como ocorrências impeditivas indiretas, observado o disposto no art. 29”. Sendo assim, no decorrer da vigência da Ata de Registro de Preço, e anteriormente à assinatura de instrumento de contrato ou emissão de nota de empenho, deve a Administração consultar se a empresa (que possui seu preço registrado) mantém em dia toda a documentação exigida na fase da licitação. Nesse sentido, transcreve-se a norma prevista no art.14, do Decreto n. 7.892/2013, segundo a qual “a ata de registro de preços implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, após cumpridos os requisitos de publicidade”. Quando a Administração resolve utilizar o sistema de registro de preços para atender as suas necessidades, presume-se que tenha realizado previamente um planejamento, com o intuito de verificar a melhor solução e o quantitativo estimado que poderá ser contratado. Diante disso, entende-se que a boa-fé é um dos principais elementos que direciona a relação jurídica essenciais que norteiam a relação jurídica formada entre à Administração e o particular que participará da licitação, com interesse em efetivar contrato com aquela. A conduta das partes deve ser orientada, conforme discorre Pablo Stolze (GAGLIANO, 2017, p.406) por uma “diretriz principiológica de fundo ético e espectro eficacial jurídico”. Segundo a doutrina, a boa-fé subjetiva consiste no estado de ânimo do sujeito que pratica determinado ato – animus; a boa-fé objetiva traduz-se em regra de comportamento, de conteúdo ético e juridicamente exigível. É sabido, como já dito, que não existe um vínculo contratual com assinatura da ata de registro de preços. Todavia, as partes envolvidas no liame jurídico se encontram em posições próprias, devendo ser fiéis às obrigações assumidas, estabelecendo uma relação baseada na confiança que, consequentemente, produz segurança jurídica. Contudo, nessas situações a atuação dos envolvidos deve ser direcionada pela boa-fé, em especial no sentido objetivo, de forma que a Administração se compromete a efetivar as contratações futuras com o fornecedor registrado ( e que foi o primeiro classificado no procedimento licitatório), e o licitante vencedor responsabiliza-se pela obrigação de fornecer seus bens e/ou serviços pelo valor e quantidade registrados. Assim, fundamental a manutenção de tais compromissos sustentados pela boa-fé objetiva, que requer das partes agir conforme a confiança depositada, segundo a manifestação de vontade anterior, exceto na situação em que o valor registrado se torne menor que o do mercado, e, por tal razão, não possa ser exercido pelo fornecedor pois se tornou inexequível. Outrossim, importante enfatizar que a ata de registro de preços é documento vinculativo, de caráter obrigacional. Além disso, não se pode permitir que a Administração alimente falsas expectativas aos licitantes, se utilizando incorretamente do sistema de registro de preços, sem qualquer planejamento, e sem uma motivação adequada. Da mesma forma, não se pode permitir que o particular tenha comportamentos contrários, os quais venham a frustrar a expectativa que gerou no órgão licitante, por meio da sua anterior manifestação de vontade. É a chamada “Teoria dos atos próprios – venire contra factum proprium”. Nessa linha de pensamento, Flávio Tartuce (TARTUCE, 2017, P.424) nos ensina que “pela máxima venire contra factum proprium non potest, determinada pessoa não pode exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior, devendo ser mantida a confiança e o dever de lealdade, decorrentes da boa-fé objetiva”. Portanto, deve o licitante vencedor, que possui seu preço devidamente registrado, se manter apto a uma possível assinatura contratual (ou e emissão de nota de empenho), a fim de que seja mantida a segurança jurídica do ajuste.     Diante do exposto, em um primeiro momento, aparenta-se que, ao ser realizada a verificação da regularização do fornecedor registrado na ata junto ao SICAF e, constatada sua impossibilidade de contratar com o poder público, esse sofreria uma das penalidades previstas na Ata de Registro de Preço, conforme disposto no artigo 5º, X, do Decreto nº 7892/2013. Contudo, a aplicação de uma sanção pelo(s) órgão(s) que possui(em) esse fornecedor registrado em ata, em decorrência de impossibilidade de emissão de empenho ou assinatura de contrato, por estar o mesmo com restrição junto ao SICAF decorrente de penalidade aplicada em relação contratual com outro órgão, configuraria “bis in idem”, pois, se órgão diverso penalizou a contratante por conduta inadequada naquele contrato específico, não cabe aos outros órgãos (que possuem o fornecedor registrado em ata) também penalizá-lo em contratos que não chegaram sequer a serem assinados, pois resultaria em um efeito cascata de penalidades. O princípio do non bis in idem assegura que uma punição administrativa já aplicada por um órgão afastará outra possível, por outro órgão, e pelo mesmo acontecimento, em razão de já ter o apenado sido penalizado por aquele fato. Nesse sentido, Mello (MELLO, 2007, p. 210) aponta que a vedação ao bis in idem “impede a Administração Pública de impor uma segunda sanção administrativa a quem já sofreu, pela prática da mesma conduta, uma primeira [sanção].” Sendo assim, não há a possibilidade de um novo órgão impor uma nova sanção por fato idêntico. Vejamos, nessa mesma linha, o entendimento do Tribunal de Contas da União no Acórdão 11909/2011 da Segunda Câmara: “A aplicação de multa por tribunal de contas municipal obstaculiza a imposição de nova sanção pelo TCU se as ocorrências examinadas no órgão federal constituiram fundamentos para apenação do gestor no órgão de controle externo municipal. Nesse contexto, incide o princípio do non bis in idem, que não permite a apenação de dado responsável duas vezes pelo mesmo fato sob idêntico fundamento”. (grifo nosso) Nestes termos, a ausência da documentação exigida, durante a vigência da Ata de Registro de Preço, antes da assinatura de novo contrato (ou emissão da nota de empenho), por estar o fornecedor com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão,  enseja apenas o cancelamento da ata de registro de preço previsto no art. 20, IV, do Decreto nº 7892/2013. In verbis: “Art. 20.  O registro do fornecedor será cancelado quando: I – descumprir as condições da ata de registro de preços; II – não retirar a nota de empenho ou instrumento equivalente no prazo estabelecido pela Administração, sem justificativa aceitável; III – não aceitar reduzir o seu preço registrado, na hipótese deste se tornar superior àqueles praticados no mercado; ou IV – sofrer sanção prevista nos incisos III ou IV do caput do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, ou no art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002. Parágrafo único.  O cancelamento de registros nas hipóteses previstas nos incisos I, II e IV do caput será formalizado por despacho do órgão gerenciador, assegurado o contraditório e a ampla defesa”. (grifo nosso) Assim, resta claro ausência de amparo legal para aplicação de qualquer sanção de natureza contratual ao fornecedor que tem seu preço registrado em ata, e que impossibilitou à administração realizar contrato com este (ou emitir nota de empenho em favor deste) por ter sido aplicada penalidade contratual por outro órgão público, pois tanto o art. 87 da Lei nº 8.666/93 quanto o art. 7º do Decreto Lei nº 10520 referem-se à infrações decorrentes de inexecuções contratuais, o que não pode lhe ser aplicado, já que nem mesmo chegou a ser firmada relação contratual. Salienta-se que cancelar o registro do fornecedor consiste em uma providência administrativa legalmente determinada, e não possui a mesma estatura das reprimendas a que aludem as legislações supracitadas, devendo ser realizada uma interpretação restritiva sob a égide dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Acerca da matéria, Gilberto Pinto Monteiro Diniz (DINIZ, 2014, p.79) conclui; “… o princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso constitui baliza para a prática de atos administrativos, cuja execução deve ser dotada na exata medida, para atingir o fim maior almejado pela Administração, o interesse público.  Tal princípio ganha exponencial relevo e importância, em se tratando de atos de imposição de sanções, quando a Administração deve adotar providências adequadas e razoáveis para consecução dos fins pretendidos. O princípio da proporcionalidade, com efeito, consta expressamente no inciso IV do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/1999 que assim dispõe: “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. Conclui-se, portanto, que é incabível a aplicação de outra penalidade em virtude do impedimento de emissão de empenho ou assinatura de contrato, por estar o mesmo com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão, sob pena de se configurar “bis in idem”, e por não poder ser aplicadas as penas referentes a descumprimento contratual, por se tratar de relação pré-contratual, cabendo, apenas, a medida administrativa de cancelamento da ata de registro de preço.   Considerações Finais A Administração Pública, embora a legislação disponha quanto a possibilidade de aplicação de sanção ao licitante e ao contratante, tem o dever de realiza-la, quando verificada a existência de cometimento de infração pelo particular, não sendo, portanto, uma discricionariedade do administrador. Todavia, quando a relação firmada entre o particular e a Administração Pública foi estabelecida através de uma Ata de registro de preço, essa não pode ser confundida com contrato, já que precede a esse, e tem natureza jurídica de acordo preliminar, ou seja, é uma relação pré-contratual. Sendo assim, ela é apenas um compromisso do fornecedor perante à Administração de fornecer nas condições estabelecidas na licitação. Desta feita, apenas após a assinatura de contrato ou emissão da nota de empenho pela Administração Pública, decorrentes da Ata de Registro de Preço, é que a relação existente entre as partes passará a ser contratual. No entanto, é certo que, no decorrer da vigência da Ata de Registro de Preço, há a necessidade da manutenção das condições de habilitação pelo fornecedor registrado, sendo essa uma condição para realização de contrato (ou emissão de nota de empenho). Por tal razão, anteriormente à assinatura do instrumento contratual (ou equivalente), a Administração tem o dever de consultar se a empresa (que possui seu preço registrado) mantém em dia toda a documentação exigida na fase da licitação. Salienta-se que é obrigação das partes (administração e particular) manter os compromissos sustentados pela boa-fé objetiva, ou seja, devem agir conforme a confiança depositada. Assim, deverá a Administração se comprometer a efetivar as contratações futuras com o fornecedor registrado (e que foi o primeiro classificado no procedimento licitatório), bem como terá o licitante vencedor que se responsabiliza pela obrigação de fornecer seus bens e/ou serviços pelo valor e quantidade registrados. Portanto, deve o licitante vencedor, que possui seu preço devidamente registrado, se manter apto durante a validade da ata de registro de preço para uma possível assinatura contratual (ou e emissão de nota de empenho), a fim de que seja mantida a segurança jurídica do ajuste. Contudo, em que pese essa obrigação de manutenção das condições de habilitação pelo licitante registrado, anteriormente à assinatura do contrato ou da emissão da nota de empenho, quando da verificação das referidas condições, em principal junto ao SICAF, certo é que a existência de penalidade aplicada em relação contratual desse fornecedor com outro órgão não possibilita a aplicação de uma sanção pelo(s) órgão(s) que possui(em) esse fornecedor registrado em ata, em decorrência de impossibilidade de emissão de empenho ou assinatura de contrato (por estar o mesmo com restrição junto ao SICAF), pois tal se configuraria “bis in idem”, já que órgão diverso já o penalizou por aquele referido ato. Não caberia aos outros órgãos (que possuem o fornecedor registrado em ata) também penalizá-lo em contratos que não chegaram sequer a serem assinados, pois resultaria em um efeito cascata de penalidades. Assim, a ausência da documentação exigida do fornecedor registrado na Ata de Registro de Preço, durante sua vigência,  antes da assinatura de novo contrato (ou emissão da nota de empenho), por estar o fornecedor com restrição junto ao SICAF, decorrente de penalidade aplicada por outro órgão,  enseja restritivamente apenas o cancelamento da ata de registro de preço previsto no art. 20, IV, do Decreto nº 7892/2013 Desta monta, conclui-se pela impossibilidade de aplicação de outra penalidade ao fornecedor nessa situação, cabendo, apenas, a medida administrativa de cancelamento da ata de registro de preço.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-impossibilidade-de-aplicacao-de-sancoes-de-natureza-contratual-ao-fornecedor-registrado-na-ata-de-registro-de-preco-em-decorrencia-de-restricao-advinda-de-aplicacao-de-penalidade-contratual-por-outr/
A Pandemia Do Novo Coronavírus e o Sistema Único de Saúde
A saúde é direito de todos e dever do Estado; assim consagra o artigo 196 da Constituição Federal da República do Brasil de 1988. Alçando a saúde o posto de direito fundamental social (artigo 6º, CF/88). O presente artigo buscou analisar o conceito de saúde, a legislação pertinente e os princípios norteadores, bem como explanar acerca da principal política pública de saúde do Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS). Regulado pelas Leis federais 8.080 de 19 de setembro de 1990 e 8.142 de 28 de dezembro de 1990. Para que então fosse possível analisar os reflexos ocasionados pela pandemia do novo Coronavírus (SARSCoV-2) na saúde pública brasileira.
Direito Administrativo
Introdução   Até um passado recente, precisamente o ano de 1988, o acesso a saúde se dava a àqueles que trabalhavam formalmente e contribuíam para o sistema previdenciário, os celetistas e servidores públicos, e a quem possuía recursos financeiros para arcar com tratamentos médicos de forma particular. Ao restante da população, não havia qualquer prestação estatal, estes dependiam apenas de filantropia e caridade. Após muita luta de movimentos sociais no período da redemocratização do país e com o advento da Constituição Federativa da República do Brasil de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos e dever do Estado (artigo 196 e seguintes); o que significou uma conquista histórica. Desde então, as lutas por melhorias na saúde pública são diárias; mas é inegável a sua importância na vida de tantos brasileiros. No ano de 2020, o mundo se deparou com a pandemia do novo Coronavirus (SARSCoV-2), que impactou de algum modo na vida de todos. É inimaginável conceber a ideia do que seria do Brasil e dos brasileiros nesta pandemia, se não tivéssemos o Sistema Único de Saúde.   “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. ” Conforme previsto in literis no texto do artigo 196 da Carta Magna Brasileira. A saúde concebida como um direito social (artigo 6º CFRB/88) é uma conquista recente, tutelada apenas na Constituição Federal de 1988, que é considerada um marco no que tange à garantia dos direitos fundamentais. Silva ao analisar os direitos sociais, leciona: “Como ocorre com os direitos sociais em geral, o direito à saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer ato que prejudique à saúde; outra de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas. (SILVA, 2012, p.308) ” Como explanado, anteriormente a sua promulgação, o acesso à saúde esteva substancialmente atrelado a filantropia, para aqueles que não possuíam condições financeiras de arcar com tratamentos médicos, não tendo o Estado a obrigação de oferta-la a seus cidadãos. Neste sentido pontua Dallari (1995) “no Brasil a incorporação constitucional dos direitos sociais foi sobremaneira lenta”. Para a Organização Mundial de Saúde (OMS,1948), saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de afecções e enfermidades”. Entretanto acrescem críticas à subjetividade presente ao termo “completo bem estar físico, mental e social”. O que constituiria tal estado sublime de ânimo? Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília – DF, trouxe em seu Relatório Final um conceito mais amplo de saúde, vejamos: “a saúde não é um conceito abstrato. Define-se no contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população, em suas lutas cotidianas. A saúde é resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. E assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida”(VIII Conferência Nacional de Saúde p.1). A VIII Conferência Nacional de Saúde, foi de suma importância, uma vez que o país passava por um processo de redemocratização (pós ditadura militar 1964 – 1985) e grande insatisfação popular devido ao cerceamento dos direitos sociais e a falta de assistência estatal, momento que insurgiu o que ficou conhecido como Reforma Sanitária; movimento este considerado o embrião do Direito Sanitário. Desta conferência, extraiu-se o Relatório final, documento que embasou o texto legal para a formulação da Constituição Federal de 1988. Com o advento da CFRB/88 a saúde passa a integrar um dos pilares da seguridade social, juntamente com a previdência e a assistência social (artigo 195), sendo o seu financiamento responsabilidade de toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das contribuições sociais. Hodiernamente, além do ordenamento jurídico pátrio, o Brasil é signatário de tratados internacionais que também asseguram a saúde como um direito social fundamental, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo 25) e a Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica (artigo 4º e 5º), dentre outros tratados.   Como visto, no disposto do artigo 196 da CFRB, o Estado deve garantir o acesso à saúde mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Para tanto, a forma pela qual o estado garante o acesso à saúde aos seus cidadãos, é através de políticas públicas, sendo sua principal política de estado para a saúde pública: o Sistema Único de Saúde (SUS). No artigo 198 e seguintes, a Constituição Federal institui o SUS e estabelece suas principais diretrizes, competências e parâmetros de financiamento, dentre outras previsões gerais, que serão posteriormente complementadas pelas Leis Orgânicas de Saúde, vejamos: “Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V – incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação;     VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.” Para disciplinar e complementar o disposto na Constituição, temos “As Lei Orgânica de Saúde”, que são compostas pelas: Lei federal 8.080 de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Lei federal 8.142 de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. A Lei 8.080/90, em seu artigo 4º, conceitua o Sistema Único de Saúde, como: “o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público”. O sistema é intitulado como único uma vez que seus preceitos definidos na Constituição devem ser seguidos de forma unívoca pelas três esferas de governo (Federal, Estadual/Distrital e Municipal). O Sistema Único de Saúde – SUS é a instituição jurídica mais importante do Direito Sanitário. Podemos conceituá-lo como a instituição jurídica criada pela Constituição Federal para organizar as ações e serviços públicos de saúde no Brasil. (AITH,2006). Além disso, sua importância pode ser facilmente verificada ao analisarmos à sua vasta atuação em prol da saúde de todos, vejamos o rol elencado no artigo 6 º da lei 8.080/90: “Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I – a execução de ações: II – a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico; III – a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde; IV – a vigilância nutricional e a orientação alimentar; V – a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; VI – a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção; VII – o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; VIII – a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano; IX – a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; X – o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico; XI – a formulação e execução da política de sangue e seus derivados. ” Um ponto que merece esclarecimento, é que ao afirmar que o SUS é uma política de estado de saúde pública, isto quer o SUS, independe de agenda política; sua atuação está ligada ao Estado (nação) e não ao governo (político – elegível). Assim independentemente do representante que esteja à frente do poder Executivo sua independência e atuação devem ser resguardados. Por fim, podemos elencar os princípios centrais do SUS: A universalização que garante a todos o acesso a saúde, sendo proibida qualquer discriminação. A integralidade: que garante o atendimento integral, incluindo desde ações para redução do risco de doença à ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. A regionalização que determina que os serviços devem ser organizados em níveis crescentes de complexidade, circunscritos a uma determinada área geográfica, com definição e conhecimento da população a ser atendida. A hierarquização: principio organizativo, que determina que referencie os pacientes de acordo com a complexidade de suas demandas (de menor a mais alta complexidade). A participação popular: os cidadãos devem formular estratégias, controlar e avaliar a execução das políticas de saúde, por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde. A direção única: a gestão do SUS é de responsabilidade dos três entes federativos de governo, não podendo nenhum deles se eximir da obrigação assistencial.   Em dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi informada de um conjunto de casos de pneumonia de causa desconhecida detectados na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. Em janeiro de 2020, um novo Coronavírus (SARSCoV-2) foi identificado como o vírus causador da enfermidade pelas autoridades chinesas. A partir de então, a OMS e seus Estados Partes, incluindo o Brasil, monitoraram o surgimento de novos casos, o comportamento da doença e as orientações quanto às medidas para minimizar a propagação da doença no mundo. A OMS declarou, em 30 de janeiro de 2020, que o surto da doença causada pelo novo Coronavírus (COVID-19) constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia (epidemia em grande proporção). Segundo dados oficias, divulgados pelos órgãos de saúde pública, estimam- se que no mundo hajam 20.730.456 (vinte milhões setecentos e trinta mil quatrocentos e cinquenta e seis) casos confirmados e 751.154 (setecentos e cinquenta e um mil cento e cinquenta e quatro) óbitos (atualizado dia 14 de agosto de 2020). E no Brasil 3.340. 197 (três milhões trezentos e quarenta mil, cento e noventa e sete) casos confirmados e 107.852 (cento e sete mil oitocentos e cinquenta e dois) óbitos (atualizado dia 16 de agosto de 2020) causados pelo Covid-19. Os números são assustadores, dramáticos e nos levam a questionar vários fatores acerca da gestão do nosso modelo de saúde pública. A história da saúde pública no Brasil se configura com a própria história do país, tendo em vista que a região vivenciou uma colonização de exploração sem um programa de ocupação do território que ocorreu acompanhada de diversas doenças como sarampo, gripe, peste bubônica, malária, cólera, tifo, difteria e varíola (que matou centenas e milhares de colonos e nativos da América do Sul) oriundo das amplas repercussões epidemiológicas transfronteiriças. (SENHORAS, 2020). Fazendo uma breve volta ao tempo, não se pode olvidar da emenda Constitucional nº 95/ PEC 241, conhecida como a “PEC do teto dos gastos”, aprovada em 2016, na qual foi instituído um Novo Regime Fiscal. Determinando que no ano de 2017, as despesas primárias teriam como limite a despesa executada em 2016, corrigida em 7,2%. E a partir de 2018, vigoraria o limite do exercício anterior, atualizado pela inflação de doze meses. Uma vez que a EC 95 congela as despesas primárias, reduzindo-as em relação ao produto interno bruto (PIB) ou em termos per capita por duas décadas. Como se vê, nos últimos anos a saúde pública já vinha com o orçamento ainda mais enxuto, o que por si só parece se tratar de um pleonasmo ao falar de orçamento da saúde pública no Brasil. Mas como consequência da pandemia do novo Coronavírus, o Estado brasileiro se viu obrigado a tomar medidas urgentes em vários setores, dentre eles obviamente o da saúde. Foram construídos hospitais de campanha, investidos recursos para compra de equipamentos de proteção individual (EPI) para os profissionais de saúde, houve aumento de leitos, compra de medicamentos, contratação de profissionais em caráter de urgência, dentre outros gastos que não estavam previstos, isso sem contabilizarmos os inúmeros desvios que surgiram na sequência. Por óbvio, o Estado estava apenas cumprindo o seu dever constitucional do artigo 196, de garantir aos seus cidadãos medidas que visem a redução do risco de doença, Marx em sua obra o Capital já aclarava “o capitalismo não tem a menor consideração pela saúde ou duração da vida do trabalhador, a não ser quando a sociedade o força a respeitá-la. ” (MARX, 1988, 306) Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) os gastos per capita com saúde pública no Brasil são consideravelmente inferiores, quando comparado aos outros países. Os Estados Unidos da América em 2011, por exemplo, gastaram $3.954,20 dólares internacionais per capita em saúde pública, enquanto o Brasil gastou apenas $477,00. Outros países como Canadá, Japão e Argentina gastaram, no mesmo ano, respectivamente $3.182,60, $2.539,60 e $869,40 dólares internacionais per capita (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2013). Um Estado que não tem a políticas públicas eficazes e uma cultura preventiva de investir na saúde da sua população antes da doença chegar, infelizmente padece quando é acometido por uma pandemia como essa. As epidemias não se tratam de um cenário inédito, ao analisarmos os primórdios da história da civilização, já é possível verificar que as epidemias já estavam presentes desde os primeiros séculos. No século VI, noticiaram a “Praga de Justiniano”, no século XIV a “Peste Negra”, no século XX a “Gripe Espanhola”. E com a globalização e a consequente internacionalização do fluxo de pessoas, aumenta-se a propagação de doenças endêmicas.  Vejamos outros exemplos recentes: em 2009 o surto de H1N1, em 2014 de poliomielite, em 2016 e 2018 o surto de Ebola, em 2015-2016 o Zica Vírus. Neste sentido aduz Senhoras: “Com base nestas discussões que epidemias fazem parte da realidade de um mundo cada vez mais globalizado, gerando uma série de sensibilidades e vulnerabilidades biológicas aos Estados Nacionais que eventualmente podem muito rapidamente se tornar em pandemias internacionais, razão pela qual a conformação de agendas de cooperação internacional, transparência comunicacional e de respostas compartilhadas se tornam pilastras essenciais para o sucesso do sistema de governança da saúde pública global, minimizando assim riscos epidemiológicos e consequências socioeconômicas. (SENHORAS, 2020) ”   Conclusão O Brasil é um país de dimensão continental, e um dos grandes problemas enfrentados pelo SUS é herança das desigualdades regionais e sociais. Em diversas regiões do país ele é o único responsável pela atenção à saúde. O Sistema Único de Saúde é uma instituição multifacetada e complexa que visa desde a redução do risco de doença e de outros agravos à participação de ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Desta feita, resta evidente que é imprescindível que o Estado passe a adotar políticas públicas sanitárias responsáveis voltadas para a gestão, o planejamento e coordenação dos recursos públicos, sob a égide do princípio da eficiência.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-pandemia-do-novo-coronavirus-e-o-sistema-unico-de-saude/
COVID-19, impactos nos contratos administrativos e as decisões dos Gestores Públicos em conformidade com a Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro – LINDB
A COVID-19 trouxe impactos relevantes nos contratos administrativos. As normas editadas para o enfrentamento à COVID-19 não abarcam todas as implicações nas relações contratuais. O Gestor Público, ordenador de despesas, não pode deixar de agir. Em que pese serem diversas as decisões tomadas, há de se observar a situação como um todo, analisando as consequências das decisões. A devida fundamentação, em consonância com a LINDB e com a teoria do filosófica do consequencialismo, é essencial para trazer respaldo as decisões.
Direito Administrativo
COVID-19, impacts on administrative contracts and decisions made by public managers in accordance of the Brazilian Law`s Introduction Act – LINDB. Ana Amélia Maestracci de Tolentino – Graduada em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Pós-Graduada em Direito Público. Servidora Pública Federal, Analista Judiciária do Tribunal Superior do Trabalho – TST. (e-mail: [email protected]) Resumo: A COVID-19 trouxe impactos relevantes nos contratos administrativos. As normas editadas para o enfrentamento à COVID-19 não abarcam todas as implicações nas relações contratuais. O Gestor Público, ordenador de despesas, não pode deixar de agir. Em que pese serem diversas as decisões tomadas, há de se observar a situação como um todo, analisando as consequências das decisões. A devida fundamentação, em consonância com a LINDB e com a teoria do filosófica do consequencialismo, é essencial para trazer respaldo as decisões. Palavras-chave: COVID-19. Contratos Administrativos. Decisão Gestores Públicos. Fundamentação. LINDB.   Abstract: COVID-19 brought relevant impacts on administrative contracts. The edited rules confronting COVID-19 do not cover all the implications for contractual relations. The Public Manager, the expense organizer, cannot fail to act. Despite the different decisions, the situation as a whole must be observed, analyzing the consequences of decisions. Due to reasoning, in line with the LINDB and the theory of the philosophical nature of consequentialism, is essential to bring support to the decisions. Keywords: COVID-19. Administrative contracts. Public Manager decisions. Reasoning. LINDB.   Sumário: Introdução. 1 Impactos da COVID-19 nos contratos administrativos e as decisões do Gestores Públicos. 2 A importância da fundamentação das decisões tomadas, em conformidade com a LINDB. Conclusão. Referências.   Introdução Não é a primeira vez que se vive uma pandemia, o mundo já passou pela peste bubônica, varíola e a gripe espanhola, por exemplo[1]. Mas, talvez, seja a ocasião em que ela ocorreu de forma mais rápida, considerado a maior facilidade de trânsito que temos entre os países e continentes. Em 10 de março de 2020 o Brasil já tinha 34 casos confirmados do novo coronavírus (SARS-CoV-2), também conhecido como a doença COVID-19, monitorando, à época, 893 casos suspeitos.[2] Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou a elevação da classificação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), para pandemia. Mais de 118 mil pessoas já haviam sido infectadas em 114 países.[3] Um vírus novo, uma realidade nova e muitos desafios surgiram para todos. Decisões, estudos, discussões sobre medicamentos, ações do Estado, tudo isso ocorreu e continua ocorrendo, com o objetivo de voltarmos a nossa normalidade, ou “nova normalidade”, com segurança e poupando o maior número de vidas possíveis. Nosso País não ficou para trás e tem tomado as medidas cabíveis para evitar a proliferação do vírus internamente, bem como para dirimir as consequências advindas dele[4]. Para tanto, normas foram e vêm sendo continuamente editadas com o fim de resguardar a saúde, o trabalho, a economia, dentre outros direitos constitucionais, visando proteger a vida humana, principal direito garantido a todas as pessoas e requisitos de existência de todos os demais direitos. Em 7 de fevereiro de 2020 foi publicada a Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas que podem ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. Em 20 de março do mesmo ano foi promulgado o Decreto Legislativo nº 6, que reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, o estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro do presente ano, com as consequências previstas no mencionado artigo. No dia seguinte foi publicado o Decreto nº 10.282, que regulamenta a Lei 13.979/2020, e define os serviços públicos e as atividades essenciais. Em que pese as citadas e as demais normas e também as medidas tomadas, a sociedade e o Estado vêm sofrendo as consequências advindas com a proliferação da Covid-19. Grande parte do comércio foi fechado, ocasionando aumento de desemprego e levando alguns comerciantes a encerrarem suas atividades em definitivo, por exemplo[5]. Além disso, a COVID-19 trouxe reflexos na administração pública, como nos contratos administrativos, o que acarretou a promulgação de normas e orientações para regulamentar as novas situações vivenciadas pelos Gestores Públicos, porém elas não foram capazes de solucionar a totalidade dos dilemas que surgiram. O que se pretende analisar nos tópicos seguintes é a necessidade de tomada de decisões de forma refletia, pautada na realidade, nas consequências e devidamente justificada, nos moldes das atuais normas vigentes, em especial a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), sobretudo nos casos em que há lacunas nos regulamentos e que não foram objeto de análise, ainda, dos Órgãos de Controle Externo e dos Tribunais Superiores.   1. Impactos da COVID-19 nos contratos administrativos e as decisões do Gestores Públicos Como já mencionado, a administração pública também sofreu impactos com as medidas para o enfrentamento ao coronavírus, os Órgãos Públicos restringiram a entrada de pessoas em suas dependências e rapidamente tiveram que se adaptar ao trabalho em casa, por exemplo. No tocante ao teletrabalho, o Governo Federal, visando também uma redução de gastos, publicou em 31 de julho a Instrução Normativa nº 65 (de 30.7.2020), que estabelece orientações, critérios e procedimentos gerais a serem observados pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal, relativos à implementação de Programa de Gestão, e disciplina o exercício de atividades que possam ter seus resultados mensurados, para regulamentar o mencionado regime de trabalho. Por consequência, os Contratos Administrativos, em especial os de execução contínua de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra, foram drasticamente atingidos. Com menos pessoas nos órgãos, com a necessidade de distanciamento para evitar a proliferação do vírus e considerando a necessidade de se resguardar o grupo de risco, vários empregados foram afastados dos locais de trabalho, levando-os a trabalhar de forma virtual, quando possível. Foram alterados e promulgados normativos e estudos orientando os Gestores/Fiscais de contrato e os Ordenadores de Despesas (Gestores Públicos). Conforme ponderou o Administrativista Marçal Justen Filho “os reflexos diretos das patologias decorrentes do COVID-19 e das políticas adotadas para combater a pandemia afetam de modo significativo a atividade administrativa estatal. Isso envolve uma pluralidade de questões no âmbito de contratações administrativas em curso de execução e que vierem a ser pactuadas para fazer face ao problema”. (2020) O Governo Federal trouxe recomendações aos contratos de prestação de serviços terceirizados no Portal de Compras, em 21 de março de 2020, tratando sobre falta justificada, suspensão de serviços ou redução do quantitativo até que ocorra a regularização da situação, levantamento de prestadores de serviços que se encontram no grupo de risco “para que sejam colocados em quarentena”, dentre outras recomendações, que foram novamente publicadas em 11 de agosto de 2020 [6]. Em 22 de março de 2020 foi publicada a Medida Provisória 927, que perdeu sua vigência em 19/7/2020. A referida MP dispunha sobre as medidas trabalhistas para o enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus. Ela trazia a possibilidade de serem adotadas pelos empregadores, dentre outras medidas, o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho, o direcionamento do trabalhador para a qualificação e o diferimento do recolhimento do FGTS. Com a não conversão da referida MP em lei as empresas voltam a ter que tomar as medidas previstas apenas na CLT, que são menos flexíveis, como bem ressaltou Janaina Gameiro no artigo “Consequências trabalhistas com o fim da MP 927” (2020) Outra Medida Provisória importante é a MP nº 936 de 1º de abril, convertida na Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020, que institui o Programa de Manutenção do Emprego e da Renda e dispôs sobre medidas complementares para o enfrentamento do estado de calamidade pública, podendo ser aplicada também aos contratos administrativos de serviços terceirizados com dedicação exclusiva de mão de obra. A Lei 14.020/2020 criou o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado pela União, a ser pago nas hipóteses de redução proporcional de jornada de trabalho e de salário e da suspensão temporária do Contrato de Trabalho, nos termos de seus artigos 5º, 7º e 8º[7], medidas que podem ser realizadas, inclusive, por meio de acordos individuais entre empregado e empregador. Como ressaltado, o acordo é realizado entre empregado e empregador. Assim, no caso de contratos administrativos a Administração Pública não pode decidir pelo empregador. Porém, é o Órgão Contratante que detêm o conhecimento dos dados da gestão contratual, que terá que estudar cada contrato para tentar adequá-lo à nova realidade, com a observação das diretrizes e normas internas e externas ao seu órgão, que vão surgindo constantemente. Desta forma, a decisão sobre as medidas que serão tomadas quanto a melhor providência em relação aos empregados terceirizados tem que ser construída em conjunto com a Administração Pública. Essa construção não poderá ser considerada ingerência na gestão da empresa, ação vedada pelo Tribunal de Contas da União – TCU e também pelo art. 5º[8] da Instrução Normativa nº 05/2017 do então Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG. Ademais, importante destacar a vantajosidade dessa ação para as partes envolvidas (Contratante, Contratado e empregados), pois tende a afastar decisões que possam ser tomadas unilateralmente pelo Contratante e trazer impactos sociais mais drásticos. Assim, quanto a relevância de soluções negociadas, importante trazer à baila trecho do Parecer 00088/2020/GAB/PFUFLA/PFG/AGU, em estudo sobre a adoção de medidas com base na MPV 936/2020, convertida na Lei 14.020/2020: “A importância da adoção de soluções negociadas (…) 61.Permitir que as empresas decidam unilateralmente sobre a melhor providência quanto às relações de trabalho dos terceirizados, quando no plano fático os trabalhadores estão vinculados, com exclusividade, a um determinado contrato administrativo, é contribuir para a elevação da insegurança jurídica e caminhar na contramão de todo o sacrifício que a sociedade, por meio dos recursos públicos, pretende proteger, a saber a sobrevivência das empresas e as relações de trabalho neles envolvidas. No mesmo sentido é o trecho do Parecer nº 106/2020/DAJI/SGCS/AGU, nos autos do Procedimento Administrativo nº 00404.000942/2020-05, elaborado pelo Departamento de Assuntos Jurídicos Internos da Secretaria-Geral de Consultoria da Advocacia-Geral da União: “III – CONCLUSÃO: (…) Por outra perspectiva, dados novos e normativos surgem constantemente, ocasionando por muitas vezes a necessidade de revisão contínua das decisões dos administradores, que devem sobrepor o interesse público primário ao secundário. Evidentemente, o nosso ordenamento jurídico não estava preparado para a situação vigente, com questões que trazem grande impacto para toda a sociedade. Não há respostas para todas as indagações que surgem, considerando a imprevisibilidade da situação e da existência de lacunas legais, mesmo com a publicação de diversos normativos para regular as questões oriundas da pandemia. Entretanto, o Gestor Público não pode esperar que regramentos sejam editados para realizar atos de gestão, devendo analisar as modificações necessárias nos contratos administrativos. Por vezes terá que tomar decisões rápidas, buscando as respostas nos princípios, em especial os constitucionais. Nesse sentido, Justen Filho assim dispôs: “7.1) A insuficiência dos institutos tradicionais de direito administrativo Os institutos jurídicos tradicionais do direito administrativo são incompatíveis com a complexidade da situação fática e a dimensão supraindividual das dificuldades. Mais precisamente, a submissão dos fatos a esses institutos gera distorções insuportáveis. (…) 7.4) A aplicação direta dos princípios constitucionais aos contratos em curso A disciplina jurídica dos contratos (inclusive em curso) deve ser submetida ao regime jurídico constitucional, e modo direto. As providências concretas a serem adotadas devem ser informadas pelos princípios da solidariedade e da isonomia. Não se admite o posicionamento de que prevalece o texto literal de um contrato, ignorando-se as circunstâncias concretas verificadas, que afetaram a existência, a rotina e os encargos de todos em sociedade.”(grifo do autor) (JUSTEN FILHO, 2020) Ademais, será a partir do caso concreto que o Administrador deverá sopesar os princípios aplicáveis levando-se em consideração o contexto da situação, conforme pontua João Luiz Domingues: “(…) cabe à própria autoridade superior dos órgãos e entidades decidir, a partir do caso concreto. Contudo, é importante registrar que não há solução padronizada, tanto quanto solução inalterável, vez que a amplitude da pandemia, a duração do estado de calamidade pública e a disponibilidade orçamentária impactam na decisão final, inclusive a solução a ser adotada pode sofrer alterações/modificações ao longo de todo o processo.” (2020) A título ilustrativo, trago exemplo de situação enfrentada por alguns órgãos e entidades da Administração Pública e sem solução encontrada expressamente em normativos, que é a análise da possibilidade ou não do ressarcimento à Contratada das despesas oriundas da suspensão do contrato de trabalho, em especial a ajuda compensatória mensal no valor de 30% (trinta por cento) do valor do salário do empregado, durante o período da suspensão temporária do contrato de trabalho, nos moldes previstos § 5º do Art. 8º da Lei 14.020/2020. Conforme tratado anteriormente, a Lei 14.020/2020 (oriunda da conversão da MP 936/20) criou o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda nas hipóteses de redução temporária de jornada de trabalho e de salário e a suspensão temporária do contrato de trabalho, que será custeado com recursos da União, conforme previsto em seu §2º do Art.5º. Alguns órgãos, ao reanalisarem seus contratos de prestação de serviço com dedicação exclusiva de mão de obra, concluíram pela desnecessidade de manter a mesma quantidade de trabalhadores no atual momento de manutenção das medidas de enfrentamento à COVID-19. Desta forma, propuseram a suspensão temporária do contrato de trabalho, por meio de soluções negociadas. Por outro lado, o § 5º do Art. 8º da Lei 14.020/2020 estabelece que a sociedade empresária que tiver auferido, no ano-calendário de 2109, receita superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais) “somente poderá suspender o contrato de trabalho de seus empregados mediante o pagamento de ajuda compensatória mensal no valor de 30% (trinta por cento) do valor do salário do empregado”. Ou seja, nesses casos a União custeia 70% (setenta por cento) e a contratada 30% (trinta por cento) do valor referente ao salário. Assim, após as soluções negociadas pela suspensão de “postos” de trabalho, algumas Contratadas solicitaram o ressarcimento da quantia desembolsada nos termos do referido art. 8º, §5º, da Lei 14.020/2020. Alguns órgãos defenderam o ressarcimento, outros não. Pode-se afirmar que para a decisão de ressarcimento à Contratada foram levadas em consideração a temporariedade das medidas adotadas, o retorno gradual das atividades e a consequente retomada de funcionamento dos serviços prestados e o receio de aumento do desemprego, caso essa medida não fosse tomada. Esse foi o entendimento contido no supracitado Parecer 00088/2020, da Procuradoria Federal junto à Universidade de Lavras, pela possibilidade de manutenção de faturamento à empresa referente ao repasse de 30% do salário ao funcionário durante a suspensão do contrato. “EMENTA: IMPACTOS DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS N.º 927/2020 E N.º 936/2020 NOS CONTRATOS DE TERCEIRIZAÇÃO COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA. I – Recomendações SEGES, de 21/03/2020, e alteração do contexto normativo diante da edição das Medidas Provisórias n.º 927/2020 e n.º 936/2020. Recomendação para reavaliação dos contratos administrativos à luz dos novos atos normativos e adoção de providências para negociação com as empresas. Medidas de governança e gestão que privilegiam os princípios do planejamento e da segurança jurídica. Inteligência dos Art. 21 a 23, 26 e 30 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro (LINDB), c/c Art. 6º, I, e Art. 7º, caput, do Decreto-Lei 200/1967. Não violação aos Art. 7º, IV, do Decreto 9.507/2018 e Art. 5º da Instrução Normativa n.º 05/2017. II – Ressarcimento às empresas das despesas decorrentes da suspensão do contrato de trabalho previsto pelo Art. 8º da MPV 936/2020, dentre elas: a) ajuda compensatória mensal de 30% (trinta por cento) do salário do empregado durante o período da suspensão temporária de trabalho pactuado, descontados ou glosados futuramente eventuais benefícios ficais recebidos a mesmo título (Arts. 8º, §5º, c/c Art. 9º, §1º, VI da MPV n.º 936/2020); b) benefícios devidos aos trabalhadores (Art. 8º, §2º, II, da MPV n.º 936/2020); c) despesas decorrentes da estabilidade provisória dos empregados garantida pelo Art. 10, I e II, da MPV n.º 936/2020. Possibilidade. Teoria da imprevisão, princípio da vedação ao enriquecimento sem causa e princípio do equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos. Inteligência dos Arts. 317, 478 a 480 e 884 do Código Civil, c/c Art. 58, I, Art. 65, I, “d” e §6º, e Art. 78, XIV, da Lei 8.666/93. III – Impossibilidade de pagamento de despesas com vale-transporte e adicionais ocupacionais, vez que se constituem em indenizações cujas causas deixam de existir com a suspensão do contrato de trabalho ou instituição do trabalho remoto. Inteligência da Recomendação SEGES, de 21/03/2020, e do Parecer n. 00038/2020/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Despacho n.º 220 do Advogado-Geral da União. IV – Recomendação para formalização das tratativas por meio de termo aditivo, sendo possível proceder aos ajustes necessários e formalização posterior do documento, caso, justificadamente, não haja tempo hábil (Item 8º das Recomendações SEGES, de 21/03/2020).” (grifo nosso) (ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, 2020) Ainda, a título de ilustração, a Assessoria Jurídica da Presidência do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF), se manifestou, por meio de seu Parecer 85/2020-TRE-DF/PR/AJUP da seguinte forma: “A negativa dessa indenização que, inclusive, tem amparo legal no art. 78, inciso XV, da Lei nº 8.666/93, supramencionado, significaria colocar na conta exclusiva do empregado a ser demitido o ônus da pandemia, que causara a suspensão das atividades do TRE-DF. E quais as perspectivas para que consiga um novo emprego? Sabe-se que muito poucas. Ora, pensar diversa e friamente, sem considerar estes impactos sociais e econômicos, sem que se procure negociar com a empresa contratada, sob o fundamento de que o contrato administrativo não possui função social e que os custos da demissão já estão previstos na planilha de custos e formação de preços dos serviços de terceirização é onerar ainda mais a Administração, visto que: o empregado será agora demitido e poderá ser ou não recontratado (aumentando o índice de desemprego e miséria do país); caso venha a ser recontratado, ao final do contrato a empresa terá novos custos com demissão, de forma que deverá haver o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato para prever estes novos custos futuros. […] Portanto, a nosso sentir, a negociação para se evitar demissões e primar pela manutenção dos empregos é a forma mais econômica para a Administração e favorece a manutenção da saúde financeira das empresas, do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, diminui os impactos negativos na economia do país e favorece a parte mais fraca da relação que, certamente, são os empregados. Dessa forma, nossa manifestação é no sentido de que é possível o pagamento, a título de indenização, à contratada que opte por suspender os contratos de trabalho, nos termos do art. 3º, inciso III, da MP 936, de 1º de abril de 2020, em decorrência da suspensão parcial da execução dos serviços contratados.” (grifo nosso) (TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO DISTRITO FEDERAL, 2020) Por outro lado, há os que defendem a impossibilidade da Administração em ressarcir esse valor, a exemplo do que se verifica do Parecer PROAD 3483/2020, de elaboração da Secretaria Jurídica do Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região, no seguinte sentido: “18. Todavia, não se pode querer, em nome do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, usar o contrato administrativo como instrumento de política social para possibilitar a transferência de renda ao trabalhador ou prover medida econômica mitigatória às empresas, pois, para isso, existem os recursos próprios destinados pelo Governo Federal. Também não pode o Tribunal querer impor à empresa o que ela deve fazer em caso de suspensão ou redução do quantitativo do contrato, pois cabe a ela decidir, sem ingerência do órgão contratante, se vai dispensar funcionários, reduzir salário e jornada de trabalho, adiar pagamento de contribuições sociais, obter alguma linha de crédito e juros subsidiados, adiantar férias, ou até mesmo, se não vai fazer nada disso, em razão de sua saúde financeira, que eventualmente lhe permita suportar as despesas pelo período da pandemia, afinal cada empresa tem sua realidade e particularidade. No Brasil, por força do art. 173, §4º, da CR/88, o sistema é de liberdade econômica. Não obstante, há que se observar que, dependendo da decisão tomada, pode ser sim que haja reflexos financeiros no contrato administrativo, p. ex., redução da jornada de trabalho, mas neste caso específico, a empresa somente vai adotar a medida se o Tribunal permitir, porque quem define o quantum de horário da prestação do serviço é o tomador, não o prestador.”(grifo nosso) (TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO, 2020) Flaviana Paim faz reflexão sobre os contratos administrativos não serem mecanismos de transferência de renda, nem meio de realizar políticas públicas, porém ressalta que é dever de todos e principalmente do Estado zelar pela saúde pública e bem-estar, adotando medidas excepcionais para mantê-las. “Compreendo perfeitamente que os contratos administrativos não são mecanismos de transferência de renda, nem se destinam a realizar políticas públicas. Todavia, diante da situação atual, não se pode fechar os olhos para a realidade além de nossas janelas. No caso da calamidade pública declarada em razão de pandemia, sem precedentes e ainda dotado de incertezas e imprevisões, é dever de todos e principalmente do Estado zelar pela saúde e bem estar, adotando medidas excepcionais para garantia da saúde pública, e paralelamente, buscando no âmbito do Direito Administrativo, normas jurídicas que garantam a supremacia do interesse público primário sobre o secundário, na linha célere do “Direito Administrativo vivo e passional”, imortalizada nos ensinamentos preconizados pelo saudoso Professor Paulo Neves de Carvalho por ele realizadas em Seminários e Congressos.”(2020) Não se busca no presente estudo fazer defesa de posicionamentos de entendimentos jurídicos nem adentrar no mérito das decisões tomadas pelos Administradores. Considerando o momento de incertezas e novidades, que gera diferentes interpretações dos normativos pulicados, as decisões tomadas pelos Administradores Públicos não foi, ainda, objeto de análise pelos Tribunais Superiores nem pelos Órgãos de Controle Externo.   2. A importância da fundamentação das decisões tomadas, em conformidade com a LINDB e o consequencialismo Entretanto, em que pese não sabermos como os Órgãos de Controle Externo irão analisar as decisões tomadas pela Administração nessa fase de enfrentamento ao coronavírus, é imprescindível que as decisões sejam devidamente motivadas. Para tanto, as decisões da Administração devem levar em consideração o todo: a legislação vigente e os princípios que norteiam a administração pública, as situações fáticas delineadas em cada caso, bem como as reais consequências práticas da decisão. E para uma melhor tomada de decisão, há de se trazer as determinações contidas na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB que dispõe sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público. O caput do artigo 20 estipula que nas esferas administrativas não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências da decisão. “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.”(grifo nosso) Ou seja, como dito, o Administrador, ao tomar suas decisões, deverá analisar todo o contexto envolvido. Nesta linha, os juristas que auxiliaram na elaboração do anteprojeto da Lei nº 13.655/2018, que acresceu à LINDB os artigos 20 a 30, entendem que é “preciso, com base em dados trazidos ao processo decisório, analisar problemas, opções e consequências reais. Afinal, as decisões estatais de qualquer seara produzem efeitos práticos no mundo e não apenas no plano das ideias.”[9] Imperioso que, após a análise necessária para a melhor tomada de decisão pelo Administrador, seja ela devidamente motivada nos autos, pois, conforme estabelecido no parágrafo único do citado artigo, é por meio da motivação que será demonstrada “a necessidade e a adequação da medida tomada, inclusive em face das possíveis alternativas”. Outro artigo trazido pela Lei 13.655/2018 de suma importância para a devida decisão administrativa e para a análise de controle sobre as referidas decisões é o art. 22. O mencionado artigo trata da necessidade de observação dos obstáculos e dificuldades reais do gestor em consonância com as exigências das políticas públicas a seu cargo, para a interpretação das normas sobre gestão pública. Traz, ainda, que sobre a regularidade das condutas ou validade dos atos “serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente”: “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. Sobre o tema, importante apresentar algumas das considerações de Morgana Bellazzi de Oliveira Carvalho em relação aos citados artigos da LINDB, em especial no tocante sobre tomada de decisões e motivação: “• O gestor, o controlador e o julgador deverão, mais do que nunca, estar atentos para as consequências práticas de suas decisões. (…) (…) Se pretende que o órgão julgador não seja irresponsável e desatento quanto às possíveis consequências de suas decisões. (…) Na mesma direção, destaco os Enunciados 2, 3, 5, 11, 12 e 13, aprovados no seminário “Impactos da Lei nº 13.655/18 no Direito Administrativo”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo, em 14 de junho de 2019, ocasião em que foram aprovados 21 Enunciados relativos à interpretação da Lei de Introdução às Normas do Direto Brasileiro – LINDB e seus impactos no Direito Administrativo[10]. Os Enunciados 2, 3 e 5 versam sobre o art. 20 e seu parágrafo único. O de número 2 reafirma a necessidade de análise das particularidades do caso concreto, mesmo quando a motivação ocorra por meio de remissão a orientações gerais, precedentes administrativos ou atos normativos. O Enunciado 3 destaca a necessidade dos controles administrativos e judicial considerarem o cenário vivenciado pela Administração, quando da decisão ou opinião. Por seu turno, o Enunciado 5 ressalta ser indispensável às decisões administrativas, e também nas esferas controladora e judicial, a avaliação do todo, ou seja, das consequências práticas, jurídicas e administrativas. Vejamos os referidos Enunciados: “2. A motivação exigida pelo parágrafo único do art.20 da LINDB poderá se dar por remissão a orientações gerais, precedentes administrativos ou atos normativos. A possibilidade de motivação por remissão, contudo, não exime a Administração Pública da análise das particularidades do caso concreto, inclusive para eventual afastamento da orientação geral. (…) Os Enunciados 11, 12 e 13 versam sobre o art. 22 da LINDB. Destaca-se o 13, que ressalta que cabe ao gestor, e não ao controlador, dizer qual é a melhor decisão administrativa a ser tomada no caso concreto. Vejamos os referidos Enunciados: “11. Na expressão “dificuldades reais” constante do art. 22 da LINDB estão compreendidas carências materiais, deficiências estruturais, físicas, orçamentárias, temporais, de recursos humanos (incluída a qualificação dos agentes) e as circunstâncias jurídicas complexas, a exemplo da atecnia da legislação, as quais não podem paralisar o gestor. Na mesma linha, importante trazer a concepção filosófica denominada consequencialíssimo, que afirma que o valor moral de um ato é determinado por suas consequências, se baseia nelas para determinar a qualidade da ação. Na abordagem do autor português Francisco Limpo de Faria Queiroz, o “fator decisivo da acção moral não é a intenção, abstractamente considerada, o procedimento, a norma, mas sim o resultado, a consequência da acção”. (2007) A vertente do consequencialismo conhecida como consequencialismo jurídico, busca solucionar questões jurídicas quando não há amparo legal, devendo ser levado em consideração as consequências da ação. Gustavo Amaral, ao tratar da argumentação consequencialista, trouxe a definição do jurista escocês MacCormick, vejamos: “A argumentação consequencialista envolve a elaboração da deliberação universalizada necessária para a decisão em pauta, examinando seu significado prático pela ponderação dos tipos de decisão que ela exigirá na faixa de casos possíveis que cobrir e avaliando esses tipos de decisão como conseqüências da deliberação. Essa avaliação não usa uma escala única de valores mensuráveis […]. Ela envolve critérios múltiplos, que deve incluir no mínimo “justiça”, “senso comum”, “política de interesse público” e “conveniência jurídica.””(MAC CORMICK APUD AMARAL, 2009) Assim, considerando a relevância das consequências das decisões adotadas por meio dessa concepção filosófica se diz que a Lei 13.655/2018 (Lei de Segurança para a Inovação Pública), que alterou a LINDB, trouxe o consequencialismo para a tomada da decisão, com a necessidade da devida motivação. Nesse sentido é o trecho do artigo “A nova LINDB e o consequencialismo jurídico como mínimo essencial”: “Mais do que uma deferência ao consequencialismo, o dispositivo presta homenagem à responsavidade da decisão. Prospectar os efeitos da decisão não é irrelevante. O dever de motivar (geral a toda decisão) passa a ser reforçado, nos casos de decisão baseada em valores abstratos, com o dever de indicar as consequências antevistas pelo decisor. Mais do que isso, o dispositivo obriga a que as consequências possíveis sejam avaliadas e sopesadas. E assim exigindo, torna a decisão baseada na aplicação de princípio controlável (e censurável) quando falhar em vir acompanhado da análise das consequências.” (grifo nosso) (MARQUES; FREITAS, 2020)   Conclusão Desta forma, considerando que as normas hoje existentes, em especial a Lei n 8.666/93 e mesmo os recentes normativos que surgiram para o enfrentamento da Covid-19, não são possíveis de abarcar todas as novas situações vivenciadas, na prática, pela Administração Pública e também pela inexistência, ainda, de precedentes do Tribunal de Contas da União e do Judiciário, o Administrador tem que tomar decisões pautadas na realidade, nas consequências e nos princípios que norteiam a administração, como o da moralidade, razoabilidade, boa-fé, supremacia do interesse público sobre o privado e proporcionalidade. Após todas as análises pertinentes para a melhor tomada de decisões, imperioso que o Gestor Público fundamente, em seu processo, as suas escolhas, que demandam ações rápidas e eficientes. “Situações complexas, como a vivenciada atualmente, demandam ações rápidas e eficientes, porém refletidas, pois seus efeitos nem sempre estão adstritos ao ambiente jurídico, o qual se apresenta, muitas vezes, insuficiente para satisfazer e dar soluções adequadas a todos os dilemas postos, em razão dos efeitos indiretos em outras searas igualmente importantes. É fundamental valorizar as questões sociais, trabalhistas e econômicas envolvidas, enfrentando intrinsicamente problemas.” (grifo nosso) (JACOBY; TEIXEIRA; TORRES, 2020, p. 120) Assim, em que pese termos manifestações jurídicas e decisões dos Ordenadores de Despesa de formas diversas, como o exemplo apresentado no presente estudo, o que trará respaldo para as manifestações e consequentes decisões é a devida justificativa trazida nos autos. Como dito, não sabemos como os Órgãos de Controle Externo irão analisar as decisões tomadas pela Administração nessa fase de enfrentamento à COVID-19. Porém, certamente as decisões devem considerar o todo, a legislação vigente e os princípios que norteiam à Administração Pública, as situações fáticas delineadas em cada caso, a temporariedade da situação, os custos operacionais, eventuais prejuízos do tempo de retorno das atividades, bem como as reais consequências práticas da decisão. Importante ressaltar que as normas trazidas à LINDB, por meio da Lei 13.655/2018, são aplicáveis à esfera controladora também. Desta forma, em que pese a ressalva contida no parágrafo anterior, os Órgãos de Controle deverão levar em consideração as reais dificuldades do Gestor Público e as circunstâncias fáticas no momento da tomada de sua decisão, bem como as exigências das políticas públicas. Nesse mesmo sentido, Juliana de Palma ressalta que que a LINDB traz um “comando de sensibilização do controlador à realidade da burocracia pública”, levando em consideração também que a administração pública “é a principal instituição do Estado responsável por garantir direitos fundamentais” e por vezes tem que fazer escolhas em situações difíceis, como a vigente. Essas situações trazem a necessidade de ônus argumentativo também para o órgão controlador, como defende a citada autora: “A nova LINDB reconhece que a administração pública interpreta e confere “peso” a essa interpretação. Argumentos “superficiais e leves” — fundamentados em valores jurídicos abstratos ou com motivação insuficiente — não podem, desse modo, afastar a interpretação administrativa. Na medida em que apenas uma decisão controladora “pesada” pode afastar a interpretação administrativa, a nova LINDB prevê ônus argumentativos ao controlador. Ônus argumentativos não se confundem com vedações ou proibições. O controlador pode tomar a decisão que julgar ser a mais acertada, mas, para fazê-la validamente, terá que demonstrar os elementos do raciocínio empregado que a lei especifica.” (grifo nosso) (2020, p. 229) Por outro lado, é salutar que as medidas tomadas sejam revistas frequentemente, considerando as normas que venham a surgir, a decisão de retomada dos serviços presenciais e demais medidas e diretrizes realizadas pelo Governo. Finalizo aqui, trazendo a famosa e popular frase do grande jurista francês, Georges Ripert: “Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/covid-19-impactos-nos-contratos-administrativos-e-as-decisoes-dos-gestores-publicos-em-conformidade-com-a-lei-de-introducao-as-normas-de-direito-brasileiro-lindb/
Concessão de Direito Real de Uso e sua Utilidade no Município de Gurupi/TO
O presente trabalho versa sobre a concessão de direito real de uso implantada através do direito real introduzido no Código Civil com o advento da Lei 11.481/07, e a aplicabilidade desta modalidade no Direito Urbanístico. O artigo discorre sobre o instituto segundo a sua definição, natureza jurídica, extremando a diferença entre uso, habitação, direito de superfície, concessão de uso e concessão de direito real de uso. Por conseguinte, aborta o estudo da base legal da concessão de direito real de uso e a analise deste como instrumento para políticas urbanas, abortando a sua utilização, seu procedimento e importância no Município de Gurupi-TO
Direito Administrativo
Introdução Presente no âmbito administrativo, elencado como direito real no Código Civil, a Concessão de direito real de uso (CDRU) tem sido vantajosa em diversos municípios brasileiros. O objetivo deste trabalho é abordar a importância desse instituto como instrumento para políticas urbanas, principalmente no Município de Gurupi – TO. A lei regulamentadora determina que seja instituída a concessão de uso em terrenos públicos ou particulares, remuneradamente ou gratuitamente, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel quando houver interesse social, interesses esses que serão mencionados no decorrer do trabalho. Instituto do uso, habitação, superfície e concessão de uso merecem atenção, visto que há algumas semelhanças. No uso, o usuário usa a coisa (jus utendi), restando-lhe somente os frutos necessários a sua manutenção e de sua. Na habitação, o habitador irá apenas ter um imóvel a disposição sua e de sua família, para fins de moradia. No direito de superfície, o superficiário constrói ou planta em terreno concedido por outrem. Na concessão de direito real de uso as finalidades específicas atendem o interesse social. Na concessão de uso, a administração concede a um particular a utilização de um bem de seu domínio. Com a concessão de direito real de uso, é possível garantir desenvolvimento para a região, incentivo para que empresas explorem a área destinada, resultando em economia. Em Gurupi, a CDRU é aplicada em grande maioria para entidades filantrópicas, mediante autorização legislativa. De acordo com o Prefeito, as concessões são importantes para fomentar a economia, sendo assim, terrenos dos municípios são preferencialmente concedidos a empresas, indústrias, limitando-se às igrejas.   1. Conceito             Concessão de direito real de uso (CDRU), instituto já previsto no âmbito administrativo, faz correlação com o direito de superfície, foi introduzido ao rol de Direitos Reais no Código Civil, através da Lei 11.481/2007. O professor Hely Lopes Meirelles[1]assim conceitua:   “Concessão de direito real de uso é o contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social.” (apud VENOSA, 2013, p. 623)   No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[2], também define:   “É o contrato pelo qual a Administração transfere, como direito real resolúvel, o uso remunerado ou gratuito de terreno público ou do espaço aéreo que o recobre, para que seja utilizado com fins específicos por tempo certo ou por prazo indeterminado.” (MELLO, 1995, p. 535)   Acerca do objeto, a concessão é admitida somente aos bens imóveis, públicos (contrato administrativo) ou privados (contrato de direito privado).  Não havendo, portanto, possibilidade da outorga alcançar bens móveis. Para esse tipo de concessão, é importante ressaltar que os objetivos do instituto é atender fins específicos, através de modalidades que estejam voltadas para o interesse social em áreas urbanas, entre eles, urbanização, cultivo de terra, industrialização, seja contratada gratuitamente ou onerosamente, por instrumento público ou particular, ou por simples termo administrativo. Contudo, na falta do seguimento desses pressupostos, a concessão poderá ser nula, tendo em vista o desvio de finalidade no uso do bem. Diógenes Gasparini[3] nos traz a inteligência o que vem a ser o desvio de finalidade:   “O ato administrativo desinformado de um fim público e por certo informado por um fim de interesse privado é nulo por desvio de finalidade (passa – se de uma finalidade de interesse público para outro interesse privado, a exemplo do ato de desapropriação praticado para prejudicar o proprietário). É o que se chama de desvio de finalidade genérico.” (GASPARINI, 2010, p. 115)   Destaca-se ainda que diferentemente da concessão de uso, a concessão do direito real de uso é vitalícia e intuitu personae.    1.1 Natureza Jurídica No tocante a natureza jurídica, não há o que se questionar, não há divergência na doutrina, os fins da concessão de direito real de uso, são expressamente previstos em lei. O real motivo para que uma concessão seja realizada é o benefício social.  A corrente majoritária atribui a esse instituto a característica de direito real resolúvel, ou seja, o concessionário para ser beneficiado, fica sujeito à condição resolutiva da destinação à finalidade pública.   1.2 Direitos Reais: diferença entre uso, habitação, direito de superfície, concessão de uso e concessão de direito real de uso Esse tópico visa apresentar as diferenças entre os institutos, ambos elencados no rol taxativo de direitos reais.  Em um conceito clássico, Clovis Beviláqua[4], define direito das coisas da seguinte maneira, “o complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem. Tais coisas são, ordinariamente, do mundo físico, porque sobre elas é que é possível exercer o poder de domínio”.   Luís da Cunha Gonçalves, [5]na mesma linha, nos esclarece sobre conceito de direito real:   “É relação jurídica que permite e atribui a uma pessoa singular ou coletiva, ora o gozo completo de certa coisa, corpórea ou incorpórea, incluindo a faculdade de alienar, consumir ou destruir (domínio), ora o gozo limitado de uma coisa, que é propriedade conjunta e indivisa daquela e de outras pessoas (co-propriedade) ou que é propriedade de outrem (propriedade imperfeita, com exclusão de todas as demais pessoas, as quais têm o dever correlativo de abstenção de perturbar, violar ou lesar, ou do respeito dos mesmos direitos.” (GONÇALVES, 1952)   Nesse sentido, passaremos a conhecer a diferença de cada um desses direitos reais. Regulado pelos os artigos 1.412 e 1.413 do Código Civil, o direito de uso permite que o usuário use a coisa (jus utendi), porém os frutos advindos pertencem ao proprietário legítimo, restando-lhe somente os frutos necessários a sua manutenção e de sua família. Carlos Roberto Gonçalves[6] conceitua: “O uso é considerado um usufruto restrito, porque ostenta as mesmas características de direito real, temporário e resultante do desmembramento da propriedade, distinguindo-se, entretanto, pelo fato de o usufrutuário auferir o uso e a fruição da coisa, enquanto ao usuário não é concedida senão a utilização restrita aos limites das necessidades suas e de sua família. (GONÇALVES, 2012)”   Na habitação, o uso também é limitado, este instituto é regulado pelo os artigos 1.414 a 1416, ambos do Código Civil. O habitador desse direito irá apenas ter um imóvel a disposição sua e de sua família, não podendo fazer nada com a casa/prédio alheio, nem mesmo receber aluguéis ou outras rendas originárias deste imóvel. Com propriedade, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[7], afirma:   “Seria um direito de uso limitado à habitação, pois, além de incessível, não admite qualquer forma de fruição. Como o próprio nome descreve, circunscreve-se à faculdade de seu titular residir gratuita e temporariamente em um prédio, com sua família”. (CHAVES E ROSENVALD, 2011)   No direito de superfície, o proprietário do terreno concede a outrem durante um determinado tempo, o direito de construir ou plantar em seu terreno. Todos os encargos e tributos referentes a esse imóvel são de responsabilidade do superficiário. Hely Lopes Meirelles[8] ao diferenciar concessão de uso e concessão de direito real, posiciona da seguinte maneira:               “Concessão de uso – é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um bem de seu domínio a particular, para que o explore segundo sua destinação específica.             Concessão de direito real de uso- é o contrato pelo qual a Administração transfere o uso remunerado ou gratuito de terreno público a particular, como direito real resolúvel, para que dele se utilize em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. ”(MEIRELLES, 2001)   A concessão de direito real de uso diferencia-se da concessão de uso, por abranger finalidades específicas que atendem o interesse social. Por outro lado, na concessão de uso, a administração concede a um particular a utilização de um bem de seu domínio. Há de citar outro traço diferenciador entre os dois institutos: a CDRU incide tanto em terrenos públicos quanto em terrenos particulares, enquanto, a concessão de uso incide somente em imóveis públicos.   1.3 Legislação A concessão de direito real de uso está disciplinada pelo decreto-lei nº271/67, que dispõe sobre loteamento urbano, responsabilidade do Ioteador, concessão de uso e espaço aéreo e dá outras providências. Segundo Toshio Mukai[9], sobre a criação da concessão de direto real de uso:   “Ela foi instituída pelos art.7º e 8º do decreto-lei n.271, de 28-2-1967 e é expressamente recomendada, preferentemente à venda ou doação de bens públicos, pelo art. 19, § 1, da Lei estadual n.89, de 27-12-1972 e pelo art.63 do Decreto-lei Complementar estadual (São Paulo). N.9, de 31-12-1968 (Lei Orgânica dos Municípios). Pelo art.8º do Decreto-lei n.271/67 ela abrange o espaço aéreo.” (MUKAI, 1988, p.147)   Nesta seara, no seu art. 7º do decreto-lei nº271/67, trata sobre a concessão de direito real de uso, na seguinte forma:   “Art. 7o É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interesse social, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, aproveitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradicionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interesse social em áreas urbanas.” (BRASIL, 1967)   Logo na leitura deste artigo, podemos extrair algumas características da concessão tais como: a) A concessão será destinada tanto para terrenos públicos como para terrenos particulares; b) A concessão do terreno poderá ser remunerada ou gratuita; c) Haverá tempo certo ou indeterminado e por fim a concessão será utilizada para fins de interesse social, urbanístico, industriais e seguintes como prescreve o artigo 7º do decreto nº271/67. Ademais, temos, por conseguinte os parágrafos do artigo 7º do decreto/lei nº271/67, que assim dispõem:   Art.7. […] I – do Ministério da Defesa e dos Comandos da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, quando se tratar de imóveis que estejam sob sua administração; e. II – do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência de República, observados os termos do inciso III do § 1º do art. 91 da Constituição Federal. (BRASIL, 1967)   Sendo assim, ao analisarmos os parágrafos do artigo 7º do decreto-lei nº271/67, percebe-se que a concessão de direito real de uso não se trata apenas de uma mera doação de um terreno (livre de qualquer ônus), mas em sentido contrário, uma vez sendo instituída a concessão, a mesma traz ao concessionário a responsabilidade de dar uma destinação/fim aquele terreno que lhe foi dado o uso, correndo o risco de o mesmo perder o terreno, caso não cumpra com os fins estabelecidos, sejam estes sociais, urbanísticos, industriais, dentre outros. Nota-se, que a base legal principal que trata sobre a concessão de direito real de uso foi publicada e sancionada no ano de 1967. Logo, com o advento do novo Código Civil, algumas alterações legislativas foram feitas. A lei 11.481/2007 trouxe novações para o instituto. Primeiramente a Lei 11.481/2007 alterou o art.7º do Decreto-Lei, uma vez que na redação anterior não havia descritos tantos usos na concessão de Direito Real de Uso. Para Tauã Lima Verdan Rangel[10], esta modificação, “possibilitou a regularização fundiária de interesse social e do aproveitamento sustentável de várzeas”. Rangel afirma que o objetivo do legislador, “foi inserir a concessão de uso no rol dos instrumentos hábeis à legitimação de posse sobre bens públicos ocupados, de maneira informal, por populações de baixa renda”. Além desta modificação a Lei 11.481/2007, elencou entre as espécies de direitos reais no art. 1.225 do Código Civil, a concessão de direito real de uso, como também acrescentado no art. 1473, IX a previsão da CRDU ser objeto de hipoteca. Vejamos:   Art. 10.  Os arts. 1.225 e 1.473 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 1.225………………………………………………….. “XII – a concessão de direito real de uso.” (NR). “Art. 1.473…………………………………………………….                         VIII – o direito de uso especial para fins de moradia; IX – o direito real de uso;                                                                                X – a propriedade superficiária.   2. A Concessão de Direito Real de Uso como Instrumento para Políticas Urbanas  A Constituição Federal no art.182, sobre política urbana, assim dispõe:   “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretriz geral fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.” (BRASIL, 1988)   Desde a década de 1930, houve um grande crescimento das cidades brasileiras, acarretando mudanças significativas na ordem socioeconômica brasileira. Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, não havia uma regulamentação constitucional acerca das questões ambientais e urbanas. Segundo Edésio Fernandes, com o advento da Constituição brasileira de 1988, houve uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro. De acordo com os ensinamentos de Edésio Fernandes[11],   “A Constituição brasileira de 1988 inova o ordenamento jurídico brasileiro ao estabelecer pela primeira vez um capitulo específico da política urbana, que contém um conjunto de princípios, responsabilidades e obrigações do Poder Público e de instrumentos jurídicos e urbanísticos para serem aplicados e respeitados com o objetivo de reverter o quadro de degradação ambiental e das desigualdades sociais nas cidades, possibilitando uma condição digna de vida para a população urbana.” (FERNANDES, 2000, p.101)   Assim, o Capítulo de política urbana incluído pela Constituição de 1988 trouxe a exigência da criação do Plano Diretor para os municípios com mais de 20 mil habitantes, além da criação de instrumentos para a organização do espaço urbano, tais como tributação progressiva, edificação urbana e o usucapião especial urbano. A partir de então, vários municípios têm produzido diversos instrumentos legais para a regulamentação de suas áreas urbanas e ambientais, como a elaboração de seus Planos Diretores, Códigos de Posturas, Códigos de Obras, dentre outros. Nesta seara, a concessão de direito real vem sido usada por diversos municípios como instrumento jurídico para seu planejamento urbano e regularização fundiária. Segundo Vladimir da Rocha Franca[12], a respeito da instituição do direito real como instrumento para a política urbana,   “A concessão de direito real de uso podem ser empregadas de modo vinculado a um projeto governamental de urbanização e progresso econômico de uma determinada região. Por meio desses contratos, o Poder Público procura atrair investimentos da iniciativa privada em troca da outorga de benefícios estatais, mediante a criação, por exemplo, de uma área destinada à exploração de hotelaria, turismo e lazer”. (FRANÇA, 2008, p.6)   A partir desta grande lição dada por Vladimir da Rocha, podemos verificar como tão vantajoso pode ser a concessão de direito real de uso para os municípios brasileiros, pois além de servir como um mecanismo em que o Poder Público resguarda seu patrimônio, a concessão serve como um incentivo para que empresas, indústrias e hotéis instalem seus empreendimentos nas cidades, fomentando assim a economia e o desenvolvimento urbano da mesma. Outro ponto importante é a respeito da concessão de uso de direito real na regularização fundiária. Como é sabida, grande parte das cidades brasileiras foram construídas sem planejamento, com assentamentos irregulares e invasões, conhecidas também como favelas. Neste sentido, o Estatuto das Cidades (Lei 10.257/01) no artigo. 2, inciso XIV dispõem,   “Art. 2º A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: […]                                                                                                          XIV. Regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação.” (BRASIL, 2001)   Ademais, o Estatuto das Cidades no artigo. 4, inciso V, alínea g, elenca a concessão real de uso dentre os instrumentos jurídicos para política urbana, na regulamentação fundiária é totalmente possível o uso da concessão para fins de habitação. Para Vitor Fernandes, “os cidadãos pobres podem ser beneficiados, em programas habitacionais sociais criados especificamente para esse fim, conferindo-se lhes um verdadeiro direito à habitação, como realização da função social da propriedade”. Além disto, Vitor Fernandes[13] defende que,   “[…] para os cidadãos que se tornarem concessionários, as vantagens serão imensas, pois terão reconhecido, no cartório do Registro de Imóveis, o seu direito a terra onde fixarem sua residência, diminuindo seus problemas creditícios, mercê da possibilidade de transmissão intervimos do direito real recebido, e resolvendo igualmente os problemas hoje existentes nas hipóteses de dissolução das famílias, por meio de divórcio ou dissolução de união estável, e também as questões sucessórias, pois o direito real é transmissível aos herdeiros e também por instrumento causa mortis.” (FERNANDES, 2011, p.28)   Na obra “O estatuto da cidade comentado” de Celso Santos Carvalho[14] e Ana Claudia Rossbach, os autores ao tecerem comentários relativos ao artigo 4º, afirma que, “o Estatuto da Cidade define um extenso conjunto de instrumentos para que o Município tenha condições de construir uma política urbana que concretize, de fato, a função social da propriedade urbana e o direito de todos à cidade”. Destarte, como um dentre estes instrumentos, a concessão de direito real de uso, seja para fins industriais ou para fins de habitação na regularização fundiária, tem trazido experiências bem sucedidas na sua aplicação em diversos municípios brasileiros.   3. A Utilização, os Procedimentos e a Importância da Concessão de Direito Real de Uso no Município de Gurupi-TO   No Município de Gurupi-TO, a concessão de direito real de uso é totalmente aplicável.A respeito, a Lei Orgânica do Município de Gurupi, na Seção III-Dos Bens Municipais, dispõe o art. 19, § 1 dispõe:   “Art. 19. (…)   A preocupação do legislador, ao estabelecer neste parágrafo é justamente o que já abordamos em tópicos anteriores, o de manter o bem público em seu domínio. Como já frisa José dos Santos Carvalho Filho[15]para a Administração Pública, a concessão de direito real de uso,   “(…) salvaguarda o patrimônio da Administração e evita a alienação de bens públicos, autorizada às vezes sem qualquer vantagem para ela. Além do mais, o concessionário não fica livre para dar ao uso a destinação que lhe convier, mas, ao contrário, será obrigado a destiná-lo ao fim estabelecido em lei, o que mantém resguardado o interesse público que originou a concessão real de uso”. (CARVALHO, 2009, p.1221)   Neste prisma, a partir de pesquisas no site da Câmara Legislativa de Gurupi, verificamos no que diz respeito ao histórico da utilização da concessão de direito real de uso no Município, utilizada para fins de interesse social, em grande maioria, para entidades filantrópicas por meio de autorização legislativa.  Como prova, temos os seguintes exemplos, Importante ressaltar, que em todas estas leis municipais, fica estipulado o prazo de 2(dois) anos para que o concessionário edifique seu imóvel, cumprindo com o seu fim que lhe foi destinado, uma vez findado o prazo e não cumpridas as obrigações, a área será devolvida automaticamente ao Patrimônio Público. Já relativo aos procedimentos para estabelecer a concessão de direito real de uso, verifica-se que o município de Gurupi não utiliza a modalidade de licitação concorrência para aplicá-la, sendo que em sua maioria, a concessão é instituída mediante processo de autorização pela câmara legislativa. Neste passo, os procedimentos a serem seguidos para concessão de direito real de uso no município por meio de autorização legislativa, são estes:     Considerando que o Município de Gurupi localiza-se em posição estratégica, no Centro do Brasil, com a presença da BR-153 e Ferrovia Norte-Sul, sobre nossa perspectiva, a concessão de direito real de uso demonstra-se de suma importância, principalmente se for utilizada para fins industriais. Para Otocar José (Fiscal de posturas e edificações e ex-diretor de fiscalização do Município de Gurupi) [16], que tem grande experiência relativa à política urbana no Município, a concessão de direito real de uso é bastante vantajosa, pois através dela, indústrias poderão instalar suas filiais ou sedes. Todavia, o mesmo considera que o processo é muito burocrático e deve haver mais incentivos de leis, devendo tanto o prefeito como o presidente da câmara estar em consonância com vontade política de ambos. Além disto, Otocar considera que antes do Município utilizar-se da concessão de direito real de uso, o mesmo deve estruturar seu Parque Industrial. Já para Kleber Alves Barros[17] (Coordenador de Regularização Fundiária de Gurupi), a utilização da concessão de direito real de uso é importante, pois atende aos fins de interesse social quando concedida para creches e escolas, mas em contrapartida o mesmo considera que em relação às igrejas a concessão deveria ser limitada. Por fim, para o atual Prefeito de Gurupi, Laurez Moreira[18], as concessões de direito real de uso são importantes, principalmente para fins indústrias. Neste sentido o mesmo ressalta que a atual gestão tem trabalhado no sentido de empreender o Parque Industrial de Gurupi, incentivando que empresários se instalem na cidade.  Ressalta o mesmo que tem evitado conceder áreas do município para igrejas por considerar que estas não tragam nenhum benefício de renda ao Município. Neste sentido, considera Laurez que os terrenos dos municípios devem ser concedidos para empresas que possam fomentar a economia de Gurupi.   CONSIDERAÇÕES FINAIS O Direito real, no seu conceito mais genérico é o poder jurídico da pessoa sobre uma coisa. Uma relação direta e imediata entre seu titular e a coisa. Neste passo, o Código Civil estabeleceu no Livro III, Titulo II, vários direitos reais, dentre estes, a concessão de direito real de uso, estudado neste presente artigo. Introduzido pelo rol de Direitos Reais no Código Civil pela Lei 11.481/2007 e tendo como sua base legal principal o Decreto-Lei nº 271 de 28 de fevereiro de 1967, a concessão de direito real de uso, tornou um dos instrumentos jurídicos para utilização dos bens públicos. Conforme abordado, verifica-se que a concessão de direito real de uso trata-se de um instrumento por meio do qual a Administração pública pode conceder seus terrenos públicos a particulares, de maneira onerosa ou gratuita por tempo determinado ou indeterminado, a fim de que este seja utilizado para fins específicos de urbanização, industrialização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. Sob este prisma, a partir deste conceito pode-se diferenciar o uso, a habitação, o direito de superfície, a concessão de uso e concessão de direito real de uso. Ademais, ao aprofundarmos no tema, analisamos as legislações que regulam o instituto e principalmente as inovações trazidas pela Lei 11.481/2007. Neste passo, pondera-se que concessão de direito real de uso como um instrumento para as políticas urbanas vem demonstrando-se eficaz relativo ao planejamento urbano e a regulamentação fundiária dos municípios brasileiros. Sob a ótica do Município de Gurupi, demonstrou-se que a concessão de direito real de uso foi utilizada, na sua maioria para fins de interesse social, sendo as áreas públicas do Município, doadas para igrejas, entidades filantrópicas e associações. Destarte, considera-se que a concessão de direito real de uso é um instrumento vantajoso para a Administração Pública dispor de seus bens, pois além de resguardar seu patrimônio, não livra o concessionário de seus encargos e obrigações, além disto, quanto a sua importância para município de Gurupi, verifica-seque ao considerar a localização geográfica do mesmo, a concessão poderá ser utilizada para fins industriais, incentivando que indústrias se instalem na cidade. Assim, com mais incentivos do Poder executivo, através da concessão de direito real de uso para fins industriais, poderemos quem sabe, em tempos vindouros, ver uma Gurupi totalmente desenvolvida e fomentada em sua economia.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/concessao-de-direito-real-de-uso-e-sua-utilidade-no-municipio-de-gurupi-to/
Legalidade da dispensa de licitação nas contratações públicas para enfrentamento da pandemia do COVID-19
O presente artigo na área do Direito Administrativo tem como objetivo analisar a dispensa de licitação e as principais inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2020 no enfrentamento à pandemia de COVID-19, bem como seus desdobramentos nos contratos públicos. A intenção do trabalho é responder como e até que ponto as contratações públicas estão dentro da legalidade no caráter de dispensa de licitação para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus? Desse modo, no que tange ao procedimento metodológico, trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória. Quanto a natureza é qualitativa, na qual foram utilizados os métodos dedutivos e as técnicas de pesquisa da revisão bibliográfica. A análise do material coletado será realizada utilizando os métodos interpretativos com os resultados pautados na legislação brasileira, valendo-se das obras de diversos autores renomados como referência e realizando exposições acerca da temática abordada. O objetivo é compreender o tema de estudo, entendendo seus conceitos, possibilidades e formas de aplicação no contexto atual. Chegando à conclusão da legalidade acerca do correto procedimento de dispensa de licitação e dos riscos envolvidos em razão das condutas tomadas pelos Agentes Públicos e pelos interessados no certame licitatório.
Direito Administrativo
Introdução A Constituição Federal de 1988 foi um marco histórico e de grande relevância na proteção de Direitos para garantias fundamentais dos cidadãos. A União, Estados, Municípios e o Distrito Federal dentro das especificações e ressalvas legais possuem em regra competência concorrente para atuarem na proteção e promoção dessas garantias. Recentemente com a pandemia ocasionada pela COVID-19[1] ficou em evidência a necessidade de cooperação dos Entes para garantia do Direito à Saúde estampado no art. 196 da CF/88[2]. Ao mesmo tempo em que se constatou um Sistema Único de Saúde (SUS) e os hospitais da Rede Privada completamente deficitários de insumos e suprimentos médicos que garantissem não só o Direito à Saúde, mas também o Direito à Vida. Um sistema público que já se encontrava fragilizado e caótico, afogado em corrupção em grande parte do Brasil, deparou-se diante da pandemia com a incapacidade de garantir o mínimo para profissionais e pacientes. Em razão da necessidade e urgência na tomada de medidas para enfrentamento do COVID-19, principalmente no tocante a aquisição de bens e serviços, houve diversas inovações legislativas para viabilizar as contratações públicas dentro da legalidade no qual dispõe o art. 24, IV da Lei 8.666/93 ampliada pela Lei 13.979/2020 e alterada pelas Medidas Provisórias 926/2020, 951/2020 e 961/2020, bem como regulamentando a aplicação da Lei 12.462/2011. A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar diante do cenário pandêmico atual, como e até que ponto é possível dispensa de licitação dentro da legalidade nas contrações públicas para enfrentamento do COVID-19, em decorrência da edição dos institutos legislativos que flexibilizaram as contratações da Administração Pública durante a emergência de saúde pública. Como objetivos específicos, buscará analisar a imposição constitucional de licitar, compreender o conceito, as fases, as modalidades e os tipos de licitação, destacar a possibilidade de dispensa de licitação, evidenciar as principais inovações de 2020 tratando sobre o tema e analisar a legalidade da dispensa de licitação. A principal relevância é compreender o caráter de dispensa de licitação como ferramenta essencial, pautado na legislação e sua implicância nas contratações diretas no atendimento ao interesse público para enfrentamento da pandemia ocasionada pela COVID-19, bem como sua correta aplicação pelos Agentes Públicos no atendimento da sociedade. Dessa forma, tem-se como finalidade através de pesquisas bibliográficas, legislações e princípios norteadores, responder à seguinte pergunta problema: como e até que ponto as contratações públicas estão dentro da legalidade no caráter de dispensa de licitação para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus?   1 Obrigatoriedade de licitação pública para contratações da Administração Pública As contratações públicas por exigência Constitucional e nos termos especificados na Lei 8.666/93 devem como regra geral serem realizadas mediante procedimento licitatório para aquisição de obras, serviços compras e alienações sendo resguardadas a concorrência e participação dos interessados mediante escolha do vencedor com base em critérios objetivos previstos no certame licitatório. Nesse sentido dispõe imperativamente o art. 37, XXI da CF/88, vejamos: “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (BRASIL, 1988). A Administração Pública por força do artigo supracitado para realizar a formalização do contrato deverá obrigatoriamente possibilitar dentro dos princípios gerais e específicos igualdade entre os licitantes, garantindo lisura e legalidade ao processo licitatório objetivando sempre o negócio mais vantajoso ao percorrer às várias etapas do procedimento licitatório. “Com efeito, a obrigação de licitar abrange todos os órgãos administrativos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, dos Tribunais de Contas e do Ministério Público, o que foi objeto de expressa menção pelo art. 117 da Lei nº 8.666/1993.” (AMORIM, 2018). Outrossim, todos os Entes da Administração Indireta e outros órgãos que recebam orçamento público tem a obrigação de licitar. Por tratar de dinheiro público e garantir sua correta destinação nos moldes do orçamento púbico previamente definido pelo Poder Legislativo. Conforme o valor do contrato será realizado dentre as modalidades de concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão ou pregão, ressalvados os casos de dispensa previstos na Lei 8.666/93 que será apreciado mais adiante.   1.1 Conceito de Licitação A licitação é o instrumento e a ferramenta que antecede formalmente a assinatura do contrato. Dentre suas várias etapas regidas na forma da lei é que se observa fortemente o principal objetivo de escolher a proposta mais vantajosa ao final do procedimento, sendo assim corolário do princípio da eficiência. Carvalho Filho conceitua licitação como: “[…] procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico.” (CARVALHO FILHO, 2019). Diante desse conceito bastante amplo e enriquecedor é necessário compreender alguns pontos. O procedimento é vinculado no que se refere que caso a Administração Pública venha contratar, deve ser contratado o vencedor da licitação. Não há vinculação no sentido de obrigar o Ente Público a contratar prontamente com o vencedor, haja vista, o orçamento destinado e urgente necessidade da contratação. Nesse sentido a vinculação é uma garantia do vencedor que caso a Administração necessite contratar dentro do prazo previsto, será com ele a efetivação formal do contrato. Outro ponto que merece destaque é a escolha da proposta mais vantajosa, dessa forma o interessado dentro de sua margem de lucro participará de forma competitiva com base em critérios objetivos e atributos necessários de seleção previstos no certame antecedendo de forma sequenciada as etapas para formalização do contrato de maior vantagem para a Administração. “Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse, inclusive o da promoção do desenvolvimento econômico sustentável e fortalecimento de cadeias produtivas de bens e serviços domésticos.” (MEIRELLES; FILHO, 2016). A visão dos autores parte do ponto de um processo isonômico, conferindo a todos os interessados condições e oportunidades iguais para participação além de ressaltar o disposto no art. 3º da Lei 8.666/93 da importância no desenvolvimento sustentável nacional, fortalecendo e apoiando a aquisição nacional de bens e serviços objeto do contrato. Observa-se a intenção legislativa de além de fomentar a economia nacional e estimular a criação e implementação de bens e serviços nacionais de cunho sustentável para injeção na economia do país de mais recursos para o fortalecimento das cadeias produtivas e consequentemente do desenvolvimento nacional o ambiental, econômico, cultural e social por meio da inserção da Lei 12.349/2010.   1.2 Fases da Licitação Entendido o conceito, passaremos a analisar as fases do instrumento licitatório, didaticamente divididos em três fases, são elas: fase interna, fase externa e a fase contratual como objetivo final. Antes é necessário salientar que para existir licitação deve necessariamente existir concorrência de licitantes de forma plural e variedade de objetos ofertados com interesse da Administração Pública no objeto a ser licitado. A fase interna segundo Meirelles (2016), tem sua origem no bojo da repartição pública, com a determinação da autoridade competente, com viabilidade orçamentária e objeto a ser contratado com a iniciativa da abertura do processo. “Nessa fase a Administração Pública planejará o que licitar, como licitar, quais os riscos que a licitação poderá implicar, quais serão as condições do edital e a quantidade de recursos financeiros para realização do certame.” (ROSSI, 2019). A fase interna é a fase do planejamento para preparação da licitação, é um estudo de viabilidade orçamentária com previsão de recursos diante da necessidade do objeto, estabelecimento dos requisitos objetivos onde atuarão na forma eliminatória no julgamento dos licitantes, além do estudo das consequências que poderão implicar. Essa fase, portanto, condiciona o certame nos moldes seguidos pelas demais fases para concretização dentro da legalidade e contratação pública. “Enfim, a etapa interna do procedimento desenvolve-se de acordo com esta sequência: a) requisição da área/unidade interessada; b) estimativa do valor (pesquisa de preços); c) autorização da despesa; d) elaboração do instrumento convocatório e seus anexos; e) análise da minuta do ato convocatório pela assessoria jurídica; f) publicação do aviso de licitação e divulgação do edital.” (AMORIM, 2018). Ocorre também, a composição na forma do art. 51 da Lei 8.666/93 da comissão licitante por ao menos três servidores públicos de caráter permanente ou temporário. É elaborado o edital nos termos do art. 40 da Lei 8.666/93, com requisitos objetivos vinculando a Administração Pública e encaminhado para parecer jurídico, onde doravante deverá ser formalmente autorizado pelo chefe da repartição com posterior publicação, respeitados os prazos de antecedência mínima prevista na lei conforme a modalidade. A fase externa, por sua vez, é composta por várias etapas. Conforme o art.  21 da Lei 8.666/93 com a devida publicação do ato convocatório, é iniciada a etapa de instauração, vinculando o ente licitante, oportunizando a quem interessar a impugnação do edital nos termos do art. 41 da Lei 8.666/93, sem efeito suspensivo, onde a comissão verificando a existência de vício poderá fazer aditamento e publicará nos mesmos moldes do edital impugnado para ciência de todos. Seguindo para etapa de qualificação, é o momento de verificação por parte da Administração quanto a inidoneidade e capacidade dos licitantes para definir se é apto para execução do contrato por meio da abertura dos envelopes e análise dos documentos. Nesse sentido vejamos o art. 27 da Lei 8.666/93: “Art. 27.  Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: I – habilitação jurídica; II – qualificação técnica; III – qualificação econômico-financeira; IV – regularidade fiscal e trabalhista; (Redação dada pela Lei nº 12.440, de 2011)  (Vigência) V – cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.  (Incluído pela Lei nº 9.854, de 1999).” (BRASIL, 1993). Preenchendo os requisitos exigidos o licitante qualificado estará considerado apto a continuar para próxima etapa e os desqualificados serão oportunizados no prazo de cinco dias para apresentar o recurso na forma do art. 109, I, a, da Lei 8.666/93. Na etapa de classificação das propostas a comissão observará se o licitante está seguindo o valor praticado no mercado, bem como se cumpriu todos os requisitos objetivos exigidos no edital. Não cumprindo as exigências será desclassificado nos moldes do art. 48 da Lei 8.666/93. Após a classificação, o licitante seguirá para a etapa de julgamento das propostas, onde diante os critérios de julgamento previstos no edital, quais sejam: menor preço, melhor técnica, técnica e preço, ou maior lance ou oferta. A proposta vencedora mais vantajosa para a Administração Pública passará para a etapa de homologação para verificação da regularidade do procedimento por parte da autoridade que nomeou na forma da lei a comissão de licitação para apreciação das propostas. Concluindo a fase externa, a etapa de adjudicação, onde conferirá ao licitante de melhor proposta como o vencedor da licitação, resguardando que em caso de assinatura de contrato será com ele, que formalmente acontecerá. Vale ressaltar, que com o advento da Lei 10.520/2002 que instituiu a modalidade de pregão, visando uma maior celeridade passou-se a adotar nessa modalidade a apreciação de propostas seguido de habilitação e adjudicação para posteriormente homologar o vencedor do processo licitatório. A última fase é chamada de fase contratual, resultado das fases anteriores como uma obrigação consensual celebrado entre a Administração Pública diante do interesse público com o particular para aquisição de bens ou para prestação de serviços. Para Carvalho Filho (2019), contrato administrativo pode ser conceituado como “[…] ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público”. Nessa óptica, é a relação bilateral para concretização de finalidades de interesse público, mediante instrumento formal por meio de requisitos objetivos e gerador de obrigações recíprocas de caráter oneroso, regido pelo direito público. “Contrato administrativo é o ajuste que a Administração Pública, agindo nessa qualidade, firma com particular ou com outra entidade administrativa para a consecução de objetivos de interesse público, nas condições estabelecidas pela própria Administração (cap. V, item 1). É sempre bilateral, no sentido de que há duas partes com objetivos diversos: uma, a Administração, que pretende o objeto contratado (obra, serviço etc.); outra, que almeja receber a contraprestação (preço ou qualquer outra vantagem correspondente).” (MEIRELLES; FILHO, 2016). Sendo assim, o contrato administrativo é a formalização do conjunto de atos que declarou o licitante vencedor da licitação para o estreitamento da relação obrigacional e consequente execução voluntária do objeto do contrato, seja ela a entrega de bens ou a prestação de serviços do interesse público.   1.3 Modalidades de Licitação As modalidades de licitação estão relacionadas a estrutura procedimental nas formas de realização do procedimento licitatório, tendo como critério diferenciador o valor e o objeto envolvido que se moldam na modalidade a ser definida com base nesses critérios. A Constituição Federal estabeleceu em seu art. 22, XXVII, a competência privativa da União para legislar sobre as modalidades licitatórias, dessa forma, somente por lei federal é que o legislador poderá definir. “O art. 22, § 8º, da Lei n. 8.666/93 proíbe a criação de outras modalidades de licitação ou a combinação das existentes. A vedação é di​rigida à Administração Pública, mas não impede que o legislador crie novas modalidades (grifos do autor).” (MAZZA, 2019). Nesse entendimento, a Administração Pública por vedação legal não poderá criar ou por meio de junção instituir uma nova modalidade, haja vista, a competência ser de lei federal. Percebe-se que a Lei 8.666/93 e a Constituição Federal visou resguardar contra medidas arbitrárias dos gestores o interesse público, como bem maior tutelado, evitando dessa forma, possíveis fraudes. As modalidades de licitação concorrência, tomada de preço, convite concurso e leilão estão dispostas em rol taxativo respectivamente nos incisos I, II, III, IV e V do art. 22 da Lei 8.666/93. Já a modalidade pregão foi instituído pela Lei 10.520/2002 para aquisição de bens e serviços comuns. Como abordado sucintamente anteriormente, as modalidades são definidas em critérios baseados no valor e no objeto. Quanto ao valor teremos concorrência, tomada de preços ou convite. Quanto ao objeto teremos concurso, leilão ou pregão. Diante dessas noções iniciais passaremos a apreciar cada uma delas. A modalidade concorrência formada por comissão mínima de três membros é destinada principalmente em razão do grande vulto envolvido para aquisições da futura contratação, com maior rigor formal, ampliando e possibilitando a todos os interessados que preencham os requisitos comprovados na habilitação, a participação na licitação, bem como uma ampla publicidade. Na forma do art. 22, I, c, da Lei 8.666/93 para obras e serviços de engenharia com valor acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais) e para compras e serviços acima de R$ 1.430.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta mil reais) conforme art. 22, II, c, da Lei 8.666/93. A modalidade concorrência também será obrigatória quando a parte contratante for Consórcio Público, uma vez que, a contratação futura envolve uma grande destinação de recursos. “Se contratante for um consórcio público, as faixas de valor serão alteradas: o dobro, em se tratando de consórcio formado por até três entidades federativas, e o triplo, no caso de número superior de pactuantes. Não custa relembrar, contudo, que o art. 120 do Estatuto admite atualização dos valores pelo Poder Executivo, para adequação aos novos preços praticados no mercado. Por certo, o ato adequado é o decreto (grifos do autor).” (CARVALHO FILHO, 2019). O Consórcio Público, com regulamentação na Lei 11.107/2005[3], na qual acrescentou o art. 23, § 8º, à Lei 8.666/93, definindo valores em dobro para até três entes e o triplo para mais de três entes em Consórcio, constituído por associação pública ou pessoa jurídica de direito privado. Em caso de área de saúde, deverá atuar com observância aos princípios, diretrizes e normas que regulam o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme disposto no art. 1º, § 3º, da Lei 11.107/2005. O Consórcio Público dependerá de protocolo de intenções ratificado por lei, onde também será formalizado um contrato de rateio para os recursos financeiros formalizado em cada exercício financeiro. Em razão da natureza da contratação futura, a concorrência será também obrigatória nas licitações internacionais, concessões de serviços públicos, concessões de direito real de uso de bem público e nos contratos de empreitada integral. A tomada de preços, formada por comissão mínima de três membros, será a modalidade quando os interessados já estiverem previamente cadastrados ou fizer até o terceiro dia útil que antecede a data marcada para o recebimento das propostas, com convocação pública e devidas informações dispostas para realização da licitação. Na forma do art. 23, I, b, da Lei 8.666/93, o montante de até R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais) para obras e serviços de engenharia e até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais) para compras e serviços nos moldes do art. 23, II, b, da Lei 8.666/93. “O que a caracteriza e distingue da concorrência é a existência da habilitação prévia dos licitantes através dos registros cadastrais, de modo que a habilitação preliminar se resume na verificação dos dados constantes dos certificados de registro dos interessados e, se for o caso, se estes possuem a real capacidade operativa e financeira exigida no edital (grifos do autor).” (MEIRELLES; FILHO, 2016). A tomada de preços com a habilitação prévia dos licitantes tem a tendência de ser mais célere e ágil para a concretização do objeto licitado para contratação. Os licitantes por já estarem cadastrados e de conhecimento da Administração Pública, elimina a necessidade de verificar todos os documentos exigidos nos arts. 28 a 31 da Lei 8.666/93, pois previamente já verificados, onde os interessados apenas apresentarão o Certificado de Registro Cadastral (CRC) na comprovação dos documentos exigidos para habilitação. O convite é a modalidade voltada para as contratações de pequeno valor, não exigindo publicação, uma vez que se dará por carta-convite no mínimo à três licitantes registrados ou não para que apresentem as respectivas propostas no prazo de cinco dias. O § 3º do art. 22 da Lei 8.666/93, determina a fixação da cópia do instrumento convocatório no átrio da repartição, oportunizando a todos os interessados, onde deverão apresentar interesse no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas das apresentações das propostas. Para contratação de obras e serviços de engenharia o art. 23, I, a, da Lei 8.666/93 determina para o convite o importe em até R$ 330.000,00 (trezentos e trinta mil reais) e para compras e serviços em até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais) conforme estabelece o art. 23, II, a, da Lei 8.666/93. A modalidade concurso prevista no art. 22, § 4º, da Lei 8.666/93, encontra-se pautada na escolha de trabalho técnico, científico ou artístico mediante uma contrapartida por parte da Administração Pública, por meio do estabelecimento de diretrizes, condições e requisitos objetivos de escolha do vencedor previstos no regulamento do certame. “Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados para a escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios constantes de edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de 45 (quarenta e cinco) dias.” (BRASIL, 1993). Ressalte-se ainda que nessa modalidade não há necessidade da comissão ser composta por agentes públicos, haja vista, que a modalidade concurso tem o condão de escolha baseado em características técnicas e personalíssimas, e por isso a comissão julgadora aplica-se de forma técnica por meio dos profissionais ali formados. “Pode-se citar como exemplo, um concurso para escolha do melhor projeto arquitetônico para revitalização do centro de uma cidade, ou concurso de monografias em determinada área do conhecimento de interesse do órgão público. Em ambos os casos, a Administração Pública escolherá um trabalho a ser premiado conforme estipulado no edital.” (CARVALHO, 2017). Nesse sentido, a contratação é apenas fundamentada na premiação previamente fixada pelo trabalho de cunho intelectual e subjetivo do autor da obra técnica, científica ou artística. A modalidade leilão por sua vez, é destinada para alienações de bens móveis ou imóveis com intervalo de quinze dias corridos contados entre o instrumento convocatório e entrega de envelopes. Dessa forma, é destinada para venda por meio lances, maior ou igual a avaliação de bens móveis inservíveis, apreendidos ou penhorados, bem como bens imóveis provenientes de dação em pagamento ou decisão judicial. O procedimento será realizado por leiloeiro, não necessitará de habilitação prévia dos licitantes e em cumprimento ao art. 17, § 6º, da Lei 8.666/93 a quantia dos bens móveis avaliados, isolada ou globalmente não será superior a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). A modalidade pregão foi instituída pela Lei 10.520/2002 para aquisição de bens e serviços comuns, complementando a Lei 8.666/93 com a finalidade de abarcar outras situações. Nesse cenário é importante compreender acerca da expressão bens e serviços comuns. “[…] O que caracteriza os bens e serviços comuns é sua padronização, ou seja, a possibilidade de substituição de uns por outros com o mesmo padrão de qualidade e eficiência. […] O essencial é que o objeto licitado possa ser definido por meio de especificações usuais no mercado, o que não impede a exigência de requisitos mínimos de qualidade, como acontece, por exemplo, com o denominado material de escritório (grifos do autor).” (MEIRELLES; FILHO, 2016). A Administração Pública utiliza-se da licitação por versar sobre aquisição de bens e serviços que envolvem contratação do objeto licitado definido por expressões usais de mercado independente do valor estimado com padrões de desempenho e qualidade previstas no edital, na qual o pregoeiro como sendo o servidor público com o curso, buscará sempre o menor preço entre os licitantes para a contratação. Portanto, o que denomina bens e serviços comuns é padronização com possibilidade de substituir por outro de mesmo padrão conforme a definição do edital que estabeleceu a qualidade e eficiência como pressuposto. Visando celeridade no procedimento para ulterior contratação, após percorrido a fase preparatória seguirá para a fase externa, com publicação do edital de aviso em diário oficial ou não existindo, em jornal de circulação local, facultado a publicação em meios eletrônicos, com prazo fixado no mínimo em oito dias úteis para apresentação das propostas, conforme arts. 3º e 4º da Lei 10.520/2002. Após classificação das propostas por meio de lances verbais e mínimo de três licitantes, seguirão para fase de habilitação, adjudicação e por fim a homologação do vencedor.   1.4 Tipos de Licitação Os tipos de licitação de menor preço, de melhor técnica, de técnica e preço e a de maior lance ou oferta atuam dentro dos critérios objetivos previstos no edital como critérios de julgamento fundamentado no art. 45 da Lei 8.666/93, onde estabelece a forma de aferição para escolha do vencedor do procedimento licitatório. O tipo menor preço, pauta-se na seleção de propostas mais vantajosas economicamente para a Administração Pública em função da proposta de menor valor apresentada nas exigências e cumprimento dos demais requisitos do edital ou convite, não requerendo caraterísticas especiais. No tocante a melhor técnica, esta fundamenta-se na qualidade do bem ou prestação do serviço e por força do art. 46 da Lei 8.666/93 é exclusivamente destinada para licitações para serviços de natureza intelectual ou para serviços de informática. Técnica e preço por sua vez é utilizada para serviços de natureza intelectual, onde levará em consideração a análise e ponderação dos atributos de qualidade do bem ou serviço, bem como o valor agregado refletido nas necessidades do Estado. Por fim, o tipo de maior lance ou oferta, é voltado para as alienações na modalidade leilão, definindo como vencedor o licitante com maior lance ou igual a avaliação realizada pelo órgão público. Do mesmo modo a de menor lance ou oferta como critério para a modalidade pregão. Ressalte-se que o art. 45, § 5º, da Lei 8.666/93 veda a utilização de outros tipos não previstos como critério de julgamento para seleção das propostas.   2. Dispensa de licitação e principais inovações legislativas de 2020 para enfrentamento da emergência de saúde pública Inicialmente, o caput do art. 37 da CF/88 expressamente elenca alguns dos princípios norteadores submetido pela Administração Pública Direta e Indireta, bem como também aplicados ao procedimento de licitação, são eles: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência, também conhecidos pela sigla LIMPE, onde dentre outros princípios gerais de suma importância serão abordados a seguir. Pautado na Supremacia do Interesse Público, o princípio da legalidade trata-se da permissão legislativa para atuação do agente público que atua em nome do Estado, atuando mediante subordinação à lei, no melhor interesse da coletividade sobre o particular. Dentro da licitação é um procedimento vinculado à lei e ao instrumento convocatório, respeitando o devido processo legal, sendo o meio para alcançar o objetivo público. A impessoalidade parte da noção de tratamento igualitário, tratando todos os interessados sem nenhum privilégio e sem discriminação. Segundo Carvalho Filho (2019) “[…] oferecendo igual oportunidade a todos os interessados, a Administração lhes estará oferecendo também tratamento impessoal”. Portanto, a atuação da Administração Pública buscará a figura de neutralidade não abarcando a pessoa do licitante e da mesma forma para o Estado, representado pelo agente que atua em nome da Administração, sob pena de incorrer em Improbidade Administrativa[4]. Ressalte-se que no caráter de impessoalidade a Constituição Federal e a Lei 8.666/93 apresentam algumas ressalvas. O art. 170, IX, da CF/88 prevê tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, o art. 3º, § 2º, da Lei 8.666/93 estabelece critérios de preferência para desempate nos casos de contratação de produtos manufaturados e serviços produzidos de origem nacional e na forma do art. 3º, § 2º, V , da Lei 8.666/93 que confere preferência às empresas que cumprem a reserva de cargos na forma da lei para pessoa com deficiência ou para reabilitado da Previdência Social na contratação de bens ou serviços. O princípio da moralidade tem sua atuação centrada nos valores morais, boa-fé, honestidade e lealdade de forma impositiva para que o agente público e licitantes estejam em conformidade com os princípios éticos. Dessa forma, mesmo diante da falta de dispositivo legal regulamentando a conduta, deve ser tomada baseando-se nos ditames da ética. A publicidade incorre como condição para eficácia do procedimento licitatório e do contrato em si. Sendo assim, a garantia de transparência à população acerca dos atos originários da conduta legal oportunizando mecanismos de controle e fiscalização no acompanhamento e prestação de contas à sociedade. O sigilo, por sua vez, é exceção nos casos ressalvados na forma da lei. O princípio da eficiência parte da finalidade de fazer mais ações com menos dispêndio de recursos, otimizando a gestão de recursos, alcançando a melhor vantagem em termos de qualidade e finalidade pública, atendendo aos anseios da sociedade. “O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público” (grifos do autor). (DI PIETRO, 2019). Segundo a visão de Di Pietro, ao mesmo passo que se procura gerir da melhor forma os recursos e sua correta destinação, também se busca o mais alto desempenho do agente público, traduzido em resultado positivo para a administração. Com efeito, acarreta otimização do serviço público do órgão, concretizando-se no resultado almejado e obtido pela licitação, haja vista, a constante busca pela proposta mais vantajosa diante do burocrático procedimento licitatório.   2.1 Dispensa de licitação nos moldes da Lei 8.666/93 Em face do abordado acerca da obrigatoriedade de licitação como regra para contratações públicas, a Lei 8.666/93 em seu art. 24, traz ressalvas para a dispensa de licitação e em seu inciso IV prevê que diante da urgência em virtude da calamidade pública e necessário atendimento emergencial, poderá haver a dispensa de licitação. “Nesse sentido, conforme a legislação ora vigente, a dispensa e a inexigibilidade de licitação configuram situações que a administração pode contratar sem a necessidade de realização do procedimento licitatório. São situações de contratação direta” (grifos do autor). (CARVALHO, 2017). A dispensa de licitação é caracterizada pela possibilidade de licitar, entretanto diante do interesse público e da necessidade do objeto da contratação e permissão legal para dispensa, torna-se inviável, uma vez que, o procedimento licitatório é complexo e burocrático, não sendo compatível com a urgente necessidade de contratar, sendo, portanto, dispensável. Sendo assim, é prudente ao administrador optar pela contratação direta, observando os preceitos legais. “Há, porém, dois aspectos preliminares que merecem ser considerados. O primeiro diz respeito à excepcionalidade, no sentido de que as hipóteses previstas no art. 24 traduzem situações que fogem à regra geral, e só por essa razão se abriu a fenda no princípio da obrigatoriedade. O outro diz respeito à taxatividade das hipóteses. Daí a justa advertência de que os casos enumerados pelo legislador são taxativos, não podendo, via de consequência, ser ampliados pelo administrador” (grifos do autor). (CARVALHO FILHO, 2019). O entendimento de Carvalho Filho e a análise ao dispositivo em apreço, percebe-se que a exceção à obrigatoriedade de licitar parte da característica de enquadramento da situação excepcional. Nesse sentido, é a emergência de saúde pública, confirmada pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020, reconhecendo o estado de calamidade pública no Brasil. A efetivação da dispensa depende do processo de justificação da necessidade de dispensa da licitação por emergência em observância ao princípio da motivação, onde deverá ser fundamentada e encaminhada para a autoridade superior para ratificação no prazo de três dias e posteriormente seguindo para a devida publicação. “A emergência caracteriza-se pela urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízos ou comprometer a incolumidade ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, exigindo rápidas providências da Administração para debelar ou minorar suas consequências lesivas à coletividade” (grifos do autor). (MEIRELLES; FILHO, 2016). Nesse sentido, a necessidade do atendimento é elemento caracterizador. Com a pandemia ocasionada pelo COVID-19 e juntamente com a carência de profissionais, aliada a falta de equipamentos e de estrutura das unidades hospitalares brasileiras para acolher os pacientes infectados e realizar o correto tratamento para salvar vidas, o país se deparou diante de um sistema caótico e em colapso, impossibilitado de ofertar os devidos tratamentos adequado. O Sistema Único de Saúde (SUS), refletiu o desabastecimento enfrentado no comércio de máscaras, luvas, entre outros equipamentos de proteção individual, bem como a urgência na aquisição de respiradores. O que se observou nesse cenário atual foi a elevada procura nos bens e aliado à escassez verificou-se um aumento gigantesco no valor e ao mesmo tempo de valor imensurável, comparado com o tamanho da real necessidade. A falta desses suprimentos acarreta consequências irreversíveis, comprometendo o adequado tratamento dos pacientes e a exposição dos profissionais da saúde que atuam na linha de frente no enfrentamento da pandemia, existindo, dessa forma, um risco para segurança de toda a sociedade. Sendo assim, resta clara a necessidade e urgência para aquisição dos bens e serviços, atuando a dispensa de licitação como um dos mecanismos, onde não se pode aguardar todos os trâmites legais para as contratações públicas, além de que a licitação envolve um alto custo para a ocorrência do procedimento. A dispensa de licitação emergencial não condiciona limite de valor, uma vez que no momento pandêmico os preços praticados no mercado tornaram-se completamente variáveis, sendo um procedimento menos burocrático e com isso célere diante da necessidade, fixando o objeto do contrato em bens e serviços relacionados a situação de emergência ou calamidade pública no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, vedado a prorrogação. Em observância ao art. 7º, § 9º da Lei 8.666/93, será elaborado o projeto com destinação de recursos orçamentários, com especificação das características do objeto da contratação em termos de qualidade e quantidade, devendo haver pesquisa de preço detalhadamente e no mínimo três propostas segundo o art. 8º, parágrafo único da Portaria-TCU nº 318/2008, entretanto, poderá inclusive diante da dificuldade em pesquisar os valores ser sanado mediante justificativa, em virtude da necessidade requerida. Avançando no procedimento, após autorização da despesa por parte da autoridade competente, seguirá para emissão da nota de empenho, onde deverá ser encaminhada para o fornecedor para contratação direta. Ressalte-se ainda que os órgãos competentes como o Tribunal de Contas da União (TCU), farão um rigoroso controle fiscalizatório para descobertas de possíveis fraudes ou irregularidades no procedimento. “[…] É importante frisar que o próprio texto da lei estabelece que a ausência de contratação direta é possível em situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa.” (CARVALHO, 2017). Portanto, o fator principal que propicia a contratação direta mediante a dispensa de licitação, encontra-se respaldo fundamentado na necessidade extremamente urgentes, com observância a legislação para a aquisição de bens e serviços de caráter exclusivo relacionado ao objeto central, sendo assim, no cenário atual, para enfrentamento da pandemia da COVID-19, como situação de emergência de saúde pública de relevância internacional. Dessa forma, a finalidade primordial que deve ser posta em primeiro plano é evitar maiores danos, como o óbito de pacientes contaminados em função da falta de respiradores mecânicos, de medicamentos, de profissionais capacitados e principalmente a garantia da segurança de todos diante da exposição constantes à contaminação, diante do que se vivenciou como a falta de máscaras como item básico e essencial na diminuição de riscos ao contágio.   2.1.1 Inovações legislativas no procedimento licitatório em 2020, em face da emergência de saúde pública Diante das considerações gerais, ora feitas, é importante destacar as principais inovações introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro ocasionadas em detrimento do surto pandêmico da COVID-19, auxiliando no enfrentamento e desenvolvendo papel primordial no cenário atual. Inicialmente, a Lei 13.979/2020 traçou medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública como de relevância internacional. Em seu art. 3º inciso VIII, elencou a importação diante do caráter excepcional de produtos sujeitos à vigilância sanitária não registrado na anvisa, mediante evidências cientificas com base no ato do Ministério da Saúde. “Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei.” (BRASIL, 2020). O caput do art. 4º da Lei 13.979/2020 supracitado, motivado pela necessidade de bens e serviços para atuarem no enfrentamento da pandemia, trouxe em caráter de excepcionalidade a dispensa de licitação em caráter temporário com a imposição de corolário do princípio da publicidade em caráter imediato em portal eletrônico oficial, em cumprimento à Lei 12.527/2011[5]. Com a edição da Medida Provisória 926/2020 que trouxe importantes alterações à Lei 13.979/2020, no tocante ao procedimento para as aquisições públicas. Com efeito o art. 4º-C, tratou da elaboração de estudos preliminares, como não sendo mais exigido para as contratações relacionadas as necessidades ou enfrentamento da emergência de saúde pública. “Art. 4º-B Nas dispensas de licitação decorrentes do disposto nesta Lei, presumem-se atendidas as condições de: I – ocorrência de situação de emergência; II – necessidade de pronto atendimento da situação de emergência; III – existência de risco a segurança de pessoas, obras, prestação de serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares; e IV – limitação da contratação à parcela necessária ao atendimento da situação de emergência.” (BRASIL, 2020). Outra importante alteração foi o disposto no artigo supracitado, elencando condições de aplicabilidade da legislação. Disciplinando sua destinação e finalidade para autorização da dispensa de licitação, tratando como requisitos obrigatórios exigidos que justifiquem e moldem-se ao caso atual. A Medida Provisória 926/2020 alterou positivamente em função da urgência em possibilitar a participação de empresas idoneamente declaradas, não limitando o objeto à produtos novos, além do mais, trouxe a simplificação do procedimento e documentação exigida. Simplificou também o termo de referência ou o projeto básico, dispensou a estimativa de preço em caráter excepcional e mediante justificação. Dispensou também em casos excepcionais a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista ou alguns requisitos da habilitação. O art. 4º-G, por sua vez, tratou sobre a modalidade pregão, reduzindo pela metade os prazos e dispensou a realização de audiência pública prevista no art. 39 da Lei no 8.666/93. Importantes alterações na Lei 13.979/2020, foram trazidas pela Medida Provisória 951/2020, que ressaltou a adoção ao sistema de registro de preços quando a contração ocorrer por mais de um órgão ou ente, na forma do § 4º do art. 4º. O disposto do § 6º, estipulou o prazo entre 2 (dois) a 4 (quatro) dias úteis para que os demais órgãos interessados pudessem participar do registro de preço. O art. 6º-D suspendeu o prazo prescricional para aplicação de sanções de cunho administrativo, envolvendo as legislações de licitação, pregão e as contratações públicas diferenciadas. A Medida Provisória 961/2020, por sua vez, autorizou o pagamento de forma antecipada com a finalidade de garantir o bem ou resguardar a prestação do serviço, além do mais previu a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) instituído pela Lei 12.462/2011 voltada para contratações aplicadas na Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol de 2013 e da Copa do Mundo de 2014, nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e agora para licitações e contratações de quaisquer obras, serviços, compras, alienações e locações de enfrentamento à pandemia.   2.1.2 Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) em tempos de pandemia A Lei 12.462/2011 instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) voltado para viabilizar as contratações necessárias relacionadas aos eventos esportivos abordados no tópico anterior, onde alterou alguns regramentos nas licitações e contratos púbicos. “O RDC tem por objetivos: I – ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; II – promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; III – incentivar a inovação tecnológica; e IV – assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública”. (BRASIL, 2011). O RDC viabilizou a seleção da proposta mais vantajosa para contratação em tempo hábil, para as realizações de grandes obras, estimulando o crescimento tecnológico e resguardando a garantia de todos os interessados em participar do procedimento de forma igualitária e gerando o crescimento e ampliação de infraestrutura do país capaz de receber os grandes eventos. Conforme o art. 11 da Lei 12.462/2011, poderá ocorrer contratação de mais de uma empresa para executar o mesmo objeto. O art. 12 da Lei 12.462/2011, alterou as fases, julgando as propostas para posteriormente realizar a habilitação. A realização preferencial de meios eletrônicos veio disposto no art. 13 da Lei 12.462/2011. As propostas poderão ser apresentadas por meio da oferta de lances púbicas, chamado de modo de disputa aberto ou mediante apresentação sigilosa, chamado de modo de disputa fechado, conforme disposição do regulamento, previsto nos arts. 16 e 17 da Lei 12.462/2011. Ressalte-se ainda, que até o final do procedimento o orçamento estimado será mantido em sigilo, salvo disposição no instrumento convocatório, na forma do art. 6º, § 3º, estimulando a competitividade dos licitantes e objetivando alcançar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública. Sendo assim, com a alteração implementa pela MP 961/2020 ao ordenamento jurídico, o RDC passou a ser praticado nos procedimentos licitatórios viabilizando as contratações públicas no enfrentamento ao COVID-19, uma vez que trata-se de procedimento mais célere na escolha do vencedor e execução do contrato, pois em virtude de permitir o desmembramento do objeto alcança o resultado almejado em uma escala de tempo menor. E por sua vez, poderá atuar promovendo a reestruturação das unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) e hospitais privados requisitados pelo Estado para correta e adequada prestação de serviço necessário a manutenção e garantia do direito fundamental à saúde e primordialmente à vida como bem maior resguardado pela Constituição Federal de 1988.   Considerações Finais O presente artigo proporcionou um estudo de forma objetiva na compreensão da licitação, da obrigatoriedade de licitar e a possibilidade de dispensa. De forma simples e prática procurou-se entender seus conceitos, possibilidades e formas de aplicação no contexto atual. O art. 37, XXI da CF/88 com regulamentação pela Lei nº 8.666/93 de forma impositiva instituiu o procedimento licitatório como instrumento obrigatório para contratações da Administração Pública, para aquisição de obras, serviços, compras e alienações, assegurando a todos os interessados o direito de participar do procedimento em condições igualitárias e com base em critérios objetivos de seleção a escolha da proposta mais vantajosa no interesse público, ressalvando os casos admitidos para dispensa de licitação. O cumprimento da legalidade é a confirmação jurídica que o resultado foi obtido conforme o seguimento rigoroso de cada passo do conjunto de atos percorrido e que não há nenhuma objeção que desconfigure a legalidade do procedimento e que impeça a contratação do vencedor. Dessa forma, todo o procedimento está intimamente interligado formando uma base sólida. A escolha da proposta mais vantajosa iniciou-se desde a necessidade pública pelo objeto, passando pelo planejamento com estimativa de orçamento e construção dos requisitos objetivos de escolha, formação da comissão, delimitação da modalidade e do tipo de licitação adequada à aquisição do objeto pretendido, passando por cada fase eliminatória e resultando principalmente na concretização da proposta mais vantajosa vencedora do procedimento. A legalidade, por sua vez, é o resultado e causa da burocracia, é o fator condicionante que todo o procedimento seguiu rigorosamente os preceitos legais e que o objeto pretendido alcançado está prestes a atender o seu principal objetivo, o interesse público. Em razão dessa morosidade o legislador dispôs sobre a dispensa de licitação, voltada para situações em que a licitação seria possível, porém diante da excepcionalidade, torna-se inviável a concorrência dos licitantes e/ou do objeto. Com efeito, analisou-se também diante do cenário caótico brasileiro a falta de insumos básicos necessários ao aparato médico-hospitalar e a real necessidade de contratações públicas urgentes a garantia do Direito à Saúde e ao Direito à Vida. Nesse sentido, a edição da Lei 13.979/2020 e as alterações implementadas pelas Medidas Provisórias 926/2020, 951/2020 e 961/2020, bem como adequação da Lei nº 12.462/2011 a essa nova realidade, trouxeram ao ordenamento jurídico brasileiro mudanças significativas e positivas para auxiliar no enfrentamento da pandemia, desenvolvendo papel fundamental nas contratações públicas pela dispensa de licitação. Sendo assim, estes institutos normativos ampliaram a oportunidade dos Entes Administrativos em contratarem diretamente para aquisição de bens e serviços voltados exclusivamente a pandemia, dentro do regular procedimento de dispensa adequado e principalmente nos moldes da legalidade, atendendo a finalidade do interesse público. Desse modo, em resposta ao problema de pesquisa: “como e até que ponto as contratações públicas estão dentro da legalidade no caráter de dispensa de licitação para enfrentamento da pandemia do novo coronavírus?”, conclui-se que a contratação direta mediante o procedimento de dispensa de licitação regido pela Lei 13.979/2020, está dentro da legalidade e garante a correta destinação do orçamento público, alcançando o interesse público mediante a seleção da proposta mais vantajosa. Portanto, o ponto alvo de discussão do procedimento de dispensa de licitação é a conduta dos agentes públicos e dos licitantes participantes do certame. Todo procedimento regular corre o sério risco de ser prejudicado e ser declarado inválido em função das ações tomadas pelos participantes envolvidos, e não pela flexibilização legislativa introduzida para enfrentamento da pandemia ao permitir a dispensa de licitação.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/legalidade-da-dispensa-de-licitacao-nas-contratacoes-publicas-para-enfrentamento-da-pandemia-do-covid-19/
Distinções entre os Institutos Jurídicos da Incorporação e Permanência – Efeitos da Emenda Constitucional 103/2019
A Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019, que alterou o sistema de previdência social, acresceu o parágrafo 9º ao artigo 39 da Constituição Federal de 1988, estabelecendo o fim da incorporação para as “vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão”. Diante disso, o presente texto dedica-se a análise da amplitude deste disposto constitucional, bem como à conceituação e distinção entre os institutos da incorporação e o da permanência, este previsto pelo artigo 19, parágrafo 3º, da Lei Municipal nº 13.637/2003, alterada pela Lei Municipal nº 14.381/2007, para os valores atribuídos às funções gratificadas exercidas pelos servidores da Câmara Municipal de São Paulo.
Direito Administrativo
Introdução Em 2019 ocorreu a tramitação e aprovação da PEC 6/2019 no Congresso Nacional, a qual modifica o sistema previdência social, estabelece regras de transição e disposições transitórias, e dá outras providências. O legislador almejava com esta reforma customizar os gastos públicos com previdência social por questões de Macro Econômicas, mudando assim regras gerais dos regimes de previdência. Como se trata de ampla matéria, vamos nos delimitar a analisar um dos pontos controvertidos desta reforma que atingiu vários diplomas legais que previam o Instituto da Incorporação. Importante antes de analisar a redação do art. 39, § 9º da Constituição Federal, um aspecto da tramitação da Pec 6/2019, que esta redação aprovada não veio do projeto original apresentado pelo Governo Federal, esta redação substituiu o seguinte dispositivo legal do Projeto apresentado à Câmara dos Deputados:   “CAPÍTULO III DAS REGRAS DE TRANSIÇÃO RELACIONADAS AOS REGIMES PRÓPRIOS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. Aposentadoria dos servidores públicos em geral e dos professores Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas na lei complementar a que se refere o § 1º do art. 40 da Constituição, o servidor público da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas entidades autárquicas e suas fundações públicas, que tenha ingressado no serviço público. (…)omissis(…) (…)omississ(…) III – se as vantagens pessoais permanentes ou os adicionais de caráter individual forem originados de incorporação à remuneração de parcelas temporárias ou exercício de cargo em comissão ou função de confiança, prevista em lei do ente federativo, o valor dessas vantagens que integrará o cálculo do valor da remuneração do servidor público no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria respeitará a proporção de um trinta avos a cada ano completo de recebimento e contribuição, contínuo ou intercalado.”     Nota-se que o texto original visava criar regra para corrigir distorções quanto à contrapartida feita no Sistema Previdenciário, pois muitos servidores incorporavam vantagens e já se aposentavam, contribuindo, assim, pouquíssimos anos sobre essas vantagens e recebendo-as integralmente nos seus proventos. Esta redação do texto original foi substituída na Comissão Especial no texto apresentado pelo Deputado Federal Samuel Moreira, que dentre outras alterações acabou optando por retirar este dispositivo e incluir no art. 39 da Constituição Federal, que trata de aspectos gerais dos Servidores Públicos, o parágrafo nono:   Diz o mencionado e atual dispositivo da Constituição Federal de 1988:   CF, art. 39. (…)     Com essa proibição inserida no texto constitucional, as referidas vantagens não seriam mais incorporáveis. No Direito Administrativo, a incorporação é a absorção de vantagens no padrão de vencimento dos servidores:   “Para que essas vantagens passem a integrar os vencimentos, é necessário que a lei assim preveja: é a incorporação, mediante a qual a vantagem adere ao vencimento, não podendo ser suprimida dos vencimentos, salvo opção explícita do servidor. A lei poderá determinar a incorporação automática, como ocorre com o adicional por tempo de serviço; ou exigir tempo de percepção ou prever a incorporação progressiva, proporcional ao tempo de percepção. Se, no decurso da vida funcional, a mesma vantagem é recebida em diversos percentuais, a lei que permite a incorporação deverá definir o respectivo percentual. Os acréscimos pecuniários percebidos pelo servidor não podem ser computados nem acumulados para fins de atribuição de acréscimos ulteriores (CF, art. 37, XIV).” (MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 281)   O instituto da permanência, por sua vez, não produz esse efeito de absorção no padrão de vencimento. Como a verba não é incorporada, o efeito da permanência é apenas assegurar a continuidade no recebimento da vantagem, sem que a mesma se confunda com o vencimento para fins de cálculos de outras vantagens pecuniárias. Assim, a declaração de permanência almeja tão somente esta continuidade de percepção, fazendo com que as vantagens permanentes tornem-se, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, irretiráveis após o ínterim mínimo legalmente previsto:   (…) “É ainda de Hely Lopes Meirelles a advertência denotando a existência de ‘vantagens irretiráveis’ (que assumem especial relevância para o debate sobre a irredutibilidade e o teto) adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto) ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis) em cujo núcleo se excluem as dependentes de trabalho a ser feito (pro labore faciendo), de um serviço a ser prestado em determinadas condições (ex facto officci) ou de sua anormalidade (propter laborem) ou em razão das condições individuais do servidor (propter personam)” (MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 86-87, n. 10)     A jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo vai também neste sentido de diferenciação dos dois termos como notamos abaixo:   “SERVIDOR PÚBLICO. Sexta-parte. Art. 129 da Constituição Estadual – Sexta-parte. Base de cálculo. A sexta parte incide sobre os vencimentos integrais, excetuadas as vantagens eventuais e aquelas que tenham a sexta parte em sua base de cálculo. Distinção de verbas ‘incorporadas’, ‘permanentes’, ‘eventuais’ e ‘não eventuais’. Aplicação do entendimento uniformizado: IUJ n” 193.485.1/6-00. – Procedência. Recurso da Fazenda a que se negou seguimento. (…)omississ(…) A incorporação é atributo que fica, em regra geral, ao critério da lei: ‘incorpora-se’ o que a lei assim determina, nos limites que a lei fixar. A “permanência’, isto é, o prolongamento no tempo, não se confunde com a incorporação: será paga por prolongado tempo, mas poderá não servir de base para outras vantagens.(…)omississ(…) a diferença entre vantagens ‘incorporadas’ e vantagens ‘permanentes’: aquelas servem de base para cálculo de outras vantagens, estas podem não servir (mas servirão, se assim dispuser a lei) (…)omississ(…) ‘(iv) são mais apropriados os conceitos de Verbas não eventuais’ e Verbas eventuais’, inclusive para os ativos; o próprio conceito de Verbas permanentes’ parece inadequado ao cálculo da vantagem (uma gratificação paga durante certo tempo, ainda que não se incorpore, é ‘permanente’ enquanto o servidor ocupar aquela função ou cargo e entra na base de cálculo).”” (TJSP, Ap. 788.115.5/0- 00, 10ª Câm. de Dir. Público, Rel. Des. Torres de Carvalho, v.u., j. 4.7.08)     Este instituto da permanência surgiu com a Lei nº 10.442/88 procurando oferecer um tratamento mais atenuado às contas públicas municipais[ii], conforme bem relata o i. Procurador desta Edilidade e doutrinador Antônio Rodrigues de Freitas Júnior: “Anteriormente ao advento da Lei 10.442/88, a única modalidade de indenização ficta reconhecida por lei como veículo para ocasionar a insusceptibilidade de revogação de gratificações discricionárias consistia no instituto da incorporação. Como se sabe, ou se deveria saber, a ocorrência da incorporação fazia incidir a parcela incorporada sobre o padrão do vencimento, de sorte não apenas que a gratificação incorporada tornava-se insusceptível de supressão como, no mesmo ato, que ao repercutir no padrão ensejava majoração do produto final da remuneração. Foi precisamente colimando oferecer tratamento mais parcimonioso que se deu o advento da Lei 10.442/88. Daí a razão pela qual a proibição da incidência constar de parágrafo (nem preciso reiterar qual a função normativa de um parágrafo), e de parágrafo único do artigo que instituiu justamente a permanência, como instituto inovador no Direito Municipal de São Paulo. Diga-se de passagem: instituto originariamente restrito à figura da Gratificação de Gabinete e para essa idealizado. Do exposto, evidencia-se, na boa fé interpretativa, que ao vedar “sua utilização, sob qualquer forma, para cálculo simultâneo que importe em acréscimo de outra vantagem pecuniária”, o endereço do verbo, vale dizer, seu objeto direto consiste na Gratificação “tornada permanente”. Aliás, permito-me esse desnecessário truísmo na intenção de enfatizar que a proibição do referido parágrafo único evitou conferir, ao ato de reconhecimento da permanência, os efeitos majoratórios até então ínsitos ao ato concessivo da incorporação desde aí já não mais aplicável à Gratificação de Gabinete.” (Câmara Municipal de São Paulo, Parecer nº 088/2001, de autoria do Procurador Legislativo Antonio Rodrigues de Freitas Jr. – OAB/SP 69.936)   “Em minha percepção, o problema resolveu-se não por via do art. 1º, parágrafo único, da Lei 10.442/88, mas em virtude do tratamento legal conferido às demais vantagens. Tenhamos presente que a dicção desse preceito objetivou, como acertadamente afirma o Anexo do Relatório GV, evitar que o ato declaratório de permanência viesse a ser tratado de igual modo que o de incorporação. Assim sendo, a decisão do E. TCM, ao contrário do que se possa supor por uma leitura apressada, não determinou que a GG, ao se tornar permanente, viesse a aderir ao padrão e a repercutir sobre todas as demais vantagens que sobre ele se calculassem. Considerando a autonomia legislativa da Câmara para dispor sobre suas gratificações, o Parecer que embasa a decisão do C. TCM ocupou-se de interpretar a forma de cálculo dessas últimas e houve por concluir o que determinou como correta fórmula de cálculo dos servidores do Legislativo (e TCM), sem qualquer distinção entre GG discricionária e GG permanente. Daí que a mesma fórmula de cálculo por ele determinada alcançou indistintamente a GG de todos aqueles servidores, com ou sem direito à permanência. Por sinal, não houvesse a figura da permanência, isso em nada alteraria as premissas por ele esposadas. O que fundamentou a decisão do C. TCM foram as normas destinadas a outras vantagens, diversas daquelas concedidas aos demais servidores do Executivo.” (Câmara Municipal de São Paulo, Parecer nº 086/2002, de autoria do Procurador Legislativo Antônio Rodrigues de Freitas Jr. – OAB/SP 69.936).   Em outros pareceres da douta Procuradoria da CMSP, temos registro de debate sobre a coexistência destes dois institutos em situações e demandas distintas, tendo como ponto em comum o fato de que ambos proporcionam a integração das vantagens à remuneração do funcionário:   “Consequentemente, vemos que ambos os benefícios – a incorporação prevista no art. 33 da Lei nº 9.296/81, e a permanência disciplinada pela Lei nº 10.442/88 e Resolução nº 06/93 — são legalmente previstos, sendo passíveis de serem obtidos pelos servidores deste Legislativo, desde que preenchidos os respectivos requisitos legais. Tratam-se de dois benefícios legalmente previstos, com objetos, critérios e requisitos distintos, mas com semelhante efeito em relação a cada respectivo objeto. Este efeito, como já visto, pode ser assim traduzido: a respectiva vantagem (na permanência, uma gratificação; na incorporação, o conjunto de vantagens próprias de um cargo) passa a integrar em definitivo a remuneração do funcionário.” (Câmara Municipal de São Paulo, Parecer nº 031/2003, de autoria do Procurador Legislativo Sebastião Rocha, OAB/SP nº 138.572)   “Ambos os benefícios, a incorporação prevista no art. 33 da Lei nº 9.296/81 (em que são incorporadas todas as vantagens do cargo) e a permanência, disciplinada pela Lei nº 10.442/88 (em que uma vantagem específica é tornada permanente), coexistem e são passíveis de serem adquiridos pelo funcionário do QPL, desde que preenchidos os requisitos próprios estabelecidos nas respectivas leis, não havendo incompatibilidade entre eles.” (Câmara Municipal de São Paulo, Parecer nº 9002/2003, de autoria do Procurador Legislativo Mário Sérgio Maschietto, OAB/SP 129.760)   Outro ponto a se destacar é que a Constituição de 1988 e as respectivas Emendas Constitucionais nºs 19/98; 20/98 e 41/03 não vedaram ou extinguiram a incorporação ou a permanência, que pertencem ao mesmo gênero como meios de integração de vantagens no âmbito salarial e remuneratório dos servidores públicos, mas são espécies distintas, como demonstrado acima. Um dos exemplos clássicos jurisprudências, que demonstra a existência da incorporação mesmo após a emenda 19/98 e posteriores, é a reconhecida aplicação do instituto da incorporação, previsto em várias Constituições Estaduais, como exemplo abaixo a redação do art. 129 com a leitura conjunta do art. 115, XVI; e 133 da Constituição do Estado de São Paulo:   “Artigo 129 – Ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por quinquênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no art. 115, XVI[iii], desta Constituição.   Artigo 133 – O servidor, com mais de cinco anos de efetivo exercício, que tenha exercido ou venha a exercer cargo ou função que lhe proporcione remuneração superior à do cargo de que seja titular, ou função para a qual foi admitido, incorporará um décimo dessa diferença, por ano, até o limite de dez. (NR) “   A consolidação destes comandos da Constituição Bandeirante foi feita após amplo debate no Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo desde a emenda 19/98, com o atual texto do art. 37, XIV, da Constituição Federal:   “Importante ainda ressaltar que o art. 129 da Constituição Estadual não foi revogado pelo novo texto do art. 37, XIV, da Constituição Federal. Isto porque a interpretação teleológica da norma conduz ao raciocínio de que as alterações advindas com a Emenda Constitucional n. 19 visam apenas a evitar a cumulação de acréscimos remuneratórios entre adicionais do mesmo gênero, o que impede tão somente a incidência de quinquênio sobre quinquênios anteriores, bem como de quinquênio sobre a sexta-parte, e vice-versa, uma vez que, embora diversos, ambos os benefícios são concedidos sobre o mesmo fundamento: a retribuição pela prestação continuada de serviço público por determinado lapso de tempo.” (TJ-SP – Apelação n. 1015671-62.2015.8.26.0053, Relatora Desembargadora Heloísa Mimessi, 5ª Câmara de Direito Público, j. 20/08/2019)   Com efeito, o fim da norma inserta no art. 37, XIV, da Constituição Federal, até mesmo na redação da EC nº 19/98, não é outro senão o de coibir o chamado “efeito cascata”, pelo qual se tem o risco de operar cálculos remuneratórios cumulativos, que a norma constitucional teve o escopo de obstar. Deste modo e nada obstante a feição periódica (quinquenal) do adicional por tempo de serviço, porque no molde das normas de regência, no trato de sua base de cálculo, pode-se afirmar a existência de controles obstativos da incidência recíproca na medida em que os quinquênios não podem ser computados nem acumulados para concessão de acréscimos ulteriores do mesmo gênero – não há conflito algum com a norma constitucional federal, preservada em seu núcleo finalístico. E, para não haver dúvida, bem agiu o MM. Juiz a quo, ao esclarecer que o quinquênio não recai sobre a sexta-parte, nem esta sobre aquela (fls. 48/51) e, neste ponto, nem sequer há irresignação recursal dos autores. Enfim, como se sabe, o resultado da interpretação teleológica prepondera sobre o da interpretação gramatical, pois, em hermenêutica, enquanto a letra da regra é ponto de partida, sua nobreza axiológica é ponto de chegada (cf. FERRAZ Jr., Tércio Sampaio, Introdução ao estudo do direito, 2ª ed. São Paulo: Atlas, São Paulo, 2a ed., p. 287). E, no fim teleológico da norma constitucional, não se pode afirmar, no caso, que haja repique ou “efeito cascata”. (TJ – SP – Apelação n. 0938918-68.2012.8.26.0506, Relator Desembargador Vicente de Abreu Amadei, 1ª Câmara de Direito Público, j. 10/12/2013)                                       Desta forma, ao se incorporar uma vantagem da forma prevista do artigo 133 da Constituição Estadual, e cumprindo os quesitos legais do artigo 129 do mesmo diploma legal, a vantagem incorporada por aquele artigo servirá de base para a vantagem incorporada prevista neste, cumprindo os dizeres do artigo 115, que segundo jurisprudência do TJ-SP não colide com a alteração feita pela emenda 19/98 no art. 37, XIV, da CF. A posição do STF sobre a questão de haver ou não atrito ao previsto no artigo 129 da Constituição Bandeirante em relação ao prescrito pela emenda 19/98 é a de que não se pode modificar a interpretação que o Tribunal a quo conferiu à legislação infraconstitucional local, aplicando-se, assim, a súmula STF nº 280 “Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário”, e que esse óbice não foi afastando com o advento da emenda 19/98, pois não cabe recurso extraordinário quando há alegação de violação reflexa da Constituição Federal:   “RECURSO EXTRAODINÁRIO. ADICIONAL DE SEXTA-PARTE. MATÉRIA PROCESSUAL. LEGISLAÇÃO LOCAL. EC. Nº 19/98. Ao rejeitar os embargos declaratórios que tratam da superveniência da EC nº 19/98, o acórdão recorrido assentou-se no fundamento infraconstitucional de que não incidiu no caso das hipóteses previstas no artigo 535 do Código de Processo Civil, tratanto-se, portanto, de matéria processual, insuscetível de ser apreciada por recurso extraordinário. Do mesmo modo, ao reconhecer o direito dos autores ao cálculo do adicional de sexta-parte sobre os vencimentos integrais, o Tribunal a quo baseou-se exclusivamente em lei local. A superviniência da EC nº 19/98, alterando o art. 37, XIV, da CF, não afasta a exigência de ofensa direta à Constituição Federal para que o recurso extraordinário seja conhecido (Súmula STF nº 280). Agravo regimental improvido. ( RE. 310.265-AgR, rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 29.11.2002)   EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. ADICIONAL DE SEXTA PARTE. DIREITO LOCAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SUPERVENIÊNCIA DA EC 19/1998. A decisão agravada está em perfeita consonância com o entendimento firmado por ambas as Turmas desta Corte no sentido de que é inviável em recurso extraordinário o debate de questão relativa a direito meramente local. O Tribunal a quo, ao reconhecer o direito dos servidores do Estado de São Paulo à vantagem da sexta parte calculada sobre os vencimentos integrais, fundamentou-se exclusivamente no art. 129 da Constituição Estadual. Assim, eventual violação da Constituição Federal seria indireta. Incidência da Súmula 280/STF. Óbice não afastado pelo advento da Emenda Constitucional 19/1998. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (AI 406.697-AgR, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 04.11.2005)   EMENTA: CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. ADICIONAL DE SEXTA-PARTE. CÁLCUULO DE ACORDO COM A CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. I – Cálculo da sexta-parte feito em cumprimento às normas do art. 129 da Constituição do Estado-Membro. Controvérsia decidida à luz da legislação local. II. Agravo não provido.’ (AI 510.364-AgR, rel. Min. Carlos Vellosso, DJ de 16.09.2005)     “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADICIONAL SEXTAPARTE. ART. 129 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. A presente controvérsia passa, necessariamente, pela análise da legislação infraconstitucional pertinente, na qual se baseara o acórdão recorrido ( art. 129 da Constituição do Estado de São Paulo). Incide, no caso concreto, o óbice da Súmula 280 desta colenda Corte. Agravo regimental desprovido. (RE 309.542-AgR, rel. Min. Carlos Britto, DJ de 10.09.2004)   EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Servidor público estadual. Vencimentos. Cálculo do adicional da sexta-parte. Interpretação de legislação local. Agravo regimental não provido. Aplicação da súmula 280. Não cabe RE que teria por objeto alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, inobservância de direito local, seria apenas indireta à Constituição da República. (AI 284.720-Agr. Rel. Min. Cezar Peluso. Dj de 24.10.2003.)   Importante ressaltar, para evitar leituras desatentas, o alerta do Ministro Joaquim Barbosa, ao dizer que na repercussão geral reconhecida no RE 563.708 (tema 24), o qual trata da aplicação imediata da EC 19/98, não se refere que a retirada da parte final do inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal[iv]estenderá a vedação da incidência de acréscimos pecuniários sobre acréscimos ulteriores além dos de mesmo título ou idêntico fundamento, mas que, na aplicação do previsto nesta emenda, preservar-se-á a garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração e do direito adquirido:   “Ressalto, inicialmente, que esta Corte já decidiu, quanto à verba denominada sexta-parte, que a matéria é de natureza infraconstitucional, de modo que a ela se aplicam os efeitos da ausência de repercussão geral ( Tema 563 Incidência do adicional de sexta parte sobre a integralidade dos vencimentos de servidor público estadual estatutário ). Passo a tratar do outro adicional questionado no presente caso, o quinquênio. Observo que a questão ora discutida difere da questão constitucional posta no RE 563.708 , julgado no regime de repercussão geral ( Tema 24 ). Isso porque, naquele caso, o STF decidiu quanto à aplicabilidade imediata da Emenda Constitucional 19/1998, na parte que alterou o inciso XIV do art. 37 da Constituição, em face da garantia constitucional da irredutibilidade da remuneração e do direito adquirido. Já, no presente feito, o que se discute é a natureza salarial de determinadas verbas (Gratificação Fixa, Gratificação Extra, Gratificação Extraordinária, Abono) que devem compor a base de cálculo do quinquênio, porque são pagas de forma genérica, conforme consta do acórdão recorrido questão esta circunscrita ao âmbito infraconstitucional. Destaco que quando do julgamento do RE 563.708 acima mencionado, a relatora, min. Cármen Lúcia, afastou do debate a matéria similar à constante do presente feito, referente à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao texto legal estadual quanto à base de cálculo do adicional por tempo de serviço, por se tratar de matéria de índole infraconstitucional. Confira-se trecho do julgado: (…) O mérito 3.1. A primeira observação a ser afastada é a que se relaciona à circunstância de que os Recorridos nunca teriam tido o direito de perceber o adicional por tempo de serviço calculado sobre a remuneração, pois a Lei Estadual 1.102/1990 previa como base de cálculo o vencimento-base mais as vantagens permanentes, ou seja, estando de fora as parcelas temporárias, daí porque, segundo, nem se haveria de cogitar de direito adquirido. Essa argumentação configura típica questão de ofensa ao texto legal e não ao texto constitucional . A pretensão do Recorrente, nesse ponto, é a de que o Supremo Tribunal Federal corrija o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul quanto à interpretação dada a texto legal estadual, pois aquele órgão concluiu, expressamente, que a Lei Estadual 1.102/1990 fixava a remuneração tomando como base de cálculo do adicional por tempo de serviço. A alegação que se fez constar do acórdão recorrido que a Lei Estadual 1.102/1990 estabelecia a remuneração tomando como base de cálculo o adicional, o que deveria ser considerado por este Supremo Tribunal Federal para examinar a questão subseqüente, qual seja, a aplicabilidade imediata da alteração do inciso XIV do art. 37 da Constituição da República, não é aceitável, pois em recurso extraordinário não se pode modificar a interpretação que o Tribunal a quo conferiu à legislação infraconstitucional local, como reiteradamente vem decidindo este Supremo Tribunal. (Grifei)   Assim, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a questão debatida neste processo tem índole infraconstitucional. Nesse sentido, os seguintes julgados: ARE 702.106-AgR (rel. min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 20.02.2013), ARE 688.307-AgR (rel. min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 11.10.2012), ARE 687.443-AgR (rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe de 01.08.2012), RE 593.098- AgR (rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe de 19.12.2008). Em decisão monocrática: RE 763.728 (rel. min. Ricardo Lewandowski, DJe de 05.12.2013), ARE 766.078 (rel. min. Roberto Barroso, DJe de 02.12.2013), ARE 764.704 (rel. min. Cármen Lúcia, DJe de 10.09.2013), RE 702.571 (rel. min. Teori Zavascki, DJe de 21.06.2013), RE 706.026 (rel. min. Luiz Fux, DJe de 05.09.2012) e ARE 696.701 (rel. min. Celso de Mello, DJe de 01.08.2012). Com essas considerações, uma vez que a análise da alegada violação à Constituição federal demandaria o exame prévio de matéria infraconstitucional, manifesto-me pela aplicação dos efeitos da inexistência de repercussão geral.(RE 764332 RG / SP – Rel. Min. Joaquim Barbosa – Dj. 06/02/2014)”   Desta forma, as restrições promovidas até agora pelas emendas constitucionais ocorrem em prol da otimização dos gastos públicos, calibrando as incidências destas vantagens entre elas e no âmbito salarial e remuneratório dos servidores, não permitindo a incidência dos acréscimos pecuniários sobre outros com o mesmo título ou idêntico fundamento, sendo prova cabal da existência, assim, do instituto da incorporação, previsto nos artigos citados acima da Constituição do Estado de São Paulo, bem como em outras várias legislações, na sua premissa fundamental: de absorção, de servi de base para outras vantagens, dai a ideia de ‘in corpore‘, de ‘um só corpo’, e não apenas ficar assegurada a continuidade no recebimento da vantagem, conforme na permanência.   “Neste aspecto, reportamo-nos ao entendimento da ilustre administrativista, Professora Odete Medauar (doc. 11 – fls. 27/56), em parecer exarado à época por solicitação da Associação dos Funcionários da Câmara Municipal de São Paulo: ‘7.1.1. A Constituição Federal de 1988 não veda a atribuição de gratificações, adicionais, abonos, verbas de representação a servidores públicos em geral. Atente-se que o § 1° do art. 39 menciona a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes remuneratórios. A propósito, bem nota José Afonso da Silva: ‘Os acréscimos pecuniários ao padrão de vencimento dos servidores públicos continuam admitidos pela Constituição, em relação a vencimentos e remuneração; não aos subsídios, que não os admitem’ (Curso de Direito Constitucional Positivo, 2002, p. 666) (…) ‘7.1.2. A Constituição Federal de 1988 não vedou a incorporação ou permanência de acréscimos pecuniários, tais como gratificações, adicionais, verba de representação. Nem a Emenda 19/98 impede a incorporação ou permanência dessas vantagens.‘” (Câmara Municipal de São Paulo, Parecer nº 122/2004, de autoria dos Procuradores Marcella Falbo Giacaglia, OAB nº 111.393; Mário Sérgio Maschietto, OAB nº 129.760; Caio Marcelo de Carvalho Giannini, OAB nº 55.289; e Antonio Russo Filho, OAB nº 125.858)   “Portanto, o referido Parecer 11/2001 não afirma, como pretende a colega autora do parecer do Tribunal, que a sexta-parte deveria incidir apenas sobre o padrão de vencimentos do servidor, mas sim que esse adicional não poderia incidir sobre os qüinqüênios, devendo, no entanto, continuar a contar em sua base de cálculo com as demais vantagens eventualmente percebidas pelo servidor. Somente com a edição da novel Lei 13.637/03 é que a sexta parte passou a incidir, textual e expressamente, apenas sobre o padrão de vencimentos do cargo titularizado pelo servidor, de modo que antes da edição desse diploma legal o cálculo da sexta-parte corretamente era feito considerando a totalidade dos vencimentos do servidor, exclusão feita aos qüinqüênios.” (Câmara Municipal de São Paulo, Parecer nº 20/2006, de autoria do Procurador Legislativo Luiz Eduardo de Siqueira S. Thiago, OAB/SP 109.429)   Analisada a natureza e existência dos dois institutos, o que se nota da atual redação do artigo 39, § 9º, da Constituição Federal é a vedação parcial do instituto da incorporação de vantagens vinculadas ao exercício de função de confiança e de cargo em comissão, bem como de vantagens de caráter temporário, evitando que vantagens sejam absorvidas no vencimento ou vencimentos dos servidores públicos e, desta forma, sejam majorados, gerando uma economia imensurável aos Municípios e Estados, nas palavras do Deputado Federal Samuel Moreira, relator da Proposta na Câmara dos Deputados. Ocorrendo, desta maneira, a vedação ao instituto da incorporação chegamos a duas conclusões:   1) não há extinção do instituto da incorporação, apenas sua vedação em relação alguns tipos de vantagens, quais sejam:   (a) de caráter temporário; (b) vinculadas ao exercício de função de confiança; e (c) vinculadas a exercício de cargo em comissão.   2) não se deve considerar como eventual vedação à permanência.   Destas conclusões, a título de exemplo, apenas o artigo 133[v]da Constituição do Estado de São Paulo teria, eventualmente, sua constitucionalidade questionada, devido à natureza das vantagens ali elencadas que se incorporam a remuneração do cargo ou função. Já, por outro lado, não afetará ao previsto no artigo 129 do mesmo diploma legal, uma vez que a natureza das vantagens a serem incorporadas – sexta-parte e quinquênios – são vantagens ex facto temporis, decorrentes do tempo de serviço, tendo, evidentemente, natureza distinta das previstas no artigo 39, §9º da Constituição Federal. Quanto a não se confundir a eventual vedação à permanência, afora a diferenciação técnica entre os dois institutos, a boa hermenêutica jurídica recomenda que toda norma que restringem direitos deve ser interpretada restritivamente. Sendo assim, a vedação trazida deverá ser interpretada de maneira restritiva. Caso abranja também a permanência, tratar-se-á de indevida interpretação extensiva, conforme recomenda doutrina:   “Para praticar os atos mencionados na segunda parte da norma comentada, o advogado necessita de poderes especiais, pois não bastam os da cláusula ad judicia. Como importa em restrição de direito, o rol dessas exceções é taxativo (numerus clausus), não comportando ampliação. Toda norma restritiva de direitos interpreta-se de modo estrito. Não se pode interpretar ampliativamente norma que restringe direitos, como é o caso do CPC 105. Para a prática de qualquer ato de disposição de direito (renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, reconhecer juridicamente o pedido, confessar, transigir, receber e dar quitação, prestar depoimento pessoal, receber citação, desistir da ação, desistir do recurso interposto etc.), o advogado precisa estar munido de poderes especiais, além daqueles constantes da cláusula ad judicia. No sistema anterior, para opor exceção de suspeição ou de impedimento não se exige do advogado do excipiente poderes especiais, bastando os da cláusula ad judicia.” (Nery Jr., Nelson e Maria de Andrade Nery, Rosa. Código de Processo Civil Comentado 17.ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018, pág. 402).   “A proibição de acumular, sendo uma restrição de direito, não pode ser interpretada ampliativamente. Assim, como veda a acumulação remunerada, inexistem óbices constitucionais à acumulação de cargos e funções ou empregos do serviço público desde que o servidor seja remunerado pelo exercício de uma das atividades acumuladas.” (MEIRELLES. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 420).   “Uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal. Em geral, o intérprete vale-se de considerações teleológicas e axiológicas para fundar o raciocínio. Supõe, assim, que a mera interpretação especificadora não atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao invés de protegê-los. Assim, por exemplo, recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. O mesmo se diga para as normas excepcionais: uma exceção deve sofrer interpretação restritiva. No primeiro caso, o telos protegido é postulado como de tal importância para a ordem jurídica em sua totalidade que, se limitado por lei, esta deve conter, em seu espírito (mens legis), antes o objetivo de assegurar o bem-estar geral sem nunca ferir o direito fundamental que a constituição agasalha. No segundo, argumenta-se que uma exceção é, por si, uma restrição que só deve valer para os casos excepcionais. Ir além é contrariar sua natureza.” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, em particular, Capítulo 5, item 5.2.2.2.)   Igualmente, deve-se salientar o princípio basilar de hermenêutica jurídica segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda. Ou seja, as palavras devem ser compreendidas como tendo alguma eficácia, sentido próprio e adequado (SILVA, 1994, p. 405), conforme os ensinamentos do ilustre jurista Tércio Sampaio Ferraz Jr.:   “Para entender essa peculiaridade da língua hermenêutica (LH), temos de fazer referência a um pressuposto importante da hermenêutica, quando interpreta: o legislador racional. Trata-se de uma construção dogmática que não se confunde com o legislador normativo (o ato juridicamente competente, conforme o ordenamento) nem como legislador real (a vontade que de fato positiva normas). É uma figura intermédia, que funciona como um terceiro metalinguístico, em face da língua normativa (LN) e da língua realidade (LR). A ele a hermenêutica reporta-se, quando fala que “o legislador pretende que (…)’’, “a intenção do legislador é que (…)’’ ou mesmo “a mens legis nos diz que (…)’’. Nino (1980:331) dá-nos, em resumo inteligente, as propriedades que caracterizam o legislador racional: (…) omississ (…) Em décimo primeiro lugar, é econômico, isto é, nunca é redundante, nunca usa palavras supérfluas, e cada norma, ainda que aparentemente esteja a regular a mesma facti species, tem na verdade uma função própria e específica. Em décimo segundo lugar, é operativo, pois todas as suas normas têm aplicabilidade, não havendo normas nem palavras inúteis. Em décimo terceiro lugar, é preciso, pois, apesar de se valer de palavras da língua natural, vagas e ambíguas, sempre lhes confere um sentido rigorosamente técnico. Essas propriedades confirmam, na verdade, os dois princípios da hermenêutica dogmática: o da inegabilidade dos pontos de partida (deve haver um sentido básico) e o da proibição do non liquet (não deve haver conflito sem decisão). (…) omississ (…) Assim, a atividade de interpretação, desenvolvida pela dogmática jurídica, envolve uma conceptualização ideal do legislador, cuja figura na forma do “legislador racional”, muito mais do que uma imagem retórica empregada na argumentação jurídica, constitui a base (racional) para a fundamentação metodológica da atividade de interpretação jurídica.” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação, 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2003, em particular, Capítulo 5, item 5.1.5.2.)   “Tais inferências são construtivas de premissas interpretativas, na medida em que a interpretação é um processo de eliminação de possíveis atribuições de sentido. Assim, por exemplo, se o legislador não cria normas que não podem ser executadas, uma atribuição de sentido para uma norma que contrarie o sentido admitido para outra deve ser preterido, pois imputaria uma inconsistência ao legislador racional. Ou ainda, se o legislador usa dois termos distintos em uma regulação, por exemplo, “receita” e “faturamento” (CF, art. 195, I, b), então esses devem ter sentidos distintos, pois o legislador é preciso, caso contrário, teria usado o mesmo termo. Outro exemplo. Se o legislador define um termo em um dispositivo de lei, é esse o sentido que deve ser tomado quando o termo é empregado em outras normas, pois o legislador não pode ser tomado como ambíguo.” (FERRAZ JR., Tercio Sampaio; e MARANHÃO, Juliano Souza de Albuquerque. Parecer sobre a legislação do Programa minha casa, minha vida, consulta feita pela Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo em 2009.)   Nesse sentido, do legislador usar dois termos distintos numa mesma legislação, abundam exemplos em que os institutos da incorporação e da permanência são citados nos mesmos dispositivos legais, explicitando o fato de que não podem ser confundidos como se expressões sinônimas fossem, pois o legislador é preciso:   DECRETO Nº 46.861, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2005 (…) Art. 17 Aos servidores que, até 10 de agosto de 2005, tenham implementado as condições estabelecidas na legislação então vigente para incorporação ou permanência (…) Art. 18  A partir de 11 de agosto de 2005, os servidores que não implementarem as condições estabelecidas na legislação específica para incorporação ou permanência (…)   DECRETO Nº 46.860, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2005 (…) Art. 3º A base de contribuição referida no artigo 2º deste decreto corresponde ao total dos subsídios e vencimentos do servidor, compreendendo o vencimento do cargo, acrescido das vantagens pecuniárias que a ele se integram, nos termos da lei ou de outros atos concessivos, bem como os adicionais de caráter individual e quaisquer outras vantagens, excluindo-se: (…) I – as vantagens tornadas permanentes ou que sejam passíveis de se tornarem permanentes e as vantagens incorporadas ou que sejam passíveis de incorporação, todas na atividade; (…) III – as vantagens cuja incorporação ou permanência tenha sido assegurada nos termos do artigo 17 do Decreto nº 46.861, de 27 de dezembro de 2005, enquanto forem ou quando voltarem a ser percebidas na atividade, na forma da lei. § 2º As vantagens de que tratam os incisos VI e VII do “caput” deste artigo que não sejam passíveis de se tornarem permanentes ou de serem incorporadas na atividade, na forma da legislação específica, previstas na Tabela “A” do Anexo I deste decreto, integrarão, automaticamente, a base de contribuição, garantido ao servidor o direito de opção por sua exclusão, exceto na hipótese do artigo 17 do Decreto nº 46.861, de 27 de dezembro de 2005.   LEI Nº 13.637 DE 04 DE SETEMBRO DE 2003 (…) Art. 6º Os Gabinetes dos Vereadores compõem-se de cargos de direção, chefia e assessoramento. (Redação dada pela Lei nº 16.671/2017)  (…) omississ (…) (…) Art. 15 – Ficam instituídas, para os cargos efetivos do Quadro do Pessoal do Legislativo, as Escalas de Vencimentos Básicos, componentes da Tabela A1 constante do Anexo IV integrante desta lei.   Recentemente, outro fato evidenciou a diferenciação dos institutos da incorporação e da permanência foi a tramitação do Projeto de Lei Complementar n° 149/2019, que “estabelece auxílio financeiro da União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para mitigar os efeitos da pandemia da Covid-19; dispõe sobre a aplicação da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000; e dá outras providências.”   No Senado Federal, esse PLP recebeu, em 30/04/2020[vi], preliminarmente, relatório com substitutivo do Senador Davi Alcolumbre, no qual houve algumas alterações no texto aprovado na Câmara dos Deputados, dentre as quais estava a inclusão do seguinte inciso IX , art.[vii]8º:   “Art. 8º[viii]Na hipótese de que trata o art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia do Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de: (…) omissis (…) IX – contar esse tempo como de período aquisitivo necessário para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio, promoções, progressões, incorporações, permanências e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço; (…) omississ (…)”   Nota-se que, no inciso IX do artigo, elencam-se institutos jurídicos distintos, embora muitas vezes com pontos em comum, como promoções e progressões, que se trata de evolução de carreira, mas que têm distinções no âmbito do direito administrativo. Assim como os anuênios, triênios e quinquênios, que, embora sejam gratificações temporais, são institutos distintos quanto à sua aplicabilidade. Da mesma forma, ocorre com a incorporação e permanência. Embora tenham pontos em comum – ambos proporcionam a integração das vantagens à remuneração do funcionário –, são institutos distintos quanto à sua aplicabilidade.                                               Conforme já posto acima, na incorporação, ocorre a absorção de vantagem para fins de cálculos de outras. Na permanência, por sua vez, apenas fica assegurada a continuidade no recebimento da vantagem, em homenagem ao Princípio Constitucional da Estabilidade Financeira, que garante ao servidor, após certo tempo de exercício de cargo em comissão, função de confiança ou assemelhado, a continuidade da percepção da diferença entre os vencimentos desse cargo ou função e o do seu cargo efetivo.   Importante, outrossim, destacar que, embora não haja direito adquirido a regime jurídico, ou seja, ser viável a alteração da composição da remuneração dos servidores públicos, o Supremo Tribunal Federal, no sopesamento das cláusulas constitucionais, decidiu, no leading case R.E. 563.708/MS, com repercussão geral, que, pelo princípio da irredutibilidade dos vencimentos, fica preservado o quantum da remuneração: Recurso Extraordinário n. 563708/MS “Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos artigos 5º, XXXVI; e 37, XIV, da Constituição Federal, e 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, se servidor público, admitido antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, a qual suprimiu a expressão “sob o mesmo título ou idêntico fundamento” do art. 37, XIV, da Constituição Federal, tem, ou não, direito adquirido ao adicional por tempo de serviço calculado de acordo com a redação original do referido dispositivo constitucional. Tese: I – O art. 37, XIV, da Constituição Federal, na redação dada pela Emenda Constitucional 19/98, é autoaplicável; II – Não há direito adquirido a regime jurídico, notadamente à forma de composição da remuneração de servidores públicos, observada a garantia da irredutibilidade de vencimentos.”   A própria alteração feita pela Emenda Constitucional nº 103,  (Reforma da Previdência), está alinhada ao entendimento do leading case R.E. 563.708/MS, ao consagrá-lo em seu artigo 13:   Art. 13. Não se aplica o disposto no § 9º do art. 39 da Constituição Federal a parcelas remuneratórias decorrentes de incorporação de vantagens de caráter temporário ou vinculadas ao exercício de função de confiança ou de cargo em comissão efetivada até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional.   Considerações Finais Após toda análise deste artigo, fica evidente de que existem espécies distintas de institutos jurídicos quanto ao gênero de garantia esculpida no Princípio Constitucional da Estabilidade Financeira, e que pela boa hermenêutica jurídica normas de restrição de direitos não se interpreta de maneira extensiva, logo não cabe o interprete ir além do que o constitucionalista derivado legislou que no caso foi a vedação do Instituto Jurídico da Incorporação em algumas situações, vantagens, que o próprio legislador listou no art. 39, § 9º da CF.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/distincoes-entre-os-institutos-juridicos-da-incorporacao-e-permanencia-efeitos-da-emenda-constitucional-103-2019/
A limitação da taxa de juros do cartão de crédito e do cheque especial e a capacidade normativa de conjuntura do Conselho Monetário Nacional
A ordem constitucional, em situação de normalidade, não admite como política pública regular o controle prévio de preços e, por conseguinte, a limitação da taxa dos juros em qualquer modalidade de crédito. Contudo, como forma de disciplina do mercado, mister reconhecer como legítima a regulação dos preços quando excepcional, temporária, razoável e capaz de propiciar o retorno dos custos, o lucro mínimo e os reinvestimentos necessários. Desse modo, constitucional a limitação da taxa de juros no cheque especial cobrada de pessoas físicas e microempreendedores promovida pela Resolução CMN 4.765, de 2019, pois assegura a proteção à dignidade do consumidor e a função social do cheque especial. A cobrança desproporcional de juros em modalidades de crédito poderia ser melhor solucionada no âmbito da chamada capacidade normativa de conjuntura do CMN, mormente em virtude da eficiência, da menor onerosidade e da capacidade institucional, e desde que asseguradas a racionalidade das escolhas regulatórias, a abertura aos diversos interesses envolvidos e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação.
Direito Administrativo
Introdução Bauman, ao analisar a cultura pós-moderna, identifica a escolha como atributo inerente ao consumidor e a natureza da comunidade como a liberdade de escolhas. A realização da escolha, porém, dará ensejo ao seu próprio aniquilamento, ao passo que a liberdade de escolhas sempre residirá na multiplicidade das possibilidades. Assim, “o ímpeto de consumo, exatamente como impulso de liberdade, torna a própria satisfação impossível” (BAUMAN, 1998, p. 175), residindo aí a perpétua insatisfação do desejo de mais ampla escolha dos consumidores. Os “consumidores falhos”, isto é, aqueles cujos meios (limitados) não estão à altura dos desejos (ilimitados) passam a ser a “encarnação dos ‘demônios interiores’ peculiares à vida do consumidor” (BAUMAN, 1998, p. 57), sendo definidos como os estranhos merecedores de aniquilação numa sociedade de consumo. Impõe-se, assim, uma “vida a crédito” como salvação, inevitavelmente transformando o consumidor em um devedor para que tenha o acesso desmedido a bens e serviços e, por conseguinte, para a permanência funcional na sociedade (isto é, para o consumo). Tal circunstância, obviamente, acaba por agravar a fragilidade da condição financeira do consumidor. A propósito, o Banco Central do Brasil (BCB), ao analisar os indicadores de endividamento de risco e o perfil do tomador de crédito[1], constatou que, em dezembro de 2019, cerca de 80% dos tomadores de risco se encontram nas faixas intermediárias de renda, de R$1 mil a R$10 mil, sugerindo que a propensão ao endividamento insustentável seja um fenômeno de renda média, isto é, de pessoas com alguma capacidade de consumo (ainda que em menor escala). O BCB também identificou, em junho de 2020, que o saldo do crédito livre a pessoas físicas totalizou R$1,1 trilhão, elevações de 0,6% no mês e de 8,9% em doze meses, sobressaindo o cartão de crédito e o empréstimo consignado[2], o que revela não só a ampliação do crédito, mas também a reverberação sistêmica do problema. Nesse cenário, muito se discute sobre a limitação da taxa dos juros exigidos em modalidades populares de crédito, instrumentos responsáveis, em grande medida, pelo endividamento desproporcional da classe baixa e média. O presente trabalho, assim, busca examinar a legitimidade jurídico-constitucional da intervenção estatal na limitação da taxa de juros no cheque especial e no cartão de crédito, em especial da Resolução CMN 4.765, de 27 de novembro de 2019, e do Projeto de Lei (PL) 1.160, de 2020. Em um primeiro momento, serão apresentados os aspectos gerais relativos ao controle estatal de preços, apontando-se a essencialidade do preço (no caso, dos juros) à racionalidade e ao funcionamento hígido do mercado (no caso, do mercado financeiro) e a necessidade de uma postura cautelosa por parte do regulador, sobretudo em face das experiências ocorridas em período de hiperinflação. No tópico seguinte, examinar-se-á a constitucionalidade do controle estatal de preços. Pretende-se demonstrar que, além da necessidade de atender aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem constitucional econômica (art. 170 da CRFB) e de observar o postulado da proporcionalidade, a regulação estatal dos preços deve ser excepcional, temporária, razoável e propiciar o retorno dos custos, o lucro mínimo e os reinvestimentos necessários para assegurar a manutenção do produto ou serviço. Em seguida, passa-se ao exame do tratamento do tema dado pelos tribunais superiores em casos paradigmáticos e da exegese positivada pelo legislador na chamada Lei de Liberdade Econômica, confirmando-se o entendimento no sentido de que, adotado um mecanismo disciplinador do mercado (e não diretivo), o controle prévio de preços deve ser adotado de maneira excepcional. Constata-se, posteriormente, que a jurisprudência não trouxe qualquer tese jurídica acerca da constitucionalidade da limitação da taxa de juros sob a perspectiva material, simplesmente afastando a incidência da Lei da Usura e dos arts. 591 e 406 do Código Civil nos empréstimos oferecidos pelas instituições financeiras por força da necessidade de aprovação de lei complementar sobre o tema, nos termos do art. 192 da CRFB. A despeito disso, aponta-se como mais acertada a postura intermediária quanto ao controle de preços, impondo-se a verificação da excepcionalidade, da temporalidade e da proporcionalidade da fixação das taxas máximas nos cartões de crédito e no cheque especial, especialmente diante da regra geral de liberdade de preços em atividades do setor financeiro. Defende-se, destarte, a legitimidade da Resolução CMN 4.765, de 2019, a qual encontraria amparo constitucional, em última instância, na dignidade da pessoa humana, na função social do contrato e na proteção ao consumidor, conforme os arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, da Carta Maior. Ao revés, reputa-se como desaconselhável a aprovação de um diploma legal acerca do tema, por ser estático e abstrato em sua natureza, muitas vezes incapaz de trazer em seu bojo todas as peculiaridades presentes na concessão de crédito e necessárias para a limitação da taxa de juros. Propugna-se que o problema relativo à exorbitância dos juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito seriam melhor solucionados no âmbito da chamada capacidade normativa de conjuntura do Conselho Monetário Nacional (CMN), nos termos do 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, seja em razão da eficiência de resposta e da menor onerosidade, seja em razão da melhor posição técnica sob o ponto de vista institucional. Contudo, a tese defendida no trabalho não implicará em decréscimo da legitimidade democrática da escolha regulatória, desde que asseguradas a racionalidade das escolhas regulatórias, a abertura aos diversos interesses envolvidos e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação.   O preço serve como mecanismo de transmissão de informação que permite, ainda que de forma imperfeita, a apreciação da realidade por parte dos agentes econômicos, a fim de conduzir seu comportamento racionalmente (HAYEK, 1945, p. 519-530). Nesse sentido, o sistema de preços não só tornaria possível uma divisão do trabalho, mas também uma utilização coordenada dos recursos com base em um conhecimento igualmente dividido. Assim, por ser o preço elemento essencial à racionalidade e ao funcionamento hígido do mercado, a sua regulação deve ser tomada com muita prudência e cautela, segundo critérios econômicos isentos, objetivos e claros, levando em conta os custos e os benefícios prováveis, além de seus efeitos colaterais, havendo sempre o risco de populismo regulatório, consistente em medidas que atendem ao clamor popular imediato, mas produzem consequências desastrosas em médio e longo prazos (BINENBOJM, 2017, p. 190-192). Eros Roberto Grau (1979, p. 139-176), de maneira analítica, traça um quadro geral da utilização de instrumentos de Direito Econômico na tarefa de ordenação jurídica dos preços. Assim, tais mecanismos podem visar a tutela do consumo, a tutela do investimento ou a tutela da poupança conforme o caso, desempenhando a Administração funções de arbitragem entre valores que se colocam em oposição nos mercados e funções de integração entre setores e regiões, mediante técnicas de absorção, de participação, de direção e de indução. Para o insigne jurista, o tabelamento de preços, ao fixar preços máximos aos produtos e serviços, volta-se à tutela do consumo, atuando o Poder Público como árbitro entre o produtor/fornecedor, intermediário e consumidor, mediante técnicas de direção. Por outro lado, o sistema de acompanhamento e limitação de preços, que não se confunde com o tabelamento, nada mais é do que a mera regulação, em coerência com uma política econômica, de modo a compatibilizar as variações dos custos e a evolução dos preços, tutelando-se, assim, o consumo e/ou o investimento, também mediante técnicas de direção. Outrossim, há a possibilidade de concessão de subsídios de preços mínimos ao produtor como forma de tutela ao investimento, a exemplo da Política de Garantia de Preços Mínimos no setor rural[3], e de subsídios de preços mínimos ao mercado como forma de proteção ao investimento e ao consumo, ao facilitar a aquisição de insumos e possibilitar a concessão de preços acessíveis à população. O controle de preços, segundo Eros Grau (1979, p. 144), também pode ocorrer por meio de incentivos setoriais, aquisição de excedentes, proibição de plantio, comercialização pública, oneração tributária, definição de condições para a aquisição de determinados bens e serviços, entre outros. Ainda quanto às técnicas de controle de preço, a regulação de preço mínimo (price floor) revela-se pertinente quando se pretende inibir a concorrência predatória, ao passo que a fixação de preço máximo (price cap) tem por objetivo afastar lucros abusivos decorrentes de posições dominantes, administrar monopólios naturais (a exemplo das patentes de medicamentos) e permitir o acesso da população de baixa a bens e serviços essenciais. Há ainda a possibilidade de se estabelecer preço que permita uma taxa de retorno adequado (rate of return), garantindo ainda o suficiente para novos investimentos na modalidade de subsídio cruzado que assegure a universalização do serviço, tal como se verifica na fixação de valor modal de passagem em transporte urbano, que permite maior oferta em áreas deficitárias (BINENBOJM, 2017, p. 190). Apesar das repercussões no âmbito da política monetária (a taxa de juros possui alguma relação com a oferta e a procura de moeda) e das discussões éticas acerca da sua cobrança (JANTALIA, 2011), as taxas de juros – ao menos sob o ponto de vista das partes contratantes – podem ser sintetizadas como um preço a ser pago pelo tomador do empréstimo em virtude da disponibilização atual de determinado valor. É o preço do crédito e da liquidez. Por consequência, fazendo parte do gênero “controle de preços”, a instituição de taxas de máximas de juros aos serviços de empréstimos em cartões de crédito e em cheque especial (price cap), evidentemente, não se confunde com o tabelamento de preços, já que permite a variação dos preços desde que em valor inferior ao teto estipulado. Vê-se, portanto, que a medida em questão faz parte de um sistema de acompanhamento e limitação de preços do mercado creditício, com vistas à proteção ao consumidor. Conquanto a contemporaneidade das discussões, o controle estatal de preços não é um fenômeno recente na história[4] e no Brasil. No período de transição para a redemocratização do Brasil, um dos principais elementos do Plano Cruzado para o combate à hiperinflação foi o congelamento (tabelamento oficial) de todos os preços (ressalvados os preços a prazo) nos níveis do dia 27 de fevereiro de 1986, nos termos do art. 35 e seguintes do Decreto-Lei 2.284, de 10 de março de 1986[5], conferindo-se à Secretaria Especial de Abastecimento e Preços, ao Conselho Interministerial de Preços, à Superintendência Nacional de Abastecimento e a outras entidades dotadas de poder de polícia administrativa e polícia judiciária[6] o “dever-poder” de vigilância sobre a estabilidade de todos os preços. De forma similar, o Plano Bresser, introduzido pelo Decreto-Lei 2.335, de 12 de junho de 1987[7]; o Plano Verão, previsto na Lei 7.730, de 31 de janeiro de 1989[8]; o Plano Collor I, instituído pela MP 154, de 15 de março de 1990, convertida na Lei 8.030, de 12 de abril de 1990[9]; e o Plano Collor II, instituído pela MP 295, de 31 de janeiro de 1991, convertida na Lei 8.178, de 1º de março de 1991[10], também impuseram o congelamento de preços como ferramenta para o enfrentamento da hiperinflação. Gustavo Franco (2018, p. 506), economista e ex-presidente do BCB, sublinha o fim trágico e decepcionante dos mencionados planos econômicos, em virtude da centralidade do congelamento de preços, o que ampliou a inflação do período, tal como ocorre com a compressão temporária de uma mola que, quando liberada, devolve com sobras a pressão artificiosa a que esteve submetida. Não obstante o abandono das práticas generalizadas de controle de preços do passado brasileiro de hiperinflação, comumente defende-se caber ao Estado a determinação de preços a setores específicos ou mesmo tabelamentos gerais, sob o argumento de se estar a proteger o consumidor e outros interesses caros à sociedade, verificando-se grande apoio popular às medidas dessa estirpe. Contudo, como adverte Gustavo Binenbojm, “arbitrar preços não é tarefa trivial, traz consequências sérias e a experiência prática mostra que a interferência estatal nos mecanismos econômicos de formação de preços não gera bons resultados, na maioria dos casos” (BINENBOJM, 2017, p. 190).   Na vigência da Constituição de 1946, Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, em parecer, manifestou-se de maneira favorável ao tabelamento de preços, possuindo o Direito Administrativo elementos jurídicos para tabelar e deter a alta dos preços de itens de primeira necessidade, por intermédio da ação das Comissões de Preços, “em defesa da segurança interna e da ordem social contra os abusos e as aventuras contra a ganância e da falta de escrúpulo” (SOBRINHO, 1951, p. 340). Nesse ponto, Sobrinho argumenta (1) não ser o direito de comércio ilimitado; (2) o limite e o conteúdo da liberdade de comércio já estarem disciplinados na tradição constitucional; (3) ser crime contra a economia popular a promoção da alta ou baixa de preços de itens de primeira necessidade; (4) prevalecer, face às competências exclusivas e à esfera jurisdicional, a atividade normativa de controle do movimento do comércio ilícito (SOBRINHO, 1951, p. 339-340). Nos primeiros anos da Constituição Federal de 1988, Fábio Konder Comparato (1991, p. 19) também posicionou-se no sentido de que o controle de preços, seja pelo estabelecimento de preços mínimos, seja pela fixação de preços máximos, não evidencia, ao menos em tese, vício material de inconstitucionalidade, desde que observada a legalidade, a igualdade e a proporcionalidade. Para o jurista, o estabelecimento de valores mínimos aos preços objetiva a tutela do produtor, estimulando a atividade econômica em épocas recessivas, ao passo que a fixação de quantias máximas protege o consumidor contra surtos inflacionários. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1996, p. 135-144), em contrapartida, considerou o controle de preço como prática nefasta, ressaltando que quaisquer justificativas para referido mecanismo de intervenção estatal serão fundadas, de maneira implícita ou explícita, em critérios emocionais e arbitrários, despidos de validações empíricas satisfatórias para convencer agentes econômicos acostumados a atuar num universo altamente competitivo. O ilustre jurista, de forma cristalina, repudia o controle de preços, reconhecendo a inexistência de fundamento constitucional consciente à intervenção extrema do tabelamento de preços. Em verdade, o que a Constituição autoriza é a intervenção em caráter sancionatório no âmbito da legislação antitruste, e não regulatório, como forma de coibir o aumento arbitrário dos lucros, casuisticamente. Assim, o que se permite é o monitoramento de preços por parte do setor público, atividade distinta e indispensável para detectar quando a elevação de preços no mercado possa indicar um aumento arbitrário de lucros e problemas na concorrência. Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 228-229), constatando certa hesitação judicial em examinar a legitimidade do tabelamento de preços, adjetiva tal medida como drástica, tendo em vista os princípios ordenadores da economia na Constituição de 1988. Assim, o tabelamento de preços ocorre somente em tipos de economia centralizada, com planos inflexíveis, os quais não observam os elementos do livre mercado. Celso Antônio Bandeira de Mello também defendeu a não recepção do tabelamento de preços da Lei Delegada 4, de 1962 (hoje revogada pela Lei da Liberdade Econômica), e suas alterações subsequentes, pois, se o próprio planejamento econômico só pode ser indicativo para o setor privado, e se ela mesma estabelece o princípio da livre iniciativa, “não se pode admitir que antecipadamente pretenda submeter os agentes econômicos a uma camisa-de-força, tanto mais porque, para os abusos que cometam, ela mesma prevê ‘repressão’ (e não disciplina prévia de preços)” (MELLO, 2006, p. 776), conforme art. 173, § 4º, da CRFB. No concernente ao controle de preços exercido no Plano Verão, Tércio Sampaio Ferraz Júnior (1989, p. 76-89), após sublinhar a evidente exclusão da rigidez do dirigismo econômico pela Constituição de 1988, vê como inadmissível a fixação a priori de preços, presente na vigência de diplomas normativos anteriores, devendo o congelamento e o tabelamento serem vistos como instrumentos de defesa da concorrência e do consumidor. Assim, o jurista entende que o congelamento de preços consiste em excepcional medida de intervenção estatal, fundada no art. 170, IV e V, da Carta Maior, “que visa adequar o sistema da ordem econômica (cujos fundamentos estão na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano) aos princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, quando ocorram desvios graves de funcionamento” (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 81), tal como a hiperinflação do período. Na atual ordem constitucional, a medida deve possuir caráter transitório e compulsório, de modo a “propiciar uma transparência do mercado para o próprio mercado, estimular ajustes entre seus próprios agentes, cuja participação não pode excluir, sendo acompanhada de instrumentos de fiscalização nos termos em que a Constituição entende essa função” (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 81). De acordo com Tércio Sampaio Ferraz Júnior, a indeterminação temporal do congelamento de preços e as competências conferidas ao Ministro da Fazenda denotam a duvidosa constitucionalidade da Lei 7.730, de 1989, uma vez que “geram, de um lado, uma insuportável incerteza e segurança no comportamento dos agentes econômicos, de outro, criam uma discricionariedade sem parâmetros, posto que cabe ao Ministro o juízo total de oportunidade” (FERRAZ JÚNIOR, 1989, p. 81). Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (2001, p. 187-212), em primoroso artigo, afirmou que, em situação de normalidade, independentemente dos fundamentos teoricamente admissíveis para a intervenção disciplinadora, o controle prévio ou a fixação de preços privados pelo Estado configura inconstitucionalidade material patente. Para ele, a Constituição de 1988 não admite como política pública regular o controle prévio de preços. Dessa forma, além da necessidade de atender aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem econômica, previstos no art. 170 da Constituição, e de observar o postulado da proporcionalidade, a regulação dos preços deve ser excepcional, temporária, razoável e propiciar o retorno dos custos (evitando o confisco), o lucro mínimo (para tornar a atividade minimamente atrativa) e os reinvestimentos necessários (para assegurar a manutenção do produto ou serviço).   Em relação à regulação de preços máximos, o STF, na ADI 319-DF, decidiu ser possível regular, por via legislativa, a politica de preços de bens e de serviços de reajuste de mensalidades escolares, para conciliar a livre iniciativa e a livre concorrência com a defesa do consumidor e a redução das desigualdades sociais, em conformidade com os ditames da justiça social. Nas ADIs 5956, 5959 e 5964, todas sob a relatoria do Min. Luiz Fux, buscou-se questionar judicialmente a fixação de preços mínimos para o frete do transporte rodoviário, pleiteando-se a declaração da inconstitucionalidade da MP 832, de 2018, convertida na Lei 13.703, de 2018, e, por arrastamento, a inconstitucionalidade da Resolução ANTT 5.820, de 2018. Tendo em vista diversas decisões judiciais[11] no sentido de afastar a aplicação da MP 832, de 2018, e da Resolução ANTT 5.820, de 2018, deferiu-se a suspensão do andamento de todos os processos que apresentassem relação com a discussão acerca da (in)constitucionalidade do estabelecimento de preços mínimos vinculantes para o frete, restabelecendo-se o poder punitivo da agência reguladora relativo ao controle de preços, a fim de buscar solução amigável no caso. Em sede liminar na ADI 2435-RJ, a Min. Ellen Gracie, apontando a competência concorrente para legislar sobre direito econômico, indeferiu pedido de suspensão de lei estadual que determinava a concessão de descontos em medicamentos a idosos, reconhecendo a constitucionalidade da intervenção estatal no controle de preços. Todavia, nos últimos anos, é possível constatar uma tendência da Corte Constitucional em reconhecer a inconstitucionalidade na fixação de preços de maneira irrestrita, mormente quando estipulados em valor insuficiente para suprir os custos de produção de determinado setor, inclusive apontando a presença dos elementos para a responsabilização da Administração Pública nesses casos. No RE 422.941 (Rel. Min. Carlos Velloso, j. 5-12-2005, 2ª T, DJ de 24-3-2006) e no AI 754.769 AgR (Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 18-9-2012, 2ª T, DJE de 4-10-2012), ficou claro o entendimento de que a fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor configura empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre iniciativa, o que autoriza a obrigação de indenizar as entidades do setor sucroalcooleiro na forma do art. 37, § 6º, da CRFB[12]. O STJ, inclusive, decidiu no mesmo sentido em sede de recurso repetitivo, reconhecendo a responsabilidade da União se comprovado o descompasso entre os prejuízos decorrentes da fixação de preços pelo governo federal para o setor sucroalcooleiro e os custos de produção (REsp 1.347.136/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, 1ª Seção, DJe 07-03-2014). No RE 571.969 (Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 12-3-2014, Pleno, DJE de 17-9-2014), relativo ao congelamento de tarifas cobradas por concessionárias de serviço de transporte aéreo implementado por planos de combate à inflação (caso Varig), decidiu no sentido da responsabilidade da União. Embora não tenha definido a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das referidas medidas econômicas, o STF reiterou não ser legítimo sujeitar agentes econômicos a específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes de políticas adotadas, sem atrair contrapartida indenizatória como forma de minimizar os prejuízos sofridos. Na ADI 4862-PR, o Ministro Luís Roberto Barroso, ao analisar lei estadual que regulava a cobrança pelos serviços de guarda de veículos em estacionamentos particulares, ultrapassou as questões relativas ao vício formal orgânico (competência da União para legislar sobre direito civil), obtemperando, entretanto, ter dúvidas quanto ao aspecto material do diploma legal. Disse o Ministro que, “como regra geral, a intervenção do Estado na fixação de preços exclusivamente privados é uma categoria por si suspeita dentro de um regime de livre iniciativa”. Somente por exceção, em alguns segmentos, pode-se, com razoabilidade, admitir essa interferência, não sendo o serviço de guarda de veículos uma dessas áreas em que a intervenção do Estado na fixação de preços se legitimasse. No RE 1.054.110-SP (Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/2019, DJe-194 06/09/2019), o STF definiu a inconstitucionalidade da proibição ou das restrições à atividade de transporte privado individual por motorista cadastrado em aplicativo, por violação aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. No julgamento, pontuou-se a ineficiência do sistema de autorização a que estão submetidos os táxis, sobretudo pela existência de um controle de preço e a cobrança de um preço único por todos os agentes econômicos, o que não ocorre nos transportes por aplicativos. Logo, reconheceu como inconstitucionais iniciativas legislativas de entes federativos que, em dissonância com a legislação federal e com vistas à preservação do status quo, buscavam criar barreiras de entrada e controle de preços. Em acréscimo, o art. 3°, III e § 3º , da Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019[13] (Lei da Liberdade Econômica), promoveu a positivação infraconstitucional da liberdade de precificação como regra, ressalvando os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito reguladas. Conforme salienta Yasser Gabriel (2020, p. 290-295), o dispositivo em tela acabou por aumentar o ônus argumentativo nas situações em que houver intervenção estatal em oposição à livre estipulação de preços, exigindo a apresentação de argumentos técnicos e jurídicos mais robustos. Para Ruy Pereira Camilo Júnior (2019, p. 111-124), a Lei da Liberdade Econômica assegura a liberdade de preços aos tomadores (price-takers), e não àqueles que, por seu poder de mercado, são capazes de impor sua vontade. E, por ser derivado da livre iniciativa, o art. 3°, III, não se limita à fixação de um valor pecuniário, abrangendo também (1) a eleição de um critério objetivo para a determinação do valor; (2) o estabelecimento de contrapartida economicamente avaliável (permuta ou dação em pagamento); e (3) todos os elementos que tenham impacto na equação econômica (parcelamento, prazos, condições, entre outros). Da mesma forma, a ressalva relativa aos mercados regulados, isto é, aos mercados que possuem uma matriz regulatória específica, a exemplo da atividade financeira, deve ser interpretada restritivamente, impondo-se a liberdade de precificação como regra geral. Inclusive, conforme será exposto a seguir, a imperfeição concorrencial e a elasticidade-preço da demanda justificaram a aprovação da Resolução CMN 4.765, de 2019, em proteção aos consumidores (price-takers) no cheque especial.   Ao tratarem do controle de preços, Tércio Sampaio (1989, p. 83) e Barroso (2001, p. 203) salientaram que o dirigismo econômico, característico de ordenamentos coletivistas em que se adota a planificação centralizada e cogente pelo Estado, não se confunde com a disciplina do mercado, presente em ordenamentos em que prepondera a livre iniciativa e a importância da preservação da concorrência como mecanismo eficaz para a produção de riquezas. O controle prévio de preços é um típico instrumento do dirigismo, este abandonado integralmente pela ordem constitucional vigente, de modo que a sua instituição como regra geral é inconstitucional, mesmo diante das limitações à liberdade de contratar em prol de outros valores constitucionais, a exemplo da concorrência, da valorização do trabalho humano e dos princípios da ordem econômica. Vê-se, portanto, que o controle prévio de preços será legítimo tão somente como medida excepcional em situações de anormalidade, devendo estar limitado no tempo e observar a razoabilidade, não podendo em nenhuma hipótese impor preço inferior aos custos de produção, acrescido de lucros mínimos capazes de assegurar o reinvestimento e a lucratividade (BARROSO, 2001, p. 209). Em relação à limitação da taxa de juros, não se verifica um posicionamento claro das Cortes Superiores sobre o aspecto constitucional-material da liberdade de precificação. Antes da Emenda Constitucional (EC) 40, de 29 de maio de 2003, dispunha o art. 192, § 3°, da CRFB que “[a]s taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano”. Porém, firmou-se no STF o entendimento de que referido dispositivo consiste em norma constitucional não autoaplicável, dependendo da elaboração de lei complementar para ter eficácia (ADI 4, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 07/03/1991, DJ 25/06/1993). Posteriormente, o Pretório Excelso chegou a aprovar, no dia 11 de junho de 2008, a Súmula Vinculante 7, esclarecendo que “[a] norma do §3° do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional n. 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”. Em razão da solução constitucional-formal, o STJ, em sede de recurso repetitivo, concluiu pelo afastamento das instituições financeiras da limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626, de 1933) e pela inaplicabilidade dos arts. 591 e 406 do Código Civil aos mútuos bancários, de sorte que a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indicaria abusividade da cláusula, devendo ser analisada com base nos elementos concretos do próprio contrato estabelecido com o consumidor (REsp 1.061.530-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009). Em que pese as justificativas se aterem ao aspecto formal-constitucional, vislumbra-se como mais acertada a postura intermediária quanto ao controle de preços, tal como defendem Tércio Sampaio e Luís Roberto Barroso, o que impõe a verificação da excepcionalidade, da temporalidade e da proporcionalidade da fixação das taxas máximas nos cartões de crédito e no cheque especial, especialmente diante da regra geral de liberdade de preços em atividades do setor financeiro, conforme inteligência do art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964[14], e do art. 3°, III, da Lei da Liberdade Econômica. Assim, conquanto a atividade financeira seja atividade econômica em sentido estrito, não se pode negar que as contratações das instituições financeiras dar-se-ão dentro dos limites impostos pelo ordenamento jurídico, o que ressalta a existência de limitações à autonomia privada, embasadas materialmente nos arts. 1°, III e IV (dignidade da pessoa humana e valorização social do trabalho); 3°, I (construção de uma sociedade livre, justa e solidária); 170, caput e incisos III, V e VII (valorização do trabalho humano, função social da propriedade, defesa do consumidor e redução de desigualdades regionais e sociais); e 173, § 4° (repressão ao abuso do poder econômico), todos da CRFB (NOBRE JÚNIOR, 2001, p. 285-299). Nesse contexto, o CMN, sensível à aquisição de crédito de maneira não sustentável, sobremaneira por consumidores de menor renda, aprovou a Resolução CMN 4.765, de 2019, determinando, no art. 3°, a limitação da taxa de juros a 8% ao mês na modalidade de cheque especial ofertado a pessoas físicas e microempreendedores individuais (MEI), facultando a cobrança cumulativa da tarifa de 0,25% do valor disponibilizado no cheque especial que sobejar R$ 500,00 (quinhentos reais). Em seu voto, o Diretor de Regulação do BCB ressaltou que as medidas já adotadas, “balanceando a liberdade econômica vis-à-vis a publicização das relações”, não lograram êxito em reduzir as taxas de juros cobradas no cheque especial a patamares satisfatórios. Assim, foi proposta a imposição de limite para as taxas de juros cobradas no cheque especial, facultando às instituições financeiras a cobrança de tarifa pela disponibilização da linha de crédito. Afinal, enquanto a limitação da taxa de juros almeja “corrigir falhas de mercado no produto cheque especial e para a redução do endividamento das famílias”, a tarifa terá por foco a eficiência na concessão de limite e a utilização racional do cheque especial[15]. Foram constatados, nos estudos desenvolvidos pela autoridade monetária, o poder de mercado dos ofertantes e a inelasticidade da demanda (insensibilidade do consumidor à taxa de juros cobradas no cheque especial). Assim, o uso recorrente desta espécie de instrumento de crédito, aliado à concorrência imperfeita do mercado bancário, acaba por trazer graves prejuízos aos consumidores, em especial àqueles de baixa renda. No fundo, é um elemento do que se convencionou denominar “superendividamento”, isto é, o fenômeno econômico-social, típico de uma sociedade de consumo, em que o consumidor se coloca comprometido por diversas dívidas, de sorte a ser incapaz de quitar suas obrigações sem comprometer o mínimo existencial necessário ao seu sustento e ao de sua família (MARTINS et al., 2017, p. 117). É certo que o Constituinte, ao optar por uma postura disciplinadora do mercado, e não dirigente, não aceita como política corriqueira o controle prévio de preços. Porém, a regulação dos preços é constitucional em situações de excepcional anormalidade econômica, desde que atenda aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem econômica, previstos no art. 170 da Constituição; observe o postulado da proporcionalidade; seja temporária; e propicie o retorno dos custos de manutenção (evitando a perda indevida da propriedade), o lucro mínimo (para tornar a atividade minimamente atrativa para a oferta) e os reinvestimentos necessários (para assegurar a preservação da qualidade do serviço). Esse é o sentido a ser dado à expressão “sempre que necessário”, prevista no art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964. Assim, deve ser enfrentado o problema existencial[16] causado pelas distorções da cobrança de juros no cheque especial e, em alguma medida, pelo próprio “superendividamento”, de tal sorte a ser imperioso o reconhecimento da legitimidade dos atos normativos do CMN, por sua excepcionalidade e por sua proporcionalidade. Aliás, conforme ensina Egon Bockmann Moreira, a intervenção estatal é funcionalizada pela dignidade da pessoa humana, não podendo o Estado intervir “instruído apenas por uma concepção pró-mercado e pró-concorrência, instruída e desenvolvida com lastro exclusivo na racionalidade de teorias e leis econômicas” (MOREIRA, 2004, p. 89). Nesse ponto, destaca-se o fato de que o crédito representa para o consumidor uma medida de inclusão social, de investimento em pequenas atividades empresariais (microcrédito), de organização financeira familiar e de acesso a bens capazes de trazer qualidade de vida, podendo até mesmo combater a desigualdade e a pobreza e trazer autonomia e capacidade de autodeterminação a pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica (MARTINS et al., 2017, p. 118)[17]. Todavia, o crédito possui uma ambivalência, pois não somente pode servir como um meio de ampliação da capacidade de realização da liberdade (substancial) e ampliação de oportunidades[18], mas também pode trazer graves problemas se utilizado de maneira irrefletida ou se houver práticas predatórias e abusivas[19]. Nessa senda, o “superendividamento” representa a diluição da dignidade do consumidor, ao possibilitar – ainda que por meios legítimos, tais como os cadastros negativos – a sua exclusão de uma sociedade de consumo pela recusa de crédito ou pela cobrança de elevada taxa de juros, a qual inexoravelmente agravará a sua vulnerabilidade econômica. Não se quer dizer aqui que as instituições financeiras devem emprestar sem a avaliação dos riscos de inadimplência, mas sim demonstrar que o Estado, ao atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174 da CRFB), deve observar o aspecto negativo do “superendividamento” tanto para os tomadores de empréstimo como para as instituições financeiras. André Rodrigues Cyrino (2018, p. 129), ao valer-se da concepção de “ductibilidade” para defender a adoção de uma perspectiva neutra da Constituição econômica, ressalta a existência de princípios constitucionais contrapostos, permitindo a seleção de variados modelos ou formas de ordenar a vida econômica, e o maior ou menor protagonismo do Estado. Assim, a Resolução CMN 4.765, de 2019, e o art. art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, encontrariam amparo constitucional em normas de densidade mais diluída, isto é, em conceitos jurídicos indeterminados e princípios. Ou seja, a estipulação de teto aos juros cobrados em cheque especial de pessoas físicas e de MEI fundar-se-ia, em última instância, na dignidade da pessoa humana, na função social do contrato e na proteção ao consumidor, conforme os ditames dispostos nos arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, da Carta Maior. É verdade que a questão envolve “zonas de penumbra” de conceitos jurídicos indeterminados (poder econômico, dominação de mercado) e a incidência de princípios constitucionais da ordem econômica (livre iniciativa, livre concorrência, dignidade da pessoa humana, função social do contrato). Outrossim, é indiscutível a interferência direta e imediata da medida nos contratos bancários e o conflito entre os direitos fundamentais relacionados à livre iniciativa (autonomia de vontade e pacta sunt servanda) e os direitos de proteção dos consumidores. Desse modo, não se pode olvidar a análise econômica e finalística dos institutos relacionados ao problema. Por isso, conquanto o controle de preços possa representar indevida interferência na relação entre a oferta e a demanda como regra geral, indiscutível a higidez jurídica da limitação da taxa de juros no cheque especial cobrada de pessoas físicas e MEI promovida pela Resolução CMN 4.765, de 2019, uma vez que, ao incentivar o uso racional do cheque especial como modalidade emergencial de crédito e ao impedir a cobrança desmedida dos juros em face da inelasticidade da demanda, assegura a proteção à dignidade do consumidor e a função social do cheque especial, nos termos dos arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, todos da CRFB.   O Parlamento também está atento ao problema relativo à taxa de juros no cheque especial e no cartão de crédito. Recentemente, o Senado Federal (SF), com base no Parecer n. 101, de 2020, de autoria do Sen. Lasier Martins, aprovou o PL 1.160, de 2020, que, dentre outras medidas, estipula o limite de juros no valor de 30% ao ano para as instituições financeiras e de 35% para as instituições de pagamento, sociedades de crédito, financiamento e investimento e para as sociedades de crédito direto em todas as modalidades de crédito ofertadas por meio de cartões de crédito e cheque especial durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6, de 20 de março de 2020, vedando, inclusive, a cobrança de tarifa pela disponibilização de limite no cheque especial[20]. Sob o ponto de vista formal, o PL 1.160, de 2020, não se ajusta ao art. 192 da CRFB, que exige a adoção do rito de aprovação relativo às leis complementares, porquanto a cobrança da taxa de juros consiste em elemento essencial da atividade bancária, fazendo parte da estrutura do Sistema Financeiro Nacional (SFN). Conforme exposto alhures, o §3° do art. 192 da CRFB, revogado pela EC 40/2003, estava condicionado à edição de lei complementar, por força do caput do próprio dispositivo, de sorte a ser exigência constitucional a aprovação de lei complementar para determinar a limitação da taxa de juros no cheque especial e no cartão de crédito. Note-se que o mesmo não ocorre em relação ao art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, na medida em que referido diploma legal foi recepcionado pela ordem constitucional como lei complementar na parte relativa à estrutura do SFN. Sob a perspectiva material, é impossível conceber e compreender os contratos distanciados da necessidade econômica que buscam objetivamente satisfazer. Isto é, os contratos devem ser examinados com base na sua função econômica (FORGIONI, 2018, p. 119). Com efeito, a mera condenação estatal do lucro fulmina a previsibilidade do contrato e interfere de maneira indevida no comportamento produtivo dos agentes econômicos. Perspicaz a apreciação de Nobre Júnior (2001, p. 297) em que evidencia a relação entre o postulado da proporcionalidade (excesso de proteção) e a intangibilidade da lucratividade da atividade empresarial, conditio sine qua non para a manutenção do negócio e para a saúde do mercado. Portanto, inadmissível a visão da persecução ao lucro pelas instituições financeiras, por si só, como algo abominável e imoral, sobremaneira sob a ótica da ordem constitucional vigente. Em tempo, a instituição permanente de preços máximos, antes asseguradora da existência digna dos consumidores, poderá ao longo do tempo ampliar as imperfeições concorrenciais do mercado com a saída de players e a diminuição do número de concorrentes. Assim, possivelmente restarão prejudicados a eficiência econômica e os incentivos à inovação da atividade financeira, em contraposição ao princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, previstos art. 170, caput e inciso IV, e no art. 173, § 4°, da Constituição. Ademais, a estipulação de determinado patamar para os juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito pode desencadear a diminuição drástica da oferta das mencionadas modalidades de crédito (elasticidade-preço da oferta), por tornar a prestação do serviço desinteressante sob a perspectiva econômica (não-lucratividade) ou extremamente dispendiosa à instituição financeira pelo risco de crédito e pelos seus custos operacionais, administrativos e regulatórios. Naturalmente, tal circunstância, no médio e longo prazo, representará um dano ao próprio consumidor, em contrariedade ao art. 170, V, da CRFB, a exemplo das crises de abastecimento ocorridas durante o período de hiperinflação do país. Da mesma maneira, a limitação da taxa de juros motivada por sentimentos de justiça permitirá a ilação no sentido da insensatez[21] e da desproporcionalidade da intensidade da intervenção estatal (proibição ao excesso), de maneira a simplesmente impor sanções às instituições financeiras pelos lucros auferidos. O problema posto exige do legislador um prognóstico objetivo e imparcial, livre de subjetivismos exacerbados e apaixonados, devendo sempre buscar argumentos técnicos reconhecidos em determinado paradigma ou teses jurídico-constitucionais respaldadas no mundo dos fatos, e não em meras construções abstratas e vazias aplicáveis a qualquer situação, tal como propugna o art. 20 da Lei de Introdução às Normas ao Direito Brasileiro. Por outro lado, partindo-se da premissa da exorbitância dos juros cobrados no cheque especial e no cartão de crédito, faria algum sentido a estipulação excepcional e temporária de juros máximos em relação às mencionadas modalidades de crédito, desde que a medida possa garantir a lucratividade e a valorização devida da atividade financeira em face de uma situação de “anormalidade” causada por contingências exteriores à vontade dos agentes econômicos, a exemplo de uma situação de calamidade pública causada por uma pandemia. Ocorre que, na prática, tal limitação demanda uma análise técnica extremamente complexa, mormente pelo fato de a taxa de juros estar atrelada intrinsecamente ao risco de inadimplência nas modalidades de crédito e a outros custos da instituição financeira (spread bancário). A propósito, calha transcrever as palavras de Leandro Sarai no tocante às dificuldades em se definir e limitar o preço do crédito: “Reconhece-se que quando se trata de fazer comparações, não se pode ignorar que em determinado tempo e local os custos envolvidos na operação de crédito podem variam muito em relação a outros locais e momentos comparados. Como já se abordou superficialmente o aspecto do custo do crédito ao trazer algumas palavras sobre o spread, façamos uma concessão para partir da premissa de que os custos não podem ser alterados pelo agente financeiro. Assim, da parte do agente financeiro, se se espera que o preço do crédito seja menor, a única coisa que poderia ser feita seria reduzir seu lucro. É certo que em qualquer atividade empresarial é necessário que haja lucro, pois o lucro, em princípio, seria a remuneração do empresário, aquilo que seria utilizado em seu sustento. O preço do crédito será o resultado da soma dos custos e do lucro. Ainda que se considere que os custos do crédito no Brasil sejam altos e que eles não dependeriam das instituições financeiras, será que haveria alguma distorção no lucro? Pode-se dizer que há uma distorção no lucro quando ele não é suficiente para sustentar a atividade empresarial ou quando ele excede manifestamente a média do mercado (lucros extraordinários). (…) É com essa ideia que se deve, então, procurar medidas que produzam o resultado de redução do preço do crédito, com a cautela de dosá-las para que não impliquem o efeito reverso, isto é, restrição ao crédito. Com efeito, se seu preço for insustentável para os agentes econômicos da atividade financeira, eles simplesmente não emprestarão seus recursos. Embora as colocações a seguir possam ter uma aplicabilidade mais ampla, é certo que o poder de atuação estatal encontra diversas limitações. (…) Deve-se ter em conta essas limitações, quando se cogitam medidas estatais para buscar reduzir o preço do crédito.” (SARAI, 2020, p. 269). Dissecados por Alexandre Santos de Aragão (2002, p. 69-122) os elementos do postulado da proporcionalidade no Direito Econômico, constata-se que a restrição estatal à liberdade do mercado (1) deve ser apropriada à realização dos objetivos sociais perquiridos (elemento adequação dos meios aos fins); (2) deve ser a menor possível, em consonância com o princípio da subsidiariedade[22] (elemento necessidade); e (3) deve ser equilibradamente compatível com o benefício social visado (elemento proporcionalidade em sentido estrito). Derivados do postulado da proporcionalidade, Aragão notabiliza o princípio da razão pública, o qual pugna que, “[p]or mais respeitável que seja a minoria ou mesmo a maioria interessada, os seus interesses só podem ser atendidos, não em virtude deles em si, mas por razões públicas atinentes à coletividade como um todo” (ARAGÃO, 2002, p. 102), bem como o princípio da diferença, o qual, baseado nos ensinamentos de John Rawls[23], consiste na permissibilidade a liberdades econômicas e a desigualdades quando gerarem mais vantagens do que desvantagens aos mais desfavorecidos. Na ADI 4923-DF, o Min. Luiz Fux, ao deliberar acerca dos poderes concedidos à Ancine pela Lei 12.485, de 2011, destacou a adequação da técnica legislativa utilizada, em que foram definidas “as metas principais e os contornos da atividade do órgão regulador, cometendo-lhe (nestes limites e sob o controle do Judiciário e do próprio Legislativo) margem relativamente ampla de atuação”. Asseverou ser impraticável e desaconselhável a elaboração de exaustiva lei formal para conceder os poderes à Ancine, pois “a matéria, de um lado, se reveste de significativo dinamismo, como denotam as tendências de convergência tecnológica que tornaram obsoleta a legislação nacional anterior”, assim como “a disciplina do setor audiovisual, em diferentes aspectos, suscita questões de elevada complexidade técnica, a exigir conhecimento especializado”, naturalmente titularizado pela Ancine. Na mesma linha, ao apreciar a Medida Cautelar na ADI 5.501-DF, o Min. Barroso decidiu que a Lei 13.269, de 13 de abril de 2016, ao excluir a fosfoetanolamina sintética, denominada “pílula do câncer”, do registro técnico da Anvisa, impedindo a realização dos testes científicos necessários à aferição da eficácia do medicamento e da sua repercussão no mercado, aparentava possuir vício de inconstitucionalidade. A exigência de registro sanitário não consiste em mera exigência burocrática, mas sim “relevante ferramenta regulatória que garante a proteção da saúde pública, estabelecendo-se uma ponderação entre interesses por vezes conflitantes das empresas farmacêuticas, dos pesquisadores, dos médicos e dos pacientes”, devendo ser exercida com grande seriedade e rigor. O Ministro, nessa linha, apontou a violação ao princípio da separação de poderes, na medida em que o legislador ingressou em domínio legítimo de atuação administrativa da Anvisa, balizado pela lei, que Canotilho chamou de “reserva da administração”, cabendo aos poderes instituídos uma certa deferência às escolhas regulatórias da Anvisa. Isso porque “[a] Anvisa recebeu da ordem jurídica a atribuição de realizar o controle sanitário dos medicamentos, porque detém as melhores condições institucionais para tomar tais decisões”, de modo que, diante das capacidades institucionais, “não seria legítimo transferir do Poder Executivo para o Legislativo a decisão sobre a autorização de uso de substância que não passou pelo crivo da autarquia responsável”. Aliás, gize-se as ponderações de Cass R. Sunstein e Adrian Vermeule (2002) acerca da necessidade de uma análise das capacidades institucionais, em especial da capacidade do legislador ao dinamismo do mercado, de sorte a reconhecer o melhor posicionamento das “agências” para saber se um determinado resultado, extraído da exegese do texto legal, realmente não faz sentido, bem como para saber se um desvio dessa exegese desestabilizará o esquema regulador de maneira prejudicial. Vale dizer, o legislador, incapaz de prever todas as contingências fáticas, conferirá competências discricionárias aos entes públicos reguladores, com vistas a conferir maior densidade normativa a normas legais por ele editadas. Eis a capacidade normativa de conjuntura identificada por Eros Grau[24] e reconhecida pelo STF (ADI 2591, Rel. p/ Acórdão Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2006, DJ 29-09-2006), que permite ao CMN regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro, submetidas à constante mutação e dotadas de elevada complexidade. Não se vislumbra como aconselhável, destarte, a aprovação de um diploma legal acerca do tema, por ser estático e abstrato em sua natureza, muitas vezes incapaz de trazer em seu bojo todas as peculiaridades técnicas presentes na concessão de crédito, tal como ressaltado alhures. Independentemente de sua inconstitucionalidade formal, o PL 1.160, de 2020, implementa a limitação dos juros no cheque especial e no cartão de crédito de maneira temporária e em razão de uma circunstância anormal de calamidade pública causada por uma pandemia, buscando a proteção ao consumidor. Em princípio, a mens do projeto no sentido de limitar excepcionalmente os juros no cheque especial e no cartão de crédito não parece manifestar uma inconstitucionalidade material patente, embora o fato de o BCB não ter constatado a mesma inelasticidade da demanda do cheque especial no cartão de crédito[25] possa justificar eventual veto por contrariedade ao interesse público. Cabe advertir que as escolhas do legislador podem não ser adequadas e necessárias ao fim almejado, sobretudo em face do melhor posicionamento institucional do CMN e do BCB em relação ao tema, ao menos sob o ponto de vista técnico pelo acesso às informações e pelo tratamento cotidiano da matéria. Nesse ponto, apesar de claramente ainda não ter atingido um patamar satisfatório para o consumidor, impende mencionar a redução não invasiva dos juros no cartão de crédito, desencadeada pela Resolução CMN 4.549, de 26 de janeiro de 2017, que obrigou o financiamento do saldo devedor de fatura pretérita por meio de outras modalidades de crédito menos onerosas, e pela Resolução CMN 4.655, de 26 de abril de 2018, que delimitou os encargos legais a serem cobrados no caso de inadimplência. Sendo a democracia uma forma de participação (direta ou indireta) dos sujeitos com base na regra da maioria e delimitada por disposições constitucionais (JUSTEN FILHO, 2011, p. 231-232), surgem diversos questionamentos de como conciliar tal concepção ao processo decisório das escolhas regulatórias num cenário de concentração do poder normativo em uma rede descentralizada (administração policêntrica) de entidades independentes conduzidas apenas por uma política geral. Paul Tucker (2019, p. 538-539), no tocante à notável expansão dos poderes e responsabilidades dos bancos centrais no Estado Regulador (regulatory state), sugere a definição estrita de atribuições de maneira suficiente para atingir o objetivo da estabilidade do sistema monetário, pautando-se por resultados. E os riscos permanecem mesmo diante da delimitação estrita de suas competências, o que reforça a importância de uma efetiva accountability política. Propõe, dessa maneira, que os governos e os legisladores articulem, antecipadamente e preferencialmente por meio de lei (preferably in law), como serão exercidos os poderes de intervenção em uma situação de emergência, sem comprometer a integridade e o isolamento político do cumprimento da missão institucional (TUCKER, 2019, p. 559). Para Cyrino (2018, p. 74), a visão de que as delegações de funções normativas a entidades administrativas prejudicam a reponsividade (accountability) eleitoral e a representatividade ignora o fato que o mandato dos agentes eleitos é, em princípio, livre e não vinculado à vontade dos mandantes, encontrando limitação na própria Constituição, bem como o fato de que a representatividade se volta hoje a um discurso de legitimação por meio do controle. Segundo o jurista, devem também ser lembrados os mecanismos de legitimidade democrática da Administração Pública, desde a eleição do Presidente da República, que ocupa posição central na gestão da máquina administrativa brasileira (art. 84, II, CRFB), “até os meios de participação popular direta nas decisões administrativas, com procedimentalização e incremento de canais de comunicação entre burocratas e a população interessada” (CYRINO, 2018, p. 75). Para Veiga da Rocha (2004), o controle judicial também pode constituir uma forma de controle democrático, definindo os limites para o exercício da capacidade normativa de conjuntura da burocracia que regula o mercado financeiro e corrigindo violações a direitos e interesses legítimos. Em suma, se asseguradas a racionalidade das escolhas no processo decisório (nesse ponto, cabe lembrar da Análise de Impacto Regulatório, prevista na Lei de Liberdade Econômica e na Lei Geral das Agências Reguladores e regulamentada pelo Decreto 10.411, de 30 de junho de 2020), se houver a abertura aos diversos interesses envolvidos na regulação do mercado financeiro e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, se presentes a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação, não há que se cogitar em violação ao princípio democrático (MARQUES NETO, 2002, p. 96). Isso não significa que o legislador deve ser obliterado do processo das escolhas regulatórias, podendo apresentar o arcabouço de normas aptas a justificar a legitimidade da decisão e efetuar o próprio controle legislativo das deliberações técnicas do CMN e do BCB, em especial diante do envolvimento de direitos fundamentais relativos à ordem econômica no assunto.   Conclusão A ordem constitucional vigente, em situação de normalidade, não admite como política pública regular o controle prévio de preços e, por conseguinte, a limitação da taxa dos juros em qualquer modalidade de crédito. Contudo, como forma de disciplina do mercado, mister reconhecer como legítima a regulação dos preços quando excepcional, temporária, razoável e capaz de propiciar o retorno dos custos, o lucro mínimo e os reinvestimentos necessários. Por isso, a despeito da manifestação acerca da limitação da taxa de juros apenas sob o ponto de vista formal, exigindo-se a aprovação de lei complementar para tratar do assunto, constatou-se uma tendência do STF em reconhecer a inconstitucionalidade na fixação de preços de maneira irrestrita, mormente quando estipulados em valor insuficiente para suprir os custos de produção de determinado setor, inclusive apontando a presença dos elementos para a responsabilização da Administração Pública nesses casos. No mesmo sentido, o art. 3°, III e § 3º , da Lei da Liberdade Econômica positivou, no plano infraconstitucional, a regra da liberdade de precificação, excetuando os serviços públicos e as atividades econômicas em sentido estrito reguladas. Porém, a Lei da Liberdade Econômica assegura a liberdade de preços aos tomadores, e não àqueles que, por seu poder de mercado, são capazes de impor sua vontade. Desse modo, irretocável a limitação da taxa de juros no cheque especial cobrada de pessoas físicas e MEI promovida pela Resolução CMN 4.765, de 2019, no exercício da competência prevista no art. 4°, IX, da Lei n. 4.595, de 1964, uma vez que, ao incentivar o uso racional do cheque especial como modalidade emergencial de crédito e ao impedir a cobrança desmedida dos juros em face da inelasticidade da demanda, assegura a proteção à dignidade do consumidor e a função social do cheque especial, nos termos dos arts. 1°, inciso III, e 170, incisos III e V, todos da CRFB. O PL 1.160, de 2020, por outro lado, apresenta-se maculado por grave vício formal, na medida em que a limitação da taxa de juros, por referir-se à estrutura do SFN, demanda a aprovação de diploma legal segundo o rito das leis complementares, nos termos do art. 192 do CRFB. Sob o ponto de vista material, não  parece haver um vício patente, mormente por estar delimitado a uma situação de calamidade pública, causada por uma pandemia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde. Contudo, desaconselhável a aprovação de um diploma legal acerca do tema, uma vez que a cobrança desproporcional de juros em modalidades de crédito poderia ser melhor solucionada no âmbito da chamada capacidade normativa de conjuntura do CMN, mormente em virtude da eficiência, da menor onerosidade e da melhor posição institucional do órgão. Contudo, isso não significa que o legislador deve permanecer inerte. Em verdade, deve buscar parâmetros claros para a accountability das decisões dos entes reguladores do mercado financeiro. Muito menos há decréscimo da legitimidade democrática, desde que asseguradas a racionalidade das escolhas regulatórias, a abertura aos diversos interesses envolvidos e o estabelecimento de uma permanente interlocução entre eles, a transparência e a clareza na articulação com os atores regulados, com ampla publicidade e divulgação. Naturalmente, o problema do “superendividamento” relacionado ao uso não sustentável de modalidades populares de empréstimos não apenas depende de maior observação do mercado financeiro, mas também de amadurecimento institucional para ser solucionado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-limitacao-da-taxa-de-juros-do-cartao-de-credito-e-do-cheque-especial-e-a-capacidade-normativa-de-conjuntura-do-conselho-monetario-nacional/
Aplicabilidade do Reequilíbrio Econômico Financeiro no Sistema de Registro de Preços
O presente artigo busca abordar a aplicabilidade do reequilíbrio econômico financeiro previsto em Lei para o Sistema de Registro de Preços, bem como, as dificuldades que se levantam no momento de sua aplicação. Nesta esteira, o estudo demonstra o posicionamento dos órgãos fiscalizadores, e da doutrina moderna. Algumas críticas também são realizadas a estes entendimentos, por conseguinte, são apontadas razões para que a aplicabilidade do reequilíbrio econômico financeiro seja melhor difundida quando se trata de Sistema de Registro de Preços.
Direito Administrativo
Introdução Na concepção de um estado democrático de direito, tal como conhecemos hoje, é necessário considerar não só as garantiras e o respeito as liberdades individuais e coletivas em obediência a princípios e fundamentos que condicionam e restringem o poder estatal, como também, o estabelecimento de deveres e regras impostas às próprias autoridades públicas e políticas. Uma das medidas mais importantes contidas em um estado democrático de direito é a organização. A organização não só no que tange a vida em sociedade, mas da própria forma de administração do patrimônio social em si, como medida condicional a ser seguida pelo governante ou administrador que vier a ser responsável pelo patrimônio público. A responsabilidade pelo múnus público nunca esteve tão difundida. Este ônus, ou melhor, este encargo, não deriva só da moral, mas também retira fundamento da Lei. Nas normas, encontramos mandamentos a serem seguidos por aqueles que vierem a ser investidos em funções públicas que, de certa forma, buscam direcionar a conduta dos agentes de modo que preceitos como probidade, moralidade, eficiência e economicidade, sejam medidas de observação obrigatória. É o caso das contratações, compras e aquisições do poder público que, necessariamente, devem ter seus contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações precedidos por licitação. A licitação, a grosso modo, é a competição realizada entre os interessados em fornecer o objeto pretendido pelo poder público. Nos termos da Lei Federal 8666/93:   “Art. 3º  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”   Uma das formas auxiliares de processamento das disputas é o Sistema de Registro de Preços. O Sistema de Registro de Preços está previsto na citada Lei de Licitações no Art. 15 e seus incisos, vejamos:   “Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:     I – atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas; II – ser processadas através de sistema de registro de preços; III – submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado; IV – ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade; V – balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública. I – seleção feita mediante concorrência; II – estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados; III – validade do registro não superior a um ano.   Desta feita, podemos concluir que o Sistema de Registro de Preços pode ser utilizado para compras, contudo, também se encontra na jurisprudência entendimento para ser utilizado em obras de engenharia simples, como pequenos reparos. Em outro plano, necessita de ser antecedido por uma ampla pesquisa de mercado, e não obriga a administração à contratação dos objetos com preços registrados. De acordo com o § 3º, este Sistema deve ser regulamentado por Decreto. No âmbito da União foi editado o Decreto 7.892 de 23 de janeiro de 2.013. Este regulamento define o Sistema de Registro de Preços como o conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras. Diversos entes da federação também editaram seus regulamentos, contudo, é uníssono que não se diferenciam muito do regulamento federal. Melhor definição encontramos nas palavras do festejado Marçal Justen Filho:   “O Sistema de Registro de Preços (SRP) é uma das mais úteis e interessantes alternativas de gestão de contratações colocada à disposição da Administração Pública. (…) O registro de preços é um contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016. Pag. 308)   Esta definição será de suma importância para o desenvolvimento do presente estudo que buscará a compreensão sobre a possibilidade de aplicação de institutos como o reequilíbrio econômico financeiro neste tipo de processamento.               Com a definição dada pelo Decreto Federal 7.892 de 23 de janeiro de 2.013, fica nítida a finalidade desta forma de processamento, ou seja, o processamento do Sistema de Registro de Preços tem por finalidade suprir uma necessidade administrativa, qual seja, as aquisições imprevisíveis, de difícil previsão, contratações frequentes e as contratações por vários órgãos administrativos. Fica fácil a compreensão, quando se percebe o referido Decreto restringindo de forma taxativa a possibilidade de adoção do Sistema de Registro de Preços para estas determinadas situações, vejamos:   “Art. 3º O Sistema de Registro de Preços poderá ser adotado nas seguintes hipóteses: I – quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes; II – quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa; III – quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou IV – quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”   É evidente que uma das finalidades deste recurso auxiliar é suprir necessidades frente à imprevisibilidades e imprecisões. Neste viés, a Corte de Contas Paulista guarda comunhão com este fim, como se pode verificar em vários julgados em que a demonstração destes requisitos são exigidos:    “7421.989.16-1. SESSÃO DE 11/05/2016. RELATOR CONSELHEIRO RENATO MARTINS COSTA: “Ainda, acerca do uso do sistema de registro de preços, é possível assumir interpretação de que, mesmo com as obscuridades já enunciadas, os serviços pretendidos mostram-se como passíveis de quantificação e entrega em período certo/previsível, não restando, como asseverou ATJ na área jurídica, demonstrada a ocorrência de “pressupostos legais do sistema, a saber, eventualidade, imprevisibilidade e comprovada economia de escala”. “5316.989.16-9. SESSÃO DE 01/06/2016. RELATOR AUDITOR SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO SAMY WURMAN: “Tampouco deve ser tolerado o emprego do sistema de registro de preços, pois previamente conhecidas as necessidades do município na aquisição e instalação das estações compactas nas unidades escolares. Ausentes, portanto, a imprevisibilidade demandada pela sistemática do registro.” “5447.989.16-1. SESSÃO DE 08/06/2016. RELATOR CONSELHEIRO ANTONIO ROQUE CITADINI: “De fato, se não bastassem os itens mal formulados e parcialmente procedentes, questão grave foi destacada, consistente na indevida e ilegal adoção do sistema de registro de preços ao objeto pretendido pela Prefeitura, pois se encontram ausentes a eventualidade do fornecimento e a imprevisibilidade da demanda, características essenciais para sua utilização.” “10116.989.16-1. SESSÃO DE 08/06/2016. RELATOR AUDITOR SUBSTITUTO DE CONSELHEIRO VALDENIR ANTONIO POLIZELI: “No mérito, questão de maior relevo refere-se à utilização do SRP – Sistema de Registro de Preços – para o objeto. Vale lembrar que essa sistemática guarda, como características que justificam a sua adoção, a eventualidade e a imprevisibilidade da contratação. No caso, à míngua de quaisquer justificativas ou esclarecimentos da Origem em defesa da medida, não se vislumbra a presença de tais pressupostos, haja vista, ao menos em tese, a natureza permanente e contínua da prestação do objeto almejado”               À vista disto, é possível afirmar que esta previsibilidade ou imprecisão são elementos que fundamentam o procedimento de registro de preços. A partir deste ponto, quando surge para Administração a necessidade de aquisição de determinado bem ou serviço de natureza comum, diante, por exemplo, da incerteza da quantidade a ser adquirida, é possível proceder a licitação pela modalidade de pregão ou concorrência, com vistas a registrar preços para uma contratação futura. Deste Registro, é concebida a Ata de Registro de Preços, documento vinculativo, obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, em que se registram os preços, fornecedores, órgãos participantes e condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no instrumento convocatório e propostas apresentadas. Como modo de processamento auxiliar, ao procedimento de Registro de Preços são aplicados os institutos das Leis de Licitação, tanto a 8.666/93 quanto a 10.520/02 quando se tratar de pregão. Contudo, dentro os institutos previstos na Lei 8.666/93, mais precisamente quanto ao instituto do reequilíbrio econômico-financeiro, alguns impedimentos têm surgido.               Os contratos administrativos têm um regime jurídico de direito público, diferenciando assim dos contratos regidos pelo direito privado. Ao passo que, o interesse público permite que em determinadas situações a administração pública tenha aberturas para agir com verdadeiro poder de império, como a título de exemplo, as prerrogativas de direito público que dão azo as modificações unilaterais dos contratos administrativos,  quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica, e ou quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa do objeto. Contudo, existem situações, que por acordo das partes, ou seja, com certa discricionariedade, o poder público pode promover alterações nos contratos administrativos. Esta possibilidade jurídica de alteração nos contratos administrativos, não é mencionada quando se fala em Atas de Registro de Preços, informação que será debatida adiante. Não será aprofundado neste estudo a revisão econômico-financeira oriunda de ato administrativo, prevista no § 2º da Lei 8.666/93. Assim, partiremos da possibilidade expressa de alteração nos contratados por convenção das partes por fatos alheios às suas vontades, a Lei determina da seguinte forma:   “Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (…) II – por acordo das partes:   Destas possibilidades, nos interessa primordialmente o reequilíbrio econômico-financeiro. Este por sua vez, é permitido para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento. Todavia, sua aplicação está condicionada à ocorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis, porém, de consequências incalculáveis posteriores ao ajuste. Neste viés, diante de situações como estas, desde que devidamente demonstradas pelas partes, a Lei autoriza a se reestabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente. Em outras palavras, é possível retornar ao meio da balança. Nas palavras de Ronny Charles Lopes de Torres, o reequilíbrio diante de situações adversas, por derivar da Lei e da Constituição é medida obrigatória, vejamos:   “O reequilíbrio econômico financeiro do contrato deve ser percebido como um direito, tanto do contratado quanto da Administração. Ele foi expressamente estabelecido pelo Constituinte, ao resguardar a manutenção das condições efetivas da proposta (art. 37, inciso XXI). Nesta feita, identificado o fator extraordinário gerador do desequilíbrio econômico do contrato, a revisão necessária, para o reequilíbrio de sua equação econômico-financeira, independe de previsão contratual, pois tal direita deriva da Lei e da Constituição.” (LOPES DE TORRES, Ronny Charles, Leis de Licitações Públicas Comentadas. 9ª edição, revista, ampliada e atualizada, Editora Jus Podivm, 2018. Pag. 736)               Assim diz o texto Constitucional:   “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”               O Mestre Marçal Justen Filho manifesta-se da seguinte forma:   “O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entro o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente. (…) Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o valor que o contratante receberá, mas, também, as épocas previstas para sua liquidação. É possível (à semelhança de um balanço contábil) figurar os encargos como contrabalançados pela remuneração. Por isso se alude a “equilíbrio”. Os encargos equivalem à remuneração, na acepção de que se assegura que aquela plêiade de encargos corresponderá precisamente à remuneração prevista.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016. Pag. 309)   Diante do exposto, resta cristalina a possibilidade de utilização deste recurso em contratos administrativos que cumprem os requisitos legais. Maior resistência, reside na possibilidade de utilização do instituto do reequilíbrio econômico-financeiro nas Atas de Registro de Preços, como veremos.   No que tange à aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro no Sistema de Registro de Preços, o Decreto Federal 7.892 de 23 de janeiro de 2.013 é didático, vejamos:   Quanto aos contratos: “Art. 12. (…)             Em previsão distinta e em tópico diverso, o regulamento prevê a possibilidade alteração dos preços registrados em si, através de negociação. Aqui não se trata de alteração contratual como aquela prevista no § 3º do Art. 12, mas de verdadeira negociação para alteração dos preços registrados, desta forma, podemos concluir pela possibilidade de alteração da Ata propriamente dita, uma vez que, ela é o instrumento que materializa o preço ofertado em disputa, vejamos o texto: “Art. 17. Os preços registrados poderão ser revistos em decorrência de eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que eleve o custo dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão gerenciador promover as negociações junto aos fornecedores, observadas as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993. Art. 18. Quando o preço registrado tornar-se superior ao preço praticado no mercado por motivo superveniente, o órgão gerenciador convocará os fornecedores para negociarem a redução dos preços aos valores praticados pelo mercado. Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o órgão gerenciador poderá: I – liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados; e II – convocar os demais fornecedores para assegurar igual oportunidade de negociação. Parágrafo único. Não havendo êxito nas negociações, o órgão gerenciador deverá proceder à revogação da ata de registro de preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação mais vantajosa.”   Como vimos, as disposições são simples, e não fazem referência ao contrato oriundo do SRP como no § 3º do Art. 12, mas dos próprios preços registrados. Neste diapasão, como determina o caput do Art. 17 do Decreto acima citado, diante de situações em que estejam configuradas as disposições contidas na alínea “d” do inciso II do caput do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993, os próprios preços registrados poderão ser reequilibrados. Entretanto, encontramos robusto entendimento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo pela impossibilidade da incidência, vejamos:   “TC- 014157/026/0711. Além disso, muito mais comprometedor é notar que se trata de registro de preços, sistema pelo qual, conforme prevê o texto legal, o compromissado tem seu preço registrado para fornecer os materiais se e quando seus preços se mantiverem em condições favoráveis à Administração Municipal. Do contrário, ela não está obrigada a contratar, ficando-lhe facultada buscar, mediante os meios legais, outro fornecedor que ofereça preços mais atraentes. Ao promover o realinhamento dos preços, a Administração Municipal privilegiou seu registrado, em clara ofensa ao texto legal, quer quanto à demonstração da quebra da equação econômico-financeira inicial, quer quanto à sistemática que deve ser respeitada no sistema de registro de preços.” TC11987.989.16-7, Relator Conselheiro RENATO MARTINS COSTA: “Na mesma linha, reputo improcedente a crítica que recaiu sobre a vedação de reestabelecimento do equilíbrio financeiro prevista no item 3.1.2.1 do instrumento, uma vez que o entendimento jurisprudencial sobre o assunto caminha no sentido de que “cláusulas de reequilíbrio da equação econômica inicial do contrato não são admissíveis no sistema de registro de preços, por não haver como se aplicar a teoria da imprevisão quando estamos a tratar de Ata de Registro de Preços, e tampouco cabe à Administração o dever de tutelar a manutenção do exato patamar de lucratividade relacionado a preços registrados em Ata” (conf. TC-2541/003/11, relatado pelo eminente Substituto de Conselheiro Sammy Wurman; e TCs 282.989.13-6 e 414.989.13) “TC-034537/026/06. Conselheiro RENATO MARTINS COSTA. Além disso, muito mais comprometedor é notar que se trata de registro de preços, sistema pelo qual, conforme prevê o texto legal, o compromissado tem seu preço registrado para fornecer os materiais se e quando seus preços se mantiverem em condições favoráveis à Administração Municipal. Do contrário, ela não está obrigada a contratar, ficando-lhe facultada buscar, mediante os meios legais, outro fornecedor que ofereça condições mais atraentes. Ao promover o realinhamento dos preços, a Administração Municipal privilegiou seu registrado, em clara ofensa ao texto legal, quer quanto à demonstração da quebra da equação econômico-financeira inicial, quer quanto à sistemática que deve ser respeitada no sistema de registro de preços.”   Em diversas decisões, seja por entender que cláusulas de reequilíbrio da equação econômica inicial do contrato não são admissíveis no sistema de registro de preços, por não haver como se aplicar a teoria da imprevisão quando se está a tratar de Ata de Registro de Preços, ou seja por entender, que ao promover o realinhamento dos preços a Administração privilegia seu registrado, a Corte de Contas Paulista tem se manifestado contrariamente à aplicação deste instituto ao SRP. Outras frentes, também partilham de entendimento parecido, como é o caso do Parecer nº 00001/2016/CPLCA/CGU/AGU exarado pelo Ilustre Advogado da União, Ronny Charles Lopes de Torres, que conclui:   “a) O procedimento de negociação de valores registrado na Ata, previsto nos artigos 17 a 19 do Decreto Federal 7.892/2013, não se confunde com o reconhecimento do direito da parte contratante à alteração do valor contratual, para manutenção do equilíbrio econômico do contrato. Em sua obra, Ronny Charles Lopes de Torres discorre sobre o mesmo tema, da seguinte forma:   “Pontuada tal diferenciação, convém explicar que o novo regulamento federal do Sistema de Registro de Preços, Decreto Federal nº 7.892/2013, admite certa “negociação” entre órgão gerenciador e fornecedores registrados na ata, quando identificadas supervenientes discrepâncias entre os preços registrados e os valores de mercado. Não convém confundir os institutos de revisão econômica/manutenção do equilíbrio econômico (reajuste, repactuação o reequilíbrio econômico) com o procedimento prescrito pelo Decreto Federal nº 7.892/2013. A negociação pode se dar em decorrência de eventual redução dos preços praticados pelo mercado ou nas situações em que algum fato ele o custo dos serviços ou bens registrados, de forma que o preço de mercado se torne maior do que os valores registrados. Importante frisar que a negociação não é um direito, mas uma possibilidade de alteração consensual, pelo órgão gerenciador, não do contrato, mas dos preços firmados na Ata de Registro de Preços.” (LOPES DE TORRES, Ronny Charles, Leis de Licitações Públicas comentadas. 9ª edição, revista, ampliada e atualizada, Editora Jus Podivm, 2018. Pag. 218)   Assim sendo, fica nítido que o renomado doutrinador não rechaça a possibilidade de alteração dos preços registrados, entretanto, faz diferenciação entre Ata de Registro de Preços e contratos. Afirmando, assim, que o reequilíbrio econômico financeiro se aplica aos contratos, obrigatoriamente, por mandamento legal e Constitucional, o que não sucede com a Ata de Registro de Preços, sendo, neste caso, mera faculdade da Administração em promover não um reajuste, mas sim, uma verdadeira negociação com os fornecedores. Em outras palavras, o reequilíbrio do contrato pode ser buscado inclusive judicialmente, por ser direito subjetivo da parte contratada, o que não ocorreria com a negociação para adequação dos preços registrados em Ata, uma vez que, quanto a estes, haveria discricionariedade da Administração para proceder a negociação que, inclusive, está aberta à possibilidade de contratação por outras formas, podendo buscar fornecedores com preços menores. Esta separação entre Ata e contrato é comum, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem admitido, até mesmo, a prorrogação do contrato oriundo da Ata de Registro de Preços por período superior aos 12 meses de validade da Ata, vejamos:   “TC-001169/013/08. A recente jurisprudência desta Corte tem admitido a prorrogação de contrato decorrente de ata de registro de preços nos termos do artigo 57 da Lei nº 8.666/93, desde que os valores registrados e as condições de fornecimento continuem sendo os mais vantajosos para a Administração.”             Neste sentido, o Tribunal de Contas da União se manifestou contrário à confecção da Ata de Registro de Preços e contrato administrativo no mesmo instrumento, vejamos: “ACÓRDÃO 3273/2010 – SEGUNDA CÂMARA. Relator AUGUSTO SHERMAN. Processo 018.717/2007-3. “Representação formulada por Senador da República. Irregularidades cadastrais em empresa que venceu Pregão sob o sistema de registro de preços. Diligências e inspeção. Constatação de que as incorreções cadastrais estavam saneadas ao tempo da licitação, O QUE TORNAM IMPROCEDENTES OS ARGUMENTOS CONTIDOS NA REPRESENTAÇÃO. VERIFICAÇÃO DE OUTRAS IMPROPRIEDADES. ATA DE REGISTRO DE PREÇOS E CONTRATO FORMALIZADOS EM UM ÚNICO DOCUMENTO. CONTRATAÇÃO PELO VALOR TOTAL DO OBJETO LICITADO, COM INFRINGÊNCIA DO DISPOSTO NO ART. 2º DO DECRETO 3.931/2001. Constatação de que a ata de registro de preços foi prorrogada por período superior a um ano, contrariando orientação CONTIDA no Acórdão 991/2009-Plenário. Conhecimento. Improcedência. DETERMINAÇÕES DE NATUREZA PREVENTIVA. Comunicação. Arquivamento.”   À vista disto, podemos então concluir que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem se mostrado contrário ao reequilíbrio no Sistema de Registro de Preços, fazendo pouca diferenciação se será aplicado à Ata ou ao contrato, vejamos outro precedente:   “Conselheiro RENATO MARTINS COSTA. TC-000041/014/10. Também não se pode aceitar que, passados apenas 45 (quarenta e cinco) dias da assinatura da Ata de Registro de Preços, a origem conceda reequilíbrio econômico financeiro em favor de sua detentora. Ademais, o reequilíbrio econômico financeiro pressupõe a existência de contrato, no qual as partes estabelecem obrigações recíprocas, cujo cumprimento acaba se tornando inviável, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual, nos termos do artigo 65, inciso “d”, da Lei 8.666/93. Em se tratando de Registro de Preços, no entanto, como o próprio legislador cuidou de prever expressamente no artigo 15, §4º, da Lei nº 8.666/93: “§4º – A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.” Neste caso concreto, restou evidente que a detentora da Ata de Registro de Preços reduziu o valor de sua proposta com a intenção de vencer o certame, sem o cuidado de observar os valores correntes de mercado, de forma a garantir o cumprimento da obrigação assumida. Nota-se que o preço da cesta básica, reajustado em 22,80% (R$41,90), suplantou até mesmo o valor de R$42,61 ofertado inicialmente pela vencedora, ficando muito próximo daquele apresentado pela segunda colocada (R$42,66), fazendo crer que esses seriam os preços de mercado já à época da apresentação das propostas. Ausente, portanto, prova de que a situação se enquadraria na hipótese do artigo 65, inciso II, alínea “d”, da Lei Federal nº 8.666/93, não há como sustentar o reequilíbrio econômico financeiro concedido, nem mesmo que a hipótese tratasse de contrato.”   Quanto à Doutrina, tem sido feita diferenciação entre a Ata e o contrato. No que concerne à Ata, existe o entendimento que pode ser procedida a negociação nos termos do Decreto Federal, aplicando-se o instituto do reequilíbrio econômico apenas quanto aos contratos já firmados.   Os posicionamentos outrora descritos, tornam difícil o atendimento das novas exigências do ordenamento jurídico, como os fins sociais da norma, às exigências do bem comum, a proporcionalidade, a razoabilidade, e a eficiência. Parecem não coadunar com a teleologia da norma. Uma vez que, o Sistema de Registro de Preços existe para atender as necessidades do poder público, como compras em quantidades incertas ou entregas parceladas. Neste diapasão, é muito lógico pensar, que no lapso de tempo que normalmente ocorre entre o registro e o pedido ou convocação para contratação no SRP, podem acontecer diversos fatores capazes de alterar os preços dos produtos ou serviços registrados. Diante destes possíveis, porém, incertos acontecimentos, dificultar o reequilíbrio parece distanciar a norma de seu fim. Até mesmo porque, na contratação pelo processamento em Sistema de Registro de Preços, muitos órgãos e entidades públicas sequer utilizam do instrumento de contrato para formalizar suas compras e aquisições. Tal procedimento é autorizado pela Lei de Licitações, vejamos:   “Art. 62.  O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço.”   Considerando que, na grande maioria das vezes, o Sistema de Registro de Preços é adotado quando, pela natureza do objeto, não é possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração, como por exemplo, materiais de uso médico como seringas, agulhas, luvas e máscaras, a Administração realiza compras conforme surgem as suas necessidades, utilizando de outros instrumentos hábeis para tanto, que não os contratos, diante, muitas vezes, do preço das solicitações permitirem. Ao passo que, permitir o reequilíbrio econômico apenas para os contratos que se originam da Ata, ou como tem se manifestado o Tribunal, contrário a aplicação no SRP, parece frustrar a previsão constitucional contida no Inciso XXI do Art. 37 da Carta Magna. Sem olvidar a dita “possibilidade de negociação” de difícil compreensão, e de pouca diferenciação com o reequilíbrio econômico, haja vista, estar fundamentada na mesma alínea “d” inciso II do Art. 65 da Lei de Licitações, e ter exatamente o mesmo efeito prático. Se tanto o reequilíbrio econômico financeiro, quanto esta “negociação” prevista no Art. 17 do Decreto Federal, retiram sua fundamentação e validade da alínea “d” inciso II do Art. 65 da Lei de Licitações, e possuem na prática o mesmo efeito, é de difícil assimilação o entendimento de que se tratam de institutos completamente diferentes. Em outra esteira, a quem sequer faça diferenciação entre Ata de Registro de Preços e contrato. Alhures, o celebre Marçal Justen Filho, entende que o Registro de Preços em si é um contrato normativo, o Mestre leciona:   “O registro de preços é um contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras condições previstas no edital. (…) Em primeiro lugar, é relevante afastar um preconceito, no sentido de que o registro de preços não se constituiria em uma relação jurídica entre a Administração Pública e um particular. Alguns reputam que o registro de preços é um “entendimento” ou uma “avença”, tal como se não apresentasse natureza jurídico-contratual. Outros afirmam que o registro de preços é uma “ata” – confundindo a relação jurídica com o instrumento de sua formalização. Outros, enfim, definem o registro de preços como um “sistema”, o que não fornece a determinação da natureza jurídica do instituto. O registro de preços é um contrato normativo, expressão que indica uma relação jurídica de cunho preliminar e abrangente.”   E continua o celebre autor com brilhantismo:   “Insista-se que a denominação adotada é irrelevante. Chamar-se um documento de “documento”, “contrato” ou “ata” é algo juridicamente secundário. O fundamental é o conteúdo jurídico do documento e dos efeitos produzidos. A “ata de registro de preços” está para o SRP assim como o instrumento de contrato está para os contratos administrativos específicos. (…) A “ata de registro de preços” não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 17ª edição revista, atualizada e ampliada. Revistas dos Tribunais. 2016. Pag. 316)   Absorvendo o exposto até aqui, cumpre realizar outras constatações que enaltecem a necessidade de aceitação da aplicação do reequilíbrio econômico ao Sistema de Registro de Preços em geral.   4.1. A já citada previsão constitucional O inciso XXI do Art. 37 da Constituição Federal, já transcrito em momento anterior, garante o direito de serem mantidas as condições efetivas da proposta. Neste viés, para o Sistema de Registro de Preços, a proposta é realizada no seu processamento e formalizado/registrado em Ata. Neste condão, a Constituição não fala em condições contratadas, mas sim, condições da proposta, no SRP a proposta consta da Ata. Negar o reequilíbrio do preço registrado e ou dizer que se trata apenas de uma negociação discricionária, é negar o preceito constitucional, e consequentemente deixar o portador da Ata em desigualdade frente aqueles que tem o condão de impor, ainda que judicialmente em seus contratos, o reequilíbrio.   4.2. Das obrigações advindas do Sistema de Registro de Preços Nos dizeres de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:   “ É importante ressaltar que a ata obriga os fornecedores, mas não a administração. Com efeito, o art. 16 do Decreto 7.892/2013, cuja base legal é o §4º do Art. 15 da Lei 8.666/1993, textualmente assevera que a existência de preços registrados não obriga a administração a contratar, facultando-se a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, assegurada a preferência ao fornecedor registrado em igualdade de condições.” (ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 24ª edição revista e atualizada. Gen. Editora Método. Pag. 700).   Por conseguinte, em que pese para a Administração não haja obrigação alguma em se contratar, adquirir ou solicitar os produtos ou serviços com preços registrados em Ata, para o fornecedor, que tem seu preço registrado, reside a obrigação de fornecimento enquanto perdurar a validade da Ata. Em outras palavras, cria-se uma expectativa de que, a qualquer tempo, diante da solicitação, o produto será entregue nos prazos estipulados pelo edital e nos preços registrados, não importando o lapso de tempo que decorra entre o registro e a solicitação. Se a validade da Ata é de até 12 meses, o fornecedor deve sustentar o preço registrado por todo este período. Esta concepção é de difícil aplicação, levando-se em consideração as áleas extraordinárias que podem suceder sobre o fornecedor a qualquer tempo. A validade da proposta é tão importante, que o legislador se preocupou em determinar prazo para que a Administração convoque os vencedores dos certames a assinar o contrato, nos moldes da Lei 8.666/1993:   “Art. 64.  A Administração convocará regularmente o interessado para assinar o termo de contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e condições estabelecidos, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 desta Lei. (…) Com estas considerações, cogitar que seja impossível realizar reequilíbrios na proposta oferecida, durante toda a vigência da Ata, ou até mesmo, deixar a possibilidade de reequilíbrio como apenas faculdade da Administração, é demasiadamente prejudicial aos fornecedores que, consequentemente, evitarão participar deste tipo de disputa.   4.3.  Situações gerais de mercado Outra situação, é aquela que condiciona todo um nicho de produção ou fornecimento, como a que a pandemia causada pela COVID-19 impôs em todo o mundo. Com a pandemia causada pelo COVID-19, diversos produtos têm tido seus preços afetados, fazendo com que disparassem no mercado. Diversos itens como, medicamentos, equipamentos de proteção individual, produtos de necessidades básicas, têm sido afetados, fator imprevisível que causou grande impacto nas contratações públicas. Acontecimentos como este, via de regra, acontecem com frequência, não com esta proporção e com tons de catástrofe mundial, mas, é corriqueiro que determinados setores sofram com situações adversas. Quando um setor ou ramo de mercado sofre com uma situação adversa imprevisível, normalmente, todos os fornecedores daquele nicho são atingidos. Assim, ainda que se realize nova licitação ou que se busque de alguma forma a compra direta, ainda assim, os preços estariam em geral elevados no mercado. Não se falando assim em privilegiar os registrados. Portanto, o reequilíbrio em situações como esta foge apenas do discricionário para saltar ao patamar da eficiência.   4.4.  Dos custos das novas contratações O Decreto Federal 7.892/2013 estabeleceu, diante de uma negociação frustrada, quando o preço de mercado se tornar superior aos preços registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, a permissão para o órgão gerenciador liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem aplicação da penalidade, se confirmada a veracidade dos motivos e comprovantes apresentados. Em sendo o caso da não aplicação do reequilíbrio tanto à Ata, quanto para o contrato, o fornecedor por fim, acabará sendo liberado de seu compromisso, desde que cumpra os requisitos estabelecidos. Portanto, diante da imperiosidade de realização de disputa, em consequência da necessidade de nova aquisição do produto ou serviço, a Administração deverá se socorrer em nova licitação. Neste viés, segundo matéria publicada em 10 de janeiro de 2018 no sitio Plataforma+Brasil.org denominada “Você sabe quanto custa uma licitação? Custos das licitações e os efeitos para a Administração Pública”, um processo licitatório gera em média um custo de R$ 14.351,50 (catorze mil trezentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos) isso em 2015, vejamos um trecho da matéria:   “A identificação da necessidade de bens ou serviços tem um custo de R$ 1.051,51; a análise e aprovação de aquisição somam um custo de R$ 726,99; o custo da realização de pesquisa de mercado de valores e quantidade é de R$ 2.561,07; a determinação da modalidade e projeto básico ou termo de referência custam R$ 2.095,44; a elaboração de minuta do edital, contrato e publicação custam R$ 3.954,17; o custo da abertura de propostas e habilitação dos interessados em ato público é de R$ 1.475,27 e por fim a verificação nas conformidades do edital, adjudicação e homologação, e publicação do resultado custam R$ 2.487,35. E todo esse processo licitatório gera um custo médio de R$ 14.351,50. Isso em 2015.” (Plataforma+Brasil.org. Você sabe quanto custa uma licitação? Custos das licitações e os efeitos para a Administração Pública. 10 de janeiro de 2018 – https://siconv.com.br/voce-sabe-quanto-custa-uma-licitacao/#:~:text=A%20identifica%C3%A7%C3%A3o%20da%20necessidade%20de,custam%20R%24%202.095%2C44%3B)   Diante do exposto, além do quesito eficiência e admissão do reequilíbrio econômico no Sistema de Registro de Preços é questão de economicidade.               Em raras exceções, na verdade, apenas quanto ao Sistema de Registro de Preços para aquisição de combustíveis, houve manifestação tanto do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, quanto do Tribunal de Contas da União ratificando o reequilíbrio realizado nas Atas de Registro de Preços, vejamos respectivamente:   “Auditor VALDENIR ANTONIO POLIZELI. Processo TC-000263/005/14. OBJETO: Registro de preços de combustíveis e óleos lubrificantes.  Conforme decisão da Segunda Câmara nos autos do TC-001506/026/11, que analisou as contas do Município de Nantes, no exercício de 2011, foi determinada a formação de autos específicos para análise da matéria “aquisição de combustível”, bem como do Termo Aditivo que objetivou o reequilíbrio econômico-financeiro de dois itens da Ata de Registro de Preço (fls. 52/58). (…) Assim, deixo de acolher a manifestação de irregularidade, haja vista que foi concedido o reequilíbrio econômico-financeiro da contratação por meio de termo aditivo, além de ter ocorrido fato não previsto em contrato como o aumento de preços por parte da distribuidora. Tal medida, a meu ver, buscou assegurar a execução contratual sem que a empresa arcasse com ônus insuportável eis que, mesmo com o reajuste, o valor mostrou-se consonante com os preços de mercado, numa verificação mais percuciente da própria tabela constante dos autos. (Neste sentido TC-001443/009/10). Por todo o exposto, à vista dos elementos que instruem os autos e nos termos do que dispõe a Resolução n° 03/2012 deste Tribunal, JULGO REGULARES a licitação, o contrato e o subsequente Termo Aditivo de fls. 171/175 e 179/180.”               Assim se manifestou o Tribunal de Contas da União no precedente:   “Representação apresentada ao TCU apontou possível irregularidade no âmbito da Secretaria de Estado de Saúde do Acre (SESACRE), consistente no ‘reajuste’ irregular da Ata do Pregão Presencial para Registro de Preços n.º 163/2008, que tinha por objeto a aquisição de materiais de consumo para atender às unidades hospitalares da capital e demais unidades administrativas daquela secretaria. Após destacar que este Tribunal já decidiu, conforme Acórdão n.º 1.595/2006-Plenário, no sentido de que ‘é aplicável a teoria da imprevisão e a possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual em razão de valorização cambial’, não constatou o relator, na situação concreta, eventual desequilíbrio contratual em razão de valorização cambial que justificasse o realinhamento efetuado de 25% para os produtos constantes do Lote IV. Frisou tratar-se o presente caso de ‘revisão’ ou ‘realinhamento’ de preços, em que a modificação decorre de alteração extraordinária nos preços, desvinculada de circunstâncias meramente inflacionárias. Considerando, no entanto, a baixa materialidade do débito apurado em contraposição aos custos que envolveriam a adoção de procedimentos adicionais para buscar o ressarcimento do dano, e considerando, ainda, o princípio da economicidade, deliberou o Plenário, acolhendo proposição do relator, no sentido do arquivamento dos autos, sem prejuízo de determinação à SESACRE para que na análise de pedidos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos custeados com recursos públicos federais, fundamentados na ocorrência de fatos econômicos imprevisíveis (álea extraordinária), observe se estão presentes os pressupostos da concessão do direito previsto no art. 65, II, ‘d’, da Lei n.º 8.666/93, quais sejam: a) elevação dos encargos do particular; b) ocorrência de evento posterior à assinatura da ata de registro de preços; c) vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos da empresa; e d) imprevisibilidade da ocorrência do evento. Acórdão n.º 25/2010-Plenário, TC-026.754/2009-8, rel. Min. Benjamin Zymler, 20.01.2010.””   Conforme o agora colacionado, nestas situações as Cortes de Contas decidiram pela possibilidade de realização do reequilíbrio econômico financeiro para o Sistema de Registro de Preços. Com base em todo o exposto, parece ser de bom tom, que este entendimento seja aplicado indistintamente tanto aos preços registrados em Ata quanto às obrigações assumidas em contratos originados destas Atas.   CONCLUSÃO             O Sistema de Registro de Preços é um importante instrumento à disposição da Administração Pública, que viabiliza de forma efetiva a redução da burocracia através de uma licitação única, permite contratações imediatas com preços obtidos através de disputa, tem um prazo de validade maior do que a licitação comum, bem como, não onera, de início, o orçamento administrativo diante da desnecessidade de reserva, e oferece discricionariedade na aquisição. Contudo, em situações adversas, que fazem nascer a necessidade de reequilíbrio dos preços registrados, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo tem se mostrado contrário à aplicação deste instituto ao SRP. Apesar, de já o ter permitido em Registro de Preços para aquisição de combustíveis. Entretanto, a doutrina, no entender maior de Ronny Charles Lopes de Torres, defende a distinção entre Ata e contrato, aplicando quanto à primeira a facultatividade de uma negociação na apresentação de situações de desequilíbrio econômico e, apenas quando ao segundo, originado da Ata, a possibilidade ampla de reequilíbrio em situações análogas. Ainda nesta perspectiva, não se pode apagar o fato de ambas situações retirarem fundamentação e validade da alínea “d” do Inciso II do Art. 65 da Lei 8.666/93 e possuírem o mesmo efeito prático. Ambos os entendimentos parecem não atender à finalidade do instituto do Sistema de Registro de Preços. No entender de Marçal Justen Filho, a Ata de Registro de Preços tem natureza de contrato preliminar normativo. Em outro viés, o entendimento que veda tal aplicação não considera a determinação constitucional de manutenção das condições da oferta; das obrigações assumidas pelos fornecedores com pouca contraprestação administrativa; que situações imprevisíveis que afetam uma licitação afetam, em regra, todo o setor de fornecimento; bem como, os custos de eventual novo processo licitatório. Por derradeiro, o instituto do reequilíbrio econômico financeiro não parece incompatível com o Sistema de Registro de Preços, seja quanto à Ata que formaliza a proposta, seja quanto ao contrato que pode se originar da Ata, ao menos, quando demonstrada efetivamente a legitimidade e a necessidade de realização deste instituto.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/aplicabilidade-do-reequilibrio-economico-financeiro-no-sistema-de-registro-de-precos/
Possibilidade e limites da desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais de contas: uma análise sob a perspectiva da Lei da Liberdade Econômica
A desconsideração da personalidade jurídica surge como importante teoria para prevenção, identificação e responsabilização de agentes que causaram danos ao erário. É verdade que a Lei da Liberdade Econômica procura reafirmar a separação patrimonial entre pessoa jurídica e pessoa física. Contudo, isso não representa a completa blindagem patrimonial dos sócios, admitindo-se excepcionalmente a disregard doctrine, quando presentes os seus requisitos. Após a constatação de que a teoria objetiva a correta imputação de responsabilidade, conclui-se que as competências constitucionais e infraconstitucionais das Cortes de Contas são suficientes para abarcar a desconsideração da personalidade jurídica, desde que observados os limites formais e materiais impostos pelo ordenamento, em especial pela construção positivada pela Lei da Liberdade Econômica.
Direito Administrativo
Introdução A crescente complexidade das relações econômicas no mundo pós-moderno acaba por sujeitar entidades sem fins lucrativos, pequenos e médios empresários ou mesmo grandes conglomerados empresariais que contratam com o Poder Público à “jurisdição” das Corte de Contas. Em especial diante do desenho institucional previsto pela Carta Maior, os Tribunais de Contas passam a desempenhar relevante papel na prevenção da ocorrência de danos ao erário, na identificação da prática de atos irregulares e na responsabilização dos agentes públicos e privados que causaram os danos. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, desse modo, exsurge como importante tema nesse cenário, já que permite a suspensão da eficácia da autonomia patrimonial de pessoas jurídicas, com vistas a impor aos sócios, acionistas ou dirigentes os efeitos decorrentes de violações a normas administrativas e financeiras. Conforme se constatou em diversos casos, tais como a Lava Jato, a teoria da disregard of legal entity foi um importante instrumento para se conferir eficácia às decisões dos tribunais no exercício do controle externo. Nesse cenário, o presente artigo, valendo-se de um método dialético-dedutivo, pretende verificar se, sob a perspectiva da Lei da Liberdade Econômica, os Tribunais de Contas possuem competência para promover a desconsideração da personalidade jurídica e quais seriam os seus requisitos. Inicialmente, apresentar-se-á os aspectos gerais do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e as repercussões da Lei da Liberdade Econômica. Em seguida, serão examinadas as duas correntes que se erguem quanto ao assunto, indicando-se o posicionamento que melhor se ajusta ao ordenamento jurídico. Após a comparação de seus principais argumentos, defende-se que o instituto soluciona o problema da imputação aos efetivos responsáveis pela ilicitude, em virtude da dissonância entre a aparência formal e o que é real, sendo decorrência das funções de fiscalização, correção e sancionadora das Cortes de Contas. Ademais, sustenta-se que a disregard doctrine corresponde à restauração de uma situação jurídica que o abuso de direito e a fraude pretendiam eliminar, não havendo violação a qualquer direito fundamental ou inobservância a interesse privado tutelado pelo ordenamento, desde que observadas as garantias aplicáveis ao processo administrativo. Conclui-se, ao final, que as competências constitucionais e infraconstitucionais dos Tribunais de Contas são suficientes para abarcar a desconsideração da personalidade jurídica, desde que observados os limites formais e materiais impostos pelo ordenamento, em especial pela Lei da Liberdade Econômica.   Os mercados não são uma entidade espontânea e natural, mas sim uma instituição artificial que surge a partir de normas, explícitas ou implícitas, jurídicas ou não jurídicas, capazes de firmar a regularidade e a previsibilidade de comportamentos e de possibilitar o desenvolvimento de cálculos minimamente racionais pelos agentes econômicos. Nesse contexto, a pessoa jurídica apresenta-se como uma realidade técnica, sendo um ente jurídico diverso dos seus sócios, acionistas ou responsáveis pela sua criação e condução.   Isto é, a pessoa jurídica consiste em um sujeito autônomo em relação às pessoas que lhe constituíram, não havendo qualquer coincidência de direitos e deveres, de modo a figurar em relações jurídicas em nome próprio (BORBA, 2019, p. 28-29). A divisão patrimonial, inclusive, serviu (e serve) como importante instrumento de fomento à atividade empresarial, ao delimitar os riscos do empreendimento ao patrimônio transferido.   Ocorre que a autonomia patrimonial da entidade criada não é absoluta, cedendo em situações de desvirtuamento de seus fins sociais em prejuízo de terceiros. Assim, em determinados casos, admite-se a ineficácia da personalidade jurídica da entidade, a fim de que os efeitos de certas obrigações alcancem os seus dirigentes, sócios ou acionistas. Concebida no direito anglo-saxão por volta do século XIX[1], a disregard of legal entity consiste no episódico levantamento do véu societário, atribuindo ao sócio uma responsabilidade que, normalmente, seria imputada à sociedade (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 381). As formulações da desconsideração da personalidade jurídica, com efeito, comportam duas teorias: a teoria maior e a teoria menor. A primeira demanda a presença do abuso de direito (abuso da personalidade), subdividindo-se na teoria maior subjetiva, que exige a demonstração do desvio de finalidade, e na teoria maior objetiva, que exige a demonstração da confusão patrimonial. A segunda, por sua vez, excepciona a autonomia patrimonial da pessoa jurídica quando esta servir como mero obstáculo à satisfação do credor. Nesse ponto, didática a ementa do seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ):   “Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. (…) – A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). – A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. – Recursos especiais não conhecidos.” (REsp 279.273/SP, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 04/12/2003, DJ 29/03/2004, p. 230)   A desconsideração da personalidade jurídica, embora reconhecida e aplicada pela jurisprudência e pela doutrina desde a década de 1960, a partir dos trabalhos de Rubens Requião, somente veio a ser positivada no Brasil na década de 1990 por ocasião do Código de Defesa do Consumidor. Posteriormente, outros diplomas legais, tratando dos mais diversos ramos jurídicos, passaram a trazer em seu bojo também a possibilidade de suspensão provisória da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a exemplo da Lei 8.884, de 11 de junho de 1994 (hoje revogada), e da Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.   Nessa medida, não se atém a teoria da desconsideração aos ramos do direito privado, constituindo instituto extensível a qualquer relação jurídica em que se verifique a utilização abusiva ou fraudulenta da proteção jurídica da personalidade jurídica em prejuízo de terceiros (COELHO, 2019, p. 71). Aliás, a Lei Anticorrupção (Lei 12.846, de 1 de agosto de 2013) passou a permitir a desconsideração nos casos de responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.   Ademais, alerta-se, em especial em ramos protetivos à parte vulnerável (direito do consumidor e direito do trabalho), a utilização desmedida por parte de alguns magistrados, desvirtuando o caráter excepcional da disregard doctrine, “como se não mais vigorasse entre nós a teoria da personalidade jurídica” (BORBA, 2019, p. 38). A desnaturação do instituto, conforme bem salienta Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, “desestimula a atividade empresarial, causando insegurança aos agentes econômicos e eventualmente os afastando da opção pelo exercício daquela, com prejuízo para a economia como um todo” (VERÇOSA, 2014, p. 105-106). Afinal, concebida a pessoa jurídica para afastar os riscos de determinados empreendimentos da pessoa do sócio ou acionista, a aplicação irrestrita da desconsideração da personalidade jurídica, naturalmente, afetará as expectativas e a própria conduta dos agentes econômicos, o que pode trazer repercussões negativas ao mercado.   Em resposta ao desvirtuamento da disregard doctrine, foi elaborada a Medida Provisória (MP) 881, de 30 de abril de 2019, convertida na Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, denominada Lei da Liberdade Econômica (LLE). Por intermédio do mencionado diploma legal, almeja-se modificar a postura de alguns operadores do Direito, sobretudo com vistas ao reconhecimento da autonomia patrimonial das sociedades empresarias e diluir incertezas jurídicas quanto à transferência dos riscos financeiros da atividade econômica para o ente abstrato. Embora não represente propriamente uma inovação em relação ao que já fora trabalhado pela doutrina e pela jurisprudência, a LLE não apenas insere o art. 49-A, a fim de ressaltar a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus sócios, associados, instituidores ou administradores, mas também traz maior detalhamento ao art. 50 do Código Civil, de modo a melhor circunscrever o cabimento da desconsideração. A propósito, Rodrigo Xavier Leonardo e Otávio Luiz Rodrigues Júnior identificam a LLE como um importante capítulo no tratamento do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no Brasil, in verbis:   “Em primeiro momento, verifica-se, sob a ótica da doutrina, que, na prática social, a pessoa jurídica em determinadas situações é utilizada para fins contrários ao ordenamento jurídico. Em seguida, formula-se a tese da desconsideração da pessoa jurídica para aplicação aos casos de fratura entre a real atuação das entidades e as finalidades admitidas pela ordem jurídica. A tese doutrinária ganha espaço na jurisprudência, sob a compreensão de que a excepcional limitação da segregação de responsabilidade patrimonial ocorreria mediante interpelação judicial fundamentada na figura do abuso de direito (…). Desse segundo momento, chega-se a um terceiro, quando da teoria passa-se ao direito legislado, com inúmeras hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, algumas delas independentes do exercício disfuncional do instituto (…). A utilização da desconsideração da personalidade jurídica começa a deixar de ser uma medida excepcional e inicia sua marcha para ser utilizada também para casos de mera insolvência ou de malogro da atividade econômica. Em uma quarta fase, em larga medida a partir dos excessos que o direito legislado e a jurisprudência encaminharam a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, verifica-se um esforço para limitar as hipóteses de desconsideração, mediante instrumentos de hermenêutica integrativa. Observa-se aqui a retomada da ideia de abuso de direito como pressuposto à aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, retornando-se a ideia de descompasso funcional. (…) É nesse sentido que a Lei 13.874/19 representa o mais recente capítulo nesse movimento, que procura ressaltar o caráter excepcional da medida de desconsideração da personalidade jurídica e, ao mesmo tempo, (…) põe-se ênfase na separação patrimonial e na responsabilidade limitada como uma sanção positiva ao empreendedorismo.” (LEONARDO; RODRIGUES JÚNIOR, 2019, p. 274)   Dito isso, o art. 50 do Código Civil evidencia a adoção da teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, ao ressaltar a necessidade do “abuso da personalidade jurídica”, caracterizado pelo “desvio de finalidade” ou pela “confusão patrimonial”. Indispensável, nessa linha, a caracterização de um ilícito (abuso de direito), constituindo a desconsideração uma sanção (COELHO, 2019, p. 73).   A redação do art. 50 do Código Civil conferida pela MP 881, de 2019, exigia o dolo como requisito para a configuração do desvio de finalidade, de modo a seguir parcela da doutrina, a exemplo de Fábio Ulhoa Coelho (2019, p. 74), para quem o desvio de finalidade seria invariavelmente um ato intencional, destinado a causar certos efeitos lesivos ou ilícitos. Porém, tal interpretação subjetivista do abuso de direito, ao exigir a presença de um elemento psicológico, dá ensejo à criação de excessivo ônus probatório ao lesado, em dissonância com a interpretação conferida ao art. 187 do Código Civil. A culpa somente é exigida no caso de responsabilidade por ato ilícito (art. 186 do Código Civil), sendo suficiente, para o abuso de direito, o dano decorrente do exercício de um direito de forma excessiva e contrária à sua função econômico-social. Não por outro motivo prescreve o enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil que “[a] responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”. Assim, o legislador, ao converter a MP 881, de 2019, passou definir o desvio de finalidade como “a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”, excluídas a mera expansão ou alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica. A expressão “propósito de lesar credores”, com efeito, não deve importar na inserção de elemento subjetivo, devendo ser avaliada objetivamente, segundo o cotejo entre os atos exteriorizados e as expectativas decorrentes da função econômico-social da empresa, previstas no parágrafo único do art. 49-A do Código Civil (estimular empreendimentos para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos).   Ainda em relação ao desvio de finalidade, a “prática de atos ilícitos de qualquer natureza” não pode justificar a desconsideração pelo mero adimplemento da obrigação ou pelo mero encerramento irregular. Em verdade, cumpre comprovar a utilização da pessoa jurídica como instrumento de fraude a uma imposição normativa, a exemplo da constituição de sociedade para escamotear empréstimos a partes relacionadas a uma instituição financeira (SARAI, 2015, p. 202).   A confusão patrimonial, a seu tempo, ocorre nos casos de inobservância fática da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus sócios, tais como o cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa e a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações. Gize-se que a mera existência de grupo econômico não configura confusão, podendo a sociedade controladora quitar dívidas da controlada, desde que haja a devida compensação financeira e o registro contábil para identificação dos patrimônios.   A LLE também restringiu a desconsideração aos administradores ou sócios “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Fábio Ulhoa Coelho (2019, p. 75) critica o dispositivo, porquanto a responsabilidade deveria ser estendida especificamente aos administradores que praticaram o abuso da personalidade jurídica, independentemente do benefício direto ou indireto.   De fato, a exegese dos termos citados merece alguns temperamentos. Nem sempre os beneficiados diretos ou indiretos foram os responsáveis pela prática do abuso da personalidade e, em muitos casos, os benefícios econômicos não foram repassados àqueles constantes no registro da pessoa jurídica (no caso de “laranjas” ou “testas de ferro”). Destarte, a responsabilização pela desconsideração da personalidade jurídica deve ser limitada subjetivamente aos diretores, sócios ou acionistas controladores (de fato ou de direito) que, em alguma medida, participaram ativamente do ato irregular e possuem influência na tomada de decisões[2]. É nesse sentido que a expressão “beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso” deveria ser entendida. Em termos gerais, as modificações realizadas pela LLE, embora sujeitas a críticas, compreendem um tentativa de evitar a aplicação imponderada da desconsideração da personalidade. Ao reafirmar a separação patrimonial (e não a completa blindagem) entre pessoa jurídica e pessoa física e a excepcionalidade da disregard doctrine, o legislador, em face de um cenário econômico negativo, procura (bem ou mal) incentivar o empreendedorismo e tornar mais previsíveis e seguras as relações econômicas. Conquanto ainda sejam incertos os impactos da modificação legislativa em outros microssistemas, vislumbra-se a necessidade de maior ônus argumentativo para a suspensão da autonomia patrimonial da entidade coletiva, devendo-se buscar fundamentos em circunstâncias peculiares do caso concreto e ajustados as estritos termos do art. 50 do Código Civil. Desse modo, ainda que movidas por legítimo sentimento de justiça, completamente inaceitáveis as decisões que, por meio de chavões e fórmulas vazias, ignoram a esfera patrimonial autônoma da pessoa jurídica e muitas vezes sem observar o devido processo legal.   No que tange à desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais de contas, despontam duas correntes, persistindo ainda grande celeuma, apesar de as cortes de contas se valerem do instituto em diversas oportunidades. Nesse sentido, a corrente negativa sustenta (1) a incompetência dos tribunais de contas para a prática do ato, inexistindo previsão nos incisos do art. 71 da CRFB; (2) a teoria da desconsideração da personalidade jurídica sujeitar-se à reserva de jurisdição e constituir medida excepcional; e (3) a incompatibilidade da desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa com os princípios da legalidade e da intranscendência das sanções administrativas. Por outro lado, os defensores da corrente afirmativa argumentam que (1) os tribunais de contas são competentes para promover a desconsideração da personalidade jurídica, em razão da teoria dos poderes implícitos; (2) a disregard doctrine na esfera administrativa constitui decorrência do princípio da moralidade administrativa e da supremacia do interesse público; e (3) é cabível a extensão da obrigação de ressarcir o erário e de outras penalidades administrativas aos administradores ou a terceiros na medida em que se evidencie a utilização fraudulenta e abusiva da pessoa jurídica. Assim, far-se-á, nos tópicos seguintes, a apresentação e o cotejo dos argumentos principais das mencionadas posições, a fim de apontar a que melhor se adequa ao ordenamento jurídico nacional.   2.1. A competência dos tribunais de contas e a suposta reserva de jurisdição para promover a desconsideração Apesar da grande discussão sobre o tema[3], constata-se hoje a formação do posicionamento majoritário no sentido de que as cortes de contas não exercem função jurisdicional nem suas decisões, embora vinculem a Administração, possuem natureza judicante (LEITE, 2019, p. 668). Os tribunais de contas não exerceriam uma função jurisdicional, porquanto (1) podem atuar de ofício e não objetivam a solução de lides propriamente ditas; (2) as decisões estão sujeitas à revisão judicial, nos termos do art. 5°, XXXV, da CRFB; e (3) prestam auxílio ao Poder Legislativo no exercício do controle externo (MONTEBELLO, 2005).   As atribuições dos tribunais de contas estão previstas nos incisos do art. 71 da CRFB, incumbindo-lhes, dentre outros, (1) a apreciação das contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, mediante parecer prévio; (2) o julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos e das contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; (3) a apreciação, para fins de registro, da legalidade dos atos de admissão de pessoal e das concessões de aposentadorias, reformas e pensões; (4) a realização de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial; (5) a fiscalização da aplicação de quaisquer recursos repassados pelo ente federativo mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres; (6) a aplicação de sanções legais aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas; e (7) a sustação da execução do ato impugnado.   Portanto, as competências constitucionais das Cortes de Contas correspondem ao exercício das funções julgadora, fiscalizadora, opinativa, sancionadora, corretiva, consultiva, informativa, ouvidora e normativa (LIMA, 2019, p. 88-92). Cabe destacar, para fins do presente trabalho, serem mais relevantes a função fiscalizadora, que compreende o exame e a realização de diligências, auditorias e outras atividades, em especial no âmbito do processo de tomada de contas; a função corretiva, que possibilita a emissão de determinações e recomendações, a sustação de atos irregulares e a adoção de medidas cautelares; e a função sancionadora, que se refere às condenações ao ressarcimento ao erário ou a outras penalidades administrativas, tais como as multas, a declaração de inidoneidade para licitar ou a decretação de indisponibilidade de bens (MONTEBELLO, 2005).   Em junho de 2020, o Min. Marco Aurélio, ao analisar pedido liminar no Mandado de Segurança 35.506-DF, rememorou a importância da contenção de poderes em um Estado Democrático de Direito, advertindo para a necessidade de maior cuidado em relação a interpretações do texto constitucional que possam ampliá-lo. Dessa maneira, os arts. 70 e 71 da CRFB não permitiriam a ilação no sentido de estar autorizada a desconsideração da personalidade jurídica, sendo inadequado evocar a teoria dos poderes implícitos, porquanto inexistente qualquer vácuo normativo. A função fiscalizadora, com efeito, limitar-se-ia ao agente público ou a quem lide com o dinheiro público, nos termos do parágrafo único do art. 70 da CRFB. Da mesma forma, a função sancionadora deve ser estruturada pelo legislador ordinário, o qual exigiu a intervenção judicial para a execução das penalidades, nos termos do art. 28, II, da Lei 8.443, de 16 de julho de 1992, e tornou essencial a apreciação judicial para a adoção de medidas cautelares para indisponibilidade dos bens de devedores, conforme o art. 61 do citado diploma legal. Assim, não havendo respaldo normativo expresso, descabida a desconsideração da personalidade jurídica pelos Tribunais de Contas. Note-se que a preocupação em relação à concessão de poderes aos Tribunais de Contas sem o devido respaldo constitucional e infraconstitucional também foi mencionada por André Rosilho e Juliane Erthal de Carvalho. Em tópico acerca dos poderes cautelares decorrentes do art. 71, IX e X, da CRFB, os juristas ressaltaram que os precedentes judiciais comumente citados não possuem a abrangência conferida pelos intérpretes:   “No MS 24.510, queria o impetrante saber se ao TCU seria lícito interromper cautelarmente o curso de licitações. Não foi indagado à Suprema Corte se o Tribunal poderia tomar decisões cautelares em outras circunstâncias e para outros fins; tampouco lhe foi perguntado se o art. 276 do Regimento Interno era constitucional. Não há dúvida de que o TCU é competente para examiner editais de licitação já publicados, para em relação a eles ordenar correções e para sustá-los caso entenda que, após transcurso do prazo que tiver assinado, as ilegalidades persistam (art. 113 da Lei de Licitações c/c art. 71, IX e X, da Constituição). O STF poderia ter se limitado a dizê-lo. Ocorre, no entanto, que, por conta do debate travado pelos ministros, o julgamento acabou se desviando do ponto central da demanda e se deslocando para uma discussão teórica sobre as competências abstratamente previstas pela legislação para o TCU. A decisão, para acertar no alvo (TCU pode sustar editais de licitação), acabou usando munição em excess (TCU tem poder geral de cautela). (…) Há casos em que o STF defato modelou possibilidades de controle do TCU quando do exercício de sua competencia para praticar atos de commando (p. ex., ao admitir que a Corte de Contas pudesse atuar cautelarmente com mais liberdade). A regra, contudo, foi o reconhecimento, pela Suprema Corte, apenas de competências expressamente previstas pelo Texto Constitucional ou por leis, limitando-se a reafirmá-las e evitando firmar possibilidades de controle em casos nos quais a legislação não foi clara e assertiva.” (ROSILHO; CARVALHO, 2017, p. 192-195).   Em novembro de 2013, o Min. Celso de Mello, ao revés, entendeu pela possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, ao analisar o pedido de concessão de liminar no Mandado de Segurança 32.494-DF, em virtude da incidência da teoria dos poderes implícitos, de modo a admitir a extensão da proibição de licitar a outras empresas com os mesmos sócios. Para o ilustre julgador, “a outorga de competência expressa a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos”. Assim, estabelecidas expressamente as atribuições destinadas à fiscalização e à aplicação de sanções, há de se reconhecer às Cortes de Contas, por consequência, os meios necessários para conferir eficácia ao conteúdo e ao exercício de sua competência constitucional.   Desse modo, para os partidários da corrente afirmativa, as funções fiscalizadora e sancionadora da Corte de Contas alcança, indistintamente, quaisquer pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que lidem com recursos públicos e que tenham causado prejuízo ao erário. Logo, sendo possível fiscalizar e sancionar qualquer pessoa que possua alguma relação com valores públicos, seria perfeitamente justificável poder o Tribunal “sancionar sócios e gestores de entidades privadas que, valendo-se de ardis fraudulentos, desviaram a pessoa jurídica de suas finalidades legítimas, provocando dano aos cofres públicos” (NAGATA, 2020, p. 200)   Para Leandro Sarai, a teoria dos poderes implícitos, em brevíssima síntese, prescreve que, “havendo uma atribuição de competência a determinado ente, presume-se que os meios necessários para atingir seus fins foram atribuídos implicitamente” (SARAI, 2015, p. 210), sob pena de esvaziar o sentido da própria atribuição de competência.   Ocorre que a disregard doctrine na esfera administrativa não passaria de um problema de imputação ao efetivo responsável pela ilicitude, em virtude da dissonância entre a aparência formal e o que é efetivamente real. Em relação à constituição de pessoas jurídicas para burlar a aplicação de proibição de participar de licitações pelo Tribunal de Contas, assevera Leandro Sarai:   “No exemplo tratado no já mencionado Acórdão do Tribunal de Contas da União, ao que tudo indica, uma sociedade empresária sofreu a sanção de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração. Para fugir dessa punição, seus sócios criaram outra pessoa jurídica idêntica, com ficha limpa, tornando inócua a finalidade da pena imposta. O objetivo da criação da sociedade não foi, então, a união de esforços para um empreendimento econômico. Esse objetivo já estava concretizado com a sociedade punida. Objetivou-se apenas fugir da punição imposta, burlar o espírito da lei. O motivo determinante do negócio jurídico constitutivo da pessoa jurídica, então, é nulo, não podendo seus sócios alcançar os fins por eles pretendidos. (…) Mesmo nos casos em que a lei não imponha diretamente a responsabilidade às pessoas que presentam a pessoa jurídica, o abuso desse instituto não pode gerar o efeito jurídico buscado pelo infrator. Haverá nulidade nos negócios jurídicos com objeto ilícito.” (SARAI, 2015, p. 213)   De fato, a omissão quanto à desconsideração da pessoa jurídica pelo legislador constitucional e infraconstitucional não significa, por si só, a impossibilidade de sua aplicação pela Corte de Contas, porquanto, ao menos sob o ponto de vista pragmático, a questão se circunscreve a descobrir quem realmente veio a dar causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário (art. 71, II, da CRFB, e art. 5°, II, da Lei 8.443, de 1992), bem como aplicar adequadamente as sanções previstas em lei em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, inclusive em face dos responsáveis por pessoas jurídicas que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social (art. 71, VIII, da CRFB, e art. 5°, V, da Lei 8.443, de 1992).   Explica-se. No Acórdão 2005/2017, o Plenário do TCU confirmou a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica da empresa contratada para responsabilizar solidariamente a holding que a controla, quando presentes evidências de que a empresa controladora agiu, de forma comissiva ou omissiva, para o cometimento dos ilícitos que resultaram em dano ao erário. Afirmou-se que as sociedades controladoras deveriam responder solidariamente com as controladas, pois foram as verdadeiras tomadoras de decisão e beneficiárias do ilícito. No Acórdão 2696/2011, o TCU decidiu que os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica não se impõem apenas aos sócios de direito da empresa, mas alcançam também eventuais sócios ocultos. Valendo-se do disposto no art. 16, § 2°, “a” e “b”, da Lei 8.443, de 1992, a Corte condenou, de maneira solidária, a construtora, os dois sócios de direito e, considerado mentor intelectual e líder da organização criminosa, o sócio de fato. No Acórdão 9905/2011, o TCU obtemperou que, em face da natureza não contratual do ajuste, não se faz necessária a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para se fixar a responsabilidade do dirigente da entidade beneficiada com a transferência de recursos públicos. Isso porque o dever de prestar contas não é só da entidade, mas da pessoa física responsável por bens e valores públicos. Extrai-se, a partir das citadas decisões, serem irretocáveis os argumentos suscitados por Leandro Sarai no sentido de que o problema acerca da competência dos Tribunais de Contas para desconsiderar a pessoa jurídica é de imputação da penalidade a quem efetivamente praticou a irregularidade. Ao admitir a desconsideração indireta[4] e expansiva[5] da personalidade jurídica para atingir as sociedades controladoras, apurou-se que o verdadeiro poder não emana dos diretores, mas do grupo de controle que permanece atrás dos gestores, definindo a política de atuação. O sócio oculto também foi penalizado administrativamente por ser a pessoa que, de fato, tomava as decisões da sociedade empresária. Nesses dois exemplos, a disregard of legal entity serviu como instrumento para justificar a condenação de quem efetivamente foi o responsável pela inobservância do dever jurídico de preservação do patrimônio público e se valeu da autonomia patrimonial de pessoa jurídica para frustrar as penalidades administrativas. Da mesma forma, o fato de ser despicienda a desconsideração para se fixar a responsabilidade do dirigente da entidade beneficiada com a transferência de recursos públicos também decorre da adequada imputação do dever jurídico de prestação de contas. No caso, o TCU reconheceu a incidência dos arts. 5°, VII, e 16, § 2°, “b”, ambos da Lei 8.443, de 1992, já que, por não haver contrato administrativo, o dirigente da entidade convenente passa a ser pessoalmente responsável pela aplicação dos recursos. É verdade que a teoria dos poderes implícitos exige uma aplicação comedida. Contudo, inadmiti-la seria permitir que se puna o irreal e o imaginário, em contrariedade à busca da verdade real pelo processo administrativo, bem como endossar o abuso de direito, esquecendo que as Cortes de Contas também devem coibir a prática de ilicitudes. Como ressaltado alhures, o mercado consiste em uma instituição artificial, de sorte que fechar os olhos para práticas abusivas sob uma justificativa meramente formalista é tão perigosa quanto supostamente conferir poderes inexistentes a determinados órgãos e entidades públicos, tal como defendido pela corrente negativista. Aliás, comenta Juliano Heinen:   “Considera-se que o princípio da autonomia patrimonial representa instrumento típico do sistema da livre iniciativa e da economia de mercado, fundamental para a manutenção da lógica do capital, e que se constitui num privilégio. Apesar disto, também é verdade que ele só se justifica na medida em que a pessoa jurídica seja (sic) atue neste mercado de maneira adequada. Quando se evidencia a utilização desvirtuada, abusiva ou anormal da pessoa jurídica, com a configuração de um arranjo formal (grupo econômico), tendo por objetivo de dificultar ou impedir o sancionamento aplicado (v.g. pagamento da multa ou ressarcimento do dano), a responsabilidade deve ser estendida a todas as pessoas naturais e jurídicas integrantes do mencionado agrupamento” (HEINEN, 2015, p. 228-229).   Portanto, as competências constitucionais e infraconstitucionais dos Tribunais de Contas são suficientes para abarcar a desconsideração da personalidade jurídica das pessoas jurídicas, a fim de alcançar aqueles que, embora inseridos em complexa trama de abstrações jurídicas para furtar-se da responsabilização, vieram a participar e a se beneficiar de condutas ilícitas, sujeitando-se em alguma medida à “jurisdição” da Corte de Contas (art. 5° da Lei 8.443, de 1992). E, naturalmente,  qualquer suposto abuso perpetrado pelo tribunal permite que os órgãos judiciais competentes sejam instados a se pronunciar.   Não se pode ignorar que o art. 50 do Código Civil reserva ao magistrado o poder de desconsiderar a personalidade jurídica de pessoas jurídicas com vistas a estender os efeitos de determinadas obrigações a seus sócios, acionistas ou dirigentes. Porém, isso não significa que exista uma reserva de jurisdição, sobretudo porque o instituto pertence à teoria geral do direito, sendo a sua aplicação irrestrita a todos os ramos de direito (MORAES, 2009, p. 58). Nesse sentido, frise-se que o art. 14 da Lei Anticorrupção passou a admitir a disregard doctrine em sede de processo administrativo de responsabilização, quando a pessoa jurídica servir de instrumento para encobrir a prática dos atos previstos no art. 5° (abuso de direito) ou quando houver confusão patrimonial (ZOCKUN, 2017, p. 179).   Além disso, a excepcionalidade da medida não constitui, por si só, óbice à sua aplicação em sede administrativa, mas sim a justificativa para o estabelecimento de contornos para sua aplicação, conforme será explicado posteriormente. Em verdade, exige-se apenas que seus pressupostos gerais (nesse ponto, cabe lembrar da teoria maior) estejam presentes, após larga dilação probatório e preservadas as garantias da ampla defesa e do contraditório no processo administrativo. Inclusive, a Segunda Câmara do TCU, no Acórdão 5611/2012, ressaltou a excepcionalidade da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, restringindo-a às hipóteses de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.   2.2. A leitura principiológica da desconsideração da personalidade jurídica pelas Cortes de Contas Conforme explanado anteriormente, ambas as correntes invocam  princípios seja para sustentarem a impossibilidade ou a possibilidade de aplicação da disregard doctrine em sede de controle realizado pelo Tribunal de Contas. Assim, a despeito da reconhecida normatividade, a aplicação dos princípios deve ser utilizada de maneira adequada, de modo a impedir que espertos ou preguiçosos, nas palavras de Carlos Ari Sundfeld, ocultem o seu intento, conseguindo “iludir os espectadores com truques de mágica – com simples declaração de princípios” (SUNDFELD, 215).   O fato de a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica prescindir de previsão legal (COELHO, 2019, p. 71) não torna, por si só, corretos os argumentos da corrente afirmativa da desconsideração, pois os Tribunais de Contas se sujeitam ao princípio da legalidade formal, não possuindo exatamente os mesmos poderes de um magistrado, já que não exercem função jurisdicional propriamente dita.   Contudo, ensina Gustavo Binenbojm (2014, p. 133-140) que a inflação legislativa, a constatação histórica de que a lei formal pode autorizar barbáries, o fenômeno da constitucionalização do Direito, a criação de uma série de atos normativos infraconstitucionais capazes de, por si só, fundamentarem a atuação administrativa e o controle do processo legislativo pelo Executivo conduziram o acoplamento do sentido da legalidade formal ao que se chama juridicidade administrativa.   Segundo a nova leitura do princípio da juridicidade, a atividade administrativa não deixa de ser realizada segundo a lei (atividade secundum legem). Todavia, nada impede que a atuação administrativa encontre fundamento direto na Constituição, independente ou para além da lei (atividade praeter legem)[6], ou, ainda que contra a lei, possua lastro numa ponderação da legalidade formal com outros princípios constitucionais (atividade contra legem, mas com fundamento numa otimizada aplicação da Constituição) (BINENBOJM, 2014, p. 148).   Em virtude da leitura moderna do princípio da legalidade, submetendo a Administração ao bloco de legalidade, e não a mera lei formal, os defensores da teoria afirmativa obtemperam não ser a ausência de norma específica suficiente para que sejam permitidos atos que afrontem a moralidade administrativa e os interesses públicos envolvidos (PEREIRA JÚNIOR; DOTTI, 2010, p. 106). O STJ, aliás, com o escopo de conciliar o aparente conflito entre a legalidade e a moralidade administrativa, admitiu o manejo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica pela Administração Pública, mesmo à margem de previsão normativa específica. Nesse sentido, eis a ementa do seguinte acórdão:   “ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SANÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR. EXTENSÃO DE EFEITOS À SOCIEDADE COM O MESMO OBJETO SOCIAL, MESMOS SÓCIOS E MESMO ENDEREÇO. FRAUDE À LEI E ABUSO DE FORMA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. – A constituição de nova sociedade, com o mesmo objeto social, com os mesmos sócios e com o mesmo endereço, em substituição a outra declarada inidônea para licitar com a Administração Pública Estadual, com o objetivo de burlar à aplicação da sanção administrativa, constitui abuso de forma e fraude à Lei de Licitações Lei n.º 8.666/93, de modo a possibilitar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para estenderem-se os efeitos da sanção administrativa à nova sociedade constituída. – A Administração Pública pode, em observância ao princípio da moralidade administrativa e da indisponibilidade dos interesses públicos tutelados, desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade constituída com abuso de forma e fraude à lei, desde que facultado ao administrado o contraditório e a ampla defesa em processo administrativo regular. – Recurso a que se nega provimento.” (RMS 15.166/BA, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2003, DJ 08/09/2003, p. 262).   Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento (2017, p. 201-202) caracterizam o paradigma pós-positivista da segunda metade do século XX como uma retomada da ligação entre o Direito e a Moral, de maneira a criar um ambiente fértil ao surgimento de uma nova dogmática jurídica, a qual reconhece a normatividade dos princípios e possibilita o desenvolvimento de uma argumentação jurídica mais aberta, intersubjetiva e permeável a valores, não se restringindo à lógica formal da norma jurídica. A aproximação do Direito e Moral, desse modo, dá ensejo a um movimento designado como “neoconstitucionalismo”, em que se constata: (1) o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e valorização da sua importância no processo de aplicação do Direito; (2) a rejeição ao formalismo e, por conseguinte, a utilização de métodos ou “estilos” mais abertos de raciocínio jurídico; (3) a constitucionalização dos ramos do Direito, com a irradiação das normas e valores constitucionais, sobretudo os relacionados aos direitos fundamentais a todo o ordenamento jurídico; (4) a reaproximação entre o Direito e a Moral; e (5) o aumento da judicialização da política e das relações sociais, havendo relativo esvaziamento da esfera decisória do Executivo e do Legislativo.   Ao analisar a virada epistemológica promovida pelo neoconstitucionalismo, Paulo Ricardo Schier (2005, p. 145-165) ressalta a ideia da filtragem constitucional, fundada na defesa da força normativa da Constituição, na dogmática constitucional, na legitimidade e vinculatividade dos princípios e na constitucionalização do direito infraconstitucional. Quanto ao fenômeno da filtragem constitucional no Direito Administrativo, Gustavo Binenbojm (2014, p. 104) assevera ter ocorrido a redefinição da supremacia do interesse público sobre o privado, tornando-se dependente de juízos de ponderações entre direitos individuais e interesses coletivos presentes em determinado caso concreto. Por isso, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado tem sido contestada fortemente pela doutrina moderna (MEDAUAR, 2017, p. 378), permitindo inferir-se a insuficiência para oferecer uma base apriorística apta a conduzir à desconsideração da personalidade jurídica (SARAI, 2015, p. 209).   Porém, a desconsideração da personalidade jurídica não representa a supressão de direito individual algum, mas sim a restauração de uma situação jurídica que o abuso e a fraude pretendiam eliminar (PEREIRA JÚNIOR; DOTTI, 2010, p. 106). Cuida-se de uma irregularidade, cujo reconhecimento é imprescindível ao adequado exercício das funções fiscalizadora, corretiva e sancionadora da Corte de Contas, não havendo qualquer direito fundamental ou interesse privado apto ao seu afastamento, ressalvadas as garantias aplicáveis ao processo administrativo.   A Lei 13.655, de 25 de abril de 2018, relativamente ao abuso da utilização dos princípios para a tomada de decisões, passou a incluir na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) uma série de dispositivos, a exigir do operador do Direito, quando houver a aplicação de valores abstratos ou a declaração de invalidade de determinado, a demonstração das consequências práticas de suas decisões. Da mesma maneira, as novas regras prescrevem que a interpretação das normas administrativas deverá levar em conta a realidade imposta ao tomador das decisões, sem prejuízo dos direitos do administrado. Portanto, a invocação dos princípios da moralidade administrativa e da superioridade do interesse público não é de todo equivocada, pois – apesar de constituírem conceitos vagos e indeterminados – a disregard doctrine é medida impositiva em relação à realidade de certos casos submetidos à análise da Corte de Contas como forma de afastar os efeitos negativos do abuso de direito.   Por derradeiro, o princípio da intranscendência das sanções no processo administrativo[7], previsto no art. 5°, XLV, da CRFB, não é vilipendiado pela desconsideração da personalidade jurídica, na medida em que o instituto preserva a parte inocente, a qual não detém poderes (fáticos ou jurídicos) de decisão no ente colegiado. Embora a pessoa jurídica seja definida como uma realidade técnica, são os indivíduos responsáveis pelo direcionamento de sua vontade e pelas suas ações, de sorte que os ilícitos perpetrados nascem a partir da conduta das pessoas físicas que a dirigiam (NAGATA, 2020, p. 200). O princípio da intranscendência das sanções, na realidade, não constitui óbice, mas um dos limites para a desconsideração da personalidade jurídica pelos Tribunais de Contas, conforme será exposto a seguir.   Angélica Petian menciona três pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica na esfera administrativa. O primeiro pressuposto consiste na investigação do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial no bojo de um processo administrativo, de maneira a observar o devido processo legal. O segundo pressuposto consiste na comprovação da fraude ou do abuso de direito. E, por fim, o terceiro pressuposto é a observância dos elementos da decisão administrativa, em especial a motivação (exposição dos motivos jurídicos e fáticos da desconsideração) (PETIAN, 2010).   Bruno Mitsuo Nagata (2020, p. 201-203), na mesma trilha, ressalta que o primeiro limite à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica consiste na demonstração inequívoca do abuso de direito da pessoa jurídica. Além disso, é imprescindível a caracterização do dano ao erário, uma vez que, “não se comprovando a lesão aos cofres estatais não há que se falar em responsabilização individual dos sócios e administradores pelo uso viciado da personalidade jurídica” (NAGATA, 2020, p. 202). Exige-se que a responsabilização fique restrita aos sócios que, comprovadamente, tenham participado dos atos irregulares, bem como seja observado o devido processo legal, não podendo o Tribunal de Contas deixar de oportunizar a ampla defesa e o contraditório.   Dito isso, constata-se que os limites à desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais de contas podem ser formais, relativos às garantias processuais, e materiais, relativos aos requisitos substanciais da desconsideração em si. Os limites formais, nesse sentido, podem ser sintetizados da seguinte maneira: (1) observância do órgão competente, já que a proposta de desconsideração da personalidade jurídica, nos casos de abuso de direito, deve ser submetida ao colegiado competente para julgar o processo em que ocorre a questão incidental; (2) exercício da ampla defesa e do contraditório, já que, após a deliberação do colegiado, as pessoas físicas supostamente responsáveis pelo abuso da personalidade jurídica deverão ser citadas para apresentar sua defesa no processo adminstrativo; (3) dilação probatória capaz de comprovar o desvirtuamento da função social e econômica da pessoa jurídica; e (4) adequada exposição dos motivos de fato e de direito que conduziram ao levantamento episódico do véu protetivo da pessoa jurídica, sem o emprego de frases desconexas com o caso concreto submetido à análise da Corte, o que servirá como parâmetro para eventual controle judicial em caso de impugnação. Quanto aos limites materiais, as modificações positivadas pela LLE possuem grande relevância no âmbito dos processos adotados nas Cortes de Contas. Nessa medida, o mero prejuízo ao erário não autoriza a aplicação direta e imediata da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, fazendo-se necessária a presença do abuso da personalidade, caracterizado ou pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme inteligência do art. 50 do Código Civil. O desvio de finalidade, para tais fins, é definido pelo uso abusivo da personalidade jurídica com o propósito de fraudar e trazer danos ao erário, tais como a criação de uma empresa de fachada, ou para a prática de atos ilícitos, a exemplo da criação de pessoa jurídica simplesmente para emitir “notas fiscais frias” em favor de sociedade empresária contratada pela Administração. Note-se que a intencionalidade dos agentes não possui maior relevância para a configuração do abuso de direito pelo desvio de finalidade[8], sendo imprescindível o cotejo entre as funções sociais e econômicas da pessoa jurídica, elencadas no art. 49-A, parágrafo único, do Código Civil, e os fins ilícitos efetivamente perseguidos, conforme explicado alhures. A confusão patrimonial, por outro lado, ocorrerá quando inexistente a separação fática entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios, acionistas, dirigentes ou controladores. Ademais, a mera existência de um grupo econômico não configura, nos termos do art. 50, § 4º, do Código Civil, a confusão patrimonial. Por último, outro ponto importante é ressaltar, com base no princípio da intranscendência das sanções, a impossibilidade de extensão da desconsideração àqueles destituídos de algum poder de decisão na sociedade, de modo a não alcançar os empregados e os sócios cotistas, exceto quanto a estes quando comprovada a utilização abusiva da personalidade para tomar parte nas práticas irregulares.   Conclusão Recentemente, o Plenário do TCU, no Acórdão 2273/2019, admitiu a citação de sócios de empresa, independentemente da prévia desconsideração da personalidade jurídica, caso tenham participado ativamente de irregularidade da qual resultou prejuízo ao erário. O Min. Benjamin Zymler ponderou, na linha do que foi defendido no tópico relativo às competências dos Tribunais de Contas, que os arts. 70, parágrafo único, e 71, incisos II e VIII, da CRFB evidenciam “o poder-dever de o Tribunal de Contas da União julgar, não só as contas dos administradores, mas de qualquer pessoa física ou jurídica que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público”. A desconsideração da pessoa jurídica tem por escopo descobrir quem realmente veio a dar causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, bem como aplicar adequadamente as sanções previstas em lei em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas. É uma solução ao problema da imputação de quem realmente veio a praticar o dano. Negar isso aos Tribunais de Contas é o mesmo que punir o inexistente e fomentar o abuso de direito. A despeito da vagueza e indeterminação conceitual, os princípios da moralidade administrativa e da superioridade do interesse público poderiam servir como justificativas gerais para a disregard doctrine, porquanto representa medida imposta à Corte de Contas pela realidade dos fatos. Não podem ser ignorados, na linha do disposto nos arts. 20 e 22 da LINDB, os incentivos implícitos à prática de fraudes e os obstáculos ao exercício das funções de fiscalização, correção e punitiva, caso seja adotada a corrente negativista. Vê-se, portanto, que as competências constitucionais e infraconstitucionais dos Tribunais de Contas são suficientes para abarcar a desconsideração da personalidade jurídica das pessoas jurídicas, ao contrário do que propugna a corrente negativista, desde que observados os limites formais e materiais impostos pelo ordenamento, em especial pela construção positivada pela LLE.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/possibilidade-e-limites-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-pelos-tribunais-de-contas-uma-analise-sob-a-perspectiva-da-lei-da-liberdade-economica/
Política Social e Direitos Humanos: as concepções da política de saúde e a aplicabilidade no serviço público federal
O presente artigo faz uma breve análise da implantação das políticas sociais relacionadas à garantia dos direitos humanos e suas relações com o Estado. A partir dessa analise é possível avaliarmos a forma com que são implantadas as políticas sociais, mais precisamente a política de saúde e os desafios da inclusão da universalidade aos desiguais. Assim, diante da reflexão da política de saúde, podemos ampliar a discussão, tecendo breves apontamentos sobre a implantação da política de atenção a saúde do trabalhador no âmbito do serviço público federal. Quanto a última, o que se observa, é que a implantação se dá através da mesma lógica, ou seja, focalizando, prioritariamente, nas demandas mais basilares daquela coletividade, direcionadas ao atendimento linear de toda força de trabalho envolvida, desconsiderando as especificidades relativas às diferentes atividades desenvolvidas por cada carreira. Os aspectos econômicos e sociais são relevados e a necessária isonomia na condução das políticas públicas não ultrapassa o plano conceitual, considerando que o atendimento a uma sociedade desigual não pode ser efetivado mediante o tratamento dos desiguais com igualdade.
Direito Administrativo
Introdução O conhecimento das políticas sociais merece ser entendido como garantia da implementação dos direitos humanos e sua indisfarçável vinculação ao Estado, gerada diante de seu caráter público, impondo, necessariamente, o aprofundamento da discussão sobre os dois institutos, as políticas sociais e os direitos humanos. Cabe registrar que a importante implementação dos direitos fundamentais faz parte de um longo processo histórico que exige o constante incremento da participação popular, com vistas ao seu reconhecimento legal e, consectariamente, a busca por sua universalização mediante a construção das políticas públicas. Inicialmente, cumpre destacar, que os direitos elevados a esta categoria se fundamentam a partir de três dimensões, que são ligadas conceitualmente ao tema da revolução francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A primeira dimensão buscou restringir a ação do Estado frente aos particulares, a segunda agregou os direitos que envolvem as prestações positivas mediante o oferecimento de serviços públicos, e a terceira incluiu os direitos difusos e coletivos, aqueles que não podem ser titularizados diante de sua ampla legitimidade, como o direito ao meio ambiente equilibrado. Assim, a apropriação das políticas sociais está mais intimamente relacionada ao alcance dos direitos fundamentais de segunda dimensão, diante da maior vinculação impõe do poder público com as prestações positivas de que passaram a ser credores seus cidadãos. Se valendo dos conceitos acima descritos a Constituição Federal de 1988 visou a reconstrução do modelo estatal nacional e a substituição do modelo autoritário pelo democrático, admitindo e incentivando a participação política dos estratos sociais articulados. Dessa maneira, se tornaram conhecidas as demandas que cada um deles pretendia ver atendidas pelo corpo social. A ampliação das políticas sociais percorria caminhos paralelos a tais interesses, ora mais, ora menos próximos, mas é correto afirmar que havia crescente expansão. Em determinado momento da história recente do país, ocorreu considerável alteração nesse panorama diante da assumida ressignificação do Estado através das práticas neoliberais. Estas impuseram um viés mais restritivo à proclamada amplitude do reconhecimento dos direitos sociais outorgados na carta política. A implementação das políticas sociais passou a ser restrita a adoção de ações com vistas a garantia de direitos mínimos a determinados grupos de cidadãos considerados os mais expostos, tais como crianças, idosos e trabalhadores de baixa renda. Considerando o compromisso assumido pela nação através da Constituição Federal de 1988, onde o Estado brasileiro se comprometeu a prestar políticas de bem estar social, acrescentando que a partir daí se construiria uma sociedade livre, justa e solidaria, erradicando assim a pobreza e a marginalização, dentre outros compromissos igualmente nobres, não faltam críticas ao modelo de aplicação e seleção adotado. A matriz política que vem sendo operada se traduz na redução das desigualdades de maneira focalizada, critica aplicada, principalmente, aos governos de ideologia de esquerda, que, ao menos conceitualmente, reconhecem que a pobreza e as desigualdades sociais estão fundamentadas em realidades que extrapolam as questões focalistas. O objetivo desse trabalho passa por desenvolver uma breve discussão sobre a política de saúde na sua conformidade e formas de atuação sociais, aprofundando o olhar sobre a saúde coletiva e suas formas de planejamento e operacionalização através da lógica neoliberal. E, na mesma linha, abordaremos a temática da implantação da política de atenção à saúde dos servidores públicos federais, reafirmando a forma do Estado na implementação de políticas de cunho focalista, com objetivos distantes das reais necessidades da sociedade. 1. As Políticas Sociais como Instrumento de Garantia dos Direitos Humanos O debate acadêmico das políticas sociais impõe sua conceituação e localização dentro do sistema democrático como instrumentárias a garantia e ampliação dos direitos humanos fundamentais, entretanto é imperioso determinar o anterior caráter público de tais medidas, ampliando seu espectro vinculante do Estado diante seu caráter público, incluindo o privado, o coletivo, o corporativo e o individual. Afirmar a origem pública da política social significa impor a participação de todo o grupo social na construção do espaço destinado ao convívio harmônico de todos, conectando as ações do Estado e da sociedade após os inevitáveis conflitos de legitimação de interesses na construção do bem-estar. A participação democrática se impõe, pois a demanda por aquisição de direitos engloba decisões individuais, coletivas, corporativas e partidárias na formação da política pública. Importa apontar a sempre presente disputa de interesses na formulação de qualquer opção política, mas salvaguardar o indissociável interesse público na condução do ente estatal. Tal postura exige a consideração do mais apropriado a todos, e não especificamente a ninguém, como muitas vezes é definido o que é público. Impõe conduzir os instrumentos de alcance dos direitos fundamentais, as políticas públicas, sem sobrelevar objetivos meramente particulares, partidários, corporativos e, ainda, garantir suas permanências frente às dificuldades impostas pelos cálculos contábeis nos momentos de crises. Definidas as políticas públicas que conduzirão as ações do Estado e da sociedade é preciso registrar que sua imposição frente ao ente social se deu em decorrência de um histórico processo de consolidação dos chamados direitos fundamentais. Lutas sociais com o objetivo de vincular o primeiro ao respeito aos direitos do homem, para posteriormente consagrá-los como direitos fundamentais e em suas relações internacionais buscar o registro por seus pares como direitos humanos nos instrumentos internacionais. Em linhas gerais não há diferenças marcantes em suas conceituações, podendo serem consideradas como sinônimas. Afirmar que os direitos fundamentais, nomenclatura utilizada pela Constituição Federal, são fruto de um processo histórico significa reconhecer que foram paulatinamente sendo incorporados como tal após longas conquistas políticas do corpo social frente ao ente estatal. São consideradas, inicialmente, três dimensões de direitos que se ligam conceitualmente ao lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. A primeira dimensão trouxe os direitos que buscam restringir a ação do Estado sobre o indivíduo, impedindo que aquele se intrometa de forma abusiva na vida privada das pessoas. São, por isso, também chamadas liberdades negativas: traduzem a liberdade de não sofrer ingerência abusiva por parte do Estado. Para o Estado, consistem em uma obrigação de “não fazer”, de não intervir indevidamente na esfera privada. O cidadão tem o direito de exigir a não demasiada intervenção estatal em sua intimidade. Baseados na liberdade, são os direitos civis e políticos. A segunda dimensão agregou os direitos que envolvem prestações positivas do Estado aos indivíduos (políticas e serviços públicos) e, em sua maioria, se caracterizam por serem normas programáticas, impõe sua progressiva implantação pelas políticas públicas. São, por isso, também chamados de liberdades positivas. Para o Estado, constituem obrigações de fazer algo em prol dos indivíduos, objetivando que todos tenham “bem-estar”, em razão disso, eles também são chamados de “direitos do bem-estar”. Os direitos de segunda dimensão têm como valor fonte a igualdade. São os direitos econômicos, sociais e culturais. Como exemplos de direitos de segunda geração, citamos o direito à educação, o direito à saúde e o direito ao trabalho. A terceira dimensão inclui os direitos que não protegem interesses individuais, mas que transcendem a órbita dos indivíduos para alcançar a coletividade (direitos transindividuais ou supraindividuais). Os direitos de terceira dimensão têm como valor-fonte a solidariedade, a fraternidade. São os direitos difusos e os coletivos. Citam-se, como exemplos, o direito do consumidor, o direito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado e o direito ao desenvolvimento. Fica evidente, diante do exposto, que debater a efetividade das políticas sociais se relaciona intrinsicamente com a apropriação dos direitos fundamentais de segunda dimensão, as denominadas liberdades positivas, que impõe ao poder público o oferecimento de prestações positivas aos seus cidadãos. Sua previsão constitucional vincula a condução estatal ao seu atendimento condicionando ao conhecimento das necessidades e demandas sociais. Avançando, é forçoso concluir que a fixação de metas a atuação pública termina por impor também ao corpo social organização e participação nos espaços políticos da nação. Explicitando os anseios individuais, coletivos, corporativos, partidários e econômicos com vistas à formação da política pública e social que norteará a ação estatal. Neste ponto se faz necessário reforçar o caráter público das políticas sociais, que devem alcançar os interesses maiores considerando o bem-estar social. Assim leciona Faleiros, pag. 21: “O conteúdo de uma política social não é simplesmente a definição legal do seu objetivo, nem o discurso tecnocrata que a justifica. Trata-se, primeiramente e antes de tudo, de um pleito, de uma questão disputada pelas diferentes forças sociais que manifestam as contradições da sociedade e dos interesses em confronto.” A constituição do Estado como hoje se observa, muito embora a inegável retração das prestações por este oferecidas diante da exacerbação de práticas neoliberais, é decorrente do fortalecimento das práticas democráticas que possibilitaram a ampliação dos estratos sociais na condução dos assuntos públicos. Pode parecer contraditória a necessidade de intervenção estatal para a garantia das chamadas liberdades positivas, as prestações que deve fornecer o ente público a seus cidadãos menos favorecidos, mas não é. Diante da amplitude de meios e recursos de que dispõe a máquina administrativa, a sua capacidade de regular condutas através das leis e de exercer seu poder de coercitividade a todos que a elas desrespeitem mediante o Poder Judiciário, o Estado é o ente social mais capacitado na busca pela igualdade material entre seus cidadãos. A materialidade da igualdade ultrapassa a já garantida igualdade formal, aquela decorrente apenas da lei. Esclarecendo, a garantia de liberdade ao cidadão, considerando-se que somente é livre aquele ser dotado das mínimas condições culturais, econômicas e materiais de conduzir dignamente seu destino, impele a ação estatal a garantir mediante políticas públicas sociais e econômicas. A aparente contradição na ação estatal é exposta pela necessidade de suas ações que reduzem a liberdade geral, condicionando comportamentos do mercado e das classes que nele atuam, mas que tal postura visa à garantia de direitos de uma parcela mais ampla quantitativamente e hipossuficiente estruturalmente. Corrobora com tal apontamento, conforme Pereira (2011, p.99): “É o Estado, além disso, que, ao mesmo tempo em que limita a desimpedida ação individual pode garantir direitos sociais, visto que a sociedade lhe confere poderes exclusivos para o exercício dessa garantia. Na prática, a ingerência do Estado na realidade social é tão antiga, que só quem não esteja disposto a reconhecê-la, não a percebe. Mesmo nos regimes liberais mais ortodoxos, expressamente avessos à intervenção estatal, o Estado sempre interveio politicamente para atender demandas e necessidades, seja da esfera do trabalho, seja da esfera do capital.” Mediante a participação política dos vários setores que compõem a sociedade são conhecidas as demandas que cada um daqueles pretende ver atendidas pela atuação estatal, entretanto a origem social, na maioria das vezes, não se reveste do necessário caráter público que deve se fazer presente na condução do Estado. A política social para possuir caráter público precisa extrapolar os interesses setoriais e atingir um sentido de universalidade, de algo que deve pertencer e ser oferecido a todos os cidadãos de determinado Estado, como direito de todos, não como privilégio de alguns. Em caráter objetivo, implementar política social significar implementar ações com vistas a garantir direitos mínimos a determinados estratos sociais mais expostos ao risco, como crianças, idosos e trabalhadores, estender os serviços de saúde e educação de maneira universal e, ainda, transferir renda aos mais pobres em situação de risco, como na doença, no desemprego e na extrema pobreza. Tais ações são denominadas como de bem-estar social, dando origem ao modelo estatal conhecido como “WelfareState”, mas com este não se confundem diante de sua maior amplitude, como assinala Pereira, (2011, p.178): “Como já assinalado, o WelfareState é a instituição encarregada de promover o bem-estar social, enquanto o social welfare é o resultado de uma ação política que confere efetivo bem-estar a indivíduos e grupos. Em particular, o bem-estar tem estreita relação com a política social visto que a esta compete garantir à população níveis de renda e acesso a recursos e serviços básicos, impedindo-lhe de cair na pobreza extrema, no abandono e no desabrigo.” O Estado brasileiro assume na Constituição Federal de 1988 a responsabilidade de prestar políticas sociais de bem-estar, assegurando expressamente o acesso universal à saúde, à educação e à seguridade social. Acrescenta, como alguns de seus objetivos, construir uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, dentre vários outros compromissos de índole social. Muito embora a nobreza do compromisso de redução das desigualdades sociais e da erradicação da pobreza assumido no texto constitucional se faz necessário apontar como exemplo as críticas surgidas aos governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores, diante da política adotada de redução das desigualdades focalizadas somente em programas de erradicação da pobreza e mediante programas de transferência de renda. Os autores Theodoro e Delgado (2003, p.123) consignam: “O abandono da perspectiva inclusiva e a opção pela gestão da pobreza num ambiente avesso a mudanças parecem ser a tônica da proposta focalista. Contudo, é difícil imaginar um progressivo desmantelamento dos mecanismos de reprodução da pobreza produzido a partir de programas paliativos de transferência de renda. É evidente a importância de mecanismos de transferência de renda para segmentos carentes. Entretanto, esse não pode ser o núcleo de uma política social ou de uma política de redução da desigualdade, sob pena de se engessar essas desigualdades e, por conseqüência, inviabilizar o projeto de transformação social do governo atual.” O ensaio traz à tona a desigualdade social, apontando-a como o maior drama brasileiro desde sempre e o tratamento então dispensado pelos governos de viés neoliberal, inclusive sendo utilizado por até a pouco conduzia a nação. O tratamento dispensado a tal grave mazela consistia na adoção de políticas sociais focalizadas na pobreza, como instrumento único de reversão de uma questão de caráter complexo, para o qual contribuem o Estado, o mercado, a moeda, a ordem jurídica, dentre outras instituições. Os autores não apontam como um erro as iniciativas de combate à pobreza, questionam, sim, sua seleção como única solução devido as suas, já apontadas, múltiplas origens que demandam enfrentamento também amplo, não simplesmente focal. A simples utilização do método criticado não se mostrara capaz de reverter as iniqüidades e gerar inclusão social perpetuando o quadro de desigualdades com a simples redistribuição de renda para combater a pobreza, que mesmo no período de desenvolvimento econômico vivenciado entre 1950 e 1970, não permitiu a redução da desigualdade social. 2. A Conformação da Política de Saúde no Âmbito da Sociedade Adentrando o espectro das políticas sociais que atendem a saúde da sociedade, a história aponta que o planejamento das ações de saúde no Brasil se originam na atenção à urbanização como produto de patologias e que propiciavam a possibilidade de construção de um estado positivo de saúde. Tal circunstância decorre do início tardio do processo de industrialização nacional, pois é patente que em todos os lugares a atenção aos aspectos da saúde está intimamente ligada aos anseios do mercado de trabalho, que busca selecionar da maneira mais eficientes os trabalhadores mais saudáveis, conforme a atividade laboral a ser desenvolvida, e por isso, mais produtivos. Além disso, as políticas, sejam elas quais forem, não são pensadas tendo como norte basilar, o ser humano e as reais necessidades apresentadas, e sim, os interesses estatais de incluir o que é entendido através de seus interesses de governo e percepções. Dessa forma, são implementadas todas as políticas públicas direcionadas a população. Mas o que nos cabe aqui é pensar por que as políticas que foram criadas dessa forma e continuam a ser pensadas assim. Aqui temos como foco pensar a saúde através da saúde coletiva. A saúde coletiva pensada através da epistemologia, nos trará discussões de como deveria ser sua construção e consequente implementação. Conforme Merhy (2015, p.13), “afirma que na lógica neoliberal, a instituição de saúde, transformada em “empresa”, desenvolve o papel de um complexo produtivo, onde a finalidade e a justificativa de sua existência (o doente) tornam-se secundários”. A partir dessa afirmação é possível refletir como vem sendo desenvolvido o caráter de saúde coletiva no âmbito da sociedade. A começar pelo pensamento macro da política, onde são pensados os aspectos gerados da mesma e assim continuam a ser desenvolvidos, perpassando as esferas de sua implementação, que vai desde a questão governamental, desse para os gestores da política, adentra a instituição e recai aos operadores finais, ou seja, aqueles que farão a política acontecer. Nos cabe aqui, ainda que incipiente, problematizar todos esses pilares da construção, a começar então pelo governo, a partir da questão estatal, onde primeiramente é gestado esse processo. Diante desse pensado, não podemos iniciar qualquer problematização sem adentrar a perspectiva dos direitos humanos, o que é confirmado por Stefanini, (2015, p.66): “A persistência das desigualdades vivida na prática cotidiana coloca fortemente em pauta o discurso dos direitos humanos e a violação deles, decorrente da condição de pobreza, origem étnica, cor da pele, diferenças de gênero com consequentes impactos na saúde. É nesse contexto que direitos humanos, equidade e saúde tornaram-se temas centrais de norte a sul do planeta, quando fazem referência aos valores que se referem a vida e a morte, á igualdade social, a dignidade e integridade da pessoa. È importante então questionar as relações recíprocas entre saúde e direitos humanos na perspectiva de que estes não são somente complementares, mas fundamentalmente ligados uma ao outro.” Pensar saúde coletiva, nos faz ir além do que é cotidianamente posto, e sim, pensar que esse é um direito humano, que deve ultrapassar as barreiras da igualdade humana, matéria essa que já devia estar vencida a muito, e sim deve-se pensar a partir dos desiguais, ou seja, para quem ofertamos saúde, para grupos homogêneos? É explicito que não. É exatamente a heterogeneidade do ser, que deve nos fazer pensar quando falamos de saúde coletiva. A heterogeneidade do ser inicia na sua concepção e atravessa todas as etapas da vida humana. A raça humana por si só já é diferente, mas aqui nos cabe pensar nas desigualdades de espaços, econômicas e da própria subjetividade do ser, que conformam a vida de cada um. Assim, poderíamos afirmar que a conformação das políticas de uma forma geral, deve ser pensada a partir das desigualdades, reafirmamos que não as desigualdades propriamente ditas, aquelas que estão sempre em mente quando se pensa em igualdade, direitos humanos, mas muito mais que isso. Cabe ser analisado, onde e como vive determinada população, a que tipos de trabalho estão expostos, como são suas condições de moradia, qual tipo de alimentação é acessada. Conforme afirma Stefanini (2015, p.67), “intervir de maneira positiva sobre a saúde e os direitos humanos implica reconhecer que na sociedade alguns estão em risco de adoecer muito superior a outros”. Diante dessa perspectiva, devemos aprofundar dando ênfase ao pensamento do porque as políticas quando garantidas são implantadas sob o discurso da universalidade, igualdade, mas não são consideradas as desigualdades postas. É fato que pensar essa desigualdade, é reconhecer a interlocução das realidades vividas, com a questão da saúde. O que se sabe que não é o interesse, para um sistema que trabalha na compensação, com políticas focalizadas, que pretendem nada mais do que atender a questões aparentes e emergentes. Assim a operacionalização institucional reproduz a mesma pratica e discurso, ou seja, o modelo de olhar é o mesmo para todas as implantações. Um exemplo disso são os postos de atendimento de saúde, pois, todos possuem o mesmo formato, a mesma composição médica, de profissionais de enfermagem e o mesmo formato de atendimento nas unidades. Cabe salientar que todos os locais onde há a implantação são diferentes em sua dinâmica econômica e social, dessa forma é perceptível que os modelos instituídos não levam em consideração as diferenças e peculiaridades, reproduzindo assim a universalização para as desigualdades, o que acaba não atendendo o que de fato são as necessidades do atendido e, consequentemente, daquela determinada comunidade/população. Conforme afirma Merhy (2015, p.10): “Faz-se então importante decidir, primeiro de tudo, quais os serviços que podem ser fornecidos sem muitas perturbações, tentando convencer os clientes de que esses são exatamente os serviços dos quais necessitam e que suas percepções das próprias necessidades são falíveis, não sendo eles capazes de julga-las. Uma vez convencidos, os clientes, a organização agira de maneira a lhes ocultar das vistas eventuais alternativas ao serviço que a própria fornece. Em alguns casos, poderá ser necessário tranquilizar o público por meio de uma avaliação aparentemente independente sobre o efetivo funcionamento dos serviços.” Desse modo, o que encontramos é uma conformação de que o serviço ofertado está de acordo com as necessidades, pois há um convencimento de que a estrutura e os profissionais atendem as necessidades que estão ao seu alcance. Assim adentramos a questão dos operadores finais da política, os profissionais que fazem o serviço acontecer no âmbito das instituições. Os profissionais que desenvolvem suas atividades nessas estruturas acabam por serem manipulados por um sistema, que quando criado já parte desse objetivo, o de dominar a instituição e o trabalhador, para que assim atendam somente a demandas básicas, elencadas no escopo da política, e que irá ser operacionalizada para toda população da mesma forma, desconsiderando as peculiaridades pessoais, econômicas e sociais. Diante desse cenário de reprodução, Merhy (2015, p.12), nos afirma que: “No entanto o que acontece no campo da programação em saúde, assim como em outros ramos das ciências, é que via de regra se limita a planificar respostas formalmente universais (isto é, programadas para todos os cidadão), as quais por sua vez terminam por responder as necessidades do grupo dominante e por controlar ou conter as reais necessidades da comunidade.” Dessa forma o próprio profissional é impedido de ter o real conhecimento das demandas existentes, isso porque não é de interesse que sejam propagados nem mesmo no ambiente de trabalho as dificuldades apresentadas no âmbito da operacionalização das diferentes áreas. As informações acabam por ser reprimidas para que assim não possam ser difundidas e verificadas como um problema a ser resolvido. Inevitavelmente nesse processo o que ocorre é “compreender e tornar explícitos, junto aqueles que são objeto desta manipulação”.Merhy (2015, p.13), “Então a avaliação quantitativa é o que acaba sendo reproduzido, através da medição da prestação dos serviços ofertados, através de numerosos sistemas que são implantados, no intuito de mostrar produtividade e não a qualidade de saúde da população, reforçando assim os serviços de cunho produtivista. E assim, vamos operando as políticas em resposta não as necessidades individuais de cada ser, mais sim, ligadas diretamente ao compromisso do Estado em garantir os direitos humanos básicos, a Constituição Federal de 1988, atendendo assim ao clichê, “saúde é direito de todos e dever do Estado”. 3. A Politica de Saúde Proposta ao Servidor Público e o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS) Ainda no que tange a discussão sobre saúde, adentrado agora a questão da saúde, particularmente a questão da saúde do servidor público federal. Em meados do ano 2000, por meio de mobilizações oriundas dos servidores e dos sindicatos de representação das categorias, que pressionavam pela implementação de Políticas de saúde e segurança aos servidores públicos e diante do cenário do recém-eleito governo brasileiro, que propunha a “revitalização do Estado, o qual deveria ter um papel ativo na redução das desigualdades e na promoção do desenvolvimento” começou a ser implantada a Política de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (PASS). A PASS é definida como: “O processo de democratização das relações de trabalho que visa debater questões relativas à saúde e à promoção da saúde no trabalho do servidor público federal, bem como estimular as organizações de saúde por locais de trabalho. È uma das estratégias para a melhoria das condições ambientais do trabalho e de valorização do servidor público e a sensibilização de gestores e servidores para as questões da saúde no trabalho que propiciem mudanças de atitude e possibilitem tomada de decisão.” (SILVA, 2013, p. 104). Antes o que se tinham eram ações isoladas. A implantação foi alicerçada sob três princípios, sendo eles, a vigilância em saúde, perícia médica e promoção à saúde. Esse tripé foi pensado e construído a partir das realidades vividas no âmbito do serviço público com o objetivo de acolher as demandas oriundas do trabalhador, provendo prioritariamente a saúde. Essa análise permitiu ao Governo federal formular uma política de atenção à saúde e segurança do servidor público. Então, foi instituído pelo Decreto 6.833 de 2009 o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal – SIASS, que define, em seu art. 3º, as suas principais diretrizes: “Art. 3º Para os fins deste Decreto, considera-se: I- assistência à saúde: ações que visem a prevenção, a detecção precoce e o tratamento de doenças e, ainda, a reabilitação da saúde do servidor, compreendendo as diversas áreas de atuação relacionadas à atenção à saúde do servidor público civil federal; II- perícia oficial: ação médica ou odontológica com o objetivo de avaliar o estado de saúde do servidor para o exercício de suas atividades laborais; e III – promoção, prevenção e vigilância à saúde: ações com o objetivo de intervir no processo de adoecimento do servidor, tanto no aspecto individual quanto nas relações coletivas no ambiente de trabalho.” O Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor – SIASS prevê, além dos três grandes eixos – assistência, perícia, promoção e vigilância à saúde – uma ferramenta de comunicação, o Portal do SIASS, com o objetivo de integrar e divulgar ações, legislações, dicas de saúde, notícias, artigos, eventos e toda informação que for necessária para o fortalecimento da construção coletiva, que é essa nova Política de Atenção à Saúde do Servidor. O SIASS não visa definir formas de gestão internas aos órgãos, mas sim organizá-las, estimulando a realização de convênios intermediados pela Secretaria de Recursos Humanos, do Ministério do Planejamento, em prol da padronização dos procedimentos legais, como a padronização dos serviços de saúde e perícia médica, o uso racional dos recursos humanos, financeiros e materiais, da gestão das informações sobre saúde e da promoção de ações de atenção à saúde do servidor. Apresentados os dados básicos da implantação da Política de Atenção à Saúde do Servidor (PASS), e a consequente vinda de um subsistema que tem como objetivo primordial materializar essa política, nos cabe agora analisar a operacionalização desse processo até os dias atuais. Quando abordamos a fala sobre uma Politica, nos cabe pensar os fundamentos dessa, para entendermos o seu desenvolvimento. Essa política em especial, nos traz um arcabouço de questionamentos. Começamos empreendendo a questão de como foi pensado a partir desses três pilares: assistência, perícia e saúde e prevenção. A assistência sem dúvida é mais ampla de todas, é essa que irá nortear o modo de tratamento para com o servidor, partindo do princípio de que este relaciona-se com um mundo externo a sua vida profissional e assim considerar o mesmo como todo. Não diferente do que já fora discutido nesse artigo quando falamos do olhar fragmentado do que é saúde, também é operacionalizado na política aqui abordada. Essa implantação quando elenca a assistência pensa exatamente na mesma lógica de reprodução difundida como o que é uma política pública. Conforme Kerstenetzky (2006, p.04), essa política seria de cunho focalista como ação reparatória: “Necessária para restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais- acesso que teria sido perdido como resultado de injustiças passadas, em virtude, por exemplo, de desiguais oportunidades de realização de gerações passadas que se transmitiram as presentes na perpetuação da das desigualdades de recursos e capacidades.” Quando abordada a questão pericial, nos traz uma importante indagação, seria o controle do Estado através desse sistema? Diante da realidade que se tem e as formas de condução que são defendidas em nível de cuidado do outro e com o outro. Seria passível aqui pensar, que esse sistema de controle deveria objetivar trabalhar os dados epidemiológicos apresentados, no intuito de ofertar promoção e prevenção aos servidores, mas a realidade que se tem hoje não é essa. O que encontramos são as velhas e reprodutoras campanhas, seja ela de combate ao uso de tabaco, prevenção ao estresse entre outras. Mas de fato o que se pensa sobre o uso do tabaco, porque as pessoas fumam, quais as influências danosas a partir desse processo? Da mesma forma o estresse, é pensado o que fazer com o estresse laboral, porque a vida no trabalho de uma forma geral é estressante e o que a política terá como foco para seu combate ou minimização? Diante desses dois exemplos aqui dados a resposta é a mesma que trouxemos na discussão anterior, quando falávamos da saúde universal, mas desigual, no reconhecimento do ser como um todo, como sendo parte de um processo chamado vida, onde obrigatoriamente os mesmos devem ser vistos a partir das perspectivas políticas, econômicas e sociais. Assim, conforme Martins (2016, p.1437), referindo-se sobre a política de saúde para os servidores afirma que: “Os resultados indicam a necessidade de ampliação do diálogo entre as Políticas de Saúde, Trabalho e Gestão e de uma aliança com os sindicatos e a representação dos trabalhadores no sentido de uma pauta comum que privilegie as ações de promoção e vigilância da saúde, transformando-os em agentes de mudança e mudanças nos espaços de trabalho.” A afirmação entoa em seus escritos recentes a necessidade de articulação entre as propostas apresentadas, gestores e representação dos trabalhadores. Essa proposta se dá a partir de uma gama de necessidades que são apresentadas e não supridas pela política vigente. Essa discrepância que ocorre entre o que é real e o que é proposto é o modelo de conformação com que o Estado operacionaliza suas práticas de caráter universalistas, sem dispor da realidade na qual estão expostas as questões cotidianas. Dessa forma, a terceira perspectiva do tripé que deveria ser o ponto chave da implantação que é promoção e prevenção acaba por ficar na expectativa de futura implantação, pois as formas ficam concentradas na área pericial e assistencial, reforçando o modelo de política desenvolvido em nosso país, onde a realidade e os objetivos acabam por reproduzir o modelo hegemônico vigente. Considerações Finais Políticas sociais e direitos humanos são temas que proporcionam densa discussão, não sendo possível pretender vê-la esgotada em tão breves linhas, ainda assim, o aqui exposto permite demonstrar o quanto as ações estatais e a conformação por elas formadas dos direitos humanos e das políticas sociais estão intimamente ligadas. Vislumbrar a sociedade como um todo, conhecer suas necessidades e a melhor maneira de atender suas demandas exige sempre priorizar a busca da plenitude dos direitos fundamentais. Dessa forma, conforme aqui proposto, pensar a saúde coletiva precisa, necessariamente, vincular as necessidades de cunho político, econômico e social, como inafastável suporte para que se possa pensar epistemologicamente a saúde em seu sentido macro, ou seja, como reprodução das relações da sociedade. Talvez, a partir daí, possamos atender o direito fundamental gravado na Constituição Federal, que institui que “saúde é direito de todos e dever do Estado”, focando apenas na saúde como cuidado biológico, sendo direcionada e difundida sem levar em contas todas as peculiaridades do ser. Entretanto, o que se constata é que as desigualdades individuais e coletivas seguem sendo desconsideradas na implementação das políticas sociais, o que é característico de um estado neoliberal. Nesse contexto, onde descrevemos a implantação das políticas sociais como uma das respostas para garantia dos direitos humanos, nos permitiu conhecer e constatar a prematura implantação da Política de Atenção à Saúde dos Servidores Federais. Considerando todo o estudo aqui desenvolvido, é perceptível que o atendimento à saúde do servidor público federal se dá num ritmo bem mais lento que o da implantação do Sistema Único de Saúde. É razoável pensar que essa tardia evolução se dá pelo reducionismo das ações do Estado em investimento em políticas sociais e pelo estigma de que os trabalhadores públicos “ganham” o suficiente para cuidarem de sua saúde autonomamente. Segundo Silva (2013, p. 36), “nesse sentido aponta-se para uma inadequada prestação de serviços públicos, a desconfiança da população em relação a eles, o desprestígio do funcionalismo público registrado nas últimas décadas e a dispersão de esforços e recursos na ação governamental”. Sob essa perspectiva, observa-se que a política de saúde do trabalhador para os servidores federais não é questão prioritária no âmbito da administração pública federal. Os serviços, ainda hoje, são desenvolvidos conforme os interesses institucionais de cada órgão, não assumem os contornos e a amplitude condizente com uma política em desenvolvimento. Pode-se observar que, ainda que tardiamente implantado, o aparato técnico, prescrito no sistema normativo, torna-se insuficiente para que se adote um conjunto de ações que, de fato, atenda às necessidades dos servidores. É necessária a conscientização de que os trabalhadores necessitam de políticas eficazes, permanentes, que atendam desde as demandas básicas, cotidianas, às mais complexas, que garantam os servidores públicos federais dos riscos a que estão expostas todas as diversas categorias de trabalhadores, dentre as quais, inequivocamente, estão incluídas. Referências Decreto nº 6.833, de 29 de abril de 2009. Institui o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal – SIASS e o Comitê Gestor de Atenção à Saúde do Servidor. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6833.htm. FALEIROS, Vicente de Paula. O trabalho da política: saúde e segurança dos trabalhadores – 2ª Ed. – São Paulo: Cortez, 2010. KERSTENETZKY, C. L. Políticas Sociais: focalização ou universalização? Revista de Economia Política, v. 26, n.4(104), p. 564-574, 2006. MERHY, Angelo Stefanini, ARDIGO, Martino, organizadores. Problematizando Epistemologias na saúde coletiva: saberes da cooperação Brasil e Itália. 1ª Ed. – Porto Alegre: Rede unida; Bolonha: CSI-Unibo, 2015. P.147 il. – (Saúde Coletiva e Cooperação Internacional). PEREIRA, Potyara A. P. Política Social: temas & questões – 3ª Ed.- São Paulo: Cortez, 2011. STEFANINI, Angelo. Saúde e diretos humanos: Por que não podemos ter saúde sem o respeito aos direitos humanos. 1ª Ed. – Porto Alegre: Rede unida; Bolonha: CSI-Unibo, 2015. P.147 il. – (Saúde Coletiva e Cooperação Internacional). THEODORO, M.; DELGADO, G. Política Social: universalização ou focalização – subsídios para o debate. Boletim de Políticas Sociais/Políticas Sociais − acompanhamento e análise. Brasília: IPEA, 2003. A lei de trânsito mudou e a sua CNH pode estar em risco! Você tem uma multa e quer evitar a perda da habilitação? Clique aqui e faça uma Consulta GRATUITA!
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/politica-social-e-direitos-humanos-as-concepcoes-da-politica-de-saude-e-a-aplicabilidade-no-servico-publico-federal/
As Vantagens e Desvantagens do Pregão Eletrônico na Administração Pública
O presente artigo tem por objeto a análise, do ponto de vista da administração pública, das vantagens e desvantagens do Pregão na sua forma eletrônica. Para tanto, serão abordados alguns aspectos da licitação na atualidade, as modalidades existentes, especialmente, o pregão na forma presencial e eletrônica (regido pela Lei 10.520 de 17 de julho de 2002 e decretos atinentes à matéria), buscando demonstrar que sua utilização proporciona maior eficiência para a Administração Pública. Na sequência, relata-se as vantagens e desvantagens da utilização do pregão eletrônico. Finaliza-se, identificando que as vantagens do Pregão Eletrônico precedem às desvantagens, sendo um processo mais ágil e eficaz para a Administração.
Direito Administrativo
Introdução Na busca da efetivação do princípio da economicidade, a administração pública se utiliza de um procedimento administrativo denominado licitação, cujo objetivo é obter a proposta mais vantajosa entre os participantes interessados, observando a igualdade de condições, consoante o disposto na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública. Inicialmente abordar-se no presente artigo sobre a licitação nos dias atuais e as modalidades existentes no Brasil, dentre elas o pregão, presencial e eletrônico. Em seguida, tratar-se acerca do pregão, como modalidade de licitação, para aquisição de bens e serviços comuns, nas suas formas: presencial e eletrônica. Após, aprofundar-se à análise do pregão na forma eletrônica, regulamentado atualmente pelo decreto nº. 10.024, de 20 de setembro de 2019, que visa à aquisição de bens e serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, por meio da utilização de recursos de Tecnologia da Informação. Além disso, o presente artigo envolverá o questionamento acerca das vantagens e desvantagens do processo de Pregão Eletrônico do ponto de vista da Administração Pública, bem como, os avanços acarretados nas compras públicas.   A licitação foi a forma escolhida ao longo da evolução da administração pública como sendo a mais isonômica, legal, impessoal, moral, pública e eficiente de dispor e adquirir bens e serviços públicos dos particulares, pois atende a legislação do artigo 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, veja-se: “Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” Trata-se de um procedimento administrativo que visa à garantia da isonomia entre os licitantes, a seleção da melhor proposta dentre as apresentadas, com vistas à celebração de contrato, devendo observar tanto os princípios administrativos constitucionais, do caput do artigo 37 da CF, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como os previstos na legislação infraconstitucional referente ao tema. Hely Lopes Meirelles à define como: […] procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. (MEIRELLES, 1999, p. 23). As licitações têm base legal na Lei n° 8.666 de 21 de julho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, sendo obrigatória para os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. No âmbito das Estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias) os procedimentos licitatórios são regidos atualmente pela Lei n. 13.303/2016, mais conhecida como a Lei das Estatais, criada em cumprimento ao disposto no §1º do artigo 173 da CF, veja-se: “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (…) III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (…)”. Podemos encontrar os princípios básicos da Licitação no artigo 3º da lei 8.666/93: “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlato”. A Lei 13.303/2016, em seu artigo 31, também expõe o escopo do procedimento licitatório, assim como menciona os princípios que devem reger a licitação no âmbito das empresas estatais: “As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”. Existem, atualmente, 06 (seis) modalidades de licitação: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão nos termos do art. 22 da Lei de Licitações nº 8.666/93 e, o pregão (Lei nº 10.520/2002). As características mais importantes que divergem as modalidades licitatórias elencadas na Lei de Licitações são: prazos de recebimentos de propostas e limites de valor estimado de contratação. De acordo com Toshio Mukai (Mukai, 2008): “o pregão é modalidade de licitação que se diferencia da concorrência, da tomada de preços e do convite por se caracterizar pela existência de uma etapa de julgamento constituída pelo oferecimento de lances por aqueles que se tenham mantido, com suas propostas escritas, dentro do percentual de 10% superiores à proposta escrita de menor preço (ver incisos VIII e IX do art. 4º); os demais proponentes terão suas propostas rejeitadas e, como consequência, estarão desclassificados do certame. Nessas condições, se o vencedor (aquele que ofereceu o menor lance) for inabilitado, serão chamados na ordem de classificação, dentre os concorrentes que ofereceram lances, os demais, até que um proponente apresente toda a documentação em dia (inciso XVI do art. 4º)”. A modalidade licitatória abordada neste artigo, é o pregão, que não é disciplinada pela lei de licitações, e sim pela Lei Federal nº 10.520/02 e, também regulamentada pelo Decreto nº. 3.555/2000 que trata do pregão presencial e pelo Decreto Federal nº. 10.024, de 20 de setembro de 2019, que revogou o Decreto Federal nº 5.450/04, que regulamenta a modalidade eletrônica.   O pregão surgiu através da Medida Provisória nº 2.026 de 4 de maio de 2000, passando a ser utilizado pela União, onde foi regulado pela Lei 10.520 de 17 de julho de 2002. É a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns em que a disputa pelo fornecimento é feita em sessão pública, por meio de propostas e lances, para classificação e habilitação do licitante com a proposta de menor preço. Sua grande inovação se dá pela inversão das fases de habilitação e análise das propostas, onde se verifica apenas a documentação do participante que tenha apresentado a melhor proposta. Faz-se imperioso destacar que o termo “aquisição de bens e serviços comuns”, exclui uma série de bens e serviços, como por exemplo: serviços de engenharia (salvo os comuns – Decreto Federal nº. 10.024/2019), serviços técnicos e/ou especializados, enfim, serviços que devido suas peculiaridades possuem diferenciação considerável em suas formas de execução. Segundo Justen Filho (2013, p.504) “pregão é a modalidade de licitação de tipo menor preço, destinada à seleção da proposta mais vantajosa de contratação de bem ou serviço comum, caracterizada pela existência de uma fase competitiva inicial, em que os licitantes dispõem do ônus de formular propostas sucessivas, e de uma fase posterior de verificação dos requisitos de habilitação e de satisfatoriedade das ofertas”. Para Jacoby Fernandes (2013, p.341) o “pregão é uma nova modalidade de licitação pública e pode ser conceituado como o procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, garantindo a isonomia, seleciona fornecedor ou prestador de serviço, visando à execução de objeto comum no mercado, permitindo aos licitantes, em sessão pública presencial ou virtual, reduzir o valor da proposta por meio de lances sucessivos”. SANTOS (2008) comenta que bem e serviço comum é aquele que se apresenta sob identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio. Diversamente das demais modalidades de licitação, o pregão pode ser aplicado a qualquer valor estimado de contratação, de forma que constitui alternativa a todas as modalidades. Uma outra peculiaridade é que ele admite como critério de julgamento da proposta somente o menor preço. Por ser modalidade de licitação, o pregão possui procedimentos licitatórios dotados de características específicas, próprias e diferenciadas. Com uma ordem predeterminada de formalidades a serem observadas, tornando o Pregão diferente das demais modalidades, no qual não comporta alteração e inovação senão nos limites da Lei e no seu instrumento convocatório. Para Jacoby Fernandes (2003, p. 341), o pregão apresenta as seguintes características: limitação do uso a compras e serviços comuns; possibilidade de o licitante reduzir o valor da proposta durante a sessão; inversão das fases de julgamento da habilitação e da proposta; e redução dos recursos a apenas um, que deve ser apresentado no final do certame. Fato é que, com a necessidade do governo em modernizar os processos de aquisição de bens e serviços, surgiu o pregão. Esta modalidade, inicialmente presencial, onde os concorrentes elaboravam suas propostas e, posteriormente, disputavam os preços pessoalmente diante do pregoeiro evoluiu para a forma eletrônica, com o uso de tecnologia da informação. Esta forma de conduzir o processo de aquisição eletronicamente foi denominada de pregão eletrônico e visa garantir maior competitividade, eficiência, transparência e grande economia de recursos e de tempo na aquisição de bens e serviços. Na esfera federal, foram editados inicialmente dois decretos: o Decreto nº 3.555/2000, que trata do pregão presencial, realizado em uma sessão pública, através de recebimento de envelopes dos participantes; e o Decreto nº 5.450/2005, que tratava do pregão eletrônico, e que foi revogado no ano de 2019 pelo Decreto nº. 10.024, de 20/09/2019. O pregão poderá ser realizado na forma tradicional, do jeito em que são realizados os demais certames licitatórios: ocorrendo num determinado local, ao qual comparecem fisicamente os agentes administrativos, os licitantes e os demais interessados; ou na forma eletrônica, onde só o pregão possui está característica, de forma virtual. Na presencial, os interessados tomam parte do certame fisicamente, instalando-se nas mesas do trabalho licitatório e dele ativamente participando, enquanto na forma eletrônica utilizam-se dos meios eletrônicos disponíveis, encontrando-se os licitantes fisicamente distantes. (PESTANA, 2013, p. 341). As regras básicas são as mesmas para as duas formas de pregão. Porém, no eletrônico há o acréscimo de alguns procedimentos específicos e tem como característica a inexistência da presença física do pregoeiro e dos demais licitantes, já que todo procedimento licitatório é realizado pela internet. O pregão, na forma eletrônica, é uma modalidade licitatória mais célere e seu uso visa a aquisição de bens e serviços comuns, inclusive de serviços comuns de engenharia, no âmbito da administração pública federal, por meio da utilização de recursos de Tecnologia da Informação. Segundo o Decreto nº. 10.024, de 20/09/2019, a Administração Federal direta e indireta é obrigada a realizar o pregão eletrônico nas aquisições de bens e serviços comuns, inclusive os serviços comuns de engenharia (art. 1º, § 1º), facultando-se, contudo, às estatais a adoção das disposições do novo decreto (art. 1º, § 2º). Veja-se: “Art. 1º  Este Decreto regulamenta a licitação, na modalidade de pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal. Além disso, a obrigatoriedade do uso do pregão eletrônico se aplica também aos Estados, DF e Municípios quando utilizarem ou houver recursos da União (art. 1º, § 3º). Importante registrar ainda que a exceção da utilização do Pregão Eletrônico e da Dispensa se dá apenas para casos excepcionais que inviabilizariam sua realização ou comprovação de desvantagem para a Administração nos termos do que prevê o art. 1º, §4º, do Decreto nº. 10.024/2019, confira-se: (…) §4º Será admitida, excepcionalmente, mediante prévia justificativa da autoridade competente, a utilização da forma de pregão presencial nas licitações de que trata o caput ou a não adoção do sistema de dispensa eletrônica, desde que fique comprovada a inviabilidade técnica ou a desvantagem para a administração na realização da forma eletrônica.   Portanto, o pregão presencial só poderá ser realizado nos casos de comprovada inviabilidade de realização pela forma eletrônica. Veja-se o entendimento Corte de Contas da União a esse respeito:   “(…) a utilização do pregão na forma presencial, sem que tenha havido demonstração da inviabilidade de utilização da forma eletrônica, não se conforma com o preceito contido no art. 4º, § 1º, do Decreto 5.450/2005. A justificativa apresentada no Memorando nº 351/2010-CGA/SPOA/SE/MPA, de 7/4/2010 (dificuldade de remessa por meio magnético de pesados arquivos de “manuais e plantas croquis e demais documentos”) não se revela satisfatória, tendo em vista o atual estágio de desenvolvimento das ferramentas de tecnologia da informação, conforme ponderou o Sr. Secretário”. (Acórdão nº 1.099/2010, do Plenário do TCU)   “(…)36. De outro lado, caso a Prefeitura Municipal de Santo Antônio do Leverger opte pela realização de novo certame, deve adotar o pregão eletrônico e não o presencial, salvo comprovada falta de viabilidade de realização daquela primeira modalidade, nos termos do art. 4º do Decreto 5.450/2005”. Processo TC nº 018.187/2017-0. Acórdão nº 2.034/2017 – Plenário. Relator: ministro Benjamin Zymler. (Acórdão nº 2.034/2017 – Plenário)   3.1. Vantagens O Pregão tem por suas vantagens especialmente a celeridade do processo. Esta celeridade é possível, por exemplo, pela inversão de fases, pelo menor prazo recursal, pelo menor prazo de publicação, sendo que a forma eletrônica do Pregão pode ainda dar mais vantagens, tanto para a administração como para os fornecedores. O pregão eletrônico surgiu em virtude da crescente evolução tecnológica mundial, representando, assim, um avanço nas formas licitatórias. Mantendo-se as premissas básicas do pregão presencial, foram acrescidos procedimentos específicos, cuja interação é inteiramente processada pelo sistema eletrônico de comunicação utilizando-se a rede mundial de computadores. O pregão eletrônico foi criado, buscando, basicamente, aumentar a quantidade de participantes e baratear o processo licitatório. Esse método visa ampliar a disputa licitatória, permitindo a participação de várias empresas de diversos estados, dispensando a presença dos contendentes, vez que a tecnologia da informação é uma ferramenta acessível e de baixo custo e que permite também a transparência do processo. A transparência gerada pela tecnologia permitiu fácil acesso aos dados da Administração Pública pela população e aos órgãos de controle como o Tribunal de Contas, evitando aos órgãos contratantes e aos licitantes se corromper. Todos os atos administrativos da licitação são publicados no meio eletrônico. Trata-se, assim, de uma modalidade ágil, transparente e que possibilita uma negociação eficaz entre os licitantes. O pregão eletrônico, por conseguinte, vem sendo apontado como uma maneira mais dinâmica de se processar as aquisições de bens e contratações de serviços pela Administração Pública. Além disso, considera-se que essa nova forma de gerir a política de compras dos governos pode servir para eliminar uma das preocupações mais gritantes da sociedade: a corrupção nos processos licitatórios. Certo é que a maioria dos gestores públicos já adota essa modalidade de licitação para a aquisição de bens e serviços, classificados como comuns, haja vista tratar-se de uma modalidade licitatória que possivelmente garante mais celeridade, maior transparência, além de garantia de economicidade para os gestores públicos. A instituição do Pregão coaduna-se com o nosso atual estágio legislativo, que vem consolidando uma mentalidade de probidade e responsabilidade nos gastos públicos, a exemplo da Lei Complementar nº 101/2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal, pugnando cada vez mais pela transparência na gestão da res publica (coisa pública), viabilizando instrumentos preservadores do interesse público e coletivo. Afinal, o pregão eletrônico proporciona a transparência, tão relevante nos dias atuais, já que como no pregão eletrônico o processo é feito todo pela internet, é possível acompanhar tudo de qualquer lugar, vez que os dados ficam disponíveis no site gerenciador, que no âmbito federal é o “Comprasnet”. Como características básicas do pregão eletrônico, pode se apontar a ausência física do pregoeiro e da comissão de licitação, como também da sessão solene e ausência de envelopes de habilitação e propostas, bem como a inexistência de lances verbais, na forma que é conhecida no pregão presencial, entretanto, o edital segue a mesma disciplina dada ao pregão presencial. A modalidade pregão possui ainda uma característica diferenciada em relação ao estabelecimento de valor para suas aquisições, como ocorrem nas demais modalidades instituídas pela Lei de Licitações. É que como já dito o pregão pode ser aplicado a qualquer valor estimado de contratação, de forma que constitui alternativa a todas as modalidades. O Pregão Eletrônico representa uma desejável aplicação do princípio constitucional da eficiência, com a agilização e simplificação do procedimento licitatório, através de uma inversão de fases que lhe propicia maior e mais efetiva funcionalidade. Isto, na medida em que faculta, a todos os participantes do certame, a oportunidade de ver examinada e discutida a sua proposta, sem as prévias barreiras e delongas da habilitação. O Pregão Eletrônico também é preponderante para o perfeito atendimento do princípio da economicidade, uma vez que viabiliza resultados satisfatórios, com uma redução significativa dos valores das ofertas, além de propiciar maior agilidade às contratações, que, em regra, ocorrem com maior celeridade por meio da utilização de seu rito procedimental menos burocratizado. De acordo com Nóbrega (2001), a celeridade e a economicidade andam juntas, dessa forma quanto maior celeridade no processo licitatório maior a economia processual e consequentemente uma maior eficiência do processo. A utilização dos meios eletrônicos possibilita um aumento no número de concorrentes, uma vez que empresas de diferentes regiões podem participar do certame. Soma-se a isso os benefícios da Lei Complementar 123/2006, atualizada pela Lei 174/2014, que proporciona às micro e pequenas empresas concorrer com empresas maiores, uma vez que podem dar lance menor, caso sua proposta seja até 5% acima da menor proposta, entre outros benefícios. O resultado, portanto, são ganhos para a Administração e ao mesmo tempo proporciona o desenvolvimento nacional, através do fomento da economia. Com o aumento da competitividade entre os licitantes, resultante da disputa por lances sobre as propostas iniciais ofertadas e também com a possibilidade do pregoeiro poder negociar diretamente com os licitantes, tem-se a possibilidade de obter uma proposta ainda mais vantajosa para a Administração Pública. Segundo Marçal Justen Filho (2013, p.20) “o pregão apresenta três vantagens marcantes em relação às modalidades tradicionais de licitação previstas na Lei nº 8666. Em termos essenciais, as vantagens são (a) o potencial incremento das vantagens econômicas em favor da Administração, (b) a ampliação do universo de licitantes e (c) a simplificação do procedimento licitatório. Outras vantagens poderiam ser apontadas, tal como a redução de custos no pregão eletrônico (que dispensa a presença física e outras despesas) e a maior rapidez na conclusão do certame”. A respeito do impacto da utilização da modalidade de pregão eletrônico nas compras públicas, interessante se trazer os seguintes dados reproduzidos pelo próprio ministério do planejamento no ano de 2014, confira-se:   “Em 2014, o pregão eletrônico respondeu por 60% das compras governamentais, com um gasto de R$ 7,6 bilhões, sendo empregado em 5,3 mil processos (16%). Se comparado apenas às modalidades licitatórias, essa forma de contratação foi responsável por 92% dos gastos em aquisições, resultando numa economia para os cofres públicos da ordem de R$ 1,6 bilhão (17%). Em relação ao número de certames licitatórios, o pregão eletrônico respondeu por 95%. Ressalta-se ainda que, na comparação entre os anos de 2013 e 2014, as licitações por meio do pregão eletrônico cresceram 17% em número de processos e 25% em valores monetários. (…) Nesse contexto, as informações apresentadas ratificam a importância dessa modalidade de contratação para a redução dos gastos públicos, além de proporcionar maior transparência, tendo em vista que todos os certames podem ser acompanhados em tempo real no Portal de Compras do Governo Federal (www.comprasnet.gov.br). (…)Analisando os gastos públicos segundo o porte, em 2014 as MPE forneceram bens e serviços da ordem de R$ 3,2 bilhões, ou seja, 25% do total dessas contratações. O resultado aponta um crescimento de 18% das MPE nas compras governamentais em 2014 em relação a 2013. (RELATÓRIO DE INFORMAÇÕES GERENCIAIS DE CONTRATAÇÕES E COMPRAS PÚBLICAS – DE JANEIRO A MARÇO DE 2014)”.   Como pode ser visto, o pregão eletrônico é a modalidade licitatória mais utilizada para aquisições públicas, isso porque proporciona, através de suas inovações, um processo que permite uma economia de tempo e de dinheiro público e o respeito à transparência dos atos. Fato é que o pregão eletrônico potencializa as vantagens existentes no pregão presencial, tornando mais eficiente o processo para a administração pública e para os fornecedores, e conferindo maior transparência para a sociedade. Tanto é que, nos termos do que prevê o Decreto nº. 10.024/2019 (art. 1º, § 4º), o pregão presencial passa a ser a exceção, devendo ser adotado somente quando justificado e nos casos excepcionais. No tocante ao Decreto Federal n. 10.024/2019, e ainda sem qualquer intenção de neste artigo se aprofundar no tema, importante se tecer na oportunidade alguns comentários. O Decreto em questão inaugura modelo de pregão eletrônico mais arrazoado e tende, nessa medida, a melhorar a percepção do mercado sobre a seriedade da disputa, o que deve atrair licitantes. Dentre as novidades trazidas pelo Decreto Federal n. 10.024/2019, além da obrigatoriedade da utilização do pregão eletrônico para órgãos da administração pública federal direta, autárquica, fundacional e os fundos especiais, bem como para municípios, estados e Distrito Federal, quando utilizarem verba da união, como já dito no tópico anterior, lista-se ainda as seguintes: contratação de serviços comuns de engenharia; modos de disputa aberto e fechado; envio antecipado dos documentos de habilitação; obrigatoriedade da elaboração de estudo preliminar, que serve como base para o termo de referência; mudança do prazo para impugnação do edital; regra do orçamento sigiloso, sendo revelado apenas após a fase de lances; critério de desempate. Deste modo, pode-se destacar as seguintes vantagens do pregão eletrônico: redução da formalidade e burocracia, minimizando o uso de papel, pois as propostas são enviadas e recebidas por meio da internet; simplificação das atividades do pregoeiro devido às facilidades oferecidas pela tecnologia da informação; incremento da competição e consequente redução do custo de aquisição ao ampliar a possibilidade de participação de um número maior de fornecedores; modernização e simplificação dos processos licitatórios, o que permite mais celeridade no processo aquisitivo; garantia de maior visibilidade no processo das contratações públicas, com a consequente facilidade para realização de controles internos e externos; segurança/sigilo nas informações; negociação sem interferência de concorrentes nas cotações; compra de grande volume de itens. Por todo o exposto, o pregão eletrônico é sem dúvida a mais célere e econômica modalidade de licitação que possui a Administração, contribuindo demasiadamente para uma desburocratização do sistema e guardando uma relação intrínseca com o princípio da eficiência, constitucionalmente previsto.                 3.2. Desvantagens De início, insta esclarecer que não se tem muitos apontamentos, especialmente literários, que justifiquem as desvantagens na utilização do pregão eletrônico. No tocante às desvantagens na utilização do pregão eletrônico podemos considerar a falha na conectividade, que acarreta quedas de conexão eletrônica. Esclarece-se que o sistema de licitações na forma de pregão eletrônico é fornecido pelo provedor “Comprasnet”, disponibilizado para a Administração Pública sem nenhum ônus para o Estado. E considerando que se trata de recursos tecnológicos é possível a ocorrência de falhas. Em que pese as falhas nas conexões ocorram atualmente em menor escala, especialmente em decorrência do avanço das tecnologias da informação, elas ainda existem. Ademais, podemos destacar, ainda, problemas de logística que poderão acarretar em atrasos na entrega dos produtos ou serviços e, até mesmo, em desabastecimento para a administração, pois por envolver empresas de todo o território nacional é possível, por exemplo, a demora na entrega dos produtos daquelas que apresentaram menores preços no decorrer da execução do contrato. Trata-se de prejuízos de cunho administrativo e operacional para a administração, vez que poderá haver uma lacuna temporal para que os materiais ou serviços solicitados sejam entregues ou disponibilizados ao gestor, apesar da previsão para entrega estar estipulada no contrato. Podemos citar também que face a impessoalidade gerada em virtude principalmente da comunicação ser feita apenas no meio eletrônico, alguns fornecedores ou prestadores de serviço, não conseguem manter a qualidade dos bens e serviços, em virtude de se adquirir o bem ou serviço comum o mais rápido possível, não se analisa com a devida atenção, seja por falta de tempo ou por erro na especificação do produto ou serviço, gerando alguns transtornos para o órgão promotor da licitação. Além disso, há autores que contestam os benefícios da inversão de fases e a veem como viés de burlar e direcionar o processo licitatório. Para Scarpinella (2002, p. 121): a inversão de fases é (…) “a perda na transparência do procedimento, uma vez que o condutor da licitação tenderia a ser mais flexível na análise dos documentos habilitatórios do proponente que sabidamente apresenta oferta favorável à Administração Pública. Ou de outra parte, mais rígido no caso de a proposta classificada em primeiro lugar consignar preço consideravelmente reduzido, tornando a proposta inexequível.” De modo que, há posicionamentos que enxergam na inversão das fases uma possibilidade de benefício das empresas a critério do que o pregoeiro julgar mais conveniente. Outro ponto que pode ser questionado nas características do pregão é a questão da economia. Para Santana (2008, p.35), a economicidade do procedimento licitatório na modalidade pregão é questionável “… propaga-se inadvertidamente que a maior vantagem do pregão, seja ele presencial ou eletrônico, é de cunho econômico. Não é bem assim”. Para justificar tal afirmação, o autor afirma que se o valor orçado pela Administração for uma estimativa irreal, a redução obtida, não refletirá a economia anunciada, pois os valores iniciais estarão acima dos preços praticados pelo mercado. No momento da pesquisa de preços para a realização da estimativa, as empresas consultadas, com frequência, inflacionam seus preços para os produtos que serão objeto de futura contratação, por isso é preciso muita cautela na formação da estimativa de preço que será utilizada no processo. Há também quem defenda a tese de que pode ser considerada uma desvantagem da modalidade pregão a limitação aos tipos de bens e serviços que são permitidos na aquisição da modalidade pregão, já que somente é permitida a aquisição de bens e serviços comuns. Desta monta, ante o exposto, podemos listar as seguintes desvantagens do Pregão Eletrônico: muitas vezes não há entrega dos produtos no prazo estabelecido no edital, em razão da distância entre as empresas, todo processo necessita de internet de boa qualidade (pois alguns municípios ainda possuem internet lenta e instável); atualização de sistemas; licitações desertas ou fracassadas com problemas no abastecimento das instituições licitantes. Posto isso, nota-se que as desvantagens não são de grande expressão, podendo ser entendidas, muitas vezes, como meras inconveniências e contratempos a serem solucionados.   Considerações Finais O processo licitatório é obrigatório, conforme art. 37 da CF/88 regulamentado pela lei n° 8.666/93, e tem como objetivo ter a proposta mais vantajosa à administração, sendo isso possibilitado em razão da ampla competitividade entre os licitantes. A licitação permite que os entes públicos contratem fornecedores que tenham as condições que satisfaçam as necessidades do interesse público. Desta forma, tudo é levado em consideração, desde a capacidade técnica da empresa, a análise financeira da empresa, a qualidade do produto licitado e, também o valor. O pregão é um aprimoramento das demais modalidades de licitação, com a inversão das fases do processo licitatório trouxe a possibilidade da aquisição de bens e serviços comuns através de lances sucessivos, tornando o processo mais rápido, gerando, inclusive, maior economia aos cofres públicos. Fato é que, os avanços tecnológicos dos últimos anos, como a internet, alteraram os modelos de negócios existentes. O pregão, em especial, o eletrônico, possibilitou a adequação da Administração Pública a esse novo contexto permitindo aquisições menos burocráticas que as demais modalidades da Lei 8.666/93. Sendo uma modalidade que transformou as licitações públicas, pois trouxe inovações que proporcionaram celeridade ao processo com a inversão das fases e a consequente habilitação apenas do licitante classificado em primeiro lugar, e, também com a fase de recursos que trouxe maior agilidade ao processo. Ademais, o pregão, especialmente na sua forma eletrônica, proporcionou à licitantes de todas as regiões do país a participação em processos licitatórios, ampliando a competitividade e expandido a oportunidade para maior participação de empresas nestes processos. Além do incremento da competitividade, o pregão oferece maior transparência, pois qualquer cidadão pode averiguar os processos, basta ter acesso à internet. Outro fator de destaque no pregão é a economia gerada ao erário público, pois através dos lances, é possível adquirir produtos ou serviços de qualidade por preços vantajosos para a administração. De forma geral, o pregão eletrônico constitui-se em um importante instrumento de fortalecimento dos princípios e valores constantes na Constituição Federal e demais Leis que objetivam o controle de todos os processos licitatórios. Assim, entende-se que as vantagens do pregão, especialmente na sua modalidade eletrônica, superam em muito as suas desvantagens, que, inclusive, podem ser até mesmo estendidas como meras inconveniências e contratempos a serem solucionados. Trata-se, portanto, da melhor maneira para a Administração Pública realizar contratações, já que se baliza sempre pelos princípios constitucionais que regem toda a administração, buscando alcançar sempre a proposta mais vantajosa para a administração, sem se esquecer da busca por produtos e serviços de qualidade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/as-vantagens-e-desvantagens-do-pregao-eletronico-na-administracao-publica/
Inexigibilidade de Licitar por Serviço Técnico no Âmbito das Estatais
O presente artigo tem como principal característica abordar a contratação direta no âmbito das Estatais, em especial, a inexigibilidade de licitação na hipótese de serviços técnicos especializados. Para tanto, serão tratados alguns aspectos aplicáveis à espécie, tais como, conceitos, princípios, e as Leis 8.666/1993 e 13.303/2016 (Lei das Estatais). Além disso, será feita uma análise jurisprudencial e doutrinária sobre o tema no sentido de dar as necessárias balizas para verificação dos requisitos para o enquadramento da contratação direta por serviço técnico especializado pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. O método utilizado será o jurídico-compreensivo que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e doutrina acerca do tema.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo tem como principal objetivo realizar uma breve análise sobre o enquadramento da contratação direta por serviço técnico especializado pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. O método utilizado será o jurídico-compreensivo, que consistirá na pesquisa dos marcos regulatórios, legislação e doutrina sobre o tema, com o objetivo de melhor entender o seu significado e alcance no mundo fático e jurídico. Para tanto, serão tratados alguns conceitos e aspectos da contratação direta pelas Estatais, as normativas existentes, as jurisprudências e doutrinas, no sentido de dar as necessárias balizas para verificação dos requisitos para o enquadramento de uma contratação direta por serviço técnico especializado pelas Estatais. Dessa forma, imperioso o presente estudo para oferecer segurança e certeza nas hipóteses que podem ou não ser de contratação direta, por inexigibilidade de licitação em razão de serviço técnico especializado, conforme será demonstrado nos tópicos a seguir. Do Dever de Licitar e da Legislação aplicável O dever de licitar decorre diretamente da Constituição Federal (art. 37, XXI), veja-se: “Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” Este procedimento administrativo tem o escopo de garantir isonomia entre os licitantes, a vinculação ao instrumento convocatório, o incentivo ao desenvolvimento sustentável, bem como selecionar a melhor proposta dentre as apresentadas, com vistas à celebração de contrato. A licitação deve observar tanto os princípios administrativos constitucionais, do caput do artigo 37 da CF, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como os previstos na legislação infraconstitucional referente ao tema. A competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação é privativa da União (CF, art. 22, XXVII). A matéria foi disciplinada pela Lei 8.666, de 1993, que não apenas indica as modalidades de licitação e seu procedimento, mas também os casos em que ela é legalmente dispensável e inexigível, como autorizado pela Constituição, subordinando os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Em linhas gerais estão obrigados a licitar todos os entes da Administração Pública direta, autarquias, fundações públicas, e demais entes da Administração Pública Indireta. No entanto, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 19/98, houve a separação do regime jurídico atinente à licitação da administração direta, autárquica e fundacional, do regime das empresas estatais, sujeitando estas às regras próprias da iniciativa privada, nos termos do art. 173 da CF. Porém, diante da ausência de um normativo específico, até 2016 as empresas públicas e sociedade de economia mistas se utilizavam da Lei geral, qual seja, a Lei 8.666/93. Mas finalmente, em cumprimento ao disposto no §1º do artigo 173 da CF, foi publicada em julho de 2016 a Lei n. 13.303/2016 que trata do estatuto jurídico das empresas públicas e sociedades de economia mista e suas subsidiárias, mais conhecida como a Lei das Estatais, disciplinando, inclusive, as regras do procedimento licitatório. A Lei n. 13.303/2016, em seu artigo 31, expõe o escopo do procedimento licitatório, assim como menciona os princípios que devem reger a licitação no âmbito das empresas estatais, confira-se: “Art. 31. As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”. Desta monta, os princípios que devem guiar as licitações regidas pela Lei 13.303/2016 são: impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, eficiência, probidade administrativa, economicidade, desenvolvimento nacional sustentável, vinculação ao instrumento convocatório, obtenção de competitividade e julgamento objetivo. Registra-se que, em que pese não haja expressa menção na legislação supracitada aos princípios da legalidade sua aplicação é imperativa, devido à previsão do artigo 37, caput, já mencionado. Além disso, importante destacar a posição de Alexandre Santos de Aragão (ARAGÃO, 2017), em seu livro Regime das Estatais, no tocante a aplicação do princípio da legalidade: esta deverá ser mais abrandada, “sendo inimaginável que fosse especificamente necessária base legal (por mais ampla que fosse) para cada uma das multifacetadas operações econômicas e contratuais do seu dia a dia empresarial”. Portanto, como já dito, a licitação é a regra como o instrumento adequado para as contratações do Poder Público. No entanto, é possível o seu afastamento em hipóteses excepcionais previstas em lei. Hipóteses Excepcionais ao Dever de Licitar Sabidamente, as contratações diretas, seja por inexigibilidade ou por dispensa de licitação, constituem exceção, porquanto a regra é licitar, por força do art. 37, inciso XXI, da CR/88, a fim de se obter a melhor proposta para a Administração. Eis o motivo pelo qual a doutrina recomenda cautela quando da excepcionalização do dever de licitar. Confira-se: “(…) a opção pelo caminho da contratação direta deve ser avaliada com cautela, a fim de evitar equívocos e, consequentemente, possíveis demandas administrativas e judiciais contra os profissionais responsáveis pela definição das diretrizes do processo”. (ALTOUNIAN, Cláudio Sarian. Obras Públicas: licitação, contratação, fiscalização e utilização, 3 ed. – Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 253). “A ausência de licitação não equivale a contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas nem documentação. Ao contrário, a contratação direta exige um procedimento administrativo prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível. Somente em hipóteses-limite é que a Administração estaria autorizada a contratar sem o cumprimento dessas formalidades. Seriam aqueles casos de emergência tão grave que a demora, embora mínima, pusesse em risco a satisfação dos valores a cuja realização se orienta a atividade administrativa. Nas etapas internas iniciais, a atividade administrativa será idêntica, seja ou não a futura contratação antecedida de licitação. Em um momento inicial, a administração verificará a existência de uma necessidade a ser atendida. Deverá diagnosticar o meio mais adequado para atender ao reclamo. Definirá um objeto a ser contratado, inclusive adotando providências acerca da elaboração de projetos, apuração da compatibilidade entre a contratação e as previsões orçamentárias. Tudo isso estará documentado em procedimento administrativo, (…)” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 16 ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 391). De todo modo, da leitura do art. 37, inciso XXI, da CR/88, extrai-se que a legislação pode trazer hipóteses excepcionais nas quais as contratações não precisariam, em tese, passar por uma licitação prévia. Nesse sentido, são as hipóteses trazidas pelos artigos 28, 29 e 30, da Lei 13.303/2016, que dispõem sobre as hipóteses de afastamento da obrigatoriedade de licitar. Diferentemente da Lei 8.666/1993, que apenas previa hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, a Lei 13.303/2016, trouxe uma inovação “a dispensa de observância dos dispositivos” quanto as licitações, artigo 28, §3º. Confira-se: “Art. 28. Os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens, serão precedidos de licitação nos termos desta Lei, ressalvadas as hipóteses previstas nos arts. 29 e 30. (…) § 3º São as empresas públicas e as sociedades de economia mista dispensadas da observância dos dispositivos deste Capítulo nas seguintes situações: I – comercialização, prestação ou execução, de forma direta, pelas empresas mencionadas no caput , de produtos, serviços ou obras especificamente relacionados com seus respectivos objetos sociais; II – nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo”. Em síntese, a dispensa de licitar se dá quando a competição é viável, mas por alguma razão o legislador afasta a regra da obrigatoriedade de licitar. Já a inexigibilidade é caracterizada quando há inviabilidade de competição, nesta hipótese não há sentido na realização de procedimento licitatório. Contudo, nessas duas hipóteses entende-se que há aplicação das regras do procedimento licitatório quanto à sua fase interna, ou seja, apenas é afastada a observância da fase externa do procedimento. Da Inexigibilidade de Licitação por Serviço Técnico Especializado Em se tratando, especificamente, da inexigibilidade de licitação, tema central da presente análise, sua disciplina se encontra prevista no art. 30, caput, da Lei n.º 13.303/2016, destacando duas formas de sua ocorrência, fornecedor exclusivo e serviço técnico especializado. Veja-se: “Art. 30. A contratação direta será feita quando houver inviabilidade de competição, em especial na hipótese de: I – aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo; II – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação: a) estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; b) pareceres, perícias e avaliações em geral; c) assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; d) fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; e) patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; f) treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; g) restauração de obras de arte e bens de valor histórico. § 1º Considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato. § 2º Na hipótese do caput e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovado, pelo órgão de controle externo, sobrepreço ou superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado quem houver decidido pela contratação direta e o fornecedor ou o prestador de serviços. § 3º O processo de contratação direta será instruído, no que couber, com os seguintes elementos: I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II – razão da escolha do fornecedor ou do executante; III – justificativa do preço”. Entende-se que o rol do caput do art. 30, é exemplificativo devido a presença de expressão “em especial”, posição pontuada por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (ALEXANDRINO, PAULO, 2018). Por isso, inclusive, é que o caput do art. 30 da Lei n.º 13.303/2016 possuem função normativa autônoma. Ou seja, uma contratação direta pode neles se fundamentar exclusivamente, em razão tão só da inviabilidade de competição, não se impondo que a hipótese seja enquadrada em um dos incisos dos referidos artigos, os quais, a propósito, como já dito, apresentam natureza exemplificativa. Veja-se, neste sentido, os entendimentos expressos nos acórdãos abaixo, que em verdade, tratou da inexigibilidade prevista na lei 8.666/1993, mas que pode ser perfeitamente aplicável ao da Lei 13.303/2016: “É vedada a inexigibilidade quando não comprovado o requisito da inviabilidade de competição. É dever do agente do agente público responsável pela contratação confirmar a condição de exclusividade nos casos em que o objeto só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo. (TCU. Acórdão nº 1.802/2014 – Plenário) – grifo nosso. A contratação direta por inexigibilidade de serviços técnicos especializados não se subsumi à hipótese do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, uma vez que as situações elencadas nos incisos deste artigo são exemplificativas. Na presença de situações outras em que o atendimento das necessidades da administração implique a inviabilidade de competição, admite-se a contratação direta por inexigibilidade (TCU. Acórdão nº 2.503/2017 – Plenário)”. Todavia, apesar de o rol do caput do art. 30 ser exemplificativo, como já mencionado, há destaque para sua ocorrência em duas hipóteses: fornecedor exclusivo e serviço técnico especializado. Assim, importante esclarecer que a inviabilidade de competição dessas duas hipóteses se dá de maneiras diferentes, no caso do inciso I acima mencionado a inviabilidade se refere a inexistência de competidores, há apenas um fornecedor, ou seja, ocorre a impossibilidade absoluta da disputa. Já na hipótese do inciso II, serviço técnico especializado, a inviabilidade ocorre porque a disputa entre os possíveis competidores não atenderia os interesses legítimos da estatal, a realização de licitação neste caso poderia ter o condão de tornar o objeto da licitação inútil ou mesmo prejudicial aos interesses da estatal. O elemento central dessa hipótese de afastamento da licitação, a despeito da presença de vários executores aptos, é a inviabilidade de estabelecer-se comparação objetiva ente as várias possíveis propostas, conforme lição do mestre, Celso Antônio Bandeira de Mello (MELLO, 2004, p. 497.), in verbis: “são licitáveis unicamente (…) bens homogêneos, intercambiáveis, equivalentes. Não se licitam coisas desiguais. Cumpre que sejam confrontáveis as características do que se pretende e que quaisquer dos objetos em certame possam atender ao que a Administração almeja”. No que diz respeito a inexigibilidade por serviço técnico especializado, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (ALEXANDRINO, PAULO, 2018) entendem que o inciso II do artigo 30 da Lei 13.303, é diferentemente do seu caput, rol exaustivo devido a expressão “contratação dos seguintes serviços técnicos especializados”. Em abono do que ora se expõe, confiram-se, também, as lições de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2016, pág. 523), que, embora se refiram à Lei n.º 8.666/1993, podem ter o raciocínio perfeitamente aplicável à inexigibilidade de licitação ora pretendida no âmbito desta estatal: “(…). 6.4.2.4. serviço técnico profissional especializado e o art. 13 Outro aspecto relevante constitui-se na seguinte questão: poderá ser objeto da inexigibilidade com fundamento nesse inciso a contratação de serviços técnicos não enumerados no art. 13? A resposta é negativa, pois a norma do art. 25, inciso II, constitui regra que abre exceção e, de acordo com os princípios elementares de hermenêutica, esse tipo de norma deve ser interpretado restritivamente.1282 A prática, contudo, tem demonstrado que existem serviços, não registrados no art. 13, que não permitem viabilizar a contratação, como por exemplo, os serviços de correios, pois o regime de monopólio inviabiliza a competição.1283 Em casos dessa natureza ou mesmo nos casos em que o serviço não guarda qualquer singularidade, mas por outro motivo qualquer a competição é inviável, monopólio, por exemplo, a contratação direta deve ter por fundamento o caput do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, e não o inciso II. Mais recentemente, vislumbra-se que os Tribunais de Contas têm admitido a interpretação ampliativa do elenco quando se tratam de serviços técnicos profissionais especializados de natureza semelhante aos indicados no art. 13 da Lei nº 8.666/1993. (…).” (Jacoby Fernandes, J.U. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação: procedimentos para a contratação sem licitação; justificativa de preços; inviabilidade de competição; emergência; fracionamento; parcelamento; comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidade da contratação direta / Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. 10. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016, pág. 523). (Sem grifos no original). Em igual direção, veja-se o que prevê a Súmula n.º 252 do TCU: “A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: o serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.” (Sem grifos no original). Contudo, esta posição está longe de ser unânime, para Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres (BARCELOS E TORRES, 2018), mesmo se o serviço técnico especializado não estiver presente no inciso II, persistindo condições que assinalem para inviabilidade de competição pela necessidade da administração de contratar um serviço técnico especializado, prestado por um profissional ou empresa notória, não haveria dúvida quanto à possibilidade de contratação direta, baseando-se no caput do artigo 30. Quanto ao caráter exemplificativo, veja-se, também, a posição de Justen Filho (FILHO, 2016): “A relação do art. 13 é meramente exemplificativa. O conceito de serviço técnico profissional especializado comporta, em tese, uma grande variedade de situações. Não há dúvidas de que, além dos casos indicados no art. 13, existem inúmeras outras hipóteses que comportam qualificação como serviço técnico profissional especializado.” Ressalta-se que para estes autores é “um equívoco engessar o universo de serviços considerados como ‘técnicos especializados’ a um rol concebido pelo legislador, sem a percepção de novas tecnologias e serviços que podem surgir com o transcorrer do tempo e com características até mais especializadas”. Os dois entendimentos têm fundamento jurídico, contudo, entende-se que o método interpretativo que melhor se amolda à hipótese é o sistemático, que “consiste em comparar o dispositivo sujeito à exegese, com outros do mesmo repositório ou de Leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto”, conforme lição de Carlos Maximiliano, que segundo o qual, tal método parte do confronto entre a prescrição positiva e outra de que proveio ou que da mesma emanaram, verificando-se o nexo entre a regra e a exceção; entre o geral e o particular, a fim de obter-se os necessários esclarecimentos. Assim, ao analisar os serviços listados nas alíneas do inciso II, art. 30, da Lei n. 13.306/2016, ora sub examine (em síntese, pareceres, estudos, assessorias, consultorias etc), percebe-se, a olhos vistos, um traço que os une; que lhes tornam conexos. É o fato de a lista reunir apenas serviços cuja execução é predominantemente intelectual. De todo modo, em que pese a divergência existente sobre o tema, entende-se que, de regra, ao contratar diretamente serviços técnicos especializados, importante o enquadramento no rol de serviços do inciso II do artigo 30. Note que o inciso II do art. 30 da Lei 13.303/2016 relaciona os requisitos que devem compor a instrução do processo que são, na ordem: a) o serviço ser técnico e estar listado nas alíneas do referido inciso; b) e o executor ser um profissional ou empresa de notória especialização. Aliás, há muito o Tribunal de Contas da União firmou o entendimento (Lei 8.666/1993, mas cujo entendimento pode ser aplicado ao presente caso) segundo o qual a contratação calcada no dispositivo em tela só é regular se houver a demonstração da presença desses requisitos: “ENUNCIADO: A contratação direta por inexigibilidade de licitação, com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, comporta a presença simultânea de três requisitos: constar no rol de serviços técnicos especializados mencionados no art. 13 da Lei 8.666/1993, possuir o serviço natureza singular e ter o contratado notória especialização. O ato praticado com a ausência de qualquer um dos três requisitos importa na irregularidade da contratação.” (TCU, Acórdão 479/2012-Plenário Rel. Min. Raimundo Carreiro) Registra-se ainda que, o inciso II do artigo 30, da Lei 13.303/2016, destaca o requisito para a contratação direta de serviço técnico especializado da “notória especialização”, definindo-o em seu parágrafo primeiro. Para Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres (BARCELOS E TORRES, 2018), embora tenham sido apresentados “parâmetros razoavelmente objetivos, subsiste margem discricionária ao gestor para atestar que o trabalho de determinado profissional ou empresa é essencial e o mais adequado ao cumprimento do objeto contratual”. Nesse mesmo sentido, Lucas Rocha Furtado (FURTADO, 2017) entende que, como regra, a opção administrativa deve ser respeitada, desde que motivada e não se constate interpretação abusiva. Contudo, os autores (BARCELOS E TORRES, 2018) entendem que a margem de discricionariedade para atestar o trabalho como de notória especialização não deve ser sobre o viés da confiança do administrador público no pretenso contratado, ou seja, que a confiança pessoal não é pressuposto para a contratação direta em razão de serviço técnico especializado. Os autores defendem que a “reputação do profissional ou da sociedade deve ser averiguada de maneira impessoal, a partir de sua atividade, como desempenho anterior, publicações, equipe técnica, dentre outros”, entendimento que parece o mais acertado, pois se afasta da subjetividade da contratação baseada em “confiança”. Interessante notar, ademais, que na redação do art.30, I, da Lei 13.303/2016, em relação ao art. 25 da 8.666/1993, houve a supressão do termo de natureza singular. Sobre o requisito da singularidade o TCU já se posicionou algumas vezes, vejamos: “O conceito de singularidade de que trata o art.25, inciso II, da Lei 8.666/93 não está vinculado à ideia de unicidade, mas de complexidade e especificidade. Dessa forma, a natureza singular não deve ser compreendida como ausência de pluralidade de sujeitos em condições de executar o objeto, mas sim como uma situação diferenciada e sofisticada a exigir acentuado nível de segurança e cuidado. (TCU. Acórdão 7840/2013 – Primeira Câmara. Boletim de Jurisprudência 16/2013)”. “Na contratação de serviços advocatícios, a regra geral do dever de licitar é afastada na hipótese de estarem presentes, simultaneamente, a notória especialização do contratado e a singularidade do objeto. Singular é o objeto que impede que a Administração escolha o prestador do serviço a partir de critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação. (TCU. Acórdão 2832/2014 – Plenário. Boletim de Jurisprudência 60/2014)”. “Nas contratações diretas por inexigibilidade de licitação, o conceito de singularidade não pode ser confundido com a ideia de unicidade, exclusividade, ineditismo ou raridade. O fato de o objeto poder ser executado por outros profissionais ou empresas não impede a contratação direta amparada no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/93. A inexigibilidade, amparada nesse dispositivo legal, decorre da impossibilidade de se fixar critérios objetivos de julgamento. (TCU. Acórdão 2616/2015 – Plenário Boletim de Jurisprudência 104/2015)”. “A contratação de serviços advocatícios mediante inexigibilidade de licitação, por entidades que recebem recursos por força da Lei 9.615/1998 (Lei Pelé), alterada pela Lei 10.264/2001 (Lei Agnelo/Piva), depende da comprovação simultânea dos requisitos de notória especialização do contratado e de singularidade do objeto. (TCU. Acórdão 1051/2018 – Plenário. Boletim de Jurisprudência 218/2018)”. “Para fim de contratação com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, serviços advocatícios podem ser considerados como singulares não apenas por suas características abstratas, mas também em razão da relevância do interesse público em jogo, a exigir grande nível de segurança, restrição e cuidado na execução dos serviços, a exemplo de demandas judiciais envolvendo valores de indenização muito elevados, que coloquem em risco a sobrevivência da entidade contratante. (TCU. Acórdão 10940/2018 – Plenário. Boletim de Jurisprudência 237/2018)”. De modo que, para o TCU o requisito da singularidade reside na impossibilidade de que a Administração escolha o prestador do serviço a partir de critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, vez que os serviços técnico-profissional especializados não são passíveis de comparação e julgamento por critérios objetivos, razão pela qual, a rigor, são essencialmente singulares. Logo, o fato de o art. 30 da Lei nº 13.303/2016 não ter se referido expressamente a serviços “singulares”, não significa que não o serão. Afinal, nos termos do caput do art. 30 a inviabilidade de competição decorrerá, necessariamente, de uma de duas hipóteses: (i) fornecedor ou prestador de serviço exclusivo; ou (ii) da impossibilidade de definir critérios objetivos de comparação e julgamento, o que evidencia a necessidade de os serviços serem singulares. A questão residirá, portanto, em verificar se pressupõem a execução por notória especialista, ou não, para sopesar o fundamento adequado da inexigibilidade (art. 30, caput ou inc. II, da Lei nº 13.303/2016). Superados tais ponto, insta trazer à baila na oportunidade os requisitos presentes no art. 30, §3º, da Lei 13.303: I – caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso; II – razão da escolha do fornecedor ou do executante; III – justificativa do preço. Não há dúvidas, portanto, sobre a necessidade de cumprimento destes elementos na contratação direta. Porém, no que tange a inexigibilidade de licitação por serviço técnico especializado deve ser observado os dois últimos incisos do artigo acima, pois sua ocorrência não se baseia em situação de emergência, mas em inviabilidade de competição. Assim, na contratação direta por serviço técnico especializado deve constar obrigatoriamente, do processo administrativo, a razão da escolha do fornecedor ou do executante e a justificativa do preço. O requisito da razão da escolha do fornecedor ou do executante é importante porque em muitas situações o administrador público vai se deparar com a possibilidade de cumprimento do objeto a ser contratado por vários agentes. Então, é responsabilidade da estatal, no uso de sua discricionariedade, assegurar a seleção da melhor proposta, não necessariamente aqui relacionada ao menor preço, mas tendo em vista eficiência, qualidade e eficácia da proposta escolhida. Nessa linha os autores (BARCELOS E TORRES, 2018) entendem, por exemplo, que um anúncio público do interesse de contratar, especificando as condições necessárias à contratação, enriquece este requisito que expõe a motivação da escolha do fornecedor ou executante.  Já no que diz respeito ao requisito da justificativa de preço, ela assume ainda maior importância na contratação direta, em razão da não existência de disputa, assim deve se demonstrar a adequação dos preços ao objeto da contratação, assim como aos valores de mercado. Quanto à justificativa do preço, esta não se resume à comparação do mesmo com o cobrado por eventuais outros prestadores. Como em qualquer contratação direta, é evidente que o preço ajustado deve ser coerente com o mercado, devendo essa adequação restar comprovada nos autos, eis que a validade da contratação depende da razoabilidade do preço a ser desembolsado pela Administração Pública. Tal justificativa tem como finalidade evitar que prestadores ou fornecedores superfaturem os preços quando contratem com a Administração Pública. O que se procura é impedir que empresas (sejam públicas ou privadas) aumentem deliberadamente os preços dos produtos quando vendam para o Poder Público. Essa providência inclusive é objeto da ON 17/AGU, como mencionado acima, que dispõe: “a razoabilidade do valor das contratações decorrentes de inexigibilidade de licitação poderá ser aferida por meio da comparação da proposta apresentada com os preços praticados pela futura contratada junto a outros entes públicos e/ou privados, ou outros meios igualmente idôneos” (Alterada pela Portaria AGU nº 572/2011, publicada no DOU I 14.12.2011). No que diz respeito à esta exigência da justificativa de preço, o TCU entende que nas contratações diretas por inexigibilidade se faz necessária a elaboração de orçamento detalhado, assim como pesquisa com no mínimo três cotações válidas de empresas do ramo, vejamos: “(…) O fato de a contratação ter ocorrido por inexigibilidade de licitação não afasta a necessidade de a contratante elaborar, consoante o artigo 7º, § 2º, inciso II, e § 9º, c/c o art. 26, inciso III, todos da Lei 8.666/1993, orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários do objeto contratado, documento indispensável à avaliação dos preços propostos. Por esse motivo, não há como prosperar a afirmação do recorrente, no sentido de que “a comparação de preços cabível para o caso em tela seria, apenas, com outras propostas apresentadas pela Fundação ATECH em contratações efetivadas com outros órgãos integrantes do SISCEAB.”(…) (TCU. Acórdão 3.289/2014 – Plenário. Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues) “(…)Note-se, ainda, não ser possível comparar as duas propostas de preços constantes da peça 52, p. 13 e 18 diante da cotação de itens com características distintas: uma apresenta material em PVC e outro em vidro. Quando da realização da pesquisa, os responsáveis deveriam ter especificado adequadamente o objeto pretendido buscando ao menos três fornecedores para avaliar a adequabilidade do preço em relação ao praticado no mercado. (…)” (TCU. Acórdão 1.565/2015 – Plenário. Rel. Min. Vital do Rêgo) Por fim, no que tange a definição de sobrepreço ou superfaturamento a própria Lei 13.303 traz sua definição em seu art. 31, §1º: “(…). § 1º Para os fins do disposto no caput, considera-se que há: I – sobrepreço quando os preços orçados para a licitação ou os preços contratados são expressivamente superiores aos preços referenciais de mercado, podendo referir-se ao valor unitário de um item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, ou ao valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por preço global ou por empreitada; II – superfaturamento quando houver dano ao patrimônio da empresa pública ou da sociedade de economia mista caracterizado, por exemplo: a) pela medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas; b) pela deficiência na execução de obras e serviços de engenharia que resulte em diminuição da qualidade, da vida útil ou da segurança; c) por alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado; d) por outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a empresa pública ou a sociedade de economia mista ou reajuste irregular de preços”. Para (BARCELOS E TORRES, 2018) esta disposição do art. 30, §2º, robustece a necessidade de justificativa de preços como elemento de instrução dos processos de contratação direta e assim a obrigatoriedade de consulta dos preços através de pesquisa de mercado. Conclusão Em síntese, observou-se por meio deste estudo que a Lei n. 13.303/2016 possui como regra a necessidade de licitação nas contratações com terceiros sendo, no entanto, possível o seu afastamento nas hipóteses excepcionais de dispensa, inexigibilidade ou inaplicabilidade de licitação trazidas pela Lei das Estatais em seus artigos 28, 29 e 30. Além disso, concluiu-se que as hipóteses do rol do caput do art. 30 Lei n. 13.303/2016 devem ser entendidas como exemplificativas e não taxativas, podendo as práticas de mercado e o caso concreto estabelecerem outras situações de afastamento das regras acerca da licitação da Lei das Estatais. No entanto, a inaplicabilidade de licitação não se confunde com arbitrariedade, mas sim liberdade para que o gestor possa escolher a melhor solução para o caso concreto. Após, seguiu-se a análise do objeto central do presente artigo, a inexigibilidade da obrigatoriedade de licitar por serviço técnico especializado. Quanto ao tema foi exposto que primeiro deve existir uma inviabilidade de competição e, além disso, que na hipótese da inexigibilidade devido ao serviço técnico especializado, ela não se dá no aspecto fático, porque há competidores, mas sim porque o resultado de uma possível disputa entre eles não atende os interesses legítimos da administração, no caso a estatal. A própria Lei n. 13.303/2016 trouxe a definição de serviço técnico especializado, suprimindo em sua redação, no entanto, a singularidade exigida para a inexigibilidade em questão na Lei n. 8.666/1993. Concluiu-se, ainda, que, de regra, ao contratar diretamente serviços técnicos especializados, importante o enquadramento no rol de serviços do inciso II do artigo 30, da Lei 13.303/2016, bem como da necessidade de que os serviços técnicos sejam especializados, e, também, que sejam prestados por profissionais ou empresas de notória especialização. Abordou-se, então, outros temas pertinentes: da necessidade da exposição da razão para a escolha do executante e da justificativa de preço (art. 30,  §3º, II e III), restando claro que ambos devem ser muito bem justificados, pois são o que dão suporte para a decisão do Administrador Público para o afastamento do dever constitucional de licitar. Por fim, restou evidenciada a previsão da solidariedade pelos danos causados em razão de sobrepreço e superfaturamento entre quem fez a escolha da contratação direta, bem como o contratado, reforçando ainda mais a necessidade dos dois requisitos supracitados. Referências ALEXANDRINO, Marcelo. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo – 26. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. BARCELOS, Dawison. Licitações e contratos nas empresas estatais:  Regime licitatório da Lei 13.303/2016 / Dawison Barcelos e Ronny Charles Lopes de Torres – Salvador: Editora JusPodivm, 2018. MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 17a, ed., São Paulo: Malheiros, 2004, p. 497. FERRAZ, Sergio. Disposições Preliminares da Lei. In Comentários sobre a lei das estatais (Lei 13.303, de 30.6.2016) / Sergio Ferraz (organizador). São Paulo: Malheiros, 2019. ARAGÃO, Alexandre Santos. Regime Jurídico das Estatais. Edição 1, Abril de 2017. FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 7. ed. ver. atual e ampl. com comentários sobre a Lei nº 13.303/2016 – Lei das Empresas Estatais – Belo Horizonte: Fórum, 2017. JUSTEN FILHO, Marçal. A contratação sem licitação nas empresas estatais. In Estatuto jurídico das empresas estatais: Lei nº 13.303/2016/Marçal Justen Filho (organizador).  – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. PEREIRA, Cesar A. Guimarães. Processo Licitatório das Empresas Estatais: Finalidades, Princípios e Disposições Gerais. In Estatuto jurídico das empresas estatais: Lei nº 13.303/2016/Marçal Justen Filho (organizador).  – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. 10. ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2016, pág. 523. PETIAN, Angélica. Dispensa e Inexigibilidade de Licitação nas Empresas Estatais. In Comentários sobre a lei das estatais (Lei 13.303, de 30.6.2016) / Sergio Ferraz (organizador). São Paulo: Malheiros, 2019. A lei de trânsito mudou e a sua CNH pode estar em risco! Você tem uma multa e quer evitar a perda da habilitação? Clique aqui e faça uma Consulta GRATUITA!
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/inexigibilidade-de-licitar-por-servico-tecnico-no-ambito-das-estatais/
Alterações em Contratos Administrativos Regidos pela Lei 8.666/1.993
O presente artigo tem por objeto a análise das hipóteses em que é possível a alteração unilateral do contrato administrativo pela Administração Pública. São as chamadas cláusulas exorbitantes. O método utilizado será o jurídico-compreensivo. Para tanto, serão abordados alguns aspectos sobre o procedimento licitatório na atualidade. Na sequência, adentrar-se-á no tema central buscando traçar uma diferenciação entre as alterações contratuais unilaterais existentes na Lei Geral de Licitações: quantitativas e qualitativas previstas no art. 65, I, da Lei 8.666/1.993. Finaliza-se com a interpretação dos limites existentes para as alterações contratuais unilaterais e as polêmicas envolvendo a questão no âmbito da Lei de Licitações.
Direito Administrativo
Introdução Na busca da efetivação do princípio da economicidade, a administração pública se utiliza de um procedimento administrativo denominado licitação, cujo objetivo é obter a proposta mais vantajosa entre os participantes interessados, observando a igualdade de condições, consoante o disposto na Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da administração pública. Sendo que para a consecução de seus fins e a promoção dos serviços públicos necessários para atendimento dos administrados a utilização dos contratos administrativos oriundos dos procedimentos licitatório tem sido cada vez mais recorrente. Mas, os contratos celebrados na seara administrativa diferem dos particulares, pois neste há ampla liberdade das partes para pactuação das obrigações. Nesse cenário, o presente estudo analisará de início, alguns aspectos da licitação no âmbito da Lei 8.666/1.993. Em seguida, passa-se à análise do tema central objeto do presente artigo que são as alterações contratuais unilaterais previstas no art. 65, I, da Lei 8.666/1.993, denominadas cláusulas exorbitantes, estabelecendo as diferenças entre as espécies existentes. É que embora pactuados direitos e obrigações entre o Poder Público e o particular, a necessidade de atendimento ao interesse público e de preservação do equilíbrio econômico-financeiro poderá impor modificações nos termos contratuais. Por fim, serão abordados os limites para as alterações contratuais unilaterais e as polêmicas envolvendo a questão.   A licitação foi a forma escolhida ao longo da evolução da administração pública como sendo a mais isonômica, legal, impessoal, moral, pública e eficiente de dispor e adquirir bens e serviços públicos dos particulares, pois atende a legislação do artigo 37, inciso XXI da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, veja-se: “Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” Trata-se de um procedimento administrativo que visa à garantia da isonomia entre os licitantes, a seleção da melhor proposta dentre as apresentadas, com vistas à celebração de contrato, devendo observar tanto os princípios administrativos constitucionais, do caput do artigo 37 da CF, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como os previstos na legislação infraconstitucional referente ao tema. Hely Lopes Meirelles a define como: […] procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. (MEIRELLES, 1999, p. 23). As licitações têm base legal na Lei n° 8.666 de 21 de julho de 1993, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública. Especificamente para as empresas estatais, sociedades de economia mista e empresas públicas, a exigência de prévia licitação encontra guarida no art. 173, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, observando-se, atualmente, o regramento legal ordinário disposto na Lei nº 13.303/2016, a denominada Lei das estatais. Podemos encontrar os princípios básicos da Licitação no artigo 3º da lei 8.666/93, e no art. 31 da Lei 13.303/2016, confira-se, respectivamente: “Art. 3º. “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlato”. “Art. 31. “As licitações realizadas e os contratos celebrados por empresas públicas e sociedades de economia mista destinam-se a assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto, e a evitar operações em que se caracterize sobrepreço ou superfaturamento, devendo observar os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da eficiência, da probidade administrativa, da economicidade, do desenvolvimento nacional sustentável, da vinculação ao instrumento convocatório, da obtenção de competitividade e do julgamento objetivo”. Fato é que, concluído os trâmites para a contratação, seja por meio de um certame ou por meio de contratação direta, o contrato é firmado com a pessoa escolhida. Ocorre que no decorrer da execução do contrato, em que pese os termos pactuados inicialmente, é possível a sua alteração por meio da celebração de aditivos, seja de forma unilateral ou consensual, nos termos da Lei Geral de Licitações, para o atendimento ao interesse público e a preservação do equilíbrio econômico-financeiro. O tema ora proposto visa analisar apenas as interpretações dada ao art. 65, inciso I da Lei nº 8.666/93, focando, portanto, nas alterações unilaterais, que será a análise dos próximos tópicos.   De início, destaca-se que os contratos celebrados no âmbito administrativo diferem dos particulares, pois neste há ampla liberdade das partes para pactuação das obrigações. Já os contratos administrativos seguem um regime jurídico próprio consoante o disposto na Lei Federal nº 8.666/93. Entretanto, independentemente de sua natureza, os contratos da administração pública têm que respeitar exigências relativas à forma, ao procedimento, à competência e à finalidade, decorrentes da aplicação das normas de direito público. Além disso, existem cláusulas obrigatórias que devem ser observadas nos contratos regidos pela Lei de Licitações, consoante o disposto no seu art. 55, confira-se: “Art. 55.  São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: I – o objeto e seus elementos característicos; II – o regime de execução ou a forma de fornecimento; III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento; IV – os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso; V – o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica; VI – as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas; VII – os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas; VIII – os casos de rescisão; IX – o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei; X – as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso; XI – a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor; XII – a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos; XIII – a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação. Ademais, os contratos administrativos possuem também as denominadas cláusulas exorbitantes, previstas na Lei Federal nº 8.666/93, que são prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo, em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada. Nas lições de (CARVALHO FILHO, 2014, pg. 193): “Cláusulas de privilégio, também denominadas de cláusulas exorbitantes, são as prerrogativas especiais conferidas à Administração na relação do contrato administrativo em virtude de sua posição de supremacia em relação à parte contratada. Tais cláusulas constituem verdadeiros princípios de direito público, e, se antes eram apenas enunciadas pelos estudiosos do assunto, atualmente transparecem no texto legal sob a nomenclatura de “prerrogativas” (art. 58 do Estatuto). São esses princípios que formam a estrutura do regime jurídico de direito público, aplicável basicamente aos contratos administrativos (art. 54, Estatuto)”. Fato é que, a alteração do contrato representa uma das prerrogativas atribuídas à administração, nos termos do art. 58, I, da Lei n. 8.666/93. Tal prerrogativa se justifica pelo dever atribuído a esta de bem tutelar o interesse público, cabendo-lhe, pois, em face de determinadas circunstâncias, realizar as necessárias adequações do contrato firmado. Veja-se:   “Art. 58.  O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de: I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;(…)”   Sobre esta prerrogativa da Administração-contratante de alteração unilateral do contrato, com vistas ao atendimento do interesse público colimado, respeitados os direitos do contrato, é pacífica a orientação da doutrina pátria. Confira-se: “Em síntese, o contrato administrativo celebrado em decorrência de uma licitação está por ela condicionado, mas tem vida própria. Ele pode ser alterado, sim, por razões de interesse público, até o ponto em que esse vínculo ou esse condicionamento não se rompa”. (Adilson Abreu Dalari, cf. Limites à alterabilidade do contrato de obra pública, RDA n. 201, p. 61).   “É a supremacia do interesse público e a indisponibilidade deles que fundamenta a existência do contrato administrativo e do seu traço distintivo: a mutabilidade.”  (Lucas Rocha Furtado – Parecer do Representante do MPTCU na Decisão 215/1999 – Plenário-TCU, pág. 05).   “O contrato é eminentemente uma relação de direito privado dominada pelo princípio da igualdade entre as partes contratantes que torna inviável a alteração unilateral de direitos e obrigações. Do acordo de vontades emana a recíproca observância do pacto tal como concebido (pacta sunt servanda). Bilateral em sua origem e formação, somente outro ajuste de igual categoria poderá inovar o sinalagma constituído.  Sobrepaira, soberanamente, como princípio geral, a regra da imutabilidade do contrato privado. A presença da Administração Pública traz, contudo, às relações bilaterais das quais participe um regime jurídico especial que se distingue do regime de direito comum: o contrato de direito privado transfigura-se no contrato administrativo. De logo se destaca, no contrato administrativo, o fim de interesse público, de tal modo que a tônica do contrato se desloca da simples harmonia de interesses privados para a satisfação de uma finalidade coletiva, no pressuposto da utilidade pública do objeto do contrato. O princípio da igualdade entre as partes cede passo ao da desigualdade no sentido da prerrogativa atribuída ao Poder Público de fazer variar a obrigação da outra parte na medida necessária à consecução do fim de interesse público, que é o alvo da atividade estatal”. (Caio Tácito: BLC nº 3/97, p. 116)   O entendimento sobre a mutabilidade unilateral dos contratos administrativos e o seu fundamento – a realização do interesse público primário – poder ser confirmado observando-se o próprio conceito de contrato administrativo. Celso Antônio Bandeira De Mello (MELLO, 1998) define-o como “um tipo de avença travada entre a Administração e terceiros na qual, por força de lei, de cláusulas pactuadas ou do tipo de objeto, a permanência do vínculo e as condições preestabelecidas assujeitam-se a cambiáveis imposições de interesse público, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante privado”. No entanto, em que pese o caráter de mutabilidade unilateral dos contratos administrativos, a administração deve, em regra, evitar tais alterações, pois estas acabam por desnaturar as condições originalmente pactuadas. Neste sentido, colaciona-se o entendimento do TCU, por meio do acórdão n.º 1.755/2004-Plenário: “(…) o gestor público deve adotar todas as precauções de forma a minimizar a eventual necessidade de alterações contratuais, pois toda e qualquer modificação do contrato acaba por desnaturar as condições originalmente licitadas e pactuadas”. Insta esclarecer também que a alteração contratual não constitui ato discricionário da administração contratante, tomado por juízo de conveniência e oportunidade. Exige-se desta a devida exposição dos motivos ensejadores da mudança contratual. Veja as lições de (JUSTEN FILHO, 2005):   “A Administração, após realizar a contratação, não pode impor alteração da avença mercê da simples invocação da sua competência discricionária. Essa discricionariedade já se exaurira porque exercida em momento anterior e adequado. A própria Súmula n. 473 do STF representa obstáculo à alteração contratual que se reporte apenas à discricionariedade administrativa. A Administração tem de evidenciar, por isso, a superveniência de motivo justificador da alteração contratual. Deve evidenciar que a solução localizada na fase interna da licitação não se revelou, posteriormente, como a mais adequada. Deve indicar que os fatos posteriores alteraram a situação de fato ou de direito e exigem um tratamento distinto daquele adotado. Essa interpretação é reforçada pelo disposto no art. 49, quando ressalva a faculdade de revogação da licitação apenas diante de “razões de interesse público decorrente de fato superveniente (…).”   De todo modo, é possível a alteração do contrato administrativo para atender ao interesse público. Tais modificações, contudo, precisam estar limitadas por certas balizas legais a fim de assegurar a boa gestão da coisa pública e a preservação dos princípios a que o instituto do contrato administrativo visa preservar. Daí a disciplina do art. 65, I, da Lei 8.666/93, confira-se: “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I – unilateralmente, pela Administração: II – por acordo das partes: I – VETADO; II – as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. No artigo 65 são elencadas as diferentes hipóteses de alterações nos contratos administrativos, sejam elas unilaterais (inciso I) ou consensuais (inciso II). As alterações consensuais são aquelas na qual a Administração e o contratado pactuam alterações que visam adequar as condições de execução do objeto do contrato ou a promover o reequilíbrio econômico-financeiro do mesmo (art. 65, II, da Lei nº 8.666/93). As alterações unilaterais, por sua vez, são aquelas passíveis de serem promovidas pela Administração Pública independentemente da concordância do contratado, visando, sempre, garantir o atendimento do interesse público primário, estando condicionadas pelos termos da Lei de Licitações e Contratos Administrativos (art. 58, I, c/c art. 65, I, da Lei nº 8.666/93). Especificamente quanto à alteração unilateral do contrato, a teor dos comandos do art. 65, I, da Lei Federal, denota-se a existência de duas modalidades: qualitativa e quantitativa. As modificações qualitativas estão previstas na alínea “a” e dizem respeito à modificação do projeto ou das especificações do objeto contratado, mas sem alterar o objeto do contrato. Estão ligadas, assim, com o meio/forma de se chegar ao objeto contratado, não guardando relação direta com esse último, mas sim mediata. É qualitativa também a alteração do regime de execução ou modo de fornecimento. Tais hipóteses são, em regra, imprevisíveis, ou, então, inevitáveis, e exigem justificativa de ordem técnica que demonstre a sua imperatividade para o alcance da finalidade prevista no contrato. Quase sempre, as alterações qualitativas são necessárias e imprescindíveis à realização do objeto – sem a alteração não há a conclusão do objeto, nem parcialmente – e, consequentemente, à realização do interesse público primário, pois que este se confunde com aquele. Ressalta-se que o TCU considera que a alteração contratual qualitativa deve ser um fato rigorosamente excepcional e de alcance apenas residual (Acórdão n.º 702/2008). Nas lições de Lucas Rocha Furtado (FURTADO, 2014), as modificações qualitativas são aquelas que “podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação do objeto, quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação. Outrossim, compete à Administração Pública demonstrar que a alteração do contrato constitui a alternativa mais adequada, levando-se em consideração, por exemplo, os princípios da economicidade, eficiência, igualdade, inalterabilidade do objeto, e da motivação. Já as modificações quantitativas estão previstas na alínea “b” (art. 65, I) e se referem apenas ao acréscimo ou à supressão das quantidades relacionadas à dimensão do objeto. As alterações quantitativas guardam relação direta com a dimensão de objeto contratado, seja ele bem, serviço ou obra. As alterações qualitativas podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação do objeto quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação. Não há, aqui, modificação das especificações ou critérios contratuais. Tanto assim o é que o texto legal dispõe que o contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem (art. 65, § 1º), bem como que eles devem ser processados apenas nos limites permitidos (art. 65, § 2º). Neste sentido, colaciona-se o exemplo exarado na Decisão 215/1999 – Plenário TCU: “Considerando que o objeto do contrato distingue-se em natureza e dimensão, tem-se a natureza sempre intangível, tanto nas alterações quantitativas quanto nas qualitativas. Não se pode transformar a aquisição de bicicletas em compra de aviões, ou a prestação de serviços de marcenaria em serralheria. Contudo, nas modificações quantitativas, a dimensão do objeto pode ser modificada dentro dos limites previstos no § 1.º do art. 65 da Lei 8.666/93, isto é, pode ser adquirida uma quantidade de bicicletas maior do que o originalmente previsto, desde que o acréscimo, em valor, não ultrapasse 25% do valor inicial atualizado do contrato”.    Conquanto não se modifique o objeto contratual, em natureza ou dimensão, é de ressaltar que a implementação de alterações qualitativas requer, em regra, mudanças no valor original do contrato, muitas vezes em razão da necessidade de mudanças nas quantidades de obras ou serviços necessárias à sua conclusão. Por fim, em relação à diferenciação entre alterações quantitativas e alterações qualitativas, cumpre trazer à baila a lição de (JUSTEN FILHO, 2004): “7) Modificações Qualitativas: Alteração do Projeto ou de suas Especificações A melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era mais a adequada. Os contratos de longo prazo ou de grande especialização são mais suscetíveis a essa modalidade de alteração. Não há muito cabimento para essa hipótese em contratos de execução instantânea ou cujo objeto seja simples e sumário. A hipótese de al. “a” compreende as situações em que se constata supervenientemente a inadequação da concepção original, a partir da qual se promovera a contratação. Tal pode verificar-se em vista de eventos supervenientes. Assim, por exemplo, considere-se a hipótese de descoberta científica, que evidencia a necessidade de inovações para ampliar ou assegurar a utilidade inicialmente cogitada pela Administração. Também se admite a incidência do dispositivo para respaldar modificações derivadas de situações preexistentes, mas desconhecidas por parte dos interessados. O grande exemplo é o das “sujeições imprevistas”, expressão clássica do direito francês e que indica eventos da natureza ou fora do controle dos seres humanos, existentes por ocasião da contratação mas cuja revelação se verifica apenas por ocasião da execução da prestação. O grande exemplo é o da falha geológica de terreno, que impede a implantação da obra tal como inicialmente prevista. 8) Modificações quantitativas. Com redação esdrúxula, al. “b”, refere-se a alterações quantitativas do objeto contratado. A dificuldade reside em a lei utilizar como parâmetro não a prestação propriamente dita, mas o valor do contrato. Admite que a Administração introduza alterações (acréscimos e supressões) que acarretem modificação de até 25% no valor inicial do contrato, quando se tratar de obras, serviços ou compras; quando se tratar de reforma de edifício ou equipamento, o limite será de 50%. Como apurar o valor da alteração? Não haverá dificuldade quando o contrato versar sobre unidades específicas e divisíveis, cujo valor individual possa ser discriminado. Quando, porém, existir preço global, torna-se inviável estimar a dimensão econômica do acréscimo ou da supressão. Suponha-se, por exemplo, o contrato para a construção de uma edificação. Poder-se-ia afirmar que a redução de 25% da metragem da quadrada da obra corresponderia a uma redução de 25% do preço? É evidente que não. Diante dessa dificuldade, a lei determina que a ausência de preços unitários no contrato será solucionada através de comum acordo entre as partes. Logo, o problema é remetido para o âmbito negocial, escapando da prerrogativa unilateral da Administração. Mesmo quando existirem preços unitários, continuam a existir problemas. A lei olvida os princípios básicos de uma economia de escala. Quanto maior a quantidade, tanto menor o custo unitário. Logo, não se pode cogitar de simples redução ou acréscimo em quantidades. Reduzir 25% nas quantidades não significa reduzir 25% do preço; acrescentar 25% nas quantidades não importa obrigatoriamente acrescentar 25% do preço; Em uma economia de escala, a redução ou o acréscimo nas quantidades podem não ser acompanhados de variações proporcionais e equivalentes no preço. Portanto, o particular tem direito de exigir elevação no preço unitário quando forem reduzidas as quantidades desde que demonstre que a alteração do seu preço de custo. Por igual, a Administração pode impor a redução do preço unitário quando o acréscimos reduzir o custo”.   Ultrapassado o enfrentamento acerca da possibilidade de aditamento de contrato administrativo, imposto unilateralmente pela Administração, passaremos à análise dos limites para as alterações contratuais. Em regra, fere não só o Direito como também o senso comum a hipótese de alterações contratuais ilimitadas no âmbito administrativo, sobretudo as unilaterais. Em sendo assim, a Lei n. 8.666/1993 dispôs no §1º, do art. 65 os limites a serem observados pela Administração quando das alterações contratuais. Em relação aos acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, o limite é de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, é de até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos. É que, pela literalidade do § 2º, do art. 65, da Lei n. 8.666/1993, nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder tais limites, salvo as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. Note-se, assim, que o disposto no art. 65, § 1º guarda perfeita consonância com a previsão contida no art. 58, I, da Lei 8.666/93, que admite a modificação unilateral do contrato desde que respeitado os direitos do contratado, que podem ser resumidos na manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, na intangibilidade do objeto e, especificamente nas alterações unilaterais, na imposição objetiva de limites aos acréscimos e supressões. Ocorre que a doutrina pátria diverge em relação à aplicabilidade dos limites previstos nos §§ 1°e 2° do art. 65 da Lei n. 8.666/93 às alterações qualitativas. Questiona-se se tais acréscimos encontram-se limitados ao mesmo percentual a que estão adstritos os acréscimos denominados pela doutrina de quantitativos. Tal distinção não é mencionada expressamente no art. 65, da Lei de Licitações, surgindo como uma construção hermenêutica diante da necessidade de concretização da norma jurídica em face da realidade fática em interferência com o resguardo do interesse público. José dos Santos Carvalho Filho e Jessé Torres Pereira Junior, por exemplo, entendem que tanto as alterações quantitativas como as qualitativas estão submetidas aos aludidos limites. Confira-se: “De fato, o art. 65, § 1º, não faz qualquer distinção entre os tipos de alteração contratual e alude a obras, serviços e compras em geral. Se o legislador pretendesse discriminar as espécies de modificação, deveria tê-lo feito expressamente, o que não ocorreu. Assim, onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir. Avulta, ainda, observar que o art. 65, § 2º, com a alteração da Lei nº 9.648/1998, é peremptório no sentido da impossibilidade de exceder os referidos limites, ressalvando apenas a hipótese de supressão, desde que consensual. Ademais, é preciso lembrar que a fixação de limites visou exatamente a evitar que alterações profundas no contrato chegassem ao extremo de desnaturá-lo ou de alterar o núcleo originário de seu objeto. (CARVALHO FILHO, 2015)   “Cotejadas com as correspondentes regras do Decreto-Lei n. 2.300/86, asdos §§ 1º e 2º da Lei n. 8.666/93 apresentam identidades e inovações. As primeiras: (…) As segundas: (…) (…) O § 2º, com a redação da Lei n. 9.648/98, veio conter toda e qualquer alteração contratual, inclusive a decorrente de acordo, nos limites de acréscimo ou supressão estabelecidos no § 1º, salvo se a alteração consistir em supressão consensual. Quer dizer que, até 25% ou 50%, conforme o caso, a supressão poderá ser imposta por ato unilateral da administração; acima desses limites, poderá ocorrer a supressão, desde que haja acordo. Compreenda-se a inteligência do novo § 2º: os limites não podem ser ultrapassados quando se tratar de acréscimo porque se estaria a vulnerar a principiologia dos contratos administrativos.” (PEREIRA JÚNIOR, 2009). No tocante a tal interpretação doutrinária, em apreciação ao REsp 1.021.851/SP de 12/08/2008, o Superior Tribunal de Justiça, filiou-se a tal corrente afirmando que “13. Os limites de que tratam os §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93 aplicam-se tanto para as hipóteses da alínea “a”, quanto da alínea “b” do inciso I do mesmo dispositivo legal.” Por outro lado, parte da doutrina, há quem diga ser a majoritária, defende que os limites em questão não se aplicam às eventuais alterações qualitativas. Veja-se, por exemplo, o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (1.998), in verbis: “Embora a lei não o diga, entendemos que, por mútuo acordo, caberia ainda, modificação efetuada acima dos limites previstos no § 1.º do art. 65, se ocorrer verdadeira e induvidosamente alguma situação anômala, excepcionalíssima, ou então perante as chamadas ‘sujeições imprevistas’; isto é: quando dificuldades naturais insuspeitadas se antepõem à realização da obra ou serviço, exigindo tal acréscimo”. No mesmo sentido, entendeu Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “(…) Somente as alterações quantitativas estão sujeitas aos limites de 25% ou 50%, referidos no artigo 65, § 1 º, da Lei nº 8.666, até porque o inciso I, “b” (que trata especificamente dessa hipótese de alteração), faz expressa referência à modificação do valor contratual “em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta lei”, não se encontrando a mesma referência no inciso I, “a”, que trata das alterações qualitativas.” O TCU, por sua vez, proferiu a Decisão n.º 215/1.999, na qual firmou entendimento no sentido de que tanto as alterações quantitativas como as qualitativas estão sujeitas aos limites previstos no art. 65, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.666/93. Entretanto, admitiu-se a ultrapassagem dos referidos limites na hipótese de alterações contratuais consensuais e qualitativas, decorrentes de situação excepcional, uma vez demonstrado que a adoção de outra alternativa representaria insuportável sacrifício ao interesse público primário e desde que respeitados determinados pressupostos, confira-se: “a) tanto as alterações contratuais quantitativas — que modificam a dimensão do objeto — quanto as unilaterais qualitativas — que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão — estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei n. 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei; I — não acarretar para a administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; II — não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; III — decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial; IV — não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; V — ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes; VI — demonstrar-se — na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea a, supra — que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja, gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência.” Além disso, seguindo o entendimento da decisão 215/99, o TCU vem flexibilizando em seus acórdãos (nº 2.931/2010 e nº 448/2011) as exigências para realização de modificações unilaterais que ultrapassem os limites dos §§1º e 2º do Art. 65 da Lei nº 8.666/93. Posto isso, de acordo com parte da doutrina, bem como da Corte de Contas brasileira, só é permitido à Administração ultrapassar os aludidos limites previstos no art. Lei n. 8.666/1993 disposto no §1º, do art. 65, na hipótese de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas, no sentido de que só seriam aceitáveis quando, no caso específico, a outra alternativa – a rescisão do contrato por interesse público, seguida de nova licitação e contratação – significar um sacrifício insuportável ao interesse coletivo primário a ser atendido, pela obra ou serviço, levando-se em consideração diversos princípios norteadores da atividade administrativa, em especial, os princípios da economicidade, da licitação, da eficiência, da inalterabilidade do objeto, da igualdade, da moralidade e da motivação.   Considerações Finais O procedimento licitatório é obrigatório, conforme art. 37 da CF/88 regulamentado pela lei n° 8.666/93, e tem como objetivo ter a proposta mais vantajosa à administração, sendo isso possibilitado em razão da ampla competitividade entre os licitantes. A licitação permite que os entes públicos contratem fornecedores que tenham as condições que satisfaçam as necessidades do interesse público. Os contratos administrativos seguem um regime jurídico próprio, consoante o disposto na Lei Federal nº 8.666/93. Possuem cláusulas obrigatórias (art. 55), mas, também, as denominadas exorbitantes (art. 58) nas quais se admite, por exemplo, a alteração unilateral do ajuste, com vistas ao atendimento do interesse público colimado, respeitados os direitos do contrato. Como decorrência desta prerrogativa a Administração Pública pode alterar unilateralmente o contrato administrativo, nas hipóteses previstas nas alíneas do art. 65, I, da Lei 8.666/1993, que tratam das alterações unilaterais quantitativas e qualitativas. As alterações contratuais unilaterais quantitativas são aquelas que modificam a dimensão do objeto. Já as unilaterais qualitativas mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão. Ao final, viu-se que a doutrina diverge quanto à aplicação dos limites fixados nos §§ 1° e 2° do art. 65 da Lei n. 8.666/93 às alterações qualitativas dos contratos administrativos. Há autores que defendem que os limites em questão não se aplicam às eventuais alterações qualitativas, e outros que são favoráveis à sua aplicação. Sendo que o TCU se firmou no sentido de aceitar que exclusivamente os acréscimos qualitativos ultrapassem aqueles limites, excepcionalmente e mediante o preenchimento de condições, servindo de leading case a Decisão n.o 215/1999-Plenário.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/alteracoes-em-contratos-administrativos-regidos-pela-lei-8-666-1-993/
Possibilidade de Concessão de Reajuste não Previsto em Edital ou em Cláusulas dos Contratos Administrativos de Execução de Obra ou Reforma
O presente artigo tem como principal característica a análise da possibilidade de reajuste de preço, como mecanismo para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos de obras e reformas, quando inexistir previsão em Edital ou em cláusulas do contrato administrativo. Na sequência, verifica-se o possível índice inflacionário a ser aplicado, bem como a possibilidade de concessão nos contratos com prazo de vigência inferior a um ano, considerando a contagem inicial a partir da apresentação da proposta. Finaliza-se com o exame do alcance do instituto da preclusão, quando o pleito de reajuste de preços em obras e reformas for realizado após a execução dos serviços.
Direito Administrativo
Introdução Na busca da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos de obras e reformas, a legislação prevê ao contratado o direito de pleitear o reajuste dos preços dos seus serviços, independentemente de previsão em edital ou em cláusula contratual. Inicialmente, aborda-se no presente artigo sobre a norma constitucional e legislações que dispõem quanto ao direito ao reajuste nos contratos administrativos. Conclui-se, portanto, que, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo. Em seguida, estuda-se a escolha do possível índice inflacionário a ser aplicado, considerando a inexistência de previsão em edital ou cláusula contratual, concluindo pela aplicabilidade daquele que vai ao encontro do princípio da economicidade. Após, indaga-se quanto a aplicabilidade do reajuste de preços em obras e reformas quando a vigência contratual é inferior a um ano, analisando, assim, o prazo inicial da periodicidade anual, conforme disposto na legislação. Em seguida, demonstra-se o alcance do instituto da preclusão na concessão do reajuste de preços nos contratos administrativos de obras e reformas, demonstrando a necessidade da contratada realizar o pleito anteriormente à execução dos serviços, medição e pagamento. O interesse e a escolha da temática do presente artigo originam-se da necessidade de demonstrar o direito ao reajuste de preços nos contratos administrativos de obras e reformas, mesmo que não haja previsão em edital ou cláusula contratual, e desde que o pleito ocorra antes da realização dos serviços, para que não incida o instituto da preclusão. E, por fim, o intuito do presente artigo é asseverar o direito do contratado à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo de obras e reformas. 1. O reajuste de preço em obras e reformas: mecanismo para manutenção do equilíbrio econômico-financeiro O inciso XXI do art. 37 da Constituição da República assegura a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos durante toda a sua execução: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…). XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. (sem destaque no original). Para garantir efetividade à previsão constitucional, são previstos na legislação ordinária mecanismos para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, dentre os quais se inclui o reajuste de preços. O reajuste de preços “é a via jurídica adequada para preservar o equilíbrio econômico-financeiro inicialmente estabelecido pelas partes, quando elevações de custos, ocasionadas pela variação no poder aquisitivo da moeda, se mostrem capazes de inviabilizar a execução do objeto contratado” (DOTTI, 2016, p. 368). Em outras palavras, o reajuste visa atualizar o valor do contrato para fazer frente ao desequilíbrio ordinário e previsível provocado pela elevação dos custos de produção, especialmente quando determinada pelo processo inflacionário. A Lei de Licitações prevê a indicação do critério de reajuste como cláusula obrigatória do ato convocatório (art. 40, inciso XI) e necessária em todo instrumento de contrato (art. 55, inciso III). Confira-se: “Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (…). XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela; Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: (…). III – o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;” Em igual sentido, a Lei nº. 10.192/01 prevê que: “Art. 2o É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. § 1o É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano. (…). Art. 3o Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. § 1o A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.” No que tange aos critérios e demais condições para a efetivação do reajuste, convém transcrever algumas disposições do Decreto nº. 1.054/94, que regulamenta o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta: “Art. 5º. Os preços contratuais serão reajustados para mais ou para menos, de acordo com a variação dos índices indicados no instrumento convocatório da licitação ou nos atos formais de sua dispensa ou inexigibilidade, ou ainda no contrato, com base na seguinte fórmula, vedada a periodicidade de reajuste inferior a um ano, contados da data limite para apresentação da proposta: I – Io R = V_______, onde: Io R = valor do reajuste procurado; V = valor contratual do fornecimento, obra ou serviço a ser reajustado; Io = índice inicial – refere-se ao índice de custos ou de preços correspondente à data fixada para entrega da proposta da licitação; I = índice relativo à data do reajuste. Parágrafo único. Para a produção ou fornecimento de bens, realização de obras ou prestação de serviços que contenham mais de um insumo relevante, ou cuja singularidade requeira tratamento diferenciado, poderá ser adotada a fórmula de reajuste abaixo, baseada na variação ponderada dos índices de custos ou preços relativos aos principais componentes de custo considerados na formação do valor global de contrato ou de parte do valor global contratual: I1 – I1,0 I2 – I2,0 In – In,0 R. = V a1 …………. + a2 …… + ……….. + an ……. I1,0 I2,0 In,0 R = valor do reajustamento procurado; V = valor contratual do fornecimento, obra ou serviço a ser reajustado; II = índice de custos ou de preços correspondente ao parâmetro “al” e relativo à data do reajuste; In = índice de custos ou de preços correspondente ao parâmetro “an” e relativo à data do reajuste; I1,0 = índice inicial correspondente ao parâmetro al relativo à data fixada para o recebimento da proposta da licitação; In,0 = índice inicial correspondente ao parâmetro an relativo à data fixada para o recebimento da proposta da licitação. a1, a2, …, an = parâmetros cuja soma é igual a 1 (um).” 2. Direito ao reajuste de preço em obras e reformas independentemente de previsão em edital ou em cláusulas dos contratos administrativos Vê-se, pois, que no regime da Lei de Licitações e Contratos, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo. A lei impõe à Administração reajustar os preços contratuais. Interpretando minuciosamente a legislação acima citada, entendemos que o reajuste contratual tem como finalidade substancial manter as condições reais e concretas existentes na proposta, reconquistar os valores contratados pela defasagem gerada por fatores externos que promoveram a variação dos custos do contrato, e impedir o enriquecimento sem causa da outra parte.   No que tange à importância da previsão dos reajustes, como forma legal de resguardar a equação econômico-financeira dos contratos administrativos, transcrevemos Celso Antônio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 595), que entende que a manutenção da equação econômico-financeira “é um direito do contratante particular e não lhe pode, nem lhe deve, ser negado o integral respeito a ela”. Ainda, há de se considerar a natureza da alteração contratual que implica um reajuste. De acordo com o entendimento de Marçal Justen Filho (JUSTEN FILHO, 2000, p. 407), o reajuste tem como objetivo recompor o valor real da moeda, ou seja, compensa-se a inflação com a elevação nominal da prestação devida. Afirma ainda que: “Não há benefício para o particular na medida em que o reajustamento do preço tem natureza jurídica similar à da correção monetária”. Atenta-se ao fato de que a similaridade não deve ser confundida com identidade. Isso porque o reajuste tem como objetivo a revisão do valor pactuado, considerando fatores ligados ao mercado, os quais alteram os preços e, em consequência, repercutem no acordo. Já a correção monetária é utilizada como forma de manter o valor inicial de um contrato, erodido pela inflação, pelo fenômeno de desvalorização da moeda nacional. Com entendimento similar, Adilson Dallari (DALLARI, 1997, p. 96) entende que “existe apenas correção do valor proposto, ou seja, simples alteração nominal (…) da proposta do licitante vencedor, sem aumento ou redução real do valor do contrato. Assim, não existe efetiva alteração de coisa alguma, mas sim simples manutenção de valor”. Dessa forma, mesmo não existindo previsão expressa nas regras editalícias ou contratuais de como se dará o reajustamento da avença que ultrapasse doze meses de duração, certo é que é devido o reajuste, para que se preserve o valor real inicialmente contratado. A literalidade da interpretação do art. 40, XI, da Lei n. 8.666/93, neste caso, consistiria em aceitar a ocorrência de indesejável desequilíbrio contratual, possibilitando o enriquecimento sem causa do Poder Público. Logo, a convicção aqui firmada intenta favorecer a principiologia que rege a moderna teoria dos contratos, em especial o princípio da boa-fé objetiva e o princípio da justiça contratual. Nesse sentido, foi o entendimento do TCU no Acórdão 7184/2018 Segunda Câmara, ao definir que: “O estabelecimento do critério de reajuste de preços, tanto no edital quanto no contrato, não constitui discricionariedade conferida ao gestor, mas sim verdadeira imposição, ante o disposto nos arts. 40, inciso XI, e 55, inciso III, da Lei 8.666/1993, ainda que a vigência contratual prevista não supere doze meses. Entretanto, eventual ausência de cláusula de reajuste de preços não constitui impedimento ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sob pena de ofensa à garantia inserta no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, bem como de enriquecimento ilícito do erário e consequente violação ao princípio da boa-fé objetiva”. Em relevante apreciação da relação de equilíbrio que deve existir entre os contratantes na seara administrativa, orienta Celso Antônio Bandeira de Mello (BANDEIRA DE MELLO, 2001, p. 596) que “as avenças entre administração e particular, nominadas contratos administrativos, fazem deste último um colaborador do Poder Público ao qual não deve ser pago o mínimo possível, mas o normal, donde caber-lhe valor real estipulado no contrato ao tempo do ajuste”. Este é o entendimento que vem sendo sustentado pela renomada doutrina, de que a realização de reajuste visando à preservação da equação econômico-financeira de um contrato administrativo é um direito do particular, ainda que não haja previsão editalícia ou contratual. Neste sentido, foi a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na qual é tratada especificamente a questão em comento, ou seja, a possibilidade de realização de reajuste sem previsão editalícia ou contratual: “O cerne do litígio cinge-se à verificação do direito da empresa apelada, vencedora da licitação feita pela modalidade concorrência, em ter a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de prestação de serviços firmado com o Município de Pará de Minas, tendo-se em vista que a execução da obra contratada ultrapassou o prazo de doze meses inicialmente previstos para o seu término. (…) O Município, contudo, resistiu ao pedido de reajuste, defendendo a ausência de previsão editalícia ou contratual neste sentido. Contudo, tenho que a equação econômico-financeira do contrato administrativo independe de previsão expressa no instrumento contratual, pois sua gênese tem lugar no próprio texto da Constituição, quando prescreve que “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta…” (CR/88, art. 37, XXI). Daí porque não se pode resistir à pretensão sob o pretexto de observância ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório ou ao princípio da legalidade. (TJ/MG. 3ª Câmara Cível. Apelação Cível n. 1.0471.06.066448-2/001. Relatoria: Des. Albergaria Costa. Julgamento em 03/04/2008.)” (grifo nosso) Assim, a ausência de previsão no edital ou no contrato administrativo quanto ao reajustamento não pode ser alegada pela Administração Pública como mecanismo de manutenção dos valores iniciais da proposta do particular, pois feriria os deveres advindos do princípio da boa-fé objetiva, e fomentaria o enriquecimento sem causa do Poder Público. 3. Da escolha do índice inflacionário para concessão do reajuste de preço em obras e reformas Conforme já explicitado, não pode o contratado ser prejudicado pela inércia da Administração, considerando que o direito ao reajuste é algo que advém da lei. Sendo assim, deverá o administrador, para a concessão do reajuste, aplicar variação adotando índice inflacionário para realização do cálculo. Ao se analisar, novamente, à literalidade do art. 40, XI, da Lei de Licitações, verifica-se que o critério de reajuste dos contratos administrativos pode ser um índice específico ou um índice setorial. No Acórdão n. 361/2006, o Tribunal de Contas da União determinou “(…) que os reajustes de preços nos contratos que vierem a ser celebrados sejam efetuados com base na efetiva variação de custos na execução desses contratos, mediante comprovação do contratado, admitindo-se a adoção de índice setorial de reajuste, consoante prescreve o art. 40, inciso XI, da Lei n. 8.666/93 (…)”. Tem-se, pois, que os índices de preços foram elaborados com o intento de uniformizar a medição da inflação, de maneira que a variação dos preços fosse analisada rotineiramente, tendo como parâmetro o valor de alguns determinados produtos. Relativamente aos índices setoriais, conforme já afirmado, sabe-se que seus percentuais procuram retratar a variação de preços em uma determinada área da estrutura econômico-produtiva do país. Assim, quando o Poder Público o aplica a um instrumento contratual, busca manter seu equilíbrio financeiro a partir da análise dos efeitos da inflação em um certo setor da economia, no qual se situa o objeto da avença a ser reajustada. No que concerne aos intitulados índices específicos, tal termo, ampliativo, resulta na viabilidade de também serem empregados os chamados índices gerais de preços no reajuste dos contratos administrativos. Destarte, existe um certo espaço de discricionariedade ao administrador, para que este aplique um índice geral ou setorial de variação de preços, executando sua eleição através de uma exposição dos motivos determinantes da decisão. Assim, em observância aos princípios da moralidade e da eficiência, consagrados constitucionalmente, é certo que essa opção não é arbitrária. Segundo posicionamento unânime na doutrina e na jurisprudência, a seleção deve ser realizada entre os índices de preço produzidos por instituições conceituadas, de estatística e pesquisa, como ocorre em relação ao IPC (elaborado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica) e ao IGP-M (elaborado pela Fundação Getúlio Vargas). Outrossim, ante a variedade de índices gerais e setoriais, deve ser adotado o que menor percentual represente, acarretando a menor onerosidade possível ao Poder Público, de acordo com o que determina o princípio da economicidade. À vista disso, poderão ser utilizados como critérios para a concessão de reajuste dos contratos administrativos índices de preços setoriais ou gerais, desenvolvidos por entidades reconhecidas de estatística e pesquisa, com a devida exposição de motivos, sendo preferencialmente adotado o que possua um percentual menor. Atenta-se ao fato de que o reajuste pela aplicação de um índice setorial ou específico nunca poderá conduzir a montantes que provoquem o aumento dos benefícios do contratado para além da relação estabelecida, inicialmente, na equação econômico-financeira da avença. Portanto, em que pese a adoção de índice setorial ou específico ser admitida pela Lei n. 8.666/93 na efetivação do reajuste de um contrato administrativo, a incidência de um desses índices não exclui o dever da Administração Pública de aferir a observância do princípio da justiça contratual, e se o caráter comutativo do acordo de vontades está sendo preservado. A utilização dos índices de preços objetiva manter o equilíbrio financeiro do contrato, o estabelecimento da adequada remuneração do particular, sem perdas inflacionárias, e não ao aumento puro e simples do valor a ser pago pelo Poder Público, mediante um reajuste automático. 4. Do prazo inicial da periodicidade anual para a concessão do reajuste de preço em obras e reformas O art.2º da Lei nº. 10.192/01, anteriormente transcrito, dispõe que o reajuste de preço será concedido nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. Sendo assim, em uma primeira análise, aparenta-se não ser possível a concessão de reajuste para os contratos que possuem vigência menor que doze meses. Contudo, a jurisprudência dos Tribunais de Contas da União tem entendimento de que é necessário o estabelecimento de critério de reajuste de preços, “ainda que a vigência prevista para o contrato não supere doze meses” (Acórdão 2205/2016-Plenário). Isso porque a legislação prevê que o interregno mínimo de 1(um) ano deve ser contado da data da proposta da empresa ou da data do orçamento a que a proposta se referir (art.3º, §1º da Lei nº. 10.192/01), o que ocorre anteriormente ao prazo de vigência contratual de 01 (um) ano. Portanto, há o direito da contratada ao reajuste, mesmo não tendo o contrato sido assinado com vigência de, no mínimo, um ano, desde que haja tal interregno da apresentação da proposta até o pleito. 5. Do alcance do instituto da preclusão na concessão do reajuste de preços nos contratos administrativo de obras e reformas Quanto ao alcance do reajuste de preço, cumpre esclarecer que não tem efeitos retroativos, devendo incidir, no que diz respeito a obras e reformas, nas execuções e medições ocorridas após o requerimento elaborado pela contratada, caso ainda existam e ainda não tenham sido satisfeitas, pois as anteriores ou as já pagas foram alcançadas pelo instituto da preclusão. Tal entendimento advém do Parecer Vinculante AGU/JTB 01/2008, adotado pelo Parecer JT-02, de 26 de fevereiro de 2009, e aprovado pelo Presidente da República, que tem como ponto central a repactuação contratual e seus efeitos, e adota a interpretação de que, findo o prazo de duração e prorrogado o contrato sem que o interessado argua seu direito decorrente de evento do contrato originário ou anterior, haverá preclusão lógica do direito pleiteado, consubstanciada na prática de ato incompatível com outro anteriormente praticado. No despacho do Advogado da União – Diretor do Departamento de Assuntos Extrajudiciais, de encaminhamento da mencionada manifestação ao Consultor-Geral da União, para sua aprovação, o posicionamento exarado no documento foi resumido com maestria, conforme se vê: “(…) Com efeito, o entendimento perfilhado pela douta parecerista é no sentido de que a repactuação, motivada em decorrência de majoração salarial, pode ser exercida até o momento imediatamente anterior ao da assinatura da prorrogação contratual, sob pena de não mais poder ser exercida em razão da ocorrência, após este momento, de preclusão lógica. Entendimento este que se coaduna com o posicionamento firmado pelo Tribunal de Contas da União. Adotando-se este raciocínio, não se pretende anular o direito de o contratado pleitear a repactuação. Busca-se, em verdade, é salvaguardar a Administração Pública de possíveis dificuldades advindas de um pedido de repactuação, com efeitos financeiros retroativos em prazos superiores ao da prorrogação da vigência do contrato. Tal posicionamento justifica-se em face da vinculação da Administração Pública aos preceitos orçamentários aos quais deve fiel obediência, além de dificultar de sobremaneira a análise, a destempo, da demonstração analítica apresentada pelo contratado em respaldo ao seu pedido, uma vez que tal análise deve ter por base a conjuntura do mercado vigente à época da majoração salarial. Não obstante restar configurada a preclusão lógica, se o contratado não pleitear a repactuação até o momento imediatamente anterior ao da prorrogação, entendo ser prudente, para evitar qualquer questionamento na seara judicial, que haja expressa previsão editalícia e contratual prevendo que a repactuação, com efeitos retroativos, quando originada de majoração salarial deve ser obrigatoriamente pleiteada até a data anterior da eventual prorrogação contratual. (…)” (grifos nossos) Apesar deste parecer vinculante tratar especificamente de repactuação, é coerente empregar, por analogia, o seu fundamento jurídico ao reajustamento de preços em obras e reformas, pois, além destes institutos terem origem comum (decorrem do reajustamento de preços em sentido amplo), sua conclusão em relação à preclusão permanece inalterada se empregada ao reajustamento de preços. Não obstante a empresa contratada ter direito ao reajuste após o interregno de 1 (um) ano da data da sua proposta, caso já tenha realizado os serviços e recebidos os pagamentos sem qualquer pleito de reajuste, entende-se que ocorreu preclusão lógica do seu direito, o que impossibilita a concessão do reajuste dessas medições. Em reforço ao entendimento de ocorrência da preclusão – e este parece ser o argumento mais robusto para o indeferimento do reajuste de possíveis medições ocorridas antes do pleito, ou, mesmo que após, já satisfeitas – há manifestação do Tribunal de Contas da União no Acórdão nº. 508/2018 – Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, que apontou a seguinte irregularidade: “Considero que a situação fática e os elementos documentais que dão suporte ao referido termo de aditamento mereçam ser investigados de forma aprofundada pela unidade técnica em virtude dos seguintes fatos: (…). possível ocorrência de preclusão lógica nos reajustes atinentes a serviços já executados, liquidados e pagos, a partir das medições realizadas a partir de setembro/2011, ao passo que o reajuste, em princípio, recairia exclusivamente sobre o saldo dos serviços contratados, ainda não executados; dito de outro modo, ao continuar com a prestação dos serviços sem condicioná-los a uma revisão de preços, implicitamente reconheceu a adequação e a exequibilidade dos valores propostos na licitação, o ato voluntário da empresa que implica na renúncia ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, dando azo à ocorrência de preclusão lógica”; (sem destaque no original) Assim, tendo em vista o posicionamento do TCU no Acórdão supracitado, fica demonstrado que o reajuste de preços não incide sobre serviços pretéritos, ou seja, já executados, medidos ou pagos, de modo que, nesse contexto, a contratada tem direito ao reajuste, que incidirá apenas sobre os serviços contratados que foram executados após o pleito, e que não foram satisfeitos. Considerações Finais O inciso XXI do art. 37 da Constituição da República e a Lei nº. 10.192/01 asseguram a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos durante toda a sua execução, o que pode ocorrer através do reajuste dos preços. No regime da Lei de Licitações e Contratos, o reajuste de preços decorre de ordem legal, e não de deferimento administrativo, já que a lei impõe à Administração reajustar os preços contratuais. Assim, diante da legislação vigente, mesmo que ausente a previsibilidade no Edital e nas cláusulas contratuais, é possível concluir pela possibilidade jurídica do reajustamento dos preços em obras e reformas, devendo a administração adotar o menor percentual (índice inflacionário), em respeito ao princípio da economicidade. Tal direito da contratada ao reajuste de preços pode ocorrer até mesmo nos contratos assinados com vigência menor de um ano, desde que tenha ocorrido o interregno de, no mínimo, um ano, da apresentação da proposta até o pleito, conforme disposto no art.2º da Lei nº. 10.192/01. O reajuste dos preços nas obras e reformas é atingido pelo instituto da preclusão. Sendo assim, não incide sobre serviços pretéritos, ou seja, já executados, medidos ou pagos, tendo a contratada direito ao reajuste apenas sobre os serviços contratados que foram executados após o pleito, e que não foram satisfeitos. Desta monta, conclui-se pela possibilidade jurídica do reajustamento dos preços em contratos de obras ou reformas, visando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do instrumento, desde que pleiteado, sendo um direito do contratado, independentemente de constar em Edital ou na cláusula contratual, tendo a administração que adotar o menor percentual, em respeito ao princípio da economicidade, e devendo incidir apenas sobre as medições realizadas ou pagas após o pleito, e que não foram satisfeitas, pois as anteriores foram alcançadas pelo instituto da preclusão. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: DF, Senado. 1988. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/Leis/L8666cons.htm. Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001. Dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá outras providências. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10192.htm Decreto nº 1.054, de 7 de fevereiro de 1994. Regulamenta o reajuste de preços nos contratos da Administração Federal direta e indireta, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D1054.htm BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 595. DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos jurídicos da licitação. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 96. DOTTI, Marinês Restelatto. Revisão econômica do contrato administrativo. In: TORRES, Ronny Charles L. de (coord.). Licitações Públicas: homenagem ao jurista Jorge Ulisses Jacoby Fernandes. Curitiba: Negócios Públicos, 2016, p. 368. JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8. ed. São Paulo: Dialética, 2000. p. 407. Parecer vinculante AGU/JTB 01/2008, adotado pelo Parecer JT-02, de 26 de fevereiro de 2009, e aprovado pelo Presidente da República. Disponível em: www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/AGU/PRC-JT-02-2009.htm A lei de trânsito mudou e a sua CNH pode estar em risco! Você tem uma multa e quer evitar a perda da habilitação? Clique aqui e faça uma Consulta GRATUITA!
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/possibilidade-de-concessao-de-reajuste-nao-previsto-em-edital-ou-em-clausulas-dos-contratos-administrativos-de-execucao-de-obra-ou-reforma/
O projeto de Lei 2.139/2020 e a repactuação dos contratos públicos em tempos de COVID-19
O projeto de Lei 2.139/2020 e a repactuação dos contratos públicos em tempos de pandemia é uma reflexão sobre a proposta legislativa que elucida um caminho processual para a revisão exequível dos contratos de aquisição de insumos, serviços, obras e concessões públicas a partir de plano de contingência proposto pelas instituições privadas de forma voluntária ou mediante provocação da administração pública. A pauta do Senado Federal volta a transitar pela segurança jurídica nos contratos públicos considerando uma nova onda de apagão das canetas e as expectativas de gestores públicos, órgãos de controle e empresas privadas à deriva com o impacto econômico da COVID-19. Nas relações negociais do Estado.
Direito Administrativo
Introdução A emergência em saúde decorrente da COVID- 19 se constitui enseja uma crise da localizada da administração pública que vai além da promoção do direito à saúde; das tratativas que tentam balizar um modelo de educação razoável, com ou sem atividades presenciais; dos engenhos para a organização do transporte coletivo, quase sempre confusos em decorrência das contates aglomerações; e dos esforços para conter a violência policial, mantendo o trabalho atento das polícias. A crise da administração pública brasileira tem uma dimensão global, pois afeta a promoção de todas as cadeias de serviços públicos sociais e econômicos e apresenta significativo risco para atividades como energia, coleta de lixo, saneamento, transporte, dentre outros, considerando a possibilidade de serem reduzidos, perderem a qualidade, ou mesmo minguarem completamente. Quando o Corona Vírus se apresentou, junto com o pacote das medidas emergenciais na área de saúde vieram soluções transitórias para licitações e contratações públicas com a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e a Medida Provisória 961, de 7 maio de 2020. Os diplomas referidos foram muito importantes no começo da pandemia, pois enfatizaram a desburocratização das licitações, tendo em vista promover celeridade na compra de insumos ligados diretamente ou indiretamente ao combate da pandemia, bem como viabilização de terceirizações urgentes e, sobretudo, a partida de obras urgentes realizadas em todo o Brasil para a construção de unidades de saúde temporárias. Contudo, as principais medidas trazidas pela Lei 13.979/2020 e pela MP 961/2020 se apresentam nos seguintes pontos: aquisição de insumos, obras e serviços de engenharia destinados ao enfrentamento da COVID-19, dispensa de estudos preliminares, redução de prazos no rito do pregão, possibilidade de adoção do RDC para contratos com objeto definido na Lei 8.666/1993, pagamento antecipado dos contratados em relação à liquidação. A legislação construída para a crise teve baixo impacto em relação a gestão dos contratos públicos vigentes e, nesse contexto, uma das principais expectativas em torno da situação de pandemia diz respeito a repactuação dos contratos administrativos, que não forem extintos diante da emergência em saúde e consequente reordenação dos espaços, necessidades e perspectivas da administração pública. Nesse cenário se apresenta o Projeto de Lei 2.139/2020 e muita discussão sobre quais seriam as balizas necessárias para garantir o interesse público, bem como as expectativas sobre a contribuição da proposta para boas práticas no ambiente de gestão contratual do Estado e a efetiva necessidade do projeto de lei, considerando a possibilidade de suas soluções serem de aplicação tangível com base numa interpretação sistemática da legislação em vigor. Para esclarecer esses pontos, decidimos listar os aspectos controversos, emitindo opinião sintética sobre disposições do Projeto de Lei 2.139/2020. A respeito dos comandos jurídicos, que poderiam ser concretizados sem a aprovação e vigência da proposta legislativa do Senador Antônio Anastasia, é possível supor a viabilidade do artigo 2º, referente a possibilidade de o contratado, nos contratos administrativos, pleitear a alteração da equação econômico-financeira do contrato com base em estudos econômicos, considerando a inviabilidade da equação anterior e os danos irreparáveis ao serviço público em decorrência da extinção antecipada do contrato. Nessa disposição legislativa é importante considerarmos que muitas instituições privadas estão ingressando com pedidos de revisão contratual independentemente de um permissivo legal específico, pois possuem direito de peticionar diante da democratização do processo administrativo, alavancado pela Lei 9.784/1999 e sua replicação quase literal realizada no âmbito de estados-membros e municípios. O curso do processo administrativo poderia ser a fonte para a modulação de uma equação sustentável e consequencialista, considerando o disposto nos artigos 20 e 21 da Lei 15.655/2018. Passando a exposição dos comandos jurídicos do Projeto de Lei 2.139/2020 que não poderiam ser aplicados sem a aprovação e vigência da norma, vejamos as hipóteses:   Os critérios objetivos de avaliação do desempenho da instituição contratada pela Administração Pública é uma cláusula essencial nos contratos de parceria público-privada, mas o plano de metas tem natureza variável, considerando a mutabilidade, que se constitui como traço indissociável de contratos fixados a longo prazo. É relevante realçarmos que a magnitude da imprevisão trazida pela pandemia pode demandar mudanças que vão além das metas e apesar da Lei 13.934/2019, não se aplicar aos contratos administrativos, a norma que dispõe sobre o contrato de desempenho no âmbito interno da administração pública prevê que o simples não cumprimento dos resultados parciais de eficiência é fonte suficiente para a suspensão do contrato. Qualquer decisão imperativa da administração pública em relação ao sistema de desempenho estaria prejudicada pelos limites do artigo 65, I da Lei 8.666/1993 e pelo rigor imposto pela democratização de decisões, em sede de contratos públicos, imposto pela Lei 9.784/1999.   2. Autorização manifestada em favor do contratado para programar a desmobilização de pessoas, equipamentos e estruturas alocadas na execução do contrato, se houver, no caso do objeto do contrato, prejuízo a continuidade de serviço público essencial Trata-se de prática que só poderia ser conduzida com a conclusão do contrato e consequente realização do seu objeto ou no caso de uma extinção amigável nos termos aprovados pelas partes. Uma desmobilização de recursos humanos e recursos materiais, que deve acontecer parcialmente em processos de repactuação, representa inexecução parcial do contrato se acordo não estiver homologado pelas partes. Se a questão é a possibilidade de acordo prevista no artigo 65 II da Lei 8.666/1993, temos que ponderar o desafio de fazê-lo diante do estado de necessidade administrativa causado pela pandemia da COVID-19, ou seja, as proporções da redução do objeto podem ser superiores ao limite de 25% do parágrafo primeiro do artigo 65 da Geral de Licitações.   3. Suspensão da exequibilidade de sanções A previsão dessa hipótese só seria possível diante do contexto específico em que sanção decorra de inexecução total ou parcial do contrato em função da emergência em saúde. Supomos que a administração pública não estaria fazendo uma renúncia despropositada de suas prerrogativas, mas abrindo uma trégua capaz de fomentar processos de negociação, baseados numa noção de boa-fé fundamental para as concessões reciprocas exigidas por esse tempo imprevisão gerado pela emergência em saúde pública.   4. Nos contratos de concessão (comum, administrativa e patrocinada), a possibilidade da Administração de postergar o recebimento de valores a receber das concessionárias Nesse ponto é importante destacar que valores de outorga fixa e variável, valores de receitas alternativas ou complementares, encargos de fiscalização ou obrigações análogas e encargos de regulação setoriais só poderiam abrir receitas para a cobertura de custos e despesas incorridos na continuidade da prestação contratual, sendo possível o depósito de valores em conta reserva para despesas futuras. Para que a postergação do recebimento de valores devidos pela concessionária se apresente num ambiente de moralidade, eficiência econômica e reciprocidade a hipótese de a concessionária executar despesas para compensar ganhos não obtidos é incompatível com o interesse público. O momento exige bom senso das empresas privadas, ou seja, os valores retidos com base no artigo 5º do Projeto de Lei 2.139/2020 devem ser aplicados apenas quando houver risco de dano irreparável ao serviço público.   5. Caso haja acordo entre as partes, a possibilidade de uma nova equação econômico-financeira, inclusive a revisão da matriz de risco para proporcionar continuidade aos contratos A ideia de repactuar a equação econômico-financeira e a matriz de risco nos contratos administrativos não é uma inovação se pensarmos sobre a interface da teoria econômica do direito e a percepção de que os contratos administrativos são incompletos, sobretudo os contratos de concessão, onde os prazos mais largos aumentam as chances de a matriz de risco original ser falseada com o tempo. Contudo, a visão mais ponderada da real natureza dos contratos e seu risco inerente não consubstanciam um ambiente seguro para a repactuação desses termos e voltando a pensar sobre risco, é importante considerarmos que os gestores públicos não serão aconselhados por suas assessorias jurídicas a modificar as bases do edifício contratual sem a previsão de lei específica.   6. Alteração do objeto dos contratos para além dos limites da legislação vigentes nos seguintes pontos: VI.I. Suspensão da exigibilidade das obrigações do contratado além dos limites de até 120 dias do art. 78, XIV da Lei 8.666/1993. VI.II. Promoção da alteração das especificações do objeto além dos limites art. 65, I da Lei 8666 e dispositivos compatíveis na Lei 8.987/1995.  VI.III. Alteração das quantidades além dos limites dos limites relativos ao objeto do contrato nos limites do art.65 §1º da Lei 8666/93 25% para aquisições 50%para reformas.   A lista de alterações referentes ao conteúdo, quantidade e tempo de suspensão do objeto dos contratos impacta sob matrizes que o direito administrativo mantém como referenciais de controle e segurança jurídica nos contratos públicos. Os dois últimos pontos exigem mais cuidado, pois dizem respeito a limites da repactuação que podem impactar na obrigação da administração pública licitar, por isso não é o tipo de prescrição que possa ser dissociada do tempo da crise e da motivação qualificada da decisão administrativa, nos moldes da Lei 13.655/2018.   7. A fixação de uma lista de direitos disponíveis passível de favorecer a resolução extrajudicial de conflito por meio de mediação e arbitragem. A administração pública tem admitido a mediação e arbitragem nos seus contratos, mesmo antes das Leis 13.129/2015 e 13.140/2015, o que ocorre nos contratos de concessão desde a Lei 11.196/2005, que alterou o texto da Lei 8.987/1995 propondo mecanismos de resolução privada de conflitos como inovação em todas as modalidades de concessão da Leis 8.987/1995 e 11.079/2004. Nesse ponto, é fundamental que a mediação e a arbitragem deixem de ser uma inovação, pensada para a administração pública do futuro, numa perspectiva distante, sempre aplaudida, porém por vezes afastada da gestão pública do presente e de sua realidade palpável. A mediação pode ser parte do plano de contingência estimulado pelo Projeto de Lei 2.139/2020, pois o processo administrativo que lhe confere formalidade já é por sua natureza um exercício voltado para a busca de uma mediana entre as partes do contrato público. Mediação e arbitragem são, contudo, instrumentos de resolução de conflitos que ainda não estão arraigados a cultura de gestão da nossa administração, principalmente se consideramos os contratos realizados por entidades federativas de variados portes Brasil afora e a judicialização continua avassaladora. O ponto chave do projeto de lei está na elaboração de uma lista de direitos disponíveis em matéria de contratos públicos, elucidando um movimento de arbitralidade objetiva, tal como no Decreto 10.025/2019. As hipóteses listadas pelo Projeto de Lei 2.139/2020 são as seguintes:   Depois de observarmos o hall de proposições do Projeto de Lei 2.139/2020 que não encontram referência legal no direito administrativo brasileiro, ou seja, medidas que não poderiam ser implementadas com a devida segurança jurídica sem a aprovação do projeto legislativo em comento, é relevante voltarmos o olhar para o plano de contingência previsto no seu artigo segundo. O plano de contingência é, a priori, uma proposta de repactuação (revisão de obrigações, redefinições da equação econômico-financeira, reordenação do sistema de desempenho do setor privado, incluindo garantias de qualidade mínima do objeto, adiamento de investimento, fixação de indenizações para ambas as partes). A processualidade no cenário de repactuação dos contratos é bem-vinda, pois a revisão dos contratos é o caminho inevitável de todos os pactos que não forem extintos em função da situação de emergência administrativa do Estado. Cabe registrar que o plano de contingência não é um documento fechado e em torno dele o processo administrativo pode ser favorecido nos seguintes aspectos:   É imprescindível percebermos que a teoria da imprevisão, nos moldes como foi forjada, após a segunda guerra mundial, não apresenta mais uma base teórica adequada para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos, pois não oferece matrizes de negociação plausíveis para a administração pública consensual e desconsidera movimentos do capitalismo que são alçados na contemporaneidade para precificar o que compramos em nossa vida privada e o que o Estado compra em sua existência negocial. A proposta legislativa é ousada e vai reclamar a atenção de muitos juristas precavidos, mesmo diante das boas práticas fomentadas no seu corpo, e é importante que surjam recomendações para que o texto possa ser refinado como também debatido com a profundidade exigida pela democracia. Supomos a possibilidade de listar alguns dos protocolos que podem ser reconhecidos como práticas meritórias, portanto, favoráveis a construção de um patamar de negociação com moralidade e eficiência, quais sejam:   Por consideramos o papel destaque atribuído aos órgãos de controle no processo de implementação é importante destacar que os tribunais de contas estão cada vez mais equipados de estudos e instrumentos de tecnologia da informação, incluindo inteligência artificial, para fazer o diagnóstico precoce de indicadores de fraude e atuar de forma simultânea ao nascimento e repactuação dos contratos. Todos os atores da administração pública atual aprenderam muito, nos últimos anos, com os efeitos perversos da extinção irrefletida de contratos públicos, pois a repactuação e a sobrevivência dos contratos administrativos, sobretudo aqueles de concessão, incluindo as parcerias público-privadas, é essencial para a concretização do papel que o Estado deve cumprir no momento.   Conclusão Trata-se de uma pauta do velho direito administrativo, qual seja, fomentar a exequibilidade dos contratos públicos para garantir a prestação do serviço público, já que o Estado nunca contratou a risco zero e nunca repactuou sem expectativa de risco. Os estudos econômicos apresentados com os planos de contingência podem ser arranjos fundamentais para reduzir o nevoeiro entre as verdades sabidas pela Administração e aspectos do modelo de negócio das instituições privadas eventualmente revelados para a mesa de negociação, mas avaliação continua sendo uma obrigação do gestor. O principal risco do serviço público no momento pode ser o fomento do medo de decidir, numa onda silenciosa de canetas apagadas pela obscuridade da luz refreada do novo direito administrativo, com muito discurso sobre negociação, mediação e consensualidade, mas com a ação abafada pela tradição inércia.   Referência SENADO FEDERAL. Projeto de Lei 2.139/2020. Iniciativa. Senador Antonio Anastasia (PSD/MG) Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141682. Acesso em 01/08/2020.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-projeto-de-lei-2-139-2020-e-a-repactuacao-dos-contratos-publicos-em-tempos-de-covid-19/
A Evolução da Arbitragem na Administração Pública
O presente artigo analisa a evolução da Arbitragem no Brasil, tendo como principal enfoque a possibilidade de utilização do juízo arbitral para resolver conflitos envolvendo a Administração Pública. Para tanto, apresenta algumas considerações iniciais acerca do procedimento arbitral, esmiuçando os cenários pré e pós Lei nº. 13.129/15, onde, em um primeiro momento havia divergência doutrinaria acerca da possibilidade da sua utilização pela Administração Pública e, após a edição da Lei, os desafios gerados como consequência da adaptação das características própria da Arbitragem em face dos princípios que regem o Direito Administrativo. O trabalho tece ainda alguns comentários sobre o Decreto nº. 10.025/19, que constitui um marco no avanço do uso da Arbitragem pelo setor público e, por fim, analisa a atual conjuntura, em 2020.
Direito Administrativo
Introdução A Arbitragem foi instituída no Brasil pela Lei nº. 9.307/96 e consiste em um método extrajudicial de resolução de conflitos, frequentemente visto como uma alternativa aos trâmites tipicamente demorados e dispendiosos dos processos que correm perante a justiça comum. Daí decorre a tentativa da comunidade jurídica em criar meios alternativos que possam dar uma resposta rápida e que corresponda aos anseios da sociedade. Trata-se de uma forma antiga de solução de conflitos, tida como uma “heterocomposição”, em que os conflitantes buscam a resolução da lide em uma terceira pessoa, que seja confiável e que as leve a uma solução amigável e imparcial. A Arbitragem é comumente utilizada para resolver conflitos nos campos privado e empresarial. Neste cenário, doutrinadores passaram a questionar acerca da possibilidade de uso da arbitragem também pela Administração Pública, na solução de contendas com o particular. Entretanto, a Lei nº. 13.129/15 eliminou toda e qualquer dúvida a esse respeito. Outras legislações esparsas também passaram a admitir e regular o uso do juízo arbitral pelo Poder Público. O presente artigo analisa a evolução da arbitragem no Brasil. Para isso, apresenta o procedimento arbitral, a discussão que envolvia a possibilidade do uso da arbitragem pela administração pública antes da Lei 13.129/15, apresenta a citada lei e seus efeitos e, finalmente tece comentários acerca do Decreto nº10.025/19 e sobre o cenário atual em 2020.   1           Considerações sobre o procedimento arbitral A Arbitragem é disciplinada pela Lei nº. 9.307/96, que, por sua vez, foi alterada pela Lei 13.129/2015. Tal alteração reforçou a importância adquirida pelo método no cenário nacional. O processo arbitral pode ser constituído pela chamada Convenção de Arbitragem, que se materializa pela existência de uma cláusula compromissória ou de um compromisso arbitral. Na primeira hipótese, a cláusula está prevista no contrato, antes mesmo que ocorra o conflito, e estabelece que um possível litígio será resolvido por Arbitragem e não pela justiça comum. Já o compromisso arbitral consiste num acordo entre as partes, firmado a partir da existência de uma controvérsia concreta, em que os litigantes renunciam à atividade jurisdicional estatal e submetem esta questão ao juiz arbitral. Em relação ao campo de atuação da Arbitragem, existem duas vertentes: a primeira, de direito, em que as partes convencionam que o árbitro decidirá o litígio com base nas regras do direito; e a segunda, de equidade, em que o juiz arbitral levará em conta não somente a legislação em si, mas também aquilo que os litigantes têm como mais justo e razoável. Houve quem defendesse a inconstitucionalidade da Arbitragem, sob argumento de que não é possível excluir o Poder Judiciário do julgamento de um conflito[1]. Entretanto, tal posição é facilmente refutada pelo princípio da autonomia da vontade. É perfeitamente possível que os cidadãos possam utilizar um árbitro para resolução de conflitos de ordem patrimonial, tendo em vista que tais direitos são disponíveis. Por outro lado, não se admite o exercício da Arbitragem para causas penais. Uma das razões pelas quais os litigantes optam pelo juízo arbitral é, certamente, a celeridade processual. Segundo informações do relatório anual de 2019 do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio Brasil Canadá (CAM-CCBC), o tempo médio de duração dos procedimentos iniciados entre 2017 e 2019 perante esta câmara foi de 13,2 meses – tempo este bastante inferior aos processos julgados no Judiciário, que demoram, em média, mais de 4 anos[2]. Ademais, a Arbitragem permite que os árbitros sejam escolhidos pelas partes. A eleição de um árbitro especialista no tema em disputa traz maior segurança aos litigantes em relação ao resultado do processo, visto que o seu julgador é um profissional da área, indicado e aceito por ambos os polos. Em contrapartida, a Arbitragem possui um elevado custo. Por exemplo, um processo cujo valor em disputa seja de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) e esteja em trâmite pela CAMARB, terá a título de despesa o valor aproximado de R$141 mil[3] (aproximadamente R$70 mil para cada polo), mais de 14% do valor da causa. As despesas incluem a taxa de administração e a remuneração do árbitro presidente e dos co-árbitros.   2.   Arbitragem na Administração Pública antes de 2015 Até a entrada em vigor da Lei 13.129/2015, a doutrina ainda divergia em relação ao uso da Arbitragem pela Administração Pública. Salomão (2011), por exemplo, entendia que o juízo arbitral só poderia ser acionado pelo Poder público se fosse através da Administração Pública indireta. Ou seja, o Estado, quando da execução indireta do serviço público, poderia criar pessoas jurídicas para assim procederem. Neste sentido, empresas públicas, sociedades de economia mista ou até mesmo nas parcerias público-privadas poderiam adotar a Arbitragem quando o contrato abordasse direitos meramente disponíveis, passíveis de valoração patrimonial, e a causa versasse sobre atividade econômica. No entanto, ficaria proibida a adoção do juízo arbitral quando o contrato dispusesse sobre a execução de algum serviço público. Ainda segundo Salomão (2011), considerando que a Administração Pública tem princípios e regras próprios, a utilização do juízo arbitral para resolução dos litígios originados de contratos administrativos, os quais apresentem como partes Administração Pública e um particular, mostra-se eficiente e célere, vindo a alcançar o interesse público de forma mais prática e benéfica para a sociedade. Desde a regulamentação do uso do procedimento arbitral, foi percebido um uso crescente da Arbitragem por particulares e pelo meio empresarial para a composição de conflitos, sem a intervenção, a princípio, do Estado-Juiz. Mesmo antes da alteração ocasionada pela lei nº. 13.129/15, muitos autores entendiam ser aceitável o uso da Arbitragem também pela Administração Pública, na solução de contendas com o particular. Para Mello (2015, p. 54), por exemplo, em 2015 já estavam superadas as objeções iniciais à utilização da Arbitragem pela Administração Pública, dado o avanço da legislação, da doutrina e da jurisprudência nos últimos anos. Em relação à legislação, conforme Nogueira (2009, p. 125-141), o princípio da legalidade autorizava a aplicação da Arbitragem nos contratos firmados com o Poder Público uma vez que já estava previsto em diversos dispositivos legais como no artigo 11 da lei de Parceria Público-Privada e no artigo 23-A da Lei 8.987/05 que dispõe sobre a Concessão e Permissão de Serviços Públicos. Mesma conclusão foi obtida por Juliane Locks (2012, p. 19-20). Importante ressaltar que o artigo 1º da Lei nº. 9.307/1996 não impedia que o poder público fizesse uso da Arbitragem para a solução de conflitos envolvendo contratos administrativos. Com efeito, o artigo referido não apresenta qualquer vedação quando menciona que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da Arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Em relação à doutrina, o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores do Brasil já autorizava a opção pelo uso da Arbitragem à Administração Pública, quando esta contrata com o particular. É possível citar, por exemplo, o julgamento do Recurso Especial nº 606.345 de 2003, no qual o voto proferido pelo Ministro Relator João Otávio de Noronha demonstra claramente a aplicabilidade da Arbitragem nos contratos administrativos. Ressalta-se, ainda, o julgamento do Mandado de Segurança nº. 11.308 de 2005. Nele, o ministro relator Luiz Fux, em seu voto, enalteceu o uso da Arbitragem pelas Sociedades de Economia Mista e deu enfoque aos direitos disponíveis transacionáveis pela Administração Pública. O ministro ressaltou ainda a afastabilidade do juiz natural quando convencionada a adoção da convenção arbitral.   3           Alterações causadas pela Lei nº. 13.129/15 A Lei 13.129/2015 trouxe três parágrafos que alteraram o texto original da Lei nº 9.307/96 e puseram fim às divergências jurídicas. Abaixo estão alguns trechos do referido dispositivo legal, os quais autorizam a utilização da Arbitragem pela Administração Pública. “Art. 1o “Art. 2o   Se a Administração Pública deve agir apenas com base na lei, de acordo com o princípio da legalidade, pode-se concluir que o Poder público pode sim recorrer à Arbitragem, vez que há ampla legislação autorizativa neste sentido. A título de exemplo, temos a Lei de Concessões Públicas (Lei nº. 8.987/95), que admite, em seu artigo 23-A, “o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a Arbitragem”. Da mesma forma, a Lei nº. 13.303/16 permite que sociedades de economia mista solucionem conflitos entre acionistas e a sociedade por meio da Arbitragem. A Lei de Licitações (Lei nº. 8.666/93), por sua vez, em seu artigo 54, caput, dispõe que “os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado”. Segundo Nogueira (2009, p. 125-141), a possibilidade, conferida por lei, para adoção da Arbitragem como forma de solução de conflitos atesta evolução do direito administrativo brasileiro, dado que este método favorece a solução célere e eficaz de conflitos pela via consensual. Importante destacar que com a utilização da Arbitragem, há uma flexibilização do princípio da indisponibilidade do interesse público, outrora engessado pela doutrina clássica. Trata-se de um rompimento com a visão da relação de verticalidade entre a Administração Pública e os particulares, de modo a permitir a existência de relações jurídicas horizontais. O professor Carmona (2016, p. 7-21), motivado pela alteração decorrente da Lei 13.129/2015, ressalta diversos desafios referentes à utilização da Arbitragem pela Administração Pública. Para ele, a Lei nº. 9.307/96, na sua origem, não se preocupou com o Estado e suas particularidades, sendo regulamentada apenas recentemente. O autor enfatiza que a Administração Pública deve se adaptar à Arbitragem para que possa se manter competitiva em suas contratações, em especial no âmbito das parcerias público-privadas. Como pontos de atenção, o autor ressalta: a escolha do órgão arbitral; a nomeação de árbitros; as custas e despesas; a verba honorária; a sede de Arbitragem; o idioma e a publicidade. Sobre a escolha do órgão arbitral, o professor Carmona (2016, p. 7-21) entende ser possível a utilização da Arbitragem ad hoc; porém, devido a sua falta de expertise, é natural a escolha de uma Arbitragem institucional, uma vez que, apesar dos custos mais altos, haveria maior estrutura para o desenvolvimento do processo. O autor defende que a escolha da instituição seja feita já na cláusula compromissória, visto que, após o surgimento do litígio, já existirá alto grau de desconfiança entre as partes e um acordo será mais difícil. Incabível, ainda, a promoção de licitação entre as entidades que oferecem o serviço, visto que os critérios são muito diferentes: preço, serviços oferecidos, qualidade das instalações, regulamento, existência ou não de lista de árbitros, experiência prévia, etc. Entretanto, a Administração Pública deve definir, no contrato, parâmetros realistas, que atendam às necessidades das partes. Para Carmona (2016, p. 7-21), também é perfeitamente possível a escolha de entidades com sede no exterior, como a CCI – Câmara Internacional do Comércio, ou a LCIA – Tribunal de Arbitragem Internacional de Londres. A questão das custas e despesas também é problemática para a realização da Arbitragem, uma vez considerada a burocracia e a limitação orçamentaria da Administração Pública. Carmona (2016, p. 7-21) argumenta que a solução prática é a antecipação das custas pela parte adversária; porém, tal prática pode gerar diversos outros problemas, dando margem, por exemplo, ao abuso de poder por parte do Estado. O professor defende que, caso o Estado inicie o procedimento, ele deverá arcar com as suas despesas devidas. Neste sentido, caso a Administração Pública de fato pretenda se envolver em arbitragens, é necessário criar mecanismos e verba específica a fim de custear estes processos. Assim como despesas e custas, a verba honorária também apresenta o mesmo impasse. Segundo Carmona (2016, p. 7-21), a tendência da administração é no sentido de evitar a incidência da verba e, naturalmente, a parte contrária pensará de forma diversa. Para o autor, a melhor forma de resolver o problema seria evitar surpresas, incluindo, desde logo, na convenção de Arbitragem, se haverá ou não a incidência de verba honorária. Quanto à sede da Arbitragem e ao idioma, Carmona (2016, p. 7-21) afirma que, por questão de segurança e conveniência, a Administração Pública provavelmente optará pela realização em território nacional, de modo que a sentença arbitral seja aqui proferida. Porém, não há impedimento para que o Estado celebre convenção arbitral prevendo o desenvolvimento do processo em terras estrangeiras. Quanto ao idioma, a aplicação da lei brasileira à Arbitragem envolvendo o Estado sugere a utilização do idioma português no procedimento. Nada impede, todavia, que sejam elaborados documentos em língua estrangeira e depois traduzidos para o português. Finalmente, quanto à publicidade, princípio constitucional, o professor Carmona (2016, p. 7-21) defende que as partes deixem claro, na cláusula compromissória, qual grau de publicidade que pretendem dar ao procedimento, atribuindo às partes o dever de tornar públicos os atos e os documentos determinados. Tal atribuição poderia ser delegada aos órgãos arbitrais institucionais, que organizariam um dossiê para informar o público. O professor é, particularmente, contra a publicitação de todos os documentos e atos visto que, segundo ele, traria ineficiência ao processo e colapsaria o funcionamento do órgão arbitral. Em artigo de 2017, após transcorrido mais de um ano da entrada em vigor da reforma da Lei 13.126/15, Sombra (2017, p. 54-72) discorre sobre a superação da primeira fase de obstáculos e crenças levantados contra a Arbitragem celebrada pelo poder público. Ele destaca que, neste momento inicial, devido ao cenário de crise política e econômica, que geraram instabilidade no ambiente de negócios, a previsão de convenções arbitrais teve menor incidência em detrimento da solução convencional de litígios por meio do Poder Judiciário. O autor chama atenção ao fato de que, até a publicação de seu artigo, em 2017, apenas duas arbitragens envolvendo a Administração Pública haviam sido identificadas após a entrada em vigor da reforma da Lei nº. 13.126/15. Ambas ocorreram perante o Centro de Arbitragem e Mediação (CAM) da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CCBC). Uma envolveu o Estado de Pernambuco e referia-se à Arena Pernambuco; a outra, uma disputa com a União envolvendo a Secretaria dos Portos. Naquela época (2017), o autor já ressaltava que, apesar do baixo número de disputas arbitrais envolvendo a Administração Pública, eram altas as expectativas em torno do aumento do emprego desta forma de resolução de conflito. Como será visto nas próximas seções, de fato o emprego da Arbitragem aumentou consideravelmente, e a expectativa atual é de que cresça ainda mais. Sombra (2017, p. 54-72) afirma ainda que, para se consolidar como um meio alternativo de resolução de conflitos para a Administração Pública, a Arbitragem precisou superar três mitos dogmáticos: (i) a inafastabilidade do controle jurisdicional ou reserva de jurisdição; (ii) o princípio da legalidade; e (iii) a indisponibilidade/supremacia do interesse público. Quanto ao primeiro dogma, coube ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de dirimir eventual dúvida ao declarar a constitucionalidade da Lei nº. 9.307/96, sob o fundamento de que a cláusula compromissória era restrita a interesses patrimoniais disponíveis, sem prejuízo do controle judicial em casos de vícios e medidas cautelares. O segundo mito dogmático também foi superado visto a ampla legislação sobre o tema, legislação esta já discutida neste artigo. As últimas discussões sobre a legalidade do uso da Arbitragem pela Administração Pública foram encerradas pela consagração expressa prevista no texto da Lei nº. 13.129/2015. Finalmente, em relação ao terceiro dogma, Sombra (2017, p. 54-72) discute que, invariavelmente, os que defendiam essa posição sustentavam que a Administração não poderia se submeter à Arbitragem porque a ela não é dado transigir sobre o interesse público. Contudo, a própria Lei nº. 13.129/2015 superou esse estigma ao prever que o Poder público poderá instituir Arbitragem no tocante a direitos patrimoniais disponíveis. Sobre o uso da Arbitragem pela Administração Pública, o autor conclui que a instituição da Arbitragem traz estabilidade e celeridade na resolução dos litígios, aumentando os investimentos privados no setor público. A Arbitragem confere plenitude à autonomia individual, de modo que a “pessoa capaz” não deve ser vista somente como destinatária da norma, mas também como sujeito investido da capacidade de posicionar-se criticamente em relação a ações próprias e alheias.   4           Comentários sobre o Decreto nº. 10.025/19 Se a Lei nº. 13.129/2015 acabou com toda e qualquer dúvida acerca da possibilidade de adoção da Arbitragem pelo poder público, o Decreto nº. 10.025/19 veio para incentivá-la de forma expressa. O referido decreto segue a tendência dos últimos anos, ditando regras para o uso da Arbitragem em disputas envolvendo o Estado. Com efeito, o decreto federal dispõe sobre a Arbitragem no âmbito da Administração Pública federal, nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário. A norma trata sobre diversos temas dentro do procedimento arbitral, como o objeto da Arbitragem, escolha da câmara arbitral e dos árbitros, prazos, despesas, além de estabelecer diretrizes aplicáveis à cláusula compromissória e ao compromisso arbitral. De início, importante destacar que o decreto encerra uma antiga discussão acerca do que seriam os “direitos patrimoniais disponíveis”, previstos pelo artigo 1º da Lei nº. 9.307/96. A nova norma, já em seu artigo 2º, apresenta um rol exemplificativo, englobando “I – as questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; II – o cálculo de indenizações decorrentes de extinção ou de transferência do contrato de parceria; e III – o inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, incluídas a incidência das suas penalidades e o seu cálculo. No âmbito do procedimento arbitral, a norma prevê que as arbitragens serão realizadas no Brasil, em língua portuguesa, de acordo com a lei brasileira, e serão preferencialmente institucionais, sendo admitida, excepcionalmente, a Arbitragem ad hoc, desde que a escolha seja devidamente justificada. A Arbitragem será pública, excepcionando-se as informações necessárias à preservação de segredo industrial ou comercial, ou ainda aquelas consideradas sigilosas pela legislação pátria. A norma fixa ainda um prazo mínimo de sessenta dias para resposta inicial, e de vinte e quatro meses para apresentação da sentença arbitral, contados da data de celebração do termo de Arbitragem. As custas referentes ao procedimento arbitral devem ser antecipadas pelo contratado (particular). Entretanto, a sentença arbitral pode atribuir à Administração Pública este ônus, oportunidade em que as custas serão pagas por meio da expedição de precatórios ou de requisições de pequeno valor. Neste caso, o valor pago pela outra parte a título de adiantamento lhe será restituído. No que tange à escolha da câmara arbitral (art. 10), o decreto dispõe que o credenciamento das câmaras será feito pela Advocacia-Geral da União. Para tanto, elas devem estar em funcionamento há, no mínimo, três anos; ter reconhecidas idoneidade, competência e experiência; e possuir regulamento próprio, disponível em língua portuguesa. Os árbitros, por sua vez, serão escolhidos nos termos da convenção de Arbitragem. Eles devem ter plena capacidade civil, conhecimento compatível com a natureza do litígio e não manter relações com quaisquer das partes – para evitar situações de impedimento ou suspeição. Os contratos de que trata este decreto poderão conter “cláusula compromissória ou cláusula que discipline a adoção alternativa de outros mecanismos adequados à solução de controvérsias” (art. 5º). Quando estipulada, a cláusula compromissória deve estar destacada, definindo se a Arbitragem será institucional ou ad hoc, e remetendo à obrigatoriedade de cumprimento dos termos do decreto federal. Finalmente, a nova norma prevê que, na ausência de cláusula compromissória, a Administração Pública federal poderá fazer um juízo de ponderação acerca das vantagens e desvantagens da Arbitragem para o caso concreto (art. 6º). Todavia, será dada preferência ao procedimento arbitral sempre que a divergência esteja fundamentada em aspectos eminentemente técnicos, ou então quando a demora na solução definitiva do litígio possa gerar prejuízo à prestação adequada do serviço ou inibir investimentos considerados prioritários. É possível notar que a nova legislação é detalhada e busca solucionar questões persistentes no que tange à Arbitragem na Administração Pública, referentes às custas, aos prazos e ao procedimento arbitral em si – além de delimitar as hipóteses em que ele é admissível e recomendável. Ainda que o decreto federal tenha delimitado o seu escopo, é provável que sirva de diretriz para dirimir questões que venham a surgir em processos arbitrais envolvendo a Administração Pública como um todo. Segundo o advogado Pedro Paulo Cristofaro (2019), o decreto deverá trazer economia de custos e um desenvolvimento mais eficiente de obras e serviços de grande porte no Brasil. No mesmo sentido, o advogado Renato Stephan Grion (2019), diz que o uso de Arbitragem pode tornar mais ágil a solução de conflitos em contratos de infraestrutura e auxiliar na eventual retomada de obras paradas. De acordo com as advogadas Marília Canto Gusso e Vânia Wongtschowski (2019), o Decreto nº 10.025 veio conferir maior previsibilidade e segurança ao instituto, de forma que, deverá impactar positivamente o setor de infraestrutura brasileiro, aumentando a atração de investimentos estrangeiros. Elas concluem que, o decreto constitui avanço positivo em prol do crescimento do uso da Arbitragem pela Administração Pública, assinalando segurança jurídica cuja relevância é necessária para a atração de capital. Por outro lado, o advogado Luis Eduardo Serra Netto (2019), afirma que ainda não é possível dizer se o uso de Arbitragem em contratos de concessão pública trará os resultados desejados, pois em muitas circunstancias ainda faltariam tecnicidade, isenção e rapidez em decisões desse tipo, desse modo, a percepção de um  aumento da segurança jurídica pode não ser obtido.   5           Cenário Atual em 2020 Desde a edição da Lei nº. 13.129/2015, que incorporou a possibilidade de participação da Administração Pública direta e indireta como parte em procedimentos arbitrais, tanto entes públicos como os privados passaram a se estruturar a fim de utilizar esta forma de resolução de disputas. Atualmente, diversos editais de concessões públicas preveem o uso da Arbitragem como forma de resolução de disputas, como por exemplo o edital de concessão de cemitérios do Município de São Paulo, publicado em 2020, o qual prevê, em sua cláusula 40ª, a solução de divergências por Arbitragem. Os itens presentes na cláusula 40ª do contrato, descrevem detalhadamente como o procedimento deve ser adotado, já prevendo a escolha de qual Câmara a ser adotada (a CAM-CCBC, no caso), bem como o procedimento para a escolha dos árbitros e a penalidade para o caso da recusa na assinatura do compromisso arbitral. De forma semelhante, o Edital da Concorrência n°. 009/SGM/2019, que trata da concessão do Complexo de Interlagos, também do município de São Paulo, prevê, em sua cláusula 37ª, a adoção da Arbitragem como forma de resolução de conflitos. Essa cláusula prevê, inclusive, que antes de ser adotado o procedimento arbitral, deve ser realizada uma tentativa amigável por meio do procedimento de mediação, caso esta tentativa seja infrutífera, as controvérsias devem ser dirimidas obrigatoriamente por meio de Arbitragem. Considerando o mercado envolvendo procedimentos de Arbitragem, as Câmaras de Arbitragem consideram que a Administração Pública possui um grande potencial tanto em termos de volume quanto em termo de valores. Tal entendimento pode ser extraído do Relatório Anual de 2019 do CAM-CCBC; apenas nesta Câmara, em 2019, 41 procedimentos arbitrais em andamento envolviam entes da Administração Pública direta e indireta, demonstrando a tendência de crescimento da Arbitragem com o setor público desde a reforma legislativa de 2015. Em que pese o número de procedimentos envolvendo a Administração Pública seja pequeno quando comparado com o total (cerca de 10% dos procedimentos que transitaram pelo CAM-CCBC em 2019 envolviam a Administração Pública), a tendência é de que este percentual aumente. A fim de atender a esta demanda, as Câmaras também estão se adequando. Desde 2017, o Regulamento da CAMARB foi modificado de forma a disciplinar especificamente os procedimentos envolvendo a participação da Administração Pública, como a adequação ao princípio da publicidade. A título de exemplo, artigo 12.2 do Regulamento passou a prever a divulgação em seu site oficial sobre a existência de procedimentos envolvendo entes públicos, bem como a data da solicitação da Arbitragem e os nomes dos requerentes e requeridos. Importante destacar que a CAMARB, assim como a CAM-CCBC são duas das principais Câmaras de Arbitragem do Brasil[4]. Segundo informações divulgadas pela CAMARB, esta entidade já administrou 21 procedimentos arbitrais envolvendo partes sujeitas ao regime de Direito Público, como por exemplo, Estados, Municípios e Agências Reguladoras. No tocante ao Decreto nº. 10.025/19, tendo em vista se tratar de uma legislação bastante recente, ainda não é possível calcular o seu impacto sobre as arbitragens no corrente ano. De qualquer forma, considerando que a nova norma é bastante detalhada e esclarece alguns pontos levantados em relação às Leis nº. 9.307/96 e 13.129/15, é bastante provável que a Administração Pública federal – e o poder público como um todo – apresente um aumento em suas demandas solucionadas pelo juízo arbitral.   Conclusão Percebe-se, portanto, que a controvérsia a respeito da possibilidade de utilização da Arbitragem pelo Estado já foi totalmente superada. Após a publicação da Lei nº. 13.129/15, várias outras legislações esparsas passaram a admitir a adoção da via arbitral para solucionar litígios decorrentes de contratos de concessão, licitações ou mesmo de disputas envolvendo sociedades de economia mista. Trata-se de um verdadeiro marco para a Arbitragem no Brasil, silenciando a divergência doutrinária antes existente. Desde então, houve um aumento no número de Arbitragens envolvendo a Administração Pública. Mais recentemente, o Decreto nº. 10.025/19 veio regulamentar a Arbitragem envolvendo o Poder Público federal. Trata-se de um dispositivo bastante detalhado, que trouxe regras específicas sobre o procedimento arbitral, envolvendo custas, prazos, escolha de câmara arbitral, dos árbitros, além de incentivar expressamente o acionamento do juízo arbitral em determinadas ocasiões. Acreditamos que a nova norma pode servir de diretriz para os demais litígios envolvendo a Administração Pública, mas que não foram abarcados pelo decreto. Existe, por parte da comunidade, uma grande expectativa em relação a este método de resolução de conflitos, vez que garantirá maior celeridade e segurança para contratos envolvendo o Estado e particulares. Tal fator certamente atrairá mais investimentos (inclusive investimentos externos). Como a reforma da Lei de Arbitragem é recente (2015), o número de casos envolvendo a Arbitragem e o Estado ainda é baixo. São muitas as incertezas em relação a aspectos práticos do procedimento arbitral, desde a escolha da sede de Arbitragem e do árbitro até o custeio do processo. Neste sentido, reforçamos que o Decreto nº. 10.025/19 sirva como uma diretriz para futuras Arbitragens. Ainda, com o amadurecimento no uso desse mecanismo, certamente tais dificuldades serão sanadas, e o uso da Arbitragem será intensificado, aumentando a segurança e a atratividade do ambiente de negócios brasileiro.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-evolucao-da-arbitragem-na-administracao-publica/
Licitações sustentáveis: responsabilização de agentes públicos por atuação temerária
Diante da saturação dos recursos naturais e da ameaça crescente ao meio ambiente urge a necessidade de cada um tomar para si a responsabilidade de proteção e promoção de um desenvolvimento socioambiental sustentável. Nesse aspecto, o Estado desempenha um papel importante, que vai além da produção legislativa, o Estado como consumidor, dentro do processo licitatório, possui o poder de produzir grandes mudanças mercadológicas. O presente trabalho, guiado pelo caso do Município X, tem por objetivo dirimir questionamentos acerca dos fundamentos jurídicos para a inserção de critérios socioambientais em compras públicas, quais boas práticas para evitar desperdícios podem ser adotadas por municípios brasileiros, como pode ocorrer a atuação temerária de agentes públicos em licitações e contratos públicos e ainda quais as possíveis penas que podem ser imputadas a agentes públicos que incorrem em constante desatenção para com os princípios norteadores da administração pública.
Direito Administrativo
Introdução Um dos grandes desafios da atualidade é a readequação do consumo diante da degradação do meio ambiente. Como criar e promover padrões de consumo sustentáveis que, enquanto satisfazem as necessidades dos indivíduos, também conseguem preservar os recursos naturais? O desenvolvimento desses novos padrões possui na administração pública uma grande aliada, não apenas no seu papel de Estado regulador, com a imposição de normas de proteção ambiental e na concessão de benefícios fiscais para empresas que impulsionam esses comportamentos de consumo sustentável, mas também o Estado no seu papel de consumidor possui igual, ou ainda maior, poder de modificação de mercado. As compras públicas colocam o Estado nesse papel de consumidor, detentor de uma enorme demanda e responsável por ditar novas tendências mercadológicas, diante disso a inclusão de critérios sustentáveis em licitações representa um passo importantíssimo para a produção de produtos de menor impacto negativo para o meio ambiente. O presente trabalho propõe-se a analisar o cenário legal da inserção de padrões de sustentabilidade em licitações públicas, quais critérios podem ser adotados para que o desperdício passivo possa ser evitado nessas aquisições e ainda a possibilidade de responsabilização de agentes públicos caso tais desperdícios venham a acontecer ao longo de contratos administrativos. O desenvolvimento será direcionado pelo caso do município X a ser apresentado em item inicial. Consoante o caso e os questionamentos apresentados, em seguida será abordada a Licitação Sustentável, seu arcabouço jurídico, quais são os padrões de sustentabilidade encontrados em legislação federal, realizando-se uma comparação dos resultados encontrados com o caso proposto e chegando a uma conclusão para os questionamentos da consulta. Também serão apresentadas quais seriam as boas práticas de possível aplicação para evitar desperdícios passivos na aquisição de bens. O item seguinte aborda a segunda temática encontrada na consulta formulada, que seria a responsabilização dos agentes públicos envolvidos no contrato administrativo. Haverá o estudo das possíveis espécies de atuação temerária de agentes públicos em contratações administrativas, com a posterior classificação das ações dos agentes públicos no caso apresentado e resposta aos questionamentos feitos no âmbito da responsabilização funcional e patrimonial, assim como na possível responsabilização do chefe do executivo e seus secretários pela ausência de planejamento administrativo.   O desenvolvimento dos capítulos será direcionado pelo caso do município X, sendo este o seguinte: A Secretaria de Educação do Município X pretende comprar, por valor abaixo do preço de mercado, 10 toneladas de açúcar próxima ao vencimento. Contudo, para que fosse utilizada na merenda escolar, cada aluno do ensino fundamental teria que consumir 1kg de açúcar por dia, quantidade considerada excessiva pela Organização Mundial da Saúde – OMS para ingestão humana. Esse município já havia anteriormente realizado licitação para compra 10 mil pneus com prazo de validade de 5 anos, quantidade suficiente para suprir a necessidade da frota de veículos do município por 10 anos. Consultada, a Controladoria do Município se manifestou favoravelmente à realização do processo licitatório com fundamento no princípio da economicidade e na existência de previsão orçamentária para esse tipo de gastos públicos. Considerando a tradição de realização de compras em excesso do município e com o objetivo de evitar nova perda de bens de consumo, o prefeito formula a seguinte consulta à Procuradoria Geral do Município: a) Que boa prática de gestão, ações ou medidas, pode ser adotada para evitar na Administração Pública municipal o desperdício passivo de bens consumíveis? b) A licitação respeita o padrão de sustentabilidade previsto legislação federal? c) A licitação respeita o princípio da legalidade? d) Os agentes públicos que participam do processo licitatório podem ser responsabilizados funcionalmente e patrimonialmente pelos prejuízos advindos da realização do contrato administrativo? e) A ausência de planejamento administrativo pode ensejar responsabilidade do prefeito e de seus secretários por má gestão e fiscalização de contratos?   2 Licitações sustentáveis Previamente à abordagem do que seria uma licitação sustentável e a exposição do seu respaldo legal, faz-se prudente uma breve conceituação do procedimento licitatório. De acordo com Bandeira de Mello, licitação seria um “procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados” (MELLO, 2009, p. 519). Caracteriza-se, portanto, como um procedimento administrativo que, em regra, tem como resultado a realização de um contrato administrativo, sendo vinculado a um formalismo legal que, no caso da administração pública direta, encontra-se estabelecido na Lei nº 8.666/93. A Lei Geral de Licitações e Contratos dispõe acerca das diretrizes formais para a realização do procedimento licitatório, sendo encontrado ali, logo nos objetivos a serem alcançados pelas licitações, a inclinação legislativa para a necessidade de consideração de padrões de sustentabilidade socioambiental nas contratações públicas.   2.1 Padrões de Sustentabilidade previstos em legislação federal Os objetivos das licitações estão dispostos no artigo 3º da Lei nº 8.666/93: “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos” (BRASIL, 1993). O desenvolvimento nacional sustentável foi elevado a um objetivo a ser alcançado em compras públicas em 2010, por meio da Lei nº 12.349. Nessa temática, é importante atentar para o conceito do tripé da sustentabilidade ou triple bottom line, em que o meio ambiente é apenas uma das nuances do desenvolvimento sustentável, considerando-se ainda fatores sociais e econômicos. “Responsabilidade coletiva de fazer avançar e fortalecer os pilares interdependentes e mutuamente apoiados do desenvolvimento sustentável – desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e proteção ambiental” (ONU, 2002). Ainda no artigo 12, VII, da mesma legislação, encontra-se a necessidade de a administração pública considerar o impacto ambiental em suas contratações: Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos: (…) VII – impacto ambiental (BRASIL, 1993). Apesar dos dispositivos transcritos acima já constituírem-se como respaldo legislativo satisfatório para a realização de licitações sustentáveis, há mais exemplos ao longo do ordenamento jurídico brasileiro que demonstram a legalidade na consideração de critérios ambientais em compras públicas. Apresentando de maneira cronológica, a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, já atestava como seus objetivos a compatibilização do desenvolvimento econômico e da proteção do meio ambiente, o uso racional de recursos públicos, assim como a manutenção do equilíbrio ecológico, dentre outros: “Art. 4º – A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I – à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II – à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios; III – ao estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV – ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais; V – à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII – à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos” (BRASIL, 1981). Na Constituição Federal de 1988, quanto a temática em estudo, destacam-se principalmente dois dispositivos, o artigo 170, VI e o artigo 225: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). O artigo 225 dá status constitucional ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o classificando como bem de uso comum do povo, destacando a sua essencialidade para a qualidade de vida do indivíduo e impondo ao Poder Público, assim como a toda a coletividade, o dever constitucional de sua defesa e preservação. Importante também destacar o fato de que o direito constitucional ao meio ambiente equilibrado não ser apenas das gerações presentes, mas também das gerações futuras. Em 2003, através de emenda constitucional, o inciso VI do artigo 170 foi alterado, a fim de incluir como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (BRASIL, 1988). Di Pietro sustenta que os artigos 225 e 170 da Constituição Federal de 1988 (CRFB/88) proporcionam pleno “fundamento constitucional para as chamadas licitações sustentáveis ou licitações verdes”. A autora ainda as conceitua como procedimentos licitatórios em que “se combinam os objetivos tradicionais da licitação (de buscar a melhor proposta para a Administração e garantir a isonomia aos licitantes) com o de desenvolvimento sustentável”, considerando o desenvolvimento sustentável em seus três aspectos, procurando “preservar o meio ambiente, em harmonia com fatores sociais e econômicos” (DI PIETRO, 2019, p. 779). Por fim, considerando a resolução adequada do caso apresentado, importante destacar a Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Em seu artigo 7º são elencados os seus objetivos, estando dentre eles: “XI – prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para: a) produtos reciclados e recicláveis; b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis” (grifo nosso) (BRASIL, 2010). Percebe-se assim que o contrato administrativo deve considerar padrões ambientalmente sustentáveis durante todas as suas etapas, no início da contratação, durante a efetiva execução e no momento do dispêndio dos materiais consumidos. A alínea b, do inciso XI, artigo 7º, determina ainda que o gestor público considere em aquisições e contratações padrões de consumo sustentáveis, ou seja, que seja evitada a compra de materiais além do indispensável, evitando o consumo desenfreado e consequente descarte de resíduos acima do necessário. A título de complementação, atenta-se a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), que considera como válida a utilização de critérios de sustentabilidade ambiental em contratações públicas, ainda que com possíveis reflexos sobre a economicidade da contratação: “É legítimo que as contratações da Administração Pública se adequem a novos parâmetros de sustentabilidade ambiental, ainda que com possíveis reflexos na economicidade da contratação. Deve constar expressamente dos processos de licitação motivação fundamentada que justifique a definição das exigências de caráter ambiental, as quais devem incidir sobre o objeto a ser contratado e não como critério de habilitação da empresa licitante.” (TCU. ACORDÃO 1375/2015 – Plenário. TC 025.651/2013-7. Relator: Ministro Bruno Dantas. Sessão: 03/06/2015.) Ante o arcabouço legislativo e jurisprudencial exposto, apreende-se que o princípio das licitações sustentáveis é aquele que demanda que nas compras públicas, dentre os critérios de avaliação do serviço a ser contratado ou bem a ser adquirido, se considere o impacto ambiental e social a ser gerado pela contratação. Buscando coadunar vantagem econômica ao equilíbrio socioambiental na região, visto possuir dentre seus objetivos não somente a busca pela proposta mais vantajosa, mas também pelo desenvolvimento nacional sustentável. Como resolução para os questionamentos realizados à Procuradoria Geral do Município X, identifica-se que não houve respeito aos padrões de sustentabilidade previstos em legislação federal e consequentemente também não foi respeitada a legalidade. O procedimento licitatório em análise não objetivou o desenvolvimento nacional sustentável, um dos objetivos da licitação conforme artigo 3º da Lei nº 8.666/93, atendo-se apenas a uma suposta economicidade na aquisição de bens em grande volume. O procedimento licitatório também desrespeitou a necessidade de avaliação de impacto ambiental, conforme determina o artigo 12, VII, da Lei nº 8.666/93, desconsiderando o efeito negativo que o consequente descarte dos quilos de açúcar não consumidos e vencidos representarão para a região. Essa mesma desconsideração, também representa desrespeito aos dispositivos constitucionais que fundamentam as licitações sustentáveis, artigo 225 e 170 da Carta Maior. Na hipótese de consumo total de todas as 10 toneladas de açúcar antes do vencimento, também não terá havido respeito ao desenvolvimento nacional sustentável, visto o meio ambiente ser apenas uma das nuances a ser observada, conforme o conceito de triple bottom line, o aspecto social também deve ser considerado, incluindo-se aí a saúde dos administrados. Por fim, destaca-se que a Política Nacional de Resíduos Sólidos é duplamente desconsiderada, tanto na determinação de que compras públicas que respeitem padrões de consumo socialmente sustentáveis, assim como padrões de consumo ambientalmente sustentáveis. Diante dos argumentos acima exposto entende-se que nenhuma dessas determinações seria cumprida em nenhum dos cenários possíveis, seja no consumo total das 10 toneladas de açúcar pelas crianças do município, ou ainda no não consumo com o desperdício de grande parte do produto adquirido e necessidade de descarte no meio ambiente.   2.2 Práticas para evitar o desperdício em compras públicas A principal prática para evitar o desperdício na aquisição de bens em compras públicas, ainda mais se tratando de bens consumíveis, é o planejamento adequado. Analisar qual o montante necessário para consumo e qual o período previsto para esse consumo é essencial para que não haja compra de volume além ou aquém do necessário, resultando ou em desperdício de recursos públicos ou na necessidade de posterior aditamento em contrato administrativo. Abordando práticas, ações e medidas mais específicas e considerando a adoção de critérios de sustentabilidade ambiental, conforme legislação apresentada em tópico anterior, o gestor da administração pública municipal pode conduzir suas contratações guiando-se pela Instrução Normativa 01/10 (IN 01/10). A IN 01/10 é a disposição do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para a utilização de critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela administração pública federal. Ao longo de seus artigos são encontradas práticas a serem seguidas em compras públicas federais, formas para a utilização de critérios ambientais em licitações, quais critérios podem ser aplicados conforme cada espécie de contratação e ainda a apresentação de plataformas para a facilitação da inclusão desses critérios, difusão de boas práticas, modelos de editais para compras sustentáveis, entre outros. Logo em seu início a IN 01/10 faz referência ao artigo 3º da Lei nº 8.666/93, já abordado anteriormente, e nos artigos subsequentes afirma que o instrumento convocatório deve considerar a manutenção da competitividade ao formular exigências de natureza ambiental, assim como devem ser apresentados critérios objetivos de sustentabilidade ambiental em licitações que utilizem como critério de julgamento a melhor técnica ou a melhor técnica e preço. Atendendo aos questionamentos apresentados na introdução do presente trabalho, o Capítulo III da IN 01/10 é especialmente interessante, visto tratar da utilização de critérios de sustentabilidade ambiental na contratação de bens e serviços pela administração pública. Na compra de bens consumíveis, buscando menor impacto ambiental e esquivando-se do desperdício passivo, a administração pública municipal pode ser muito beneficiada ao considerar os incisos do artigo 5º: “I – que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável, conforme ABNT NBR – 15448-1 e 15448-2; II – que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO como produtos sustentáveis ou de menor impacto ambiental em relação aos seus similares; III – que os bens devam ser, preferencialmente, acondicionados em embalagem individual adequada, com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis, de forma a garantir a máxima proteção durante o transporte e o armazenamento; IV – que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada na diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances), tais como mercúrio (Hg), chumbo (Pb), cromo hexavalente (Cr(VI)), cádmio (Cd), bifenilpolibromados (PBBs), éteres difenil-polibromados (PBDEs)” (BRASIL, 2010). Mais importante ainda para evitar o desperdício de bens consumíveis e o gasto desnecessários de recursos públicos é a observação do artigo 7º da IN 01/10 pela administração pública municipal: “Os órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional deverão disponibilizar os bens considerados ociosos, e que não tenham previsão de utilização ou alienação, para doação a outrosórgãos e entidades públicas de qualquer esfera da federação, respeitado o disposto no Decreto n° 99.658, de 30 de outubro de 1990, e suas alterações, fazendo publicar a relação dos bens no fórum de que trata o art. 9º” (BRASIL, 2010). Essa disponibilização dos bens considerados ociosos (incluindo-se aqui a parte não consumida de bens consumíveis adquiridos) para órgãos da administração pública municipal, dentro das condicionantes impostas pelo caput do artigo 7º, pode ser uma maneira eficiente de evitar a realização de novas compras públicas desnecessárias. O §1º do mesmo artigo atenta para a necessidade de que, previamente a realização de nova aquisição, os órgãos e entidades integrantes da administração pública federal devem verificar se dentro dos bens disponíveis haveria a possibilidade de reutilização, evitando novo dispêndio de recurso público e aquisição de novo montante de bens que podem não ser totalmente consumidos, gerando novo desperdício. Essa boa prática de planejamento também pode ser utilizada para evitar desperdícios em compras da administração pública municipal.   3 A responsabilização de agentes públicos em contratos administrativos A responsabilização de agentes públicos pela atuação temerária em contratos administrativos está condicionada a gravidade e ofensividade da conduta, a depender, essa conduta pode ser classificada como “simples” má gestão, improbidade administrativa ou, em casos mais graves, como corrupção. A má gestão estaria relacionada diretamente com o campo da moral e ética administrativa, não sendo, a priori, obrigatoriamente passível de responsabilização. Uma má gestão da coisa pública seria uma atuação ineficiente do agente público, representando uma quebra com o princípio da eficiência, encontrado no caput do artigo 37 da CRFB/88, assim como com a correlação obrigatória entre a atuação administrativa e o interesse público. A atuação seria ineficiente, não produzindo os efeitos esperados, não suprindo as necessidades do administrado, seria inábil ou ainda incompetente para atingir os objetivos predeterminados em legislação (SOARES; PEREIRA, 2015, p. 3). O agente público ainda pode incorrer em improbidade administrativa. A improbidade é regulada pela Lei nº 8.429/1992. Ao longo dos artigos 9, 10, 10-A e 11 estão elencadas as quatro modalidades de atos de improbidade administrativa. Importante atentar para o fato de que, apesar do vocábulo “ato”, um ato de improbidade abrange, além de atos administrativos propriamente ditos, omissões e condutas de agentes públicos. As modalidades de improbidade administrativa são as seguintes: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: (…) Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…) Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (…)” (grifo nosso) (BRASIL, 1992). Quanto a responsabilização dos agentes públicos que incorrem em improbidade administrativa, as penalidades passíveis de aplicação foram inicialmente impostas por dispositivo constitucional e posteriormente por legislação infraconstitucional. Assim determina o artigo 37, §4º da CRFB/88: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (BRASIL, 1988). A Lei de Improbidade, elenca ao longo do artigo 12 quais as sanções possíveis aqueles agentes que incorrem em uma das modalidades de improbidade definidas pelo legislador: “Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I – na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. IV – Na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente” (grifo nosso) (BRASIL, 1992). Importante apontar para o fato de que, a depender da gravidade e ofensividade da “simples” má gestão, em casos em que “a conduta desonesta e a ineficiência forem suficientemente gravosas”, é possível a classificação de uma má gestão de coisa pública como improbidade administrativa, resultando então uma má gestão qualificada como improbidade, estando, portanto, sujeita a todas as penalizações do tipo legal (SOARES; PEREIRA, 2015.p.5). A corrupção, por sua vez, possui responsabilizações na esfera penal, “para o seu surgimento, além do fato consubstanciar em uma improbidade também deverá se enquadrar num tipo penal cujo bem jurídico tutelado é a administração pública, e que vise ou facilite benefício particular” (SOARES; PEREIRA, 2015, p.5). Sendo assim, em resumo: “É forçoso ainda concluir que os atos de má gestão simples estarão sob o crivo somente da ética pública e moralidade, ao passo que os atos de má gestão qualificados por uma grave desonestidade e ineficiência deverão ser reprimidos pela seara da improbidade administrativa, e por sua vez os atos de improbidade (grave ineficiência e grave desonestidade) que forem atos de corrupção (aqueles praticados para beneficiar particulares, e neste ponto sempre se enquadram a um tipo penal) além da censura do campo ético, da Lei 8.429/1992 (combate a improbidade) serão objeto de um uma sanção penal” (SOARES; PEREIRA, 2015, p.4). Após a breve explanação acima, segue-se para o enquadramento das condutas dos agentes públicos do Município X.   3.1 A responsabilização funcional e patrimonial de agentes públicos Um dos questionamentos realizados à Procuradoria Geral do Município X foi o seguinte: Os agentes públicos que participam do processo licitatório podem ser responsabilizados funcionalmente e patrimonialmente pelos prejuízos advindos da realização do contrato administrativo? Dentro do contexto apresentado, a conduta dos agentes públicos envolvidos na compra das 10 (dez) toneladas de açúcar próximas ao vencimento pode ser classificada como ato de improbidade administrativa, passível de responsabilização funcional e patrimonial. Conforme exposto em item anterior, a improbidade administrativa possui quatro modalidades, a conduta dos agentes públicos do Município X pode ser enquadrada nos artigos 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, “ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial” e “ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública “, respectivamente. As sanções passíveis de aplicação incluem a perda da função pública e ressarcimento integral dos danos, dentre outras, conforme incisos I e II do artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa e ainda conforme o §4º do artigo 37 da Constituição Federal. De acordo com Di Pietro, para que se justifique a aplicação das medidas sancionatórias se exige quatro elementos constitutivos de improbidade administrativa. Deve ser identificado como sujeito passivo do ato uma das entidades mencionadas no artigo 1º da Lei de Improbidade. O sujeito ativo do ato deve ser um agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática ou dele se beneficie. Deve ter ocorrido um dos atos danosos descritos em lei, que seja causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, ou causador de prejuízo para o erário, que caracterize atentado contra os princípios da administração pública ou ainda a concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário. O quarto elemento a ser identificado é o elemento subjetivo, ou seja, culpa ou dolo do agente. (DI PIETRO, 2019, p. 1807). No caso em análise se identifica com sucesso os quatro elementos apontados pela autora. O sujeito passivo é a administração pública direta do Município X. Os sujeitos ativos seriam os agentes públicos do mencionado município, prefeito e secretários, visto que agentes políticos se enquadram nessa classificação. A identificação do ato danoso precisa ser abordada a partir de duas modalidades de improbidade administrativa, o dano ao erário e o atentado aos princípios da administração pública. O dano ao erário seria qualificado a partir do prejuízo acarretado ao patrimônio público a partir da compra de um volume de bens consumíveis perto do vencimento que de maneira manifesta não poderão ser aproveitados por completo dentro do curto prazo para consumo, resultando em desperdício passivo do bem adquirido e dispêndio acima do necessário de recursos públicos. Aqui o agravamento da situação se dá pelo fato de o município possuir o histórico de compras em volume excessivo e que de forma evidente não poderão ser aproveitados antes do vencimento, vide a licitação para compra de 10 (dez) mil pneus com prazo de validade de 5 anos. Essa reincidência possui implicância na identificação do quarto elemento constitutivo do ato de improbidade administrativa, o elemento subjetivo. Na modalidade danos ao erário, artigo 10 da Lei de Improbidade, a ação ou omissão do agente público que enseje perda patrimonial pode ser dolosa ou culposa. O dolo, ou seja, a vontade do agente em acarretar a perda patrimonial pode ser facilmente sustentada a partir do volume evidentemente excessivo versus o período extremamente curto para consumo dos bens adquiridos. Já a culpa dos agentes públicos envolvidos, na espécie negligência, pode ser sustentada a partir do histórico de recorrentes compras em grande volume, muito acima da necessidade do município, e com curto prazo para consumo, resultando em constante desperdício de recursos públicos e dispêndios financeiros acima do imprescindível. Retornando para a identificação do terceiro elemento constitutivo do ato de improbidade administrativa, agora quanto ao ato danoso na modalidade atentado aos princípios da administração pública. Os princípios da administração pública são diversos, podendo ser encontrados tanto em legislação constitucional como infraconstitucional, o próprio princípio da legislação sustentável, abordado em capítulo anterior, é um deles. No entanto, existem cinco princípios que mais se destacam devido a sua disposição expressa em dispositivo constitucional. São estes os encontrados no caput do artigo 37 da CRFB/88: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Na compra das 10 (dez) toneladas de açúcar próximas ao vencimento pela Secretaria de Educação do Município X, assim como na compra dos 10 (dez) mil pneus com prazo de validade de 5 (cinco) anos, há o atentado aos princípios da legalidade, moralidade e da eficiência. Carvalho Filho aborda o princípio da legalidade a partir das funções legislativa e administrativa da Administração Pública: “na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela atividade legisferante. Por isso é que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei” (grifo nosso) (CARVALHO FILHO, 2018, p. 74). Portanto, o administrador público obrigatoriamente deve pautar suas ações dentro da legalidade, só podendo atuar quando permitido por ela, na forma permitida por ela e até o limite estabelecido em lei. Conforme já demonstrado, a licitação proposta desrespeita dos padrões de legalidade previstos em legislação federal, consequentemente, desrespeita o princípio da legalidade. O princípio da moralidade é abordado por Di Pietro a partir da definição de imoralidade administrativa, a relacionando diretamente com o desvio de poder: “a imoralidade administrativa surgiu e se desenvolveu ligada à ideia de desvio de poder, pois se entendia que em ambas as hipóteses a Administração Pública se utiliza de meios lícitos para atingir finalidades metajurídicas irregulares. A imoralidade estaria na intenção do agente. Essa a razão pela qual muitos autores entendem que a imoralidade se reduz a uma das hipóteses de ilegalidade que pode atingir os atos administrativos, ou seja, a ilegalidade quanto aos fins (desvio de poder)” (grifo nosso) (DI PIETRO, 2019, p. 233). Desvio de poder é espécie do gênero abuso de poder e caracteriza-se por uma atuação do administrador travestida de legalidade, visto atuar dentro de sua competência, através de meios legais, havendo, no entanto, desvio da finalidade, ou seja do interesse público. Carvalho Filho aborda o desvio de poder diante da perspectiva de desvio de finalidade, afirmando que a partir disto a conduta se torna ilegítima: “a finalidade da lei está sempre voltada para o interesse público. Se o agente atua em descompasso com esse fim, desvia-se de seu poder e prática, assim, conduta ilegítima. Por isso é que tal vício é também denominado de desvio de finalidade” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 106). A legitimidade de cada ato administrativo advém de sua legalidade, conforme abordado anteriormente, toda ação da administração pública deve ser precedida por permissivo legal. O desvio da finalidade pública, que inicialmente motivou a legalidade do ato, acaba por tornar o ato ilegítimo e consequentemente ilegal. “Em resumo, sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa” (DI PIETRO, 2019, p. 235-236). A atuação moral seria então uma atuação não apenas dentro da legalidade, mas que também preserva a finalidade pública em cada ato administrativo, coadunando com a boa administração. A atuação dos agentes públicos do Município X envolvidos na compra em análise desrespeita a moralidade administrativa, afastando-se da finalidade pública de atendimento da necessidade dos administrados, do bem-estar social, com desvio do interesse público, resultando em uma possível caracterização de desvio de poder, visto o uso de meios legais para atingimento de finalidades diversas daquelas preestabelecidas legalmente. A compra de volume exagerado de açúcar com prazo de validade reduzido se afasta da finalidade da licitação, que deve ser proporcionar alimentação adequada e de qualidade para crianças e adolescentes matriculados na rede de ensino fundamental do Município X. O bem-estar social dos administrados é desconsiderado a partir da necessidade de consumo excessivo de açúcar para evitar o desperdício do bem adquirido. O desvio de poder pode ser considerado diante do volume ser manifestamente excessivo, assim como o prazo para consumo desse volume ser curto, podendo caracterizar o uso de um meio legal (licitação) para atingimento de finalidades escusas. O princípio da eficiência é conceituado por Hely Lopes Meirelles da seguinte forma: “O que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros” (MEIRELLES, 2003, p. 102). Diante de todo o exposto e evitando a repetição das argumentações apresentadas, resta evidente que a atuação dos agentes públicos na contratação em análise não foi eficiente, e a concretização da compra de açúcar nas condições propostas não resultaria em resultados positivos na prestação de alimentação de qualidade para os alunos da rede pública do município e qualquer uma das possíveis resoluções para o caso, o consumo total do bem ou o desperdício de parte do volume adquirido, não atenderia de maneira satisfatória as necessidades da comunidade. O último ponto de análise na questão é a identificação do elemento subjetivo no ato de improbidade por atentado aos princípios da administração pública. Aqui há um diferencial frente a modalidade danos ao erário, o legislador não trouxe como hipótese a desconsideração culposa dos princípios administrativos, é obrigatório que tenha havido dolo por parte do agente público. “No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da administração pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública” (DI PIETRO, 2019, p. 1825). O dolo dos agentes públicos, o mínimo de má-fé nas palavras de Di Pietro, ao desrespeitar a legalidade, a moralidade administrativa e a eficiência dos serviços públicos na contratação em estudo pode ser sustentada no comportamento recorrente do Município X em realizar compras públicas em volume demasiado, com manifesto afastamento da finalidade e interesse público, diante do desperdício evidente, sem qualquer eficiência na prestação do serviço que a compra se propõe a servir, não havendo ainda qualquer atendimento a critérios de sustentabilidade socioambiental encontrados em legislação vigente.   3.2 A ausência de planejamento em contratações públicas como hipótese de responsabilização O último questionamento realizado à Procuradoria Geral do Município X foi o que segue: A ausência de planejamento administrativo pode ensejar responsabilidade do prefeito e de seus secretários por má gestão e fiscalização de contratos? Aqui novamente se recorre ao princípio da eficiência na administração pública. Di Pietro sustenta que há dois possíveis aspectos da eficiência na administração pública, o primeiro no modo de atuação do agente público e o segundo no modo de organização, estruturação e disciplina da organização pública (DI PIETRO, 2019, p. 243-244). De tal forma, não apenas a atuação do agente como também a forma de estruturar e organizar suas atribuições deve ser eficiente. Fernanda Marinela também aponta como objetivos da eficiência do serviço público o aumento da produtividade, a economicidade e a redução do desperdício dos recursos públicos, coadunando com o pensamento de Di Pietro, que afirma ser um dos aspectos da eficiência administrativa uma atuação organizada e disciplinada do gestor público. “O núcleo do princípio é a procura de produtividade e economicidade e, o que é mais importante, a exigência de reduzir os desperdícios de dinheiro público, o que impõe execução dos serviços públicos com presteza, perfeição e rendimento funcional.” (MARINELA, 2005, p. 41). Sendo assim, considerando a conceituação do princípio e o detalhamento acima exposto, apreende-se que toda a atuação de um agente público deve ser exercida de forma produtiva, econômica, com redução de gastos, fornecendo serviços públicos de qualidade que atinjam a sua finalidade precípua, conforme determinado em legislação vigente, devendo ainda essa atuação se dar de forma disciplinada e organizada. “Deve ser objeto de reflexão, assim, o entendimento de que ‘a lei não pune o administrador incompetente, mas unicamente o desonesto’, ou ainda, que ‘não [pune] o inábil, despreparado, incompetente e desastrado’, especialmente quando se constata a inclusão do princípio da eficiência no rol constante do art. 37 da Constituição, donde se extrai que, sendo incompetência – e inabilidade, despreparo, falta de zelo, falta de planejamento etc. – e eficiência conceitos que mutuamente se excluem, por certo são insuscetíveis de coexistir harmonicamente como vetores da atividade estatal” (GARCIA; ALVES, 2011, p. 57). A contínua falta de organização e planejamento financeiro dos agentes públicos nas licitações do Município X pode ser caracterizada como improbidade administrativa por atentado ao princípio da eficiência administrativa, de forma recorrente, resultando na possível responsabilização dos agentes envolvidos, com aplicação das sanções anteriormente abordadas.   Considerações finais Conforme exposto em parte introdutória, toda a estruturação do presente trabalho foi orientada para responder a questionamentos de um caso prático, o do Município X.  Buscando-se ao longo dos capítulos apresentar fundamentos jurídicos e doutrinários para a resolução adequada aos questionamentos feitos pelo prefeito à Procuradoria Municipal. Diante disto, os dois temas de abordagem necessária foram a realização de licitações sustentáveis, a partir da inclusão de critérios de sustentabilidade socioambiental em compras pública, e a responsabilidade de agentes públicos na atuação em contratos administrativos, destaca-se, novamente, que toda a exposição das temáticas foi feita sob a perspectiva do caso do Município X. A legalidade das licitações sustentáveis foi o primeiro ponto de análise, discorrendo-se sobre todo o arcabouço legal que sustenta a inclusão de critérios socioambientais em compras públicas, com destaque para mandamentos constitucionais de defesa do meio ambiente por parte do poder público, e dispositivos legais que demonstram o dever de alinhamento entre o desenvolvimento nacional sustentável e a busca por maior vantagem econômica para a administração pública, além da obrigatoriedade do poder público de considerar o impacto ambiental em todas as suas contratações, considerando ainda qual o nível desse impacto não somente no momento da contratação, mas também por toda a execução contratual, assim como no momento do descarte de resíduos. A conclusão resultante foi a de que o Município X desrespeitou os padrões de sustentabilidade socioambientais previstos em legislação federal, com sugestão de utilização de boas práticas de gestão, ações e medidas encontradas na Instrução Normativa 01/10 do MPOG. A atuação temerária de agentes públicos foi o segundo tema analisado no presente trabalho. Com a diferenciação entre atos que caracterizam “simples” má gestão, de atos de improbidade administrativa e atos de corrupção. Tendo havido a conclusão pela possível caracterização dos atos dos agentes públicos do Município X em duas modalidades de improbidade administrativa, danos ao erário e atentado aos princípios da administração pública, sustentou-se que é possível a responsabilização funcional e patrimonial dos agentes por prejuízos advindos da realização do contrato administrativo pleiteado, com base no §4º do artigo 37 da CRFB/88 e incisos II e III do artigo 12 da Lei nº 8.429/92. Concluiu-se também pela possibilidade de responsabilização dos agentes políticos envolvidos na contratação pela recorrente falta de planejamento administrativo, má gestão e fiscalização contratual.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/licitacoes-sustentaveis-responsabilizacao-de-agentes-publicos-por-atuacao-temeraria/
Poder de Polícia: Uma Garantia à Supremacia do Interesse Público
O presente trabalho trata de analisar o emprego do poder de polícia pelos agentes públicos no contexto social. Cabe reconhecer que o expressivo tamanho territorial do país, a polarizada cultura e o distanciamento social das diferentes classes constituem um desafio para a definição do entendimento quanto à melhor prática a ser adotada pela administração pública. Portanto, será analisado o poder-dever de agir que é conferido à autoridade pública e sua aplicabilidade no contexto social, suas justificativas e fundamentações para a imposição de restrições aos interesses individuais e as limitações para o seu emprego nas questões do cotidiano social, a fim de melhor atender ao interesse público. Concluiu-se pela inequívoca necessidade de existência do poder de polícia, sob a perspectiva de regular a organização da sociedade e de garantir a prevalência do interesse público sobre o privado, desde que atendido o certame legal previamente definido.
Direito Administrativo
Introdução Para atender às suas atribuições constitucionais e resguardar o interesse público, a Administração Pública é dotada de competências especiais cujas prerrogativas, legalmente previstas, conferem obrigações e constituem verdadeiros poderes-deveres instrumentais (Mazza, 2020). Os poderes conferidos para as autoridades administrativas fundamentam-se no objetivo de os interesses coletivos se sobreporem aos interesses individuais. Portanto, o exercício do poder não é uma faculdade do administrador. Consiste, sim, em um poder-dever a ser usado em benefício da coletividade, sempre dentro de uma contextualização legal. Enquanto para o direito privado conserva mera faculdade, como decorrência dos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público a norma constitucional e as demais legislações não somente autorizam, como impõem, à autoridade pública, o dever de agir. Trata-se, portanto, de um dever irrenunciável para o agente público, não se justificando a omissão, que configura ato ilícito funcional. Desta forma, temos que quando o agente público exerce adequadamente suas competências, está agindo investido do uso regular do poder. Por outro lado, quando o exercício do poder extrapola os limites legais, ou sobrevém de mero interesse particular, ocorre uma irregularidade, também conhecida como abuso de poder. Tem-se assim configurado um vício na prática do ato administrativo, anulando seus efeitos e responsabilizando o agente causador nas searas administrativa, penal e civil pelos danos causados. Pois bem, ao passo que ao agente público é dada a obrigatoriedade de agir, faz-se necessário fornecer instrumentos para atingir sua finalidade. São os chamados poderes instrumentais, que, como conceitua Carvalho Filho (2014), os poderes administrativos são o “conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”. Dentre os poderes administrativos disponíveis, merece destaque o poder de polícia, que trata de atividade estatal restritiva dos direitos individuais, haja vista ser o meio utilizado para a imposição da ordem e limitação do livre-arbítrio. Para tanto, a aplicação do poder de polícia deverá atender a quesitos de necessidade, proporcionalidade e conveniência, atendendo determinados parâmetros legais. Ou seja, a autoridade pública, à qual é dado o dever de proteger a coletividade e seus interesses, é investida de um poder que lhe permite restringir a atividade individual, desde que atuando no contexto legal e respeitados os direitos fundamentais do ser humano. Deste modo, é fundamental elucidar as hipóteses em que o agente público pode se utilizar do poder de polícia e qual o alcance desta prerrogativa, ou seja, qual o limite à atuação estatal, e a partir de que momento se está numa iminente prática abusiva. Portanto, o presente trabalho busca conceituar o poder-dever de agir que é conferido às autoridades representantes da administração pública por meio do poder de polícia e sua aplicabilidade no contexto social, bem como estabelecer justificativas e fundamentações que oferecem competência ao agente que atua a fim de restringir o interesse individual, objetivando o bem comum da coletividade administrativa.   O poder de polícia trata de uma série de disponibilidades facultadas à atividade administrativa que condicionam e restringem as condutas ou situações particulares que afetem os interesses da coletividade. É, portanto, inerente à atividade administrativa. De acordo com Bandeira de Mello (2014), o conceito do poder de polícia comporta dois sentidos, que separam as atividades dos Poderes Legislativo e Executivo. Em sentido amplo, consiste na atividade estatal que condiciona a liberdade e a propriedade, ajustando-as aos interesses coletivos. Aborda medidas estatais que tracejam a tutela jurídica, e consequentemente a limitação, da liberdade e da propriedade dos cidadãos. Já no sentido estrito, o poder de polícia versa sobre intervenções gerais e abstratas, atividade administrativa que, exercida através de regulamentos e sob previsão legal, visa reconhecer e delinear os contornos dos direitos de particulares, contrastantes com os interesses da coletividade. É a denominada polícia administrativa (BANDEIRA DE MELLO, 2014). Já Alexandre Mazza (2020) define o poder de polícia em sentido amplo como qualquer limitação estatal à liberdade e propriedade privadas, como restrições legislativas e limitações administrativas, e em sentido estrito como sendo somente as liberações administrativas à liberdade e propriedades privadas, deixando de fora as restrições impostas por dispositivos legais. A atividade de polícia pode ser observada em quatro grandes áreas de interesse público (Moreira Neto, 2014), quais sejam: segurança, manifestada através da manutenção da ordem social; salubridade, que opera nas searas ecológica, farmacêutica e higiênica; decoro, atuando na prevenção e repressão ao comportamento público atentatório aos costumes da sociedade, e; estética, referente à urbanística e paisagística do ambiente público. Observa-se, assim, que a expressão do poder de polícia vai além da atividade de repressão e investigação criminal, exercida no Brasil pelas polícias civil e militar. A exemplo, podemos mencionar as atividades administrativas desempenhadas pelas instituições de fiscalização de trânsito (guardas municipais), do comércio e da indústria (ANVISA e INMETRO) e conselhos de fiscalização das profissões liberais e técnico-científicas (órgãos de classe[1] como CREA, CRECI, CRM etc.). De ordem, temos que a autoridade administrativa faz uso deste poder justificada na necessidade de intervir no exercício das atividades individuais suscetíveis de transpor interesses gerais, a fim de prevenir o dano consequente. Ou seja, trata de coibir comportamentos regulamentados pela lei que violem o interesse público, cuja supremacia impera no cerne social. Justificado o motivo da execução do poder de polícia, temos que a autoridade administrativa assegura a utilização da propriedade e o exercício da liberdade individual estejam de acordo com os anseios e necessidades da sociedade. Como ensina Di Pietro (2002):   O princípio do interesse público está expressamente previsto no artigo 2º, caput, da Lei nº 9.784/99, e especificado no parágrafo único , com a exigência de “atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei” (inciso II). Fica muito claro no dispositivo que o interesse público é irrenunciável pela autoridade administrativa.   No texto legal também encontramos uma definição que, para fins de incidência de tributação, tem no exercício do poder de polícia um dos possíveis fatos geradores, vide artigo 78 do Código Tributário Nacional:   Art. 78. Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização, do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966). Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.   Nessa esteira, resta evidente  que a razão do poder de polícia é o interesse social, e a sua fundamentação é o princípio da supremacia do interesse público, que por consequência tem como finalidade proteger o interesse da coletividade. Tal poder, manifestado por meio da autoridade representante da administração pública, resulta na execução da lei, onde a ordem positivada regula o exercício das liberdades e da propriedade.   O exercício do poder de polícia é delimitado por meio de atos normativos e legislativos. Ou seja, sua atuação é restrita à previsão legal, de forma que a atividade individual não seja atingida além daquilo que já se encontre normatizado. Os meios de atuação do poder de polícia são desempenhados através de ações de prevenção e repressão. Daí sua caracterização como uma atividade negativa, que decorre de enfoque essencialmente restritivo da atuação dos particulares, onde pretende-se, de maneira geral, evitar danos provenientes do livre-arbítrio, se manifestando pela imposição de deveres de abstenção ou de consentimento aos indivíduos. Como aponta Bandeira de Mello (2014), a aparência negativa do poder de polícia decorreria de um direcionamento focado no objetivo precípuo de evitar danos públicos provenientes da ação dos particulares. Diferentemente da prestação de serviços públicos, a qual é destinada a resultados positivos na oferta de bem-estar e utilidade pública. Entretanto, o autor refuta essa definição, destacando que caracterizar o poder de polícia como negativo ou positivo depende do ângulo pelo qual é observado, já que a utilidade coletiva seria obtida através da exigência de abstenções dos particulares, que, ainda que indireta, é fruto de atuação positiva. Pelo que se pode depreender dos atos do poder de polícia, temos que alguns atributos são essenciais ao seu exercício, quais sejam: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade (MEIRELLES, 2015).   2.1 Discricionariedade A discricionariedade traduz-se no livre julgamento de oportunidade e conveniência para fazer uso do poder de polícia, assim como a aplicação de sanções e emprego de meios conducentes para assegurar algum interesse público (MEIRELLES, 2015). Pode-se assim afirmar que a legislação oferece certa liberdade na atuação da administração pública, quanto ao motivo ou ao objeto. Por outro lado, alguns autores defendem que há circunstâncias em que o poder de polícia adquire natureza vinculada, se a norma legal que rege o ato estabelece o modo e sua forma de realização. É o caso, por exemplo, da licença, ato típico de poder de polícia em que a Administração faculta a alguém o exercício de atividade, desde que o interessado atenda a certos requisitos legais (BANDEIRA DE MELLO, 2014). Assim exposto pela doutrina, conclui-se que os atos do poder de polícia se expressam, em regra, através do exercício de competência discricionária, ao passo que excepcionalmente também coexistam atos cuja competência seja vinculada. Dessa maneira, faz necessário uma certa cautela ao analisar se há algum aspecto de vinculação no exercício do poder, uma vez que essa evidência está diretamente ligada à sua validade. Assim apresenta Alexandre Mazza (2020):   De fato, a análise da maioria das hipóteses de sua aplicação prática indica discricionariedade no desempenho do poder de polícia . Todavia, é preciso fazer referência aos casos excepcionais em que manifestações decorrentes do poder de polícia adquirem natureza vinculada. O melhor exemplo é o da licença, ato administrativo vinculado e tradicionalmente relacionado com o poder de polícia. (…) pode-se asseverar, isto sim, que a polícia administrativa se expressa ora através de atos no exercício de competência discricionária, ora através de atos vinculados.   2.2 Autoexecutoriedade Outra característica importante, a autoexecutoriedade deve ser entendida como a dispensa de provocação do Poder Judiciário (p.ex. requisição de um mandado judicial) para executar as restrições impostas ao indivíduo pelo poder de polícia. Como preceitua Meirelles:     A agilidade dos atos é um pressuposto do bom desempenho da função administrativa, atributo que restaria prejudicado se, a todo momento em que encontrasse resistência do particular, tivesse que recorrer ao Poder Judiciário. Assim, conforme salientam Bonfim e Fidalgo (2012, p. 270), “não poderia a Administração bem desempenhar suas funções se, a todo momento, encontrando natural resistência do particular, tivesse que recorrer ao Judiciário para remover oposição individual à atuação pública”. Parte da doutrina desmembra a autoexecutoriedade em dois: exigibilidade e executoriedade. A exigibilidade trata da possibilidade de a administração pública tomar decisões executórias, impondo a decisão administrativa ao indivíduo, mesmo que contra a sua vontade. A executoriedade diz respeito à capacidade de aplicar forçadamente a decisão (DI PIETRO, 2002). Compreende-se que a executoriedade e a exigibilidade se complementam. Através da exigibilidade, a autoridade administrativa faz uso de meios indiretos para garantir a imperatividade do ato, empregando a indução, enquanto a executoriedade garante a possibilidade do uso da coação material independente da atividade judiciária (BANDEIRA DE MELLO, 2014). Neste ponto, fica evidente a coação administrativa inserida no poder de polícia. Assim, exigibilidade seria a regra, ao passo que a autoexecutoriedade necessitaria estar condicionada a certas hipóteses, quais sejam: quando expressamente prevista em lei e quando constituir condição indispensável à eficaz garantia do interesse público confiado pela lei à administração pública (BANDEIRA DE MELLO, 2014). Nem todos os atos exigíveis são executórios, mas a executoriedade decorre sempre de exigibilidade prévia. Nesse interim, a coação física movida pelo agente público sobre os particulares deve ser interpretada de modo restritivo e excepcional frente à premência dos direitos e garantias fundamentais. Trata-se de competência, e não de privilégio, cedido à administração (BONFIM; FIDALGO, 2012). Portanto, a autoexecutoriedade é prerrogativa dada à administração pública para fazer cumprir suas decisões com presteza, sem a necessidade de intermediação do Poder Judiciário, desde que com o devido amparo nos princípios da proporcionalidade e do devido processo legal.   2.3 Coercibilidade Já sobre a coercibilidade, entende-se que essa é indissociável à autoexecutoriedade, uma vez que trata da possibilidade de as medidas adotadas pela administração serem impostas de maneira coercitiva, fazendo uso do emprego de força, se necessário, sendo somente num segundo momento discutida judicialmente, caso o administrador sinta-se lesado por desvio ou excesso. Nas palavras de Di Pietro (2002, p. 153), “a coercibilidade é indissociável da autoexecutoriedade. O ato de polícia só é executório porque dotado de força coercitiva. Aliás, a autoexecutoriedade, tal como conceituamos, não se distingue da coercibilidade”. Ou seja, a coercibilidade pode ser traduzida pela obrigatoriedade de execução que há nos atos do administrador. A atividade de polícia compreende especial relevância nas ações coercitivas, já que deriva da compreensão de que essa atividade é autoexecutória. Todavia, a executoriedade não á atributo próprio dos atos de polícia. Está presente, de fato, somente quando expressamente previsto em lei anteriormente definida. Assim, muitas vezes o poder de polícia constitui atividade imposta pela administração pública sem o necessário emprego da coação, a exemplo da emissão de atos de consentimento, como licenças e autorizações. A coercibilidade então é entendida como uma possibilidade, a fim de determinar certa conduta, nos limites da competência legal que a autoridade disponha sobre determinada matéria.   É inegável a relevância do papel do poder de polícia na organização da estrutura social. A sociedade moderna exige a sobreposição do interesse público ante o privado, tal como o respeito à função social da propriedade particular, o respeito às questões ambientais, o resguardo dos direitos fundamentais. Todavia, tal ato administrativo deve ser instruído de forma a ser usado de maneira proporcional e coerente com seus objetivos, para bem melhor atuar em prol da coletividade. As limitações impostas aos direitos individuais pela administração pública são ditadas por meio dos atos administrativos, que por sua vez são a forma de aplicação da lei ao caso concreto. Acerca do tema, cabe o ensinamento de Meirelles:     Embora seja um poder dotado de discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade, não é, entretanto, ilimitado. A fim de que seja considerado regular o exercício de tal prerrogativa, é necessário que o órgão competente esteja atuando dentro de parâmetros legais previamente estabelecidos, delimitado pela lei aplicável ao objeto a ser atingido pela  medida administrativa a ser imposta, em observância ao processo legal. Acerca das limitações ao poder de polícia, Di Pietro assevera:     Como demonstrado por extensa doutrina, entende-se que a aplicação do poder de polícia deve observar o limite do necessário para a cessação de ato particular que pressuponha dano a algum interesse público, buscando equilibrar o convívio em sociedade. Evidentemente que existem situações em que a lei não prevê o modo e as condições da prática do ato de polícia. Cabe, nestes casos, a ação coerente e prudente do representante da administração pública, sob a esteira dos ditames legais, prevalecendo-se dos meios mais eficientes e menos lesivos aos indivíduos. Os princípios da administração pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade e proporcionalidade, assim como os direitos fundamentais do indivíduo assegurados pela Constituição Federal em seu artigo 5º, harmonizados com o interesse social, condicionam e limitam o poder de polícia em toda e qualquer hipótese. O ato administrativo, quando não respeita os limites legais, configura abuso de poder. Para tanto, o indivíduo que se sinta prejudicado pode valer-se de instrumentos legais a fim de acionar o Poder Judiciário para que este venha a apreciar os aspectos concernentes à moralidade e à legalidade dos atos administrativos. Como destacado por Alexandre Mazza:     Também há o controle exercido na seara administrativa, desempenhado pela própria instituição, que derivado do princípio da autotutela da administração pública, dita que o ente público tem o poder-dever de controlar seus próprios atos, revendo-os e anulando-os frente a alguma ilegalidade. A atuação administrativa aqui visa analisar aspectos de legalidade, revisando atos ilegais, e aspectos de mérito, reexaminado atos anteriores quanto à conveniência e oportunidade de sua manutenção ou desfazimento (CARVALHO FILHO, 2014).   Conclusão As considerações tecidas demonstram como se dá a atuação do poder de polícia e a sua inequívoca necessidade de existir. A supremacia do interesse público sobre o privado é garantida tão-somente se existirem meios capazes de limitar a liberdade individual. Pode-se afirmar que a atuação do poder de polícia trata de disponibilidade fundamental da atividade estatal, a fim de que se torne possível conduzir as relações sociais de forma a restringir certos anseios particulares que possam afrontar o interesse da coletividade. É inegável a importância dessas limitações individuais a fim de garantir toda a organização da sociedade, protegendo e regulando questões de saúde pública, propriedade particular, trânsito e circulação, bem-estar social e quaisquer outras atividades humanas. Como traduz a sabedoria popular, “o direito de um acaba onde começa o do outro”. Notadamente, quem exerce o poder de polícia encontra-se revestido de grande força. As características que permeiam o ato administrativo proporcionam certa autonomia de atuação, inclusive permitindo o uso da força, se necessário. Não poderia ser diferente, já que se trata da imposição de deveres e obrigações aos indivíduos. Daí a necessidade de restringir sua atuação à previsão legal e a disponibilização de ferramentas de controle. Ou seja, ao empregar o poder de polícia, o agente deve encontrar-se inteiramente inserido nos ditames legais predefinidos, observando os conceitos de proporcionalidade e direitos fundamentais do indivíduo, sempre em busca de anteder o interesse social.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/poder-de-policia-uma-garantia-a-supremacia-do-interesse-publico/
A Prescrição da Pretensão de Ressarcimento ao Erário Proposta com Supedâneo em Acórdão do TCU
O presente artigo, metodologicamente dedutivo, comprometeu-se a investigar se o julgamento do RE 636.886/AL pelo Supremo Tribunal Federal, que decidiu ser prescritível a pretensão de ressarcimento ao Erário derivada de decisão do Tribunal de Contas da União, conferiria segurança jurídica diante das manifestações recentes dessa Augusta Corte no campo da prescrição frente à Administração Pública. Sendo a segurança jurídica elemento de extrema importância no Estado de Direito, este artigo buscou angariar elementos que levassem a uma análise da coerência do julgamento da Corte com sua própria jurisprudência. Dessa forma, o trabalho analisou o Tribunal de Contas da União, perpassando pelo princípio da segurança jurídica e o instituto da prescrição. Concluindo, por fim, que as decisões técnicas do Tribunal de Contas não recaem sobre indivíduos, e sim contas, não tendo aptidão para aferir se houve dolo ou culpa do agente público, fato esse que levou a Corte Suprema do país a julgar de modo contrário ao seu posicionamento jurisprudencial pela imprescritibilidade dos atos de improbidade dolosos.
Direito Administrativo
Abstract: This article, methodologically deductible, undertook to investigate whether the judgment of RE 636.886 / AL by the Supreme Federal Court, which decided to prescribe the claim for reimbursement to the Treasury derived from the decision of the Federal Court of Auditors, would confer legal certainty before the recent manifestations of this Augusta Court in the field of prescription before the Public Administration. As legal security is an extremely important element in the rule of law, this article sought to gather elements that would lead to an analysis of the consistency of the Court’s judgment with its own jurisprudence. In this way, the work analyzed the Federal Audit Court, going through the principle of legal certainty and the statute of limitations. Finally, concluding that the technical decisions of the Court of Auditors do not fall on individuals, but on accounts, not having the ability to assess whether there was intent or guilt on the part of the public agent, which led the country’s Supreme Court to judge otherwise to its jurisprudential position due to the imprescriptibility of malicious acts of improbity. Keywords: Prescription – Treasury – Federal Audit Court – Legal Security   Sumário: Considerações iniciais – 1. O Tribunal de Contas – 2. A segurança jurídica e a prescrição – 3. A análise do RE 636.886/AL –  Conclusão –  Referências.   Considerações Iniciais A segurança jurídica é um dos pilares que sustenta o Estado Democrático de Direito, distribuindo um sentimento de previsibilidade aos jurisdicionados, daí a necessidade de uma jurisprudência uniforme e coerente.  Conforme os Tribunais se manifestam nos casos concretos, mais dúvidas são geradas em relação aos casos análogos. Nesse cenário, demandas questionando pontos peculiares surgem no campo judicial, uma dessas – RE 636.886/AL – decorreu das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF)  em relação à (im) prescritibilidade dos atos de improbidade administrativa e de ilícito civil. Imbuído disso, pode-se afirmar que a necessidade de espacar dúvidas de seu entendimento jurisprudencial fez o Supremo Tribunal Federal se debruçar, recentemente, no RE 636.886/AL, sobre a prescrição no tocante às prentensões de ressarcimento ao Erário derivadas de decisão de Tribunal de Contas. Em outras palavras, a Suprema Corte, que já tinha decidido sobre a prescrição nos atos de improbidade, retornou a discutir sobre a prescrição na seara da Administração Pública, inclusive se aquela decisão (imprescritiblidade dos atos dolosos de improbidade) poderia ou não ser aplicada ao caso do Tribunal de Contas, objeto de questionamento no Plenário do STF. Com base nisso, o problema investigado foi se a decisão tomada pela Suprema Corte foi realmente coerente ao seu posicionamento exteriorizado em outras oportunidades, como nos atos de improbidade. Assim, o presente artigo tomou a tarefa de analisar se a regra da prescritibilidade é compatível com as prentensões de ressarcimento ao Erário decorrentes das decisões do Tribunal de Contas da União, estando ou não em conformidade com a atual jurisprudencia da Suprema Corte. Nessa linha, a presente pesquisa tem como um de seus objetivos analisar e compreender como o STF tratou do tema da prescrição, a construção que o levou a adotar pela aplicação da regra da prescritibilidade nas ações indenizatórias do Estado decorrente de decisões do Tribunal de Contas, tendo em vista que a Augusta Corte enfrentou temas semelhantes recentemente. Aliás, cita-se que o Plenário do STF, por maioria, entendeu que os atos dolosos de improbidade são imprescritíveis, razão pela qual este artigo preocupou-se em destacar as diferenças de ambas hipóteses. Diante disso, a razão desta pesquisa fica ancorada na segurança jurídica, a prescrição como um garantidor desse valor é, por si só, de estudo relevante em qualquer seara jurídica, principalmente a importância em compreender como a mais Alta Corte do país a adota nos casos de pretensões de reparação ao Erário, que mexe com dinheiro público, fato que já atrai o interesse dos estudiosos de diversos ramos, entre eles o Direito. Assim, perpassou-se por importantes temas para iluminarem esta análise, sem a audácia de pretender aprofundá-los, mas sim trazer balizas que auxiliaram a entender a pesquisa desenvolvida. Em um primeiro momento, o artigo buscou trazer a natureza do Tribunal de Contas da União, suas principais atividades e, também, como esse órgão é visto na sistemática do accountability. Ultrapassada essa investigação, analisou-se um dos princípios basilares da República, qual seja da segurança jurídica, relacionando-o com o instituto da prescrição. Não se ousou adentrar na distinção teórica entre princípios e regras quanto ao valor da segurança jurídica, e sim adotá-lo como princípio sem questionar o seu enquadramento científico, discussão essa que fugiria do tema proposto neste artigo. Percorreu, por fim, na análise do RE636.886/AL, buscando relacionar os fundamentos sustentados com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e a natureza do Tribunal de Contas da União. Assim, a pesquisa buscou  apresentar o entendimento consolidado da Suprema Corte no campo da prescrição frente à Administração Pública. Dessa forma, a pesquisa, na sua completude, foi baseada no cenário nacional, não buscando angariar comparações com o direito alienígena. Sob o aspecto metodológico, a pesquisa se valeu de uma abordagem dedutiva, valendo-se de diversos artigos elaborados por outros pesquisadores para sustentar as afirmações constantes no artigo elaborado.   O controle externo dos atos da Administração Pública é exercido primordialmente pelo Congresso Nacional, sem desconsiderar outras formas existentes. Esse controle é operado com o auxílio de um órgão administrativo, previsto expressamente no artigo 71 da Constituição Federal, que, no âmbito federal, é o Tribunal de Contas da União (CABRAL, 2018, p. 7). Assim, a análise do TCU –Tribunal de Contas da União – requer uma “navegação” em alguns conceitos propedêuticos, com a finalidade de melhor situar o leitor, antes de uma abordagem mais direta no tocante à natureza das suas decisões. Importa mencionar, neste momento, que são poucos os pesquisadores que dedicam um espaço em suas pesquisas para mencionar de forma lógica as funções que tal Tribunal ocupa no ordenamento jurídico, geralmente apenas reprisam o que consta expressamente no texto constitucional. Frisa-se, antes de tudo, que nenhum dos três poderes é absoluto. O sistema tradicionalmente concebido como pertencente a teoria de Montesquieu (CASALINO; PAULANI, 2018, p. 11), denominada de divisão dos poderes, foi introduzido notadamente na Constituição Federal de 1988 com a possibilidade de um poder exercer o controle do outro, também podendo ser chamado de accountability horizontal, dentro dos parâmetros constitucionais estabelecidos. O accountability horizontal carrega o sentido do check and balances, expressão estrangeira usada para indicar o exercício da fiscalização mútua entre os Poderes (FILHO; JÚNIOR, 2018, p.15). No tocante à Administração Pública Federal, o Congresso Nacional exerce uma função de controle político, financeira e orçamentária, em apertada síntese. A bem da verdade, esse é apenas um dos mecanismo legais de controle do ato administrativo do Poder Executivo, contudo é o que interessa para o entendimento deste artigo. Nessa toada, a Constituição Federal prevê em seu artigo 71, caput, e incisos seguintes, um rol de atividades a cargo do Tribunal de Contas da União, que irá atuar primordialmente como auxiliar do Congresso Nacional na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da Administração Pública e demais entidades que recebam dinheiro público. Essa fiscalização, segundo o artigo 70 do texto constitucional, será além do exame da conformidade do ato administrativo com a estrita legalidade (CABRAL, 2018, p. 7). Em síntese, será uma abordagem feita pelo TCU no tocante a economicidade, legalidade e legitimidade do ato administrativo averiguado. Sem pretensão de esgotar o análise dos requisitos: economicidade, legalidade e legitimidade, cabe trazer breves conceitos desses critérios de controle que o TCU deve adotar no exercício de suas atividades. A economicidade contempla a ideia de que o ato adotado pelo administrador deve possuir uma relação de custo-benefício adequada. O critério da legalidade, por sua vez, consagra o exame da compatibilidade do ato administrativo com a lei, sob o ângulo formal. Por fim, o critério da legitimidade traduz o respeito do ato com os princípios do constantes do ordenamento jurídico brasileiro. (OLIVEIRA, 2018, 854) A atuação do Tribunal do Tribunal de Contas é, segundo o texto constitucional, no auxílio do Poder Legislativo, possuindo esse poder a prerrogativa do exercício do controle direto dos atos do executivo, desde que nos limites que a Lei Maior estabeleceu. A necessidade de previsão Constitucional é um pouco lógica, tendo em vista que a atuação de um poder nos atos de outro deve ser exceção, respeitando a divisão dos poderes (OLIVEIRA, 2018, P. 853), cuja extrapolação não terá respaldo constitucional. Dessa forma, o controle do Poder Legislativo sob o Executivo é exercido com auxílio do Tribunal de Contas da União, não é à toa que a constituição o colocou topograficamente ao lado do Congresso Nacional nessa função de controle. Embora atue como auxiliar do Legislativo, não lhe é subordinado (CABRAL, 2018, p. 8). Embora não incluído entre os três poderes, é considerado um órgão constitucional independente (OLIVEIRA, 2018, p. 853), importante no auxílio do controle legislativo sob o poder executivo e seus agentes, mas não sendo, frisa-se novamente, parte integrante do legislativo, em que pese exista quem assim defenda. A expressão “tribunal” não se confunde com os Tribunais de Justiça, pois o Tribunal de Contas não exerce função jurisdicional (JÚNIOR, 1988, p.4). Conquanto realize dentro de sua competência julgamentos, não passam de julgamentos administrativos. Em outras palavras, a função administrativa técnica que o Tribunal de Contas possui é amplo, contudo não foge de apreciação do poder judiciário, podendo rever seus atos se forem abusivos ou ilegais. O Tribunal de Contas da União, no exercício de sua função administrativa técnica, pode até mesmo apreciar a legalidade ou inconstitucionalidade de um ato administrativo do Poder Executivo, consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal que se extraí da Súmula 347.  Nesse contexto, as decisões desse Tribunal auxiliar do Congresso Nacional possui eficácia de título executivo extrajudicial, sejam nas que constituam débitos ou multas (OLIVEIRA, 2018, p. 853). Vale mencionar que as normas constitucionais, que balizam o TCU, devem ser observadas no que for cabível pelos Tribunais de Contas estaduais e municipais (OLIVEIRA, 2018, p. 854). Quanto às funções que o TCU pode executar, estão previstas na própria Constituição Federal e, também, na lei orgânica do Tribunal de Contas – lei 8.443/1992. Possui, em epítome, as atribuições consultiva, fiscalizadora, julgadora, registro, sancionadora, corretiva e de ouvidoria. Diante do acúmulo dessas atribuições, pode-se compreender como um modelo de accountability, o qual pode ser resumido na prestação de contas e na responsabilização do agente público pelo prejuízo ao erário (FILHO; JÚNIOR, 2018, p. 14.). Nessa linha, a função consultiva é quem possibilita a elaboração de pareceres técnicos, como os elaborados previamente sobre as contas prestadas pelo Presidente da República, nos termos do artigo 71, inciso I, da CF/88. (Oliveira, 2018, p. 854) No tocante à função fiscalizadora, o TCU tem como uma de suas atribuições realizar uma fiscalização contábil, financeira e orçamentária. Conforme previsto na Constituição Federal no artigo 71, incisos IV, V e VI, da Constituição Federal. De outro giro, o TCU analisa, para fins de registro, a legalidade dos atos administrativos de admissão de pessoal e, inclusive de aposentadorias. Consoante o disposto no artigo 71, inciso III, da Lei Maior, cabe ao TCU “apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta (…).” Outra função, também importante, é a corretiva, na qual o TCU determina a correção de irregularidades administrativas que constatou no exercício de sua atribuição, estabelecendo prazo a ser observado pelo órgão ou pelo transgressor dos aspectos legais do ato. Assim, nos seguintes termos a Constituição o prevê em seu artigo 71, inciso IX, “assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade”. Outrossim, o TCU irá atuar no recebimento de denúncias de irregularidades ou ilegalidades ofertada por qualquer um do povo ou entidades (art. 74, § 2.º, da CRFB). Outra vez, apresenta-se uma perspectiva do accountability vertical, pelo qual a população participa do controle dos atos administrativos dos poderes da república que violentam os cofres público (FILHO; JÚNIOR, p.15) Finalmente, neste momento, cabe trabalhar conjuntamente as funções julgadora e sancionadora. A Corte de Contas possui a prerrogativa de julgar as contas dos agentes públicos que são responsáveis pelo dinheiro público, aplicando sanção ao tais sujeitos pelas contas irregularmente prestadas ou despesas não aprovadas (Oliveira, 2018, p. 855), nos termos do artigo 78, VII, da Constituição Federal.  De forma lacônica, o TCU acompanha e fiscaliza a execução do orçamento, contratações, aposentadorias e, ainda, julga as contas dos responsáveis pelo dinheiro público (JÚNIOR, 1988, p. 5). Desse modo, fica evidente que o Tribunal de Contas da União é um órgão administrativo especializado, “friamente” técnico, não adentrando nem investigando o aspecto volitivo do agente. Assim, não é da essência do Tribunal emitir parecer técnico sobre o ânimo do agente público, se agiu com dolo ou culpa, e sim se respeitou o prisma da legalidade, economicidade e legitimidade no emprego do dinheiro público por meio de atos administrativos ou contratos.   A vida em sociedade é dinâmica e permeada de eventuais conflitos, contudo o direito tem como um de seus objetivos solucionar esse “choque” de interesses. Assim, os direitos subjetivos necessitam de estabilidade, essa estabilização clama por uma segurança jurídica. Dessa forma, as decisões judicias na solução desses conflitos devem primar por decisões paritárias, dentro de critérios mais equânimes possíveis, não tratando casos idênticos de formas distintas, ao arrepio do princípio da isonomia e da segurança jurídica. A segurança jurídica pode ser compreendida como um aglomerado de condições que propiciam as pessoas o conhecimento antecipado das consequências diretas de seus atos e fatos em sociedade (SILVA, 2013, P. 436). Como é cediço, o princípio da segurança jurídica é um postulado inafastável do Estado de Direito, assumindo um valor fundamental do sistema jurídico brasileiro, cabendo-lhe um papel de destaque na efetivação da justiça material (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009, p. 532). Cabe destacar, ainda, que o princípio da segurança jurídica comporta duas forma de ser analisado, objetiva e subjetiva. Sua compreensão na forma objetiva identifica o sentido do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (OLIVEIRA, 2018, P. 94). É bem verdade que, para este artigo, o aspecto objetivo do princípio da segurança jurídica não é relevante, pois não há no objetivo da pesquisa analisar a sucessão de leis e os atos privados, mas sim do aspecto subjetivo que o princípio carrega. Pois bem. O princípio da segurança jurídica traz uma abordagem subjetiva, na qual se busca garantir a confiança que a população tem sobre os atos estatais, ou seja, ela confia que os atos estatais são verdadeiros e isonômicos e que não terá surpresas, atuando com previsibilidade. Assim, a segurança jurídica no seu aspecto subjetivo traz o sentido de boa-fé (DI PIETRO, 2018, p. 155). Portanto, a segurança jurídica é um importante elemento de um Estado de Direito, sem o qual o país não atrairia investimentos e deixaria uma impressão de que tudo pode acontecer conforme a “sorte”. Mas não é bem assim, há institutos que procuram garantir uma situação de estabilidade e confiança, sendo de fundamental importância no cenário jurídico. Como todas as coisas têm um fim, um direito a uma pretensão de ressarcimento também deve encontrar o seu limite. Por isso, a Constituição Federal de 1988 adotou como regra geral a prescritibilidade, sendo a imprescritibilidade a exceção, nos casos expressamente previstos. A prescrição é um instituto de suma importância em todas as áreas jurídicas, sendo um veículo condutor de certeza e segurança jurídica, no qual procura delimitar direitos caducos, não permitindo que o direito se compadeça de forma infinita das pretensões. Cabe frisar, ainda, que as discussões em torno da prescrição são de longa data, inclusive do período romano (MONTEIRO, 1982, p. 1). Nessa altura, cabe diferenciar a prescrição da decadência, ambas são formas jurídicas presentes na lei e nos manuais acadêmicos. Apesar da complexidade em distingui-las ser presente para todos os autores, pode-se seguir a distinção mais palpável, que seria a distinção entre o direito a uma pretensão e um direito potestativo, fruto de uma concepção teórica de Chiovenda (JÚNIOR, 2005, p. 2). Nesse mesmo sentido, o direito a uma pretensão seria o qual o titular de um direito subjetivo – ou seja, o credor – necessita da conduta do devedor para ver atendido o seu direito, como uma relação obrigacional. Essa necessidade de satisfação surge da violação do direito do interessado, como é o caso do inadimplemento, isso porque da violação do direito nasce a pretensão, a qual se extingue pela prescrição. Nessa mesma direção, o artigo 189 do Código Civil prevê a prescrição exatamente como uma modalidade de extinção de uma pretensão, essa nascida após a violação de um direito. Nos direitos potestativos, por sua vez, o interesse do indivíduo é satisfeito sem necessitar da conduta de alguém, como no caso do divórcio. Dessarte, o direito potestativo não pode ser violado, não é dependente da conduta de terceiros. Em vista disso, a classificação de Chiovenda se amalgama a distinção entre decadência e prescrição (JÚNIOR, 2005, p. 2). Em decorrência dessa distinção, fica fácil perceber que a prescrição lida com pretensões nascidas com a violação de um direito, violação essa que não existe nos direitos subjetivos potestativos. Feita essa distinção, cabe agora adentrar na prescrição sob o ângulo da Administração Pública, mesmo que a abordagem acima não tenha esgotado o tema prescrição do ponto de vista acadêmico (até porque não é essa a pretensão da pesquisa), essas lições são suficientes para entender a importância do instituto citado. A prescrição pode atuar perante a Administração Pública em duas formas, na forma em que é ela a parte interessada no decurso do tempo (pretensão de ressarcimento invocada contra o poder público), ou no viés em que ela será a prejudicada pelo lapso temporal. O presente trabalho se ocupou do segundo aspecto. Nessa linha, a Administração Pública pode ter uma pretensão a exigir judicialmente por vários motivos, entre os quais são os atos ímprobos praticados por seus agentes contra a máquina pública. O agente público pode causar algum dano ao poder público passível de reparação ou contra algum particular, voltando-se o Estado contra o agente imprudente de forma regressiva. Sendo a prescrição um instrumento da estabilização social, de envergadura constitucional ao se ver umbilicalmente ligada ao princípio da segurança jurídica, a discussão da prescritibilidade ou não do ato de improbidade chegou ao Supremo Tribunal Federal. O Recurso Extraordinário 852.475/SP foi decidido pelo Plenário da Augusta Corte. Discutia-se se os atos de improbidade dolosos e culposos estariam protegidos pela regra da prescritibilidade, que é a regra no direito brasileiro. O Supremo Tribunal Federal, na interpretação do artigo 37, §5º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), que assim dispõe: A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento Decidiu pela imprescritibilidade dos atos de improbidade dolosos, por maioria de votos. Assim, no tocante aos atos de improbidade administrativa, só se pode falar em prescrição se o ato decorreu de conduta culposa, não abarcando condutas dolosas. Quanto aos atos ilícitos perpetrados contra o erário público, denominados de ilícitos civis, também ganhou manifestação do Pretório Excelso. Discutia-se se essas ações indenizatórias estariam na guarida da imprescritibilidade, haja vista que estaria em jogo uma fonte de receita pública decorrente de reparação civil decorrente de prejuízo causado ao erário. Esse debate foi aclarado e definido em sede do Recurso Extraordinário 669.069/MG, por maioria dos votos. A Corte chegou a maioria dos votos pela prescritibilidade quinquenal dos ilícitos civis perpetrados contra o erário público. Diferente dos atos de improbidade administrativa, os atos danosos ensejadores de reparação têm como fonte normas de direito privado, como o abalroamento de um veículo particular em um carro oficial do Estado. Por isso, este precedente do Supremo Tribunal Federal não colide com o entendimento exposto no Recurso Extraordinário acima, que trata de atos danosos ao poder público que derivam de improbidade administrativa. Perpassado essa exposição propedêutica, dos institutos citados anteriormente, cabe destacar que o STF não trabalhou nesses Recursos Extraordinários acima o TCU, isto é, se as violações dos agentes públicos ensejadoras de reparação ao erário público decorrentes de decisão colegiada do TCU seriam ou não imprescritíveis. Sendo o TCU um órgão administrativo, não possui o poder de executar suas próprias decisões, tal tarefa cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, sob o rito previsto na lei de Execuções Fiscais, como dívida ativa não tributária da União, satisfazendo, assim, as pretensões do Estado reconhecidas nas decisões colegiadas do TCU, sendo que essas decisões são possuidoras de eficácia de título extrajudicial. Dessa feita, esse título permite ao Estado exigir do agente público em juízo, diretamente na fase de execução, a devida reparação pelos danos causados ao erário e constatados pelo colegiado do TCU, em uma análise técnica das contas e do dinheiro público empregado. Diante disso, requer-se uma análise do RE 636.886/AL, para extrair uma afirmação da coerência ou não da decisão tomada pela Augusta Corte.  A bem da verdade, o Estado Democrático de Direito não admite decisões contraditórias para fatos que exigem decisões similares, aliás é esse o sentido que o artigo 926, caput, do Código de Processo Civil, ao exigir que os Tribunais mantenham suas jurisprudências integras e coerentes.   Antes de adentrar ao RE, cabe mencionar que se trata, na sua origem, de uma Execução Fiscal ajuizada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, buscando o ressarcimento aos cofres públicos, após o reconhecimento desse direito advindo de condenação pelo Tribunal de Contas da União. Diante da extinção do feito em primeira instância, a União recorreu para a segunda instância, obtendo o mesmo resultado. Fato, esse, que a permitiu pleitear diretamente ao Supremo Tribunal Federal o afastamento da prescrição sustentada na decisão de primeiro grau e confirmada pelo Tribunal Regional Federal, alegando a violação ao artigo 37, §5º, da Constituição Federal. O Recurso Extraordinário teve como relator o Ministro Alexandre de Moraes, o qual foi o prolator do voto vencedor, sendo seguido por unanimidade por seus pares, no plenário do Supremo Tribunal Federal. O recurso, antes de seu julgamento, teve sua repercussão geral reconhecida. A repercussão geral é um sistema que seleciona os recursos relevantes que tenham como matéria de discussão o aspecto constitucional de uma norma, um crivo processual que separa as ações relevantes e de importância (TUCCI, 2015, p. 2). Na sessão plenária, por videoconferência, o Ministro Relator tratou de diferenciar a prescrição dos atos de improbidade dolosos do caso em julgamento. Dessa forma, indicou que os danos ensejadores de indenização ao erário são submetidos, em regra, ao decurso do prazo prescricional. Sustentou, assim, que os atos de improbidade que permitem a exceção à regra da prescritibilidade são os que em seu elemento há a presença do dolo. De fato, o ato de improbidade administrativa possui diversas modalidades, assim são atos de improbidade aqueles que causem prejuízos ao erário, provoque enriquecimento ilícito em detrimento do cargo, violação aos princípios da Administração Pública e, ainda, concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (OLIVEIRA, 2018, p. 909). Todas essas condutas estão listadas de forma exemplificativa na lei nº 8.429/92, isto é, não são estanques, mas sim trazendo um rol aberto de condutas. Importa menciona que todas as modalidades de improbidade administrativa aceitam a forma dolosa, que exige uma análise do aspecto volitivo do agente, não podendo chegar a conclusão do dolo ou culpa do ato pela simples análise do ato ou conduta desvinculado do agente responsável pela lesão aos cofres públicos. Perpassado o análise dos atos de improbidade, o Relator citou que as decisões do TCU não comportam similitude com o julgamento no qual ficou decidido que os atos ilícitos civis são prescritíveis. Nessa toada, ficou sustentado no RE que não é impeditivo o ajuizamento da ação civil pública de improbidade administrativa paralelamente à ação de execução com supedâneo em acordão do TCU, preservando dessa maneira o direito à ampla defesa e ao contraditório. Por fim, o relator trouxe a natureza das funções do Tribunal de Contas para fundamentar seu voto. Indicou que após a tomada de contas, o TCU indica se há ou não débito imputado ao agente cujas contas são objeto de exame. Uma vez formalizada a decisão, ela possui eficácia de título executivo extrajudicial, podendo ser executada sob o rito da lei de Execução Fiscal, com a denominação de dívida ativa não tributária. Relatou, que esse Tribunal administrativo não julga pessoas, não há espaço para a ampla defesa e o contraditório igual é existente no judiciário, nem poderia ser, pois seu exame recai sobre as contas do agente, não sobre a sua pessoa. No mérito, o Ministro Relator Alexandre de Moraes foi acompanhado por unanimidade, conhecendo do recurso para negar provimento, reconhecendo a prescritibilidade do ato, por não conter disposição expressa na Constituição Federal que legitime a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento do Erário derivada de condenação pelo Tribunal de Contas da União. De fato, o Supremo Tribunal Federal caminhou bem ao reconhecer pela prescritibilidade, haja vista que os julgamentos no Tribunal de Contas da União não recaem sobre pessoas (SILVA, 2013, p.767), e sim nas contas prestadas. Vale dizer, o Tribunal de Contas não exerce função jurisdicional, assim os seus julgamento são eminentemente técnicos, analisando ou fiscalizando contas, não apreciando a responsabilidade pessoa do indivíduo, sob o prisma do animus do agente público, enfatizando que a atuação do Tribunal de Contas é prévia ao julgamento do responsável perante ao Poder Judiciário, esse sim fará a análise da culpabilidade do agente público (DI PIETRO, 2018, p. 1010). Conforme o próprio relator sustentou, a eventual demanda de contas a serem analisadas não justificam uma interpretação prol Administração Pública em detrimento da segurança jurídica, da ampla defesa e do contraditório. Mecanismo que ampara ao Estado seria a ação pública de improbidade, apta a discutir a culpa do responsável pelo dinheiro público, sendo um subterfúgio a morosidade do Tribunal de Contas.   Conclusão Gizada toda essa fundamentação advinda da pesquisa, é forçoso reconhecer que o Supremo Tribunal Federal caminhou bem ao estipular a prescritibilidade das pretensões de ressarcimento ao erário com supedâneo em decisão do Tribunal de Contas da União. O caso julgado não se assemelha aos atos dolosos de improbidade, haja vista que o TCU não realiza julgamento de pessoas, mas sim de contas. Sendo um julgamento técnico, a ampla defesa e o contraditório não são presentes como é na esfera judicial, pois o Poder Judiciário se debruça na culpabilidade do agente, adentrando no aspecto volitivo do ato perpetrado. Além do mais, a Constituição Federal não expressou a imprescritibilidade das ações derivadas de decisões do TCU, conferindo uma atuação estritamente técnica ao TCU, órgão auxiliar do Congresso Nacional no controle externo dos atos da Administração Pública. Portanto, diante da não contrariedade nas decisões do Supremo Tribunal Federal em relação a prescritibilidade, não construiu sua jurisprudência ao arrepio da segurança jurídica, conservando e pacificando uma dúvida mais prática que daquelas propriamente discutidas nas faculdades de Direito.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-prescricao-da-pretensao-de-ressarcimento-ao-erario-proposta-com-supedaneo-em-acordao-do-tcu/
O Fim Do Estado: As Organizações Criminosas Nas Comunidades Cariocas Como Instrumento De Aprimorar O Exercício Público
O vigente estudo averigua a emersão e ampliação das milícias no Rio de Janeiro, que detêm o controle de territórios e favelas. Para tanto, proceder-se-á à comparação deste poder militar com o domínio realizado por facções de traficantes em outras comunidades. A sociedade do Rio de Janeiro se vê incorporada em um cenário de guerra civil não declarada entre os órgãos que compõem a segurança pública e os criminosos, que, atualmente, se valem do apoio de agentes públicos na administração de grupos de milícia. A omissão do Estado na luta às várias e repetidas atitudes delituosas dos grupos citados robustece a teoria de falência estatal. Partindo-se desses apontamentos, é defendida a tese de que o Estado falhou no que tange à segurança pública do estado-membro centro desta análise. A metodologia utilizada foi à bibliográfica, portanto, trata-se de uma pesquisa qualitativa.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto Constituição Cidadã, lista variados direitos e garantias de natureza fundamental que devem ser observados. Desta feita, sob a ótica constitucional de máxima efetividade à esta espécie de norma, não existe lacunas para que o Estado proceda à omissão no que diz respeito a assegurar o direito à segurança pública. Em virtude do avanço da violência e da construção dos grupos paramilitares que colocam em riso a ordem pública, questiona-se a falência do Estado em razão da omissão específica na luta às milícias. Não é razoável sustentar a falência estatal em virtude da omissão específica no que cerne às milícias sem abordar o hodierno cenário social em que se insere a luta contra a marginalidade. Para isso, a princípio, procederá à conceituação, bem como à listagem dos componentes construtores dos grupos paramilitares e ressalta a existência ostensiva de agentes públicos na construção e domínio dessas organizações. Em momento posterior, destaca-se a opinião pública sobre a temática, além de tratar da falência do Estado na luta contra a marginalidade e, ainda, a viável gênese de um Estado Paralelo na qualidade de expressão diversa de poder. A metodologia a ser empregada para a confecção deste estudo configura-se como pesquisa qualitativa e exploratória, sendo compiladas apurações doutrinárias e jurisprudenciais de modo a refirmar a falência estatal. Efetivamente, a essência deste estudo se vale dos ramos do Direito Constitucional, do Direito Administrativo e do Direito Penal, além de acepções sociológicas, sem as quais é inviável defender a tese explicitada. Finalmente, é necessário que se elucide que a importância das indagações tecidas está no emprego efetivo dos direitos consagrados pela Carta Magna e tutelados em tempos nos quais o próprio Estado se omite, em prejuízo de toda a sociedade.   1. A MILÍCIA MODERNA: O VÍNCULO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA De acordo com José Maria Rico e Luís Salas, a história da humanidade demonstra que existem inúmeras e periódicas expressões de pânico coletivo atribuíveis a variados cenários (RICO; SALAS, 1992, p. 27). Neste diapasão, a marginalidade emerge enquanto origem manifesta do sentimento de insegurança pública sofrido pela sociedade. A convivência pacífica e civilizada entre os componentes da sociedade começa a ser vulnerabilizada pelo temor que advém do cenário político-econômico fragilizado no qual se insere o país. O cenário histórico em que se acha a República Federativa do Brasil explicita que o direito fundamental à integridade física ou patrimonial dos cidadãos é frequentemente desrespeitado por criminosos que, por diversas vezes, emergem do vício em drogas, da desigualdade social, ou da impunidade. Desta feita, apesar de não ser viável definir o perfil preciso para o agente delituoso, é cognoscível que os delitos praticados com violência e sangue consistem naqueles que obtêm maior repercussão midiática, e que mais atemorizam a coletividade (SILVA, 2003, p. 6). Em compensação, é comum que os cidadãos admitam outras espécies de delitos e contravenções penais sob a justificativa que estes, em sua acepção, não constituiriam relação com aqueles realizados contra a vida (SILVA, 2003, p. 6). Desta forma, o afligimento da população na luta contra os delitos comuns e rotineiros, cotidianamente anunciados pela mídia, inclina-se a camuflar o progresso sem controle de outros tipos de crimes que são incentivados por agentes a quem o Estado conferiu a tarefa de tutelar a sociedade da marginalidade. Em outros termos, apesar de a Lei Maior, de modo genérico, conferir às forças armadas e às polícias federais, civis e militares a asseguração do direito à segurança pública, atualmente, o caso concreto indica a sociedade como vítima desses anti-heróis da segurança pública. Se, num giro o delituoso individual apavora o homem médio através da sua habilidade de confrontar a organização estabelecida pelo Estado, valendo-se de requintes de crueldade com o fito de consumar seus delitos sem receios, o delito fundamentalmente sistematizado confronta a soberania nacional, bem como ameaça a confiança que a sociedade entrega ao Estado para a luta contra a violência. Perante o contexto de instabilidade social no qual se acha a cidade do Rio de Janeiro, percebido pelo jornalista e escritor estadunidense Jon Lee Anderson, enquanto “Calamidade Social” (ANDERSON, 2009) amplia-se a quantidade de grupos armados construídos por agentes ou ex-agentes públicos que se valem da farda e de um roteiro protecionista com o objetivo de se inserir e controlar comunidades carentes e esquecidas pelo Estado. Portanto, as milícias se demonstram, a princípio, em certas regiões, como sendo a solução para o domínio da criminalidade, bem como para a progressão social que o Estado, por sua omissão, deixou de viabilizar, tornando-se, consequentemente, uma efetiva milícia leviatã e um concreto Estado Paralelo inserido no interior do Estado propriamente dito. Isto posto, perante o nível de organização que detêm, além da força coercitiva que exercem, atingem o monopólio da prestação de serviços com relevância lucrativa, definindo regras de comportamento a serem observadas pelos residentes do território dominado e apadrinham candidaturas, concretizando a execução estruturada de vários delitos.   2. ESTRUTURAÇÃO DELITUOSA COMPOSTA POR AGENTES PÚBLICOS Por volta doo ano de 2009, já completava duzentos e quarenta meses depois da emersão de uma das mais relevantes comunidades da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, a Rio das Pedras. O embasamento para a ampliação deste tipo de “força paramilitar” é, justamente, a inexistência do Estado. À época, de acordo com o depoimento concedido pelo Delegado da Polícia Civil, Pedro Paulo Pinho, da 32ª Delegacia de Polícia, à Comissão Parlamentar de Inquérito voltada à investigação da ação de milícias na esfera estatal do Rio de Janeiro, os próprios residentes da comunidades se estruturavam para inviabilizar a entrada de traficantes e assaltantes, configurando, na visão do delegado mencionado, uma efetiva “polícia mineira”, cujos componentes perseguiam criminosos e extorquiam os residentes do território em questão (PINHO, 2008, p. 35-41). À vista disso, para a citada autoridade policial, esses indivíduos armados não configuram uma efetiva milícia, tendo em vista que para ela a expressão concerne, em sua origem, à polícia militar (PINHO, 2008, p. 35-41). Todavia, cumpre analisar que o decorrer do tempo concretizou uma alteração drástica nos interesses desses grupos. A finalidade inicial da luta contra a criminalidade e, em específico, ao tráfico de drogas, cedeu espaço à construção de organizações marginais com a existência manifesta de agentes públicos, bem como com o desempenho imediato na política nacional (CALDERA, 2008, p. 50). Por conseguinte, diversamente do que acontecia há duas décadas atrás, é absolutamente adpatável o emprego da expressão “milícias” aos grupos formados de forma ilegal por agentes do Estado que, valendo-se do status de agente público, controlam regiões dominadas, ou não, pelo tráfico de drogas. Realmente, a conceituação desse fenômeno social é deveras dicotômica. Aparente ser mais simples apontar seus atributos do que definir, com precisão, o que viriam a ser os milicianos. Para corroborar a afirmação supra elaborada, nem sequer as autoridades incumbidas pelo âmbito da segurança pública detêm o condão de definir um conceito preciso. Na acepção do delegado Marcus Neves, da 35ª Delegacia de Polícia, as milícias simbolizam:   […] grupos armados compostos por agentes do Poder Público e pessoas cooptadas nas comunidades carentes, inclusive ex-traficantes, que usam a força e o terror para dominar uma determinada região e explorar de maneira ilegal as atividades de transporte alternativo, gás e tevê a cabo. Seu mote é a questão financeira, o lucro farto e fácil (NEVES, 2008, p. 35).   Por seu turno, Jaqueline Muniz e Domício Proença definem que as milícias consistem em gangues compostas por policiais e ex-policiais que alienam segurança contra eles próprios (MUNIZ; PROENÇA, 2008, p. 35). De um modo mais genérico, Domício Proença compreende que todo e qualquer grupo que atue de maneira a contrariar a lei pode ser encarado como milícia (MUNIZ; PROENÇA, 2008, p. 35). Contudo, ao admitir uma conceituação sem muitas especificações, pode-se formar uma enganadora ideia de que, por exemplo, o narcotráfico consiste em um tipo de milícia. Contudo, no que tange às equivalências presentes no controle armado sobre certo território e população, além do interesse no lucro advindo de suas ações, essas organizações de caráter criminoso se diferem, via de regra, pela existência de agentes públicos no interior de milícias (CALDEIRA, 2008, p. 51). Nesta mesma esteira, o procurador de justiça Antônio José Campos Moreira sustenta que não há crime organizado sem a existência de influência no poder público, na polícia ou, inclusive, na seara do Poder Judiciário (MOREIRA, 2008, p. 35-36). Na teoria, na acepção de um membro do Ministério Público, esses grupos que se formaram de modo ilegal incidem em delito de associação criminosa e, consistindo em crime organizado, detêm cunho de atividade empresarial (MOREIRA, 2008, p. 35-36). Consoante a visão de Jaílson de Souza e Silva, Fernando Lannes Fernandes e Raquel Willadino Braga, os grupos delituosos armados que possuem o domínio de certos territórios configuram, com efeito, redes criminosas com viés territorializado.   (…) Grupos Criminosos Armados com Domínio de Território são redes criminosas territorializadas que atuam em atividades econômicas ilícitas e irregulares, como o tráfico de drogas, serviços de segurança e transporte coletivo irregular, dentre outras, a partir de uma base territorial específica, fazendo uso da força física e da coação – especialmente pelo uso de armas de fogo – como principais meios de manutenção e reprodução de suas práticas (SILVA; FERNANDES; BRAGA; 2008).   Impende destacar que as milícias configuram um fenômeno social de natureza dinâmica, sendo, assim, passível de justificativa a inexatidão que rodeia a sua precisa definição. É nesta conjuntura que Ignácio Cano sustenta que, com o intuito de conceituar o que seria uma milícia, crucial é a existência paralela de cinco fundamentos de suporte:   (…) controle de territórios reduzidos e da população residente neles por parte de grupos armados irregulares; caráter coativo desse controle; lucro individual como motivação central; discurso de legitimação referido à ‘proteção’ da população contra a criminalidade, e à instauração de uma ordem e, por fim, a participação aberta de agentes de segurança pública (CANO, 2008. p. 80).   O componente espacial existente no domínio do território e da população advindo da atuação das milícias, em nem todas as vezes estará relacionado a uma natureza coativa. Em um primeiro momento, em virtude de uma promessa de tutela, esses grupos armados agem com legitimação conferida pelos membros da comunidade que sofreu a dominação. O cenário sócio-econômico do Rio de Janeiro simboliza a inexistência de uma política pública em seus âmbitos que apresentam maior carência, e efetiva a consideração da falência do Estado. Logo, é nesta conjuntura de omissão do Estado que grupos de agentes ativos ou não tornam a exercer domínio sobre comunidades, se valendo, comumente, da estrutura e mecanismos oportunizados pelo Estado com o fito e lutar contra a prática de crimes. Em sentido metafórico, o primeiro contato desses grupos ilícitos com a população local acontece em harmonia imediata. Um efetivo fenômeno passível de justificativa em virtude da argumentação de que todos os cidadãos são merecedores de viver em uma sociedade na qual a violência não existe. Deste modo, a notoriedade dessa política social instaurada pelos milicianos, viabilizando a dignidade da pessoa humana, operou enquanto essência para a amplificação da dominação e legitimidade da atuação dos grupos compostos de milicianos. No entanto, existem outros fatores. Conforme destacou Ignácio Cano, o progresso histórico do fenômeno indica que a aplicação da força e da coerção se transformaram em cruciais à descaracterização do contrato de prestação dos serviços de segurança definido de modo implícito entre os moradores da comunidade dominada e as milícias.   (…) Observe-se que o caráter coativo da ‘proteção’ é imprescindível para podermos falar em milícias ou em domínio de qualquer outro grupo irregular. Caso contrário, se a vigilância armada fosse procurada e controlada pelos habitantes, estaríamos perante um caso de segurança privada, comum nas áreas de classe média e alta (CANO, 2008, p. 81).   Logo, a legitimidade inicial dos grupos armados ilícitos foi substituída pela determinação do medo e violência em virtude da abundancia de arbitrariedade que advém, de modo direto, da inexistência de mandamentos escritos, hábeis a definir direitos e deveres impingidos à população (CANO, 2008, p. 60). Isso tudo se deve à ausência de representatividade do governo nessas comunidades, o que acarreta a sensação de revolta e desconfiança nos órgãos que seriam os responsáveis por viabilizar a paz pública. Consequentemente, deve se destacar que as milícias simbolizam a autoridade local e, de maneira irregular, definem regras de comportamento de obediência de todos, caso contrário, podem protagonizar sanções de natureza física e psicológica, tal como lesões corporais e ameaças (CANO, 2008, p. 60). Além disso, insta destacar que, semelhante ao que ocorre com a atividade ilícita do narcotráfico, existe, de modo majoritário, o componente econômico, intrínseco à finalidade de se adquirir lucro com a prestação dos serviços de segurança, fornecimento de TV a cabo, gás e transporte. Com efeito a argumentação baseada na tutela inicial aplicada na ocasião da instauração dos grupos armados nas comunidades se transformou em secundário. O simples teto de salário ao qual estão submetidos os agentes estatais incentivou a avidez particular de complemento de renda mensal. Comumente, os noticiários dão conta que a atuação das milícias no estado do Rio de Janeiro não possui restrições (RAMALHO, 2009). Prova disso é que, em desarmonia com as atividades de regulamentação, foram apreendidos mais de cinco mil botijões de gás em um depósito camuflado em Campo Grande no ano de 2009. Ademais, vale ressaltar um caso mais recente, do ano de 2019, no qual 212 botijões de gás apreendidos no município de São João de Meriti/RJ. A proeminente margem de lucro oriunda da prestação de serviços de natureza alternativa nas favelas do Rio de Janeiro advém, de modo direto, da cobrança de taxas, que podem variar segundo a localidade que se encontra dominada pelas milícias, além da espécie de serviço ludibriado. Outrossim, verifica-se que a procura incansável pela majoração dos rendimentos decorrentes dos negócios ilícitos ocasionou a diversificação da rede de exploração no interior do território dominado por parte das organizações de cunho criminoso. Atualmente, existem várias matérias jornalísticas que retratam a inovação desses grupos, que passaram a fornecer serviços de acesso à internet, denominados “gatovelox”, além do transporte alternativo executado pelos mototáxis (RODRIGUES; GRANDIN, 2019). No que tange à legitimidade da atuação dos grupos milicianos, esta deve ser encarada sob dois aspectos diversos. Sob uma acepção, existe a participação da comunidade na ampliação do fenômeno social em comento. Noutro giro, existe o discurso de implementação da ordem social explicitado pelos agentes públicos, ativos ou não, incumbidos do domínio de determinado território. Na visão de Sérgio Ramalho, por ocasião de uma de suas entrevistas concedidas ao O Globo, em um primeiro momento, os milicianos chegam às comunidades e convencem os moradores se valendo de um discurso de implementação do choque de ordem e com o estabelecimento de um compromisso de eliminar o tráfico de drogas. Nesta ocasião, ainda que a ilegalidade seja um elemento formador desses grupos, a legitimidade da atuação é, a princípio conquistada por intermédio da participação da comunidade, que concede à milícia o poder de combater o mal advindo do tráfico de drogas, além de propiciar a segurança pública da localidade e, em certos contextos, prestar serviços de natureza assistencial. Embora aparente ser um absurdo para grande parcela da sociedade, é fato que os moradores de favelas carentes que são submetidas à dominação do tráfico de drogas ou pelas milícias configuram a parcela esquecida pela política do Estado. Em outros termos, a notória inexistência estatal nessas searas autorizou o progresso das mencionadas organizações criminosas. Os indivíduos esquecidos pelas políticas públicas governamentais vislumbraram na promessa da milícia uma solução para o horrível contexto social no qual estão inseridos. Desta feita, é absolutamente justificável a legitimação que esses grupos delituosos adquiriram. Cano (2008, p. 65) sustenta que existe uma racionalidade econômica no contexto fático. Assim sendo, defende-se que o argumento para a cobrança de taxas é a tutela da comunidade contra um mal superior, que, na grande parte das ocasiões, é vislumbrado na figura dos traficantes de entorpecentes (CANO, 2008, p. 65). Grande parcela da sociedade corrobora a política que a milícia impõe. Tal afirmativa se justifica pelo fato de que esses indivíduos consideram que seria melhor pagar pelo fornecimento de segurança, o que consiste em incumbência do Estado. Infelizmente, como o Estado não fornece tal garantia constitucionalmente assegurada, os moradores de comunidades carentes recorrem à proteção paga dos milicianos. Desta forma, em termos genéricos, o mais importante componente diversificador das milícias configura-se na manifesta presença de agentes públicos nos mais variados estágios da organização dos grupos ora estudados. No que tange ao latente engajamento de policiais com o tráfico de drogas, nos grupos milicianos, a participação destes é notória. Os policiais militares assumem posições de controle e chefia da organização, além de se engajar, também, nos papeis de menor importância. Os policiais civis, bombeiros, policiais militares e agentes penitenciários que fazem parte de grupos milicianos se acham disponibilizados em vários estágios hierárquicos. Parcela dos componentes estão engajados com a chefia, outros com o recolhimento de taxas e, anda, existem aqueles que se incumbem de extinguir os inimigos das organizações rivais do grupo ao qual pertence. Frisa-se, por oportuno, que esses agentes estatais, ativos ou não, agem utilizando-se esse status de agente público. Ou seja, não apenas se valem dos mecanismos oportunizados pelo governo para a execução das tarefas que lhe são incumbidas, como se promovem e conquistam a confiança da comunidade local por intermédio deste ícone de representação estatal. Assim sendo, pode-se dizer que, embora sejam organizações de caráter ilícito, cumprem com a finalidade de fornecer a segurança pública melhor do que o próprio Estado. Insta elucidar, todavia, que não são incomuns os indivíduos civis que compõem a estrutura organizacional das milícias. Entretanto, as mais relevantes tarefas são executadas pelos indivíduos que, de certo modo, mantêm vínculo com os quadros de segurança pública estatal.   (…) Em suma, a maioria dos milicianos são membros ativos ou inativos do quadro de funcionários do estado, não raro afastados por desvio de conduta. A milícia incorpora também a civis, mas as posições de comando correspondem quase sempre a pessoas com uma conexão direta com as corporações de segurança pública (CANO, 2008, p. 67).   Cumpre ressaltar que a destinação das funções de controle aos agentes que estão vinculados de modo direto às tarefas públicas de segurança apresenta um viés estratégico. Primeiramente, porque simplifica a incorporação e domínio das comunidades que apresentam maior carência. Em segundo lugar, porque os milicianos simbolizam o Estado nesses âmbitos, e, na prática, são os efetivos incumbidos da tarefa de expurgar o mal que assola a sociedade como um todo. Logo, embora haja complexidade em definir, com precisão, o que viria a ser os grupos milicianos, é viável, de modo genérico, concluir que a atuação desses grupos consiste em um fenômeno de natureza social que vem se ampliando em virtude da decadência da política pública estatal. Desta forma, em razão de certos componentes que procedem à sua caracterização, os grupos milicianos configuram-se enquanto organizações que detêm, em certas regiões, representação política, compondo-se notoriamente por agentes públicos ativos ou não vinculados ao setor de segurança pública, que se valem desse status para proceder ao domínio de certo território através da imposição de regras de comportamento, além de estabelecer cobranças pelos serviços oportunizados no interior daquela base territorial.   2.1 A preocupação expressada pela opinião pública Um dos mais relevantes mecanismos no combate à criminalização e da minoração dos índices de violência na cidade do Rio de Janeiro é o policiamento ostensivo (SÉRGIO, p. 15). Contudo, vale ressaltar que devido a omissão do Estado, organizações milicianas avocaram para si as tarefas inerentes à segurança pública. Insta salientar, também, que em épocas anteriores, a sociedade costumava confiar na estrutura das polícias, estipuladas na qualidade de serviços essenciais de um Estado Democrático de Direito. De um modo genérico, os agentes que são vinculados de maneira direta à seara da segurança pública detêm, enquanto atribuição, o aspecto coercitivo dos atos emanados pela Administração, simbolizando, assim, uma figura detentora de autoridade advinda dos poderes do Estado (LAZZARINI, 2003, p. 231). A determinação de um mandamento público passou a ser um dos mais relevantes obstáculos da modernidade, uma vez que o dia a dia da sociedade domiciliada no Rio de Janeiro apresenta um ceticismo considerável no que diz respeito às políticas estipuladas pelo Governo em relação à segurança pública. A referida inexistência de perspectiva se acentua paulatinamente. A violência alcançou índices altíssimos, que alarma a população, causando, assim, uma sensação coletiva de ausência de segurança. O temor é geral, tanto para os cidadãos, quanto para aqueles que integram os quadros das Polícias (GOULART, 2008). A afirmação acima tecida pode ser corroborada pela notícia de que policiais militares rejeitaram um pedido de recuperação de um carro roubado e encontrado em localidade próxima a um morro situado no bairro da Tijuca (GOULART, 2008). Perante este cenário de instabilidade, no qual os indivíduos temem andar pelas ruas, a sociedade se demonstra na qualidade de refém do Estado, que não cumpre o seu papel de prestar segurança pública à coletividade. Em outros termos, o cidadão se vê prisioneiro de atitudes de policiais corruptos que se envolvem com o narcotráfico, que cometem sequestros, homicídios, extorsões. Todavia, há que se frisar que existem os policiais que lutam por remuneração digna e melhores condições de trabalho. Por efeito do caos social em que a cidade do Rio de Janeiro se encontra, os próprios agentes públicos vinculados à segurança pública se tornam danosos aos direitos concedidos aos indivíduos.   (…) E nesse contexto observamos que a segurança pública do povo fica fragilizada e desprotegida, face aos sucessivos escândalos envolvendo justamente aqueles que deveriam manter a ordem, o respeito e a vida harmônica em sociedade (SANTOS, 2002, p. 20).   Após o surgimento das primeiras notícias de que certas organizações compostas por policiais procediam, com êxito, à expurgação do tráfico de drogas em determinadas comunidades do Rio de Janeiro, os cidadãos enobreceram esses ditos heróis de um poder estatal omisso.   Tarefa simples é a de verificar que a propagação e o descontrole do governo na luta contra a violência detêm, como alicerce, a inexistência estatal nos territórios mais carentes do estado do Rio de Janeiro. Várias são as atuações sociais que deveriam ser realizadas por intermédio de políticas públicas, mas que, em face da ausência do Estado, se tornaram a mais eficaz propaganda política dos candidatos apoiados pelos grupos milicianos. Em virtude da ampliação ideológica e territorial promovida por essas organizações, verifica-se um afronte direto à soberana estatal. Se o relevante empenho do Estado nessas favelas se restringia ao combate ao trafico de drogas, sendo esquecidas as políticas sociais relacionadas ao saneamento básico, saúde, transporte e educação, o advento de um poder paralelo, hábil a expurgar o tráfico de entorpecentes e incentivar os serviços básicos, acarretou uma ruptura na completude do poder estatal.   (…) Nessas regiões, o poder público entra apenas por meio da repressão, não há escolas, postos de saúde nem políticas sociais que absorvam a juventude. A lógica da Segurança Pública no Rio é a da ditadura, da busca de inimigos e a reafirmação da lógica de guerra, no sentido de derrotar o inimigo. É um cenário que enfraquece o poder público e faz com que a sua soberania seja absolutamente limitada (FREIXO, 2009).   Logo, os fatos se constituem em apenas uma genuinidade. Os grupos milicianos agem nos locais onde o Estado não existe. Entretanto, diversamente do que ocorre com o provimento gratuito que constitui garantias fundamentais do cidadão em um Estado Democrático de Direito, essas organizações procedem à cobrança de taxas pelo fornecimento dos serviços de cunho básico. O contexto social indica a presença de um ciclo vicioso. A inexistência do Estado em um dos territórios mais carentes estabelece o surgimento das milícias, que, perante uma brecha acarretada pela ausência de políticas públicas, oneram serviços tais quais: o de gás e luz, segurança e transporte. Assim sendo, o faturamento ocasionado pela prestação desses serviços é de, aproximadamente, R$ 256.000.000,00 (duzentos e cinqüenta e seis milhões de reais), lesando a economia estatal (FREIXO, 2009). Portanto, não é suficiente que a polícia desempenhe seu papel determinado pelos mandamentos constitucionais. É imprescindível que sejam elaborados e desenvolvidos projetos que procedam à inclusão social nesses âmbitos mais pobres e vitimados pela violência, reedificando o fundamento do Welfare State nos atuais tempos, os de globalização da economia estatal. Durante a inexistência de uma política efetiva de fomento à segurança, saúde e educação nas comunidades mais carentes do Rio de Janeiro, os cidadãos vitimados, bem como grande parte da população permanecerá sem a assistência estatal constitucionalmente prevista, dependendo da ação de grupos milicianos para tanto.   CONCLUSÃO O engajamento de agentes públicos, ativos ou não, na construção de grupos milicianos e na execução de delitos em desfavor da sociedade explicita a falência do Estado na luta contra a criminalidade, além de trazer à baila o debate na ausência de efetividade do direito constitucional no que tange à segurança pública. É sabido que a maior parte do entendimento doutrinário e jurisprudencial defendem que a segurança pública é dever genérico do Estado, eis que é inviável assegurar a tutela individual de todo indivíduo. Contudo, é necessário verificar que, diversamente do que defende o entendimento acima esposado, o direito à segurança pública é um mandamento consagrado pela Constituição Cidadã, razão pela qual deve receber máxima efetividade. A teoria do contratualismo social legitima a gênese do Estado e explicita, em termos genéricos, que o cidadão renuncia a parcela de sua individualidade com o fito de que a tutela de sua integridade física e de seu patrimônio se conservasse no poder estatal. É manifesta e vergonhosa a omissão estatal no que tange ao combate à violência. Grupos violentos agiram nas searas mais carentes do Rio de Janeiro, procedendo à prática de diversos delitos em prejuízo da comunidade local. A alienação de serviços básicos intrínsecos à atividade do Estado viabilizou aos grupos milicianos rendimentos mensais milionários e explicitou o poder econômico que conquistaram em razão da inexistência estatal nas referidas localidades. Não existe razão para que o Estado não aja. Não existem motivos para a omissão do Estado no combate aos grupos violentos. Apesar disso, o que se depreende, comumente, é que o Estado detinha os meios para agir, mas se absteve de fazê-lo. Consequentemente, nessas ocasiões em que existem repetidas omissões advindas do Estado, ainda que notoriamente midiatizadas, verificadas e devidamente atestadas, é imprescindível o crucial reconhecimento da falência do Estado e da gênese de um estado paralelo. Por fim, é imprescindível que o Estado aja em todas as searas de políticas públicas e sociais com o intuito de retomar a confiança da sociedade e, assim, proceder ao fornecimento da segurança pública, dever constitucionalmente previsto. da responsabilidade civil objetiva do Estado por omissão específica.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-fim-do-estado-as-organizacoes-criminosas-nas-comunidades-cariocas-como-instrumento-de-aprimorar-o-exercicio-publico/
Licitações Para Microempresas E Empresas De Pequeno Porte
Propõe-se neste artigo abranger aspectos teóricos e práticos com fulcro nos ditames legais do estatuto nacional das licitações para microempresas e empresas de pequeno porte, além de demonstrar os benefícios gerados para o desenvolvimento econômico nacional, a inclusão social de pessoas no mercado de trabalho e a geração de novos empregos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A ideia de elaborar esta pesquisa surgiu pelo fato de no período dos anos 2008 a 2016 eu ter tido a experiência de participar como sócio proprietário de uma Microempresa que atuava no ramo da Engenharia e Construção Civil no Estado do Amazonas. Foram anos de muito trabalho e dedicação intensa para conseguir um lugar ao sol, participando de diversas licitações públicas nas 3 esferas, executando alguns contratos com a Administração Pública e diariamente se envolvendo com as questões da seara do Direito Administrativo. Logo, adquiri gosto por essa área e em seguida prestei concurso público para o cargo de Analista Técnico de Controle Externo – Auditoria de Obras Públicas do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, tomei posse no cargo em 2016 e me desvinculei da Microempresa da qual eu participava como um dos sócios. Entretanto, à época, observei a participação em massa das Microempresas nos processos licitatórios, o importante incentivo do governo fomentando políticas públicas trazendo benefícios para as ME/EPP e o relevante espaço dessa classe empresarial ocupado no mercado de trabalho, gerando mais empregos e desenvolvimento da economia nacional. O objetivo deste artigo visa traçar um panorama atualizado do cenário em que se encontram as microempresas e empresas de pequeno porte no Brasil, frisando a importância do cultivo das políticas públicas em prol dessa categoria e delinear quais as consequências para o país no caso de descumprimento ou descontinuidade do estatuto das ME/EPP. Como metodologia, utilizou-se de pesquisas em sites especializados com o teor em epígrafe, livros de autores renomados da indústria literária nacional, publicações e artigos. Os recursos metodológicos aplicados foram entrevistas e preenchimento de questionários com microempresários locais da região norte do país. Os métodos para análise do conteúdo abordado, no caso Licitações para Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, foram leitura, triagem e aproveitamento das questões de maior relevância estabelecidas no estatuto das ME/EPP. No presente artigo foi desenvolvido um estudo científico abordando temas de maior relevância e os principais benefícios oferecidos as ME/EPP determinados na LC 123/2006 e LC 147/2014, dividido em seções esmiuçando como funciona na prática a interpretação do estatuto que rege essa classe empresarial.   Nos últimos tempos no Brasil, observou-se o aumento do número de abertura de empresas privadas nas Juntas Comerciais Estaduais, fruto do despertar de um grupo expressivo de pessoas com espírito empreendedor almejando ter o seu próprio negócio, crescendo profissionalmente e financeiramente. Nessa esteira, surge a criação de novos empregos e mais oportunidades de trabalho para a classe operária que luta diariamente pela sobrevivência em todo o território nacional. O Governo Federal protagonizou um papel fundamental no reflexo de constituição de novas pessoas jurídicas nas Unidades Federativas do país, principalmente para a classe proletária com o advento da Lei Complementar 123/2006. A LC nº. 123/06, surgiu da iniciativa do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e de empresários interessados em consolidar um projeto, que realmente conseguisse suprir a real necessidade das ME e EPP. A LC nº. 123/06 veio regulamentar um benefício concedido pela Constituição Federal de 1988, garantido as ME e EPP o direito constitucional do tratamento diferenciado, favorecido e simplificado referente à apuração e recolhimento de impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime jurídico único de arrecadação, obrigações acessórias, obrigações trabalhistas, previdenciárias, acesso a crédito e ao mercado, à tecnologia, ao associativismo e as regras de inclusão. De acordo com o artigo 3º. da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, é considerada Microempresa a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 do Código Civil, devidamente registrados, que possuam receita bruta anual máxima de até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); já a Empresa de Pequeno Porte é a que, nas mesmas condições acima, possua receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e no máximo igual a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais), ou seja, o Estatuto redefiniu as regras aplicáveis às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, estabelecendo como principal critério de enquadramento a receita anual das empresas. O legislador buscou atender a previsão da Constituição da República de 1988, a qual assegurou o tratamento diferenciado e favorecido às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (artigos 170, IX e 179), no intuito de impulsionar a atuação das pequenas empresas no mercado. Desta forma, o novo Estatuto mergulhou na esfera do direito administrativo, sobretudo por promover uma série de alterações nas regras gerais das licitações públicas. O direito administrativo está alicerçado em princípios basilares que sistematizam todo o funcionamento da Administração Pública. É fundamental que a sociedade esteja atenta aos ditames legais introduzidos, haja vista significar a gestão administrativa dos recursos públicos arrecadados através dos impostos governamentais. Nos certames realizados em todo o território nacional, as Licitações para Microempresas – ME e Empresas de Pequeno Porte – EPP fazem parte do cotidiano. As ME e EPP são responsáveis por cerca de 51% dos empregos formais no país, e ainda 25% do PIB. Em 2014, 39% dos pregões eletrônicos foram adjudicados a ME e EPP. Em 2015, 94% dos itens licitados no COMPRASNET estiveram na faixa de até R$80.000,00, destes, 41% foram exclusivos para ME e EPP, e cerca de 60% dos fornecedores do SICAF são ME/EPP. Ao longo dos 11 (onze) anos de vigência da Lei das ME e EPP, constatou-se que as referidas são quase que unanimidade no Brasil. Os próprios órgãos de pesquisa já apontam para a atual conjuntura de expansão dessa classe empresarial, conforme colocado por CORTIZO: “As microempresas representam 99% das empresas do país e são responsáveis por 51% de todos empregos existentes. Os dados são do Ranking Municipal do Empreendedorismo no Brasil, elaborado com base no Censo pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgado nesta terça-feira (7), juntamente com o Boletim Radar nº 25.” Para cada emprego gerado através de uma grande empresa em 2016, uma micro ou pequena empresa gerou um e meio. Precisamente, as menores geraram 9,03 milhões de vagas, quase 60% a mais do que as 5,7 milhões de contratações realizadas pelas maiores. Além da maioria das empresas serem de pequeno porte, quanto menor o tamanho, menor é a capacitação profissional exigida no momento da contratação. Este levantamento foi realizado pelo Sebrae a partir do cruzamento de dados do Ministério do Trabalho e emprego (ARIADNE, 2017). O trabalho desempenhado pelas ME e EPP são de suma importância e promissor para o país, como por exemplo: desenvolvimento econômico, geração de emprego e renda, eliminação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais. O mercado interno fica fortalecimento, aflorando a competição entre os licitantes, entretanto, é necessário primar pela isonomia, tratar iguais como iguais e diferentes como diferentes. Quando da criação de normas que favoreçam determinado público da sociedade o legislador almeja reduzir uma desigualdade preexistente, de maneira a equacionar o princípio da isonomia na medida da desigualdade indispensável à satisfação eficiente do interesse público. A isonomia entre os concorrentes de um certame licitatório admite o tratamento diferenciado entre desiguais para a determinação da real extensão de seu universo, ou seja, o legislador, ao estabelecer um tratamento diferenciado e privilegiando as ME e as EPP, não afeta a isonomia, o direito das demais empresas e pessoas à igualdade. O legislador, contrariamente, atende ao princípio da isonomia, porquanto ele prestigia quem a própria Constituição Federal estabeleceu que merece ser salvaguardado. Desta forma o estado põe em prática uma nova política, através do uso do poder de compra, adquirindo produtos e serviços de segmentos estratégicos e relevantes para o desenvolvimento econômico e social sustentável, traçando assim um novo paradigma: eficiência e do uso do poder de compra do estado.   1.1 AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI COMPLEMENTAR 123/2006 NOS PROCESSOS LICITATÓRIOS A LC nº 123/06 estabeleceu diversas mudanças nos processos licitatórios, dentre eles a possibilidade das ME e EPP apresentarem seus documentos a respeito da regularidade fiscal apenas na assinatura do contrato. O art. 42 da LC nº 123/06 estabelece que: “Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fiscal das microempresas e empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato.” Percebe-se o que diz SANTOS: “Regularidade Fiscal é a condição jurídica-fisco-tributária do contribuinte decorrente do cumprimento efetivo das obrigações tributárias, principais ou acessórias, impostas pela lei, ou da submissão da obrigação reputada descumprida pela Administração ao Poder Judiciário”. Nesta mesma seara dispõe Irene NOHARA: “A regularidade com a seguridade social é exigência constitucional uma vez que o art , 195, § 3º, do Texto Maior dispõe que: “a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios”. Destarte, é necessária à demonstração da regularidade fiscal, de forma a cumprir com o determinado pelo art. 29 da Lei nº 8.666/93, mesmo que seja apresentada de forma maculada, não terá a ME e EPP como consequência a inabilitação no certame, isso porque a LC nº 123/06, lhe dar um amparo legal. Visto que, a LC nº 123/06, facultou as ME e EPP a possibilidade de apresentarem a documentação acerca da regularidade fiscal com algumas restrições, podendo as referidas posteriormente se regularizarem para poderem celebrar a assinatura do contrato. Contudo, esta autorização não poderá ser motivo para a ME ou EPP deixarem de apresentar determinado documento. Descumprindo o determinado pela Administração Pública, ficarão a ME e EPP impossibilitadas de assinarem o contrato, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei nº 8.666/93, podendo a Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do instrumento contratual ou revogar a licitação. O art. 43, da LC nº 123/06, diz a seguinte redação: “Art. 43. As microempresas e as empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista, mesmo que esta apresente alguma restrição (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016). No que tange a questão de empate de preços ofertados por licitantes na ocasião dos certames, à luz do art. 44 da LC 123/2006 diz o seguinte: “Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. Logo, este dispositivo oferece o privilégio as ME e EPP de cobrir a oferta da empresa não enquadrada na lei, porém com o menor preço apresentado. Não obstante, é facultativo as ME/EPP usufrui de tal benefício se assim desejar. A não regularização da documentação, no prazo especificado implicará decadência do direito à contratação (perda do direito em si por não ter sido exercido num período de tempo razoável), sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei 8.666/1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação. Não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do art. 45 da LC 123/2006, poderá à Administração a seu critério, convocar as empresas remanescentes que porventura se enquadrarem na hipótese dos §§ 1º e 2º do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito. Quando do empate de propostas de preços apresentadas por ocasião de ME e EPP, deverá ser realizado sorteio para definição de qual poderá ofertar a melhor proposta para a Administração, com arrimo no art. 44 da LC 123/2006. Por circunstância licitatória for à modalidade pregão (Lei Federal 10.520/2002), a ME/EPP com melhor condição de classificação, terá a oportunidade de apresentar uma nova proposta no prazo limite de 5 minutos após o término da fase de lances.   1.2 OS BENEFÍCIOS DE GRANDE RELEVÂNCIA OFERECIDOS AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS DETERMINADOS PELA LEI COMPLEMENTAR 123/2006. A Lei Complementar nº. 123/2006 estabeleceu na Seção Única, do seu Capítulo V (“Do Acesso aos Mercados”), intitulada “Das aquisições públicas” (arts. 42 e seguintes), condições favorecidas às micro e pequenas empresas para contratações com a Administração Pública, por intermédio de licitações públicas. Sinteticamente, são elas: Quanto às prerrogativas acima elencadas, pode-se depreender uma série de constatações acerca dos objetivos alcançados pela Lei Complementar nº. 123/2006. Primeiramente, para regularização da documentação fiscal exigida, a pequena empresa disporá do exíguo prazo de 5 (cinco) dias úteis, podendo ser prorrogado por igual período. A escassez de tal prazo não reflete morosidade da Administração Tributária enfrentada pelo empresário para a obtenção da certidão de regularidade fiscal, exigida na licitação. Deve-se atentar que os recursos informatizados para obtenção da certidão estão disponíveis apenas para os contribuintes que não possuem restrições fiscais, os quais serão naturalmente habilitados na licitação. Já as pequenas empresas que possuírem restrições fiscais, necessariamente precisarão comparecer perante a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal para regularização da situação, o que notavelmente é um dos benefícios oferecidos as ME e EPP no decorrer dos certames licitatórios.   1.3 INAPLICABILIDADE DOS BENEFÍCIOS DETERMINADOS NOS ARTIGOS 47 E 48 DA LEI COMPLEMENTAR Nº. 123/2006 O Art. 49 da LC 123/2006, disciplina os casos de não aplicação dos benefícios à luz dos Art. 47 e 48 às ME e EPP. É necessário que ao final da negociação entre o licitante e a Administração no que tange o processo licitatório, seja sobretudo vantajosa à Administração, conforme estabelecido no inciso III do artigo 49 e a participação de no mínimo 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados no mercado local ou regionalmente, capazes de cumprir as exigências editalícias. Todavia, é enorme a dificuldade de mensuração do número de empresas existentes que sejam competitivas e sediadas regionalmente. Seria de grande valia se a Administração Pública criasse um mecanismo de busca, por segmento de mercado, que identificasse as empresas pelo porte. Enquanto não há o sistema, os servidores públicos realizam consultas às Juntas Comerciais, que não têm o registro de todas as pessoas jurídicas que de fato atual nos mercados locais. Salienta-se que as atas de registro de preços publicadas nos diários oficiais se tornaram uma ferramenta importe na busca dessa valiosa informação.   2. O DESPONTAMENTO DA LEI COMPLEMENTAR 147/2014 Em 7 de agosto de 2014, foi sancionada a Lei Complementar nº. 147/2014, vigorando desde 1º de janeiro de 2015. O referido dispositivo trata da atualização da Lei Complementar nº. 123/2006. As alterações trazidas com a Lei Complementar nº 147/2014 visam a fomentar o crescimento das micro e pequenas empresas, conforme disposto em seu art. 47, objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas. Com o advento da Lei Complementar nº. 147/2014, criou-se a licitação exclusiva para ME e EPP. Nas licitações públicas cujo o valor seja de até R$80.000,00, deverá a Administração Pública realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte. Anteriormente, era facultativo ao ente responsável pela licitação limitar exclusividade as ME e EPP. Nas licitações para aquisição de bens divisíveis, a subcontratação passou a ser facultativa e sem limite de percentual, ampliando assim as oportunidades de geração de novos empregos. A estipulação de percentual para subcontratação deve ser precedida de avaliação da própria Administração, a fim de não inviabilizar a execução das obras e serviços. Se faz necessário que a Administração analise detalhadamente o objeto, identificando as parcelas que podem ser subcontratadas e, principalmente, identificando se no mercado local há pequenas empresas aptas a executar os contratos. Importa ressaltar que é de bom grado evitar a subcontratação de parcelas relevantes ou de valor significativo, para as quais se exigiu qualificação técnica na licitação. Acerca disso, o Tribunal de Contas da União – TCU[3], se manifestou da seguinte forma: “9.8. determinar ao (…) que: 9.8.1. não inclua, em seu edital padrão, cláusula que permita subcontratação do principal do objeto, entendido este como o conjunto de itens para os quais, como requisito de habilitação técnico-operacional, foi exigida apresentação de atestados que comprovassem execução de serviço com características semelhantes.” Outro fator novo contido na Lei Complementar nº. 147/2014 é a possibilidade de aplicação de margem de preferência para ME e EPP sediadas local ou regionalmente. De acordo com o § 3º do Art. 48: “§3º Os benefícios referidos no caput deste artigo poderão, justificadamente, estabelecer a prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido.” Com fulcro nos novos ditames legais, poderá um Município, por exemplo, estabelecer que as ME e EPP ali sediadas tenham preferência de contratação, ainda que estejam com preços superiores aos concorrentes, em até 10%. Este é o percentual máximo admitido, não obstante pode ser menor.   2.1 ALTERAÇÕES NO ESTATUTO DAS ME/EPP OCORRIDAS NOS ÚLTIMOS ANOS Importa ressaltar que acerca de regularização de restrição na comprovação da regularidade fiscal e trabalhista, o prazo que era de 2 (dois) dias, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa à luz do art. 43, da LC nº 123/06, foi alterado e dilatado para 5 (cinco) dias com arrimo no art. 43, Das Aquisições Públicas, Seção I, do Acesso aos Mercados, CAPÍTULO V da LC147/2014. Outra relevante alteração na forma da lei, ocorreu no inciso II, art. 3º, CAPÍTULO II, DA DEFINIÇÃO DE MICROEMPRESA E DE EMPRESA DE PEQUENO PORTE, da LC 123/2006, que diz a seguinte redação: “II – no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais)”. Até 31.12.2017, EPP era aquela empresa que auferia, em cada ano-calendário, receita bruta anual superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). A partir de 01.01.2018, o limite de receita bruta da EPP passou a ser igual a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). A alteração sobredita ocorreu mediante a Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016 (art. 1º), mais um benefício trazido a esta classe empresarial.   CONCLUSÃO Em face do exposto, conclui-se que o presente artigo com a crença de que tanto o objetivo geral quanto o específico foram atendidos, bem como a problemática de pesquisa foi solucionada. Contudo, o assunto não fora esgotado, fora dado mais um passo importante para o impulso de conhecimento e estímulo acerca do aprofundamento no tema, que pode ser feito em estudos posteriores e que visem comprovar ou complementar as constatações obtidas até o momento. O conhecimento histórico adquirido com este artigo possibilita enxergar que é necessário o governo federal manter as políticas públicas acerca dos benefícios e vantagens oferecidas as ME e EPP, para que a economia e o desenvolvimento sustentável mantenham-se em crescente evolução, gerando mais empregos e inclusão social. Outro fator de relevância a se frisar, é a melhoria de competitividade entre as empresas de grande porte e as ME/EPP, ponderando e oportunizando as segundas conquistarem espaço no mercado de trabalho, contribuindo para a evolução do país e proporcionando ao governo contratar com preços mais vantajosos para a Administração Pública. Esta pesquisa, na prática, pode ser utilizada por profissionais que atuam participando de licitações públicas no cotidiano e ainda pelo corpo discente abrangente no país que tenha interesse em aprimorar seus conhecimentos teóricos e práticos no que tange as licitações para ME e EPP, devido o referido apresentar de forma singela e pragmática a interpretação do estatuto dessa categoria.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/licitacoes-para-microempresas-e-empresas-de-pequeno-porte/
A violação do princípio da moralidade como fundamento para condenação na ação de improbidade administrativa na Teoria dos Princípios de Humberto Ávila x Neoconstitucionalismo
O presente artigo se propõe a analisar o fundamento teórico das condenações por ato de improbidade administrativa por violação a princípio da moralidade administrativa, nos termos do art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92, através utilizando a sistematização para a interpretação dos princípios proposta por Humberto Ávila e, após buscará se verificar se a proposta do professor Humberto Ávila consegue assegurar uma interpretação objetiva ao princípio da moralidade que garanta a observância da segurança jurídica, bem como dos princípios do contraditório e ampla defesa e, após, confrontar com as posições trazidas pelos neoconstitucionalismo sobre o tema. Para tanto, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos e dissertações que tratam do mesmo tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988 trouxe um leque de direitos e garantias ao cidadão, além do conceder uma maior autonomia e poder às instituições responsáveis pela consolidação e defesa do regime democrático, a exemplo do que ocorreu com Ministério Público. Nesse contexto, com a mudança do paradigma do Estado de Direito para o Estado Democrático do Direito, a sanção mais efetiva pela prática de atos de improbidade administrativa surge como uma imposição da sociedade, isso porque o princípio da moralidade passou a ocupar uma posição de relevância na defesa da honestidade no exercício da função pública como forma de reaver a credibilidade da sociedade nas instituições, razão pela qual a probidade administrativa passou a ser pressuposto da boa gestão pública, respeitando os direitos fundamentais e o zelo pelo bem-estar coletivo. No entanto, em razão das condenações pela prática de atos de improbidade administrativa elencadas no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 ter como um dos seus pilares o princípio da moralidade, princípio com uma carga extremamente subjetiva, é necessária a atuação do intérprete a fim de buscar a delimitação objetiva e clara do referido princípio. Dessa forma, é fundamental analisar a interpretação do princípio da moralidade de acordo com a sintetização para a interpretação dos princípios construída por Humberto Ávila a fim de verificar se assegura uma interpretação mais objetiva ao princípio da moralidade.   O princípio da moralidade, no direito administrativo, foi concebido na França quando Maurice Hauriou desenvolveu deu os princípios passos no desenvolvimento do princípio da moralidade como desvio de poder com a finalidade de possibilitar que o Conselho de Estado realizasse o controle dos atos administrativos discricionários. Desde então o princípio da moralidade passou por diversas construções e interpretações de acordo com o sistema jurídico adotado em cada país. No Brasil, o princípio da moralidade administrativa foi incorporado legalmente como forma de combate ao desvio de poder nos moldes acima mencionados em 1965 com a sanção da Lei n. 4.7617/65 – Ação Popular. Nesse diapasão, têm-se que a moralidade administrativa, segundo José Guilherme Giacomazzi (GIACOMAZZI, 2002, p. 293) possui dois aspectos: o aspecto objetivo, representado pela boa-fé e o aspecto subjetivo, traduzido através do dever de probidade que não tem conteúdo. Segundo Márcio Cammarosano em artigo intitulado “Moralidade Administrativa” (DALLARI, 29013, p. 257), publicado em uma coletânea de direito administrativo, além da sua previsão no “caput” do art. 37, da Constituição Federal, o princípio da moralidade também foi reforçado no art. 5º, LXXIII, o qual prevê a possibilidade de qualquer cidadão ingressar com ação popular em caso da prática de ato administrativo que ofensa à moralidade administrativa. Nesse sentido, é possível verificar a importância que a moralidade administrativa alcançou em nosso sistema jurídico, quer seja, como conteúdo da boa-fé, quer seja como forma de auferir a probidade administrativa e limitar eventuais abusos dos agentes públicos. No entanto, alguns autores, a exemplo de Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, 2017, p. 214), sustentem a existência de um alto grau de subjetividade e indeterminação do conceito de moralidade administrativa na atualidade e, em consequência, a dificuldade de sancionar as condutas tidas como imorais, pois se trata de um conceito jurídico indeterminado.   Conforma anteriormente mencionado, os atos de improbidade administrativa em razão da violação a princípios, previstos no art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92 são classificados como atos de improbidade em sentido estrito, isso porque não trazem em seu bojo consequência patrimonial lesiva direta ao erário. Assim, para que se concretize é necessário apenas que a conduta praticada pelo agente deixe de observar princípio constitucional administrativo, intencionalmente, ou seja, que o referido agente aja impulsionado pela má-fé, consciente do descumprimento do dever insculpido no art. 4º, da Lei n.º 8.429/92. No mesmo sentido, ocorre nos casos em que o agente deixa de observar quaisquer dos demais princípios administrativos constitucionais, agindo de má-fé e conscientemente, uma vez que tais princípios se consubstanciam como pilares da Administração Pública, motivo pelo qual deixar de cumpri-lo causa desequilíbrio no seu funcionamento e, em consequência, prejuízo, ainda que somente moral, à coletividade. Dessa forma, em razão destes motivos o legislador penalizou a prática de condutas dos agentes que atentem contra os princípios constitucionais administrativos, caracterizando-as como atos de improbidade administrativa, no entanto de forma aberta e subjetiva sem trazê-las de forma mais detalhada e discriminada, fazendo menção de forma genérica aos princípios constitucionais administrativos, elencando apenas algumas condutas de forma exemplificativa.   3.1. A teoria dos princípios de Humberto Ávila Humberto Ávila define princípios como “normas finalísticas que exigem a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização” (ÁVILA, 2018, p. 52), razão pela qual defende a necessidade de se realizar a delimitação da sua finalidade tomando-se como ponto de partida a  leitura da Constituição Federal, relacionando, em seguida, seus dispositivos em função dos princípios fundamentais, para então, em um último momento, analisar as normas constitucionais a fim de buscar diminuir a vagueza dos seus fins e, com isso, delimitar seu âmbito de atuação de uma forma mais precisa. Humberto Ávila sustenta ainda que é necessário analisar casos paradigmáticos a fim de chegar a uma maior clareza na delimitação dos princípios, a qual deve ser realizada de forma minuciosa e comparativa para se obter resultados mais precisos, explicando então o conceito de casos paradigmáticos.¹ Compreendidos os critérios acima definidos, podemos verificar que para a aplicação de um princípio é necessário definir seus objetivos e a partir de então, após a observação de casos práticos, delimitar, seu âmbito de atuação, o que, por conseguinte, diminui seu grau de abstração ou, nas palavras de Humberto Ávila, seu grau de vagueza, trazendo exemplo nesse sentido.² Em continuidade ao seu raciocínio, o autor demonstra a necessidade de se delimitar os bens jurídicos que integram o estado ideal das coisas que caracterizam o conceito de princípio e os respectivos comportamentos a serem adotados para sua efetivação concluindo que, concretamente, tais etapas significam analisar a existência de critérios que permitam estabelecer as condutas necessárias para a efetivação do princípio e, em seguida, expor e fundamentar os referidos critérios. Delimitado o campo de atuação dos princípios, o próximo passo seria analisar o âmbito de alcance de sua eficácia, tendo em vista que sua função integrativa autoriza a agregação de decisões não previstas, inicialmente, em subprincípios ou normas. Assim, o autor conclui que a “defectibilidade” não é o elemento que define o princípio, mas apenas um dos seus elementos contingentes, uma vez os princípios, ao contrário do defendido por doutrinadores neoconstitucionalistas, como veremos adiante, após a realização de sua delimitação criteriosa, passam a ter um sentido mais restrito que possibilita sua aplicação mais objetiva. Explanadas as diretrizes gerais sobre o conceito, caracterização e aplicação dos princípios, Humberto Ávila traz um exemplo acerca desta sistematização utilizando o princípio da moralidade.³ A análise da metodologia acima explicitada busca definir um âmbito de aplicação mais objetivo de um princípio e se mostra importante para evitar que sua aplicação ocorra de forma subjetiva e demasiadamente ampliada, pois conforme comenta o próprio Humberto Ávila a doutrina constitucional vive, hoje, a euforia do que se convencionou chamara de Estado Principiológico”, (ÁVILA, 2018, p. 85) o que traz “exageros e problemas ” (ÁVILA, 2018, p. 85), razão pela qual a atividade do intérprete é complexa e deve ser minuciosa, pois “não consiste em meramente descrever o significado previamente existente dos dispositivos”, mas sua atividade consiste em “construir esses significados” (ÁVILA, 2018, p. 85)¹³. Concluída a exposição acima, passamos então a analisar a interpretação que deve ser dispensada ao princípio da moralidade no momento da sua aplicação como base para condenações por ato de improbidade administrativa com fundamento do art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92 (violação a princípios). O “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 estabelece que é considerado ato de improbidade administrativa a conduta que atente contra os princípios da Administração Pública e venha a ocasionar violação dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, entre outros. Nesse sentido, podemos então verificar que para a configuração dessa modalidade de ato de improbidade administrativa é necessária a caracterização da violação do princípio, observando critérios objetivos que afastem, ou pelo menos diminuam, sua vagueza e permitam a individualização das condutas praticadas e, por conseguinte, o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa. Dentro do rol de princípios explícitos da Administração Pública enumerados no art. 37 da Constituição Federal podemos observar que um dos princípios que traz uma grande carga de subjetividade é o princípio da moralidade, isso porque engloba a análise e ponderação de valores, motivo pelo qual se mostra ainda maior a necessidade de delimitação de sua atuação, seu alcance e sua eficácia a fim de evitar o alargamento excessivo de seu conceito e, em consequência, da sua utilização, imputando-se a condutas meramente irregulares a classificação de ímprobas. Isso porque a moralidade administrativa não é apenas um princípio, mas também um valor socialmente definido, pertencente à coletividade de forma indivisível e indeterminada, sendo considerada como um dos efeitos da aplicação da boa-fé, pois pune o agente público que age com desonestidade, violando o princípio da boa-fé. Em razão dos motivos acima explicitados, faz-se necessária analisar se a utilização dos métodos para delimitação e significação dos princípios trazida por Humberto Ávila contribuem para uma maior objetivação do princípio da moralidade quando utilizado como fundamento para condenações por atos de improbidade administrativa. Para tanto, o autor acima mencionado primeiramente estabelece os valores fundamentais a serem considerados como deveres que devem ser observados no exercício da atividade administrativa, os quais somente podem ser restringidos em caso de existência de justificativa, a exemplo dos princípios da igualdade e dignidade. Em sequência, procura estabelecer um modo objetivo e impessoal de atuação administrativa fundado nos princípios do Estado de Direito, Separação dos Poderes, Legalidade e Impessoalidade, o qual privilegia a prática de atos juridicamente fundamentados, afastando o exercício da arbitrariedade. Em um terceiro momento cria procedimentos de defesa dos direitos do cidadão, os quais têm como finalidade possibilitar a anulação de atos administrativos que não observem os padrões de conduta mencionados no parágrafo anterior, podendo citarmos como alguns desses procedimentos a proibição de utilização de provas ilícitas, a utilização de ações constitucionais como forma de controle da atividade administrativa, a exemplo do mandado de segurança e da ação popular, entre outras. Uma quarta etapa da sistematização trazida por Humberto Ávila diz respeito ao estabelecimento de requisitos para o ingresso em órgãos públicos, a exemplo do concurso público, critérios para ocupação de vagas em tribunais, as restrições trazidas pela lei eleitoral para se concorrer a cargos eletivos, configurando-se como medidas que demonstram a necessidade de idoneidade moral para o exercício de funções públicas, além de privilegiar o princípio da igualdade. Por fim, em uma última etapa, dentro da sistematização proposta, a Constituição Federal prevê ainda a existência de mecanismos de controle da atividade administrativa, a exemplo da atividade do Tribunal de Contas. Após a sistematização acima descrita, Humberto Ávila conclui no sentido de que a Constituição Federal estabeleceu padrões de conduta objetivos e rigorosos para o ingresso na Administração Pública e para o exercício na função pública, razão pela qual, observados os passos acima explicitados, os atos praticados poderão ser revistos por meio de mecanismos de controle interno e externo, a exemplo da atuação dos Tribunais de Contas e do manejo de ações constitucionais. Estabelecidos e seguidos os padrões de conduta delimitados por Humberto Ávila, através da análise de dispositivos constitucionais que estabelecem os referidos padrões de conduta, é possível então delimitar mais objetivamente as hipóteses de sua violação, como concluiu o autor.5 Finalizada a análise acerca da sistematização proposta por Humberto Ávila para a delimitação dos princípios, podemos então constatar que há formas de se buscar verificar a ofensa ao princípio da moralidade como ato de improbidade administrativa de forma mais objetiva, extraindo-se a vagueza do seu significado, viabilizando, dessa forma, que os processos observem, substancialmente, o devido processo legal, uma vez que garantirá o efetivo exercício do contraditório e ampla defesa. Nesse diapasão, utilizando a sistematização acima mencionada, é possível concluir que no momento de imputação de um ato de improbidade administrativa a um agente público por violação ao princípio da moralidade se ser observado se foram analisados os padrões de conduta estabelecidos na Constituição Federal de forma objetiva a fim de evitar que tais imputações derivem de valores subjetivos do seu intérprete.   Isso porque o princípio da moralidade embora não esteja subordinado ao princípio da legalidade, deve observância ao princípio da juridicidade, os limites jurídicos da razoabilidade, finalidade e boa-fé, ou seja, para que reste caracterizada a violação ao princípio da moralidade se faz necessário que ocorra também uma efetiva lesão àquele princípio. Assim, cabe ao autor da ação civil pública por ato de improbidade administrativa pela prática de ato que viole o princípio da moralidade administrativa realizar a individualização das condutas de modo objetivo procurando extrair o máximo possível da vagueza do princípio em comento buscando trazer critérios mais objetivos para sua delimitação a partir da leitura dos dispositivos constitucionais que servem como parâmetros e fundamento para sua caracterização. Nesse sentido, a utilização dos critérios de sistematização trazidos por Humberto Ávila já explicitados se mostra muito importante e útil à realização da tarefa do jurista acima mencionada, posto que possibilita, de forma mais objetiva, a delimitação do princípio.   3.2. A interpretação neoconstitucionalista dos princípios Os defensores do neoconstitucionalismo buscam seu fundamento no pensamento de juristas de posições diversas, a exemplo de Ronald Dworkin, Robert Alexy, Peter Häberle, Luigi Ferrajoli, entre outros. No entanto, da análise da obra dos autores acima referidos é possível observar que o neoconstitucionalismo se vale de posições jusfilosóficas de pensamentos diferentes, às vezes até opostos, uma vez que existem positivistas e não positivistas defensores da necessidade da utilização das técnicas trazidas pelo neoconstitucionalismo na interpretação e aplicação do Direito, razão pela qual sua definição é complexa, tanto que Miguel Carbonell defende que não exista um único conceito de neoconstitucionalismo.6 Ainda nesse sentido o neoconstitucionalismo apenas reflete o desenvolvimento do constitucionalismo a partir do fim do século XVIII, sem que tenha ocorrido de fato uma inovação na teoria do constitucionalismo. Os neoconstitucionalistas admitem a diferenciação entre normas e princípios, ainda que entre eles haja divergência entre a modalidade de distinção, fraca (para a maioria deles) ou forte, para Robert Alexy. Para este, os princípios são valores positivados, integrando, dessa forma, o sistema normativo, diferenciando-se dos valores apenas pelo plano no qual se encontram, estando os valores no plano axiológico e os princípios no plano dêontico, razão pela qual as características dos valores podem ser estendidas aos princípios, pois ambos são relativos. Assim, para os neoconstitucionalistas existem normas constitucionais que determinam que os valores sejam cumpridos na maior medida possível, razão pela qual, segundo eles, as disposições normativas não se fundamentam somente na vontade do intérprete do direito, mas no intuito de buscar realizar ao máximo esses valores. Dessa forma, o neoconstitucionalismo defende uma interpretação mais alargada dos princípios através da utilização de valores. Nesse sentido Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2019, p. 305) defende que a característica da flexibilidade dos princípios possibilita que seja realizada a justiça no caso concreto. Na mesma linha de raciocínio, os neoconstitucionalistas sustentam ainda que os princípios constitucionais fundamentais possuem uma maior importância e um maior grau de abstração, razão pela qual há uma maior flexibilidade na sua interpretação, o que permite abranger um número maior de situações concretas. Para tanto, na interpretação dos princípios devem ser levados em consideração os valores, a fim de otimizar a utilização dos princípios nos casos concretos, cabendo ao intérprete, nas palavras de Luís Roberto Barroso (BARROSO, 2019, p. 307), sua valoração subjetiva. Pelas ideias acima expostas, podemos observar que as técnicas utilizadas pelos neoconstitucionalistas para a interpretação dos princípios traz uma grande carga subjetiva, tendo em vista que é fortemente influenciada por valores, os quais são relativos, já que variam de intérprete para intérprete e, ainda que defendam que o referido intérprete não teria liberdade já deve buscar maximizar a efetivação dos valores e princípios, não há como refutar a constatação de que tal análise é subjetiva. Nesse sentido, a interpretação dada, na teoria neoconstitucionalista aos princípios, possui um maior grau de subjetividade e, por conseguinte, uma maior insegurança na sua aplicação, já que não traz critérios claros e objetivos para sua caracterização e delimitação. Assim, quando os neoconstitucionalistas interpretam o princípio da moralidade não tomam como parâmetros apenas os dispositivos constitucionais que o fundamentam, a exemplo do princípio da igualdade, ingresso no serviço público mediante concurso público, consequência dos princípios da impessoalidade e da eficiência, entre outros, como forma de se chegar a uma delimitação mais objetiva, mas acrescentam à referida interpretação os valores, os quais variam de acordo com cada intérprete. Nesse sentido, é possível observar que a delimitação do princípio da moralidade conforme a interpretação proposta pelos neoconstitucionalistas embute um alto grau de vagueza e indefinição ao seu conceito e, em consequência, na própria caracterização e individualização do ato de improbidade administrativa por violação do referido princípio, isso porque não usa como parâmetros unicamente critérios objetivos, mas acrescenta um juízo de valor, o qual vem acompanhado de uma carga de subjetividade e discricionariedade, pois será influenciado pela formação do intérprete. Dessa forma, a partir da análise do método de interpretação dos princípios proposta pelos neoconstitucionalistas podemos observar que os critérios por eles criados não se mostram suficientes a proporcionar uma interpretação clara e objetiva dos princípios, na qual possa se delimitar claramente seu âmbito de abrangência, uma vez que os valores utilizados na interpretação são relativos.   CONCLUSÃO A interpretação dada ao princípio da moralidade para caracterização da prática de ato de improbidade administrativa por sua violação exige a delimitação clara de critérios objetivos fundamentos em dispositivos constitucionais a fim de possibilitar aos réus sobre os quais recai a referida imputação o exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa. Dessa forma, após a análise da sistematização do método de interpretação dos princípios proposta por Humberto Ávila, bem como dos métodos de interpretação defendidos pelos neoconstitucionalistas, podemos chegar a uma primeira conclusão no sentido de que a sistematização proposta por Humberto Ávila traz uma maior segurança no momento da configuração de uma violação ao princípio da moralidade como ato de improbidade administrativa fundamentado no art. 11, “caput” da Lei n.º 8.429/92, uma vez que estabelece critérios mais objetivos e claros, conforme se verifica pela análise do conceito de princípio trazido por Humberto Ávila.7 Tal constatação pode ser verificada pelo fato de que para a caracterização da violação ao princípio da moralidade é necessária a utilização de parâmetros objetivos, fundamentados em dispositivos constitucionais, sem que que incluem valores, como propõem os neoconstitucionalistas, uma vez que a inclusão da referida variável retira a objetividade da interpretação, já que a configuração da sua violação ficará condicionada à interpretação valorativa realizada pelo respectivo intérprete e poderá variar de acordo com o intérprete, uma vez que os valores são relativos, conforme lembra Humberto Ávila em trecho da sua obra Teoria dos Princípios.8 A afirmação de Humberto Ávila quanto à relatividade dos valores demonstra que a análise dos princípios à luz dos métodos propostos pelos neoconstitucionalistas, além de não realizarem uma delimitação objetiva, ao incluir o sopesamento dos valores nessa atividade, torna sua definição subjetiva, uma vez que tais valores, como já mencionado, são relativos, acarretando, em consequência, insegurança jurídica, pois abrirá um campo demasiadamente grande para a configuração do que pode vir a ser qualificado como um ato de improbidade administrativa em razão da violação de um princípio. Nesse sentido, é importante relembrar uma outra afirmação de Humberto Ávila acerca da utilização da técnica de ponderação no sentido de que devemos ter cautela com sua utilização excessiva a fim de evitar que os princípios sejam indiscriminadamente afastados.9 Assim, verificamos então que o método de intepretação proposto pelos neoconstitucionalistas é despido de cientificidade, tendo em vista que a decisão jurídica é  pautada de acordo com a vontade do intérprete, tanto que Jürgen Habermas defende que a teoria neoconstitucionalista carece da racionalidade exigida pelo Direito, a qual deve ser obtida por meio do processo legislativo, sustentando que existem várias diferenças entre as normas e os valores, motivo pelo qual devem ser aplicadas de formas diversas. Dessa forma, uma outra conclusão a que podemos chegar é no sentido de que a utilização, pelo intérprete, das técnicas de interpretação neoconstitucionalistas para a conceituação e limites de abrangência de um princípio, em especial do princípio da moralidade, em razão de sua alta carga de subjetividade, torna a análise à sua ofensa muito vaga, o que permite ao acusador, incluir diversas condutas, ainda que somente irregulares, no espectro das condutas configuradas como ímprobas por ofensa ao princípio da moralidade. Isso porque, conforme defende Humberto Ávila, o problema no momento da interpretação não se resume em separar espécies das normas mas, principalmente, em aplicar dos critérios de interpretação de modo a tornar a norma aplicável de modo objetivo.         Assim, podemos, ao final, concluir que a utilização da sistematização realizada por Humberto Ávila para a delimitação e âmbito de abrangência dos princípios, a qual elenca critérios objetivos fundamentados em dispositivos constitucionais, traz um maior respaldo jurídico para as imputações da prática de atos de improbidade administrativa em razão da violação de princípios (art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92), uma vez que possibilita a subsunção exata da conduta praticada ao suposto ato de improbidade administrativa praticado, garantido ao réu o efetivo exercício do seu direito constitucional ao contraditório e ampla defesa, diferentemente do que ocorre nos caso de utilização das técnicas defendidas pelos neoconstitucionalistas para a definição e delimitação do âmbito de abrangência dos princípios, isso porque em razão de se valerem de uma interpretação baseada em valores, os quais são relativos, resultam em um conceito subjetivo e extremamente vago, violando, por via reflexa, o princípio da legalidade e da segurança jurídica.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-violacao-do-principio-da-moralidade-como-fundamento-para-condenacao-na-acao-de-improbidade-administrativa-na-teoria-dos-principios-de-humberto-avila-x-neoconstitucionalismo/
Da Anulabilidade Dos Atos Administrativos No Âmbito Previdenciário
Em face do atributo da presunção de legitimidade de que se revestem todos os atos administrativos, sabe-se que, embora eivados de vícios legais, estes produzem efeitos. Isso significa que, até que sejam anulados (autotutela) ou declarada sua nulidade (judicialmente), os atos administrativos produzem efeitos no âmbito administrativo, muitas vezes, importando em aumento dos proventos de forma indevida, em prejuízo ao equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário. Impende, portanto, apreciar a possibilidade legal de a Administração Pública poder realizar a anulação, convalidação e/ou retificação do ato administrativo eivado de vícios ou defeitos que importem em aumento indevido dos proventos do servidor, fixando quais as consequências e efeitos jurídicos desta decisão administrativa.
Direito Administrativo
Introdução Os atos administrativos são a representação da vontade estatal, praticados durante o exercício da função administrativa. A Professora Di Pietro[1] (2016) defini “ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário.” A Administração Pública, adstrita ao princípio constitucional da legalidade, pratica atos administrativos através ou mediante autorização legal, donde advém a importância de se observar os elementos ou requisitos legais do ato administrativo para a sua validade. Os elementos legais dos atos administrativos são os requisitos previstos em lei que norteiam a edição do ato em si, imprescindíveis para a sua formação, cuja ausência pode prejudicar a validade e os efeitos do próprio ato. Os Administrativistas discriminam os seguintes elementos essenciais do ato administrativo: competência, forma, finalidade, motivo, objeto. Importante lembrar que quanto a competência, forma e finalidade, os atos administrativos serão sempre vinculados, estando a discricionariedade do gestor adstrita ao mérito administrativo, isto é, valoração dos motivos e a escolha do objeto do ato a ser praticado pela Administração. Segundo o atendimento aos requisitos legais do ato administrativo, a doutrina os classifica em nulos ou anuláveis. É nulo, aquele que nasce com vício insanável, geralmente o que advém da ausência dos elementos constitutivos, ou defeito substancial neles. E anulável, o ato com defeito sanável, que pode ser convalidado pela própria administração que o praticou, desde que não seja lesivo ao interesse público ou cause prejuízo a terceiros, a doutrina identifica. Segundo a Professora Marinela[2], “normalmente, admite-se ato anulável quando o defeito é de competência e de forma”, vez que estes podem ser sanados pela ratificação da autoridade competente ou suprimento da forma legal. Quanto à validade, a doutrina diverge na classificação. Para aqueles que adotam a teoria monista, não seria possível transpor para o direito administrativo a dicotomia das nulidades do direito civil[3], somente havendo atos nulos ou validos. Para os adeptos da teoria dualista[4], a classificação dos atos administrativos em nulo e anuláveis é importante para que se entenda quais atos são passíveis de convalidação ou sanatória (conversão), nos termos do art. 55 da Lei 9.874/99, e quais devem ser apenas invalidados, por não admitirem qualquer estabilização jurídica dos seus efeitos. Destaque-se ainda que, o fato de serem nulos ou anuláveis, não impede que atos administrativos viciados produzam efeitos. Isso se dá em razão do atributo da presunção de legitimidade dos atos administrativos, permitindo que estes produzam efeitos jurídicos, mesmo que eivados de vícios ou defeitos, até que sejam anulados ou extirpados do ordenamento jurídico. Pois bem, a anulação do ato administrativo, tem como fundamento a ilegalidade, operando seus efeitos desde a edição do ato ilegal (em regra, ex tunc). No entanto, Celso Antônio Bandeira de Mello[5], brilhantemente, faz uma distinção entre ato administrativo de efeitos restritivos e aqueles de efeitos ampliativos, para fins de determinar seus efeitos. Se o ato ilegal for restritivo na esfera do servidor, sua anulação importará em efeitos ex tunc, desde outrora, devendo retroagir; sendo ato ilegal ampliativo dos direitos do servidor, importando na percepção de vantagem econômica ilegal, a anulação produzirá efeitos ex nunc, não retroagindo. O Ilustre Professor explica: “se o ato fulminado era restritivo de direitos, a eliminação é retroativa; se o ato fulminado era ampliativo de direitos, a eliminação produz efeitos ex nunc, isto é, desde agora, salvo se demonstrável a má-fé do beneficiário do ato ilegal, com ou sem conluio com o agente publico que o praticou”. Sabemos que ao conceder verbas remuneratórias (gratificações e adicionais), reajustes ou revisões, no momento do processamento da folha, podem ocorrer falhas administrativas, importando em consequente aumento dos proventos acaso não corrigidas. É nesse ponto, portanto, que nos interessa a teoria da anulabilidade ou revisão dos atos administrativos, objeto deste parecer, fixando quais são as consequências e efeitos jurídicos decorrentes da anulação ou revogação dos atos administrativos eivados de vícios absolutos e/ou relativos. Como mencionado anteriormente, importa consignar que, em atenção ao princípio fundamental da segurança jurídica, a possibilidade de revisão dos atos pela Administração Pública não é eterna e, para exercê-lo, deve o Poder Público considerar a inocorrência de decadência, bem como, o alcance dos efeitos da revisão, com a preservação dos interesses do servidor de boa-fé.   Nos termos da Lei Federal 9.874/99, temos que: “Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos. Por meio da Súmula 473, o STF entende que: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se original direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Assim, é poder-dever da Administração rever o ato administrativo ilegal, de modo a adequá-lo aos preceitos legais.   1.1 Da necessidade de prévio processo administrativo Primeiramente, é preciso entender que o exercício do poder de autotutela, para revogar atos administrativos, segundo o juízo de conveniência e oportunidade do poder público, ou mesmo de anular, quando eivados de algum vício de ilegalidade, deve ser precedido de regular processo administrativo quando importar na supressão de benefícios como vantagens pecuniárias, reajustes salariais e parcelas remuneratórias, face as determinações fundamentais do artigo 5º, LV da CF (exigência de contraditório, ampla defesa e procedimento administrativo prévios ao exercício da autotutela). É fato incontroverso que, sem a observância das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, não se admite o ato de invalidação, o que, à obviedade, inviabiliza a própria extinção por vício de conteúdo e, consequentemente, impede qualquer desconto posterior. Neste sentido, destacam-se os acórdãos do C. STF[6] e do C. STJ[7]:   “Consoante a jurisprudência desta Corte, os atos da Administração Pública que tiverem o condão de repercutir sobre a esfera de interesses do cidadão deverão ser precedidos de prévio procedimento em que se assegure ao interessado o efetivo exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa”. Agravo Regimental no RE nº 590.964-AL, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma do STF, DJe de 12.11.2012   “O Superior Tribunal de Justiça entende que a atuação da Administração Pública deve pautar-se, estritamente, nos comandos da lei. Aliás, justamente com supedâneo no princípio da legalidade, à Administração Pública é conferido o poder de autotutela, incumbindo-lhe, assim, o dever de rever os seus atos, quando eivados de nulidades, anulando-os, tendo de, em qualquer caso, entretanto, observar o correspondente processo administrativo e as garantias individuais, o que ocorreu na hipótese em exame”. Agravo Interno no Recurso em MS nº 48.822-SE, rel. Min. Francisco Falcão, 2ª Turma do STJ, DJe de 17.08.2017   Pois bem, observada a regra do prévio e regular processo administrativo para revisão dos atos administrativos, importa lembrar que este não é um direito perpétuo da Administração Pública, havendo um prazo decadencial para invalidar o ato ilegal.   1.2 Do prazo decadencial para revisar os atos administrativos Em atenção ao princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5°, XXXVI, da CF), fundamental ao Estado Democrático de Direito, bem assim, considerando a posição de hipossuficiência do indivíduo perante a Administração, o ente público tem um prazo decadencial para exercer o seu poder de autotutela e anular os atos administrativos eivados de ilegalidade, especialmente, quando destes decorram efeitos favoráveis ao cidadão. A decadência é o instituto por meio do qual o ordenamento jurídico protege a estabilidade das relações entre o administrado e o poder público. Após o decurso do prazo legalmente previsto, o indivíduo passa ter consolidada a situação fática gerada pelos efeitos concretos do ato emanado pelo Estado. No âmbito federal, a Lei Federal 9.784/99, que regulamenta as regras de desenvolvimento e dos limites do processo administrativo federal, dispondo, em seu artigo 54, sobre a decadência do direito de a Administração Pública anular seus próprios atos:   Artigo 54. O direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.   Assim, o direito de revisar o ato administrativo decai no prazo de cinco anos, contados da data em que esse ato foi praticado. Durante esse lustro, o administrado permanece submetido a eventual revisão ou anulação do ato administrativo que o beneficia; a sua relação com a administração ainda não está totalmente estabilizada nem imune a alterações. Importante ressaltar que, no julgamento do REsp 1.251.769-SC (2a T, 06.09.2011 – DJe 14.09.2011), segundo voto do Ministro Relator Mauro Campbell Marques, o C. STJ firmou o entendimento de que a norma do art. 54 da Lei 9.784/99 é aplicável aos Estados e Municípios. Neste sentido, deve-se colher o verbete da Súmula 633 do STJ, que prescreve”   “A Lei n. 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria.”   Face o entendimento sumulado acima, vemos que as Administrações Públicas estaduais e municipais se submetem ao lustro decadencial para rever seus atos eivados de ilegalidade desde a edição da Lei Federal 9.784/99. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 626.489, sob a sistemática da repercussão geral, consolidou entendimento no sentido de que, além de não ser inconstitucional a instituição de prazo para a revisão de benefício previdenciário, a decadência tem aplicação mesmo nos benefícios concedidos antes da sua instituição, observada, como marco inicial de incidência nessas hipóteses, a entrada em vigor da norma, sem que se cogite de ofensa a direito adquirido. O entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, neste RE nº 626.489/SE, e seguido pelo STJ, é no sentido de que o prazo decadencial para a revisão de benefício previdenciário, alcança também os benefícios concedidos anteriormente. Eis a ementa do referido julgado:   RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. (RE 626.489, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 23/9/2014).   1.3 Da distinção entre decadência e prescrição Importante esclarecer, agora, a distinção entre decadência de prescrição. Isto porque, enquanto para a Administração, o direito de anular os atos de concessão de benefícios importa em um prazo decadencial que consolida direitos no patrimônio ou situação jurídica do servidor, para o servidor escoa um prazo prescricional para impugnar os efeitos do ato que concede a prestação do beneficio previdenciário. Isso ocorre em razão do ato administrativo que importa na concessão de benefício previdenciário (aposentadoria ou pensão) ser constitutivo do direito do servidor. Diferentemente do que ocorre quando o servidor intenta discutir os efeitos do ato concessivo, impugnando o cálculo, a apuração dos seus proventos, requerendo diferenças. Nesse caso, o seu direito ao benefício já está constituído, o servidor intenta apenas discutir os limites em que esse direito deve se constituiu. Explicando melhor: para distinguir decadência e prescrição, verificamos que a doutrina[8] utiliza a classificação dos planos de existência, validade e eficácia da relação jurídica. No plano da existência, perquire-se tão somente a ocorrência ou não de um fato juridicamente relevante (como a declaração de existência de união estável), não se discute a validade nem eficácia da relação jurídica, razão porque a ação meramente declaratória não se submete à prescrição nem à decadência, podendo ser exercida a qualquer tempo. No plano da validade, quando se supõe a inexistência ou existência de fato juridicamente relevante, o que se pretende é constituir relação jurídica, ou desconstituí-la por invalidade, pelo titular de direito potestativo. A pretensão ou ação preponderantemente constitutiva (positiva ou negativa) se submete à decadência, quando expressamente prevista por lei ou contrato, e não à prescrição. Finalmente, no plano da eficácia não se discute a existência ou não de fato, nem a validade de negócio ou regra, mas a produção de seus efeitos jurídicos. Nesse plano estão envolvidas pretensões condenatórias e declaratórias em que se busca a concretização dos efeitos ou consequências jurídicas. Como dito acima, a pretensão meramente declaratória, por sua natureza, não se submete a decadência ou prescrição. Entretanto, a pretensão ou ação condenatória envolve direito de crédito ou a uma prestação e, assim, submete-se à prescrição. Após concedido, o beneficio previdenciário é entendido como uma relação de trato sucessivo, pago em parcelas mensais, cujo prazo prescricional se conta a partir da data de vencimento de cada parcela, aplicando-se a Súmula 85 do STJ. Já o ato administrativo que constitui o direito ao benefício, diz respeito ao próprio fundo de direito, motivo porque se submete a um prazo decadencial, aplicando-se o prazo decadencial nos termos da Súmula 633 do STJ. O caráter peculiar do instituto da decadência legal, conferida pelo Código Civil de 2002, revela, pois, sua natureza de matéria de ordem pública e de interesse social. Logo, em regra, sendo decadencial o prazo para exercício do poder de autotutela, submete-se a norma do art. 207 do CC[9], que determina a sua fluência sem interrupções ou suspensões. A exceção prevista na jurisprudência pátria se refere aos casos em que a Administração pratica ato de efeitos concretos que importem em revisão do ato administrativo. Na Revista Jurisprudência em Tese do STJ, a respeito do tema prazo decadencial para anulação dos atos administrativos, foram publicadas as seguintes teses: 2) Diante da ausência de previsão legal, o prazo decadencial de cinco anos do art. 54, caput, da Lei n. 9.784/1999 é insuscetível de suspensão ou de interrupção, devendo ser observada a regra do art. 207 do Código Civil. Acórdãos: AgInt no AgRg no REsp 1580246/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 18/04/2017. AgRg nos EDcl no REsp 1409018/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/03/2015, DJe 11/03/2015. REsp 1103105/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 03/05/2012, DJe 16/05/2012. REsp 1148460/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 28/10/2010   9) É possível interromper o prazo decadencial com base no art. 54, § 2º, da Lei n. 9.784/1999 desde que haja ato concreto, produzido por autoridade competente, em prol da revisão do ato administrativo identificado como ilegal, cujo prazo será fixado a partir da cientificação do interessado. Acórdãos AgInt nos EDcl no REsp 1455630/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 31/10/2017. MS 14259/DF, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2016, DJe 02/03/2016. AgRg nos EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 1413003/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/12/2014, DJe 15/12/2014. EDcl nos EDcl no AREsp 382995/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014. EDcl no MS 12286/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 30/04/2014. MS 19052/DF, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/04/2014, DJe 25/04/2014   No julgamento do Mandado de Segurança 28.953, perante o Supremo Tribunal Federal, a Relatora, ministra Cármen Lúcia, entendeu que: “despacho de encaminhamento interno de denúncia, por deixar de conter verdadeira contestação, oposição ou questionamento sobre a validade do ato, não é capaz de ensejar interrupção do prazo decadencial” (STF, MS 28.953, relatora Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJe 28/03/2012). Na mesma ocasião, o Ministro Luiz Fux assim esclareceu: “No próprio Superior Tribunal de Justiça, onde ocupei durante dez anos a Turma de Direito Público, a minha leitura era exatamente essa, igual à da ministra Carmen Lúcia; quer dizer, a administração tem cinco anos para concluir e anular o ato administrativo, e não para iniciar o procedimento administrativo. Em cinco anos tem que estar anulado o ato administrativo, sob pena de incorrer em decadência (grifo aditado). Eu registro também que é da doutrina do Supremo Tribunal Federal o postulado da segurança jurídica e da proteção da confiança, que são expressões do Estado Democrático de Direito, revelando-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando sobre as relações jurídicas, inclusive, as de Direito Público. De sorte que é absolutamente insustentável o fato de que o Poder Público não se submente também a essa consolidação das situações eventualmente antijurídicas pelo decurso do tempo.” (STF, MS 28.953, relatora Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJe 28/03/2012)   Diante disso, a Autarquia Previdenciária possui um prazo de cinco anos não apenas para iniciar o processo de anulação ou revisão, mas para anular ato administrativo ilegal de que decorram efeitos favoráveis para seus beneficiários. Essa anulação, quando realizada dentro do prazo decadencial, pode gerar tanto a cessação do benefício quanto à sua diminuição, vez que a situação jurídica do servidor não está estabilizada. Conclui-se que, quando a Administração incide em erro de interpretação da legislação ou erro de processamento, que importe na concessão de beneficio previdenciário de forma indevida a servidor, deve considerar que o prazo decadencial de 5 anos para que possa iniciar e finalizar o processo administrativo de revisão do ato ilegal, conforme determina o art. 5° da Lei Municipal 1.265/2016, sob pena de estabilização da situação jurídica do servidor.   1.4 Da convalidação e da estabilização dos efeitos do ato administrativo nulo e anulável Conforme o ensinamento do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello[10], os atos inválidos produzem efeitos jurídicos, quer sejam inexistentes, nulos ou anuláveis. Dizer que os atos inexistentes, nulos e anuláveis não têm efeitos jurídicos não encontra supedâneo na realidade empírica. Tanto isso é verdade que os atos nulos e os anuláveis, mesmo depois de invalidados, podem produzir efeitos jurídicos, como acontece com o chamado funcionário de fato. Segundo a teoria geral dos atos jurídicos, aceita pela maior parte da doutrina, os atos nulos não se convalidam, em razão de seu vicio não admitir conserto. Enquanto que os atos anuláveis são aqueles eivados de vício sanáveis, podem se convalidar. Segundo a Prof. Fernanda Marinela[11], “convalidação é o ato administrativo por meio do qual o Administrador corrige os defeitos de um ato anterior que contém um defeito sanável. Trata-se de um suprimento da invalidade de um ato”. Sua previsão está contida no art. 55 da Lei 9.784/99, subsidiariamente aplicável ao município de Jaboatão, por força da Sumula 633 do STJ, temos que: “Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração”. Apesar das consequências jurídicas diferentes, os atos nulos e anuláveis têm efeitos iguais quando do reconhecimento de sua invalidade por meio de controle administrativo ou judicial. Conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello[12], uma vez reconhecida a invalidação, seus efeitos retroagem à data do ato (ex tunc) se de caráter restritivos, e a partir de sua invalidação (ex nunc) se de caráter ampliativo, devendo ser preservados os efeitos patrimoniais dos terceiros de boa-fé. No tocante ao servidor de boa-fé, há reiterada jurisprudência no C. STJ, formulada com base no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.244.182/PB[13], cujo entendimento pacífico a é de que a revisão de erro administrativo operacional ou erro administrativo por má interpretação da lei pela Administração somente importará em devolução de verbas indevidamente recebidas, quando reste comprova a má-fé do servidor em sua percepção. Sendo que o erro decorrente da má interpretação da legislação tem presunção relativa da boa-fé do servidor; e o erro operacional necessita da comprovação da boa-fé do servidor. Exemplificativamente, cita-se a seguinte jurisprudência do STJ:   PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ, é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. Não se aplica ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Agravo Regimental não provido. (STJ, AgRg no AREsp 470.484/RN, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 22/05/2014).   ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ POR SERVIDOR PÚBLICO. ERRO ESCUSÁVEL DA ADMINISTRAÇÃO. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O acórdão recorrido foi proferido em sintonia com a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual não é devida a restituição de valores recebidos de boa-fé por servidor público em decorrência de erro da Administração. 2. O entendimento adotado por esta Corte no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.244.182/PB, segundo o qual os valores recebidos em decorrência de interpretação equivocada da lei não podem ser devolvidos, não impede que a mesma orientação seja aplicada nas hipóteses em que o pagamento indevido tenha origem em erro escusável praticado pela Administração e desde que evidenciada a boa-fé do servidor beneficiado, premissas essas que, no caso concreto, foram estabelecidas pelas instâncias ordinárias. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no AREsp 422.607/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 17/03/2014).   A jurisprudência acima trata de casos em que não ocorreu a decadência do direito da Administração anular os atos administrativos eivados de ilegalidades, ou seja, não houve o escoamento do prazo legal para a Administração invalidar o ato. Nos casos em que a Administração Pública, no exercício do seu Poder de Tutela, anula o ato administrativo ilegal dentro do prazo decadencial de 5 anos (art. 5° da Lei Municipal 1.265/2016), o servidor não terá que devolver a verba indevidamente recebida, comprovada sua boa-fé (erro operacional) ou presumida sua boa-fé (erro na interpretação da lei), e poderá ter decesso remuneratório, sem que isso importe em violação ao princípio constitucional da irredutibilidade salarial.   ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS DE APOSENTADORIA.VANTAGEM PESSOAL NOMINALMENTE IDENTIFICADA – VPNI. CÔMPUTO DO VENCIMENTO, REPRESENTAÇÃO E GRATIFICAÇÃO DE ATIVIDADE PELO DESEMPENHO DE FUNÇÃO. ERRO. CORREÇÃO DO PAGAMENTO. VIABILIDADE.DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. PODER-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. É dever da Administração Pública zelar pela estrita conformidade de seus atos com a lei, de tal sorte que, detectado o pagamento indevido a título de proventos, impõe-se sua interrupção, não cabendo a alegação de inobservância do contraditório e da ampla defesa (Súmula n.º 473 do Supremo Tribunal Federal). Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 2. Verificando-se incorreção no pagamento da Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada a partir de setembro de 2000, a retificação levada a efeito em abril de 2002 não encontra óbice na decadência, a qual somente se aperfeiçoa com o decurso do prazo de cinco anos, na forma do artigo 54 da Lei n.º 9.784, de 29 de janeiro de 1999. 3. O pagamento dos décimos incorporados, transformados em Vantagem Pessoal Nominalmente Identificada, deve guardar observância ao disposto no artigo 3.º, § 1.º, da Lei n.º 8.911, de 11 de julho de 1994, à luz do qual a incorporação não correspondia à integralidade da remuneração do cargo ou função comissionada, mas, tão-somente, às parcelas de representação e gratificação de atividade pelo desempenho de função. 4. Apelo improvido. (TRF-4 – AC: 4608 RS 2003.71.02.004608-4, Relator: MARIA HELENA RAU DE SOUZA, Data de Julgamento: 25/04/2005, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 08/06/2005 PÁGINA: 1384)   MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. LESÃO DE TRATO SUCESSIVO. ADMINISTRATIVO. REPOSIÇÃO AO ERÁRIO DE VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE. BOA-FÉ. 1. Em se cuidando de reposição ao Erário, mediante descontos mensais, a lesão se renova mês a mês, nada importando, para fins de decadência, o tempo do ato administrativo que ordenou a restituição dos valores pagos indevidamente ao servidor público. 2. “Consoante recente posicionamento desta Corte Superior de Justiça, é incabível o desconto das diferenças recebidas indevidamente pelo servidor, em decorrência de errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração Pública, quando constatada a boa-fé do beneficiado.” (REsp nº 645.165/CE, Relatora Ministra Laurita Vaz, in DJ 28/3/2005). 3. Ordem concedida (STJ – MS: 10740 DF 2005/0097821-8, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 09/08/2006, S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 12.03.2007 p. 197)   Ultrapassado o prazo legal de 5 anos, contados da emanação do ato administrativo inválido, a situação jurídica do servidor irá se estabilizar, perdendo a Administração Pública o poder de alterar a situação remuneratória do servidor de boa-fé. Importante mencionar ainda que o prazo decadencial não diz respeito a revisão de atos, e sim à anulação dos atos administrativos. Isso significa que uma situação nula, embora não possa se convalidar ou converter (sanatória), pode se estabilizar no patrimônio do servidor de boa-fé, pelo longo decurso de tempo, com escoamento do prazo para a Administração anular o ato em face deste servidor específico, em face da proteção da confiança e, principalmente, a segurança jurídica das relações a jurisprudência dos tribunais superiores é farta neste sentido. Isto significa que a Administração irá realizar a revisão do ato, mas em relação aos servidores que foram beneficiados pelo erro administrativo (ato administrativo de efeito ampliativo), será mantida sua situação remuneratória, face a decadência do direito da Administração de anular o ato ilegal. Na Revista Jurisprudência em Tese, publicada pelo C. STJ, a respeito do tema anulação, convalidação e estabilização (decadência) dos atos administrativos, é possível enumerar as seguintes teses pacíficas:   Acórdãos: AgInt no REsp 1749059/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 28/05/2019. AgRg no AgRg no AREsp 676880/SC, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/12/2018, DJe 19/12/2018. AgInt nos EDcl no REsp 1624449/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018, DJe 27/03/2018. AgInt no REsp 1248807/MS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/09/2016, DJe 07/10/2016. AgRg no REsp 1366119/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 12/08/2014 Informativo de Jurisprudência 648 do STJ   Acórdãos: REsp 1799759/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 29/05/2019. MS 20033/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/03/2019, DJe 01/04/2019. RMS 51398/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019. REsp 1647347/RO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 17/12/2018. AgInt no REsp 1538992/ES, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 13/11/2018. RMS 56774/PA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018     TEMA 839, de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal, julgado em 16.10.2019 Questão submetida a julgamento: Recursos extraordinários em que se discute, à luz dos arts. 2º, 5º, II, XXXVI e LXIX, e 37, caput, da Constituição Federal e do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a possibilidade de um ato administrativo, caso evidenciada a violação direta do texto constitucional, ser anulado pela Administração Pública quando decorrido o prazo decadencial previsto na Lei nº 9.784/1999. Discute-se, ainda, se uma portaria que disciplina tempo máximo de serviço de militar atende aos requisitos do art. 8º do ADCT. Tese firmada: No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas.   Acórdãos: RMS 56774/PA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018. AgInt no AREsp 1108774/GO, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2018, DJe 05/04/2018. AgInt no REsp 1444111/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018. RMS 53274/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/04/2017, DJe 05/05/2017. AgInt no AgRg no RMS 28902/PB, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 19/10/2016. RMS 48848/PR, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 18/08/2016.   Acórdãos REsp 1758047/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 21/11/2018. AgRg no AREsp 150977/GO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015. AgRg no REsp 1452180/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 12/08/2014 Decisões Monocráticas REsp 1533515/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, , julgado em 07/06/2019, publicado em 27/06/2019. REsp 1575541/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2019, publicado em 12/04/2019. REsp 1636406/RN, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, , julgado em 11/02/2019, publicado em 26/02/2019   Na jurisprudência pátria, há diversas teses em que, ora se privilegia o princípio da segurança jurídica, ora a retificação do vício de legalidade[14]. O decorrer do tempo, a proteção da confiança e, principalmente, a segurança jurídica, podem ser fortes argumentos para estabilizar os atos administrativos ilegais. No entanto, é pacífico o entendimento de que a ofensa direta a texto constitucional não se convalida, nem se estabiliza, conforme se pode constatar do Tema 839 do STF, acima transcrito na tese 2), e em casos de direito previdenciário, asseverado pela Corte Maior no julgamento abaixo:   EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Decadência. Anulação de ato inconstitucional. Súmula nº 473/STF. Servidor público. Cargos públicos. Acumulação. Licitude. Discussão. Fatos e provas. Reexame. Impossibilidade. Legislação infraconstitucional. Ofensa reflexa. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte consolidou entendimento no sentido da possibilidade de a Administração Pública corrigir seus atos quando eivados de inconstitucionalidade, sem que isso importe em ofensa aos princípios da segurança jurídica e do direito adquirido. Precedentes. 2. Não se presta o recurso extraordinário para o reexame do conjunto fático-probatório da causa, tampouco para a análise da legislação infraconstitucional. Incidência das Súmulas nºs 279 e 636/STF. 3. Agravo regimental não provido. 4. Inaplicável o art. 85, § 11, do CPC, haja vista tratar-se, na origem, de mandado de segurança (art. 25 da Lei nº 12.016/09). (ARE 985.614 Agr/PE – Ministro DIAS TOFFOLI – Julgamento: 26/05/2017 – SEGUNDA TURMA)   PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REVISÃO DE PENSÃO. REVISÃO PELO TCU. ATO COMPLEXO. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. I – E pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que a decadência do art. 54 da Lei 9.784/1999 não se consuma no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou pensão e o julgamento de sua legalidade pela Corte de Contas, vez que o ato de concessão da aposentadoria é juridicamente complexo, que se aperfeiçoa apenas com o registro na Corte de Contas. Confira-se: AgInt nos EDcl no REsp 1624449/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018, DJe 27/03/2018 e AgInt no REsp 1648871/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 13/12/2017) II – Na hipótese, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco por meio da Decisão Monocrática TC nº 8052/2015 proferida nos autos do TC nº 1503920-1 tornou nula a Portaria nº 252/2015 de concessão de aposentadoria do recorrente pela FCCR, assim, não se há falar em extinção do direito da Administração de rever o ato de aposentadoria em questão. III – Ademais, é firme o entendimento nesta Corte Superior no sentido de que não ocorre a decadência do direito da Administração Pública em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, uma vez que os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Neste sentido: AgInt no REsp 1667120/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 10/11/2017. IV – No tocante à alegada violação da coisa julgada, observa-se que na primeira ação mandamental ajuizada pelo recorrente – Processo nº 0032078-46.1993.8.17.0001 – a segurança foi concedida exclusivamente para anular parcialmente o Processo Administrativo Disciplinar instaurado pela FUNDARPE, a partir da documentação, para que se pudesse conferir ao impetrante o direito ao contraditório e à ampla defesa, mais especificamente, para se manifestar acerca de documentação protocolada de forma superveniente durante o PAD, não tratando da legalidade ou não da acumulação pretendida. V – Quanto à legalidade da acumulação de cargos, igualmente não merece acolhimento o pleito recursal, uma vez que, conforme pontuado pela Corte a quo, as atividades realizadas pelo Impetrante não permitem a equiparação do cargo técnico da FCCR com o de professor, dada a ausência de previsão legal para tanto. O fato de, eventualmente, o impetrante ministrar cursos de combate e prevenção de incêndio não tem o condão de equiparar as atividades, de modo a obstar o direito pleiteado. VI – Agravo interno improvido. (STJ – AgInt no RMS: 55692 PE 2017/0285358-2, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 06/09/2018, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2018)   1.5 Do início da contagem do prazo decadencial para revisão dos atos administrativos. Natureza do ato de aposentação. Divergência Jurisprudencial entre as Cortes Superiores. Tema 445 de repercussão geral no STF A doutrina e a jurisprudência durante algum tempo divergiram quanto a natureza do ato de aposentação. Para o Supremo Tribunal Federal[15], o ato de aposentação é ato administrativo complexo, apenas se aperfeiçoando com a apreciação do Tribunal de Contas respectivo, ou seja, exige-se a conjugação de duas vontades para que se aperfeiçoe, tornando-o completo e acabado. Isto implica dizer que o prazo decadencial para revisão administrativa da concessão da aposentadoria apenas iniciaria a partir do ato decisório da Corte de Contas respectiva. Com este entendimento foi formulada a Sumula Vinculante 3 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte verbete: “nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão”. Por óbvio, isso não significava estar dispensado o respeito ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos de fiscalização e de contas, mas, tão-somente, que nos atos de registro de admissões ou de aposentadorias, reformas e pensões, a Súmula Vinculante 3 dispensava o Tribunal de Contas da União da observância desses princípios nesses processos. Em 2015, por ocasião do julgamento da Reclamação (RCL) 15405, o Ministro Relator Dias Toffoli, esclarecendo o teor da Súmula Vinculante 3 do STF, expôs que o Plenário da Corte Constitucional fixou que o “direito de defesa só seria dado no TCU se passados mais de cinco anos em relação à concessão na origem”, a fim de que não se eternizasse a insegurança jurídica quanto a situação dos proventos do servidor. Durante algum tempo, o STJ adotou a mesma tese da Corte Constitucional, inclusive, tendo publicado o Informativo Jurisprudencial 508[16], com os seguintes termos: Informativo nº 0508 Período: 5 a 14 de novembro de 2012. CORTE ESPECIAL DIREITO ADMINISTRATIVO. PRAZO DECADENCIAL PARA A ANULAÇÃO DE ATO DE APOSENTADORIA. TERMO A QUO. O termo inicial do prazo decadencial de cinco anos para que a Administração Pública anule ato administrativo referente à concessão de aposentadoria, previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999, é a data da homologação da concessão pelo Tribunal de Contas. A concessão de aposentadoria tem natureza jurídica de ato administrativo complexo que somente se perfaz com a manifestação do Tribunal de Contas acerca da legalidade do ato. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.284.915-SC, DJe 10/4/2012; REsp 1.264.053-RS, DJe 16/3/2012; AgRg no REsp 1.259.775-SC, DJe 16/2/2012, e AgRg no REsp 1.257.666-PR, DJe 5/9/2011. EREsp 1.240.168-SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgados em 7/11/2012.   Ocorre que esse entendimento vinha sendo modificado, considerando que, na prática, o ato concessório de aposentadoria pelo respectivo ente produz efeitos a partir da publicação no diário oficial, importando no recebimento de proventos e não mais de salários, em vacância do cargo ou função e mudança na condição jurídica do servidor perante a Administração. Apoiado na classificação doutrinaria de Celso Antônio Bandeira de Mello[17] quanto aos atos administrativos vinculados e discricionários, atos simples, complexos e compostos, o STJ vinha fixando a tese de que o ato de aposentadoria é um ato vinculado e simples, como exposto na decisão do Ministro Humberto Martins (EDcl no REsp 1187203). O STJ vinha proferindo decisões no sentido de que o ato de registro pela Corte de Contas não seria condição de eficácia e validade do ato de aposentadoria, mas apenas simples controle de legalidade em momento posterior. Na Revista Jurisprudência em Tese, no tocante ao tema do inicio do prazo decadencial, considerando a natureza do ato concessório de aposentadoria, o C. STJ publicou as seguintes teses:   1) Por se tratar de hipótese de ato administrativo complexo, a decadência prevista no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 não se consuma no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou de pensão e o julgamento de sua legalidade pelo Tribunal de Contas, vez que tais atos se aperfeiçoam apenas com o registro na Corte de Contas. REsp 1773739/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/03/2019, DJe 28/05/2019. EDcl no AgInt no REsp 1562307/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/12/2018, DJe 11/12/2018. MS 22289/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/09/2018, DJe 25/10/2018. AgInt no REsp 1476973/PE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/09/2018, DJe 26/09/2018. AgInt nos EDcl no REsp 1624449/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2018, DJe 27/03/2018. AgInt no RMS 49197/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 02/02/2018   2) Em se tratando de atos de que decorram efeitos patrimoniais contínuos, como aqueles decorrentes de pagamentos de vencimentos e de pensões, ocorridos após a entrada em vigor da Lei n. 9.784/1999, nos quais haja pagamento de vantagem considerada irregular pela administração, o prazo decadencial de cinco anos é contado a partir da percepção do primeiro pagamento indevido, consoante o § 1º do art. 54 da Lei n. 9.784/1999. REsp 1758047/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2018, DJe 21/11/2018. AgRg no AREsp 150977/GO, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 18/06/2015. AgRg no REsp 1452180/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2014, DJe 12/08/2014 REsp 1533515/RS, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, , julgado em 07/06/2019, publicado em 27/06/2019. REsp 1575541/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2019, publicado em 12/04/2019. REsp 1636406/RN, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, julgado em 11/02/2019, publicado em 26/02/2019.   A questão foi submetida a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 636553, atribuída repercussão geral com o tema 445, tendo sido sobrestadas as causas idênticas nas demais instancias. No julgamento do TEMA 445, paradigma de repercussão geral, o C. Supremo Tribunal Federal expôs seu entendimento ementado nos seguintes termos: TEMA 445, paradigma de repercussão geral. 1.RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. 2. APOSENTADORIA. ATO COMPLEXO. NECESSÁRIA A CONJUGAÇÃO DAS VONTADES DO ÓRGÃO DE ORIGEM E DO TRIBUNAL DE CONTAS. INAPLICABILIDADE DO ART. 54 DA LEI 9.784/1999 ANTES DA PERFECTIBILIZAÇÃO DO ATO DE APOSENTADORIA, REFORMA OU PENSÃO. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA QUANTO A ESTE PONTO. 3. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E DA CONFIANÇA LEGITIMA. NECESSIDADE DA ESTABILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS. FIXAÇÃO DO PRAZO DE 5 ANOS PARA QUE O TCU PROCEDA AO REGISTRO DOS ATOS DE CONCESSÃO INICIAL DE APOSENTADORIA, REFORMA OU PENSÃO, APÓS O QUAL SE CONSIDERARÃO DEFINITIVAMENTE REGISTRADOS. 4. TERMO INICIAL DO PRAZO. CHEGADA DO PROCESSO AO TRIBUNAL DE CONTAS. 5. DISCUSSÃO ACERCA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA PREJUDICADA. 6. TESE: “Em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas“. 7. Caso concreto. Ato inicial da concessão de aposentadoria ocorrido em 1995. Chegada do processo ao TCU em 1996. Negativa do registro pela Corte de Contas em 2003. Transcurso de mais de 5 anos. 8. Negado provimento ao recurso. (STF. Tribunal Pleno, Ministro Relator Gilmar Mendes, data de publicação no DJe 26/05/2020)   Na fundamentação do seu voto, o Ministro Relator Gilmar Mendes foi esclarecedor:   “Frise-se que não se trata de estabelecer um tipo de prazo decadencial intercorrente para o aperfeiçoamento do ato administrativo complexo concessivo da aposentadoria ou pensão. Ultrapassado o que seria o prazo razoável, definido pela legislação como sendo de cinco anos, o Tribunal de Contas não fica impedido de exercer seu poder-dever de, no exercício da competência de controle externo conferida pela Constituição (art. 71, III, CF/88), julgar, para fins de registro, a legalidade das concessões de aposentadorias ou pensões. O transcurso do interregno temporal de cinco anos apenas faz surgir, para o servidor público aposentado, o direito subjetivo de ser notificado de todos os atos administrativos de conteúdo decisório e, dessa forma, de manifestar-se no processo e ter seus argumentos devidamente apreciados pelo Tribunal de Contas.” (excerto da fundamentação do voto do Ministro Relator Gilmar Mendes, no julgamento do RE 636.553/RS, data de publicação no DJe 26/05/2020)   Restou, portanto, recentemente pacificado no C. STF, no julgamento do RE 636.553/RS, publicado em DJe 26/05/2020, atribuída repercussão geral no Tema 445, o entendimento de que o ato concessório de aposentadoria é ato administrativo complexo, apenas se aperfeiçoando com o registro no respectivo Tribunal de Contas. Isto significa que o prazo decadencial para revisão administrativa do ato de concessão da aposentadoria, perante o ente publico competente, apenas se inicia a partir do ato decisório da Corte de Contas respectiva.     Da Conclusão Ante todo exposto, considerando os estudos do ordenamento jurídico pátrio, a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores e a doutrina acerca da matéria, pode-se sintetizar as seguintes conclusões jurídico normativas acerca da matéria:
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/da-anulabilidade-dos-atos-administrativos-no-ambito-previdenciario/
O Programa de Leniência no Combate aos Cartéis em Licitações
O Programa de Leniência é a principal ferramenta no combate aos cartéis em licitações, visto que, quando empresas ou indivíduos burlam as licitações públicas, acaba sendo uma grande ameaça para toda a sociedade, pois ela é a mais afetada, ele, serve para reportar a existência de cartéis, da qual se participa ou já participou, a fim de obter os benefícios concedidos pelo Acordo de Leniência com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Esta pesquisa tem como objetivo analisar a eficácia do Programa de Leniência no combate aos cartéis em licitações. Esta é uma pesquisa bibliográfica baseada em estudos de artigos científicos, revistas, doutrinas e leis. A eficácia do Programa de Leniência pode ser evidenciada pelo aumento de cartéis denunciados a partir de Acordos de Leniência celebrados, além da maior probabilidade e agilidade, de que os cartelistas sejam julgados e punidos com base nas evidencias obtidas, com isso alterando o tempo de sua atuação. Cabe enfatizar, que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem grande destaque no contexto concorrencial brasileiro, atuando com eficácia e celeridade, além de julgar e punir os cartéis, com isso destacando o Programa de Leniência, que se tornou essencial para o combate aos cartéis.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), tem como propósito a proteção da livre concorrência, ele foi criado pela lei nº 4.137/62, que somente em 1994 foi revogada e passou a ser a lei nº 8.884, que transformou o CADE em autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça. Em 2011 a lei nº 12.529 foi aprovada modificando inúmeras autarquias, especialmente sob o entendimento organizacional e processual (BRASIL, 1962; BRASIL, 1994; BRASIL, 2011). Para auxiliar o CADE foi criado o Programa de Leniência que é o principal instrumento de combate a cartéis e foi firmado na nossa legislação em 2000, sendo o primeiro Acordo de Leniência do país assinado em 2003. O Programa é uma forma de empresas ou indivíduos que participam ou participaram de um cartel que possa reportar a atividade criminal à autoridade competente, assumindo a culpa pelo crime e auxiliando na acusação dos demais envolvidos. Ao cumprirem determinados pré-requisitos podem ser beneficiados com anistia de multas e/ou processos criminais (BRAGA; OLIVEIRA; PINHA, 2016). Os cartéis prejudicam a todos pactuando com atos ilícitos, regularmente os entes federados disponibilizam grandes valores para licitações de bens e serviços, sendo necessário observar que as regras das licitações sejam transparentes e amplamente conhecidas para que todos as entendam, e o maior número de licitantes possam participar, pois consequentemente, maior será a concorrência, e com a efetividade delas as contratações serão mais econômicas, beneficiando os cidadãos. Diante dessas considerações o objeto de estudo é o Programa de Leniência no combate aos cartéis em licitações. A partir do objeto de estudo elaborou-se o seguinte questionamento: o Programa de Leniência é eficaz no combate aos cartéis em licitações? A pesquisa tem como objetivo geral analisar a eficácia do Programa de Leniência no combate aos cartéis em licitações, e como objetivos específicos: discutir a eficácia da concorrência nas licitações e o empecilho dos cartéis; esclarecer o que é o CADE e o Programa de Leniência e explicar alguns pontos do Programa de Leniência que ajudam no combate aos cartéis em licitações e Acordos de Leniência celebrados no Brasil. É de suma importância a produção científica sobre o tema, destacando que, o Programa de Leniência deve ser ainda mais discutido no contexto concorrencial brasileiro, considerando a dificuldade de produção de provas e da condenação dos participantes de cartéis. As práticas dos cartéis proporcionam aparência de competitividade e legalidade aos certames, assim dificultando a produção de provas para a punição dos integrantes. Diante desses obstáculos, cabe aos órgãos públicos e toda a sociedade, que acaba sendo prejudicada com tais práticas, buscar meios para diminuir as chances de sucesso de um cartel. Sendo assim, o Programa de Leniência é uma ferramenta apta para facilitar o alcance de provas, de ampliar as condenações e também de impossibilitar a formação dos cartéis, afetando a sua duração, tendo em vista uma maior discussão no país sobre o combate aos cartéis e as vantagens criadas para facilitar a sua denúncia, ao mesmo tempo em que este é um tema de suma importância na literatura. O presente artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica sobre a temática discutida, os dados foram extraídos dos seguintes documentos: artigos científicos, revistas, doutrinas e Leis. Os resultados foram apresentados em três capítulos a saber: A eficácia da concorrência nas licitações e o empecilho dos cartéis; o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e o Programa de Leniência Brasileiro; pontos do Programa de Leniência que auxiliam o combate dos cartéis em licitações e Acordos de Leniência celebrados no Brasil.   1 A EFICÁCIA DA CONCORRÊNCIA NAS LICITAÇÕES E O EMPECILHO DOS CARTÉIS Uma boa licitação tem ampla concorrência para que se tenha eficácia na contratação de bens e serviços, a presença de cartéis pode eliminar ou limitar essa concorrência tão desejada pela administração pública, tornando prejudicial a toda a sociedade.   1.1 A importância da concorrência efetiva nas licitações Licitação pode ser entendida como um método democrático para a contratação com o poder público, sendo que este procedimento tem como objetivo garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, selecionando a proposta mais vantajosa para a Administração Pública (BRASIL, 1993). A realização de licitação pública para a contratação de obras, serviços, compras e alienações pela Administração Pública é exigência constitucional, prevista no art. 37, inciso XXI, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), que somente pode ser afastada nos casos expressamente previstos em lei – especificamente, nos casos de dispensa e inexigibilidade, conforme estabelecido nos arts. 24 e 25 da Lei nº. 8.666, de 21 de junho de 1993 (BRASIL, 1988; BRASIL, 1993). Convém distinguir o que seriam as situações de dispensa e de inexigibilidade de licitação. No primeiro caso, a licitação é possível, mas foi dispensada pelo legislador em decorrência das situações que constam rol do art. 24 da Lei de Licitações, que é taxativo. A inexigibilidade de licitação, por sua vez, se verifica sempre que há inviabilidade de competição, sendo apenas exemplificativo o rol previsto no art. 25 da mesma lei (BRASIL, 1993). A Administração Pública seguindo os princípios administrativos aos quais deve seguir, irá selecionar a proposta que lhe seja mais vantajosa para cada contratação, cuja não é, necessariamente, aquela de melhor preço e/ou de melhor técnica, e sim aquela que também atenda às demais condições estabelecidas no correspondente instrumento convocatório. O art. 37, caput, da CRFB, impõe à Administração Pública a observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (BRASIL, 1988). Por sua vez, o art. 3º da Lei de Licitações preconiza que esta deve transcorrer segundo os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos demais princípios que lhes são correlatos – dentre os quais a doutrina inclui o princípio da competitividade ou da concorrência. O Poder Judiciário adota a visão segundo a qual a competição é inerente à licitação, como bem se vê no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.070/RN, em 29/11/2007: “A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição” (Supremo Tribunal Federal, 2007, p. 1). Desse modo, ao buscar uma maior competição, possibilita uma ampliação da oferta dos bens ou serviços que a Administração Pública deseja obter, assim incentivando os potenciais competidores a aperfeiçoarem seus processos produtivos e, consequentemente, a formularem melhores propostas. Contudo, a regra geral é que as obras, serviços, compras e alienações da Administração Pública sejam contratadas em licitações nas quais se busque a máxima ampliação possível da concorrência, sempre na medida em que contribua para a seleção da proposta mais vantajosa em cada caso.   1.2 Os cartéis como a mais grave lesão à concorrência De acordo com a Cartilha do CADE (BRASIL, 2016a, p. 14) os cartéis são definidos como “qualquer acordo ou prática concertada entre concorrentes para fixar preços, dividir mercados, estabelecer quotas ou restringir produção, adotar posturas pré-combinadas, ou que tenha por objeto qualquer variável concorrencial”. Nunes (2016) preceitua que o propósito dos participantes do cartel é, por meio da ação coordenada entre concorrentes, eliminar a concorrência, com o consequente aumento de preços e redução de bem-estar para o consumidor. Braga (2015) complementa citando que o revezamento nas licitações, que é uma prática típica da atuação em cartel, se dá quando um grupo de empresas se organiza criminosamente com a finalidade de dividir as licitações entre si, elevando o preço de contratação com a Administração Pública, trazendo, consequentemente, danos. Sobre acordo nos preços, não é essencial em um cartel, os que ainda estão ativos já perceberam que isso é arriscado e, portanto, preferem recorrer a outros meios. O art. 36, §3º, inciso I, da Lei 12.529/11, deixa claro que o ajuste entre rivais pode se dar não apenas por preços, mas também por quantidades, clientes, fornecedores, regiões, entre outras características Públicas (BRASIL, 2011). Após demonstrada a existência de um cartel em licitações, é possível classificá-lo em cartel fraco ou em cartel forte segundo Braga (2015, p. 119) “os cartéis fracos são aqueles em que, por qualquer razão, os ganhos do cartel não são distribuídos entre os membros da conspiração. Os cartéis fortes, de outra sorte, têm duas características primordiais: (I) potencialidade de exclusão de licitantes oportunistas – apenas atraídos pelos lucros do cartel; e (II) potencialidade de transferência de ganhos entre os membros do conluio, inclusive por pagamentos compensatórios da não participação de determinada empresa”. A comunicação entre as partes envolvidas nos cartéis é essencial, é a forma pela qual se resolve o problema da falta de informações para implementação do acordo quanto à seleção da empresa vencedora e, consequentemente, da proposta vencedora. Um cartel em licitações não precisa necessariamente de todos os participantes para ser posto em prática, basta que mais de um esteja disposto a ir contra o princípio competitivo da licitação para que ele ocorra, já que não se faz cartel sozinho. Por isso, a força de um cartel não tem relação com o número de infratores ou de licitações prejudicadas, mas sim, com o nível de sofisticação dos instrumentos de implementação do ajuste entre concorrentes e com a potencialidade de dano.   2 O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA E O PROGRAMA DE LENIÊNCIA BRASILEIRO O Programa de Leniência foi implantado para que empresas ou indivíduos possam obter isenção de sua pena caso, denunciem ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica sua participação e auxilie para que os demais envolvidos sejam punidos, sendo que somente o primeiro a denunciar poderá ter o Acordo de Leniência com todos os seus benefícios.   2.1. Conselho Administrativo de Defesa Econômica Com o advento da Lei nº 4.137/62 criou-se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). A Lei 8.884, promulgada em 11 de junho de 1994 transformou o CADE em autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, e posteriormente foi revogada pela Lei 12.529 de 30 de novembro de 2011, que ficou conhecida como Lei Antitruste por dispor sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica (BRASIL, 1962; BRASIL, 1994; BRASIL, 2011). A lei 12.529/11 organizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), que passou a ser formado pelo CADE e pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda – SEAE. O CADE é composto pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica; Superintendência-Geral – SG/CADE; e o Departamento de Estudos Econômicos (BRASIL, 2011). Com essa nova estrutura que a lei implantou, o CADE começou a apurar processos de infrações à ordem econômica, e os de análise de atos de concentração. O CADE possui, três funções segundo Teixeira (2017): Função Preventiva, que versa sobre o controle dos atos de concentração que possam colocar em risco a livre concorrência; Função Repressiva, cujo controle preventivo, como nem sempre consegue combater as práticas lesivas a concorrência, o repressivo entra para combater a cartéis e outras condutas nocivas ao ambiente concorrencial e a Função Educativa, objetiva a disseminação do hábito da concorrência, instruindo o público das ações que prejudicam a livre concorrência, fomentar estudos e pesquisas acadêmicas sobre o tema e editar a Revista de Defesa da Concorrência e cartilhas.   2.2. O Programa de Leniência Brasileiro A detecção de cartéis é difícil, ainda mais sem ajuda de um participante, levando em conta que ele é sigiloso e fraudulento, por essa razão, foi adotado o Programa de Leniência de modo a descobrir tais práticas, que atualmente está previsto na Lei 12.529/2011 (BRASIL, 2011; BRASIL, 2018b). A Leniência passa a ser entendida como uma maneira de benefício a empresa/pessoa física que denunciar um cartel ou outra prática anticoncorrencial a qual esteja envolvida. O cartel se mantém na base da confiança, o que pode impedir que a infração seja descoberta, para disseminar essa confiança, é preciso que um integrante se sinta beneficiado caso informe ao CADE sobre a violação (ABDOU, 2013). Os benefícios e requisitos do Programa de Leniência são tratados pelo art. 86 e pelo art. 87 da Lei 12.529/2011, com o estabelecimento do Acordo, os benefícios são, tanto administrativos quanto criminais, porém tem que seguir todos os requisitos que se encontram no art. 86, § 1º. Caso haja o descumprimento do Acordo e for averiguado que não houve um real prejuízo e nem a intenção de burlar a investigação, somente será reduzido os benefícios, porém, caso essa tenha sido a real intenção, o beneficiário sofrerá as devidas sanções previstas no art. 11 da Portaria Interministerial do CGU/AGU nº 2.278/16. Conforme salientado no Guia do Programa de Leniência Antitruste do CADE (2018b) não ocorrendo Acordo com as empresas/pessoas físicas que participaram da ação anticoncorrencial elas são passíveis de condenação administrativa (art. 37 da Lei nº 12.529), e criminal (art. 4º da Lei nº 8.137). Havendo também a possibilidade da reparação civil por danos causados, o que é importante salientar, pois o CADE costuma aplicar penas mais severas às partes que exerceram função de liderança ou destaque no cartel.   3 PONTOS DO PROGRAMA DE LENIÊNCIA QUE AUXILIAM O COMBATE DOS CARTÉIS EM LICITAÇÕES E ACORDOS DE LENIÊNCIA CELEBRADOS NO BRASIL O Programa de Leniência é um instrumento importante e eficaz na detecção e no combate às infrações a livre concorrência. Cabe destacar três pontos do Programa de Leniência que auxiliam no combate aos cartéis, que são: Sistema de Senha; Termo de Compromisso de Cessação (TCC); e a Leniência Plus. Além desses pontos, existem dois Acordos de Leniência que merecem ser citados: o Cartel dos Vigilantes; e o Acordo feito pela Setal Engenharia e Construções e a SOG Óleo e Gás.   3.1 Sistema de Senha O pedido de senha é para quem quer fazer um Acordo de Leniência, para isso ele deve entrar em contado com a SG/CADE para comunicar seu interesse no Acordo, assim garantindo ser o primeiro proponente. Deve-se procurar o chefe de gabinete da SG/CADE, ou na sua ausência, o Superintendente Adjunto da SG/CADE, mencionando expressamente que é para realizar o pedido de senha para propor Acordo de Leniência. O contato pode ser pelo telefone +55 61 3221-8404/8405, de forma presencial no endereço SEPN 515, Conjunto D, Lote 4, Ed. Carlos Taurisano, CEP: 70770-504, Brasília/DF, ou através do e-mail: [email protected] (OLIVEIRA; SOUZA, 2015). Para aderir ao Acordo tem que comprovar a existência do ilícito, não havendo essa possibilidade imediata quando for solicitado, o delator poderá valer-se do chamado Sistema de Senha para habilitar-se como primeiro delator, podendo fazê-lo, nos termos do artigo 198, do Regimento Interno do CADE – RICADE. Após cumprida todas as formalidades do §1º do referido artigo a SG/CADE irá emitir a declaração no prazo máximo de 5 dias uteis, porém ela costuma declarar no mesmo dia ou no dia seguinte, com isso mesmo que o proponente não tenha todas as provas necessárias, é importante que ele contate a SG/CADE o mais rápido possível para ser o primeiro a obter a senha, pois até mesmo os segundos nesse caso conta.   3.2 Termo de Compromisso de Cessação Como preceitua o art. 86, §1° da Lei 12.529/2011, somente poderá ter extinta a ação punitiva,  a primeira empresa a se qualificar, para quem não consegue o Acordo de Leniência tem outra forma de ter sua pena atenuada, que é com o Termo de Compromisso de Cessação – TCC (BRASIL, 2011). Ele pode ser possível a todos os demais investigados, gerando privilégio na seara administrativa, mas sem garantia na seara criminal, no RICADE, foi criado faixas de redução da multa a ser paga pelos infratores que firmarem um TCC conforme consta no artigo 186 Em relação ao TCC, quem tiver vontade de aderi-lo poderá apresentar proposta oral à Superintendência-Geral, a qual fará termo único a ser preservado a quem interessa. A negociação é confidencial e tem período de seis meses prorrogáveis por igual período. Caso a SG/CADE não faça o TCC, a parte interessada fica com os documentos referentes à negociação (OLIVEIRA; SOUZA, 2015). Consoante art. 48, inciso I, da Lei 12.529/2011, quando houver: procedimento preparatório de inquérito administrativo; inquérito administrativo ou processo administrativo para imposição de sanções administrativas, sendo ambos de infrações à ordem econômica, o CADE poderá tomar do representado assinatura do TCC, nos termos do art. 85 da Lei 12.529/2011. Apesar do TCC ser um instrumento jurídico eficaz, ele por si só não consegue ser decisivo para acabar com um cartel, com isso a legislação incentiva a adesão do Acordo de Leniência com benéficos superiores aos do TCC para quem aderir, dessa forma tornando a assinatura do TCC menos benéfica em relação ao Acordo de Leniência.   3.3 Leniência Plus O Acordo de Leniência só pode ser celebrado conforme requisitos previstos na Lei 12.529/11, a qual no art. 86, § 1º, I, diz que “a empresa seja a primeira a se qualificar com respeito à infração noticiada ou sob investigação”, com isso, caso não consiga se qualificar poderá fornecer outras informações, a qual pode ser concedido outros benefícios, a exemplo da Leniência Plus que está disposta no art. 86, §7º e §8º, da Lei 12.529/11 (BRASIL, 2011). A Leniência Plus consiste para empresa/pessoa física que já está sendo investigada por um 1° cartel e não se habilita para negociar um Acordo de leniência, nem queira recorrer a um TCC, possa reportar a SG/CADE um 2° cartel da qual ela ainda não saiba. Com isso a empresa/pessoa física no 1° cartel, terá redução de 1/3 da pena, e no 2° cartel, terá todos os benefícios do Acordo de Leniência. Abaixo tem-se um gráfico com o número de Acordos de Leniência assinado a partir de 2003: Gráfico 1 – Números de Acordos de Leniência Assinados, Aditivos e Pedidos de Leniência Plus de empresas firmados pelo CADE. Brasil, 2019a. Os casos no Brasil de Acordo de Leniência Plus vêm sendo crescente ao longo dos anos, sendo o primeiro em 2015, e até dezembro de 2019 foram feitos 24 pedidos, conforme demonstrado no gráfico 1.   3.4 Acordos de Leniência celebrados no Brasil Com o Programa de Leniência atuando a partir do ano 2000, vários Acordos foram celebrados com a SG/CADE durante esse tempo, o primeiro Acordo foi em 2003, que foi feito pela extinta Secretaria de Direito Econômico – SDE, desde então foram julgados mais de 100 Acordos de Leniência, deduzindo assim que o Programa vem avançando para a dissolução de cartéis. A título exemplificativo, pode-se citar pelo menos dois Acordos de Leniência celebrados no Brasil: o Cartel dos Vigilantes, pois foi o primeiro Acordo de Leniência celebrado no Brasil; e o Acordo feito pela Setal Engenharia e Construções e a SOG Óleo e Gás, que em decorrência desse Acordo desmembrou-se inúmeros outros no âmbito da Operação Lava Jato.   3.4.1 O Cartel dos Vigilantes – Primeiro Acordo de Leniência O Ministério Público do Rio Grande do Sul junto com funcionários e o proprietário de uma das empresas envolvidas denunciaram o ilícito, sendo o Acordo de Leniência celebrado no dia 09 de outubro de 2003, Processo Administrativo nº 08012.001826/2003-10, com o processo julgado em 21 de setembro de 2007 (BRASIL, 2018a). O objetivo do cartel era no tocante a licitações para contratar serviços de vigilância privada no Estado do Rio Grande do Sul, tendo sido aberta as investigações que indicaram ilícitos em licitações realizadas pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, e pela Superintendência da Receita Federal do Rio Grande do Sul (OLIVEIRA; SOUZA, 2015). Foram quatro empresas e duas associações envolvidas no cartel, que passaram por busca e apreensão, e dentre as provas apreendidas ficou demonstrado que era realizado reuniões semanais para combinar as propostas e os pregões que seriam realizados pela administração pública (BRASIL, 2013). Com todas as provas obtidas, o CADE condenou 16 empresas, 3 associações comerciais e 18 pessoas físicas por formarem cartel, sendo aplicada multas de 15% a 20% do faturamento bruto em 2002 das empresas, e aos demais também foi aplicado multa. Foram mais de R$ 40 milhões em multas, além das empresas não poderem participar de concorrências públicas por cinco anos. O CADE isentou totalmente das penas a Vigilância Antares e seu Diretor Rubem Oreli, pois assinaram o Acordo (BRASIL, 2009).   3.4.2 Setal Engenharia e Construções e a SOG Óleo e Gás – Operação Lava Jato A SG/CADE celebrou o Acordo no dia 19 de março de 2015, com a Setal Engenharia e Construções, e a SOG Óleo e Gás, assim como, com pessoas físicas que estavam envolvidas. Eles confessaram e forneceram informações que havia formação de cartel entre os concorrentes em licitações de obras de montagem industrial “onshore” (realizados em indústrias localizadas em terra), em licitações da Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A. Tudo teve início no final dos anos 90, ficando mais constantes a partir de 2003, com duração até início de 2012 (BRASIL, 2018a). Com o Acordo assinado, foi fornecido documentos colaborando com as investigações no âmbito da intitulada Operação Lava Jato. Eles informaram a participação de 23 empresas, e como a Petrobras contratava por meio de convites ficava mais fácil tudo ser combinado. As partes concordaram em não ter sigilo das informações, assim foi publicado o denominado “Histórico da Conduta” com 71 páginas. A qual o Histórico se configura como documento “no qual a Superintendência-Geral do Cade descreve de maneira detalhada a prática anticompetitiva conforme relatada pelos signatários e subsidiada pelos documentos probatórios apresentados” (BRASIL, 2018a). As 23 empresas envolvidas eram divididas em três grupos: os primeiros a montar o esquema, clube dos nove; depois passou a ser clube dos dezesseis, com a chegada de sete construtora; e por fim mais sete companhias que eventualmente participavam (OLIVEIRA; SOUZA, 2015). Com o referido histórico da conduta publicado foi constatado que as condutas anticompetitivas consistiam em: “acordos de (i) fixação de preços, condições, vantagens e abstenção de participação, e (ii) divisão de mercado entre concorrentes, em licitações públicas de obras de montagem industrial “onshore” da Petrobras no Brasil. Estas condutas foram viabilizadas, principalmente, por meio de reuniões presenciais, contatos telefônicos e SMSs entre os representantes das empresas, voltados à supressão/redução de competitividade nas licitações/contratações realizadas pela Petrobras nas obras de montagem industrial “onshore”, com prévio acerto do vencedor, preços apresentados, condições, divisões de lotes, abstenções, propostas de cobertura, dentre outros. Os serviços afetados pela conduta consistem, portanto, naqueles “onshore”, consistentes na montagem e construção de plantas industriais em qualquer segmento – refinarias, petroquímicas, indústrias em geral” (BRASIL, 2015, p. 1). Com o advento desse Acordo de Leniência com o grupo Setal, em 2017 foi homologado TCC com a Andrade Gutierrez, que dentre outras obrigações teve que pagar contribuição de R$ 49.854.412,72. Em 2018 foi assinado TCC com as empresas OAS, Carioca Engenharia e Odebrecht, que pagaram respectivamente os valores de R$ 124.710.743,26, R$ 54.168.407,61, R$ 338.984.697,80 (BRASIL, 2018a). O Programa de Leniência foi crucial para detecção e punição de cartéis em licitações no âmbito da operação Lava Jato, pois a partir dele, várias empresas/pessoas físicas tiveram coragem para fazer a denúncia. Abaixo tem-se um gráfico com o número de Acordos de Leniência no âmbito da Operação Lava Jato assinado a partir de 2015: Gráfico 2 – Números de Acordos de Leniência no âmbito da Operação Lava Jato e outros firmados pelo CADE. Brasil, 2019a. De 2015 até dezembro de 2019 foram assinados 31 Acordos de Leniência só no âmbito da Operação Lava Jato, tendo seu ponto alto em 2017 com 12 Acordos fixados, como demonstrado no gráfico 2.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de todo o exposto, faz-se notar que a concorrência nas licitações é algo extremamente essencial para o bom funcionamento da Administração Pública, cujo maior intuito é justamente uma concorrência leal, e que ao final se torne a melhor para a Administração, já que é a partir delas que se encontram as propostas mais vantajosas. Existindo cartéis dispostos a irem contra esse princípio competitivo tudo se torna em vão, pois eles geram prejuízos imensuráveis, principalmente na sociedade, que se torna a mais prejudicada. É necessário compreender a relevância que o CADE trouxe à concorrência brasileira, visto que o combate aos cartéis é prioridade para o SBDC e consequentemente para o CADE, pois ele é a autoridade na defesa da concorrência. A eficácia das licitações quando existem cartéis envolvidos, necessita da utilização de mecanismos que ajudam nas investigações, nisso o Programa de Leniência tem sido muito relevante para detectar cartéis. Muitos cartéis foram extintos através de denúncias feitas ao CADE que sem a colaboração do delator não seria possível, por falta de provas ou até mesmo por não se saber da existência. As denúncias são feitas principalmente para obter os benefícios do Programa de Leniência, porém existem outros benefícios como foram citados o TCC e a Leniência Plus, todavia o Acordo de Leniência ainda é a principal ferramenta no combate aos cartéis. Os cartéis citados neste artigo foram importantes para o sucesso do Programa de Leniência, o Cartel dos Vigilantes foi significativo pois foi o primeiro a ser celebrado, assim dando início aos Acordos no Brasil, já o Acordo com o grupo Setal é importante visto que a partir dele foram descobertos vários outros cartéis, principalmente no âmbito da Operação Lava Jato. Desde o ano que foi implantado o Programa de Leniência foram mais de 100 Acordos julgados, alguns tendo impacto inclusive no âmbito internacional. A sua eficácia, é comprovada pelo aumento crescente na identificação de cartéis; da ampliação das informações que as autoridades tem, ou das que ainda, não se tem conhecimento desse modo, trazendo provas decisivas para o fim da prática e consequentemente reduzindo o tempo nas investigações tornando o processo mais rápido; além de alterar o tempo dos cartéis, assim impedindo que mais práticas ilícitas nas licitações aconteçam, entre outros fatores que ajudam a contribuir para o seu desempenho no Brasil.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-programa-de-leniencia-no-combate-aos-carteis-em-licitacoes/
Judicialização Da Saúde: Impactos Da Judicialização Da Saúde No Orçamento Do Estado Do Tocantins
A insuficiência de alguns tratamentos de saúde ofertados pelo governo é na maioria das vezes contestada via ação judicial. O aumento da judicialização deixa claro que grande parte da população entende que os problemas de acesso ao Sistema Único de Saúde se resolvem via ação judicial, isso acaba quebrando a igualdade de acesso e enfraquecendo a política pública. A interferência do judiciário na gestão da saúde causa uma desorganização nessas políticas porque fere o princípio da equidade e da universalidade, prejudicando assim a coletividade. Talvez seja necessária uma maior aproximação entre judiciário e executivo, com mais conscientização do judiciário quanto a importância de se fazer política pública e de se cumprir o que está previsto na Programação Anual de Saúde (PAS), evitando assim a realocação de recursos orçamentários. A judicialização não é solução para ter garantido o direito de acesso à saúde, isso pode criar grandes dificuldades no funcionamento de órgãos importantes do Estado. Este trabalho apontará os impactos que a judicialização causa no orçamento do Estado do Tocantins.
Direito Administrativo
Introdução A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB preconiza que a saúde é direito de todos e dever do Estado, esse direito foi conquistado através do movimento da Reforma Sanitária ensejando a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A Lei Maior prevê que o acesso ao tratamento de saúde deve ser universal e igualitário mediante políticas públicas sociais e econômicas que trazem como escopo a distribuição dos recursos financeiros para melhor atender a população. Entretanto, a carência de oferta de alguns tratamentos de saúde infelizmente não ofertados pelo governo acaba sendo contestada via ação judicial. A judicialização da saúde cresceu muito nos últimos anos, porque é para os cidadãos uma maneira de ter garantido o seu direito de acesso à saúde. Todavia, a interferência do Poder Judiciário nas políticas públicas de saúde acaba causando um impacto em todo o planejamento feito pela gestão. Assim, a administração pública se vê obrigada a fazer realocação de recursos orçamentários. Isso tem interferido na Programação Anual de Saúde do Estado do Tocantins (PAS-TO), pois ela possui as ações, serviços e recursos financeiros que colaboram para a execução das metas do Plano de Saúde. Com a judicialização o juiz acaba deliberando políticas públicas individualmente tirando um direito que seria da coletividade, pois ele decide onde aplicar e para quem aplicar e isso tem interferido no planejamento da administração. O SUS é uma porta de entrada para o tratamento de saúde, entretanto, o Poder Judiciário tem se tornado uma segunda porta de entrada. O crescente número de ações judiciais na área da saúde no Estado do Tocantins ensejou a criação do Núcleo de Demandas Judiciais, que foi criado exclusivamente para atender as decisões judiciais de forma mais célere, pois ele faz todo o trabalho do processo de compra dando mais celeridade ao atendimento da determinação judicial. Além de prejudicar o planejamento em saúde, as demandas excessivas ainda podem levar ao não cumprimento do acesso igualitário conforme preconiza a Constituição Federal de 1988.   1.1 Direito à saúde Entendendo que o direito à saúde tem previsão legal na Constituição Federal de 1988, no Título II sob a égide “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”. Neste aspecto pode-se assegurar que é direito fundamental garantir à população o acesso universal e igualitário nos tratamentos de saúde sem privilégios ou preconceitos de nenhuma natureza, nem mesmo financeiro, por meio de políticas públicas, sociais e econômicas. O direito à saúde contém previsão legal no artigo 196 da Constituição Federal, que dispõe:   “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988, Art. 196).   Nota-se que o legislador, deixa claro que as políticas públicas devem buscar a diminuição do risco de doenças e de outros agravos. A Lei Maior de 1988 determina o compromisso do Estado em garantir à população o pleno direito à saúde. Desta forma, podemos citar o Princípio da integridade do atendimento que assegura a população o acesso a qualquer procedimento até mesmo os que não estão previstos no SUS, mas que seja fundado na medicina. Quanto à integridade do atendimento, neste sentido, vale citar o entendimento de DRESCH (2014, p. 39).   “Embora o art.198, II, da Constituição Federal priorize as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais, também fixa como diretrizes das ações e serviços de saúde o atendimento integral. Em razão da especificidade e do detalhamento das disposições constitucionais que asseguram o acesso à saúde pública, afasta-se a possibilidade de afirmar que as disposições sobre o acesso à saúde têm natureza meramente programática.”   O autor garante nesse texto que não pode haver no atendimento à população exclusão de nenhuma natureza de tratamento, preventivo ou curativo. Devendo contemplar tratamento condigno conforme prevê a ciência médica, isso sem excluir qualquer tratamento de saúde, garantindo até mesmo os tratamentos que não estão dentro da Política Pública de Saúde. O que se deve atentar é até que ponto se pode ou deve-se judicializar para ter a garantia desses direitos. É necessário que o Poder Judiciário antes de uma decisão, investigue primeiramente se existe alguma demanda reprimida bem como, se haverá consequências dessa demanda nos recursos financeiros disponíveis. Isso para evitar decisões equivocadas sobre o direito à saúde, evitando nesse mesmo contexto a má judicialização.   1.2 Sistema Único de Saúde no Brasil O Sistema Único de Saúde (SUS) teve sua criação na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas começou a ser pensado em 1970. Neste sentido, afirma-se que a criação do SUS aborda o maior programa de atenção à saúde do mundo, com algumas falhas e até mesmo deficiências, mas ainda assim, busca a melhor forma de atender a população. Segundo BUÍSSA, BEVILACQUA E MOREIRA (2018, p. 28):   “A criação do SUS resultou de um movimento em favor de uma ampla reforma sanitária, iniciando no final da década de 1970, no contexto do processo de redemocratização do País, tendo como escopo fundamental a reversão do quadro inadequado e perverso do sistema de saúde então vigente, constituído ao longo de quase um século e consolidado durante a ditadura militar. “   No texto dos autores resta claro que o movimento da reforma sanitária deu origem e ajudou a formalizar o Sistema. Mas a sua regulamentação veio com a Lei nº 8080/1990 que prevê a promoção, prevenção e tratamento de saúde, trazendo também o exemplo de gestão e os princípios do Sistema Único de Saúde. O SUS é uma porta de entrada para os tratamentos de saúde.  Uma das suas ferramentas mais importantes é a participação da população perante as políticas públicas. Os conselhos e conferências de saúde são instrumentos de grande importância para a transparência, participação e controle da população quanto às políticas e serviços de saúde.   1.2.1 O Sistema Único de Saúde e sua estrutura O Sistema foi criado para atender a toda a população e possui uma estrutura formada pelas três esferas de governo com diferentes responsabilidades. Segundo NUNES E QUEIROZ (2007, p. 9): “O SUS é um sistema porque é formado por várias instituições dos três níveis de governo (União, Estados e Municípios) e pelo setor privado, com o qual são feitos contratos e convênios para a realização de serviços e ações, como se fosse um corpo único”. Vejamos as informações a seguir. Conforme o exposto no infográfico, as três esferas trabalham em conjunto em busca de um bem maior, o melhor atendimento à população. Esse atendimento deve ser assegurado a todos sem discriminação ou regalias e garantindo a atenção total e qualidade de vida do cidadão.   1.2.2 O regime jurídico do SUS Os princípios, diretrizes e normas específicas do SUS podem ser encontrados no texto da Carta Magna no artigo 23, inciso II que trata da competência das esferas e no artigo 198, inciso II onde o legislador se preocupou em trazer as ações e serviços públicos de saúde. É necessário que se compreenda o modelo do SUS, para que as determinações dos magistrados possam ser tomadas sem causar prejuízos à população e sem causar impacto no orçamento público. Na visão de MAPELI JUNIOR (2017, p. 50):   “A teoria jurídica da saúde pública, inclusive para fins de aplicação da lei ao caso concreto pelo juiz de direito, obrigatoriamente deve partir do modelo constitucional do SUS, não somente em razão dos princípios genéricos da Constituição que devem irradiar por toda a ordem jurídica (dignidade humana, solidariedade, justiça social, direito à saúde, etc.), mas também porque as regras constitucionais que desenharam as políticas públicas de saúde tem imperatividade como um todo, harmoniosamente, devendo ser centrais na interpretação jurídica. “   A própria Constituição Federal criou um modelo jurídico a ser seguido com princípios e normas específicas, desta forma é impossível falar em direito à saúde sem que seja aplicado o que está previsto no texto constitucional. A Lei Orgânica da Saúde (nº 8.080/1990) traz expresso em seu texto as ações e serviços de saúde e, mais precisamente, no artigo 4º os órgãos que constituem o Sistema.   “Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).” (BRASIL, 1990, Art. 4º).   Não deixando de falar na Lei 8.142/1990 que complementa a Lei Orgânica da Saúde trazendo a participação da sociedade no Sistema Único de Saúde, assim como os Conselhos e Conferências. O Sistema foi pensado para acolher toda população de forma digna, através de ações e políticas públicas.   1.3 O fenômeno da judicialização da saúde e as demandas no Estado do Tocantins A judicialização da saúde é um assunto que vem crescendo nos últimos dez anos, um fenômeno de ampla importância, pois estamos falando de direito fundamental expresso na Constituição Federal de 1988. As discussões sobre o assunto são constantes. O Estado do Tocantins realizou em 2017 o primeiro Congresso de Saúde Integrada e durante este evento aconteceu o Fórum de Judicialização da Saúde, onde diversos órgãos de controle juntamente com todo o jurídico da Secretaria de Estado da Saúde debateram suas opiniões sobre as determinações judiciais, buscando fortalecer o atendimento aos cidadãos usuários do SUS. No mês de agosto de 2019 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Comitê Executivo de Monitoramento das Ações de Saúde (CEMAS), também realizou um fórum de judicialização com a finalidade de sensibilizar os operadores do Direito e também profissionais da área da saúde frente às ações e serviços, buscando a melhor forma de atender os cidadãos.   1.3.1 Os limites da atuação judicial Conforme já foi exposto, à saúde é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal de 1988. Entretanto vale analisar até que ponto se pode judicializar para ter garantido esse direito. Na visão de BARROSO (2007, p. 3):   “Tais excessos e inconsistências não são apenas problemáticos em si. Eles põem em risco a própria continuidade das políticas de saúde pública, desorganizando a atividade administrativa e impedindo a alocação racional dos escassos recursos públicos. No limite, o casuísmo da jurisprudência brasileira pode impedir que políticas coletivas, dirigidas à promoção da saúde pública, sejam devidamente implementadas. Trata-se de hipótese típica em que o excesso de judicialização das decisões políticas pode levar à não realização prática da Constituição Federal. Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.”   Com essa alerta do autor, vale repensar as determinações dos magistrados frente às demandas excessivas, pois elas podem levar ao não cumprimento do que está preconizado na Constituição Federal de 1988, ocasionando um desequilíbrio, o não cumprimento das políticas públicas de saúde além de uma desorganização no planejamento que foi feito. Essas políticas são pensadas para atender a sociedade de forma coletiva e o judiciário, ao tomar uma decisão, pode estar tirando o direito do coletivo para aplicar ao individual. A judicialização transfere para o juiz o poder para deliberar políticas públicas e essas deliberações têm sido individuais, tirando o direito que seria da coletividade. Assim o poder judiciário acaba sendo quem decide onde aplicar e para quem aplicar e isso tem interferindo na Programação Anual de Saúde (PAS). O SUS é uma porta de entrada para o tratamento de saúde, todavia o judiciário tem se tornado uma segunda porta de entrada. Para melhor entendimento, vale trazer a visão de BUCCI (2017, p. 61):   “Com o reconhecimento praticamente unânime de que a judicialização da saúde se tornou excessiva, a partir de certo momento, que pode ser fixado em 2009, quando se realizou a Audiência Pública nº 4, no STF, o Poder Judiciário passou a se mobilizar para buscar critérios e padrões mais racionais para suas decisões nesses casos.”   Percebe-se que o Poder Judiciário tem se preocupado com o tema em comento e vem buscando uma solução para o caso. Apesar de a discussão ser constante sobre o assunto, ainda é necessário amadurecimento e que seja acrescido ao debate às questões financeiras e as implicações das determinações judiciais, sob pena de o judiciário com o intuito de salvar vidas, estar cometendo uma injustiça com os cidadãos que não judicializam. No Estado do Tocantins podemos contar o Comitê Executivo de Monitoramento das Ações de Saúde (CEMAS), que foi criado com a finalidade de coordenar e executar as ações da saúde e conta com a presença de servidores de vários órgãos, envolvidos diretamente nas questões de saúde. O CEMAS tem a encargo de monitorar as ações judiciais de saúde que sejam de medicamentos, leitos de Unidade de Terapia Intensiva – UTI ou cirurgias, além de ter que propiciar o diálogo para que as demandas sejam solucionadas e evitadas a judicialização. Dentre as ações do CEMAS podemos citar a concepção do Núcleo de Apoio Técnico Jurídico (NatJus), criado através de um Termo de Cooperação Técnica entre Tribunal de Justiça e o Governo do Estado. HENRIQUE, MENDONÇA E BRAGA (2018, p. 283) destacam que:   “A parceria entre o TJTO e a SES-TO resultou na disponibilidade, por parte do Tribunal de Justiça, de uma sala localizada na sede da Corregedoria Geral de Justiça, com infraestrutura e equipamentos necessários para as atividades do núcleo; e, por parte da Secretaria Estadual de Saúde, na disponibilização “de fato” de servidores, que atualmente somam a quantia de 21 (vinte e um) técnicos. Conforme o Termo de Cooperação Técnica vigente, 17(dezessete) servidores, à exceção dos médicos, foram disponibilizados para o Tribunal de Justiça, que passou a ter gestão do NAT Estadual, por intermédio da Coordenadora do Comitê Estadual de Saúde.”   Diante deste contexto, pode-se perceber que existe uma preocupação tanto do Tribunal de Justiça quanto do Governo do Estado na desjudicialização da saúde. O NatJus do Tocantins foi criado para dar suporte aos magistrados e operadores do direito que não tem conhecimento técnico sobre o SUS e suas políticas públicas e para que seja garantido o direito da coletividade em preferência ao do individual. O SUS trabalha com políticas para acolher a coletividade.   1.3.2 As demandas judiciais no Estado do Tocantins As determinações dos magistrados na área da saúde são inúmeras, a secretaria possui demandas desde medicamentos não incorporados até aquelas de medicamentos simples, sendo facilmente encontrados na unidade básica de saúde.  Hoje em dia todas as políticas públicas de saúde do Estado do Tocantins são ajuizadas. O aumento no número de ações judiciais no estado ensejou na criação do Núcleo de Demandas Judiciais que funciona dentro da Secretaria de Estado da Saúde e foi criado exclusivamente para melhor atender as determinações dos magistrados. Tal preceito pode ser complementado segundo o entendimento de SANTOS (2018, p.193):   “No caso da Secretaria de Estado da Saúde do Tocantins, em razão das inúmeras decisões judiciais para atendimento de pacientes que necessitam de medicamentos, exames ou cirurgias, quase sempre com prazos exíguos para cumprimento, foi criado na estrutura da Superintendência de Assuntos Jurídicos, um Núcleo de Demandas Judiciais, com a atribuição de dar cumprimento às decisões judiciais que determinam a compra de determinado medicamento ou procedimento ao paciente.“   Percebe-se que o Núcleo de Demandas Judiciais – NDJ foi um meio encontrado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES/TO) para melhor cumprimento das decisões judiciais. Antes da ideia de criar o NDJ, as demandas judiciais entravam junto com todas as demandas administrativas da secretaria, passando por termo de referência, cotação, nota de empenho e todo o trâmite burocrático necessário para os processos de compras e isso demorava muito. Assim, uma demanda que era para ser cumprida no prazo de 24 horas, demorava de dois a três meses para ser concluída, porque ela não tinha prioridade frente às compras regulares. Em tese, o certo era que as determinações dos magistrados tivessem prioridade, porém, não era o que acontecia. Então se criou o Núcleo para que as demandas pudessem ser atendidas de uma maneira mais célere, concentrando dentro da Secretaria todas as ações judicializadas individualmente e não demandas coletivas. O NDJ é um setor de compras emergenciais que são feitas para acatar as decisões dos magistrados. Ainda de acordo com SANTOS (2018, p. 193):   “As compras feitas por este Núcleo de Demandas Judiciais são realizadas de forma direta, na forma do art. 24, IV da Lei 8.666/1993, observando-se todas as exigências legais para tanto, como a elaboração do Termo de Referência, com a especificação do que se deseja adquirir, seu quantitativo e qual o fundamento da situação emergencial, bem como a decisão judicial.”   A necessidade em cumprir a determinação judicial faz com que o secretário precise fazer a compra direta, mas todas as compras devem ser feitas dentro dos padrões legais, pois cabe ao gestor comprovar que não houve dano ao erário e tão pouco ao paciente que judicializou sob pena de sofrer possíveis sanções caso isso seja provado. Desde a sua criação, o Núcleo Demandas Judiciais trabalha de maneira célere, em virtude do crescente número de ações. Na visão de SANTOS (2018, p. 193): “No ano de sua implantação, o Núcleo de Demandas Judiciais foi responsável pelo atendimento de mais de 400 demandas judiciais que necessitavam de compra emergencial por parte da Secretaria de Estado da Saúde”. Logo após ser implantado o Núcleo de Demandas Judiciais, as determinações dos magistrados passaram a ter mais efetividade, pois o NDJ faz todo o trabalho do processo de compra, dando celeridade ao atendimento da determinação judicial. Segundo levantamento de dados feitos pelo jurídico da Secretaria de Estado da Saúde (SES/TO) observa-se um aumento no número das determinações judiciais entre os anos de 2016 a 2019. O levantamento foi feito pelos números de processos de compras, bloqueio judicial, quantidade de pacientes e mandados judiciais. Percebe-se que a quantidade de ações para garantir o direito à saúde é muito elevada e que traz custos para a gestão. As despesas são enormes no que diz respeito a todos os tipos de demandas desde as de aquisição de medicamentos até as de realização de cirurgias sejam elas ortopédicas, cardíacas e até mesmo as eletivas. No gráfico acima se percebe que o gasto com processos de compras entre os anos de 2016 e 2019 cresceu de forma acelerada. Enquanto em 2016 o gasto com processos de compra era R$ 852.492,41 no ano de 2019 esse valor chega a R$ 3.908.889,52. Para promover a compra de medicamentos, insumos e serviços que são necessários para o atendimento das determinações judiciais muitos gestores, algumas vezes, são obrigados a aderir às contratações emergenciais atendendo os requisitos para que não estejam expostos a sanções no campo administrativo, civil ou penal. Neste segundo gráfico pode-se perceber que houve uma redução nos valores de bloqueio judicial entre os anos de 2018 a 2019, mas ainda assim, a diferença entre os anos de 2016 e 2019 é enorme. Enquanto em 2016 o bloqueio foi de R$ 500.819,34 no ano de 2019 esse bloqueio chega a casa dos milhões, mais precisamente R$ 11.971.095,89. Os bloqueios judiciais são na maioria das vezes sobre as contas de transferência do Ministério da Saúde para o Estado, isso acaba por comprometer a execução de ações vinculadas, gerando assim, a ineficiência de políticas públicas. Este terceiro gráfico traz a quantidade de pacientes que foram atendidos pelas decisões judiciais. No ano de 2019 foram atendidos menos pacientes que os anos de 2016 a 2018, mas, conforme demonstra os gráficos acima, os números de processos de compras e de bloqueios judiciais são maiores. Neste sentido, as decisões dos magistrados privilegiam uma minoria, lesionando vários cidadãos que necessitam do Sistema Único de Saúde, tirando o direito da coletividade e quebrando a igualdade de acesso. O gráfico acima traz a quantidade de mandados judiciais entre os anos de 2016 a 2019. Novamente nota-se que os números aumentaram. Grande parte dos custos com a judicialização é direcionado ao atendimento à prestação de serviços ou fornecimento de itens não previstos nas políticas públicas do Sistema Único de Saúde. A maioria das demandas judiciais em que se pleiteia o fornecimento de medicamentos envolve itens não incorporados, experimentais ou que não atendem aos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas. O gráfico abaixo faz um aparato geral dos gráficos citados anteriormente e  mostra o custo da judicialização da saúde entre os anos de 2016 e 2019. Fonte: BANDEIRA, Cícero Oliveira. Demandas Judiciais – Custo da Judicialização. Superintendência de Assuntos Jurídicos. 2019. Para a quantidade de pacientes atendidos do ano de 2019 foram considerados os valores apresentados no RQDA no NDJ para o respectivo ano. Já os valores apresentados nos anos anteriores tiveram por base os dados lançados na planilha Diretoria de Contencioso (DCONT) de mandados e prevenções para pacientes atendidos, tendo em vista que o NDJ foi criado em Março/2017, não havendo a possibilidade de análise de série histórica para os anos de 2016 e 2017, e para o ano de 2018 não havia estrutura de servidores para fazer o acompanhamento do RQDA do respectivo ano.   1.4 A Programação Anual De Saúde (PAS) A Programação Anual de Saúde – PAS contém as ações e serviços de saúde que serão utilizadas no ano subsequente a sua elaboração. Ela é responsável por guiar a preparação do orçamento em saúde.  A LC nº 141/2012 dispõe:   “Art. 36, §2º Os entes da Federação deverão encaminhar a programação anual do Plano de Saúde ao respectivo Conselho de Saúde, para aprovação antes da data de encaminhamento da lei de diretrizes orçamentárias do exercício correspondente, à qual será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público (LC nº 141/2012).”   Neste contexto, vale mencionar que o Plano de Saúde, a PAS e o Relatório de Gestão são interligados e compõem o planejamento para operacionalizar o SUS. O Plano de Saúde é a ferramenta básica para nortear a Programação Anual de Saúde.  Na visão de DUTRA (2018, p.28) o Plano:   “Apresenta as intenções e os resultados a serem buscados no período de quatro anos, expressos em objetivos, diretrizes e metas. Como instrumento referencial, no qual devem estar refletidas as necessidades e peculiaridades próprias de cada esfera, configura-se a base para execução, o acompanhamento, a avaliação e a gestão do sistema de saúde, de modo a garantir a integridade desta.”   O Plano de Saúde é essencial no planejamento para definir e implementar iniciativas na área da saúde, tem como escopo as precisões da população, os atributos de cada esfera; isso, através de uma análise situacional. Deste modo, a preparação do Plano de Saúde deve ser feita de maneira ascendente e participativa, devendo basear-se nas necessidades da sociedade que podem se manifestar durante a audiência pública que é realizada para a preparação do Plano, visando à transparência e a visibilidade, os planos devem ainda especificar o procedimento de alocação dos recursos. A Programação Anual é referência no cumprimento das ações e serviços de saúde, contém os recursos orçamentários e outros elementos que colaboram para a execução das metas instituídas no Plano de Saúde, prevendo a alocação dos recursos orçamentários. Conforme GARCIA E REIS (2016, p. 46):   “O Plano de Saúde, a Programação Anual de Saúde e o Relatório Anual de Gestão expressam o sistema de planejamento do SUS e são instrumentos específicos de cada esfera, estratégicos para o alcance da capacidade resolutiva e efetivação dos acordos do Pacto pela Saúde.”   Desta maneira, a PAS deve conter ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde.  As regiões de saúde deverão conter ações e serviços de atenção primária, urgência e emergência, atenção psicossocial e vigilância em saúde. De acordo com DUTRA (2018, p.28):   “A Programação Anual de Saúde Deve conter a definição das ações que, no ano específico, irão garantir o alcance dos objetivos e o cumprimento das metas do Plano de Saúde; o estabelecimento das metas anuais relativas a cada uma das ações definidas; a identificação dos indicadores que serão utilizados para o monitoramento da Programação; e a definição dos recursos orçamentários necessários ao cumprimento da Programação.“   Segundo o texto citado, fica esclarecido que a gestão faz todo um planejamento para execução das metas do Plano. Entretanto, as interferências das determinações dos magistrados podem vir a prejudicar o que está previsto na PAS, gerando um possível desequilíbrio em tudo o que foi planejado. Ainda de acordo com DUTRA (2018, p. 30):   “No âmbito do SUS, pra execução dos recursos do Fundo de Saúde, o Gestor deve observar: o Plano de Saúde, o PPA, a LDO e a LOA, visto que a aplicação dos recursos vinculados à saúde deve estar em conformidade com os objetivos e metas estabelecidas, dada determinação da Lei n. 8.080 de 1990 e a LC n. 141, de 2012.”   O Secretário da Pasta da Saúde deverá observar a previsão contida na PAS acerca do emprego dos recursos do Fundo de Saúde, posto que tudo deve estar em concordância com o que foi estabelecido. A PAS-2019 do Estado do Tocantins foi apresentada ao Conselho Estadual de Saúde em 06 de dezembro de 2018, e apresenta trinta e oito ações orçamentárias como projetos, atividades e operação, além de oito objetivos temáticos e um objetivo de manutenção da gestão (TOCANTINS, 2018). As ações da Programação Anual de Saúde do Tocantins podem ser encontradas no sítio eletrônico da Secretaria de Estado da Saúde (SES-TO).   1.5 Impactos orçamentários causados pela judicialização da saúde A judicialização da saúde no Tocantins consome cerca de 10% do orçamento previsto para custeio na fonte do tesouro estadual (Fonte 102), grande parte das demandas são as de aquisição de medicamentos que não estão incorporados, fora do protocolo de atribuição da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e esta situação gera um desequilíbrio orçamentário na Pasta, sendo fator determinante a inexistência das políticas públicas de saúde e dificultando a execução do que foi planejado na Programação Anual de Saúde. Os recursos destinados à saúde nunca são suficientes para atender os crescentes casos de judicialização, sendo considerado o impacto orçamentário causado pelas demandas em excesso. Segundo BUÍSSA, BEVILACQUA E MOREIRA (2018, p. 39):   “Quando da elaboração da Lei Orçamentária Anual (LOA), não há conhecimento acerca das ações judiciais em tramitação ou que tramitarão em matéria de saúde pública, de modo a se inviabilizar um exato dimensionamento do montante a ser gasto pelo ente a este título.”   Nesse contexto, a administração pública não tem como prever o que será gasto com as ações judiciais, embora ao elaborar a PAS seja reservada uma ação para atender as determinações dos magistrados, ainda assim é impossível saber o montante a ser gasto nesse setor devido ao aumento nos casos de judicialização. A lei orçamentária brasileira estabelece a quantidade de recursos, receitas e despesas destinados à saúde que serão realizadas no ano subsequente a sua elaboração e aprovação, buscando dar efeito ao princípio da universalidade, assegurando a saúde acessível a toda comunidade. Se há determinações judiciais que impetram gastos públicos, efetivamente, será efetuada deslocação de recursos que seriam gastos com outras ações e serviços, tirando o direito de alguns para garantir um direito em particular. Ainda de acordo com BUÍSSA, BEVILACQUA E MOREIRA (2018, p. 39):   “Por conta dessa escassez de recursos públicos a serem usados nesta área, e da necessária ocorrência de “escolhas trágicas”, tem-se buscado uma limitação no âmbito das decisões judiciais exaradas, o que se deu com a importação da teoria alemã da “reserva do possível”.”   Segundo a teoria da reserva do possível, os direitos sociais são efetivamente prestados ficando adstritas às capacidades financeiras do Estado, esses direitos são financiados pelos cofres públicos. Nesse sentido, deve ser analisada a possibilidade jurídica e a capacidade orçamentária, da mesma forma em que deve ser analisada a competência dos entes da federação para a garantia desse direito. Neste sentido, na visão de BUÍSSA; BEVILACQUA; MOREIRA (2018, p. 39):   “O primeiro órgão a quem compete fazer minuciosa análise dos limites fáticos do orçamento seria o legislador, ao elaborara a LOA. O poder executivo, num segundo momento, daria concretude ao disposto em lei, efetivando a execução orçamentária com a eleição de prioridades a serem atendidas. O judiciário não poderia interferir nesta seara.”   A Constituição Federal de 1988 instituiu o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), visando o equilíbrio orçamentário e o planejamento estatal para consolidar as políticas públicas com alcance coletivo dos cidadãos. Deste modo, o Poder Judiciário fica impedido de interferir nesses planejamentos.  O PPA tem a função de garantir a transparência dos gastos públicos, além de ser um plano que contém as ações pretendidas pelo Governo. Segundo MAZZA (2014, p.373):   “A possibilidade de se efetuar gastos em saúde sem antes haver uma relação com o seu programa é inexistente; a LRF obriga a interação dos instrumentos de planejamento e orçamento – PPA, LDO e LOA -, que são leis e determinam financeiramente, através de alocação de recursos públicos, as ações prioritárias para o atendimento das demandas da sociedade.”   A administração pública faz todo um planejamento para cumprimento das ações da Programação Anual de Saúde sendo estas de médio e longo prazo, ficando instituídas no plano as políticas públicas e medidas em que serão investidas o orçamento.  A LDO serve para garantir o que está previsto no PPA e funciona como uma ligação entre o que está previsto nas metas e a aplicação do orçamento previsto na LOA. Grande parte do que é gasto com determinações judiciais está relacionada a demandas para aquisição de medicamentos que não estão incorporados, experimentais, fora de protocolo e de atribuição dos demais entes da federação.  No entendimento de PAIM (2018, p. 91):   “Ressalta-se que o orçamento da saúde é limitado, e toda e qualquer decisão judicial que determina o fornecimento de um serviço ou medicamento não inserido na lista do RENASES ou RENAME acaba por acarretar a deficiência na prestação de outro serviço do SUS.”   Segundo a aludida autora, é necessário que as decisões judiciais sejam repensadas, pois elas podem acarretar uma possível desorganização do Sistema Único de Saúde, ou seja, tudo o que foi programado para atender o coletivo acaba sendo quase impossível de ser realizado para que possa ser cumprida uma ordem judicial garantindo um direito individual, deixando os menos favorecidos em situação de desassistência. O orçamento da saúde possui uma limitação, por essa razão existe toda uma programação para que ele seja gasto da melhor forma possível, pensando em dar assistência à população. Os grandes números de decisões judiciais acabam por causar uma desorganização na administração pública gerando um intenso impacto orçamentário para cumprimento das determinações dos magistrados, sejam com a aquisição de medicamentos de alto custo, insumos, equipamentos e realização de cirurgias. Todas essas demandas não podem ser previstas pelos gestores, por isso, a administração precisa fazer deslocamento de recursos públicos para cumprimento das determinações judiciais, em virtude desse cenário deixa desassistida parte da população. Na visão de MAZZA (2014, p. 374):   “Ocorre que o Poder Judiciário não observa e não considera muitas vezes as políticas que envolvem o Direito à Saúde, ficando restrito somente a uma leitura do ordenamento jurídico sem observar o planejamento orçamentário, conforme estabelece a exigência legal da LRF, inviabilizando desta forma a sustentabilidade financeira da política de saúde devido a incompatibilidade entre a decisão do Poder Judiciário e o campo normativo das finanças públicas – exigência a ser cumprida pelo Poder Executivo. “   A judicialização da saúde transfere para o juiz o poder para deliberar políticas públicas e essas deliberações têm sido individuais, tirando o direito que seria da coletividade. Assim, o poder judiciário acaba sendo quem decide onde aplicar e para quem aplicar, mas não é feita uma análise quanto ao impacto que essas decisões podem causar no orçamento público e em toda Programação Anual de Saúde (PAS). Ainda conforme MAZZA (2014, p. 374):   “Nota-se que, mesmo a decisão judicial sendo direcionada a concretização do direito fundamental social à saúde, ela não considera a complexidade dos critérios normativos legais e a possibilidade da execução por meio dos recursos alocados no orçamento.“   A saúde pública possui uma escassez de recursos, porém, são muitas as necessidades da população. Desta forma, antes de tomar uma decisão os magistrados devem fazer uma análise em relação aos recursos orçamentários para que seja evitado o não cumprimento das políticas públicas de saúde prevista na Programação Anual e que foram planejadas para melhor atender os cidadãos. Para mais perfeito entendimento, à luz de MAZZA (2014, p.374):   “É importante mencionar, ainda, que ocorrem impactos orçamentários gerados com a realocação de recursos para que as decisões judiciais sejam cumpridas, prejudicando assim quem se beneficiaria destes recursos e as políticas públicas da pasta da saúde e, até mesmo, de outras pastas.“   Ainda de acordo com o autor, as determinações dos magistrados causam grande impacto no orçamento isto porque recursos precisam ser realocados, impossibilitando o cumprimento das políticas que foram planejadas pela gestão para serem cumpridas no ano subsequente a sua elaboração. MAZZA (2014, p. 374) ainda afirma que:   “O Poder Judiciário deve basear-se em alguns parâmetros e na exata noção das consequências de suas decisões, tendo em vista que de uma forma ou outra, suas decisões implicarão no orçamento público, causando impacto, exigindo realocação forçada de recursos e prejudicando quem se beneficiaria originalmente destes recursos do Estado.”   Neste sentido, o Poder Judiciário além de seguir as normas jurídicas também deve analisar o contexto econômico antes de qualquer decisão. Os bloqueios judiciais e a realocação de recursos para a garantia do cumprimento da determinação judicial têm sido constantes e isso tem causado grande preocupação aos gestores da área da saúde. A interferência do Poder Judiciário gera desequilíbrio no funcionamento da Programação Anual de Saúde, fazendo com que muitas vezes os recursos orçamentários sejam realocados, interferindo no cumprimento das ações e serviços previstos na Programação.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a realização deste estudo  foi possível analisar o quanto a reflexão acerca da  judicialização da saúde é de extrema importância, um fenômeno que vem crescendo nos últimos dez anos por causa de diversos problemas: falta de infraestrutura, investimento e por ser uma garantia à população na obtenção de medicamentos ou cirurgias que não estão dentro da política pública de saúde, causando uma desorganização nessas políticas. O aumento da judicialização evidencia que alguns cidadãos entendem que os problemas de acesso ao SUS se resolvem com ações judiciais. Alguns podem até conseguir, mas, sendo impossível garantir solução de acesso a todos, via ação judicial. Esta instabilidade inviabilizaria o funcionamento de órgãos como o Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 preconiza, no artigo 196, que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo o acesso universal e igualitário por meio de políticas públicas sociais e econômicas, prevendo a diminuição do risco de doenças e outros agravos. Isso significa que o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) será assegurado a todos, sem qualquer tipo de regalias. Para garantir esse direito a Programação Anual de Saúde (PAS) contém as ações, os recursos orçamentários e outros elementos que colaboram para a execução das metas e objetivos da Programação Anual, com a finalidade de prever a alocação dos recursos financeiros a serem usados no ano subsequente a sua elaboração. A PAS é referência na execução dos serviços de saúde, porém a interferência de fator externo gera desequilíbrio em seu funcionamento. Por fim, acredito que o excesso de judicialização prejudique a maior parte da população.  É perceptível que judicializar não é solução para que os cidadãos garantam o acesso à saúde, visto que isso pode criar grandes dificuldades no funcionamento de órgãos importantes do Estado, prejudicando assim a melhoria da prestação de serviços do Sistema Único de Saúde, uma vez que quebra a igualdade do acesso à saúde, consumindo recursos financeiros, criando uma segunda porta de entrada e enfraquecendo a política pública de saúde.  Assim, os cidadãos que não possuem um determinado grau de instrução acabam arcando duas vezes por este excesso de judicialização, por não possuírem os recursos e conhecimento necessários para procurar o judiciário em busca de seus direitos via ações judiciais e a segunda, mas não menos importante, pelo fato dos recursos financeiros que seriam gastos com políticas públicas, sendo, por muitas vezes,  realocados de sua programação inicial para arcar com  as determinações dadas pelos magistrados. Acredito que todos os operadores do direito devem agir com discernimento, principalmente quando estiverem de frente com alguma demanda de saúde, evitando obrigar a administração pública a fazer gastos que possam causar impactos aos cofres públicos e prejudicar de alguma forma a coletividade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/judicializacao-da-saude-impactos-da-judicializacao-da-saude-no-orcamento-do-estado-do-tocantins/
A Falta de Coragem do Estado para a Utilização da Requisição Administrativa na Atual Pandemia
Este artigo tem como enfoque a análise da aplicação no Brasil do instituto jurídico da requisição administrativa, suas características e suas consequências se presentes seus pressupostos. Leva-se em consideração a postura do Estado brasileiro perante a iniciativa privada, ao se deparar com a necessidade de rápida obtenção de produtos e serviços direcionados à saúde, na condução da pandemia decorrente do Sars Cov-2 em seu território. Outrossim, é utilizado o método bibliográfico, somado à aplicação das regras de hermenêutica, e acrescidas da opinião da autora. Nesse panorama, verifica-se que o Estado brasileiro mesmo tendo a seu dispor o instituto da requisição elevado à posição de Direito Constitucional quase não lhe utiliza, ao contrário, demonstra-se muito receoso e constrangido em requisitar bens ou serviços da iniciativa privada. Sendo assim, verifica-se a importância desse trabalho ao demonstrar a falta de habilidade estatal no manejo do instituto, ao preferir o Estado brasileiro manter-se na posição de pedinte de uma solidariedade privada, até mesmo internacional, ignorando o fundamento da solidariedade social interna, do que fazer uso de seu direito de coerção. Além disso, por várias vezes o Estado brasileiro, quando tem a coragem de utilizar dessa coerção, a faz de forma desordenada e tímida, tentando requisitar de outras pessoas políticas como ele, o que não é permitido, na verdade, o intuito é poupar a iniciativa privada.
Direito Administrativo
Introdução A requisição administrativa caracteriza-se por ser uma das espécies possíveis de intervenção do Estado na propriedade privada, fundamentada na condição do atendimento da função social da propriedade, a requisição é medida excepcional, porém possível no ordenamento jurídico brasileiro. Se o Estado brasileiro optou pelos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como um de seus princípios fundamentais, e consequentemente o modelo econômico capitalista, nem por isso o regime jurídico administrativo deixou de ter como pilares a supremacia do interesse público e a legalidade.   Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;(grifos nossos) V – o pluralismo político.   Com a mesma envergadura constitucional a propriedade privada foi protegida como um dos direitos fundamentais, no artigo 5º da CF, mas sem ser dispensada do cumprimento de sua função social Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII – é garantido o direito de propriedade; XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;   Requisição é a modalidade de intervenção estatal através da qual o Estado utiliza bens móveis, imóveis e serviços particulares em situação de perigo público iminente. Anteriormente, a requisição era instituto que só tinha aplicação em situação de guerra ou de movimentos graves de origem política. Hoje, a requisição administrativa está presente no Direito Administrativo brasileiro, servindo para fins militares e também civis. Há, portanto, dois tipos de requisição atualmente: a requisição civil e a requisição militar. O administrador público não é livre para requisitar bens e serviços a seu bel prazer e quando quiser, para que possa fazê-lo, é necessário que esteja presente uma ou várias situações de perigo público iminente, vale dizer, aquele ou aqueles perigos que não somente coloquem em risco a coletividade, como também que estejam prestes a se consumar ou a expandirem-se de forma irremediável se alguma medida pública não for adotada. Em várias situações de risco iminente em países capitalistas as classes mais abastadas detém maiores possibilidades de sua proteção por possuírem condições econômicas suficientes para o consumo dos materiais necessários à segurança própria, quando esses são existentes no mercado, outrossim os vendedores de tais proteções poder-se-iam aproveitar-se do momento de necessidade e elevar os preços dos materiais ou produtos necessários ou até mesmo preferir a venda de tais produtos a essas classes mais favorecidas. As situações de risco são causadas não apenas pelas ações humanas, mas de igual maneira aos fatos da natureza, como inundações, epidemias, catástrofes e outros fatos do mesmo gênero. Não poderia o administrador público ficar sem munição jurídica e restar-lhe a empáfia frente a uma necessidade de bens ou serviços existentes e úteis para a coletividade, numa situação de iminente perigo público, ao saber da existência  desses bens e serviços existentes em massa na iniciativa privada à disposição do mercado. Causam estranheza as notícias de atrasos nos resultados dos exames para a detecção do Sars Cov-2, popularmente conhecido como Covid 19, por exemplo no Brasil, consubstanciado no fato de que os laboratórios públicos estariam com grande demanda para a realização dos exames, ou mesmo haveria um mal acondicionamento das amostras que teriam que perfazer uma viagem desse material, se proveniente do interior, para o laboratório público da capital; estranheza essa é causada pela possibilidade jurídica da requisição administrativa no Brasil, sendo esses exames de laboratório um excelente objeto justificado temporariamente da utilização do instituto em estudo. Se a requisição administrativa compreende a utilização temporária de serviços privados, e presentes os requisitos para a utilização da mesma, e o instituto jurídico é previsto na legislação pátria, até mesmo em nível constitucional, qual o motivo de haver no Brasil a chamada subnotificação? A realidade fática no Brasil, a partir da data de 19 de março de 2020 foi a de inúmeros laboratórios particulares de análises clínicas renomados fechados, ou em significativa diminuição de atendimento e análises de material, face à quarentena determinada pelos vários estados e municípios, e porque não dizer também pela união, essa última embora não demonstre uma plena concordância com as medidas de isolamento na figura do Presidente da República, também não expressa oficialmente, por meio do Ministério da Saúde, a desnecessidade da mesma, ao contrário, se for levada em consideração as determinações do Ministério da Saúde essas são no sentido da manutenção do isolamento. O fato é que o debatido ou festejado isolamento, não é esse o objeto do artigo, fez com que os laboratórios privados começassem a trabalhar em passos vagarosos, coexistindo uma imensa gama de equipamentos aptos à análise clínica e de última geração em produção baixa na iniciativa privada, com uma imensa demanda de exames convergidas para os poucos laboratórios públicos existentes. Coexiste também nessa situação, de um lado funcionários dos laboratórios privados com serviço reduzido e até risco de demissão  e de outro lado um aumento extraordinário de serviços públicos nessa seara laboratorial inclusive, que agora, sem entrar em questões como as de concursos públicos e contratação emergencial, encontraria no ordenamento a alternativa da requisição desse serviços laboratoriais prestados pela iniciativa privada. Mas parece que não foi essa a decisão, mais uma vez o administrador público se mostra tímido e reticente ao instituto, talvez por questões políticas, de fato a medida não é nada simpática! Quando muito, a princípio, houve algumas requisições de máscaras, mas com o passar do tempo e as notícias da mídia somadas às várias interpretações populares desencorajaram os administradores públicos, e mesmo em tempo de pandemia mundial voltou o velho instituto da requisição administrativa ao seu lugar de tema clássico da doutrina administrativista e nada mais. Se existe ou existiu subnotificação de exames de constatação da presença do Sars cov-2 no Brasil, a ponto de atravancar os resultados numéricos necessários à elaboração de políticas públicas eficazes nessa seara, um dos motivos para isso foi porque não se fez uso da requisição dos serviços laboratoriais particulares no momento certo, já no início. A falta de notificação, quase que precisa, traz uma ignorância da realidade, levando o administrador a andar em ponto cego, a ser capaz de mascarar situações, de falsear a paz onde de fato há perigo, colocando em risco toda uma população.   É prevista no inciso XXV do artigo 5° da Constituição, in verbis: “no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”; o artigo 22 da carta magna também reforça sua existência ao estabelecer a competência privativa da União para legislar sobre o assunto:   Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; II – desapropriação; III – requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra; … No artigo 22 da CF fica claro a existência da requisição civil e não somente a militar, desde que o caso seja de iminente perigo, segundo Di Pietro (2017, p.213): “ Em suas origens no direito brasileiro, só se admitiam as requisições em tempo de guerra ou de comoção intestina grave (art. 80 da Constituição de 1891 e art. 591 do Código Civil de 1916). As Constituições de 1934, 1946 e a de 1967 previam a competência da União para legislar sobre requisições civis e militares em tempo de guerra”.   Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2018 p. 934), no âmbito infraconstitucional tem-se o Decreto-Lei nº 4.812, de 08.10.42, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 5.451, de 30.04.43, que continua em vigor, já que adequado ao art. 5º, XXV, da CF e disciplina o poder de requisição civil e militar.  Acresce a Lei Delegada nº 4, de 26.09.62 (regulamentada pelo Decreto Federal nº 51.644-A, de 26.11.62) e Decreto-Lei nº 2, de 14.1.66, voltados para a intervenção no domínio econômico e para os bens e serviços necessários ao abastecimento da população. Ainda no âmbito infraconstitucional, como a Constituição Federal vigente (1988) estabeleceu que a competência privativa para legislar sobre o assunto requisição administrativa é da União, assim foi feito especificamente com relação à área da saúde, onde por meio da lei federal 8080/1990 dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Nesta lei é estabelecida no artigo 15 inciso III expressamente a possibilidade de requisição pela autoridade competente da esfera administrativa correspondente de bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de pessoas jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização. O caput do artigo 15 diz que a atribuição para a requisição é tanto da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios se a necessidade estiver presente em seu âmbito administrativo. A necessidade que autoriza a possível decisão pela requisição é a de, conforme os ditames da lei 8080/1990, atendimento das necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias. Vejamos: Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado. (grifos nossos) Das Atribuições Comuns Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições: XIII – para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização; (grifos nossos) … Veja-se portanto que, no plano da saúde, a autorização legislativa de competência privativa da União já foi feita há quase trinta anos atrás. Por si só os entes federados já estariam habilitados legalmente às requisições para os exames laboratoriais por exemplo. Mas o legislador federal, face às atualidades da pandemia mundial, foi além e ainda promulgou a lei 13.979/2020, em 06 de fevereiro do ano corrente, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019, sendo permitido por essa lei a adoção no âmbito de suas competências, dentre outras, medidas como determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coletas de amostras clínicas entre outras medidas, conforme a redação dada pela Medida Provisória nº 926 de 2020, vejamos: Art. 1º  Esta Lei dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Art. 3º  Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020) I – isolamento; II – quarentena; III – determinação de realização compulsória de: … VII – requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa; e (grifos nossos) … Somente pela análise da legislação federal antes apresentada, denota-se a presença de um arcabouço legislativo amplo e suficiente para as requisições de exames e testes laboratoriais, no entanto apesar de inúmeros decretos de calamidade pública editados pelos chefes dos executivos dos entes federados, e até algumas requisições de EPIs, de nenhuma repercussão foi se é que houve alguma requisição de testes laboratoriais, coletas de amostras clínicas da iniciativa privada. É notável, ao menos nesse momento, a timidez e constrangimento com que é encarado por parte do poder público a requisição administrativa, se uma pandemia mundial não foi suficiente para a utilização do instituto o que será então mote para sua utilização? Eis a pergunta que não quer calar. Em estudo da Professora de Direito Administrativo Raquel Carvalho (2020), no artigo intitulado Coronavírus- Quando o Estado mata mais que a Pandemia, a mesma afirma: “ Em alguns locais foram requisitadas pelo Estado estruturas hospitalares sem uso e vazias, como é o caso do “Hospital Espanhol” em Salvador, o mesmo ocorrendo em outros Estados com bens móveis e insumos essenciais. Assim procedeu-se em Minas Gerais, Estado que vem enfrentando a ausência de EPIs e álcool gel (que precisam ser distribuídos aos profissionais antes do pico de demandas nas unidades de saúde, provavelmente no início de abril) com o emprego de medidas legais que buscam equilibrar atendimento de necessidade social, estruturação de serviços indispensáveis, não comprometimento da atividade das empresas e preservação dos empregos.”   A requisição é um ato administrativo com todos os seus pressupostos jurídicos, é um ato administrativo unilateral independente de qualquer aquiescência do proprietário, é direito pessoal da Administração, seu pressuposto fático é o perigo público iminente; incide sobre bens imóveis, móveis e serviços; é um ato auto-executório, que não depende da autorização prévia do poder judiciário, depende sim da decretação da situação, em regra por meio de um decreto do executivo de situação de urgência, calamidade etc; caracteriza-se pela transitoriedade, uma vez utilizado o bem e cessadas as condições autorizativas da requisição previstas no decreto a manutenção da mesma perde o suporte do pressuposto fático; a indenização, se houver, é ulterior e o valor a ser indenizado pode ser discutido judicialmente e será diferente conforme o objeto requisitado, muitas vezes podendo ser impossível a sua devolução pelo consumo integral do mesmo, diferente se o objeto requisitado for imóvel, utilizado por pouco tempo e devolvido sem dano, no caso último pode ser discutida até a desnecessidade de indenização. “É sempre um ato de império do Poder Público, discricionário quanto ao objeto e oportunidade da medida, mas condicionado à existência de perigo público iminente… e vinculado à lei quanto à competência da autoridade requisitante, à finalidade do ato e, quando for o caso, ao procedimento adequado, esses quatro últimos aspectos são passíveis de apreciação judicial, notadamente para a fixação do justo valor da indenização.” ( HELY LOPES MEIRELLES em Direito Administrativo Brasileiro, 37ª edição, 2011, Malheiros Editores, p.678).   Veja que conforme as lições acima do renomado autor, a finalidade do ato de requisição deve ser a finalidade pública, consubstanciada na situação de perigo da pandemia e fundamentada na supremacia do interesse público sobre o interesse particular, no caso a saúde pública, e o objeto requisitado deve ser suficiente e apto ao enfrentamento da situação; o que não pode haver é o chamado desvio de finalidade, ou seja não pode haver uma escolha pessoal fundada em sentimentos de ordem íntima de perseguições, vinganças, desavenças políticas em face desse ou daquele fornecedor. Não há óbices em requisitar várias pequenas quantidades do mesmo objeto de diferentes fornecedores, ao contrário isso demonstra a falta de pessoalidade no ato que não deve ser dirigido a essa ou aquela pessoa, mas sim focado na aquisição desse ou daquele serviço ou bem. É como a jurisprudência bandeirante entende, perfilhada nos autos da Apelação Cível TJ/SP n. 149.172-1 -1991- São José dos Campos – Recorrente: Juízo Ex Officio – Apelante: Municipalidade – Apelados: Clínica São José S. C. Ltda. e outros: MUNICÍPIO – Sistema médico-hospitalar – Requisição, mediante decreto, dos serviços no setor privado – Insuficiência de leitos nos hospitais públicos e nos contratados e conveniados com o Poder Público – Motivo que não configura perigo público iminente ou calamidade pública – Interpretação da Lei Federal n. 6.439, de 1977 – Deliberações requisitórias, ademais, revestidas de indisfarçável desvio de poder – Nulidade do decreto – Segurança concedida – Recurso não provido.(TJSP – Apelação Cível n. 149.172-1/1991 – Rel. Des. Antonio Marson) MUNICÍPIO – Sistema médico-hospitalar – Requisição, mediante decreto, dos serviços no setor privado – Insuficiência de leitos nos hospitais públicos e nos contratados e conveniados com o Poder Público – Motivo que não configura perigo público iminente ou calamidade pública – Interpretação da Lei Federal n. 6.439, de 1977 – Deliberações requisitórias, ademais, revestidas de indisfarçável desvio de poder – Nulidade do decreto – Segurança concedida – Recurso não provido. Apelação Cível n. 149.172-1 – São José dos Campos – Recorrente: Juízo Ex Officio – Apelante: Municipalidade – Apelados: Clínica São José S. C. Ltda. e outros. ACÓRDÃO ACORDAM, em Oitava Câmara Civil do Tribunal de Justiça, por votação unânime, negar provimento aos recursos de conformidade com o relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. … Com efeito, para se caracterizar “perigo público iminente”, a justificar requisição administrativa, na lição dos doutos, como assinalado no estudo transcrito na respeitável sentença (fls. 122/126), mister se verifiquem ocasiões de guerra, revolução, catástrofe provocada por acontecimentos da natureza, verbi gratia, epidemias, inundações, terremotos e acontecimentos semelhantes. Por outro lado, para evidenciar “calamidade pública”, conforme lições trazidas à baila pelo ilustre Julgador e da lavra de JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, que também perfilho, importa que se sucedam aqueles fatores anormais e adversos afetando gravemente a comunidade, exemplificados pelo eminente administrativista com secas prolongadas e devastadoras, grandes incêndios e inundações, outros flagelos semelhantes, a invasão súbita do território de um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial, apta a expandir-se de forma epidêmica, de disseminação rápida e de alta letalidade, todas estas ocorrências bem diversas “…daquelas que só se desenvolvem ao favor da ausência de providências adequadas e do descuido no emprego dos meios conhecidos de profilaxia usual”. Pois bem. Todas estas situações anômalas não se deram em São José dos Campos, com relação aos serviços de saúde, nem a elas se adaptam os fatos indicados como motivação para o Alcaide baixar o ato requisitório malsinado. … Esse julgamento deixa claro que não basta apenas a vontade do Poder Público em utilizar um bem privado, alegando a necessidade, é preciso que todas as outras alternativas estejam, de fato, esgotadas e que esteja evidente o perigo iminente ou o caos público que justifique a requisição.   Já mencionado que o Estado brasileiro na democracia vem se mostrando reticente a utilizar a requisição administrativa perante a iniciativa privada, por razões que não se sabe ao certo, mas sem ignorar o instituto e ainda assim manter-se longe de aborrecimentos com a iniciativa privada apela o Estado para a pior decisão, qual seja, a de requisitar bens ou serviços de outras pessoas jurídicas, sim a União com toda sua força para angariar o que necessita da iniciativa privada ao invés disso prefere requisitar de outras pessoas jurídicas de direito público também, disputando assim o instituto com os outros entes políticos como ela o é, retirando de si mesma na generalidade, retirando do público pelo público, o que poderia ter outra raiz, pois autorizado a retirar do privado pelo público. É inacreditável tal escolha, mas sim ela existe, o Estado prefere oprimir se para salvaguardar o capital privado, talvez por ser esse, o capital privado quem de fato detém o poder, o Estado como desenhado no Brasil tem o capital como um aliado importante. A história nos mostra que a democracia – por mais ampla que seja –, é sempre colocada sob limites por parte da minoria que de fato controla o poder. A desconcentração do poder, que pode ser vista como um exercício pleno de democracia, e o é em parte, é uma forma bastante eficaz de o poder, entendido aqui como macropoder, estender suas ramificações, suas artérias, por todo o corpo social, de forma a controlá-lo com mais eficiência. A democracia, então, só pode ser entendida como tal se não houver concentração de poder, algo que podemos imaginar em uma sociedade, uma comunidade ou um grupo que seja regido sob a forma de colegiado no qual haja um consenso (em lugar de maioria vencendo minoria, como no contrato social rousseauniano)  sobre o que fazer em diversas situações que sejam comuns a todos ou que pelo menos afetem  a um de seus  membros. (CONTEÚDO JURÍDICO, 2014 Macros e micropoderes: uma relação oponente ou complementar? Bandera, Vinicius).   A jurisprudência nos mostra como o Estado brasileiro opta por requisitar bens e serviços dos estados-membros e municípios, MS 25.295-DF vejamos: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. UNIÃO FEDERAL. DECRETAÇÃO DE ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. REQUISIÇÃO DE BENS E SERVIÇOS MUNICIPAIS. DECRETO 5.392/2005 DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. Mandado de segurança, impetrado pelo município, em que se impugna o art. 2º, V e VI (requisição dos hospitais municipais Souza Aguiar e Miguel Couto) e § 1º e § 2º (delegação ao ministro de Estado da Saúde da competência para requisição de outros serviços de saúde e recursos financeiros afetos à gestão de serviços e ações relacionados aos hospitais requisitados) do Decreto 5.392/2005, do presidente da República. Ordem deferida, por unanimidade. Fundamentos predominantes: (i) a requisição de bens e serviços do município do Rio de Janeiro, já afetados à prestação de serviços de saúde, não tem amparo no inciso XIII do art. 15 da Lei 8.080/1990, a despeito da invocação desse dispositivo no ato atacado; (ii) nesse sentido, as determinações impugnadas do decreto presidencial configuram-se efetiva intervenção da União no município, vedada pela Constituição; (iii) inadmissibilidade da requisição de bens municipais pela União em situação de normalidade institucional, sem a decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio. Suscitada também a ofensa à autonomia municipal e ao pacto federativo. Ressalva do ministro presidente e do relator quanto à admissibilidade, em tese, da requisição, pela União, de bens e serviços municipais para o atendimento a situações de comprovada calamidade e perigo públicos. Ressalvas do relator quanto ao fundamento do deferimento da ordem: (i) ato sem expressa motivação e fixação de prazo para as medidas adotadas pelo governo federal; (ii) reajuste, nesse último ponto, do voto do relator, que inicialmente indicava a possibilidade de saneamento excepcional do vício, em consideração à gravidade dos fatos demonstrados relativos ao estado da prestação de serviços de saúde no município do Rio de Janeiro e das controvérsias entre União e município sobre o cumprimento de convênios de municipalização de hospitais federais; (iii) nulidade do § 1º do art. 2º do decreto atacado, por inconstitucionalidade da delegação, pelo presidente da República ao ministro da Saúde, das atribuições ali fixadas; (iv) nulidade do § 2º do art. 2º do decreto impugnado, por ofensa à autonomia municipal e em virtude da impossibilidade de delegação. (STF – MS: 25295 DF, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 20/04/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-117 DIVULG 04-10-2007 PUBLIC 05-10-2007 DJ 05-10-2007 PP-00022 EMENT VOL-02292-01 PP-00172).   Por este acórdão, consequente do fato de em 2005 por meio do Decreto Federal n° 5.392/05 a União ter declarado estado de calamidade no setor hospitalar do SUS do Município Rio de Janeiro e requisitado bens, serviços e servidores de vários outros hospitais públicos, o STF reconheceu a nulidade do ato por falta de fundamentação. Ou seja, foi a não motivação que ensejou o restabelecimento da administração e gestão dos hospitais pelo Município do Rio de Janeiro (Mandado de Segurança n° 25.295-DF), não definindo neste acórdão porém, se há ou não possibilidade de requisição sobre bens e serviços públicos. Não parece razoável, nem necessário usar os bens e serviços de outro ente federativo (Estado ou Município), mediante requisição administrativa, além de violar o pacto federativo, pois interfere gravemente a autonomia dos entes federativos (artigos 1°, 18, 25 e 30 da Constituição). Face ao cenário mundial de pandemia do coronavírus e a situação brasileira em específico, que se mostra ensaísta na situação, tomando medidas acertadas e desacertadas ao mesmo tempo em que nem dados suficientes dispõe para a tomada de melhores decisões. e o inegável colapso do sistema de saúde, que já se inicia, essa questão pode ser ressuscitada e  parece viável estabelecer se desde já a impossibilidade da requisição administrativa de outro ente federativo. Isso porque estará comprometendo gravemente o modelo federativo, que garante autonomia aos entes políticos, e que também é uma cláusula pétrea, adotado pela Carta Magna de 1988. Sendo assim, caso um ente (União ou Estado) entenda ser necessária a utilização de bens ou serviços de outro ente federativo (Estado ou Município), deverá fazê-la por meio da intervenção (art. 34 a 36 da CF), tendo em vista que se exigem pressupostos e trâmite específico, e o rigor é compatível com a gravidade das medidas, mas antes disso deve esgotar a possibilidade da requisição dos mesmos bens e ou serviços na iniciativa privada.   4.Alguns Casos de Requisição na Pandemia de 2020 do Sars Cov-2 para Ilustrar Seria impossível colocar nesse artigo todos os atos de requisição administrativa realizadas pelas pessoas políticas em decorrência da famigerada pandemia, até porque na data de submissão do mesmo a referida encontra-se em continuidade não se tendo a exata noção de quando irá acabar e se o Estado irá sair dessa posição de constrangimento e se tornará proativo nas requisições ou se não será mais necessário caso haja a estabilização da contaminação. Conforme o interessante artigo de  Andréa Pitthan Françolin publicado no site Migalhas em 01 de abril de 2020, intitulado A requisição administrativa em tempos de Covid-19, foi feita uma tabela com as várias requisições administrativas realizadas face à atual pandemia tendo como observação o território do Brasil, nas palavras da autora: “Nesse contexto, hoje, e em razão do Covid-19, vigoram ao menos os seguintes atos requisitórios, cujos objetos variam desde bens imóveis à serviços de pessoas físicas e jurídicas:” Observa-se que se levadas em consideração as dimensões continentais do Brasil, as necessidades decorrentes da pandemia e as requisições até agora realizadas ou ao menos autorizadas por decreto, o número dessas é simbólico e insuficiente para impedir qualquer colapso no sistema de saúde. Não se sabe ao certo o motivo dos rareados casos de requisição no Brasil, talvez um receio e uma dúvida de como serão futuramente cumpridas as indenizações, pode se pensar que por esses valores de indenização serem discutidos judicialmente o Estado mantém-se receoso por não ter o poder de fixar o valor e esse valor ser imutável, indiscutível. Não o valor da indenização caso haja dano não é um ato de poder de império do Estado, ao contrário será plenamente discutido caso o particular entenda que o valor não lhe reembolsa plenamente as perdas e danos.   Conclusão Do apresentado conclui-se que o instituto da concessão administrativa, a princípio utilizado somente nas situações de guerra, mas ora permitido na esfera civil e legitimado no Brasil pela lei ordinária e Constituição Federal nem por isso é  utilizado em grande escala mesmo presentes as condições de calamidade pública, o que se vê é a elaboração de inúmeros decretos declaradores das situações de calamidade pública, pandemias, urgências e emergências, mas de fato a execução das intervenções de bens e serviços na iniciativa privada é mínima. Por  vezes até o Estado brasileiro, na tentativa de furtar-se aos conflitos com a iniciativa privada, viu-se procurando bens e serviços para serem requisitados também de outras pessoas políticas, o que nem seria possível no ordenamento jurídico como demonstrado. Mostrando-se um Estado desalinhado das suas possibilidades, agindo como se fosse menor que seu verdadeiro tamanho, escondendo seu poder, ignorando a solidariedade social que fundamenta a requisição. Ao contrário, o Estado brasileiro mesmo frente a realidade fúnebre já aviltada em outros países, ignora seu poder de fogo jurídico na sua pandemia e prefere fazer uso da solidariedade moral, à quase mendicância face à iniciativa privada nacional e até mesmo internacional dos insumos necessários à preservação da vida dos brasileiros nos hospitais e a prevenção da infecção do Sars Cov-2. Na esfera pública a subnotificação dos casos é um fato, a falta de máscaras de prevenção é um fato, a falta de leitos e unidades de tratamento intensivo nos hospitais são fatos, e o país aparece no cenário mundial como o peticionador de ajuda interna e internacional, o amigo pobre da iniciativa privada que depende de seus favores. Não deixa de ser uma escolha, uma escolha arriscada, mas uma escolha legítima e que trará inúmeras consequências não desejadas e nem previstas tanto pela população como pelo próprio Estado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-falta-de-coragem-do-estado-para-a-utilizacao-da-requisicao-administrativa-na-atual-pandemia/
Coronavírus (COVID-19) e Dispensa de Licitação: análise sob à ótica da Lei 13.979/2020
O presente artigo trata da dispensa de licitação em tempos de crise do coronavírus (COVID-19). A questão é analisada sob o enfoque da Lei 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. Pretende-se esmiuçar a matéria, fazendo uma abordagem mais didática sobre as inovações trazidas pela nova Lei.
Direito Administrativo
Introdução Como amplamente divulgado, o “coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/2019 após casos registrados na China”. Ele é responsável pela doença catalogada como COVID-1. [1] Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto do coronavírus (2019n-CoV) constituía Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).[2] Posteriormente, em 11 de março de 2020, a OMS reconheceu que o novo vírus se espalhou por 114 (cento e quatorze) países do mundo, o que elevou o estado de contaminação para pandemia.[3] A gravidade da situação é tamanha que o Presidente da República, por meio da Mensagem 93, de 18 de março de 2020, requereu o reconhecimento do estado de calamidade pública. Justificou que, devido à pandemia, o cumprimento da meta fiscal geraria riscos de paralisação da máquina pública. O Decreto Legislativo 6, de 20 de março de 2020, por sua vez, reconheceu, em seu art. 1º, a ocorrência do estado de calamidade pública com efeitos até 31 de dezembro de 2020, em decorrência da pandemia da COVID-19 declarada pela OMS. As consequências são as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei 13.898, de 11 de novembro de 2019 (Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO 2020) e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF). Nessa esteira, adotaram-se severas medidas de combate e retardamento da transmissão do coronavírus, a fim de abrandar os danos causados pela COVID-19 à saúde da população e, consequentemente, à economia brasileira.[4] Nesse ponto, salienta-se a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 7 de fevereiro de 2020 (em vigor na data de sua publicação, art. 9º), que “dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019”[5], alterada, até o momento, pelas Medidas Provisórias 926, de 20 de março de 2020; 927, de 22 de março de 2020; 928, de 23 de março de 2020 e 951, de 15 de abril de 2020. Dentre essas medidas, destacam-se os dispositivos relacionados às contratações públicas, haja vista que, para o efetivo enfrentamento da COVID-19, há necessidade de aquisições de bens e insumos, bem como de contratações de serviços, inclusive de engenharia.[6] Tal norma legal se insere na competência privativa da União para legislar sobre as normas gerais de licitações e contratos e pode ser aplicada por qualquer ente da federação — inteligência do art. 22, XXVII, da Constituição Federal.[7] Um dos dispositivos da nova Lei, qual seja, o art. 4º, se refere à dispensa de licitação nos casos em que o objeto contratado tiver como finalidade o combate ao coronavírus. Contudo, considerando-se a dispensa emergencial do art. 24, IV, da Lei 8.666, de 21 de junho de 1996, indaga-se: Qual fundamento legal deve ser utilizado nessas contratações? É o que se pretende analisar nos tópicos seguintes, expondo-se, especialmente, os aspectos que devem ser observados nas dispensas de licitação para o enfrentamento da emergência de saúde pública internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).   Segundo o Superior Tribunal de Justiça – STJ, “nas contratações da Administração Pública, a regra é a realização de prévia licitação. Os casos de dispensa e inexigibilidade são exceções e exigem justificativa fundamentada do gestor público”.[8] É nesse sentido que dispõem o art. art. 37, XXI, da Constituição Federal e o art. 2º da Lei 8.666/1993, que regulamenta o primeiro, vejam-se:   “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (…) XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (destacou-se)        Art. 2o  As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.” (sem grifos nos original)   Verifica-se que a Constituição Federal possibilita a contratação direta nos casos especificados pela lei, o que gera uma reserva legal e o dever de previsão expressa para as dispensas de licitação. Como o próprio nome já diz, a dispensa de licitação é hipótese de contratação direta (sem prévia licitação) em que o procedimento licitatório pode ser realizado, mas a lei permite que o administrador público o dispense. As hipóteses de dispensa de licitação estão previstas no art. 24 da Lei 8.666/1993. Entretanto, abordar-se-á, no presente estudo, tão somente o inciso IV do artigo em referência, que dispõe sobre a dispensa de licitação em razão de emergência ou calamidade pública (contratação emergencial):   “Art. 24.  É dispensável a licitação:  (…) IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;”   Da leitura do dispositivo legal supracitado, constata-se que ele se amolda à situação atualmente vivenciada em decorrência da pandemia do coronavírus, o, que em um primeiro momento, sugere a possibilidade de utilização desse enquadramento nas contratações relacionadas ao combate da COVID-19. Todavia, este raciocínio é equivocado. Isso porque, “a Lei 8.666/1993, enquanto norma geral de licitações e contratos, aplica-se às contratações regidas pela Lei 13.979/2020 de forma subsidiária, naquilo que: a) não for tratado expressamente por esta Lei; b) não estiver em desconformidade com o regime jurídico desta Lei (leia-se, não for tratado implicitamente pela Lei) e c) tiver a natureza de ´regra geral´”.[9] Em outros termos, a Lei 13.979/2020 é específica e, segundo as regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (art. 2º, § 2º)[10], prepondera sobre a norma geral, qual seja, a Lei 8.666/1993. Embora as normas especiais não revoguem as normas gerais (art. 2º, § 2º, da LINDB), elas criam um âmbito específico de incidência, dentro dos quais aquelas normas gerais somente ingressam quando couberem (princípio da especificidade).[11] Ademais, não se trata apenas de uma lei específica, a situação toda é, a priori, integralmente nova.[12] Em sendo assim, conforme já afirmado, dentre as medidas trazidas pela Lei 13.979/2020, há específica previsão de dispensa de licitação, espécie de contratação direta, para aquisições (bens e insumos) e contratações de serviços, inclusive de engenharia, nos casos em que o objeto a ser contratado tiver como finalidade o combate ao coronavírus, litteris:   “Art. 4º  É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei. (Redação dada pela Medida Provisória nº 926, de 2020)   Desse modo, a fundamentação legal deve se dar, apenas, no artigo 4º da Lei 13.979/2020, haja vista a nova dispensa de licitação ser específica e temporária. Não se confunde, por conseguinte, com a dispensa emergencial do art. 24, IV, da Lei 8.666/1993. Acerca do tema, convém frisar que, sob à ótica da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB[13], o novo Diploma Legal constitui norma específica e, consequentemente, de aplicação limitada às medidas de combate à COVID-19, bem como restrita ao tempo em que durar a crise ocasionada pela necessidade de enfrentamento do vírus (art. 4º, § 1º). Dirimidas as dúvidas acerca do enquadramento legal, passa-se à abordagem dos requisitos materiais e processuais, o que envolve igualmente os aspectos contratuais relativos a tais dispensas.   1.1 Aspectos materiais, procedimentais e contratuais A hipótese de dispensa de licitação do art. 4º da “Lei do Coronavírus” afasta algumas condicionantes burocráticas, ou seja, possui um número menor de requisitos, como se verifica dos arts. 4º-C, 4º-D, 4º-E e 4º-F, todos incluídos pela Medida Provisória 926, de 20 de março de 2020, in verbis:   “Art. 4º-C  Para as contratações de bens, serviços e insumos necessários ao enfrentamento da emergência de que trata esta Lei, não será exigida a elaboração de estudos preliminares quando se tratar de bens e serviços comuns.         (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020) Art. 4º-D  O Gerenciamento de Riscos da contratação somente será exigível durante a gestão do contrato.         (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/coronavirus-covid-19-e-dispensa-de-licitacao-analise-sob-a-otica-da-lei-13-979-2020/
Breve crônica de três peças no incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro
Para melhor compreensão do tema, traremos a conceituação legal de um museu, e na forma de uma crônica, por meio de revisão bibliográfica, abordaremos o incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro de 2018, retratando o destino de três de suas mais notáveis peças, concluindo pela necessidade do Poder Público lançar um olhar de atenção à gestão dos museus brasileiros.
Direito Administrativo
Introdução: entendendo um museu O museu é um espaço de memória, de diagnóstico, produção de cultura e saberes, permitindo estudos e reflexões acerca da realidade vivida e, mesmo, das vicissitudes do momento presente. De acordo com o Conselho Internacional dos Museus (International Council of Museums, ICOM), organização internacional não governamental criada em 1946 e com sede em Paris – a qual objetiva trabalhar pela elaboração e estruturação de políticas em favor de museus pelo mundo –, atuando ao lado da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, UNESCO) – agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU) –, e do Conselho Econômico e Social – um dos seis órgãos da ONU (INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS, 2020) –, museu, segundo o artigo 3 da Seção 1 do Estatuto do ICOM, adotado na sua 22ª Assembleia Geral, realizada em Viena, Áustria, na data de 24 de Agosto de 2007, conceituando-o (INTERNATIONAL COUNCIL OF MUSEUMS, 2007), entende que “le musée est une institution permanente sans but lucratif, au service de la société et de son développement, ouverte au public, qui acquiert, conserve, étudie, expose et transmet le patrimoine matériel et immatériel de l’humanité et de son environnement à des fins d’études, d’éducation et de délectation” [“o museu é uma instituição permanente sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, preserva, estuda, exibe e transmite a herança tangível e intangível da humanidade e de seu ambiente para fins de estudo, de educação e diversão”, a tradução livre é nossa]. No âmbito de nosso direito interno, com conteúdo similar, a Lei nº 11.904, de 14 de Janeiro de 2009 – que instituiu o Estatuto dos Museus e ao tema deu outras providências – para quem museus, consoante o seu artigo 1º, são “instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento” (BRASIL, 2009). É pertinente mencionar que o parágrafo único do referido artigo 1º acrescenta que se enquadram na lei “as instituições e os processos museológicos voltados para o trabalho com o patrimônio cultural e o território visando ao desenvolvimento cultural e socioeconômico e à participação das comunidades” (BRASIL, 2009). De forma complementar colaciona-se ao tema o artigo 2º da dita Lei nº 11.904/2009, cujo caput relaciona os princípios fundamentais dos museus, aduzindo-lhes a valorização da dignidade humana (inciso I), a promoção da cidadania (inciso II), o cumprimento da função social (inciso III), a valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental (inciso IV), a universalidade do acesso, o respeito e a valorização à diversidade cultural (inciso V), e o intercâmbio institucional (inciso VI), igualmente vinculando-se, consoante o parágrafo único, “aos princípios basilares do Plano Nacional de Cultura e do regime de proteção e valorização do patrimônio cultural” (BRASIL, 2009). Por oportuno, aduzindo que os museus são espaços, inclusive, para a contemplação artística, acresça-se a contribuição de Joanilho (2009, p. 397), esclarecendo que no próprio Século XX esse mercado adquiriu um caráter restrito, de forma que poucos tiveram acesso ao consumo de produtos dessa área por conta do escasso domínio de seus códigos de compreensão e, mesmo, dos necessários recursos aptos a permitir acesso a esses bens – não raro feito com exclusividade –, ainda que prevaleça o aspecto humano dessa vertente criativa. Diante disso os museus devem ser valorizados na qualidade de espaços em que todos possam usufruir de obras de arte e para a própria exigência de acesso ao conhecimento delas (JOANILHO, 2009, p. 397).   Após o encerramento da visitação, na noite de domingo para a segunda-feira do dia 03 de Setembro de 2018 o país acordou com notícia do incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, o maior espaço dedicado à história natural do Brasil e com milhões de peças no acervo. Funcionando até 1892 no Campo de Sant’Anna e localizado no atual Parque Municipal da Quinta da Boa Vista, no bairro São Cristóvão – na zona norte da capital carioca –, e a partir de 1946 vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) – à época “Universidade do Brasil” –, o então “Museu Real” foi fundado por decreto de Dom João VI (1767-1826) em 06 de Junho de 1818, sendo que o edifício alvo do incêndio – antiga residência da família real e nos dias de hoje denominado Palácio de São Cristóvão – serviu de sede à Assembleia Constituinte Republicana entre 1889 e 1891 (PIRES, 2017), e desde 1938 está tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a autarquia federal atualmente vinculada ao Ministério do Turismo responsável pela proteção do acervo material e imaterial do país. Com causas desconhecidas, estima-se que o incêndio de aproximadamente seis horas alcançou cerca de 90% do acervo em uma perda material e imaterial difícil de aquilatar, e dentre as preocupações inerentes ao fato, destacamos as relacionadas com o estado de conservação de algumas de suas mais admiráveis peças, notadamente o sarcófago de Sha-amun-em-su, o meteorito Bendegó e o mais antigo fóssil humano conhecido do Brasil, apelidado de “Luzia”. Falemos brevemente das peças.   Integrante daquele que possivelmente foi o maior acervo de cultura egípcia de toda a América Latina, o sarcófago (nunca aberto) de Sha-amun-em-su, com a múmia da sacerdotisa e cantora do templo do deus Amon, da XXIII dinastia do Egito, datado de aproximadamente 750 a.C., foi presenteado pelo Quediva Ismail Paxá (1831-1895), soberano local e vice-rei, a Dom Pedro II (1825-1891) ao longo da visita do imperador do Brasil ao Oriente Médio e Norte da África entre 1876 e 1877 (PIVETTA, 2014). A peça de grande raridade passou a integrar o acervo do Museu Nacional com a proclamação da República em 1889 e era importante fonte sobre hábitos funerários e crença de vida após a morte mantida pelos egípcios para as suas cantoras-sacerdotisas (PIVETTA, 2014) e ao lado das relíquias arqueológicas que acompanhavam a sua exposição, foi destruída. Sobre o sarcófago, o arqueólogo Zahi Hawass, ex-ministro de antiguidades do Egito, embora confirmando que a peça não era objeto dos requerimentos de repatriação de relíquias históricas de seu país, declarou que o fato legitima os pedidos egípcios nesse sentido, no que destacou que não havendo preservação deve haver a devolução – em clamor similar ao de restituição de arte indígena brasileira pelo mundo –, afirmando ainda que o incidente do Museu Nacional permite se solicitar à UNESCO, que os Estados que possuam coleções e museus efetivamente tenham controle sobre os acervos, de forma a protegê-los e restaurá-los adequadamente (FELLET, 2018).   Um dos maiores do mundo, o meteorito Bendegó, pesando mais de cinco toneladas, foi encontrado em 1784 pelo jovem Domingos da Motta Botelho próximo ao município de Monte Santo, no sertão da Bahia, e incorporado ao acervo do Museu Nacional no ano de 1888, resistiu ao incêndio por conta de sua sólida composição (ANDRADE, 2018). O trabalho de remoção do meteorito Bendegó para o Museu Nacional teve início em 07 de Setembro de 1887, no ínterim das comemorações da independência do Brasil, registrando uma solenidade cívica às margens do riacho homônimo à peça, sendo necessária a construção de uma carreta que, adaptando-se às condições locais, ora se locomovia por trilhos, ora por rodas, tendo ao longo do trajeto sido exposto em Salvador por cinco dias e prosseguido em viagem por navio a vapor (SESCHINI, 2017). A chegada ao Rio de Janeiro mereceu a recepção da Princesa Isabel (1846-1921), quando houve a sua entrega ao Arsenal de Marinha da Corte para estudos e disponibilização ao acervo do Museu Nacional, à época, ainda no Campo de Sant’Anna (SESCHINI, 2017).   “Luzia” foi o apelido dado ao fóssil pelo biólogo, arqueólogo e antropólogo Walter Alves Neves da Universidade de São Paulo (USP) ao crânio feminino encontrado na expedição comandada pela pesquisadora francesa Annette Laming-Emperaire (1917-1977) no período de 1974 a 1975 ao longo da escavação feita em um dos sítios de Lapa Vermelha, região de Lagoa Santa, área metropolitana de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, e remontando há mais de dez mil anos, permitiu a construção de novas hipóteses sobre o povoamento e ocupação do Continente Americano, além de igualmente atribuir maior sentido, profundidade e continuidade aos trabalhos do cientista dinamarquês Peter Wilhelm Lund (1801-1880) – o pai da paleontologia brasileira –, que em sua trajetória de pesquisa contribuiu não apenas para a compreensão da história humana americana, mas também biológica por meio do estudo de resquícios de animais extintos (PIVETTA; ZORZETTO, 2012). Um pedaço do fêmur e cerca de outros 80% de fragmentos do fóssil foram posteriormente encontrados nos escombros do incêndio, de forma que os trabalhos para a sua recuperação foram já iniciados (SALVIANO; TEIXEIRA, 2018).   Considerações finais: olhemos para os museus Após o impacto causado pelo incêndio do Museu Nacional, o Plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) – órgão auxiliar do Poder Legislativo responsável pela supervisão e fiscalização financeira, contábil, orçamentária, operacional e patrimonial da União e de suas entidades da administração direta e indireta –, após conclamação do presidente Raimundo Carneiro feita em 19 de Setembro de 2018, na sessão de 29 de Maio de 2019 prolatou o Acórdão nº 124/319, de relatoria do ministro substituto André Luís de Carvalho e expedido nos autos do processo nº 041.083/2018-0, procedendo a levantamento diagnóstico e propositivo acerca da situação e gestão dos museus brasileiros (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2019). No referido Acórdão nº 124/319, o relator destacou as falhas administrativas e de segurança dos museus que estão sob responsabilidade de órgãos e entidades federais, estabelecendo medidas para os ministérios adotarem sob a coordenação da Casa Civil da Presidência da República, nas quais – sob a observância dos princípios administrativos de legalidade, eficiência, economicidade, planejamento, transparência, e destaque-se, da prevenção de risco patrimonial, da preservação dos prédios e do acervo –, deverão aperfeiçoar no setor ações gerenciais com o auxílio do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2019), a autarquia vinculada ao Ministério da Cidadania criada pela Lei nº 11.906, de 20 de Janeiro de 2009, e que funciona como órgão gestor da Política Nacional de Museus (PNM). Nas determinações direcionadas aos ministérios da Inovação e Comunicações, Economia, Justiça, Defesa, Cidadania, Ciência, Tecnologia e Relações Exteriores – além das ditadas à própria Secretaria Especial da Cultura –, o levantamento do acórdão do TCU mencionou riscos, mas também possibilidades de otimização na gestão patrimonial e orçamentária desses espaços públicos, ainda que o diagnóstico aquilatado trouxesse dados preocupantes, em que ao lado de apenas 2,2% dos museus universitários possuírem plano de segurança ou emergência – e somente 37% dos vinculados ao IBRAM tê-lo –, nesse universo, nas palavras do relator André Luís de Carvalho, “aproximadamente 57% dos museus pesquisados não contariam com o ‘Habite-se’ [auto de conclusão de uma obra, que atesta se o local foi construído ou reformado conforme as exigências legais], cerca de 74% não contariam com vistoria do Corpo de Bombeiros e 81% não contariam com o apoio da Brigada de Incêndio”. Não é demais recordar que o artigo 216 da Constituição Federal promulgada em 05 de Outubro de 1988, trouxe disposições que são deveras pertinentes para a conservação do patrimônio material e imaterial do país, especialmente quando expôs no caput que “constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, incluindo no inciso I, “as formas de expressão”, no II, “os modos de criar, fazer e viver”, no III, “as criações científicas, artísticas e tecnológicas”, no IV, “as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais”, e, finalmente no inciso V, “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”, enunciando a necessidade de proteção da associação de ambientes e valores ali enunciados (BRASIL, 1988). No próprio dispositivo da Carta Magna em comento, vale ainda mencionar dois de seus parágrafos, notadamente o § 1º, que acrescenta que “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação”, e o  § 2º, acrescentando que cabe “à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem”, em corolário à Lei nº 12.527/2011, que objetiva garantir o amplo acesso à informação, nos termos do inciso XXXIII do artigo 5º , do inciso II do § 3º do artigo 37, e no conteúdo do próprio § 2º do artigo 216, todos do texto da Lei Maior (BRASIL, 1988), o que igualmente demonstra a necessidade de estruturação de um sistema de gestão permanente para a proteção desse legado. O eminente Vladimir Passos de Freitas nos ensina que esse patrimônio está no rol do meio ambiente artificial, insculpindo-se na proteção do artigo 225 do texto constitucional, de forma que, consoante o caput do citado dispositivo, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, esclarecendo o doutrinador que “o que se quer dizer com isto é que na questão ambiental, que inclui a preservação do patrimônio histórico-cultural, há um direito e um dever correspondente da sociedade. Dela se espera que apoie e incentive a ação do Estado” (FREITAS, 2019). Ipso facto, esclarece o mestre citado que ao lado da apuração e responsabilização relacionada ao incêndio do Museu Nacional à cargo do Ministério Público Federal, em face do próprio artigo 225 supra mencionado, não mais pode a sociedade ser omissa em relação a esse patrimônio e em particular aos museus, no que os pais, incutindo aos filhos a necessidade da preservação da memória, necessitam “equilibrar as idas aos shoppings com visitas a museus”, no que ele próprio, na condição de professor de direito, mesmo encontrando resistência inicial, após levar seus alunos ao Museu Parananense, em Curitiba, posteriormente constata grande satisfação nos estudantes, inclusive naqueles – cerca de 90 % – que nunca o tinham visitado (FREITAS, 2019). Oportunamente, ao lado de uma postura não omissa da coletividade e sociedade civil organizada no tema dos museus, apta a angariar ações e doações, Vladimir Passos de Freitas ainda acrescenta a importância do voluntariado e de associações de apoio a eles, como a própria Sociedade de Amigos do Museu Paranaense, entidades que inclusive podem criadas com o apoio e estímulo do IBRAM (FREITAS, 2019), que tem justamente entre as suas atribuições e missão, coordenando a PNM, o trabalho em favor da melhoria física e estrutural desses espaços, promovendo intercâmbio museológico e democratização/ universalização de acesso público no campo museal, e finalmente, garantindo o direito às memórias. Observe-se, ainda, que o desastre do Museu Nacional foi precedido de advertências reveladoras, como as apontadas por Victor Henrique Grampa, presidente da Comissão de Antropologia da Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil, dando conta de redução de 90% dos repasses públicos entre 2013 e 2018, onde a evolução das chamas foi favorecida pelo desabastecimento dos hidrantes da região, ao lado do registro de incêndios em várias outras dependências da UFRJ, em um quadro não agravado apenas pelo encerramento da visitação no dia do fogo e que se soma a outros graves no bojo de perdas naturais e culturais (GRAMPA, 2018). Ademais, asseverou o autor citado: “O Estado brasileiro deve manter todo o serviço público operante, mas tem obrigações específicas com a proteção ao patrimônio histórico-cultural – albergadas nacional e internacionalmente, constitucional e legalmente. Dentre essas normas estão o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Relativa a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural dentre outras. Como decorrência dessas obrigações o Estado deve criar e manter mecanismos e planos de ação para a promoção e preservação do patrimônio cultural. Sem essa centralidade de preocupações nas áreas sociais o país viverá novos, recorrentes e tristes episódios com perdas irreparáveis. Episódios anunciados e evitáveis, caso se tenha vontade política para enfrentá-los, o que não vem se desenhando como uma agenda na história nacional” (GRAMPA, 2018). Por sinal, em relação aos documentos internacionais supra citados, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no Brasil promulgado pelo Decreto nº 591/1992 (BRASIL, 1992), no nº 1 do artigo 1º, em verdadeira base principiológica, ao lado do direito à autodeterminação, assegura o livre desenvolvimento econômico, social e cultural dos povos, e a Convenção Relativa a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural – conhecida também como Recomendação de Paris –, estabelecida na 17ª Sessão Conferência Geral da UNESCO, realizada em Paris, entre 17 de Outubro e 21 de Novembro de 1972, e no ordenamento jurídico brasileiro promulgada pelo Decreto nº 80.978/1977 (BRASIL, 1977), já no primeiro parágrafo de seu preâmbulo nos advertia da ameaça ao patrimônio cultural não apenas por conta de causas naturais, mas da mesma forma pelo desenvolvimento da vida social e econômica, geradora de fenômenos de alteração ou destruição, no que esses considerandos já seriam suficientes para o início do estabelecimento de uma base estrutural protetiva para o patrimônio material e imaterial do país. A tragédia do incêndio – justamente no ano de comemoração do bicentenário do Museu Nacional – revela, portanto, a necessidade de maior gestão e atenção com os arquivos e acervos do país, assinalando igualmente que as compreensões da sociedade e do Estado brasileiro passam por maior conhecimento de sua história e de suas fontes, algo que, obviamente, não poderá ser alcançado a contento sem segurança estrutural, recursos e pessoal especializado. Enquanto alternativa para a melhora na gestão dos museus brasileiros, tem-se o Projeto de Lei nº 10.835/2018, apresentado à Câmara pelo deputado federal Carlos Sampaio, trazendo modificações à Lei Roaunet – Lei nº 8313/1991, assim conhecida em homenagem a Sérgio Paulo Rouanet, à época secretário de cultura da Presidência da República –, que estabelecendo o Programa Nacional de Apoio à Cultura, estruturou mecanismo em que pessoas físicas e jurídicas poderiam aplicar parte do imposto de renda devido em ações culturais, de forma que pelo texto da proposta de alteração legislativa, é possível destinar 20% da totalidade de doações e patrocínios de projetos de produções aprovados pelo Ministério da Cultura – extinto em 2019 e sucedido em atribuições pelo Ministério da Cidadania – em favor da organização, construção, ampliação, formação, manutenção e restauração de monumentos, prédios e espaços que estiverem tombados pelo Poder Público, havendo ainda a possibilidade de o numerário ser direcionado com o mesmo fim para o Fundo Nacional de Cultura (NOBRE; PÔRTO, 2019). Por derradeiro, observe-se que a destruição do Museu Nacional é uma advertência dentro de um cenário que já registrou em 21 de Dezembro de 2015 o incêndio do Museu da Língua Portuguesa, na Estação da Luz, região central de São Paulo, mas que também nos traz o alento das obras de recuperação do Museu Paulista da USP, o “Museu do Ipiranga”, cuja reabertura está prevista para o ano de 2022 no bojo das comemorações do bicentenário da independência brasileira.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/breve-cronica-de-tres-pecas-no-incendio-do-museu-nacional-no-rio-de-janeiro/
O Princípio da Eficiência nas compras públicas e a Avaliação da Qualidade do Produto
O presente artigo tem por objetivo analisar a efetividade do princípio constitucional da eficiência administrativa, incluído no artigo 37 na Carta Magna brasileira, pela Emenda Constitucional nº 19/98, nos procedimentos de compras governamentais do Brasil. Nesse contexto, depois de analisados os procedimentos de Licitações e Contratos nacionais, examinar-se-á a efetividade da eficiência nas compras públicas, diante de casos de contratação de produtos de baixa qualidade. Em seguida, constatada lacunas legislativas quanto às análises dos pós compras, que identificariam o nível de qualidade do que se contrata, propor-se-á uma avaliação de qualidade dos produtos para diagnosticar a efetividade da eficiência do gasto público com estes objetos e via de consequência subsidiar os gestores públicos na tomada de decisão quanto aos procedimentos de seleção e contratação de produtos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A definição genérica de compras governamentais está relacionada ao processo pelo qual um órgão do governo compra um produto ou contrata um serviço para seu próprio uso. Todas as atividades econômicas executadas por governos nacionais, estaduais ou municipais – seja para prover infraestrutura física, seja para adquirir e manter equipamentos militares de defesa ou prestar serviços públicos como educação e assistência à saúde – exigem a aquisição de bens e contratação de serviços intermediários. Essas compras de bens e contratação de serviços por diferentes escalões do governo correspondem de 10 a 20 por cento do PIB, o que é uma parcela expressiva das finanças públicas nacionais. Em termos globais, estima-se que as compras não relacionadas com a defesa somem 1,5 trilhões de dólares (Hoekman, 1998). Nos países em desenvolvimento, calcula-se que as compras do setor público respondam por 9 a 13 por cento do PIB (Choi, 1999). A maneira como tais compras são contratadas, portanto, é crucial para a implementação de políticas de desenvolvimento. O governo é um grande comprador, e para adquirir produtos e serviços que servirão para abastecer a máquina administrativa, o ente estatal – em regra – simplesmente não pode escolher um fornecedor e pagá-lo diretamente pelo bem. A Administração Pública é obrigada a seguir rigorosamente algumas regras para formalizar um contrato a fim de atingir tal objetivo. Contudo, invariavelmente essas compras governamentais resultam em objetos de qualidade duvidosa ou de baixa qualidade, sem que os objetivos da Administração sejam efetivamente alcançados, uma vez que há o dispêndio do recurso público sem a consecução do objeto em sua inteireza e perfeição. Por consequência, quando os recursos são gastos e não atingem os objetivos, há danos ao erário e prejuízos ao interesse público. Ao revés, quando os gastos adequados e necessários resultam em compras de qualidade satisfatória, entendemos que houve eficiência no gasto público. A questão é saber como e quando avaliamos se houve a compra governamental efetivamente eficiente. Diante desse quadro e em face as mutações legislativas aplicadas ao tema, especialmente as mais recentes, percebe-se que a fase do efetivo pós compra não tem recebido atenção à altura das suas repercussões financeiras, gerenciais e finalísticas. A ponto de inexistir um momento legal para coleta dessas informações, com um consequente e preciso levantamento de dados que possa subsidiar os gestores públicos quanto ao tema. Portanto, o presente estudo intenciona analisar o tema e ao final propor mecanismo de avaliação da qualidade dos produtos que possam efetivamente contribuir para um gasto eficiente com compras públicas, valorando recursos ao tempo em que produz dados sólidos sobre a questão.   1. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA Moraes (2013, p. 341) expõe que o Princípio da eficiência se caracteriza pela sua capacidade de atuar tanto na Administração Pública direta e indireta. O exercício da função dessas competências deverá ser baseado na imparcialidade, neutralidade e transparência gerando, assim, resultados satisfatórios ao bem comum. O Princípio da Eficiência foi constituído pela Emenda Constitucional 19, de 1998. Nessa posição, a Administração Pública tem como dever ser eficiente no que concerne às suas atribuições, sendo reconhecido o devido princípio como meio para a busca por resultados e desempenho positivos pela entidade (MENDES, BRANCO, 2012, p. 2.525). Ferir um princípio é indubitavelmente pior que ferir uma lei, diria a mais danosa das inconstitucionalidades, porquanto a ignorar um princípio fere a ordem constitucional e sem ela não há mais qualquer garantia para os direitos.   1.2. Princípio da eficiência aplicado às compras públicas Comprar simplesmente para satisfazer necessidades públicas não bem estudadas e equacionadas tem se tornado o tormento dos gestores governamentais que, frequentemente, não delimitam ou constroem indicadores para tal finalidade. É notoriamente recorrente os casos de compras que, além de não bem dimensionadas para necessidade, vêm carregados de argumentos subjetivos e vagos numa tentativa de justificar o injustificável, ou seja, o comprar por comprar ou o comprar para a satisfação de interesses não públicos, mas imediatistas e de direcionamento aos protegidos particulares do momento. Não raro também são os casos de superestimativa qualitativa de necessidades simples, sob o pálio da argumentação vaga de que o objeto a ser comprado teria como escopo cumprir o princípio da eficiência. Compra de tomógrafos sem previsão de instalação, equipamentos sofisticados comprados sem garantia de manutenção, compra de equipamentos de tecnologia não compatível com o mais apropriado são só alguns exemplos de como o setor público tem padecido com a falta de cuidado com o princípio da eficiência nas compras públicas. Preliminarmente convêm que nos munamos de conceitos axiológicos da doutrina que, historicamente, vem debatendo os contornos do que se traduziria o princípio da eficiência. Na lição do professor argentino Roberto Dromi (2010, p. XXIV) “La eficiência de la conctratción significa que se debe dar satifaccion al interés público com la menor onerosidade y la mayor agilidadad posibes. De este modo, la eficiência o eficácia administrativa se traduce em el deber jurídico de dar satisfaccion concreta a uma situación subjetiva de requerimento em la forma, calidad e com los médios recursos que resultan más idóneos par la gestión. La eficiência es también um princípio jurídico del que resulta para la Administración un deber positivo de actuación conforme a las exigências públicas. Es um bien o interés jurídico que reste calidad de valor, por lo que debe garantizarse su existência y la capacidade de cumprirlo o alcanzarlo; porque traduce um mandato vinculante para la Administración a propósito de su idoneidad para cumprir sus fines. Em este orden, la sociedade aspira com legítima pretensíon, a assegura la eficiência em el acicionar de toda la organización administrativa comprendiendo la “concertación” (de los planes), la “regulación”(de las contrataciones y servicios), la “descentralización” (privatización, competência y desmonopolización), la “fiscalizacion” (de todo), la “estabilización” (conversión y consolidación) y lça “promocion” fomento, inversión” (fomento, inverdión, reconverión, transmissión y actualización tecnológica y financiación). Esta aspiración a la eficiência e la organizacíon administrativa lleva búsqueda de uma administración racional del “bien-estar general”, sin burocratismo y sin esctructuras excessivas y obsoletas. Para ello se exige uma racionalización em pro de la incorporación tecnológica; uma simplificaciónen pro de la eficicácia, la sencillez y la economia de trámites uma modernización em pro de los nuevos cometidos estatales, par librar la batalla definitiva por la simplicidade jurídica, intimamente vinculada a la prontitud, a la celeridade em el quehacer de los cometidos públicos y a la transparência del hacer gubernativo. Así, la dimensión axiológica encuentra em la eficiência administrativa la congruência em la proyccion, acción y resultado del quehacer administrativo y a tales fines confluyen las siguientes acciones: 1) realizar el adecuado diagnóstico de las necessidades públicas, 2) cumplir los objetivos em el marco espacio-temporal programado, 3) alcanzar la finalidad política, 4) obedecer al control público, 5) satisfacer la necesidades públicas con costos razonables, 6) respetar reglas de celeridad y sencillez, y 7) actuar com economia processual y preservar la legalidad administrativa. Es preciso destacar que em la valoración de la tarea de la Administración Pública tiene destacada importancia que la Administración atúe, resueva y produzca um determinado resultado objetivo en base a la previa realización de un adecuado diagnostico de las necesidades públicas a ser provistas y gestionoadas ya sea diretamente por el Estado o a través de particulares.”.   Teoricamente, as bases axiológicas do princípio da eficiência tanto na doutrina pátria como na alienígena, conforme alhures transcrito, apresenta seus marcos teóricos com certa clareza e precisão. Todavia, a controvérsia também se encontra instalada para a visualização e aferição prática deste princípio na doutrina sobre o tema: Atente-se como se posiciona o festejado jurista brasileiro Celso Antônio Bandeira de Melo: Quanto ao princípio da eficiência, não há nada a dizer sobre ele. Trata-se, evidentemente, de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluido e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao art. 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que burilam no texto. De toda sorte, o fato é que tal princípio não pode ser concebido (entre nós nunca é demais fazer ressalvas obvias) senão na intimidade do princípio da legalidade, pois jamais suma suposta busca de eficiência justificaria postergação daquele que é o dever administrativo por excelência. Finalmente, anote-se que este princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’. (MELO, 1999, p.92)   Também na jurisprudência dos tribunais de controle e judiciais a subjetividade das decisões não tem elucidado satisfatoriamente a aferição de tal princípio, vejamos: 9.1.1. Em atenção ao princípio constitucional da eficiência e às disposições contidas no art. 6º, I, do Decreto-Lei nº 200/1967, aperfeiçoe o processo de planejamento institucional no Ministério, de forma a organizar estratégias, ações, prazos e recursos financeiros, humanos e materiais, a fim de minimizar a possibilidade de desperdício de recursos públicos e de prejuízo ao cumprimento dos objetivos institucionais do órgão, observando as práticas contidas no critério 2 – Estratégias e Planos do Gestão pública. (Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, Acórdão 669/2008 – Plenário).   Em âmbito judicial a jurisprudência também tem se mostrado pouco objetiva no fornecimento de standards para o proceder do agente administrativo, vejamos: “[…] a Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (CF, art. 37). Outros também se evidenciam na Carta Política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse público.” (Superior Tribunal de Justiça. 6ª T. – RMS n. 5.590/95-DF – Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, DJU 10.06.96, p. 20.396).   É de mister que saibamos que, em que importe a margem de subjetividade interpretativa do princípio da eficiência relacionar-se intimamente com o comportamento pessoal dos agentes administrativos que, por dever de oficio, devem agir conforme os ditames da boa administração, a falta de instrumentos e indicadores de avaliação da qualidade das compras públicas constituem gravame instrumental para mensuração da eficiência e efetividade do bem contratado ou da compra efetivada, e tem impactado na aferição de tal eficiência ou efetividade. A propósito, o procedimento licitatório argentino conta com o chamado Procedimento Geral de Seleção, além do Concurso, Leilão, Licitação Privada e Contratação Direta, parecidos com os do sistema brasileiro. O destaque dos normativos argentinos ficam por conta da importância que se dá aos seus princípios, como disposto no Regime de Contratações da Administração Nacional, Decreto nº 1.023/2001: Art. 3° — PRINCIPIOS GENERALES. Los principios generales a los que deberá ajustarse la gestión de las contrataciones, teniendo en cuenta las particularidades de cada una de ellas, serán:   O princípio da Razoabilidade do projeto e eficiência da contratação para atender ao interesse público comprometido e ao resultado esperado trata-se de um exemplo a ser perseguido pelo modelo brasileiro, mas, mais que isso, nas palavras de COMADIRA (2010), “creemos que la eventual inaplicación, en la práctica, de esos princípios no es una razón que gravite em contra de ellos; sería, en todo caso, una manifestación particularizada de la inoperância global de la Administración pública. Si, como pensamos, es exigible teoricamente, y esperable en la práctica, que la Administración pública cumpla, en general, con los princípios en cuestión, no hay motivo para que ellos no sean tambíen aguardables en la licitación pública; y si aquel cumplimiento no se da, inútil será confiar en su observância en la licitación.” Pois bem, em que pese certa concordância doutrinária no tocante a aferição do princípio da eficiência nas contratações públicas, pensamos que, no que se refere a compras públicas, no caso especificamente da compra de bens, esse princípio poderia ser melhor avaliado a partir da construção de indicadores de qualidade, que seriam ranqueados sempre que se encerrassem contratos de compras governamentais. Vê-se, pois, a necessidade de indicadores mais objetivos e consentâneos, com a experiência comprovada em contratações anteriores, a eficiência e a efetividade da contração, mormente no caso de compras governamentais. É esta, pois, a posição de proposta que ousamos defender para aplicação prática do princípio da eficiência nas compras governamentais. A eficiência, ou não, do bem ou equipamento contratado com determinada empresa teriam quesitos a serem aferidos ao final da entrega do bem adquirido, bem como sua qualidade sopesada em escala traduzida por índices de qualidade e eficiência da contratação. Neste sentido, os fornecedores teriam, então, publicados pela Administração pública, seus indicadores ou índices de eficiência na contratação e entrega das compras que serviriam como balizadores de qualidade para aferição da sociedade e do mercado fornecedor. Sabedores da ousadia da presente tese, acreditamos que tal planejamento é possível e pode constituir-se como marco de inovação na Administração, podendo minimizar e homogeneizar prática de compras eficientes para o cumprimento do princípio de inspiração italiana de dever de boa administração. Comprar com eficiência e com menor incidência de critérios subjetivos possíveis é, com certeza, fator que somente poderia se concretizar a partir de experiências históricas concretas e organizadas com critério pela Administração. Finalmente, com a ajuda de uma indicação clara e concreta, aferida pelos indicadores que propomos, a ocorrência do comprar por comprar e do comprar mau seria certamente caso de desídia atribuídos ao administrador, logo de caráter subjetivo e pessoal, mitigando-se a falta de critérios objetivos para as compras públicas.   A busca pela eficiência nas compras governamentais é permanente, ao tempo em que, até o momento, não se vislumbram ferramentas legais efetivas que possam aferir objetivamente a qualidade dos objetos contratados. Todavia, nos termos do art. 113 da Lei nº 8.666/93, compete aos Tribunais de Contas verificar a legalidade e regularidade das contratações públicas, sem prejuízo do sistema de controle interno. Art. 113.  O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto. (BRASIL, 1993)   Nessa missão, não invariavelmente os órgãos de controle denotam a má qualidade das contratações públicas, o que, reiteradamente, culmina em objetos também de má qualidade, ou, até mesmo, em objetos inacabados. Caso emblemático noticiado pela imprensa brasileira em 2009: Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou irregularidades na compra de 920 cofres da empresa Comam pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), no valor de R$ 4,5 milhões, em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Ficou comprovado que os equipamentos não atendiam às especificações técnicas constantes do edital de licitação. Com isso, foram recebidos produtos com qualidade inferior e que não correspondiam às necessidades dos Correios. Após sete anos de investigação, a Comam e três ex-diretores da estatal foram condenados ao pagamento de cerca de R$ 1,1 milhão aos cofres públicos. Durante a investigação do TCU, o então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho, afirmou que a ECT havia “comprado uma Ferrari e levado um fusquinha”. […] Os cofres entregues apresentavam graves falhas que não foram detectadas nem à época da produção nem no momento do recebimento do produto.[1]   Essa constatação posteriormente virou objeto da conhecida CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito – dos Correios, deflagrada para apurar o pagamento de mesadas a parlamentares brasileiros. Ainda nesse contexto, a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão integrante do sistema de controle interno brasileiro, constatou, mais uma vez, que irregularidades em licitações são os problemas mais frequentes no uso de verbas públicas federais. De 120 municípios fiscalizados nas últimas duas edições do Programa de Fiscalização por Sorteios, 110 apresentaram algum tipo de problema relacionado a licitação, o que representa 91,66% do total.[2] Na mesma linha, o TCU noticia que, nas obras referentes à Copa do Mundo da FIFA 2014, foram contabilizados R$25,5 bilhões em gastos. Destacou no relatório de fiscalização que, nas obras que não foram finalizadas, a Infraero relatou problemas de execução com as empresas contratadas, culminando, inclusive, na possibilidade de rescisão contratual, além da necessidade de repactuação de cronogramas, com a respectiva celebração de aditivos, se necessário, devido à ocorrência de eventos não previstos nos contratos.[3] Apenas para citar algumas das cediças notícias referentes ao elevado número de insucesso das contratações públicas brasileiras, para ilustrar quadro notadamente desanimador. Situações que passam pela “caneta que não escreve”, pela “cola que não cola” à “Ferrari travestida de fusquinha”, como mostrado no primeiro caso. Mas, a despeito das fraudes em licitações, que, incontestavelmente, consomem recursos públicos em grande monta, a proposta em questão é analisar o viés da qualidade dos objetos efetivamente contratados e suas repercussões. Segundo dados do portal de compras do governo federal, em 2017 o governo brasileiro gastou mais de R$47 Bilhões em contratações públicas, resultando em 98.692 processos de compras[4]. Dentre os licitados, 96,5% foram na modalidade Pregão, cujo único critério de julgamento é o de menor preço. A nível nacional, o uso do pregão na forma eletrônica ainda é modesto, se considerarmos os benefícios desta modalidade, especialmente economicidade e celeridade, conforme figuras a seguir. Uma vez que o pregão na forma eletrônica ampliou consideravelmente a competição, visto que, para a empresa participar, basta ter acesso à internet além de login e senha do sistema de compras do ente licitante, verifica-se que os custos dos procedimentos se tornam mais baratos, assim como a própria economia, face à intensa competição entre os licitantes e com a possibilidade de os licitantes ofertarem lances, uma espécie de leilão às avessas, para ver quem ofertará o menor preço para a Administração, os preços das propostas finais do pregão acabam sendo os mais baratos se comparados às outras modalidades, o que não necessariamente resulta em qualidade do objeto contratado. Impende destacar lição de João Marcos Trindade Costa, que reforça este entendimento, no sentido de que, como demonstrado nas informações acima, atualmente, o setor público se utiliza predominantemente da licitação do tipo menor preço na modalidade pregão, tendo em vista projetar a ideia que, através de um célere procedimento, será possível verificar o menor preço do mercado para a contratação almejada pela Administração. Contudo, não se pode olvidar a hipótese de que, em sendo adotado o menor preço como único e determinante critério para a escolha da proposta vencedora do certame, não haverá garantia de que foi obtido o melhor resultado, ou que prevaleceu a mais vantajosa proposta, tendo em vista que, por diversas vezes, a contratação mais barata se coaduna a irrisória qualidade e abaixo dos padrões necessários e esperado desempenho funcional, circunstância que, de súbito, afronta o princípio constitucional administrativo da eficiência.[5] Imperioso concluir, pelos relatos acostados, que a praxe administrativa mais recente tem ido nessa linha de atuação: primando pelo menor preço, sem se preocupar com a qualidade dos produtos e serviços contratados.   2.1 Qualidade dos produtos É necessário definirmos os limites para a qualidade que queremos observar, dentre os vários aspectos relacionados. Segundo dicionário, uma definição de qualidade seria grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão.[6]  Numa abordagem mais adequada ao campo das compras governamentais, oportuna é a lição de David A. Garvin, no seu aclamado artigo “O que significa realmente Qualidade do Produto?”, publicado na MIT Sloan Management Review.[7] Segundo Garvin, “se a Qualidade deve ser gerenciada, deve ser primeiro compreendida”, imputando ao cliente o conceito de Qualidade, baseado em suas necessidades, expectativas e preferências. Nesse contexto, o conceito de Qualidade do Produto dependeria da percepção do Cliente, e essa avaliação pessoal influenciaria a escolha do fornecedor, bem como a disposição para novas compras e sua avaliação dessa experiência. Essa percepção se sobreporia aos requisitos técnicos e normativos que ordinariamente são atendidos pelos fornecedores e, via de consequência, não seriam “questionáveis” e ao menos deveriam estar intrínsecos à própria confecção do produto, cabendo aos órgãos de vigilância e medidas verificar sua adequação e as condições mínimas para serem comercializados. Garvin propôs, ainda, a análise da Qualidade de um produto através de uma estrutura conceitual denominada de Oito Dimensões da Qualidade, apresentada em 1987 numa publicação na Havard Business Review, intitulada “Competindo nas Oito Dimensões da Qualidade”. Alguns requisitos podem ser objetivamente mensuráveis, outros dependem da percepção subjetiva do cliente, são elas: Segundo Suarez (2015)[8] não só as “Oito Dimensões da Qualidade” de Garvin continuam plenamente válidas e aplicáveis, como a existência de uma visão multifacetada e abrangente parece ser a única alternativa capaz de racionalizar uma realidade tão complexa e dinâmica.   2.2 A qualidade na legislação de compras O termo qualidade aparece na legislação de compras públicas brasileira ainda de maneira tímida, com destaque para o art. 73 da Lei nº 8.666/93: Art. 73.  Executado o contrato, o seu objeto será recebido: […] II – em se tratando de compras ou de locação de equipamentos:   Esse artigo apresenta uma condição a ser aferida depois do recebimento provisório e antes do recebimento definitivo, para que a Administração declare o efetivo cumprimento da obrigação, e a empresa, consequentemente, faça jus ao pagamento devido pelo encargo. Todavia, a lei não detalha como deverá ocorrer essa verificação de qualidade do produto, deixando a cargo do responsável pelo recebimento, que pode ser o fiscal do contrato, agente designado ou até mesmo uma comissão de recebimento, definir de maneira subjetiva o seu “padrão de qualidade”, o qual deverá ser cumprido para que haja o aceite do objeto. A partir dessa situação, a Administração começa a conhecer seus problemas referentes à qualidade dos produtos que contrata já que se espera que este citado padrão de qualidade tenha sido objetivamente definido no edital, o que nem sempre acontece.   2.3 O projeto básico e o termo de referência como instrumentos de busca pela qualidade dos produtos Destarte, a base para um bom edital consiste na elaboração de Projetos Básicos e Termos de Referência adequados por parte das áreas requisitantes do objeto. Assim, não se dever comprar sem que o objeto tenha sido adequadamente caracterizado. Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa. (BRASIL, 1993) Para cumprir suas funções legais e administrativas, o Projeto Básico e o Termo de Referência deverão apresentar, conforme o caso, os seguintes elementos: . Necessidade; . Definição do objeto; . Justificativa; . Especificação do objeto; . Responsabilidades das partes; . Estimativa de custos (pesquisa de mercado); . Cronograma físico-financeiro; . Condições de recebimento; . Critérios de escolha a proposta; . Definição da empreitada; . Prazo de execução; . Procedimentos de gerenciamento e fiscalização. (SOUSA, 2010, p. 47)   Ocorre que, como constatado pelo egrégio Tribunal de Contas da União: “… a inexistência de projetos adequados tem sido a principal razão da série de obras paralisadas em nosso País, como também do grande número de contratos superfaturados com o que nos deparamos constantemente nos processos de fiscalização levados à efeito por esta Corte de Contas. (Acórdão nº 136/2004 – Plenário)   “O Projeto Básico, que deve ser como elemento fundamental para a realização de qualquer licitação (…), mas tem sido constantemente mal elaborado (…), o que é lamentável, por se tornar fonte de desvios e toda sorte de irregularidades que se tem notícia no Brasil” (Acórdão n° 77/02 – Plenário)   Estes documentos são uma espécie de “DNA do processo de contratação pública”. Dessa forma, a existência de erros nestes documentos, que devem ser muito bem elaborados e detalhados, poderá culminar em algum vício de legalidade, ou até mesmo em casos em que o ente público não consegue alcançar a sua pretensa expectativa de qualidade. Assim, ciente de que a má elaboração destes documentos pode implicar em compras ineficientes com produtos de má ou nenhuma qualidade, deve a Administração, de forma incipiente, promover a capacitação dos servidores envolvidos nas unidades requisitante, de modo que haja uma contratação concatenada com o planejamento das respectivas unidades e documentos suficientemente detalhados, a ponto de evitar lacunas ou margem de interpretação que leve os fornecedores a ofertar produtos que lhes permitam auferir maior lucratividade, sem que atendam às efetivas necessidades da Administração. Há que se ressaltar que o Estado contrata visando resolver um problema, cuja solução pode vir a ser um bem, um serviço ou até mesmo uma obra. Por outro lado, quem é contratado para resolver este problema não está interessado necessariamente em resolvê-lo para a Administração, mas prioritariamente em auferir lucro. Portanto, não haverá por parte do fornecedor um interesse exclusivo em colaborar na solução do problema, mas, invariavelmente, em descobrir lacunas, falhas ou omissões nos documentos que lhes possibilitem auferir maior lucro. Situação que, somada por vezes à baixa qualificação dos responsáveis, deixa os órgãos públicos reféns da contratada, quando elaboram um Projeto Básico ou Termo de Referência deficiente.   2.4 A fiscalização do contrato como instrumento de busca pela qualidade dos produtos A lei de licitações e contratos administrativos dispõe sobre a execução do contrato em seu art. 66: O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial. (BRASIL, 1993)   A execução contratual consiste basicamente no cumprimento do que foi pactuado em que cada parte responde por aquilo que não cumprir. Neste ponto, cabe à Administração zelar para que o que foi combinado seja efetivamente cumprido. E essa tarefa é tão importante, que o legislador entendeu por designar alguém para acompanhar se o que foi contratado será devidamente cumprido. Assim, previu o art. 67 da Lei nº 8.666/93 a figura do fiscal do contrato: Art. 67.  A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assistí-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.   No mesmo sentido, reza a Instrução Normativa nº 05 de 2017, do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão:   Art. 39.  As atividades de gestão e fiscalização da execução contratual são o conjunto de ações que tem por objetivo aferir o cumprimento dos resultados previstos pela Administração para os serviços contratados, verificar a regularidade das obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas, bem como prestar apoio à instrução processual e o encaminhamento da documentação pertinente ao setor de contratos para a formalização dos procedimentos relativos a repactuação, alteração, reequilíbrio, prorrogação, pagamento, eventual aplicação de sanções, extinção dos contratos, dentre outras, com vista a assegurar o cumprimento das cláusulas avençadas e a solução de problemas relativos ao objeto. (BRASIL, 2017)   Esta nova Instrução Normativa atende melhor ao Princípio Constitucional da eficiência ao criar, por exemplo, o gerenciamento de riscos, ao detalhar e valorizar a seleção do fornecedor, a gestão do contrato e especialmente o planejamento da contratação. Contudo, há que se ressaltar que esta norma veio regulamentar o Decreto nº 2.271/97. Nesse contexto, em 26 de maio de 2017, a Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG publicou esta Instrução Normativa nº 05, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, revogando a IN 02/2008 que tratava do tema. Outrossim, os principais objetivos da IN 05/17 consistem em melhorar a contratação, gestão e encerramento dos contratos de terceirização de serviços continuados na Administração Pública Federal, implementar contribuições e normatizar melhores práticas de governança. Estas poderão, inclusive, ser recomendadas para outros entes federativos, por meio de seus órgãos de controle, dadas as cediças lacunas normativas ainda existentes, mormente fora da esfera federal. Portanto, a atribuição de fiscal ou gestor de contratos na Administração Pública Federal é de suma importância para a concretização de uma execução adequada ao que foi contratado, sob pena de prejuízos que podem se tornar irreparáveis ao erário e sanções aos agentes envolvidos. Segundo o art. 3º da Lei de Licitações, uma das finalidades da licitação é a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração. Ocorre que a prática tem demonstrado que, em um certame licitatório, a Administração pública jamais conseguirá selecionar a proposta mais vantajosa, pois, no máximo, vai conseguir selecionar e contratar a proposta aparentemente mais vantajosa para Administração. A efetiva vantagem decorre eminentemente de um acompanhamento e fiscalização eficientes. Caso não haja fiscalização adequada, a proposta que se mostrava vantajosa na licitação poderá se configurar num desastre para a Administração.   CIÊNCIA Marceneiro de fundação apaga pinturas pré-históricas em GO Um dos mais importantes sítios arqueológicos brasileiros teve parte de seus desenhos rupestres, feitos há cerca de 11 mil anos, danificados. Um marceneiro reforçou algumas pinturas e criou outras dentro de uma das 40 grutas do Sítio das Araras, na cidade de Serranópolis (cerca de 400 km a sudoeste de Goiânia). Foram feitas pelo menos 20 interferências, no início do mês de julho, em um dos painéis com desenhos rupestres do sítio, que possui cerca de 300 pinturas. O marceneiro Primo Perin havia sido contratado pela Funatura (Fundação Pró-Natureza), sediada em Brasília, para construir uma passarela de madeira de 200 metros de extensão em uma das grutas, para a passagem de visitantes. Durante o trabalho, ele decidiu limpar uma pichação, feita há 10 anos com carvão, sobre parte dos desenhos rupestres. O marceneiro fez a limpeza com água e sabão e não só apagou as pichações, como também parte das pinturas. KAMILA  FERNANDES da Agência Folha[9] No caso em comento, o objeto do contrato envolvia a construção de uma passarela. Todavia, ao que parece, não houve o adequado acompanhamento do contrato, restando a um trabalhador de pouca instrução, cuja missão era construir uma passarela, os cuidados sobre um sítio arqueológico de valor inestimável. O fiscal do contrato tem que estar atento a tudo que envolve a sua execução. Não poderia deixar sem acompanhamento o sítio arqueológico no curso da execução do contrato, o que resultou em danos irreparáveis ao Estado e era até então uma proposta aparentemente mais vantajosa para a Administração, tanto que foi a selecionada no certame. Ressalta-se que o interesse público vem sofrendo com acompanhamentos e fiscalizações inadequadas ou inexistentes. Situação constatada rotineiramente pelos órgãos de controle. PLANEJAMENTO, CAPACITAÇÃO, CONTRATOS e LICITAÇÕES. D.O.U. de 05.03.2010, S. 1, p. 160.Ementa: determinação à Universidade Federal do Rio Grande do Sul para que institua controles internos administrativos mais adequados para o setor de licitações e contratos, inclusive com o apoio e supervisão da Auditoria Interna (AUDIN), bem como propicie aos servidores treinamento para o exercício de suas atividades, em vista da quantidade de falhas apontadas pela Controladoria-Geral da União (inexistência de orçamento detalhado de custos; cláusula editalícia restritiva à competição; falta de clareza em termo de referência de pregão eletrônico; descumprimento de cláusulas editalícias; contratação de serviços por valor superior ao estimado; fracionamento de despesas mediante dispensa de licitação; inexigibilidade indevida de licitação; inobservância de cláusulas contratuais relativas a pagamentos; falha no planejamento de aquisições da Entidade, o que resultou em dispensa de licitação emergencial; pagamentos efetuados sem respaldo legal), cujas justificativas apresentadas pelo gestor denotaram deficiências na execução e no controle das atividades desenvolvidas (item 1.5.1.4, TC- 021.190/2008-0, Acórdão nº 667/2010-2ª Câmara – Tribunal de Contas da União – TCU).   Desse modo, visando evitar danos e dissabores na execução contratual, se faz mister a capacitação dos agentes envolvidos no acompanhamento e fiscalização e daqueles que se envolverão, porquanto é cediço que da boa e eficiente atuação de todos eles, dependem o sucesso do objeto contratado. Portanto, uma contratação só será de fato eficiente se houver o adequado e necessário acompanhamento e fiscalização do contrato.   2.5 A ausência de avaliações de qualidade no contexto das compras públicas Como exposto neste trabalho, a legislação é sóbria quanto à avaliação de qualidade dos objetos contratados pela Administração. O Regime Diferenciado de Contratação, Lei nº 12.462/11, ainda menciona para a fase de julgamento das propostas:   Art. 19. O julgamento pelo menor preço ou maior desconto considerará o menor dispêndio para a administração pública, atendidos os parâmetros mínimos de qualidade definidos no instrumento convocatório. (BRASIL, 2011)   Assim, como se pode verificar na Lei nº 8.666/93, para a fase do recebimento do objeto, o termo “qualidade” aparece mais sob o viés de um conceito jurídico indeterminado, já que a norma não experimenta detalhar como deveria se dar, ou mesmo se analisar, a qualidade citada. No tocante especialmente à Lei nº 8.666/93, vê se que, depois do recebimento provisório, o definitivo somente poderá ser efetivado após a verificação de qualidade. Mas como verificar esta qualidade? Que critérios a serem adotados para tanto? Essas questões a lei não responde. Por seu turno, o que podemos inferir do texto legal são: o momento entre os recebimentos provisórios e definitivos; e o responsável, agente ou comissão designada para o recebimento. Quanto ao responsável, a Lei de Licitações atribui ao fiscal o acompanhamento e fiscalização do contrato. Portanto, nada mais coerente que este seja o responsável pela verificação de qualidade do objeto contratado. No que tange ao momento, olhando pelo prisma de qualidade de Garvin, definidos nos seus aclamados artigos da década de 80, percebemos que o momento eleito pela lei para a verificação de qualidade não parece ser o mais adequado, porquanto das oito dimensões de qualidade (GARVIN, 1984), a Confiabilidade, que reflete a probabilidade do produto falhar em determinado período de tempo; a Durabilidade, que é a medida da vida do produto e a Qualidade Percebida, que é a mais subjetiva das dimensões de qualidade e associa-se a uma série de fatores combinados, são fatores que demandam um tempo de uso para a sua adequada avaliação e principalmente para a formação de valor sobre o produto por parte do usuário final. Dessa forma, propõe-se uma avaliação posterior ao recebimento definitivo do produto, mais precisamente após um tempo de uso e observação. Esta definição de tempo de forma objetiva pode ter como parâmetro a Lei nº 8.078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê: Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I – trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II – noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. (BRASIL, 1990)   Seria, então, de 90 (noventa) dias o prazo limite para a verificação da qualidade do produto, em se tratando de produtos duráveis, a contar do recebimento definitivo. No mesmo sentido, de 30 (trinta) dias para bens não duráveis. Quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nas compras públicas, vale lição do Advogado Geral da União, José Ricardo Pereira Júnior[10]: […] o Código de Defesa do Consumidor é aplicável favoravelmente para o Poder Público, notadamente nas hipóteses em que o Poder Público encontra-se em uma situação de hipossuficiência. Sendo assim, a Advocacia Pública deve requerer a sua aplicação judicialmente e exigir que conste expressamente menção a este dispositivo nos editais de licitação e contratos administrativos sem que isso signifique abdicar das prerrogativas decorrentes da supremacia do interesse público.   Situação justificada pela própria definição de consumidor prevista na Lei nº 8.078/90: Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. (BRASIL, 1990)   Como a Administração contrata para atender suas necessidades e uso finalístico próprio, considerada, portanto, consumidora na acepção da lei e consequentemente aparada pelo Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, diante da ausência de normativos e disposições acerca da avaliação de qualidade para os produtos contratados pela Administração, eis que esta sugestão de avaliação a ser lançada pelo fiscal, no prazo analógico do código de proteção ao consumidor, pode ser um instrumento de grande valia na busca pela efetiva eficiência nas compras governamentais.   2.6 Outros fatores que podem ser objeto de avaliação Muito embora o presente estudo tenha limitado a avaliação na qualidade do produto de per si, não obsta que se registre outros fatores que também podem ser avaliados e trazer benefícios às compras públicas, tais como Prazo, donde se avaliaria o cumprimento dos prazos definidos em contrato; Documentação, para verificar a adequação documental, como notas fiscais, manuais e garantias e Quantidade, onde o cumprimento da quantidade definida em contrato seria também verificada e valorada. Destarte, a partir de todas estas avaliações expostas a Administração teria ainda um vasto banco de dados para produzir relatórios, estudos e indicadores a ponto de mostrar ou retratar para os gestores a situação da efetiva qualidade dos produtos e fatos relacionados e consequentemente subsidiar tomadas de decisão sobre o tema.   3. PROPOSTA/CONTRIBUIÇÃO Seguindo a esteira da ausência de detalhes acerca da análise e avaliação da qualidade dos produtos e serviços que a Administração contrata, este trabalho propõe criar uma fase de avaliação de qualidade no pós-compra, de modo a verificar a efetividade da eficiência na contratação servindo de referência inclusive na tomada de decisão para as futuras contratações. A proposta é avaliar os produtos, a obrigação de dar, restando a sugestão de estudos em outra via, a fim de ampliar a possibilidade para serviços também.   3.1 Dos critérios de avaliação Inicialmente, pode-se utilizar um questionário de avaliação dos produtos contratados e recebidos pela Administração. Esse questionário tem como base as oito dimensões da qualidade de GARVIN (1984). Por conseguinte, seriam avaliados:   Cada dimensão pode ser valorada de 0 (zero) a 1 (um) ponto numa escala de três níveis; 0 (zero) ponto, que significa que a dimensão avaliada não foi atendida; 0,5 (meio) ponto, que demonstra que a dimensão avaliada foi parcialmente atendida; e 1 (um) ponto, que denota atendimento completo ao quesito avaliado. Sendo oito dimensões, a avaliação total do produto poderá chegar a 8 (oito) pontos. Esse questionário poderia ser respondido, de maneira eletrônica, em um módulo a ser criado dentro do Sicaf-Comprasnet,[11] por exemplo. O que demandaria pouco tempo ao responsável para tanto e ficaria registrado no sistema para futuras avaliações e pesquisas.   3.2 Do responsável pela avaliação Pelo exposto nesse trabalho, resta induvidoso que o responsável pela Avaliação de Qualidade do Produto, a qual pode-se batizar com a alcunha de “AQP”, para simplificar a praxe administrativa acostumada a tantas siglas, seria o fiscal do contrato, aquele previsto no art. 67 da Lei nº 8.666/93 como o responsável pelo acompanhamento e fiscalização do contrato, bem como pelo recebimento provisório das compras nos termos do art. 73, II, da mesma Lei, e também em alguns casos, designado para o recebimento definitivo do objeto. Mais uma atribuição ao fiscal, já tão cheio delas por imposições normativas, mas não menos importante. O fiscal é o mais indicado, não somente por imposição legal, mas por ser ele a personificação da Administração na relação contratual com o fornecedor. Em geral, é indicado pela unidade requisitante, além do mais, é quem, naturalmente, deve entender do objeto minimamente. Neste raciocínio, a médio e longo prazo, espera-se que o zelo do fiscal na AQP possa gerar reflexos indiretos no mercado, a ponto dos fornecedores se preocuparem em levar às licitações produtos de boa qualidade, dadas as repercussões que podem advir de uma baixa AQP para os futuros certames, conforme demonstraremos a seguir.   3.3 Do prazo para avaliação Seguindo a esteira de raciocínio exposta para a aplicação analógica do art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, o fiscal teria, então, um prazo de 30 (trinta) dias para efetivar a AQP, considerando bens não duráveis, e 90 (noventa) dias para bens duráveis, ambos contados a partir do recebimento definitivo do produto, ou ateste da nota fiscal. Sublinhe-se que este prazo, depois do recebimento definitivo, permite uma avaliação com base nas oito dimensões de qualidade de Garvin (1984), mormente a Confiabilidade, a Durabilidade e a Qualidade Percebida, que são dimensões de avaliação que demandam um lastro temporal para uma correta definição e, ainda, para uma verificação mais detida da percepção do produto por parte do usuário final, as quais restariam prejudicadas se a Avaliação ocorrer entre o recebimento provisório e definitivo. Interessante é poder usar o produto, manejá-lo, aplicá-lo às necessidades da Administração para que se tenha uma noção mais fidedigna da sua qualidade e do seu impacto no contexto da contratação.   3.4 Da repercussão da avaliação da qualidade do produto 3.4.1 Do critério de desempate Proposta uma avaliação por meio de questionário eletrônico, este pode ser incluído no Sicaf, regulado pela Instrução Normativa do Ministério do Planejamento nº 03, de 26 de abril de 2018, onde restaria registrada a AQP, no respectivo CNPJ da empresa contratada, responsável pela entrega. Essas AQP’s gerarão uma pontuação às empresas contratadas, que serão somadas pelo sistema eletrônico a cada lançamento de avalição pelo fiscal. A pontuação da empresa poderá ser utilizada em futuras licitações como critério de desempate. Nesta esteira, quando duas ou mais empresas se empatarem num certame licitatório, a pontuação registrada no Sicaf, referentes às AQP deverão ser utilizadas para o desempate, vencendo a que tiver com a maior pontuação registrada até o momento. Não se pode olvidar que a empresa teria interesse em ofertar produtos de boa qualidade e, consequentemente, aumentar sua pontuação no cadastro de fornecedores, sabedora que esta pontuação poderia ser utilizada como critério de desempate numa licitação. A despeito da matéria, a Lei nº 8.666/93, prevê em seu artigo 45, parágrafos segundo e terceiro: Sobreleva notar que a pontuação do licitante referente à AQP seria uma maneira mais interessante e proveitosa à Administração do que um critério qualquer que se baseie na sorte. O Regime Diferenciado de Contratação Pública avançou um pouco mais nesta questão: Art. 25. Em caso de empate entre 2 (duas) ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: I – disputa final, em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta fechada em ato contínuo à classificação; II – a avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, desde que exista sistema objetivo de avaliação instituído; III – os critérios estabelecidos no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, e no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993; e IV – sorteio. Parágrafo único. As regras previstas no caput deste artigo não prejudicam a aplicação do disposto no art. 44 da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006.   Note-se que o inciso II prevê o instituto da Avaliação do Desempenho Contratual Prévio, a depender da criação de sistema objetivo de avaliação. Eis, portanto, mais uma função que poderá ser adequadamente preenchida pela AQP, que servirá de critério objetivo para aferição do desempenho anterior do licitante, uma vez que este sistema específico previsto pela Lei do RDC ainda não fora desenvolvido.   3.4.2 Criação de cadastro de empresas que vendem produtos de qualidade para a Administração Pública O  Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) mantém o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), que consolida a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções, tendo como efeito restrição ao direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública.[12] Ora, em sentido reverso, porque não utilizar as pontuações das AQP’s para criar um cadastro ou, até mesmo, ranking de empresas que vendem produtos de boa qualidade para a Administração Pública. Como sabido, o meio empresarial é movido à concorrência, competição, e seria uma ferramenta interessante às empresas contar com um ranking deste tipo para ilustrarem seus portfólios. O resultado seria uma competição positiva em que a empresa seria estimulada a ofertar sempre produtos de boa qualidade à Administração, aumentando via de consequência a sua pontuação no ranking. Estímulos positivos por vezes surtem mais efeitos que os negativos, como é o caso de uma punição, mesmo que seja natural concluir que uma pena pecuniária poderia fazer surtir efeitos positivos, educativos, em se tratando de um ambiente capitalista. O Enem[13], por exemplo, tem suas pontuações divulgadas pelas escolas em suas divulgações, com o objetivo de atrair alunos para o seu nicho de atuação no mercado. Não obstante, estas escolas, estimuladas em auferir melhores pontuações, através dos seus alunos, claro, propõe medidas específicas para melhorar as notas destes nos exames e consequentemente o resultado são alunos mais preparados. Sobreleva notar que o efeito desse ranking pode servir de instrumento positivo à Administração na busca por produtos de boa qualidade.   3.4.3 Utilização da pontuação na redução de tributos Posto que há menção há estímulos positivos às empresas, imaginem o que elas fariam para entregar produtos de boa qualidade para a Administração se o estímulo fosse a redução das suas cargas tributárias. Ora, A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados aprovou, em 2014, proposta que reduz as alíquotas de dois tributos (PIS/Pasep e Cofins) para as empresas que comprovarem redução da intensidade de carbono em seus produtos. O texto aprovado é um substitutivo do deputado Ricardo Tripoli ao Projeto de Lei nº 4.611/12. Segundo o texto, o desconto começa em 20% e pode chegar até a isenção total de PIS/Pasep e Cofins, dependendo do quanto a empresa comprovar de redução da intensidade de carbono em seus produtos. O tempo do benefício poderá ser de 2 a 10 anos, também de acordo com o nível de redução das emissões. Então, por que não pensar em incentivos fiscais para as empresas que venderem e entregarem produtos de boa qualidade à administração pública? Se considerarmos o montante dos recursos envolvidos somente no ano de 2017, mais de R$47 Bilhões, imagine que, de todas as contratações, apenas dez por cento resultaram em produtos de qualidade inferior, inservíveis ao uso adequado pela Administração. Penso estar sendo módico neste percentual, uma vez que não temos essa avaliação regulamentada, não há como aferir precisamente estes números, embora a praxe e os relatos apontem para um percentual maior. Teríamos, assim, um desperdício de recursos públicos em torno de R$4,7 Bilhões anuais, por assim dizer, praticamente jogados na lata do lixo. No caso em tela, passa longe de ser um absurdo considerar uma redução de tributos em troca de produtos de boa qualidade. Desse modo, teríamos efetivamente eficiência no gasto público, comprando produtos de boa qualidade e gastando menos, face ao critério de julgamento mais utilizado, qual seja menor preço. Ademais, produtos de melhor qualidade levam a crer que tenham melhor durabilidade, melhor aceitação e maior uso pela Administração, levando esta, por exemplo, a comprar menos para reposição. Teríamos um efeito cascata interessante nos procedimentos de compras governamentais. Devo trazer a lume que tal critério de incentivo fiscal poderia ter como paradigma o programa de troca de pontos por redução de tributos, como o Nota Legal do Distrito Federal, criado pela Lei Distrital nº 4.159, de 13 de junho de 2008. Art. 1º Fica instituído o programa de concessão de créditos aos adquirentes de bens e mercadorias e aos tomadores de serviços, com o objetivo de incrementar a arrecadação tributária do Distrito Federal por meio de incentivo à solicitação de emissão de documentos fiscais. Art. 2º A pessoa física ou jurídica adquirente de mercadoria, bem ou serviço de transporte interestadual de contribuintes do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS ou tomadora de serviço de contribuintes do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS fará jus ao recebimento de créditos do Tesouro do Distrito Federal. Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se somente em caso de fornecedores ou prestadores estabelecidos no Distrito Federal. Art. 3º O beneficiário do programa, adquirente ou tomador, incluído o condomínio edilício inscrito no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ, faz jus ao valor de até 30% do ICMS ou do ISS efetivamente recolhido pelo estabelecimento fornecedor ou prestador. I – a proporcionalidade entre o valor do documento fiscal referente à aquisição e o valor total dos documentos fiscais emitidos pelo estabelecimento fornecedor ou prestador, no respectivo mês, considerados os documentos não cancelados e os com indicação do CPF ou do CNPJ do adquirente; II – em relação a cada documento fiscal, o limite de 7,5% (sete inteiros e cinco décimos por cento) para ICMS e 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) para ISS; III – o total dos recolhimentos efetuados para o mês das respectivas aquisições; IV – as correções efetuadas pelo contribuinte pelo meio de reenvio do Livro Fiscal Eletrônico para o respectivo mês. I – nas operações e prestações não sujeitas à tributação pelo ICMS ou pelo ISS; (DISTRITO FEDERAL, 2008)   Programas assim foram implementados por outros entes federativos, como o “Nota Fiscal Paulista”, “Minas Legal”, “Nota Carioca”, “Nota Fiscal Goiana”, dentre outros, dado aos seus sucessos e respectivos retornos aos cofres públicos, em termos de arrecadação. Os programas sinteticamente consistem em acúmulo de pontos por parte dos consumidores, referente a cada nota fiscal emitida em seus respectivos CPF’s, que, depois de um determinado período, normalmente um ano, podem ser trocados por descontos em impostos como o IPTU e o IPVA ou, até mesmo, em alguns casos, recebidos em espécie. No campo da AQP, os pontos acumulados pelas empresas e lançados no Sicaf, face às avaliações dos produtos de boa qualidade que venderam para Administração, poderiam ser “trocados” por incentivos fiscais, vide o caso da proposta do PIS/Pasep e Cofins reduzidos ou até mesmo zerados face a diminuição do carbono nos produtos. Nesse contexto, quanto mais a empresa entregasse produtos de boa qualidade, melhor seria sua pontuação na AQP e, consequentemente, mais pontos teria para serem trocados por benefícios fiscais. Ao revés, uma outra opção seria manter os pontos e assim não perdê-los em troca da redução dos tributos, de modo a se manterem melhores classificados no ranking de empresas que ofertam produtos de boa qualidade, bem como manutenção da pontuação alta para fins de critério desempate em certames licitatórios, como exposto alhures. Em ocorrendo esta situação, o Estado não teria sequer que lançar mão do atrativo fiscal e da redução na sua arrecadação, para que empresa se mantivesse motivada a entregar produtos de boa qualidade.   3.4.4 Inclusão da avaliação de qualidade dos produtos no ordenamento jurídico Imperioso concluir que haverá necessidade de inclusão da AQP no ordenamento jurídico, que poderá se concretizar por meio de um Projeto de Lei, de iniciativa do Presidente da República, nos termos do artigo 61, parágrafo primeiro da Constituição Federal de 1998: Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição. I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II – disponham sobre:   Ressalvada a hipótese de criação por meio de medida provisória. Em vista do exposto, a AQP torna-se uma ferramenta interessante à disposição dos gestores na busca pela efetividade da eficiência nas compras governamentais, cabendo aos governos interessados a implementação das medidas necessárias para sua inclusão no ordenamento jurídico brasileiro e consequente preparo e capacitação dos agentes públicos que ficarão responsáveis pela sua efetivação na praxe administrativa.   CONSIDERAÇÕES FINAIS A Administração tem necessidade permanente de contratar bens, serviços e obras para a consecução de suas atividades de interesse público. O caminho de regra é proceder às contratações por meio de processo licitatório. Todavia, as contratações públicas, invariavelmente, denotam má qualidade dos produtos contratados, o que se reverte em desperdício de recursos públicos. Em que pesem os enormes volumes de recursos envolvidos, a Administração não dispõe de mecanismos eficientes para aferir a qualidade dos produtos que contrata. Tal lacuna dificulta sobremaneira um estudo mais apurado sobre a quantidade de produtos de baixa qualidade contratados, ou, ainda, qual o nível de qualidade destes produtos. Por certo, não podem os órgãos governamentais restarem reféns de práticas desarrazoadas que culminam na compra de produtos pelo menor preço, sem a garantida da qualidade obtida. O princípio da eficiência, insculpido na carta magna de 1988, exige da Administração atuação com dispêndio de menores gastos e a obtenção de melhores resultados, não se admitindo gastar menos sem auferir resultados positivos, pois isto não é eficiência. A proposta é criar mecanismo de Avaliação da Qualidade do Produto, que possa inicialmente apresentar um retrato para a Administração quanto à qualidade do que se contrata e recebe, além de possibilitar, por outros prismas, instrumentos capazes de efetivarem a eficiência das compras públicas.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-principio-da-eficiencia-nas-compras-publicas-e-a-avaliacao-da-qualidade-do-produto/
Coercibilidade como instrumento eficaz para o combate ao cononavírus
O estudo apresenta informações dos primeiros casos do coronavírus Covid-19 na China no final de 2019, e como, com a globalização, permitiu que o vírus iniciasse sua trajetória até ser reconhecido seu alastramento como pandemia pela Organização Mundial da Saúde – OMS. Restou demonstrado também como foi o reconhecimento no Brasil após a divulgação, tendo sido inicialmente ignorada sua periculosidade, bem como, detectados os primeiros casos em terra, através de pessoas vindas da Itália. Posteriormente com a proliferação da doença em solo brasileiro, decorrendo assim as primeiras decisões judiciais e administrativas tomadas pelas autoridades brasileiras. Desenvolvido estudo sistemático de legislação recente para o combate da patologia, bem como de legislação administrativa e sanitária, que serviram de base para aquelas, desenvolvendo a discriminação de princípios, medidas, agentes passivos e ativos, bens e serviços passíveis, restrições de direitos, infrações, vinculação das autoridades sanitárias, estado de comoção, dever de informação, direito dos mortos, hipótese de licitação dispensada, e como o direito administrativo, em estado exceção passa a ser mais forte que os demais direitos. O estudo não tem por escopo esgotar assunto tamanho sua abrangência e interdisciplinariedade, tanto no direito quanto às demais matérias, servindo de provocação para demais análises necessárias e pluridisciplinares.
Direito Administrativo
Coercibility as an effective instrument for the fight against cononavirus Abstract: The study presents scientific information on the first cases of the Covid-19 coronavirus in China in late 2019, and how, with globalization, it allowed the virus to begin its trajectory until its spread as a pandemic was recognized by the World Health Organization – WHO, with an estimated lethality rate of 3.4%. It was also demonstrated how the recognition was in Brazil after the disclosure, having initially ignored its dangerousness, as well as, the first cases detected on land, through people coming from Italy. Subsequently with the proliferation of the disease on Brazilian soil, resulting in the first judicial and administrative decisions taken by the Brazilian authorities. A systematic study was developed of recent legislation, enacted to combat pathology, as well as of previous administrative and sanitary legislation, which served as a basis for those, developing the discrimination of principles, measures, passive and active agents, passable goods and services, restrictions rights, infractions, binding of health authorities, state of commotion, duty of information, right of the dead, hypothesis of bidding waived, and as administrative law, in an exception state, it becomes stronger than the other rights. The study does not aim to exhaust the subject of its scope and interdisciplinarity, serving as a provocation for other necessary and multidisciplinary studies. Keywords: Coronavirus. Coercibility. Administrative Law. State of Exception.   Sumário: Introdução. 1. Surgimento do Coronavírus – Covid19.  2. Legislação brasileira ante a pandemia. Conclusão. Referências.   Introdução Ante a explosão da globalização, processo econômico, social e cultural que se estabeleceu nas últimas décadas do século XX, o qual expandiu as fronteiras (Marchiori 2007), houve o desencadeamento de um seríssimo problema de saúde, nunca enfrentado, a pandemia do coronavírus, agente infeccioso, que provoca a doença Covid-19, iniciada, no Brasil, em março de 2020. Assim, quais são as consequências do coronavírus para o Direito? Quais são as medidas, necessárias e legais, a serem tomadas pelos órgãos públicos para o enfrentamento? Qual a abrangência desta coercibilidade e qual o tempo para a resposta, sendo que o objetivo imediato é a garantia da continuidade do funcionamento satisfatório da saúde pública? A legislação brasileira possui previsão para situações de calamidade pública, com a imposição de providências para o resguardo da higiene sanitária necessária. Desta forma, diante da crise sem precedentes, o estudo ressalta que o Direito Administrativo, com suas medidas de coercibilidade, legitimidade e abrangência, passa a sobrepor os demais direitos e assim possa ser restabelecida a ordem normal com o menor prejuízo possível à saúde e economia.   A amplitude e a complexidade do estudo da investigação das ciências naturais detém inerente interdisciplinaridade no que tange à pesquisa biomédica, portanto, mesmo que houvesse a global divulgação dos estudos frente ao Coronavírus (Covid-19), desde os primeiros casos confirmados, não seria suficiente para o impedimento da evolução do quadro para uma pandemia. (Larivière 2020). No final do ano de 2019, o Centro Chinês de Prevenção de Doenças (CCDCP) enviou um grupo técnico a Wuhan para recobrar materiais sobre o vírus. O fato ocorreu cerca de três semanas a seguir da data em que o primeiro paciente apontou sintomas, e logo após, houve os informes da propagação entre humanos nas mídias sociais por oito médicos de Wuhan. Os especialistas analisaram os dados e enviaram os efeitos, incluindo uma verificação da transmissão entre humano do vírus, para as notórias revistas de publicações científicas, The Lancet e o New England Journal of Medicine (NEJM). Desta forma, em 20 de janeiro, houve a divulgação, por declaração pública, reconhecendo a propagação do vírus entre seres humanos (Larivière 2020). Após o acontecimento, com a disseminação da doença, a China, deslocou 1800 epidemiologistas para rastrear os transmissores na província de Hubei, e destinaram 40 mil profissionais de saúde de outras regiões para cuidar dos casos em Wuhan (Silva 2020). A globalização, com sua expansão de fronteiras de todos os níveis, e sua consequente velocidade dos acontecimentos trouxeram consigo problema nunca enfrentado, a pandemia, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde – OMS, com taxa de letalidade estimada de 3,4% (OMS 2020).  A disseminação adveio em uma rapidez assombrosa, impactando os governantes, profissionais do direito e saúde pública, e toda população que sofre com suas medidas restritivas, com enfrentamento crítico dos sistemas.     2. Legislação brasileira ante a pandemia Primeiramente, no Brasil houve um notório descaso de que o problema atingiria o país. Passadas algumas semanas, os primeiros casos foram confirmados no Estado de São Paulo, com brasileiros vindos recentemente da Itália, e, com a disseminação latente, começaram a eclodir diversas decisões judicias, interferindo em políticas públicas, fechando estradas tais como exemplificadamente Caraguatatuba, em 20/03/20, e Itanhaém, em 21/03/20, Ação Civil Pública n.º 1001480-11.2020.8.26.0126 e n.º 1000012-43.2020.8.26.0633, respectivamente, e, com a proliferação latente, o Governador de São Paulo, decretou, no dia 24 de março de 2020, estado de quarentena a todos os 645 municípios, com medida válida por 15 dias, podendo ser renovado, caso necessário. O decreto n.º 64.881/20 fora assinado após seis novas mortes no estado, sendo que a União, inicialmente, quedou-se inerte. Face à globalização e à busca incessante quanto ao tempo, e que este fosse cada vez mais acelerado, passou-se, com a irrupção da pandemia, a uma paralisação gradativa de escolas, órgãos públicos, comércios e indústrias, com uma batalha contra o tempo, para que se alcance um possível tratamento bem como almejada distante vacina, para assim fugir do colapso dos sistemas de saúde de todo mundo, distanciando a disseminação e não infectando a todos concomitantemente. Somente através de um lapso temporal decorrido, de isolamento e de quarentena, poderão ser avaliados os impactos ao sistema de saúde, à vitalidade da população e à economia no Brasil e no mundo. O efeito desta crise pandêmica recai sobre todos os ramos do direito, sobretudo com a maior coercibilidade dos atos estatais, promovendo paralisação das empresas, que geram impactos sobre os direitos trabalhistas e suas possíveis soluções, tais como, férias coletivas, perda de benefícios, home-office, em situações sem qualquer precedente. No direito processual houve a suspensão de prazos de todo o judiciário e as consequentes infrações ao princípio da razoável duração dos processos e todas as relações que irá impactar; No campo dos Direitos Humanos surgem questões de como serão tratados os moradores de rua? E quanto aos presos? Questões sanitárias e o parco estudo acerca da disposição mortuária, o que será feito com os corpos? Até que ponto o Estado pode intervir? Isso nos traz a própria natureza do direito administrativo, sendo as fontes mais sui generis a doutrina europeia e a norma clássica. O Executivo Federal criou em seu sítio ‘web’ do Planalto, uma página no Portal da Legislação, com atualização diária e a reunião de todos os atos normativos sobre o COVID-19, incluindo normas de diversos ramos do direito tal como o do trabalho, financeiro, tributário, sanitário, administrativo e do consumidor, dentre outros, em decorrência do coronavírus (Covid-19). A pandemia atinge dois basilares direitos fundamentais: a liberdade de ir vir e permanecer e a livre iniciativa. Assim, a legitimidade da coercibilidade do Governo é deriva do estado de necessidade administrativa que atinge diretamente estes dois princípios de direitos fundamentais. Quanto ao direito administrativo, vogam dois principais macros princípios na essência, a supremacia do poder público sobre o privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público (Bandeira de Melo 2007). O primeiro se relaciona à coletividade, ao interesse público, que retrata a ânsia de toda a comunidade, daqueles que vivem naquele espaço territorial se justapondo à disposição particular. Já no princípio da indisponibilidade do interesse público, o Estado não pode deliberar, é um direito da coletividade. O poder de polícia é trazido à baila, com sua conceituação e característica, pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional – CTN. Este permite em nome da coletividade, fazer contenção ou disciplinar direitos, regular atos, abstenção de fato e à liberdade de prerrogativas. Assim, com a situação excepcional e grave de pandemia reconhecida pelos órgãos públicos, passa a permitir atuação incomum da administração pública. Meirelles (2009) destaca que o poder de polícia, é fulcrado na soberania interna do Estado, dentro de seu território, sobre o povo, bens e atividades. Esta está revelada nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, em cada atitude opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, competindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo. Uma das formas de atuação estatal é a desapropriação, realizada somente por lei, podendo ser realizada por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, prevista no inciso XXIV do artigo 5.º da Constituição Federal. Historicamente tivemos um exemplo clássico de desapropriação no Hospital Conceição no Rio Grande do Sul na Era Vargas, autorizada pelo Decreto n.º 75 403, de 20 de fevereiro de 1975, para garantir, plenamente, a continuidade dos serviços prestados à Previdência Social. Outro caso atual, um, dentre diversos outros, foi determinado, pela Prefeitura Municipal de Sobral no Ceará, o Decreto municipal nº 2369 de 13 de março de 2020, declarando estado de perigo público iminente, com requisição administrativa de todas as instalações físicas do Hospital Dr Estevam Ponte, englobando tudo o que for necessário para seu regular e efetivo funcionamento em benefício dos que dele necessitam em função do Coronavírus, como parte do plano municipal de contingência para infecção humana pelo novo coronavírus. Desta forma, a desapropriação pode recair sobre bens móveis, imóveis, semoventes e direitos não materiais, em virtude da necessidade pública. O artigo 5º do decreto º 3365/41 trata sobre a desapropriação por utilidade pública e traz os casos que configure necessidade social, dentre eles a segurança nacional, a defesa do estado, o socorro público, em caso de calamidade, e a salubridade da coletividade. Podem ser desapropriadas ambulâncias, materiais, insumos de saúde, podendo ocorrer também, a requisição administrativa de serviços, conforme artigo 5.º XXV da Constituição Federal. No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário, mediante indenização ulterior, se houver dano. A requisição administrativa é exemplo constitucional do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, sendo uma forma de exceção constitucional, reverbera-se que somente pode ser utilizada em algumas situações específicas e dentro de condições definidas e limitadas constitucionalmente. (Schier 2005). Há três estágios que permitem a requisição administrativa do artigo 5º, inciso XXV da CF 88, desde o mais leve, de mero perigo público, este já permite a postulação de bens móveis, imóveis, semoventes, perecíveis, insumos de saúde, serviços, com a utilização dos três atributos da requisição administrativa, dentre estes a coercibilidade e a imperatividade, bem como outros dois estágios mais gravosos, a calamidade pública e a comoção social. Assim a imperatividade, relaciona-se à vontade, queira o indivíduo ou não, e a coercibilidade, à imposição, por requisição administrativa de serviços médicos, até mesmo de profissional da iniciativa privada, que poderão ser exigido a trabalhar para o sistema público de saúde. Como exemplo a autorização judicial de um serviço médico. Desta forma, a utilização de serviços e bens perecíveis requisitados, sempre será indenizada, sob pena de enriquecimento ilícito pela administração pública. Quanto à desapropriação, no que tange a acervo material, são indenizáveis somente se houver dano. Há ainda outros dois estágios mais gravosos, a calamidade pública e a comoção social. Assim, a paralisação ou ameaça de serviços públicos já se caracteriza como calamidade social. Como se observa quando há o corte no abastecimento de água, queda da energia, interrupção de serviço de saúde, sendo este último a grande preocupação diante da pandemia. A terceira etapa, mais gravosa, que pode vir ou não acompanhando da calamidade pública, sendo o estágio da comoção coletiva. Neste estágio a comoção abala o estado psicológico, local, regional ou nacional, por exemplo, a tragédia na ‘boate’ ‘Kiss’ de Santa Maria no Rio Grande do Sul, onde os jovens ficaram presos na danceteria em chamas. Outros exemplos mais recentes as tragédias das quedas das barragens de Brumadinho e Mariana, ficando centenas de pessoas soterradas, famílias desabrigadas, além do gigantesco prejuízo incalculável e irrecuperável do meio ambiente, atingindo florestas e rios. O Estado de comoção é o único que permite o estado de sítio, excepcionalmente, decretado privativamente, com base no artigo 89 da Constituição Federal, pelo Presidente da República (art. 136 CF), ouvidos o Conselho da República (art. 90, I, CF) e Conselho de Defesa Nacional, (art. 91, II CF), nos casos de grave repercussão. Desde os primórdios da legislação brasileira, vários institutos passaram a prever a internação compulsória, isolamento e a quarentena, assim como nova portaria interministerial entre os ministros da saúde e o da justiça, de n.º 05, de 17 de março de 2020, dispondo sobre a compulsoriedade das medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública. A Lei nº 6259/75, que dispõe sobre organização das ações de vigilância epidemiológicas, preconiza em seu artigo 7.º que, são de notificação compulsória, e decorrem do poder de polícia, sendo os departamentos de saúde obrigados a notificar: doenças que podem implicar normas de isolamento ou quarentena, de acordo com o Regulamento Sanitário Internacional e de enfermidades, constantes de relação elaborada pelo Ministério da Saúde, para cada Unidade da Federação, a ser atualizada periodicamente. No artigo 11, em seu parágrafo único, há a obrigação, portanto, em ato vinculado, das autoridades sanitárias procederem à investigação epidemiológica, junto a indivíduos e grupos populacionais pertinentes, para elucidação do diagnóstico e averiguação, podendo a autoridade exigir e executar investigações e inquéritos. A Lei 6437/77, traz as chamadas infrações à legislação sanitária e estabelece as seguintes obrigações, de acordo com seu artigo 10, inciso VII, impedir ou dificultar a aplicação de medidas sanitárias relativas às doenças transmissíveis e ao sacrifício de animais domésticos considerados perigosos pelas autoridades sanitárias. A licitação, figura fundamental para o Direito Administrativo, é uma das formas de controle para a realização de políticas públicas. Desta forma, em questão de abastecimento, a administração pode-se valer da dispensa do processo licitatório, hipótese de licitação, existindo, portanto dois tipos: a dispensada e a dispensável, esta última, sendo ato que a autoridade pode dispensar ou não. Na lei 8666/93, em seu artigo 24, estabelece os casos de licitação dispensável, tal como, em caso de grave perturbação da ordem; e nos casos de emergência ou de calamidade pública. Portanto, quando caracterizada urgência de atendimento, de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, no que tange aos bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa, pode ensejar a dispensa de licitação. A lei traz ainda a hipótese de licitação dispensada, em que não há licitação, em seu artigo quarto, para a aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, sendo esta dispensa temporária e aplicada apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional. Portanto não há como realizar a licitação, dispensa decorrente da lei, não é ato discricionário. Crises agudas, como a atual pandemia, permitem a contratação de agentes públicos sem a realização de prévio concurso público, sendo estes temporários, de acordo com a lei 8745/93, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O Congresso Nacional, em atuação direta, com o objetivo de garantir mecanismos que auxiliem a sociedade no enfrentamento da crise gerada pelo coronavírus, aprovou a lei 13979/20, que compila diversos ditames das legislações supramencionadas, a qual passa a regular e restringir inúmeros direitos. Referida lei, que em seu artigo 1º §1º estabelece a proteção da coletividade, reverbera também no artigo 4º, situação de licitação dispensada, sendo hipótese temporária, enquanto persistirem a situação de calamidade pública decorrente do coronavírus. Em seu artigo 2º, conceitua o isolamento e a quarentena, já previstos na lei 6259/75, que dispõe acerca das ações de vigilância epidemiológicas, sendo o isolamento conceituado, como a separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou ainda de bagagens, meios de transporte, mercadorias e até mesmo de encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus; e a quarentena sendo a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação daquelas pessoas que não estejam doentes, ou ainda de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, tudo de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus. Trata-se de situações excepcionais, que vão acarretar casos de isolamento e de quarentena compulsórios, em virtude do atributo da imperatividade que possibilitará, inclusive, à administração pública, utilizar a coercitividade. As autoridades poderão adotar, no âmbito de sua competência, segundo o artigo 3º, da lei 13.979/20, determinar, compulsoriamente, a realização de exames médicos; testes laboratoriais; coleta de amostras clínicas; vacinação e outras medidas profiláticas; ou tratamentos médicos específicos. Se o tratamento necessitar passar por internação e isolamento é possível, com base na lei, a serem executados pelas autoridades de saúde. A crise em voga traz em discussão outro direito pouquíssimo estudado e conhecido, o direito funerário, tratando-se de um direito fundamental, em grande parte se desdobrando em direitos da personalidade. Há em seu núcleo, de situações post mortem, a divisão de direitos da imagem, a memória e a honra do de cujus, incluindo a discussão sobre a dignidade da pessoa humana, como direito humano, que acolhe esse direito à inumação (Barros 2006). Acerca deste direito surge à população de baixa renda, a necessidade do auxílio funeral, previsto no art. 141 da Lei nº 8.213/91. O benefício, hoje extinto, era pago ao dependente hipossuficiente, executor do funeral do segurado falecido, pela própria Previdência Social. O montante era definido pelo Ministério da Previdência e Assistência Social, sendo de valor único, porém a partir de 01/01/96, o auxílio-funeral foi efetivamente extinto pelo art. 39 do Decreto nº 1.744/95. A regulamentação do benefício na situação de morte, hoje é normatizada pelo Decreto n° 6.307/2007 e a Resolução CNAS n° 212/2006, os quais trazem a previsão de uma oferta capaz de garantir proteção social ampliada à família demandante, com diversas possibilidades de concessão. A concessão feita em forma de pecúnia deve cobrir o custeio dos bens e/ou serviços previstos na regulamentação local. Assim, nos casos de óbitos decorrentes de infecção por coronavírus, os corpos deverão ter tratamento especial, por possuírem doença infectocontagiosa e haver a possível continuidade da propagação da doença, se não tomados os devidos cuidados. A gestão local deve, fundamentalmente, prezar pela garantia de dignidade e respeito aos indivíduos e famílias requerentes, assim como oferta laica de tratamento dos corpos com qualidade de bens e serviços, segundo o Decreto. Trata-se, portanto, de direito fundamental da dignidade humana, o cuidado com os mortos, estando este direito acima do próprio direito fundamental à vida, no caso, por exemplo, de vidas ceifadas, o direito de ser velado dignamente atinge direito fundamental de várias outras pessoas envolvidas. Corroborada com a nova legislação de combate ao coronavírus, lei 13979/20, poderá haver, em seu inciso V, a exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver, até mesmo contra a vontade da família, neste caso prevalecendo a supremacia do interesse público sobre o privado, como modo de evitar a disseminação do vírus. A Portaria interministerial anteriormente mencionada, em seu art. 4º, estabelece que o descumprimento das medidas previstas, poderá sujeitar os infratores às sanções penais previstas nos art. 268 e art. 330 do Decreto-lei nº 2.848/40, Código Penal, ao infringir a determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa, com detenção de um mês a um ano e multa, bem como que a pena poderá ser aumentada de um terço, se o agente for funcionário da saúde pública ou exercer a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro. Em mesma Portaria Interministerial, prevê ainda a internação compulsória e outros elementos, e indica que as questões de saúde pública decorrem da própria lei 13.979/20, sendo que nesta última, seu artigo 3º, §2º, fica assegurado às pessoas, afetadas pelas medidas de enfrentamento da emergência, o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e assistência à família, conforme regulamento, e o direito de receberem tratamento gratuito e o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o artigo 3º, do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao decreto nº 10.212 de 30 de janeiro de 2020. Assim, a determinação do fechamento de escolas e estabelecimentos está estritamente em conformidade com o art. 78 do CTN – Código Tributário Nacional, onde o poder de polícia da administração pública limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade e regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público, concernente à segurança, higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, devendo ser realizado sem abuso ou desvio de poder. A partir desse estado de necessidade administrativa, portanto, haverá a limitação muito importante de dois princípios, o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade. Ante a razoabilidade, esta deverá ser de acordo com a necessidade da medida, se aquela não for necessária, fere o princípio, passando a ser considerada ilegítima, podendo ser controlada jurisdicionalmente, e inclusive ser passível de anulação. Se a medida for necessária, perfeita, ela é razoável, e entra para a adequação daquela, para sua extensão, porém, se for demasiadamente restritiva, a ponto de ferir de modo gravoso outros direitos fundamentais aplicáveis ao caso, então passa a ferir o princípio da proporcionalidade, defendido pelo direito comparado alemão (Sarlet 2016). Dentre os Direitos fundamentais estão a proteção do direito à vida, à saúde, à integridade das pessoas (CF 1988). Quanto às obrigações estatais, internas necessárias à saúde, estas se dividem em obrigações mínimas, sendo classificadas por essenciais ou básicas inescusáveis, decorrendo da não discriminação, alimentação segura, saneamento básico, água potável, medicamentos essenciais, equidade geográfica e até mesmo na implementação de uma política púbica, sendo sua segunda classificação relativa às obrigações esperadas, cujo foco é o pleno desenvolvimento do direito (Oliveira 2016). As obrigações não podem ser tão escassas ao ponto de nada proteger o direito, caracterizando como proteção insuficiente, da mesma forma que não pode ser tão demasiadas a ponto de proteger excessivamente um direito e restringir outros. Este é o limite da atuação do poder público neste chamado estado de necessidade administrativa. Direito administrativo, portanto é a principal especialidade na exceção, em extrema necessidade de saúde pública, e passa a sobrepor outros direitos, tais como o direito civil, tributário, ambiental, penal, comercial, dentre outros, sendo que o estado de exceção passa a ser mais forte do que o próprio direito (Agamben 2004). As medidas de exceção passam a ser aplicadas pela administração púbica, através de sua autoexecutoriedade, e nesse momento de recessão emerge a importância do direito administrativo, que traz respostas à sociedade, com limitação e previsão à atuação da administração pública. Enquanto aguarda-se o desfecho, deve-se acelerar a pesquisa científica prioritária, para a saúde e estudo das relações sociais e jurídicas, a fim de causar o menor dano possível à economia, tanto no Brasil quanto no mundo, para que este momento sirva como um catalisador de mudanças quanto às normas de higiene, de proteção aos hipossuficientes e de novos horizontes para a economia.   Conclusão É imperioso reconhecer que resta cristalino, em uma conjuntura de crise, a necessidade de um sistema científico robusto e uma cidadania informada, com acesso público e imediato às pesquisas, assim, não cabe no presente estudo a exaustão da matéria, trazendo apenas um breve compilado das normas mais atuais e urgentes, sem ter qualquer utopia de exaurir a conteúdo tão complexo e abrangente, servindo apenas de provocação do quanto é ampla a discussão, suas decorrências e o quanto há a necessidade de diversos outros estudos, bem como em situações abrangentes do direito, tais como o estudo dos direitos, tais quais; o direito sanitário, direito dos mortos, direito comparado e suas consequências, as aplicações da instabilidade no direito trabalhista e demais ramos do direito na sociedade que clama por estudos tanto no campo da saúde quanto nas normas jurídicas. Mesmo diante de tamanha crise na saúde e impactando diretamente na economia, deve-se sempre seguir o pilar das normas constitucionais, trazendo aqui, algumas exceções quanto à supremacia do interesse público sobre o privado, decorrente da atual calamidade pública e, que o direito administrativo se sobrepõe aos demais, mas sempre seguindo princípios gerais do direito, sem sobrepujar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. As inovações legais e de saúde são necessárias para que não haja o colapso do sistema de saúde no Brasil, bem como a busca é a principal necessidade em todo o mundo, com amplas campanhas e medidas excepcionais de quarentena e isolamento para que, principalmente àqueles que detêm a saúde mais debilitada, sendo de grupos de risco, tais quais diabetes, portadores de câncer e outras imunodeficiências, idosos acima de 60 anos, bem como todos os demais não correrem riscos desnecessários frente à pandemia vigente.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/coercibilidade-como-instrumento-eficaz-para-o-combate-ao-cononavirus/
Desconsideração da personalidade jurídica como meio de dar efetividade às sanções administrativas
O presente estudo tem como objetivo analisar se é viável a teoria da desconsideração da personalidade jurídica ser aplicada na seara administrativa, mais especificamente na fase de habilitação de um certame licitatório, por ato da Administração Pública, quando restar comprovada a verificação de que um dos licitantes agiu com inidoneidade ou for impedido de licitar mediante a utilização de uma nova pessoa jurídica para continuar contratando juntamente ao Poder Público. O método de estudo utilizado no presente estudo foi o bibliográfico-documental e o procedimento utilizado foi o exploratório. Através dessa pesquisa, foi possível constatar que a legislação brasileira não dispõe de previsão legal no sentido de se desconsiderar a pessoa jurídica por ato administrativo, contudo, em caso de a prática do sócio implicar em desvio de finalidade da pessoa jurídica e confrontar diretamente os princípios da licitação, busca-se, através dos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários conhecer os procedimentos defendidos com vistas a conferir maior efetividade às sanções administrativas entendendo-se ao final pela possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica das empresas constituídas com a finalidade de burlar as licitações.
Direito Administrativo
Introdução Desde os primórdios da humanidade, o indivíduo é tido como um ser altamente sociável, tendo em vista que sempre buscou agrupar-se a coletividade com a finalidade de superar limitações e, dessa forma, alcançar seus propósitos. Com o notável desenvolvimento social e as inúmeras complexidades vislumbradas nas relações humanas, ocorreu a necessidade de aferir a personalidade jurídica a estas relações, para que estas pudessem se desenvolver como verdadeiros sujeitos de direito independente de seus participantes. Assim, a partir desse ponto, é que se observa a origem da atual acepção de pessoa jurídica. Assim, por meio da criação da pessoa jurídica, observou-se um elevado desenvolvimento de atividades econômicas que demandam investimentos de alto risco, tendo em vista a limitação de responsabilidades promovidas aos sócios por meio do princípio da autonomia patrimonial. Essa acepção, tida como um dos principais efeitos da personalização verifica a separação existente entre o patrimônio social e o patrimônio de seus membros. Como consequência deste fato, é possível observar a responsabilidade patrimonial pelas obrigações da sociedade empresária permeia apenas ao seu próprio acervo de bens, sem atingir os sócios. Para tanto, embora o referido princípio compreenda uma evolução social, este, acaba por facilitar a utilização de sociedades empresárias como ferramenta para burlar o Poder Público, por meio de fraudes ou abusos de direito. Assim, vale dizer que há pessoas que se aproveitam da distinção patrimonial, utilizando a pessoa jurídica como instrumento para a consagração de tais práticas, se compreendendo em um obstáculo na correta imputação de responsabilidade e, principalmente, prejudicando terceiros e credores idôneos. Feitos estes esclarecimentos iniciais, o presente estudo tem como objetivo geral analisar a possibilidade de aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica no campo administrativo, sendo esmiuçada a efetividade das sanções administrativas no procedimento licitatório. Para atingi-lo elegeram-se os seguintes objetivos específicos: explicar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro; discutir as fraudes no processo licitatório discutindo as sanções administrativas, crimes e penas dispostos na Lei n° 8.666/93; e analisar a possibilidade de utilização da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito administrativo em caso de abuso de direito e ofensa aos princípios da licitação. A relevância pessoal no presente estudo se compreende em detrimento à intensa observação do autor deste trabalho mediante as comissões de licitações, onde é possível analisar frequentemente, durante a fase de habilitação, inúmeras documentações dispostas pelas empresas que identificam sócios que constituíram nova empresa na tentativa de defraudar uma penalidade administrativa. Isto é, a referida prática compreende em abandonar uma empresa que foi inibida de licitar e constituir outra, com o mesmo objetivo e domicílio, mesmos sócios e, posteriormente, a mesma sanção administrativa aferida na primeira. Dessa forma, a situação em comento gera intensa relevância social, principalmente no âmbito empresarial, mediante o questionamento se a Administração Pública deve inabilitar a empresa e afastá-la do certame licitatório, ou nada impede que esta seja devidamente habilitada, uma vez que sobre a personalidade jurídica desta não reincide nenhuma sanção. Desta feita, a desconsideração da personalidade jurídica originou-se no Direito Privado com o objetivo de atingir o patrimônio dos sócios que usavam a pessoa jurídica como respaldo para se afastarem de suas obrigações. Para tanto, o estudo justifica-se em razão da importância do tema a ser debatido, tendo em vista que o número de empresas que utilizam desta manobra é bastante elevado. Assim, mediante a evolução dos recursos administrativos, resta cada vez mais nítida a identificação deste tipo de prática, contudo tais recursos acabam por não suprir todos os anseios que permeiam a segurança jurídica na tomada de decisão. Portanto, por não existir norma específica que discorra sobre a conduta do administrador, a omissão no tocante a estes casos pode incorrer em impunidade das empresas que buscam trapacear a legislação e tornar ineficazes as sanções dispostas no artigo 87, III da Lei 8.666/93.   1 Da teoria da desconsideração da personalidade jurídica Esta seção explica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, apresentando um breve histórico do instituto, conceito, bem como sua positivação no direito brasileiro.   1.1 Breve histórico e conceito A pessoa jurídica compreende a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios que almejam a consecução de determinados fins, sendo reconhecida pelo sistema jurídico como sujeito de direitos e obrigações. Assim, o dispositivo 1.024 do Código Civil brasileiro dispõe sobre a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, ou seja, o referido instrumento jurídico busca apresentar a atividade econômica e o progresso nacional, uma vez que o texto constitucional vigente aderiu-se ao regime capitalista de mercado. Assim sendo, a doutrina de Gonçalves (2014, p. 78) elucida sobre a desconsideração da personalidade jurídica: “Diante desse fenômeno histórico, surge a necessidade de dotar o grupo de personalidade, permitindo que atue em nome próprio, da mesma forma que as pessoas naturais. A pessoa jurídica, portanto, consiste num conjunto de pessoas e bens, constituídos na forma da lei e que busca alcançar determinado objetivo na sociedade.” Desse modo, Marçal Justen Filho (2019, p. 269) explica o reconhecimento da personalidade às pessoas jurídicas como “uma sanção positiva através da qual o ordenamento jurídico busca incentivar os cidadãos a desempenharem determinadas atividades de interesse particular e estatal”. Apesar dos ensinamentos pautados por Justen Filho (2019) denotarem um viés positivo, vale ressaltar que o uso abusivo contra credores e a utilização desse instrumento em desrespeito ao interesse público, a fim de burlar obrigações e sanções a serem cumpridas representa uma realidade cada vez mais frequente observada no Brasil. A abordagem histórica, imprescindível no estudo de qualquer instituto, embora possa não ser a mais agradável é, sem sombra de dúvidas, a que possibilita o mais amplo entendimento da matéria que constitui seu objeto, de maneira que, através deste expediente é possível conhecer as circunstâncias que deram causa ao surgimento e que nortearam a evolução do instituto em análise, no caso em pauta, a desconsideração da personalidade jurídica. Não obstante tenha nascido a Teoria da Desconsideração nos Estados Unidos da América, foi no direito da Inglaterra que a doutrina teve sua inauguração. Os registros datam do ano de 1897, e o caso ficou conhecido como Salomon vs. Salomon &Co., que assim se resume:   “Um comerciante chamado Aaron Salomon constituiu, juntamente com mais seis pessoas de sua família […] uma company, recebendo em função da cessão de seu fundo de comércio, vinte mil ações; para os demais componentes restaram seis ações, exatamente uma para cada um. Salomon, então, concedeu empréstimo à sociedade, obtendo garantia real. Pouco tempo depois, a companhia começou a dar visíveis sinais de enfraquecimento, passando a saldar impontualmente seus débitos, quando, espertamente, Salomon exerceu seu direito de debenturista contra a empresa, deixando a sociedade impossibilitada de pagar aos devedores quirografários, ou seja, aqueles que não têm garantia real, pois seus bens eram insuficientes. Inevitável a liquidação. ” “Em defesa dos credores quirografários, foi alegado que a atividade da companhia era a atividade pessoal de Salomon e que, por isso, seu crédito não poderia ser privilegiado. A decisão do Juiz de primeira instância foi exatamente neste sentido. O empresário, inconformado, recorreu à Casa dos Lordes, que entendendo presentes todos os requisitos legais para a constituição da sociedade, julgou inatingível a distinção de patrimônios, isentando-o de qualquer ressarcimento aos credores (KOURY, 2011, p.35).”   A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, como já dito, nasceu no direito norte-americano, importada para nosso sistema jurídico de maneira integral, não obstante a diferença entre os sistemas da Common Law e da Civil Law. Nos Estados Unidos, a principal causa da construção teórica a respeito da desconsideração da personalidade foi o surgimento de um capitalismo industrial até então desconhecido e que gerou a utilização indevida das chamadas corporations. Essa utilização indevida traduz-se pela consecução de fins ilegítimos por meio da proteção dada pelo direito à pessoa jurídica. Entretanto, mesmo em seu berço, a desconsideração era aplicada apenas excepcionalmente, quando comprovada a fraude à legislação, ao contrato ou aos credores. Posteriormente, no entanto, a necessidade de tutela dos interesses lesados pela utilização indébita das pessoas jurídicas acabou por tornar mais maleável a interpretação dos tribunais americanos, de modo que, atualmente, o conceito de fraude foi estendido para abranger também as hipóteses de abuso de direito. E mais, a mesma teoria é aplicada quando, pela utilização da norma vigente sobrevier resultado injusto, o que permite uma maior subjetividade ao julgador. Outra particularidade da Teoria da Desconsideração nos Estados Unidos da América diz respeito à sua aplicação, que está frequentemente voltada para os casos de sociedades unipessoais, pois muito fácil o desenvolvimento de interesses ilegítimos do sócio, como também a confusão patrimonial. A incipiente doutrina, que, baseada na equity atua no sentido de desconsiderar a personalidade jurídica para atingir os sócios que dela se utilizam indevidamente, foi denominada sob várias formas, dentre as mais comuns, disregard doctrine, cracking open the corporate shell, disregard of legal entity, nos Direitos inglês e americano, superamento della personalità giuridica, na Itália, teoria de La penetración ou desestimación de La personalidad, na Argentina. Para os brasileiros: desestimação, descaracterização da personalidade jurídica, descerramento do véu corporativo; mas a designação correntemente adotada em nossas literatura e legislação é desconsideração da personalidade jurídica. Nas breves palavras do ilustre, além de pioneiro no assunto, doutrinador paranaense Requião, a Disregard Doctrine é: […] caso de declaração de ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, a mesma incólume para seus outros fins legítimos. […] a disregard doctrine não visa anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem (REQUIÃO, 2015, p.14). É provável que este seja o ponto mais importante da teoria depois de seu fundamento básico, qual seja, a desconsideração em si, pois não se pode falar em desconsideração ou desestimação da personalidade jurídica sem que se tenha em mente que a personalidade jurídica é desconsiderada apenas para o caso concreto, atingindo em nada mais a estrutura da pessoa jurídica, tanto que esta, para suas demais finalidades, continua perfeitamente presente e atuante no mundo jurídico. A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica apresenta marcos literários de sua concepção em vários países e, embora nascida nos Estados Unidos, os primeiros trabalhos de vulto apareceram nas literaturas italiana e alemã. Na Itália, o Professor Verrucoli, docente da Universidade de Piza, publicou uma monografia entitulada Il Superamento della Personalità Giuridica delle Società di Capitalinell “Common Law” e nelle “Civil Law”, obra seguida pela tese de concurso apresentada pelo também professor, Serick, na Universidade de Tübingem, Alemanha, em 1955. Inicialmente traduzida para o direito espanhol, sob o título Aparencia y Realidade las Sociedades Mercantiles – El Abuso de Derecho por Medio de la Persona JurídicaI, foi essa tese posteriormente absorvida pelo direito de diversos outros países (KOURY, 2011). Teve o Professor Serick o mérito de pioneiramente sistematizar a Teoria da Penetração – como é conhecida na Alemanha -, por meio de comparações entre os julgados norte-americanos e as decisões dos tribunais germânicos (KOURY, 2011). Investiga-se na sequência a introdução da personalidade jurídica no Brasil.   1.2 Positivação no ordenamento jurídico nacional Até 1990 não existia previsão legal expressa sobre a desconsideração da personalidade jurídica no Brasil. Assim sendo, como expõe Janczeski (2017), o fundamento utilizado para a aplicação da teoria era o artigo 20 do Diploma Civil de 1916, que já reconhecia a diferença entre a personalidade societária e a dos sócios. No Brasil, o primeiro jurista a tratar do assunto foi Rubens Requião. O doutrinador apresentou um histórico da teoria, citando os casos que deram início ao seu desenvolvimento e enumerando obras sobre o tema, além de indicar os pressupostos. De suma importância é que se ressalte que desde 1970 já era aplicasa a desconsideração da personalidade jurídica pelos tribunais brasileiros, ainda que de forma tímida, talvez melhor dizer, muito tímida (JANCZESKI, 2017). A legislação, contudo, manteve-se inerte até a expressa acolhida da teoria pelo CDC de 1990, em seu art. 28. Pela primeira vez, num texto legal brasileiro foi inserida a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica; e o CDC foi seguido pela denominada Legislação Antitruste, Lei 8.884/94 e a nova Lei Ambiental, Lei 9.605/98. Já a Lei nº 9.605/98, a nova Lei Ambiental, assim dispõe a respeito da Disregard Doctrine[1] “art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente” (BRASIL, 1988, s.p). Importa tecer observação quanto à parte do dispositivo que fala em desconsideração da pessoa e não da personalidade. Não obstante a diferença de tratamento dada tanto pela Lei nº 9.605/98, quanto pela Lei nº 8.884/94 e pelo CDC, querem tais diplomas legais abraçar a Disregard Theory. Finalmente, o próprio projeto do novo Código Civil de 2002 teve inserido no texto do seu artigo 50 a previsão do IDPJ da personalidade jurídica, o que denota a importância da Teoria da Desconsideração e os benefícios que dela podem advir. O referido artigo sofreu uma emenda do relator do projeto, o Senador Josaphat Marinho, atendendo sugestões de juristas. A razão da emenda foi o desrespeito a um princípio básico da Disregard Doctrine, que é a preservação da pessoa jurídica em tudo aquilo que não esteja ligado ao ilícito praticado[2]. Como ventilado nas recentes linhas anteriores, a parte do texto que motivou a alteração do dispositivo, vai totalmente de encontro a um dos princípios teóricos originais da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, qual seja, a continuidade da pessoa jurídica para todo o universo de relações por ela mantido, e que não contraria a lei. Assim, Taddei (1998, p.31) cita que: “a desconsideração não prevê nulidade, extinção ou dissolução da pessoa jurídica, determinada apenas a sua suspensão para o caso concreto em que foi utilizada com fraude ou abuso de direito” mesmo porque, frente à importância das empresas na economia, a aplicação do texto do art. 50 poderia gerar consequências nefastas. A alteração feita pelo relator do projeto conseguiu, de maneira precisa, assegurar a finalidade da teoria, pois eliminou a possibilidade de dissolução da pessoa jurídica prevista anteriormente, e justificando a modificação, seguiu Requião (2015) diferenciando perfeita e conscientemente a despersonalização e a desconsideração, enfatizando que no IDPJ “subsiste o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, que é afastada, provisoriamente e tão-só para o caso concreto”, ao passo que na despersonalização a personalidade jurídica é anulada, ou seja, deixa de existir, o que não ocorre com o IDPJ, em que a pessoa jurídica continua a existir para todos os demais atos. Julga-se totalmente esclarecidos os fatos que ensejaram a reforma do dispositivo, motivo pelo qual, agora, transcreve-se o artigo com seu texto atual: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (BRASIL, 2002, s.p). Percebe-se, com facilidade, a substancial alteração trazida pela emenda, e que adequou perfeitamente o artigo aos fundamentos da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Por fim, o atual CPC foi a primeira legislação processual brasileira que previu o incidente da desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) e a desconsideração inversa, cuja instrumentalização já existia nas várias legislações referidas. Assim, segundo Silveira (2017), a novel legislação conseguiu suprir uma antiga carência, pois, o ordenamento jurídico brasileiro realmente precisava de uma legislação que regulamentasse especificamente a disregard doctrine. A regra do novo CPC, a exemplo do que já ocorria na legislação anterior, permanece sendo a de que o patrimônio privado é intangível (art. 795, caput), logo, o IDPJ ainda é tratado como uma medida excepcional, que deve ser utilizado apenas nas hipóteses que se encontram previstas no art. 133, § 1º do novo CPC. O atual CPC trata do IDPJ e da desconsideração inversa nos arts. 133 a 137, como espécies de intervenção de terceiros, sendo que as duas hipóteses de desconsideração, nos termos do art. 133, § 2º do novo CPC irão observar o mesmo procedimento.   2 Das licitações públicas Para que a Administração Pública possa funcionar, é preciso que sejam adquiridos bens e efetivada a contratação de serviços, ou seja, o Estado tem a necessidade de realizar contratações e estas contratações normalmente são feitas por meio de licitação. Conceitua-se licitação como um procedimento administrativo destinado a realizar a seleção da proposta mais benéfica para a contratação efetuada pela Administração Pública, com observância ao preconizado pelo princípio da isonomia. Desse modo, vale ressaltar que a ideologia constante de que a licitação tem o propósito de adquirir bem com melhor preço para a administração apresenta contrariedade ao escopo da essência do processo licitatório. O objetivo de fato da licitação consiste na escolha de proposta mais vantajosa, que, por acaso pode calhar de apresentar o menor valor de percepção (NÓBREGA, 2013). Ressalte-se, ainda, que a licitação representa um procedimento administrativo, portanto, tem a compreensão de um somatório de atos administrativos concatenados. Logo, vários são os atos que integram os procedimentos do processo licitatório como o edital, julgamento, classificação, entre outros (NÓBREGA, 2013). O art. 37, inc. XXI da CF/1988 dispõe sobre os pontos mais relevantes para o entendimento da licitação. Tem-se em vista que um dos fins da licitação é a garantia de tratamento igualitário para os licitantes, logo, é vedado a admissão de licitação com direção para empresa ou licitante específico. Ademais, como expõe Nóbrega (2013), a licitação precisa trazer em seu instrumento convocatório as exigências referentes à qualificação técnica e econômica de caráter indispensável para assegurar o cumprimento das obrigações vinculadas ao objeto do processo licitatório, atendendo também ao princípio da razoabilidade. Meirelles (2016) aduz que licitação é o procedimento administrativo ao qual a Administração Pública efetua a seleção de proposta que se mostra mais vantajosa ao contrato objeto de interesse. Tem a destinação de proporcionar iguais oportunidades a quem deseja realizar contrato com o Estado, dentro dos padrões estabelecidos em caráter prévio pela Administração. O autor ainda aduz que para assegurar a moralidade e eficiência dos negócios administrativos, a licitação busca selecionar a melhor proposta. Nos dizeres de França (2008), a licitação é o meio mais transparente para que a Administração Pública possa adquirir os bens e serviços que necessita, visando sempre o seu melhor interesse. No mesmo teor, o art. 3º da Lei 8.666/93 cita os objetivos da licitação, a saber: assegurar a observância do princípio da isonomia, a escolha da proposta que se mostra mais proveitosa para a Administração Pública e promover o desenvolvimento nacional sustentável. Ademais, a licitação deve respeitar os princípios previstos no art. 37, caput da CF/1988, aplicáveis à administração pública, bem como os princípios descritos conforme o art. 3º da Lei 8.666/93, conforme será visto na próxima seção.   2.1 Princípios norteadores Princípios são formas de orientação para todo e qualquer comportamento, bem como para as normas jurídicas dispostas no ordenamento pátrio. São guias básicos que expressam o “DNA” daquilo que se pretende alcançar (FRANÇA, 2008). Para Ari Sundfeld (apud FRANÇA, 2008, p. 12), “são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”. A Lei n° 8.666/93, em seu dispositivo 3°, elucida os princípios básicos que devem pautar o processo licitatório, sendo eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, probidade administrativa, publicidade, igualdade, vinculação ao instrumento convocatório e, por fim, o julgamento objetivo. Esses princípios se entrelaçam como os elos de uma corrente, e o rompimento de qualquer um deles provoca a nulidade do ato administrativo, com a consequente responsabilização do agente que houver dado causa a essa irregularidade, nos termos do art. 11 da Lei 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) (TOLOSA FILHO, 2019). O caput do art. 3º da Lei n° 8.666/93 expõe que o objetivo da licitação é selecionar a proposta que se mostrar mais proveitosa à Administração, porém, vincula essa escolha à anterior observação dos princípios dispostos na Constituição referentes à Administração Pública. Dito de outra forma, não se considera a proposta vantajosa se na contratação não forem observados os seguintes princípios: “legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e de probidade administrativa” (TOLOSA FILHO, 2019, p.112). Os atos administrativos em geral estão atrelados ao princípio de legalidade, isto é, a Administração Pública, através de seus agentes, somente pode realizar o que a lei expressamente autorizar (Tolosa Filho, 2019). O princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da CF/1988 e no artigo 3º da Lei 8.666/93, é o princípio fundamental da Administração Pública. Segundo esse princípio, os operadores públicos somente poderão realizar seus atos com base na lei, não sendo permitido se valer de arbitrariedades ou de vontades pessoais para realizarem seus atos. segundo Barros (2009, p. 81) “a Administração Pública, em toda a sua atividade, está vinculada aos mandamentos da lei, ou seja, só pode agir quando e como a lei autoriza, ao contrário do particular, que pode fazer tudo o que a lei permite e não proíbe”. No que diz respeito à licitação, os agentes do processo licitatório, tais como o pregoeiro e demais membros da comissão, devem cumprir o disposto nas Leis às quais o determinado certame esteja vinculado e especialmente ao instrumento convocatório (edital). O princípio da impessoalidade se caracteriza no ajuste ao princípio da isonomia, na medida em que, através da formulação de um instrumento convocatório que se restrinja ao permitido pela lei (princípio da legalidade), o objeto da contratação se conforme às demandas sociais e estritamente dentro da premissa de utilidade pública ou administrativa (princípios da moralidade e da eficiência) e se balize por um julgamento objetivo (TOLOSA FILHO, 2019). Assim como o da legalidade, este princípio também está previsto no art. 37 da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 3º da Lei 8.666/93. Esse princípio é responsável por determinar a vedação ao administrador público agir de qualquer maneira que favoreça ou crie vantagens a alguém. Os princípios da legalidade e da moralidade estão interligados e o primeiro, também referido como princípio da probidade administrativa, rege que toda conduta do agente público que deve ser pautada em valores éticos e morais. Para Justen Filho (2019), em nenhum momento a conduta da Administração ou do particular poderá violar valores fundamentais consagrados pelo ordenamento jurídico. No caso das licitações pode-se observar que caso o agente público agisse com pessoalidade em determinada conduta, visando o favorecimento de terceiro, ele estaria no mesmo ato desrespeitando tanto o princípio da impessoalidade como o da moralidade/probidade administrativa. O princípio da publicidade se refere à transparência quanto aos atos da Administração Pública. Ressalvados os casos em que a lei exija o sigilo, todos os demais atos devem ocorrer de maneira aberta e divulgados o mais amplamente possível. Durante o procedimento licitatório o único momento em que se deve prezar pelo sigilo total é na fase antecedente à abertura dos envelopes, em especial ao da proposta, uma vez que o não conhecimento do conteúdo da proposta entre os licitantes é fator primordial para que o certame ocorra de maneira eficiente e dentre da legalidade (MELLO, 2017). Inclusive, o conhecimento prévio da proposta por parte de outros concorrentes acarretaria em fraude a licitação, ferindo gravemente a competitividade do certame e os princípios da moralidade, impessoalidade e igualdade. Também, no procedimento licitatório tem-se que é o princípio da igualdade que assegura a observância da isonomia constitucional exigida em todos os atos de tratamento impessoal. A aplicação desse princípio deixa claro que o Administrador Público está proibido de discriminar os participantes no certame licitatório e que seja oportunizada a todos os interessados, desde que tenham condições de assegurar o cumprimento do contrato a ser realizado entre ele e a Administração, a participação no processo (Bonesso, 2014). O princípio da igualdade é, certamente, fundamental para que o processo licitatório se desenvolva de maneira correta e justa. Este princípio não é aplicado tão somente às licitações, mas fundamental para todo o ordenamento jurídico. Já o princípio da vinculação ao instrumento convocatório é basicamente a obrigação por parte dos licitantes e especialmente da administração pública, em respeitar tudo aquilo que o ato convocatório prevê. Este princípio está disposto no art. 41 da Lei 8.666/93, e muito se assemelha ao princípio da legalidade, no sentido de que assim como no tocante à legalidade o administrador público deve pautar-se apenas por aquilo que consta na lei, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório limita o agente público a tão somente agir baseado no edital. O princípio do julgamento objetivo tem embutido em seu DNA os princípios da legalidade, impessoalidade e o da vinculação ao instrumento convocatório. Este princípio obriga que o agente público, no ato de julgamento de determinada fase da licitação, o faça estritamente vinculado aos parâmetros estabelecidos pelo edital (RIGOLIN; BOTTINO, 2009). Trata-se de princípio previsto no art. 45 da Lei 8.666/93, que preceitua que o julgamento das propostas deverá pautar-se na objetividade, sendo que a comissão de licitação ou o responsável pelo convite deverá operacionalizá-lo em consonância com as modalidades de licitação em uso, os critérios estabelecidos no ato convocatório e consoante os fatores nele referidos com exclusividade, de forma a tornar possível que os licitantes e órgãos de controle procedam à sua aferição.   2.2 Fraudes no processo licitatório Nos processos licitatórios, as possibilidades de fraudes são muitas. A Secretaria de Direito Econômico (SDE), vinculada ao Ministério da Justiça, disponibilizou em seu endereço eletrônico (www.portal.mj.gov.br/sde) um extenso material sobre práticas anticompetitivas nas licitações públicas, como, por exemplo, a Cartilha de Combate a Cartéis em Licitações. As fraudes praticadas nos processos de contratações públicas não se esgotam nas práticas lesivas cometidas pelas empresas no mercado. Elas podem ocorrer de diversas formas. A seguir, no quadro 1 serão detalhados alguns exemplos de fraudes em licitações, de forma a mostrar como essas ocorrências podem comprometer a atuação da Administração Pública e gerar desperdício de recursos. Ressalta-se que os administradores públicos responsáveis pelo planejamento de uma licitação não devem poupar esforços para evitar que essas práticas lesivas ocorram nos processos de contratação pública. As medidas preventivas para as fraudes perpassam a realização de controle interno das licitações pelo Tribunal de Contas, fiscalização e controle jurisdicional. A fiscalização do contrato administrativo é prerrogativa da Administração conferida pelo inciso III do art. 58 da Lei 8.666/1993, a qual lhe permite acompanhar de perto tudo o quanto se relacione à execução do contrato, tomando as providências cabíveis para garantir o bom andamento dos trabalhos. Há, portanto, uma intervenção e uma ingerência direta da Administração contratante na execução, ao ensejo de garantir sua adequação. Mais do que prerrogativa, a fiscalização da execução contratual é um dever da Administração, intransferível e irrenunciável, competindo-lhe zelar para que o fim público seja alcançado. É importante deixar claro que o dever de fiscalizar pertence à Administração Pública. Gestor e fiscal de contrato são os agentes detentores das funções que possibilitam materialmente a observância desse dever, mas apenas poderão exercê-las nas condições proporcionadas pela própria Administração. Portanto, a autoridade superior deve prover aos agentes públicos designados como gestores e fiscais de contratos a necessária condição de exercer com eficiência tais funções (PÉRCIO, 2017). Essa premissa é fundamental para a aferição da medida da responsabilidade de cada um em caso de prejuízos gerados aos cofres públicos por falhas na gestão e na fiscalização de contratos.   2.3 Sanções administrativas, crimes e penas dispostos na Lei n° 8.666/93 Os contratos administrativos, em razão de interesse público, caracterizam-se pela existência de cláusulas exorbitantes as quais seriam consideradas ilícitas em um contrato privado pelo tratamento desigual das partes, sempre visando a supremacia da Administração e do interesse público. No entanto, nos contratos administrativos, além de lícitas (Lei n. 8.666/1993, art. 58, inc. IV e art. 87, caput), elas são essenciais para a validade da avença. As sanções administrativas por inadimplemento total ou parcial do objeto do contrato, pela recusa injustificada em assinar o instrumento contratual ou retirar o documento equivalente no prazo fixado pela Administração, ou ainda, por mora na execução do contrato, estão elencadas nos arts. 86, 87 e 88 da Lei 8.666/1993 envolvendo advertências, multas, suspensão temporária para participar de licitação e declaração de inidoneidade impedindo aquele que cometeu a fraude possa licitar ou firmar contratos com a Administração Pública. Tolosa Filho (2019) ressalta que a aplicação das sanções previstas tanto no edital ou convite, como no instrumento contratual, não gravita na órbita do poder discricionário do administrador público por se tratar de ato vinculado, portanto, devem ser adotadas sob pena de apuração de responsabilidade. Assim, as sanções somente podem ser aplicadas desde que garantido o princípio da ampla defesa. Uma vez constatado o inadimplemento total ou parcial, bem como, o atraso no cumprimento do objeto do contrato, o contratado deverá ser notificado a apresentar, querendo, no prazo de cinco dias úteis, defesa prévia. O inc. II do art. 87 da Lei 8.666/1993 prevê a sanção de multa, embora não defina o seu valor, circunstância que deverá estar prevista obrigatoriamente no instrumento convocatório e no instrumento de contrato. A imprevisão dos valores ou percentuais relativos à multa impede sua aplicação, mas não a adoção das demais sanções previstas no art. 87 da Lei 8.666/1993 e no art. 7º da Lei 10.520/2002. Além das sanções previstas na Lei 8.666/1993, o art. 7º da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão) e o § 2º do art. 43 da LC 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) prevêem sanções administrativas. A LC 123/2006 concede às microempresas e às empresas de pequeno porte a possibilidade de regularizarem a documentação referente à regularidade fiscal, quando em procedimento licitatório as certidões de regularidade apresentarem alguma restrição. Porém, o § 2º do art. 43 deste diploma legal prevê que a não regularização no prazo concedido, implica a decadência do direito à contratação e enseja a aplicação das sanções elencadas no art. 81 da Lei 8.666/1993. Na verdade o art. 81 da Lei 8.666/1993 não prevê nenhuma punição, mas dispõe que a recusa sem justificativa do adjudicatário no que tange à assinatura do contrato, aceite ou retirada do instrumento correspondente, no prazo estipulado pela Administração é suficiente para caracterizar o completo descumprimento da obrigação assumida, sujeitando os responsável às penas estabelecidas em lei. As sanções estão estabelecidas no art. 87 da Lei 8.666/1993, o que induz à interpretação de que o legislador teve a intenção de afirmar que a não regularização da documentação no prazo estabelecido, caracteriza descumprimento total da obrigação assumida. Portanto, na hipótese de descumprimento por parte da microempresa ou da empresa de pequeno porte da regularização no prazo concedido, o agente público deve iniciar procedimento administrativo com o objetivo de aplicar as sanções previstas. Por seu turno, o art. 7º da Lei do Pregão, além de repetir parte dos atos tipificados como passíveis de sanção estabelecidos pelo art. 87 da Lei 8.666/1993, amplia o leque ao prever como sancionável a conduta dos licitantes que deixam de entregar ou entregam documentação falsa ou ensejam o retardamento da licitação, dilatando, ainda, a suspensão do direito de licitar e firmar contratos com a Administração Pública pelo prazo de até 5 anos. A Lei 8.666/93 traz nos arts. 89 a 98 os tipos penais que constituem ilícitos penais contra a licitação e, têm como sujeitos ativos os servidores públicos, pessoas a eles vinculadas e os licitantes. O art. 89 dispõe sobre a dispensa e inexigibilidade ilegais de licitação; o ilícito do art. 90 refere-se a frustrar e/ou fraudar certames licitatórios; o art. 91 refere-se ao patrocínio a interesses privados; o art. 92 dispõe sobre a modificação ou oferecimento de vantagem contratual em fase executória; o art. 93 fala em atentar contra atos inerentes ao procedimento licitatório; o art. 94 refere-se à devassa de proposta sigilosa; o art. 95 refere-se ao ato de afastar ou à tentativa de afastar licitantes do certame fazendo uso de meios ilegais; o art. 96 refere-se às fraudes à licitação; o art. 97 dispõe sobre as licitações realizadas com licitantes inidôneos; e por fim, o art. 98 fala sobre frustrar a participação de licitantes em certames licitatórios.   3 DA POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO Nesta seção será discutida a possibilidade de fazer uso do IDPJ no âmbito administrativo. Assim, inicia-se discutindo sobre os requisitos para aplicar o citado instituto em caso de violação aos princípios da administração pública.   3.1 Dos requisitos para a aplicação do instituto no Direito Administrativo Entende-se que os requisitos para a aplicação do IDPJ no Direito Administrativo são os mesmos que se aplicam aos demais ramos do Direito. Gagliano e Pamplona Filho (2010), explicam que os elementos que devem estar presente para que o magistrado aplique o IDPJ, são o desvio de finalidade e a confusão patrimonial. No que tange ao primeiro elemento, ao serem perseguidos fins não previstos em contrato, é desrespeitada também a função social que deve ser exercida pela pessoa jurídica. No que tange ao segundo elemento, concretiza-se a confusão patrimonial quando o patrimônio da pessoa jurídica se mescla ao patrimônio dos sócios ou gestores. Referente ao desvio de finalidade Souza (2015) explica que a pessoa jurídica é constituída com certas finalidades, estipuladas no estatuto e no contrato social. Ou seja, após sua constituição, para que apresente atuação regular, não poderá se afastar da finalidade para a qual foi criada e que foi estipulada no estatuto. Do contrário, haverá desvio de finalidade, fato que autoriza a desconsideração. Com perspicácia Gladston Mamede (2020) ensina que, quando se estiver diante do desvio de finalidade, esse ato não pode ser vinculado à pessoa jurídica (arts. 115 a 120 do Código Civil), devendo esse ato ser compreendido como ultra vires (art. 47 do Código Civil), e, desse modo, quem o executou e não a pessoa jurídica. Eis a hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista o abuso da personalidade do ente, caracterizado pelo desvio de personalidade. Mamede (2020) ainda leciona que o terceiro prejudicado poderá solicitar que seja desconsiderada a personalidade da pessoa jurídica, a fim conseguir a declaração de que o terceiro, responsável pelo ato desviado, está obrigado a ressarcir prejuízos contratuais ou extracontratuais, advindos da sua conduta ilícita. Contudo, se não houver desconsideração e a sociedade tiver que ressarcir terceiros de seus prejuízos, poderá ela regressar contra o agente que praticou o desvio de finalidade e ser indenizada pelos prejuízos que sofreu. Em suma, vale destacar que o art. 50 do Código Civil autoriza a desconsideração da personalidade, sempre que ocorrer o desvio de finalidade, o qual se revela por meio do mau uso da pessoa jurídica. Isso implica afirmar que não é qualquer disfunção da pessoa jurídica que autoriza a desconsideração, mas apenas, quando ela se afastar das suas finalidades estatutárias e sociais, causando prejuízo a terceiros. Outra hipótese autorizadora da desconsideração da personalidade jurídica, segundo Souza (2015) é a confusão patrimonial, situação em que não se consegue distinguir o patrimônio pessoal dos sócios e o da sociedade. O art. 50 do Código Civil prevê, de maneira expressa, a possibilidade de afastar a personalidade jurídica da empresa sempre que houver abuso da personalidade da pessoa jurídica, por meio da confusão patrimonial. A personificação da sociedade produz vários efeitos, quais sejam: autonomia negocial, autonomia processual e a autonomia patrimonial, disposta em lei no art. 20 do Código Civil, a qual estabelece a separação entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio pessoal dos sócios. Porém, por vezes, os sócios deixam de observar essa premissa, dando causa à confusão patrimonial, bem como, à responsabilidade ilimitada daqueles que não observaram a separação patrimonial, estipulada em lei. Sem dúvida, a confusão patrimonial decorre do mau uso da personalidade jurídica, caracterizada pela confusão realizada pelos sócios ao gerirem os negócios da pessoa jurídica sem a observância da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Diante desse quadro, autorizada está a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, a fim de atribuir responsabilidade ao sócio, administrador ou a sociedade coligada de fato ou de direito, conforme o já citado art. 50 do Código Civil. Por fim, Mamede (2020) alerta que a mera confusão patrimonial, por si só, não é capaz de autorizar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, sendo imprescindível que a confusão patrimonial esteja relacionada ao abuso na utilização da pessoa jurídica, ou seja, quando houver embaralhamento de obrigações e direitos da sociedade com os da pessoa dos sócios, com a intenção de causar prejuízos a terceiros envolvidos com a pessoa jurídica.   3.2 Do abuso de direito e da impunidade Inegável a familiaridade e proximidade entre a já apresentada teoria do abuso do direito e a estudada teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que ambas são oriundas de elaboração jurisprudencial e reconhecidas como instrumentos de solução de conflitos gerados em torno da noção de ato ilícito. O abuso é detectado e a desconsideração da personalidade é realizada, sempre que o sócio/administrador se exceder em suas atribuições e finalidades sociais e econômicas, à boa-fé e aos bons costumes ou desviar os propósitos funcionais da pessoa jurídica, estabelecidos no Estatuto Social. Sobre a teoria do abuso de direito, Pedro Baptista Martins (2002, p.168) defendia que: A teoria do abuso do direito pode ser construída e considerada como categoria autônoma. Ela tem, inquestionavelmente, certas afinidades com a teoria da culpa, com a qual, todavia, não se confunde, pois que entre os caracteres de diferenciação destacam-se o seu acentuado cunho objetivista e, principalmente, a circunstância de serem noções incoadunáveis a de culpa e a de exercício de um direito. As situações autorizadoras da desconsideração da personalidade jurídica são caracterizadas por abuso da forma e não propriamente, pelo abuso do direito, tendo em vista que a personalidade jurídica não é considerada direito, mas técnica jurídica. Assim, em que pese a desconsideração apresentar-se como um desvio funcional da pessoa jurídica (abuso da forma), não é caso de reparação civil, uma vez que não se confirma o desvirtuamento por excesso no exercício de direito por conduta omissiva ou comissiva que cause dano a alguém, mas desvio por excesso na destinação da forma de organização jurídica que compõe, ampara, justifica e legitima o exercício do direito de realização do alcance e interesse social. Vale esclarecer que o abuso de forma no direito, ocasionado por desvio de função, é passível de ser atribuído ao sujeito, que pode ser a própria pessoa jurídica, o sócio ou administrador cuja responsabilidade gera como consequência, a observância do dever legal que lhe é imposto, seja pela legislação ou pelo Estatuto Social. Assim, a situação de abuso é autorizadora para a aplicação do IDPJ. Em harmonia com o que fora explanado, pode-se concluir que, sempre que houver situações (a exemplo das fraudes em contratos de licitação) em que o sócio ou o administrador se afastarem do princípio da boa-fé ou do fim social e econômico, que sustentem a empresa, comentem abuso de direito, o que, em defesa da empresa, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica.   3.3 Da ofensa aos princípios da licitação Pode-se dizer que comete fraude aquele que viola aos princípios da licitação. Segundo Souza (2015), como o próprio nome indica, fraudar é enganar, ludibriar os contornos da lei. Por vezes, o agente frauda com a intenção de se esquivar de sanções que o ordenamento jurídico lhe impõe, ou mesmo, quando a lei lhe impõe restrições e o agente não as aceita, burlando a legislação e utilizando para isso a pessoa jurídica como se fosse um escudo, a fim de não ser alcançado. Contudo, sabiamente Losso (2017) bem aponta que não há como falar de fraude sem dolo, sem a intenção de transgredir o ordenamento legal, a fim obter vantagens, uma vez que a fraude naturalmente advém da intenção de prejudicar terceiros, ou no caso das fraudes à licitação, lesar a Administração Pública. O dolo presente na fraude está disciplinado no art. 186 do Código Civil, o qual dispõe que, para a caracterização da fraude, é importante que haja a intenção deliberada ou consciência de produzir o dano. Pode-se entender, portanto, como requisitos da fraude a má-fé, a malícia e a intenção de gerar prejuízo a outrem. Por fim, em que pese o Código Civil, no art. 50 não disciplinar a fraude de maneira explícita, pode-se compreender que tal instituto se faz presente de modo implícito. Assim, a fraude se apresenta como uma das hipóteses autorizadoras da desconsideração da pessoa jurídica, a fim de que se alcance e responsabilize o autor da fraude. Tem-se que aplicada às licitações, a fraude nada mais é do que uma das formas de os agentes praticarem abuso e mau uso da pessoa jurídica, com a intenção de lesar a Administração Pública e obter vantagens ilícitas. Aquele que frauda licitações, não raro é premiado com a impunidade em razão da dificuldade encontrada nos tribunais para desconsiderar a personalidade jurídica do fraudador, que permanece lesando a Administração Pública, ao constituir novas empresas e, portanto, mesmo tendo sanções aplicadas à outra empresa, continua participando de licitações e dando origem a um círculo vicioso de fraudes, em caso de sua personalidade jurídica não ser descaracterizada (MOSCON, 2011). Assim entende-se que o IDPJ serve como meio para conferir efetividade às sanções administrativas posto que em uma primeira análise a desconsideração administrativa parece não poder ser aplicada por não existir previsão legal. A criação de nova empresa oriunda da que sofreu sanção, mesmo indo contra aos princípios da licitação citados, permite um novo cadastro com documentação renovada. Porém, será constituída uma fraude, afrontando os princípios do Direito Administrativo e frustrando o interesse público, já que as sanções impingidas às empresas não surtirão nenhum efeito. Defendendo a aplicação do IDPJ no Direito Administrativo mesmo não havendo previsão em lei, Soares (2010) alerta que há várias situações em que é patente a necessidade de aplicar a despersonalização, sem que se fique limitado aos ramos do direito que já prevêem expressamente a possibilidade de aplicar o IDPJ. Defendendo o IDPJ na esfera administrativa, acentua Gasparini (2008) que a ausência de lei específica não pode ser impedimento para que prevaleça o interesse público e a moralidade administrativa, tendo em vista não ser possível que todo ato da administração pública esteja formalmente previsto em lei. Assim, frente à inércia da Administração Pública ante às referidas manobras operacionalizadas por empresas de fachada, expõe-se a risco o princípio da moralidade, o qual é integralmente aplicado aos processos licitatórios. Desta feita, embora exista uma lacuna legal, é possível que o IDPJ seja suportado por outros pilares jurídicos, a exemplo dos princípios da moralidade, legalidade e do interesse público. Nesse sentido, se pronunciou o Tribunal de Justiça de Santa Catarina: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. DESCLASSIFICAÇÃO MOTIVADA PELA EXTENSÃO DOS EFEITOS DE PUNIÇÃO APLICADA A EMPRESA DO MESMO GRUPO ECONÔMICO. SUSPENSÃO DO DIREITO DE LICITAR. POSSIBILIDADE NO CASO. INCIDÊNCIA DO INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO EXPANSIVA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PESSOAS JURÍDICAS QUE SE CONFUNDEM, MORMENTE QUANTO AOS SÓCIOS, PROCURADORES E ENDEREÇO. PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA INDISPONIBILIDADE DOS INTERESSES PÚBLICOS. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO GRUPO DE CÂMARAS DE DIREITO PÚBLICO EM OUTRO FEITO ENVOLVENDO A EMPRESA IMPETRANTE. DIREITO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CONHECIMENTO SOBRE AS IRREGULARIDADES APURADAS E A IMINÊNCIA DA PUNIÇÃO. OPORTUNIDADE DE MANIFESTAR-SE NA VIA ADMINISTRATIVA. INÉRCIA DA INTERESSADA. PUNIÇÃO QUE SE REVELA CORRETAMENTE APLICADA EM RAZÃO DA GRAVIDADE DAS FALTAS APURADAS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. EXEGESE DO ARTIGO 87, III, DA LEI N. 8.666/1993. SEGURANÇA DENEGADA[3]. Esta decisão refere-se a um mandado de segurança que foi impetrado pela empresa White Martins Gases Industriais LTDA após ter sido desclassificada em Pregão Presencial em razão de lhes terem sido estendidos os efeitos das sanções aplicadas a outra pessoa jurídica pertencente ao mesmo grupo econômico. A empresa possuía não apenas os mesmos sócios em comum, como também a sede no mesmo Estado (Santa Catarina), os mesmos advogados de defesa e os mesmos diretores. Frente a essas similaridades, o Egrégio Tribunal concluiu que a impetrante tinha conhecimento sobre as irregularidades bem como da punição a que fora submetida e que havia evidências de que a forma como as empresas foram constituídas tornou possível burlar a competitividade dos certames licitatórios, valendo-se de manobras jurídicas, tendo em vista que empresas do mesmo grupo participavam alternadamente dos certames. Assim, o TJSC autorizou o IDPJ operado na via administrativa, estendendo-se a proibição de participar da licitação também à empresa que integrava o mesmo grupo econômico, em homenagem ao princípio da moralidade e da indisponibilidade dos interesses públicos em tutela.   Conclusão A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, já muito ovacionada na seara privada, não encontra o mesmo respaldo nem tampouco uma ampla jurisprudência capaz de estabelecer de modo claro as hipóteses para sua aplicabilidade na esfera administrativa. Nesse contexto, os estudos que englobam o tema geralmente têm como foco a aplicabilidade nas relações privadas. Assim, mesmo possuindo expressa previsão legal para a desconsideração da personalidade jurídica como, por exemplo, na Lei de defesa da Concorrência (LDC) e na Lei Anticorrupção, ainda permanece a incerteza no tocante às hipóteses que permitiriam sua incidência. Nesse contexto, as licitações tem se tornado uma excelente opção de negócio aos empresários de inúmeros ramos, uma vez que, durante o exercício financeiro, ocorre a deflagração de diversos procedimentos licitatórios pela administração pública, a fim de contratar uma diversa gama de produtos e serviços essenciais à sua existência. Desse modo, por ser um procedimento formal, sendo sempre precedido de dotação orçamentária, que promove determinada garantia de que a Administração Pública irá realizar todos os seus compromissos, o procedimento em comento vem conseguindo cada vez mais adeptos. Assim, com a elevação do interesse pelas licitações, originou-se no mercado, empresas constituídas e especializadas apenas em participação de licitações, a fim de contratar com o Poder Público. Por essa razão, foram observados diversos casos onde os empresários descumprem as disposições contidas no artigo 87, inciso III da Lei 8.666/93. Contudo, em observância ao artigo supracitado, vale dizer que as sanções dispostas na lei não estão sendo efetivas para combater os licitantes sem idoneidade. Dessa forma, conforme foi visto neste estudo, uma prática que se tornou corriqueira entre os empresários é a constituição de uma nova pessoa jurídica com os mesmos sócios, orçamento e finalidade, a fim de defraudar a legislação para continuar participando normalmente das licitações que envolvam a contração com a Administração Pública. Pela pesquisa realizada foi possível perceber que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica encontra-se frequentemente confrontada com os princípios que norteiam o exercício da função administrativa, assim como os princípios que orientam o processo administrativo, sendo constantemente levantada a hipótese de aplicação do IDPJ, cujas normas se encontram dispostas no CPC de 2015. Foi demonstrado que já houve o reconhecimento da possibilidade da Administração Pública desconsiderar a personalidade jurídica em relação às empresas, mediante a fraude comprovada por meio de demanda administrativa, sendo devidamente assegurado o direito ao contraditório e à ampla defesa. Do exposto concluiu-se que o instituto em comento mostra-se essencial à Administração Pública por ser um instrumento com a finalidade de afastar a impunidade de empresas que promovem o abuso de direito, elegendo uma nova pessoa jurídica para continuar firmando contratos com o Poder Público.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/desconsideracao-da-personalidade-juridica-como-meio-de-dar-efetividade-as-sancoes-administrativas/
A Participação da Fazenda Pública nas Audiências de Conciliação e/ou Mediação
Com a vigência do novo Código de Processo Civil, a audiência de conciliação e mediação ganhou especial relevância no cenário processual. Os mecanismos autocompositivos, antes relegados a figurantes, agora passam a exercer papel de relevância no curso processual, reconhecendo, a legislação, a importância de tais institutos para a obtenção de uma prestação jurisdicional célere e efetiva. Além do intuito de permitir que as partes tenham uma resposta tempestiva acerca dos problemas levados a juízo, os mecanismos de autocomposição permitem às partes encontrar a melhor solução para os litígios e, neste mote, encontrar a melhor forma de pacificar as relações sociais outrora abaladas. Sobressaindo-se, então, a audiência de conciliação ou mediação como meio a outorgar uma eficiente prestação jurisdicional, devem os atores processuais prestigiá-las, inclusive a administração pública quando em juízo, eis que, para além da questão atinente à celeridade processual, a celebração de transações no âmbito do processo pode gerar grande economia ao erário.
Direito Administrativo
Introdução Há muito tempo a doutrina especializada em processo civil reconhece e defere à conciliação e mediação o importante papel de resolução dos conflitos processuais visando a redução do acervo e da morosidade processual. Contudo, em que pese a doutrina reconhecer a relevância do papel dos meios autocompositivos, a prática forense demonstra que os atores processuais são recalcitrantes ou possuem dificuldades para solucionar, por si sós, os litígios que nascem em decorrência das suas relações pessoais e/ou sociais. Tal fato, estimulado em parte pelos parcos conhecimentos acerca dos métodos de solução consensual dos conflitos nos bancos acadêmicos e pelo estímulo à litigiosidade, relegou a conciliação e mediação, mesmo que positivadas no Código de Processo Civil revogado, a meros figurantes. Apesar da previsão no revogado Código de Processo Civil acerca da realização das audiências de conciliação, poucos eram os casos nos quais acabavam sendo designadas os atos para que se tentasse a composição das partes. Os argumentos, embora variáveis, resumiam-se à celeridade processual, à inexistência de propostas concretas e a possibilidade de que os litigantes, a qualquer tempo, pudessem celebrar acordo, comunicando o juízo a respeito de tal transação. Com o passar do tempo, a previsão da audiência conciliatória na revogada legislação processual, tornou-se letra morta nos litígios privados. E mais ainda quando se tratava de litígio com a fazenda pública. Especialmente no que tange à fazenda pública, as escusas apresentadas para a não designação da audiência conciliatória eram calcadas na alegação da indisponibilidade do interesse público, situação que, em princípio, obstaria a transação nos feitos que envolvessem a administração pública. Entretanto, a alegação genérica de indisponibilidade do interesse público sob litígio, quando encarada de forma irrestrita, gera efeito contrário àquilo que se buscava tutelar, o que seja, a obtenção de benefícios à administração pública e, até mesmo, à coletividade. Nestes termos, ignorando-se a evolução doutrinária, que distingue o interesse público primário, do interesse público secundário, aplicando-se indistintamente a dispensa da audiência conciliatória a todos os processos que envolverem a administração pública, tal conduta estimulará a litigiosidade e, evidentemente, pode implicar em efeito colateral prejudicial à fazenda pública, aumentando-se os custos, despesas e encargos suportados pela administração pública.   Desde a Emenda Constitucional 45/2004 há o anseio, por parte dos legisladores, doutrinadores e atores processuais, pela celeridade e efetividade processuais. Há muito busca-se a resolução e superação dos entraves burocráticos e estruturais que impedem que os litígios tenham adequada solução, em tempo adequado e com decisões efetivas mediante a outorga de uma prestação jurisdicional eficiente. A preocupação quanto à eficiência das decisões remonta à década de 20, devendo ser rememorada a frase de Rui Barbosa no sentido de que “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade”[1]. Indubitavelmente, uma das alternativas postas à disposição das partes e do Poder Judiciário para o fim de superar as barreiras à obtenção de uma prestação jurisdicional célere, eficaz e eficiente é o prestígio e o estímulo às formas de solução consensual dos conflitos processuais. Com efeito, nos primórdios da civilização, as contendas pessoais e/ou sociais eram resolvidas por intermédio da autotutela, ou seja, através da coação física ou moral daquele que detinha maiores condições de se impor perante seus pares ou com a parte adversa. Evidentemente, não se tratava de uma forma adequada de resolução dos conflitos, uma vez que, além de se tratar de forma imparcial de solução do conflito, tinha por viés premiar o mais forte, o mais influente ou, ainda, o mais astuto[2]. A fase alhures indicada se caracterizava pela ausência do Estado na solução dos conflitos sociais, de modo que “quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força de na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão”[3]. Entretanto, o método em questão não se mostrava, com o evoluir da sociedade, adequado para a pacificação social. As relações sociais, contudo, evoluíram, concentrando nas mãos do Estado o papel de dirimir os litígios, que passou a substituir as partes no papel de resolução de conflitos, atuando como terceiro imparcial no litígio estabelecido. Com a incrementação e estruturação do Estado, este avocou para si o papel de, exclusivamente, dirimir conflitos, proibindo a autotutela[4]. A avocação da competência jurisdicional pelo Estado, embora tenha o condão de realização a aplicação imparcial do direito ao caso e análise, gerou como efeito deletério a morosidade na solução dos conflitos. Com efeito, a partir da fixação da competência estatal para exercício do poder jurisdicional, a tutela do direito violado não mais era entregue de forma imediata, como ocorria pela autotutela. Isso porque, “tanto o processo de conhecimento quanto o de execução tem demora própria e necessária, inexoravelmente decorrente dos seus respectivos procedimentos”[5]. Nestes termos, a partir da evolução das relações sociais, que se tornaram mais complexas e burocráticas, houve o incremento no tempo levado para que o Estado pudesse dar uma resposta adequada aos jurisdicionados, situação que, dentre várias outras situações prejudiciais, colocam em descrédito o próprio judiciário[6]. A complexidade das relações sociais, dos negócios jurídicos, enfim, da vivência em sociedade recomenda, deste modo, que as partes voltem a assumir ativamente uma postura para a solução dos conflitos já que, imersos no conflito e cientes das suas obrigações, direitos e deveres legal e contratualmente estabelecidos, possuem melhores condições de dar resposta aos pontos discordantes e, também, fazê-los de forma rápida. Ademais, a atuação das próprias partes na solução do conflito permite que as partes encontrem a forma mais adequada para solução do conflito, pacificando-se as relações de uma forma muito mais produtiva do que aquela alcançada pelos meios heterocompositivos de conflitos. Nesse contexto, a partir da avocação pelo Estado do dever de analisar os litígios, sobrecarregando-se com o decorrer do tempo, seja em razão do aumento do número de litígios, seja pela ausência de estrutura adequada, cumpre aos atores processuais agirem para que se dê uma solução adequada ao processo, dentro de prazo razoável. Não para que se retorne ao sistema de autotutela, mas para que as partes assumam o protagonismo no âmbito da resolução dos problemas que atingem suas próprias vidas. Ciente deste cenário – da necessidade de recobrar o protagonismo das partes na solução dos conflitos, além de outorgar uma prestação jurisdicional célere e eficaz – o legislador imbuído da tarefa de renovar a legislação processual civil instaurou, como regra, a necessidade de realização da audiência conciliatória ou de mediação. A intenção por detrás da instituição das audiências de conciliação e mediação como regra, visando a obtenção de um processo através da participação ativa das partes na resolução dos conflitos é aferível a partir da leitura das exposições de motivos no novel código de processo civil, onde restou estabelecido que “pretendeu-se converter o processo em instrumento incluído no contexto social em que produzirá efeito o seu resultado. Deu-se ênfase à possibilidade de as partes, porem fim ao conflito pela via da mediação ou da conciliação. Entendeu-se que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz”[7]. Dessume-se que a obtenção de uma solução negociada por ambas as partes, sem imposição de um terceiro, ainda que imparcial, mostra-se benéfica à sociedade, ao passo que se torna possível a economia de recursos públicos pela desnecessidade de movimentação da máquina judiciária, e também às partes que, além da economia de recursos que seriam necessárias em longa batalha judicial, podem chegar aos termos de acordo que melhores se ajustem às necessidades dos litigantes.   Segundo dispõe o Conselho Nacional de Justiça, a conciliação “pode ser definida como um processo autocompositivo breve, no qual as partes ou os interessados são auxiliados por um terceiro, neutro ao conflito, ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, por meio de técnicas adequadas, a chegar a uma solução ou a um acordo”[8]. Depreende-se, assim, que o intuito da realização da audiência conciliatória é que as partes, deixando de lado o conceito de vencedor ou perdedor, alinhem, mediante concessões mútuas, solução para o conflito surgido. O Código de Processo Civil, visando estimular os meios autocompositivos, estabeleceu uma série de regras a serem observadas no âmbito das audiências de conciliação e mediação. Em especial, há a expressa vedação à utilização de constrangimentos ou intimidações quando da condução das conciliações ou mediações, conforme art. 165, §2º, do Código de Processo Civil. Apesar da previsão soar como repetitiva, já que a transação (art. 840, do Código Civil), como negócio jurídico que o é, poderia ser anulado em razão da ocorrência de eventuais vícios de consentimento (art. 138, 145, 151, 156 e 157, todos do Código Civil) nada mais faz o legislador, neste aspecto, do que reforçar a ideia de que a transação deva partir o íntimo do litigante e representar sua real, séria e efetiva intenção em compor a lide, nos termos em que expressou sua vontade. Ademais, as disposições legais conferiram aos litigantes uma ampliação do princípio da autonomia da vontade ao se permitir às partes a escolha livre do conciliador (art. 168, do Código de Processo Civil) além de permitir, inclusive, disposição quanto a aspectos procedimentais (art. 166, §4º, do Código de Processo Civil). Destaque-se que, apesar de serem meios autocompostivos, conciliação e mediação não se confundem. O Conselho Nacional de Justiça entende que “a mediação pode ser definida como uma negociação facilitada ou catalisada por um terceiro. Alguns autores preferem definições mais completas sugerindo que a mediação um processo autocompositivo segundo o qual as partes em disputa são auxiliadas por uma terceira parte neutra ao conflito ou por um painel de pessoas sem interesse na causa, para se chegar a uma composição. Trata se de um método de resolução de disputas no qual se desenvolve um processo composto por vários atos procedimentais pelos quais o(s) terceiro(s) imparcial(is) facilita(m) a negociação entre as pessoas em conflito, habilitando as a melhor compreender suas posições e a encontrar soluções que se compatibilizam aos seus interesses e necessidade”[9]. José Cretella Neto explica, de forma sucinta, que mediação é procedimento através do qual “o mediador propõe as bases das negociações e intervém durante todo o processo, com o objetivo de conciliar as partes a aproximar seus pontos de vista sem, contudo, impor solução”. Note-se que quanto à conciliação, nos termos do art. 165 §2º do Código de Processo Civil, o conciliador será designado e poderá atuar em causas nas quais as partes não possuam vínculo, e na mediação, nos termos do art. 165, §3, da legislação processual civil, o mediador “atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”. Outro aspecto a ser ponderado quanto à diferenciação entre os procedimentos de conciliação e mediação é quanto à atuação do terceiro imbuído da condução de tais audiências. Conforme explana a doutrina, “tanto a mediação quanto a conciliação pressupõem a intervenção de uma terceira pessoa. Na mediação, esta tem a missão de esclarecer as partes, para que as mesmas alcancem a solução da pendência. Na conciliação, pelo contrário, o protagonista imparcial se incumbe não apenas de orientar as partes, mas, ainda, de sugerir-lhes o melhor desfecho do conflito”[10]. É importante de ser destacado que a conciliação e a mediação regem-se por princípios estatuídos pela legislação processual. Da leitura do art. 166, do Código de Processo Civil, extrai-se que a conciliação e a mediação reger-se-ão pelos princípios da independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. Analisando-se brevemente alguns dos princípios acima citados, revela-se que pela aplicação do princípio da confidencialidade, nos termos da resolução 125/2010 do CNJ, impõe-se o dever de sigilo acerca das informações obtidas quando da realização das audiências visando a obtenção de composição, vedando-se ao conciliador a revelação dos fatos conhecidos nas audiências, bem como proibindo-se os depoimentos, dos conciliadores, na qualidade de testemunha ou de advogar a qualquer das partes envoltas no conflito. Nestes termos, “a confidencialidade implica o dever por parte do mediador e do conciliador de manter em sigilo todas as informações obtidas na sessão, salvo autorização expressa das partes para divulgação”[11]. O princípio da decisão informada impõe o dever de que o conciliador ou mediador forneça aos litigantes as informações necessárias para que se autodetermine e tenha conhecimento acerca do contexto fático e jurídico no qual se encontra inserido, podendo tomar as decisões de forma adequada e consciente. Nota-se que o princípio da boa-fé está intimamente ligado ao princípio da decisão informada já que este estabelece que “as partes têm o direito de receber informações quantitativas e qualitativas acerca da composição que estão realizando, de modo que não sejam surpreendidas por qualquer consequência inesperada da solução que adotaram. Especialmente porque confiaram na intermediação de um “assistente jurídico imparcial”, em um empreendimento gerido pelo Poder Judiciário, os interessados nutrem a legítima expectativa de que sairão dali com o seu problema resolvido e não com um novo problema”[12]. Note-se que o ponto fundamental da boa-fé é a necessidade de transparência e lealdade dos envolvidos, buscando-se a efetiva solução do litígio e não sua mera postergação ou substituição, possuindo pontos de contato com o princípio da decisão informada. Em relação à competência, que não guarda correlação com a competência dos órgãos jurisdicionais, tal princípio determina que há que se fomentar a qualificação dos conciliadores e mediadores para o fim de obter êxito nas funções que lhes foram confiadas, impondo-se, inclusive, cursos para renovação de seus conhecimentos e atualizações necessárias, nos termos das resoluções expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça. O princípio da imparcialidade reveste-se de especial importância. Com efeito, viu-se que às partes foi vedada a possibilidade de resolução dos conflitos por si sós, sem a intervenção do Estado-Juiz, em razão da ineficácia dos procedimentos até então adotados e o favorecimento de uma das partes, seja em razão da superioridade física, intelectual ou social. A exigência de um terceiro imparcial visa, portanto, a obtenção de uma composição sem que tais fatores – predileção, preconceitos, interesses, preferência, etc. – influenciem na solução dos conflitos sub judice. Além disso, a observância do princípio da imparcialidade impede que o agente atue para beneficiar uma das partes, seja por indulgência ou interesse, em detrimento da parte contrária, elevando a aceitação da população pelos procedimentos compositivos e, sobretudo, permitindo que as manifestações das vontades representem a fiel vontade das partes, e não a do terceiro interveniente. Não por outro motivo a doutrina estabeleça que “a atuação de mediadores e conciliadores deve se dar com ausência de favoritismo, preferência ou preconceito, de maneira que valores pessoais não interfiram na atividade. Mediadores e conciliadores devem atuar de maneira equidistante e livre de quaisquer comprometimentos, sejam de que ordem forem, com relação às partes envolvidas na disputa e jamais devem aceitar qualquer espécie de favor ou presente”[13], demonstrando-se, portanto, a curial importância deste princípio para o sucesso das mediações e conciliações. Atrelado ao princípio da imparcialidade, o princípio da independência tem o condão de estabelecer que o conciliador ou mediador deve atuar sem temor, realizando seu trabalho de forma independente, alheio às pressões e livre de qualquer ingerência advinda das partes litigantes. Por força do aludido princípio, permite-se ao conciliador ou mediador, inclusive, rejeitar a participação em conciliações ou mediações, bem como interrompê-las em casos específicos e justificáveis de ofensa à independência de sua atuação. Por fim, quanto ao princípio da oralidade, muitas vezes associado ao princípio da informalidade, as tratativas mantidas para a obtenção da conciliação ou mediação são essencialmente orais, levando-se a termo apenas eventual transação efetivada pelas partes. Assim, não há forma específica para a realização do ato conciliatório ou de mediação, prezando as partes pelo diálogo até que se possa obter uma solução pacífica ao caso em discussão. Do que fora acima exposto, dessume-se que a observância dos princípios alhures citados se mostra de importância ímpar para que se obtenham bons resultados nas audiências de conciliação e mediação e, sobretudo, para que se crie a cultura necessária à melhor aceitação dos meios autocompostivos dos conflitos. A incidência dos aludidos princípios, sem prejuízo de inúmeros outros preconizados pelas legislações de regência, confere à mediação e à conciliação uma lisura inquestionável, de modo que a observância dos princípios transmitirá, aos jurisdicionados, a segurança necessária para a adoção de tais métodos, especialmente frente a grandes litigantes – aqueles dotados de poder econômico, de influência ou técnica – para o fim de por fim às lides sem necessidade de prolação de decisão definitiva pelo judiciário. Nestes termos, o sucesso da conciliação e mediação passa, necessariamente, pela observância irrestrita de seus princípios.   Ao legislador foi incumbida a tarefa de prestigiar a solução alternativa de conflitos. Como restou disposto na exposição de motivos no novo código de processo civil, a obtenção de solução pacífica dos litígios é o mote da nova legislação processual civil. Não por outro motivo, portanto, estabeleceu o Código que a audiência de conciliação terá sua realização, como regra, no primeiro ato processual. Diz-se, como regra, uma vez que o art. 334, §4º, do CPC, traz algumas exceções, por meio das quais se autoriza ao magistrado que não haja a designação de audiência conciliatória – ou, também, de mediação. De início verifica-se, como regra, que o réu não é mais chamado ao processo para se defender. Com efeito, a citação é desacompanhada da cópia da petição inicial, tratando-se de “convocação” para comparecimento na audiência de conciliação. O prazo para defesa, via de regra, somente se iniciará no caso de frustração das tentativas compositivas ou, então, quando ambos manifestarem seu desinteresse na realização do ato, a partir do protocolo da petição pelo réu. Conforme expõe a doutrina, “a lide, propriamente dita, no CPC/2015, começará com uma audiência para tentativa de composição das partes. O legislador pretende implementar uma mudança cultural apostando pesadamente na conciliação e na mediação para solução rápida dos conflitos, ao longo de todo o Código”[14]. Embora recomendável a realização da audiência conciliatória, observa-se da legislação que a designação do ato não constitui regra absoluta. Da leitura dos dispositivos legais de regência denota-se que há, no artigo 334, §4º, duas exceções à regra insculpida no caput. Dentre elas estão a expressa manifestação de ambas as partes acerca da desnecessidade ou impossibilidade de transacionar ou, ainda, quando o objeto discutido não comportar transação. Neste tocante vê-se que é requisito da petição inicial, previsto no art. 319, do Código de Processo Civil, a “opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação”, conforme inciso V, do retromencionado dispositivo legal. A previsão é importante em razão de que, não havendo interesse do autor na designação do ato conciliatório ou de mediação, não há motivos para a realização de tal audiência. Entretanto, a manifestação de recusa de transação ou mediação somente comportará acolhimento se, de igual forma, manifestar-se o réu. A manifestação do réu, conforme expresso na legislação, deverá ocorrer “por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência” sendo que, na existência de litisconsórcio, “o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes” (art. 334, §§ 5º e 6º, do CPC) sob pena de, descumpridas tais formalidades, ser realizada a audiência de conciliação ou mediação. Por fim, no que atine aos direitos que não admitem transação (art. 334, §4º, inciso II, do CPC) é onde se insere a problemática referente à atuação da fazenda pública em juízo. Isso porque, conforme se observa da práxis jurídica, é comum a invocação do princípio da indisponibilidade do interesse público para o fim de fomentar o pedido de dispensa – e, por outro lado, o deferimento do pedido – de realização da audiência conciliatória. Nestes termos, convém a análise detalhada da participação da fazenda pública nas audiências, bem como a procedência, ou não, do argumento da indisponibilidade do interesse público como fundamento à dispensa da audiência de conciliação ou mediação.   A participação da fazenda pública nas audiências de conciliação e mediação sempre foi tema conturbado. Sob o argumento da indisponibilidade do interesse público, entende parte dos juristas que a administração pública não poderá celebrar acordos no âmbito dos processos judiciais. Tal posicionamento, como visto alhures, é o que fundamenta o pedido de cancelamento ou não designação das audiências conciliatórias quando, em um dos polos da demanda, encontra-se presente a fazenda pública. Contudo, a leitura e aplicação indiscriminada do aludido princípio – indisponibilidade do interesse público – acabara por sepultar as tentativas de resolução pacífica dos litígios envolvendo a fazenda pública, evitando, com isso, a mudança de cultura pautada na litigiosidade que também assombra o Poder Público[15]. Assim, tendo em vista que o poder público concentra grande parte das demandas em curso no país, observa-se que a mudança de visão acerca dos meios autocompositivos e da cultura referente à litigiosidade pode contribuir para que sejam reduzidos os números de processos, além de gerar economia à fazenda pública – seja com condenações, encargos ou outras despesas atreladas ao processo. Com efeito, a adoção do posicionamento de que a fazenda pública não pode transigir em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público pode ter como consequência o descumprimento de outros deveres do administrador público. A adoção desse entendimento pode gerar a agressão ao princípio da eficiência imposto à administração pública por força do art. 37, da Constituição Federal, em especial, em razão da inexistência de qualquer utilidade para a administração pública em prosseguir com demandas cujo prosseguimento possam comprometer diretamente a fazenda pública e, indiretamente, a sociedade como um todo que suporta, através de tributos, as condenações impostas ao poder público. Ao tratar do aspecto conceitual, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[16] afirmam que “o princípio da indisponibilidade do interesse público é um dos dois pilares do denominado regime jurídico-administrativo (…). Dele derivam todas as restrições especiais impostas à atividade administrativa. Tais restrições decorrem, exatamente, do fato de não ser a administração pública “dono” da coisa pública, e sim mera gestora de bens e interesses alheios (públicos, insto é, do povo). Com efeito, em linguagem jurídica, diz-se que tem disposição sobre uma determinada coisa o seu proprietário. Quem não é proprietário de algo não dispõe desse algo, esse algo é, para ele, indisponível. Os bens e interesses públicos são indisponíveis, vale dizer, não pertencem à administração, tampouco a seus agentes públicos. A esses cabe apenas a sua gestão, em prol da coletividade, verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. Em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público (…) são vedados ao administrador quaisquer atos que impliquem renúncia a direitos do poder público ou que injustificadamente onerem a sociedade”. Depreende-se, portanto, que conquanto os administradores públicos não sejam donos da coisa pública, não podendo dela dispor, tratando-se de meros gestores, portanto, devem atuar no sentido de que as suas ações evitem a oneração indevida do patrimônio da fazenda pública, de forma direta, ou da sociedade, de forma indireta. Nestes termos, observa-se que a manutenção, por exemplo, de demandas cuja situação jurídica seja desfavorável à administração pública somente acarretará ônus desnecessários à coletividade e à fazenda pública. Por outro lado, por intermédio da solução consensual, a administração pública poderá obter proveitos, desonerando seu patrimônio e a sociedade, especialmente em razão da necessidade, para obtenção da transação, de concessões mútuas. Nestes termos, conforme pontua Marçal Justen Filho, “quando se afirma que os conflitos de interesse se resolvem por via de prevalência do interesse público, produz-se uma simplificação que impede a perfeita compreensão da realidade. Assim se passa porque as normas jurídicas de direito público protegem interesses indisponível que se encontram em situação de colisão”[17] observando-se que a ideia de intransgibilidade advém de uma concepção equivocada quanto à leitura do princípio em questão. Se, porém, de um lado a leitura mais desavisada do princípio pode levar ao entendimento de que nenhum direito é passível de transação quando há litígio envolvendo a administração pública, de outro lado não se pode banalizar a aplicação do princípio, levando-se à indiscriminada disposição dos bens e interesses públicos. Deve-se atentar que a doutrina vem esmiuçando o princípio em questão, reconhecendo a existência do interesse público primário (intransigível) e o interesse público secundário, este sim transigível. Conforme explana a doutrina, “os interesses públicos primários são os interesses diretos do povo, os interesses gerais imediatos. Já os interesses públicos secundários são os interesses imediatos do Estado na qualidade de pessoa jurídica, titular de direitos e obrigações. Esses interesses secundários são identificados pela doutrina, em regra, como interesses meramente patrimoniais, em que o Estado busca aumentar sua riqueza, ampliando receitas ou evitando gastos. Também são mencionados como manifestação de interesses secundários os atos internos de gestão administrativa, ou seja, as atividades-meio da administração, que existem para fortalecê-la como organismo, mas que só se justificam se forem instrumentos para que esse organismo atue em prol dos interesses primários”[18]. A análise do princípio da indisponibilidade do interesse público permite concluir que a transação não é admitida quanto aos interesses primários do Estado. Contudo, aos interesses secundários, de ordem meramente patrimonial e atinentes à gestão estatal, deve-se admitir a composição. Com efeito, cabe ao administrator público, na qualidade de gestor dos bens e interesses públicos, zelar pela melhor aplicação dos recursos públicos que vão desde a escolha onde aplicar os bens e dinheiros públicos a, até mesmo, evitar contendas judiciais sabidamente perniciosas aos interesses públicos e da coletividade. Ora, não se mostra crível admitir a continuidade de processos judiciais cujo desfecho seja prejudicial à administração pública – seja pela incidência de encargos sucumbenciais, de juros e correção monetária, custos processuais, etc. – à guisa do argumento de indisponibilidade do interesse público. A bem da verdade o interesse público estará melhor tutelado, nos casos em que a administração pública fatalmente esteja envolvida em demandas que lhe são desfavoráveis, ao celebrar acordos com a parte adversa e minimizar seus custos operacionais e judiciais atrelados à demanda. Com efeito, se pelo aludido princípio o administrador público atua como mero gestor de interesses pertencentes a terceiros – coletividade – não há motivos que lhe impeçam de obter a melhor solução à problemática a ele submetida de modo menos oneroso e mais célere desde que, obviamente, respeitados os limites legais. A atuação do administrador público neste sentido – o de permitir e fomentar a participação nas audiências de conciliação e mediação – vai ao encontro da ideia de administração pública gerencial. A partir da Emenda Constitucional 19/1998 o legislador constitucional entendeu ser necessária a adoção de mecanismos gerenciais, abandonando o estado burocrático. Nestes termos, a administração gerencial visa a adoção de mecanismos que aproximem a administração pública das formas pelas quais são administradas as empresas privadas, buscando obter maior eficiência do setor público e, com isso, deixando de lado mecanismos que somente levassem ao desperdício, à morosidade e a falta de produtividade do setor público. Foi, portanto, a partir da EC 19/1998 que se inseriu na Constituição Federal o princípio da eficiência, de modo que se impõe à administração pública buscar os melhores métodos e buscar as melhores soluções, obtendo-se economia de recursos. A partir da aplicação do princípio da eficiência, portanto, não se justifica aguardar o longo e moroso trâmite processual para que se aguarde decisões desfavoráveis para só então implementá-las a custos elevadíssimos. A partir da ponderação dos riscos e observância dos precedentes jurisdicionais, cabe à administração pública fomentar a celebração de acordos em casos permitidos, em especial, naqueles correlatos ao interesse público secundário, para o fim de otimizar recursos com o final precoce e amigável da lide. A incidência do princípio da eficiência não é discricionária. Com efeito, “a atuação eficiente não é questão  de conveniência e oportunidade administrativa, mas sim uma obrigação do administrador, vale dizer, não é cabível a administração alegar que, dente diversas atuações possíveis, deixou de escolher a mais eficiente porque julgou conveniente ou oportuno adotar uma outra, menos eficiente”[19] de modo que, presente a possibilidade de transigir – desde que dentro das hipóteses legais – impõe-se ao administrador público empregar todos os meios necessários à obtenção da composição, não sendo cabível a escusa genérica à participação das audiências de conciliação e mediação. Conforme pontua Marçal Justen Filho “a eficiência consiste em considerar a atividade administrativa sob prisma econômico e político. Como os recursos públicos são escassos, é imperioso que sua utilização produza os melhores resultados econômicos, do ponto de vista quantitativo e qualitativo. Há dever de eficiência gerencial que recai sobre o agente público”[20]. Destarte, constata-se que a recusa dos administradores públicos em participar das audiências de conciliação e mediação, especialmente nos casos em que envolto o interesse público secundário da administração, configura-se em verdadeiro ato atentatório ao princípio da eficiência eis que, nos termos alhures vistos, é obrigação do administrador público gerir a coisa pública obtendo os melhores resultados, com a racionalização dos recursos públicos. Não se mostra adequada, portanto, a recusa da administração, de forma genérica, abstrata e sem fundamentação concreta, de participação nas audiências conciliatórias ou de mediação. Compete aos representantes da fazenda pública, aos seus procuradores, aos magistrados de demais litigantes, portanto, estimular a prática dos atos conciliatórios quando estejam em discussão interesses disponíveis da administração (interesse público secundário), visando a alteração da cultura até então estabelecida no sentido de ser intransigível qualquer interesse público posto em juízo.   Conclusão A atuação da fazenda pública nas audiências de conciliação e mediação é ainda hoje prejudicada em razão da adoção de pensamentos consolidados sob a égide de um estado burocrático e pouco efetivo que, primando pela legalidade, gerava – e gera, ainda hoje – desperdício de recursos públicos. A partir do estado burocrático iniciou-se a invocação da indisponibilidade do interesse público argumento que ainda hoje fomenta a maciça dispensa da audiência de conciliação ou mediação, mesmo nos casos em que seja possível a composição. Sendo a administração pública uma das maiores litigantes do país, observa-se que a manutenção dos processos nos quais há panorama desfavorável à tese da fazenda pública somente implica em dispêndio de escassos recursos públicos que não retornarão em prol da sociedade, na forma de investimentos em áreas sensíveis e de primeira necessidade. A perpetuação dos processos com o esvaimento desnecessário dos recursos públicos precisa, portanto, ser revista. A partir da implementação do Estado gerencial, não mais se pode admitir a invocação genérica e indiscriminada da indisponibilidade dos interesses públicos para o fim de manter processos sabidamente prejudiciais à fazenda pública e, consequentemente, à sociedade. A atuação dos administradores públicos deve, portanto, ser revista visando dar melhor aplicação aos recursos públicos, bem como para se obter a melhor resolução aos conflitos envolvendo os litígios com a administração pública. Como o administrador público é gestor de coisas alheia, pertencentes à coletividade, é evidente que não se amolda ao interesse coletivo o dispêndio desnecessário de verbas públicas com processos que poderiam ser solucionados de forma mais econômica por meio de realização de conciliações ou mediações. Se o próprio Código de Processo Civil, conforme exposto no anteprojeto, estabeleceu como um de seus pilares a adoção da designação obrigatória da realização das audiências de conciliação ou mediação é porque nelas viu a possibilidade de reduzir os índices de litigiosidade e, mais do que isso, proporcionar às partes litigantes que deem às suas contendas a solução que melhor se adéque à realidade por elas vividas, dentro de suas limitações pessoais, contratuais e legais. Com efeito, nas hipóteses nas quais não seja possível a adoção de meios autocompositivos pela administração, esboçadas tais hipóteses na legislação ou com base em elementos circunstanciais devidamente justificáveis, poderá ser dispensada a realização da audiência de conciliação e mediação. O paradigma que precisa ser superado é a injustificada oposição à realização das audiências conciliatórias e de mediação. A questão em jogo não se refere, portanto, somente ao dispêndio de valores pelo Estado com a máquina judiciária e com a manutenção do processo, mas também com os custos envoltos às partes do ponto de vista pessoal e social, visto que um processo que muito se alongue no tempo não interessa a qualquer dos litigantes nele envolvidas, tampouco à sociedade que, frente a tamanha morosidade, passará a ter verdadeiro descrédito das instituições públicas e verdadeiro sentimento de injustiça. A audiência de conciliação ou mediação quando realizada, portanto, pode trazer inúmeros benefícios àqueles que dela participam, inclusive para a administração pública que, figurando entre os maiores litigantes, poderia reduzir os seus custos e direcionar verbas públicas a áreas realmente necessitadas ou, até mesmo, investi-las no próprio órgão demandado para evitar novas ocorrências judiciais e, com isso, gerar economia indireta, ao não ser demandada em novos processos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-participacao-da-fazenda-publica-nas-audiencias-de-conciliacao-e-ou-mediacao/
Sistema de controle interno no município de Barra do Bugres/MT
O artigo analisou a implantação do Sistema de Controle Interno no Município de Barra do Bugres/MT, com objetivo de verificar a efetivação e a eficácia das normas criadas para o controle, bem como se estão aderentes ao regimento legal. Analisou ainda as atividades realizadas pelos responsáveis ao controle interno, e, especialmente, se o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e Ministério Público atuante em Barra do Bugres (MP/MT) compreendem a sistemática que os envolve para resguardar os bens públicos. Levantou-se os atos fiscalizadores da função de controle interno realizadas pelo Departamento de Controle Interno, avaliou-se o feedback de informações entre controle externo exercido pelo TCE/MT e MP. Assim, fez-se uso de procedimento comparativo frente ao procedimento técnico, utilizando pesquisa de campo, na modalidade quantitativa-descritiva. Tendo em vista que as atividades de controle adotadas são importantes para o desenvolvimento das atividades administrativas, pôde-se notar que o Município, MP/MT e TCE/MT não cumprem ao disposto na CRFB/88 e normas infraconstitucionais nos atos que lhes são afetos, de forma satisfatória, existindo pontos a serem melhorados. Sugere-se como soluções, controle e acompanhamento do Controle Externo, interação do MP nas atividades, bem como divulgação destas conforme prevê os princípios administrativos constitucionais.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo pauta-se na análise de implantação do sistema de controle interno no Município de Barra do Bugres/MT, diante dos regulamentos editados para garantir a consecução das políticas públicas frente à eficácia em prevenir, fiscalizar, orientar e denunciar atos, em estrita observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e no trato dos assuntos que lhe são afetos, sendo estes indisponíveis ao desempenho do controle. O objetivo geral é verificar a efetivação e a eficácia das normas criadas para o controle, bem como se estão aderentes ao regimento legal. Dito isto, são objetivos específicos; analisar o conceito de sistema de controle interno frente a implantação do trabalho desenvolvido no Município de Barra do Bugres/MT do ano de 2008 a 2017, compreender como a implantação do sistema de controle interno pode inibir o desvio da finalidade das políticas públicas no Município de Barra do Bugres/MT, considerar as normas vigentes regulamentadas sobre a responsabilidade e amplitude das atividades do departamento de controle interno de Barra do Bugres/MT, de 2008 a 2017 versus efetiva aplicação; e, refletir sobre a importância do trabalho desenvolvido pelo sistema de controle interno no Município de Barra do Bugres/MT juntamente com o feedback de órgãos estaduais: Ministério Público do Estado – MPE/MT e Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso – TCE/MT. Assim, o problema que se apresenta é saber se o sistema de controle interno da Município de Barra do Bugres/MT alcança os objetivos propostos com a sua implantação e é eficaz ao acompanhamento da aplicação das políticas públicas instituídas normativamente? Dado o problema, temos as seguintes questões norteadoras: quais os tipos de controle interno no Brasil? Como é definido e quais os objetivos do sistema de controle interno no Município de Barra do Bugres/MT? e, qual a sua importância na administração pública executiva barrabugrense? A presente temática justifica-se devido ao fato que a implantação de um Sistema de Controle Interno, enquanto meio de controle, deve tornar possível a aplicação jurídica e institucional de mecanismos eficazes para a garantia das políticas públicas aos cidadãos. Os meios para consecução desse objetivo são o que impulsionam a presente pesquisa à sua relevância, observando-se o cumprimento (ou não) eficaz e efetivo da normativa vigente correlata. Para tanto, como metodologia, aplicou-se o método de procedimento comparativo frente ao procedimento técnico, a qual se utilizou pesquisa de campo, na modalidade quantitativa-descritiva, partindo-se das premissas normativas que fundamentaram a implantação do sistema de controle interno e a eficácia do trabalho desenvolvido pelo Departamento de Controle Interno do Município de Barra do Bugres/MT, para corroborar na produção de conhecimento e melhoria ao controle as políticas públicas direcionadas aos cidadãos de Barra do Bugres/MT. Assim, percorrendo o artigo em tela, o capítulo um trata do sistema de controles na Administração Pública (AP), amparando-se na legislação pertinente, bem como em conceitos, características e da sua importância para a execução e fiscalização de políticas públicas de forma eficaz, de modo a atender os princípios basilares da AP. Dando continuidade, o capítulo dois versa sobre as principais normas que regulamentam a implantação do sistema de controle interno no Município de Barra do Bugres/MT, dando ênfase às atividades a serem desempenhadas pelo controlador, e seu contraponto com os dados obtidos por meio dos questionamentos levados ao conhecimento do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e Ministério Público atuante na comarca de Barra do Bugres/MT, a fim de verificar se é ou não eficaz como instrumento de fiscalização aos atos do gestor municipal. Ainda, o capítulo três objetiva a análise da implantação do sistema de controle interno no Município de Barra do Bugres/MT, a fim de se observar quanto à atividade desempenhada pelo departamento, se realidade ou mito, diante ao dever ético que se pretende e, por fim, se a atividade desempenhada pelos controladores traz omissão em seus atos fundamentais no exercício de controle na Administração Pública barrabugrense.   1 SISTEMAS DE CONTROLE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA Pautado pelo princípio constitucional da legalidade (art. 37 da CRFB/88), é o ordenamento jurídico que limita a Administração Pública brasileira, devendo esta exercer seus deveres e poderes com intuito de garantir os direitos fundamentais, consagrando diversas espécies de controle na atuação de suas funções pela própria Administração ou órgãos externos, em estrita observância ao que dita a lei.   1.1 Breves comentários aos sistemas de controle no ordenamento brasileiro Segundo Rezende (2015, p. 696), as espécies de controle da ação administrativa, se classifica a partir de vários critérios que se complementam para atuação na gestão administrativa. Primeiramente em se tratando de órgão, entidade ou pessoa responsável por sua efetivação, o controle se divide em três categorias: controle interno (ou autocontrole), o Poder Executivo é quem o efetiva; controle externo, o Poder Judiciário e Poder Legislativo, juntamente com Tribunal de Contas o exercem; e controle social, realizado com a participação da sociedade nos processos de planejamento, monitoramento, acompanhamento e avaliação na ação de gestão pública visando a execução de políticas e programas públicos. Além disso, diante do momento do controle apontam-se duas formas: controle prévio, efetuado antes da publicação do ato administrativo; e controle posterior, feito ao ato administrativo realizado. Logo, quanto ao parâmetro de controle relativamente à atuação administrativa, a doutrina o divide em duas categorias: controle de legalidade examina interna ou externamente a compatibilidade formal do ato administrativo com a legislação infraconstitucional; e controle de mérito, este realiza a avaliação da conveniência e da oportunidade em relação ao objeto e motivo de criação de ato administrativo discricionário.   1.2 Controle Interno na Administração Pública e suas características no ordenamento brasileiro Frequentemente a palavra controle é rejeitada. O indivíduo o rejeita e os órgãos, compostos por indivíduos, também. Entretanto, todos concordam: é necessário controlar, avaliar, analisar e refletir sobre o que se faz, como se faz e para quem está se fazendo (CIALDINI, 2003, p. 194). Os gestores e servidores da Administração Pública, por vezes, estão mais preocupados com a promoção de seus interesses privados, relegando a segundo plano o atingimento do interesse público em contrariedade aos princípios do artigo 37 da CRFB/88, assim como pode ser visto no processo que julgou o “mensalão” (AP 470 / MG, 2013). Destarte, percebe-se que o controle das políticas públicas no Brasil, desde a década de 1980, expandiu-se aos atos de atuação dos gestores públicos visando construir uma sociedade participativa e conhecedora dos benefícios que seriam alcançados com aplicação e utilização dos recursos públicos. Assim, a participação do cidadão na gestão pública fortalece a democracia, pois a participação do povo nas decisões políticas assegura a integridade desses atos, além de corrigir eventuais desvios, possibilitando o atingimento do bem comum. Além disso, a desburocratização da gestão pública produz um serviço público eficiente, eficaz e correto, notadamente por meio de metas esquematizadas e resultados. Diante do exposto, a administração municipal tem como uma das suas mais relevantes diretrizes aquela que determina que ela tem dever de se subordinar à CRFB/88 e à lei; ao que é o princípio da legalidade. Por ele, o Poder Público local precisa respeitar as disposições legais, devendo seus agentes ter como parâmetro as disposições na produção de atos administrativos, sejam estes discricionários ou vinculados. O exame dos atos produzidos pelo Poder Público, para averiguar se os mesmos estão de acordo com os preceitos constitucionais e com as leis em vigor, vem a ser o controle da administração municipal (COSTA 2014, p. 300). Para Costa (2014, p. 301) a finalidade do controle é garantir que os agentes públicos municipais atuem de acordo com os princípios administrativos vigentes, em especial da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e eficácia, bem como as questões relativas à atuação concreta dos órgãos públicos, de acordo com o caput do art. 37 da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.1998. Ao que se pode observar a definição de controle da Administração Pública, conforme salienta Di Pietro (2016, p. 883), é o poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, ou seja, é interno o controle que cada um dos poderes exerce sobre seus próprios atos e agentes. Desta maneira entende-se por Sistema de Controle Interno o plano de organização, bem como os métodos e medidas adotadas pela unidade administrativa com objetivo de salvaguardar seus ativos. Para tanto, faz-se necessário o desempenho de função técnica para garantir, desde a sua implantação, estruturação eficaz contra fraudes, ineficiência e erros na Administração Pública. Igualmente, podemos observar que a história do controle interno na Administração Pública brasileira está centrada no artigo 76, da Lei nº 4.320, de 17 março de 1964, trazendo definição para as expressões controle interno e controle externo, veiculando as competências do exercício dessas atividades. Nessa perspectiva, a referida lei apresentou, primeiramente, a universalidade do controle, sua abrangência relacionada aos atos da administração, independentemente de se tratar da receita ou da despesa. Por conseguinte, adveio o controle em cada agente da administração, sendo esta maneira individual, difundido responsabilidade por bens e valores públicos. Calixto e Velázques asseveram que a inovação central da lei surgiu no momento em que foi estabelecida a verificação do cumprimento do programa de trabalho, apresentado em termos físico-financeiros, o que significa que, pela primeira vez, concebia-se a possibilidade de controle de resultados na administração pública, além do controle de ordem legal (CALIXTO, VELÁZQUES, 2005, p. 05). Por último, as Constituições Federais de 1967 e 1988 consolidaram o fundamento originado da norma infraconstitucional e bipartiram o controle na Administração Pública em externo e interno, visto que o primeiro é exercido pelo Poder Legislativo, e este na esfera federal, tem o apoio técnico do Tribunal de Contas da União (TCU), e o segundo, implantado em cada Poder de forma independente e integrado, na esfera estadual e municipal, conta com o suporte técnico do Tribunal de Contas do Estado. Assim sendo, o artigo 70 da Constituição Federal de 1988 traduz a definição do controle da Administração Pública, bem como é referência ao sistema de controle interno, asseverando em seu bojo que este deve ser implantado, por meio de lei, em cada esfera de governo, garantindo a execução das atividades em toda estrutura organizacional, sob o prisma de um órgão central, delineando a abrangência da estrutura desse sistema. Pode-se dizer que dos princípios constitucionais da administração pública, elencados no art. 37 da CRFB/88, estão diretamente ligados aos controles o da moralidade e o da publicidade; o da moralidade, no momento em que faz com que a administração pública respeite a legislação e siga atuando por meios probos, honestos, liga-se diretamente ao controle interno. Meirelles (2000, p. 84) salienta que “a moralidade do ato administrativo, juntamente a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública será ilegítima”. Por sua vez, o controle interno, que faz a administração pública fiscalizar-se a si mesma a fim de prevenir o desvio das funções das políticas públicas e dos recursos a elas destinados, ganha novos patamares após a publicização dos atos; ganha o controle externo, do Legislativo, Judiciário e o social. Destarte que, pelo princípio da publicidade, é a administração pública obrigada a dar conhecimento dos seus atos aos outros poderes e à própria sociedade, estando ligado intimamente ao direito fundamental à informação, que estabelece no inciso XIII do art. 5º da CRFB/88 que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral. O Controle Interno inserido num dos entes públicos deverá, ainda, dar conhecimento a um órgão específico, o Tribunal de Contas, para que julgue a aliança dos recursos públicos ao seu destino-fim, sendo também uma forma de controle externo e também da publicização dos atos administrativos. Com efeito, ao disposto para os Sistemas de Controle na Administração Pública balizou as características do Controle Interno, estas segundo Attie (1998, p. 115) compreendem: Plano de organização: plano simples que se deve prestar ao estabelecimento de linhas claras de autoridade e responsabilidade. Um elemento importante em qualquer plano de organização é a independência estrutural das funções de operações, custódia, contabilidade e auditoria (segregação de funções) (ATTIE, 1998, p. 115). Entende-se por segregações de funções a separação das atividades de execução de controle em atendimento ao lema “quem faz não controla”. Assim, ninguém pode ter o controle completo de uma transação, sob pena de causar vulnerabilidade no sistema. A independência estrutural requer uma separação de funções de tal forma que os registros existentes, fora de cada departamento, sirvam como controle das atividades, dentro do departamento. “Sistema de autorização e procedimentos de escrituração”: constituído de sistema adequado de contabilidade para assegurar que as transações sejam classificadas e registradas com respaldo em documentos hábeis (originais), em conformidade com o plano de contas e em tempo hábil (oportunidade) (ATTIE, 1998, p. 115); “Manual de procedimentos”: que estabelece os procedimentos operacionais e contábeis, normatiza as políticas e instruções e uniformiza tais procedimentos (ATTIE, 1998, p. 115); “Manual de formulários e documentos” que possibilita padronizar os formulários, estabelecendo seus objetivos, finalidades, nível de informação que deve conter, emitentes usuários, pontos de controle, critérios e locais de arquivos, devendo conter ainda, campos específicos para vistos, assinaturas e autorizações (ATTIE, 1998, p.115). “Estímulo à eficiência operacional”: abrange a competência do pessoal, baseada na capacidade técnica prevista para o cargo, e a responsabilidade, para definir claramente os níveis de atribuições, de modo que possibilite apurar a responsabilidade por prejuízos ocorridos por negligência, incapacidade técnica ou fraude; e “Aderência às políticas existentes”: constituída de Supervisão – indica que os funcionários devem ser supervisionados por pessoas de reconhecido valor e probidade, e Auditoria interna para atuar na organização como um fator de persuasão, pelo fato de os servidores saberem que estão sendo monitorados (ATTIE, 1998, p. 116). Desta feita, os objetivos do controle interno têm o caráter de proteger os ativos, produzir dados contábeis confiáveis e propiciar ao gestor, a condução administrativa de suas atividades, de forma ordenada, a partir de um consistente sistema de controle interno, evitando desvios, perdas e desperdícios, assegurando o cumprimento das normas administrativas e legais e propiciando a identificação de erros, fraudes e seus respectivos responsáveis. Assim, ensina Norberto Bobbio (1997, p. 12) que é pela instituição pactuada de um conjunto de regras fundamentais que se estabelece quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. Regras estas, denominadas como universais processuais. Se observa que o autor defende que a democracia é formada por um conjunto de regras, e este é considerado como um elemento utilizado para o cálculo de votos na democracia real, diante da impossibilidade da implantação da democracia direta nos Estados modernos, tornando a representatividade do poder necessária.   A responsabilidade e amplitude das atividades do Controle Interno, desde a sua implantação são direcionadas para fins institucionais previstos na Constituição Federal de 1988, Constituições Estaduais e ou em Leis Orgânicas, com independência de atuação e autonomia administrativa. Dessa forma, há de se admitir, que o dever de prestar contas pelos administradores de bens públicos da Município de Barra do Bugres/MT em nome dos demais munícipes, nasce do cumprimento ao princípio republicano, predominante na CRFB/88. Para que possa prestar contas, os gestores públicos precisam estar bem informados sobre os atos e fatos de sua administração, ensejando assim, o controle. Deste modo, será possível verificar se o cumprimento da legislação no campo do controle interno no Município de Barra do Bugres/MT observa as atividades do dia a dia, e se estas estão sendo planejadas e executadas de acordo com os mecanismos vigentes, posto que o controle precisa ser efetivo, produtivo e econômico.   2.1 Implantação e normas do Controle Interno do Município de Barra do Bugres/MT A implantação do Sistema de Controle Interno no Município de Barra do Bugres/MT se originou da regra contida no planejamento da Gestão “Construindo a Excelência – 2006/2008” (MATO GROSSO, 2007, p. 9), cujo objetivo era incentivar as administrações públicas gerenciais mato-grossenses a instituir e operacionalizar o Controle Interno, com vistas a complementar as ações do Controle Externo. Em síntese tratou de regulamentar os preceitos estabelecidos nos artigos 70 e 74 da Constituição Federal de 1988, Lei Federal n. 4.320/1964, em seus artigos 75 a 80, art. 59 da Lei de Responsabilidade Fiscal Federal n. 101/2000, o disposto nos artigos 46 e seguintes da Constituição do Estado de Mato Grosso de 1989, e, por fim, aos princípios e diretrizes estabelecidos pelo artigo 34 da Lei Complementar Estadual n. 13/1992 (Mato Grosso). Desta maneira, a implantação do Sistema de Controle Interno no Município de Barra do Bugres/MT ocorreu no ano de 2008 com a publicação da Lei Municipal 020/2008 que instituiu instruções e orientações normativas de caráter técnico-administrativo com o objetivo de proteger o patrimônio público contra erros, fraudes e desperdícios. Ensejando tempo depois na edição de normas internas para a aplicação efetiva ao exercício do controle no Município de Barra do Bugres/MT, tendo em vista, que o Controle Interno visa o cumprimento ao disposto na CFRB/88 e demais leis ao controle na Administração Pública. Neste diapasão, verifica se que a Controladoria Geral de Controle Interno da Município de Barra do Bugres/MT, instituiu as seguintes instruções: Instrução Normativa 001/2009 “Norma das normas”, dispõe sobre a elaboração de instruções normativas para consecução dos objetivos do SCI; Instrução Normativa 002/2010 “Norma de auditoria interna”, trata dos procedimentos de auditoria em todos os setores, seções e departamentos; Instrução Normativa 003/2010 “Normas de parecer conclusivo” regulamenta os procedimentos da elaboração do Parecer Conclusivo do Controle Interno sobre as contas anuais da Administração Direta e Indireta; Instrução Normativa 004/2010 “Normas de encaminhamentos de denuncias” estabelece os procedimentos e condições para o encaminhamento de denuncias e da comunicação de irregularidade e ilegalidade à unidade de Coordenação do Controle Interno em todos os Setores, Departamentos e Seções da Município Municipal de Barra do Bugres/MT, e desta ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso; Instrução Normativa 005/2010 “Normas de atendimento ao TCE/MT, estrutura o atendimento ao controle externo exercido pelo TCE/MT’; Instrução Normativa 006/2010 “Normas internas de remessa de documentos” sistematiza os procedimentos de remessas de documentos solicitados pela UCCI – Unidade Central de Controle Interno a todos os Setores, Seções e Departamento. Instrução Normativa 007/2010 “Normas internas de atribuições a UCCI – Unidade Central de Controle Interno”; Instrução Normativa 008/2010 “Normas internas de conduta dos agentes da CGCI” estabelece acerca da conduta dos agentes de Controle Interno.   2.2 Breve análise das atividades realizadas versus atividade normatizada ao Controle Interno da Município de Barra do Bugres/MT As atividades de controle quando não desempenhadas efetivamente, acarreta o detrimento nas demais atividades administrativas (planejamento, organização e administração), limitando os valores na organização, possibilitando, na melhor das hipóteses, o baixo desempenho e, na pior, o caos, desarranjando o conceito de eficiência e eficácia na administração pública. Neste contexto, o controle interno é parte integrante da composição administrativa pública, com o escopo de auxiliar a gestão no cumprimento de metas e seu plano de governo, em que sua conduta seja pautada no dever agir, até mesmo em prejuízo dos próprios anseios, intenções e amizades, garantindo o cumprimento das normas impostas e transparência pública, visando fortalecendo a democracia participativa. Dessa forma, é imprescindível a mais ampla divulgação e controle dos atos dos gestores, devendo o Estado desenvolver mecanismos que incentivem ao interesse de participação e conscientização política em seus administrados, efetivando assim a democracia participativa por um conjunto de regras, “universais processuais”, como definido por Bobbio em assertiva supracitada (1997, p. 12). Nesse sentido, Bobbio destaca que os representantes eleitos não podem exercer mandatos imperativos, ou seja, não podem estar vinculados a interesses particulares e constata que esta proibição é explicitamente violada, pois os representantes eleitos ficam vinculados aos interesses das agremiações partidárias às quais são filiados. Assim, o controle interno pode ser vislumbrado pelos cidadãos como instrumento de fiscalização e controle dos atos do gestor (1997, p. 24). Enfim, face às normativas existentes para o eficaz funcionamento do Departamento de Controle Interno no Município de Barra do Bugres/MT, constituiu-se a pesquisa de campo com apoio ao disposto nas normativas ao controle, sendo realizados questionários para o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso e Ministério Público Estadual que atua em Barra do Bugres/MT. Ora ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, a qual exerce o controle externo nas atividades administrativas do Município de Barra do Bugres/MT, apresentou questionário semiestrutura em cinco perguntas mediante os Processos 36730/2018 e 272884/2018, abordando as atividades desempenhadas pelo Departamento de Controle Interno do Município de Barra do Bugres/MT. Inicialmente procurou- se questionar na primeira pergunta se no período de 2008 a 2017, as contas anuais entregues ao TCE/MT, foram apresentadas com parecer conclusivo de recomendações expedidas pelo controle interno, sendo estas atendidas ou não pela administração, conforme o bojo do Artigo 1°, Item I, alínea 1, da Instrução Normativa 003/2010 “Normas de parecer conclusivo”, c/c Art.37, Art. 70, incisos I, II e III da CRFB/88, dentre outras leis infraconstitucionais. O TCE/MT informou que entre os anos de 2008 a 2011, não foi enviado às contas com parecer conclusivo de recomendações expedidas pelo controle interno, entretanto nos anos de 2012 a 2017 as contas foram apresentadas com parecer conclusivo. Ademais, quanto à ciência de irregularidades ou ilegalidades ocorrida na gestão executiva de Barra do Bugres/MT no período de 2008 a 2017, pela controladoria interna do Município de Barra do Bugres junto ao TCE – MT a segunda pergunta buscou indagações frente ao previsto no Artigo 1°, Item I, alínea 1, Instrução Normativa 004/2010 “Normas de encaminhamentos de denúncias”, c/c Art.37, Art. 70, incisos I, II e III da CRFB/88, dentre outras leis infraconstitucionais, uma vez que, trata de  competência do Controle Interno levar a conhecimento público ou autoridade competente de irregularidades e ilegalidades. O TCE/MT respondeu que nos anos de 2008, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2015 não houve informações de irregularidades na gestão executiva, entretanto nos anos de 2009, 2014, 2016 e 2017 foi informado irregularidades. Por conseguinte, ao trato de irregularidades e ilegalidades que são apuradas em processo administrativo disciplinar interpelou-se na terceira pergunta se foi dado ciência ao TCE/MT através da Controladoria Interna de Barra do Bugres/MT de Processos Administrativos instaurados onde restou concluso pela comissão processante que houve dano ao erário, em consonância ao disposto no Art. 74, § 1° da CRFB/88,  c/c Art. 8º, Lei Complementar n° 269/2007 – Lei Orgânica do TCE/MT, sendo respondido que nos anos de 2008 a 2017, o TCE/MT não foi cientificado dos processos administrativos instaurados e processados. Assim sendo, após as indagações realizadas quanto aos preceitos para inibir corrupção, fraudes e omissões, a quarta pergunta demandou se foi realizada avaliação periódica pelo TCE/MT, junto a controladoria interna do Município de Barra do Bugres no período de 2008 a 2017, em observância ao disposto no Art. 148, § 1°, inciso III da Resolução n° 14, de 02 outubro de 2007, c/c Lei Complementar 269/2007, com vistas a avaliar a organização, eficiência e eficácia do controle interno. A este questionamento, o TCE/MT entendeu que nos anos de 2008 a 2017, a avaliação periódica se fez com a análise dos pareceres de controle interno, visitas in loco para instrução de processo de fiscalização e o acompanhamento simultâneo. Por fim, face aos aspectos já abordados frente à realização das atividades de controle interno no Município de Barra do Bugres/MT, se estas são exercidas de forma efetiva e eficiente, inquiriu-se a quinta pergunta, a qual suscita se foi realizada a publicidade da avaliação do Controle Interno no período de 2008 a 2017, face os preceitos do Art. 3°, inciso V e VI da Lei n° 12.527 de 18 de novembro de 2011, c/c Art.50,§ 3 da Lei Complementar Federal 101 de 04 de maio de 2000. O TCE/MT respondeu que não foi dada publicidade de avaliação do Controle Interno nos anos de 2008 a 2017. Em segundo, propôs-se ao Ministério Público que atua na comarca de Barra do Bugres/MT, questionário através da Ouvidoria Geral do Estado de Mato Grosso no Registro de n° 34043 para assim contrapor alguns pontos das instruções normativas do Controle Interno da Município de Barra do Bugres/MT. Tendo em vista, ser o Ministério Público defensor e fiscal da ordem jurídica, interesse social e individual indisponível questionou-se unicamente se no período de 2008 a 2017, referente aos procedimentos extrajudiciais, seja notícias de fato, procedimento investigatório e ou inquérito civil, houve como figura no polo ativo os agentes de Controle Interno do Município de Barra do Bugres/MT, e como polo passivo o Município de Barra do Bugres, conjunta ou isoladamente? O Art. 1°, inciso V, alínea X da Instrução Normativa 007/2010 “Normas internas de atribuições a UCCI – Unidade Central de Controle Interno”, c/c Art. 7° e Art.15 da Lei n° 8.429 de 02 de junho 1982, apresenta em seu bojo os responsáveis em informar da existência de procedimento administrativo para apurar a realização de ato de improbidade, independente de parecer conclusivo de comissão processante. Ao questionamento ora proposto a resposta foi infrutífera, entretanto no sitio do órgão em comento pôde-se verificar no link: as seguintes informações: duas notícias de fato no ano de 2016, e uma no ano 2017 não sendo estas irrelevantes para pesquisa por não apresentar dados afirmativos da atividade de controle. No entanto, resta afirmar que os demais procedimentos extrajudiciais contra o Município de Barra do Bugres/MT não têm como polo ativo os agentes de Controle Interno do Município de Barra do Bugres/MT, e sim outras partes que denunciaram e requererão medidas contra atos incompatíveis aos princípios administrativos.   A implantação de Controle Interno da Município de Barra do Bugres/MT, como analisado, foi indispensável para garantia da transparência na gestão do gasto público, bem como, ser também parte integrante e ativa da evolução da gestão do governo, acautelando irregularidades, integrando-se e facilitando o trabalho do controle externo exercido pelo TCE/MT. Por conseguinte, corroborando para o alcance de uma adequada gestão pública, promoção da ética com transparência e a redução de destrutibilidade aos riscos de ocorrência da corrupção.   3.1 Atividade de controle: realidade ou mito As atividades desempenhadas pelos agentes de Controle Interno no Município de Barra do Bugres/MT, conforme estabelecido nas instruções normatizadas a partir da Lei Municipal 020/2008 são de grande importância para concretização dos preceitos estabelecidos na Lei de Transparência Pública 12.527/11 e garantia de participação do cidadão na gestão pública para fortalecer a democracia, uma vez que a participação do povo nas decisões políticas assegura a integridade desses atos, além de corrigir eventuais desvios, possibilitando o atingimento do bem comum. Além disso, a desburocratização da gestão pública produz um serviço público eficiente, eficaz e correto, notadamente por meio de metas esquematizadas e resultados. Diante do exposto, a fim de verificar se é ou não eficaz como instrumento de fiscalização aos atos do gestor municipal às atividades a serem desempenhadas pelo controlador, foi direcionado questionário por meio de Ouvidoria no sítio do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, e Ministério Público da comarca de Barra do Bugres/MT, para assim contrapor alguns pontos das instruções normativas do Controle Interno da Município de Barra do Bugres/MT. Neste diapasão, sugere-se que a sociedade vislumbre no servidor público que exerça função de controle a realização de um trabalho pautado na ética e no agir moral, resultando no “dever ser” e não no querer por objetivos íntimos. O dever ser é alcançado pelo imperativo categórico, ou seja, aquele que representa em uma ação objetivamente necessária por si mesma, sem  relação com qualquer outra finalidade, ou seja,  certo tipo de ação é objetivamente necessária, sem levar em consideração o que se almeja no fim, ao contrário do imperativo hipotético que representa a necessidade prática de uma ação possível como meio de alcançar qualquer outra coisa que se que, isto é, pra realizar uma ação já com intuito de obter algo em troca (KANT, 2007, p .50) “A ética, decorre do compromisso de seguir o próprio preceito ético fundamental, e pelo fato de segui-lo em si e por si, onde estar conforme o dever não é o mesmo que segui-lo só pelo fato de se tratar do dever, estribando o valor de caráter moral”, este para Kant “sem comparação, é o supremo: em fazer o bem, não por inclinação, mas sim por dever”; esse é, pois, o caráter mais intrínseco do princípio da moralidade espraiado em termos absolutos (KANT apud BITTAR, 2015, p. 359). Desta feita, se observou que o trabalho desenvolvido pelo controlador interno de regra tem o dever em seguir as normas conjuntamente aos princípios que as cercam, tendo em vista ser um dos fiscais do povo e garantidor dos preceitos normativos. Neste diapasão se concluiu que as atividades realizadas pelos Agentes de Controle Interno da Município de Barra do Bugres/MT, estão longe de alcançar o disposto no arcabouço jurídico regulador do tema, conforme já suscitado.   3.2 Controle Interno no Município de Barra do Bugres/MT é ou não eficaz como instrumento de fiscalização aos atos do gestor municipal? Os dados colhidos apontam seguramente que não existe eficácia no trabalho desenvolvido, visto que, em consulta ao portal da transparência da Município de Barra do Bugres/MT, entre os anos de 2008 e 2017, foram mais de 52 processos administrativos instaurados e, como visto na resposta do TCE/MT, a este não foi dado conhecimento destes fatos, não alcançando o normatizado na Instrução Normativa 004/2010 – “Normas de encaminhamentos de denúncias” e irregularidades. A eficácia das atividades de controle como instrumento de fiscalização aos atos do gestor, conforme resposta do órgão de controle externo e de fiscalização evidencia o não alcance na integralidade ao objeto proposto pelo controle. Desta feita, cumpre mencionar que a fragilidade na consecução de improbidades e corrupção advêm da falta de controle externo e controle social.   CONCLUSÃO Este artigo buscou questionar a eficácia da implantação do Departamento de Controle Interno do Município de Barra do Bugres/MT e, conforme dados apresentados, concluiu-se que o trabalho desenvolvido não alcança o proposto na CRFB/88 e demais normas infraconstitucionais, enfrentando, dessa forma, o problema proposto pelo trabalho acadêmico in casu. Quanto às questões norteadoras, foi trabalhado o teor histórico e conceitual do sistema de controle interno, bem como suas características e objetivos, reverberando nos atos da administração pública barrabugrense, assim como disposto. Desta feita, foi constatado que o Controle Interno alicerçado em um conjunto de normas e procedimentos, com destaque para a funcionalidade de suas atividades, deve constituir-se em contraveneno aos desvios de conduta, sem, no entanto, tornar-se infalível, uma vez que a conduta humana está ligada à vulnerabilidade da má fé, à desonestidade e à inércia. Assim, as atividades de controle poderão ser executadas de forma independente com métodos e técnicas que envolvem procedimentos típicos, em função de suas atribuições constitucionais e legais, desempenhando papel essencial junto à Administração Pública, construindo uma cultura de transparência, visando assegurar eficiência e eficácia ao emprego dos recursos públicos, tendo em vista a consecução dos objetivos (geral e específicos) a serem enfrentados. Neste diapasão, observou que o procedimentalismo para desburocratização da democracia está em desacordo aos anseios da sociedade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/sistema-de-controle-interno-no-municipio-de-barra-do-bugres-mt/
A Definição do Ato de Improbidade Administrativa no art. 11 da Lei n.º 8.429/92 e o Direito Positivo
O presente artigo se propõe a analisar o conceito do ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional administrativo, uma das três modalidades previstas na Lei n.º 8.429/92 e analisar como se caracteriza o ato de improbidade administrativa baseada em violação de princípios constitucionais administrativos, em especial o princípio da moralidade. Dessa forma, o presente trabalho se propõe a analisar o objeto das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa com base no art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92, após a caracterização da violação a princípio constitucional e, em especial, ao princípio da moralidade. Assim, serão analisadas posições de doutrinadores que tratam dos temas abordados, além de artigos científicos e dissertações que tratam do mesmo tema, utilizando-se do método dedutivo para se chegar a uma conclusão.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A probidade administrativa tem relação direta com uma Administração Pública honesta que busca a proteção da coisa pública, tanto que a Constituição Federal previu sanções em caso de sua inobservância em diversos pontos do seu texto, desde questões relacionadas a condições de elegibilidade até crimes de responsabilidade do Presidente da República. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a improbidade administrativa se tornou um modelo vinculado ao direito constitucional e administrativo, tendo o art. 37, § 4º, da Constituição Federal elencado as sanções em caso da prática de atos ímprobos, isso no intuito de atender aos anseios da sociedade como forma de combate à corrupção, bem como aos eventuais abusos praticados pelos agentes públicos, buscando preservar a probidade administrativa. Nesse sentido, Marcelo Bertoncini (FARIAS, OLIVEIRA, GHIGNONE, 2012, p 36), defende que a probidade administrativa é uma das formas de garantia da execução dos objetivos fundamentais previstos na Constituição Federal, uma vez que o exercício das funções públicos de modo eficiente e honesto. O mesmo autor sustenta ainda que a ideologia constitucional da probidade administrativa deve ainda ser observada em razão da força normativa da Constituição trazida por Konrad Hesse.¹ Assim, verifica-se que a força vinculante da probidade administrativa é resultado da vontade popular manifestada através das decisões dos seus representantes legitimamente eleitos que sacramentaram na Constituição Federal várias formas de combate à corrupção como meio de se garantir a observância da probidade administrativa, os quais foram reforçados pela ratificação, pelo Brasil, da Convenção das Nações Unidas – ONU² contra a Corrupção² em 14.12.2005, o que tornou o combate à corrupção não só uma obrigação constitucional, mas também um compromisso internacional. Dessa forma, ao se imputar sanções pela prática de atos de improbidade administrativa a Constituição Federal buscou punir o administrador público, bem como o particular em colaboração, que agisse de modo a prejudicar a Administração Pública, de modo a se criar uma cultura de probidade administrativa. Nesse sentido, Wallace Paiva Martins Júnior³ sustenta que o direito à moralidade administrativa é um direito público subjetivo de titularidade da coletividade, razão pela qual pode ser exigido dos detentores de funções e cargos públicos. Dentro desse contexto, aproximadamente quatro anos após a promulgação da Constituição Federal foi sancionada a Lei n.º 8.429/92 que dispôs sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. No entanto, mesmo após mais de 15 (quinze) anos de sua vigência, a condenação pela prática de atos de improbidade administrativa baseados exclusivamente no art. 11, “caput” da Lei n.º 8.429/92 ainda apresenta um grau de vagueza muito grande, uma vez que a análise dos princípios constitucionais administrativos elencados no referido dispositivo constitucional depende da análise subjetiva do responsável pela propositura da ação civil por ato de improbidade administrativa. Para a caracterização da violação de um princípio constitucional hábil a justificar a aplicação de sanção em razão da prática de um ato de improbidade administrativa não se mostra suficiente a menção à sua violação, mas sim a demonstração de modo objetiva da referida violação. Nesse sentido, uma das hipóteses que traz maior discussão diz respeito à violação do princípio da moralidade em razão da sua alta carga de subjetividade, o qual, no direito administrativo, retoma a Hauriou (1910) quando buscou introduzi-lo no Conselho de Estado da França, a fim de possibilitar o controle dos atos administrativos discricionários, tendo em vista que somente era permitido o controle dos atos vinculados, proporcionando, dessa forma, uma maior atuação do referido Conselho. No Brasil, apesar da previsão em normas anteriores, foi a Constituição Federal de 1988 que elevou o princípio da moralidade ao patamar constitucional, segundo o qual o administrador público deve observar, no exercício de sua função, bem como o particular quanto trata com a coisa pública, uma conduta ética e honesta, exigindo-se a obediência a padrões de boa-fé, de lealdade, de regras que assegurem a boa administração e transparência na Administração Pública. Dessa forma, nosso texto constitucional ao consagrar o princípio da moralidade administrativa como vetor da atuação do administrador público, consagrou também a necessidade de proteção à probidade e a responsabilização do administrador público amoral ou imoral como bem apontou Manoel de Oliveira Franco Sobrinho.4 No entanto, ainda que a Constituição Federal tenha dado uma posição de destaque ao princípio da moralidade, observamos que este possui um conteúdo vago e não se confunde com situações de irregularidade ou ilegalidade, ante a ausência do elemento subjetivo do dolo, classificando-se comumente a ilegalidade qualificada pela má-fé. Nesse sentido, Fábio Medina Osório sustenta que uma das características marcantes do direito sancionador é a grande utilização de princípios, conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, o que cria um ambiente jurídico vago e indeterminado, concedendo aos intérpretes grandes poderes, o que ocasiona situações de insegurança jurídica e à unicidade das decisões. Por outro lado, o autor mostra as vantagens desse tipo de interpretação, dentre elas, maior flexibilidade das normas em razão das mutações decorrentes das transformações da sociedade, desde que haja o controle democrático desta atividade.5 Diante das considerações acima, faz-se necessário aprofundar a investigação acerca do conceito do ato de improbidade administrativa previsto no art. 11, “caput”, da Lei n.º 8.429/92 a fim de conceituar a caracterização da violação ao princípio constitucional da moralidade apresentam uniformidade, necessária à concretização do princípio da segurança jurídica.   O ato de improbidade administrativa por violação a princípio é também chamado de ato de improbidade administrativa “strito sensu” tendo em vista que para sua caracterização não é necessária a existência de prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito do agente, basta que reste caracterizada a violação a um princípio administrativo constitucional. Assim, é possível então verificar que sua caracterização é mais complexa do que as demais hipóteses previstas na Lei n.º 8.429/92, isso porque não uma delimitação objetiva para tanto, ou seja, não há uma descrição do que vem a ser um ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional. Nesse diapasão, o “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92 diz que é ato de improbidade administrativa conduta que viole os princípios constitucionais administrativos pontuando algumas condutas de forma exemplificativa. Assim, podemos dizer que o ato de improbidade administrativa previsto no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.492/92 é a conduta do agente público e do particular que atua conjuntamente que ofenda um dos princípios constitucionais administrativos, não se limitando aos princípios explícitos, mas alcançando também os princípios implícitos, acrescentando o elemento volitivo da má-fé. Dessa forma, é de se observar que não há elementos concretos que tipifiquem o ato de improbidade administrativa em razão da violação a deveres como a honestidade e imparcialidade e princípios constitucionais. Para que haja a caracterização de um ato de improbidade administrativa estrito senso, basta que um princípio constitucional explícito seja violado. Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, 2017, p. 214) afirma que a previsão legal em comento trazida pela lei de improbidade administrativa era tida, na época de sua sanção, como inócua, uma vez que era muito vaga acerca do que seria considerado ilícito, já que trazia apenas a possibilidade de violação a deveres e princípios, razão pela qual não haveria como ser operacionalizada.6 Nesse diapasão, para a caracterização de um ato de improbidade administrativa por violação a princípio constitucional deve ser conceituado o que venha a ser considerado um princípio, bem como seu conteúdo para, a partir de então ser realizada sua caracterização, isso porque não basta simplesmente se fazer menção à violação ao princípio constitucional, devendo ser descrito o motivo e fundamento pelo qual o referido princípio foi violado. Dessa forma, para se entender o conceito de ato administrativo estrito sensu se faz necessário, primeiramente, entender qual o conteúdo jurídico do princípio para, em um segundo momento, então se verificar como ocorreu sua violação. No direito administrativo há a clássica diferenciação trazida por Celso Antônio Bandeira de Mello entre princípios e normas e mais recentemente, na teoria geral do direito, Robert Alexy também tratou do assunto. No entanto, tais ensinamentos não se mostram suficientes para definir o conteúdo de um princípio e, em consequência, o que pode ser entendido como sua violação, razão pela qual a caracterização do ato de improbidade administrativa estrito sensu é uma tarefa difícil. Nesse diapasão, podemos verificar que o ato de improbidade administrativa estrito sensu é aquele onde o agente público deixa de observar um princípio constitucional administrativo, a exemplo da publicidade, legalidade ou moralidade, sem movido pelo elemento volitivo da má-fé. No entanto, é possível perceber que em relação a determinados princípios, como o da legalidade, não há maiores dificuldades em se caracterizar sua violação, já que decorrerá da inobservância de um diploma legal posto, no entanto em relação outros princípios como o da moralidade ou o da razoabilidade não há clareza quanto à sua violação, isso porque têm cunho subjetivo o que permite interpretações diversas e impedem uma definição mais objetiva da tipificação da sua violação. Dessa forma, podemos então observar que o objeto das ações civis públicas pela prática de ato de improbidade administrativa estrito sensu se limita a violação dos princípios constitucionais administrativos genericamente considerados, uma vez que a lei em comento não traz nenhuma delimitação para sua aplicação, nem elementos objetivos para sua aplicação no sentido de especificar o que vem a configurar a violação trazida no dispositivo legal ora tratado.   Conforme já exposto acima, o ato de improbidade administrativa estrito senso é caracterizado pela violação a princípio administrativo, razão pela qual é necessário se aprofundar no tema no intuito de entender o que pode ser considerado como violação a princípio e, partir de então verificar a efetiva prática do ato de improbidade administrativa. Nesse sentido, Humberto Ávila (ÁVILA, 2019, p. 182) buscou criar uma metodologia para definir o âmbito de aplicação mais objetivo de um princípio no intuito de evitar que sua aplicação ocorra de forma subjetiva e demasiadamente ampliada a fim de evitar exageros, razão pela qual defende que a atividade do intérprete é complexa e deve ser minuciosa, consistindo em construir significados. Para o referido autor, observados padrões de conduta através da análise de dispositivos constitucionais é possível então delimitar mais objetivamente as hipóteses de sua violação. No entanto, a utilização dos critérios de sistematização trazidos por Humberto Ávila não se mostra suficiente para esclarecer o conceito e a delimitação da violação de um princípio, tendo em vista que o princípio não possui conteúdo jurídico específico, ficando a cargo do julgador sua interpretação. Dessa forma, a configuração do que vem a ser a violação a um princípio constitucional hábil a configurar ato de improbidade administrativa estrito senso dependerá, em um primeiro momento, da interpretação dada pelo responsável pela propositura da ação e, no seu desfecho, da interpretação dada pelo julgador, isso porque a conceituação dependerá da sua formação e seu background, o que gera como consequência a inexistência de um conceito único acerca do que será configurado como violação a um princípio. A violação de um princípio, diferentemente do que ocorre com a violação de uma norma deixa margem para diversas interpretações, isso porque a norma traz uma tipificação descritiva, a qual permite que se sabia, antecipadamente, o que caracteriza sua violação, os termos trazidos pela Constituição Federal. No entanto, quando se trata da violação de um princípio, não há parâmetros descritivos para se verificar a hipótese de uma violação, dada sua vagueza, o que possibilita mais de uma resposta, razão pela qual a escolha recairá no que o intérprete entender mais justa. Dessa forma, podemos verificar que não há como se delimitar o que vem a ser a violação de um princípio de forma antecipada, uma vez que tal significação dependerá da valoração dada pelo intérprete “a posteriori”, afrontando, por conseguinte, o postulado do direito penal “nullum crimen sine lege”. Nesse sentido, ainda que se afirme que se trata de um postulado utilizado no direito penal, razão pela qual não teria aplicação no âmbito da ação civil por ato de improbidade administrativa, o referido argumento pode ser refutado pelo fato de que ainda que estejamos na seara cível, estamos tratando do direito administrativo sancionador, razão pela qual se comporta tal interpretação, isso porque função de aplicação de sanções pessoais, ainda que cíveis. Superado esse primeiro ponto quanto à ausência de definição e delimitação do que venha a ser a violação de um princípio, faz-se necessário verificar a referida situação no que diz respeito aos princípios constitucionais administrativos.   Estabelecida a ideia acerca da violação de princípios, passamos então a tratar mais especificamente da violação dos princípios constitucionais previstos no “caput” do art. 11 da Lei n.º 8.429/92. Nesse sentido, como já vimos acima não há um conceito jurídico único acerca do que seja a violação de um princípio em razão da ausência de conteúdo jurídico, assim o conceito de sua violação estará atrelado à ideia de correto e justo do julgador, dentro das suas opções de escolha, baseando-se no princípio da juridicidade. Quando tratamos de princípios entramos no campo da subjetividade, tendo em vista a ausência de limites definidores e conceitos objetivos, razão pela qual, as decisões baseiam-se, na maioria da das vezes, nos ideais de moral e justiça do que em conceitos jurídicos propriamente ditos. No caso do dispositivo em discussão, o legislador, além dos princípios constitucionais, explicitou ainda a necessidade da observância dos deveres de honestidade e lealdade, já que o dever de imparcialidade representa, na verdade, o princípio da impessoalidade. Assim, ofender princípio constitucional que viole tais deveres é considerado ato de improbidade administrativa estrito sensu, o que aumenta o nível de subjetividade do referido dispositivo legal. Há de se observar, no entanto, que os princípios elencados no “caput” do art. 37 da Constituição Federal apresentam graus diversos de abstração, ou seja, há princípios que possibilitam uma interpretação mais objetiva, a exemplo do princípio da legalidade e outros que dão grande margem a diversas possibilidades de escolha, dada sua subjetividade, como ocorre no caso do princípio da moralidade, ante seu auto conteúdo valorativo, o que abre margem para um grande leque de interpretações e escolhas pelo julgador. Assim, quanto tratamos do princípio da legalidade podemos observar que há um limite objetivo para que seja delimitada sua violação e, em consequência, a prática de ato de improbidade administrativa estrito sensu, já que basta que o responsável pela propositura da ação civil pública por ato de improbidade administrativa demonstre que o agente público violar a norma regente da matéria de forma dolosa violando um dos deveres previstos no “caput” do art. 11, da Lei n.º 8.249/92, isso porque não basta somente a violação à norma, mas a demonstração do elemento volitivo, através da individualização das condutas, hábeis a demonstrar a intencionalidade do agente em praticar a conduta improba. Da mesma forma ocorre com o princípio da eficiência, já que há formas de se verificar objetivamente se ocorreu sua violação de forma intencional, uma vez que há instrumentos de políticas públicas qualitativos e quantitativos hábeis a mensurar seu cumprimento ou não e, através de tais dados ser possível observar se ocorreu a violação do referido princípio. No entanto, os princípios da publicidade e impessoalidade já apresentam um maior grau de abstração, isso porque não possuem delimitações específica e quantificáveis quanto à sua violação, necessitando se uma interpretação do julgador mais subjetiva, já que se abre um leque de opções para tanto, o qual poderá optar pela decisão que esteja de acordo com o que entende como correto e justo, razão pela qual enveredamos em um campo de subjetividade e insegurança jurídica. Em maior intensidade pode ser verificado o grau de abstração que permeia o princípio da moralidade, isso porque além dos critérios legais, soma-se a este os valores morais que variam de indivíduo para indivíduo por estar vinculado a valores filosóficos que extrapolam o campo do direito, razão pela qual margem de interpretação do julgador alcança graus muito mais elevados e, em consequência, uma maior insegurança jurídica. Assim, tendo em vista que o princípio da moralidade possui contornos mais específicos será tratado em um título em separado.   3.1. A violação ao princípio da moralidade O princípio da moralidade, no direito administrativo, retoma a Maurice Hauriou (1910) quando buscou introduzi-lo no Conselho de Estado da França, órgão responsável pela jurisdição administrativa na França, desenvolvendo as bases do referido princípio através da sanção do desvio de poder, a fim de possibilitar o controle dos atos administrativos discricionários, tendo em vista que, à época, somente era permitido o controle dos atos administrativos vinculados, buscando-se, com a referida inovação, uma maior atuação e controle das ações governamentais pelo referido Conselho. Nesse sentido, segundo Antônio José Brandão a teoria do enfrentamento do desvio de poder de Hauriou representou a introdução do elemento moral no cenário jurídico.7 No Brasil, o princípio da moralidade administrativa foi incorporado legalmente como forma de combate ao desvio de poder nos moldes acima mencionados em 1965 com a sanção da Lei n. 4.7617/65 – Ação Popular. Nesse diapasão, têm-se que a moralidade administrativa é o precedente lógico de toda conduta administrativa, vinculada ou discricionária, possuindo, segundo José Guilherme Giacomazzi (GIACOMAZZI, 2013, p. 198), dois aspectos: o aspecto objetivo, representado pela boa-fé e o aspecto subjetivo, traduzido através do dever de probidade. Assim, apesar de alguns poucos autores ainda não reconhecerem a autonomia do princípio da moralidade em relação a outros princípios administrativos, em especial em relação ao princípio da legalidade, a controvérsia acerca do tema foi dirimida com a promulgação da Constituição Federal de 1998 que concedeu ao princípio da moralidade patamar idêntico ao do princípio da legalidade nos termos do “caput” do seu art. 37, razão pela qual não mais se sustenta o argumento de que o princípio da moralidade estaria incluído no princípio da legalidade. Em face da referida posição alcançada pelo princípio da moralidade, a Constituição Federal de 1988 previu ainda em seu art. 5º, LXXIII a possibilidade de sua apreciação judicial, o que possibilitou a sanção pela prática de atos de improbidade administrativa. Nesse diapasão, a probidade administrativa, nos moldes trazidos pela Constituição Federal, tem o princípio da moralidade em sua centralidade, podendo ser considerada como um dos efeitos da aplicação da boa-fé, isso porque pune o agente público que age com desonestidade. Porém, apesar da referida lei ter sido sancionada em 1992, somente em 1999, edição da Lei n.º 9.784/99, foi trazida um conceito legal do referido princípio da moralidade no art. 2º, IV, deste diploma legal, porém ainda vago. No entanto, ainda que o princípio da moralidade não esteja subordinado ao princípio da legalidade, deve observância ao princípio da juridicidade, o qual tem como base os limites jurídicos da razoabilidade, finalidade e boa-fé, ou seja, para que reste caracterizada a violação ao princípio da moralidade se faz necessário que ocorra também uma lesão àquele princípio. Dessa forma, a prática de qualquer ato administrativo pode vir a ofender o princípio da moralidade, no entanto, sua maior incidência ocorre em relação aos atos administrativos discricionários, tendo em vista a existência de mais de uma possibilidade disponível ao administrador no momento da tomada de decisão, diferentemente do que ocorre com os atos administrativos vinculados. Por fim, sendo a moralidade administrativa, não apenas um princípio, mas também um valor socialmente definido, pertencente à coletividade de forma indivisível e indeterminada, Wallace Paiva Martins Júnior (MARTINS, 2009, p. 91) defende que sendo um patrimônio social, é passível de recomposição em caso de lesão por meio de condenação do ofensor à compensação financeira a título de dano moral coletivo. Nesse sentido, Márcio Cammarosano em artigo intitulado “Moralidade Administrativa” (DALARRI, 2013, p. 268), publicado em uma coletânea de direito administrativo, além da sua previsão no “caput” do art. 37, da Constituição Federal, o princípio da moralidade também foi reforçado no art. 5º, LXXIII, o qual prevê a possibilidade de qualquer cidadão ingressar com ação popular em caso da prática de ato administrativo que ofensa à moralidade administrativa Em contrapartida, alguns autores, a exemplo de Carlos Ari Sundfeld (SUNDFELD, 2017, p. 214) , sustentem  a existência de um alto grau de subjetividade e indeterminação do conceito de moralidade administrativa na atualidade e, em consequência, a dificuldade de sancionar as condutas tidas como imorais, pois se trata de um conceito jurídico indeterminado. Dessa forma, observa-se a inexistência de um conceito jurídico acerca do princípio da moralidade, tendo em vista que a construção existente é totalmente teórica, baseada em estudos que não refletem as situações práticas cotidianas e abrem margem para um alto índice de subjetividade nas imputações de atos de improbidade administrativa por violação ao princípio da moralidade. É importante ressaltar que ainda persiste uma certa confusão entre moral e moralidade, já que em alguns casos se procura imputar a agente público um ato como improbo por entender não ser moral, quando, na verdade, a imputação deve recair na suposta violação ao princípio da moralidade entendido como princípio constitucional e não por violação à moral, uma vez que se trata de um conceito filosófico que extrapola a ceara de atuação do direito positivo. Assim, a caracterização da violação ao princípio da moralidade como ato de improbidade administrativa estrito senso traz muitas incertezas em razão de sua vagueza, conforme já demonstrado em passagens anteriores, inviabilizando a delimitação exata e precisa da efetiva existência da violação do princípio, logo da definição do ato de improbidade administrativa estrito senso.   CONCLUSÃO Pela explanação realizada, podemos chegar a uma primeira conclusão de que uma das finalidades constitucionais da lei de improbidade administrativa é a proteção dos princípios administrativos constitucionais, evitando que os agentes públicos ou particulares que praticaram os atos tidos como de improbidade administrativa continuem a manter relações jurídicas com a Administração Pública antes de transcorrido um lapso temporal hábil a sanar os efeitos extrapatrimoniais dos referidos atos. No mesmo sentido, podemos também concluir que ainda que a intenção do legislador constituinte tenha sido garantir a aplicação de sanções nos casos da prática de atos de improbidade administrativa que não causem danos patrimoniais ao erário ou o enriquecimento ilícito, mas que atinjam o patrimônio moral do ente público, uma vez que a violação dos princípios constitucionais fere os preceitos constitucionais, a referida previsão legal foi realizada de forma vaga, uma vez que pode ser constatada a inexistência de conteúdo jurídico dos princípios, os quais necessitam de uma valoração subjetiva para sua aplicação. Dessa forma, podemos então chegar a uma conclusão final no sentido de que em razão da ausência de conteúdo jurídico dos princípios, em especial do princípio da moralidade, o que possui uma grande carga subjetiva, uma vez que se recorre a valores filosóficos para se chegar a sua delimitação e aplicação, a utilização isolada dos princípios constitucionais como fundamentos de imputação de atos de improbidade administrativa cria uma situação de insegurança jurídica ante a ausência de parâmetros objetivos para sua utilização, além de ferir as garantias constitucionais da ampla defesa e do contrário, base de nosso Estado Democrático de Direito, tendo em vista que subtrai do réu o direito de defender de modo efetivo, ante a subjetividade da imputação baseada unicamente nos princípios constitucionais.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-definicao-do-ato-de-improbidade-administrativa-no-art-11-da-lei-n-o-8-429-92-e-o-direito-positivo/
Delegação do Poder de Polícia
O presente trabalho tem como intuito trazer à tona o debate acerca da delegação do poder de polícia. A administração pública, como detentora da vontade social, tem algumas prerrogativas que ao particular não cabem, são os chamados poderes da administração pública, a saber: poder discricionário; poder vinculado; poder normativo; poder disciplinar; poder hierárquico; e poder de polícia. Busca-se tratar do poder de polícia, que representa o poder de império estatal, o qual limita a liberdade e os direitos dos cidadãos. Diante dessas características, inicia-se um debate acerca do exercício desse poder por particulares ou pessoas da administração pública de direito privado, as chamadas empresas estatais, isto é, poderia o particular receber poderes do estado a ponto de limitar os direitos de seus semelhantes. Foi com essas indagações que ocorreu a elaboração do presente trabalho, buscando respondê-las de forma clara e concisa, mas com o devido cuidado de abordar de forma sistemática todas as nuances temáticas.
Direito Administrativo
Introdução O Estado é uma ordenação que tem por finalidade específica e essencial a regulamentação global das relações sociais entre os membros de uma dada população sobre um dado território, na qual a expressão ordenação denota a ideia de poder soberano, institucionalizado (PALLIERI apud SILVA, 2015, P. 99). Assim, como se nota, o Estado é formado por quatro elementos essenciais, povo, território, poder soberano e fins (SILVA, 2015, P. 99-100). Desta forma, o povo constitui um dos elementos necessário à sua existência, por esse motivo ele nos representa. Como atributos dessa competência a administração pública detêm alguns poderes que não cabem aos particulares, que são o poder discricionário, vinculado, normativo, hierárquico, disciplinar e de polícia. Este último tem um maior destaque por parte da doutrina, haja vista que afeta os particulares, ou seja, é externo, restringindo os direitos e atuação destes. Deste modo, resta a indagação se caberia a administração pública delegar o exercício do poder a entes privados, estes teriam o “poder” de restringir direitos dos seus semelhantes? Bem, em 2002 no julgamento da ADI 1.717/DF, cujo relator foi o Ministro Sydney Sanches, o STF entendeu que seria inconstitucional. Todavia, o tema ainda não é pacífico e é bastante mutável no cenário brasileiro, assim surge outra dúvida, teria a possiblidade da Suprema Corte mudar de entendimento em um lapso temporal tão curto? Isso, a datar da edição deste trabalho não pode ainda ser respondido e sim especulado, entretanto, muito provavelmente serão abordados e terão que se pronunciar sobre a temática, isto é, se o Projeto de Lei 280/17 for aprovado.   1.1. Noções Gerais O Estado está em um plano superior aos particulares, haja vista que em uma República representa os interesses dos seus cidadãos. Diante disso, necessita de algumas prerrogativas especiais, que o distingue dos particulares, atribuindo-lhes possibilidades de realizar atos privativos de sua condição. São os chamados Poderes da Administração Pública, que na conceituação de Carvalho Filho (2018, p. 53) é “o conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins.” Nessa perspectiva, vale destacar os ensinamentos de Alex Muniz Barreto (2008, p. 57), que em sua obra define os poderes como:   Prerrogativas legais conferidas aos entes públicos para o pleno exercício da função administrativa, assegurando a efetividade da sua atuação, interna e externa, mediante o estabelecimento de uma autoridade normativamente limitada. Por meio desses poderes, a lei estabelece a  possibilidade da Administração condicionar as atividades dos seus agentes e de particulares, adequando-as às exigências do interesse geral. (BARRETO, 2008, p. 57)   Embora a expressão “poder” dê a impressão de que se trata da uma faculdade dos agentes administrativos, na realidade trata-se de um “poder-dever”, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis. Todos eles encerram prerrogativas de autoridade, as quais, por isso mesmo, só  podem ser exercidas no limite da lei. (DI PIETRO, 2018, p. 115) Todavia, é necessário fazer a distinção entre os poderes administrativos e os poderes políticos. Os primeiros são apenas instrumentos de garantir que o Estado chegue aos fins almejados, enquanto que os últimos, têm natureza estrutural, são a chamada “Tripartição dos poderes”, encontram-se no artigo 2º (segundo) da Constituição Federal e tem como prerrogativa garantir a estruturação de um Estado Democrático de Direito. Nesse seguimento, é de extrema importância o ensinamento de Alex Muniz Barreto ao afirmar:   Embora ambos representem formas de manifestação do Poder do Estado (summa potestas), os poderes administrativos não se confundem com os poderes políticos. É que os primeiros possuem a mesma natureza instrumental da função administrativa da qual decorrem, servindo de mecanismos para a sua eficaz realização (poderes de execução ou de consecução). Já estes últimos têm natureza estrutural, refletindo a própria tripartição constitucional dos Poderes da União (art. 2º da CF/88), por meio da qual se forma uma estrutura de órgãos legislativos, jurisdicionais e executivos que possuem prerrogativas políticas específicas (poderes de formação ou de composição). (BARRETO, 2008, p. 57)   Explicitadas as noções gerais, é importante passar a tratar das espécies desses poderes.   1.2. Espécies dos poderes administrativos Feitas as devidas anotações sobre a definição dos poderes administrativos, cumpre-nos ressaltar suas espécies, a saber: (1) Poder Vinculado; (2) Poder Discricionário; (3) Poder Hierárquico; (4) Poder Disciplinar; (5) Poder Normativo; e (6) Poder de Polícia. Como é notório existem seis poderes elencados pela doutrina. Todavia, a esta não é pacífica, existe um posicionamento minoritário em afirmar que existem apenas quatro poderes, restando os outros dois apenas como atributos dos outros. Este é posicionamento defendido por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no qual consiste que o Poder Vinculado e o Discricionário nada mais são que atributos dos demais poderes. Para melhor elucidação da problemática é necessário a transcrição de suas palavras que melhor explicarão seu posicionamento, a saber:   Quanto aos chamados poderes discricionário e vinculado, não existem como poderes autônomos; a discricionariedade e a vinculação são, quando muito, atributos de outros poderes ou competências da Administração. O que ocorre é que várias competências exercidas pela Administração com base nos poderes regulamentar, disciplinar, de polícia, serão vinculadas ou discricionárias, dependendo da liberdade, deixada ou não, pelo legislador à Administração Pública. (DI PIETRO, 2018, p. 115)   Contudo, esta obra tratará da posição majoritária na doutrina, não entrando no mérito da questão, ou seja, será abordado como poderes da Administração Pública os seis supracitados.   1.2.1. Poder Vinculado É o Poder no qual o administrador está completamente restrito as normas legais, não há margem de escolha para o mesmo, devendo aplicar as premissas indicadas pelo legislador. Nesse sentido, cumpre ressaltar os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a saber:   O chamado “poder vinculado”, na realidade, não encerra “prerrogativa” do Poder Público, mas, ao contrário, dá ideia de restrição, pois, quando se diz que determinada atribuição da Administração é vinculada, quer-se significar que está sujeita à lei em praticamente todos os aspectos. O legislador, nessa hipótese, preestabelece todos os requisitos do ato, de tal forma que, estando eles presentes, não cabe à autoridade administrativa senão editá-lo, sem apreciação de aspectos concernentes à oportunidade, conveniência, interesse público, equidade. Esses aspectos foram previamente valorados pelo legislador. (DI PIETRO, 2018, p. 115)   Portanto, o exercício deste poder, resume-se em dá um fiel seguimento a norma, ela é que informa todos os requisitos a serem seguidos. A título de exemplo temos a aposentadoria por idade, determinado contribuinte completou a idade para receber seu direito, deverá desde já recebe-lo, não cabendo ao agente administrativo verificar se ele tem ou não capacidade laborativa.   1.2.2. Poder Discricionário No exercício deste poder temos o inverso do poder vinculado, enquanto que neste o administrador segue estritamente as normas legais, que ditam todos os procedimentos, no primeiro há uma certa margem de escolha, isto é, cabe ao administrador adequar o procedimento à conduta, sempre dentro dos limites legais, em nome da oportunidade e conveniência. Alex Muniz Barreto (2008, p. 58) leciona que este “é o poder que confere ao administrador a capacidade de decidir sobre qual a medida mais adequada à Administração, o que lhe permite valorar e escolher o comportamento mais oportuno e conveniente à gestão dos interesses coletivos.” Todavia, vale ressaltar que tanto cabe a autoridade pública deliberar sobre a conduta, como pode deixar de praticá-lo, se assim for mais conveniente o oportuno. Entretanto, o jurista não pode entender que tal poder é ilimitado, ele encontra limites fixados expressamente em lei. Verifica-se a atribuição deste poder, por exemplo, na exoneração de um servidor público comissionado. (BARRETO, 2008, p. 58)   1.2.3. Poder Hierárquico Este é clássico poder da Administração pública, é por meio dele que é escalonado os graus de subordinação, elencando a administração estratégica, a tática e a operacional. Basta uma analisada superficial nos estudos da administração geral e pública e veremos que não existe administração interna sem essas três vertentes. Com isso, resta-nos informar que o poder ora estudado é fundamental para a estrutura interna de determinado órgão público. Gustavo Scatolino e João Trindade (2016, p. 343) em sua obra Manual de Direito Administrativo, conceituam como o poder “que dispõe a Administração para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores e os órgãos integrantes de uma mesma estrutura.” Portanto, com análise breve do tema, observa-se que tal poder está apenas no âmbito interno da administração, sendo fundamental tanto na esfera pública quanto privada. Não cumpre a esta obra adentrar pormenorizadamente na temática, sob pena de fugir do verdadeiro intuito do trabalho, em suma essas são as principais características deste poder-dever estatal.   1.2.4. Poder Disciplinar Como o nome é bastante sugestivo não precisamos ir muito além para entendermos tal poder. Disciplina, de acordo com o Dicionário de Língua Portuguesa Soares Amora (2013, p. 230), é o “conjunto de prescrições destinadas a manter a boa ordem”. Assim, busca-se a harmonização dentro da administração, no qual a autoridade pública apura e punir as faltas funcionais de seus subordinados (apresentando aqui o Poder Hierárquico). Na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p. 119) “poder disciplinar é o que cabe à Administração Pública para apurar infrações e aplicar penalidade aos servidores públicos e demais pessoas sujeitas à disciplina administrativa; é o caso dos estudantes de uma escola pública.” Vale salientar que não se confunde com o poder punitivo do Estado, pois este é realizado através da jurisdição penal, enquanto que o poder ora estudado só abrange as infrações relacionadas com o serviço público, destinando-se apenas à repressão de irregularidades funcionais praticadas por seus próprios servidores, isto é, dá-se apenas no campo interno. (BARRETO, 2008, p. 60)   1.2.5. Poder Normativo Chamado também de poder regulamentar, consiste na edição de atos gerais para complementar as leis e garantir a sua aplicação efetiva. Valendo observar a orientação dada por José dos Santos Carvalho Filho (2018, p. 59), a saber: “A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando. Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar.” Segundo os ensinamentos de Miguel Reale (1980, p. 12-14) os atos normativos podem ser divididos em Originário e derivado, os primeiros “se dizem os emanados de um órgão estatal em virtude de competência própria, outorgada imediata e diretamente pela Constituição, para edição de regras instituidoras de direito novo”; já os derivados se caracterizam pela “explicitação ou especificação de um conteúdo normativo preexistente, visando à sua execução no plano da praxis”. Feitas as devidas anotações é importante destacar, que como todos os outros poderes, este encontra-se subordinado aos ditames legais (lato sensu), devendo respeitar o princípio da hierarquia das normas.   Por se referir ao tema central estudado, este poder será tratado em tópico específico, no qual será realizada uma análise pormenorizada sobre todos os seus aspectos.   2.1. Conceito Ao passo que o poder disciplinar busca a harmonização no âmbito interno da administração, este poder tem o mesmo intuito, no entanto, seu alcance se dá para com os administrados, isto é, se dá no âmbito externo. A norma prevê uma ampla liberdade aos particulares, podem fazer tudo que não é expressamente proibido em lei. Todavia, há também a previsão da autoridade dos entes públicos controlar a conduta dos membros do grupo social, podendo inclusive intervir na esfera privada para reprimir atos atentatórios ao bem comum. (BARRETO, 2008, p. 62) Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p. 151) “é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público.” Nesse diapasão, vale ressaltar que o ordenamento jurídico não foi omisso quanto a conceituação deste instituto, o artigo 78 do Código Tributário Nacional define poder de polícia como sendo a “atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” Realizadas as devidas conceituações, é necessário fazer uma distinção entre polícia administrativa e judiciária. A primeira, se dá para um trabalho eminentemente preventivo, enquanto que a segunda dá-se para a repreensão de determinada conduta. Enquanto que a polícia administrativa inicia e se completa no âmbito de uma função administrativa, a polícia judiciária se dá pela atuação da função jurisdicional, regida pelo Código de Processo Penal. Para melhor elucidação do tema segue os ensinamentos de Alex Muniz Barreto:   O poder de polícia – originário da designação norte-americana “police power” – é exercido através da polícia administrativa, que não se confunde com a denominada polícia judiciária. A diferença essencial está no fato de que a atuação da primeira recai apenas sobre bens, direitos e atividades dos particulares, no sentido de condicioná-los aos fins sociais, como o desfazimento de uma obra edificada irregularmente ou na imposição de multa de trânsito ao respectivo infrator. Já a segunda age sobre pessoas, reprimindo condutas delituosas e funcionando como ferramenta da persecução penal do Estado em face de criminosos. Dessa forma, enquanto a polícia judiciária tem por objetivo o combate às ações ou omissões delitivas, através do aparelhamento da polícia civil – sendo auxiliada pela polícia militar no patrulhamento ostensivo -, a polícia administrativa dedica-se ao controle e intervenção nos bens, direitos e atividades de particulares, mediante a atuação preventiva ou repressiva dos seus vários seguimentos, tais como: a) polícia florestal; b) a polícia sanitária (vigilância sanitária); c) polícia de trânsito e transportes; d) polícia ambiental (exercida pelo IBAMA e outras entidades); e) polícia de costumes; f) polícia de edificações, dentre outras.(BARRETO, 2008, p. 63)   Diante disso, resta-nos a conclusão que o instituto ora estudado tem como fundamento o princípio da Supremacia do Interesse público sobre o privado, haja vista que havendo um conflito entre esses dois, prevalece o primeiro. Devidamente definido, cumpre destacar as características que são decorrentes de seu uso.   2.2. Características A doutrina costuma trazer três características referentes a esse poder, que são: (1) Autoexecutoriedade; (2) Discricionariedade; e (3) Coercibilidade. A primeira característica consiste na possibilidade de seus atos serem executados sem prévia autorização judicial, como salienta Carvalho Filho:   A prerrogativa de praticar atos e colocá-los em imediata execução, sem dependência à manifestação judicial, é que representa a Autoexecutoriedade. Tanto é autoexecutória a restrição imposta em caráter geral, como a que se dirige diretamente ao indivíduo, quando, por exemplo, comete transgressões administrativas. É o caso da apreensão de bens, interdição de estabelecimentos e destruição de alimentos nocivos ao consumo público. Verificada a presença dos pressupostos legais do ato, Administração pratica-o imediatamente e o executa de forma integral. Esse o sentido da autoexecutoriedade. (CARVALHO FILHO, 2018, p. 91)   A segunda, chamada de discricionariedade consiste na faculdade que via de regra a lei prevê, para as autoridades administrativas escolherem as providências mais apropriadas ao exercício do poder polícia em cada caso concreto, podendo dessa forma, optar pelas medidas que se mostrem compatíveis ao restabelecimento do interesse público. (BARRETO, 2008, p. 64) Por fim, temos a coercibilidade, é inseparável da autoexecutoriedade, é o que Hely Lopes Meirelles (2003, p. 134) define como “a imposição coativa das medidas adotadas pela administração”. Essa característica afirma a imperatividade do poder de polícia, é através dela que o Estado cumpre seu poder-dever independente de aceitação do administrado, visando sempre a supremacia do interesse público sobre o privado.   A doutrina classifica o poder de polícia em originário e delegado, o primeiro seria aqueles exercidos pela Administração Direta, União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Já a segunda se dá quando a atividade é exercida pela Administração Indireta, conforme os ensinamentos de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2018, p. 303): “o poder de polícia originário é aquele exercido pela administração direta, ou seja, pelos órgãos integrantes da estrutura das diversas pessoas políticas da Federação (União, estados, Distrito Federal e municípios).” Enquanto que o poder de polícia delegado “é aquele executado pelas pessoas administrativas do Estado, isto é, pelas entidades integrantes da administração indireta.” Nesse seguimento, não existem celeumas jurídicos quanto à possiblidade de uma determinada lei específica delegar atribuições do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito público (autarquias e fundações públicas de direito público). A vedação consiste na impossibilidade dessas pessoas criarem leis. Fora isso, podem exercer o poder de polícia e inclusive aplicar sanções das mais variadas formas, desde que a competência seja atribuída por lei. (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 304) O problema surge quando se trata da possibilidade de delegação a entidades integrantes da administração pública que têm personalidade jurídica de Direito Privado, como é o caso das empresas públicas e sociedades de economia mista. Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 1.717/DF, cujo relator foi o Ministro Sydney Sanches, decidiu sobre a impossibilidade de delegação a entidades privadas. Segue trecho do julgado: … não me parece possível, a um primeiro exame, em face do nosso ordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e punir no que concerne ao exercício de atividades profissionais.   Nos ensinamentos de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, tal argumento tem como fundamentação “que o exercício de atividades de polícia tem fundamento no poder de império e que este não pode ser exercido por nenhuma pessoa dotada de personalidade jurídica de direito privado.” Todavia, a doutrina e alguns tribunais superiores têm entendido, hodiernamente, que há a possibilidade para entidades da Administração Pública Indireta de direito privado, desde que respeitem algumas divisões sumariamente realizadas. Nesse sentido que se deu o julgamento no Superior Tribunal de Justiça, do REsp 817.534/MG, no qual definiu a consecução do poder de polícia em quatro grupos, a saber: (1) legislação, (2) consentimento, (3) fiscalização, (4) sanção. Assim, valemo-nos da explicação de Carvalho Filho para uma maior elucidação do tema:   O que se precisa averiguar é o preenchimento de três condições: (1ª) a pessoa jurídica deve integrar a estrutura da Administração Indireta, isso porque sempre poderá ter seu cargo a prestação de serviço público; (2ª) a competência delegada deve ter sido conferida por lei; (3ª) o poder de polícia há de restringir-se à prática de atos de natureza fiscalizatória, partindo-se, pois, da premissa de que as restrições preexistem e de que se cuida de função executória, e não inovadora. (CARVALHO FILHO, 2018, p.83)   Em comunhão de sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2015, p. 863 -864) leciona que os particulares podem exercer atos materiais que precedem e/ou que sucedem os atos jurídicos do poder de polícia. O primeiro se dá, por exemplo, no uso de equipamentos eletrônicos a fim de fiscalizar o cumprimento das normas de trânsito, pertencentes a empresas privadas contratadas pelo estado. A segunda dar-se-á, por exemplo, quando o Poder Público contrata uma empresa privada para demolir obras efetuadas irregularmente, na qual a administração tenha como função demoli-la como uso do poder de polícia. Ou seja, mesmo que a entidade privada execute determinadas atribuições, a titularidade ainda reside com o Poder Público. Em complemento, afirma Rafael Maffini (2009, p. 75):   É necessário salientar que é possível a transferência a particulares, desde que se o faça com regularidade licitatória e contratual, de atos materiais de preparação do poder de polícia propriamente dito (ex.: expedição de tíquetes de parquímetros, o ato de fotografar veículos em controladores eletrônicos de velocidade, o ato material de vistoriar um veículo para fins de licenciamento etc.). O que não é possível é a transferência a particulares da prática de atos administrativos – dotados de cunho decisório, portanto – de polícia administrativa (ex.: o licenciamento de veículos automotores, a decisão quanto à autuação de trânsito, a decisão quanto à apreensão de veículo, a decisão quanto à demolição de obra irregular etc.). Trata-se, pois, de atividade estatal indelegável a particulares.   Vale ressaltar, que a delegação não pode ser outorgada a pessoas da iniciativa privada, desprovidas de vinculação oficial de entes públicos, visto que, por maior que seja a parceria que tenham com estes, jamais serão dotadas da potestade (ius imperii) necessária ao desempenho da atividade política.” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 84) Assim, Marçal Justen Filho afirma:   Veda-se a delegação do poder de polícia a particulares não por alguma qualidade essencial ou peculiar à figura, mas porque o Estado Democrático de Direito importa o monopólio estatal da violência. Não se admite que o Estado transfira, ainda que temporariamente, o poder de coerção jurídica ou física para a iniciativa privada. Isso não significa vedação a que algumas atividades materiais acessórias ou conexas ao exercício do poder de polícia sejam transferidas ao exercício de particulares. O que não se admite é que a imposição coercitiva de deveres seja exercitada por terceiros, que não os agentes públicos.   Em suma, não há delegação de ato do poder de polícia para particular, salvo hipóteses excepcionalíssimas. Todavia, pode haver a delegação para entidades da Administração Pública de direito privado, e particulares, desde que esses tenham um vínculo com a administração e exerçam apenas atividades preparatórias ou sucessivas ao poder de polícia, quanto àqueles, podem desde que sejam atividades fiscalizatórias e devidamente previsto em lei. Entretanto, o tema não resta aqui finalizado, pois ainda haverá muitos embates doutrinário e jurisprudenciais, haja vista que há um Projeto de Lei a tramitar no Senado Federal que se aprovado for trará à tona o debate de forma mais aguçada. Trata-se do PL 280/17 que estabelece diretrizes e requisitos para a delegação, no âmbito da Administração Pública Federal, do serviço público de fiscalização administrativa a particulares. Caso o referido projeto torne-se lei veremos o posicionamento atual do STF acerca do assunto.   Conclusão Portanto, verifica-se que o poder de polícia está para limitar a liberdade dos particulares, isto é, faz inversão ao poder disciplinar, enquanto este regula as relações internas à administração pública, àquele atinge o âmbito externo, ou seja, os cidadãos que não tem vínculo direto com a administração. Como poder de limitar direitos dos particulares, a doutrina o chama de poder de império do estado, que tem como características ser coercitivo, auto executável e discricionário. Diante disso, surge o impasse, há ou não possiblidade de delegação para particulares? Como verificado, o STF se pronunciou em 2002 sobre a impossibilidade. Todavia, com o passar dos anos foi-se enxergando a viabilidade, seja doutrinariamente seja por meio de legislações. Atualmente a doutrina (majoritária) entende que é possível apenas alguns atos, como de natureza fiscalizatória, seja antes do uso do referido poder (caso dos radares de trânsito), seja depois (caso da demolição de um prédio). Entretanto, vale salientar que o particular deve preencher alguns requisitos, como a previsão legal e a contratação de forma regular, por meio de licitação e/ou contratos públicos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/delegacao-do-poder-de-policia/
Primeiras Notas Acerca do Acordo de Não Persecução Cível
O presente trabalho busca analisar, em juízo de primeiras impressões, a novidade trazida pela Lei nº 13.964/19 (conhecida como Lei do Pacote Anticrime) no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa, qual seja: o acordo de não persecução cível. Adotando-se o método dedutivo de pesquisa, com base na legislação, doutrina e jurisprudência nacionais, analisa-se a evolução normativa e costumeira acerca da possibilidade de celebração de acordo, em sede de ação de improbidade administrativa, até o advento da inovação apresentada pela Lei nº 13.964/19. Referida lei trouxe o instituto denominado de acordo de não persecução cível, a respeito do qual se avaliou as regras, os requisitos, o procedimento e as implicações jurídicas da nova previsão legal. Mostra-se, dessa forma, o grande avanço na seara administrativa, a qual necessitava de um instrumento eficaz para maximizar as investigações dos atos ímprobos. Não obstante, também se demonstram algumas incongruências trazidas pela Lei nº 13.964/19, cujo entrave deverá ser superado para o progresso, ainda maior, da luta contra a corrupção.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Em sede de ato de improbidade administrativa, a redação original da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) vedava, de forma categórica, a realização de qualquer tipo de acordo no contexto das ações de improbidade, tudo diante da indisponibilidade do interesse público. Por sua vez, na prática, os Tribunais vinham reconhecendo a legitimidade dos acordos que eram celebrados no âmbito de tais demandas cíveis, uma vez que a realização destes acordos conferia maior efetividade às investigações dos atos ímprobos por eles abordados, já que contavam com a colaboração eficaz dos investigados na busca da verdade. Recentemente, a Lei nº 13.964/19, conhecida como Lei do Pacote Anticrime, encerrou esse entrave ao prever, na Lei de Improbidade Administrativa, a figura do acordo de não persecução cível, tema esse que é objeto da presente pesquisa científica. A relevância desse instituto se destacou nos dias atuais, sobretudo porque se trata de uma novidade eficaz na luta pelo fim da corrupção, proporcionando mais uma ferramenta ao aplicador do direito com o intuito de viabilizar, com sucesso, a conclusão das investigações dos atos ímprobos praticados por agentes públicos, com ou sem o auxílio de terceiros. Analisou-se, por ocasião do presente artigo científico, o novo instituto jurídico: o acordo de não persecução cível. Nessa oportunidade, avaliaram-se as regras, os requisitos, o procedimento e as implicações jurídicas da nova ferramenta no combate à corrupção. Paralelo a esse estudo, também se apontaram algumas incongruências apresentadas pela Lei nº 13.964/19, mas que deverão ser reparadas ao longo do tempo. De todo modo, ressalta-se que a presente pesquisa não visou o exaurimento de seu objeto, mormente porque se trata de novidade no campo de improbidade administrativa e ainda não há doutrina ou jurisprudência consolidada acerca do tema. Desse modo, foram trazidas as primeiras impressões sobre o novo instituto jurídico à luz da legislação vigente e das diretrizes já enraizadas no ordenamento jurídico. Para subsidiar esse trabalho científico, adotou-se o método dedutivo de pesquisa. Demonstraram-se, de início, os aspectos gerais em relação à possibilidade ou não, desde a implementação da Lei de Improbidade Administrativa, da celebração de acordo no âmbito da ação de improbidade administrativa. Em seguida, em um segundo momento, aferiu-se a inovação apresentada pela Lei nº 13.964/19, caminhando pelas regras e desdobramentos jurídicos da figura do acordo de não persecução cível. Por fim, quanto à técnica empregada para a materialização dessa pesquisa científica, buscou-se apoio no entendimento jurídico sufragado na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias, bem como à intenção do legislador ao criar o “Pacote Anticrime” em prol da luta contra a corrupção.   A Constituição Federal Brasileira tratou do tema de ato de improbidade administrativa no capítulo referente à Administração Pública, bem como o incluiu como uma das hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos, consoante se infere do trecho destacado a seguir:   “Art. 37, § 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.   Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (…) V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.”   Por sua vez, o art. 37, § 4º, da CF, por constituir uma norma de eficácia limitada, foi regulamentado pela Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). Referida lei prevê as características, modalidades, sanções e o processo relativos ao ato de improbidade administrativa. Em relação à abrangência do termo de improbidade administrativa, em linhas gerais, pode-se afirmar que ele não se restringe ao conceito de imoralidade. A respeito dessa distinção, aliás, ministra a eminente doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2005, p. 711)   “(…) Quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões improbidade e moralidade, porque aquela tem um sentido muito mais amplo e muito mais preciso, que abrange não só atos desonestos ou imorais, mas também e principalmente atos ilegais. Na lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429, de 2-6-92), a lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em lei.”   Visando aclarar o entendimento do aplicador do direito, a aplaudida lei trouxe, em seus artigos 9º, 10, 10-A e 11, as hipóteses legais em que restaria configurado o ato de improbidade, sem, contudo, esgotá-las. Trata-se, pois, de rol exemplificativo, devendo ser analisado o caso concreto. Visto isso e considerando que o objeto do presente artigo científico não é a análise aprofundada da norma da Lei de Improbidade Administrativa, passemos à análise e ao destaque das primeiras impressões (uma vez que, dada a recente novidade, ainda não há doutrina ou jurisprudência formada) a respeito do tema central desse trabalho.   Diferentemente do regramento conferido à ação civil pública, na qual é possível a realização de acordo, a antiga redação da Lei de Improbidade Administrativa vedava, categoricamente, a celebração de transação, acordo ou conciliação (art. 17, § 1º – antiga redação), independentemente do seu objeto, momento processual ou hipóteses de incidência na seara das ações de improbidade administrativa. Buscava-se, assim, assegurar a indisponibilidade do interesse público. Em meados do ano de 2013, contudo, foi criada a chamada Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846 2013), estabelecendo a responsabilidade, civil e administrativa, das pessoas jurídicas que cometam atos contra a administração pública. Na oportunidade, foi criada a figura do acordo de leniência, sob a supervisão do Tribunal de Contas da União (Instrução Normativa nº 74/15 do TCU). Sobre o laureado acordo de leniência, nas palavras de Pedro Canário (2020):   “(…) Foi prevista a primeira possibilidade de acordo envolvendo atos de improbidade administrativa. Mas a lei diz expressamente que esses acordos, chamados de acordo de leniência, só podem ser tocados pela Controladoria-Geral da União ou suas contrapartes nos estados e municípios, a depender de regulamentação local.” – grifos nossos   A título de curiosidade e estudo científico, confira-se o disposto no capítulo V da referida lei acerca do acordo de leniência:   “Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.” – grifos nossos   Nota-se do teor desse artigo que a lei não permitiu a realização de acordo de leniência pelo membro do Ministério Público. Apesar da falta de autorização legal, o que se notou, na prática, é que o Parquet firmou acordos de leniência em diversas oportunidades. Ato contínuo, o dispositivo legal supramencionado ainda traz outras condições, efeitos e processamento do acordo de leniência, a saber:   “§ 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: I – a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II – a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III – a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. 2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.” – grifos nossos   Todavia, em que pese a previsão normativa do instituto do acordo de leniência, ainda assim permanecia em vigor a vedação legal de realização de transação nas demandas de improbidade. Em 2015, porém, a norma do art. 17, § 1º, da LIA foi revogada pela Medida Provisória nº 703, derrubando essa proibição. Mas, logo em seguida, regressou ao arcabouço legal após a referida medida provisória perder sua eficácia quando de sua não aprovação pelo Congresso Nacional. É claro que, apesar da vedação da lei, os Tribunais vinham reconhecendo a legitimidade dos acordos de leniência celebrados no âmbito das demandas de improbidade no caso concreto, isso em razão da efetividade que eles proporcionavam às investigações dos atos ímprobos. Sobre esse ponto, discorre Felipe Luchete (2020):   “O fim de uma medida provisória que tentava regulamentar acordos de leniência “ressuscitou” dispositivo da Lei de Improbidade Administrativa que impede qualquer transação, acordo ou conciliação nesse tipo de processo. (…) Na prática, porém, negociações entre acusadores e investigados podem continuar, pois há precedentes judiciais e correntes no Direito que reconhecem a prática mesmo com a lei.” – grifos nossos   Em 2017, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 179/17, regulamentando o compromisso de ajustamento de conduta, firmado pelo Ministério Público, para a garantia dos direitos e interesses transindividuais. Na ocasião, foi previsto, em seu art. 1º, § 2º, que o Ministério Público também poderá firmar compromisso nas hipóteses de improbidade administrativa, a saber:   “É cabível o compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado.” – grifos nossos   Finalmente, a Lei nº 13.964/19 (Lei de aperfeiçoamento penal e processual penal ou Lei do Pacote Anticrime) trouxe, recentemente, a possibilidade de realização de acordo no âmbito das ações de improbidade administrativa. Trata-se do acordo de não persecução cível, o qual será objeto de análise do presente estudo científico. Passemos, agora, às primeiras reflexões acerca desse novo instituto criado no cerce do direito administrativo, também servindo como instrumento para os direitos difusos e coletivos. É claro que não se irá esgotar o tema, mas apenas iniciar o debate acerca dessa novidade.   O acordo de não persecução cível foi criado pela Lei nº 13.964/19 (Lei de Pacote Anticrime) e configura uma grande novidade no nosso ordenamento jurídico, que há anos carecia de regulamentação legal e específica para maximizar e legitimar a luta contra a corrupção no país. Paralelo a esse instituto, também foi criado o acordo de não persecução penal no âmbito criminal (art. 28-A e ss. do CPP), o qual já possuía previsão na Resolução nº 181/17 do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público).   3.1. Previsão Legal, Conceito, Natureza Jurídica, Legitimidade e Momento O novo instituto jurídico possui previsão no art. 17, § 1º, da Lei de Improbidade Administrativa, conforme se vê:   “Art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). As ações de que trata este artigo admitem a celebração de acordo de não persecução cível, nos termos desta Lei.      (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).” – grifos nossos   O acordo de não persecução cível configura um negócio jurídico, consistente em um acordo celebrado entre o Ministério Público, ou a pessoa jurídica lesada, e o investigado de atos ímprobos, antes do início da ação de improbidade (ou, para alguns, durante a própria demanda cível), permitindo, diante do estabelecimento e cumprimento de determinadas condições, a não instauração da alusiva ação cível. Por oportuno, destaca-se que, quanto ao momento para a celebração desse acordo, temos um tema polêmico e que será debatido a seguir. Por sua vez, extrai-se do conceito acima destacado que esse instituto possui natureza jurídica de negócio jurídico, vez que depende da declaração de vontade das partes para sua pactuação. O professor e doutrinador Flávio Tartuce (2014, p. 333) conceitua o negócio jurídico como sendo o:   “Fato jurídico, com elemento volitivo qualificado, cujo conteúdo seja lícito, visando a regular direitos e deveres específicos de acordo com os interesses das partes envolvidas. Diante de uma composição de vontade de partes, que dita a existência de efeitos, há a criação de um instituto jurídico próprio, visando a regular direitos e deveres.”   No mesmo sentido da concepção colacionada dispõem os eminentes juristas Antônio Junqueira de Azevedo (in Negócio Jurídico. Existência, validade e eficácia, 2002, p. 16) e Álvaro Villaça de Azevedo (in Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p. 169), ressaltando a importância da manifestação de vontade para a conclusão do negócio jurídico. Em outro ponto, o promotor de justiça Landolfo Andrade (2020) assevera, ainda, que os legitimados não estão obrigados a firmar a transação, não constituindo ela um direito subjetivo ao investigado por ato ímprobo. É o que se extrai de seu pensamento:   “Justamente em razão da sua natureza consensual bilateral, não estão os legitimados obrigados a propor o acordo[iii], assim como não se pode obrigar o agente ímprobo a firmá-lo. Por exemplo, pode o Ministério Público, a partir de um juízo de conveniência e oportunidade, ajuizar a ação de improbidade administrativa ou formalizar o acordo de não persecução cível. Deve-se verificar qual a situação mais adequada, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. É claro que se as condições se mostrarem favoráveis à celebração do acordo, deve-se privilegiar essa forma de solução do conflito, sendo dever tanto do Ministério Público como da Administração Pública buscar a solução negociada de forma exaustiva. Todavia, não existe para o agente ímprobo um direito subjetivo à celebração do acordo.” – grifos nossos   Em relação à legitimidade, apesar de carecer de regulamentação pormenorizada, mas em atenção ao veto do art. 17-A, caput e § 3º, da LIA e a sua respectiva razão (analisaremos adiante), entendemos que esse tipo de acordo pode ser celebrado tanto pelo Ministério Público quanto pela pessoa jurídica interessada. De outro lado, quanto ao momento para realização do acordo, destaca-se que havia permissão, no projeto final da Lei nº 13.964/19, para que o acordo de não persecução cível fosse celebrado durante o curso da ação de improbidade (art. 17-A, § 2º). Porém, esse artigo também foi vetado, em cujas razões se consignou:   “§ 2º do art. 17-A da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, alterado pelo art. 6º do projeto de lei (…) Razões do veto A propositura legislativa, ao determinar que o acordo também poderá ser celebrado no curso de ação de improbidade, contraria o interesse público por ir de encontro à garantia da efetividade da transação e do alcance de melhores resultados, compromete a própria eficiência da norma jurídica que assegura a sua realização, uma vez que o agente infrator estaria sendo incentivado a continuar no trâmite da ação judicial, visto que disporia, por lei, de um instrumento futuro com possibilidade de transação.” – grifos nossos   Nesse ponto, notamos que a razão do veto foi justamente a de impedir a realização do acordo de não persecução cível no curso da própria ação de improbidade, trazendo para momento anterior a sua celebração e visando não dar ensejo à persecução cível. Assim, à luz desse entendimento, demonstrou-se a intenção em restringir a pactuação desse acordo à fase extrajudicial, à semelhança do que ocorre com o acordo de não persecução penal (art. 28-A e ss. do CPP), o qual também é realizado antes do início da ação penal. É claro que a doutrina e a jurisprudência poderão se firmar em sentido contrário, justamente em razão do silêncio da lei. De fato, averígua-se que a Lei de Improbidade Administrativa nem autoriza e nem veda, de forma expressa, a celebração do acordo na fase judicial. Além disso, a permanência da regra do art. 17, § 10-A, como se verá mais abaixo, também poderá fortalecer essa corrente. Nesse sentido, aliás, já se posiciona Landolfo Andrade (2020) em artigo jurídico publicado no Blog Gen Jurídico (http://genjuridico.com.br/2020/03/05/acordo-de-nao-persecucao-civel/), entendendo pela possibilidade de realização do acordo de não persecução cível no bojo da própria ação de improbidade.   3.2. Requisitos e Procedimento Conquanto seja aplaudido o inédito instituto negocial, o acordo de não persecução cível carece, atualmente, de regulamentação de seus requisitos e processamento. Isso porque a disposição legal que regulamentava o acordo foi vetada, na íntegra, pelo Presidente da República.   3.2.1. Regulamentação vetada do acordo de não persecução cível: artigo 17-A da Lei nº 8.429/92 (vetado) O artigo 17-A da Lei de Improbidade Administrativa tratava de todo o processamento do novo acordo previsto na lei, porém acabou sendo vetado. Entretanto, vale a pena ser colacionado o seu teor no presente artigo para fins de estudo científico, a saber:   “Art. 17-A. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso concreto, celebrar acordo de não persecução cível, desde que, ao menos, advenham os seguintes resultados: (VETADO) I – o integral ressarcimento do dano; (VETADO) II – a reversão, à pessoa jurídica lesada, da vantagem indevida obtida, ainda que oriunda de agentes privados; (VETADO) III – o pagamento de multa de até 20% (vinte por cento) do valor do dano ou da vantagem auferida, atendendo a situação econômica do agente. (VETADO) plano judicial ou extrajudicial, deve ser objeto de aprovação, no prazo de até 60 (sessenta) dias, pelo órgão competente para apreciar as promoções de arquivamento do inquérito civil. (VETADO)   Como se vê, os dispositivos vetados traziam os requisitos e todo o trâmite a ser observado para a confecção do acordo de não persecução cível. O caput do artigo, juntamente com o seu § 1º, dispunham a respeito dos requisitos para a concessão desse benefício, analisando “as circunstâncias do caso concreto”. De outro lado, os incisos do art. 17-A traziam as condições que deviam ser observadas pelo investigado para que pudesse auferir esse benefício. Na sequência, a lei estabelecia o momento em que o acordo poderia ser celebrado (§ 2º) e os legitimados para a sua celebração (§ 3º). Regra interessante era a do § 4º, que previa que o acordo deveria ser objeto de aprovação prévia pelo “órgão competente para apreciar as promoções de arquivamento do inquérito civil”. Ressalta-se, que tal exigência não foi feita no âmbito do acordo de não persecução penal previsto no Código de Processo Penal. Por fim, somente após o cumprimento dessa exigência é que o acordo seria “encaminhado ao juízo competente para fins de homologação” (§ 5º), momento a partir do qual estaria apto para surtir seus efeitos.   3.2.2. Das razões do veto ao art. 17-A da Lei nº 8.429/92 Como já se comentou acima, toda a regulamentação do acordo de não persecução cível foi vetada. Nas razões do veto, consignou-se o seguinte:   “Caput e §§ 1º, 3º, 4º e 5º do art. 17-A da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, alterados pelo art. 6º do projeto de lei (…) Razões dos vetos “A propositura legislativa, ao determinar que caberá ao Ministério Público a celebração de acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa, contraria o interesse público e gera insegurança jurídica ao ser incongruente com o art. 17 da própria Lei de Improbidade Administrativa, que se mantém inalterado, o qual dispõe que a ação judicial pela prática de ato de improbidade administrativa pode ser proposta pelo Ministério Público e/ou pessoa jurídica interessada leia-se, aqui, pessoa jurídica de direito público vítima do ato de improbidade. Assim, excluir o ente público lesado da possibilidade de celebração do acordo de não persecução cível representa retrocesso da matéria, haja vista se tratar de real interessado na finalização da demanda, além de não se apresentar harmônico com o sistema jurídico vigente.” – grifos nossos   Nessa mensagem de veto, o Presidente da República menciona a possibilidade de celebração do acordo de não persecução cível também pela pessoa jurídica de direito público lesada pelo ato ímprobo, e não somente pelo órgão do Ministério Público. Deve-se abrir uma pausa para se fazer uma crítica nesse ponto: ora, essa razão do veto presidencial também foi usada para vetar os demais dispositivos legais, os quais, assevera-se, não correspondiam à matéria de legitimidade exclusiva do Ministério Público. Referiam-se, apenas, ao requisitos e processamento do acordo, não havendo razão – ao menos justificada expressamente – para o veto nesses casos. Superada essa crítica, destaca-se que também foram publicadas as razões do veto ao § 2º do art. 17-A, sob as quais já se argumentou acima.   3.2.3. Da interrupção do prazo para contestação diante da iminência de acordo: aparente contradição entre a regra do art. 17, § 10-A com a norma vetada do art. 17-A, § 2º A Lei nº 13.964/19 trouxe outra inovação legislativa a respeito do tema, a qual foi sancionada sem maiores indagações. Vejamos:   “§ 10-A. Havendo a possibilidade de solução consensual, poderão as partes requerer ao juiz a interrupção do prazo para a contestação, por prazo não superior a 90 (noventa) dias. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”   Nota-se que quando o artigo supracitado menciona o termo “solução consensual”, ele está se referindo ao acordo de não persecução cível, previsto no § 1º do art. 17, uma vez que o § 10-A destacado foi inserido na Lei de Improbidade Administrativa pela mesma lei que criou o acordo de não persecução cível. Entretanto, adverte-se que a norma do novo § 10-A do art. 17 (“interrupção do prazo para a contestação”) vai de encontro às razões do veto à norma travada no § 2º do art. 17-A, que proibia a realização de acordo durante o curso da ação de improbidade. Isso porque o § 10-A dá a entender que a possibilidade de acordo será realizada no curso da ação cível, uma vez que cita a expressão “prazo para a contestação”. Segundo a LIA, só há contestação após o recebimento da ação de improbidade, momento em que já se encontra instaurada a fase judicial. Ora, se não é possível propor acordo no curso da ação judicial (como queria o veto) também não faz sentido em se falar em “possibilidade de solução consensual” durante o prazo aberto para contestação, dentro da ação de improbidade e da própria fase judicial. Em que pese a contradição, o certo é que a permanência dessa regra no ordenamento jurídico (§ 10-A, art. 17) poderá fortalecer a corrente que sustentará a possibilidade de celebração do acordo de não persecução cível na fase judicial, já que existe uma regra vigente na Lei de Improbidade (§ 10-A, art. 17) que trata do acordo, ainda que indiretamente, no bojo da ação judicial. De toda sorte, em razão da recente normatização da regra no ordenamento jurídico, ainda deveremos esperar qual será o posicionamento da doutrina e da jurisprudência a respeito do tema, mas deixa-se registrada a contradição para efeito de debate jurídico.   3.2.4. Das regras a serem observadas em razão da ausência de regulamentação própria Diante do veto aos requisitos e às regras procedimentais para celebração do acordo de não persecução cível, esse instituto ficou sem regulamentação própria no ordenamento jurídico. Para o caso, Landolfo Andrade (2020) entende que:   “Diante da ausência de regulamentação, o próprio Conselho Nacional do Ministério Público pode regulamentar a matéria, em nível nacional, editando normas gerais a serem complementadas pelos Ministérios Públicos dos Estados e da União. Entendemos, também, que a própria Administração Pública poderá definir os parâmetros procedimentais e materiais a serem observados por seus entes na celebração dos acordos de não persecução cível.”   De toda forma, até que sobrevenha previsão por ato legal ou regulamentar para sistematizar a matéria, acredita-se que os transatores poderão se valer, no caso concreto e em atenção ao diálogo das fontes, da regulamentação de acordos semelhantes, como é o caso do acordo de leniência e do próprio acordo de não persecução penal, esse último cuja criação se deu na mesma ocasião – pela Lei nº 13.964/19 – do acordo de não persecução cível. Acredita-se, porém, que esse fator não será motivo para o impedimento da utilização desse instrumento, afinal já há notícias de seu manuseio, segundo os informes do Boletim de Notícias ConJur, por Tadeu Rover (2020): “o Ministério Público Federal em Goiás assinou seu primeiro acordo de não persecução cível e criminal com um ex-diretor de escola da rede pública estadual”. Resta, agora, aguardar o posicionamento da doutrina e jurisprudência nacionais sobre o tema.   CONCLUSÃO Depreende-se da análise feita nesse trabalho científico que o processo administrativo carecia de um instrumento que pudesse viabilizar, de forma efetiva, a a conclusão satisfatória das investigações de atos ímprobos, proporcionando a diminuição da corrupção no país. Não bastasse isso, verificou-se que esse cenário era encorajado pela própria Lei de Improbidade Administrativa, uma vez que ela trazia a vedação de realização de qualquer tipo de acordo em sede de ação de improbidade (art. 17, § 1º, da Lei nº 8.429/92 – LIA). É verdade que, na prática, os Tribunais vinham reconhecendo a legitimidade desses acordos realizados no caso concreto, porém destacou-se que o cenário carecia de regulamentação legal, a fim de conferir maior credibilidade e efetividade à transação na seara administrativa. Após várias tentativas e disposições normativas sem força de lei, recentemente, com a publicação da Lei do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), houve a criação da figura do acordo de não persecução cível. Analisou-se que esse instituto, finalmente, permitiu a celebração de acordo no âmbito das ações de improbidade. Todavia, aferiu-se que, embora a novidade seja benéfica, o acordo de não persecução cível não possui regulamentação própria a respeito de suas regras e processamento, uma vez que o artigo legal que tratava desses requisitos foi vetado pelo Chefe do Poder Executivo. Assinalou-se que apenas permaneceu em vigor o dispositivo normativo que permite a celebração de acordo de não persecução cível, sem mais detalhes, bem como outro artigo legal que interfere no procedimento da ação de improbidade e vai de encontro ao veto de uma das normas que tratava sobre o acordo. Como se trata de novidade, arremata-se que os entraves deverão ser analisados e solucionados, ao longo do tempo, pela doutrina e jurisprudência, bem como por uma nova regulamentação que tape as lacunas normativas deixadas. Apesar disso, não se pode deixar de reconhecer que já se conquistou mais um passo na direção da redução à corrupção.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/primeiras-notas-acerca-do-acordo-de-nao-persecucao-civel/
Pressupostos Da Responsabilidade Civil Subjetiva Do Estado Constitucional
Tratar-se-á este trabalho dos pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil subjetiva do Estado por omissão. Para atingir tal desiderato, haverá a demonstração da evolução da disciplina da responsabilidade civil estatal no direito pátrio, como se encontra positivado no atual ordenamento jurídico e, por fim, serão mostrados julgados dos tribunais superiores que acataram a modalidade subjetiva da responsabilidade civil do Estado. A pesquisa terá por base a análise bibliográfica a respeito do tema, partindo-se da regra insculpida no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, adotando-se o método dedutivo.
Direito Administrativo
Introdução A presente pesquisa tem por objeto esclarecer quais seriam os pressupostos necessários para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva do Estado. Porém, mesmo que a norma do artigo 37, §6º, da Constituição Federal de 1988 parece ter atribuído única e exclusivamente a modalidade da responsabilidade civil objetiva no ordenamento jurídico para as pessoas ali elencadas, em várias situações a jurisprudência e a doutrina estabelecem também a modalidade da responsabilidade civil subjetiva em determinadas situações. Isto decorreu da crescente judicialização no âmbito de tal matéria tendente a afastar a modalidade objetiva da responsabilidade estatal para dar espaço à modalidade subjetiva. Isso se deu devido à incapacidade do Poder Público em conseguir tutelar o interesse de todos e em evitar a criação de danos aos seus subordinados, uma vez que o agir estatal sempre estará condicionado à lei e em determinadas situações é impossível exigir do referido ente uma conduta assecutória dos direitos de seus indivíduos. Em virtude de tal situação, em princípio, surgem as seguintes dúvidas a serem solucionadas no transcorrer da pesquisa: a) é possível atribuir sempre a responsabilidade civil em sua forma objetiva quando o Estado causa lesão a um terceiro?; b) o artigo 37, §6º, da Constituição Federal deve ser interpretado em sua literalidade, isto é, deve-se levar em conta que só há uma forma de responsabilização do Estado por seus atos?; c) quais são os critérios para se identificar a responsabilidade civil subjetiva do Estado? d) a jurisprudência dos tribunais pátrios superiores tem aceitado a existência da responsabilidade civil subjetiva do Estado? Para tanto, poder-se-ia supor, respectivamente, o seguinte: a) por mais que haja um comando constitucional inserto no artigo 37, §6º, que dá a entender somente existir uma única modalidade de responsabilidade civil do Estado, existem casos em que há uma predominância do princípio da reserva do possível, isto é, não se pode responsabilizar todos as condutas estatais, sejam elas lícitas e ilícitas, levando-se em consideração somente o aspecto objetivo. A aferição da culpa em determinados casos é medida que se impõe, mormente quando se trata na impossibilidade de a Administração suprir todas as necessidades de seus subordinados; b) não deve haver somente uma interpretação acerca do artigo 37, §6º, da Constituição Federal. A doutrina e até mesmo a jurisprudência adotam a teoria da responsabilidade civil subjetiva do Estado, quando o serviço público não funcionou quando deveria, funcionou mal ou funcionou com atraso. Todos se encaixam na expressão “faute du service”; c) Para que haja a caracterização da responsabilidade civil subjetiva, é necessário que haja a inexistência de um serviço público quando este deveria existir, o mau funcionamento de um serviço público, e o funcionamento de um serviço público com atraso; d) a jurisprudência dos tribunais superiores têm aceitado a aplicação da teoria da responsabilidade civil em sua modalidade subjetiva. Para a realização deste estudo, utilizar-se-á a pesquisa bibliográfica, partindo-se da regra insculpida no artigo 37, §6º, da Constituição Federal. O comando Constitucional traz consigo norma de caráter geral, o que implica dizer se tratar de situações genéricas tuteladas pelo aludido texto. Diante disso, a pesquisa será elaborada com base no método dedutivo, conduzindo os estudos de uma situação geral, no caso do artigo citado anteriormente, até suas particularidades aplicáveis aos casos concretos. Serão expostas opiniões doutrinárias que admitem o afastamento da responsabilidade civil objetiva, bem como decisões judiciais dos tribunais superiores brasileiros, que admitam a configuração da responsabilidade civil extracontratual subjetiva como forma de comprovação da incidência da responsabilidade tema deste trabalho. Ter-se-á por objetivo principal apresentar quais são os requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade civil do Estado em sua modalidade subjetiva. Como desdobramento deste, alia-se a pretensão de, primeiramente, traçar um rápido panorama da evolução da responsabilidade estatal; em seguida, analisar como se dá a interpretação do artigo 37, §6º, da Constituição Federal; após, trazer os requisitos necessários para a caracterização da modalidade subjetiva da responsabilidade civil do Estado; e, por fim, colacionar julgados dos tribunais pátrios que evidenciam como se dá a responsabilização civil do Estado na modalidade subjetiva. Nestas condições, em razão da crescente judicialização no âmbito de tal matéria tendente a afastar a modalidade objetiva da responsabilidade estatal para dar espaço à modalidade subjetiva, torna-se conveniente e viável analisar e apresentar, ainda que modestamente, quais seriam os pressupostos balizadores da responsabilização civil subjetiva do Estado.   1.1. Considerações iniciais Os movimentos constitucionalistas iniciados no século XVIII trouxeram a necessidade de se construir Estados sob os auspícios de uma Lei Maior, dotada de força normativa e de arquétipos que legitimassem a soberania do ente estatal, tomando como contrapartida a garantia de se proporcionar aos seus súditos as condições necessárias para o seu desenvolvimento. A submissão de todos ao império da lei é medida que se impõe, sendo que a violação de alguma disposição normativa apta a causar lesão na esfera jurídica de terceiros traz como consequência a reparação do dano. Hewerstton Humenhuk (2016, p. 24) utiliza a máxima da divisão equitativa entre ônus e encargos de todos os membros da sociedade, remontando ao artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que segundo a lição de Latournerie, “a igualdade de todos perante os encargos públicos não é a fundamentação constitucional única do regime de responsabilidade do Estado, mas tão somente um desdobramento do princípio da legalidade que exsurge na reponsabilidade sem culpa (HUMENHUK, 2016, p. 24)”. Remonta-se, a partir daí, à noção de responsabilidade, que segundo José dos Santos Carvalho Filho (2018, p. 656) se traduz como “a circunstância de que alguém, o responsável, deve responder perante à ordem jurídica em virtude de algum fato precedente”. A assertiva traz à baila dois elementos: o fato danoso e a imputabilidade a determinada pessoa. De fato, há que se falar em fato danoso como aquele apto a ensejar determinada situação prevista no ordenamento jurídico e que cause dano a terceiro. Por outro lado, a imputabilidade é condição em que alguém dá causa a determinado evento danoso, estando legitimado a responder por sua conduta. Esses elementos, quando reunidos, caracterizam a chamada responsabilidade. O fato gerador de uma determinada responsabilidade amolda-se conforme a natureza da norma jurídica aplicável àquela situação, podendo cumular-se ou não. Segundo os ensinamentos de José dos Santos Carvalho Filho (2018, p. 657), “podem, eventualmente, conjugar-se as responsabilidades, mas isso só vai ocorrer se a conduta violar, simultaneamente, normas de naturezas diversas. No crime de peculato (art. 312, CP), por exemplo, o servidor que se apropria indevidamente de bem público sob sua custódia tem, cumulativamente, responsabilidade penal, civil e administrativa, porquanto sua conduta violou, simultaneamente, esses três tipos de norma. ” A norma cujo conteúdo esteja previsto em uma lei penal ensejará, quando violada, uma responsabilidade penal; uma norma jurídica que contenha disposições de natureza civil, quando violada, acarreta para o agente uma responsabilidade civil; e uma norma que possua natureza administrativa traz como consequência de sua não observância uma sanção administrativa.   1.2. Conceito O Estado, na perseguição dos fins que lhe foram impostos por algum comando normativo, pode acabar prejudicando um determinado indivíduo, que passa a suportar um ônus maior em relação a seus semelhantes. O evento danoso daí resultante acarreta uma espécie de responsabilidade ao ente público. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p. 667) alude à amplitude do alcance da expressão responsabilidade do Estado. Segundo a autora “trate-se de dano resultante de comportamentos do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário, a responsabilidade é do Estado, pessoa jurídica; por isso é errado falar em responsabilidade da Administração Pública, já que esta não tem personalidade jurídica, não é titular de direitos e obrigações na ordem civil. A capacidade é do Estado e das pessoas jurídicas públicas ou privadas que o representam no exercício de parcela de atribuições estatais. E a responsabilidade é sempre civil, ou seja, de ordem pecuniária. ” (destaques no original) Por outro lado, Hely Lopes Meirelles (2015, p. 779) é preferível falar-se em responsabilidade da Administração Pública, uma vez que, “[…] em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração, e não de atos do Estado como entidade política”. Para o autor, são os atos da Administração Pública, por meio de seus órgãos administrativos, que emergem a obrigação de indenizar, e não os atos de governo. Convém esclarecer haver uma distinção entre responsabilidade de cunho contratual e extracontratual em relação ao Estado. Esta refere-se “a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos. (MELLO, 2009, p. 883) ”. Aquela remete ao descumprimento de cláusulas oriundas de uma avença formalizada entre um particular e o Poder Público, matéria esta afeta à disciplina de contratos administrativos.   1.3. Distinções necessárias O estudo da responsabilidade civil do Estado comporta distinções fundamentais diferenciando-se de institutos semelhantes (CUNHA JÚNIOR, 2015). Fala-se em responsabilidade administrativa do Estado aquela à qual o mesmo se submete a um dever jurídico-político de exercer, conforme imposição da ordem jurídica, a gestão pública conforme os interesses da coletividade. Isso significa dizer que a administração da coisa pública deve ser realizada levando-se em consideração critérios que possam nortear o correto funcionamento da máquina estatal, mormente aqueles estampados no artigo 37, caput, da Constituição Federal. A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparação de danos causados a terceiros em virtude de comportamentos adotados pelo Poder Público, sejam eles materiais ou jurídicos, comissivos ou omissivos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos (DI PIETRO, 2018). Em relação a esta imputabilidade aos agentes públicos, Alexandre Mazza (2016, p. 515) traz interessante lição: “A moderna teoria do órgão público sustenta que as condutas praticadas por agentes públicos, no exercício de suas atribuições, devem ser imputadas ao Estado. Assim, quando o agente público atua, considera-se que o Estado atuou. Essa noção de imputação é reforçada também pelo princípio da impessoalidade, que assevera ser a função administrativa exercida por agentes públicos “sem rosto”, por conta da direta atribuição à Administração Pública das condutas por eles praticadas”. (destaques no original) O regime jurídico aplicado ao Poder Público diferencia-se daquele aplicado ao direito privado. Em razão disso, a responsabilização do ente estatal se dará observando-se os princípios informativos do regime jurídico de direito Público. No que toca à responsabilidade civil no direito privado, as pessoas submetidas a este regime respondem pelos danos causados a terceiros observando os critérios estabelecidos pelo direito privado (CUNHA JÚNIOR, 2015). Vale lembrar que a Administração Pública indireta que possua um ente dotado de personalidade jurídica de direito privado com a finalidade de exploração econômica submete-se ao regime jurídico do direito privado. Para tanto, é necessário que haja um relevante interesse coletivo e imperativo de segurança nacional, conforme aduz o artigo 170, caput, e §1º, inciso II, da Constituição Federal. A responsabilidade civil do Estado se diferencia do chamado “sacrifício de direito”, embora em ambos haja a necessidade de indenização, por parte do ente estatal, pelo dano causado. Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 984), existe uma obrigação, “[…] a cargo do Poder Público, de indenizar os particulares naqueles casos em que a ordem jurídica lhe confere o poder de investir diretamente contra o direito de terceiros, sacrificando certos interesses privados e convertendo-os em sua correspondente expressão patrimonial. ” (destaques no original) Ainda segundo o autor (idem, 2009, p. 985), “[…] caberá falar em responsabilidade do Estado por atos lícitos nas hipóteses em que o poder deferido ao Estado e legitimamente exercido acarreta, indiretamente, como simples consequência – não como finalidade própria –, a lesão a um direito alheio. ” (destaques no original) O próprio ordenamento jurídico prevê situações em que haverá sacrifício de um interesse individual em benefício de um interesse coletivo. Assim, nasce para o lesado o direito de ser ressarcido pelo dano sofrido pela conduta estatal visando a garantia de um interesse maior. Com efeito, há um conteúdo intrínseco que a ordem jurídica confere ao Poder Público de penetrar na esfera jurídica de um particular, visando aniquilar um direito seu para a consecução de um objetivo mais amplo. Por outro lado, a responsabilização civil estatal estaria ligada à ausência de finalidade imediata de se produzir um dano, mas que acaba sendo gerado a um particular e que por isso nasceria a obrigação do devido ressarcimento (CUNHA JÚNIOR, 2015).   1.4. Evolução teórica Durante muito tempo, o tema da responsabilidade civil do Estado foi tratado de forma não unânime, inexistindo uma teoria que consolidasse um regime jurídico capaz de abarcar todas as hipóteses (DI PIETRO, 2018). A regra que vigorou por muito tempo foi a irresponsabilidade do Estado; depois, foi criada a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa; e por fim, evoluiu-se para a responsabilidade objetiva, a qual não leva em consideração a caracterização da culpa em sua acepção mais ampla. Deve-se levar em consideração os trabalhos desenvolvidos pelo Conselho de Estado Francês em razão dos trabalhos jurisprudenciais ali realizados e que influenciaram o direito europeu-continental (MELLO, 2009; DI PIETRO, 2018). A doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p. 888) apresenta um esquema bastante didático a respeito do tema, dividindo as fases da evolução da responsabilidade estatal em: A autora ainda alerta sobre a dificuldade de consenso entre os vários autores em relação à terminologia do tema, uma vez que “o que alguns chamam de culpa civil outros chamam de culpa administrativa; alguns consideram como hipóteses diversas a culpa administrativa e o acidente administrativo; alguns subdividem a teoria do risco em duas modalidades, risco integral e risco administrativo. ” (Idem, ibidem) Será adotado o modelo proposto pela autora, levando-se em consideração eventuais observações pertinentes ao estudo do presente assunto tecidas por outros autores.   1.4.1. Teoria da irresponsabilidade (regalista ou regaliana) Esta teoria vigorou na época dos chamados Estados Absolutistas, estando intimamente ligada à própria ideia de soberania, já que o Estado estaria numa posição de superioridade em relação aos seus súditos. Neste período operavam-se as máximas the king can do no wrong e le roi ne peaut mal faire (ambas indicando que o rei não podia errar), bem como a expressão latina quod principi placuit habet legis vigorem, isto é, aquilo que agrada ao príncipe tem força de lei (DI PIETRO, 2018). Essa situação de irresponsabilidade do Estado, mormente destacada na figura do soberano, refletia a situação político teológica vigente à época, onde o poder do monarca era uma dádiva recebida de alguma divindade, o que lhe conferia o atributo de representante do ser sobrenatural no mundo profano (MAZZA, 2016). Em casos restritos, haveria a responsabilidade estatal materializada na imputação a um funcionário público por seu comportamento, temperando a teoria em comento (MELLO, 2009). Esta teoria foi abandonada em razão de sua visível injustiça. Em outras palavras, “se o Estado deve tutelar o direito, não pode deixar de responder quando, por sua ação ou omissão, causar danos a terceiros, mesmo porque, sendo pessoa jurídica, é titular de direitos e obrigações”. (DI PIETRO, 2018, p. 889) Em razão da eclosão do Estado de Direito, o Poder Público equiparou-se ao particular em relação à submissão aos ditames legais, passando a responder por seus atos perante o ordenamento jurídico, o que ceifou sua irresponsabilidade perante terceiros. Os últimos países a não utilizarem mais a teoria da irresponsabilidade estatal foram Estados Unidos e Inglaterra, por meio do Federal Tort Claim Act, de 1946, e a Crown Proceeding Act, de 1947, respectivamente.   1.4.2. Teorias civilistas e a culpa administrativa como forma intermediária Abandonada a irresponsabilidade estatal, houve a formulação da teoria de responsabilidade civil do Estado com base na ação culposa de seu agente. Inaugurava-se a era da teoria civilista da culpa, uma vez que se utilizava de regras que pertenciam ao Direito Civil. Num primeiro momento, havia a distinção entre atos de império e atos de gestão. Segundo Di Pietro (2018, p. 889), “os primeiros seriam os praticados pela Administração com todas as prerrogativas e privilégios de autoridade e impostos unilateral e coercitivamente ao particular independentemente de autorização judicial, sendo regidos por um direito especial, exorbitante do direito comum, porque os particulares não podem praticar atos semelhantes; os segundos seriam praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares, para a conservação e desenvolvimento do patrimônio público e para a gestão de seus serviços; como não difere a posição da Administração e a do particular, aplica-se a ambos o direito comum. ” A diferenciação é importante na medida em que houve uma flexibilização da teoria da irresponsabilidade estatal. Não haveria a responsabilização do rei quando este exercesse os atos de império. Por outro lado, haveria a responsabilização do Estado por atos de gestão. Era difícil estabelecer quais atos seriam considerados atos de gestão, o que fez com que tal teoria não fosse recepcionada por muitos autores por sob o argumento de que não se poderia fracionar a personalidade jurídica do Estado.   1.4.3. Teorias publicistas Segundo Hely Lopes Meirelles (2015), a doutrina de Direito Público buscou solucionar a questão da responsabilidade civil do Estado adotando critérios estritamente objetivos, utilizando a responsabilidade sem culpa ou fundada numa culpa especial do serviço público quando houvesse lesão a terceiros. O marco inicial deu-se com o caso Blanco, ocorrido em 1873. A doutrinadora Di Pietro (2018, p. 890) assim explica: “[…] a menina Agnés Blanco, ao atravessar uma rua da cidade de Bordeaux, foi colhida por um vagonete da Cia. Nacional de Manufatura do Fumo; seu pai promoveu ação civil de indenização, com base no princípio de que o Estado é civilmente responsável por prejuízos causados a terceiros, em decorrência de ação danosa de seus agentes. Suscitado conflito de atribuições entre a jurisdição comum e o contencioso administrativo, o Tribunal de Conflitos decidiu que a controvérsia deveria ser solucionada pelo tribunal administrativo, porque se tratava de apreciar a responsabilidade decorrente de funcionamento do serviço público. Entendeu-se que a responsabilidade do Estado não pode reger-se pelos princípios do Código Civil, porque se sujeita a regras especiais que variam conforme as necessidades do serviço e a imposição de conciliar os direitos do Estado com os direitos privados. “ As teorias publicistas ganharam destaque com o aludido fato, trazendo consigo suas ramificações: teoria da culpa do serviço ou da culpa administrativa e teoria do risco, esta desdobrada, segundo alguns autores, em teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.   1.4.3.1. Teoria da culpa administrativa A chamada teoria da culpa administrativa foi criada por Paul Duez, conforme explicação de Carvalho Filho (2018, p. 660), para o qual “o lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano. Bastava-lhe comprovar o mau funcionamento do serviço público, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou”. Trata-se de uma forma intermediária entre a culpa regida pelo Direito Civil a teoria objetiva da culpa administrativa. Procurou-se, com esta teoria, tentar desvencilhar a ideia de culpa do funcionário da culpa do Estado, atribuindo-a como uma culpa anônima do serviço público, ou pela expressão faute du service. Para a configuração da modalidade em tela, poderiam ser consideradas três situações: a inexistência do serviço, seu mau funcionamento ou seu funcionamento com atraso. Será melhor explicado esta modalidade na seção III deste trabalho, por ser a questão principal a ser elucidada.   1.4.3.2. Teoria da responsabilidade objetiva O direito moderno consagrou a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado. Segundo esta teoria, seria prescindível a verificação do elemento subjetivo, isto é, a culpa, em relação ao fato danoso. Bastaria haver um dano oriundo de alguma conduta estatal, evidenciado logicamente por um nexo causal entre ambos, transferindo a discussão acerca sobre a culpa em seu sentido mais amplo para eventual ação regressiva por parte do Estado contra o agente público causador do dano em razão da condenação do ente público no dever de indenizar um terceiro pelo ônus excessivamente suportado (MAZZA, 2016). Esta teoria está intimamente ligada à distribuição dos encargos entre todos devido ao fato de se encontrarem em condições de igualdade, sendo evidenciada no artigo 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789. A máquina estatal, dotada de estrutura condicionante da atuação de seus subordinados, coloca-se numa posição superior em relação aos seus subordinados. Para tanto, houve a assunção de riscos inerentes à sua atuação, já que sua própria condição de beneficiário de prerrogativas e poderes diferenciados colocariam o sujeito particular numa posição bem vulnerável, daí correto em se afirmar que sua atuação propõe um risco bastante elevado. A título de exemplo, caso o Estado cause um dano, responde como se fosse uma empresa de seguro que se mantém por meio das contribuições de seus segurados (os cidadãos), que pagam os tributos, formando uma espécie de patrimônio coletivo (CRETELLA JÚNIOR apud DI PIETRO, 2018). Para explicar a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado há que se atentar para o surgimento de duas correntes. Segundo Hely Lopes Meirelles (2016), haveria o chamado risco administrativo quando houvesse uma lesão a terceiro em virtude de uma conduta do Poder Público, bastando haver um nexo causal entre o fato e a conduta imputada ao Estado. O diferencial desta teoria seria a possibilidade conferida à administração de atenuar os efeitos da condenação lhe imposta eventualmente caso comprovasse que a vítima concorreu para o evento danoso. Isso denota que não haveria uma responsabilidade civil objetiva ilimitada. Em contrapartida, haveria o risco integral demonstra uma ala mais radical. Segundo esta teoria, é prescindível a demonstração de culpa concorrente da vítima para a ocorrência do fato danoso, bastando haver um nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano. Em todos os casos sempre haveria responsabilidade civil objetiva por parte do Poder Público. A referida teoria ainda se desdobra numa outra, chamada teoria do risco social. Seria nada mais nada menos do que uma socialização dos riscos, de modo que o foco seria a vítima e não o autor do dano. O encargo de se ressarci-la por eventual prejuízo ficaria a cargo de toda a coletividade. Conforme já explicado no tópico 1.1 deste trabalho, o risco social baseia-se no princípio da repartição dos encargos, segundo Carvalho Filho (2018, p. 661): “além do risco decorrente das atividades estatais em geral, constituiu também fundamento da responsabilidade objetiva do Estado o princípio da repartição dos encargos. O Estado, ao ser condenado a reparar os prejuízos do lesado, não seria o sujeito pagador direto; os valores indenizatórios seriam resultantes da contribuição feita por cada um dos demais integrantes da sociedade, a qual, em última análise, é a beneficiária dos poderes e das prerrogativas estatais. “ Di Pietro assinala que a discussão entorno da terminologia referente ao assunto não é unânime. Para a autora, “todos parecem concordar em que se trata de responsabilidade objetiva, que implica averiguar se o dano teve como causa o funcionamento de um serviço público, sem interessar se foi regular ou não. Todos também parecem concordar em que algumas circunstâncias excluem ou diminuem a responsabilidade do Estado. ” (DI PIETRO, 2018, p. 892) Saliente-se que existem casos previstos na Constituição Federal que ensejam somente a responsabilidade civil objetiva diante da gravidade de certos eventos, adotando a teoria do risco integral. Tome-se como exemplo a responsabilidade oriunda de acidentes nucleares, previsto no artigo 21, inciso XXIII, alínea “d”, da Constituição Federal.   2.1. Evolução Em toda a história do direito pátrio não houve o acolhimento da teoria da irresponsabilidade estatal. Na obra de Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 1015-1016), há interessante citação de Amaro Cavalcante, para quem “(…) no Brasil nunca se ensinou ou prevaleceu a irresponsabilidade do Estado pelos atos lesivos de seus representantes. Se não havia nem há uma disposição de lei geral, reconhecendo e firmando a doutrina da responsabilidade civil do Estado, nem por isso menos certo que essa responsabilidade se acha prevista e consignada em diversos artigos de leis e decretos particulares; (…) a teoria aceita no país tem sido sempre a do reconhecimento da aludida responsabilidade, ao menos em princípio (…). ” De fato, as constituições de 1824 e 1891, nos artigos 179, inciso XXIX e artigo 82, respectivamente, não previam a responsabilização estatal em razão de danos causados aos particulares. O que havia previsto em legislações esparsas era a responsabilidade pessoal do funcionário por sua conduta lesiva, e em outros casos a responsabilidade solidária entre a Fazenda pública e o agente público por danos causados na prestação de serviços, como por exemplo transporte ferroviário e correios (DI PIETRO, 2018; MAZZA, 2016). O Código Civil de 1916, seguindo a doutrina subjetivista da responsabilidade civil, dispôs em seu artigo 15 que as pessoas jurídicas de direito público seriam civilmente responsáveis pelos atos de seus representantes que estivessem contrário ao direito ou que agissem faltando ao dever prescrito por lei, ressalvado o direito de regresso do Estado contra os causadores do dano. A imprecisão do legislador deu margem à diferentes interpretações por parte dos doutrinadores à época. Alguns diziam haver a responsabilização do Estado perante os prejuízos causados na modalidade da culpa; outros já anunciavam a incidência da responsabilidade objetiva. Neste ponto específico, precisa é a lição de José dos Santos Carvalho Filho (2018, p. 893), para quem “a expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei conduzia à ideia de que deveria ser demonstrada a culpa do funcionário para que o Estado respondesse” (destaques no original) Hely Lopes Meirelles (2016) também compartilha o mesmo posicionamento, sendo que “o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado” As Constituições Federais de 1934 (artigo 171) e 1937 (artigo 158) mantiveram a sistemática do Código Civil de 1916, somente acrescentando a responsabilidade solidária entre o agente público e o Estado em razão da conduta daquele que causasse prejuízo a terceiros. Foi a partir da Constituição de 1946, em seu artigo 194, que foi sedimentado no ordenamento jurídico a responsabilização do Estado por danos causados aos particulares na modalidade objetiva, havendo então a transferência das discussões envolvendo a culpa ou o dolo do campo da ação indenizatória para a ação regressiva a ser proposta pelo Estado em face do agente público (MAZZA, 2016). Impende destacar também que, diante de sua incompatibilidade com a regra prevista no artigo 15 do Código Civil vigente à época, houve a derrogação em parte deste dispositivo legal, que nas palavras de Hely Lopes Meirelles (2016, p. 784), “só louvores merece a diretriz constitucional, mantida na vigente Constituição (art. 37, § 6º), que harmoniza os postulados da responsabilidade civil da Administração com as exigências sociais contemporâneas, em face do complexo mecanismo do Poder Público, que cria riscos para o administrado e o amesquinha nas demandas contra a Fazenda, pela hipertrofia dos privilégios estatais. ” A Carta de 1967, no artigo 105, bem como a Emenda Constitucional nº 1 de 1969 mantiveram o comando contido na Lex Magna de 1946, acrescentando somente o fato da culpa ou o dolo serem analisados em sede de ação regressiva, restando claro que o Estado sempre responderia por sua conduta lesiva de maneira objetiva (MAZZA, 2016). Encerrando o ciclo de análises constitucionais, a Carta Magna de 1988, em seu artigo 37, §6º, também manteve a modalidade objetiva da responsabilidade civil extracontratual estatal, estendendo-a também às pessoas jurídicas de direito privado que, porventura, recebessem delegações do Poder público para a prestação de serviços públicos: “Art. 37. (…) §6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. ” O texto acima transcrito comprova a adoção do modelo de responsabilidade civil extracontratual objetiva sob a modalidade do risco administrativo. Significa dizer que o Estado responderá pelos danos causados em virtude de suas condutas sem se aferir eventual culpa ou dolo, somente eximindo-se de tais obrigações em hipóteses previstas no ordenamento jurídico. O artigo 43 do Código Civil de 2002 manteve a orientação constitucional, no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público interno que causarem danos a terceiros devem responder objetivamente, ressalvado o direito de regresso das mesmas em face do agente estatal.   2.2. Disciplina atual 2.2.1. Elementos caracterizadores Diante do que foi normatizado no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, exige-se somente três elementos para se averiguar a responsabilização estatal: ato, dano e nexo causal (MAZZA, 2016).   2.2.1.1. O ato Em relação ao ato, este é imputado aos agentes que exercem funções delegadas pelo Estado. É possível, seguindo a lição de José dos Santos Carvalho Filho (2018), dividir esta imputabilidade em três partes interdependentes: os sujeitos responsáveis, os agentes do Estado e a duplicidade de relações jurídicas Há a distinção entre os sujeitos responsáveis na medida em que a letra constitucional atribui tanto às pessoas jurídicas de direito público como às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público a responsabilidade civil objetiva em razão de suas condutas danosas à esfera jurídica de um terceiro. Na primeira hipótese, são objetivamente responsáveis as pessoas jurídicas que compõem a Administração Direta e Indireta, seja da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal. Na segunda hipótese, a intenção do legislador foi “a de igualar, para fins de sujeição à teoria da responsabilidade objetiva, as pessoas de direito público e aquelas que, embora com personalidade jurídica de direito privado, executassem funções que, em princípio, caberiam ao Estado. Com efeito, se tais serviços são delegados a terceiros pelo próprio Poder Público, não seria justo nem correto que a só delegação tivesse o efeito de alijar a responsabilidade objetiva estatal e dificultar a reparação de prejuízos pelos administrados. ” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 664) Dada a imprecisão de se apontar quais seriam as pessoas delegadas, as variadas formas de delegação bem como a imprecisão do que viria a ser serviço público, parte-se do princípio de que as pessoas jurídicas privadas da Administração Indireta que sejam constituídas para a execução de serviços públicos, as permissionárias e as concessionárias de tais serviços encaixam-se no regime de responsabilidade atribuído pela norma constitucional ao Estado (artigo 175 da Constituição Federal). Excetuam-se, obviamente, aquelas destinadas à exploração de atividade econômica, como é o caso das empresas públicas e sociedades de economia, dada a sua natureza de direito privado submetidas à disciplina da legislação civil, nos exatos termos do artigo 173, §1º, da Constituição Federal (CARVALHO FILHO, 2018). No que tange à responsabilização civil dos concessionários de serviço público o Supremo Tribunal Federal, em 16 de novembro de 2015, decidiu no julgamento do RE 262.651/SP que a responsabilidade civil seria somente objetiva em relação aos usuários do serviço público e subjetiva perante terceiros não usuários de tais serviços. Porém, o entendimento foi alterado em 26 de outubro de 2009 por meio do julgamento do RE 591.874/MS, no qual a responsabilidade civil de concessionária de serviço público seria objetiva perante os usuários e os terceiros não beneficiários do serviço (MAZZA, 2016). No que toca aos agentes do Estado, convém destacar que a norma disciplinadora da responsabilidade estatal traz a expressão “nessa qualidade”, digna de comentários. O constituinte filiou-se à teoria da imputação volitiva, criação do alemão Otto Gierke. Segundo ele, a responsabilização do Estado só ocorrerá se alguém, estando na qualidade de agente público, cause dano a terceiro em razão de sua atuação devidamente autorizada pelo Estado (MAZZA, 2016). O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 327.907/SP, deixou assentado a adoção, pelo Texto Constitucional, da referida teoria. Segundo Alexandre Mazza (2016), são três as consequências que a teoria da imputação volitiva traz: 1) Impede que seja proposta uma ação indenizatória diretamente contra o agente público se o dano foi causado em razão de sua atuação sob aquele status; 2) Não responsabiliza o Estado por condutas de seus agentes que não estejam no exercício de suas funções; 3) Autoriza o uso das prerrogativas que o cargo público oferece ao seu ocupante somente em seu efetivo desemprenho. Por fim, no que tange à duplicidade de relações jurídicas, há evidente separação de duas categorias com regimes jurídicos de responsabilidade distintos. Inicialmente, há uma relação entre o Estado e o lesado, sendo aquele responsável civilmente pelo prejuízo suportado pelo particular. Aqui não há a aferição de culpa ou dolo. Num segundo momento, a legislação refere-se à relação existente entre a máquina pública e o agente público. Aqui, ocorre o direito de regresso, no qual a prova da culpa ou dolo advinda da conduta danosa do agente estatal gera para o Estado o direito de ser ressarcido pelo prejuízo suportado, evidenciando assim o regime da responsabilidade civil subjetiva.   2.2.1.2. O dano Para muitos autores, o dano viria de uma conduta da Administração que se enquadrasse como sendo antijurídica o que, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018), torna-se imprescindível sua elucidação. Segundo a autora, o ato antijurídico não deve ser entendido como unicamente um ato ilícito, o que isentaria da devida indenização os danos advindos de uma obra pública vinculada à uma autorização legal para a execução do serviço em atendimento ao bem coletivo. O ato lícito também ensejará a responsabilidade objetiva estatal quando este “for entendido como ato causador de dano anormal e específico a determinadas pessoas, rompendo o princípio da igualdade de todos perante os encargos sociais. Por outras palavras, ato antijurídico, para fins de responsabilidade objetiva do Estado, é o ato ilícito e o ato lícito que cause dano anormal e específico.” (DI PIETRO, 2018, p. 895) Impende destacar que, segundo Alexandre Mazza (2016), o fundamento para o dever de indenizar proveniente de um ato ilícito nasce do princípio da legalidade, isto é, a conduta em descompasso com o ordenamento jurídico gera, no âmbito da responsabilidade civil, uma indenização de cunho patrimonial. Por outro lado, o dano provocado por um ato lícito obriga a uma reparação civil por conta da violação ao princípio da distribuição dos encargos sociais, este derivado do princípio da isonomia.   2.2.1.3. O nexo causal O nexo causal diz respeito à relação de causa e efeito entre o fato administrativo e o dano. Ao particular cabe somente demonstrar que o dano sofrido pelo mesmo foi criado por uma conduta imputada ao Estado, prescindindo-se a verificação de dolo ou culpa em relação à atuação do agente público (CARVALHO FILHO, 2018) A análise do liame entre o dano e sua imputabilidade à Administração é de suma importância, uma vez que a sua equivocada interpretação tem levado, em inúmeros casos, a uma responsabilização civil estatal de maneira descabida. Melhores são as palavras de José dos Santos Carvalho Filho ao tratar do entendimento dos estudiosos do assunto, trazendo a lição de Breno Luiz Weiler Siqueira, para quem “a responsabilidade objetiva fixada pelo texto constitucional exige, como requisito para que o Estado responda pelo dano que lhe for imputado, a fixação do nexo causal entre o dano produzido e a atividade funcional desempenhada pelo agente estatal. ” (SIQUEIRA apud CARVALHO FILHO, 2018, p. 669). Por conseguinte, presente os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil do Estado, nasce o direito para o particular de ser indenizado pelos prejuízos que sofreu, sem haver a necessidade de provar a culpa ou o dolo presentes na conduta da pessoa jurídica de direito público.   3.1. Pressupostos de sua incidência Superado o conceito de responsabilidade objetiva, estruturada sobre o manto da conduta, o dano e a relação de causa e efeito entre ambos, passa-se a conceituar o que seria então a responsabilidade subjetiva, bem como seus elementos definidores. Celso Antonio Bandeira de Mello (2009, p. 992) aduz que a “responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao Direito – culposo ou doloso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isto. ” Ainda segundo o autor (Idem, ibidem), em razão dos princípios publicísticos que orientam a atividade administrativa estatal, não é necessária a identificação de uma culpa individual, uma vez que seria esta substituída pela denominação francesa faute du service. A expressão revela haver a culpa do serviço ou a sua falta quando este não funciona, quando deveria ter funcionado, funciona atrasado ou funciona mal. Há um equívoco em se dizer que a responsabilização do Estado em razão da falta do serviço seja modalidade da responsabilidade objetiva. Isso porque “é responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo) ” (MELLO apud MELLO, 2009, p. 993). Para tanto, dois fatores podem ter contribuído para o surgimento do mal-entendido (MELLO, 2009). O primeiro reside no fato que a palavra faute foi traduzida como falta, o que induz em algo objetivo, quando na verdade sua correspondência exata, como definem os franceses, seria culpa, o que por si só afastaria a ideia de responsabilidade objetiva. O segundo concentra-se no fato de que, em inúmeros casos por faute du service, há uma necessária presunção de culpa, que se torna extremante difícil de se aferi-la ante a indubitável tentativa de se averiguar se a conduta estatal operou abaixo dos parâmetros tidos por eficazes e satisfatórios, ou seja, presentes a negligência, imprudência ou imperícia. Outrossim, conclui-se que há a distinção entre o que seja a objetividade de uma conduta e o que seja a objetividade da responsabilidade. Aquela será sempre factual, isto é, somente uma situação em concreto merecerá os holofotes do Direito, enquanto esta poderá se basear num elemento objetivo ou não (MELLO, 2009). O núcleo da discussão entorno da caracterização da responsabilidade civil subjetiva do Estado está exatamente estabelecido na interpretação do que viria a ser a ausência do serviço. Sabe-se que os danos causados por omissão não geram, em regra, a sua responsabilização. Advém de fatos ligados à ação da natureza ou empenhados por particulares. Porém, há a imputação à Administração Pública quando, tendo o dever de agir, não evitou ou minorou os efeitos do fato (DI PIETRO, 2018). O princípio da legalidade restringe a atuação da Administração Pública. Tal não é diferente no caso de uma conduta omissiva, uma vez que sua responsabilidade “só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 674), desde que haja lei que a obrigue a tomar providências no sentido de neutralizar e/ou prevenir danos oriundos de certos eventos previstos na ordem legal. Entende-se por conduta omissiva aquela baseada na “culpa in omittendo ou in vigilando. São casos de inércia, casos de não atos. Se cruza os braços ou se não vigia, quando deveria agir, o agente público omite-se, empenhando a responsabilidade do Estado por inércia ou incúria do agente. Devendo agir, não agiu. Nem como o bonus pater familiae, nem como bonus administrator. Foi negligente. Às vezes imprudente ou até imperito. Negligente, se a solércia o dominou; imprudente, se confiou na sorte; imperito, se não previu a possibilidade de concretização do evento. Em todos os casos, culpa, ligada à ideia de inação, física ou mental. ” (CRETELLA JÚNIOR apud DI PIETRO, 2018, p. 898-899) É necessário destacar que a sua atuação estatal se limita ao que lhe seja exigível e possível de fazer. Tal ideia deriva do princípio da reserva do possível, pressuposto da aplicação do princípio da razoabilidade (DI PIETRO, 2018). Assim, diante do caso concreto, é prudente que se analise se haverá possibilidade para a que aconteça a intervenção do Estado a fim de minorar os resultados, bem como se há expressa exigibilidade para que isso ocorra. Analisando os pressupostos da caracterização da responsabilidade estatal por uma conduta omissiva, “a chave para determinar a falta de serviço e, consequentemente, a procedência da responsabilidade estatal por um ato omissivo se encontra na configuração ou não de uma omissão antijurídica. Esta última se perfila só quando seja razoável esperar que o Estado atue em determinado sentido para evitar os danos às pessoas ou aos bens dos particulares. Pois bem, a configuração de dita omissão antijurídica requer que o Estado ou suas entidades descumpram uma obrigação legal expressa ou implícita (art. 186 do Cód. Civil) tal como são as vinculadas com o exercício da polícia administrativa, descumprimento que possa achar-se imposto também por outras fontes jurídicas. ” (CASSAGNE apud DI PIETRO, 2018, p. 899) A omissão deve ser considerada antijurídica para que haja a responsabilização da Administração pública. Diz-se antijurídica porque haveria uma previsão legal de que, em determinada situação, o Estado estaria obrigado a adotar uma providência, o qual ignora o comando legal, condicionando o surgimento do dano (MELLO, 2009). A limitação do que seria uma omissão antijurídica evita a imputação ao Estado de responsabilização por quaisquer danos pautada em critérios irracionais.   3.2. Posições jurisprudenciais dos tribunais superiores Repise-se que a questão envolvendo a responsabilidade civil subjetiva encontra divergências entre os diversos autores. Para alguns, o comando constitucional federal insculpido no artigo 37, §6º, só admite a responsabilidade extracontratual do Estado na modalidade objetiva, bastando então demonstrar que o ato estatal foi eficaz para a ocorrência do dano, operando o trinômio ato – dano – nexo causal. Para outros, haveria que se falar em responsabilidade civil subjetiva da Administração Pública quando a omissão danosa adveio do convencionou se chamar de culpa anônima do serviço público (DI PIETRO, 2018). O tema da responsabilidade civil do Estado por omissão em sua forma subjetiva encontra adeptos nos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento de que, para a caracterização da responsabilidade civil subjetiva do Estado, é necessário que o dano causado ao particular seja direto e imediato (DI PIETRO, 2018), conforme assentado no RE 369.820/RS. No caso em questão, foi reformado acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que condenou o Estado a indenizar os danos morais e materiais à viúva de vítima de latrocínio praticado por quadrilha, sendo que um dos acusados era detento foragido do sistema prisional acerca de 4 meses. A Turma não considerou ser o caso de responsabilidade civil subjetiva proveniente de omissão do Poder Público, já que o dano não teve como causa direta a falha da vigilância penitenciária, mas sim outras causas, como o planejamento e a execução do crime, rompendo-se a cadeia causal. Veja o julgado: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: LATROCÍNIO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do RE 172.025/RJ”>STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão,”D.J.”de 19.12.96; RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270. IV. – RE conhecido e provido. (STF – RE: 369820 RS, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Data de Julgamento: 04/11/2003, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 27-02-2004 PP-00038 EMENT VOL-02141-06 PP-01295) Ainda em sede da Excelsa Corte, pela afirmação da responsabilidade civil subjetiva decorrente da omissão do Poder Público, veja-se o seguinte julgado: EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: DETENTO FERIDO POR OUTRO DETENTO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. – Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta numa de suas três vertentes — a negligência, a imperícia ou a imprudência — não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. – A falta do serviço — faute du service dos franceses — não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. – Detento ferido por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado deve zelar pela integridade física do preso. IV. – RE conhecido e       provido. (RE 382054, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 03/08/2004, DJ 01-10-2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330 RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ VOL 00192-01 PP-00356) Segundo relatório do relator Ministro Carlos Velloso, tratava-se de lesão sofrida pelo recorrente devido a um motim ocorrido no interior de uma delegacia de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. A sentença do juiz de primeiro grau julgou parcialmente procedentes os pedidos do autor, determinando que o Estado arcasse com as despesas médicas provenientes do tratamento da vítima. O Estado apelou, e em sede do Tribunal de Justiça, houve acórdão reformando a sentença, julgando improcedentes os pedidos do autor. Após, houve a interposição de recurso extraordinário pelo autor sob alegação de ofensa ao artigo 5º, inciso XLIX, e artigo 37, §6º, ambos da Constituição Federal. O Ministro acolheu o pedido do recorrente, reconhecendo que a omissão do poder Público em garantir a integridade física do detento foi determinante para que houvesse ocorrido o dano por ele sofrido. Em seu voto, o ministro destacou a omissão estatal por meio da expressão francesa faute du service, já que a negligência dos agentes em evitar a ocorrência do motim foi condição sine qua non para que o fato ocorresse. Assim, entendeu por acolher o recurso extraordinário e condenar o Estado do Rio de Janeiro, mantendo a sentença de primeiro grau. A questão também encontra acolhimento no Superior Tribunal de Justiça, conforme demonstra o acórdão abaixo: RECURSO ESPECIAL. DNER. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE CAUSADO EM RODOVIA FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. MÁ CONSERVAÇÃO DA RODOVIA FEDERAL. CULPA DA AUTARQUIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO. 300 SALÁRIOS MÍNIMOS. PRECEDENTES. O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER é legítimo para figurar no pólo passivo da presente demanda, em que se discute o cabimento de indenização por danos morais à esposa de vítima falecida em decorrência de acidente de trânsito em rodovia federal. A referida autarquia federal é responsável pela conservação das rodovias federais e pelos danos causados a terceiros em decorrência de sua má preservação. No campo da responsabilidade civil do Estado, se o prejuízo adveio de uma omissão do Estado, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Como leciona Celso Antonio Bandeira de Mello? Se o Estado não agiu, não pode logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo? (“Curso de direito administrativo”, Malheiros Editores, São Paulo, 2002, p. 855). (…) (REsp 549.812/CE, Rel. Ministro FRANCIULLI NETTO, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2004, DJ 31/05/2004, p. 273) (sem destaques no original) No vertente caso, a parte autora bem como a empresa concessionária do serviço público interpuseram recurso especial, sendo que a primeira insurgiu-se contra o valor arbitrado a título de indenização por danos morais pelo Tribunal Regional Federal e a segunda insurgiu-se contra os argumentos expostos pela autora no sentido de que esta se ateve somente ao ato ilícito cometido pela empresa concessionária da rodovia, não demonstrando a efetiva participação do Estado no dano causado, atraindo assim a tese da responsabilidade civil subjetiva. O ministro relator entendeu que os danos advindos de uma conduta omissiva por parte do Estado deveriam ser apurados sob a modalidade subjetiva da responsabilidade civil, conforme os ensinamentos do professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Optou por não conhecer o recurso interposto pela parte autora e dar parcial provimento ao recurso interposto pela concessionária no sentido de minorar o valor devido a título de indenização por danos morais. Percebe-se pelas decisões proferidas pelos órgãos colegiados acima colacionados que a matéria envolvendo a responsabilização civil da Administração Pública na modalidade subjetiva subsiste diante dos inúmeros casos levados às cortes superiores. O requisito da omissão antijurídica revela-se difícil ser aferido em cada caso, e sua discussão em sede dos tribunais superiores incidiria no reexame do conjunto fático-probatório, o que encontra óbices na súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça e súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Portanto, os acórdãos estão em harmonia no que diz respeito à necessidade de se provar o nexo causal existente entre o dano proveniente da conduta estatal, seja ela em sua modalidade comissiva ou omissiva.   Conclusão Viu-se, no presente trabalho, que a ideia de legalidade norteia os atos praticados pelo Estado. Tal não é diferente em relação à responsabilização por seus atos. Os danos suportados por um particular geram o dever de indenizá-lo por parte da Administração Pública. Porém, em razão de sua superioridade financeira e jurídica, há um regime específico a ser aplicado no caso concreto. Foi mostrado que nunca se admitiu a irresponsabilização civil estatal por suas condutas que lesassem um particular. Inicialmente, era utilizado a ideia de culpa presente na legislação civil para caracterizar a imputabilidade a uma conduta de um ente público que gerasse um dano anormal e específico a determinada pessoa. Em seguida, houve a consolidação da teoria da responsabilidade civil objetiva sob a modalidade do risco administrativo, isto é, bastaria a comprovação do nexo causal existente entre a conduta do Estado e o dano gerado para que incidisse a sua responsabilização civil, somente havendo escusas em casos excepcionais. O artigo 37, §6º, da Constituição Federal denota a adoção da responsabilidade civil objetiva do Estado. Há de se convencionar que há a previsão, no aludido artigo, de duas modalidades de ações: uma entre o Estado e o lesado, relação esta acobertada pelo manto da responsabilidade objetiva, e a outra entre o ente público e o agente executor da ação, no que se chamou de ação regressiva, esta pautada pela responsabilidade civil subjetiva. Entretanto, há situações em que, por omissão do Estado, são causados infortúnios aos administrados. Assim, estaria correto atribuir, nestes casos, a responsabilidade civil objetiva pelos danos causados? A resposta dada foi negativa. Os atos omissivos estatais estão enquadrados na expressão francesa faute du service (falta do serviço, em tradução equivalente), que traz em seu conteúdo três hipóteses para sua concretização: serviço público que não funcionou, funcionou mal ou funcionou com atraso. Foi mostrado que seria necessário a demonstração da culpa para a condenação do Estado em indenizar o lesado, porém sem se individualizar essa culpa. Assim, adotou-se a expressão “culpa anônima do serviço do serviço público”. O Estado deveria estar obrigado por lei a adotar tal procedimento e sua omissão seria encarada como um ato antijurídico. Assim, seria necessário ao prejudicado provar o elemento subjetivo a fim de obter a condenação da administração pública. Por fim, colacionou-se julgados dos tribunais superiores que acolheram a tese da responsabilidade civil subjetiva do Estado por omissão. Os acórdãos acabaram por admitir prevalecer a teoria subjetiva da responsabilidade civil do Estado nos casos de omissão antijurídica, condicionando a referida teoria à efetiva comprovação do nexo causal entre a omissão e o dano por meio da culpa advinda da conduta do Poder Público.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/pressupostos-da-responsabilidade-civil-subjetiva-do-estado-constitucional/
Análise da Constitucionalidade da Perda da Função Pública em Ação de Improbidade Administrativa Quando o Agente Público Muda de Cargo Antes do Trânsito em Julgado
Seria constitucional impor a perda da função pública quando, no momento do trânsito em julgado da ação de improbidade administrativa, o agente público ocupa um cargo diferente daquele no qual cometera o ato ímprobo? Por meio da metodologia de pesquisa exploratória, o tema foi desenvolvido em 3 (três) capítulos. No capítulo 1, expôs-se a força normativa da Constituição e a autoaplicabilidade dos princípios expressos da Administração Pública. No capítulo 2, após a identificação de duas correntes doutrinárias antagônicas, catalogaram-se todas as opiniões encontradas. No capítulo 3, demonstrou-se a atual e iterativa divergência no seio do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por fim, obteve-se que a Constituição é clara ao estabelecer que os atos de improbidade administrativa importarão a perda da função pública e que a Administração Pública é regida pelo princípio da moralidade.  É regra de hermenêutica que, se a Carta Maior não restringiu, não cabe ao intérprete restringir, logo, a mens legis do art. 37, § 4º, só pode ser no sentido de obstar a continuidade do exercício da função pública por agente ímprobo, não importando em qual cargo tenha praticado atos de improbidade administrativa.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O Direito Constitucional é a base sustentadora da esmagadora maioria das sociedades contemporâneas, é o ramo primordial do Direito ao qual todas as demais normas do ordenamento devem observância. A Constituição Federal, há muito, deixou de ser uma carta de intenções e assumiu o papel de instrumento moderador da vida em sociedade, tornando-se o primeiro diploma normativo a ser consultado para o bom desenvolvimento das relações jurídicas civis, penais, administrativas, tributárias, entre outras. Nesse sentido, Barroso (2018, p. s/n): O direito constitucional moderno, investido de força normativa, ordena e conforma a realidade social e política, impondo deveres e assegurando direitos. A juridicização do direito constitucional e a atuação profícua dos tribunais constitucionais ou das cortes a eles equiparáveis deram especial destaque à jurisprudência constitucional, característica marcante do novo direito constitucional. No Brasil de hoje, a ampliação da jurisdição constitucional, a importância das decisões judiciais e uma crescente produção doutrinária de qualidade proporcionaram ao direito constitucional um momento de venturosa ascensão científica e política. O Direito Administrativo, por sua vez, escorado na matriz constitucional, normatiza e direciona as relações entre a administração pública consigo mesma (introversa) e entre ela e os particulares (extroversa), sujeitando-se ao regime jurídico-administrativo de direito público (Carvalho Filho, 2019, p. s/n). Nesse contexto, os dois precitados ramos do Direito são imbricados desde o plano abstrato até aportar concretamente na vida dos jurisdicionados, sendo que o Direito Administrativo traduz-se no veículo que imprime movimento aos ditames constitucionais. Segundo Carvalho Filho (2019, p. s/n): A relação de maior intimidade do Direito Administrativo é com o Direito Constitucional. E não poderia ser de outra maneira. É o Direito Constitucional que alinhava as bases e os parâmetros do Direito Administrativo; este é, na verdade, o lado dinâmico daquele. Na Constituição se encontram os princípios da Administração Pública (art. 37), as normas sobre servidores públicos (arts. 39 a 41) e as competências do Poder Executivo (arts. 84 e 85). Acerca dos temas de estudo, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em voga aborda: a) a força normativa da Constituição e os princípios expressos da Administração Pública, a improbidade administrativa e seu cariz constitucional, com especial atenção à sanção de perda da função pública; b) a decretação da perda da função pública por decorrência de ato pretérito de improbidade cometido em cargo público diverso daquele atualmente ocupado pelo agente; c) o mesmo objeto de estudo da alínea anterior, mas pela visão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em relação à delimitação do tema de estudo, verifica-se que ele orbita em torno da polêmica referenciada na alínea “c”, supra, destacando-se que, atualmente, pela perspectiva jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a questão é tormentosa e urge ser pacificada, pois as duas turmas de Direito Público da Corte Superior estão proferindo julgamentos diametralmente opostos, causando insegurança jurídica. Dos elementos suso informados, extrai-se o seguinte problema: é constitucional impor a perda da função pública atualmente ocupada por agente público em razão de ato de improbidade praticado em cargo público diverso, por ele ocupado no passado? Ou, dizendo da forma mais direta o possível para que qualquer um possa entender qual é o problema objeto do trabalho: o que acontece se, no momento do trânsito em julgado, o condenado por improbidade administrativa ocupa cargo diferente daquele que exercia na prática do ato? A pesquisa é justificada cientificamente porque o problema vislumbrado é de interesse da comunidade jurídica, demanda estudos mais aprofundados sobre temas correlatos de Direito Constitucional e Administrativo e, como antes mencionado, está causando séria divergência jurisprudencial na Corte responsável por uniformizar a jurisprudência nacional, ou seja, o debate transcendeu o plano teórico e está impactando o direito dos jurisdicionados. Como objetivo geral a pesquisa realizada é investigar, ou seja, analisar qual está sendo o tratamento doutrinário e jurisprudencial ao problema apresentado e verificar a adequação constitucional das respostas. O objetivo específico, por sua vez, é responder se é constitucional impor a perda da função pública se, no momento do trânsito em julgado, o condenado por improbidade administrativa ocupa cargo diferente daquele que exercia durante a prática do ato de improbidade. A metodologia de pesquisa adotada foi não original, conforme classificação proposta por Ruaro (2004, p. 24), “[…] a pesquisa não original lida com trabalhos ou estudos já realizados e são motivo de análises e interpretações do proponente da pesquisa”, na medida em que se realizou uma revisão de estudos já publicados, no intuito de interpretá-los e interlaçá-los. O caminho metodológico percorrido foi o exploratório, que, segundo Ruaro (2004, p. 24) é “[…] um estudo que tem por finalidade buscar maiores informações sobre determinado assunto, facilitando a delimitação de um tema de trabalho, bem como definir objetivos e/ou formular hipóteses de uma pesquisa.”. A tipologia de pesquisa adotada foi a teórica, a qual, segundo Baffi (2017), é “[…] orientada no sentido de re-construir teorias, quadros de referência, condições explicativas da realidade, polêmicas e discussões pertinentes.” Em relação ao método de pesquisa, optou-se pelo método dedutivo, ilustrado por Bittar (2016, p. 34) como a “[…] extração discursiva do conhecimento a partir de premissas gerais aplicáveis a hipóteses concretas.”; e definido por Russ (2015, p. s/n) como “[…] argumentação lógica perfeita constituída de três proposições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das primeiras duas, chamadas premissas, é possível deduzir uma conclusão.”.   A teoria da força normativa da Constituição proveio da doutrina alemã de Konrad Hesse propondo uma interação entre a realidade social e a abstração jurídica de forma que as normas constitucionais não sejam pura abstração nem tampouco somente um reflexo da realidade, mas podendo, contudo, moldá-la, conforme ensina Sarmento (2012, p. s/n): É nesse sentido que Hesse resgata a proposta de Heller, para quem a Constituição deveria ser definida simultaneamente como normatividade e normalidade social (norma e realidade). Seu objetivo é também operar uma síntese das duas posições (sociológica e normativa), ao formular a conhecida teoria da força normativa da Constituição. Segundo Canotilho, apud Moraes (2017, p. s/n), em matéria de regras interpretativas das normas constitucionais, o princípio da máxima efetividade deve atribuir a uma norma constitucional a interpretação que lhe proporcione a maior eficácia possível. Tal princípio já foi utilizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dentre outros fundamentos, para declarar indevida a perda automática do mandato parlamentar por decorrência de condenação criminal, tendo em vista o texto constitucional mencionar, no art. 55, § 2º, que “a perda será decidida” pela Casa à qual estiver vinculado o parlamentar, como consta em trecho do voto do Relator Ministro Nelson Jobim, no Recurso Extraordinário nº 225.019/GO, publicado no Informativo STF nº 162. Mendes (2018, p. s/n), por seu turno, entende que a força normativa da Constituição é inerente ao princípio da máxima efetividade. Veja-se: De alguma forma contido no princípio da máxima efetividade, fala-se no princípio da força normativa da Constituição. Com este, propõe-se seja conferida prevalência aos pontos de vista que tornem a norma constitucional mais afeita aos condicionamentos históricos do momento, garantindo-lhe interesse atual, e, com isso, obtendo-se “máxima eficácia, sob as circunstâncias de cada caso”. No contexto da decisão exarada no RE 225.019/GO, pode-se extrair que, se as normas constitucionais devem ter a máxima efetividade, tendo a Constituição verdadeira força normativa, sobrelevando-se a normas infraconstituiconais como o Código Penal, e atribuindo a última palavra sobre a perda do mandato à respectiva Casa Legislativa, nem mesmo o STF poderia expurgar o parlamentar federal sem a chancela do parlamento, sob pena de vulnerar-se a norma constitucional. Pelo viés da força normativa da Constituição, Sarmento (2012, p. s/n) alega ter sido o Direito Administrativo severamente impactado pela nova abordagem interpretativa, devendo este ramo do direito público rever seus conceitos: No Direito Administrativo, a constitucionalização tem provocado mudanças igualmente importantes em conceitos e institutos fundamentais. […] O próprio princípio da legalidade administrativa, segundo o qual o Estado só pode agir quando autorizado por lei, tem sido repensado em razão do reconhecimento da força normativa da Constituição. Afinal, se as normas constitucionais são, em regra, diretamente aplicáveis, independentemente de mediação legislativa, não faz muito sentido exigir que a Administração se abstenha de agir sob o pretexto da inércia do legislador. Nesse ensejo, ainda que haja falhas ou omissões na Lei de Improbidade Administrativa, suas lacunas poderiam ser colmatadas por normas extraídas diretamente do texto da Constituição, eis que esta preocupou-se em frisar os efeitos e consequências dos atos de improbidade administrativa eventualmente cometidos pelos agentes públicos. Ademais, a ligação da improbidade administrativa com os princípios expressos da Administração Pública é inegável, podendo ela ser considerada a ferramenta de efetivação deles. Tais princípios, segundo Pazzaglini Filho (2018, p. s/nº) são: […] normas jurídicas primárias ou superiores de eficácia imediata, plena e imperativa, hegemônicas em relação às demais normas (constitucionais e infraconstitucionais) do sistema normativo, que, de um lado, expressam os valores transcendentais da sociedade e o conteúdo essencial da Constituição e, de outro, predefinem, orientam e vinculam a formação, o conteúdo, a aplicação e a exegese de todas as demais regras que compõem o ordenamento jurídico. A improbidade administrativa foi erigida a tema de grande importância pelo Constituinte de 1988, pois são encontradas diversas referências no Texto Maior (grifou-se): Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: […] V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. Art. 37. […] § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Art. 97. […] § 10. No caso de não liberação tempestiva dos recursos de que tratam o inciso II do § 1º e os §§ 2º e 6º deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009) […] III – o chefe do Poder Executivo responderá na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009) Art. 101. […] § 3º Os recursos adicionais previstos nos incisos I, II e IV do § 2º deste artigo serão transferidos diretamente pela instituição financeira depositária para a conta especial referida no caput deste artigo, sob única e exclusiva administração do Tribunal de Justiça local, e essa transferência deverá ser realizada em até sessenta dias contados a partir da entrada em vigor deste parágrafo, sob pena de responsabilização pessoal do dirigente da instituição financeira por improbidade. (Incluído pela Emenda constitucional nº 99, de 2017) Art. 104. Se os recursos referidos no art. 101 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para o pagamento de precatórios não forem tempestivamente liberados, no todo ou em parte: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) […] II – o chefe do Poder Executivo do ente federado inadimplente responderá, na forma da legislação de responsabilidade fiscal e de improbidade administrativa; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016) Como consta no art. 37, caput, da CF/88, a Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e a violação de qualquer deles, como visto acima, poderá ser considerado ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração. Sendo os princípios da Administração Pública valores transcendentais da sociedade a cuja observância pelos agentes públicos da moderna Administração pública gerencial é esperada, a violação de qualquer deles é uma afronta à própria Constituição, ainda que a Lei de Improbidade, em seu art. 11, não tenha reproduzido ipsis literis o comando constitucional do art. 37 da CF/88, conforme percebido por Pazzaglini Filho (2018, p. s/nº): Embora a redação do dispositivo não tenha sido a mais apropriada, pois seria de maior rigor ou precisão reiterar os princípios constitucionais basilares que informam a atuação pública elencados no art. 37, caput, da Carta Magna (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), a circunstância de constar dele a expressão violação da legalidade elucida, sem dúvidas, que o preceito compreende a transgressão dos demais princípios constitucionais que instruem, condicionam, limitam e vinculam a atuação dos agentes públicos, posto que, como já afirmado no Capítulo I, por ocasião do exame dos princípios constitucionais da Administração Pública, estes “servem para esclarecer e explicitar o conteúdo do princípio maior ou primário da legalidade”. Em sendo verificada a lesão aos multirreferidos princípios, poderá sem imposta a perda da função pública, nos termos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa. De acordo com as linhas que iniciam este capítulo, o Texto Maior deve ser observado no sentido do cumprimento dos comandos idealizados pelo Constituinte devido à força normativa da Constituição, repisando-se a especial influência e orientação que a CF/88 imprimiu ao Direito Administrativo. Nesse contexto, os princípios da Administração Pública mencionados são normas jurídicas autoaplicáveis e devem prover efetividade tanto à seleção dos agentes que atuarão em favor da sociedade quanto à exclusão dos inaptos por inobservância das normas deontológicas, ainda que haja omissão na Lei de Improbidade. Tal conclusão é extraída das lições de Barroso (2017, p. s/nº): Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita a atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissão do legislador. Calha rememorar que o art. 37, § 4º, da CF/88 traz a perda da função pública como decorrência do cometimento de ato de improbidade e tal punição foi devidamente acolhida pelo legislador infraconstitucional, entretanto, não houve um detalhamento necessário no corpo da Lei de Improbidade Administrativa no sentido de esclarecer qual função pública exatamente será perdida no caso de o agente público mudar de função após cometer o ilícito. Esta é, enfim, mais uma das lacunas deixadas pelo legislador às quais a doutrina e a jurisprudência pátria debruçam-se atualmente, resultando em interessante e fervoroso embate, cuja solução definitiva ainda não foi pacificada na jurisprudência, mas pode estar na força normativa da Constituição e na autoaplicabilidade dos princípios regentes da Administração Pública.   Em primeiro lugar, calha esclarecer a amplitude do termo “função pública” para os fins deste estudo, qual seja, a análise da (in)constitucionalidade da perda da função ocupada em cargo diferente do qual foi praticado o ato ímprobo. Alerta-se, desde já, sobre a existência de celeuma doutrinária e jurisprudencial acerca da decretação da perda da função pública por ato de improbidade cometido por agentes políticos, como o Presidente da República, senadores e deputados, que são diferenciados dos demais servidores por serem investido no mandato popular eletivo e por serem beneficiados por uma garantia exacerbada ao exercício da função outorgada pela própria Constituição Federal. Nas palavras de Emerson Garcia (2006, p. 472): […] a perda do mandato está condicionada ao prévio pronunciamento do órgão competente do Poder Legislativo, o que afasta a possibilidade de que ela advenha de sentença prolatada em ação civil em que sejam perquiridos os ilícitos praticados pelos membros do Congresso Nacional. O mesmo não se dá em relação aos governadores, prefeitos e vereadores, ou seja, podem perder a função pública em razão de ato de improbidade sem qualquer entrave porque a Constituição Federal não os blindou com maiores garantias, como o fez para os demais agentes políticos supramencionados. Dessa feita, não havendo norma constitucional de reprodução obrigatória nas Cartas Estaduais e leis orgânicas, se assim o fizerem, estarão invadindo a competência da União. É o que explica Emerson Garcia (2006, p. 468-473): […] nas hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92, cumpre distinguir o seguinte: a) em se tratando de ato de improbidade igualmente previsto na Lei nº 1.079/50, as sanções de perda da função e inabilitação poderão ser aplicadas pelo Senado Federal […] Em relação aos Chefes dos Executivos Estaduais e Municipais, além de estarem sujeitos à Lei de Improbidade em sua totalidade, não poderá o princípio da simetria sequer ser aventado pela legislação infraconstitucional para lhes assegurar todas as prerrogativas outorgadas ao Presidente da República pela Constituição. E ainda, não poderia a Constituição Estadual restringir a eficácia da Lei nº 8.429/92, sob pena de usurpar competência privativa da União. Em razão disto, o Governador poderá ter seu mandato cassado sempre que incorrer em crime de responsabilidade ou praticar atos de improbidade, aplicando-se o mesmo entendimento em relação ao Prefeito Municipal e aos respectivos vices. Recapitulando, tal debate não é alvo da presente pesquisa, pois ampliaria a discussão demasiadamente e refugiria ao escopo do objetivo a ser alcançado. Voltando ao curso do presente estudo, pelo espírito da Lei de Improbidade idealizado pelo legislador, o termo função pública abrange toda e qualquer forma de desempenho de atividade pública: cargo, emprego, função permanente ou temporária, estatutária ou contratual, remunerada ou gratuita. Segundo Calil Simão (2014, p. 824): A utilização do termo função pública permite considerar um número maior de situações – logo, aumenta o campo de aplicação dessa sanção. Essas atividades são desempenhadas pelos detentores de cargos e empregos públicos, situações, desse modo, incluídas no âmbito de incidência do dispositivo. As funções transitórias são exercidas pelos denominados servidores públicos especiais ou temporários (CF, art. 37, IX). Já as funções permanentes, pelos detentores de cargos ou empregos públicos. […] A expressão função pública abrange, desse modo, as de natureza derivada e as de natureza autônoma decorrentes de qualquer vínculo jurídico que o condenado mantenha com o poder público (estatutário ou contratual). Segundo Pazzaglini (2018, p. s/nº), a perda de função pública “[…] consiste na ruptura ou cessação compulsória do vínculo jurídico do agente público com o órgão ou entidade pública (ou assemelhada) decorrente de sentença condenatória em ação civil de improbidade administrativa que a decretou.”, devendo cingir-se à função ocupada pelo agente no momento da prática do ato ímprobo, sendo descabido qualquer acréscimo de efeitos para além disso, in verbis (grifou-se): Cumpre ter presente que a sanção fulmina a função pública (ou cargo), que o agente exercia (ou ocupava) por ocasião da prática do ato de improbidade administrativo reconhecido na sentença. Vale dizer, penaliza a função ou cargo público que o agente público condenado exercia ou ocupava à época em que praticou a conduta (ação ou omissão) ímproba incriminada. Nesse ponto, impende assinalar que, caso já tenha ocorrido a aposentadoria do agente público infrator, ao tempo do trânsito em julgado da sentença correspondente, não cabe a cassação de sua aposentadoria sob o argumento de que se trata de consequência da perda da função pública. Ainda na visão de Daniel Amorim e Rafael Carvalho (2018, p. s/nº), com a perda da função pública “[…] extingue-se a relação jurídica existente entre o agente ímprobo e a pessoa jurídica de direito público ou privada elencada no art. 1.º da Lei 8.429/1992.” e somente pode ser aplicada após o trânsito em julgado, visando a “[…] valorizar a segurança jurídica para a aplicação dessas sanções, ainda que tal exigência possa tornar a medida ineficaz, em especial em cargos eletivos.” Sobre qual função deverá ser perdida, os supracitados autores, afirmando filiação à corrente majoritária, alegam que deve ser extirpado da Administração Pública o agente ímprobo condenado com trânsito em julgado, sendo desinfluente o fato de este ocupar cargo diferente do qual cometera o ato de improbidade (grifou-se): A parcela doutrinária majoritária, com a qual me filio, entende que a função pública que será perdida é aquela exercida pelo agente ímprobo no momento do trânsito em julgado, mesmo que diferente daquela exercida à época em que foi praticado o ato de improbidade administrativa. Nesse sentido também o Superior Tribunal de Justiça. Além de ser interpretação que dá uma maior eficácia à sanção ora analisada, é a única que afasta o agente ímprobo de sua vinculação com a Administração Pública. Que sentido teria reconhecer que o sujeito é ímprobo e mantê-lo nos quadros da Administração Pública, dando-lhe total condição para que venha a repetir a prática de tais atos? Cleber Masson (2016, p. 785), por sua vez, informa que a perda da função enseja a extinção do vínculo jurídico, entre o agente ímprobo e a entidade vitimada, e alcança qualquer função que esteja sendo ocupada no momento do trânsito em julgado (grifou-se): A finalidade da sanção em exame, de natureza político-administrativa, é afastar dos quadros da Administração Pública todos os agentes que demonstraram pouco ou nenhum apreço pelos princípios regentes da atividade estatal, denotando uma deformidade de caráter incompatível com a natureza da função exercida. É oportuno salientar que esta sanção incide sobre toda e qualquer função pública que esteja sendo exercida pelo agente ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, mesmo que diferente da exercida à época em que praticou o ato ímprobo. A mesma solução é proposta por Pedro Roberto Decomain (2007, p. 208), Eurico Ferraresi (2011, p. 144), Carlos Frederico Brito dos Santos (2009, p. 160-162), Luiz Manoel Gomes Junior e Rogério Favreto (2010, p 181-182). Interessante a visão de Waldo Fazzio Júnior (2015, p. 515, grifou-se): A função pública do agente público consiste nos deveres inerentes à sua posição administrativa, mas também encerra direitos em face da Administração Pública. Em princípio, a lei não precisaria dela cogitar, já que a suspensão dos direitos políticos envolve a perda da função, implicando a cessação imediata de seu exercício. Qual é a extensão da perda da função pública? Parece-nos correto entender que a Lei nº 8.429/92 retira o agente público de seu status administrativo. Este perde a investidura, fica sem posição administrativa. Não se trata de suspensão mas de perda. É o desfazimento da situação jurídica constituída pela investidura ou contratação, conforme o caso. Observe que o autor lança luzes sobre a questão da suspensão dos direitos políticos, a qual, na ótica dele, já bastaria a forçar a exclusão do agente ímprobo dos quadros da Administração, tendo por mote que o exercício dos direitos políticos é condição inafastável ao exercício de cargo público, pois é pré-requisito exigido por lei (art. 5º, II, Lei 8.112/90) conforme autorizado pela própria CF/88, art. 37, I, “[…] os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei […]”. Emerson Garcia (2006, p. 466), por sua vez, também entende que a sanção de perda da função pública é ampla e compreende o desfazimento de todos os vínculos que o agente ímprobo mantenha com o poder público, em todas as esferas de governo. Dessa feita, tendo o agente ímprobo cometido um ato ilícito contra a Administração municipal, ainda que esteja ocupando cargo público estadual no momento do trânsito em julgado, deveria ser sumariamente excluído. Nas palavras do autor (grifou-se): Em razão da mencionada incompatibilidade entre a personalidade do agente e a gestão da coisa pública, o que se tornou claro com a prática do ato de improbidade, deve a sanção de perda da função, quando aplicada, extinguir todos os vínculos laborais existentes junto ao Poder Público. O art. 12, em seus três incisos, fala genericamente em perda da função, que não pode ser restringida àquela exercida por ocasião da prática do ato de improbidade, isto sob pena de se permitir a prática de tantos ilícitos quantos sejam os vínculos existentes, em flagrante detrimento da coletividade e dos fins da lei. […] Assim, é irrelevante que o ilícito, verbi gratia, tenha sido praticado em detrimento de um ente municipal e o agente, por ocasião da aplicação da sanção, mantenha uma relação funcional com a administração estadual, pois a dissolução deverá abranger todos os vínculos mantidos com o Poder Público, designativo que abrange os sujeitos passivos dos atos de improbidade. Por outro lado, a corrente minoritária da doutrina opta pela interpretação restritiva, limitando a perda da função pública àquela na qual o agente público efetivou o ato ilícito. Tendo havido mudança de cargo público ou função, seria descabido determinar a perda da nova posição ocupada, porquanto os dispositivos constitucionais e legais preveem que o ato de improbidade administrativa importará a perda “da” função pública, e não “de” função. O detalhe é percebido por Daniel Amorim e Rafael Carvalho (2018, p. s/nº): Para parcela minoritária da doutrina, a perda da função pública será limitada àquela função exercida pelo agente público no momento da prática do ato de improbidade administrativa. Afirma-se que essa foi a opção do legislador ao prever a perda “da” função pública e não “de” função pública, sendo, ademais, impossível uma condenação genérica e eventual, a colher o agente público no momento de seu trânsito em julgado. A mesma posição é compartilhada por José Roberto Pimenta Oliveira (2009, p. 298-299), Carlos Alberto de Salles (2010, p. 166-168). Convenha-se, ambas as posições detêm argumentos plausíveis. A posição doutrinária majoritária pela decretação da perda de qualquer função pública, que esteja sendo ocupada no momento do trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade administrativa, leva em conta o fato de que o agente público ímprobo seria desprovido de capacidade moral para ser mantido em qualquer cargo público, seja qual for o ato cometido no passado, escorando-se na robustez da interpretação teleológica. Busca-se, assim, livrar a sociedade do agente público que desrespeitou os princípios constitucionais da Administração pública, com base nos fins almejados pelo legislador ao editar a Lei de Improbidade Administrativa. De outro vértice, a posição minoritária, ainda que largue em desvantagem por ir de encontro ao anseio punitivista das maiorias na pretensa proteção do patrimônio público, não pode ser ignorada porque é escorada em apurado aspecto técnico e favorece as garantias individuais. Sabe-se que a interpretação textual da lei, não obstante ser reconhecida como o modo mais “pobre” do exercício da hermenêutica, presta-se, no mais das vezes, a justamente abrandar os excessos interpretativos. Segundo Paulo Nader (2017, p. s/nº): O elemento gramatical compõe-se da análise do valor semântico das palavras empregadas no texto […] Modernamente, a crítica que se faz a esse elemento não visa, como é natural, à sua eliminação, mas à correção dos excessos que surgem com a sua aplicação. Objetiva-se evitar o abuso daqueles que se apegam à literalidade do texto, com prejuízo à mens legis. Nessa toada, cabe relembrar que, em matéria de direito punitivo, a interpretação extensiva é amplamente rechaçada, devendo, em regra, adotar-se uma posição restritiva. Nesse sentido, Ivan Rigolin (2012, p. s/nº): Sendo dispositivos que restringem direitos, somente restritivamente podem ser lidos e aplicados, nos exatos termos escritos na lei, sem a menor possibilidade de se sujeitar a interpretações ampliativas, analógicas, sistemáticas, teleológicas ou finalísticas, históricas, generalizantes ou difusas. Desse modo, ainda que a corrente minoritária lance mão da interpretação semântico-textual das palavras do texto normativo (a perda “da” função pública, não “de” função pública), não pode ser completamente relegada ao oblívio porque está devidamente fundamentada. É líquido e certo que a pretensa “defesa de corruptos” encontra resistência em todas as searas da sociedade, nem é isso o que se pretende com o presente debate. Ocorre que a garantia de leis claras e jurisprudência coerente e previsível é direito de todos.   Considerando que o objeto do presente estudo foi amplamente exposto nas linhas anteriores, demonstrar-se-á agora, de plano, a divergência atual e iterativa entre as duas turmas de direito público do STJ. A 1ª Turma, em suma, filiou-se à corrente doutrinária minoritária, ou seja, entende que o condenado somente deve perder a função pública utilizada para o cometimento do ato de improbidade administrativa. Isso se deve ao fato de as normas de direito sancionatório serem matéria de legalidade estrita, estando, assim, fora da órbita da interpretação extensiva. Observe-se que os arestos são recentes, conforme se extrai da colação infra (grifou-se): ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PERDA DE FUNÇÃO PÚBLICA. SANÇÃO QUE NÃO ATINGE CARGO PÚBLICO DIVERSO DAQUELE OCUPADO PELO AGENTE PÚBLICO À ÉPOCA PRÁTICA DO ATO DE IMPROBIDADE. 1. A questão controversa cinge-se a saber se a sanção de perda da função pública em razão de atos então praticados na condição de vereador e tesoureiro poderia atingir cargo público efetivo para o qual, por concurso público, o agente foi nomeado posteriormente aos fatos narrados na inicial da ação de improbidade administrativa. 2. A Primeira Turma do STJ orienta-se no sentido de que as normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva, motivo pelo qual a sanção de perda da função pública do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, não pode atingir cargo público diverso ocupado pelo agente daquele que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita. Precedentes: AgRg no AREsp 369.518/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 28/3/2017; EDcl no REsp 1.424.550/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 8/5/2017. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1423452/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 13/03/2018) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESNECESSIDADE. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. EXAME. VIA IMPRÓPRIA. ATO CONFIGURADO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7 DO STJ. INCIDÊNCIA. PERDA DO CARGO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n. 2). 2. Consoante jurisprudência pacificada no STJ, não há litisconsórcio passivo necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo. 3. A via do recurso especial é imprópria para a alegação de violação de dispositivo constitucional. 4. Conforme pacífico entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo, sendo “indispensável para a caracterização de improbidade que a conduta do agente seja dolosa para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/1992, ou, pelo menos, eivada de culpa grave nas do artigo 10” (AIA 30/AM, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28/09/2011). 5. Hipótese em que, em face das premissas fáticas assentadas no acórdão objurgado, que reconheceu o enquadramento do recorrente nos atos de improbidade administrativa (arts. 10, XII, e 11 da Lei n. 8.429/1992), com a indicação expressa do elemento subjetivo (dolo), a modificação do entendimento firmado pelas instâncias ordinárias demandaria induvidosamente o reexame de todo o material cognitivo produzido nos autos, desiderato incompatível com a via especial, a teor da Súmula 7 do STJ. 6. A teor do entendimento majoritário da Primeira Turma do STJ, a sanção da perda do cargo público, prevista entre aquelas do art. 12 da Lei n. 8.429/1992, não está relacionada ao cargo ocupado pelo agente ímprobo ao tempo do trânsito em julgado da sentença condenatória, mas sim àquele (cargo) que serviu de instrumento para a prática da conduta ilícita. 7. A obrigação de reparar o dano causado ao erário, correspondente ao total das remunerações percebidas pelos parentes dos vereadores que foram nomeados indevidamente para ocupar cargos em comissão, constitui enriquecimento ilícito por parte da Administração, considerando que o serviço público foi desenvolvido. 8. Fixação da multa civil em 3 (três) vezes o valor da remuneração percebida pelo recorrente à época dos fatos. 9. Recurso especial parcialmente provido, na parte conhecida. (REsp 1766149/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe 04/02/2019) Por outro vértice, de forma diametralmente oposta, a 2ª Turma do STJ, filiando-se à doutrina majoritária, julga pela perda de qualquer função pública que esteja sendo ocupada no momento do trânsito em julgado. O fundamento base é a ausência de capacidade moral para continuar integrando os quadros da Administração Pública. Entretanto, ainda que não seja mencionado nas ementas, é óbvia a aplicação de interpretação extensiva em favor da mens legis da Lei nº 8.429/92, mesmo se tratando de direito punitivo. Observe-se (grifou-se): ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. SENTENÇA CONDENAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. DECLARAÇÃO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO. MERO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUSÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE LIQUIDEZ E CERTEZA AO DIREITO POSTULADO. 1. Recurso ordinário em mandado de segurança impetrado contra o ato administrativo que declarou a perda da função pública de servidor público por atenção ao teor de sentença judicial transitada em julgada. O impetrante alega violação do devido processo legal e o abuso de direito. 2. A aplicação da penalidade de perda de função pública, prevista nos arts. 9º, 10º e 11 da Lei n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), abrange todas as atividades e vínculos que o agente ímprobo eventualmente possuir com o poder público. 3. “A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível” (REsp 1.297.021/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 20.11.2013). No mesmo sentido: REsp 924.439/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.8.2009. 4. Não há falar em violação do devido processo legal, pois o ato administrativo atacado (fl. 12) somente deu cumprimento administrativo à decisão judicial, transitada em julgado, por meio da qual se declarou a perda da função pública. Recurso ordinário improvido. (RMS 32.378/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 11/05/2015) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. POLICIAL RODOVIÁRIO FEDERAL. COBRANÇA DE PROPINA. PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 211/STJ. PROVA EMPRESTADA. ESFERA PENAL. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DOS FATOS. MODIFICAÇÃO DE PREMISSA INVIÁVEL. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NÃO CONFIGURADA. PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA. ART. 12 DA LEI 8.429/1992. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. É inadmissível o recurso especial quanto a questão não decidida pelo Tribunal de origem, por falta de prequestionamento. 2. A jurisprudência do STJ é firme pela licitude da utilização de prova emprestada, colhida na esfera penal, nas ações de improbidade administrativa. 3. É inadmissível o recurso especial se a análise da pretensão da recorrente demanda o reexame de provas (Súmula 7/STJ). 4. Inexistente violação dos arts. 458 do CPC e 12, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, pois o acórdão recorrido fundamentou adequadamente a imposição da perda de função pública. 5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. 6. A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível. 7. Não havendo violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, modificar o quantitativo da sanção aplicada pela instância de origem, no caso concreto, enseja reapreciação dos fatos e provas, obstado nesta instância especial (Súmula 7/STJ). 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1297021/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013) Para ficar claro, o Supremo Tribunal Federal ainda não se manifestou sobre o tema, não havendo sequer tese de repercussão geral em fila de julgamento. No tangente à nítida e inconciliável divergência entre as Turmas do STJ, o tema urge ser pacificado pela 1ª Seção, órgão competente para temas de direito público, tais como improbidade administrativa. Como se vê, a necessidade de tal debate passa ao largo de mero interesse acadêmico, pois a segurança jurídica obtida pela integridade e coerência da jurisprudência é um dos fins do próprio Estado Democrático de Direito.   CONCLUSÃO O mote principal do presente estudo foi obter uma resposta ao seguinte problema: é constitucional impor a perda da função pública quando, no momento do trânsito em julgado da ação de improbidade administrativa, o agente público ocupa um cargo diferente daquele no qual cometera o ato ímprobo? No capítulo 1, expôs-se a força normativa da Constituição e a autoaplicabilidade dos princípios expressos da Administração Pública, a improbidade administrativa e seu cariz constitucional, com especial atenção à sanção de perda da função pública. Nesse quadrante, é certo que os preceitos constitucionais são normas jurídicas dotadas de efetividade. O Constituinte originário determinou que o ato de improbidade administrativa importa na perda da função pública. Os princípios regentes da Administração Pública, em especial o da moralidade, são autoaplicáveis, entretanto, o aplicador do direito também deve respeito à lei. No capítulo 2, após a identificação de duas correntes doutrinárias antagônicas, catalogaram-se todas as opiniões encontradas sobre a decretação da perda da função pública por decorrência de ato pretérito de improbidade cometido em cargo público diverso daquele atualmente ocupado pelo agente público. Como resultado, viu-se que a corrente doutrinária majoritária pela decretação da perda de toda e qualquer função pública que esteja sendo ocupada no momento do trânsito em julgado confere prevalência ao princípio da moralidade em detrimento da lacuna legal da Lei de Improbidade e ainda profere interpretação extensiva a preceito de direito sancionatório, o que contraria princípios de hermenêutica jurídica. A corrente doutrinária minoritária, por sua vez, faz uma leitura legalista do Texto Maior, com preferência pela interpretação gramatical e semântica, entendendo que a sanção perda “da” função pública não corresponde à perda “de” função pública, privilegia a interpretação restritiva em matéria de direito sancionador. No capítulo 3, demonstrou-se a atual e iterativa divergência no seio do Superior Tribunal de Justiça (STJ), observando-se que as decisões mais recentes filiam-se à corrente doutrinária minoritária. A síntese de tudo que foi visto é que ambas as correntes detêm argumentos de peso. É líquido e certo que a pretensa “defesa de corruptos” encontra resistência em todas as searas da sociedade, sendo a doutrina majoritária de fácil aceitação, contando com a suposta prevalência da força normativa da Constituição e dos princípios da Administração Pública, em especial o da moralidade. Ocorre que a garantia de leis claras e jurisprudência estável e coerente é direito de todos, dentro do que é esperado do Estado Democrático de Direito. Nesse aspecto, também é lícito conceder crédito a doutrina minoritária, pois ela  também tem esteio na Constituição, quando esta prevê a perda “da” função pública, que seria aquela ocupada no momento do ato de improbidade, bem como é pacífica a inaplicabilidade de interpretação extensiva em matéria de direito punitivo, sob pena de ferir-se uma das garantias mais básicas conquistadas pela sociedade em face do poder estatal: o respeito ao princípio da legalidade estrita em matéria sancionatória. Contudo, atrevendo-se a responder ao questionamento imposto pela problematização, opta-se pela constitucionalidade da corrente doutrinária majoritária, isto é, o agente público condenado por ato de improbidade administrativa deve perder a função pública que ocupa no momento do trânsito em julgado da ação de improbidade, sendo desinfluente ter cometido o ato ímprobo em cargo anterior. A Constituição é clara ao estabelecer que os atos de improbidade administrativa importarão a perda da função pública e que a Administração Pública é regida pelo princípio da moralidade. É regra de hermenêutica que, se a Carta Maior não restringiu, não cabe ao intérprete restringir, logo, a mens legis do art. 37, § 4º, só pode ser no sentido de obstar a continuidade do exercício da função pública por agente ímprobo, não importando em qual cargo tenha praticado atos de improbidade administrativa. Neste vértice, respondendo diretamente ao problema proposto, afirma-se que sim, é constitucional impor a perda da função pública ao agente público condenado por improbidade administrativa ainda que, no momento do trânsito em julgado, ele ocupe cargo diverso daquele no qual cometeu o ato de improbidade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/analise-da-constitucionalidade-da-perda-da-funcao-publica-em-acao-de-improbidade-administrativa-quando-o-agente-publico-muda-de-cargo-antes-do-transito-em-julgado/
O problema da transparência administrativa na licitação à luz da lei n.º 13.303/2016: perspectivas para os órgãos de controle e o controle social
O presente trabalho tem como proposta analisar o problema da transparência administrativa à luz da Lei n.º 13.303/2016 que inaugura um novo modelo de licitação para as Estatais. Ocorre que o legislador, pela Lei n.º 13.303/2016 concedeu aos agentes administrativos ampla competência discricionária, possibilitando aos agentes das estatais resolverem o caso concreto de acordo com a realidade de cada estatal. Outrossim, quando o legislador não atribui competência discricionária aos agentes, é comum que preveja em determinados atos, uma avaliação técnica que passa, invariavelmente, por elementos subjetivos para se chegar ao contrato mais vantajoso. Diante da multiplicidade de regulamentos, que, de certo modo, minam a capacidade de consentir na prevenção deliberada sobre certas questões, dilemas surgirão colocando à prova os órgãos administrativos de controle e o controle social.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO No Brasil, discursos acerca da participação popular na governança pública reconhecem ser a transparência indispensável para o exercício da soberania. Embora o consenso difundido seja verdadeiro, a transparência está longe de alcançar seu apogeu, face às ideologias políticas e dilemas que obstam a efetividade dos instrumentos de accountability. Nessa perspectiva, a Lei n.º 13.303/2016 inaugura um novo modelo de licitação, no qual o legislador concedeu aos agentes administrativos ampla competência discricionária possibilitando aos agentes das estatais de resolver o caso concreto de acordo com a realidade de cada estatal. Quando o legislador não atribui competência discricionária aos agentes é comum que preveja em determinados atos uma avaliação técnica que passa, invariavelmente, por elementos subjetivos para se chegar ao contrato mais vantajoso. No final das contas cria-se um padrão de confiança seguida da ruptura da lógica instituída pela Lei n.º 8.666/1993 que desconfia do agente e cria formalidades e restrições que o impede de decidir. A perspectiva que se tem é que a Lei n.º 13.303/2016 segue o padrão da administração pública gerencial, que possui uma característica dialógica e que constrói seu entendimento junto com o mercado volátil. Nessa perspectiva, qual o caminho para os instrumentos de transparência e accountability frente aos novos desafios? Quais serão as perspectivas para os órgãos de controle e para o controle social? É evidente que ante a multiplicidade de regulamentos e diferentes formas de licitar, poderá dificultar a fiscalização do controle social. Outrossim, dúvidas e inseguranças acerca da aplicabilidade da Lei n.º 13.303/2016 surgem. Todavia, um problema importante aqui é a opacidade das informações administrativas, ou seja, quando deliberadamente a tomada de decisão torna-se demasiadamente complexa para o cidadão comum entender o que está acontecendo. Controles processuais dos atos administrativos podem gerar quantidade de informações em demasia, mas se somente o administrador e os agentes públicos as compreenderem, não existirá transparência o que impossibilita o controle social.   Desde a virada do século iniciativas de responsabilização e transparência no âmbito da governança e democracia tornaram-se pauta na agenda da comunidade internacional, tendo em vista que a má aplicação e os constantes desvios dos recursos públicos na administração pública levaram muitos países a crises institucionais (McGEE & GAVENTA, 2011, p. 6; PALUDO, 2013, p. 120). Segundo Limberger (2007, p. 249): “[…] a malversação de enormes quantias monetárias compromete o investimento na implementação dos direitos sociais, pois os serviços não são realizados ou têm um nível insatisfatória de prestação. Esses episódios repercutem socialmente e são nefastos, uma vez que sangram os cofres públicos e comprometem o investimento em demandas prioritárias, causando um descrédito nas instituições públicas”. A má governança é, muitas vezes, um dos principais impulsionadores do subdesenvolvimento. Nessa perspectiva, a participação social emergiu como prioridade para reduzir as oportunidades de corrupção e fortalecer os mecanismos de transparência. Neste sentido, Paludo (2013, p. 120) aduz que, “Como solução, busca-se não só fortalecer os controles, mas também despertar a consciência da correta utilização dos recursos e da necessidade de prestação de contas transparente”. Na antiguidade, o enriquecimento pessoal e a corrupção, forçaram os povos a criarem sistemas específicos de controle da governança. Um dos mais notáveis feitos da sociedade ateniense foi à criação de um sistema de controle dos fundos públicos, bem como da riqueza e remuneração de todas as figuras públicas, de modo a evitar que se beneficiassem indevidamente dos seus cargos (CERF, 2008). Na obra Tratado Político, Baruch Spinoza descreve que, no Estado Aristocrático, os empregados das finanças eram escolhidos na plebe e que estes tinham que prestar contas não só ao senado, como também aos síndicos (§45, 1677, p. 28). Em 1.215 a Carta Magna inglesa introduziu os primeiros padrões de responsabilidade do governante (CERF, 2008), isto é, a ideia de accountability surge nesse contexto como uma tentativa de fazer com que o rei respondesse mais aos súditos. Sua acepção foi ganhando força na história dos povos à medida que em que acreditavam que o poder do governante deriva necessariamente do povo. Accountability, portanto, expressaria uma concepção contratualista de poder: Se o poder é resultado de um contrato entre o povo e o Estado os governantes, necessariamente, devem prestar contas constantemente a seus cidadãos. Essa concepção é como uma meta ideia que, na visão kantiana corresponde a um imperativo categórico. Ou seja, se ao administrador público fora delegada a responsabilidade de gerir os recursos públicos esse assume não só um dever legal, mas, também, uma responsabilidade ética perante o cidadão (PALUDO, 2013, p. 120). Segundo Cunha Junior (2015): “o dever de prestar contas é uma consequência lógica da atividade de gestão pública. de fato, se a administração pública envolve a atividade de gestão dos bens e interesses de coletividade, mais do que natural se exigir daquele que gerencia esses bens e interesses alheios à prestação de contas de sua atuação”. O primeiro instrumento básico de accountability é o império da lei. No início, as leis eram feitas por poucos eleitos, porquanto não nasciam de uma maioria eleitoral, mas de liberdades básicas nas quais os governantes não poderiam infringir. Ao longo de três séculos discutindo accountability como um contrato estabelecido entre o governante e governados, colocou-se como pedra central os governantes responderem a um princípio de voto. A ideia de o governante ser responsivo e respeitar um conjunto de leis são um pressuposto prévio a ideia de sufrágio. Vinton Cerf (2008) afirma que, uma das garantias mais básicas de accountability são as eleições justas e regulares, uma vez que se trata de responsabilidade ascendente, na medida em que atende não só o princípio democrático, mas assegura que o governante eleito ocupe o cargo de forma legítima. Esse processo foi gradativo através do qual o direito a participação — e que necessariamente se estende ao voto —, abrangeu a maior parte da população, de modo que hoje quando falamos sufrágio universal estamos nos referindo à possibilidade do cidadão, em sua capacidade plena, de votar. Pode-se dizer que a extensão do sufrágio foi importantíssima para garantir que os governantes respondessem seus governados no sentido de um contrato. Inegavelmente, ele é o elemento fundamental dentro de um sistema democrático que permite que todos participem. Todavia, garantir o voto não é suficiente para assegurar o contrato social. “Se o espaço de cidadania for restrito ao voto e à representatividade de democracia indireta (em uma organização puramente de obrigação vertical), o modelo de governo convergiria em tecnocracia” (SILVA, 2016, p. 5). Com efeito, a accountability não se esgota no voto. No fundo, accountability tem a ver com garantir instrumentos de controle social, de modo a manter o bom funcionamento da democracia pensando na participação durante o mandato dos governantes se estendendo, também, a todos aqueles exercem cargos públicos. “[…] é tarefa das instituições políticas constituírem mecanismos de prestação de contas à sociedade, no sentido de reduzir a razão de Estado a uma razão do público e permitir o controle deste sobre aquele” (FILGUEIRAS, 2011, p. 67-68). No Brasil, a partir do processo de democratização dos anos 80 e 90, o termo accountability integrou a teoria política contemporânea, sendo considerado “princípio fundamental do ordenamento democrático” o administrador público estar constantemente prestando contas aos cidadãos (PALUDO, 2013, p. 120; FILGUEIRAS, 2011, p. 66). Carvalho filho (2015, p. 67) aduz que: “A prestação de contas de administradores pode ser realizada internamente, através de órgãos escalonados em graus hierárquicos, ou internamente. […] Registra-se, ainda, que o dever de prestar contas alcança não só a Administração centralizada, mas também os agentes de entidades a ela vinculadas e até mesmo outras pessoas que recebem subvenção governamental”. Hoje, podemos pensar a accountability do ponto de vista de controle por resultado, porquanto envolve pensar em um pacto entre o poder público e seus governados que se dá por mecanismos de acompanhamento, monitoramento e avaliação. Quanto mais se estabelece uma lógica de controle por resultados, o poder público e sua burocracia, bem como toda a estrutura do Estado, se transformam em objeto de accountability. “As demandas por reformas e pelo aprofundamento da accountability são unívocas em ressaltar a necessidade de maior transparência das ações do Estado frente à sociedade, criando, dessa maneira, uma política de transparência nas democracias contemporâneas. Nesses termos, a democratização do Estado deve promover uma abertura do sistema político, no sentido de torna-lo mais transparente e, por sua vez, mais aceita à avaliação do público” (FILGUEIRAS, 2011, p. 66). Essas ideias gerais são essenciais para o país que deseja ser democrático. Ele tem que ser capaz de combinar esses vários elementos no mundo contemporâneo, o que exige transformações na maneira como Estados e governos funcionam. Contudo, não é uma transformação apenas legal e cultural de valores, mas uma mudança de distribuição de poder. Quando se fala em poder, percebe-se que accountability é algo imperfeito, uma vez que o poder originário do homem é imperfeito. Destarte, será cada vez mais insustentável a legitimidade do poder público fora dos mecanismos de accountability. É uma luta constante para democratizar, controlar e melhorar esse instrumento. Mas, accountability não deve se limitar apenas ao controle do governado sobre os governantes, deve servir, primeiro, para melhorar a qualidade dos governos.   Nas últimas décadas, os discursos acerca da participação social têm sido assunto debatido comunidade internacional, direcionado no sentido de favorecer a implementação de políticas públicas e a canalização de demandas (ESPINOSA, 2003, p. 2). Atualmente “a sociedade contemporânea tem experimentado, em diversas instituições sociais, uma democratização cada vez mais acentuada”, todavia, este não é um fenômeno recente “nem na teoria, nem na prática gerencial” (MOTTA, 1981, p. 54). A participação social se fundamenta no exercício “dos direitos políticos de cidadania com os chamados direitos sociais”. Essa faculdade tem sua origem no direito fundamental do cidadão de dirigir à administração pública, participando do processo decisório público (MENDONÇA, 1984, p. 175, 176 e 178). Para Carothers & Brechenmacher (2014), a abrangência do controle social na governança contribui, diretamente, para que o administrador público atenda melhor às necessidades dos administrados e, para que preste informação acerca das decisões e ações tomadas. “A assunção de responsabilidade e de poder no processo de tomada de decisão ocorre cada dia mais cedo e de maneira mais ampliada. Essa democratização das relações sociais ocasiona novas formas de organização de instituições sociais que, por sua vez, vão propiciar pressões para democratizar também a organização econômica e a produção de bens e serviços. Um novo relacionamento social ou uma nova concepção de mando/subordinação terá que ser instituída a fim de que as organizações possam adaptar-se às pressões para democratização” (MOTTA, 1981, p. 54). O controle social, a partir dessa perspectiva, pode ser definido como, direito do cidadão e, expressão máxima de sua autonomia, de modo a assegurar a retidão da conduta dos membros da administração pública em consonância com os deveres formais e princípios constitucionalmente prescritos, tornando-a mais responsiva. Com efeito, é um “complemento indispensável ao controle institucional realizado pelos órgãos” fiscalizadores, prevenindo a “corrupção e fortalecendo a cidadania, garantindo a correta aplicação dos recursos” (OABPR, 2014, p. 18). Outrossim, a sociedade civil organizada e o cidadão tem por dever fiscalizar, monitorar e controlar a administração pública, utilizando os meios disponíveis para o exercício da cidadania prevenindo à corrupção (SILVA, 2016, p. 6). O controle social passou a ter maior abrangência no pós-Segunda Guerra Mundial, sendo que ganhou mais espaço nos anos sessenta. Alvarez (2004, p. 169-170), a respeito deste período, explica que: “Após a Segunda Guerra Mundial, […] a expressão começa a apontar para uma direção oposta. Sobretudo estudos no campo da Sociologia e da História do crime e do desvio recuperam, por um lado, questões macrossociológicas, como a da relação do Estado com os mecanismos de controle social. Por outro lado, a coesão social não será mais vista como resultado da solidariedade e da integração social, mas sim como resultado de práticas de dominação organizadas pelo Estado ou pelas “classes dominantes”. Será esta orientação negativa da temática do controle social que ganhará cada vez mais importância tanto na Sociologia quanto na História a partir dos anos 60 do século XX […]. Sem dúvida, essa perspectiva mais crítica acerca dos mecanismos de controle social presentes na sociedade moderna estimulará um rico conjunto de trabalhos voltados tanto para as instituições diretamente envolvidas com a questão do desvio, do crime e da criminalidade – polícia, justiça criminal, prisão”. Neste período dúvidas pairavam acerca de como fazer expandir esse instrumento para um conjunto de uma nação e ganhar características institucionais, de modo a adaptar à heterogeneidade, às diversidades, e aos conflitos que surgem quando se expande o tamanho do corpo político. Inegavelmente, quando se expande um corpo político, torna-se dificultoso construir instituições. Durante alguns anos, os mecanismos de controle social se expandiram em razão de três fatores: Descentralização de poder em vários países do mundo: para construir o Estado Nacional e, posteriormente, o Estado de Bem-Estar Social, foi preciso centralizar o poder. Em meados da década de sessenta e mais fortemente nas últimas três décadas, não só em países federativos como em outros, houve um processo de descentralização. Por conseguinte, se tornou necessário uma maior participação no controle da administração pública; Ascenção da tecnologia no mundo globalizado permitiu maior acesso a informação: em decorrência da globalização, a tecnologia de informação e comunicação (TIC) passou a ser utilizada como ferramenta para o incremento da governança pública favorecendo um diálogo entre o administrador público e os administrados (PALUDO, 2013, p. 135); Inserção do controle social dentro da lógica dos governos: se em primeiro plano a democracia é uma forma de consulta aos cidadãos, na lógica de controle social, tem-se que não é somente mais um meio de consultá-los, mas uma forma de inseri-los no processo decisório, formulação de políticas públicas, etc. O controle social faz parte não só do processo de descentralização e da revolução da informação. Com a sua expansão houve uma quebra da visão contratualista clássica que separava governantes e governados, porquanto o cidadão passa a ter destaque, não como um mero consultado, mas como um agente do processo. No Brasil as demandas por uma maior participação rendeu à Constituição de 1988 o título de “Constituição Cidadã”. A expressão das reivindicações por democracia no século XX implementou o princípio democrático, fortalecendo a soberania popular e o controle do Administrador pelos Administrados (GURGEL & JUSTEN, 2013, p. 360; OABPR, 2014, p. 18). Segundo Mendonça (1984, p. 182): “a participação no Brasil é algo que veio para ficar, e a maturidade democrática, ao lado da seriedade e responsabilidade no trato da coisa pública são débitos do poder público para com a população, que precisam ser saldados. A participação, certamente, é uma grande avenida aberta neste sentido”. Silva (2016, p. 2) destaca que, com o processo de redemocratização, promulgada pela Constituição Federal de 1988, ampliou-se a esfera de participação no Brasil, com a consagração do direito ao acesso à informação, no art. 5.º, XXXIII, e o princípio da publicidade, plasmado no art. 37, e o direito de controle social sobre as contas públicas, no § 2.º do art. 74. A partir de então, normas infraconstitucionais foram criadas, de modo a garantir a participação do cidadão e, inseri-los nos arranjos institucionais federativos. Senão vejamos: Silva & D’arc (1996, p. 46-47), explica que nos “anos 90, a discussão sobre a participação popular ganha particular importância com a conquista de diversas e importantes prefeituras pelos setores progressistas no país”. Todavia, na prática, constatou-se uma insuficiência acerca “de reflexão e revisão […] da conceituação de participação popular, bem como de outros conceitos”. Em que pesem os argumentos contrários, no Brasil contemporâneo, a perspectiva que se tem não é a de insuficiência de conceituação de participação popular, porquanto a farta literatura já tratou de conceitua-la. Em virtude de ideologias políticas e da opacidade das informações, a visão que se tem hoje é a de um país com um déficit de accountability e transparência que obstam o controle social.   2.1. O controle social no mundo globalizado A participação do cidadão na esfera pública é viabilizada pelo conhecimento que o cidadão possui. O princípio básico subjacente da democracia, segundo Janet Caldow (2004), é a de uma sociedade informada e engajada. Para obter esse conhecimento, são necessários instrumentos que facilitem o acesso à informação, devendo o Estado prover os meios de acesso para tanto (SILVA & D’ARC, 1996, p. 5). Nesse contexto, corrobora a tecnologia de informação e comunicação, inaugurando a governança eletrônica, tendo em vista que com a globalização tecnológica as informações são transmitidas em tempo real. Segundo Paludo (2013, p. 134-135): “No contexto do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (1995) já foram abordadas questões relacionadas ao Governo Eletrônico. Tratava-se de Sistemas de Gestão Pública capazes de oferecer transparência às ações governamentais; disponibilizar informações aos gestores para a tomada de decisão; e facilitar o acesso dos cidadãos a essas informações”. Todavia, o uso da TIC’s encontra uma série de dilemas que requerem mudanças normativas e culturais para a sua efetivação. Vejam-se alguns desses dilemas: Como solução, o que apresenta são paliativos para os seguimentos populares que não dispõem de meios para estabelecer uma relação dialética com o administrador público (PAIVA, 1986, p. 90). Para resolver esses percalços e estabelecer um mecanismo de governança multiparticipativa, transparente e democrática (art. 24, I, Lei n.º 12.965/2014), o legislador pátrio por meio do Decreto n.º 8.638/2016, instituiu a Política de Governança Digital e estabeleceu como princípios da governança digital, a participação e o controle social. Conforme previsão do art. 1.º e incisos, do referido Decreto, a Política possui as seguintes finalidades: “I – gerar benefícios para a sociedade mediante o uso da informação e dos recursos de tecnologia da informação e comunicação na prestação de serviços públicos; II – estimular a participação da sociedade na formulação, na implementação, no monitoramento e na avaliação das políticas públicas e dos serviços públicos disponibilizados em meio digital; e III – assegurar a obtenção de informações pela sociedade, observadas as restrições legalmente previstas”. Segundo Limberger (2007, p. 251): “o progresso tecnológico e o direito à informação vão trazer implicações no mundo jurídico em muitos aspectos, in casu, o uso das novas tecnologias vai propiciar uma maneira diferente de plublicizar os atos da administração, tornando-as mais acessíveis à população”. Em contrapartida, Cruz et al (2012, p. 159) aduz que, “as tecnologias de informação podem facilitar a transparência e a participação, mas não têm capacidade por si mesma de pôr fim à existência de déficit democrático e de accountability”. Aperfeiçoar os instrumentos de controle é essencial para o seu desenvolvimento, caso contrário tornar-se-ão puramente instrumentalistas ou tecnocráticos, limitando o exercício das sociedades civis organizadas e do cidadão. Identificar e compreender esses problemas deixa claro que a cooperação para o desenvolvimento em torno do valor normativo e instrumental da responsabilidade, transparência e participação.   James Madison em uma carta à W. T. Barry afirmou que um governo que não presta informação ao cidadão, ou não oferece os meios para adquiri-la, é apenas um Prólogo de uma Farsa ou uma Tragédia, quiçá ambos (LIBRARY OF CONGRESS, 1822). Na carta, o autor faz menção ao teatro grego (Farsa e a Tragédia) no qual antes do início da peça, o narrador, ou até mesmo um ator, pronunciava uma mensagem do dramaturgo aos ouvintes. No entanto, James Madison queria expressar muito mais do que fazer menção às tragédias gregas. O autor indignava-se acerca das dotações orçamentárias destinadas ao sistema educacional. Para Madison, o conhecimento deve prevalecer sobre a ignorância, para que o cidadão possa armar-se com o poder que o conhecimento dá (LIBRARY OF CONGRESS, 1822). Logicamente poderia se indagar: qual a relação do discurso de Madison com a transparência? É que apesar de o discurso não falar diretamente da transparência, ele toca em um ponto muito sensível que é a falta de conhecimento do cidadão e que, por conseguinte, torna-se um dos fatores de crises institucionais, porquanto se aproveita da ignorância do povo para a prática de corrupção. Esse efeito, afeta diretamente à democracia uma vez que, sem conhecimento, o cidadão não exerce a cidadania em sua plenitude, obstruindo o controle social, tornando a administração pública um ambiente carente de transparência. O panorama que se tem é que, os discursos acerca da participação cidadã na governança pública reconhece ser a transparência indispensável para o exercício da soberania. O consenso difundido, embora verdadeiro, possui fissuras, pois existem barreiras que obstam o exercício pleno da soberania. Segundo Silva & D’arc (1996, p. 49): “Os problemas enfrentados pela participação dos cidadãos na administração pública são inúmeros e complexos, sobretudo aqueles relacionados à percepção e às atitudes dos governantes e demais sujeitos do processo participativo, aos fatores político-institucionais que interferem no processo decisório governamental, às formas de atrair e manter o interesse dos cidadãos, aos arranjos institucionais que garantam a eficácia e a continuidade da participação”. “A publicidade sempre foi vista como forma de controle da administração pelos cidadãos”, porquanto é quando os atos são publicizados que os órgãos de controle e os cidadãos fiscalizam e monitoram os atos praticados. Entretanto, o que se tem predominado é a publicidade com pouca ou quase nenhuma transparência (CARVALHO, 2016, p. 69; SILVA, 2016, p. 9). Segundo Têmis Limberger (2007, p. 259): “Um dos grandes objetivos das democracias da democracia da atualidade é possibilitar uma rede de comunicação direta entre a administração e os administrados que resulte em um aprofundamento democrático e em uma maior transparência e eficiência de atividade administrativa”. Neste sentido Paludo (2013, p. 139) aduz que: “A transparência é inerente aos Estados democráticos modernos; insere-se no bojo da democracia. Num ambiente democrático a sociedade tem direito a informações transparentes: quanto mais houver transparência nas informações, mais democráticos serão os governos e a sociedade”. Segundo McGee & Magenta (2011, p. 6), a transparência e accountability surgiram na última década como forma de abordar falhas de desenvolvimento, déficit democrático e reparar ineficácias, canalizando os gastos públicos. A transparência pode ser definida como um valor fundamental na sociedade contemporânea, ampliando o fluxo aberto de informações, e, por esta via, permite monitorar as operações e ações dos agentes públicos, e incrementar a responsabilização (accountability) do Estado perante o cidadão (FILGUEIRAS, 2011, p. 72; PARK 2011, p. 256). Bannister & Connolly (2011, p. 5), nessa perspectiva, aduzem que o princípio da transparência exige que as decisões e ações dos governos estejam abertas ao escrutínio público, para que haja a responsabilização quando do desvio de conduta de governantes e agentes públicos. Esse conceito é fundamental para a ideia de governança democrática, pois sem responsabilidade e transparência a democracia é impossível. Ainda, segundo Bannister & Connolly (2011, p. 5): “Transparência significa a redução das assimetrias informacionais entre cidadão e agentes estatais, de maneira a reduzir as falhas de gestão e permitir maior controle sobre os atos ilícitos cometidos no setor público”. Para Park (2011, p. 256) a demanda por transparência é resultante de três fatores: (a) das reivindicações morais nas sociedades democráticas; (b) como instrumento balizador para reduzir a corrupção; e (c) vinculação com valores de responsabilidade. Bannister & Connolly (2011, p. 2-3), propõem que para determinar o nível e a natureza da transparência na administração pública requer-se um equilíbrio entre quatro conjuntos de valores e crenças, sendo eles: Direito ao acesso à informação: está implícito no conceito de accountability. No Estado Democrático de Direito o governante que represente o povo é pago pelo cidadão. Com efeito, deve haver forte presunção em favor da transparência; Direito à boa governança: a transparência é conjunto inerente à boa governança. Tal direito está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana e de seus direito fundamentais; Custos e os riscos da transparência: muito embora o uso das TIC’s tenha alterado o panorama econômico da transparência, os argumentos tradicionais têm sido contra no sentido de que até mesmo a transparência habilitada eletronicamente tem custos financeiros e outros que podem ser significativos. Destacam, ainda, as correntes tradicionais os riscos das ameaças de hacking, deste modo devem-se ponderar estes riscos, de modo a evita-los; Limites constitucionais quanto ao acesso às informações restritas: o acesso à informação não dever totalmente livre. Deve-se limitar o acesso àquelas informações que são de caráter confidencial do Estado, em nome da segurança pública. Existe uma divisão teórica acerca da incompatibilidade da transparência com a boa governança. Estudiosos como Kim et al e Nanz & Steffeck, consideram a transparência como integrante da boa governança. Por sua vez, Bannister & Connolly (2011, p.3) dão maior destaque às ideias de Cocovas & Craig, no qual afirmam a possibilidade da transparência ser incompatível com a boa governança. Contrapondo esse pensamento, McGee & Gaventa (2011, p. 11) e Johnston (2006, p. 3) explicam que, a transparência é requisito essencial da accountabilty e característica fundamental da boa governança, porquanto é por meio da transparência que se reforça a confiança entre o agente e o principal, tornando as informações simétricas e os processos discricionários menos opacos. Sem a transparência, a boa governança possui pouco significado. Pela teoria clássica da agência, a transparência é o principal elemento que estabelece uma relação vis-à-vis entre o principal (cidadão e sociedades civis organizadas) e o agente (administrador público). O problema entre o principal e o agente, conhecido como “dilema da agência” pela literatura, ocorre quando o agente é capaz de tomar decisões em nome do principal. O dilema existe em circunstâncias em que o agente é motivado a agir em prol dos próprios interesses, contrariando os interesses do principal (custos de agência). Ou seja, o problema surge na assimetria das informações, de tal modo que o principal não garante que as ações e decisões do agente estejam de acordo com os interesses de Estado. A transparência se expandiu “para além da linha geral/fiscal”, ampliando os requisitos de accountability, “via órgãos de controle, que passam a avaliar se efetivamente, as informações públicas estão acessíveis ao cidadão seja via relatórios fiscais, portais eletrônicos de transparência e relatórios de gestão anuais” (BAIRRAL et al, 2015, p. 645). Apesar dos recursos tecnológicos, “não existe razão para acreditar que o grau de transparência para os atores políticos alcançou o nível ideal do ponto de vista da sociedade”, vez que este não é um obstáculo fácil de ser superado. “A transparência na gestão pública exige uma política específica” (CRUZ et al, 2012, p. 156). Dentre os acertos, percebe-se que a Lei da Transparência, no Brasil, se mostrou bastante eficaz ao permitir a disponibilização das informações em sítios eletrônicos do governo federal. Todavia, a lei se limitou apenas a divulgar as “ações de governo e as despesas realizadas pelos órgãos e entidades da administração pública”, “não indicando o nível de detalhamento, a forma da apresentação e tampouco critérios de usabilidade ou facilidade; […] o que mais se encontra nas páginas de transparência é o ponto de vista de governos e não, necessariamente, a transparência que o cidadão deseja é apresentada” (MACEDO, 2012, p.257). Registre-se, ainda, que um ato publicizado não significa que ele seja transparente, já que a informação disponibilizada pode não expressar sentido algum. A divulgação de notas fiscais de uma compra realizada pela administração pública, apenas confere publicidade ao ato, mas não à transparência “pois não é possível aferir, com apenas esses dados, a necessidade de compra, a relação de custo benefício ou a qualidade do produto obtido” (SILVA, 2016, p. 9). A transparência exige recursos significativos, que podem abrandar os procedimentos administrativos. Para Silva (2016, p. 9-10), “para se efetivar a transparência e se garantir o devido processo administrativo, propõe-se que o gestor deve motivar o ato administrativo que desconsidera a opinião popular”. Ele demonstra que tem respeitado os padrões, de impessoalidade, eficiência e legalidade. Para Johnston (2006, p. 3), regras e procedimentos devem estar abertos ao escrutínio de uma forma compreensível. Para o autor, um governo transparente deixa claro o que está sendo feito, porque e como ocorrem as ações, os envolvidos, e o motivo das decisões tomadas. As iniciativas de governo aberto solidificou a transparência do setor público. Embora os discursos evoquem noções potencialmente transformadoras, a capacitação cidadã é essencial, caso contrário os instrumentos de controle e transparência serão reduzidos a meros instrumentos de consulta ou controles tecnocráticos (CAROTHERS & BRECHENMACHER, 2014).   3.1. O problema da transparência administrativa na licitação à luz da Lei n.º 13.303/2016 A transparência nas decisões do administrador requer, implicitamente, as razões do seu comportamento. No nível mais trivial, cite-se a Lei n.º 13.303/2016 (Lei das Estatais), especificamente no que concerne ao novo modelo de licitação, no qual o legislador ampliou significativamente as competências discricionárias dos agentes administrativos. Em outras palavras, os agentes das estatais possuem liberdade para resolver o caso concreto de acordo com a realidade da estatal. A perspectiva que se tem é que, a Lei das Estatais segue o padrão da administração pública gerencial, que possui uma característica dialógica e que constrói seu entendimento junto com o mercado volátil. Todavia, um problema importante aqui é a ofuscação das informações, ou seja, quando, deliberadamente, a tomada de decisão torna-se demasiadamente complexa para o cidadão comum entender o que está acontecendo. A Lei das Estatais se difere da Lei n.º 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública) quanto a sua tônica. Enquanto na Lei n.º 8.666/1993 temos um processo já definido pelo legislador que coíbe a discricionariedade dos agentes administrativos e, que serve a todas as contratações na administração pública, na Lei n.º 13.303/2016 (Lei das Estatais) há uma valorização do poder decisório dos agentes das estatais. Quando o legislador não atribui competência discricionária, é comum que preveja determinados atos, por parte dos agentes das estatais, que dependam de uma avaliação técnica que passa, invariavelmente, por elementos subjetivos. O primeiro desafio para os órgãos de controle é quanto à aplicação dos dois modelos de licitação. O que se tem, até o presente momento, é a ampliação de competência discricionária que maximiza o poder de decisão dos agentes das estatais, articulado pelo legislador, para se chegar ao contrato mais vantajoso. Cria-se um padrão de confiança no discernimento dos agentes das estatais, seguida da ruptura da lógica instituída pela Lei n.º 8.666/1993, que desconfia do agente, criando formalidades e restrições que o impede de decidir fora dos padrões instituídos pela referida lei. O segundo desafio é que, a Lei n.º 13.303/2016 possui uma dupla característica: ela é lei e regulamento, no qual cada estatal terá o seu, ou seja, não haverá uma uniformidade, por obvio os órgãos de controle terão que avaliar com base em uma multiplicidade de regulamentos. Ainda, registre-se que, o auditor pode não concordar com o regulamento da estatal, mas não poderá alegar erros. Assim, questiona-se: o que esperar da atuação dos tribunais de contas? Como os tribunais de contas irão se portar diante dessa nova realidade? Encararão com deferência e confiarão no discernimento dos agentes administrativos das estatais, ou, agirão com desconfiança, inviabilizando totalmente a tônica da Lei n.º 13.303/2016? Posto isso, se para órgãos de controle será um desafio se adaptarem a essa nova sistemática, o que dirá do controle social que nessa perspectiva, fica mais vulnerável, face à multiplicidade de regulamentos, que de certo modo, minam a capacidade de consentir na prevenção deliberada do debate público sobre certas questões. Tendo em vista a essa nova realidade, os instrumentos de transparência estão adaptados a essa perspectiva? Como pensar em um sistema de controle eficiente que afaste o risco de corrupção nas contratações? Os passos de uma licitação pública podem ser definidos claramente na web. “Após problemas de apropriações indevidas em licitações, a alternativa que se apresente é o pregão eletrônico, para que todo cidadão possa ter acesso a essa informação” (LIMBERGER, 2007, p. 249). Todavia, controles processuais podem gerar quantidade de informações em demasia, mas se somente os agentes das estatais as compreenderem não existirá transparência e, por conseguinte, não será possível o controle social. Logo, o “fundamental é pensar o problema da transparência no sentido aprimorar a noção de responsabilidade do Estado diante da sociedade” (FILGUEIRAS, 2011, p. 74-75).   CONCLUSÃO A Lei n.º 13.303/2016 instituiu um novo modelo de licitação. O cenário parece promissor, todavia, a tônica da referida lei cria um novo panorama de desafios para os órgãos de controle, bem como para o controle social. Diante da multiplicidade de regulamentos que, de certo modo, minam a capacidade de consentir na prevenção deliberada sobre certas questões, dilemas surgirão colocando à prova os órgãos administrativos de controle e o controle social. Em relação à atuação dos Tribunais de Contas, dúvidas acerca de sua atuação pairam, uma vez que a interpretação da novel legislação deverá ser sistemática sem apego aos entendimentos criados ao longo do tempo e que se aplica tão somente à Lei n.º 8.666/1993. Com efeito, é evidente que os Tribunais deverão agir com deferência quanto ao discernimento dos agentes das estatais tendo em vista que, se partirem da premissa de desconfiança, será um caminho para inviabilizar totalmente o passo da lei. Quanto ao controle social (sociedades civis organizadas e o cidadão), como já salientado ao longo desse estudo, possui um papel importante na complementação do controle institucional realizado pelos órgãos administrativos, fiscalizando e monitorando os atos dos governantes e dos agentes públicos. Contudo, frente à Lei n.º 13.303/2016 o controle social encontrará dificuldades no exercício do controle uma vez que, com a falta de uniformidade nos regulamentos, será demasiadamente complexo para o mesmo compreender a lógica da licitação. É de se recordar que, mesmo com a Lei n.º 8.666/1993, que engessa os procedimentos de licitação e contratação, o controle social já é falho ante os fracos instrumentos de accountability, o que esperar da Lei das Estatais. A administração pública, gradativamente, tem mudado sua estrutura de governança. Nessa perspectiva, pensar em novos modelos de fiscalização e responsabilização que torne a administração pública mais responsiva é primordial. Criar um sistema de controle eficiente que afaste o risco de corrupção nas contratações é assegurar o contrato social e a democracia no país. Repise-se que para o país que deseja ser democrático tem que ser capaz de combinar esses vários elementos, o que exige transformações na maneira como Estados e governos funcionam. Nesse passo, será cada vez mais insustentável a legitimidade do poder público fora dos mecanismos de transparência e accountability, uma luta constante para democratizar, controlar e melhorar esse instrumento, de modo a melhorar a qualidade dos governos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-problema-da-transparencia-administrativa-na-licitacao-a-luz-da-lei-n-o-13-303-2016-perspectivas-para-os-orgaos-de-controle-e-o-controle-social/
Atuação da Equipe de Processamento Remoto do Tribunal de Justiça de Roraima (2017-2019)
A atuação da Equipe de Processamento Remoto do Tribunal de Justiça de Roraima junto às comarcas do interior surgiu de forma experimental em 2017 por meio da Portaria Nº 776 que tinha como objetivo auxiliar as unidades judiciárias de primeiro grau no tratamento de processos eletrônicos em caso de paralisação processual ou para agilizar a tramitação buscando o cumprimento das metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Neste estudo foi verificável que de 2017 ao primeiro semestre de 2019 a Equipe de Processamento Remoto teve um bom desempenho com indicativos de boa pratica jurisdicional. Tendo por base diversos Tribunais de Justiça no território nacional que já implantaram com sucesso projetos semelhantes de atuação remota é perceptível a celeridade na tramitação processual com menor custo e mão de obra especializada. Com um breve estudo de impacto financeiro, gestão de processos e gestão de pessoas é possível coadunar com a proposição da criação permanente da Secretaria Judiciária de Primeiro Grau e centralizando na capital todo trâmite cartorário judicial. Neste artigo serão apresentadas ao Judiciário roraimense mudanças de paradigmas com trabalho remoto no sentido de melhorar a qualidade de vida dos servidores, benefícios para a gestão de pessoas, gestão de processos, economia ao erário do TJRR, e especialização de mão de obra.
Direito Administrativo
Introdução “A lentidão da prestação jurisdicional representa um grande problema para a sociedade”, afirmou Sadek (2010, p. 2) essa fala incisiva cinge em diversos momentos quando se fala da Justiça brasileira. No entanto, pouco se sabe ou pouco se populariza o que os Tribunais de Justiça pelo Brasil tem feito para reverter esse cenário. Com a reforma do Judiciário aprovada em 2004 diversas medidas foram tomadas e a racionalização da busca pela eficiência instituída através das Metas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem gerado efeito 15 anos após a reforma. As inovações em termos de gerenciamento, tecnologia, rotina organizacional e jurídico-legislativa estão em mudança. Essas transformações é um processo lento e contínuo que geram resultados positivos tanto para as Cortes de Justiça quanto para sociedade em geral (Rotta et al, 2013). É fundamental esclarecer que as mudanças além de eficientes elas muito têm contribuído no sentido de redução de custos, o corte de gastos altamente desnecessários para a administração pública geram economia. Adotar sistemas informatizados no caso da virtualização dos processos reflete na diminuição de espaço físico, materiais de papelaria e mobília. Nos Tribunais de Justiça pelo Brasil essa realidade já está presente, há investimento permitindo celeridade, transparência, quebra de paradigmas em rotinas de trabalho obsoletas que não geram resultados na tramitação de processos. Desse modo, a presente pesquisa intitulada ATUAÇÃO DA EQUIPE DE PROCESSAMENTO REMOTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RORAIMA (2017-2019) tem como objetivo geral propor a Criação da Secretaria Judiciaria de Primeiro Grau para a centralização do Processamento Eletrônico no Município de Boa Vista/RR apresentando o desempenho da EPR, bem como disponibilização da equipe para compor o projeto piloto. A Equipe de Processamento Remoto do TJRR foi instituída através da Portaria Nº 776/2017 com o objetivo de auxiliar as unidades judiciárias de primeiro grau no tratamento de processos eletrônicos em caso de paralisação processual ou para agilizar a tramitação buscando o cumprimento das metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Sendo assim, este trabalho mostrará que no período de 2017 a 2019 a atuação da Equipe de Processamento Remoto, cujo possui caráter experimental, gerou resultados eficazes. Para isso foi necessário delimitar alguns caminhos que constituem os objetivos específicos desta pesquisa: pesquisar projetos semelhantes em outros Tribunais para compreender dadas experiências; realizar o estudo de impacto financeiro do pagamento de gratificação de localidade; apresentar a gestão de processos e resultados estatísticos; fomentar a alteração de paradigmas na Gestão de Pessoas; e através dos resultados propor a criação da Secretaria Judiciária de Primeiro Grau para centralização do Processamento Eletrônico no Município de Boa Vista/RR. Metodologicamente, este trabalho possui caráter bibliográfico e documental, cuja natureza é quanti-qualitativa. Esta pesquisa se pautará no método estudo de caso e pesquisa-ação. Quanto aos procedimentos adotados para o tratamento dos dados coletados foram: histórico, quanti-qualitativo e analítico. Como referenciais teóricos foram utilizados: artigos científicos, dissertações e livros, estudos do Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Justiça, estudo de caso da Comarca de Rorainópolis/RR por meio de documentos oficiais, assim como notícias e/ou levantamento de resultados de outros tribunais divulgando o sucesso na implantação de atuação remota. O presente artigo está dividido em Resumo, Abstract, Introdução, Implantação de Equipes de Processamento Remoto nos Tribunais brasileiros: revisão de literatura, Estudo de Impacto Financeiro, Gestão de Processos e resultados da Equipe de Processamento Remoto do TJRR (2017-2019), Gestão de Pessoas e a prestação de serviço jurisdicional, Considerações Finais e Referências. Ao apresentar o desempenho da Equipe de Processamento Remoto do TJRR no período de 2017 a 2019 é pertinente propor a Criação da Secretaria Judiciaria de Primeiro Grau para a centralização do Processamento Eletrônico no Município de Boa Vista/RR. Uma vez que é um projeto que possui caráter experimental que tem refletido numa boa pratica jurisdicional podendo tornar um projeto permanente.   1. Implantação de equipes remotas nos tribunais brasileiros Segundo o Centro de Estudos e Pesquisas Judiciais – CEBEPEJ (2016), com base nos novos paradigmas do processamento eletrônico, vários tribunais vêm instituindo unidades judiciárias capazes de centralizar os trabalhos cartorários num ambiente próprio, sem atendimento externo, organizado conforme a matéria tratada nos feitos judiciais, atendimento a diversas comarcas e caracterizado pela especialização dos servidores e padronização das rotinas de trabalho. Conforme o CEBEPEJ (2016), o novo modelo de organização e funcionamento de cartórios judiciais partiu das problemáticas levantadas a partir de estudos realizados em alguns estados brasileiros revelando problemas recorrentes, tais como: “Deficiente gestão em recursos humanos […]; Procedimentos judiciais e rotinas internas de trabalho complexas, demoradas e com baixo grau de eficácia; O não alcance de um ponto de equilíbrio entre a desejável padronização de rotinas internas dos cartórios e a necessária adaptação dos procedimentos padronizados às circunstâncias e características estruturais locais; O desequilibrado aporte dos recursos humanos, materiais e também tecnológicos disponíveis; etc. […]” (CEBEPEJ, 2016, p.13). Desse modo, fez se necessária a reorganização do sistema jurisdicional, sobretudo com a informatização de processos e serviços, conduzindo a uma nova realidade no contexto judiciário. O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), por exemplo, possui Secretaria Judiciária Única – SEJUD (Lei Nº 16.905/2019), cuja criação faz parte do Programa Celeridade. A SEJUD/TJCE fica vinculada, para fins administrativos, à Presidência do Tribunal, por intermédio da Superintendência da Área Judiciária, com atividades supervisionadas por um juiz. A unidade cearense otimiza recursos humanos e tecnológicos, trazendo celeridade ao andamento dos processos judiciais. O modelo já era utilizado pelo Tribunal desde 2013 (Resolução 2/2013 – Pleno TJCE), que para a diretora do Fórum, juíza Ana Cristina, a apresentação da SEJUD permite aos gabinetes dos magistrados atuarem “efetivamente na atividade-fim e isso a gente consegue ver a realidade na atividade da prestação jurisdicional das unidades” (TJCE, 2019) . Já o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) com a implantação da Divisão de Tramitação Remota (DTR) em 2014, contribuiu para a redução no tempo de trâmite de ações no Judiciário catarinense. De acordo com os dados de 2015 disponibilizados pelo TJSC as cinco divisões de tramitação remota contam com 34 servidores que trabalham com cerca de 325 mil processos. As DTRs atendem a 27 comarcas e o trâmite processual é diferenciado por tipos de ação. Assim, as divisões têm estrutura diferenciada entre si . O Tribunal de Justiça de Tocantins (TJTO) criou e regulamentou em 2015 o projeto de trabalho remoto intitulado “Escrivanias em Rede” por meio da Portaria Nº 3575/2015, compartilhando servidores de uma Comarca (Figueirópolis, Paranã e Xambioá) com atribuições e metas de auxílio na tramitação de outra Comarca (Augustinópolis), com a intenção de melhorar os índices de resultados com a redistribuição da força de trabalho por meio do acesso remoto aos processos. Em janeiro de 2017, o desembargador Ronaldo Eurípedes celebrou os resultados de sua primeira gestão enfatizando que o projeto Escrivanias em Rede que redistribuiu o trabalho entre as comarcas fez com que 4.500 processos fossem movimentados nos últimos dois anos apresentando um resultado satisfatório . O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) possui destaque para a iniciativa chamada Unidade de Processamento Judicial (UPJ), conhecida como “Cartório do Futuro”, que em 2014 reuniu 05 varas Judiciais sob a responsabilidade de um cartório único – 41ª a 45ª Varas Cíveis da Comarca da Capital (Provimento Conjunto TJSP nº 01/2014). Os resultados apresentados nas primeiras UPJs instaladas em 2015, no Fórum João Mendes Júnior, indicam um aumento de produtividade de até 60% em comparação ao modelo tradicional de ofícios judiciais, por essa razão, o “Cartório do Futuro” TJSP está em expansão gradativa. Por fim, um dos pioneiros na implantação de uma Central de Processamento Eletrônico – CPE foi o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS), aprovado em 2013, que surgiu em razão do aumento de demanda, da problemática na formação da força de trabalho, da dificuldade de servidor em comarcas do interior, de treinamento, de reposição e nomeação de servidores e falta de padronização de trabalho. Com a CPE os atos processuais passaram a ser executados nos moldes eletrônicos, no âmbito da primeira instancia. Coube à Central cumprir e executar as determinações judiciais e exercer os serviços cartorários em geral, nos processos eletrônicos das unidades jurisdicionais. Os servidores da CPE não prestarão atendimento ao público externo, às partes, aos advogados, aos Defensores Públicos, Procuradores, Promotores de Justiça, cabendo tal função aos servidores de cada cartório . O Tribunal regulamentou e a Assembleia aprovou a lei que criou Secretaria Judiciária de 1º Grau, responsável pela execução da CPE. Instalada em Campo Grande, a Central representou para o TJMS uma inovação no Judiciário, pois concentra diversas operações em um único local e está dividida em coordenadorias especializadas. Os profissionais deixam os cartórios – onde facilmente podem perder o foco por conta dos atendimentos ao telefone, ao balcão, e a advogados e às partes – e instalam-se em um local adequado para a execução das atividades. Em dezembro de 2014 os resultados obtidos mostram que a produtividade aumentou três vezes mais . A partir da experiência da Central de Processamento Eletrônico pelo TJMS a equipe da Corregedoria Geral de Justiça de Roraima (CGJ/RR) em agosto de 2016 conferiu in loco “toda a logística da Central de Processamento Eletrônico, além de conhecer a rotina e a funcionalidade da Gestão de Mandados, que visa avaliar e qualificar o trabalho executado pelos oficiais de justiça” . Com as informações necessárias, assim como os documentos e regulamentações compartilhadas entre o TJMS e TJRR, em outubro de 2016 foi implantado o Cartório Unificado dos Juizados Especiais Cíveis de Boa Vista, concatenando todas as atribuições cartorárias dos 1º, 2º e 3º Juizados Especiais Cíveis, bem como a Central de Atendimento dos Juizados Especiais. No ano posterior foi a vez da Criação da Secretaria Unificada das Varas Criminais e da Secretaria Unificada dos Juizados de Violência Doméstica, por meio da Portaria Presidência 1076/2017 (Referenda Pela Resolução Tribunal Pleno TJRR nº 17/2017). No dia 12/11/2019 com a instalação da 2ª Titularidade da Comarca de Rorainópolis, foi anunciado pelo Presidente do TJRR a disponibilização de um suporte virtual por meio de uma equipe de Boa Vista, objeto do presente artigo, cujo projeto está na iminência da implantação da Secretaria Judicial Remota do Estado de Roraima com a escolha da Comarca de Rorainópolis como piloto. O objetivo da gestão do TJRR é ampliar ainda no ano de 2020 o suporte virtual para as demais Comarcas . Nesse sentido, com base às experiências pelos tribunais brasileiros é possível perceber que com a criação de equipes remotas há chance maior de padronização do procedimento de trabalho, bem como uniformização de modelos, foco na execução dos processos, mais produtividade e redução de custos.   2. Estudo de impacto financeiro De acordo com Gontijo e Araújo (2006), a partir das demandas da sociedade ao Estado caberá garantir o bem-estar social seja qual for o aspecto da vida pública. Desse modo, recursos deverão ser aplicados adequadamente. Para isso antes de qualquer uso de recursos públicos é fundamental planejar as ações que visam eficiência e equidade, pois na lógica de geração de despesa faz se necessário pensar se aquilo tem gerado bons resultados. Nesse sentido foi necessário realizar um breve estudo de impacto financeiro demonstrando inicialmente que segundo a Portaria Nº 685/2015 da presidência do TJRR foi estabelecido o quantitativo mínimo de servidores nas unidades do poder judiciário, (excluídos os Oficiais de Justiça e Motoristas lotados na unidade), tal estudo ainda não foi atualizado. Desse modo, faz-se necessário a revisão da referida Portaria Nº 685/2015, sobre a dispensável lotação física mínima em uma Comarca do Interior, abrindo horizontes para atuação remota ou até mesmo teletrabalho. Do quantitativo do quadro atual, a Comarca de Rorainópolis (objeto do presente estudo para o projeto de implantação permanente), para fins de criação da Secretaria Judicial Remota do Estado de Roraima deve ser descontada os servidores comissionados dos Gabinetes, Motorista, Oficial de Justiça e Diretor de Secretaria. Logo do quadro atual sobrariam 07 servidores que seriam exclusivamente responsáveis pela tramitação processual cartorária na Comarca de Rorainópolis (como é demonstrada na figura 1 destacado de amarelo). É viável mencionar que em 2019 através da Lei Nº 227 foi regulamentada a concessão de Gratificação de Localidade , calculado pelo salário base do cargo efetivo TJ/NM-I, no valor atual (18/11/2019) de R$ 3.936,02 (Três mil novecentos e trinta e seis reais e dois centavos) . É importante ressaltar que servidores cedidos não recebem a Gratificação por Localidade. Mas como demonstra a imagem acima é possível perceber que a Comarca de Rorainópolis tem em seu quadro atual 14 servidores que só com Gratificação de Localidade, custo “fixo”, gera uma despesa ao mês de R$ 16.531,28. Reduzindo o quadro atual da referida Comarca em no mínimo 5 servidores com a transferência de toda tramitação eletrônica feita remotamente na criação da Secretaria Judicial Remota do Estado de Roraima, só com Gratificação de Localidade – GL o TJRR economizará por mês o valor de R$ 5.904,05 (cinco mil novecentos e quatro reais e cinco centavos), e por ano, considerando 1/3 de férias e gratificação natalina, a economia chega ao valor de R$ 78.720,66 (setenta e oito mil setecentos e vinte reais e sessenta e seis centavos). Isso desconsiderando os custos variáveis que se tem com a presença física do servidor, ou seja, necessitaria de um estudo de impacto financeiro mais complexo que demonstraria certamente redução de custos para além de recursos humanos, mas também os materiais.   3. Gestão de processos e resultados da Equipe de Processamento Remoto do TJRR De modo geral, o processo de globalização transformou as relações no campo da Economia, do Estado e da Sociedade. Os avanços tecnológicos assumiram papel fundamental em termos de produção, desempenho e resultados eficientes no campo da Administração, seja ela pública ou privada. De acordo com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP, 2014) esses fenômenos globais que envolvem tecnologia avançada têm produzido diversos impactos criando e recriando novos modelos e dinâmicas organizacionais. É o que o Juiz Fabrício Castagna Lunardi intitula de reformas processuais ao se referir ao controle de processos judiciais. De acordo com Lunardi (2019) as inovações tecnológicas tem seu papel de destaque como instrumento de celeridade e efetividade ao cenário da gestão judiciaria brasileira. O processo judicial eletrônico e as unidades de solução de conflitos, assim como a inteligência artificial tem difundido uma nova dinâmica organizacional. O principal indicador de desempenho utilizado pela Corregedoria Geral de Justiça de Roraima são os feitos paralisados há mais de 30 dias e há mais de 100 dias. É notável que a aferição é genérica. Pouco se mede ou se considera o acervo, a demanda de entrada, a complexidade da causa, capacidade produtiva mínima exigível por efetivos e comissionados, dentre outras. Rotta et. al (2013, p. 127) corrobora que as inovações tecnológicas, de gestão e jurídico legislativa traduz em “geração de economia e redução de custos para o erário público”. Nesse sentindo, por meio da Portaria Nº 776, de 27 de março de 2017 a presidente do TJRR instituiu em caráter experimental a Equipe de Processamento Remoto, vinculada à Unidade de Apoio ao Primeiro Grau e subordinada à Presidência. Com o objetivo de auxiliar as unidades judiciárias de primeiro grau, exclusivamente, no tratamento de processos eletrônicos em caso de paralisação processual ou para agilizar a tramitação buscando o atingimento das metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça. Dessa forma, para este estudo foi possível realizar um breve cálculo referente à demanda de entrada, saída e acervo atual. Dados estes coletados no sistema Processo Eletrônico do Judiciário de Roraima (PROJUDI) referente ao 01/01/2019 a 19/11/2019 (226 dias úteis) . Percebe-se então que, cada servidor da Comarca do de Rorainópolis, dos 07 que são exclusivamente responsáveis pela tramitação processual cartorária, recebem em média por dia/útil 1,21 caso(s) novos, e arquivam 1,11 (baixados), e atualmente responsável pelo acervo de 531,14 processos. Se do total de oferta e demanda descontar a entrada de feitos de baixa complexidade (Cartas Precatórias e Inquéritos Policiais), o número total de feitos com maior complexidade reduz por dia útil/servidor para 0,79 casos novos e 0,64 arquivados: ROTTA (2013) revela que a implantação do processo judicial digital pode aumentar de 200% a 400% a aceleração do tempo de tramitação dos processos, desde a distribuição, até o trânsito em julgado da sentença. Esta aceleração está associada à eliminação do tempo morto do processo. A proposta de mudança na forma de tramitação cartorária de forma Remota junto à Comarca de Rorainópolis, com posterior absorção das demais Comarcas do interior se traduz em geração de economia e redução de custos para o erário. A Equipe de Processamento Remoto segue um Plano de Trabalho Individual (ANEXO I) onde todos os servidores devem sanear todos os menus cumprindo metas mínimas mensais de movimentação, seguindo diariamente todas as etapas do plano o tempo morto do processo reduz de forma significativa. Tais resultados reforçam a ideia que o PROJUDI no TJRR é a principal ferramenta para combater a morosidade no Judiciário roraimense. Concatenado ao Plano de Trabalho Individual, a Diretoria de Apoio ao Primeiro Grau realiza estudos de demanda processual, bem como identifica o maior acervo da unidade por classificação processual, o que facilita a compreensão do rito processual no saneamento do maior acervo da Comarca: Conforme a imagem 05, de um acervo total de 3.727 (três mil setecentos e vinte e sete) processos em tramitação na Comarca de Rorainópolis, 2.643 (dois mil seiscentos e quarenta e três) processos correspondem à 10 classes processuais, ou seja, 70,9% do acervo da Comarca é passível de sanear conhecendo o fluxo de 10 Classes Processuais, cujo curso está disponível no Portal Simplificar TJRR .   4. Gestão de pessoas e a prestação de serviço jurisdicional Dada a quantidade de servidores, gratificação por localidade e demanda de processos a atuação da Equipe de Processamento Remoto passa por um momento de embate, entre a nova gestão pública e a cultura organizacional personalíssima dos Juízes Titulares da Comarca do Interior, pois a administração cartorária na área de tramitação processual deixa de ser administrada pelo magistrado, que impediria a indicação de servidores por valorização da situação relacional, o que poderia favorecer o compadrio e a troca de favores. Freitas (1997) aponta três características-chave do personalismo o que é uma problemática para o modelo de gestão eficiente: (1) sociedade baseada em relações pessoais; (2) busca de proximidade e afeto nas relações; e (3) paternalismo como domínio moral e econômico. De acordo com as duas primeiras características, o personalismo implicaria uma valorização da situação relacional, o que poderia favorecer o compadrio e a troca de favores. Assim, observa-se que, muitas vezes, “a escolha de pessoas que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com critérios de relações pessoais e não de suas capacidades” (Freitas, 1997, p.48). A Constituição Federal diz que compete ao Tribunal de Justiça a organização de suas secretarias: “Art. 96. Compete privativamente: I – aos tribunais: b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva […]”. Segundo estudo do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais tramita no Supremo Tribunal Federal um anteprojeto de Lei Orgânica da Magistratura – LOMAN de forma que a lei complementar que organiza a magistratura nacional pode ser revista em um futuro próximo. Neste anteprojeto há um novo dispositivo que oferece subsídios para a seleção da equipe de funcionários com base na competência e na boa qualificação técnica: “SEÇÃO I Dos Deveres Art. 107. São deveres do magistrado: (…) XI – cuidar para que as nomeações de peritos e de outros auxiliares não servidores do Poder Judiciário recaiam em profissionais idôneos, com boa qualificação técnica, sem vínculo de parentesco sanguíneo, por afinidade ou civil, inclusive por união estável ou concubinato, com o próprio juiz ou outra pessoa de qualquer modo ligada à causa, até o terceiro grau, observadas, ainda, as regras expedidas pela Corregedoria Geral, pelo tribunal ou pelo Conselho Nacional de Justiça” (CEBEPEJ, 2016) (grifo nosso). Segundo o CNJ (2018), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) e Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) iniciaram estudos e implantação de Gestão por Competência, estando os referidos egrégios Tribunais em avançado nível de cumprimento da Resolução CNJ 192 (que dispõe da Política Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Servidores) e Resolução CNJ 240 (que dispõe sobre a política nacional de gestão de pessoas). A Resolução do CNJ nº 192/2014, em seu art. 12, estabelece que o Conselho Nacional de Justiça, por intermédio do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Servidores do Poder Judiciário – CEAJUD identificará as competências funcionais (conhecimento, habilidade e atitude) a serem desenvolvidas nos servidores do Poder Judiciário e coordenará a construção e a manutenção de banco de cursos a distância e outros recursos educacionais desenvolvidos pelo CNJ e pelos tribunais, a fim de fomentar o compartilhamento. O Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE, derivando da conjunção de outras definições de competências, definiu seu próprio conceito de Competências: “Competências são características observáveis e mensuráveis de um servidor, que incluem o uso de conhecimentos, habilidades e atitudes que contribuam para um alto padrão de desempenho em seu trabalho, e consequentemente para os resultados organizacionais” (ALVES; WOORTMANN; FÉLIX, 2017, pag. 155). Em estudo apresentado pelo Ministério da Justiça- MJ (2011), o modelo descentralizado é melhor aplicado e controlado quando se utiliza um sistema de gestão pela qualidade, pois os servidores – responsáveis pela execução de suas atividades e por uma parte de sua gestão – podem ser monitorados pela uniformidade de atuação que esse sistema proporciona. Outro ponto a destacar, é que de acordo com o Ministério da Justiça (2011, p. 43) nas varas cíveis estaduais, a responsabilidade pela distribuição de tarefas é exercida de forma quase unânime pelo chefe de cartório (94% das varas) e só costuma ser compartilhada com outro servidor ou com o juiz em algumas poucas varas (4%, 1% e 1%), ou seja, nas varas cíveis estaduais a gestão parece ser mais centralizada na pessoa do chefe do cartório. Portanto, o aconselhável pelo estudo do Ministério da Justiça é que: “[…] se desenvolva um modelo descentralizado de gestão, que possibilite tanto a delegação de tal responsabilidade a outras pessoas – em razão do grau de ocupação que um magistrado tem apenas com a função judicante – quanto a adoção de processos de trabalho previamente estabelecidos, ou seja, agregado à efetiva aplicação de um sistema de gestão que estabeleça linhas gerais para todos os processos de trabalho” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011, p. 78). No mesmo estudo do MJ apud LEMOS (2003, p. 30) definiu que: “Em qualquer organização pública ou privada, tende a ser improdutivo substituir funcionários/servidores com muita frequência – em razão […] do tempo e dos recursos investidos na integração e aprendizado do substituto”. Ocorre, por exemplo, que a Comarca de Rorainópolis a partir de 2014 passou por diversas mudanças tais como Juiz de Direito Titular bem como Diretor de Secretaria (chefe do cartório), sendo a maioria dos Diretores nomeados com sua 1ª experiência profissional no cargo comissionado, conforme planilha abaixo: Cada Diretor de Secretaria ou Magistrado que passa por uma Comarca constata-se que não há uniformização das tarefas desenvolvidas tampouco dos recursos humanos em efetivo exercício. Além de constatar que as rotinas de trabalho são personalizadas e assistematizada, ou seja, a gestão do Cartório é predominantemente centralizada no Diretor de Secretaria, cabendo aos demais servidores há mais tempo na Comarca a responsabilidade pela execução das atividades em conformidade geralmente com o que o gestor entende por correto. A constante mudança do Juiz Titular, acompanhado do Diretor de Secretaria, bem como com toda equipe que o acompanha (Assessor e Oficial de Gabinete de Juiz), reflete negativamente no bom andamento processual da Comarca. Nota-se que o acervo atual de processos ativos mais complexos é um retrato do passado com pouquíssimas informações para que o gestor possa aferir a real situação processual e para que possa planejar estrategicamente a melhor forma de saneamento. Como efeito mediato, a implantação do processo judicial eletrônico (PROJUDI) em 100% das Comarcas do Estado de Roraima permite repensar a própria estrutura das serventias judiciais em prol da melhoria quantitativa e qualitativa dos serviços, devendo buscar descobrir se há meios alternativos de atender à população com despesa menor, realizando um planejamento específico sobre essa questão. Rotta et al (2013) defende que boas práticas relacionadas ao processo digital não estão sendo empregadas ou observadas, em virtude do apego a rotinas de trabalho obsoletas. Neste sentido, existem unidades jurisdicionais operando com processos digitais, mas empregando rotinas de trabalho e normatizações como se estivessem tramitando processos físicos. Uma rotina já consolidada com o processo eletrônico foi o acesso remoto de Advogados, Procuradores e Defensores Públicos: diretamente de seu escritório, sem a necessidade do deslocamento físico até os prédios do Tribunal podem ajuizar suas ações, realizar consulta de processos e peças, interpor recursos, solicitar certidões, realizar o recolhimento de custas, receber intimações, bem como solicitar participação em audiências por meio de videoconferência. Como forma de mudança de paradigma, em que predomina a centralização e a hierarquia como base das relações de trabalho, Pinto (2016) cogita realizar mudança na organização, avaliando de forma indispensável o impacto dessas alterações no contexto cultural de um ambiente como o Judiciário, que é notoriamente formal. O Autor questiona a influência da cultura organizacional no desempenho do primeiro grau do Poder Judiciário, e sintetiza as dificuldades enfrentadas pelo gestor público brasileiro que busca empreender que “Não podemos esquecer que, com raras e honrosas exceções, os movimentos de reforma no Brasil são, histórica e culturalmente, atrelados à luta de espaços por poder. O discurso é modernizante e arrojado, mas a prática é exatamente o contrário. Os empreendedores – principalmente do setor público – sabem disso; daí o descrédito das reformas. Sabem, também, que, por dominarem espaços técnicos e negociais muitas vezes poderosos, estão sempre em evidência, sendo alvo de desconfianças e ciúmes generalizados. Nesse cenário é comum, no Brasil, a neutralização temporária das atividades do empreendedor, quebrando a continuidade de seus serviços. Desmotivados e excluídos, os empreendedores estão limitados a poucos caminhos: renunciam e ficam olhando o “barco pegar fogo” ou então partem para seus negócios particulares, usando a empresa estatal ou o órgão público apenas como retaguarda econômica e garantia da segurança familiar” (PINTO 2016 apud CARBONE, 1996, p. 99). No que concerne à resistência à mudança, não se pode perder de vista as seguintes ponderações de Pinto (2016) apud Bergue (2010, p. 51): “A resistência à mudança precisa ser compreendida a partir de um sistema de resultados. Para tanto precisamos compreender que as pessoas, em geral, são capazes de, diante de uma mudança iminente ou potencial, efetuar uma avaliação que resulte em um quantum de perda pessoal em relação ao espaço e patrimônio pessoal que já foi conquistado. Além de uma expectativa de perda futura frente ao que uma trajetória projetada reserva em termos de ganhos previstos de qualquer ordem. Essa ‘perda’ precisa ser compreendida em sua acepção estendida, ou seja, envolvendo não somente a dimensão econômica ou financeira, mas incorporando, especialmente, aspectos afetos ao status da pessoa na organização, espaços de poder, perspectivas futuras de atuação, até esferas mais íntimas da personalidade, tais como o orgulho e a imagem percebida, entre outros. Outra dimensão de perda a ser considerada pelas pessoas como ensejadoras de ações de resistência aos processos de mudança são os riscos de afetação das condições que conferem estabilidade (segurança) às pessoas em relação aos processos e ambiente de trabalho”. Nesse sentido, a resistência à mudança reflete no resultado seja ela de perdas e ganhos “A resistência à mudança pode ser minimizada, ou mesmo elidida, se o indivíduo ou grupo destinatário da mudança for capaz de constatar resultado positivo no balanço de perdas e ganhos decorrentes da inovação” (PINTO,2016 apud BERGUE, 2010, p. 51).   Considerações Finais O Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (TJRR) está passando por uma problemática inerente ao déficit na mão de obra das Comarcas do Interior (necessidade de concurso público, formação de força de trabalho, fixação de servidor no Interior, reposição, nomeação, remoção, resistência; em conjunto com a dificuldade de treinamento, falta de padronização de trabalho). A atual gestão vem buscando meios e alternativas para a solução de tais demandas, em forma de Projeto Piloto na Comarca de Rorainópolis a Equipe de Processamento Remoto vai auxiliar em definitivo a unidade, com critérios de atuação delimitadas pela CGJ/RR e pelo MM. Juízes Titulares da Comarca. A mão de obra distribuída nos cartórios das Comarcas do Interior não há uma forma homogênea de mensuração de produtividade, por vários aspectos como: demanda atendimento ao público, conhecimento técnico, infraestrutura, ausência de padronização, particularidades administrativas e institucionais (NOGUEIRA; GÓIS; PACHECO, 2010). Com o fortalecimento da Equipe de Processamento Remoto na Criação da Secretaria Judiciária de Primeiro Grau, centralizando na capital todo trâmite cartorário judicial, o problema de remoção de servidores para as Comarcas do Interior será resolvido, pois cada unidade necessitará de um número menor de Servidores fisicamente em cada Comarca. Diante desse novo paradigma, a Diretoria de Apoio ao Primeiro Grau, em conformidade com os critérios definidos na gestão, informará o quantitativo de servidores por tema (Juizado, Cível, Criminal, Fazendário, Família) disponíveis para auxiliar todas as Comarcas do Interior, em número inferior ao quantitativo atual na estrutura funcional das Comarcas, otimizando assim a mão de obra agregando apoio técnico-jurídico e operacional às unidades jurisdicionais que apresentam acervo congestionado em seus Cartórios.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/atuacao-da-equipe-de-processamento-remoto-do-tribunal-de-justica-de-roraima-2017-2019/
Responsabilização dos agentes públicos na Lei de Improbidade Administrativa e os impactos da corrupção no serviço público
A proteção da moralidade administrativa ergue-se como um relevante tema a ser estudado quando abordamos a temática da gestão pública. A imposição jurídica da atuação proba por  parte dos agentes públicos alicerça a própria ideia de Estado Democrático de Direito, onde o interesse público se sobrepõem aos interesses privados e se privilegia a atuação escorreita em detrimento a práticas inidôneas . Nesse sentido, a análise da Lei 8.429/1992  constitui o objeto de pesquisa do nosso trabalho, sobretudo por ser o diploma legal que tutela a moralidade administrativa no Brasil, disciplinando as disposições constitucionais, tipificando condutas e cominando sanções. Para além do estudo jurídico do tema, ganha pungência entender quais as consequências dos atos de improbidade na prestação dos serviços públicos e no regular desenvolvimento das atividades administrativas e como isso implica negativamente na vida dos indivíduos.  Dessa  forma, buscamos, na tratativa do tema,  abordar não apenas aspectos legais e jurisprudenciais  da lei, mas também aspectos empíricos e concretistas das mazelas causadas pela patologia corruptiva que incide  na gestão pública brasileira  desde a sua concepção e hoje encontra-se latente e  na pautas de discussão da sociedade contemporânea tamanha incidência  e  dimensão epidemiológica  em que o tema  se apresenta no contexto atual  da  sociedade brasileira.
Direito Administrativo
Introdução O nosso estudo estará dividido em duas etapas, em uma primeira análise abordaremos a responsabilização dos agentes públicos na Lei 8.429/92, destacando os seus pontos controvertidos e aspectos jurisprudenciais por meio de uma acepção eminentemente jurídica do tema; em uma segunda análise abordaremos os impactos dos atos de corrupção na prestação dos serviços públicos no Brasil e o comprometimento da eficiência pública. A administração pública no Brasil é regida por dois princípios que, embora implícitos, são diretrizes para o regime jurídico-administrativo, são eles: o princípio da supremacia do interesse público e o princípio da indisponibilidade do interesse público. A partir dessas duas balizas principiológicas podemos extrair a base teórica que fundamenta a tutela da moralidade administrativa, uma vez que se compreende que o agente público deve pautar sua conduta na satisfação do interesse público, posto que quando age é o próprio Estado a atuar concretamente na vida dos indivíduos, para tanto deve dirigir sua conduta  com base nos deveres de honestidade, boa-fé e probidade, por vezes, essa conduta desvirtuada  impacta no malbaratamento de recursos  públicos, que acabam remanejados para interesses particulares. Se fizermos uma análise histórica da evolução legislativa no que tange à proteção a moralidade administrativa, podemos encontrar suas raízes já na constituição de 1946, onde havia previsão do sequestro de  bens e pena de perdimento para o agente público que incorresse em enriquecimento ilícito no exercício de sua função. Todavia é a partir da Constituição Federal de 1988 onde a moralidade administrativa é alçada a princípio expresso da Administração Pública, que a sua proteção começa a ganhar contornos mais sólidos. O texto da Constituição Cidadã traz diversos dispositivos incumbidos da tutela da probidade, demonstrando sua importância para o legislador constituinte, que, inclusive, traz punições as quais estaria sujeito o agente público que  praticasse um ato de improbo, no intuito de regulamentar todos esses  dispositivos foi editada a lei 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, também cognominada de LIA. A LIA traz aspectos cíveis de responsabilização do servidor, que serão analisados ao longo desse trabalho, contudo alguns aspectos propedêuticos merecem ser considerados, o que, então, passaremos a tratar. A Lei de Improbidade quanto da sua elaboração apresentou um vício no processo legislativo, por esse motivo sua constitucionalidade foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal na ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2182), isso porque, durante a tramitação o projeto de lei foi emendado no Senado Federal, casa revisora, com isso o projeto deveria voltar à Câmara dos  Deputados, casa iniciadora,  para deliberar sobre o novo texto, todavia a Câmara aprovou um terceiro texto diferente do remetido pelo Senado. Analisando toda essa conjuntura,  o STF alinhou-se a tese da constitucionalidade da lei  por entender  que a nova versão abrangia o texto aprovado no Senado. Superada a discussão a respeito da constitucionalidade do diploma normativo, passamos a analisar a natureza jurídica do ato de improbidade, alguns doutrinadores afirmavam que a LIA possuía natureza penal e as condutas descritas em seu texto seriam verdadeiros tipos penais, porém a  própria constituição em seu art.37 §4 assevera que as sanções prevista  para os atos de improbidade  seriam aplicadas sem prejuízo da ação penal cabível, logo tratar-se-ia  de coisas distintas, assim o STF na ADI 2797 decidiu que as condutas trazidas na LIA possuíam natureza jurídica civil, mesmo que algumas sanções repercutam nos direitos políticos. Como último requisito liminar a ser tratado, é preciso destacar que os agentes públicos no exercício de sua função estão  sujeitos a uma tríplice responsabilização e um mesmo ato que importe em improbidade, pode configura  um crime  e uma infração administrativo concomitantemente e poderá ser punido nas três esferas independentemente da sorte dos demais processos por força do princípio da independência das instâncias, excepcionalmente haverá comunicação dos processos no caso de absolvição na seara penal, desde que fundamentada na negativa de fato ou de autoria e excludente de ilicitude na qual teremos a absolvição nas demais instâncias; e a condenação penal que obriga a condenação nas demais instâncias, posto que  é, por regra, no processo penal onde se tem o maior número de garantias processuais em favor do réu e, portanto, em virtude do in dubio pro reo, sua condenação só se pode dar  com um juízo de certeza. Cabe a ressalvar que, em que pese haver essas hipóteses de comunicabilidade, os processos não penais não precisam ser sobrestados para aguardar o resultado da ação penal. Isso posto, discorreremos sobre os principais aspectos da responsabilização dos agentes públicos na LIA  e suas implicações na tutela da moralidade administrativa, frisamos, por último, que esse trabalho não tem o intuito de analisar aspectos penais das condutas dos agentes públicos e que ao final do nosso estudo observaremos  os impactos  da improbidade na  prestação dos serviços públicos   A LIA traz os sujeitos ativos do ato de Improbidade, adotando um  conceito alargado de agente público, dispõem da seguinte forma: “Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.” Note-se que para lei não há necessidade de vinculo efetivo ou de remuneração e também estão abrangidos os particulares que exercem transitoriamente a função pública tais como os mesários e jurados. A LIA amplia ainda mais o seu alcance ao dispor que terceiros, ou seja, particulares, também podem praticar atos de improbidade, mas nesse caso somente será possível se estiverem em concurso com agentes públicos, sendo esse o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)  no Informativo 535, vale destacar, ainda, que ao terceiro não serão aplicadas todas as sanções dispostas nas lei, mas apenas as que lhe forem compatíveis com sua condição. Até aqui nossa análise limitou-se a exegese normativa, a controvérsia no tema surge quando nos questionamos se agentes políticos são alcançados pela lei, isso porque, possuem uma lei específica, a Lei 1.079/50. Por agentes políticos entende-se, segundo Di Pietro : “São, portanto, agentes políticos, no direito brasileiro, porque exercem típicas atividades de governo e exercem mandato, para o qual são eleitos os chefes dos Poderes Executivos federal, estadual, municipal, os Ministros e secretário de Estado, além dos senadores, deputados e Vereadores. A forma de investidura é a eleição, salvo para eleição, salvo para Ministros e Secretários, que são de livres escolha do Chefe do Executivo e providos em cargos públicos, mediante nomeação. (2014, p.598)” A lei 1.079 traz os chamados crimes de responsabilidade com natureza jurídica política-administrativa, eis que a LIA também tem sanções dessa natureza, dessa forma se estaria incorrendo em bis in idem, ou seja, estaríamos punindo duas vezes por um único ato e com sanções de igual  natureza jurídica, instado a se manifestar sobre o feito o STF decidiu pela não aplicação da LIA para agentes políticos na Reclamação Constitucional 2138/2007, desde que o agente esteja sujeito a Lei de Crimes de Responsabilidade e o fato por ele praticado também esteja nela previsto. Em outra importante  decisão, a Suprema Corte decidiu que não há foro por prerrogativa da função nas ações de improbidade, excetos para os ministros do STF que  serão julgados pela própria Corte. De outra banda, os sujeitos passivos do ato de improbidade estão elencados no art. 1° : “Art.1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.”   De modo geral, sempre que tivermos entidades que recebam verbas ou subvenções públicas, elas poderão ser sujeitos passivos dos ilícitos tipificados na LIA. Devemos alertar que o sujeito passivo é a pessoa jurídica que sofre as consequências do ato improbo, e esse será sujeito ativo da ação de improbidade, o que são coisas completamente distintas.   O próprio texto constitucional traz as balizas da punição dos atos de improbidade, trazendo as seguintes consequências em seu art. 37, §4º CF/88: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” O professor João Trindade traz algumas considerações a respeito do tema: “Inicialmente, cabe discorrer sobre as consequências constitucionais da prática do ato de improbidade, ressaltando que aplicação das sanções decorrentes da ação  de improbidade devem ser aplicadas pela via judicial. Dessa forma, caberá ao Poder Judiciário, com a autonomia que lhe é atribuída, decidir  quais sanções  serão aplicadas em cada caso, dentro dos limites definidos em lei. Nesse ponto, dispõe o parágrafo único do art.12 que na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.(2016, p.778)” Os atos de improbidade estavam pendentes de regulamentação até a edição da LIA  que  ampliou o rol de sanções previsto na Constituição, na lei eles estão reunidos em quatro grandes grupos, no art 9º temos os atos de enriquecimento ilícito, no art. 10 os atos que geram prejuízo ao erário, no art. 10-A, acrescido pela lei 157/2016, temos a concessão indevida de benefício financeiro ou tributário e por último no art. 11 os atos atentatórios aos princípios, para esse último hipótese, segundo  o informativo 547 do STJ, é prescindível a comprovação de efetivo prejuízo.  O magistrado tem a sua disposição um extenso rol de sanções que poderão ser aplicadas cumulativamente mesmo que o individuo tenha praticado apenas um ato, contudo preciosas são as lições de Carvalho Filho : “Outro comentário que se faz necessário é o de que bem maior deve ser a prudência do aplicador da lei à ocasião em que for enquadrada a conduta como de improbidade e também quando tiver que ser aplicada a penalidade. Mais do que nunca aqui será inevitável o recurso aos princípios da razoabilidade, para aferir-se a real gravidade do comportamento, e da proporcionalidade, a fim de proceder-se à dosimetria punitiva. Fora de semelhantes parâmetros, a atuação da autoridade refletirá abuso de poder. (2017, p.1226) ” A partir de agora seguiremos com a análise dos atos de improbidade propriamente ditos e suas respectivas punições, a luz da legislação ordinária, vejamos: “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado; III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades; V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem; VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público; VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade; IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza; X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;  XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei; XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.” As penas para os atos de improbidade estão graduadas segundo a gravidade das condutas e para as que importam em enriquecimento ilícito, temos as punições mais severas dispostas no art. 12 da lei, entre  as quais temos a pena de perdimento de bens, e discorrendo sobre ela e o sequestro de bens como medida antecedente e assecuratória  o professor Helly Lopes afirma: “O sequestro e o perdimento de bens são cabíveis contra os servidores que enriqueceram ilicitamente com o produto de crime contra a Administração, ou por influência ou com abuso de cargo, função ou emprego público. O sequestro é providência cautelar, enquanto o perdimento e medida definitiva, respaldada no art. 52, XLV, da CF, que resulta do reconhecimento da ilicitude do enriquecimento do servidor.(2016, p. 626)” Para além do perdimento de bens, o supracitado artigo, prevê também o ressarcimento do dano causado ao erário, inclusive, dano moral; perda da função pública; suspenção dos direitos políticos por 8 a 10 anos; multa cível de até três vezes o valor acrescido ilicitamente e proibição de contratar e receber benefícios fiscais e creditícios pelo período de dez anos. Cabe salientar que para se aplicar a pena de perda da função e suspensão de direitos políticos carece-se de decisão judicial transitada em julgado. No art. 10 da LIA temos os atos que lesam o erário e os únicos que podem ser punidos a título de culpa: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei; II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. XVI – facilitar ou concorrer, por qualquer forma, para a incorporação, ao patrimônio particular de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidades privadas mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XVII – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores públicos transferidos pela administração pública a entidade privada mediante celebração de parcerias, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XVIII – celebrar parcerias da administração pública com entidades privadas sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; XIX – agir negligentemente na celebração, fiscalização e análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas; XX – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular. XXI – liberar recursos de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular.” Aquele que cause dano ao erário será punido com: perda dos valores ilícitos acrescidos ao seu patrimônio, essa pena é exclusiva do terceiro, pois, aqui, o agente público não tem acréscimos patrimoniais e sim concorre para que terceiro o tenha, caso o agente público o tivesse incorreria nas penas do enriquecimento ilícito; ressarcimento dos danos; perda da função; suspensão dos direitos  políticos de cinco a oito anos, multa cível de até  duas vezes o dano causado e proibição de contratar  e receber benefícios fiscais  e  creditícios pelo prazo de cinco anos. Seguindo, nosso estudo temos o art. 10-A: “Art. 10-A.  Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.” Para o qual se pune com as seguintes sanções: a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5  a 8 anos e multa cível até 3  vezes o valor  do benefício  financeiro ou tributário concedido. Por último, temos  os atos que afrontam os princípios: “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:  I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;  II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV – negar publicidade aos atos oficiais; V – frustrar a licitude de concurso público; VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;” Para os atos que violem princípios da administração a LIA traz as seguintes punições: ressarcimento integral do dano; perda da função; suspensão  dos direitos político por  3 a 5 anos, multa de até cem vezes a remuneração mensal, proibição de receber benefícios fiscais e creditícios por 3 anos. Merece destaque a posição de Rafael Carvalho, na seguinte linha de pensamento : “Restará configurada a improbidade administrativa na hipótese de violação a todo e qualquer princípio, expresso ou implícito, aplicável à Administração Pública. Trata-se do reconhecimento do princípio da juridicidade, que impõe a obediência, por parte do administrador público, não apenas das regras formais (legalidade), mas, também, de todos os princípios reconhecidos pela comunidade jurídica.(2017, p. 984)” O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp. 324.282, DJ 01/04/2002 decidiu que o magistrado goza de liberdade na aplicação das penas, não estando limitado ao pedido formulado na ação, nesse sentido decidiu a mesma corte no Resp. 842.428, DJ 21/05/2007 que em caso de erro na classificação da conduta, não há obste ao juiz de decidir ainda que atribua tipificação diversa, posto que se aplica as regras do processo penal, em que o réu defende-se dos fatos imputados na inicial acusatória e não da classificação realizada pela parte autora. Alertamos, por fim, que apesar da natureza cível da ação, o sistema de provas aplicado a LIA é o do direito processual penal, uma vez que se trata de direito administrativo sancionador. Outras questões controversas foram levadas a apreciação do STJ, a primeira delas diz respeito a possibilidade de aplicar a cassação da aposentadoria como sanção por ato de improbidade,  a cassação de aposentadoria equivale a pena de demissão, porém não está prevista na LIA, a primeira turma do STJ propugnava pela não aplicação, posto que  as normas administrativas que disponham  sobre matéria de sanções administrativas devem observa a estrita legalidade. A 2º Turma, no entanto, entende diferente, alegando ser possível por tratar-se de uma decorrência lógica da pena de demissão, nossa aposição se alinha com a 2º Turma, por entendermos que a  aposentadoria do servidor não pode ser usada como escudo para a sua não punição. O Superior Tribunal de Justiça  foi instado a deliberar sobre uma outro importante  temática, em suma, discutia-se a possibilidade de perda do cargo quando o agente está ocupando cargo diferente daquele  em que praticou o ato de improbidade, em que pese também haver divergência entre a 1º e 2º turmas do STJ,  prevalece o posicionamento da 2º Turma e endossado pela doutrina majoritária no sentido de que o agente público  perderá ao cargo ou função pública que estiver ocupando no momento em que ocorrer o trânsito em julgado da sentença, pois a finalidade da pena é retirar dos quadros da administração pública aquele agente inidôneo. Algumas observações finais merecem, ainda, ser lembradas: o STF no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 852475, em agosto de 2018,em sede de repercussão geral decidiu que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário, fundadas na prática de ato doloso previsto na Lei de Improbidade Administrativa. Por fim, o nosso ordenamento jurídico consagra também o princípio da intranscendência da pena, segundo o qual nenhuma pena poderá passar da pessoa do condenado, todavia a pena de perdimento de bens, prevista na LIA poderá atingir os sucessores nos limites do patrimônio transferido.   Para explicar o cenário de corrupção  que atinge a administração pública e  como eles impactam na prestação dos serviços públicos, devemos  compreender primariamente  as concepções do modelo de administração patrimonialista,  implantado inicialmente no Brasil. Nesse modelo não existe separação entre a res publica e a  res principis, ou seja, o patrimônio do povo  e o do soberano eram um só. O governante exercia amplos poderes sobre esses bens e não precisava prestar contas à sociedade. Além disso, esse modo de administração privilegiava práticas como o nepotismo, coronelismo e corrupção, a falta de concurso público para o provimento dos cargos públicos gerava situações de apadrinhamento políticos  e o loteamento de cargos dentro dos governos. Durante o  governo Vargas,  esse modelo de administração passa  a ser suplantado por um modelo burocrático  em que abre-se espaço para o princípio da impessoalidade e  do formalismo,  com o advento da Constituição Federal de 1988, inaugura-se um modelo de administração gerencial, prezando pela eficiência  e com foco nos resultados, admitindo a  concessão de serviços públicos a pessoas jurídicas privadas Em que pese todo esse processo evolutivo da administração no Brasil, resquícios do  modelo paternalista sobrevivem nos dias atuais e  comprometem a atividade pública pois funcionam como locus para corrupção, um exemplo  disso e a existência de cargos de livre  nomeação e exoneração  que dão ampla margem de discricionariedade ao administrador para o seu preenchimento, além disso, temos  que embora a prática de nepotismo seja vedada pelo o ordenamento conforme  Súmula Vinculante nº 13  do STF: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” Admite-se, no entanto, a nomeação de parentes até terceiro grau para cargos públicos que aufiram  natureza política, salvo quando manifesta a incompetência do nomeado para o cargo. Essas brechas legislativas no ordenamento jurídico viabilizam a prática de condutas ímprobas e o vilipendio à moralidade administrativa. Dados da Transparência Internacional, que indicam o nível percebido de corrupção no setor público, Índice de Percepção da Corrupção (IPC), mostram que em relação ao ano de 2017 o Brasil caiu 9 posições no IPC, ocupando a 105ª colocação entre 180 países avaliados. Países como Uruguai, Chile e Costa Rica, respectivamente 23º, 27º e 48º colocados estão bem à frente do Brasil. Segundo a ONG, entre os dez primeiros colocados, sete são países europeus, o organismo internacional aponta que essas nações apresentam como ponto de intersecção a presença de instituições democráticas fortes, liberdade de imprensa e, sobretudo, uma população imbuída de uma consciência política de que é preciso participar dos espaços de poder e de tomada de decisão bem como fiscalizar os agentes públicos. Em países, como o Brasil, em que há altos índices de corrupção, os impactos dessas condutas desvirtuadas se manifestam também na economia, pois o país perde em capital de investimento privado, posto que  não apresenta uma ambiente atrativo ao capital estrangeiro, tendo em  vista que a instabilidade política, provocada por inúmeras denúncias de corrupção geram incertezas sobre o rumo do país, reverberando negativamente na economia, dessa forma a corrupção faz com que o país perda em competitividade  no plano internacional. O professor Luiz Flávio Gomes, analisando dados  da Fiesp que apontavam que em 2010 o custo médio da corrupção no Brasil, foi estimado entre 1,38% a 2,3% do PIB, algo equivalente a R$50,8 bilhões a R$84,5 bilhões, afirma: “ Num cenário realista, o custo da corrupção seria de R$ 50,8 bilhões, com o qual o Brasil poderia arcar com o custo anual de 24,5 milhões de alunos das séries iniciais do ensino fundamental segundo os parâmetros do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial – CAQI–, originalmente desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, estabelece padrões mínimos de qualidade da Educação Básica por etapa, fase e modalidade.).Também seria possível equipar e prover o material para 129 mil escolas das séries iniciais do ensino fundamental com capacidade para 600 alunos segundo o modelo CAQi.” Os reflexos na prestação dos serviços públicos são inevitáveis, esses são comprometidos  tanto no aspecto quantitativo como qualitativo. A partir desse cenário caótico de  mau gerenciamento dos recursos  públicos  e do fato que o país perpassa por uma crise fiscal, provocada  pelo aumento  do gasto púbico e queda  na arrecadação  tributária, ocorre o contingenciamento orçamentário cada vez mais rigoroso e como no Brasil o orçamento é repleto de despesas obrigatórias, esses  cortes recaem sobre as despesas correntes, que compreendem serviços como saúde, educação e segurança. Todo esse problema conjuntural e sistêmico acedia de sobremaneira a população mais carente, via de regra, a maior demandadora de  serviços estatais, programas sociais são deixados para segundo plano, perde-se em eficiência e recursos são alocados na satisfação de interesses particulares. “A não aplicação de recursos públicos nas políticas públicas sociais, por vontade política às vezes condicionada pelas patologias corruptivas, possui potencial de causar impactos diferenciados à população vulnerável e aos diversos grupos que a compõem. Há impactos diferentes para homens e mulheres, de forma que a corrupção contribui para a perpetuação das desigualdades de gênero, influenciam, de maneira mais agravada, crianças e adolescentes, os quais, tendo em vista a intersetorialidade das políticas específicas para essa população, ficam à mercê das diversas situações de violação, seja nos seus diretos à convivência familiar e comunitária, em relação a políticas de enfrentamento à violência em suas variadas formas, bem como no combate ao trabalho infantil. P (SOUZA, p.115)” Esse alto índice de corrupção, caracterizados por atos de improbidade, minam os princípios estruturantes da Administração Pública e corroem os pilares jurídicos e finalísticos da boa administração, nas palavras de Ismael Francisco: “Ao se afastar da normatividade e valores axiológicos limitadores, a Administração Pública incide em risco de desvio de finalidade, oportunizando a responsabilização daqueles agentes causadores por meio de suas condutas. Essas condutas, que não abrangem exclusivamente o âmbito público, chamam-se patologias corruptivas. (2017, p.109)” Os atos de improbidade prejudicam de sobremaneira todas as atividades da administração pública, principalmente, aqueles que causam enriquecimento ilícito e dano ao erário, pois em ambos temos a fluidez de recursos públicos para interesses escusos, a não alocação  do dinheiro em serviços públicos torna a atividade administrativa deficitária, isso pode ser verificado nas mais  variadas estruturas da administração  no Sistema Único de Saúde, por exemplo, em estudo feito pela CGU e divulgado pelo Conselho Federal de Medicina  contatou-se  que entre  2002 e 2015 foram desviados  R$ 4.555.960.367,85  de recursos da saúde. Em reportagem divulgada pelo jornal diário de Pernambuco: “As áreas de saúde e educação foram alvo de quase 70% dos esquemas de corrupção e fraude desvendados em operações policiais e de fiscalização do uso de verba federal pelos municípios nos últimos 13 anos. Os desvios descobertos pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, evidenciam como recursos destinados a essas duas áreas são especialmente visados por gestores municipais corruptos.” Os impactos também são sentidos na educação, nesse segmento, temos uma agravante, posto que a má qualidade da educação impede a formação de cidadãos conscientes os renegando a um ciclo  intransponível de ignorância e  perpetuação da pobreza. A não formação de indivíduos com senso crítico e fiscalizadores da res publica, facilita a manutenção de agentes públicos ímprobos no poder e por consequência a constante dilapidação do erário.   Conclusão Diante do panorama teratológico de patologias corruptivas no qual está emersa a Administração Pública no Brasil, onde a linha que cinde o público do privado  está cada vez mais translucida   se faz necessário  que sejam implementados instrumentos  eficazes para estancar o escoamento dos recursos públicos rumo  ao atendimento de interesse particulares, condição se ne qua nom para a melhoria efetiva da prestação de serviços públicos. Em que pese o árduo combate feito contra corrupção nos últimos anos, ainda observamos um número elevado de atos de improbidade conforme demonstram os dados da transparência internacional, por conseguinte  surge a necessidade da implantação de  novos mecanismos para  o tratamento da patologia corruptiva, o primeiro deles perpassa pela efetiva punição dos agentes envolvidos nos atos de improbidade, nesse sentido, a lei 8.432/92  constitui  uma importante ferramenta  de  tutela da moralidade administrativa, pois regulamentou as disposições constitucionais sobre o tema e ergueu uma estrutura jurídica  de coibição de condutas inidôneas  por partes dos  agentes públicos, não obstante a isso o posicionamento dos Tribunais Superiores tem contribuindo para esse finalidade, pois no exercício da atividade hermenêutica têm dado maior rigidez a norma e a seus institutos. Para além de mecanismos coercitivos se faz necessário a criação de uma consciência coletiva de corresponsabilidade com a coisa pública,  que se desdobra na responsabilidade  dos gestores  públicos  que administram coisa alheia e, portanto,  enquanto  estiverem nessa condição, não devem desviarem-se do interesse público; e dos cidadãos,  no intuito de fiscalizarem a  atuação dos gestores participando ativamente  dos espaços de decisão política. E por fim, a superação do modelo de administração patrimonialista,  para um modelo gerencial de administração, no qual as práticas de impessoalidade são mantidas e se enfatiza a buscas pela princípio da eficiência, sem contudo abrir mão  dos mecanismo de controle. Portanto, para nos desvencilharmos, dessas más práticas corruptivas precisamos conjugar três elementos: uma consciência  política aguçada, tanto para administrar quanto para fiscalizar, mecanismo coercitivos de controle dos atos administrativos e de punição, e a implantação de um modelo gerencial de administração pública que preze pela eficiência dos serviços públicos prestados sem abrir mão da proteção a moralidade administrativa.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/responsabilizacao-dos-agentes-publicos-na-lei-de-improbidade-administrativa-e-os-impactos-da-corrupcao-no-servico-publico/
O Desempenho Jurisdicional do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (2014-2018)
Este artigo objetiva apresentar as ações implementadas pelo Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, na perspectiva de uma servidora, para o alcance do Selo Ouro durante cinco anos, visando com isso disseminar boas práticas no judiciário brasileiro. Este trabalho possui caráter bibliográfico e documental onde foram utilizados autores que puderam refletir a respeito da Reforma do Judiciário, o papel do CNJ assim como documentos oficiais do Tribunal de Justiça de Roraima que tratam das ações. No contexto das boas práticas pelo TJRR no período de 2014-2018 pôde-se concluir que com a criação da Secretaria de Gestão Estratégica (SGE), criação da gratificação para os servidores e criação do Portal de Estatísticas o desempenho jurisdicional foi satisfatório garantindo o Selo Ouro ao longo dos últimos cinco anos.
Direito Administrativo
Introdução Há 10 anos foi realizado o II Congresso CONSAD de Gestão Pública, em Brasília. Neste mesmo ano, 2009, José Marcelo Maia Nogueira que é Mestre em Administração Pública e atua na Secretaria de Planejamento e Gestão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, juntamente com Regina Silvia Pacheco, Doutora em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, bem como foi presidente da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e uma das criadoras dos Congressos CONSAD em Gestão Pública em 2008, levaram para o II Congresso CONSAD reflexões fundamentais a partir do artigo intitulado “A Gestão do Poder Judiciário nos estudos de Administração Pública” (NOGUEIRA; PACHECO, 2009).  O objetivo dos dois pesquisadores foi fazer um levantamento dos estudos e pesquisas recentes que envolviam a temática da gestão do Poder Judiciário desenvolvidos na área de Administração Pública no Brasil. A partir do levantamento realizado nos dois principais periódicos da área, Nogueira e Pacheco (2009), constataram que de um total de 2.161 artigos apenas 0,9% envolviam a temática no âmbito da Administração Pública no Brasil o que foi considerado pelos mesmos como “tema pouco estudado”. No entanto, Nogueira e Pacheco (2009) consideram que com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2005, como iniciativa recente em termos de eficiência do Poder do Judiciário brasileiro a chance da produção acadêmica tende a aumentar. Desse modo, alinhada a essa realidade o presente trabalho intitulado O DESEMPENHO JURISDICIONAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA (2014-2018) é uma pesquisa cujo objetivo central foi analisar as medidas adotadas pelo TJRR para o alcance das metas instituídas pelo Conselho Nacional de Justiça. A delimitação do marco temporal (2014-2018) justifica-se pelo fato do TJRR obter êxito, sendo premiado durante esses cinco anos consecutivos com o Selo Ouro, do Programa Justiça em Números, comenda conferida pelo Conselho Nacional de Justiça aos tribunais que se esforçaram para aprimorar o funcionamento do judiciário sob diversos enfoques, tais como investimento na excelência da produção, gestão, organização e disseminação de suas informações administrativas e processuais. Esses resultados satisfatórios chamam atenção para refletir quais medidas foram adotadas, de que maneira o TJRR trabalhou nesse período para alcançar essa marca. Para tal análise foi necessário estabelecer alguns caminhos cujos constituem os objetivos específicos desta pesquisa: apresentar as metas instituídas pelo CNJ; citar os requisitos necessários para obtenção do Selo Ouro; especificar algumas medidas adotadas pelo TJRR para obtenção do Selo Ouro, tais como: criação da Secretaria de Gestão Estratégica (SGE), criação da gratificação para os servidores e criação do Portal de Estatísticas; por fim analisar e apresentar o desempenho jurisdicional do TJRR (2014-2018). Metodologicamente, este trabalho possui caráter bibliográfico e documental, cuja natureza é qualitativa. O método de abordagem utilizado foi o indutivo. Quanto aos procedimentos adotados para o tratamento dos dados coletados foram: histórico, qualitativo e analítico. Como referenciais teóricos foram utilizados: artigos científicos que contemplasse as recentes pesquisas que envolvesse gestão e o poder judiciário nas mais diversas experiências pelo Brasil, foram utilizadas também legislações internas do TJRR (decretos, portarias) e do CNJ, assim como livros voltados para a Administração Pública no Brasil. Estruturalmente, o presente artigo está dividido em Resumo, Abstract, Introdução, A reforma do Judiciário e o Conselho Nacional de Justiça, Singularidades do Selo Ouro, Tribunal de Justiça do Estado de Roraima: medidas adotadas para obtenção do Selo Ouro, Desempenho Jurisdicional do TJRR, Considerações Finais e Referências. Ao apresentar os avanços obtidos pelo Tribunal de Justiça de Roraima espera-se com a escrita deste trabalho disseminar a ideia de boas praticas no judiciário brasileiro, colaborando também para a crescente produção acadêmica em termos de gestão do Poder Judiciário no âmbito da Administração Pública do Brasil.   O descontentamento social quanto à morosidade na tramitação dos processos judiciais, não é tema recente. A partir da década de 1990, sob a influência da promulgação da Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, a sociedade brasileira passou a buscar no judiciário a exequibilidade dos direitos recém-esculpidos na magna carta. O judiciário não estava preparado para essa demanda e a insatisfação com a demora na solução das mesmas, adjetivou como lenta, a justiça brasileira. Nesse contexto, Macieira (2010), acentua que as queixas que a sociedade tem do judiciário não se relacionam a instituição, que deve existir como poder apto para mediar e resolver conflitos de toda espécie, mas deve sofrer uma reformulação a fim de atender aos anseios de seus jurisdicionados de forma mais eficiente. Diante desse cenário de insatisfação social e com o judiciário nacional necessitando de melhorias urgentes, instalou-se por intermédio da Emenda Constitucional nº 45, em 2004, conhecida como “Reforma do Judiciário”, onde foi criado o Conselho Nacional de Justiça – CNJ. O CNJ, conforme estabelecido no art. 103-B, da Constituição Federal, tem como suas atribuições o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. No sítio eletrônico, o CNJ define-se como uma instituição pública voltada ao aperfeiçoamento do trabalho do sistema judiciário brasileiro, primordialmente quanto ao controle e à transparência administrativa e processual. O CNJ é formado por 15 membros de diferentes seguimentos de atuação, com representantes do judiciário, do ministério público, da OAB e da sociedade.  Com a criação do CNJ tem-se um verdadeiro “divisor de águas” na administração judiciária nacional, visto que passaram a ser implementadas diversas ferramentas oriundas da área administrativa no setor público, com enfoque especial em práticas voltadas a gestão eficiente dos tribunais. Percebeu-se que devido a formação apenas jurídica dos magistrados, a administração desses órgãos era exercida de forma empírica, pois o foco consistia apenas em tentar vencer a crescente demanda dos processos distribuídos. Ante a constante e rápida evolução da sociedade, o foco do judiciário não poderia ser apenas a entrega da prestação jurisdicional, ou seja, a resolução do mérito de uma demanda, mas também de gerenciar suas unidades com eficiência, trazendo uma tramitação processual menos burocrática. Para Felipe Dutra Assensi (2010), o CNJ teve papel fundamental na aproximação dos campos de gestão e do direito. A partir da junção dessas duas ciências, direito e administração, o CNJ passou a editar diversas resoluções, que em suma, priorizam a prática de uma gestão eficiente nos tribunais de justiça, bem como passou a propor políticas públicas para o judiciário voltadas para o combate à violência, corrupção e ações de cunho social, tais como: programa Pai Presente (reconhecimento de paternidade facilitada), mutirões carcerários, Justiça pela Paz em Casa (combate a violência doméstica), Mês Nacional do Júri, Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), Conciliar é Legal, dentre outros que podem ser facilmente conhecidos no site institucional. Tais ações visam dar destaque ao judiciário no enfrentamento de  problemas sociais. Já no âmbito da gestão propriamente dita, o CNJ instituiu desde 2004 o Relatório Justiça em Números, cumprindo assim o que determina o art. 103-B, §4º , VII da Constituição, que dispõe: “VII- elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa”. O Relatório Justiça em Números, conforme acentua Oliveira (2017), apresenta dados estatísticos referentes a aspectos ligados ao desempenho das organizações judiciárias brasileiras, tais como: insumos, dotações orçamentárias, litigiosidade e acesso à Justiça. O principal indicador apresentado nesse relatório é o IPC-jus – Índice de Produtividade Comparada e visa apresentar de forma resumida a produtividade e a eficiência de cada ramo da justiça. A metodologia utilizada permite construir um ranking de todos os Tribunais de Justiça com a distinção entre grande, médio e pequeno porte, o que viabiliza comparações no tocante a quantidade de servidores, acervo, quantidade processos baixados e recursos financeiros. Para a construção desse indicador é levada em consideração a taxa de congestionamento, que refere-se à conta de entrada e baixa do processo por ano, a produtividade dos servidores e magistrados e a despesa total de cada tribunal. Quanto maior o índice do IPC-jus, maior será o grau de eficiência do tribunal (Oliveira, 2017). O primeiro relatório foi divulgado em 2004. No relatório desse ano os dados eram apresentados de forma mais rústica, formado basicamente por gráfico e tabelas, sem informações acerca do conceito dos indicadores apresentados. No relatório de 2005 já podemos observar a conceituação dos índices utilizados e assim o relatório passou a conter mais informações a cada ano, o que facilita o manuseio do relatório pela gestão dos tribunais e a sociedade. O conteúdo desses relatórios possibilitou a criação de indicadores que serviram de fundamentação para a instituição de dois importantes instrumentos de gestão: O Planejamento Estratégico e a instituição de metas nacionais (Oliveira, 2017). No ano de 2009, após o II Encontro Nacional do Judiciário, o CNJ instituiu a Resolução 70/2009, que determinou que cada tribunal elaborasse o seu planejamento estratégico, devendo estar alinhado ao Planejamento Estratégico Nacional e instituiu 10 metas nacionais. A partir de então, a cada ano as metas são estabelecidas, após aprovação no Encontro Nacional do Poder Judiciário, evento promovido pelo CNJ que conta com a participação dos presidentes de todo o judiciário nacional. Algumas metas se repetem a cada ano, visando diminuir demandas sempre existentes, a exemplo da Meta 1, que tem seu foco na produtividade e na prevenção à formação de estoque de processo. Por isso, seu objetivo é o julgamento de quantidade maior de processos, do que os distribuídos no ano corrente (Relatório de Metas Nacionais do Poder Judiciário ano 2016). Outras metas são instituídas a partir da análise de temas que merecem mais destaque junto ao poder público, a exemplo da Meta 8 – Fortalecer a rede enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres, até 31/12/2017, instituída pela primeira vez em 2017, perdurou em 2018 e em 2019 foi alterada para identificar e julgar, até 31/12/2019, 50% dos casos pendentes de julgamento relacionados ao feminicídio. Assim, nota-se que as metas são dinâmicas, visando atender as necessidades atuais. Com a instituição das metas nacionais os tribunais voltaram-se a buscar meios de alcançar os objetivos traçados pelo CNJ, daí a utilização de indicadores para fins de medição de desempenho e estudos visando boas práticas contra a burocracia, tem sido as alternativas encontradas (Oliveira, 2017). Para incentivar os tribunais a buscarem melhorias em suas administrações, o CNJ criou o Selo Justiça em Números, conforme veremos a seguir.   No contexto da política de fortalecimento da gestão judiciária, o Selo Justiça em Números foi criado por intermédio da Portaria Nº 186/2013 do Conselho Nacional de Justiça e tem como fonte de aferição a análise das informações prestadas pelos órgãos participantes de acordo com os critérios estabelecidos a cada ano. Essa premiação, conforme apontado no site do CNJ tem por objetivo “reconhecer os Tribunais que investem na excelência da produção, gestão, organização e disseminação de suas informações administrativas e processuais”. Para Silva (2016) a criação do relatório intitulado Justiça em Números superou o modelo “inexistente de dados estatísticos”, pois esse reconhecimento possibilitou à sociedade acompanhar de maneira transparente o avanço do judiciário, bem como viabilizou o conhecimento mais aprofundado e preciso sobre a Justiça Brasileira, atento às suas diversas peculiaridades[1]. Silva (2016, p. 42) dispõe que “o Justiça em Números é resultado de estudo encomendado pelo Supremo Tribunal Federal ao Centro de Pesquisa de Opinião Pública da Universidade de Brasília – DATAUnB” que tinha como objetivo construir um sistema integrado de informações. Inicialmente “nem todos os tribunais foram abrangidos pelos estudos do Relatório” (SILVA, 2016, p. 43). Até o ano de 2016, participavam apenas os tribunais que se inscrevessem, no entanto, na edição de 2017 tornou-se obrigatória a participação de todos os tribunais do país, visando alcançar assim o empenho na prestação jurisdicional em todos os ramos da justiça. Ainda no ano de 2016, Silva (2016) complementa que houve “[…] a inclusão do tempo médio de tramitação processual, do índice de conciliação e de indicadores sobre a justiça criminal. A pesquisa mensurou, também, o tempo médio de tramitação dos processos, na fase de conhecimento e na fase de execução” (SILVA, 2016, p. 43) A regulamentação é feita anualmente por portaria onde são apresentados os critérios para obtenção do selo, sendo estabelecidas novas exigências para pontuação que resultarão no enquadramento em uma das quatro categorias: Diamante, Outro, Prata e Bronze. No ano de 2018, por exemplo, os critérios para cada categoria eram: obter de 20% a 49,9% para o Selo Bronze, para Selo Prata entre 50 e 69,9% dos pontos, para Selo Ouro entre 70% a 89,9% e para Selo Diamante acima de 90% em pontos. Além dos critérios dispostos em cada portaria, sempre é elencado como requisito indispensável o envio das informações de forma adequada, via Sistema de Estatística do Poder Judiciário (SIESPJ), visando empreender confiabilidade aos dados coletados. Outro aspecto de grande peso é o relativo a  eficiência da prestação jurisdicional, aferida pelo  Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-Jus). Esse índice mede a eficiência de cada Tribunal, que a depender do percentual atingido, de 0 a 100%, apontará para o tribunal com o melhor desempenho comparado com seus pares, ou seja, de mesmo porte e ramo da justiça. Em suma, quanto maior o número de arquivamento e menor a quantidade de recursos financeiros dispensados, mais perto o órgão estará de alcançar 100%, ou seja, demonstrará mais eficiência. Lopes (2015) explica ainda que o IPC-JUS é obtido através da técnica da Análise Envoltória de Dados – DEA (do inglês, Data Envelopment Analysis) e indica o nível de eficiência /ineficiência dos Tribunais de Justiça Estaduais. “A DEA é uma técnica que permite a análise da eficiência/ineficiência de unidades produtivas em estudo, pois fornece dados quantitativos sobre possíveis direções para a melhoria do status dessas unidades, quando ineficientes” (LOPES, 2015, p. 04). No entanto, Cebolão (2017) afirma que a DEA é uma técnica pouco conhecida em estudos sobre o judiciário. A partir de uma pesquisa aplicada de abordagem quantitativa realizada pela pesquisadora ela expôs que o modelo DEA usado pelo CNJ pode ser aperfeiçoado, principalmente pela inclusão da variável “tempo do processo”, apesar de haver grandes desafios a serem superados quanto ao seu uso, dada a complexidade de sua medição, por exemplo. Para este ano, no momento de elaboração deste artigo, o CNJ instituiu pela Portaria n° 88 de 28 de maio de 2019, o Prêmio CNJ de Qualidade, visando incentivar o judiciário nacional “na busca pela excelência na gestão e planejamento; na organização administrativa e judiciária; na sistematização e disseminação das informações; e na produtividade, sob a ótica da prestação jurisdicional” (Cartilha do Prêmio CNJ). O prêmio possui três eixos temáticos de avaliação: Governança, Produtividade, e Transparência e Informação. No eixo governança, alguns dos critérios de pontuação se referem ao cumprimento de resoluções do CNJ, ações voltadas para a valorização de servidores e magistrados e utilização do sistema PJE. No eixo Produtividade, temos requisitos voltados para o alcance de índices de produtividade, como o IPC-jus, com uma das maiores pontuações, 90 pontos, redução da Taxa de Congestionamento Líquida, bem como participação das políticas públicas de enfrentamento a violência contra mulher e o Mês Nacional do Júri. No eixo Transparência e Informação, temos o requisito com a maior pontuação do programa: ser capaz de extrair a movimentação analítica processual, contendo os seguintes dados: número do processo, unidade judiciária, nome das partes, CPF ou CNPJ das partes, código da classe processual, código e descrição de assunto e código e descrição de movimentação, segundo as Tabelas Processuais Unificadas entre outros dados processuais, que equivale a 200 pontos, demonstrando a importância da inclusão correta das informações para fins estatísticos. Foram instituídas duas novas categorias de premiações: o Prêmio Excelência, para o tribunal que atingir no mínimo 95% da pontuação total e o Prêmio Melhor do Ano, será destinado aos tribunais que mais se destacaram em seu ramo de atuação, o que totalizará 9 premiações.   De 2015 a 2018, o Tribunal de Justiça de Roraima vem atingindo a marca de 100% no Índice de Produtividade Comparada da Justiça (IPC-JUS) e para esse resultado diversas estratégias foram implementadas. Não se tem um único fator determinante para essa marca, mas uma soma de ações que mantiveram o tribunal em destaque durante esses anos. Os dados do Relatório de Justiça em Números apontam que a partir de 2014 o TJRR passou a apresentar melhores índices: Diante desta conjuntura é possível ratificar que do período de 2014 até 2018 o Tribunal de Justiça de Roraima cresceu significativamente em termos de produtividade. Esses resultados do IPC-JUS são calculados com base aos índices de Produtividade dos Magistrados (IPM), ao Índice de Produtividade dos Servidores (IPS), a Despesa total do Tribunal e a Taxa de Congestionamento Líquida (TCL) que mede o percentual de processos que ficaram parados sem solução, excluídos os processos suspensos, sobrestados ou em arquivo provisório comparativamente ao total tramitado em um ano[3]. De modo geral uma das primeiras medidas adotadas pelo TJRR foi a criação do Núcleo de Gestão Estratégica (NEGE), um setor específico para atender as demandas acerca das metas do CNJ, mas, principalmente de implementar o plano de  gestão estratégica. No ano de 2016, nos termos da Resolução 70 do TJRR foi criada a Secretaria de Gestão Estratégica, a qual coordena todas as ações de governança, além de monitorar o desempenho das metas, coordenar ações para o seu alcance e possuir corpo técnico especializado. Vejamos as medidas adotadas pelo TJRR que culminaram no alcance do índice de 100% IPC-JUS: 1) Criação do cargo de diretor de secretaria: Em 2014, a fim de gerir as unidades judiciárias, foi criado o cargo comissionado de diretor de secretaria. Esse cargo tornou-se o elo chave entre o setor de gestão estratégica e as unidades judiciais. Para o (a) diretor (a) são encaminhadas as diretrizes para o alcance das metas e também são eles que apontam boas práticas, informam inconsistência de dados estatísticos e caso ocorra, alguma dificuldades para o alcance das metas.  A troca de informações ocorre tanto por sistemas específicos do Tribunal (e-mail e SEI), como também pelo aplicativo Whatsapp onde questões são resolvidas de imediato, tornando sem burocracia e com agilidade a solução de diversas demandas. 2) Sistema de estatística: trata-se do portal com informações estatísticas de desempenho do TJRR em relação ao seu acervo processual; fica sob a responsabilidade da Corregedoria Geral de Justiça. Nele são apresentados os dados relativos aos índices atingidos das metas do CNJ mensalmente, a quantidade de feitos ativos, arquivados, paralisados, julgados, suspensos, dentre outras informações imprescindíveis para o acompanhamento do acervo. Trata-se do termômetro das serventias judiciais. 3) Digitalização dos processos:  O acervo do tribunal pode ser considerado como 100%  digitalizado e sua tramitação processual é realizada no sistema PROJUDI. A virtualização possibilitou que o andamento dos feitos ocorresse em menos tempo, tendo em vista a retirada de diversas rotinas de trabalho. 4) Tabela Processual Unificada – TPU: Incentiva-se ao conhecimento acerca da TPU, que trata-se de um glossário instituído pelo CNJ, constando  três tabelas processuais unificadas: tabela de classes, assuntos e movimentações utilizadas para fins de padronização de rotinas e atos processuais, bem como para possibilitar a extração de dados estatísticos pelo sistema do CNJ. A utilização correta dos dados da TPU é um dos critérios de avaliação com maior valor  no Prêmio CNJ de Qualidade 2019. 5) Medidas de contenção de despesas: o TJRR instituiu diversas medidas visando a economia de recursos na prestação jurisdicional, dentre eles incentivo a práticas sustentáveis, como a utilização do SEI – Sistema Eletrônico de Informações, que é um software público criado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) para tramitação de processos administrativos de forma “online”, visando a não utilização de papel, celebração de convênios e diminuição de custos com deslocamento e serviços extraordinários (Port. 281/Presidência, DJE de 20/02/2019); 6) Criação da Gratificação Anual de Desempenho – GAD: Essa gratificação foi instituída no ano de 2014,  por intermédio da LCE nº 227, visando medir e reconhecer o desempenho das unidades judiciárias e administrativas. A gratificação é concedida  apenas uma vez ao ano, sendo vinculada ao alcance das metas estabelecidas pelo CNJ e outras que a gestão vincule como alinhadas aos fins institucionais.  Este ano, 2019,  uma porcentagem da GAD é condicionada a economia de material, bem como a utilização do Portal Simplificar. 7) Aperfeiçoamento constante de magistrados e servidores: os cursos ofertados pela Escola do Judiciário  colocam a disposição de seu público interno temas relevantes para a prática laboral. São ministrados por profissionais de grande notoriedade em sua área de atuação, tornando esse público cada vez mais capacitado para os desafios que envolvem a prestação jurisdicional. Os cursos de forma presencial e “on-line” possuem um calendário anual, o que permite que os interessados se organizem para participar. 8) Portal Simplificar: Nesse portal estão dispostas de forma otimizada as rotinas dos feitos cíveis e criminais da primeira e segunda instância, dos feitos administrativos,  primando pela agilidade na tramitação dos feitos e padronização de documentos e andamentos processuais. 9) Comunicação: a eficiência da comunicação interna, seja pela intranet, grupos de Whatsapp, e-mail,  é um fator que tem contribuído para troca de informações, esclarecimento e solução rápida de demandas. Essas foram algumas iniciativas que foram instrumentos importantes para o alcance do selo Ouro durante cinco anos. Tratam-se do resultado de uma nova forma de pensar a gestão pública, utilizando-se de ferramentas eletrônicas para monitoramento de acervo e treinamento dos gestores voltados para a solução das demandas institucionais.   As medidas acima contribuíram para que o Tribunal de Justiça de Roraima figurasse por cinco anos consecutivos, entre os melhores do país. Mas, para a sociedade o que isso significa? Para o jurisdicionado esse resultado deve ser considerando o cumprimento do que preconiza o art. 37, da Constituição Federal, onde estão elencados os cinco princípios norteadores da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade e eficiência e ainda, do disposto no art. 5º, inciso LXXVIII, inserido com a EC 45/2004, que dispõe restar assegurada a duração razoável do processo e mecanismos que garantam a celeridade de sua tramitação. O último princípio em destaque, eficiência, é o reflexo dos anseios da sociedade moderna, que requer resultados positivos do serviço público e não apenas um mero cumprimento da norma legal (Meirelles, 2016). No Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, a eficiência vem sendo demonstrada ante o aumento da quantidade de julgados, de feitos baixados, racionalização de recursos públicos, investimentos em tecnologia, demonstração de que muitas melhorias foram conquistadas com a implementação das políticas judiciárias criadas pelo CNJ: Meta 1 – Julgar quantidade maior de processos de conhecimento do que os distribuídos no ano corrente. Meta 2 – Julgar, pelo menos: 80% a 90% dos processos distribuídos até 31/12/2015 no 1º grau, 2º grau. Na tabela 1 observa-se que no período de 2015 a 2019, exceto em 2016, a quantidade de feitos julgados superou a demanda de acervo distribuído, resultado que tem objetivo evitar congestionamento de processos aguardando uma decisão judicial. Considerando o foco na Meta 2, o estoque de acervo antigo também foi priorizado, diminuindo a quantidade desses casos aguardando julgamento. Outro resultado de destaque é o relativo a taxa de congestionamento, que quanto menor, indica que mais processos estão sendo arquivados após o cumprimento da sentença, completando a entrega da prestação jurisdicional com o início da execução de uma sentença condenatória criminal ou o pagamento de uma indenização em um processo de execução, por exemplo. A virtualização dos processos judiciais, além de proporcionar celeridade na tramitação dos feitos, trouxe maior comodidade e economia para advogados, partes e Ministério Público, que não precisam deslocar-se para as unidades judiciárias para dar entrada em petições ou verificar o andamento dos feitos, pois podem acessar aos autos na íntegra no sistema PROJUDI, além de ser possível participar das audiências pelo sistema de videoconferência. Na rotina de magistrado e servidores, foram extintas diversas rotinas burocráticas: carimbos de envio e retorno de autos, juntada de documentos, numeração de folhas, protocolos de remessa, transporte de processos para outros órgãos, extração de cópias de processos, além do registro desses atos em um sistema de registro de andamento processual. Antes o processo demorava até dois dias para chegar ao seu destino, hoje basta um clique para a remessa ser realizada. O investimento na estrutura de informática, acesso a internet e treinamento para utilização de sistemas como PROJUDI, malote digital e videoconferência junto aos órgãos parceiros como polícia civil e penitenciária agrícola, além de proporcionar  rapidez no trâmite de documentos e processos,   permite mais segurança , pois evita-se o deslocamento de custodiados, escolta e reforço de policiamento. A padronização das rotinas cartorárias apresentadas no Portal Simplificar é o resultado de diversas oficinas, orientadas pela Secretaria de Gestão Estratégica e Corregedoria Geral de Justiça, com a participação de magistrados e servidores, voltada para a otimização dos fluxos processuais judiciais e administrativos, identificação de gargalos, propostas de melhorias e padronização de documentos, observando a legalidade do rito, mas visando empreender menos tempo de andamento processual.   Considerações Finais Terminologias antes desconhecidas como planejamento estratégico, visão, missão, valores, indicadores, emprestadas do ramo da administração na iniciativa privada, atualmente, também fazem parte do cotidiano dos magistrados e servidores do judiciário, influência da instituição pelo Conselho Nacional de Justiça, do Planejamento Estratégico do Poder Judiciário pela Resolução 70/09, sendo esse um dos marcos da busca por uma gestão eficiente nos tribunais brasileiros, que passou a distanciar-se do amadorismo e buscando o profissionalismo na realização de suas ações institucionais. A utilização de indicadores para medição de desempenho, antes vista com descrédito, mero modismo, por muitos ramos da justiça, hoje é uma ferramenta imprescindível na gestão pública judiciária, pois aponta aonde são necessárias melhorias e os avanços que vem sendo alcançados, em uma constante busca de resultados satisfatórios aos jurisdicionados. Nessa busca, o Tribunal de Justiça de Roraima, internalizou uma cultura de constante aprimoramento e utilização de novas tecnologias para enfrentar os desafios trazidos pela sociedade moderna: solução rápida e eficiente de demandas. O CNJ institui seus indicadores de desempenho e o judiciário deve dispor de ferramentas para o seu acompanhamento, bem como formas de popularizar a sua compreensão. Esses fatores fizeram um grande diferencial no acompanhamento das metas e outros indicadores de desempenho no TJRR, pois todos os envolvidos: magistrados, servidores dos cartórios, servidores da área administrativa, esclarecidos dos parâmetros instituídos, tem condições de dar a sua contribuição alinhada às diretrizes estabelecidas no glossário de metas. Para a gestão dos indicadores de litigiosidade, o portal de estatísticas, permite identificar falhas em movimentações, cadastro equivocado de classes processuais, sendo um imprescindível aliado dos gestores das unidades judiciais. Todavia, sem o conhecimento prévio acerca da Tabela Processual Unificada, muitas informações deixarão de ser identificadas. Muito ainda precisa ser feito, mas os avanços obtidos desde que o judiciário brasileiro passou a ter seu desempenho apresentado e mais que isso, desafiado a melhorar, são incontestáveis. Houve um salto de produtividade, expresso não apenas em números, mas em ações que visem manter a qualidade da prestação jurisdicional, seja em boas práticas que visem tornar o processo judicial mais dinâmico, seja pela busca pela racionalização dos recursos públicos. Ante as práticas apresentadas, o judiciário estadual roraimense vem demonstrando que suas ações estão voltadas efetivamente para a melhoria da prestação jurisdicional, visando com isso ser reconhecido pela sociedade como um “Poder célere, efetivo, moderno e parceiro”, tal como disposto em seu Planejamento Estratégia 2015-2020.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-desempenho-jurisdicional-do-tribunal-de-justica-do-estado-de-roraima-2014-2018/
Gestão Documental e o Arquivo do Poder Judiciário de Roraima
Em 2011 o Conselho Nacional de Justiça implantou o Programa Nacional de Gestão Documental do Poder Judiciário, desse modo quais ações o Tribunal de Justiça de Roraima adotou nesse cenário de política de resguardo de documentos? Partindo dessa indagação a presente pesquisa tem por objetivo apresentar as ações do sistema de arquivo do Tribunal de Justiça de Roraima baseado na política de Gestão Documental e a sua importância para a sociedade no resguardo documental que possuem valor histórico e cultural da sociedade roraimense.
Direito Administrativo
Introdução Desde os tempos mais longínquos o homem produz documentos escritos e o modo de preservar essas fontes, essas memórias e histórias tem sido pauta fundamental dentro das instituições públicas brasileiras. Cientificamente, cabe a Arquivologia o estudo específico em termos de funções de arquivos, princípios e técnicas. Esta ciência dialoga com a ciência da informação, pois a política de preservação visa exatamente resguardar informações em diferentes espaços de tempos. Ao profissional da Arquivologia cabe gerenciar, administrar, utilizando técnicas, normas, princípios e procedimentos na produção, organização, destinação, preservação e recuperação. Todo esse processo atenderá uma demanda da população, da própria história da instituição, do meio científico, enfim de quem dela necessitar. No entanto, todo esse processo para atender uma demanda necessita de uma política de gestão documental eficiente com profissionais preparados dentro da instituição. Em 2011, o Conselho Nacional de Justiça implantou o Programa Nacional de Gestão Documental do Poder Judiciário, desse modo quais ações o Tribunal de Justiça de Roraima adotou nesse cenário de política de resguardo de documentos? Sendo assim este trabalho intitulado GESTÃO DOCUMENTAL E O ARQUIVO DO PODER JUDICIÁRIO DE RORAIMA, tem como objetivo geral apresentar as ações de política de gestão documental que o Poder Judiciário tem desempenhado em face dos arquivos nos Fóruns Ministro Evandro Lins e Advogado Sobral Pinto. Como objetivos específicos foi necessário: apresentar brevemente o que é a gestão documental e sua relação com o valor histórico; ressaltar a importância dos arquivos do Poder Judiciário; e descrever  a política de gestão documental do arquivo do poder judiciário roraimense. Metodologicamente, este trabalho é descritivo possui caráter bibliográfico e documental, cuja natureza é qualitativa. Quanto aos procedimentos adotados para o tratamento dos dados coletados foram: histórico, qualitativo e descritivo. Como referenciais teóricos foram utilizados Calderon (2011), Bueno (2014), Burke (2003), Schimdt (2012), Schellenberg (2007), Dicionário brasileiro de terminologia arquivística (2005), etc. Estruturalmente, o presente artigo está dividido em Resumo, Abstract, Introdução, A gestão documental e o resguardo do valor histórico, A importância dos arquivos do Poder Judiciário, Arquivo do Poder Judiciário Roraimense, Considerações Finais e Referências. Ao apresentar as ações da política de gestão documental do Arquivo do Poder Judiciário Roraimense espera-se com a escrita deste trabalho que haja reflexão em termos de boas praticas gerenciais em termos de arquivos judiciais, garantindo o acesso à informação por meio de uma prática eficiente.   O Conceito de gestão de documentos possui como referência os Estados Unidos, sob a denominação de “records management”, os procedimentos técnicos na tratativa dos documentos correntes e intermediários foram sistematizados visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente. Para Calderon (2011) Gestão Documental é um conjunto de normas, procedimentos e métodos de trabalho que permitem a tramitação, produção, avaliação, uso e arquivamento de documentos oficiais. Suas principais funções são: fornecer evidências, condução transparente das atividades e controle de informações. A gestão de documentos é um conjunto de medidas e rotinas que garanta o efetivo controle de todos os documentos de qualquer idade desde sua produção até sua destinação final (eliminação ou guarda permanente), com vistas à racionalização e eficiência administrativa, bem como à preservação do patrimônio e o objetivo da gestão de documentos é: Possibilitar a produção, administração, controle e manutenção, economia e eficiência, logo, além de facilitar na fase de elaboração, arquivamento e gerenciamento, uma boa gestão de documentos traz economia sustentável e redução de tempo (BUENO, 2014). As tarefas que compõem a gestão de documentos são: produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento, o chamado Patua. Isso ajuda a memorizar. Essas tarefas são distribuídas nas fases da gestão de documentos, quais sejam produção, utilização e destinação A necessidade de registrar as informações decorrentes da experiência humana, em sua imensa diversidade, tem produzido um grande número de registros que a testemunham e indicam os caminhos trilhados, possibilitando o seu conhecimento e reavaliação. É preciso não repetir os mesmos erros e atingir novos patamares no sentido de encontrar alternativas/soluções para problemas que se apresentam como novos ou transmudados (CALDERON, 2011). Ao reunir diferentes estudos que descrevem a periodização histórica do surgimento dos arquivos, observa que na literatura arquivística não há consenso a esse respeito. Há quem considere que os arquivos surgiram no período pré-histórico, quando as pessoas registravam informações nas paredes das cavernas e grutas; outros afirmam que seu surgimento está diretamente relacionado ao aparecimento da escrita e, consequentemente, consideram que os arquivos surgiram na civilização do Médio Oriente, há seis mil anos (CALDERON, 2011). Schimdt (2012) define a história dos arquivos como o processo de desenvolvimento do campo dos arquivos anteriores ao estabelecimento oficial do arquivo enquanto instituição, indo desde as necessidades sentidas pelo homem em produzir e manter documentos até a concepção de arquivo como um ramo especializado do serviço público, ou seja, o arquivo como instituição com funções e serviços específicos, inaugurado a partir da Revolução Francesa (1789). Compreende os períodos que a historiografia tradicional nomeia de Antiguidade, Idade Média e Época Moderna. Schellenberg (2007) refere que provavelmente a origem dos arquivos como instituição, remonta às civilizações antigas. Trata-se de registros das ações reais, eclesiásticas, jurídicas e de toda vida pública e privada dos povos antigos, feitos inicialmente em tábuas de argila, e depois, na forma dos rolos de papiro. Esses, depois de devidamente identificados eram colocados em casulos feitos de tijolos, em locais de acesso restrito (templos e palácios) para sua conservação. Esses registros constituem-se no que é designado como documentos, ou seja, um conjunto de informações registradas em um suporte.  Para que esses cumpram sua função social, administrativa, técnica, jurídica, cultural, entre outras, é necessário que estejam organizados, sejam preservados e acessíveis (SCHELLENBERG, 2007). A história da evolução dos arquivos, segundo Bautier apud Cruz Mundet (1994) e Romero Tallafigo (1994) é dividida em quatro períodos, a saber: a época dos arquivos de palácio, que corresponde em termos gerais à Antiguidade; a época dos cartórios, abarcando os séculos XII a XVI; a época dos arquivos como arsenal de autoridade, que se estende por todo o Antigo Regime, desde o século XVI ao século XIX; e a época dos arquivos como laboratório da história, desde o início do século XIX até meados do século XX. Vale destacar que a Bíblia registra no livro de Esdras 6:1, escrito entre 456 e 444 antes de Cristo, que “o rei Dario deu ordem, e uma busca se fez nos arquivos reais da Babilônia, onde se guardavam os documentos”. No Egito, na Grécia e em Roma, na Antiguidade, já se respeitava a procedência do documento que sustenta a formação dos chamados “fundos arquivísticos”, um dos princípios fundamentais da arquivística, até os dias de hoje (BAUTIER apud CRUZ MUNDET,1994) (TALLAFIGO, 1994). Os arquivos do início da Idade Moderna trouxeram em si a influência daqueles que se formaram durante o declínio das civilizações desenvolvidas na Antiguidade e na Idade Média, sendo dotados de uma visão exclusivista de guarda dos documentos, enquanto instrumentos da administração, para uso restrito do governo. “Essa concepção dos arquivos prevaleceu até o final do século XVIII”, como relata Côrtes (1996, p.17). A partir do século XX, os arquivos abriram-se à administração, aos cidadãos e aos pesquisadores de diferentes áreas e, à frente desses, fez-se necessária a presença de profissionais preparados a responder às expectativas e necessidades dos usuários que buscam informações para a elaboração de seus trabalhos. Nos arquivos, o conteúdo informacional dos documentos diz respeito às atividades dos respectivos produtores, mas, como em qualquer outra instituição, a preocupação com a organização e disponibilização das informações é a tônica que prevalece. Os arquivos ainda do século XX cumpriam com a finalidade, eminentemente prática e administrativa, de servir ao governo e garantir o seu poder. A recuperação dos documentos tinha com base seu arranjo físico, o qual era feito primeiramente por assunto e depois por ano. Com a invasão dos povos bárbaros a Europa ocidental e decadência da vigência do direito romano as provas documentais escritas passam a ser pouco valorizadas. A lei germânica dava maior ênfase aos testemunhos orais em detrimento as provas documentais. De acordo com Reis (2006), durante a Idade Média a Igreja ficou a frente da gestão de documentos. Além disso, aos arquivos eclesiásticos cabia a função de guardar e gerir os títulos de propriedade, tanto da Igreja como de qualquer outra instituição pública e particular. No entender de Vivas Moreno (2004) esse período da Arquivologia pode ser caracterizado como ausente de teorias científicas, ou ainda não reconhecidas como tal. Contudo, durante os últimos séculos da Idade Média, considerado um período de transição para o Renascimento, com o redescobrimento do Direito Romano no Século XII, os arquivos começam a recuperar sua importância. Percebe-se um renascimento das provas documentais, “pois a monarquia precisava defender seu poder e, para isso, os documentos serviam para comprovar suas propriedades e bens” (ALBUQUERQUE; SOUTO, 2013, p. 20). Segundo Burke (2003), a coleta de informações se tornou uma atividade regular, metódica e organizada e passou a se constituir em uma atividade comum dos governos europeus durante a Idade Média. “É também nesse período que surgem as novas tipologias documentais e o alargamento do tipo de documentos a conservar, tais como, os documentos financeiros, históricos, etc”. (REIS, 2006, p. 8). Tal fato marca o início de uma nova era na administração de arquivos. Os arquivos passam a ter novos valores, usos e uma função mais evidente, como referem Albuquerque e Souto (2013), o cuidado com essa documentação pode ser caracterizado pelo fato dessas instituições nomearem funcionários especializados (arquivistas) que seguem normas e tem a função exclusiva de organizar e principalmente manter a autenticidade dessas documentações (RIBEIRO, 2011; REIS, 2006). Entre os séculos XI – XVII percebe-se um significativo aumento do número de depósitos documentais (em número, em extensão e em diversidade de acervo) e também a centralização dos documentos oriundos dos distintos órgãos do governo em prédios de arquivo. Como consequência começa a surgir uma literatura arquivística que tem como foco os aspectos jurídicos dos arquivos. Foram elaborados diversos tratados e manuais com instruções e regras de preservação e conservação física dos materiais, com estratégias para descrição formal das peças e documentos, incluindo aspectos sobre sua legitimidade, procedência e características. Nesse contexto Silva (1999 apud COSTA, 2007, p. 26) menciona que, “Apesar do crescimento desses depósitos, somente […] com a ruptura dos sistemas político e burocrático e com o advento de novas preocupações sociais é que, efetivamente, surgirá uma teorização arquivística e os fundamentos necessários para a consolidação de uma disciplina autônoma e a afirmação dos arquivos como sistemas de informação”. Bellotto (2002, p. 14) descreve o início da Idade Contemporânea, em 1789, com a Revolução Francesa, como uma baliza na história dos arquivos. Isto porque, todos os documentos oficiais que se encontravam dispersos, foram reunidos em um único depósito, em Paris, que recebeu a denominação de Arquivo Nacional. E apesar desses documentos passarem a ser disponibilizados aos cidadãos, continuava servindo apenas “como instrumentos de informação administrativa e como arsenal de testemunhos das relações Estado-cidadão. […] Este período fica, pois conhecido como a época dos Arquivos de Estado”. Com o início da utilização dos arquivos com finalidades acadêmicas e culturais, em face do desenvolvimento científico que marcou a segunda metade do século XVIII, a classificação e descrição arquivística passam por grandes modificações. É a partir deste momento que também se iniciam as pesquisas arquivísticas de caráter histórico (BELLOTTO, 2002). Hilary Jenkinson em 1922 (SCHELLENBERG, 2007) conceituou arquivo como: Documentos produzidos ou usados no curso de um ato administrativo ou executivo (público ou privado) de que são parte constituinte e, subsequentemente, preservados sob a custódia da pessoa ou pessoas responsáveis por aquele ato e por seus legítimos sucessores para sua própria informação. Schellenberg (2007) na sua monumental obra “Arquivos Modernos: princípios e técnicas” definiu “arquivos” como os documentos de qualquer instituição pública ou privada que hajam sido considerados de valor, merecendo preservação permanente para fins de referência e de pesquisa e que hajam sido depositados ou selecionados para depósito, num arquivo de custódia permanente. O dicionário brasileiro de terminologia arquivística (2005, p.27) definiu arquivo como “conjunto de documentos produzidos e acumulados por uma entidade coletiva, pública ou privada, pessoa ou família, no desempenho de suas atividades, independentemente da natureza do suporte”, além desta conceituação o dicionário listou mais três definições para o termo arquivo: Instituição ou serviço que tem por finalidade a custódia, o processamento técnico, a conservação e o acesso aos documentos; Instalações onde funcionam arquivos; Móvel destinado à guarda de documentos. Legalmente no Brasil arquivo foi definido em 1991 na lei nº. 8.159 que versa sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados: art.2º Consideram-se arquivos, para os fins desta lei, os conjuntos de documentos produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades privadas, em decorrência do exercício de atividades específicas, bem como por pessoa física, qualquer seja o suporte de informação ou a natureza dos documentos. A conceituação dada pelo legislador contempla a pluralidade do termo. O termo arquivo foi posto no plural dando amplidão ao sentido da palavra, desta forma pode se arquivo corrente, intermediário ou permanente. A Multiplicidade também se refletiu nas diversas origens dos suportes que contenha a informação. De acordo com Paes (1997, p. 16): “Arquivo é a acumulação ordenada dos documentos, em sua maioria textuais, criados por uma instituição ou pessoa, no curso de sua atividade e preservados para a consecução de seus objetivos, visando à utilidade que poderão oferecer no futuro”.   Conforme Calderon (2011), o termo gestão está relacionado à administração, ao ato de gerenciar. Isso significa que é preciso ir além do ato de registro da informação em um suporte, é preciso também que se tenha um planejamento de tal forma, que, mesmo com uma quantidade exacerbada de documentos gerados diante das ferramentas tecnológicas disponíveis nos dias atuais, seja possível localizar e utilizar a informação no tempo exato e necessário para uma tomada de decisão. A gestão de documentos originou-se na impossibilidade de se lidar, de acordo com “moldes tradicionais”, com as massas cada vez maiores de documentos produzidos pelas administrações públicas americanas e canadenses (Fonseca, 1998). Assim, a partir das soluções apontadas por comissões governamentais nomeadas para a reforma administrativa dos Estados Unidos e do Canadá, no final da década de 40 do século XX, foram estabelecidos princípios de racionalidade administrativa, a partir da intervenção nas etapas do ciclo documental, a saber: produção, utilização, conservação e destinação de documentos (FONSECA, 1998). Destacam-se, então, as principais atividades e funções dessas etapas: “Produção: concepção e gestão de formulários, preparação e gestão de correspondências, gestão de informes e diretrizes, fomento de sistemas de gestão da informação e aplicação de tecnologias modernas a esses processos; Utilização e conservação: criação e melhoramento dos sistemas de arquivos e de recuperação de dados, gestão de correio e telecomunicações, seleção e uso de equipamento reprográfico, análise de sistemas, produção e manutenção de programas de documentos vitais e uso de automação e reprografia nestes processos; Destinação: a identificação e descrição das séries documentais, estabelecimento de programas de avaliação e destinação de documentos, arquivamento intermediário, eliminação e recolhimento dos documentos de valor permanente às instituições arquivística” (FONSECA, 1998, p.38). No Brasil, a gestão de documentos se institucionalizou com a aprovação da Lei 8.159 de 8 de janeiro de 1991, que dispõe sobre a Política Nacional de Arquivos Públicos e Privados. A mencionada lei, em seu artigo 3º, define gestão documental como sendo o conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente (Brasil, 1991). Conforme a UNESCO, na prática, a gestão de documentos pode representar o desenvolvimento das seguintes tarefas: estudo da tipologia documental, seu valor, vigência, classe e qualidade de sua informação; normalização de documentos para simplificação de etapas administrativas, inclusive as repetitivas, e de formulários para remessa e estatísticas (investigação, empréstimos); informatização de processos de tramitação documental; coordenação e colaboração entre organismos produtores e arquivo; regulamentação das transferências que possibilitam a reclamação dos produtores em caso de não se fazerem as remessas nos prazos estabelecidos; estudo da classificação em cada caso, materializada na adoção de um quadro, resultado de um organograma estabelecido; eleição da ordenação mais adequada, segundo as séries, nas organizações e em áreas de uma informação mais efetiva e rápida; estudo dos descartes e suas listas, com o consequente estabelecimento de acordos para evitar a remessa de séries descartáveis aos arquivos centrais; incorporação de fundos e manutenção da informação atualizada; preparação de informações mediante a solicitação para o estudo de qualquer tema ou preparar qualquer projeto; elaboração de índices e de tesauros; planejamento para informatização (HERRERA, 1993) Essas tarefas tiveram um impacto no perfil das instituições arquivísticas, principalmente na administração pública, na medida em que não mais se limitavam a receber, preservar e dar acesso aos documentos produzidos pelo estado, mas, antes, assumem a liderança na execução das políticas públicas relacionadas à gestão de documentos (FONSECA, 1998). Celina Franco (1984) destaca o protagonismo que os documentos correntes e intermediários passaram a exercer: os documentos de arquivos correntes e intermediários são considerados tão importantes como os documentos de valor histórico ou permanente. É o surgimento do modelo sistêmico de organização de arquivos, no qual o documento público é controlado desde a sua produção, denominado pelos norte-americanos de records management, ou seja, a gerência de documentos com a participação do arquivo público de âmbito nacional. O surgimento da gestão de documentos foi uma resposta ao aumento do fluxo informacional, principalmente após a II Guerra Mundial, acarretando um volume imensurável de novos documentos, assim observou Schellenberg (2007, p. 55): “O aumento da população, por sua vez, provocou a expansão das atividades do governo, e essa expansão afetou a produção de documentos. Uma vez que se aplicaram métodos tecnológicos modernos no preparo de documentos, o volume destes, nas últimas décadas, atingiu um índice de progressão antes geométrica que aritmética”. Rondinelli (2005) situa o surgimento da gestão documental como um marco histórico para a Arquivologia. A autora expõe que, para a Arquivologia, a criação do conceito de gestão documental se equipara a três outros marcos históricos: criação do Arquivo Nacional da França; fundação da École des Chartesno mesmo país, que fortaleceu o vínculo da Arquivologia como ciência auxiliar da histórica e o surgimento do Princípio da Proveniência em 1841. O aumento da massa informacional, conforme exposto por Rondinelli, a partir da segunda metade do século XX, fez com que as organizações criassem métodos de controle sobre a produção documental, a fim de aumentar a eficácia no tratamento das informações, garantindo suporte para as decisões político-administrativas. Com isso, “buscaram-se novas soluções para gerenciar os documentos acumulados” (PAES, 2005, p.53). Tais soluções não partiram das práticas arquivísticas: “Não se tratava de uma demanda setorizada, produzida a partir das próprias instituições arquivísticas, em que pese as consequências extremamente inovadoras que trouxeram para arquivologia” (JARDIM, 1995, p.2). Desta forma, os princípios da gestão de documentos surgiram a partir da aplicação dos métodos da administração científica. Observa-se, nesse novo cenário, que a eficiência passou a ser crucial para as administrações modernas, na qual a “informação deve estar disponível no lugar certo, na hora certa, para as pessoas certas e com menor custo possível” (JARDIM,2005, p.2). Segundo Rondinelli (2005) os princípios da gestão documental restauraram uma velha concepção de arquivos: “[…] o conceito de gestão de documentos restaura e dinamiza a concepção dos arquivos como instrumentos facilitadores da administração, que vigorou até o século XIX” (RONDINELLI, 2005, p. 42), quando, como já vimos, por influência de uma visão dos arquivos apenas como guardiães do passado eles passaram a desempenhar funções de apoio à pesquisa histórica. No mesmo contexto histórico na América do Norte, meados do século XX é formulado o conceito de ciclo de vida dos documentos ou teoria das três idades. Paes (2005) afirma que, antes, predominavam somente duas idades: a administrativa e a histórica. A teoria divide os arquivos em três fases: corrente, intermediária e permanente, de acordo com a frequência de uso por suas entidades produtoras e a identificação de seus valores primário e secundário. Em meados da década de 90, surge, no Canadá, uma nova abordagem sobre os arquivos. Esta abordagem refere-se à visão integrada dos arquivos, desenvolvida pelos canadenses Couture e Rousseau (1998). Neste caso, o arquivo é visualizado como um todo, e os limites entre as idades são muito tênues: “Evitemos dividir o ciclo de vida de um documento em três períodos distintos e sem ligação” (COUTURE; ROUSEEAU, 1998, p.117). Vale ressaltar que o ponto de discussão de Couture e Rousseau (1998, p.123) é a tendência de sobreposição dos valores primários e secundários, em face da teoria das três idades. Eles afirmam que essa maneira simplificada de tratar os documentos, qual seja, de considerar que os arquivos permanentes só se mantenham pelo seu valor histórico, e não pela necessidade de pesquisa do produtor do documento, reduz a possibilidade de uso dos documentos. Assim assinalam: “[…] não se deve associar o valor secundário à necessidade exclusivamente histórica, uma vez que se prova que os documentos conservados por essa razão são utilizados para toda a espécie de fins e que a necessidade puramente histórica é apenas uma entre outras” (COUTURE; ROUSSEAU, 1998, p.123). Jardim (1985, p.1) menciona: “a gestão cobre o ciclo de existência dos documentos desde sua produção até serem eliminados ou recolhidos para arquivamento permanente, ou seja, trata-se de todas as atividades inerentes às idades corrente e intermediária”. Diante disto, a implementação de um programa de Gestão de Documentos propicia o gerenciamento de toda a vida informacional de uma instituição. Em sentido mais amplo, a adoção de um programa de Gestão de Documentos assegura o direito de acesso às informações: “[…] gerir documentos em seu sentido mais amplo, significa não só racionalizar e controlar a produção documental, garantir o uso e a destinação adequada dos mesmos, mas principalmente assegurar ao governo e ao cidadão o acesso pleno às informações contidas nos documentos, tarefa por excelência dos arquivos” (INDOLFO, 1995, p.7). A aplicabilidade da Gestão de Documentos ocorre através dos seus instrumentos, principalmente da tabela de temporalidade e do Plano de Classificação, que servem, dentre outras funções, para a tomada de decisões, recuperação da informação e preservação da memória institucional. A Tabela de Temporalidade é um “registro esquemático do ciclo de vida documental do órgão, sendo elaborada após a análise da documentação e aprovada pela autoridade competente” (INDOLFO, 1995, p. 24). Ela determina os prazos de guarda documental na fase corrente, estabelecendo critérios de transferência para a fase intermediária, ou a sua destinação final: recolhimento ao arquivo permanente ou eliminação. No que tange à classificação, Paes (2003) explica: “A classificação se fundamenta basicamente na interpretação dos documentos. Para isso, é indispensável conhecer o funcionamento e as atividades desenvolvidas pelos órgãos que recebem e produzem os documentos remetidos ao arquivo. Outro fator que contribui substancialmente para uma correta classificação é a maneira pela qual o documento será solicitado” (PAES, 2003, p. 97). No tocante à aplicabilidade de gestão documental, observam-se quatro níveis de aplicação de um programa de Gestão de Documentos. Segundo a UNESCO, esses níveis são denominados: mínimo, que engloba programas de retenção e eliminação de documentos, estabelecendo métodos adequados de recolhimento dos documentos de valor permanente; mínimo ampliado, englobando as atividades do nível mínimo, contando com um ou mais centros de arquivamento intermediário; nível intermediário, que complementa os dois primeiros, contando ainda com programas básicos de elaboração de formulários e correspondência e com a implantação de sistema de arquivos; e o nível máximo, que compreende a CONARQ. Indolfo (1995, p. 15) afirma que a gestão de documentos possui três fases fundamentais: “Primeira fase: produção: ato de elaborar documentos em razão das atividades específicas de um órgão ou setor. Nesta fase o objetivo é controle da produção de documentos garantido uma melhor gestão dos recursos e diminuindo a produção de documentos desnecessários. Segunda fase: Utilização de documentos: refere-se ao fluxo percorrido pelos documentos, necessário ao cumprimento de sua função administrativa, assim com sua guarda após cessar seu trâmite. A fase de utilização de documentos engloba a gestão dos arquivos correntes e intermediários nela também que são desenvolvidos os sistemas de arquivos, assim como os mecanismos de recuperação da informação. Terceira fase: Destinação de documentos: envolve as atividades de análise, seleção e fixação de prazos de guarda dos documentos […]”. Segundo Schellenberg (2007) o ponto central para que tenhamos uma gestão de documentos eficiente é dispensa atenção a eles desde sua criação: “Os objetivos de uma administração eficiente de arquivos só podem ser alcançados quando se dispensa atenção aos documentos desde sua criação até o momento em que são transferidos para um arquivo de custódia permanente ou são eliminados” (SCHELLENBERG, 2007, p. 68). Segundo a legislação americana a gestão cobre todo o ciclo de existência dos documentos desde sua produção até serem eliminados ou recolhidos para arquivamento permanente, ou seja, trata-se de todas as atividades inerentes às idades corrente e intermediária (Jardim, 1987).   Os acervos arquivísticos do Poder Judiciário, cuja importância torna-se cada vez mais latente, estão demandando novas perspectivas de ação. São documentos de expressivo interesse histórico e social, pois relatam episódios significativos da trajetória de nossas sociedades, não apenas daqueles sujeitos que sempre estiveram em cena, mas principalmente dos que até há pouco eram menosprezados como objeto de pesquisa. Essas modificações estruturais, tanto no que diz respeito aos procedimentos historiográficos, como daqueles que demonstram novas concepções de organização documental, precisam passar a ser observadas com mais atenção na concepção das ferramentas que devem promover os documentos do Poder Judiciário. A dimensão desse acervo, para além de seu uso jurídico-administrativo, precisa ser uma meta a ser aprimorada pelos gestores desse patrimônio. A documentação originada das demandas judiciais, que ao longo dos anos estiveram restritas a poucas análises, tem sido demandadas com significativa amplitude, nos tempos mais recentes. Além disso, a própria configuração social do Judiciário vem sendo objeto de alterações importantes, em função do crescimento de seu protagonismo como poder de Estado. E esta mudança de perfil vai se refletir em seus documentos judiciais. Por força dessas circunstâncias, é necessário que o Judiciário compreenda o expressivo significado social de suas ações, que transbordam suas questões específicas, decorrentes de suas atividades cotidianas. Os documentos judiciais precisam ter a relevância de patrimônio social, o que significa incorporar, na análise desses documentos, outras lógicas de avaliação, organização e acesso, permitindo à sociedade, de modo geral, sua ampla vinculação. O Judiciário brasileiro está se modificando. A chegada de novos magistrados, com outra visão de sua atividade, junto com a transformação da sociedade brasileira como um todo, na esteira da consolidação de nosso sistema democrático, exige maior diálogo da Justiça com os diferentes grupos sociais. De um poder de Estado, o Judiciário deve se aceitar como um poder que emana do povo, pois é nessa condição que se configura sua existência. E a história desse povo está contida em seus arquivos, portanto nada mais justo que buscar manter essa história para as próximas gerações. Chalhoub (2005) afirma que o interesse dos historiadores pelos arquivos judiciais ocorre a partir das décadas de 1960 e 1970 do século XX, em um contexto de surgimento de novos sujeitos sociais, como o movimento feminista, o movimento negro, o movimento homossexual e outros sujeitos coletivos, que levaram a história brasileira a ser contada a partir de perspectivas diferentes das tradicionalmente utilizadas. A partir de congressos internacionais e de relatos do uso de processos judiciais, historiadores passaram a buscar nos arquivos brasileiros informações sobre a cultura de outros tempos. Considerando que a resolução de conflitos presentes em processos judiciais revelam questões sociais e culturais de uma época e informações de densidade humana, acredita-se que esses documentos devem ser utilizados em prol da história. Além disso, os usos revelam a necessidade de preservação do patrimônio documental existente nos arquivos judiciais, por meio do tratamento e da gestão arquivística dos acervos. Os arquivos públicos e privados guardam fontes para a memória da sociedade. Nas palavras de Duarte (2005, p. 49), “o arquivo é a memória e esta, por sua vez, tem potencialidade para informar e alterar a realidade presente”. Segundo Boaventura Santos (2005, p. 5), “Os tribunais são um dos pilares do Estado Constitucional moderno, um órgão de soberania de par com o Poder Legislativo e o Poder Executivo”. O Judiciário sempre foi entendido como tendo uma condição mais técnica, no sentido de que não pode ser ocupado por “qualquer cidadão” – como no caso do Executivo e do Legislativo – pois seu espaço seria o domínio de operadores afeitos a um conhecimento específico, cuja capacitação decorre de uma preparação especial, via ensino superior. É um poder que, no Brasil, não permite à população escolher seus membros dirigentes através do voto, sendo estes definidos por mecanismos internos, seja para ocupar seus principais cargos, seja para a Presidência dos órgãos que o compõem. Nesse contexto do poder judiciário há o valor dos processos judiciais que historicamente resguardam memórias e histórias e em função desse movimento teórico-procedimental, que fez transcender o valor do documento, de um registro específico para o alcance mais abrangente de quaisquer registros escritos, também os procedimentos de gestão documental tiveram que se adaptar, deixando de identificar os documentos importantes – em função da sua dimensão administrativa – para sua condição como registro social. Tais reflexões também devem ser consideradas quando se pensa a gestão documental no âmbito do Poder Judiciário, pois sua gigantesca produção documental exige uma administração e um processamento qualificados (BELLOTTO, 2004), visando sua melhor organização, sob pena de inviabilizar qualquer tarefa que se pretenda efetuar com estes documentos. De modo geral, um processo recebe os documentos para estabelecer os seguintes encaminhamentos: o relato do dano (petição inicial), a manifestação da parte que está sendo acusada, as provas da argumentação de ambas e a decisão judicial. Em termos bastante simples, é essa estrutura que vai produzir o resultado final. Posto dessa forma pode parecer que tais dossiês não possuem nenhum outro valor que não aquele para o qual se prestam neste contexto, resumindo-se a um conjunto de registros cuja única perspectiva é encaminhar o problema, permitindo ao magistrado compreender o fato e deliberar sobre eles, emitindo uma sentença que resolva o litígio. A definição dos critérios norteadores da destinação final dos documentos não é um dos temas melhor desenvolvidos sob a perspectiva teórica na literatura da área arquivística. Em função disso, é fundamental compreender que a tabela de temporalidade, instrumento de excelência do fazer arquivístico precisa ser elaborada de modo criterioso, considerando-se todas as variáveis possíveis, pois é através dos procedimentos nela registrados que o arquivista vai conduzir as ações de gestão documental. Nesse sentido, apesar (e por causa) de seu caráter técnico, a elaboração da tabela de temporalidade deve levar em conta as reflexões e discussões mais atuais referentes ao valor histórico dos acervos. Ao que diz respeito ao processo judicial, essa compreensão precisa avançar em dois sentidos bastante importantes. O primeiro diz respeito à necessidade de compreender que a documentação armazenada sob a configuração do processo é constituída, na verdade, por documentos diversos, todos portadores de qualidades informacionais diferenciadas, cuja variedade precisa ser discutida na avaliação. Não é possível julgar da mesma forma um documento que registra o andamento do feito (um ofício, por exemplo), cujo objetivo é dar ciência do local em que se encontra o referido processo, com uma petição inicial, ou a manifestação da outra parte, ou então comparar com provas documentais, cuja relevância, em termos da citada qualidade informacional, é absolutamente diversa. Outro aspecto, também crucial, diz respeito à compreensão da avaliação e identificação do conteúdo histórico de um processo (MIRANDA, 2011). Como vimos anteriormente, já vão longe os tempos em que se entendia a história como o resultado dos feitos dos grandes vultos, ou então relacionada a episódios significativos – como as grandes batalhas ou momentos cívicos relevantes – sempre do ponto de vista de uma parcela da sociedade. Não que tais aspectos não sejam relevantes, mas eles não podem ser os únicos elementos a serem considerados quando se elabora uma tabela de temporalidade. Isso não significa que a avaliação dos processos judiciais, cujo número chega aos milhões, deva ser executada tomando-se um por um desses autos. Tal procedimento tornaria inviável qualquer atividade nos arquivos judiciais. Não pode ser feita, porém, por seu extremo, através de um registro numérico que indique campos tão resumidos quanto a classe e o assunto do processo, pois tal metodologia impede uma identificação apropriada dos documentos, no sentido proposto pelo princípio da informação qualificada. Portanto, a atual expansão do uso da informática na administração de conjuntos documentais oriundos do Judiciário deve considerar outras variáveis, como, por exemplo, a quantidade de documentos reunidos no processo, a existência de outros suportes, o conteúdo evidenciado nos feitos, ou mesmo a condição do texto produzido como argumentação. Estes itens são meramente exemplificativos, sendo que o mais importante é a participação ativa da equipe na formulação de critérios de avaliação – a Comissão citada acima, que deve, insistimos, prezar pela interdisciplinaridade e pela qualificação de seus membros – para definir, com maior rigor possível, o valor intrínseco dessa documentação. Bellotto (2006) explica que os arquivos permanentes não são constituídos de documentos preciosos recolhidos em diferentes locais para o uso de pesquisadores, mas de documentos que já cumpriram as finalidades administrativas que os geraram, e atingem a possibilidade de utilização para a pesquisa histórica, como testemunhos de fatos. Além disso, nem todos os documentos produzidos administrativamente podem ser preservados para a pesquisa histórica, exigindo critérios bem fundamentados para a realização da avaliação. A demanda sobre o Judiciário cresceu muito em todo o país, durante as décadas de 1980 e 1990, em função da abertura política, da democratização institucional ocorrida a partir da Constituição de 1988, da difusão da advocacia, da melhoria dos índices de desenvolvimento humano, além da busca de aproximação da Justiça ao cidadão comum. Essa democratização do acesso ao Poder Judiciário representou também um aumento no número de novos processos que tramitaram na Justiça (HISTÓRIA DO PODER JUDICIÁRIO NO RIO GRANDE DO SUL, 2003). Camargo (2003) procura explicar o interesse dos historiadores pela documentação do Poder Judiciário afirmando que a Justiça possui uma amplitude de poder de intervenção na ordem social, capaz de espelhar, indiretamente, muitas características dessa sociedade, gerando interesse pelos documentos. Além disso, segundo ela, os documentos de arquivo possuem características peculiares, no sentido de que são criados em função das necessidades de uma instituição, para comprovar e fundamentar seus atos. Essa naturalidade de criação e a função probatória dos documentos de arquivo permitem que os mesmos tenham grande relevância para os historiadores. Tais fontes documentais, foram abordadas nos arquivos judiciais do estado do Rio Grande do Sul, onde existe um tratamento de valorização histórica documental das fontes judiciais recentes.   O Poder Judiciário de Roraima por meio da Resolução Nº 05/2014 institui sua Política de Gestão Documental definindo assim suas ações em conformidade com o plano nacional. Desse modo o Judiciário roraimense compreende a Gestão Documental como “Conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes às atividades de produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento de documentos, em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente, operacionalizada por meio do planejamento, organização, controle e coordenação de pessoas, espaço físico, equipamentos e sistemas de informação que possibilitem racionalizar e agilizar o ciclo documental” (RESOLUÇÃO Nº 05/2014 TJ/RR). Além do entendimento a respeito da gestão documental o poder judiciário de Roraima reconhece também os arquivos correntes, intermediário, permanente, atividade-fim, atividade-meio, respeitando a tabela de temporalidade de documentos unificada da Justiça Estadual assim como a destinação de documentos. Na referida resolução consta que é competência da Secretaria de Gestão Administrativa – SGA coordenar o Programa de Gestão Documental. Percebe-se que por meio da resolução não há uma reflexão aprofundada da importância do arquivo para a sociedade e comunidade acadêmica. Com linguagem meramente técnica e operacional. Ao analisar a portaria Nº249/2014 que institui a norma de organização do Arquivo Central e dos procedimentos de gestão de documentos arquivísticos físicos e eletrônicos foi possível ajuizar que é semelhante a resolução citada anterior tratando das competências, responsabilidades, conceituações, das penalidades, etc. No geral, ainda é perceptível uma compreensão objetiva do resguardo de documentos físicos há ausência de uma compreensão vista como resguardo de vestígios fundamentais para a compreensão de determinados marcos temporais sobre fatos relevantes que perpassaram pelo cotidiano da sociedade roraimense.   Considerações Finais Os acervos arquivísticos do Poder Judiciário do estado de Roraima, cuja importância torna-se cada vez mais latente, pois a meu ver há uma relevante importância histórica/cultural/judicial/documental. Com certeza são documentos de expressivo interesse histórico e social, pois relatam episódios significativos da trajetória da sociedade roraimense, não apenas daqueles personagens que sempre estiveram em cena, mas principalmente dos que até há pouco eram menosprezados como objeto de pesquisa, devido ao “descaso” com muitos personagens. Com a criação do CNJ – Conselho Nacional de Justiça e a consequente normatização dos procedimentos a serem adotados nos tribunais pelo Brasil com a criação do CONARQ. Assim, a Gestão Documental passou a ter uma grande importância na normatização dos arquivos da administração pública através das resoluções do CONARQ, assim como a implantação das Câmaras técnicas. Os instrumentos da gestão de documentos são essenciais para que se garanta a acessibilidade aos documentos de caráter público a qualquer cidadão. Um plano de classificação, visualizado através de um código de classificação que colaborar no mapeamento da origem dos documentos, revelando a relação que mantém com a entidade produtora. A tabela de temporalidade e destinação de documentos, por sua vez, é instrumento esquemático que subsidiar as comissões permanentes de avaliação nos encaminhamentos das propostas à instituição arquivística pública. Com base na normativa do CONARQ, o Tribunal de Justiça de Roraima, tomou a iniciativa de instituir uma padronização na política da Gestão Documental dos documentos oficiais e históricos pertencentes ao Tribunal de Justiça, passando a tratar o setor de arquivo com o devido valor histórico documental, assim sendo, houve modificações estruturais, tanto no que diz respeito aos procedimentos historiográficos, como daqueles que demonstram novas concepções de organização documental, precisam passar a ser observadas com mais atenção na concepção das ferramentas que devem promover os documentos do Poder Judiciário do estado de Roraima. A dimensão desse acervo, para além de seu uso não só jurídico, mas administrativo e histórico, neste caso, precisa ser uma meta a ser perseguida pelos gestores desse patrimônio. A documentação originada das demandas judiciais, que ao longo dos anos estiveram restritas a poucas análises, tem sido demandadas com significativa amplitude, nos tempos mais recentes. Além disso, a própria configuração social do Judiciário vem sendo objeto de alterações importantes, em função do crescimento de seu protagonismo como poder de Estado. E esta mudança de perfil vai se refletir em seus documentos judiciais, administrativos e históricos. Os documentos judiciais precisam ter a relevância de patrimônio social, o que significa incorporar, na análise desses documentos, outras lógicas de avaliação, organização e acesso, permitindo à sociedade, de modo geral, sua ampla vinculação. O passo dado na organização da Gestão Documental do Poder Judiciário de Roraima é sem dúvida, um marco na Administração pública roraimense, sendo um modelo a ser seguidos pelas demais entidades e órgão do setor público de nosso estado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/gestao-documental-e-o-arquivo-do-poder-judiciario-de-roraima/
A Importância do Factoring Para Pequenas e Médias Empresas, Sua Legalidade Confrontando a Prática Ilegal de Agiotagem
A natureza do contrato de Factoring é semelhante à de um contrato de fiança. O fatoramento é uma atividade especializada pela qual uma empresa converte seus recebíveis em dinheiro vendendo-os a uma organização de fatoração. O Fator assume o risco associado à cobrança dos recebíveis e, no caso de não pagamento pelos clientes/devedores, assume o risco de uma perda por inadimplência. Os fatores assumem formas diferentes, dependendo do tipo de recursos especiais anexados a eles. Através da Factoring, o crédito é convertido em dinheiro imediatamente. A empresa de Factoring transfere dinheiro com base nas faturas de clientes não pagas que eles receberam da organização comercial. Os componentes envolvidos no fatoração: valor antecipado, a porcentagem de dinheiro que o fator paga ao vendedor no valor total da fatura, incluem a reserva que é o valor mantido em reserva até o cliente/devedor efetuar o pagamento pela fatura; taxa de fatoração, o valor reduzido da reserva como encargos de fatoração ao receber o valor total do cliente. É primordial salientar que o Factoring dependendo de sua aplicação pode ser interpretado como crime de usura (agiotagem). A realizada é que no que tange tal assunto a legislação brasileira ainda é extremamente carente de normas e de adequada tipificação.
Direito Administrativo
Introdução O presente artigo trará a relevância econômica que a Factoring tem para os mercados atuais que englobam as pequenas e médias empresas brasileiras, seu desenvolvimento, a praticidade por trazida por ela. O termo Factoring, é advindo do Império Romano, sua origem vem da palavra “FACTOR”, ou também conhecido como “FAZEDOR”. No Império Romano os comerciantes, comercializavam os produtos dentre si baseados somente na palavra, era dessa forma eles compravam e dispunham de suas mercadorias e objetos, e se pessoa cumprisse a sua palavra seria ela de confiança, dotada de boa-fé (MORAES, 2018). Assim por muitos anos faziam as trocas, os escambos  – visto que nessa época não se tinha  nenhum regime legal para a comercialização das  coisas, para as prestações de pagamento,  era somente um costume, devindo  da confiança – e assim os comerciantes  que se encaixavam  nesse perfil eram vistos como de  extrema importância pelos demais (MORAES, 2018). O conceito histórico de Factoring remonta a 1.200 anos A.C,  com os povos Fenícios, que eram povos  semitas que viviam na faixa de terra  ao longo da costa oriental do Mediterrâneo,  e que praticavam as “factorias”,  com o crescimento delas, veio junto  os riscos,  as pessoas que não tinham boa-fé,  que não cumpria  sua palavra e que não levavam as  mercadorias para os devidos recebedores, e logo então os povos Romanos vendo o crescimento do setor comercial aproveitou-se da ideia, e então surge as nossas  cooperativas (AMARAL, 2017). Com a ocorrência da Convenção Diplomática de Ottawa, no de 1988, o Brasil ficou conhecido como um dos países mais ativos nas práticas fiduciárias com a associação entre Factoring-cliente e Factoring-comerciante.  Depois do ocorrido as factorias passavam a ter peso e respeito nas áreas comercias, porque agora não era  uma mera troca ou escambo e sim  uma operação complexa, que agora se conseguia  através de um contrato que a parte cedesse  à terceiros  os créditos provenientes de suas  vendas, e sendo assim assumisse também  o risco do não recebimento pelo cliente de seu  cedente (DI AGUSTINI, 2017). Portanto, o Factoring, faz com que a prestação de serviços seja objetiva, e que através da prestação de recursos deixe mais viável a produção de pequenas e médias empresas prestadoras de serviços mercantis (ARRIERO, 2017). O Factoring e Fomento Mercantil atualmente no Brasil são regulamentados pela Associação Nacional das Sociedades de Fomento Mercantil (ANFAC), todas as empresas de Factoring devem ser associadas a ela (LEITE, 2019).   1. Origem do Factoring O Factoring chegou ao Brasil, em fevereiro de 1982, na cidade de São Paulo, através da ANFAC. O principal país que contribuiu para o movimento do Factoring foi a Inglaterra, devido ao comércio de produtos têxteis que eram importados para a então colônia americana. Quanto maior e mais utilizada  era a prática do Factoring, o comercio  foi crescendo, com o passar de um certo tempo as compras, e as vendas exigiam  entregas em locais distantes, os  ingleses logo precisaram de ajuda de terceiros para que eles então as distribuíssem  a mercadoria pela América, ou seja,  transportadores (LEITE, 2019). Ainda dentro da colônia Inglesa, o sistema precisou de ajustes especiais para os Estados Unidos, pois ali os factors – aqueles que desenvolviam a atividade – não só administravam o estoque, os transportes e as vendas, mas como também garantia os pagamentos, esses chamados de agentes del credere. Com os negócios indo lucrativamente bem, os comerciantes passaram a pagar à vista os seus fornecedores, antes mesmo de os compradores fazê-lo. O factor, sabendo dos serviços prestados, substituiu os compradores, pagando à vista aos fornecedores, melhorando então a cessão de crédito e efetuando a cobrança junto ao comprador final da mercadoria (TAX, 2018). Desta forma, surge o Factoring, como um meio de venda de crédito advinda das vendas de bens pelos fornecedores, de forma que os factors adquiriam o direito de cobrança, como se fossem seus proprietários legítimos.  O factor, portanto, realizava a administração, comercialização e distribuição das mercadorias, passando a exercer a função de um “fornecedor de recursos. No século XX o Factoring ficou mundialmente conhecido, quando com a atividade de compras creditórias o vendedor não tinha o direito de regresso, ou também conhecida, responsabilidade pela solvabilidade. Surge-se então ideia de aquisição através de um título oneroso, de um crédito, sem os direitos de regresso, que perdurou até a década de 80 (FERREIRA, 2018). Por ser uma atividade com maior predominância estrangeira, com a sua chegada ao Brasil deparou-se com uma grande resistência, por parte do BACEN (Banco Central do Brasil), o órgão este responsável por regulamentar e controlar o funcionamento de todas as instituições financeiras no Brasil, sejam elas, pequenas, médias ou grandes (LEITE, 2019). O BACEN não permitiu que se instaura-se o Factoring na Junta Comercial em 1982, devido a ser conhecida no estrangeiro e tão pouco aqui, ainda sim havia uma grande dúvida com relação a classificação que seria a cada destas empresas. As dúvidas surgiram em torno das atividades praticadas pelo Factoring, por essas serem extremamente parecidas com as instituições financeiras que já eram regidas pelo BACEN, encontrando nesse ponto a necessidade de uma avalição para a sua instauração (LEITE, 2019). De acordo com a ANFAC (2019),   Somente através de uma decisão judicial que o Banco Financil de Fomento Comercial, conseguiu derrubar a proibição criada pelo BACEN para que impedisse o funcionamento do Factoring no Brasil. Este, por sua vez, revogou a Circular nº 703/82, criada como um impedimento para o funcionamento do Factoring em  território  nacional e, expediu a Circular nº  1359 de 30/09/1988, a qual  obrigou as Juntas Comerciais à aceitarem os registros das Factorings  no Brasil, passando esta atividade a ser reconhecida  como um ramo comercial e não como uma financeira,  mesmo que havia muitas  dúvidas sobre o assunto.     Moraes (2019), reforça que,   Nessa época, os profissionais da que trabalhavam com o Factoring foram reconhecidos como “prestadores de serviços”, caracterizados como comerciantes, a fim de se defenderem daqueles que diziam que se tratava de sua atividade financeira. Era perceptível que tais dúvidas não eram peculiares do Brasil, e sim de ramo internacional. Desde logo, no ano de 1998, realizou-se a Convenção Diplomática de Ottawa, no Canadá, idealizada pela Unidroit – International Institute for the Unification of Privat Law, que consagrou, a doutrina do Factoring. Nesta reunião estavam presentes representantes de 53 nações, dentre elas o Brasil, sendo apresentado por diversos juristas e empresários de vários países, onde já havia a prática do Factoring.   Rizzardo (2018), conclui que, “(…) o Factoring de uma operação complexa, composta de vários serviços, de forma que somente um contrato que inclua a realização de, no mínimo dois desses serviços, executados em bases contínuas, pode ser considerado Factoring.”   A decisão veio com a Lei nº 8.981/1995, em seu artigo 28 e, posteriormente ratificada através da Resolução nº 2.144/95, do Conselho Monetário Nacional. Dentro do ano de 1995, o BACEN decidiu regulamentar as empresas Factorings com a Resolução nº 2144, datada de 22 de fevereiro. Apesar da mesma já ser regulamentada, a sua atividade ainda era pouco difundida, o que levantava suspeitas em relação a sua idoneidade e exercício (BRASIL, 1995).   1.1. A ANFAC A Associação Nacional de Factoring (ANFAC), tem a sua atividade sem fins lucrativos, e possui o perfil de uma entidade civil, sendo de caráter privado e de difusão nacional. A ANFAC tem por objetivo trazer à tona o verdadeiro conceito de um Factoring, quais são os seus mecanismos socioeconômicos de apoio geral e financeiro, os meios que ele tem de prestar a assistência necessária as sociedades de fomento mercantil filiadas. E, dado o crescimento do Factoring no Brasil, a ANFAC logo então teve de tomar medidas de descentralizar e regionalizar as suas atividades, fazendo com que o Factoring tivesse maior proporção e chegasse à maioria dos Estados brasileiros, criando um sindicato agora só para a sua regulamentação interna (LEITE, 2019). No ano de  1993, foi  criada a Federação Brasileira de Factoring (FEBRAFAC),  uma entidade sindical de nível  superior – sociedade de caráter civil,  da qual objetivava a defesa de interessados legítimos que vinha para a representação de seus empresários, todos  esses filiados, em comum, uma única  estrutura administrativa e funcional, toda  essa atividade com o amparo da CLT (AGUIAR, 2017). As atividades desenvolvidas pelo sistema FEBRAFAC/ANFAC, tinha divulgação institucional, por meio dos Informativos Factoring, distribuídos as empresas filiadas, e interessados.  Nos tempos atuais, cerca de 900 empresas  são associadas a ANFAC, tais  abrangem um atendimento a mais de  135 mil empresas de pequeno e médio  porte, onde podemos ver a relevância  e atividade socioeconômica  que o Factoring nos trouxe, gerando  cerda de 2,5  milhões de empregos de forma direta e indireta e sendo responsáveis por um volume  relevante de tributos  recolhidos (AGUIAR, 2017). Portanto, a Associação Nacional de Factoring (ANFAC), é uma atividade que busca integrar, orientar e difundir o Factoring pelos Estados Brasileiros, prestando a eles um suporte técnico e operacional (LEITE, 2019).   2. Características legais do Factoring e suas tributações A carga de tributações no ramo do Factoring é elevada, sendo ela de lucro presumido no que diz a sua parte contábil para o recolhimento de seus respectivos impostos, (PIS, ISS, COFINS, IOF, Contribuição Social e Imposto de Renda).  O IRPJ e a Contribuição Social sob os lucros possuem um destaque dado na Lei 9.718/1998 em seu artigo 14, VI, do qual mostra que as empresas cadastradas como Factoring tem a obrigação de recolhimento de IRPJ e Contribuição Social, pois seu ponto principal é no regime de apuração do Lucro Real (DI AGUSTINI, 2017). O PIS e COFINS, é tributo de caráter Federal, e seu recolhimento deve ser realizado por empresas de Factoring, pois a sua opção obrigatória, e, portanto, se enquadrando a este regime, regime de Lucro Real, não pode ser eles cumulados. A retenção que acontece no imposto de renda, ocorrerá em ocasião de crédito ou de pagamento, qual ocorrer primeiro (DI AGUSTINI, 2017). O IOF (Imposto sobre operações financeiras),  está sujeito a toda e qualquer empresa que se cadastrar em uma Factoring, os direitos creditórios ficará sujeito  ao pagamento de impostos, de acordo  com o que for convencionado pelas partes,  a Factoring fica sujeita a esse  imposto no momento  em que acontece a operação de cessão  de crédito, devendo ela  fazer o recolhimento para os cofres do Tesouro Nacional, assumindo  então a responsabilidade tributaria dessas transações. O IOF é calculado da data em que se acontece a operação e de cada vencimento de títulos cedidos a uma empresa Factoring (MARTINS, 2018). O artigo 17 da Lei nº 4.595/1964, considera instituições financeiras as empresas jurídicas privadas e públicas, que desenvolvam a principal atividade, ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros (BRASIL, 1964). O ISS (Imposto sobre serviços), por meio da Lei complementar 116/2003, determina como serviço o que estará relacionado as operações de Factoring, deste modo, a empresa estará sujeita ao recolhimento do ISS (BRASIL, 2003). O que é Factoring na prática e suas características, a importância do segmento Factoring para o desenvolvimento econômico empresarial e sua legalidade. Para a economia atual uma empresa Factoring é de suma importância, devido a agilidade em seus atos, porém, a sua parte operacional é tão burocrática quanto as demais, a antecipação de cessão de crédito é regida pelo Código Civil, em que se tratar de obrigações (FOGAÇA, 2018). A cessão de crédito nada mais é que a venda de um crédito futuro ou atual, é feita através de transferências de obrigações, onde um credor as cede a outro de boa-fé os seus direitos creditórios, onde ocorre a sucessão ativa no que diz respeito a relação obrigacional. A aquisição de crédito que resulta de vendas mercantis e de prestação de serviços dos clientes de empresas contratadas que são realizadas a prazo. Factoring é negócio sério para profissionais (LEITE, 2019). Ao adquirir os direitos creditórios advindo das vendas, essa antecipação de crédito ajuda a fomentar as pequenas e médias empresas, fazendo com que o fluxo de caixa dessas se ajuste para que ela melhor se desenvolva (FOGAÇA, 2018).   3. Conceituando a Agiotagem É necessário relatar, preliminarmente,  que a realidade do atual contexto  é que a maioria dos negócios efetivados hoje, seja no ramo  industrial com investimentos em matéria prima e  tecnologia ou no ramo  comercial, com investimentos em produtos e serviços, entre outras necessidades, é realizado com dinheiro emprestado, sob a condição de pagamento de juros  na maior parte das vezes (SANTOS, 2016). Em casos quer os comerciantes precisam investir em mercadorias novas, moveis e industrializados para seu comercio e indústria, seja por uma necessidade de ampliar o local, ou refazê-lo, o que se é buscado em primeiro lugar é sempre uma entidade bancária  a fim de que ele possa realizar  um empréstimo,  ou seja, o comerciante pega dinheiro  emprestado e paga juros referente a esse valor, a qual  a porcentagem é calculada em cima  do mesmo.  Há casos em que as empresam necessitam de um capital de firo, para que ela possa aumentar a sua produtividade, onde também optam pelos empréstimos, entre outros casos etc. (VENOSA, 2017). A atual taxa de juros cobrada no mercado econômico hoje ainda é vista como normal, pois até aqui acreditam que essa cobrança seja algo adequado, visto que foi algo que sempre acompanhou as gerações comerciais. Ocorre que, essa ideia é de fato equivocada, uma vez que houve um período em que cobrança de juros pelo valor emprestado já foi considerado um crime grave (SANTOS, 2016). Na Idade Média, A Igreja Católica,  uma influenciadora da época, adotava  a proibição  da cobrança de juros quando se emprestava  algum valor em dinheiro de alguém,  pois se entendia essa cobrança como  crime de usura,  ou seja, o pecado de usura, esses  cobradores seriam  condenados as punições dessa lei,  e seriam mal visto perante os demais da sociedade (SANTOS, 2016). Portanto, é notório que era a igreja em decidia o que era “errado” e “certo”, no que se dizia respeito a parte religiosa, o que não fugia da realidade em que se vivia nas atividades sociais e econômicas, demanda da influência religiosa.  A Igreja acreditava que o lucro trazia ruinas as almas, uma vez que os bens materiais não acrescentavam, as riquezas é era algo leviano, e que o bem-estar sim era o primordial, onde as pessoas só precisavam ter aquilo que ela necessitasse realmente para viver (RÉGIS, 2018). Porém, a Igreja por um outro  lado, dispunha da ideia de que com  os juros não se tinha necessidade de trabalhar para  se viver, visto que isso também era  um pecado,  ou ainda que não vivesse sem o trabalho, o empréstimo  era tido como venda do próprio tempo, o que religiosamente era errado, uma vez que eles acreditavam  que o nosso tempo pertence tão somente  a Deus, e que desfazer dele, ou comercializado, era um  disparate com os céus (RÉGIS, 2018). Essas ideias nasceram da época feudalista, onde o comercio ainda era pequeno e quase não se emprestava dinheiro com a intenção de se ter lucros sob ele, tanto que nesse momento da história os valores que eram ganhos das vendas eram guardados dentro de uma caixa, a chamada caixa-forte. Assim sendo, o comerciante  que pegasse um empréstimo deveria  necessitar  de tal importância para sua sobrevivência,  não se podia fazer empréstimo para enriquecimento próprio ou alheio, pois era pregado pela igreja que a cobrança de juros ou o dinheiro que não para o seu  viver, trazia uma má conjuntura para  a vida, sendo que  aquele que fosse emprestar o seu  dinheiro deveria ele fazer sem lucrar, visando ajudar  o próximo, ser um bom cristão (HUGON, 2018). Embora a Igreja adotasse essa filosofia, os seus representantes, sendo eles bispos e reis, faziam ao contrário do que pregavam, eles, dentro de seu grupo, emprestavam dinheiro uns aos outros mediante quantia de juros. Como, por  exemplo, os banqueiros  italianos dessa época, emprestava  quantias altíssimas, e quando pegassem, eram inadimplentes, o Papa ia pessoalmente  fazer a cobrança desses juros em  pendencia, mesmo  sabendo das regras religiosas, e  por fim, a igreja  continuava a propagar que erra errado,  a fim de arguir  o então considerado pecado de usura (HUGON, 2018). Simultaneamente com esses ocorridos, a classe dos comerciantes ganhava espaço e importância no cenário econômico, todavia, a ideologia da usura os repreendia, e já não se podia mais manter dinheiro guardado em caixas-fortes. Dado isso, o crime de usura se tornou lentamente aceitável, foi ganhando seu espaço, moderadamente com o passar dos anos, até que então a prática de emprestar dinheiro sobrepôs o crime, e virou um regime costumeiro, e aceitável. Atualmente, a Igreja Católica, não demanda sobre assuntos de negócios comerciais, estes agora regido por outro ramo econômico. Entretanto, ao ser abraçada a ideia de empréstimo de dinheiro, surge também a famosa prática da agiotagem, sendo essa ilegal (RIZZARDO, 2018). A prática de agiotagem  é ilegal, ainda sim tem muitos interessados  e a sua procura, dado  que nessa pratica a burocracia para  se conseguir um empréstimo  em dinheiro é menor, e por sua vez  é mais rápida, um dos pontos negativos é que nela a cobrança  de juros tende a triplicar comparando  a tabela de juros de um  empréstimo por uma entidade bancaria (RÉGIS, 2018). Com a praticidade em que se chega as informações até nós, fica notório a prática da agiotagem, os agiotas usam dos meios de telecomunicações como, rádio, televisão, anúncios em jornais, internet, panfletos etc.  É claro, de modo subentendido. Esses anúncios chamam  a atenção de pessoas que estão  em buscar de dinheiro fácil, empresários  que se encontram endividados, ou em buscar de recursos para  sua empresa crescer, matéria prima  para alavancar  as vendas, e que no desespero, não  se importam com os números antes do sinal de porcentagem,  os prazos são curtos, em geral são  de em média 4 à 6 meses, assegurados por cheques pré-datados e/ou  bens valiosos, como casa, carro, joias  etc. (SANTI FILHO, 2017). A agiotagem é abordada como um termo de conotação pejorativa, que significa, em tese, o comércio especulativo de empresários clandestinos e informais, cobrando juros altíssimos com vistas a ganhar lucros exagerados ou vantagens exorbitantes (MORAES, 2019).   3.1. Agiotagem no Brasil O empréstimo de pecúnia, mediante a exploração de juros, sem o consentimento do Banco Central Brasileiro, trata-se de crime, tendo regulamentação em nosso País, mais especificamente através do Decreto-Lei nº 22.626/33, Lei nº 1.521/51, o CP e o CDC (BRASIL, 2019) Eles alcançam indivíduos e entidades legais que não pertencem ao Sistema Financeiro e evitam a Justiça, seguem suas próprias regras como verdadeiros predadores da economia, sugam e impedem o crescimento de setores produtivos que geram impostos, empregos e riqueza para o país e abusos. eles.  A necessidade, inexperiência ou leveza de um indivíduo em particular, de obter ganhos ilícitos e imorais (AMARAL, 2017). Esses criminosos vivem de especulações, crescem e se enriquecem explorando os mais pobres, o que não deve acordado por nenhum de nós para testemunhar tais situações. A falência tornou-se um modo de vida, que já estruturou todo um aparato para coagir, pressionar e extorquir dinheiro de suas vítimas. Esses criminosos usam bons profissionais para aconselhá-los sobre seus golpes, como advogados e contadores, e outros que pretendem aterrorizar as vítimas para atingir seu objetivo:  benefícios extrativos (LOPES, 2019). O credor profissional é perigoso e pode ser uma pessoa singular ou coletiva, persegue suas vítimas como predadores vorazes e abusa da fragilidade psicológica e do desespero momentâneo das pessoas em aplicar seus golpes, levando assim os últimos recursos disponíveis para a vítima (AGUIAR, 2017).   4. A prática da Factoring de forma ilegal ou “Crime de Usura” A usura é a prática de fazer monetários não éticos ou imorais empréstimos que injustamente enriquecem o credor. O termo pode ser usado no sentido moral, condenando, tirando proveito dos infortúnios alheios, ou no sentido jurídico, em que uma taxa de juros é cobrada além da taxa máxima permitida por lei. Um empréstimo pode ser considerado usura por causa de taxas de juros excessivas ou abusivas ou outros fatores definidos pelas leis de uma nação. Alguém que pratica usura pode ser chamado de agiota (MARTINS, 2018). Originalmente, usura significava cobrar juros de qualquer tipo e, em algumas sociedades cristãs e até hoje em muitas sociedades islâmicas, cobrar juros era considerado usura. Durante o período do Sutra na Índia (séculos VII a II aC), havia leis proibindo as castas mais altas de praticar usura. Condenações semelhantes são encontradas em textos religiosos do budismo, judaísmo, cristianismo e islamismo (o termo é riba em árabe e ribbit em hebraico) (LOPES, 2019). Às vezes, muitos países da Grécia antiga à Roma antiga proibiram empréstimos com qualquer interesse. Embora o Império Romano eventualmente tenha permitido empréstimos com taxas de juros cuidadosamente restritas, a Igreja Católica na Europa medieval proibiu a cobrança de juros de qualquer forma (além de cobrar uma taxa pelo uso do dinheiro, como em uma agência de câmbio). As proibições religiosas à usura são baseadas na crença de que cobrar juros de um empréstimo é um pecado (AMARAL, 2017). No Brasil desde 1951, e de acordo com a Lei 1.521/51 a usura também conhecida como agiotagem, salienta-se apenas que cobranças de ágios de acordo com os padrões legais não são considerados crimes, exemplo típico são os empréstimos bancários, em casos contrários são considerados crimes contra a economia popular, como se vê especificado no art. 4ª da citada lei.   Art. 4º. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.   Há uma imensa discussão doutrinaria quanto a natureza jurídica do “Factoring”, pois se questiona a legitimidade, confiabilidade, natureza jurídica, bem como seus limites de atuação, isso por que não há legislações específicas, colocando usuários do Factoring, assim como as empresas em situações de risco (MARTINS, 2018). De acordo com Carneiro (2019), A fim de evitar concorrências ou por mero desconhecimento da prática de faturização, então emergente, o BACEN proibiu indiretamente a prática da atividade de fomento desenvolvida pelas empresas de “Factoring”, através da Circular nº 703, de 16 de junho de 1982, considerando o “Factoring” como crime. Contudo, está Circular foi revogada pela Circular nº 1.359 de 30 de setembro de 1988, reconhecendo o “Factoring” como atividade comercial mista, atípica, que consiste na prestação de serviços conjugada com a aquisição de direitos creditórios ou créditos mercantis. Mais tarde, a Resolução 2.144 de 22 de fevereiro de 1995, definitivamente reconheceu a tipicidade jurídica das empresas de Factoring e delimitou sua área de atuação. No intuito de dirimir estas e outras questões, a doutrina, é incipiente nesta área, e especialmente a jurisprudência, se for o caso por reinterpretar os casos concretos à luz das normas. Muito se questiona se mediante essa carência de normatização a factorização realmente se trata de fomento para a econômica através das variações de atividades financeiras reguladas pelo BACEN, assim como os juros taxados pelas empresas de Factoring, são realmente funcionais e concorrentes com as demais instituições financeiras brasileiras (AGUIAR, 2017). Pode-se citar como exemplo, um Acordão, em sessão permanente e virtual da 16ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde proferiu-se a seguinte decisão, dando provimento ao recurso para absolver Nadir Aparecida da Silva da imputação formulada na exordial, por força do art. 386, VII, do CPP. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. APEL Nº: 0000741-18.2018.8.26.0646. COMARCA: URÂNIA. APTE…: NADIR APARECIDA DA SILVA. APDO…: MINISTÉRIO PÚBLICO. USURA PECUNIÁRIA CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. Ré acusada de emprestar dinheiro a juros superiores à taxa permitida por lei Prova frágil Ônus da acusação em comprovar, de forma segura, os fatos concretos imputados à acusada, do qual não se desincumbiu o represente ministerial Decreto absolutório que se impõe Recurso provido (voto nº 40861). Apesar da maior aceitação das operações de Factoring em um contexto de mercado, ainda existem obstáculos importantes a serem superados ao aceitar e confiar nessas práticas. As indústrias nacionais de pequeno e médio porte, um potencial cliente de fatoração, buscam reduzir os custos operacionais aderindo a esse mercado para a compra e venda de títulos de transações comerciais, a fim de obter capital de giro. Atualmente, muitas empresas estão envolvidas em operações de Factoring, o que aumenta a concorrência nessa área de atividade. Mesmo em um instinto de sobrevivência, as empresas de Factoring expandiram e diversificaram os serviços (ARRIERO, 2017). Por se tratar de um instituto de direito privado e, por analogia com os contratos de alocação de crédito, é devido à ausência de proibição que esse tipo de negociação ou prestação de serviços seja permitido, desde que não conflite com as disposições da Lei das Instituições Bancárias e a Lei de Usura. A escassez doutrinária aponta que o fatoramento é uma “atividade comercial mista atípica” ou uma “operação complexa devido ao aspecto triplo que caracteriza seu objetivo”, uma vez que abrange as funções de garantia, gerenciamento de crédito e financiamento (LOPES, 2019). Não é uma atividade ilegal, nem um refinamento de empréstimos, a prática de levar em consideração as relações comerciais, uma vez que é uma atividade que incentiva pequenas e médias empresas que precisam de capital de giro para realizar suas atividades com mais eficiência.  O que foi banido por nossos tribunais superiores é a prática abusiva de interesse em violação à Lei de Usura, uma vez que não são empresas de Factoring que fazem parte do Sistema Monetário e Financeiro Nacional (LEITE, 2019).   5. Factoring a modalidade legalizada para prestação de serviços indústria de Factoring fornece importantes incentivos no Brasil para a produção e venda de bens e serviços, especialmente entre micro, pequenas e e médias empresas. Nos últimos anos, muitas dessas empresas sofreram devido à falta de financiamento bancário disponível, bem como à estritas condições e obrigações impostas pelas instituições financeiras quando fornecer crédito. Como resultado, essas empresas passaram a contar com fatores como sua principal fonte de financiamento, atribuindo continuamente a totalidade ou parte seus recebíveis como forma de financiar suas operações (DI AGUSTINI, 2017). Os fatores competem com os bancos no desconto de recebíveis confiando em seus falta de formalidade e um processo mais rápido de análise de crédito, oferecendo descontos taxas superiores às oferecidas pelas instituições bancárias tradicionais trocar disponibilidade e simplicidade. Apesar da ampla gama de serviços incluídos nesta definição, a grande maioria dos fatores são quase inteiramente dedicado à seleção e compra de recebíveis. Nesse tipo de transação, o fator negocia e compra recebíveis de seus clientes com desconto (considerada a taxa cobrada pelo fator pela prestação de serviços) contra cessão e entrega pelo cliente da documentação de crédito adequada (LEITE, 2019). Apesar de sua importância para a economia, fatorar as atividades ainda carecem de leis e regulamentos específicos no Brasil, resultando em incerteza quanto a fatores e ao mercado. Por exemplo, é geralmente entendido que fatores podem não obter financiamento por dívida ou emitir instrumentos de dívida para financiar suas atividades. Alega-se que, ao fazer, portanto, fatores atuariam como instituições financeiras sem a devida autorização da Central Banco. No entanto, não há lei ou regulamento que apoie esse entendimento (FOGAÇA, 2018). O Brasil é um exemplo fantástico da deficiência do setor bancário tradicional, com uma concentração de quase 80% entre os quatro principais bancos. Esses bancos tendem a se concentrar em hipotecas e empréstimos de longo prazo para grandes empresas. As pequenas e médias empresas (PME) estão frequentemente lutando para ter acesso às fontes tradicionais de financiamento. Além disso, os spreads bancários no Brasil são muito maiores do que em qualquer outro país importante. Enquanto as taxas de juros caíram, os bancos ainda estão emprestando amplamente a taxas acima de 30% (AGUIAR, 2017). Opções de financiamento alternativas, como fatoração de contas a receber, podem fornecer o capital de giro que as PME precisam. O fatoramento de contas a receber é um financiamento proveniente de uma empresa que vende suas contas a receber a uma empresa de fatoração. Dada a falta de empréstimos concedidos pelos bancos tradicionais, as autoridades brasileiras implementaram uma regulamentação favorável aos investidores para o setor de Factoring. No Brasil, o FIDC é totalmente regulamentado e monitorado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O conceito foi introduzido pela primeira vez em 2001, mas desde então, a transparência e a prestação de contas foram aprimoradas significativamente (BRASIL, 2019). Hoje, os Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), devem cumprir uma série de regras que garantem forte governança e controles independentes por meio de administradores de fundos regulamentados, auditores independentes, gerentes registrados, custodiantes etc., o que oferece aos investidores um nível muito alto de transparência e responsabilidade. O Brasil é provavelmente o país com os mais altos padrões em termos de regulamentação da indústria de Factoring, um verdadeiro paraíso das fábricas e, definitivamente, um aspecto positivo a ser adicionado à lista de contrastes (SANTI FILHO, 2017). Além disso, os tribunais brasileiros geralmente sustentam que fatores não podem exigir nenhum tipo de garantia segurança de seus clientes para garantir o pagamento do recebíveis. Seguindo esse entendimento, os fatores devem dependem unicamente de sua capacidade de cobrar os créditos devedor a pagar TAX, 2018). Os tribunais declararam que somente essa ação justifica as altas taxas de desconto cobradas fatores para os clientes. Além disso, declararam que o a exigência de uma garantia ou caução tornaria tal transação em puro desconto de recebíveis (como contrária a uma compra de recebíveis), que só pode ser realizada por uma instituição financeira. Em um fatorial puro operação, o vendedor do recebível é responsável apenas por a existência e documentação adequada do crédito (RIZZARDO, 2018). Em relação aos impostos, os fatores estão sujeitos a: a contribuição do programa de integração social e a contribuição previdenciária, que são contribuições para o bem-estar social cobradas receitas às taxas de 7,6% e 1,65%, respectivamente; e imposto de renda e contribuição social sobre lucros, que incidem sobre o lucro líquido da empresa em as taxas de 25% e 9%, respectivamente (TAX, 2018). De acordo com a Lei 9430/96, empresas de Factoring deve calcular e pagar imposto de renda de acordo com o regime de renda real. A compra de recebíveis é ainda sujeito a imposto sobre transações financeiras e contribuição na transferência de fundos em 1,5% e 0,38 por cento, respectivamente (RIZZARDO, 2018).   Conclusão O Factoring é uma estratégia de gerenciamento de fluxo de caixa para transformar faturas não pagas em capital de giro. Com ele, os gerentes financeiros equilibram o dinheiro recebido pela oferta de bens e serviços com o dinheiro devido a funcionários, fornecedores, o governo, etc. Factoring, ou fomento mercantil, é uma transação financeira e um tipo de financiamento do devedor no qual uma empresa vende, com desconto, suas contas a receber (ou seja, faturas) a um terceiro (chamado cessionário).” Simplificando: o Factoring resulta no financiamento antecipado da liquidação. Em outras palavras, você recebe, no presente, o dinheiro a ser pago no futuro. A instituição financeira que oferece tal serviço coleta o pagamento da parte que deve a você quando a conta vence. É um serviço útil principalmente nos mercados em que é comum pagar em prestações. O Factoring não é considerado empréstimo, pois envolve a venda de contas a receber. Portanto, Factoring não é o mesmo que desconto na fatura (cessão de contas a receber nos EUA), que se refere a empréstimos usando ativos de contas a receber como garantia de um empréstimo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-importancia-do-factoring-para-pequenas-e-medias-empresas-sua-legalidade-confrontando-a-pratica-ilegal-de-agiotagem/
Projeto básico e termo de referência
O presente estudo presente discorrer Projeto, básico ou executivo, em licitações como também do termo de referência, uma vez que ambos são de grande importante para correta contratação por parte da Administração.
Direito Administrativo
Introdução As licitações são processos com o objetivo de obter a proposta mais vantajosa para a Administração na contratação obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações. Para a correta definição da contratação, faz-se necessário a definição do escopo do objeto a ser contratado mediante o projeto, básico ou executivo, ou do termo de referência. Por eles, a Administração poderá avaliar se as propostas dos licitantes estão adequada ao objetivo da licitação, como também saber qual delas é a proposta mais vantajosa que atende à exigências. Nesta linha, a legislação nacional definiu uma série de requisitos para a melhor definição do projeto e termo de referência que devem ser observadas e respeitadas pela Administração licitante.   A definição de um projeto básico é de vital importância para que a contratação por parte da Administração atinja seus fins e objetivos.  A Lei n.° 8.666/93 definiu os Projetos da seguinte forma em seu artigo 6º: IX – Projeto Básico – conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação, elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento, e que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução, devendo conter os seguintes elementos: X – Projeto Executivo – o conjunto dos elementos necessários e suficientes à execução completa da obra, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT; A Lei Geral de Licitações ainda tornou a realização de um projeto básico e de um projeto executivo como requisito para a contratação de obras e prestação de serviços, conforme podemos observar do artigo 7.º abaixo: Art. 7o  As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência: I – projeto básico; II – projeto executivo; III – execução das obras e serviços. … I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório; A Lei 8.666/93 ainda definiu os requisitos mínimos que devem ser observados nos projetos básicos e executivos, conforme define o Art. 12. Art. 12. Nos projetos básicos e projetos executivos de obras e serviços serão considerados principalmente os seguintes requisitos:  I – segurança; II – funcionalidade e adequação ao interesse público; III – economia na execução, conservação e operação; IV – possibilidade de emprego de mão-de-obra, materiais, tecnologia e matérias-primas existentes no local para execução, conservação e operação; V – facilidade na execução, conservação e operação, sem prejuízo da durabilidade da obra ou do serviço; VI – adoção das normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas;  VII – impacto ambiental.   Ainda, segundo a doutrina, o Projeto Básico “não se destina a disciplinar a execução da obra ou do serviço, mas a demonstrar a viabilidade e a conveniência de sua execução”[2]. O Projeto Básico deve evidenciar, pois, a compatibilidade dos custos com a disponibilidade financeira para a sua execução; que todas as soluções técnicas possíveis foram cogitadas e que a mais conveniente foi adotada; que os prazos de execução foram calculados e os reflexos ambientais da implementação do projeto[3]. Consoante, também, as regras definidas pela Lei de Licitações, o Projeto Executivo deverá obedecer às regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas (“ABNT”). Tais regras são definidas conforme a finalidade do Projeto Executivo e devem ser observadas para a sua elaboração. A conceituação de Projeto Básico foi objeto de consideração pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, por meio da Resolução 361, DE 10 DEZ 1991., a qual estabelece as regras a serem seguidas pelos profissionais subordinados à entidade. A conceituação prevista pela Resolução se assemelha à disposta na Lei de Licitações, havendo previsão, ainda, que o Projeto Básico deverá ser composto pelas seguintes características: desenvolvimento da alternativa escolhida como sendo viável, técnica, econômica e ambientalmente, e que atenda aos critérios de conveniência de seu proprietário e da sociedade; fornecer uma visão global da obra e identificar seus elementos constituintes de forma precisa; especificar o desempenho esperado da obra; adotar soluções técnicas, quer para conjunto, quer para suas partes, devendo ser suportadas por memórias de cálculo e de acordo com critérios de projeto pré-estabelecidos de modo a evitar e/ou minimizar reformulações e/ou ajustes acentuados, durante sua fase de execução; identificar e especificar, sem omissões, os tipos de serviços a executar, os materiais e equipamentos a incorporar à obra; definir as quantidades e os custos de serviços e fornecimentos com precisão compatível com o tipo e porte da obra, de tal forma a ensejar a determinação do custo global da obra com precisão de mais ou menos 15% (quinze por cento); fornecer subsídios suficientes para a montagem do plano de gestão da obra; considerar, para uma boa execução, métodos construtivos compatíveis e adequados ao porte da obra; detalhar os programas ambientais, compativelmente com o porte da obra, de modo a assegurar sua implantação de forma harmônica com os interesses regionais. Tais regras, apesar de não trazerem nenhuma novidade quando comparadas aos dispositivos que tratam do tema na Lei de Licitações, devem ser seguidas pelos profissionais subordinados à fiscalização do CONFEA. Por sua vez, as regras aplicáveis às concessões foram disciplinadas pelas Leis nº 8.987/1995, 9.074/1995 e 11.079/2004. As duas primeiras dispõem sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal e sobre as normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos no âmbito da Administração Federal, respectivamente. Já a Lei nº 11.079/2004 (“Lei das PPPs”) estabelece normas específicas para a contratação de parcerias público-privadas. Já as Lei das Parcerias Públicos Privadas PPPs conceitua os contratos regidos por esta lei como contratos administrativos de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa[4] e prevê que as concessões administrativas serão regidas pela Lei das PPPs e, adicionalmente, pelo disposto nos arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da Lei no 8.987/1995, e no art. 31 da Lei no 9.074/1995. Referido dispositivo foi regulamentado pelo Decreto nº. 5.977/2006, que dispõe sobre a apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações, a serem utilizados em modelagens de PPPs no âmbito da administração pública federal. O RDC – Lei nº 12.462/2011  foi instituído com aplicabilidade exclusiva para as licitações e contratos necessários à realização dos eventos esportivos de 2014 e 2016[5], para as obras de infraestrutura e contratação de serviços para os aeroportos das cidades que sediarão os eventos; das ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); das obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); e das obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. Para as obras e serviços de engenharia, o RDC prevê a hipótese da contratação integrada, a qual compreende “a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto”. Consoante nos ensina a doutrina[6]: “A contratação integrada consiste num contrato de empreitada de obra e serviços de engenharia, em que a Administração contratante apresenta um anteprojeto de engenharia e o particular contratado assume a obrigação de conceber as soluções, elaborar os projetos básico e executivo e executar o objeto com o fornecimento de materiais, utilização de equipamentos, aquisição e desenvolvimento de programas de informática e tudo o mais que se fizer necessário à entrega do objeto em funcionamento, mediante remuneração abrangente e vinculada à operação do empreendimento em condições predeterminadas.”   Já no caso dos pregões, a lei 10.520/02 não definiu projetos nem mesmo o termo de referência. A nomenclatura do termo de referência vem do Decreto 3.555, de 08 de agosto de 2000, em seu Art. 8.º Art. 8º  A fase preparatória do pregão observará as seguintes regras:  I – a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem ou frustrem a competição ou a realização do fornecimento, devendo estar refletida no termo de referência;  II – o termo de referência é o documento que deverá conter elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Administração, diante de orçamento detalhado, considerando os preços praticados no mercado, a definição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato;   Já no caso dos pregões eletrônicos, o Decreto 10.524, de 20 de setembro de 2019, estabeleceu:  Art. 3º  Para fins do disposto neste Decreto, considera-se: … IV – estudo técnico preliminar – documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação, que caracteriza o interesse público envolvido e a melhor solução ao problema a ser resolvido e que, na hipótese de conclusão pela viabilidade da contratação, fundamenta o termo de referência; … XI – termo de referência – documento elaborado com base nos estudos técnicos preliminares, que deverá conter: Conforme se pode verificar, as exigências para a confecção do termo de referência são bastante próximas daquelas do projeto nas licitações.   Inicialmente, o Projeto e o Termo de Referência tem a função de permitir uma contratação clara, que atenda as necessidades da Administração e ao mesmo tempo permita a busca da proposta mais vantajosa conforme preceitua o Art. 3.º  da Lei n.º 8.666/93. Nesta linha, observa Justen Filho: “A especificação minuciosa contida no Regulamento do Pregão Eletrônico assemelha o termo de referência a um projeto executivo da Lei n.º 8.666/93[7]. Um Projeto ou um termo de referência dúbio, com falhas e com falta de especificações claras representa um grande risco para a Administração quanto para o licitante, sem contar que a apresentação de um Termo de Referência ou projeto falhos é uma violação direta aos princípios basilares dos processos licitatórios. Partindo da questão dos riscos, se a Administração não especifica de forma clara, correta, objetiva e completa o objeto a ser adquirido corre o risco de receber um produto inferior, aquém das especificações ou mesmo diverso daquele produto necessário para o atendimento das necessidades da Administração. Nesta trilha é importante salientar que  a Lei 8.666 é expressa em determinar a busca da proposta mais vantajosa para a Administração, situação que é diametralmente oposta da compra de qualquer produto barato. Se a Lei quisesse que o Administrador comprasse o mais barato colocaria expressamente que é obrigação do Administrador comprar o mais barato, o de menor preço, mas opostamente trata da proposta mais vantajosa. O que seria então a proposta mais vantajosa? A resposta é a equação do melhor com o menor preço. Para ilustrar o cenário, vamos imaginar a seguinte situação, é possível adquirir um automóvel sedan de quatro portas de diversos fabricantes, por diversos preços, assim é possível obter o carro de um fabricante renomado, cuja qualidade é mundialmente reconhecida por um determinado valor e outro de um fabricante sem qualquer renome, de manufatura e qualidade duvidosa. Claramente, a segunda opção será mais barata que a primeira, mas quantos quilômetros circulará o segundo carro sem quebrar? Quais serão os custos envolvidos na manutenção e qual será sua frequência? O ACÓRDÃO Nº 1674/2016 – TCU – Plenário constatou um processo licitatório com ausência de informações relevantes e notas técnicas para a contratação, foi expresso em determinar os ajustes no processo licitatório para evitar danos e riscos para a Administração, conforme podemos verificar abaixo: 1.7.1. Recomendar à Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos do Ministério da Justiça, com fundamento no art. 250, III, do Regimento Interno do TCU, que avalie a conveniência e a oportunidade de fazer as gestões necessárias para concluir a contratação de gás Hélio antes da realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, com vistas a mitigar o risco de não haver gás Hélio para abastecer os balões para videomonitoramento durantes os Jogos Olímpicos e Paralímpicos;  1.7.2. dar ciência ao Ministério da Justiça sobre as seguintes impropriedades/falhas nos processos de contratação que conduziram aos pregões Sesge/MJ 12 e 25/2016, para que sejam adotadas medidas internas com vistas à prevenção de ocorrências semelhantes: 1.7.2.1. ausência no termo de referência de informações relevantes presentes em notas técnicas complementares ao estudo técnico preliminar, em afronta a Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea “f”, e art. 7º,§ 4º, com vistas a subsidiar o dimensionamento das equipes para executar os serviços e consequentemente a elaboração das propostas por parte das licitantes; 1.7.2.2. ausência de estimativa do número de chamados de acordo com as atividades previstas no catálogo de serviços e, se possível, da previsão de equipe necessária para executar os serviços, com vistas a subsidiar o dimensionamento das equipes para executar os serviços de service desk e consequentemente a elaboração das propostas por parte das licitantes, o que afronta a Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea “f”, e art. 7º, § 4º; 1.7.2.3. ausência de informações quantitativas a respeito dos sistemas operacionais, aplicações e banco de dados utilizados em contratações de service desk, informando a versão do software sempre que possível, com vistas a  facilitar o entendimento das especificidades do ambiente por parte das licitantes, em atendimento à Lei 8.666/1993, art. 6º, inciso IX, alínea “f”, e art. 7º, § 4º; 1.7.2.4. ausência de fundamentação técnica para escolha de certificações, inclusive para certificações específicas quando são cabíveis outras correlatas, com vistas a fundamentar a exigência das certificações profissionais necessárias para execução do contrato, identificada nos processos de contratação de service desk (Pregões Sesge/MJ 12 e 25/2016), em afronta a Lei 8.666/1993, art. 3º, § 1º, inciso I, c/c IN SLTI 4/2014, art. 15, caput, e art. 17, inciso II, alíneas “f” e “g”; 1.7.2.5. ausência de avaliação de riscos críticos, identificada no processo de contratação que conduziu ao Pregão Sesge/MJ 12/2016, o que afronta a IN SLTI 4/2014, art. 2º, inciso XV, e art. 13, com vistas a identificar os riscos relacionados ao alcance dos resultados esperados com a contratação e executar efetivamente as ações planejadas para tratamento dos riscos identificados; 1.7.2.6. ausência de identificação das necessidades para adequação do ambiente de execução durante a fase de planejamento do Pregão Sesge/MJ 12/2016, em oposição ao estipulado na IN SLTI/MP 4/2014, art. 12, inciso V.   Tratando ainda do termo de referência, o assunto é de tão alta seriedade que o assunto foi sumulado pelo TCU, conforme abaixo: Súmula 177 – TCU A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão. Feitas estas observações, podemos entender que o Projeto e o Termo de Referência guardam uma correlação direta, sendo os dois os direcionadores principais para a contratação pública adequadas. Para tanto, estes devem ser a definição do objetivo deve ser precisa, clara e suficiente sendo requisito indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes e consecução da proposta mais vantajosa para a Administração.   O § 1 da Lei n.º 8.666/93 estabelece que é vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991; II – estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos financiamentos de agências internacionais, ressalvado o disposto no parágrafo seguinte e no art. 3o da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991. Os principais aspectos de tais limitações são relacionados a  garantir um tratamento isonômico aos interessados no processo licitatório como também buscar uma maior competição das empresas permitindo assim a busca da proposta mais vantajosa para a Administração. Por sua vez, a Lei n.º 13.874, de 20 de setembro de 2019 – Planalto, – Lei de Liberdade Econômica definiu Art. 4º  É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: … III – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado; Conforme verifica-se acima, a lei de liberdade econômica trouxe mais uma limitação, não basta agora a Administração fazer a especificação técnica, tem que mostrar como as exigências feitas relacionam-se com o objetivo a ser alcançado na contratação. Apesar de tais exigência não estar na lei geral licitação ou mesmo de pregão, entendo que ela passa a ter uma relação direta com a definição do projeto ou com o termo de referência. Por estes aspectos, podemos perceber que a Administração possui limites para a definição do termo de referência ou ao projeto que será utilizado.   Conclusão O projeto, básico ou executivo, é a base para a realização de um processo de licitação, pois permite aos interessados verificar o que a Administração pretende contratar. Por sua vez, o termo de referência desempenha um papel semelhante ao projeto mas em pregões. As leis aplicáveis ao projeto e ao termo de referência definem uma série de exigências para a sua definição, já que um  Projeto ou um termo de referência dúbio, com falhas e com falta de especificações claras representa um grande risco para a Administração quanto para o licitante, sem contar que a apresentação de um Termo de Referência ou projeto falhos é uma violação direta aos princípios basilares dos processos licitatórios. Nesta linha, se Administração não especifica de forma clara, correta, objetiva e completa o objeto a ser adquirido corre o risco de receber um produto inferior, aquém das especificações ou mesmo diverso daquele produto necessário para o atendimento das necessidades da Administração. Como vimos,  a Lei 8.666 é expressa em determinar a busca da proposta mais vantajosa para a Administração, situação que é diametralmente oposta da compra de qualquer produto barato. Se a Lei quisesse que o Administrador comprasse o mais barato colocaria expressamente que é obrigação do Administrador comprar o mais barato, o de menor preço, mas opostamente trata da proposta mais vantajosa. Ocorre que a Administração deve respeitar limites legais na definição do projeto Os principais aspectos de tais limitações são relacionados a  garantir um tratamento isonômico aos interessados no processo licitatório como também buscar uma maior competição das empresas permitindo assim a busca da proposta mais vantajosa para a Administração. Exatamente neste ponto que a importância do projeto ou termo de referência ganha destaca, pois eles serão a base para avaliação das propostas em relação ao atendimento dos fins que a Administração busca como também da sua vantajosidade. Conforme verifica-se acima, a lei de liberdade econômica trouxe mais uma limitação, não basta agora a Administração fazer a especificação técnica, tem que mostrar como as exigências feitas relacionam-se com o objetivo a ser alcançado na contratação.   Referências bibliográficas BRASIL. LEI Nº 8.666, DE 21 DE JUNHO DE 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em www.planalto.gov.br, acesso em 31 de dezembro de 2019.   BRASIL. LEI Nº 9.784 , DE 29 DE JANEIRO DE 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Disponível em www.planalto.gov.br, acesso em 31 de dezembro de 2019.   BRASIL. LEI Nº 13.874, DE 20 DE SETEMBRO DE 2019 Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências. Disponível em www.planalto.gov.br, acesso em 31 de dezembro de 2019.   BRASIL. LEI Nº 12.462, DE 20 DE AGOSTO DE 2011 Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC; altera a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero); cria a Secretaria de Aviação Civil, cargos de Ministro de Estado, cargos em comissão e cargos de Controlador de Tráfego Aéreo; autoriza a contratação de controladores de tráfego aéreo temporários; altera as Leis nºs 11.182, de 27 de setembro de 2005, 5.862, de 12 de dezembro de 1972, 8.399, de 7 de janeiro de 1992, 11.526, de 4 de outubro de 2007, 11.458, de 19 de março de 2007, e 12.350, de 20 de dezembro de 2010, e a Medida Provisória nº 2.185-35, de 24 de agosto de 2001; e revoga dispositivos da Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998. Disponível em www.planalto.gov.br, acesso em 31 de dezembro de 2019.   BRASIL Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA, por meio da Resolução 361, DE 10 DEZ 1991. Dispõe sobre a conceituação de Projeto Básico em Consultoria de Engenharia, Arquitetura e Agronomia., DISPONÍVEL EM  http://normativos.confea.org.br/ementas/visualiza.asp?idEmenta=409, acesso em 16 de janeiro de 2020.   BRASIL. Tribunal de Contas da União Decisões nº 262/98 – Plenário; 427/2002 – Plenário; 609/2002 – Segunda Câmara; Acórdão 64/2004 – Plenário.   BRASIL. Tribunal de Contas da União Decisões – ACÓRDÃO Nº 1674/2016.   JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010.   _________. Comentários ao RDC. São Paulo: Dialética, 2013.   _________. Pregão: Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 5. ed. rev.e atual. – São Paulo : Dialética, 2009.   PORTO NETO, Benedicto. Licitação para Contratação de Parceria Público Privada. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.) Parcerias Público-Privadas. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.   [1] Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, especialista em Administração e Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing – ESPM, Extensão em Direito Americano pela Boston University. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP, Pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra – Portugal. LLM – Business Law – University of Southern California (2020)  Intercambista na Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE do Ministério da Fazenda em 2005. Advogado com larga experiência em multinacionais de grande porte como 3M, Motorola e Motorola Solutions, onde é diretor jurídico e de compliance. Certificado em CP3P-F // ICSS.  Diretor da Entidade de Previdência Mais Vida. [2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 14 ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 134. [3] JUSTEN FILHO, Marçal. Op. Cit, p. 134. [4] Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. [5] “I – dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, constantes da Carteira de Projetos Olímpicos a ser definida pela Autoridade Pública Olímpica (APO); e II – da Copa das Confederações da Federação Internacional de Futebol Associação – Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014, definidos pelo Grupo Executivo – Gecopa 2014 do Comitê Gestor instituído para definir, aprovar e supervisionar as ações previstas no Plano Estratégico das Ações do Governo Brasileiro para a realização da Copa do Mundo Fifa 2014 – CGCOPA 2014, restringindo-se, no caso de obras públicas, às constantes da matriz de responsabilidades celebrada entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.” [6] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários ao RDC. São Paulo: Dialética, 2013. p. 178-179. [7]JUSTEN FILHO, Marçal. Pregão: Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 5. ed. rev.e atual. – São Paulo : Dialética, 2009,  p.320.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/projeto-basico-e-termo-de-referencia/
A resistência da concessão do adicional de insalubridade para os servidores públicos que fazem a higienização dos banheiros existentes nas escolas públicas no Estado de Rondônia
Esse trabalho primeiramente faz uma breve síntese sobre o regime jurídico administrativo observando suas nuances e especialidades, sendo analisada a aplicação dos princípios administrativos para esse regime. Posteriormente é verificado o instituto do adicional de insalubridade aplicado tanto aos trabalhadores da iniciativa privada quanto para os servidores públicos, sendo que, o ponto principal desse trabalho é a aplicação ou não do adicional para os servidores que fazem a higienização dos banheiros públicos em escolas. Por fim é feita uma pequena análise jurisprudencial observando a aplicação desse adicional no Tribunal de Justiça de Rondônia e no Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Esse trabalho tem por objetivo verificar a resistência à concessão do adicional de insalubridade para os servidores públicos que fazem a higienização dos sanitários em escolas públicas. Na administração pública as atividades de  limpeza e vigilância na maioria das vezes estão sendo terceirizadas, sendo que, essa forma de contratação é mais benéfica à administração, pois, após o fim do contrato os indivíduos que estavam laborando no local não possuem a estabilidade que teriam caso fossem servidores públicos, como também, a remuneração desses trabalhadores ficam por parte da empresa prestadora de serviços e não, em regra, do tomador que é a Administração. Porém, observa-se, com habitualidade, a abertura de edital tanto de órgão estaduais quanto municipais para a contratação de servidores estatutários para a prestação de serviço de limpeza e na maioria dos casos esses editais destinam os servidores a prestar serviços em escolas públicas. Sabe-se que a prestação por si só do serviço de limpeza não dá ao servidor o direito ao adicional de insalubridade, porém, quando essa limpeza é feita em banheiros/sanitários de escolas há divergência no entendimento dos Tribunais no que tange o servidor público e o empregado privado, haja vista, que para esse há um entendimento firmado no Tribunal Superior do Trabalho que a limpeza de banheiros onde há grande movimentação de pessoas é equiparada ao banheiro público incidindo assim o adicional de insalubridade. No entanto, há resistência do conhecimento dessa equiparação para o servidor público devido ao seu regime estatutário como também o entendimento de que essa atividade não está prevista na Norma Regulamentadora nº 15 do Ministério do Trabalho e Emprego. Diante disso, com a utilização de obras de autores como Maurício Godinho Delgado, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Henrique Correia, Matheus Carvalho será observado primeiramente as diferenças existentes entre os agentes públicos e suas classificações, após isso será verificado alguns princípios do regime jurídico administrativo que pautarão a tentativa de resolução da controvérsia em questão. Após essa etapa, será visto o instituto do adicional de insalubridade e sua aplicação tanto no âmbito privado quanto no público e na parte final será observado o dissenso na aplicação do adicional em questão para os trabalhadores que fazem a higienização de banheiros públicos nas escolas públicas observando a lei complementar 68 de 1992 que rege a administração pública direta, autárquica e fundacional do Estado de Rondônia.   1  REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO E A QUESTÃO DOS AGENTES PÚBLICOS 1.1 Generalizações A administração pública seja ela direta ou indireta é informada por vários princípios constitucionais e administrativos. No que tange aos servidores públicos ou empregados públicos – das sociedades de economia mista e empresas públicas – o regime jurídico que rege essas categorias são diferenciados adequando-se as peculiaridades de cada entidade. Segundo Di Pietro (2017, p. 677) a palavra servidor público “é a expressão empregada ora em sentido amplo, para designar todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, com vínculo empregatício, ora em sentido menos amplo, que exclui os que prestam serviços às entidades com personalidade jurídica de direito privado”. Já o que tange à expressão Agentes Públicos a autora menciona que “é toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da administração indireta”. Carvalho (2017, p. 769) aduz que “qualquer pessoa que age em nome do Estado é agente público, independente de vínculo jurídico, ainda que atue sem remuneração e transitoriedade”, já Meirelles (2010, p. 75) o conceitua como sendo “todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”. Primeiramente para entender o conceito de servidor público e também de Agentes Públicos deve-se observar a estrutura administrativa pautada no decreto-Lei 200 de 1967 no artigo 4º que dispõe: “Art. 4° A Administração Federal compreende: I – A Administração Direta, que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios.  II – A Administração Indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Emprêsas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista. d) fundações públicas”. Observando esse dispositivo legal verifica-se que faz parte da administração direta os Entes Federativos como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sendo que, o Território Federal integra a União quando o mesmo é existente. Já a administração indireta é composta pela autarquia,  empresa pública, sociedade de  economia mista, fundações publicas, as agências reguladoras – que teoricamente são autarquias em regime especial – e o consórcio público que tenha personalidade jurídica de direito público – esse último não está mencionado no decreto-lei acima disposto, porém está previsto na lei 11.107 de 2005  que dispõe sobre os consórcios públicos. Para Meirelles (2010, p. 779) “a administração direta é o conjunto de órgão integrados na estrutura administrativa da União e a Administração indireta é o conjunto dos entes (personalizados) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público. É bom observar que os órgãos públicos, diferentemente das  entidades, não possuem personalidade jurídica, entretanto, a jurisprudência em alguns casos atribui a esses órgãos a personalidade judiciária para a defesa dos seus interesses. Os agentes públicos que fazem parte da Administração Direta e também integram as autarquias e fundações públicas são normalmente chamados de servidores públicos em sentido estrito sendo regidos pelo regime jurídico único pautado no artigo 39 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 em sua redação original que dispõe:  “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. Foi mencionada a expressão “redação original” porque no ano de 1998 através da emenda constitucional 19 foi pretendida a modificação do regime jurídico único para que fosse possível a contratação pelas entidades da Administração Direta, autárquica e fundacional com o regime celetista próprios das entidades com personalidade jurídica de direito privado pertencentes à administração indireta. Isso foi motivado, como vai ser visto posteriormente, porque a contratação de empregado público não defere ao mesmo estabilidade diferentemente da contratação do servidor público em que é preciso um processo administrativo ou até mesmo uma decisão judicial para ter uma demissão. Desse modo, com a emenda constitucional 19 de 1998 a redação do artigo 39 da Constituição da República ficou dessa maneira: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes”. Diante desse fato, foi postulada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal colocando em xeque higidez da emenda em questão, pois, havia uma inconstitucionalidade formal, haja vista que, no primeiro turno feito na Câmara dos Deputados não havia sido atingido o quórum mínimo de aprovação que é 3/5 dos Deputados Federais. Desse modo, os Ministros do Supremo Tribunal Federal de  maneira cautelar suspenderam a eficácia do caput do artigo 39 da Constituição da República  com efeito ex nunc conforme pode ser visto com a interpretação da ementa da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135: “MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PODER CONSTITUINTE REFORMADOR. PROCESSO LEGISLATIVO. EMENDA CONSTITUCIONAL 19, DE 04.06.1998. ART. 39, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SERVIDORES PÚBLICOS. REGIME JURÍDICO ÚNICO. PROPOSTA DE IMPLEMENTAÇÃO, DURANTE A ATIVIDADE CONSTITUINTE DERIVADA, DA FIGURA DO CONTRATO DE EMPREGO PÚBLICO. INOVAÇÃO QUE NÃO OBTEVE A APROVAÇÃO DA MAIORIA DE TRÊS QUINTOS DOS MEMBROS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS QUANDO DA APRECIAÇÃO, EM PRIMEIRO TURNO, DO DESTAQUE PARA VOTAÇÃO EM SEPARADO (DVS) Nº 9. SUBSTITUIÇÃO, NA ELABORAÇÃO DA PROPOSTA LEVADA A SEGUNDO TURNO, DA REDAÇÃO ORIGINAL DO CAPUT DO ART. 39 PELO TEXTO INICIALMENTE PREVISTO PARA O PARÁGRAFO 2º DO MESMO DISPOSITIVO, NOS TERMOS DO SUBSTITUTIVO APROVADO. SUPRESSÃO, DO TEXTO CONSTITUCIONAL, DA EXPRESSA MENÇÃO AO SISTEMA DE REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECONHECIMENTO, PELA MAIORIA DO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, DA PLAUSIBILIDADE DA ALEGAÇÃO DE VÍCIO FORMAL POR OFENSA AO ART. 60, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RELEVÂNCIA JURÍDICA DAS DEMAIS ALEGAÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL REJEITADA POR UNANIMIDADE. Desse modo, por ainda não ter havido o julgamento definitivo dessa ADI pelo Supremo Tribunal a redação original feita pelo poder constituinte originário voltou a viger, sendo que, o regime jurídico obrigatório na administração direta, autárquica e fundacional é o estatutário, ficando o regime celetista para as entidades com personalidade jurídica de direito privado pertencentes à administração indireta. Souza e Fidalgo (2019, p. 842)  mencionam que os agentes públicos se classificam em agentes políticos, particulares em colaboração, agentes de fato, servidores públicos, empregados públicos, contratados por tempo determinado e os militares. Os agentes políticos, em regra,  são aqueles que exercem um mandato e são eleitos pela população através do voto direto fruto da soberania popular prevista na Lei Fundamental, porém, há agentes políticos que não foram eleitos e sim nomeados como, por exemplo, os Ministros de Estados e também os Secretários de Estado (DI PIETRO, 2017, p. 680). O ponto comum entre os eleitos e os nomeados é que ambos exercem atividades de governo fazendo a gestão da administração pública. O grande ponto de debate sobre a configuração ou não do nepotismo quando há nomeação de parentes para um cargo político. A súmula 13  vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal menciona que:  “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”. Com a redação da súmula observa-se que é vedado pautado no princípio da moralidade administrativa e também na impessoalidade o nepotismo direto como também o cruzado. O Supremo Tribunal Federal já mencionou que não configura nepotismo quando há nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, para o exercício de cargo político como pode ser visto pela ementa do RE 579.951 que menciona: “AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO 7, DE 18-10-2005, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE “DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução 7/2005 do CNJ não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela CF/1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. (…) 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo “direção” nos incisos II, III, IV, V do art. 2º do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça. [ADC 12, rel. min. Ayres Britto, P, j. 20-8-2008, DJE 237 de 18-12-2008.] I — Embora restrita ao âmbito do Judiciário a Resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça, a prática do nepotismo nos demais Poderes é ilícita. II — A vedação do nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir a prática. III — Proibição que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37, caput, da CF/1988. [RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008.] Então, quando o art. 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC 12, porque o próprio Capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do art. 37. Somente os cargos e funções singelamente administrativos — é como penso — são alcançados pela imperiosidade do art. 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os secretários municipais, que correspondem a secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e ministros de Estado, no âmbito federal. [RE 579.951, rel. min. Ricardo Lewandowski, voto do min. Ayres Britto, P, j. 20-8-2008, DJE 202 de 24-10-2008.]”. Vale ressaltar que a vedação ao nepotismo não veio apenas com a publicação da súmula vinculante 13, visto que, quando o nepotismo acontece há violação dos princípios da moralidade e impessoalidade, desse modo, são valores que já estão enraizados na Constituição da República de 1988, sendo que, mesmo antes da elaboração do instrumento vinculante o agente público poderia ser punido pela prática do nepotismo sofrendo, entre outras penalidades, a aplicação das sanções previstas na lei de improbidade administrativa. Já os particulares em colaboração seriam aqueles que exercem a função administrativa auxiliando a administração pública em suas atividades mesmo sem integrar a estrutura jurídico administrativa (CARVALHO, 2017, p. 773). Entram nessa classificação os jurados que são designados para atuar no Tribunal do Júri e também os mesários que são convocados para laborar em época eleitoral. Observa-se que esses dois exemplos exercem na administração pública relevantes funções, pois, o primeiro tem o poder de restringir a liberdade de um indivíduo que cometeu um crime doloso contra a vida, já o segundo presta auxílio ao Estado no momento em que há o exercício direto da soberania popular através do voto, direto, secreto universal e periódico conforme o princípio republicano. Os agentes de fato segundo aduz Souza e Fidalgo (2018, p. 845) “são aqueles que exercem funções públicas, mesmo sem que tenham passado por um processo regular de investidura”. Diante desse conceito, observa-se que a regra geral de contratação na administração direta como também na indireta deve ser feita por meio de concurso público conforme o estabelecido no artigo 37 inciso II da Constituição da República de 1988, porém, há ressalvas em relação aos cargos comissionados em que indivíduos sem o concurso podem exercer a função administrativa. Porém, quando há irregularidades nesse processo seletivo o agente é chamado de agente de fato, pois, não cumpriu todos os requisitos previstos em lei. Porém, em virtude do princípio da proteção da confiança de legítima e também o da boa-fé os atos praticados por esse agente não serão, em regra, anulados, pois caso contrário o prejuízo seria enorme para os administrados. Os Servidores Públicos – ou conforme alguns doutrinadores Servidores Estatutários –   e os Empregados Públicos são conceituados respectivamente como sendo “aqueles que se submetem ao regime estatutário, estabelecido em lei por cada uma das unidades da federação e modificável unilateralmente, desde que respeitados os direitos adquiridos”  e  “aqueles contratados sob regime da legislação trabalhista que é aplicável com as alterações decorrentes da Constituição Federal” (DI PIETRO, 2017, p. 681). Diante desses conceitos observa-se que os servidores públicos são regidos através de um estatuto jurídico/lei que prevê as regras para os cargos, funções e também os direitos que podem ser deferidos para determinada categoria como, por exemplo, o adicional de insalubridade que é o ponto principal desse artigo. Já os empregados públicos são aqueles que fazem parte, em tese, das empresas públicas  – Caixa, Correios – ou de sociedades de economia mista – Banco do Brasil, Petrobras – regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho com as derrogações do direito público não possuindo estabilidade funcional, que para os servidores estatutários é adquirida depois de 3 anos de efetivo exercício e após uma avaliação de desempenho feita pela própria administração. O foro para a resolução de litígios também é diferenciado, pois no caso de servidores públicos a justiça competente é a comum seja ela estadual – para servidores estaduais e municipais – seja ela federal – para servidores federais. Já os empregados públicos litigam na justiça do trabalho que faz parte da justiça especial. Os indivíduos contratados por tempo determinado segundo Di Pietro (2017, p. 682) “são aqueles contratados para exercer funções em caráter temporário, mediante regime jurídico especial a ser disciplinado em lei por cada unidade de federação”. Finalizando essa classificação,  os militares são conceituados por Souza e Fidalgo (2018, p. 848) como sendo aqueles “agentes estatais integrantes dos órgãos estatais investidos de funções de coação física, estruturados de modo permanente para o desempenho de atividade de força e violência, na defesa da soberania nacional e da segurança interna”.  Faz parte dessa classificação os integrantes do Exército, Marinha e Aeronáutica como também os policiais e corpos de bombeiros militares do estado. Os conceitos vistos acima tem grande relevância no que tange as punições estabelecidas pela lei de improbidade administrativa, visto que, a lei 8.429 de 1992 abarca, em regra, os agentes públicos – agentes políticos, particulares em colaboração, agentes de fato, servidores públicos, empregados públicos, contratados por tempo determinado e os militares –  conforme o estabelecido no artigo 2º que dispõe: “ Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Há divergência doutrinária se poderia ou não ser aplicada essa lei de improbidade administrativa aos agentes políticos, pois esses podem sofrer  punição por crime de responsabilidade que nada mais é do que uma sanção político administrativa, desse modo, alguns autores entendem que a aplicação da lei dos crimes de responsabilidade juntamente com a lei de improbidade administrativa causaria um bis in idem,  isto é, o indivíduo ser punido duas vezes pelo mesmo fato.  Segundo o Supremo Tribunal Federal essa lei  pode ser aplicada aos membros do Congresso Nacional, governadores, prefeitos e vereadores mesmo sendo agentes políticos conforme a classificação vista acima.   1.2 Princípios O estudo dos princípios na administração pública é de suma relevância, haja vista, que é com  a aplicação deles juntamente com as leis que haverá ou não a concessão de direitos previstos no estatuto para o Servidor Público. Segundo Silva (2014, p. 675) os princípios servem para “orientar a ação do administrador na prática dos atos administrativos e, de outro lado, a garantir a boa administração, que se consubstancia na correta gestão dos negócios públicos e no manejo dos recursos públicos”. Verifica-se assim que os princípios tem caráter dúplice, pois tanto são dirigidos ao administrador público quanto a boa ordem da administração resguardando o interesse e atribuindo deveres à coletividade. Serão observados sinteticamente, nesse subtópico, os princípios da legalidade, impessoalidade, presunção de legitimidade ou veracidade,  continuidade do serviço público, segurança jurídica e  boa-fé. No que tange ao princípio da legalidade há, de modo geral, duas acepções existentes no ordenamento jurídico nacional, sendo uma dirigida ao administrador público e outra dirigida ao administrado. No que se refere àquela “a administração pública só pode fazer o que a lei permite”, já em relação a essa o administrado pode fazer tudo que a lei não proíbe (DI PIETRO, 2017, p. 96).  Observa-se assim que há uma restrição quanto à primeira acepção e uma amplitude na segunda, sendo que, o princípio da legalidade tem grande influência da primeira dimensão – ou geração – de direito fundamentais que menciona a limitação do Estado na intervenção das relações jurídicas. Mendes e Branco (2015, p. 137) aduzem que os direitos fundamentais de primeira geração “traduzem-se em postulados de abstenção dos governantes, criando obrigações de não fazer, de não intervir sobre os aspectos da vida pessoal de cada indivíduo”. Desse modo, o princípio da legalidade pode ser tratado como uma garantia do administrado contra o Estado como também um dever do administrador público para com a Administração Pública, haja vista, que caso aja fora dos ditames legais poderá ocorrer o abuso de poder que pode ser caracterizado tanto pelo desvio de poder quanto o excesso de poder. O princípio da impessoalidade, por sua vez, está relacionado à finalidade pública como também à vedação à promoção pessoal, pois, o administrador público deve pautar sua conduta no interesse coletivo, isto é, interesse público, desse modo, não pode querer beneficiar alguém por motivos particulares e também não pode fazer sua autopromoção, visto que, quando uma escola pública é feita, um hospital tem sua obra terminada ou há o asfaltamento de determinada região não foi o administrador público que fez e sim, segundo a teoria do órgão, a administração pública. No que se refere ao princípio da presunção de legitimidade ou de veracidade a sua abordagem deve ser dividida em duas acepções diferentes. Em relação à presunção de legitimidade ou legalidade há presunção relativa – juris tantum- que a atuação do administrador público está em conformidade com a legislação nacional. Já o princípio da presunção de veracidade menciona que há também presunção relativa de veracidade nos atos praticados pelo gestor público. A ideia presente nesses princípios é a inversão do ônus da prova em desfavor do administrado, pois esse caso queira demonstrar alguma ilegalidade praticada pela administração pública deverá provar o ilícito,  visto que, caso não haja essa comprovação, a pretensão do administrado teoricamente será julgada improcedente, haja vista que, a presunção é a favor da administração pública desde o início.  Segundo Carvalho (2017, p. 99)  esses atributos ensejam “a prerrogativa aposta nos atos públicos de que produzirão efeitos regularmente desde a sua publicação, até que haja demonstração no sentido de que foram praticados em desconformidade com o ordenamento jurídico”. O princípio da continuidade do serviço público menciona que o serviço prestado pelos órgãos públicos não podem, em regra, haver paralisação, porém, há a ressalva do direito de greve que também é atribuído ao servidor público, entretanto, nas atividades essenciais como limpeza urbana, profissionais da educação e profissionais da segurança pública, por exemplo, o direito de greve é mitigado, pois, a paralisação dessas atividades pode causar um prejuízo grave para a coletividade (DI PIETRO, 2017, p. 102). Os princípios da segurança jurídica e a boa-fé estão intrinsecamente interligados, pois,  aquela consiste em dar garantia aos indivíduos de que seus direitos não serão despojados de forma arbitrária e  súbita e esse consiste em mencionar que a administração pública tem que ter uma conduta honesta, leal e proba com o administrado.   2  O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE Segundo Delgado (2012,  p. 759) “os adicionais consistem em parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado em virtude do exercício do trabalho em circunstâncias tipificadas mais gravosas”. Aduz Correia (2018, p. 1011) que “os adicionais são pagos em razão de trabalho prestado em situações prejudiciais à saúde, ou, ainda, que prejudiquem o convívio familiar e social” e ainda menciona que “paga-se o adicional enquanto o empregado estiver em condição prejudicial”.  Desse modo, observa-se que os adicionais remuneram o empregado – em sentido amplo – quando ele labora em lugares ou condições desfavoráveis, sendo que, isso pode ser prejudicial para sua saúde física, mental ou psíquica dependendo da profissão exercida. O adicional em tese tem a característica da temporariedade, pois, enquanto há o exercício na função excepcional o adicional continua sendo pago, porém, quando o empregado ou servidor é transferido para outra função em que não há essa condição o adicional deixa de ser devido não podendo o agente público alegar direito adquirido. O adicional de insalubridade é um direito social previsto no artigo 7º inciso XXIII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que dispõe:  “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;”. Esse direito está previsto no rol das benesses previstas para os trabalhadores urbanos e rurais, porém, Lei Fundamental em sua redação originária estabelecia que a insalubridade poderia ser concedida ao servidor público conforme o artigo 39 §2º da Constituição da República de dispunha: “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.     § 2º Aplica-se a esses servidores o disposto no art. 7º, IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII e XXX”. Porém, como já foi visto anteriormente, foi promulgada a emenda 19 de 1998 que modificou a redação de alguns dispositivos constitucionais, sendo que, entre eles está o parágrafo 2º do artigo 39 da Lei Fundamental que  foi revogado  e sua redação parcialmente modificada foi incluída no §3º do artigo mencionado que atualmente dispõe:  Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. Observa-se assim que houve omissão do inciso XXIII no parágrafo em questão, porém, isso não faz com que seja indeferido o direito do adicional de insalubridade ao servidor público, haja vista, que se houver previsão no estatuto respectivo a administração pública é obrigada ao pagamento conforme o princípio da legalidade.  Fica mais clara essa característica quando há o estudo das normas de eficácia plena, contida e limitada. Segundo Masson  verificando a classificação feita por José Afonso da Silva aduz que  (2017, p. 56)  “as normas de eficácia plena são aquelas capazes de produzir todos os seus efeitos essenciais simplesmente com a entrada em vigor da Constituição, independente de qualquer regulamentação por lei”. Continua a autora aduzindo que as normas de eficácia contida “são aquelas que também são aptas para a produção de seus efeitos desde a promulgação da Constituição, porém, podem ser restringidas”. Por fim no que tange às normas de eficácia limitada a autora menciona que “são aquelas que só produzem seus plenos efeitos depois da exigida regulamentação”.  Desse modo, conclui-se que o inciso XXIII do artigo 7º da Lei  Fundamental é uma norma de eficácia limitada, pois, depende de uma regulamentação ulterior para ter aplicabilidade. O exemplo disso, no âmbito privado, é o adicional de penosidade que ainda não teve regulamentação, desse modo, um empregado privado não pode, em regra, postular no judiciário esse direito não previsto em lei. Por ser um direito social o adicional de insalubridade recebe influência significativa das características  dos direitos fundamentais de segunda dimensão – ou geração – sendo que, segundo Mendes e Branco (2015, p. 137) “são direitos que não mais correspondem a uma pretensão de abstenção do Estado, mas que o obrigam a prestações positivas”. Sendo assim, o Estado que primeiramente através dos direitos fundamentais de primeira dimensão parou de intervir nas relações privadas de modo contundente voltou a ser obrigado a prestações positivas para estabelecer a igualdade que não é a igualdade formal prevista literalmente no caput  do artigo 5º da Constituição da República que menciona que “todos são iguais perante a lei” e sim a igualdade material que é interpretada com o conjunto de princípios e regras estabelecidos por toda a Lei Fundamental significando o tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais na medida em que desigualam.   2.1 A concessão do adicional de insalubridade no âmbito privado No âmbito privado o adicional de insalubridade além de estar previsto no artigo 7º inciso XXIII da Constituição da República de 1988 também está previsto no artigo  189  da Consolidação das leis do Trabalho que dispõe: Serão consideradas atividades ou operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. Esse dispositivo deve ser interpretado juntamente com a Norma regulamentadora – NR – 15 do Ministério do Trabalho e Emprego onde há 14 anexos mencionando as atividades consideradas insalubres para o trabalhador. É bom deixar claro que essa norma regulamentadora também é utilizada no âmbito da administração pública e será visto logo mais sua aplicação para os servidores públicos conforme o entendimento dos tribunais. Para haver a concessão do adicional de insalubridade no  âmbito privado é necessário que haja uma perícia técnica no local de trabalho conforme estabelecido na NR 15 que menciona:15.4.1.1  Cabe  à  autoridade  regional  competente  em  matéria  de  segurança  e  saúde  do  trabalhador,  comprovada  a insalubridade por laudo técnico de engenheiro de segurança do trabalho ou médico do trabalho, devidamente habilitado, fixar adicional devido aos empregados expostos à insalubridade quando impraticável sua eliminação ou neutralização. O adicional em questão é  concedido por meio de patamares de incidência da insalubridade, sendo que, no grau mínimo de insalubridade o empregado terá direito ao adicional de 10%, no grau médio 20% e no grau máximo 40%. Entretanto, não é porque haverá a concessão do adicional de insalubridade que o empregador ficará omisso na sua obrigação de conceder o EPI – Equipamento de Proteção Individual – ou tentar reduzir ao máximo o grau de insalubridade no ambiente, pois, deve ser resguardado a integridade física, psíquica e mental do empregado em qualquer trabalho prestado, sendo que, essa obrigação está também prevista na NR ora em estudo: 15.4.1 A eliminação ou neutralização da insalubridade deverá ocorrer: a)  coma adoção de medidas de ordem geral que conservem o ambiente de trabalho dentro dos limites de tolerância; b)  com a utilização de equipamento de proteção individual. É bom ressaltar que quando o empregado não utiliza o equipamento de proteção individual disponibilizado pelo empregador poderá ser reconhecida sua falta grave e assim ser dispensado por justa causa.   2.2 A concessão do adicional de insalubridade no âmbito público No âmbito público o adicional de insalubridade é previsto nos estatutos dos servidores, sendo que, para âmbito federal o adicional está previsto no artigo 68 da lei 8.112 de 1990 que dispõe: “Art. 68.  Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo”. No Estado de Rondônia o adicional era previsto nos artigos 88 e seguintes da lei complementar 68 de 1992, porém, houve a revogação desses dispositivos pela lei ordinária 1.068 de 2002. Atualmente a lei que regula o adicional de insalubridade no estado de Rondônia é a 2165 de 2009 que  dispõe no artigo 1º: “A concessão do adicional de insalubridade, de periculosidade e de atividade penosa aos servidores públicos da administração direta, das autarquias e das fundações públicas do Estado passa a ser aplicada mediante a presente Lei”. Com a leitura do dispositivo em questão observa-se que a presente lei alcança os servidores tanto da administração direta quando da indireta, desde que, nesse caso eles façam parte das autarquias e fundações públicas. Desse modo, a lei em questão regula o adicional de insalubridade aos servidores estatutários do Estado de Rondônia, sendo que, estão entre eles os zeladores concursados de escolas públicas que fazem a limpeza dos banheiros dessa repartição. O parágrafo 1º do artigo 1º da lei em questão dispõe:  “O servidor que habitualmente trabalhe em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de contágio, ou, ainda, que exerça atividade penosa fará jus em cada caso a adicional de insalubridade, periculosidade ou a adicional por atividades penosas dos termos, condições e limites fixados nesta Lei”. Com  a interpretação desse dispositivo, verifica-se que a lei não dispõe apenas da concessão do adicional de insalubridade e  inclui também a regulação do adicional de periculosidade e penosidade.   2.2.1 A concessão do adicional de insalubridade para os servidores que fazem a higienização dos banheiros em escolas públicas A questão ponto centra desse trabalho é a concessão ou não do adicional de insalubridade para os servidores públicos que fazem a higienização de banheiros situados em escolas públicas. Primeiramente deve ser observada a súmula 448 do Tribunal Superior do Trabalho que menciona: “ATIVIDADE INSALUBRE. CARACTERIZAÇÃO. PREVISÃO NA NORMA REGULAMENTADORA Nº 15 DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO Nº 3.214/78. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS.  (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1 com nova redação do item II ) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014.  I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho. II – A higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano”. Observando o texto legal dessa súmula verifica-se que são necessários dois critérios para que o adicional de insalubridade seja deferido. O primeiro critério é a  perícia que pode ser feita tanto por médico do trabalho quanto por engenheiro do trabalho conforme entendimento firmado pelo TST. Já o segundo critério é a existência da atividade insalubre entre aquelas arroladas na NR 15 do MTE. Segundo a súmula em questão a limpeza de banheiro público está prevista no anexo 14 da NR 15 equiparando-a à coleta e industrialização de lixo urbano. Essa equiparação que a súmula do TST menciona não existia anteriormente, visto que, a Orientação Jurisprudencial 4 da SDI-I do TST mencionava que como a limpeza das residências ou escritórios não estava prevista na NR 15  e, desse modo, não deveria ser deferido o adicional de insalubridade: 4. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO URBANO  (cancelada em decorrência da sua conversão na Súmula Nº 448) – Res. 194/2014, DEJT divulgado em 21, 22 e 23.05.2014 I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho. II – A limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano na Portaria do Ministério do Trabalho. (ex-OJ nº 170 da SDI-1 – inserida em 08.11.2000). Com essa orientação muitos tribunais na época equiparava a limpeza de banheiro público àquela feita em residência e, por conseguinte, não havia o deferimento do adicional: I – AGRAVO DE INSTRUMENTO – CABIMENTO. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO DOMÉSTICO E LIXO URBANO. DISTINÇÃO. A potencial contrariedade ao item II da Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1/TST encoraja o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO DOMÉSTICO E LIXO URBANO. DISTINÇÃO. Embora seja possível compreender-se que o lixo doméstico venha a compor o lixo urbano, a higienização de sanitários, pressupondo a manipulação daquele, não redundará em pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, eis que as atividades não se confundam, segundo a dicção no anexo 14 da NR 15 da Portaria MTb nº 3.214/78 (CLT, art. 190). O tema está pacificado pelo item II da OJ 04/SBDI-1, quando pontua que “a limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano, na Portaria do Ministério do Trabalho”. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-506-22.2010.5.04.0023, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 05/10/2012). Conforme foi visto, esse entendimento encontra-se ultrapassado conforme a súmula 448 do TST, porém, ainda há relutância no deferimento desse adicional pelos tribunais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul  no julgamento da Apelação Cível nº 70078303005 é enfático em mencionar que o deferimento do adicional de insalubridade para o servidores que fazem limpezas em escolas públicas não fere o princípio da legalidade em virtude da ausência na NR 15, desse modo, houve a ponderação dos valores da dignidade da pessoa humana e da legalidade:  “SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AGENTE EDUCACIONAL I – MANUTENÇÃO DE INFRAESTRUTURA. GRATIFICAÇÃO PELO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES INSALUBRES. ATIVIDADES GERAIS EM ESCOLA PÚBLICA DE GRANDE CIRCULAÇÃO. PROVA PERICIAL. AFERIÇÃO EM GRAU MÁXIMO. ANEXO 13 E 14 DA NR – 15 DA PORTARIA Nº 3.214/78 DO MTb. 1. A autora é servidora pública detentora do cargo de Agente Educacional I – Manutenção de infraestrutura e não recebe adicional de insalubridade, pois o laudo pericial elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo (DMEST), concluiu pela ausência de agentes insalubres a ensejar o pagamento. 2. No entanto, o laudo pericial elaborado pelo Engenheiro de Segurança do Trabalho constatou que a servidora teve contato diário e permanente com agentes biológicos sem proteção adequada, durante a higienização de instalações sanitárias de uso coletivo dos alunos, caracterizando insalubridade em grau máximo. 3. Não há óbice do Poder Judiciário reconhecer o correto enquadramento da percepção do adicional pretendido, ainda mais quando as inúmeras perícias feitas em diversos processos idênticos chegaram à mesma conclusão quanto aos agentes insalubres encontrados. Posicionamento revisto e readequado ao entendimento desta 3ª Câmara Cível. 4. Evidenciada a exposição da parte recorrida, de forma habitual e permanente aos agentes insalubres, a legitimar o direito ao adicional de insalubridade em grau máximo, conforme conclusão exarada na perícia judicial. 5. Adicional de insalubridade devido à servidora enquanto laborar nesta condição, observando por óbvio os cinco anos anteriores ao ajuizamento da demanda, bem como o período em que houve delimitação de função, ainda mais se tratando se situação em que não houve a comprovação de que o ente público fazia a entrega regular dos EPIs de forma a fazer cessar a condição de trabalho insalubre com a demonstração de realização do devido treinamento da servidora para o uso correto, pois o Estado não pode ser desincumbido do dever regular de fiscalização do uso de EPIs, nos termos do Anexo I do Laudo nº 0033/2002, formulado pela sua própria equipe técnica, item IX – Recomendação Especial. 6. O deferimento do adicional de insalubridade pelo Poder Judiciário não implica em violação aos princípios constitucionais da legalidade, independência dos poderes e autonomia administrativa dos entes federados quando há constatação de ilegalidade no agir da Administração Pública. APELAÇÃO IMPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70078303005, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nelson Antônio Monteiro Pacheco, Julgado em: 29-11-2018). Com essa ementa observa-se a correta aplicação do adicional a um servidor público utilizando o mesmo entendimento previsto na súmula 448 do TST, algo que demostra o caráter sistemático do Direito, pois, o trabalho realizado por indivíduos que  prestam serviço para a iniciativa privada, em tese, funcionalmente, não é muito diferente daqueles que possuem cargos públicos.   2.2.2 O entendimento do Tribunal de Justiça de Rondônia, Tribunal Regional do Trabalho da 14ª região O Tribunal de Justiça de Rondônia ainda é relutante na concessão do adicional para atividades insalubres de servidores que laboram fazendo a limpeza de banheiros, pois, essa limpeza não está prevista expressamente na NR 15 conforme pode ser visto nas ementas a seguir: “Adicional de insalubridade. Limpeza em geral e higienização de vasos sanitários. Não configuração. Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional. A limpeza em geral e a higienização de vasos sanitários não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, pois os produtos de limpeza que geralmente são utilizados (saponáceos e detergentes) têm concentração reduzida de substâncias químicas, não oferecendo risco à saúde do trabalhador. Adicional de insalubridade. Mecânicos. Consoante o Anexo 13, da NR 15 da Portaria n. 3.214/78, os mecânicos têm contato físico direto e habitual com produtos de origem mineral, caracterizando a condição de trabalho como insalubre, fazendo jus ao adicional de insalubridade. Apelação, Processo nº 0005676-08.2008.822.0018, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Especial, Relator(a) do Acórdão: Des. Rowilson Teixeira, Data de julgamento: 15/06/2010. Apelação. Adicional de insalubridade. Agentes administrativos. Normativa do Ministério do Trabalho. Não enquadramento. Adicional indevido. Recurso improvido. Para fins de concessão dos adicionais de insalubridade e periculosidade, não basta a constatação, por laudo pericial, do exercício da atividade em unidade prisional, exigindo-se o enquadramento da atividade em uma das hipóteses abstratamente descritas na normativa do Ministério do Trabalho, nos termos de entendimento sumulado do STF. In casu, a apelante desenvolve atividades administrativas, as quais não estão incluídas na Normas Regulamentadoras 15 do Ministério do Trabalho. Tendo em vista que o laudo pericial produzido nos autos não constatou que as atividades desempenhadas pelo reclamante estariam sujeitas ao contato com os agentes de risco, incabível a concessão do adicional de insalubridade. Apelação, Processo nº 0000776-68.2015.822.0007, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 2ª Câmara Especial, Relator(a) do Acórdão: Des. Hiram Souza Marques, Data de julgamento: 27/02/2019”. A segunda ementa traduz bem a falta de uniformidade jurisprudencial, pois, esse processo foi postulado pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Cacoal para haver o deferimento do adicional de insalubridade para os agentes públicos que exerciam cargo de merendeira, zelador, auxiliar de serviços gerais, entre outros. Porém, foi feita a perícia nos locais designados (escolas municipais e outros órgãos como unidades hospitalares) e não foi constatada a insalubridade mencionada na inicial.  A perícia relativa à função de zelador, por exemplo, constatou risco biológico quando esse indivíduo exerce sua função em hospitais, já em outros locais como escolas não foi constatada a insalubridade: Zelador (a) em unidades hospitalares: Foram consideradas insalubres pelo risco biológico. Zelador (a) de outras unidades: Não foram consideradas atividades insalubres em análise qualitativa, quantitativa e tempo de exposição. de acordo com a NR 15 e seus anexos. Neutralizado com o fornecimento e uso de EPIs. Diante desses fatos, o recurso feito pelo sindicato foi improvido de forma unânime pela 2º Câmara Especial. O TRT 14, por sua vez, segue o entendimento pautado na súmula 448 do TST, sendo que, na ementa a seguir foi deferido o adicional de insalubridade a uma trabalhadora que laborava fazendo a limpeza de vários  banheiros que eram utilizados por 390 alunos e 72 funcionários. “ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. HIGIENIZAÇÃO E COLETA DE LIXO EM INSTALAÇÕES SANITÁRIAS DE USO COLETIVO. GRANDE CIRCULAÇÃO. SÚMULA Nº 448/TST. AGÊNCIA DO SEBRAE COM ATENDIMENTO A PÚBLICO INTERNO E EXTERNO. CONFIGURAÇÃO. É devido o adicional de insalubridade, em grau máximo, ao empregado que realiza a higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, sobre os quais incide o disposto no anexo 14 da NR 15 da Portaria n° 3.214/78, relativo a coleta e industrialização de lixo urbano, nos termos da Súmula nº 448/TST. Em tais situações, em que há a limpeza de banheiros públicos e coletivos com trânsito rotineiro de grande número de usuários, há evidente exposição do trabalhador a agentes biológicos causadores de doenças e infecções, de modo a sobre eles incidir, analogicamente, a especial proteção legal dada àqueles que laboram no trato com lixo urbano. Precedentes da SbDI-1/TST”. (TRT da 14.ª Região; Data de Publicação: 28/03/2019; Órgão Julgador: GAB DES ILSON ALVES PEQUENO JUNIOR; Relator: ILSON ALVES PEQUENO JUNIOR). Com esses entendimentos conclui-se que por si só a limpeza de banheiro público não dá o direito ao adicional de insalubridade, pois, é necessário haver perícia constatando a insalubridade e a verificação que o local é utilizado por muitos indivíduos, visto que, mesmo não havendo expressamente o direito desse adicional na NR 15 para os trabalhadores que fazem a higienização de banheiros públicos, pode haver a equiparação em relação àqueles que coletam ou industrializa lixo urbano esses sim previstos na NR em questão.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse trabalho foi observado o regime jurídico dos agentes públicos conforme a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a diferente existente entre os mais variados tipos de agentes públicos como agentes políticos, particulares em colaboração, agentes de fato, servidores públicos, empregados públicos, contratados por tempo determinado e os militares. Foi visto também que os princípios são fundamentais para o entendimento e aplicação do direito e, especialmente, o direito administrativo que possui uma carga principiológica densa e por não ser codificado, isto é, não ter um código de direito administrativo, os princípios são de suma relevância não sua aplicação devido a grande quantidade de leis, normas, atos, portarias esparsas. Posteriormente foi observado que o adicional de insalubridade é conceituado como aquele devido aos trabalhadores que laboram em situações que prejudicam sua saúde, sendo que, esse adicional  é um direito social previsto no artigo 7º da Constituição da República de 1988.  Para os trabalhadores, em geral, esse adicional é regulado pela NR 15 do MTE, sendo que, o adicional em questão não era devido para aqueles que fazem a higienização de banheiros públicos para a iniciativa privada conforme a OJ 4 SDI-I. Essa OJ foi cancelada e a súmula 448 do TST aplicada atualmente a esses trabalhadores é enfática em afirmar que se o trabalhador labora fazendo a limpeza de banheiros onde há grande circulação de indivíduos ele tem direito ao adicional de insalubridade equiparando essa atividade à limpeza urbana prevista no anexo 14 da NR 15 do MTE. Porém, esse entendimento ainda encontra relutância para ser aplicado em alguns tribunais do país, sendo que, no Tribunal de Justiça de Rondônia, o entendimento é que deve haver perícia e a atividade insalubre estar prevista na NR 15, mesmo que, o trabalhador labore em banheiro que há grande circulação de pessoas. Já o TRT 14 com sede em Porto Velho/RO e com jurisdição sobre os estados do Acre e Rondônia segue o entendimento da súmula 448 do TST. Com esse trabalho, observa-se que alguns tribunais tratam trabalhadores os quais laboram para a iniciativa privada de uma forma diferente para aqueles que são servidores públicos, sendo que, ambos, no caso de limpeza de banheiros públicos, fazem materialmente a mesma atividade.  Desse modo, nem o legislador nem o julgador deveria tratar de modo desigual àqueles que estão em situações iguais, sendo que, para mudar essa situação deve haver uma consolidação jurisprudencial ou uma norma que regule a questão desse adicional para os trabalhadores que fazem a higienização desses banheiros.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-resistencia-da-concessao-do-adicional-de-insalubridade-para-os-servidores-publicos-que-fazem-a-higienizacao-dos-banheiros-existentes-nas-escolas-publicas-no-estado-de-rondonia/
Críticas à aplicação pelo Superior Tribunal de Justiça do instituto do dano presumido ao Erário em dispensa indevida de licitação
RESUMO: O tema a ser desenvolvido trata-se da figura do dano in re ipsa no ato de improbidade administrativa decorrente de afastamento indevido de licitação, ao qual é imputado o dever de ressarcimento aos cofres públicos, ainda que não comprovado o efetivo prejuízo pecuniário ao erário. Esse debate ganha importância devida a atual e recente divergência levantada no Superior Tribunal de Justiça, quanto ao caráter presumido ou não do dano ao erário no caso de dispensa indevida de licitação. Esse novo posicionamento traz consigo dentre outras consequências, a concreta insegurança jurídica aos jurisdicionados, pois marca a incerteza do dever ou não de ressarcir, ainda que não se tenha um dano comprovado.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A Constituição Federal 1988 foi responsável por dar um novo contorno a temática da moralidade administrativa, vez que a consagrou como o princípio constitucional regente das atividades de toda Administração Pública, de modo a prever, em seu Art. 37, §4º, que atos de improbidade administrativa seriam punidos com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo a ação penal cabível. Em outras palavras, o texto constitucional que cuidou tão somente de prever as consequências jurídicas, mas não descreveu condutas tidas como ímprobas, de modo que delegou ao legislador infraconstitucional essa missão, nesse sentido, transcreve-se o § 4º do Art. 37 da CF/88: A fim de regulamentar a disposição constitucional do supramencionado artigo, foi promulgada a Lei 8.429/92, apresentando os ditos atos de improbidade administrativa, os sujeitos ativos e passivos desses atos, as sanções, assim como os procedimentos administrativos e judiciais cabível. A Lei 8.429/92 não trouxe expressamente um conceito específico para ato de improbidade administrativa, por outro lado, apresentou e distinguiu as espécies de atos de improbidade em três categorias distintas, a partir das consequências causadas à Administração Pública, sendo eles: atos de improbidade de importam enriquecimento ilícito, os que causam prejuízos ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública. Ante a ausência de um conceito legal expresso do ato de improbidade administrativa, a doutrina debruçou-se a fim de formular um conceito que refletisse o sentido das normas que buscavam classificar e punir esses atos classificados como ímprobos. Para tanto se parte da noção de improbidade administrativa como uma resultante da interseção da legalidade e da moralidade. Isso importa dizer que a caracterização do ato ímprobo corresponde à subsunção a um ilícito tipificado, mas também que se caracteriza por uma repercussão negativa no campo da moral administrativa. Nas palavras de José Afonso da Silva a probidade administrativa: “(…) é uma forma de moralidade administrativa que mereceu consideração especial na Constituição, que pune o improbo com a suspensão do direito político (art. 37,§4º). A probidade administrativa consiste no dever de o “funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades dela decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”. O desrespeito esse dever é que caracteriza a improbidade administrativa. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao improbo ou a outrem. (SILVA, 2014, p. 668-669)” Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro existe dificuldade em estabelecer distinção entre a moralidade administrativa e a probidade administrativa, pois “A rigor, pode-se dizer que são expressões que se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com a observância da lei; é preciso também a observância dos princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegure a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública. (DI PIETRO, 2004, p. 695)” Ante essas elucidações, poder-se-ia dizer que o ato improbo é aquele que não somente o agente público está proibido de fazer, assim como, enquanto agente público não deveria fazer à luz da boa-fé, da ética e da honestidade, isto é, não se resume a um ato ilícito que lesa o erário, mas também à moralidade administrativa.  Com efeito, traça-se a discussão do presente trabalho, vez que ciente que os atos ímprobos não somente atingem a esfera pecuniária do patrimônio público, mas também a esfera intangível da moralidade, discute-se se é possível presumir e imputar o dever de ressarcimento ao erário, mesmo que não demonstrado ou metrificado determinado dano quando nas hipóteses de afastamento indevido de licitação.   A Constituição da República de 1988 concedeu à moralidade administrativa significativo peso, tornando-a, inclusive, princípio constitucional expresso no caput do Art. 37. A exigência de uma atuação moral relaciona-se com o dever de probidade, ética e honestidade da Administração Pública. O texto constitucional cuidou de prever que atos de improbidade administrativa seriam punidos com a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo a ação penal cabível. Logo, embora não exclua a possibilidade de persecução penal, em razão da natureza das medidas sancionadoras, a Constituição acaba por caracterizar o ato ímprobo como um ilícito de natureza civil e política “porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade de bens e o ressarcimento ao erário” (DI PIETRO, 2004, p. 703). Portanto, embora possa coincidir com crime tipificado, a conduta considerada ímproba responde na esfera administrativa, civil e política de forma autônoma e independente, cabendo a aplicação das sanções “na forma e gradação previstas em lei”. A Lei 8.429/92 justamente, cumpriu o papel estipulado no texto de constitucional de prever a forma e gradação das sanções. Em outras palavras o referido diploma objetivou, sobretudo, trazer contornos concretos e regulamentares às disposições do Art. 37, §4ª da Constituição da República. Para tanto delimitou sujeitos e classificou os atos de improbidade administrativa em três espécies: (i) atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); (ii) atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (art. 10º); (iii) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). Em 2016, a Lei Complementar nº 157 acresceu o Art. 10-A ao referido diploma, trazendo uma nova espécie de ato de improbidade administrativa, qual seja: “ação ou omissão para conceder aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõe o caput e o §1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003”. O disposto somente ganhou vigência a partir de 30 de dezembro de 2017, por força do que dispõe o art. 6º c/c art. 7º, §1º da LC 157/2016. No tocante a conduta típica genérica descrita nos caput dos artigos, tem-se que os atos de improbidade que provocam enriquecimento ilícito, previstos no Art. 9º da Lei 8.249/1992, remetem-se a aferição de qualquer vantagem patrimonial indevidamente em favor de determinado indivíduo quando na constância de função, cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º da LIA (AMORIM, p.75/76). Por essa razão, Marcelo Figueiredo (2004, p.85) acredita que: “o art. 9º, caput, apresenta-se como sendo a norma central, o verdadeiro coração da Lei de Improbidade. Isso porque os atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito, sem dúvida alguma, afiguram-se como um dos mais graves tipos que a lei encerra em seu conteúdo. É dizer: os agentes públicos ou terceiros que verdadeiramente infrinjam tais normas serão os típicos ímprobos da Administração Pública, seus corruptos, ou corruptores.” (FIGUEIREDO, 2004, p.85) Pela leitura do Art. 9º tem-se que o pressuposto central para a configuração desse ilícito é o recebimento de vantagem patrimonial indevida, no exercício da função pública, independentemente, se houve ou não o dano ao erário (AMORIM, 2014, p.77). Em geral, tem-se que o enriquecimento ilícito é o resultado de qualquer ação ou omissão que possibilite ao agente auferir vantagem não prevista em lei, cujo conceito, doutrinariamente amplo, abrange prestações, positivas ou negativas, diretas ou indiretas, recebidas pelo agente público (GARCIA, 2006, p.251). A conduta típica dos atos de improbidade que provocam dano ao erário, prevista no Art. 10 da Lei 8.249/1992, remetem-se às ações ou omissões que “causam lesão ao erário em razão de perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das acima mencionadas” (MOREIRA, 2014, p.682). Os atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública, por sua vez, alocados no Art. 11 da Lei 8.249/1992, tem como conduta típica “ação ou omissão que viole deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealda às instituições” (MOREIRA, 2014, p.682) No tocante aos sujeitos ativos, diz a LIA que pratica ato de improbidade administrativa o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática de ato ou sele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta. Nesse sentido, dispõem os artigos 1º e 3º: Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. “Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.” O sujeito passivo encontra-se, também, disposto no Art. 1º, a saber, administração direita, indireta ou fundacional de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, assim como das empresas púbicas ou entidades cuja criação ou manutenção ocorra através do erário. Relativamente ao elemento subjetivo, tem-se que o Art. 10 consigna expressamente que atos que causam lesão ao erário serão punidos, em quaisquer ações dolosas e/ou culposas. Contudo, nos Artigos 9º e 11 não se faz menção ao elemento subjetivo. Diante disso, tanto a doutrina como a jurisprudência convergiram no sentido que para as condutas previstas nos artigos 9º e 11 é necessária a aferição do elemento subjetivo intencional, do dolo na prática do ilícito. Em suma, portanto, pode-se sintetizar os elementos constitutivos dos atos ímprobos em: a ocorrência de um ato ilícito praticado contra a administração pública que importe enriquecimento ilícito, que cause prejuízo ao erário ou que atente contra os princípios da administração pública, praticado por agente público ou terceiro privado que concorra na conduta, induza ou se beneficie do ato, mediante dolo, à exceção dos que causam prejuízo ao erário, no qual é exigido ao menos culpa.   Em sequência, o Art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa tipifica os atos que causam prejuízo ao erário, conceituando-os como ação ou omissão, dolosa ou culposa, que acarreta perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres da Administração Pública e demais entidades mencionadas no art. 1.º da Lei de Improbidade Administrativa, nos seguintes termos: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1.º desta lei, e notadamente: I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei; II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie; IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1.º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado; V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea; VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1.º desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. Segundo Daniel Alves Amorim “o pressuposto central para tipificação do ato de improbidade, no caso, é a ocorrência de lesão ao erário, sendo irrelevante o eventual enriquecimento ilícito do agente público ou do terceiro.” (AMORIM, ANO, p. 82) Em outras palavras, o ato ímprobo tipificado no Art. 10 refere-se a reprimenda legal às condutas que tragam efetivo prejuízo ao erário público. Além da ocorrência da lesão ao erário, o ato de improbidade tipificado no art. 10 da LIA exige a comprovação do elemento subjetivo (dolo ou culpa) do agente e o nexo de causalidade entre sua ação/omissão e o respectivo dano ao erário, vez que a própria redação do artigo aponta a presença de “dolo ou culpa” como qualificador da conduta, seja ela comissiva ou omissiva. Doutrinariamente, há diferenciação entre “erário” e “patrimônio” público, sendo que esse primeiro se reporta aos recursos financeiros provenientes dos cofres da Administração Pública direta e indireta, assim como aqueles destinados pelo Estado às demais entidades mencionadas no art. 1.º da LIA (AMORIM, 2014, p.83). Ao passo que o vocábulo “patrimônio público” possui conotação mais ampla e compreende não apenas os bens e interesses econômicos, mas também aqueles com conteúdo não econômico (AMORIM, 2014, p.83). Nesse sentido, DI PIETRO classifica que o termo “patrimônio público” em seu sentido restrito refere-se ao patrimônio econômico, o que se aproximaria da classificação de erário, ao passo que patrimônio público em seu sentido amplo reportaria ao art. 1.º, § 1.º, da Lei 4.717/1965 (Lei da Ação Popular) considera patrimônio público “os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico” (2004, p.712). Acompanha o conceito de patrimônio público no sentido amplo, Fernando Rodrigues Martins nos seguintes termos: “Conjunto de bens, dinheiro, valores e direitos pertencentes aos entes públicos (União, estado, Distrito Federal e Município) através da administração direta ou indireta e fundacional, cuja observação seja de interesse publico ou difuso, estando não só os administradores, como também os administrados, vinculados à sua proteção e defesa.” (MARTINS, 200, p17) Para Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Junior o erário público “conjunto de órgãos administrativos encarregados da movimentação econômico-financeira do Estado (arrecadação de tributos, pagamentos, aplicação de verbas etc.)” (1996, p. 176). À luz dos autores colacionados e, especialmente, em remissão à Lei de Ação Popular, patrimônio público abarca o sentido dos bens materiais e imateriais da Administração Pública, o que inclui valores e princípios, desse modo o conceito de erário estaria contido no de patrimônio público, na esfera econômica. Portanto, poder-se-ia afirmar que a tipificação do Art.10 refere-se a dano à esfera pecuniária do patrimônio público, razão pela qual elencam-se hipóteses trariam prejuízo econômico ao patrimônio público. Em síntese, o ato ímprobo capitulado no referido artigo é aquele proveniente de conduta ilícita da qual decorre lesão ao patrimônio econômico do Estado.   Conforme anteriormente elencado, no Art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa encontram-se elencadas as condutas que causam prejuízo ao erário, sendo que dentre elas está alocado o afastamento indevido de licitação, in verbis: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente As sanções previstas no diploma legal para as condutas descritas no Art. 10 encontram-se alocadas no Art. 12, II, in verbis: Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; Nota-se que a primeira sanção elencada é justamente o do ressarcimento integral do dano, isso corroboraria o esposado anteriormente, que o pressuposto do tipo é justamente a lesão ao erário, afinal, o próprio sentido do termo “ressarcimento” é de reparação, compensação, indenização. Logo, para se ressarcir é preciso se aferir e quantificar a extensão do referimento dano. Contudo, vem se travando debate doutrinário e, mais recentemente, jurisprudencial, acerca da natureza do respectivo dano, sob o argumento de que uma vez elencadas condutas presumidamente lesivas ao erário, dispensa-se a comprovação do efetivo dano, haja vista que esse também se torna presumido, especialmente, no tocante a conduta de afastamento indevido de licitação. Para se adentrar nesse debate é necessário, inicialmente, recuperar conceitos e noções acerca do próprio instituto.   3.1. LICITAÇÃO: CONCEITO, FUNDAMENTOS, INEXIGIBILIDADE E DISPENSA Primeiramente, em relação ao conceito de licitação, não restam grandes debates, segundo CARVALHO FILHO (2014, p. 238) trata-se do “(…) procedimento administrativo vinculado por meio do qual os entes da Administração Pública e aqueles por ela controlados selecionam a melhor proposta entre as oferecidas pelos vários interessados, com dois objetivos – a celebração de contrato, ou a obtenção do melhor trabalho técnico, artístico ou científico.” No mesmo sentido, DI PIETRO (2004, p.299) assenta que se trata de “(…) procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitam às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.” Hely Lopes Meirelles traz, também, conceituação amplamente difundida “licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse” (LOPES, 1999, p.23) No tocante aos fundamentos legais, a Constituição Federal de 1988 referiu-se expressamente à licitação, de modo a estabelecer além de competência privativa da União para legislar sobre as normas gerais, o princípio da obrigatoriedade da licitação, salvo em situações autorizadas pela legislação. Em outras palavras, segundo o Art. 37, XXI da CF/88, não pode a Administração abdicar do certame licitatório antes da celebração de seus contratos, salvo em situações excepcionais definidas em lei. Com efeito, impera na Administração Pública brasileira a presumida obrigatoriedade do procedimento licitatório. Segundo CARVALHO FILHO (2014, p. 243/244), essa obrigatoriedade encontra fundamento nos princípios da Moralidade Administrativa e na Igualdade de oportunidades, nesse sentido asseverou: “Quando foi concebido o procedimento de licitação, assentou-se o legislador em determinados fundamentos inspiradores. E um deles foi, sem dúvida, a moralidade administrativa. Erigida atualmente à categoria de princípio constitucional pelo art. 3 7, caput, da CF, a moralidade administrativa deve guiar toda a conduta dos administradores. A estes incumbe agir com lealdade e boa-fé no trato com os particulares, procedendo com sinceridade e descartando qualquer conduta astuciosa ou eivada de malícia.23 A licitação veio prevenir eventuais condutas de improbidade por parte do administrador, algumas vezes curvados a acenos ilegítimos por parte de particulares, outras levados por sua própria deslealdade para com a Administração e a coletividade que representa. Daí a vedação que se lhe impõe, de optar por determinado particular. Seu dever é o de realizar o procedimento para que o contrato seja firmado com aquele que apresentar a melhor proposta. Nesse ponto, a moralidade administrativa se toca com o próprio princípio da impessoalidade, também insculpido no art. 3 7, caput, da Constituição, porque, quando o administrador não favorece este ou aquele interessado, está, ipso facto, dispensando tratamento impessoal a todos. (…) O outro fundamento da licitação foi a necessidade de proporcionar igualdade de oportunidades a todos quantos se interessam em contratar com a Administração, fornecendo seus serviços e bens (o que é mais comum), ou àqueles que desejam apresentar projetos de natureza técnica, científica ou artística. A se permitir a livre escolha de determinados fornecedores pelo administrador, estariam alijados todos os demais, o que seria de se lamentar, tendo em vista que, em numerosas ocasiões, poderiam eles apresentar à Administração melhores condições de contratação. Cumpre, assim, permitir a competitividade entre os interessados, essencial ao próprio instituto da licitação. Como é evidente, esse fundamento se agrega à noção que envolve os princípios da igualdade e da impessoalidade, de obrigatória observância por todos aqueles que integrem os quadros da Administração.” Portanto, a instituição do procedimento de licitação no Estado brasileiro tem por objetivo a proteção dos princípios basilares da Administração Pública: moralidade administrativa, a impessoalidade e igualdade. Além disso, resta também homenageado o princípio da indisponibilidade do interesse público, vez que o objetivo, à luz do conceito trazido pelo professor Hely Lopes Meirelles, tem-se que a licitação garante, ou ao menos objetiva, alcançar, justamente, a melhor opção ante as diversas ofertas, de sorte a atender da melhor forma e ao menor custo o interesse da Administração Pública e, não, a interesses e conveniências privadas, razão pela qual a licitação é a regra geral é trazida na CF/88 como regra geral. Embora regra geral, há situações que a lei exonerou o gestor público do princípio da obrigatoriedade da licitação, o que, para Paulo Magalhães da Costa Coelho (2004, p. 191) “como exceções ao princípio da licitação, a dispensa e a inexigibilidade só podem ser admitidas em circunstâncias especialíssimas, lógicas e razoáveis, não podendo nem mesmo o legislador criar hipóteses arbitrária, à vista do comando”. Isso ocorre, pois há situações em que não poderá ou não haverá licitação previamente às celebrações de contratos, as quais se dividem em dois grupos: situações de inexigibilidade e situações de dispensa de licitação (ALEXANDRINO; PAULO, 2015, p.700). A inexigibilidade da licitação trata-se de hipótese em que a licitação é juridicamente impraticável, pois a própria concorrência ser impossível. Segundo Hely Lopes Meirelles a impossibilidade jurídica de competição decorre da natureza específica do negócio ou dos objetivos visados pela Administração, não sendo possível ou cabível a pretensão de “melhor proposta”. Cumpre destacar que a inviabilidade da licitação nesse caso decorre da impossibilidade competitiva, justamente, porque a licitação deriva da noção de competição, concorrência entre particulares para a melhor oferta a ser escolhida pelo Poder Público. Logo, se não é possível competir, não como para licitar. Ao seu turno, a dispensa de licitação é aquela em que “embora exista viabilidade jurídica de competição, a lei autoriza a celebração direta do contrato ou mesmo determina a não realização do procedimento licitatório” (ALEXANDRINO; PAULO, 2015, p. 704). Em síntese à diferença entre inexigibilidade e dispensa de licitação, DI PIETRO (2004,p.31) aduz que “A diferença básica entre as duas hipóteses está no fato de que, na dispensa, há possibilidade de competição que justifique a licitação, de modo que a lei faculta a dispensa, que fica inserida na competência discricionária da Administração. Nos casos de inexigibilidade, não há possibilidade de competição, porque existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração; a licitação é, portanto, inviável.” Dessa maneira, não se exige a licitação quando ela for inviável pela carência de sua característica primordial: a concorrência, ou quando a lei optou, pelas suas razões, dispensá-las ou facultar sua dispensa. A regulamentação normativa geral encontra-se na Lei 8.666/1993, complementada pela Lei 10.520/2002, que inaugurou modalidade licitatória chamada pregão. Ambos os diplomas possuem caráter nacional e são de observância obrigatória. Na Lei 8.666/1993 encontra-se as hipóteses de inexigibilidade de licitação e dispensa. A primeira aloca-se no Art. 25, cuja exegese é justamente a inviabilidade concorrencial, em razão da singularidade do objeto, do fornecedor ou do serviço a ser contratado, nesse sentido apresenta em três incisos rol exemplificativo: Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes; II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação; III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. Em relação a dispensa de licitação, essa está topografa no extenso rol taxativo de hipóteses dos artigos 17, incisos I e II e 24, sendo que DI PIETRO (2004, p.312) aloca em quatro grandes grupos: “As hipóteses de dispensa poder ser divididas em quatro categorias: Destaca-se, ainda, que a doutrina diferencia que as situações do Art.17 tratam-se de hipóteses de licitações dispensadas, isto é, a dispensa do procedimento licitatório não é facultada e sim determinada pela lei, escapando, assim à discricionariedade do administrador (DI PIETRO, 2004, p. 311). Em suma, a licitação é procedimento administrativo, via de regra, obrigatório à Administração Pública para a contratação com particulares, imperando sobre ele o pressuposto da concorrência em igualdade de condições, a fim de se alcançar a melhor oferta que atenderá ao interesse público. Não obstante o princípio da obrigatoriedade, a legislação reservou algumas hipóteses em que a licitação não seria viável, haja vista que prejudicado o pressuposto concorrencial ou ainda dispensável ou dispensada, em razão do valor, objeto, excepcionalidade ou da pessoa. Logo, o afastamento legal de licitação deve estar alocado às hipóteses de impossibilidade concorrência ou dispensa legal, sob pena de ser considerado indevido, o que, aprioristicamente, frustraria a proteção do interesse público, impessoalidade e moralidade administrativa, afinal, o sistema jurídico brasileiro elegeu a licitação como o meio precípuo para a seleção da melhor oferta a ser contratada com a Administração Pública.   3.2. AFASTAMENTO INDEVIDO DE LICITAÇÃO E NATUREZA DO DANO AO ERÁRIO Conforme elucidado, o procedimento licitatório, geralmente é obrigatório, pois se trata de instrumento protetor e realizador do interesse público, afinal, através de uma sequência de atos e critérios, legalmente previstos, seleciona-se a melhor oferta à demanda estipulada pelo Poder Público. Em vista da obrigatoriedade presumida da licitação, do rol taxativo de dispensa de licitação e da natureza da inexigibilidade, bem como ter seu primordial objetivo a contratação da melhor oferta, a Lei de Improbidade Administrativa, conforme já apontada, elenca no Art. 10, inciso VIII, como ato de improbidade que causa prejuízo ao erário, o afastamento indevido de licitação, de modo a estipular no Art. 12, inciso II as seguintes sanções: Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). II – na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; Sobre as sanções estipuladas, passa-se a debater, nesse trabalho, a de ressarcimento do dano ao erário. Atualmente trava-se debate, doutrinário e, especialmente, jurisprudencial, acerca da imposição das sanções de reparação ao erário em caso de afastamento indevido de licitação, sob ótica se o dano a ser ressarcido é presumido, isto é, in re ipsa, ou carece de efetiva comprovação e dimensionamento. Historicamente, o Superior Tribunal de Justiça, em sua Primeira e Segunda Turma, confirmava o posicionamento de que a sanção de ressarcimento integral do dano dependia da efetiva comprovação, não podendo ser presumido, nesse sentido pode-se citar alguns exemplos de julgados, a saber, Recurso Especial nº 1447237/MG, acórdão publicado em 09/03/2015, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Recurso Especial nº1.228.306/PB, acórdão publicado em 09/10/2012, de relatoria do Ministro Castro Meira, Recurso Especial nº805.080/SP, acórdão publicado em 06/08/2009, de relatoria da Ministra Denise Arruda e Recurso Especial 621.415/MG, acórdão publicado em 30/05/2006, de relatoria da Ministra Eliana Calmon. Dos julgados citados, cumpre fazer destaque para passagens do Voto do Min. Relator Napoleão Nunes Maia Filho, no julgamento do Recurso Especial nº 1.447.237: “21. Pondera-se, neste caso, que é possível cogitar de eventual ofensa à moralidade administrativa – conforme destacado pelo Acórdão do Tribunal de origem; a violação à boa-fé e aos valores éticos esperados nas práticas administrativas, contudo, não configura elemento suficiente para ensejar uma presunção de lesão ao patrimônio público, conforme sustenta o Tribunal a quo; e assim é porque a responsabilidade dos agentes em face de conduta praticada em detrimento do Estado exige a comprovação e a quantificação do dano, nos termos do art. 14 da Lei 4.717/65. De tal sorte o dano está entrosado com a responsabilidade civil, que Aguiar Dias considera verdadeiro truísmo sustentar que não pode haver responsabilidade sem a existência de dano, porque, resultando a responsabilidade civil em obrigação de ressarcir, “logicamente não pode concretizar-se onde nada há que reparar” (Responsabilidade Civil de Acordo com a Constituição de 1988, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 39).” E, ainda, do Voto-Vista do Min. Castro Meira no julgamento do REsp 621.415: “A Primeira Seção, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial n.º 260.821/SP, por maioria de votos, vencido o Ministro Luiz Fux, apreciou caso semelhante, tendo concluído ser necessária a prova da lesão para que o agente público seja condenado a ressarcir o erário. Na oportunidade, acompanhando o entendimento do Ministro João Otávio de Noronha, teci as seguintes considerações: (…) O pedido condenatório, entretanto, demanda a comprovação do prejuízo, ainda que imaterial, experimentado pelo Poder Público. Se o autor da demanda pretende condenar o réu a ressarcir o erário, deverá fazer prova concreta da lesão. Como se sabe, o pressuposto da indenização é o desfalque patrimonial causado por ação ou omissão dolosa ou culposa (…).” A leitura dos julgados citados e passagens de alguns dos votos demonstram que o entendimento dominante na Corte Superior de Justiça, naquele momento, exigia além da ilegalidade do ato, lesividade efetiva ao patrimônio como imprescindíveis para a sanção de ressarcimento ao erário. Contudo, recentemente, o STJ inaugurou novo entendimento de que o dano ao erário em casos de afastamento indevido de licitação é presumido. Essa discussão acerca do dano in re ipsa em matéria de improbidade administrativa teve como uma de suas primeiras manifestações a apreciação do AgRg nos EDcl no AREsp 419.769/SC, rel. min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 18/10/2016, no qual se destaca a seguinte passagem: “A fraude à licitação tem como consequência o chamado dano in re ipsa, reconhecido em julgados que bem se amoldam à espécie”. O aresto citado inaugurou ciclo de reprodução em cadeia no repertório do STJ de que o dano ao erário se presume em caso de dispensa indevida de licitação, aplicando-se assim as sanções de ressarcimento integral do dano, nesse sentido destacam-se os julgados Recurso Especial nº 1499706/SP, acórdão publicado em 14/03/2017, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, Recurso Especial nº 1581426/PB, acórdão publicado em 12/03/2018, de Relatoria do Ministro Francisco Falcão, AgInt nos EDcl no Recurso Especial nº 1750581 / SP, acórdão publicado em 21/05/2019, de Relatoria do Ministro Og Fernandes. Em análise dos julgados citados acima, destaca-se a compreensão que o fundamento para a condenação à presunção do dano ao erário vem da concepção de que frustrado o processo licitatório, a Administração Pública deixa de contratar a melhor oferta possível, surgindo assim, presumidamente o dano ao erário, nesse sentido destaca-se trecho do voto do Ministro OG Fernandes: “(…) a jurisprudência do STJ que se firmou no sentido de que o prejuízo decorrente da dispensa indevida de licitação é presumido (dano in re ipsa), consubstanciado na impossibilidade da contratação pela administração da melhor proposta”. Portanto, nota-se que, até meados de 2016, o Superior Tribunal de Justiça havia pacificado entendimento acerca da natureza do dano ao erário em casos de improbidade administrativa por afastamento indevido de licitação, qual seja dano real, isto é, imprescindível comprovar a efetiva lesividade ao patrimônio econômico-financeiro do Estado. Contudo, essa pacificação restou superada pela inauguração de nova compreensão de que o dano é presumido em caso de dispensa indevida de licitação, pois frustrado o procedimento licitatório, tem-se que, presumidamente, a Administração Pública deixou de contratar a melhor oferta, logo, lhe causou prejuízo a ser ressarcido, nos moldes do Art. 12, II da LIA. Não obstante o novo posicionamento ter sido inserido no repertório das decisões mais recentes do STJ, a divergência permanece, restando, assim em aberto o debate, vez que a natureza do dano em caso de afastamento indevido de licitação não é um consenso na doutrina ou jurisprudência, de modo que o presente trabalho apresentar reflexões críticas ao novo posicionamento que vem sendo reproduzido nas decisões mais recentes do Superior Tribunal de Justiça.   Conforme pormenorizado nesse trabalho, o procedimento licitatório tem como objetivo alcançar a melhor oferta, através de balizas de técnica, qualidade e preço, como efeito pode-se elucidar que a licitação guarda íntima relação com o erário público, isto é, com os cofres públicos. Afinal, o que busca a Administração é o maior custo benefício em contratação com particulares, para atender ao interesse público, através de procedimento imparcial e isonômico de concorrência. Dessa forma, o objetivo primordial da licitação é contratar a melhor oferta, proporcionando igualdade competitiva. Ademais, a licitação não escapa aos princípios sagrados à Administração Pública, notadamente, moralidade, probidade, indispensabilidade do interesse público, impessoalidade, publicidade e legalidade e congêneres. Desse modo ao frustrar o procedimento licitatório, os agentes envolvidos também afrontam os princípios na Administração Pública, o que nos termos da Lei de Improbidade Administrativa classifica-se como conduta improba, vide Art. 11. Entretanto, embora o procedimento licitatório tenha sido meticulosamente pensado e engendrado para que seu resultado represente a contratação da melhor oferta e a realização do interesse público, ele não é inexoravelmente imprescindível, vez que, inclusive, a própria Lei 8.666/93 estipula hipóteses em que o procedimento será dispensável, dispensado ou inexigível. Ora, por essas exceções, conclui-se que a inexistência de procedimento licitatório, por si só, não representa atentado ao erário público, do contrário seria admitir que a própria lei autoriza conduta danosa. Por outro lado, por ser regra geral da Administração Pública, é inexorável que a dispensa do procedimento licitatório às hipóteses que escapam à Lei 8.666/93 afronta os princípios da Administração Pública, nesse sentido DI PIETRO (2004, p. 712) aduz que “A rigor, qualquer violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, da impessoalidade e de qualquer outro imposto à Administração Pública pode constituir ato d improbidade administrativa.” Por essas razões é que DI PIETRO (2004, p.713) ensina que um mesmo ato pode enquadrar-se em uma, duas ou nas três hipóteses de improbidade administrativa prevista na Lei, justamente, por vezes representarem atentados aos princípios da administração pública e enriquecimento ilício, ou ainda enriquecimento ilícito acompanhado por prejuízo ao erário. Conforme já elucidado nesse trabalho, a Lei de Improbidade Administrativa – LIA tipifica seus atos em três grandes grupos: (i) atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); (ii) atos de improbidade que causam prejuízo ao erário (art. 10º); (iii) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). Em sua redação original, o Artigo 21 da LIA dizia que: Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público; II – da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas. Sobre isso, Marcelo Figueiredo (1997.p. 101) explica que Entendemos que se pretendeu afirma que a lei pune não somente a lei material à administração, como também qualquer sorte de lesão ou violação à moralidade administrativa havendo ou não prejuízo no sentido econômico. De fato, pretende a lei, em seu conjunto punir os agentes ímprobos, vedar comportamentos e práticas usuais de corrupção (sentido leigo). Muitas dessas práticas revertem em benefício do agende e nem sempre causam prejuízo econômico-financeiro à administração. O dispositivo, ainda, ao não exigir ‘a efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público’, pode levar o intérprete a imaginar que o juiz será obrigado a aplicação as sanções da lei independente do dano. Não parece a melhor exegese, como vimo. Já desenvolvemos alhures a ideia que o Judiciário é cometida a ampla análise do agente. Assim, poderá aplicar a pena, dosá-la em função do prejuízo causado ao erário. Nota-se que, ausente qualquer tipo de prejuízo, mesmo moral, seria um verdadeiro ‘non-sene” punir-se o agente. Ocorre que em redação dada pela lei 12.120/2009, o Art. 21 da Lei de Improbidade Administrativa passou a constar da seguinte forma: Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe: I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento; (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009). II – da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal ou Conselho de Contas. Em vista do elucidado pelo administrativista Marcelo Figueiredo e pela nova redação do inciso I do Art. 21, ao analisar o posicionamento recente que vem sendo reproduzido no Superior Tribunal de Justiça, que toma o dano ao erário como presumido em hipóteses de afastamento indevido de licitação, de modo a imputar seu ressarcimento, observa-se que houve desvio interpretativo da exegese do texto legal, alcançando esferas contralegem. Não há dúvidas que o conceito de patrimônio público abrange os bens e valores materiais e imateriais da Administração Pública. Contudo, é também notório o procedimento licitatório é um instrumento, precipuamente, protetivo ao erário, por isso, eventuais prejuízos decorrentes de fraudes e desrespeitos à licitação possuem signo precípuo econômico-financeiro. Logo, ao assumir que o afastamento indevido da licitação, presumidamente, levará a um prejuízo material, imputando seu ressarcimento, sem exigir a demonstração e comprovação do respectivo dano, extrapola o texto legal que, taxativamente, consagra a demonstração do dano como critério ao ressarcimento. Em adição, extrapola a lógica jurídica de condenações indenizatórias e reparatórias materiais, vez que o Direito brasileiro consagra como regra da responsabilização civil material a ocorrência e metrificação do dano.  Excede, ainda, o princípio da legalidade, haja vista que se concebe, sem prévia lei que a defina, uma nova hipótese de improbidade administrativa, a saber a atos que geram danos ao erário por presunção mediante dolo ou culpa. Isso, porque as demais hipóteses de improbidade administrativa que não prescindem o dano ao erário, exigem o dolo do agente, ao passo que as condutas que exigem o dano, podem ocorrer com dolo ou culpa. Contudo, a partir da nova exegese do Superior Tribunal de Justiça, dispensa-se o dano, assim como o dolo, o que cria verdadeiro cenário de insegurança jurídica. O argumento de que ao prejuízo decorre do fato da Administração deixar de contratar a melhor oferta, também, mostra-se uma perigosa ficção jurídica, vez que se a própria legislação, por vezes, excetua a regra da licitação em benefício da Administração, isso significa que a licitação não é sempre imprescindível a melhor oferta. Isso poderia levar a um absurdo jurídico que mesmo diante de hipóteses autorizadas de dispensa ou inexigibilidade licitatória, se se apontar que havia no mercado melhor oferta, o agente seria responsável pelo ressarcimento, já que não houve a contratação da melhor oferta. Ademais, ao se presumir um dano patrimonial, haja vista que as condutas do Art.10 referem-se ao dano ao erário, isto é, aos cofres público, de modo a condenar-se ao ressarcimento, sem contudo exigir sua comprovação, em última instância, se chancelou a possibilidade de enriquecimento sem causa da Administração, o que é até então vedado pelo nosso ordenamento. Afinal, ressarcir prejuízo econômico-financeiro sem correspondente dano material sequer comprovado amolda-se, perfeitamente, o enriquecimento sem causa. Por essas razões que historicamente a Corte Superior de Justiça exigia para a condenação ao ressarcimento ao erário a demonstração do binômio ilegalidade-lesividade, concomitantemente, isto é, o afastamento indevido da licitação opera no campo da ilegalidade quando era exigível ao agente público, ao passo que a lesividade é possível consequência a ser dimensionada e, não presunção. Dessa forma, no presente trabalho filia-se ao entendimento de que, mesmo diante do afastamento indevido da licitação, o dano ao erário público, não se presume, se afere, razão pela qual a própria lei estipula a sanção de ressarcimento frente a ocorrência de efetivo dano ao patrimônio público, do contrário, como seria possível ressarcir aquilo que sequer foi dimensionável? Entretanto isso não implica dizer que a conduta ímproba e ilegal que afasta o procedimento licitatório, mas não, comprovadamente, lesa o erário público, não é passível de punição. Isso vez que conforme estipulado no próprio texto normativo, as demais punições não carecem da demonstração do dano ao patrimônio público. Em outras palavras, o dano ao erário carece de demonstração e aferição, mas isso não importa dizer abstenção da punição, pois a ilegalidade do ato reclama a aplicação das demais sanções.   CONCLUSÃO Conforme desenvolvido no presente trabalho historicamente o ato ímprobo de dispensa indevida de licitação que importa dano ao erário, capitulado pela Lei de Improbidade Administrativa, era interpretado pelo Superior Tribunal de Justiça com ilícito de resultado concreto, isto é, reclamava a expressa demonstração do dano efetivo ao patrimônio público para que houvesse o dever do ressarcimento. Ocorre que a partir de 2016, inaugurou-se nessa Corte nova exegese conferida ao dano ao erário, a saber, o dano presumido ou in re ipsa, que passou a ser repetido desde então. Contudo, esse entendimento abre perigoso precedente de interpretação judicial que se afasta do sentido legal, uma vez que a figura do dano in re ipsa mostra-se para além do delineamento normativo do Art. 10 da Lei 8.429/92 e da máxima do não enriquecimento sem causa e, em última instância, a configuração dos tipos infracionais do artigo 10 da Lei 8.429/92 sem prévia lei que a defina, a saber, uma nova hipótese de improbidade administrativa: a dos atos lesivos ao erário por presunção, mediante ação ou omissão com dolo ou culpa.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/criticas-a-aplicacao-pelo-superior-tribunal-de-justica-do-instituto-do-dano-presumido-ao-erario-em-dispensa-indevida-de-licitacao/
Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: dispensa de atos públicos de liberação e impactos da Lei Federal 13.874/2019 na atividade fiscalizatória dos Municípios
É corolário de um Estado Democrático de Direito tentar acomodar o pluralismo de interesses que permeiam a Carta Constitucional. O peso atribuído a cada um destes valores depende do momento histórico, social e econômico em que são invocados na medida em que se apresentam como termos abertos e polissêmicos. O avanço da tecnologia e a modernização dos meios de produção exigem uma resposta estatal célere e eficiente, o que, considerando os paradigmas burocráticos do Direito Administrativo, não tem se concretizado. O Poder de Polícia, lento e, por isso, deficiente, não favorece um ambiente empreendedor, exigindo medidas legais que corrijam estes disparates. Esse é o contexto histórico-social que fez surgir diversos instrumentos legislativos de desburocratização de procedimentos para abertura de empresas, do que é exemplo a Lei Federal nº 13.874/2019. No entanto, a recepção desta norma geral deve ser compatibilizada com inúmeros outros valores constitucionais, em especial, àqueles que já possuem instrumentos de concretização à exemplo da vigilância sanitária, proteção contra incêndio, meio ambiente e outras correlatas. Este artigo busca evidenciar os principais impactos da Lei Federal nº 13.874/2019 na atividade fiscalizatória dos Municípios e como a norma geral de Liberdade Econômica deve ser aplicada a fim de alcançar a harmonia, completude e coerência do Ordenamento Jurídico.
Direito Administrativo
Introdução A pluralidade de direitos e garantias que permeiam o texto constitucional exige a reformulação do Direito Administrativo para viabilizar a concretização de diferentes políticas públicas e a convergência de interesses por vezes colidentes.[1] O exercício do Poder de Polícia, como forma de assegurar a segurança e o bem-estar de toda coletividade, e a necessidade de garantir a livre iniciativa (art. 1º, inciso IV, e art. 170, ambos da CR) de forma eficiente (art. 37, caput, da CR) são um exemplo claro desta dicotomia que há mais de 30 anos demanda do Legislador instrumentos infraconstitucionais (leis complementares e ordinárias) de efetivação. Foi este o caso da Lei Federal nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado e altera dispositivos de diversos diplomas à exemplo da Lei das Sociedades Anônimas, Lei dos Registros Públicos, Código Civil, Consolidação das Leis do Trabalho, Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais e dá outras providências. O recorte metodológico necessário para que o tema seja abordado com a devida profundidade se resume aos impactos da norma geral de liberdade econômica na atividade fiscalizatória de mais de 5000 (cinco mil) Municípios. A dispensa dos atos públicos de liberação para as atividades de baixo risco e a regulamentação da norma por meio de resolução CGSIM são alguns aspectos que devem ser analisados com a devida cautela. O objetivo deste estudo é destacar as principais mudanças, positivas e negativas, trazidas pela novel legislação no que se refere a atividade fiscalizatória dos Municípios (alvarás) e iluminar eventuais contradições a fim de auxiliar a gestão pública municipal a convergir estes interesses colidentes, que é o significado de Estado Democrático de Direito.[2]   A premissa teórica indispensável para esta abordagem exige uma contextualização histórica por razões de cunho hermenêutico. Conceitos como livre iniciativa, eficiência, liberdade, igualdade e interesse público, são termos semânticos abertos, polissêmicos e cujos significados dependem das circunstâncias históricas e da realidade em que invocados. Nos dizeres de Binenbojm: “Assim, as relações de prevalência entre interesses privados e interesses públicos não comportam determinação a priori e em caráter abstrato, senão que devem ser buscadas no sistema constitucional e nas leis constitucionais, dentro do jogo de ponderações proporcionais envolvendo direitos fundamentais e metas coletivas da sociedade.”[3] (destaques no original) Portanto, para sopesar estes conceitos abstratos (livre iniciativa e interesse público), além de ser necessária a compreensão de seus possíveis significados, é indispensável inseri-los na realidade brasileira contemporânea, identificando as reivindicações dos setores que, direta e indiretamente, são atingidos pela irradiação de seus efeitos. Desde o advento do Estado Democrático de Direito inaugurado pela Constituição Federal de 1988 há uma tentativa, no âmbito dos três Poderes, de tornar a atividade estatal mais eficiente, garantindo uma resposta mais célere aos administrados. Isso, ao contrário de ser uma mera aspiração constitucional, decorre de uma demanda social inerente ao mundo globalizado,[4] calcado no avanço da tecnologia e na rapidez com que se concretizam as relações jurídicas, em especial, no mundo corporativo. A passagem do Estado de Bem-Estar Social para o Estado Democrático de Direito, no que se refere à prestação das atribuições estatais e sua relação com os administrados, tem sido cada vez mais conflitiva e por razões óbvias: a liberdade de atuação da iniciativa privada gera um desenvolvimento científico e tecnológico que a máquina pública, inchada e gigantesca, muito em razão de seus diversos paradigmas ainda não reconstruídos, não é capaz de acompanhar.[5] Compulsando a exposição de motivos da Emenda Constitucional nº 19/1998, que modificou o caput do art. 37 para inserir o princípio da eficiência como um dos norteadores da atuação do Estado, constata-se que o fundamento de fato que demandou a modificação da carta constitucional se resumia a desburocratização da máquina pública em prol desenvolvimento econômico: “O revigoramento da capacidade de gestão, de formulação e de implementação de políticas nos aparatos estatais será determinante para a retomada do desenvolvimento econômico e o atendimento às demandas da cidadania por um serviço público de melhor qualidade. Além disso, o aumento da eficiência do aparelho do Estado é essencial para a superação definitiva da crise fiscal. A revisão de dispositivos constitucionais não esgota a reforma administrativa, mas representa etapa imprescindível ao seu sucesso, promovendo a atualização de normas, concomitante à remoção de constrangimentos legais que hoje entravam a implantação de novos princípios modelos e técnicas de gestão. No difícil contexto do retorno a democracia, que em nosso país foi simultâneo a crise financeira do Estado, a Constituição de 1988 corporificou uma concepção de administração pública verticalizada, hierárquica, rígida, que favoreceu a proliferação de controles muitas vezes desnecessários. Cumpre agora, reavaliar algumas das opções e modelos adotados, assimilando novos conceitos que reorientem a ação estatal em direção a eficiência e à qualidade dos serviços prestados ao cidadão.”[6] (grifou-se) Gabardo elenca como atributos da eficiência, a economicidade, a racionalização e a celeridade. A norma finalística concretiza-se a partir de uma análise econômico-racional do múnus público que só será eficiente se, dentre todas as medidas possíveis, for adotada aquela que melhor atenda o interesse público (útil) e, ao mesmo tempo, seja a que menos acarrete prejuízos econômicos ao erário (boa administração que se analisa a partir dos resultados).[7] A Administração Pública, por determinação constitucional, deve ser eficiente (atos racionais, econômicos, úteis e céleres) para, dentre outros vieses, alavancar a economia e propiciar um ambiente favorável para o empreendedorismo. E esta necessidade de eficiência está diretamente relacionada ao Estado Democrático de Direito na medida em que o art. 1º da Constituição Federal traz como um de seus fundamentos a livre iniciativa (inciso IV). Esta costura de valores constitucionais, de imediato, remete ao art. 170 do texto magno que, mais uma vez, elenca a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano como fundamentos da Ordem Econômica. Sobre o tema, cirúrgica a manifestação do Ministro Marco Aurélio na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46-7-DF: “É de ressaltar que os preceitos tidos por violados são essenciais à ordem constitucional vigente, configurando princípios e fundamentos da República Federativa do Brasil, como a livre iniciativa – comando este previsto no artigo 1º, inciso IV(…). A liberdade de iniciativa constitui-se em uma manifestação dos direitos fundamentais do homem, na medida em que garante o direito que todos têm de se lançar ao mercado de produção de bens e serviços por conta e riscos próprios, bem como o direito de fazer cessar a atividade (…). A eficiência do Poder Público, então, será dimensionada não pelo número de atividades que preste diretamente à população, mas na medida em que consiga manter o mercado plenamente saudável para a livre iniciativa e a livre concorrência das empresas privadas”.[8] No entanto, a Ordem Econômica é regida por outros princípios, dentre eles, a defesa do consumidor, a livre concorrência e a defesa do meio ambiente (art. 170, inciso IV, V e VI). A equação equilibrada deste emaranhado de normas finalísticas é o que sustenta o Estado Democrático de Direito. Partindo desta leitura, é incontestável que a Ordem Econômica deve ser garantida pelo Estado a partir da criação de ambientes cada vez mais favoráveis para o desenvolvimento da livre iniciativa. Contudo, o Estado deve atuar, também, para proteger o consumidor, o meio ambiente e a livre concorrência. A livre iniciativa, ao contrário do que se pensa, depende do equilíbrio de todos valores, sob pena de se considerar a liberdade como a máxima constitucional, contrariando uma das mais básicas lições de hermenêutica.[9] O Estado deve garantir a igualdade de condições. A atuação de órgãos como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) contra o exercício irregular da livre iniciativa (sonegação fiscal, cartéis, irregularidades administrativas) é o que garante que os empresários que atuam no mercado com responsabilidade e boa-fé não serão prejudicados pela concorrência desleal. Justamente para garantir este equilíbrio de normas programáticas (metas coletivas colidentes) é que os entes federados foram constitucionalmente incumbidos de zelar pela Ordem Pública, pela segurança dos consumidores, pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, praticando os mais diversos atos administrativos para coibir condutas que pudessem ir de encontro a estes preceitos. O artigo 30 da Constituição da República – CR atribui aos Municípios inúmeras responsabilidades: legislar sobre assuntos de interesses local (inciso I); suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (inciso II) e promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (inciso VIII). Além disso, o art. 23 da Carta Constitucional estabelece uma competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios para: proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (inciso VI). Não é menos verdade que a segurança pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, cabendo aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, a execução de atividades de defesa civil (art. 144, § 5º). Todos os entes federados exercem este Poder de Polícia a partir destas competências comuns, concorrentes e privativas elencadas pelo legislador constituinte originário. O conceito de Poder de Polícia está delimitado pelo art. 78 do Código Tributário Nacional: “Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.” No entanto, por uma questão de proximidade com os diversos atos que se realizam dentro de determinado território, é dos Municípios o ônus e o bônus de grande parte destas fiscalizações, assim como a responsabilidade pelas consequências que podem advir caso ela seja feita de forma deficiente. Em síntese, a análise teórico-abstrata destes princípios finalísticos diz que para que o exercício da livre iniciativa seja garantido pelo Estado de forma equânime, cabe ao empresário submeter seus atos constitutivos ao Poder Público municipal para que este, dentro das competências comuns, concorrentes e privativas, exerça o Poder de Polícia e expeça o ato público de liberação necessário para o início das atividades empresariais (alvarás). Se a eficiência da máquina pública conseguisse acompanhar a velocidade das relações particulares não haveria necessidade de legislações simplificadoras de procedimentos cujo objetivo é desburocratizar e facilitar a abertura de empresas. Contudo, na prática, as reivindicações dos empresários, em especial, os de pequeno porte, vão justamente no sentido contrário. A morosidade nos procedimentos, a sobreposição de órgãos fiscalizadores (federais, estaduais e municipais), os altos custos de taxas e tarifas, dentre tantas ouras exigências que decorrem do Poder de Polícia, são a insurgência principal que, teoricamente, não atende, nem o princípio da livre iniciativa e nem o princípio da eficiência. Todo este substrato fático-normativo serviu de base para os seguintes pontos de partida: A Lei Federal nº 13.874/2019 andou bem sob o aspecto teórico normativo, já que o governo democraticamente eleito atendeu uma das agendas há muito reivindicadas e que estão alinhadas com as metas coletivas elegidas pelo legislador constituinte originário. Instituiu direitos e garantias que, apesar de não inovarem no Ordenamento Jurídico, explicitaram a necessidade de se criarem instrumentos que tornem os atos públicos de liberação mais céleres e eficientes em prol da livre inciativa, da livre concorrência e do desenvolvimento econômico. Contudo, andou mal a Lei Federal nº 13.874/2019, ou melhor, o órgão encarregado de regulamentá-la (CGSIM), ao estabelecer uma norma geral de liberdades econômicas que, ao que tudo indica, se sobrepõe à todas as demais, ambientais, sanitárias, urbanísticas, de proteção contra o incêndio, estabelecendo uma zona cinzenta de possíveis conflitos normativos, colocando em xeque a efetividade prática do diploma. O próximo tópico, portanto, será dedicado a apontar os possíveis impactos desta norma geral na atividade fiscalizatória dos Municípios, exigindo enorme cautela dos gestores públicos na implementação de seus instrumentos de efetivação, em especial, os que decorrem de uma interpretação literal da Resolução CGSIM nº 51/2019.   Este tópico tem por finalidade expor os principais impactos da Lei Federal nº 13.874/2019 na atividade fiscalizatória dos Municípios e será analisada a partir de três vieses: (i) em que medida a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica dialoga com a autonomia dos Municípios no que toca a dispensa de atos públicos de liberação e conceituação das atividades de baixo risco; (ii) quais os impactos fiscalizatórias e orçamentários que serão sentidos pelos Municípios; (iii) quais os limites hermenêuticos da Resolução CGSIM nº 51/2019.   2.1 Dispensa de atos públicos de liberação e classificação de atividades de baixo risco. A modificação mais importante trazida pela Lei Federal nº 13.874/2019, e talvez a mais polêmica, gira em torno da norma contida no art. 3º, inciso I, e que já constava na redação original da Medida Provisória nº 881/2019: “Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: I – desenvolver atividade econômica de baixo risco, para a qual se valha exclusivamente de propriedade privada própria ou de terceiros consensuais, sem a necessidade de quaisquer atos públicos de liberação da atividade econômica;” O conceito de “atos públicos” encontra-se estampado no § 6º do art. 1º, definido nos seguintes termos: “§ 6º Para fins do disposto nesta Lei, consideram-se atos públicos de liberação a licença, a autorização, a concessão, a inscrição, a permissão, o alvará, o cadastro, o credenciamento, o estudo, o plano, o registro e os demais atos exigidos, sob qualquer denominação, por órgão ou entidade da administração pública na aplicação de legislação, como condição para o exercício de atividade econômica, inclusive o início, a continuação e o fim para a instalação, a construção, a operação, a produção, o funcionamento, o uso, o exercício ou a realização, no âmbito público ou privado, de atividade, serviço, estabelecimento, profissão, instalação, operação, produto, equipamento, veículo, edificação e outros.” (grifou-se) Trata-se da dispensa das licenças outorgadas pelo Poder Público, conhecidas, também, como alvarás: atos administrativos que reconhecem a conformidade de determinada operação empresarial com as normas locais de natureza urbanística, ambiental, de vigilância sanitária etc.[10] Esta não é a redação original do dispositivo. Na Medida Provisória nº 881/2019 não constavam as palavras acima grifadas e esta ampliação semântica não pode ser desconsiderada no processo interpretativo. A clara pretensão do Legislador de ampliar a dispensa dos atos públicos de liberação, inclusive o início, a continuação e o fim, indica qual o sentido da norma que deve ser extraído pelo intérprete. Quando da entrada em vigor da Medida Provisória, levantou-se a hipótese de que a dispensa do ato seria prévia, mas não definitiva. O empresário poderia iniciar suas atividades sem o alvará, mas deveria se regularizar em momento posterior. Aliás, considerando outras normas já existentes no Ordenamento Jurídico e cujos fins eram os mesmos (LC nº 123/2006 e Lei Federal nº 11.598/2007), soava como a interpretação mais harmônica e coerente. Semelhante ao que já ocorre com a sistemática aplicável ao Microempreendedor Individual, a pretensão seria que determinadas atividades econômicas consideradas como de baixo risco fossem iniciadas sem qualquer licença dos órgãos públicos respectivos, observadas as exceções fixadas na própria Medida Provisória. Em momento posterior, o Município teria a prerrogativa de fiscalizar este estabelecimento, ratificar as declarações fornecidas em meio eletrônico pelo empresário e conceder o alvará definitivo. No entanto, quando da conversão da Medida Provisória em Lei, regulamentada pela Resolução CGSIM nº 51/2019, esta interpretação perdeu bastante força. O art. 3º, § 1º, da Lei Federal nº 13.874/2019, reproduzido na íntegra quando da conversão da Medida Provisória nº 881/2019, prevê que: “§ 1º Para fins do disposto no inciso I do caput deste artigo: I – ato do Poder Executivo federal disporá sobre a classificação de atividades de baixo risco a ser observada na ausência de legislação estadual, distrital ou municipal específica; II – na hipótese de ausência de ato do Poder Executivo federal de que trata o inciso I deste parágrafo, será aplicada resolução do Comitê para Gestão da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (CGSIM), independentemente da aderência do ente federativo à Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim); e III – na hipótese de existência de legislação estadual, distrital ou municipal sobre a classificação de atividades de baixo risco, o ente federativo que editar ou tiver editado norma específica encaminhará notificação ao Ministério da Economia sobre a edição de sua norma.” Em síntese: (i) o Município pode e deve legislar para classificar suas próprias atividades de baixo risco, obviamente, sem extrapolar os limites da razoabilidade e proporcionalidade, mas mantendo a sua competência para dispor sobre assuntos de interesse local, ordenação territorial e demais atribuições fiscalizatórias;[11] (ii) enquanto esta norma não for editada, prevalece a disposição constante do inciso II, qual seja, os procedimentos da Resolução CGSIM nº 51/2019 e a sua lista classificatória.[12] A Resolução CGSIM nº 51/2019 deixa ainda mais explícito que se a atividade do empresário for classificada como de “baixo risco” ou “Baixo Risco A” será dispensada a necessidade de todos os atos públicos de liberação da atividade econômica para plena e contínua operação e funcionamento do estabelecimento. André Luiz Santa Cruz Ramos, diretor do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) e jurista reconhecido, em recente palestra, externou a opinião do órgão, afirmando que, se a atividade for classificada como de baixo risco, o que, na ausência de norma local específica, atrai o disposto na dita resolução, não será necessário qualquer ato público de liberação, nem antes, e nem depois do início das atividades. Inclusive, se ventila a possibilidade de que, no próprio cartão CNPJ, seja inserida uma observação no sentido de que a atividade “dispensa atos públicos de liberação”. Cumpre advertir que não se trata de instituir uma imunidade fiscalizatória. Muito pelo contrário. O Município, dentre as suas diversas competências, em momento posterior, de ofício ou por denúncia de algum munícipe, irá exercer esta fiscalização a fim de constatar, por exemplo: (i) se o cartão CNPJ confere com a atividade que está sendo exercida no local, (ii) se a documentação relativa aos atos constitutivos atende os requisitos mínimos de formalidade; (iii) se os alimentos comercializados estão acondicionados de forma adequada; (iv) se a atividade apresenta algum risco de incêndio, considerado a natureza e as peculiaridades do negócio; (v) se existe alguma atividade potencialmente poluidora que exija alguma tipo de providência; (vi) quaisquer outras que a natureza e especificidade da atividade exigirem. Ainda assim, a licença, que antes era concedida ao final desta fiscalização, ou seja, o ato administrativo que resultava no alvará, não será mais necessária. Se a fiscalização constatar a regularidade do estabelecimento empresarial, mantém-se a presunção de boa-fé do empresário e prossegue-se com a liberdade econômica sem qualquer ato formal (licença) da Administração Municipal. Como se percebe, há uma redução do controle fiscalizatório do ente local que, ao contrário do que era feito até então, deve sair a campo e reestruturar o seu modus operandi para que obtenha, por conta própria, ou seja, sem a iniciativa do empresário, as informações de novos estabelecimentos. Antes, era o empresário que deveria comparecer na Prefeitura e apresentar toda a documentação pertinente à atividade e, caso iniciasse as atividades sem a licença prévia, corria riscos de sofrer autuações dos diversos órgãos municipais. Esta mudança de perspectiva, repita-se, importante para a livre iniciativa, além de conter uma certa margem para críticas sob o aspecto jurídico-constitucional em razão de conferir uma presunção de boa-fé do empresário em detrimento de toda coletividade, meio ambiente e relações de consumo, também cria atribuições ao Executivo Municipal que deverá modificar toda a sua estrutura para conseguir fiscalizar os estabelecimentos ou simplesmente fazer vista grossa, correndo riscos de ser responsabilizado em caso de algum incidente.   2.2 Dispensa de atos públicos de liberação, taxas e Poder de Polícia. A problemática em razão da dispensa do ato público de liberação não se resume a questões meramente administrativas, já que seus efeitos serão sentidos, também, em âmbito orçamentário. Como é sabido, todas estas atribuições fiscalizatórias do Município nada mais são do que o exercício do Poder de Polícia (art. 78 do CTN), pressuposto normativo fático que justifica a instituição da taxa (art. 145, inciso II, da CR). A taxa de licença e localização, a taxa de vistoria, a taxa de vigilância sanitária, dentre tantas outras, são apenas algumas das espécies tributárias que os entes públicos se utilizam para remunerar os cofres públicos pelos gastos referentes ao Poder de Polícia no sentido de averiguar se àquela atividade que será executada pelo empresário atende, ou não, a norma respectiva. Até o advento da Lei Federal nº 13.874/2019, se a resposta fosse positiva, expedia-se o alvará de localização/funcionamento e as demais licenças, fiscalizando-se o estabelecimento anualmente a fim de confirmar se as condições iniciais ainda se mantinham. Em ambos os casos, cobrava-se, respectivamente, a taxa de licença e localização e taxa de fiscalização e vistoria, dentre outras específicas daquela atividade. Atualmente, porém, este procedimento, ao que tudo indica, não mais subsiste, o que significa que o Poder de Polícia, num primeiro momento, não será exercido e, consequentemente, não haverá fato gerador (art. 114 do CTN) para justificar a cobrança da exação. Pelo raciocínio inverso, não tendo Poder de Polícia, em tese, não haveria custo para ser ressarcido e os Municípios não deveriam se deparar com déficit orçamentário. Quando da elaboração e encaminhamento das leis orçamentárias de 2020, estas questões precisam ser devidamente alinhadas, já que é provável que haja um impacto orçamentário, não só em razão dos novos estabelecimentos de baixo risco que não serão tributados pelo início de suas atividades, mas, também, de todos os demais (de baixo risco) que já possuem o alvará. Estes últimos, por uma questão de isonomia, tampouco deverão arcar com a taxa de vistoria anual, estabelecendo-se um tratamento uniforme no território do Município (art. 5º, caput c/c art. 150, inciso II, ambos da CR). Importante anotar que este tipo de readequação orçamentária não se confunde com benefício fiscal ou renúncia de receita, já que, na ausência de fato gerador do tributo, inexiste receita para ser renunciada. Logo, não haverá violação às condutas vedadas em ano eleitoral (art. 73, § 10º, da Lei Federal nº 9.504/1997) e tampouco inobservância do art. 14 da LRF, o que não significa que os Municípios possam desconsiderar este impacto no orçamento, exigindo as devidas readequações, em especial, das metas fiscais estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias para garantir que não haja o desequilíbrio nas contas públicas. As taxas, porém, não deverão ser revogadas ou extintas. Isto porque, o Poder de Polícia continuará sendo exercido, mas postergado para momento posterior ao início das atividades. Não se deve confundir o ato público de liberação (alvará) com o Poder de Polícia efetivamente exercido pelo Município. Mesmo que a licença final que resulta do Poder de Polícia (alvará) não seja expedida, se o estabelecimento, mesmo que de baixo risco, for fiscalizado, a cobrança do tributo se torna imperativa tendo em conta a ocorrência de seu fato gerador. Tanto assim é, que a Lei Federal nº 13.874/2019 afastou a aplicabilidade do disposto no art. 1º ao 4º, ao direito tributário e financeiro, ressalvando o inciso X do caput do art. 3º, de modo que os direitos de liberdade econômica, em tese, em nada interferem na competência tributária dos entes federados (art. 1º, § 3º). Isso significa que se o Município, efetivamente, exercer o Poder de Polícia em determinado estabelecimento, pode cobrar a taxa respectiva. Contudo, a mera estrutura fiscalizatória sem o comparecimento in loco já não se apresenta como uma possibilidade para estas atividades de baixo risco. Também parece ser uma consequência da norma geral de liberdade econômica que os estabelecimentos fiscalizados passem a pagar, apenas, a taxa de fiscalização e vistoria. Isto porque, considerando a tipicidade cerrada do Direito Tributário, não haverá mais a taxa de licença e localização cobrada pelo Poder de Polícia no início das atividades de baixo risco, já que estas não demandam atos públicos de liberação. Sendo exercida a fiscalização em momento posterior, o que é autorizado pela Lei Federal nº 13.874/2019, terá se perfectibilizado o fato gerador cuja tipologia se assemelha ao Poder de Polícia respectivo: verificação das condições do estabelecimento e a compatibilidade com a legislação respectiva. Nada impede, aliás, é recomendável, que os Municípios, na lei que irá definir os procedimentos para implementação dos Direitos de Liberdade Econômica em âmbito local, institua uma taxa diferenciada (taxa de fiscalização) para remunerar o Poder de Polícia específico para estas situações de baixo risco, desde que haja a fiscalização efetiva do estabelecimento empresarial. No art. 4º, da Lei Federal nº 13.874/2019, por sua vez, estão as garantias de livre iniciativa. Trata-se de instrumento que tem como finalidade assegurar os direitos de liberdade econômica arrolados no art. 3º. No que interessa aos Municípios, quando da edição da norma local que irá regulamentar os Direitos de Liberdade Econômica, é dever da Administração Pública, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: “[…] IX – exigir, sob o pretexto de inscrição tributária, requerimentos de outra natureza de maneira a mitigar os efeitos do inciso I do caput do art. 3º desta Lei.” O ente público municipal, por exemplo, não pode exigir alvarás para autorizar a impressão de documentos fiscais (nota fiscal de serviços) ou inscrever o contribuinte no cadastro fiscal de ISS, vinculação que é praxe em grande parte dos Municípios. É necessário segregar estes pressupostos para as atividades de baixo risco, viabilizando que o cadastro seja feito mesmo que o empresário não tenha qualquer tipo de licença no Município. Em suma, o alvará não deve mais ser vinculado ao cadastro do contribuinte. Até porque, se o empresário não possuir alvará e iniciar atividade de baixo risco, não cometerá nenhuma irregularidade. No entanto, se esta atividade for de prestação de serviços e o empresário não recolher o imposto devido e não cumprir as demais obrigações acessórias, deverá ser autuado por não recolher o ISS (obrigação principal) e por não emitir o documento fiscal (obrigação acessória).   2.3 Resolução CGSIM nº 51/2019 e seus limites hermenêuticos A interpretação ampliativa da novel legislação deu margem para, por meio de Resolução do CGSIM, órgão eminentemente econômico, definir classificações de baixo risco de incêndio, baixo risco ambiental e dispensar os atos públicos respectivos.[13] Ainda, definiu uma classificação de médio risco, utilizando-se da semântica a partir de conceitos de “Baixo Risco A” e “Baixo Risco B”, hipóteses inexistentes na redação original da Medida Provisória nº 881/2019 e na redação atual dada pela Lei Federal nº 13.874/2019. Salvo melhor juízo, os atos fiscalizatórios realizados pelas Secretarias dos Municípios encontram seu fundamento de validade em normas distintas (legais e constitucionais). São sistemas específicos criados a partir de critérios técnicos e cujo objetivo é assegurar o exercício responsável da livre iniciativa, considerando os mais diversificados impactos. A LC nº 140/2011, por exemplo, traz toda uma estrutura administrativa a fim de coibir atividades potencialmente poluidoras, manter o ambiente ecologicamente equilibrado e garantir para estas gerações e as futuras, um desenvolvimento sustentável com maior preservação possível dos recursos naturais (art. 23, inciso VII, 24, inciso VIII e o art. 170, inciso VI, todos da CR). Já a Lei Federal nº 13.425/2017, encontra seu fundamento de validade no art. 21, inciso I, na parte final do art. 24, no § 5º do art. 144 e no caput do art. 182 da Constituição Federal. Esta norma, que objetiva a proteção contra o incêndio, estabelece que o processo de aprovação da construção, instalação, reforma, ocupação ou uso de estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público perante o poder público municipal, voltado à emissão de alvará de licença ou autorização, ou documento equivalente, deverá observar o estabelecido na legislação estadual sobre prevenção e combate a incêndio e a desastres e nas normas especiais editadas (art. 4º, inciso I). Não é diferente com a Vigilância Sanitária que, dentro do seu âmbito de competência, está adstrita a Lei Federal nº 9.782/1999, que criou o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, e a Lei Federal nº 8.080/1990. Como se percebe, há um conjunto de normas e estruturas administrativas autônomas para lidar com a pluralidade de valores constitucionais na medida em que o exercício pleno e irrestrito de um deles pode conflitar ou aniquilar outro, resultado que é inadmissível dentro de um Estado Democrático de Direito. Ademais, sendo sistemas autônomos, cada um deles atua num campo específico vinculado a determinado desdobramento da atividade exercida pelo particular. Uma determinada atividade pode exigir a atuação de todos estes sistemas em conjunto (alvará sanitário, ambiental e do Corpo de Bombeiros), apenas um deles, ou somente dois. Em tese, são sistemas que estão adstritos a questões técnicas, estudadas por Ciências alheias ao Direito e que, via de regra, não possuem pontos de intersecção. Traduzindo, a concessão de alvará sanitário não significa que a atividade pode ser exercida, já que, se por sua natureza, for necessário, também, o alvará ambiental por exemplo, sem este documento é provável que o empresário infrinja a legislação respectiva. Somente a liberação de todos os atos necessários para execução daquele objeto social é que tornariam lícito o início das atividades. Porque seria diferente com a Lei Federal nº 13/874/2019? Trata-se de uma norma geral de Direitos de Liberdade Econômica e, assim como os demais sistemas fiscalizatórios, deve se manter adstrito ao seu campo de atuação. Há, portanto, uma premente necessidade de harmonização da declaração de Direitos de Liberdade Econômica e das demais normas existentes no Ordenamento Jurídico, mormente se tratar de instrumentos de concretização de valores constitucionais distintos, portanto, metas coletivas de igual importância. Carece, o Legislador infraconstitucional, de legitimidade para criar uma norma geral das normas gerais que, por meio de Resolução, atinge normas ambientais, sanitárias, de proteção ao incêndio, reestrutura a atividade fiscalizatória do Poder Executivo municipal, impacta no orçamento e atinge a autonomia dos entes federados de legislarem sobre assunto de interesse local e sobre a ordenação territorial do Município, atribuições que, a partir da Constituição Federal de 1988, decorrem de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, inciso I, da CR). Por estas razões de ordem teórica e prática é que os Municípios devem empreender esforços para editarem normas locais específicas que definam como devem se dar os atos públicos de liberação e como irá ser exercida a fiscalização dos estabelecimentos que iniciarem atividades de baixo risco. A Resolução CGSIM nº 51/2019 apresenta algumas incompatibilidades que extrapolam a sua competência e não pode se sobrepor à outras normas técnicas de cunho específico. Em caso de eventual conflito, as últimas devem prevalecer (ambientais, sanitárias e de proteção contra o incêndio), mesmo que o ente local ainda não tenha editado uma norma que implemente os instrumentos de liberdade econômica em âmbito local.   Considerações Finais A livre iniciativa, por expressa disposição constitucional, é um dos alicerces do Estado Democrático de Direito e um dos fundamentos da Ordem Econômica. O Estado, também por expressa determinação constitucional, deve ser eficiente na sua atuação como agente normativo e regulador das atividades econômicas, sob pena de violar o dito princípio. O Direito Administrativo, com paradigmas ainda não reconstruídos frente ao avanço globalizado da sociedade contemporânea, não consegue ser suficientemente eficiente para atender a velocidade com que se concretizam as relações negociais no mundo corporativo. Logo, a criação de uma lei instituidora de instrumentos que possam compensar esta deficiência em prol do desenvolvimento da liberdade econômica é necessária e urgente, o que exige dispensar elogios aos fins buscados pela Lei Federal nº 13.874/2019. No entanto, a frase maquiavélica ainda prevalece: os fins não justificam os meios! Garantir a liberdade econômica a que preço? A ausência de qualquer fiscalização prévia, a depender da atividade, mesmo que de baixo risco, traz enormes riscos aos consumidores, ao meio ambiente e coloca o gestor municipal na obrigação de reformular toda a sua estrutura para fiscalizar os novos estabelecimentos que, ao que tudo indica, serão cada vez mais frequentes. Não fazer isso seria uma irresponsabilidade que, em caso de algum incidente, não afastará o ente público de ser responsabilizado (art. 37, § 6º, da CR). Além disso, a aplicação cega da Resolução CGSIM nº 51/2019 como norma geral das demais normas gerais (ambientais, sanitárias e de proteção contra o incêndio) parece um equívoco hermenêutico e em caso de eventual conflito da norma regulamentar expedida pelo Órgão Econômico e àquelas dos órgãos técnicos específicos, as últimas deverão prevalecer, não podendo o empresário escudar-se na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica para se eximir do cumprimento de medidas que confiram um mínimo grau de segurança no exercício de suas atividades. A partir de toda esta regulamentação e dos evidentes conflitos gerados entre o Poder Público e a iniciativa privada, acredita-se que é urgente a necessidade de os Municípios exercerem a competência que a própria Lei Federal nº 13.874/2019 lhes outorgou (art. 3º, § 1º, inciso III) a partir de um estudo integrado entre as Secretarias do Meio Ambiente, Vigilância Sanitária, Secretaria da Fazenda e, se for operacionalmente viável, com a manifestação do Corpo de Bombeiros da localidade, instituindo uma classificação própria de atividades de baixo risco que dispensam atos públicos de liberação. Fazendo isso, porém, o ente municipal deve se atentar para a necessidade de notificar o Ministério da Economia acerca da sua existência a fim de que o órgão se manifeste sobre a compatibilidade da norma local com a norma geral. Ainda, há uma nítida diferença entre a dispensa do alvará e a imunidade fiscalizatória. Os entes municipais também deverão disciplinar os procedimentos para que esta fiscalização seja feita de ofício, a partir do momento que o ente público tomar conhecimento da abertura de um novo estabelecimento. Instrumento interessante para garantir este controle por parte dos Municípios seria a adesão a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM, cuja finalidade é propor ações e normas aos seus integrantes na busca de uma integração do processo de registro e de legalização de empresários e de pessoas jurídicas e articular as competências próprias com aquelas dos demais membros, buscando, em conjunto, compatibilizar e integrar procedimentos, de modo a evitar a duplicidade de exigências e garantir a linearidade do processo, da perspectiva do usuário (Lei Federal nº 11.598/2007). Esta alternativa fará com que, independentemente de a atividade ser de comércio ou prestação de serviços, o empresário, ao requerer o arquivamento de seus atos constitutivos no órgão respectivo, seja também inscrito nos cadastros do Município onde irá exercer suas atividades (estabelecimento), ainda que, repita-se, se for de baixo risco, não seja necessário o ato público de liberação (alvará). Até porque, em sendo atividade de prestação de serviços, a inscrição no cadastro fiscal de contribuintes de ISS é obrigatória, assim como a emissão do documento fiscal respectivo, de modo que o início da atividade sem o atendimento desta obrigação acessória, em tese, acarreta a aplicação de penalidade com base no Código Tributário Municipal respectivo ou outra lei esparsa que trate desta matéria. São estes os principais impactos que os Municípios passarão a sentir em razão da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e o Poder de Polícia exercido pelas Secretarias respectivas (atos públicos de liberação). O fim buscado é relevante e os instrumentos de efetivação urgentes, o que torna louvável a Lei Federal nº 13.874/2019. Contudo, a Resolução CGSIM nº 51/2019 extrapolou os limites da norma geral e adentrou em conceitos alheios a sua seara, podendo resultar em conflito normativo. Caso isso ocorra, a boa hermenêutica exige que as normas específicas (ambientais, sanitárias e de proteção contra o incêndio) sejam preservadas. De bom grado, portanto, que os Municípios editem suas próprias normas classificatórias de baixo risco e os demais procedimentos necessários à efetivação de uma fiscalização de ofício, garantindo o exercício do poder de polícia em harmonia com o exercício responsável da livre iniciativa. Sem qualquer pretensão de esgotar a matéria, estas são as diretrizes interpretativas obtidas a partir da experiência prática e das reflexões teóricas que, entende-se, melhor atendem a convergência dos interesses plurais e diversificados inerentes a um Estado Democrático de Direito.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/declaracao-de-direitos-de-liberdade-economica-dispensa-de-atos-publicos-de-liberacao-e-impactos-da-lei-federal-13-874-2019-na-atividade-fiscalizatoria-dos-municipios/
Os Limites Jurídicos Para a Exigência de Requisitos de Habilitação Nas Licitações e a Responsabilidade Estatal
Esse estudo tem por escopo a analisar as exigências abusivas concernentes à fase de habilitação do procedimento licitatório, bem como suas consequências, como anulação do certame e a responsabilidade civil que decorre de tal ato. A atuação de determinados agentes públicos na condução da licitação, por vezes, demonstra a utilização de requisitos arbitrários tendentes ao direcionamento da escolha da proposta, havendo restrição na competitividade ínsita a esse processo. Em face do princípio da isonomia, que rege a referida temática, os requisitos ilegais exigidos pela autoridade competente têm o condão de anular o certame, ocasionando sérios danos tanto ao erário como para os participantes. Discutir-se-á, por fim, sobre a responsabilidade estatal em face dos prejudicados. Na busca da demonstração de tais fatos, o presente trabalho se utiliza do método dedutivo, além de perspectivas doutrinárias e jurisprudências do Tribunal de Contas da União, Superior Tribunal da Justiça e Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto.
Direito Administrativo
Introdução O artigo 37 da Constituição Federal de 1988 determina quais os princípios constitucionais pautam a atuação da Administração Pública Brasileira, entre eles os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, publicidade e eficiência. Esses postulados normativos são aplicados uma vez que os recursos públicos devem ser utilizados de forma racional, visando atingir o interesse público. Para que a Administração Pública cumpra seus atos de modo eficiente, faz-se necessária a utilização da licitação, instrumento que determina a igualdade de condições entre os interessados, já que os bens e serviços não estão a sua livre disposição. Nesse tocante, a Lei nº 8.666/1993 estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes às obras, aos serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Ademais, subordinam-se ao regime desta lei os órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Essas entidades supracitadas podem ser fiscalizadas pelo controle externo, por meio do Poder Legislativo com o auxílio do Tribunal de Contas, que possuem a função de fiscalizar o Poder Executivo, nos diferentes âmbitos da federação, como expõem as normas dos art. 71 a 75 da Carta Magna. Todavia, apesar da existência de fiscalização, na prática, apresentam-se algumas falhas em razão de contratações viciadas que são consideradas ilegais. Nesse seguimento, pode-se constatar a existência de diversas irregularidades concernentes às exigências das entidades promotoras das licitações, principalmente, na fase de habilitação, as quais, por vezes, demonstram o direcionamento do certame a determinado adjudicante, sem respeito às normas legais. Determinadas exigências na fase da habilitação como requisito para preencher capacidade técnica e econômica, por exemplo, maculam o procedimento licitatório por ofender os princípios constitucionais e administrativos, ocasionando a anulação do certame. Para demonstrar tal situação utilizou-se de pesquisa jurisprudencial nos sites do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Contas da União com as palavras- chaves no campo de pesquisa: “licitação”, “anulação da licitação”, “fase de habilitação na licitação”, “responsabilidade estatal na licitação”, “responsabilidade estatal”, “indenização”. Assim, encontrou-se diversos julgados com as mesmas irregularidades: exigência excessiva de documentos na fase de habilitação demonstrando intenção fraudulenta da Administração Pública ao restringir a competitividade. É importante frisar que essas decisões demonstram falhas semelhantes que incorrem rotineiramente na Administração Pública e que, por vezes, passam despercebidas ou quando não, são verificadas após a realização do contrato, provocando mais danos ao erário. Assim, percebe-se a relevância da temática, uma vez que as exigências consideradas desnecessárias na fase da habilitação por restringirem o caráter competitivo da licitação, muitas vezes direcionam o procedimento para determinada empresa. A Administração Pública por vezes se utiliza dessa estratégia com intenção fraudulenta, ocasionando na anulação do certame por vício de ilegalidade. Este trabalho tem como objetivo analisar as consequências dessa anulação por afrontar princípios legais ocasionando na possibilidade da responsabilidade civil do Estado, conforme entendimento doutrinário que contraria a literalidade do art. 49 da Lei nº 8.666/93. Para isso, utilizar-se-á o método dedutivo, de caráter descritivo, uma vez que serão expostos alguns limites estabelecidos pelo Tribunal de Contas da União sobre determinadas exigências abusivas, tendo como consequência sua anulação e a posterior responsabilidade civil do Estado. Destaca-se que as técnicas utilizadas para respectiva pesquisa foram as bibliográficas (doutrinas, revistas dos tribunais, artigos). Foi realizada também a análise documental de jurisprudência obtida por meio de pesquisa on-line, nos sites do Superior Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União, A análise do tema Licitação suscita o seguinte questionamento: a anulação do certame licitatório por vicio de ilegalidade, decorrente de exigências abusivas na fase de habilitação, enseja responsabilidade civil do Estado? Essa questão se insere na necessária compreensão de que a Administração Pública exige documentos que demonstram a capacidade técnica e econômico-financeira de forma abusiva, o que, por vezes, caracteriza direcionamento na escolha do vencedor, além de comprometer, restringir ou frustrar o caráter competitivo da licitação. Por não preencher determinados requisitos, empresas comprometidas deixam de participar, pois outra já está em conluio com o Administrador. Assim, é de suma importância a existência de responsabilidade civil do Estado em face dos participantes que não alcançaram o objetivo final por irregularidades acometidas pela gestão pública. No capítulo intitulado como “Regime Jurídico da Licitação Pública” é apresentado o conceito geral da Licitação Pública trazido pela Lei n 8.666/93, conjuntamente com a Constituição Federal. São também explicitados os princípios constitucionais e administrativos que regem tal instrumento, bem como sua finalidade. Por sua vez, o capítulo “Irregularidades na Fase de Habilitação” se refere as exigências não razoáveis estabelecidas nessa determinada etapa. Isso porque os requisitos são elencados de forma taxativa pela Lei nº 8.666/93, sendo, portanto, vedada à entidade a criação de exigências não constantes na norma. Todavia, o Tribunal de Contas da União tem encontrado de forma corriqueira exigências como “visto” em Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA) do local de realização de obra, como condição para participação de empresa na respectiva licitação e a obrigação de existência de profissionais no quadro permanente da empresa para fins de habilitação. Então, as Cortes de Contas consideram que determinadas exigências de capacidade técnica e econômico-financeira são ilegais, como as trazidas nos respectivo trabalho, e, por vezes desnecessárias, maculando os certames. Nesse seguimento, o terceiro capítulo intitulado como “Anulação do Procedimento Licitatório e a Responsabilidade Civil do Estado” faz relação entre a exigência de requisitos considerados ilegais pelo Tribunal de Contas da União e a possível responsabilidade civil do Estado perante os participantes prejudicados decorrente da anulação do processo licitatório. Para embasar o questionamento utilizou-se tanto a posição de doutrinadores como o entendimento das Cortes Superiores, inclusive no que diz respeito também a possibilidade de gerar indenização a tais participantes.   1.1 REGIME JURÍDICO DA LICITAÇÃO PÚBLICA A Administração Pública ergue-se sobre os pilares dos poderes que lhe são conferidos para a consecução do interesse público e das restrições que lhe são impostas para preservá-lo de atos imorais, discriminatórios e pessoais (NIEBUHR, 2013, p. 48). A atividade administrativa se delineia em função de dois princípios: a supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos. Para assegurar autoridade à Administração Pública são lhe outorgados prerrogativas e privilégios para garantir a supremacia do interesse público sobre o particular, tais como requisitar bens e serviços, aplicar sanções administrativas, etc. Relacionado a esse princípio, está o da indisponibilidade do interesse público, que afirma que o administrador não tem disponibilidade sobre os interesses públicos, mas somente possui o dever de guarda ou de proteção (DI PIETRO, 2013, p. 62/63). A Administração deve possuir uma boa conduta e por isso é imposto que as atividades sejam realizadas com qualidade, eficácia, economia e celeridade. Todos esses quesitos devem ser concretizados de forma a satisfazer o interesse público. Nas palavras de Celso Bandeira de Mello (2014, p. 62) o interesse público é “resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade”. No que concerne ao princípio da indisponibilidade do interesse público, Hely Lopes Meirelles (2013, p. 109) entende que “a Administração Pública não pode dispor do interesse geral, nem renunciar os poderes que a lei lhe deu para tal tutela, já que ela não é titular do interesse público, e sim o Estado que é o representante da coletividade”. Desse modo, a Administração não tem a livre disposição de bens públicos, os quais só podem ser alienados se assim a lei dispuser. Em virtude desse princípio, a realização da licitação é obrigatória, uma vez que os bens, os serviços públicos, os direitos e os interesses não se encontram disponíveis livremente para a Administração Pública. Nessa circunstância, criaram-se leis dispondo sobre a alienação dos bens e das demais atividades. Conforme explanado, verificou-se a necessidade da realização do procedimento licitatório em decorrência do princípio da indisponibilidade do interesse público. Desse modo, o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal estabelece que a Administração Pública tem a obrigatoriedade de licitar quando desejar adquirir bens, prestação de serviços, alienações, locações ou executar obras. O certame licitatório tem como objetivo permitir que a Administração selecione a proposta mais vantajosa que satisfaça o interesse público. O autor Marçal Justen Filho (2013, p. 494) ensina que a licitação é um “procedimento administrativo disciplinado por lei e por ato administrativo prévio que, determina critérios objetivos para seleção da proposta de contratação mais vantajosa, com observância do princípio da isonomia, conduzido por um órgão de competência específica”. O processo licitatório tem como principal finalidade assegurar aos interessados igualdade de condições no fornecimento dos bens ou prestação de serviços para as entidades, assim como tornar público os atos para sociedade. Subordinam-se a esse regime, além dos órgãos da Administração Direta, os Fundos Especiais, as Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas, as Sociedades de Economia Mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 1º, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93). A Administração Pública tem o dever de realizar licitações, ressalvados os casos disciplinados na legislação, no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” Entretanto, essa obrigação poderá ser dispensada em hipóteses previstas expressamente na lei, não cabendo qualquer juízo discricionário da entidade Pública quanto à conveniência e a oportunidade de sua realização. É o caso, por exemplo, de guerra ou grave perturbação da ordem, de emergência ou de calamidade pública, quando a União tiver que intervir no domínio econômico para regular preços, entre outros, conforme observado no art. 24 da Lei nº 8.666/93. Resta dizer que a licitação é um procedimento de suma importância, como demonstrado nesse capítulo, para que a Administração Pública alcance seus objetivos conforme o interesse público. Além der ser o instrumento que garante o caráter competitivo e de igualdade entre todos os participantes.   2 IRREGULARIDADES NA FASE DE HABILITAÇÃO CONFORME DECISÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO A licitação é composta pelas seguintes fases: o edital, a habilitação, o julgamento da proposta, homologação, adjudicação. Na busca das irregularidades mais frequentes que ocorrem no certame, comumente encontra-se na jurisprudência e na doutrina um maior número de ocorrências na fase da habilitação e por esse pretexto discorrer-se-á sobre ela. Eis aqui a fase cujo tema central da pesquisa se desenvolve. A habilitação ocorre após a abertura da licitação pelo edital e é anterior à fase do julgamento de propostas. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 287), a “habilitação é a fase do procedimento em que a Administração verifica a aptidão do candidato para futura contratação. A inabilitação acarreta a exclusão do licitante da fase do julgamento das propostas”. No que diz respeito à documentação exigida, o art. 27 da referida Lei 8.666/93 determina que os interessados devem demonstrar: (I) a habilitação jurídica, (II) a qualificação técnica, (III) a qualificação econômico-financeira, (IV) a regularidade fiscal e trabalhista, e o (V) cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, referente à proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 (dezoito) anos e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos. Esses documentos têm a finalidade de comprovar a personalidade jurídica, a aptidão profissional, a capacidade de satisfazer os encargos econômicos e saber se o participante está cumprindo tanto com suas obrigações fiscais federais, estaduais e municipais, quanto com seus débitos trabalhistas. Acerca dos critérios de habilitação, a Constituição Federal no art. 37, inciso XXI, permite que sejam feitas somente “(…) exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. Desse modo, a Administração Pública não deve formular requisitos excessivos que acabam desviando do objetivo principal do certame, afinal as imposições devem ser pautadas visando o interesse público. Ademais, as exigências desnecessárias à garantia da obrigação tornam o procedimento licitatório mais formalista e burocrático, além de infringir o artigo supracitado (DI PIETRO, 2013, p. 422). Conforme entendimento do Tribunal de Contas da União (2010, p. 332), as exigências habilitatórias não podem exceder os limites da razoabilidade, além de não ser permitido propor cláusulas desnecessárias e restritivas ao caráter competitivo. Elas devem fixar apenas o necessário para o cumprimento do objeto licitado. Outrossim, a Administração tem a finalidade de garantir maior competitividade possível à disputa, e por esse motivo, a Lei nº 8.666/93 proíbe qualquer condição desnecessária. Exigências consideradas supérfluas podem indicar o direcionamento da licitação para favorecer determinadas pessoas ou empresas. Por essa razão, admite-se tão somente que sejam exigidos os documentos estabelecidos nos artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/93. A fim de alcançar uma proposta mais vantajosa, a Administração deve observar os princípios da isonomia e o da livre concorrência, sendo vedadas cláusulas ou condições que estabeleçam preferências irrelevantes ao objeto do contrato e que restrinjam ou frustrem o caráter competitivo do certame, conforme dispõe o inciso I, § 1º, do art. 3º da Lei nº 8.666/93: Art. 3º, § 1º: É vedado aos agentes públicos: I – admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991. Nos casos em que o órgão da administração exige uma documentação exorbitante e desnecessária à comprovação da habilitação, acaba ocasionando na diminuição do número de interessados no certame e a Administração Pública perde a chance de alcançar seu objetivo, que é adquirir o produto ou serviço de melhor qualidade pelo menor preço. Enfim, o gestor deve se privar de fazer exigências abundantes ou utilizar-se do formalismo excessivo para poder obter o maior número de participantes. Esse propósito é para facilitar os órgãos públicos à obtenção de bens e serviços mais convenientes a seus interesses. É por esse motivo que Administração Pública deve utilizar o formalismo de maneira mais flexível diante das suas exigências para que possa alcançar seu objetivo final. Ao realizar uma vasta pesquisa jurisprudencial sobre quais seriam os requisitos de habilitação que ultrapassam o limite da razoabilidade mais frequentes, encontrou-se a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante. Apesar de ser uma medida corriqueira por parte dos órgãos públicos, essa medida não se adequa a finalidade da lei, além de não estar em conformidade com o entendimento do Tribunal de Contas da União. O art. 30, §1º, I da Lei nº 8.666/93, determina que o licitante deve possuir em seu quadro permanente, na data prevista para entrega da proposta, profissional de nível superior ou outro devidamente reconhecido pela entidade competente para comprovar capacitação técnico-profissional. A exigência de que as empresas interessadas possuam vínculo empregatício, por meio de carteira de trabalho assinada, com o profissional técnico qualificado demonstra-se excessiva e limitadora à participação de eventuais interessados no certame. O necessário para a Administração é que o profissional esteja em condições de desempenhar seus serviços no momento da execução de um possível contrato. No que concerne ao item do edital que exige a comprovação de vínculo empregatício dos responsáveis técnicos na data de entrega da proposta, isto é, em momento anterior ao da contratação, o Tribunal de Contas da União entende ser ilegal, porque impõe um ônus desnecessário aos interessados, como no julgado transcorrido abaixo: É ILEGAL A EXIGÊNCIA, PARA PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÃO, DE COMPROVAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO DO RESPONSÁVEL TÉCNICO COM A EMPRESA LICITANTE. (…) a jurisprudência do Tribunal também é pacífica no sentido de ser ilegal a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante, pois impõe um ônus desnecessário aos concorrentes, na medida em que são obrigados a contratar, ou a manter em seu quadro, profissionais apenas para participar da licitação (acórdãos 103/2009 e 1.808/2011, do Plenário, entre outros)” (TCU. Acórdão nº 1842/2013 – Plenário, Relatora: Ministra Ana Arraes, Data da sessão: 17 de jul. de 2013). Nesse seguimento, Marçal Justen Filho (2012, p. 515) considera que a exigência de vínculo trabalhista é muito rigorosa, pois o principal para a Administração Pública é que o profissional tenha condições de desempenhar, de forma efetiva, seus trabalhos por ocasião da execução do futuro contrato. Assim, é inútil para ela que os licitantes mantenham profissionais de alta qualificação empregados apenas para participar do certame. Sendo suficiente a existência de contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil comum. Conforme o respectivo entendimento, o Tribunal de Contas da União aduz que o vínculo entre o profissional e o licitante pode ser atestado pela apresentação de contrato de prestação de serviços e não apenas por relação trabalhista direta, via Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), ou mesmo societária, como pode ser observado no seguinte julgado: REPRESENTAÇÃO. MUNICÍPIO DE CÂNDIDO SALES/BA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NO EDITAL DA TOMADA DE PREÇOS 8/2014. CONHECIMENTO. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. EXIGÊNCIAS INDEVIDAS NO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. Já o subitem 10.4.1, por sua vez, elenca os documentos por meio dos quais poderá ser comprovado o vínculo profissional, dentre os quais Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada pela empresa e registro do profissional junto ao respectivo conselho profissional como responsável técnico da licitante. Contudo, já está pacificado neste Tribunal que, a simples prova da existência de contrato de prestação de serviços, regido pela legislação civil comum, firmado entre a licitante e o profissional já seria suficiente para comprovar o vínculo. Nesse sentido, os Acórdãos 2.297/2005, 361/2006, 291/2007, 597/2007, 1.097/2007, 103/2009, 600/2011 e 2.898/2012, todos do Plenário deste Tribunal (TCU, Acordão 374/2015-Plenário, Relator- Weder de Oliveira, Data da sessão: 04 de mar. de 2015). Conforme esse posicionamento, entende-se que a comprovação de vínculo empregatício é ilegal, pois impõe um ônus desnecessário aos concorrentes, na medida em que são obrigados a contratar, ou a manter em seu quadro profissionais apenas para participar da licitação. Destarte, essa exigência impede que a empresa licitante contrate profissional habilitado para prestar serviços sem vínculo empregatício, privilegiando apenas as empresas que possuem responsável técnico em seu quadro permanente de funcionários. Nesse cenário não se admite também a hipótese de contratação de profissionais autônomos para execução do objeto licitado, obrigando o profissional a manter vínculo permanente com a empresa. Nessa situação, tal exigência desrespeita tanto o princípio da isonomia quanto do interesse público e configura restrição indevida ao caráter competitivo da licitação. Além disso, comprovar o vínculo empregatício antes da contratação não garante que o profissional estará na empresa quando da execução do serviço, conforme o julgado a seguir: REPRESENTAÇÃO. MUNICÍPIO DE CÂNDIDO SALES/BA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NO EDITAL DA TOMADA DE PREÇOS 8/2014. CONHECIMENTO. ADOÇÃO DE MEDIDA CAUTELAR. EXIGÊNCIAS INDEVIDAS NO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. PROCEDÊNCIA DA REPRESENTAÇÃO. (…) Vale assinalar que o fato de um profissional, na data da entrega dos envelopes, pertencer ao quadro permanente da empresa licitante não assegura que esse profissional estará na empresa durante a execução da obra ou do serviço a ser contratado, uma vez que poderá ocorrer o seu desligamento após esse momento (TCU, Acórdão nº 373/2015 – Plenário, Relator: Weder de Oliveira, Data da sessão: 04 de mar. de 2015). Defende-se que é possível demonstrar a vinculação entre o profissional e a empresa através de contrato de trabalho, conforme parece ser mais adequado à realidade econômica atual. Nesse sentido, demonstra-se que exigir das empresas que elas mantenham profissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para participar da licitação, seja irrazoável, visto que existe outras alternativas menos rigorosas de comprovação. Podendo levar o certame a ser anulado, como ocorreu no entendimento abaixo: REPRESENTAÇÃO FORMULADA EMPRESA SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE TRÂNSITO LTDA., COM FUNDAMENTO NO ARTIGO 113 DA LEI Nº 8.666/93. TOMADA DE PREÇOS. CONTRATAÇÃO DE EMPRESA ESPECIALIZADA PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE MANUTENÇÃO DE SISTEMAS DE CIRCUITO FECHADO DE TV. POSSÍVEL IRREGULARIDADE CONSTANTE DO EDITAL.  SUSPENSÃO DO CERTAME. RESTRIÇÃO À COMPETITIVIDADE. ANULAÇÃO DO CERTAME. VOTO (…) 12. Assim, se o profissional assume os deveres de desempenhar suas atividades de modo a assegurar a execução satisfatória do objeto licitado, o correto é entender que os requisitos de qualificação profissional foram atendidos. Não se pode conceber que as empresas licitantes sejam obrigadas a manter profissionais de alta qualificação, sob vínculo empregatício, apenas para participar da licitação, pois a interpretação ampliativa e rigorosa […]. Nesse sentido, entendo que seria suficiente, segundo alega a representante, a comprovação da existência de um contrato de prestação de serviços, sem vínculo trabalhista e regido pela legislação civil comum. […] fixar, com fundamento no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal e no art. 45 da Lei nº 8.443/1992 c/c o art. 251 do Regimento Interno do TCU, o prazo de 15 (quinze) dias para que a Gerência Regional de Logística do Banco do Brasil, Unidade de Campinas/SP, adote as providências necessárias à anulação do processo licitatório relativo à Tomada de Preços nº 2005/1909/1149-SL (TCU, AC-2297-49/05-P, Acordão: 2297/2005. Relator: Benjamin Zymler, Data da sessão: 13 de dez. de 2005). Outro item verificado comumente nos editais é a exigência do “visto” em registro do CREA (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) da cidade sede da licitação para as empresas sediadas em outras localidades. O exercício profissional em outros estados da União é permitido através desse “visto”, conforme o art. 58 da Lei n° 5.194/66 “se o profissional, firma ou organização, registrado em qualquer Conselho Regional, exercer atividade em outra Região, ficará obrigado a visar, nela, o seu registro”. Quanto à licitação, o art. 30 da Lei nº 8.666/93 estabelece que pode ser exigida documentação relativa à qualificação técnica no que diz respeito ao registro ou inscrição na entidade profissional competente, bem como comprovação de aptidão de atividade pertinente, etc. Logo, a lei permite que o registro do CREA seja admitido como exigência no edital, mas o legislador foi silente quanto ao “visto”. O Tribunal de Contas da União afirma que o referido “visto” do Conselho da região onde o serviço será prestado só poderá ser exigido no início da execução contratual e não para mera participação no certame, conforme a seguinte decisão: REPRESENTAÇÃO. OBRAS DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO INCLUÍDAS NO PAC 2. RESTRIÇÃO AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. REQUISITOS DE HABILITAÇÃO TÉCNICA E ECONÔMICA DESNECESSÁRIOS. VOTO (…) 5.3 No caso de licitações para contratação de empresa para execução de obras públicas, deve ser exigido registro no CREA ou no CAU, por serem esses Conselhos os competentes para fiscalização das atividades relacionadas a engenharia, arquitetura e urbanismo e execução de obras nos termos da art. 1º da Lei nº 6.839/1980, c/c art. 26 da Lei nº 5.194/66 e Lei nº 12.378/2010. 5.4 Não há óbice à exigência de certidão de quitação junto ao CREA para fins de habilitação em licitações de obras públicas, por haver lei específica (Lei nº 5.194/1966) estabelecendo tal exigência. 5.5 Entretanto, para fins de habilitação, a exigência de visto do CREA/CAU local é irregular. (grifou-se). O instante apropriado para atendimento de tal requisito é o momento de início do exercício da atividade, que se dá com a contratação, e não na fase de habilitação, sob pena de comprometimento da competitividade do certame (TCU, TC 008.699/2012-7, Relator: Marcos Bemquerer Costa, Data da sessão: 03 de abril de 2013) Esse entendimento tem como fundamento o princípio constitucional da universalidade de participação em licitações, a fim de garantir a seleção de proposta mais vantajosa para Administração, vedando cláusulas desnecessárias que restrinjam o caráter competitivo do certame. Ademais, observou-se que no momento da habilitação o licitante tem mera pretensão de contratar com a Administração, sendo assim, não há que se falar em “visto” do CREA local. Essa obrigação somente será exigível do interessado que for vencedor, quando da assinatura do contrato, em que passa a ser certa a execução do objeto. Conforme se verifica no julgado do Tribunal de Contas da União: REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. SERVIÇOS DE CONSERVAÇÃO E MANUTENÇÃO DE PRÉDIOS, EQUIPAMENTOS E INSTALAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULAS RESTRITIVAS DA COMPETITIVIDADE. 1 – Quando os serviços de manutenção de prédios, equipamentos e instalações a serem prestados envolverem o uso de técnicas de engenharia civil e elétrica, o registro profissional a ser exigido dos licitantes deve ser no CREA. 2 – A exigência, para licitante de outro Estado, de visto do registro profissional pelo CREA local aplica-se apenas ao vencedor da licitação. 3 – É regular a exigência, como requisito de habilitação em licitação, de quitação de obrigações junto ao CREA. VOTO (…) 14. Tem razão a autora ao considerar que é aplicável apenas ao vencedor do certame a exigência, para licitantes de outro Estado, de visto de registro profissional pelo conselho local, já que se trata de requisito essencial para desenvolvimento regular das atividades, nos termos do art. 69 da Lei 5194/1996, que regula o exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e engenheiro agrônomo. Não seria correto aplicá-la a todos os participantes, o que representaria um ônus desnecessário e que poderia restringir a competitividade da licitação (grifou-se). (TCU, Acordão 1908/2008-Plenario. Relator: Aroldo Cedraz. Data da sessão: 03 de set. de 2008) Ademais, essa exigência pode restringir tanto o caráter competitivo que o Tribunal de Contas pode entender pela necessária medida de anulação do certame, conforme verifica-se a seguir: REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TÉCNICOS PROFISSIONAIS RELATIVOS À ELABORAÇÃO DE PROJETOS DE FUNDAÇÕES E ESTRUTURA, ARQUITETURA, ACÚSTICA, SONORIZAÇÃO, LUMINOTÉCNICA, CENOTÉCNICA, PAISAGISMO, PAVIMENTAÇÃO, SISTEMA VIÁRIO E INSTALAÇÕES PREDIAIS. CONHECIMENTO. OITIVA PRÉVIA.  PROCEDÊNCIA. DETERMINAÇÃO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME. CIÊNCIA. […] Em relação à exigência de visto no Crea/DF para empresas registradas em conselho de outra região, comungo do exame empreendido pela unidade instrutiva, no sentido de que tal exigência não se mostra consentânea com a jurisprudência deste Tribunal, limitando de forma desnecessária a competitividade nas licitações públicas. […] (grifou-se). […] com fulcro no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, c/c o art. 45 da Lei nº 8.443/1992 e o art. 251 do Regimento Interno, assinar o prazo de 15 (quinze) dias para que o FUB/Ceplan adote as medidas necessárias à anulação da Concorrência 175/2012 (TCU, Acordão nº 2239/12 -Plenário, Relator: Ministro José Jorge, Data da sessão: 22 de ago. de 2012, grifou-se). Desse modo, percebe-se que essa exigência não encontra respaldo nas normas contidas na Lei nº 8.666/93, tampouco no entendimento do Tribunal de Contas da União. Então, pode-se concluir que os requisitos citados nesse capítulo são abusivos, pois tem o condão de restringir o caráter competitivo da licitação, maculando o certame. Sendo assim, não devem ser utilizados pela Administração Pública em seus certames licitatórios.   3 ANULAÇÃO DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO E A POSSÍVEL RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Constatando irregularidades na licitação, como as descritas no capítulo anterior, pode ocorrer a anulação se o ato restringir a competição frustrando a licitação. A anulação pode ser decidida quando o procedimento licitatório possuir vício de legalidade, se inobservadas as regras contidas nos editais ou desrespeitar os postulados normativos. Pode ainda ser decretada pela própria Administração (art. 49 da Lei nº 8.666/93) conforme demonstrado que o vício presente no processo é insanável e há lesividade ao erário. A teor do art. 49 estabelece que a anulação não gera obrigação de indenizar, salvo o que já tiver sido executado até o respectivo momento e outros prejuízos devidamente comprovados, desde que não seja responsável pela causa da invalidação. Desse modo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem entendido, quando diz respeito a anulação, que a Administração não deve indenização aos participantes, consoante o julgado a seguir: ADMINISTRATIVO- LICITAÇÃO- REVOGAÇÃO APOS ADJUDICAÇÃO. (…) VOTO “3. Na anulação não há direito algum para o ganhador da licitação; na revogação, diferentemente, pode ser a Administração condenada a ressarcir o primeiro colocado pelas despesas realizadas.” (STJ, MS n° 12.047/DF, Rel: Min. Eliana Calmon, data de julgamento: 28.03.2007-1ª Seção, DJ de 16.04.2007) Caso a anulação ocorra depois de já escolhido o vencedor, a indenização só acobertará tão somente o que houver sido gasto. É o que se extrai da 4ª edição da Revista sobre Orientações e Jurisprudência do Tribunal de Contas da União acerca da licitação e contratos (2010, p. 546), que prevê a “nulidade do contrato não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados” Eis aqui um problema, pois aqueles que não venceram o certame por causa dos vícios, que posteriormente foram reconhecidos como ilegais, ficam desamparados, sem receber qualquer compensação. Ora, a própria Administração ao anular a licitação afirma que houve irregularidades que eivaram o procedimento de ilegalidade, ou seja, que transgrediram normas e princípios jurídicos. Então não seria razoável que os participantes se submetessem a gravames patrimoniais decorrentes de ato administrativo irregular. Resta lembrar que os atos administrativos tem presunção de legitimidade, logo os participantes, salvo se demonstrado conluio com a Administração Pública, agiram em conformidade com os requisitos elencados no edital. Celso Bandeira de Mello (2014, p. 616) considera que “é óbvio que o art. 37, § 6º, da Constituição enseja responsabilização ainda com maior amplitude”. Considerando a possibilidade de aplicar-se a responsabilidade civil no âmbito da licitação. Logo, a responsabilidade estatal perante as anulações por vícios seriam benéficas para a sociedade, visto que obrigaria a Administração a agir com seriedade ao invés de utilizar a licitação de forma fraudulenta como faz com muita frequência. O dever de indenizar os participantes que de algum modo foram prejudicados serve como advertência para que os próximos certames fossem realizados conforme a lei. Ressalta, Celso Bandeira de Mello (2014, p. 618), “têm aplicação se os licitantes estavam de boa-fé e não concorreram para o vício propiciatório da invalidação”. Nessa perspectiva Marçal Justen Filho (2012, p.785) afirma que “a prática de atos viciados produz a responsabilidade civil do Estado”. Além disso considera que inconstitucional a restrição contida no art. 49, §1°, uma vez que só haveria responsabilidade civil do Estado no caso do anulação da licitação após executado o contrato, ou seja, só perante o vencedor. Essa limitação ofende o disposto no art. 37, § 6º, da CF/88, que possui contornos amplos. No momento em que a própria Administração atua mal, eivando seus atos administrativos de ilegalidade, já se configuram os pressupostos da responsabilização civil do Estado. Ademais, “a indenização dependerá da existência de dano cuja concretização seja causalmente derivada da ação do Estado” (JUSTEN FILHO, 2012, p. 786). É comum a Administração promover, a anulação da licitação e silenciar acerca da indenização. Porém, se a Administração tem o dever de anular seus atos inválidos, também tem o dever de indenizar as perdas e danos deles derivados (JUSTEN FILHO, 2012, p. 786). O que não se pode admitir é que a Administração reconheça a irregularidade, anule o procedimento licitatório e imponha aos particulares arcar com todas as despesas e investimentos que efetivaram para participar dos atos até então verificados. Para Marçal Justen Filho (2012, p. 786) inclusive “são indenizáveis os danos emergentes e os lucros cessantes. Quanto a isso, aplicam-se os princípios já desenvolvidos no direito comum. Exige-se a indenização ampla e completa, o que não significa, provocar enriquecimento ao interessado”. Portanto, esses autores acreditam ser possível e indispensável a responsabilidade estatal diante de irregularidade na licitação que configura na anulação do certame. Ensejando, assim, indenização para os participantes que foram prejudicados diante das exigências desnecessárias com função meramente de restringir a competição entre os licitantes.   CONCLUSÃO Como indicado no início do trabalho, foi objetivado analisar por meio de decisões do Tribunal de Contas da União e doutrinas a respeito das exigências consideradas abusivas na fase de habilitação que ocasionam na anulação do procedimento licitatório a fim de verificar a possível responsabilidade estatal em sua decorrência. No decorrer da pesquisa utilizou-se o método dedutivo, além da pesquisa jurisprudencial, bibliográfica e doutrinária que serviram de base para comprovar os questionamentos levantados nos capítulos anteriores. Para tanto, foi exposto no primeiro capítulo sobre o regime jurídico da licitação, realizando considerações sobre os princípios norteadores do certame, que estabelecem o que deve ser cumprido pelo agente administrativo. Ademais, verificou-se que o dever de licitar advém de um dos princípios basilares da Administração Pública, qual seja, a indisponibilidade do interesse público. Esse instrumento tem como um dos principais objetivos garantir a isonomia perante os participantes, assim como visa assegurar a proposta mais vantajosa para Administração Pública, considerando sempre o interesse da sociedade. Já o segundo capítulo discorre sobre a habilitação, que é uma das fases da licitação utilizada para que as empresas comprovem ter aptidão para cumprir o objeto da licitação. Os artigos 27 a 31 da Lei nº 8.666/93 determinam vários requisitos que podem ser exigidos no edital para tal comprovação. Assim, os interessados que apresentarem todas as documentações necessárias serão considerados aptos na fase de habilitação e passarão para a fase seguinte. Nesse contexto, embora a Administração Pública seja pautada na estrita legalidade, é importante ressaltar que a lei afigura-se incapaz de abarcar todas as condutas do agente administrativo. Por esse motivo, compete à autoridade competente utilizar-se da discricionariedade na avaliação dos requisitos legalmente impostos. A Administração além de escolher quais são os bens e serviços que ela necessita, decide também quais exigências serão feitas no edital para que os interessados sejam considerados aptos a executar a atividade objeto da licitação. É nessa prerrogativa de valoração que se situa o poder discricionário. Apesar da importância do poder discricionário, há situações em que os gestores extrapolam o limite da razoabilidade. Pode-se verificar quando se utilizam das exigências para habilitação de modo a beneficiar interesses próprios ou de terceiros, ferindo o princípio da indisponibilidade do interesse público, bem como a moralidade da Administração Pública. Na prática, muitos requisitos são impostos de modo arbitrário, que prejudicam a competitividade da licitação, pois muitos interessados são eliminados por não conseguirem atender às exigências estabelecidas. Uma vez que se está a tratar do patrimônio público, a Administração Pública tem o dever de prestar contas e ser fiscalizada pelos órgãos que possuem competência para tanto. Desse modo, as decisões do Tribunal de Contas demonstram que os administradores fazem exigências de capacidade técnica e econômico-financeira de forma ilegal, desrespeitando o princípio da isonomia, e consequentemente restringindo a competitividade. Nesse contexto, fez-se necessário averiguar quais as exigências são consideradas excessivas, e por vezes, ilegais. Assim, o entendimento demonstra que os requisitos arbitrários tem o condão de ferir a competitividade e a isonomia entre os interessados, restringindo o caráter competitivo do certame. Verificou-se que alguns requisitos ocorrem reiteradamente ao longo dos anos concernentes aos seguintes tópicos: a exigência de comprovação de vínculo empregatício do responsável técnico com a empresa licitante e do “visto” no CREA do local da licitação para empresas registradas no Conselho de outra região. Conforme analisado, essas impropriedades acimas enumeradas restringem em demasia a competitividade do certame e, às vezes, são utilizadas para direcionar a escolha da proposta a uma empresa específica. Nesse contexto, o Tribunal de Contas demonstra sua importância, pois é órgão responsável por fiscalizar os certames licitatórios e impor limites a determinadas exigências que são consideradas ilegais. Com efeito, as falhas constatadas são consideradas graves pelo Tribunal de Contas na medida em que possuem potencial restritivo à competitividade e prejudicam a obtenção de proposta mais vantajosa para a Administração, em desacordo com o artigo 3º, I, § 1º da Lei nº 8.666/93. O Tribunal de Contas, em suas decisões, determina limites para que os gestores não transformem as exigências de qualificação técnica e econômica em oportunidade para garantir o interesse próprio ou de outrem. Até porque em grande parte das licitações se verifica que apenas uma empresa concorreu ao certame, o que evidencia o direcionamento da escolha. Nesse ínterim, ao analisar as decisões do Tribunal de Contas, averiguou-se que para resguardar os interesses da Administração Pública as exigências devem se apresentar de forma a assegurar uma garantia mínima suficiente para que os participantes demonstrem capacidade de cumprir as obrigações contratuais. Diante disso, o terceiro capítulo trata sobre os requisitos arbitrários que ocorrem na licitação que podem ensejar a anulação de procedimento, desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa. Isso ocorre porque as irregularidades configuram ato de gestão antieconômico ou ocasionam danos ao erário, sendo considerados ilegais. Discutiu-se também se há a responsabilidade civil do Estado perante os participantes que foram prejudicados e não conseguiram participar ou foram eliminados por conta de tais exigências. Verificou-se que há posição doutrinária a favor da responsabilização, mas que infelizmente a jurisprudência ainda não vem acatando tal entendimento, aplicando a literalidade do art. 49 da Lei 8.666/93. Ressalta-se que a responsabilidade civil do Estado deve ser vista de forma ampla, conforme art. 37 da Constituição Federal. Sendo indispensável a discussão de temas como, o quantum indenizatório, quem serão os legitimados a receber o determinado valor, o que deve ser ponderado para que haja a responsabilidade e assim por diante. Resta citar que a responsabilização serve como advertência para que as entidades evitem condutas fraudulentas e honre com seus compromissos contratuais. É essencial ocorrer a responsabilização para que o Poder Público recupere sua credibilidade diante de um cenário de crise econômica e corrupção em que se vive. Afinal, o processo licitatório visa resguardar princípios basilares do Estado Democrático de Direito, como os já mencionados, princípios da isonomia, impessoalidade, legalidade, moralidade, eficiência. Por fim, entende-se que para construir um Estado de igualdade material é preciso que os atos administrativos sejam legais e dotados de boa-fé, como são expressamente previstos na Constituição Federal.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/os-limites-juridicos-para-a-exigencia-de-requisitos-de-habilitacao-nas-licitacoes-e-a-responsabilidade-estatal/
Gestão Organizacional Dos Gabinetes Dos Desembargadores do Tribunal de Justiça de Roraima na Perspectiva da Meta 1 do CNJ
RESUMO: A prestação jurisdicional é uma das atividades basilares do Estado. O aumento da judicialização dos conflitos no Estado de Direito Brasileiro conclamou a Reforma do Judiciário com a consequente criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2004, que, dentre as suas atividades instituiu nacionalmente, a Meta 1. A partir desse desafio quais ações o Tribunal de Justiça do Estado de Roraima adotou para solucionar o aumento da demanda e a morosidade, especialmente em Segundo Grau de Jurisdição? Desse modo, esta pesquisa teve como objetivo analisar a rotina organizacional, no ano de 2018, nos gabinetes dos desembargadores do TJRR enfatizando o planejamento estratégico como norteador das ações organizacionais a fim de atingir o resultado eficiente. Metodologicamente, esta pesquisa é qualitativa, descritiva de caráter bibliográfica e documental. A partir da meta 1 do CNJ a realidade institucional do Tribunal de Justiça de Roraima ganhou nova forma incluindo em sua pauta em 2019 o uso da inteligência artificial
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O Conselho Nacional de Justiça institui, anualmente, as metas nacionais a serem observadas pelos Tribunais de Justiça. Dentre elas inclui a Meta 1, que de acordo com o CNJ (2017) consiste em julgar mais processos que os distribuídos. As metas foram criadas como resposta aos reclames da sociedade quanto à morosidade na atividade jurisdicional, dentre eles a necessidade de se observar o princípio da eficiência. José Marcelo Maia Nogueira, Mestre em Administração Pública pela FGV/SP e que atua na Secretaria de Planejamento e Gestão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, afirma que a Justiça no Brasil possui problemas de gestão e de planejamento, necessitando de reformulações para assim oferecer tratamento igualitário aos seus demandantes (NOGUEIRA, 2010). O desempenho do Judiciário depende do modo como a Gestão Administrativa interna operacionaliza recursos pessoais e materiais, Sadek (2004, p. 04), aponta que: “de nada adianta ter mais juízes, mais computadores, mais unidades judiciais, sem uma gestão adequada”. Ou seja, não basta apenas o conhecimento jurídico. É necessário o conhecimento da estrutura organizacional do gabinete de desembargador, os cargos disponíveis com as respectivas atribuições e aplicação dos princípios de gestão para otimização das atividades. Nessa premissa, a presente pesquisa intitulada GESTÃO ORGANIZACIONAL DOS GABINETES DOS DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RORAIMA NA PERSPECTIVA DA META 1 DO CNJ tem como objetivo geral analisar a rotina organizacional, no ano de 2018, nos gabinetes dos desembargadores do TJRR em face da Meta da 1 do CNJ. Para a construção dessa análise foi necessário apresentar a importância da cultura organizacional no âmbito da gestão pública; fazer levantamento da estrutura dos gabinetes dos desembargadores através de legislação, identificando as atribuições dos servidores para compreender a organização do gabinete, e dialogar com a Secretária de Gestão Estratégica para saber como é a atuação do seu setor dentro do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima. Metodologicamente, este trabalho é descritivo, possui caráter bibliográfico e documental, cuja natureza é qualitativa. Foi realizado o levantamento de dados: planeamento estratégico do TJRR, portarias e resoluções. Como referenciais teóricos foram utilizados Chaves (2004), Vasconcellos (2012), Faoro (2001), Fochezatto (2013), Mendes (2012) e outros. Ao descrever as medidas adotadas pelos gabinetes dos desembargadores do TJRR, a fim de compreender a cultura organizacional em face da Meta 1 do CNJ, espera-se contribuir para a reflexão em termos de gestão, eficiência e Poder Judiciário.   De acordo com Behlke (2014) os valores e fundamentos primários que formam a cultura organizacional de uma instituição são estabelecidos no seu nascedouro e adotam, muitas vezes, os anseios que a sociedade nela deposita. É o que se pode observar, por exemplo, quando da criação da Apple e as empresas inovadoras localizadas no Vale do Silício. Esse mesmo parâmetro pode ser adotado quanto às organizações públicas, analisando o momento histórico, geográfico e sociológico da sua criação. Sendo assim, segundo Vasconcellos (2012) é possível revisitar historicamente a Europa dos séculos XVIII e XIX, com o nascimento e estabelecimento da administração pública moderna no continente, notadamente na Alemanha e na França, onde as burocracias consolidaram, a partir do século XIX, esse fenômeno da racionalização, separando os interesses público e privado Nesse aspecto Faoro (2001) cita que quanto à origem das organizações públicas brasileiras, é perceptível a presença do sistema patriarcal advindo desde o período colonial e reforçando seu aspecto paternalista em governos populistas, observa-se ainda com minoração no período de redemocratização, da cultura de um gestor que “cuida” e “provê” de todos os aspectos da instituição. Atua, inclusive, com informalismo, dominação e pouca burocracia, estendendo ao órgão público as suas concepções pessoais de governança e gestão. A manutenção do monopólio de alguns setores econômicos e de serviços mantém a subordinação e dependência como instrumento de manutenção de grupos políticos no poder, segundo Behlke (2014). Para Marini (2005), no Brasil o processo de Reforma do Estado brasileiro, iniciado em 1995, faz parte de um movimento mundial de reforma do setor público que começou na Grã-Bretanha, nas últimas décadas do século XX, e se estendeu para diversos países, chegando à América Latina e ao Brasil nos anos 1990 com inspiração gerencialistas. No intuito de solucionar a crise do Estado Social, foi criado em 1995 o Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – MARE. Segundo o Ministro Bresser Pereira, limitava-se ao Executivo federal. Mesmo assim, o documento formulado pelo MARE, que apresentou as diretrizes políticas para a gestão pública, repercutiu perante o Poder Legislativo nas demais esferas de poder, mas não encontrou apoio do Judiciário. Mesmo não fazendo parte do movimento de reestruturação dos poderes em caráter inicial, o Judiciário passou a ser confrontado pela sociedade, notadamente quanto à demora para entrega da prestação jurisdicional, o que ensejou a sua posterior reforma.   A Constituição de 1988 universalizou, no âmbito nacional, os direitos individuais e sociais sem observar a indispensável reestruturação institucional do Poder Judiciário para se viabilizar o acesso ampliado à justiça, segundo Chaves (2004). Em que pese o benefício conferido à população, para Kinzo (2001) cresceu a demanda judicial. Primeiramente, porque foram estabelecidos direitos e garantias fundamentais não contemplados em Constituições anteriores e, que de sobremaneira, motivou a conscientização dos indivíduos aos próprios direitos no processo de redescoberta da cidadania. Sobre esse aspecto, afirma Maria D’Alva Kinzo (2001, p. 06), “No que tange à esfera política, a fase inaugurada em 1985 foi de intensificação da democratização. Os sinais mais importantes foram a instituição de condições livres de participação e contestação (com a revogação de todas as medidas que limitavam o direito de voto e de organização política) e, acima de tudo, a refundação da estrutura constitucional brasileira com a promulgação de uma nova Constituição em 1988. A elaboração da Constituição de 1988, vale lembrar, foi ilustrativa da complexidade que cercou o processo de democratização brasileiro. Do início ao fim, o processo envolveu um embate entre os mais variados grupos, cada um tentando aumentar ou restringir os limites do arranjo social, econômico e político a ser estabelecido”. Ou seja, a Constituição de 1988 representou um palco de conflitos que perdura até os dias atuais onde os direitos reconhecidos para uns passam a limitar o direito do outro, haja vista o momento pós-regime militar. Para Kinzo (2001) o clima de conflitos, interesses e demandas faziam parte da fase em transição, pois a sociedade estava dividida politicamente, no entanto, a Assembleia Constituinte apesar de ter sido criticada na época por sua natureza congressual, foi certamente a experiência mais democrática na história constitucional brasileira. Nunca na história do Brasil houve participação popular na elaboração de um texto constitucional. Sendo assim o produto representou um avanço tanto é que passou ser reconhecida como Constituição cidadã. Segundo Kinzo (2001, p. 07) a concepção de democracia representativa pôde ser vislumbrada a partir da democracia direta, como o plebiscito, o referendo e o direito da população de proposição de projeto de lei. Além disso, “desconcentrou-se o poder em consequência do fortalecimento do poder do Legislativo, do Judiciário e dos níveis subnacionais de governo, bem como da total liberdade de organização partidária. Do âmbito social […] direitos trabalhistas, bem como nos padrões de proteção social sob um modelo mais igualitário e universalista […] também foi inovadora em relação às minorias, com a introdução de penalidades rigorosas para discriminações contra mulheres e negros”. Se antes a atividade jurisdicional era rotulada como lenta e, por vezes, tardia, com o aumento da protocolização de ações a partir do novo texto constitucional, sem o correspondente aumento de servidores e magistrados, e disponibilização de mecanismos físicos e tecnológicos, a morosidade tornou-se ainda mais resistente segundo Chaves (2004). Nogueira e Pacheco (2016) destacam que a estrutura administrativa do Estado Brasileiro não estava preparado com o cenário e o expressivo aumento da procura pelos serviços judiciais foi reflexo o que pôde potencializar para a crise institucional e de gestão na qual ingressa o Poder Judiciário pós 1988. Outras manifestações dessa crise incluem fatores de natureza processual, estrutural e de gestão: número excessivo de recursos processuais, excesso de formalismo procedimental, abundância de leis, difícil acesso ao Judiciário por vários setores da população, número insuficiente de magistrados e servidores, pouca informatização das unidades judiciais, falta de planejamento estratégico, deficiência no controle administrativo, dificuldade de integração com outras instituições judiciais e operacionais, como Ministério Público, Defensoria Pública e Polícia, dentre outros. De fato, sobre a gestão administrativa do Poder Judiciário, antes da Reforma, de acordo com Tessler (2007) não havia por parte dos administradores públicos do Judiciário muita preocupação com os aspectos operacionais, pois a preocupação maior se concentrava na matéria jurídica. Os magistrados e servidores, uma vez empossados, assumiam suas atividades sem qualquer preparação para gerir institucionalmente, tendo como base apenas sua experiência anterior somente de carreira jurídica, não necessariamente administrativa. No que se refere ao planejamento de atividades, tal como hoje é feito, não havia preocupação maior com a questão ou, pelo menos, nada era transmitido aos magistrados e servidores. Sabe-se que não havia programas de qualidade para melhoria e fortalecimento do corpo funcional. Os servidores nos primórdios da Justiça Federal eram requisitados ou cedidos por outros órgãos, e alguma providência na linha debatida não passava de iniciativa isolada de alguma chefia. No entanto, o conhecimento jurídico não era suficiente para garantir a efetiva e célere prestação da Justiça. O adágio acerca da inexistência de Justiça quando feita tardiamente, cobrou a modificação estrutural da atividade judicante. A Reforma do Poder Judiciário, consolidada com a Emenda Constitucional nº 45/2004, de acordo com Nogueira (2011) fixou diversas mudanças no Poder Judiciário brasileiro, enquanto instituição. Dentre elas, a criação do Conselho Nacional de Justiça, com a atribuição de sobre ele exercer o controle administrativo, ético-disciplinar, financeiro e orçamentário. Desde que foi instituído em 2003, o relatório Justiça em Números, confeccionado anualmente pelo CNJ, evidencia que a quantidade de processos pendentes no Judiciário tem aumentado. No relatório Justiça em Números do final de 2018, o acervo total de processos pendentes totalizava 79.440.242. Desse relatório também se depreende que a quantidade de processos baixados não tem sido suficiente para fazer contrapartida à quantidade de novos processos ajuizados. Como corolário desse cenário, acentua-se proporcionalmente a sobrecarga de trabalho de servidores e magistrados. Com o intuito de atender aos reclames sociais e modificar essa realidade, várias medidas foram tomadas pelo Conselho Nacional de Justiça. Em especial, o estabelecimento, iniciado em 2009, da Meta 1, correspondente a “julgar mais processos que os distribuídos”. No entanto, estabelecer a meta de julgamento não à torna, por si só, alcançável. Para atendê-la, verificou-se a necessidade de utilização dos mecanismos e gestão administrativa, inicialmente adstritos às entidades privadas, para organizar a atividade jurisdicional para esse fim. Analisando esse cenário, pontuou Campos (2012, p.04) “um exemplo desse aprimoramento é a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um sistema integrado de gestão dos tribunais que permite maior transparência ao Judiciário brasileiro. Para que tais iniciativas sejam eficazes, são necessárias ações coordenadas de planejamento, criação de metas e acompanhamento e monitoramento de resultados. Com essa fórmula pode-se avaliar, historicamente, onde é preciso inovar e em quem podemos nos espelhar para conseguir mais celeridade nos processos e nos resultados das decisões”. No mesmo evento, destacou o Ministro Gilmar Mendes (2012, p. 18): “Em relação à administração judiciária, o Brasil iniciou, a partir da Constituição de 1988, um modelo que enfatizou fortemente a autonomia do Judiciário. Mas com cerca de dez anos de prática verificou-se que talvez houvesse problemas que precisavam ser corrigidos. A ideia da autonomia administrativa e financeira do Judiciário foi fortemente enfatizada e garantida no texto constitucional. Porém, não raras vezes detectaram-se alguns desvios no exercício dessa autonomia. E assim, já em 1994, passados pouco mais de cinco anos da promulgação da Constituição de 1988, recomendavam-se revisões e até a criação de um órgão de controle para essas áreas. Essa proposta se consolidou apenas com a Emenda Constitucional no 45, de 2004. No ano seguinte foi instalado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, desde então, vem exercendo suas atividades.  Mas não são poucos os membros do próprio Poder Judiciário que o criticam por acreditar que ele interfere, ainda que em atividades administrativas ou financeiras, na autonomia tradicional do Judiciário.  O CNJ é composto por 15 membros com mandato de dois anos suscetível de uma renovação. Entre seus integrantes há indivíduos dos tribunais e do Ministério Público (MP), representantes da sociedade escolhidos pelo Congresso Nacional e indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Seu presidente é o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), portanto, a mais alta autoridade do Judiciário. O Conselho trata apenas de questões administrativas e financeiras e busca, tanto quanto possível, harmonizar as ações do Judiciário e a boa alocação dos recursos. Subsidiariamente, também afere a Justiça na aplicação de medidas disciplinares administrativas por parte dos tribunais em relação aos juízes. Desde 2005, o CNJ tem-se dedicado a fazer uma avaliação do trabalho exercido pelo Judiciário. E para que se compreenda o significado da atividade judicial no Brasil, é válido ressaltar que o país tem um grande patrimônio institucional que é a crença no Poder Judiciário. Havendo conflito, as pessoas vão à Justiça”. Diagnosticado o cenário e estabelecido aonde se quer chegar, desafios outros emergem, como concluiu Vasconcellos (2012, p. 24) “E como engajar pessoas em sistemas de controle de qualidade? Em seguida, é preciso examinar a evolução dos formatos organizacionais. Como é que organizações hierárquicas tradicionais podem evoluir para outras formas como as matriciais, onde uma pessoa tem mais de um chefe ou responde a mais de um centro de autoridade, ou as adocratas, que se reconfiguram permanentemente?”   Sobre a estrutura organizacional do Judiciário, impactada pelo aumento da demanda, Lima; Fraga e Oliveira (2016, p. 898), pontuam que “O Poder Judiciário pode ser identificado como uma configuração organizacional de burocracia profissional. Numa estrutura organizacional de burocracia profissional, o núcleo operacional é formado pelos membros que executam o trabalho essencial para a organização — os operadores. Esses operadores são especialistas treinados, que possuem autonomia e controle sobre seu trabalho […]”. Vieira e Pinheiro (2008) acrescentam que no caso do Poder Judiciário, os juízes são também reconhecidos como operadores profissionais, pois eles possuem capacidade técnica e autonomia no exercício das suas funções de aplicação da jurisdição. Os demais servidores como é o caso do escrivão, subescrivão, escrevente, oficial de justiça, assessores e estagiários compõem as assessorias de apoio, formadas pelos cartórios judiciais que dão suporte à atividade exercida pelo magistrado. Cria-se, assim, uma grande estrutura de apoio ao operador que centraliza todo o poder e exige que o magistrado exerça, também, as funções de administrador. Para fazer frente a esse desafio, no caso do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, especialmente quanto aos gabinetes de desembargadores, há dez gabinetes, cujos titulares são os Desembargadores Mozarildo Cavalcanti (Presidente), Ricardo Oliveira (Vice-Presidente), Almiro Padilha (Corregedor-Geral de Justiça), Jésus do Nascimento (Ouvidor-Geral de Justiça), Cristóvão Suter (Diretor da Escola do Judiciário de Roraima), Tânia Vasconcelos, Elaine Bianchi, Leonardo Cupello, Jefferson Fernandes e Mauro Campello[1]. Quanto aos servidores que os auxiliam, responsáveis pelas atribuições administrativas, estão disponíveis, de acordo com a Resolução Tribunal Pleno, nº 70/2016, e suas alterações, um Chefe de Gabinete, Oficial de Gabinete e Assistente de Gabinete, que possuem as seguintes funções, respectivamente: Gerenciar e operacionalizar toda atividade administrativa do Gabinete; Auxiliar o Desembargador na organização de seus compromissos, controlando sua agenda, horários, subsidiando-o com informações necessárias, facilitando o cumprimento de suas atribuições; Recepcionar e atender os servidores, magistrados, partes, advogados e público em geral que comparecerem à unidade; Coordenar e controlar a movimentação processual do Gabinete, dando o andamento correspondente nos sistemas judiciais e administrativos; Analisar preliminarmente as demandas remetidas ao Gabinete, observar os prazos, dar o encaminhamento correspondente ou minutar despachos nos procedimentos judiciais e administrativos; Acompanhar a estatística dos processos distribuído para o Gabinete e sua performance no alcance das metas nacionais e institucionais, tomando as providencias cabíveis em relação aos processos paralisados ou com carga; Manter organizados e atualizados os arquivos da unidade; Coordenar e acompanhar as publicações no Diário da Justiça Eletrônico; Fomentar a racionalização nas atividades do Gabinete com vistas à diminuição dos custos operacionais; Solicitar material de consumo e permanente necessários às atividades, controlando sua movimentação por meio dos respectivos registros; Zelar pela guarda e conservação de todo material da unidade, evitando a formação de pequenos estoques, recolhendo e devolvendo bens de consumo e permanentes que não estiverem sendo utilizados; Participar das atividades referentes aos inventários realizados na unidade, sempre que solicitado; Solicitar ao setor competente eventuais reparos de infraestrutura; Coordenar as atividades dos estagiários lotados no Gabinete; Desempenhar as atribuições decorrentes de delegação superior. A partir da descrição acima prevista na Resolução Tribunal Pleno, nº 70/2016 é possível ajuizar a relevância do chefe de gabinete de um desembargador do TJRR, pode-se aferir que a dinâmica organizacional dos gabinetes dos desembargadores é responsabilidade do cargo acima citado, direcionando e alinhando as atividades cotidianas observando e respeitando prazos, solicitações, demandas, sobretudo eficiência. Ainda nesta resolução consta descrição das demais funções, vejamos: Auxiliar no controle de movimentação processual do Gabinete, dando o andamento correspondente nos sistemas judiciais e administrativos; Zelar pela conformidade e agilidade nas atividades processuais acompanhando-os em suas etapas, objetivando a redução contínua do acervo; Assistir partes, advogados e público em geral quando designado pelo superior hierárquico; Analisar as demandas para as quais for designado, observar os prazos, dar o encaminhamento correspondente ou minutar despachos nos procedimentos judiciais e administrativos; Auxiliar no acompanhamento da estatística dos processos distribuídos para o Gabinete e sua performance no alcance das metas nacionais e institucionais; Verificar a conformidade dos autos para o envio para as sessões ou audiências, fazendo as adequações necessárias; Realizar pesquisas de jurisprudência, doutrina e legislação para subsidiar juridicamente a unidade de lotação; Garantir a correta alimentação dos sistemas utilizados na Secretaria de modo a resguardar a correção dos dados e relatórios gerenciais; Minutar despachos e decisões nos processos para apreciação das unidades competentes. 15.ASSISTENTE DE GABINETE Executar e prestar apoio às atividades técnico-jurídicas exercidas nos gabinetes dos Desembargadores; Atender às necessidades de recebimento, entrega de documentos, mandados e outros expedientes; Desempenhar outras atribuições decorrentes de delegação superior (Resolução Tribunal Pleno, nº 70/2016). Além da parte administrativa, o gabinete conta com três Assessores Jurídicos, que desempenham a função de prestar todo suporte jurídico à unidade viabilizando soluções em consonância com os objetivos institucionais, direcionar o Poder Judiciário na solução de suas demandas com foco nos resultados, assegurando a legalidade em todas as suas etapas, realizar pesquisas de jurisprudência, doutrina e legislação para subsidiar juridicamente a unidade de lotação, mantendo os registros atualizados das decisões proferidas, disponibilizar para a unidade de Jurisprudência os julgados do gabinete, quando couber, elaborar Projetos de Lei, regulamentos e outros atos da Administração de interesse do Poder Judiciário e acompanhar sua tramitação, prestar suporte jurídico nos processos em que o Poder Judiciário figurar como parte ou for intimado para prestar esclarecimentos ou informações, elaborar pareceres jurídicos em matérias para as quais for designado, indicando as providências cabíveis, minutar despachos e decisões nos processos para apreciação dos respectivos órgãos, encaminhar ao órgão processante respectivo os processos para julgamento e cumprimento de despachos, auxiliar na instrução dos processos de matéria de competência originária do Tribunal de Justiça, classificar autos com prioridade para análise e instrução daqueles cuja legislação garanta preferência de julgamento, quando couber, assegurar a manutenção, uniformização e atualização da jurisprudência do gabinete, resguardando a coerência em matérias semelhantes, acompanhar as metas aplicáveis à unidade definindo objetivos específicos internos em conjunto com a equipe para assegurar seu alcance, contribuir com a metodologia de gestão por processos, participando do aperfeiçoamento dos fluxos no portal simplificar propondo inovações aos procedimentos de trabalho com o objetivo de conferir celeridade aos trâmites processuais (Resolução Tribunal Pleno, nº 70/2016). De acordo com a Secretaria de Planejamento Estratégico do Tribunal de Justiça de Roraima (2019) o corpo administrativo do gabinete do desembargador possui papel importantíssimo do Chefe de Gabinete e o seu afinamento com os assessores jurídicos, pois a função hoje denominada Chefe de Gabinete é essencial, embora o nome esteja obsoleto. A esta função cabe ser assistente do magistrado, atendendo suas necessidades onde as atividades deste assistente são de escolha do mesmo. No TJRR, no 2º Grau alguns Gabinetes atribuíram ao Chefe de Gabinete a responsabilidade de gerenciar as metas. No 1º Grau cabe ao Diretor de Secretaria, também por convenção. A SGE orienta que as Metas devem ser gerenciadas por todos os servidores e magistrados. Pois, o alcance das metas depende diretamente de todos aqueles que realizam a Justiça. O conhecimento que todos (assessores e demais) devem ter para o alcance das metas envolvem missão, visão e valores do TJRR (pra não deixar que as metas se sobressaiam a elas), bem como o CPC; CPP; Leis específicas como: Maria da Penha, Júri e etc; Resolução CNJ 76/2008; Portaria da GAD do ano corrente (estão sempre alinhadas às metas do CNJ); Tabela Processual Unificada; Glossário de metas; Embora não conste do portal do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima normativa oficial acerca da rotina de atuação dos gabinetes de desembargadores para a consecução da Meta 1, fato é que a atuação dos servidores que o compõem tem se mostrado eficaz, ensejando a obtenção consecutiva de selo ouro outorgado pelo Conselho Nacional de Justiça.   Sobre a necessidade de otimização da prestação jurisdicional, diante de fatores internos e externos, Fochezatto (2013, p. 378) afirma que “a escassez de recursos na economia faz com que cada vez mais sejam empreendidos esforços para medir a eficiência nas organizações públicas e privadas. Em relação às possíveis causas da morosidade na prestação de serviços judiciais, há as causas em internas e externas aos tribunais. Entre as causas internas, o autor destaca as questões relacionadas à gestão da unidade jurisdicional, como a organização administrativa, os recursos humanos, os recursos de informática e o espaço físico. Entre as causas externas destaca a cultura da litigiosidade, a legislação processual, o formalismo e as dificuldades orçamentárias.  Em tese, nas causas internas, uma melhoria da eficiência na alocação dos recursos disponíveis poderia impactar positivamente a eficiência dos tribunais, diminuindo o tempo de tramitação dos processos. Nas causas externas, a demora poderia continuar existindo, mesmo em uma situação de eficiência na alocação dos recursos, já que o problema está nas normas e nas rotinas processuais estabelecidas”. Partindo dessa premissa, diversas medidas têm sido adotadas pelas Cortes de Justiça no intuito de otimizar a prestação jurisdicional, dentre as quais podemos destacar os mutirões para acelerar julgamentos, a criação dos juizados, implantação de medidas sustentáveis e de economia de recursos, gestão de pessoas, ouvidorias e a criação contínua de “novos produtos”. Neste contexto da presente pesquisa o foco recai sobre a gestão estratégica e a adoção da inteligência artificial frente a escassez de material humano e a sua necessidade de otimização. De acordo com a Secretaria de Planejamento Estratégico do Tribunal de Justiça de Roraima a Gestão Estratégica praticamente surgiu no âmbito do Poder Judiciário a partir da criação, pelo Conselho Nacional de Justiça, das Metas Nacionais (dentre elas a Meta 1). Embora as referidas metas sejam importantes, elas compõem um item de quarto nível no Planejamento Estratégico do TJRR, “Primeiro vem a Missão Institucional, depois a análise dos cenários, então os objetivos e só aí que entram as metas no processo”. Ou seja, a prestação jurisdicional de qualidade, em consonância com a missão do Tribunal de Justiça, vem em primeiro lugar. Não só a instituição das metas em si, bem como a realização de reuniões e discussões de práticas para alcançá-las é suficiente para a sua consecução. Um ambiente de trabalho psicologicamente saudável, motivado, torna-se primordial. Esse aspecto foi considerado pela Secretária de Gestão Estratégica, que destacou que a busca incansável por desafio é próprio do ser humano. No entanto, a capacidade de lidar com as frustrações é uma habilidade que muitas pessoas não desenvolvem numa sociedade com cada vez menos dificuldades, em que as coisas lhes estão sempre à mão ou por um clique. Para a Secretária de Gestão Estratégica do TJRR, a estratégia vai muito além das Metas e do Plano Estratégico. Trata-se de um modelo de gestão que prioriza o posicionamento institucional, a perspectiva de futuro, o padrão de qualidade e o plano estratégico, por fim. A Secretaria de Gestão Estratégica, que já foi Núcleo de Estatística e Gestão Estratégica – NEGE e Coordenadoria de Estatística e Gestão Estratégica, tem a obrigação de aplicar esse modelo de Gestão com a finalidade de levar a instituição à sua melhor performance. Para isso é necessário lidar com todos os stakeholders (grupos de interesse, grupos envolvidos) do TJRR e garantir a sinergia organizacional, a unicidade frente aos mesmos desafios. Essa lógica da Estratégia difere muito da Cultura Organizacional típica do Judiciário. É próprio do direito tratar do interesse de apenas uma das partes ou do que está expresso na letra da Lei. É próprio da Justiça dizer quem está certo ou errado (sendo bem generalista, claro, apenas para efeitos didáticos). Já a estratégia não tem certo e errado. Tem análise, foco e ação. São estruturas distintas. Logo, a estratégia em todo o judiciário nacional, até mesmo no CNJ encontra dificuldades. A compreensão dessa diferença estrutural do conhecimento é o maior desafio. E os números ajudam bastante, pois o ranking chama a atenção dos magistrados e a porta de entrada para a estratégia poder atuar. É assim que o CNJ atua. No TJRR as ferramentas utilizadas de enfrentamento desse desafio são os encontros periódicos, as conversas de alinhamento, o simplificar, a gratificação de produtividade, o portal da estratégia e o Plano Estratégico construído de modo participativo. Essa percepção foi acolhida pela Escola do Judiciário do Tribunal de Justiça de Roraima, que oferece aos seus servidores cursos e práticas tanto na área de gestão de acervo de gabinete e qualificação de assessores no âmbito jurídico, como também na qualidade de vida, como cursos de meditação, minimalismo e educação financeira. O Tribunal de Justiça de Roraima também oferece atividade física, em seus prédios administrativos, e firmou convênios na área de saúde (academia, plano de saúde, odontológico, estúdio de yoga), da feita que está consciente de que servidores em bom estado de saúde, dentro do conceito holístico da palavra, são mais felizes e produtivos. Alinhado ao objetivo estabelecido – cumprimento da Meta 1 – e à oferta de qualificação e meios para a sua consecução, um novo instrumento foi adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Roraima: a inteligência artificial. Não é recente o engajamento do Tribunal de Justiça do Estado de Roraima à tecnologia, como ocorreu com a implantação do Projudi (processo judicial eletrônico), com pioneirismo no Segundo Grau de Jurisdição, implantada na gestão presidencial do TJRR passada. Um passo adiante foi dado com a adoção da inteligência artificial, que contou com a sua apresentação à sociedade roraimense no evento “Justiça 4.0 – Inteligência Artificial e Soluções Tecnológicas do Poder Judiciário de Roraima, em 17 de setembro de 2019. A importância da inteligência artificial para o cumprimento da Meta 1 não escapou à percepção da Secretária de Gestão Estratégica do TJRR, que concluiu que a inteligência artificial busca automatizar ações repetitivas e previsíveis dos processos. Pode ajudar a meta 1 ao encurtar o tempo do processo, agilizar a expedição de mandados, o cumprimento de diligências, a transcrição de audiências, a própria realização de audiências com as vide audiências.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Desde a instituição do Poder Judiciário na tripartição do funcionalismo público no Brasil, traçando-se uma visão global desde o seu nascedouro até os dias atuais, vislumbra-se que muito foi feito e que há, ainda mais, a sê-lo. As críticas sociais sempre conclamam por mais e de certo melhorias. Delas se despindo do caráter negativo, há uma perspectiva motivacional positiva, da feita que sempre há o que se melhorar. Essa abordagem é adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, notadamente na prestação jurisdicional de segundo grau, objeto de estudo do presente artigo. Mesmo contando com um quantitativo mínimo de seis servidores, um Chefe de Gabinete, um Oficial de Gabinete, um Assistente de Gabinete e três Assessores Jurídicos, em dez gabinetes de desembargador, o Tribunal de Justiça tem adotado mecanismos de gestão estratégica, alinhados à capacitação, à tecnologia e, recentemente, à inteligência artificial, para fazer mais e melhor. O resultado disso é o reconhecimento nacional nas premiações que lhe foram outorgadas, especialmente as conferidas em 2018, no auge da crise migratória, escassez de recursos estaduais, intervenção federal e crise no sistema penitenciário. Por fim, o Tribunal de Justiça de Roraima caminha em face não só exclusivamente da Meta 1, mas de tal modo que responde às questões da sociedade local que carecem de transparência e eficiência no dialogo entre sociedade e estado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/gestao-organizacional-dos-gabinetes-dos-desembargadores-do-tribunal-de-justica-de-roraima-na-perspectiva-da-meta-1-do-cnj/
Princípios da Administração Pública
O estudo proposto, por este artigo, visa identificar e conceituar os princípios da Administração Pública que fundamentam o controle dos atos administrativos. Para tanto recorre-se ao uso de documentação indireta por meio de textos legais (normas), e através de pesquisas bibliográficas com textos jurídicos de autores modernos.  Por força do regime democrático, a atividade estatal não pode deixar de atender ao interesse público, caso contrário, será sujeito ao controle interno ou externo. Por fim, convém dizer que a não-observância de qualquer dos princípios da Administração Pública ou do Direito Administrativo pode conspurcar a edição de um ato ou contrato administrativo, tornando-o inválido e incapaz de produzir efeitos jurídicos, o que nos mostra a enorme importância do tema proposto neste artigo, que não pode deixar de ser observado pelos aplicadores do direito, na interpretação e solução dos conflitos decorrentes de lides que envolvam o Direito Administrativo.
Direito Administrativo
Introdução A presente pesquisa pretende demonstrar a importância da observância dos princípios administrativos quando da atuação do administrador público. Por força do regime democrático, a atividade estatal não pode deixar de atender ao interesse público, caso contrário, será sujeito ao controle interno ou externo. Assim recorre-se ao uso de documentação indireta por meio de textos legais (normas), e através de pesquisas bibliográficas com textos jurídicos de autores modernos, no que diz respeito à conceituação e fundamentação dos princípios fundamentais e constitucionais do Direito brasileiro, aos quais o administrador está vinculado quando da sua atuação administrativa.   Conforme previsto no art. 1º da Constituição Federal, A República Federativa do Brasil, constitui-se em Estado Democrático de Direito. Todavia, na verdade, o Estado que hoje conhecemos é consequência de uma evolução política e social no Brasil, que ao longo dos anos teve diversas formas de governo, até chegar atualmente ao status de Estado Democrático de Direito. O Estado democrático nasce, com o objetivo de estruturar e dar vida ao povo com interesse nos resultados que se podem colher de um governo competente, segundo Bobbio, 2005, p.43: “(…) O melhor remédio contra o abuso de poder sob qualquer forma – mesmo que ´melhor` não queira realmente dizer nem ótimo nem infalível – é a participação direta ou indireta dos cidadãos, do maior número de cidadãos, na formação das leis. Assim, o exercício do poder pelo povo poderá se dá de forma: direta, indireta ou semidireta, tendo como democracia direta aquela na qual os cidadãos cumprem diretamente seu poder não transmitindo seu poder de decisão, indireta quando os cidadãos elegem representantes, os quais serão responsáveis pela tomada de decisões em seu nome, e, por fim, a semidireta é aquela na qual mescla-se características das duas anteriores. Podemos citar como exemplos característicos de cada democracia, democracia direta: o plebiscito, o referendo, a iniciativa popular e indireta: a eleição dos membros dos poderes legislativo e executivo, no Brasil prevalece a democracia semidireta, pois possui tanto descrições de uma quanto de outra, a qual José Afonso da Silva assim descreve: “Democracia semidireta é, na verdade, democracia representativa com alguns institutos e participação direta do povo nas funções de governo, institutos que, entre outros, integram a democracia participativa. A democracia não teme, antes requer, a participação ampla do povo e de suas organizações de base no processo político e na ação governamental (2011, p. 136).” Em ato continuo, cabe mencionar que o Estado Democrático de Direito é submisso ao ordenamento jurídico como um todo. Sendo que, em um Estado de Direito, todos devem se submeter às premissas legais, inclusive a Administração Pública, ora se é a lei que conduz todas as relações, sejam elas privadas ou públicas, ela se faz soberana sobre a vontade do particular, da autoridade, ou do administrador público que deverão sempre estar pautados no direito.   Os princípios são fontes basilares do direito e, o Brasil adotou o sistema de jurisdição una, razão pela qual vige no sistema jurídico brasileiro o princípio da inafastabilidade da jurisdição, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário: lesão ou ameaça a direito, garantindo-se, assim, o livre acesso ao Judiciário, conferindo o direito a ver apreciadas as suas razões, pelo juízo competente e a ver fundamentadas as decisões que lhes negam conhecimento. Ademais, cabe dizer, que a Administração Pública ao praticar seus atos deverá observar outros princípios que regem toda e qualquer atuação pública, sendo que esta será pautada e fundamentada nos princípios constitucionais ou legalmente previstos. Dentre os princípios que se destacam, no que diz respeito ao assunto desta pesquisa, podem-se citar os seguintes: legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, eficiência, segurança jurídica e  razoabilidade e proporcionalidade, os quais serão aprofundados no presente estudo.   2.1.Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição Com a tripartição dos poderes, coube ao poder judiciário dizer o direito em última instância e é neste contexto que surge o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que previsto constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXV, visa garantir a tutela jurisdicional àqueles que se sentirem lesados. O Estado-juiz, desta forma, substitui a vontade das partes ao exercer a jurisdição. Segundo Cândido Rangel Dinamarco jurisdição é: “A atividade dos órgãos do Estado destinada a formular e atuar praticamente a regra jurídica concreta que, segundo o direito vigente, disciplina determinada situação jurídica” (2000, p. 7). Assim, conforme o texto constitucional, no Brasil essa atividade é privativa do Poder Judiciário- único órgão apto a formular decisões dotadas de força de coisa julgada. Portanto, é dever do judiciário apreciar as questões que lhe são levadas a juízo, não sendo necessário, para tanto, que o jurisdicionado tenha esgotado a via administrativa para resolver seus conflitos, ainda que seja prevista a instauração de um processo administrativo, esta prática não será condição para propositura da ação judicial, podendo o cidadão a qualquer tempo buscar a tutela jurisdicional (NEVES, 2012). O princípio em comento é denominado pela doutrina administrativista de Princípio do controle judicial dos atos administrativos, reconhecendo-se, mais uma vez, que somente ao judiciário cabe dizer o direito em última instância: “É ao poder judiciário e só a ele que cabe resolver definitivamente sob quaisquer litígios de direito. Detém, pois, a universalidade da jurisdição que no que respeita à legalidade ou à consonância das condutas públicas com atos normativos infralegais, quer no que atine à constitucionalidade delas. Neste mister, tanto anulará atos inválidos, como imporá a administração os comportamentos a que esteja de direito obrigada, como proferirá e imporá as condenações pecuniárias cabíveis (MELLO, 2014, p. 124).” Concluindo, resta evidente que o princípio em comento é fruto do sistema jurídico administrativo adotado pelo Brasil, que foi, como já dito, o de jurisdição una.   2.2. Princípios fundamentais do Direito Administrativo brasileiro A Constituição da República vigente, separou um capítulo à Administração Pública (Capítulo VII do Título III) e, no art. 37, reportou de modo expresso apenas cinco princípios: da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, e da eficiência (este último acrescentado pela EC 19/98).  Além desses princípios deve-se levar em conta os demais princípios constitucionais, a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos (CARVALHO FILHO, 2014). Cabe ressaltar que, os princípios revelam as diretrizes fundamentais da administração, de modo que só se poderá considerar validada a conduta administrativa se estiver compatível com estes.   2.2.1 Princípio da legalidade Inerente ao Estado Democrático de Direito se apresenta o princípio da legalidade, uma vez que em um Estado chamado de Direito toda e qualquer atuação seja do poder público seja do particular deve pautar-se na lei, enquanto aquele só pode fazer o que a lei autoriza, este só não pode fazer o que a lei proíbe. Esse mesmo entendimento é adotado por Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo: “[…] Deveras, para os particulares é a autonomia da vontade, ao passo que a Administração pública não tem vontade autônoma, estando adstrita à lei, a qual expressa a ‘ vontade geral’, manifestada pelos representantes do povo, único titular originário da ‘coisa pública’. […] (2012, p. 191).” A Lei n. 9.784/99, prevê, assim como a Constituição da República, o princípio da legalidade como de obrigatória observância pelo administrador público, de forma que a atuação deste não depende de qualquer vontade pessoal, estando vinculado a lei administrativa que, normalmente, trata de matéria de ordem pública cujos preceitos não poderão ser descumpridos, ou seja, a natureza da função pública determina que os gestores devam cumprir os deveres e exercitar os poderes que a lei impõe (MEIRELLES, 2012). Deste modo, o princípio em comento, contrapõe-se diametralmente a ideia de autoritarismo, bem como a qualquer tendência personalista do administrador, visto que em um Estado Democrático de Direito todo poder emana do povo, sendo o administrador nada mais que representante dos interesses públicos devendo exercer o poder pelo povo e não visando seus próprios interesses, confirmando a máxima regra do direito, não do homem (MELLO, 2014). A doutrina europeia desdobra o princípio da legalidade em dois subprincípios: o da primazia da lei e o da reserva legal. O primeiro, também denominado legalidade em sentido negativo, prevê que o ato administrativo, inferior a lei, não pode contraria-la, já o princípio da reserva legal institui que os atos administrativos dependem de autorização legal para serem praticados (MAZZA, 2012). Sendo assim, o princípio da legalidade apresenta-se como essencial à atuação da Administração Pública, garantindo uma subordinação ao ordenamento jurídico, devendo ser analisado, independentemente do tipo de ato a ser praticado.   2.2.2 Princípio da impessoalidade O princípio da impessoalidade busca garantir que a atuação da Administração Pública ocorra de forma isonômica a todos os administrados, devendo o administrador ao praticá-los visar o interesse de todos, uma vez que os bens geridos por ele são públicos e não particulares. Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua de forma precisa o princípio da impessoalidade: “Nele se traduz a ideia de que a administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia (2014, p. 114).” O princípio da impessoalidade deve ser visto sob dois principais pontos, o primeiro diz respeito à finalidade do ato que ao ser exercido deve visar sempre à satisfação da coletividade, e, o segundo trata da vedação da promoção pessoal do administrador à custa das realizações da Administração Pública (ALEXANDRINO; PAULO, 2012). É neste sentido, inclusive, que se apresenta o art. 37, §1º, da CRFB que prevê que “a publicidade dos atos, programas, […] do órgão público deverá ter caráter educativo […] não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos” (BRASIL, 2014a), ou seja, as obras realizadas pelo poder e com verbas públicas não poderão servir de propaganda particular para o administrador. Ademais, no que diz respeito ao quesito finalidade do princípio impessoalidade, o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução proibindo o nepotismo, e posteriormente o assunto foi inclusive sumulado  pelo Supremo Tribunal Federal que assim previu: “Súmula Vinculante n.13: A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal (BRASIL, 2014b).” Sendo assim, o princípio da impessoalidade se faz presente em todos os assuntos que tratam da Administração Pública, devendo pautar toda e qualquer atuação do administrador, sob pena de ser considerado nulo o ato praticado sem que a impessoalidade seja observada.   2.2.3 Princípio da publicidade Publicidade é tornar público um ato fazendo-o chegar ao conhecimento público, só a partir da publicação é que um ato, lei, norma ou regulamento passarão a surtir efeitos. Neste diapasão ensina Hely Lopes Meirelles: “Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí porque as leis, atos e contratos administrativos que produzem consequências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros. A publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade. […]. Em princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, porque pública é a administração que o realiza, só se admitindo sigilo nos casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da administração a ser preservado em processo previamente declarado sigiloso (2012, p. 96).” Nota-se, desta forma, que é aceitável a limitação da publicidade dos atos administrativos, quando apenas as pessoas autorizadas, tais como os procuradores e os servidores terão acesso a estes visando à proteção de um bem jurídico mais do que o direito a publicidade. O princípio correlato apresenta duas significações, quais sejam, a exigência da publicação dos atos administrativos em órgão oficial como condição para produção de efeitos e a exigência de transparência da atuação administrativa, derivada da indisponibilidade do interesse público, possibilitando a todos amplo acesso a atuação administrativa (ALEXANDRINO; PAULO, 2012). Nesta seara, Juarez Freitas preleciona: “No que concerne ao princípio da publicidade ou da máxima transparência, quer este significar que a administração há de agir de sorte a nada oculta e, para além disso, suscitando a participação fiscalizatória da cidadania, na certeza de que nada há com raras exceções constitucionais que não deva ir ao público […]. Desta maneira, o agente público precisa prestar contas de todos os seus atos e velar para que tudo seja feito com a visibilidade do sol do meio dia, preservando sua própria reputação, somente se admitindo que não o faça por excepcional e estrita exigência superior do interesse público […] (2004, p. 70). Conclui-se, portanto, que em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder é do povo e exercido para o povo, não se pode admitir um sigilo nos atos praticados, em especial quando digam respeito a bens e interesses indisponíveis, tais como os públicos, ao menos que a lei assim o permita.   2.2.4 Princípio da moralidade O art. 37, caput, da Constituição da República dispõe que a Administração Pública obedecerá o princípio da moralidade administrativa, demonstrando que o administrador deve atuar de maneira proba, primando pela tomada de atitudes em consonância com a lei,  agindo de maneira ética e  visando sempre o interesse público. Neste sentido leciona Fernanda Marinela: “O princípio da moralidade exige que a administração e seus agentes atuem em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente. Esse princípio se relaciona com a ideia de honestidade, exigindo a estrita observância de padrões éticos, de boa-fé, de lealdade de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna da administração pública (2014, p. 39).” É salutar perceber que a moral comum não se confunde com a moral administrativa, enquanto esta busca determinar o agir entre o certo e o errado nas regras de convívio social, aquela significa correção de atitudes, boa administração e eficiência, sendo que a ausência desta na prática de atos administrativos ocasionará na sua invalidade (ALEXANDRINO; PAULO, 2012). Ainda, acerca deste princípio o §4º do art. 37 da CRFB, ao dissertar sobre este, aduz que: “[…] os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível” (BRASIL, 2014a). Pela análise do dispositivo acima colacionado percebe-se que os princípios moralidade e probidade significam praticamente a mesma coisa, embora algumas leis façam referência separadamente a cada um deles, quando se fala em improbidade como ato ilícito, como infração sancionada pelo ordenamento jurídico, deixa de haver sinonímia entre as expressões imoralidade e improbidade, porque esta tem um sentido mais amplo e mais preciso, por abranger não somente atos desonestos ou imorais, mas também atos ilegais (MEIRELLES, 2012). Como principal forma de controle da moralidade administrativa encontra-se a Ação Popular, por meio da qual o cidadão poderá propor a referida ação com o fim de anular ato contrário a moralidade administrativa, constitucionalmente prevista no art. 5º, inciso LXXIII da CRFB. Desta forma, o gestor público necessitará pautar-se sempre na moralidade administrativa, sob pena de, em caso de inobservância, sofrer ação cabível a tutela do princípio em comento.   2.2.5 Princípio da eficiência O princípio da eficiência foi acrescentado pela Emenda Constitucional n.19/98, visando: alcançar maior qualidade na atuação administrativa, rapidez no atendimento ao público, economia, entre outros. Neste sentido, preleciona Alexandre Mazza: “[…] Assim, o conteúdo jurídico do princípio da eficiência consiste em obrigar a administração a buscar os melhores resultados por meio da aplicação da lei” (2012, p. 104). Nota-se, portanto, que o princípio em comento impõe ao administrador o atendimento do interesse público, usando de sua competência para de forma eficaz garantir a melhor utilização dos recursos públicos.   2.2.6 Princípio da segurança jurídica A segurança jurídica se revela como princípio basilar do ordenamento jurídico como um todo e não apenas na seara administrativa, uma vez que em um Estado Democrático de direito é inaceitável que o povo não tenha garantida a tutela jurisdicional com a consequente imutabilidade daquilo que foi decidido. Celso Antônio Bandeira de Mello, ensina que na verdade essa segurança advém não só das relações jurídicas, mas da necessidade do homem em se sentir seguro: “Esta ‘segurança jurídica’ coincide com uma das mais profundas aspirações do homem: a da segurança em si mesmo, a da certeza possível em relação ao que o cerca, sendo esta uma busca permanente do ser humano é a insopitável necessidade de poder assentar-se sobre algo reconhecido como estável, ou relativamente estável, o que permite vislumbrar com alguma previsibilidade o futuro; é ela, pois, que enseja projetar e iniciar, consequentemente- e não aleatoriamente ao mero sabor do acaso – comportamentos cujos frutos são esperáveis a médio e longo prazo (2014, p. 127).” Nota-se, portanto, que o princípio da segurança jurídica possui como objetivo precípuo evitar desconfortos traumáticos, protegendo assim a estabilidade e primando pela certeza nas relações jurídicas, o que cada vez se mostra mais difícil em uma sociedade que está em constante modificação (MARINELA, 2014). Sendo assim, a segurança jurídica não está vinculada apenas a prática de atos, ou na tomada de decisões administrativas, se revelando, na verdade, de indispensável observância em todas as áreas do direito.   2.2.7 Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não se encontram expressamente previstos na Constituição da República, todavia, são princípios de observância obrigatória tanto na aérea jurídica quanto na administrativa, sendo, inclusive utilizado pelo Supremo Tribunal Federal ao proferir suas decisões. Estes princípios são, em geral, analisados de forma conjunta, doutrinariamente, pois apesar de cada qual possuir seu significado a observância de um estará direta ou indiretamente atrelada ao outro. Desta forma, inclusive, entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Embora a Lei nª 9.784/99 faça referência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, separadamente, na realidade o segundo constitui um dos aspectos contidos no primeiro. Isto porque o princípio da razoabilidade, entre outras coisas, exige proporcionalidade entre os meios de que se utiliza a administração e os fins que ela tem que alcançar […] (2014, p. 81).” Em que pese o tratamento conjunto dado aos princípios, é importante dizer que eles se complementam, sendo que cada um abrangerá um aspecto, deste modo, discorrer-se-á acerca das características de cada um destes. A razoabilidade é um agir com bom senso, tomando decisões que se mostrem adequadas tendo em vista o fim a que se destinam, proibindo, assim, que o administrador quando da pratica dos atos que lhe competem aja de forma despropositada, arbitrariamente, descumprindo os preceitos legais, ou seja, visa inibir os excessos (MARINELA, 2014). O descumprimento das premissas exaradas pelo princípio da razoabilidade conduzirá a nulidade do ato praticado em razão do vício de ilegitimidade: “É óbvio que uma providencia administrativa desarrazoada, incapaz de passar com sucesso pelo crivo da razoabilidade, não pode estar conforme a finalidade da lei. Donde se padecer deste defeito, será, necessariamente, violadora do princípio da finalidade. Isto equivale dizer que será ilegítima, conforme visto, pois a finalidade integra a própria lei. Em consequência, será anulável pelo poder judiciário, a instâncias do interessado (MELLO, 2014, p. 112).” Por sua vez, o princípio da proporcionalidade busca aferir a justa medida da atuação administrativa perante uma situação concreta, exigindo, pois, equilíbrio dos meios a serem utilizados pela administração perante os fins que almeja alcançar (MAZZA, 2012). Nesse sentido, na seara administrativa, descreve Dirley da Cunha Júnior, que a proporcionalidade “[…] é um princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou valendo-se de atos, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais” (2009, p. 65). Na verdade, pouco importa se os princípios são analisados separada ou conjuntamente, pois, conforme nos alerta Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo, são eles que irão orientar e autorizar o controle judicial dos atos administrativos discricionários, tema principal desta pesquisa: “Seja como for, certo é que, no âmbito do direito administrativo, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade encontram aplicação especialmente no controle dos atos discricionários que impliquem restrição ou condicionamento a direitos dos administrados ou imposição de sanções administrativas. Deve ser esclarecido desde logo que se trata de controle de legalidade ou legitimidade e não de controle de mérito, vale dizer não se avaliam conveniência ou oportunidade administrativas do ato – o que implicaria, se fosse o caso, a sua revogação – mais sim a sua validade. Sendo o ato ofensivo aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade, será declarada a sua nulidade; o ato será anulado e não revogado (2012, p. 203).” Deste modo, mostrou-se, principalmente neste capítulo, a fundamental importância da obediência e respeito aos princípios que regem a Administração Pública, sobretudo porque o administrador age em nome do interesse público devendo pautar suas ações no ordenamento jurídico, dos quais os princípios são pedra angular.   Conclusão Ao longo desta pesquisa ficou demonstrado que o administrador público deverá pautar toda sua atuação em conformidade com o ordenamento jurídico, uma vez que ao exercer suas funções ele age em nome do Estado e não segundo sua vontade própria, buscando sempre satisfazer o interesse público. O agente público deverá, ainda, observar os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, pois uma vez violados tornarão os atos passíveis de anulação seja pelo controle interno ou externo. Por fim, convém dizer que a não-observância de qualquer dos princípios da Administração Pública ou do Direito Administrativo pode conspurcar a edição de um ato ou contrato administrativo, tornando-o inválido e incapaz de produzir efeitos jurídicos, o que nos mostra a enorme importância do tema proposto neste artigo, que não pode deixar de ser observado pelos aplicadores do direito, na interpretação e solução dos conflitos decorrentes de lides que envolvam o Direito Administrativo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/principios-da-administracao-publica/
Ilegitimidade da Comissão Procedente Disciplinar Frente às Garantias Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório
RESUMO: O presente trabalho teve como objetivo constatar e avaliar mediante pesquisa bibliográfica os preceitos do Processo Administrativo Disciplinar brasileiro, em que se observou quais parâmetros devem ser seguidos para a garantia dos direitos do indiciado e da devida legitimidade da Comissão Processante, mediante o método de raciocínio lógico-dedutivo, baseando-se na construção doutrinária e normativa. Buscando-se a resolução do seguinte questionamento: A inobservância dos princípios da ampla defesa e do contraditório implica na ilegitimidade dos atos da Comissão Processante em um processo administrativo disciplinar? Conclui-se que a legitimidade da Comissão não depende tão somente da observância das regras estabelecidas em lei, mas também com a interpretação e aplicação da norma com base nos princípios constitucionais, assim como a compreensão da matéria tanto pelos administradores quanto pelos indiciados, para que a ampla defesa e o contraditório sejam garantidos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A vedação da vingança privada e da autotutela dos particulares, historicamente, veio do Privilégio Exclusivo do Estado na busca pela justiça. Esse privilégio, ou poder estatal, está baseado na pretensão punitiva do Estado, e apresenta duas vertentes básicas sobre os indivíduos: o administrativo e o penal. (ESPINOSA; SOARES, 2013, p. 03) O poder estatal em punir será materializado mediante o processo, que agirá sobre aqueles que cometem algum ato ilícito, tanto de natureza penal, quanto administrativa. (MELLO, 2010, p. 443-444) Para as faltas cometidas administrativamente, há instrumentos que são utilizados para o esclarecimento dos fatos, pela busca da verdade, e não devem ser entendidos como uma ferramenta para castigar. (SILVA; MELLO, 2018) Esses instrumentos fazem parte do Processo Administrativo Disciplinar – em seu sentido amplo -. As teorias são de que há duas modalidades básicas no processo administrativo: a sindicância e o processo administrativo disciplinar em sentido estrito (PAD). (COSTA; BIANCHINI; GOMES, 2012, p. 133) O entendimento do processo administrativo se faz necessário para cessar algumas práticas autoritárias e ultrapassadas que ainda existem em algumas repartições públicas. Pois, antes da Lei nº. 9.789/99 que trata do processo administrativo (LPA), era comum indeferimentos de recursos e outros atos sem a devida motivação. Mesmo após a LPA, há ainda desrespeito às garantias constitucionais no processo administrativo. Condutas essas que prejudicam a própria Administração. (NOHARA; MARRARA, 2009, p. 02) Não obstante, questões morais/pessoais entre a autoridade administrativa, ou dos membros da comissão e o acusado podem estar envolvidas, coibindo dessa maneira o devido processo legal. (ROSSETTO, 2010, p. 06) Atitudes essas que comprometem a Legitimidade dos atos da Administração, pois não são condizentes com as normas, assim como cita Habermas (1997, p. 193) em sua pesquisa: a legitimidade tem sua presunção na legalidade. Por conseguinte, são abordadas as características do Processo Administrativo Disciplinar, principais funções e limitações da comissão processante e, posteriormente, a abordagem da observância da ampla defesa e do contraditório, juntamente com os princípios que cercam o devido processo legal, justificando o entendimento dos preceitos que conferem a legitimidade à Comissão Processante. Embasando, assim, o objetivo em constatar e avaliar mediante pesquisa bibliográfica os preceitos do Processo Administrativo Disciplinar brasileiro, em que se observou quais parâmetros devem ser seguidos para a garantia dos direitos do indiciado e da devida legitimidade da Comissão Processante, mediante o método de raciocínio lógico-dedutivo, baseando-se na construção doutrinária e normativa. Buscando-se a resolução do seguinte questionamento: A inobservância dos princípios da ampla defesa e do contraditório implica na ilegitimidade dos atos da Comissão Processante em um processo administrativo disciplinar? Diante do exposto, percebe-se que o conhecimento das peculiaridades do processo administrativo disciplinar tanto pelos administradores, quanto dos administrados se faz necessário para trazer a legitimidade da Comissão ao processo, mantendo a boa imagem da Administração e garantindo, principalmente, os direitos do sindicado.   1 DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR O poder disciplinar é uma ferramenta que o Estado se utiliza para aplicar sanções ao seu quadro funcional, em razão de uma infração disciplinar (DIAS; BIANCHINI; GOMES, 2012, p. 137), cometida pelos seus agentes ou terceiros sujeitos à norma dos órgãos, fundada no princípio da hierarquia. (ESPINOSA; SOARES, 2013, p. 05) Essa infração disciplinar será inquirida mediante um processo administrativo, conduzido por uma Comissão do Processo Administrativo Disciplinar, a qual terá como presidente da comissão um superior hierárquico ao investigado, designado pela autoridade competente, conforme artigo 149 da Lei nº: 8.112/90. Portanto, o objetivo do processo administrativo é auxiliar na busca pelo interesse público, exercendo funções como: controle da administração, inibir condutas arbitrárias pelos agentes, reduzir custos da máquina pública, garantir a segurança jurídica e documentação dos atos estatais. (CAMPOS, 2019, p. 685) O Estado, baseando-se no interesse público, na busca pela verdade, assume um lugar de superioridade em relação aos particulares. Essa preponderância vem através do princípio da “supremacia do interesse público sobre o privado”, e é concomitante ao princípio da “indisponibilidade do interesse público”. Esses dois princípios são a base do Direito Administrativo. (ALMEIDA, 2019, pp. 46, 51) A Administração Pública, então, na sua colocação executiva, dará cumprimento à vontade do Estado por meio de atos jurídicos, que são designados como atos administrativos. Desse modo, genericamente, há três categorias de atos: atos legislativos, atos judiciais e atos administrativos. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 172-173) Portanto, o ato administrativo é qualquer atividade ou ato propriamente dito da Administração Pública, sendo uma declaração unilateral do Estado, uma declaração jurídica e, assim, produzindo efeitos jurídicos. Os atos administrativos são derivados do próprio Estado ou daquele que esteja investido com direitos estatais. (ZYMLER, 2005, p. 95) O objetivo de um ato administrativo, através do interesse público, é adquirir, resguardar, transferir, modificar, declarar ou extinguir direitos ou impor deveres a própria administração ou a terceiros. (COUTO, 2019, p. 362) Ora, o processo administrativo é um ato administrativo. Será a exteriorização da vontade do administrador e, antes de virar um ato administrativo propriamente dito, deverá observar alguns procedimentos, dos quais deve ser motivado e, consequentemente, sindicado. (ARAGÃO, 2013, p. 1.192) Para o processo administrativo obter êxito, ele será exteriorizado pelo procedimento, que é uma continuidade de atos lógicos, para atingir um único objetivo. Logo, o processo administrativo é uma espécie do gênero processual e requer observância aos princípios gerais, que norteiam o processo: princípio da legalidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, da ampla defesa, do contraditório, da segurança jurídica, do interesse público, da eficiência, da celeridade, da economia, da publicidade, do impulso e da modicidade. (MOREIRA NETO, 2014, p. 251) A Lei Federal n.º 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, em seu artigo 2º, através de seu parágrafo único e incisos seguintes, deixa claro ao estabelecer que o processo administrativo deve ser interpretado pela Administração Pública de forma a considerar os Princípios Gerais, conjugando com o Direito, ou seja, com o conjunto das normas que tenham relação com o caso em concreto. Essa Lei, além de regular o processo administrativo na esfera federal, também é aplicável subsidiariamente no âmbito dos estados e municípios. (ARAGÃO, 2013, p. 1.194; CAMPOS, 2019, p. 684) É aplicada de modo complementar por força do artigo 22, da CF/88, referindo-se como competência exclusiva da União a criação de leis referentes à matéria processual, em seu inciso primeiro. Lembrando que processo não se confunde com procedimento. Processo é um ordenamento de atos legais que possuem como objetivo alcançar um resultado conclusivo, podendo ser realizado por mais de um modo. Ao passo que o procedimento é o jeito específico da ordenação desses atos, é a formalização processual. (ROCHA, 1997, p. 190) Aragão (2013, p. 1.214-1.215) admite que, caso os estados não possuam legislação específica que trate de assuntos procedimentais, a Lei Federal n.º 9.784 de 1.999 se aplica de forma subsidiária, com a finalidade da garantia da segurança jurídica dos administrados, ainda que é competência exclusiva da União para legislar sobre direito processual. Pode-se afirmar, então, que quando se tratar de questões processuais, a lei supracitada se aplicará a todos os estados e municípios, ao passo de que quando for matéria de procedimentos, serão observados apenas as que tiverem caráter geral. Ainda que, nessa lei, há diversas normas explícitas que são consideradas “princípios do processo administrativo”, que devem ser observadas, obviamente, na esfera federal e, ainda, em qualquer outro processo; de forma extensiva. (ARAGÃO, 2013, p. 1.215; MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 821) Pois, por mais que haja princípios oriundos da Constituição Federal, é interessante a promulgação de uma lei para dar solidez, materialidade, a esses princípios. (NOHARA; MARRARA, 2009, p. 04) E, ainda que a LPA implique unicamente no processo administrativo federal, deve ser acatada pelos estados e municípios por reforçar a garantia de princípios constitucionais. (BACELLAR FILHO, 2013, p. 80) Portanto, a lei não necessita abranger todas as ações previsíveis da Administração Pública, o quê não significa que a Administração é livre para agir dentro daquilo que a lei não proíba. Poderá, assim, fazer apenas atos com embasamento nas leis, “à luz da legalidade ampla/juridicidade”, observando, sempre, os princípios previstos pela Constituição. (ARAGÃO, 2013, p. 158) Assim sendo, aquele que irá interpretar a lei e aplicá-la no processo administrativo, deverá sempre se basear na supremacia do Estado sem, entretanto, deixar de observar as garantiras do particular. Deverá haver equilíbrio entre os privilégios do Estado e os direitos individuais. (ALMEIDA, 2019, p. 48-49) Deverá garantir os direitos fundamentais pelo fato da grande relevância do ato na vida dos indivíduos por criar, modificar ou extinguir direitos ou obrigações. (ARAGÃO, 2013, p. 308-309) Os atos administrativos possuem grande importância ainda mais porque não há igualdade entre o Estado e o particular. Entre os particulares há igualdade entre as partes em uma relação jurídica. Já no Direito Público, há a supremacia do Poder Público sobre os indivíduos. A partir dessa desigualdade, que é originária da prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais, derivam-se notórios privilégios e prerrogativas para a Administração Pública. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 52) Desse modo, o administrador público é obrigado, em todo o seu labor, a observar os preceitos legais e às necessidades do “bem comum”. Caso ele cometa desvios ou se afaste da legalidade poderá sofrer responsabilidades administrativas (disciplinares), cíveis ou criminais, conforme o caso; ainda, será considerada a sua ação um Ato Administrativo inválido. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 93) Em resumo, toda atuação da Administração deve ser pautada no interesse público, é esse seu motivo, o impulso e o primórdio de toda conduta. Então quando um agente comete alguma falta administrativa, o “inquérito” realizado sobre esse fato nada mais é que o interesse público implícito pela manutenção da moralidade e da legalidade do serviço público, tanto pela apuração da infração, quanto imposto àquele que irá investigar o fato. Em todo caso deverá haver uma formalidade para materializar esse processo, que será através dos procedimentos representados pelos atos administrativos, sendo o objetivo a apuração do caso e não necessariamente a imposição de uma sansão ao administrado. Mas, uma vez aplicada a penalidade ao funcionário, essa poderá ser revisada, pois o julgamento do processo administrativo não faz coisa julgada (ZYMLER, 2005, p. 101). Porém, o Judiciário poderá rever apenas o quê diz respeito à legalidade do ato e a sua legitimidade. Não poderá avaliar o Mérito Administrativo, que é a oportunidade e a conveniência do administrador perante o fato em concreto, ou seja, sua discricionariedade legal. (CARVALHO FILHO, 2019, p. 129-130) O requisito necessário para se iniciar um Processo Administrativo Disciplinar é a certeza de um ato ilícito administrativo e a sua autoria. Caso contrário, o Processo Administrativo Disciplinar em sentido estrito deve ser sempre precedido de uma Sindicância, assim quando a conduta do servidor deixar dúvidas sobre sua ilicitude, ou quando não houver certeza dos fatos. (ESPINOSA; SOARES, 2013, p. 14) Pois, das infrações cometidas pelo funcionário público que forem apenadas somente com advertência ou suspensão por até trinta dias, a sindicância será o meio sumário de apuração desses atos ilícitos. (SPITZCOVSKY, 2019, p. 596) Conforme a doutrina majoritária, a Sindicância é um procedimento “informal”, mais rápido e simples, com objetivo de apurar o quê aconteceu, para conhecer se houve ou não irregularidades por partes dos agentes públicos. (DI PIETRO, 2018, p. 807) Quando dessa Sindicância houver aplicação de penalidades, ela deverá seguir os mesmos critérios do PAD, apesar de mais rápida, deverá garantir a ampla defesa. (KNOPLOCK, 2018, p. 325) Do mesmo feito, o Processo Administrativo Disciplinar – em sentido estrito – (PAD), é um procedimento mais trabalhoso e formal e, por isso, possui prazos maiores do que ao comparado com a Sindicância. Por esse motivo, essa ferramenta processual é para a verificação de infrações graves, que podem resultar na exclusão do agente do setor público. (CAMPOS, 2019, p. 494-495) Lembrando que, conforme a súmula vinculante n.º 05 do STF (2008), não há previsão legal da obrigatoriedade de que o indiciado faça-se presente com um advogado no PAD, o quê não ofenderá a Constituição de 1988. O PAD deverá então ser sindicado por outros funcionários públicos distintos daquele (s) envolvido (s) no fato a ser apurado, os quais irão compor uma Comissão Processante, ou Sindicante. É a Comissão que realizará o apuramento da possível infração administrativa e deverá observar os direitos constitucionais do sindicado   2 DA COMISSÃO PROCESSANTE Como demostrado anteriormente, o superior hierárquico conhecendo uma atitude que configure uma infração funcional pelo seu inferior, não tem o poder para que imponha uma sanção a esse, não de modo legítimo. Há então, a necessidade de um procedimento para apurar a tal conduta do subordinado, de modo que essa prática esteja prevista em lei, ou seja, conforme o processo administrativo disciplinar. (ESPINOSA; SOARES, 2013) Esse procedimento visará à inquisição da infração disciplinar mediante um processo administrativo, que será conduzido por uma Comissão do Processo Administrativo Disciplinar. Essa comissão deverá ser integrada por um presidente e mais dois servidores estáveis, sendo o presidente da comissão um superior hierárquico ao investigado, designado pela autoridade competente. (BRASIL, 1991; COSTA; BIANCHINI; GOMES, 2012, p. 135) A instauração do processo administrativo disciplinar que definirá a Comissão. Nada mais é que um ato formal da autoridade competente, através de uma portaria. Nela deverão constar os nomes e as matrículas dos integrantes, com seus respectivos cargos, já definindo o tipo do procedimento que será adotado (sindicância ou PAD), além da estipulação do prazo para a Comissão concluir o trabalho. (MARINELA, 2018, p. 1.159) Entende-se por autoridade competente aquela que tem a função legal para gerir os servidores públicos e, consequentemente, aquela que irá exercer o poder-dever disciplinar. A exceção é quando a autoridade competente for aquela que é dirigente de entidades da Administração Pública, que não está vinculada sob a hierarquia do funcionário infrator, mas possui poder-dever disciplinar de supervisão ministerial. Se o funcionário que presenciar a falta administrativa não for a autoridade competente, deverá esse informar o fato a quem o for. (ARAGÃO, 2013, p. 1.036) A autoridade disciplinar, então, instala o processo administrativo; designa uma comissão processante e, após o término dos procedimentos, julga o ato. Ora, a competência disciplinar é partilhada entre a autoridade disciplinar e a Comissão Processante. (ARAGÃO, 2013, p. 1.036) Desse modo, o processo administrativo seguirá cinco fases comuns, com o objetivo de criar uma decisão perante o órgão competente, nesta ordem: instauração, instrução, defesa, relatório e o julgamento – ou decisão. (DI PIETRO, 2018, p. 806) Porém, não basta, tão somente, a legalidade na compreensão das normas, há de se utilizar também os princípios constitucionais, que devem ser entendidos como “bússolas”, a guiar as atitudes e decisões do administrador público. Com isso, acredita-se em uma verdadeira compreensão e futura aplicação das leis infraconstitucionais. (ROSSETTO, 2010, p. 05) Nesse cenário, a instauração dá-se no momento em que a autoridade competente constata ou tem ciência da possível infração administrativa e promove a sua imediata apuração, mediante sindicância ou inquérito administrativo. (BRASIL, 1990, art. 143) Então, a autoridade administrativa, incumbida da função administrativa e, no exercício dela, deverá fazer o estudo da infração para ser imputada de forma válida ao agente que a praticou, observando os princípios básicos, quais sejam: legalidade; anterioridade; tipicidade e voluntariedade; para depois serem avaliadas as sanções, se houver, aos princípios: proporcionalidade; devido processo legal e motivação. (MELLO, 2010, p. 849-850) Essa é a contemporânea disposição da “jurisdicionalização do poder disciplinar”, que inflige à Administração Pública ações formais e obrigatórias para a garantia dos direitos do acusado, seguindo o rito legalmente estabelecido ao processo. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 832) Assim, uma vez constado o agente público em uma transgressão disciplinar, a autoridade competente tornará público uma portaria descrevendo os atos ou fatos a apurar que apontem as infrações para que, posteriormente, recebam as sanções devidas. Nessa portaria já será designada a comissão processante, dando início, deste modo, ao procedimento administrativo. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 831-832) Após a publicação da portaria poderá existir casos em que ocorra a descoberta de novos fatos conexos ao principal, podendo assim, serem averiguados outros agentes ou outras condutas, desde que não embaracem o devido processo legal ou o direito a defesa. Caso algum desses quesitos seja prejudicado, a comissão deverá informar à autoridade competente para a denominação de uma nova comissão para o novo fato. (MARINELA, 2018, p. 1.160) Uma vez iniciado o processo administrativo os atos e fatos que vão ser apurados deverão ser descritos de forma motivada, ou seja, para que a legalidade, o contraditório e a ampla defesa possam ser analisados, deverá estar explícito a causa e os elementos que motivaram a lavratura do ato administrativo propriamente dito. (SPITZCOVSKY, 2019, p. 720) Meirelles, Burle Filho e Burle (2016, p. 110-111) complementam que o fato deverá ser motivado para que também a moralidade e a finalidade sejam aferidas e, ainda, referenciam que na motivação esteja explícito o embasamento legal. Fatores esses que implicam na eficácia do ato. A partir do libelo acusatório a comissão deverá facultar ao acusado, ou ao seu advogado, a apreciação dos autos na seção, para que possa ser apresentada a defesa e, caso necessário, as indicações de testemunhas e provas de acordo com o prazo regulamentar. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 832) As provas destinadas a esclarecer os fatos serão produzidas na fase de instrução. Serão consideradas provas pertinentes os depoimentos da parte, testemunhas, perícias, análises ou exames pessoais assim como a ajuntada de documentos. Função essa que cabe à autoridade ou a comissão processante, ou, a pedido do acusado. Possui o objetivo de “averiguar e comprovar” os dados necessários para o julgamento. (MELLO, 2010, p. 518) A terceira fase é a defesa que é uma garantia constitucional de qualquer indivíduo em litígio e compreende a notícia da acusação, acesso aos autos, oportunidade de defesa prévia e a produção de provas, como a indagação e reperguntas de testemunhas, sendo garantido a observância do devido processo legal. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 826) É após as oitivas das testemunhas que a Comissão Processante irá fazer o interrogatório do inquirido. E, caso haja mais de um acusado, serão ouvidos em separado e se houver discordância nos seus depoimentos, a Comissão promoverá a acareação deles. (MARINELA, 2018, p. 1.162) Conforme a súmula nº 14 do STF, também é garantido ao defensor do acusado o acesso aos objetos de provas já constados nos autos da investigação realizados por aquele que tem prerrogativas de polícia judiciária, o que faz jus ao direito de defesa. Segundo Marinela (2018, p. 1.163), será considerado revel o acusado que não apresentar sua defesa dentro do prazo estabelecido em lei. A revelia será declarada em termo fixado nos autos e a comissão comunicará a autoridade instauradora do processo que indicará um servidor como defensor dativo. Esse defensor deverá ser efetivo, superior hierárquico ou de mesmo nível do acusado, com escolaridade superior ou igual. A quarta fase, última tarefa da Comissão Processante, será o relatório com a síntese de todo o processo e seus procedimentos, que fará embasamento sobre a análise do caso (ARAGÃO, 2013, p. 1221). Assim, irá relatar se houve ou não transgressão disciplinar e, caso haja, com a sanção que entender cabível. Vale ressaltar que não é a comissão que vai inocentar ou impor a sanção ao agente público, pois vai dar o seu parecer e submeter seu relatório à apreciação da autoridade competente, assim de acordo com a Lei nº: 8.112/90, artigos 165 e 166. Nesse ínterim, mostra-se a importância do relatório da comissão, em que cita-se a Lei n.º 8.112 de 1990, que busca limitar a discordância da autoridade apenas em conclusões da Comissão que estejam em contrário às provas dos autos, nos artigos 167 e 168. Siqueira (2017, p. 02) afirma que todas essas garantias de direitos fazem parte de um Estado Democrático. Pois é a legalidade que protege a cidadania dos indivíduos, garantindo seus direitos de modo claro e objetivo. Porém, o singelo segmento das leis não basta para a obtenção da norma legítima. Os aspectos democráticos e suas garantias são pressupostos para a legitimidade da norma.   3 A ILEGITIMIDADE DA COMISSÃO PROCESSANTE FRENTE ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS AOS LITIGANTES Engana-se em pensar que a Administração Pública é algo recente, pois ela sempre existiu. O quê não havia era uma disciplina jurídica. Mesmo nos primórdios de povoados havia uma administração pública: era livre e soberana, e podia fazer tudo que lhe agradasse, sem a contestação de seus súditos. (ARAGÃO, 2013, p. 53) Hodiernamente, como já mencionado, o processo administrativo deve observar os princípios da ampla defesa e do contraditório (BRASIL, 1988), porque possui uma relação jurídica processual e um procedimento processual (ESPINOSA; SOARES, 2013, p. 11); compreendendo assim, através desses princípios, o devido processo legal. (ROSSETTO, 2010, p. 06) O devido processo legal é o princípio gerador de todos os demais princípios processuais. Possui sua parte material que são os conteúdos das regras processuais, devendo ser justas, racionais e razoáveis. E a formal que compreende as formalidades contidas na lei para a garantia processual do contraditório e da ampla defesa. (BACELLAR FILHO, 2013, pp. 229, 232) Princípios são teorias basilares que se justapõem a todo o ordenamento jurídico, são os meios pelos quais ocorre a conexão de toda lei e norma que será utilizada para a sentença. Os princípios, a analogia e a equidade foram invocadas pelo legislador para serem caminhos para intepretação das leis, pois não há como o legislador prever todas as hipóteses da vida real. (ARAÚJO, 2018, p. 71) São os princípios constitucionais que orientam a interpretação do Direito Administrativo, não podendo ocorrer incoerência entre as normas e os princípios, quais sejam: legalidade; moralidade; impessoalidade; publicidade; eficiência; razoabilidade e proporcionalidade; segurança jurídica; motivação; interesse público; ampla defesa e o contraditório. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 52) Desses princípios, os cinco primeiros estão explicitamente elencados no artigo 37 da Constituição Federal, como princípios da Administração pública, direita e indireta. (BRASIL, 1988) Todos esses princípios citados anteriormente estão, ainda, listados no artigo 2º da Lei que regula o processo administrativo no âmbito federal (Lei n.º 9.784/99), gerando a obrigação da observância desses princípios pela Administração Pública nos Processos Administrativos. Há, também, no inciso IV do parágrafo único desse artigo, a imposição de que o aplicador da Lei a interprete de acordo com os “padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”. No mesmo parágrafo é disposto que o resultado obedeça à “adequação entre meios e fins”, não impondo em “obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”. (BRASIL, 1999) Vale notar que, de acordo com a Lei n.º 8.429 de 1992, em seu artigo 11, é considerado “ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da Administração Pública, qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”, destaca-se a parte das condutas que podem ser comissivas ou omissivas. Essas premissas são tidas como espécies de garantias, pois, nas palavras de Ferreira Filho (2015, p. 97), não há como afirmar direitos sem o estabelecimento de garantias. Garantias são a proteção dos direitos tutelados pelo ordenamento jurídico, derivadas do próprio sistema constitucional. São as formas e ferramentas para se alcançar os direitos. Nem todas as garantias estão explicitas em texto de lei, como nem todos os princípios citados anteriormente estão no cabeçalho do artigo 37 da Constituição Federal, assim como outro princípio do Direito Administrativo que está no artigo 70 da CF que é o da economicidade, é um exemplo. Os princípios implícitos, como o da indisponibilidade do interesse público e o da finalidade, sobrevêm da gradual formação da doutrina e da jurisprudência, assim como são decorrentes do Estado Democrático de Direito. (ARAGÃO, 2013, p. 150) Ainda, há o fato do Direito Administrativo sancionador se aproximar do Direito Penal, o qual busca por uma punição para as condutas ilegais. Desse modo, as sanções ao agente público ou ao terceiro, devem ser interpretadas conforme os princípios pertinentes aos direitos fundamentais da pessoa humana. (OSÓRIO, 2005, p. 135-136) A dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do Brasil, e está contido no inciso III do artigo 1º da CF de 1988, no primeiro título dos princípios fundamentais. Conforme Meirelles, Burle Filho e Burle (2016, p. 92), todos esses quesitos são padrões da Administração e deverão regular qualquer ato ou atividade da Administração Pública ou daquele que exerce o poder público. São, portanto, alicerces da atividade Administrativa, ou, nas palavras dos autores: “sustentáculos da atividade pública”. Diante dos princípios citados, nota-se que são várias as garantias e padrões administrativos que compõem o devido processo legal e, esse, por sua vez, garante a ampla defesa e o contraditório processual. Não há de se falar em ampla defesa, sem se falar no princípio do contraditório: são princípios correlatos. Não é aceitável falar em ampla defesa sem se pressupor o contraditório. Assim como o devido processo legal é abrangente e compreende o princípio da ampla defesa. (ROSSETTO, 2010, p. 07) O devido processo legal é um “superprincípio” que guia todo o ordenamento jurídico, e foi a Constituição de 1988 que o trouxe para o Processo Administrativo. Ele implica no “fazer processo conforme a lei”, referenciando ao princípio da legalidade; refere-se na maneira pela qual os procedimentos deverão ser realizados; garante que as relações com o Estado sejam igualitárias; remete a certeza que as decisões dos processos não vão ser arbitrárias e reafirma a legitimidade perante a pessoa. (MARINELA, 2018, p. 1.135) Diante disso, entende-se que a administração pública não poderá inferir nenhuma sentença sobre terceiro meramente diante daquilo que achar conveniente. Torna-se um “dever jurídico” a observância às normas, principalmente à Constituição Federal, no que tange ao princípio do contraditório e da ampla defesa. (ROSSETTO, 2010, p. 21) A ampla defesa e o contraditório são consequência do devido processo legal e, juntos, garantem: “o devido processo regular, participativo, legitimador da imperatividade de atos estatais, necessariamente impessoais, livres de perseguições, de favoritismos e pautados sempre pelo interesse público”. (ROSSETTO, 2010, p. 06) Torna-se preciso então o entendimento em dizer que a ampla defesa é o direito do sindicante em saber por qual motivo está sendo indiciado, a ter acesso aos documentos do processo e, assim, a fazer a sua defesa prévia. Tem o direito de indicar e de produzir provas que achar conveniente à sustentação de sua defesa, como também a de possuir um advogado, assim podendo acompanhar as oitivas das partes e, se quiser, a fazer perguntas; oferecendo uma defesa final e, caso entenda, de poder recorrer. (HERNANDEZ, 2000, p. 05) Por sua vez, o contraditório é essencial para a consolidação da relação jurídica processual. Possui dois alicerces: o primeiro é a lógica da condição bilateral e o segundo é a política, que infere na condição para que ninguém seja processado e julgado sem ter conhecimento do processo e sem ser ouvido. (MARINELA, 2018, p. 1.136) Ainda, Rossetto (2010, p. 21) lembra que os procedimentos derivados da administração pública deixam de ser legítimos ao passo de que se deixa de dispor às partes interessadas a garantia de contestar a decisão da administração, assim como a de produzir provas contrárias, o que contrapõe o devido processo legal. Ora, o ato administrativo deve se pautar na legalidade, assim como a moralidade necessita integrar todos os atos do Direito Administrativo. Desse modo, conforme acórdão do TJSP (2013, RDA 89/134): “[…] por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo”. Corroborando, o STF na ADI 2.661-5 (2002), entende que o ato administrativo deverá ser anulado quando violar a moral administrativa, uma vez que ofenderá os princípios da confiança e da boa-fé. Em continuidade, Meirelles, Burle Filho e Burle (2016, p. 95-96) declaram que a moralidade administrativa é necessária para que as ações do administrador público sejam consideradas válidas. Desse modo, será ilegítima toda a atividade pública que não estiver embasada na legalidade, assim como no amoldamento aos demais princípios. Portanto, será considera ilegítima a ação da Comissão processante quando não estiver embasada nas leis. Como será também ilegítima a ação da Comissão que não orientar suas condutas sob à luz dos princípios. Ato ilegítimo será um ato inválido. Ato inválido é aquele ato que ofende os interesses públicos, é um ato ilegal e, por conseguinte, um ato nulo. (GASPARINI, 2006, p. 113) Ato nulo é aquele ato que não permite correção – muito menos correção com efeitos retroativos (convalidação) -, pois tem sua base na ilegalidade e, portanto, será um ato do qual não originará direitos, desse modo, terá efeitos retroativos, efeitos ex tunc. (NOHARA; MARRARA, 2009, p. 341-343) Por fim, o ato nulo implica na sua anulação (ou invalidação), que é o “desfazimento do ato”. A anulação é uma modalidade do desfazimento volitivo que por sua vez é uma maneira pela qual o ato administrativo cessa seus efeitos, ou seja, a anulação implica na extinção do ato administrativo. (CARVALHO FILHO, 2013, p. 263) Logo, conhecendo-se os princípios citados e a base do processo administrativo, saber-se-á quais condutas podem ou não tornar ilegítimo o trabalho da Comissão Processante. Destarte, além dos princípios da ampla defesa e do contraditório esclarecidos anteriormente, tem-se os explícitos no cabeçalho do artigo 37 da CF: legalidade; moralidade; impessoalidade; publicidade e eficiência. Por legalidade impõe-se que o funcionário público não pode ter liberdade nem desejo pessoal. Aquele que trabalha pela administração púbica só lhe é permitido fazer o que está contido na lei. Do mesmo feito, não poderá ser descumprida por vontade ou acordo daqueles que a aplicam, é um dever, uma obrigação visando o bem comum que é o seu destinatário: a coletividade. (NOHARA, 2018, p. 67-68) A moralidade implica em que o ato administrativo deve obedecer à lei assim como a disciplina da própria instituição. Porque aquilo que é desonesto ou imoral pode também ser legal. Assim, a moralidade administrativa é a premissa da validade de toda conduta do agente administrativo. (ALEXANDRE; DEUS, 2017, p. 162-163) Encontra-se referência no âmbito infraconstitucional, na Lei n.º 1.171 de 1994 sobre o Código de Ética Profissional do servidor público civil federal, referente a moralidade administrativa, em que o servidor nunca poderá ignorar a ética em sua conduta, conforme o inciso “I” do anexo: “Assim, não terá de decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas principalmente entre o honesto e o desonesto”, sem ignorar os princípios da administração pública, contidos no caput do artigo 37 da Constituição Federal. Do mesmo feito, a impessoalidade é paralela aos princípios da moralidade e da finalidade. A impessoalidade é fazer o quê tem que ser feito para aqueles que devem receber a ação ou omissão, jamais deverá o funcionário público fazer ou deixar de fazer algo de acordo com a sua vontade ou favorecimento. Impõe ao administrador que só pratique o ato administrativo para o seu fim legal. Pois os atos da administração pública devem ser atribuídos ao Estado, não a pessoa física que o praticou. (ARAGÃO, 2013, p. 171) O quê o princípio da impessoalidade ou da finalidade proíbe é a realização de um ato administrativo sem o mérito coletivo ou sem o interesse da Administração Pública, com o único objetivo de satisfazer interesses particulares, como favorecer ou prejudicar alguém. (NOHARA, 2018, p. 72-74) Meirelles, Burle Filho e Burle (2016, p. 98) afirmam que a pessoalidade é a atitude do funcionário público que configura em uma das modalidades mais comuns do desvio de poder. O desvio de poder é quando o agente, mesmo dentro da sua discricionariedade, exerce sua função com interesses distintos do interesse público, divergindo dos interesses elencados na lei, gerando ainda a nulidade do ato administrativo. (MELLO, 1988, p. 06-07) É considerado uma “violação ideológica da lei”, por meios imorais, revestido por um ato administrativo aparentemente legal. (MEIRELLES; BURLE FILHO; BURLE, 2016, p. 123) O desvio de poder é difícil de ser comprovado, pois o agente, já agindo com dolo, preenche os quesitos e exigências formais estabelecido em lei para o seu ato. (ZYMLER, 2005, p. 121) Porém, há alguns pressupostos que podem denunciar o desvio de poder, que de forma resumida, de acordo com Cretella Júnior (1976, p. 79-97), são: a contradição do ato com atos posteriores; contradição do ato com atos anteriores; uma motivação excessiva do ato; motivação contraditória do ato; motivação insuficiente; a falta de lógica manifesta; desigualdade de tratamentos e derrogação de norma interna. Em continuidade, o princípio da publicidade serve para o controle da juridicidade dos atos administrativos, abrindo a possibilidade deles serem contestados perante sua legalidade, legitimidade e da moralidade das ações do Poder Público; é a transparências dos atos administrativos. É um direito fundamental do administrado, uma vez que é através da disponibilidade dos fatos que os demais tomam ciência dele. (MOREIRA NETO, 2014, p. 152) A eficiência é a racionalização do órgão público, é otimizar o desempenho e resultados na prestação do serviço pelo agente visando a economia. (DIAS; BIANCHINI; GOMES, 2012, p. 45) Os demais princípios que orientam o devido processo legal são: da motivação, da razoabilidade e da proporcionalidade, da segurança jurídica, da celeridade e do interesse público. (MOREIRA NETO, 2014, p. 251) Todo ato administrativo deve ser motivado. Assim preconiza o princípio da motivação: não importando se vinculados ou discricionários, todo ato administrativo que implique em uma restrição ou afetem direitos tutelados ou na utilização de bens ou serviços públicos devem ser motivados. Essa motivação não pode ser meramente formalizada, deve ser suficiente; a qual deve constar os motivos que levaram para tal decisão, as circunstâncias, o embasamento legal e os meios que legitimam a ação (ARAGÃO, 2013, p. 184-185). Essa motivação ainda deve ser transparente – princípio da publicidade – e consolidada para que possa ser contestada perante seu conteúdo. Fato esse que se relaciona com o Estado Democrático de Direito e com o devido processo legal e a ampla defesa, pois não há como embargar sem conhecer a causa do ato administrativo. (MOREIRA NETO, 2014, p. 101) Por sua vez, o princípio da razoabilidade é concomitante com o da proporcionalidade. A razoabilidade é a moldação do ato administrativo entre o meio legal e o meio utilizado pelo administrador. E o princípio da proporcionalidade está inserido no princípio da razoabilidade: realça a ação do administrador, devendo ser proporcional à dimensão da lesão, do dano ou do perigo causado pelo seu gerador. A não observância desses princípios também acarreta no ensejo ao abuso de poder. (ZYMLER, 2005, p. 65) Já o princípio da Segurança Jurídica impõe limites da autotutela pela Administração Pública, almejando a estabilidade das relações jurídicas, de modo que a revisão de seus atos por parte da administração não seja algo perpétuo. (DIAS; BIANCHINI; GOMES, 2012, p. 49) Sendo assim, a administração pública tem o limite de cinco (05) anos a partir da data que foi praticado o ato administrativo para anulá-los, uma vez sendo favoráveis ao destinatário, exceto quando verificada e comprovada a má-fé, conforme artigo 54 da Lei n.º 9.784/99. Um exemplo de segurança jurídica está no artigo 27 da Lei n.º 9.868/99, que autoriza a implementação do efeito ex nunc na declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo quando essa declaração restringir direitos, ofender o princípio da segurança jurídica ou prejudicar relevante interesse social. Ao passo que o princípio da celeridade impõe à Administração Pública que atue no processo administrativo com agilidade, com duração “razoável”, e assegure a “celeridade de sua tramitação”, conforme o artigo 5º, LXXVIII da CF. O princípio da indisponibilidade do interesse público refere-se aos valores, pois todo interesse reflete um valor. Nas relações com a administração pública quem vai determinar o valor de cada interesse é a lei. Cabe à lei identificar e determinar um interesse, defini-lo e relacioná-lo com a coletividade e, priorizar, caso necessário, a forma de atendimento, mesmo com um sacrifício parcial ou total de ouros interesses. Desse modo, é papel da norma divulgar um interesse público específico e remeter ao Estado o “encargo finalístico de satisfazê-lo, definindo, em consequência, competências, condições de proteção e os direitos e deveres jurídicos correlatos”. (MOREIRA NETO, 2014, p. 160) São esses princípios que vão garantir o devido processo legal, resguardando aos inquiridos um procedimento imparcial e justo (ROSSETTO, 2010, p. 06-07) e, assim, mantendo a igualdade das pessoas em um Estado Democrático de Direito, obtendo as garantias do contraditório e da ampla defesa (HERNANDEZ, 2000, p. 04); logo, conforme Rossetto (2010, p. 06), trajando assim um processo sem perseguições por questões pessoais ou favorecimentos por amizades ou interesses, sempre pautado no interesse coletivo.   4 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Processo Administrativo Disciplinar é uma ferramenta essencial para a Administração, assim como para terceiros, gerando e interferindo em direitos tutelados. Por esse motivo, busca-se uma transparência e garantias para esse ato, criando ainda a possibilidade de avaliação do Judiciário. Cabe, as partes, tanto os responsáveis pela garantia, como os acusados, a ideal compreensão da situação, visando sempre, a busca pela justiça mediante o devido processo legal, essencial em um Estado Democrático de Direito. A banalização da aplicação de um processo administrativo disciplinar causa ojeriza ao administrado, ainda mais quando se percebe que foi oriundo do superego do administrador. Caberá ao indiciado a valoração dos motivos justificantes da abertura de um PAD, questionando-se se aquela falta administrativa merece o ensejo da instauração, se foi prejudicial para a Administração, se criou lesão ao serviço público ou qual o interesse público afetado. Sempre relacionando o caso aos princípios constitucionais. Ora, com o conhecimento que o PAD é um ato administrativo, no mínimo, deverá o indiciado questionar a sua motivação, avaliando qual motivo foi usado para justificar sua abertura com o embasamento legal pertinente, procurando afastar sempre a impessoalidade. São esses conhecimentos que levam aos interessados a aptidão de questionar com sabedoria e argumentos sobre a competência da Comissão, pois, poderá, o indiciado, encontrar situações em que os integrantes dela podem não ter o conhecimento básico de um processo administrativo, pois não há um cargo definido para essa função, havendo uma mera designação para o seu desempenho, sem esses funcionários conhecerem o mínimo de Direito. Não obstante, uma Comissão Sindicante formada por agentes que possuem certa afinidade entre a autoridade delegante acaba divergindo-se do objetivo legal e podendo criar circunstâncias oriundas de interesses pessoais ao longo da inquirição, de acordo com a vontade do administrador; em que, por exemplo, perguntas tendenciosas realizadas às testemunhas. Todos esses conhecimentos convergem para a parte principal do trabalho, nas condições e circunstâncias que interferem na legitimidade da comissão, essenciais para a avaliação racional e legal ao caso em concreto. A legitimidade, normalmente, é compreendida apenas com a relação de questões legais, com os atos descritos em lei. Sabe-se, pela pesquisa deste trabalho, que o ato legítimo também é relacionado com ações e atitudes morais, de acordo com os princípios constitucionais. Além disso, um ato ilegítimo é um ato nulo e causa a extinção do ato, perdendo assim seus efeitos jurídicos. O conceito de legitimidade se torna mais amplo ao se avaliar perante a Comissão as garantias da ampla defesa e do contraditório, pois é função desse grupo a garantia desses princípios. Ao se julgar esses princípios, percebe-se que são derivados de um processo justo, imparcial, condizente com o princípio do devido processo legal. Pois, quando não há um processo baseando-se na legalidade, na moralidade, no justo e na impessoalidade, não há uma ampla defesa em sua plenitude, não há um contraditório imparcial. Não há, portanto, um devido processo legal, com condutas que não interfiram nos meios em que o indiciado poderá se valer para a devida defesa. Nesse panorama, afirma-se a importância do princípio do devido processo legal, que é composto por vários outros princípios que o circundam. Ao não se observar algum desses princípios o devido processo legal é comprometido e, assim, interferindo na devida satisfação da ampla defesa e do contraditório. A ilegitimidade da Comissão Sindicante está relacionada intrinsicamente com todos esses princípios. Situações que à primeira vista não parecem interferir na validade do ato devem ser observadas. Destaca-se a moralidade, como exemplo, dos integrantes da Comissão, uma vez que atitudes dos funcionários podem se revestir de legalidade, mas podem ser imorais ou desonestas. O conhecimento de seus direitos e das condições que garantem a legitimidade da comissão se faz necessário uma vez que há grande dificuldade em se provar o desvio de poder de um ato administrativo quando o agente que o praticou já o realizou com má-fé. O ato, aparentemente legal, será conduzido de uma forma para parecer válido, possuindo uma falsa legalidade, exposto em um cenário criado para justificar e mascarar tal situação, precedido de formalidades e etapas estabelecidas em lei. Devendo o indiciado, munido de conhecimento, revisar o ato desde sua origem, atentando-se para a sua verdadeira motivação, observando sua legitimidade, justificativa e motivação. Diante do exposto, nota-se a necessidade da discussão do tema, pois a Comissão Processante deve garantir a ampla defesa e o contraditório de uma forma imparcial e justa, sem favoritismo oriundo de bajulações ou perseguições. Portanto, é indiscutível o valor do ato administrativo pela influência desse tanto na Administração quanto nos direitos tutelados ao indivíduo. Assim como da necessidade de que a Comissão Processante tenha ciência da sua importância no litigio sancionador e dos preceitos que devem observar, diminuindo ou anulando as possíveis injustiças no âmbito administrativo. E, do mesmo modo, que os indiciados conheçam seus direitos e, principalmente, os princípios que circundam a legitimidade da Administração no Processo Administrativo Disciplinar, inibindo uma possível má-fé incutida no ato administrativo de um procedimento disciplinar. Conclui-se que a legitimidade da Comissão não depende tão somente da observância das regras estabelecidas em lei, mas também com a interpretação e aplicação da norma com base nos princípios constitucionais, assim como a compreensão da matéria tanto pelos administradores quanto pelos indiciados, para que a ampla defesa e o contraditório sejam garantidos
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/ilegitimidade-da-comissao-procedente-disciplinar-frente-as-garantias-constitucionais-da-ampla-defesa-e-do-contraditorio/
A Discricionariedade Administrativa no Direito Administrativo Sancionador
RESUMO: A discricionariedade administrativa possui ampla discussão no Direito Administrativo brasileiro, sobretudo em relação à sua atribuição no âmbito das funções administrativas. No presente artigo, a análise do tema será direcionada ao âmbito da função administrativa sancionadora, que representa o ápice da intervenção estatal perante a liberdade e a propriedade do administrado. Para tal análise serão conceituados o Direito Administrativo Sancionatório e o âmbito das funções administrativas. Desse modo, no decorrer do caminho será possível observar que quanto mais interventiva for a função administrativa, mais restrita será a atribuição da competência discricionária.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Ao tratar da discricionariedade administrativa, Tomás Ramón Fernandez afirma que “a discricionariedade é, e seguirá sendo o grande problema do direito administrativo”[1]. O mesmo autor considera que a polêmica em torno da discricionariedade criou uma espécie de “diálogo de surdos”. O exercício da discricionariedade sofre distinções de acordo com o âmbito das funções administrativas, de maneira que, ao tratar o assunto no presente ensaio, direcionaremos, como matéria principal, a pesquisa em relação à discricionariedade no âmbito da função administrativa sancionadora. Ao presente estudo interessa também conceituar os âmbitos da função administrativa para se demonstrar a importância do tema no controle da racionalidade das decisões no âmbito do Direito Administrativo Sancionador, que representa o ápice da intervenção estatal perante a liberdade e a propriedade do administrado. Partiremos da premissa da inexistência de qualquer intercâmbio entre a discricionariedade administrativa e os conceitos jurídicos indeterminados, para depois analisar se o Direito Administrativo Sancionador comporta ou não espaço para discricionariedade administrativa e se sua existência guarda compatibilidade com a Constituição Federal (CF). O presente trabalho buscará, portanto, por meio de levantamento doutrinário e também de pesquisa realizada junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verificar se, no Direito Administrativo Sancionador, há margem para o exercício da competência discricionária. 1 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA No Estado Democrático de Direito, a Administração só pode agir em obediência à lei, tendo como destino o cumprimento da finalidade da norma, com caráter mais estrito que o travado entre a lei e o comportamento dos particulares, não bastando no caso do público a relação de não-contradição, mas a relação de subsunção do fato à norma. Em quaisquer situações jurídicas pode-se reconhecer uma limitação que delineia os confins de liberdade de um sujeito. Tal liberdade, entretanto, pode ser mais ou menos ampla, em função das pautas estabelecidas nos dispositivos regedores da espécie. Qualquer regulação normativa é, por definição, o lineamento de uma esfera legítima de expressão e, ao mesmo tempo, uma fronteira que não pode ser ultrapassada, sob pena de violação do Direito. Este extremo demarcatório tem necessariamente uma significação objetiva mínima, precisamente por ser e para ser, simultaneamente, a linha delimitadora de um comportamento permitido e a paliçada que interdita os comportamentos proibidos[2]. Dentro da linha delimitadora do comportamento permitido, na discricionariedade o legislador prevê em suas regras de atribuição de competência mais de uma consequência jurídica válida dentro da margem de liberdade do agente, que deve eleger, diante de certo caso concreto, a solução mais adequada à satisfação de finalidade dentro de sua margem legal de liberdade. Miguel Sánchez Morón[3] conceitua a discricionariedade como a possibilidade, dentro das margens legais, de optar-se licitamente entre soluções distintas, mas sempre para satisfazer o interesse público. Em outras palavras, na discricionariedade administrativa o agente deve avaliar e escolher, na subsunção do fato concreto à norma, a melhor solução dentro da margem de liberdade outorgada pela lei. A discricionariedade só existe de acordo com o que é previsto em uma norma de competência, resultando na conclusão de que a atribuição pela norma é sempre vinculada. Para melhor compreensão da proposta de pesquisa no presente artigo, importante não se confundir a discricionariedade com os conceitos jurídicos indeterminados, que são os conceitos imprecisos estatuídos na norma, de modo que o intérprete ou o aplicador, quando da subsunção ao caso concreto, deverá complementar o conceito apurando valores e sua conexão com o ordenamento jurídico, por mais plurais que sejam as referências sociais e culturais da sociedade a respeito do tema. Existem, na doutrina, posicionamentos divergentes em relação à existência de discricionariedade nos conceitos jurídicos indeterminados. Alguns autores vislumbram que os conceitos jurídicos indeterminados podem ensejar uma certa discricionariedade, outros autores não menos importantes excluem tal possibilidade.[4] A posição adotada neste estudo é de que os conceitos jurídicos indeterminados não ensejam a discricionariedade administrativa, embora existam correntes doutrinárias divergentes. E a posição se justifica pelo fato dos conceitos vagos admitirem uma unidade de solução justa interpretativa, enquanto a discricionariedade permite uma pluralidade de soluções igualmente justas em que a decisão é pautada por critérios extrajurídicos (conveniência e oportunidade), embora deva observar o arcabouço jurídico e o objetivo da norma como critério geral de decisão. Os conceitos indeterminados podem ser empíricos ou de valor, sendo que os empíricos se referem a situações da natureza e os valorativos ao conceito de valor, sendo que este último exige do intérprete uma apreciação em termos valorativos (“moralidade pública”, “conduta desonrosa”). Indiscutivelmente os conceitos jurídicos indeterminados possuem margem interpretativa a ser preenchida pelo administrador em cada caso concreto, o que justifica, de certa forma, a distinção da discricionariedade, pois na discricionariedade não há juízo interpretativo, mas somente a produção de um juízo de valor, impondo ao administrador que pratique um ato de vontade em nome do interesse público[5]. Os conceitos jurídicos indeterminados reduzem-se a uma mera interpretação, sendo que a distinção entre conceitos jurídicos determinados e indeterminados não é de qualidade, mas de grau, o que conduz todos os conceitos a uma solução. Totalmente pertinente é a lembrança de Buhler, que reclama o controle judicial dos conceitos vagos quando as normas são protetoras dos direitos individuais.[6] Feitas estas ponderações para adotar a premissa de que não há intercâmbio entre a interpretação jurídica dos conceitos jurídicos indeterminados e a discricionariedade administrativa, passa-se a definir o conceito de Direito Administrativo Sancionador e, ao final, tratar especificamente sobre o exercício da discricionariedade no Direito Administrativo Sancionador.   2 UM CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR Ao formular um conceito de Direito Administrativo Sancionador, inegável a frequente comparação entre pena e sanção, pois ao tratar a evolução histórica da teoria da sanção administrativa é possível observar a existência de uma migração da pena administrativa do campo do Poder de Polícia para o terreno do Poder Sancionador. No Brasil, a proposta conceitual que vigora majoritariamente gira em torno da predominância exclusiva da dimensão formal, que conecta a sanção conceitualmente ligada à função administrativa. Alguns autores entendem, portanto, que a sanção administrativa há de ser conceituada a partir do campo de incidência do Direito Administrativo, formal e material, circunstância que permitiria um claro alargamento do campo de incidência dessas sanções, na perspectiva de tutela dos mais variados bens jurídicos, inclusive no plano judicial, como ocorre em diversas searas, mais acentuadamente no tratamento legal conferido ao problema da improbidade administrativa[7]. Nessa mesma perspectiva, as sanções não pertenceriam ao campo das funções, de modo que as sanções administrativas não poderiam se confundir com as funções administrativas, onde o tema pode ser exemplificado no âmbito da tutela dos direitos da infância e da juventude, onde há sanções administrativas aplicadas por autoridades judiciárias em nosso ordenamento jurídico[8]. No mesmo sentido é o que ocorre com a Lei 12.846/93 (Lei Anticorrupção), em que as sanções administrativas stricto sensu podem ser aplicadas pela Administração Pública ou, em sua omissão, pelo Poder Judiciário. Independentemente do caminho conceitual seguido, é possível definir a sanção administrativa como um castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e pro futuro, imposto pela Administração Pública, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com a finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito da aplicação formal e material do Direito Administrativo. Embora de grande importância, a construção da teoria do poder administrativo sancionador com a vinculação da sanção administrativa às dimensões material e formal do Direito Administrativo[9], ao tratar nessa ótica as medidas da sanção administrativa, como por exemplo as medidas de polícia (administração ordenadora), o tema retorna, no nosso posicionamento, indiretamente à função administrativa. Dentro dessa perspectiva é que passamos a conceituar abaixo a linha majoritária e predominante no Direito Administrativo brasileiro ligada ao âmbito das funções administrativas, sempre com o objetivo principal de analisar a possibilidade do exercício da competência discricionária na aplicação das sanções administrativas.   3 O ÂMBITO DAS FUNÇÕES ADMINISTRATIVAS Ao longo do tempo, as funções administrativas sofreram modificações baseadas na evolução social e também da ordem jurídica. Os objetos da função administrativa ampliaram-se consideravelmente em razão da mudança de modelo de Estado não intervencionista para um Estado que deve atender às demandas sociais e tantas outras demandas, intervindo com restrições[10]. No século XIX e início do século XX, a função administrativa limitava-se ao poder de polícia, serviço público e bens públicos, sofrendo processo evolutivo, de modo que passaram a ser identificados diversos outros campos de atuação, de acordo com a necessidade social. São eles: Administração Ordenadora, Administração de Prestação, Administração de Gestão, Administração de Fomento e Administração Sancionadora. Considerando o contexto de expressão de função administrativa, nenhuma lei pode, ao atribuir competência discricionária à Administração, esvaziar-se em seu dever de traçar o núcleo mínimo do princípio da legalidade (art. 5°, II, art. 37 da Constituição Federal)[11], caso contrário a discricionariedade poderia migrar para o exercício arbitrário da competência discricionária e configurar uma delegação disfarçada e inconstitucional[12]. Nessa linha de pensamento, nada há de distinto em relação à aplicação a qualquer outro instituto do Direito Administrativo, quando se tratam de normas de atribuição da competência discricionária. Especificamente no âmbito das funções administrativas é possível identificar que, em relação à atribuição da competência discricionária, tanto mais restrita deve ser sua dimensão quando o âmbito da função administrativa for de alguma medida de intervenção perante a esfera jurídica do direito do administrado, como é o caso do âmbito da função administrativa sancionadora. Ou seja, quanto mais interventiva a função, menor deve ser o exercício da competência discricionária. Naturalmente, ao disciplinar a Administração de Fomento, é legítimo que o texto normativo deixe à Administração Pública uma ampla margem de escolha no exercício da competência discricionária e na escolha da finalidade pretendida, sem que seja esvaziado por completo o princípio da legalidade. Trata-se de um âmbito que tem como objetivo o incentivo de um bem comum, onde é lícito a Administração Pública exercer a competência discricionária, tanto para avaliar a hipótese de fato quanto a finalidade da norma jurídico-administrativa. No âmbito da Administração Ordenadora, ao disciplinar uma limitação administrativa à propriedade (Poder de Polícia), não é suficiente dizer a lei, por exemplo, que para a prevenção e controle da proliferação de epidemias poderá o Poder Público adotar as medidas necessárias, pois se uma norma destas supera, como cremos que sim, a exigência de que não haja a delegação da função legiferante, pois tanto a hipótese de fato (prevenção e controle da proliferação de epidemias) quanto a finalidade da norma (adotar as medidas necessárias) estão traçadas sob um arquétipo mínimo. Por outro lado, é insuficiente se a Administração pretender apoiar-se nela para ingressar em residências, sem o consentimento dos moradores e sem um mandado judicial, para averiguar se existem focos do mosquito transmissor da dengue. Neste sentido, ao contrário do que ocorre na Administração de Fomento, no âmbito da Administração Ordenadora não há a ampliação da esfera jurídica de proteção do administrado, mas, ao inverso, a restrição, o confinamento de liberdade ou da propriedade, e por isso é preciso que a norma seja precisa o suficiente quanto ao plexo de pluralidade de decisões legítimas, isto é, a norma deve ser precisa o suficiente para que se vislumbre qual o alcance concreto possível da discricionariedade administrativa[13]. Na Administração de Prestação, que também se destina a oferecer benefícios e ampliar o direito dos administrados, como ocorre na Administração de Fomento, a lei outorga discricionariedade para a Administração transferir a execução do serviço público. Ou seja, reconhecida a hipótese de fato (organização das atividades do Poder Público) como suficientemente delineada, a discricionariedade outorgada pela escolha, ou não, da execução do serviço por um particular pode ser considerada suficientemente traçada como finalidade, vez que é exteriorizada pela possibilidade de delegar todo o serviço ou parte dele. Da mesma forma poderá escolher o instrumento para a referida delegação. A Administração Sancionadora é a medida mais interventiva do Estado perante à liberdade do administrado, e, por consequência deste grau de intervenção, deve, necessariamente, atender à regra constitucional de que não há pena sem prévia cominação legal (art. 5°, XXXIV), o que alija qualquer possibilidade da norma jurídico-administrativa que versa sobre Direito Administrativo Sancionador comportar qualquer espaço para a discricionariedade administrativa. Não há espaço para que a norma defina na hipótese de fato ou na finalidade, competência discricionária. O que existe no Direito Administrativo Sancionador é mera interpretação jurídica, não podendo à Administração Pública fazer juízos discricionários sobre certo acontecimento ao qualificar ou não como infração administrativa, bem como não cabe fazer juízos discricionários sobre qual das penas deve ser aplicada ao fato. Há necessidade de que a norma jurídico-administrativa vincule à Administração Pública simplesmente pela subsunção do fato à norma sem qualquer juízo discricionário, sob pena de ser considerada inconstitucional, de forma que ao Poder Judiciário cabe exercer a sindicabilidade sobre a coerência da interpretação jurídica que se materializa nas decisões administrativas. Na eventual possibilidade de correção de interpretação jurídica da Administração Pública, manifestada no exercício do Direito Administrativo Sancionador, deve-se ter por critério, além dos clássicos formais relacionados ao devido processo legal, a aferição da racionalidade da decisão, o que implica avaliar a ponderação da deliberação administrativa[14].   4 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA SOBRE O TEMA A jurisprudência brasileira, caminhando no sentido da doutrina, tem se posicionado pela inexistência de discricionariedade na aplicação da penalidade pelo administrador, de maneira que, caracterizada a conduta que a lei estabelece, não poderá ser aplicada pena diversa da caracterizadora da infração. Em recente julgado[15], na análise à tese de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação de pena de demissão, o Superior Tribunal de Justiça negou pedido, sob argumento, segundo voto do relator, de inexistência de discricionariedade ao administrador na aplicação da pena: […] é firme o entendimento do STJ no sentido de que caracterizada a conduta para a qual a lei estabelece, peremptoriamente, a aplicação de determinada penalidade, não há para o administrador discricionariedade a autorizar a aplicação de pena diversa. No Supremo Tribunal Federal, a 1ª Turma, à unanimidade, já tinha concluído que o princípio da proporcionalidade não pode ser banalizado a ponto de acarretar o afastamento das regras legais […] Foi esta a escolha do legislador federal que não dispensou ao administrador público responsável pela aplicação de sanção um espaço para escolha discricionária[16].   CONCLUSÃO Quanto mais interventivo for o âmbito da função administrativa, mais restrita deve ser a dimensão de atribuição da competência discricionária na norma jurídico-administrativa. No Direito Administrativo Sancionatório, independentemente da forma conceitual utilizada, sanção conceitualmente ligada à função administrativa ou a partir do campo formal e material, não há margem de discricionariedade em razão de se tratar do ápice de intervenção do Estado na liberdade do administrado. Isso porque o art. 5°, XXXIX, da Constituição Federal, norma essa que traz a rigorosa exigência constitucional de que a infração e a pena sejam previstas em lei, afasta a possibilidade de a Administração fazer juízos discricionários para qualificar fatos como infração administrativa, ou sobre qual das penas previstas em lei deve ser aplicada. Portanto, qualificada a conduta estabelecida na norma, não há discricionariedade do administrador para aplicação de sanção diversa. No Direito Administrativo Sancionatório, o papel do julgador é apenas interpretativo, devendo a lei fixar objetivamente, no exercício de atribuição de competência, a conduta que caracterize a infração e o consequente normativo (sanção). Assim, determinada norma que regula matéria de Direito Administrativo Sancionatório deve guardar compatibilidade com a Constituição Federal, e deveria ser considerada inconstitucional sempre que atribuir competência discricionária na aplicação de sanção.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-discricionariedade-administrativa-no-direito-administrativo-sancionador/
Direitos e deveres dos administrados perante a Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999
O presente estudo busca apresentar o Processo Administrativo Federal regulamentado pela Lei nº 9.784 , de 29 de janeiro de 1999 que disciplina no âmbito da Administração Pública direta e indireta dos três Poderes da União o tratamento do administrado, desta forma regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, sendo uma área fiscal, que atua diferente dos processos comuns judiciários, à luz do Princípio Inercia da Jurisdição Art. 2º do CPC, no entanto a administração pública não precisa ser provocada para agir, sendo amparado pela lei, o impulso de oficio. Outro ponto abordado são as obrigações, deveres e garantias do administrado, deixando bem claro que não são apenas obrigações que o administrado deve cumprir, portanto existe garantias e deveres regulamentada em lei, que normatiza os   processos da administração federal, visando a adequação social, e o sentimento de direitos e deveres resguardado perante o poder público na esfera administrativa, conforme estabelecido por lei.
Direito Administrativo
Introdução A Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999 versa o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Esta Lei preceitua as normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal de forma direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e a melhor efetivação dos fins da Administração. De acordo com o § 1°, os preceitos desta Lei se aplicarão também aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa. Administrado é o sujeito titular de direitos e deveres perante o Estado, logo o termo “administrado” no passar do tempo, cada vez mais, é menos utilizado por passar uma ideia de que o particular é simplesmente comandado pelo Estado, e não possuir nenhuma garantia perante aquele. Dessa forma, os termos “usuário” e “cidadão” passam a ganhar popularidade quando nos referimos aos administrados. A lei 9.784/99 em seu artigo 3º prevê os direitos dos administrados, sendo eles: ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações; ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas; formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei. Como mencionado os administrados também possuem deveres, esses estão previstos no artigo 4º da mesma lei supracitada, sendo eles: expor os fatos conforme a verdade; proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; não agir de modo temerário; prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos. A grande problemática, quando nos referimos a esses direitos e deveres, está no cumprimento dos mesmos, uma vez que existe um resguardo extremo dos interesses da Administração. Não se pode abster do princípio da supremacia do interesse público, porém esse princípio não exclui os direitos dos cidadãos, principalmente visando o devido processo legal, que devem ser sempre respeitados. Quanto ao princípio do Devido Processo Legal Nelson Nery Júnior discorre:             “Bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do “due processo of law” para que dai decorressem todas as consequências processuais que garantiam os litigantes o direito a um processo e a uma sentença justa. É, por assim dizer, o gênero do qual todos os demais princípios constitucionais do processo são espécie.”     O Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, que além de ser aplicado no direito administrativo também é um dos princípios gerais do Direito, consiste em determinar um “privilégio jurídico” e um patamar de superioridade do interesse público do Estado quando em conflito com o interesse de um particular. Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, o princípio da supremacia do interesse público, também chamado de princípio da finalidade pública, está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação. Dirley da Cunha Júnior discorre sobre o principio da verticalidade o qual demonstra exatamente o patamar de superioridade do interesse público: “A posição de supremacia é muitas vezes expressada através da afirmação de que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares, ao contrário da horizontalidade, típica das relações entre particulares. Isso significa que o Poder Público se encontra em situação de comando e autoridade relativamente aos particulares, como indispensável condição para gerir os interesses públicos postos em confronto. Isso implica o reconhecimento de uma desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados. Compreende, em face de sua desigualdade, a possibilidade, em favor da Administração, de constituir os privados em obrigações por meio de ato unilateral daquela e também o direito de modificar, também unilateralmente, relações já estabelecidas.” Apesar da aplicação do referido princípio nos processos administrativos federais, não podemos nos abster dos outros vários princípios que regem o nosso ordenamento jurídico, para que nenhum direito ou dever seja ferido. Nessa relação jurídica a consequente desigualdade das partes, uma vez que Estado e juiz se confundem por estar contido este a aquele. Mais um motivo para que a condução do processo seja seguida a risca as formalidades legais, buscando de essa forma colocar as partes sob uma igualdade relativa de tratamento. O devido processo legal deve ser fielmente respeitado, garantindo o consequente contraditório e ampla defesa da parte contrária. Lembrando que a NÃO INTIMAÇÃO/CITAÇÃO do réu no processo administrativo, que consequentemente vem a ser o particular, não implica no reconhecimento da verdade absoluta dos fatos, nem mesmo na renúncia ao direito pelo administrado, não se aplicando a revelia. A Terceira Seção no MS 15.090/DF, da Relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior decidiu que há de se nomear advogado dativo no caso de revelia. Nesse sentido, a Primeira Seção, julgado no MS 18.138/DF, da Relatoria do Ministro Humberto Martins, um processo foi anulado em razão de ausência de contraditório: “Ora, o documento do MPF possui algum caráter relevante. E, desta forma, deveria haver o contraditório. Assiste razão ao impetrante, nos termos da jurisprudência desta Corte Superior de Justiça. De outra sorte, o fato de o documento ter sido encaminhado em caráter sigiloso compromete a possibilidade de que fosse mera opinião. O seu conteúdo evidencia reprimenda ao serviço de apuração, desempenhado pela Comissão Processante, por haver discordância em relação às conclusões do relatório. Friso que o documento foi encaminhado ao Corregedor-Geral, chefe dos servidores, opinando que o relatório final continha “equívocos e contradições manifestos presentes nas considerações da Comissão Investigativa, aliado à ausência de motivação em diversos aspectos” (fl. 25, e-STJ). Bem localizada e evidenciada a mácula ao contraditório e à ampla defesa, deve ser parcialmente concedida a ordem.” Sendo assim, infere-se, pois, que ao proceder com o devido processo legal, garantem-se ao administrado todos os seus direitos previstos no artigo 3º da lei 9.784/99, o que muitas vezes por simplesmente analisar a supremacia do interesse público e a indisponibilidade do interesse público, acabam por suprimir os direitos dos administrados em conhecer e ter a oportunidade de se defender nos autos, dando decisões favoráveis ao Estado, porém “pulando etapas” do processo. Nesse sentido: “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – DESCONTOS – VENCIMENTOS SERVIDOR – PROCESSO ADMINISTRATIVO – AUSÊNCIA DE OFENSA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – DEVIDO PROCESSO LEGAL – REVISÃO DO ATO ADMINISTRATIVO – DECADÊNCIA. Não obstante o poder-dever da Administração Pública de rever e anular seus próprios atos, os interesses e direitos dos particulares devem ser, ao máximo, preservados, mormente quando o vício que eiva o ato de nulidade não foi produzido por culpa do mesmo. A decadência é um instituto que decorre do princípio da segurança jurídica, segundo o qual as relações jurídicas necessitam estabilizar-se no tempo e no espaço, de forma a proporcionar, às partes, uma sensação de tranquilidade e previsibilidade quanto às situações constituídas em sua vida privada. Mesmo antes da edição das normas – Lei Federal n. 9784/99 e Lei Estadual de n. 14.184/2002 – já prevalecia o entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de que, em nome do princípio da segurança jurídica, o prazo de decadência seria quinquenal.” Outrossim, é importante ressaltar que a administração pública está representada pelos servidores públicos, sendo assim é notável a relevância de um bom desempenho dos seus serviços visando uma garantia do cumprimento dos direitos dos administrados, podendo então se falar no “servidor cidadão”. Porém não se deve deixar a responsabilidade totalmente sobre os servidores, uma vez que o verdadeiro responsável é o próprio Estado, que deverá garantir meios que capacitem os seus funcionários para um melhor desempenho dos serviços prestados. Além do bom desempenho dos servidores, um princípio considerável é o Princípio da Oficialidade/Impulso de Ofício que discorre o art. 2º, XII, da Lei nº 9.784/99 – impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados; art. 5º, caput, da Lei nº 9.784/99 – O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido do interessado. O art. 29, da Lei nº 9.784/99. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realiza-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias. Conforme os artigos apresentados, o administrador não precisa ser provocado para instaurar processo administrativo, sendo assim, ele pode fazer a instauração processual, desde que não seja de forma arbitraria, e conforme a lei. Nesse sentido tratamos do princípio da oficialidade, o qual está previsto na referida lei estudada, Lei nº 9.784/99, como critério a ser adotado,  a “impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados”, também em seu artigo 5º consta que “O processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado.”; por fim o artigo 29º dispõe: “As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão realizam-se de ofício ou mediante impulsão do órgão responsável pelo processo, sem prejuízo do direito dos interessados de propor atuações probatórias”. No entanto a oficialidade no processo administrativo que tem o princípio fundamentado pelo o próprio interesse público, e também norteado pelo princípio da eficiência, é muito mais extenso do que o impulso oficial no processo judicial. Ela compreende o poder-dever de instaurar, fazer andar e rever de ofício a decisão. Sendo o processo um meio de atingir o interesse público, podendo ser constituído um dano ao interesse público caso não chegue a uma conclusão. Nesse sentido: Autotutela e Súmula 473 do STF ”A ADMINISTRAÇÃO PODE ANULAR SEUS PRÓPRIOS ATOS, QUANDO EIVADOS DE VÍCIOS QUE OS TORNAM ILEGAIS, PORQUE DELES NÃO SE ORIGINAM DIREITOS; OU REVOGÁ-LOS, POR MOTIVO DE CONVENIÊNCIA OU OPORTUNIDADE, RESPEITADOS OS DIREITOS ADQUIRIDOS, E RESSALVADA, EM TODOS OS CASOS, A APRECIAÇÃO JUDICIAL”.   Como já explanado, apesar de possuir personalidade jurídica própria, o Estado necessita da atuação agentes públicos para alcançar sua finalidade.  Deste modo, tais agentes por usufruírem de direitos, também estão sujeitos a deveres que advêm da defesa do interesse público. São deveres do administrados diante a Administração Pública, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo, conforme previsto no capítulo III, art. 4°, da lei 9.784/99, “in verbis ”: I – Expor os fatos conforme a verdade; II – Proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé; III – Não agir de modo temerário; IV – Prestar as informações que lhe forem solicitadas e colaborar para o esclarecimento dos fatos. Os três principais deveres dos administrados são: Dever de prestar contas, Dever de eficiência e Dever de probidade. O primeiro dever é intrínseco ao administrador, pois este deverá prestar contas concernentes ao interesse da coletividade e a gestão dos bens públicos, neste caso, podendo ser interpretado em entendimento amplo e, não somente, no sentido financeiro. Conforme Diógenes Gasparini: “[…] a prestação de contas abrange todos os atos de administração e governo, e não só os relacionados com o dinheiro público ou gestão financeira.” (GASPARINI, 2005: 149). Ainda, consoante com o autor José dos Santos Carvalho filho, prestar contas “é encargo dos administradores públicos a gestão de bens e interesses da coletividade, decorre daí o natural dever, a eles cometido, de prestar contas de sua atividade na gestão dos interesses de toda a coletividade. ” Por sua vez, o Dever da eficiência tem como objetivo transformar o desempenho do administrador mais diligente, preparado e eficiente, consistente em uma boa produtividade para obter bons resultados, isto é, prestar uma boa administração pública. Ainda, Diógenes elucida que o dever da eficiência adveio do princípio da eficiência, explicando que: “[…] O princípio da eficiência, conhecido entre os italianos como dever de boa administração, impõem ao agente público a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento, além por certo de observar outras regras, a exemplo do princípio da legalidade. ” Por fim, o Dever de probidade dispõe que as práticas de atuação do administrador devem estar de acordo com os princípios da honestidade administrativa e da moralidade, sujeito a aplicação de sanções penais, políticas e administrativas, conforme art. 37, §4º da CF, significando ainda, a correção de condutas e atuações comportamentais do agente em desacordo com a administração pública. Gasparini explica que o dever de probidade exige do agente público “[…] o desempenho de suas atribuições sob pautas que indicam atitudes retas, leais, justas e honestas, notas marcantes da integridade do caráter do homem.” (GASPARINI, 2005: 145). No tocante do art. 4º, inciso II da Lei 9.784/99, “proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé”, cumpre-se destacar que ao ir em contraposto a esse artigo, violando os deveres funcionais, os administrados sofrerão consequências. Nesse sentido:             “RECURSO ESPECIAL. PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. AUDITOR TÉCNICO DE TRIBUTO. SOLICITAÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA. PERDA DO CARGO PÚBLICO. EFEITO EXTRAPENAL DA CONDENAÇÃO. PENA SUPERIOR A UM ANO. ABUSO DE PODER. VIOLAÇÃO DOS DEVERES FUNCIONAIS. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Nos termos do art. 92, inciso I, alínea a, do Código Penal, a perda do cargo público é efeito da condenação quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública. 2. As instâncias ordinárias concluíram: a) estarem comprovadas a autoria e a materialidade quanto ao crime de corrupção passiva; e b) que o Recorrido agiu com abuso de poder e violação dos deveres funcionais quando utilizou seu cargo público para aferir vantagem econômica indevida em detrimento dos administrados. Ademais, foi aplicada pena privativa de liberdade superior a um ano de reclusão. 3. A substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos não tem o condão de afastar o efeito disposto no art. 92, inciso I, alínea a, do Código Penal, uma vez que a perda do cargo não está adstrita à efetiva privação da liberdade do réu. Precedentes. 4. Uma vez presentes os requisitos legais, conforme a moldura fática delineada pelas instâncias ordinárias, nega vigência à legislação federal penal o Tribunal estadual que deixar de determinar a perda do cargo público como efeito extrapenal da condenação. 5 Recurso especial provido para restabelecer a decretação da perda do cargo público como efeito extrapenal da condenação, nos termos do art. 92, inciso I, alínea a, do Código Penal. Acórdão Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Nefi Cordeiro e Antonio Saldanha Palheiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. ”   Conclusão De forma conclusiva a lei nº 9.784/99 trouxe a sociedade, ou administrado uma relação legal entre a administração pública e o devido processo legal, que  resguarda juridicamente sendo um amparo jurídico baseado em princípios que regem a lei, tais como os princípios da honestidade administrativa, moralidade, primazia do interesse público sobre o interesse privado, legalidade, isonomia, publicidade, impessoalidade, eficiência, devido processo legal, ampla defesa, e contraditório, vedação às provas ilícitas, motivação, duração razoável e celeridade, informalidade, oficialidade, verdade material, duplo grau de jurisdição, finalidade, razoabilidade, segurança jurídica e boa-fé. Esses princípios são de grande importância elucidando os direitos e deveres das partes. Sendo importante seguir os princípios constitucionais que regem no processo administrativo conforme a instrução adequada, configure uma maneira responsável e eficaz para que possa respeitar e preservar a coisa pública e que as normas sejam interpretadas de forma correta, respeitando e resguardando o administrado e o administrado conforme  o devido processo legal.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/direitos-e-deveres-dos-administrados-perante-a-lei-9-784-de-29-de-janeiro-de-1999/
Licitação: Modalidades e Forma Contratual
RESUMO: Esse artigo tem como objeto, a análise do instituto da Licitação e contratos administrativos. Sabe-se que toda pessoa física ou jurídica tem o direito e total liberdade para comprar, vender e também firmar contratos, porém, essa livre iniciativa deve ser submetida a regras e costumes regem o regime jurídico comercial e também ao direito civil. O instituto da licitação possui modalidades e procedimentos próprios que, se seguidos corretamente, levará a concretização do contrato administrativo. A licitação, possibilita que o dinheiro público seja mais bem gerenciado, de maneira que não aconteça o mau uso do dinheiro. É sua finalidade escolher a proposta mais vantajosa em qualidade, quantidade e em preço, visando sempre o respeito a tese da supremacia do interesse público e principalmente a dignidade humana representada na sociedade em geral, pois, os atos da administração pública recaem diretamente à população, devendo assim, seus atos serem conveniente a população, mas que acima de tudo possa também ser favorável à administração.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente artigo visa o estudo das licitações e contratos administrativos, bem como, o conhecimento de suas modalidades. Diferente do que acontece nos órgãos privados, que possuem a liberdade de comprar e firmar contratos, a administração pública obrigatoriamente deve ser submetida a licitação, seja para contratar, para aquisições ou alienações. A licitação é regulada pela Lei n° 8.666/93, de 21 de junho de 1993, mais conhecida como Lei de licitações e contratos, e também pela Lei do Pregão, Lei n° 10.520/02 de 17 de julho de 2002, além de estar expressa na Constituição Federal em seu artigo 37, XXI. Inicialmente é feito o ato convocatório, podendo ser por edital ou convite, que tem a finalidade de expor as condições para participação da licitação, além de como será desenvolvida e como se dará a contratação. Além de ser obrigatório, indispensável e formal, a licitação é de grande importância, e nenhum ente federativo está excluído dessa responsabilidade.   O art. 37, XXI dispõe o seguinte: “Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Regulamento)” (BRASIL, 1988) Esse dispositivo explica que é através do processo licitatório que as necessidades do órgão público serão procedidas, ou seja, todo e qualquer tipo de serviço de aquisição que a administração pública necessariamente precise de firmar contrato, será feito somente através de licitação, onde deve ser observado, qualidade, quantidade, preço, prazo, entre outros requisitos. Celso Antônio Bandeira de Mello dispõe o seguinte: “Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.” (MELLO, 2004) Já Adilson Abreu Dallari fala o seguinte sobre esse instituto: “O instituto da licitação assumiu grande importância atualmente, devido ao aumento na esfera de atuação da Administração Pública, por meio do desempenho de novas funções exigidas pela complexidade da vida moderna”. (DALLARI, 1992) Uma de suas características é o respeito a tese da supremacia do interesse público, ou seja, os direitos fundamentais devem ser respeitados, principalmente a dignidade da pessoa humana, e a satisfação do que for conveniente a população, mas que acima de tudo possa também ser favorável. Niebuhr (2008) explica o seguinte: “(…) o particular dispõe livremente das coisas e dos interesses que lhe dizem respeito. Ele imprime à administração de seus interesses a sua própria vontade, agindo de acordo com ela. Por exemplo, se o particular resolve beneficiar alguém, por razões estritamente pessoais, como as familiares e as afetivas, não há nada que impeça de fazê-lo. Sem contrariar as proibições prescritas nas normas jurídicas, o particular atua com total liberdade. Em sentido contrário, quem exerce função administrativa está atrelado ao interesse público, sendo-lhe vedado utilizar o aparato estatal para fazer valer percepções de cunho subjetivo. (NIEBUHR, 2008) Faria (2007) explica que: “visa a Administração, por meio da licitação, obter a melhor e mais vantajosa proposta entre todos os ofertantes interessados, atuantes no ramo do objeto pretendido.” (FARIA, 2007) Na verdade, a licitação, possibilita que o dinheiro público seja mais bem gerenciado, de maneira que não aconteça o mau uso do dinheiro. É sua finalidade escolher a proposta mais vantajosa que siga os conformes da convocação, carta ou edital; onde deve ser possibilitado a todos os  candidatos as mesmas oportunidades, de modo que, essa oportunização permita que seja feita a melhor escolha das propostas apresentadas, pois, somente assim, é possível que não haja apadrinhamentos, favorecimentos e até perseguições relacionadas aos candidatos. Sobre esse assunto, há jurisprudência do STF: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 16 E 19 DA LEI N. 260, DO ESTADO DE RONDÔNIA. SERVIÇO PÚBLICO. TRANSPORTE COLETIVO DE PASSAGEIROS. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO AUTOMÁTICA DE LINHAS MUNICIPAIS DE TRANSPORTE COLETIVO EM PERMISSÃO INTERMUNICIPAL. DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA ENTRE LICITANTES. LICITAÇÃO. ISONOMIA, PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 5º, CAPUT, 175 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.  […] 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. (ADI 2.716, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 29.11.07, DJE de 07.03.08).” É perceptível que as palavras do Min. Eros Grau, faz jus ao Princípio da Legalidade, onde deve-se ter o respeito ao que está previsto pela Lei, ou seja, o que não estiver em conformidade com a Lei se torna um ato nulo. O princípio da Legalidade está expresso n Constituição Federal em seu art. 5°, II, que dispõe o seguinte: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei”. (BRASIL, 1988) Além do Princípio da Legalidade há outros princípios que fazem parte, como o Princípio da Igualdade que dispõe sobre a igualdade de tratamento, o Princípio da competitividade dando a todos o direito de participação, o Princípio da impessoalidade onde não se permite a preferência por nenhum candidato em específico, o Princípio da Publicidade, como o nome já diz, os atos devem ser públicos e tanto os licitantes quanto a sociedade devem ter acesso às informações relativas à licitação, conforme previsto no art. 39 da Lei 8666/93: “Art. 39. Sempre que o valor estimado para uma licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas for superior a 100 (cem) vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” desta Lei, o processo licitatório será iniciado, obrigatoriamente, com uma audiência pública concedida pela autoridade responsável com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis da data prevista para a publicação do edital, e divulgada, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias úteis de sua realização, pelos mesmos meios previstos para a publicidade da licitação, à qual terão acesso e direito a todas as informações pertinentes e a se manifestar todos os interessados.” (BRASIL, 1993) Claro que existem muitos outro princípios que são aplicados nos casos de licitações públicas, esses, porém, são os mais perceptíveis no caso concreto, entretanto isso não diminui o valor de nenhum princípio constitucional.   Sobre as modalidades de licitação o art. 22 da Lei 866/93 dispõe o seguinte: “Art. 22. São modalidades de licitação:  I – Concorrência;  II – tomada de preços;  III – convite;  IV – concurso;  V – leilão. Conforme o dispositivo citado acima, a licitação é dividida em modalidades, que facilita para que o objetivo da Administração pública em cumprir a legislação seja efetivado. Cada modalidade possui seu requisito próprio, que pode ou não deixar a licitação mais complexa. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: “As regras do procedimento licitatório devem ser interpretadas de modo que, sem causar qualquer prejuízo à administração e aos interessados no certame, possibilitem a participação do maior número de concorrentes, a fim de que seja possibilitado se encontrar, entre várias propostas, a mais vantajosa.” (STJ, 1998) De acordo com Servidio (1979, p. 86): “A   dispensabilidade   de   licitação   dependendo, portanto, de manifestação da vontade competente, deve ter por suporte um motivo fundado e real. Nessas condições, a motivação do ato de dispensa, além de exigir perfeito enquadramento legal, sem o que inviabiliza a pretendida dispensa de licitação, deve condicionar-se à veracidade dos fatos para que, por conseguinte, não ocorra desvio de poder.” (SERVIDIO,1979) A dispensa da licitação ocorre apenas nos casos em que a Lei permitir, ocorre quando o administrador percebe que a continuação da licitação é incompatível com o objeto dela, devendo sua dispensa ser motivada e fundamentada   Sua destinação são as licitações de maior valor, porém, nada impede que possa ser utilizada em outros valores. qualquer interessado pode participar, desde que cumpra os requisitos do edital. Obrigatoriamente é a modalidade que deve ser aplicada às obras e serviços de engenharia onde o uso orçamentário seja acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), e aos serviços que não estejam relacionados a obras e serviços de engenharia em que o custo orçamentário tenha o valor mínimo de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). Além disso, é aplicada nos casos de concessão de direito real de uso, na compra e venda de imóveis públicos e nas licitações internacionais. Esses são os casos que necessariamente devem ser aplicada a modalidade de concorrência. A documentação de habilitação para participar da licitação devem ser disponibilizadas já no início do processo licitatório, devido ao alto valor a ser contratado, exige-se que sua publicidade seja mais vasta, ampla, de maior dimensão. Possui duas fases: habilitação, onde ocorre a análise de documentos e julgamento, análise das propostas e escolha do vencedor.   Os candidatos devem fazer o cadastro no órgão competente antecipadamente, pois necessita comprovar o certificado do registro cadastral (CRC), em até três dias antes do término do período de proposta. Esse certificado serve para comprovar que o candidato cumpriu os requisitos para participar da licitação. Meirelles( 1998, p. 309) dispõe o seguinte: “O que caracteriza e distingue da concorrência é a existência da habilitação prévia dos licitantes através dos registros cadastrais, de modo que a habilitação preliminar se resume na verificação dos   dados   constantes   dos   certificados   de   registro   dos interessados e, se for o caso, se estes possuem a real capacidade operativa e financeira exigida no edital”. Assim como a concorrência, a tomada de preços também tem seus valore padrões, sendo para obras e serviços de engenharia o valor máximo de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), ara compras e outros serviços o valor máximo de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil reais). Assim como da concorrência, exige-se que sua publicidade seja mais vasta, ampla, de maior dimensão.   É destinada a contratos de pequeno valor devido ser uma modalidade mais simples, seus prazos são reduzidos, a convocação é restrita a aproximadamente três concorrentes que têm o prazo máximo de 24 horas para apresentarem seu interesse antes da apresentação de propostas. O Tribunal de Contas da União (1998, p. 9665) decidiu o seguinte sobre isso: “Em se tratando de convite, é obrigatório convidar, no mínimo, três empresas do ramo pertinente ao objeto e fazer incluir nos autos do processo os recibos comprobatórios da entre do convite.” (BRASIL, 1997) Apesar de ser a modalidade mais simples, possui inúmeras exigências. O valor para contratação nesta modalidade é de R$ 8.000,00 (oito mil reais) a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para serviços e compras, já para serviços de engenharia o valor é de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) podendo chegar até 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais).   O leilão é destinado a venda de moveis, imóveis e semoventes. Assim como a concorrência, deve ser feito um edital e publicado para conhecimento de todos. Além disso, deve conter valor dos bens, características, avaliação, onde se encontram guardados, qual será a forma de pagamento e quando será a abertura de propostas. Não é necessário que os interessados cadastrem previamente para participar, porém, pode haver restrições conforme os dizeres de Justen Filho (2005): “Suponha-se   que   a   venda   dos   bens   leiloados   apresente características assistenciais ou de regulação de um certo setor. A Administração venderá os produtos para população carente, por exemplo. Poderá ser imposta restrição à participação daqueles que   não   necessitem   de   assistência   social; poderão ser estabelecidos limites de quantidades adquiridas individualmente; poderá   ser   proibida   a   participação   de   pessoas   jurídicas, etc. Reitera-se, assim, a regra geral: as restrições à participação deverão ser compatíveis   com o princípio da isonomia e um instrumento de realização do interesse público que conduziu a licitação.” (JUSTEN FILHO, 2005) É regido por leiloeiro oficial registrado na junta Comercial, e possui dois tipos, o comum que é realizado pela legislação federal pertinente, e o administrativo, que tem por finalidade leiloar mercadorias apreendidas.   O concurso tem a finalidade de classificar trabalhadores para cargos públicos, mediante o pagamento de prêmio (salário) estipulado pelo edital, após a seleção o candidato escolhido não poderá reivindicar qualquer direito perante a Administração, tendo em vista que tudo já estava previsto pelo edital. Dispõe Pavaléri (2003, P. 94): “(…) em relação às demais modalidades o concurso diferencia-se basicamente em função de que naquelas há uma disputa pelo preço a ser contratado, cabendo aos licitantes fixa-los em suas propostas, sendo que a selecionada como a mais vantajosa irá executar o objeto no futuro. No concurso dá-se o inverso. Todos os   licitantes   entregam   seus   serviços prontos e acabados concorrendo em face de preço (prêmio) previamente fixado pela Administração no edital do certame.” (PAVALÉRI, 2003). A escolha do vencedor também se dá conforme os requisitos estipulados no edital.   Sobre essa modalidade Di Pietro (2003) dispõe o seguinte: “como o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem a condições fixadas no instrumento convocatório, a   possibilidade   de   formarem   propostas   dentre   as   quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.” (DI PIETRO, 2003) Faria (2007) explica: “Pregão é a modalidade de licitação para a aquisição de bens e serviços comuns, promovida por entidades e órgãos públicos da Administração direta e da indireta, qualquer que seja o valor do objeto a ser contratado, em que a disputa dos licitantes com vistas à classificação e a adjudicação, se realiza por meio de propostas e lances em sessão pública ou por meio eletrônico, denominado pregão eletrônico.” (FARIA, 2007) O pregão destina-se basicamente a aquisição de bens e serviços comuns, que são oferecidos por diversos fornecedores, onde a decisão de compra é baseada no menor preço. Foi instituído pela Lei n° 10.520/02, que regulamenta a aquisição de bens e serviços comuns, independente do valor. É feita uma sessão pública onde a disputa ocorre por meio de propostas e lances, é mais célere que as outras modalidades, e por isso, se torna mais simples, pois, somente o preço é levando em conta no pregão.   Sabe-se que um contrato é um acordo de vontades, firmado de livre e espontânea vontade das partes, com intuito de gerar direitos e obrigações. Porém, ao se falar em contratos com a administração pública, o assunto é um pouco diferente, pois, o firmamento de contrato com particular é para satisfazer o interesse público, conforme estabelecido em Lei. Existem os seguintes contratos com a repartição pública: contrato de obra pública, que visa a construção, reforma ou ampliação de determinada obra pública; contrato de serviço que visa a demolição, manutenção, transporte, montagem, conserto, reparação, etc.; contrato de fornecimento, onde adquire  coisas móveis por meio de compra; contrato de gestão realizado pelo poder público com órgãos da própria administração pública e entidades privadas como ONG´s e contrato de concessão, onde há a transferência do uso de algum bem público ao particular. Vale ressaltar que todos os contratos administrativos são de adesão, ou seja, possuem clausulas fixadas unilateralmente pela administração. Dessa forma, são fixadas as condições contratuais, como serão apresentadas as propostas e o que se espera delas, como será a aceitação, entre outras, tudo isso, de maneira vincula às leis e buscando cumprir o Princípio da indisponibilidade do interesse público. Independente do objeto do contrato, todos terão a mesma característica, a finalidade pública, mesmo que regido pelo particular, sob pena de desvio de poder, ou seja, o interesse de todos sempre estará em primeiro lugar.  A própria Lei dispõe normas em que estabelece como será elaborado e a sua forma, bem como, a vedação de contratos por prazo indeterminado. Uma característica importante desse tipo de contrato é que a lei exige que sejam intuito personae, ou seja, em razão das condições pessoais, onde somente o contratado pode cumprir com a obrigação. Além disso, há também a presença das cláusulas exorbitantes, ou seja, clausulas que em contratos firmados apenas entre particulares seriam consideradas como ilícitas, mas que em contratos firmados com a administração pública, colocam a administração pública como superior no contrato, claro que, isso visa apenas o interesse público sobre o particular. Sobre a rescisão do contrato, Meirelles (2012) dispõe: “nenhum particular adquire direito à imutabilidade do contrato administrativo ou a sua execução integral, ou ainda as vantagens in specie, pois estaria subordinando o interesse público ao interesse privado no contrato”. Ou seja, a base do contrato é o princípio da continuidade do serviço público, entretanto, caso haja a necessidade da rescisão contratual, deve ser com base no inadimplemento e também no interesse público. Assim, como todo processo, seja na alteração ou rescisão do contrato, os princípios da ampla defesa e do contraditório devem ser respeitados, caso contrário, a pena pode ser a nulidade do ato administrativo.   CONCLUSÃO A licitação é um procedimento usado pela administração pública para obter proposta mais vantajosa em seus contratos, a fim de executar os interesses públicos e assegurando a igualdade de condições aos participantes. É um procedimento complexo, possui modalidades e características específicas. a Constituição Federal dispôs sobre a licitação como obrigação a Administração pública, ou seja, como instrumento adequado para indicar a melhor proposta para se contrair contrato, sendo apenas em casos excepcionais que a licitação será dispensada. O processo licitatório deve desde o início observar os dispostos em Lei, cumprir com a regulamentação e com o edital, não buscando vantagens nem garantias com terceiras, mas sim, buscando o melhor para o interesse coletivo. Esses contratos firmados com a administração pública buscam o melhor interesse público, satisfazendo a sociedade, e por isso, possuem as cláusulas exorbitantes para ser observada a supremacia da administração pública. Além disso, possuem muitas formalidades, e devem em sua integralidade serem cumpridos rigorosamente. Pode se concluir que, a administração pública não possui a liberdade para contratar, tendo em vista o princípio da legalidade, pois, a lei deve ser cumprida em sua integralidade, e por isso, deve a administração observar as disposições normativas, tirando então a liberdade contratual e seguindo as modalidades disponíveis em lei para licitar. Percebe-se assim, a importância do processo licitatório na administração pública, pois oportuniza um maior controle dos recursos públicos, evitando desvios financeiros, combatendo a corrupção, e designando uma boa destinação a esses recursos públicos em prol do interesse coletivo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/licitacao-modalidades-e-forma-contratual/
Lei 8.666/93 e as Fraudes Ocorridas Nos Processos de Licitações e Contratos
RESUMO: O presente artigo versa sobre a Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, e busca demonstrar a sua importância nos vínculos contratuais estabelecidos entre o poder público e terceiros, expor os aspectos gerais, modalidades, princípios norteadores, expor as modalidades de licitações e as características de cada uma, bem como as medidas preventivas para evitar tais fraudes. Desta forma, assegurando que sejam cumpridos os objetivos da licitação visando a proteção dos bens e serviços públicos nos contratos administrativos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O objetivo deste artigo é esclarecer e conscientizar acerca dos processos licitatórios, seus aspectos, modalidades, princípios e das recorrentes fraudes, bem como as medidas preventivas para evitar tal problema. O processo de licitação e contratos é extremamente importante para nossa sociedade, uma vez que envolve os bens e o dinheiro público. A Licitação é um processo administrativo que visa garantir igualdade de condições a todos que queiram realizar um contrato com o Poder Público. Licitação é regida pela Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece critérios objetivos para seleção de propostas mais vantajosas para o interesse público. A administração pública possui inúmeros órgãos que atuam na prestação de serviços em função do interesse público, logo, para sua manutenção é necessário à realização de licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que estão estabelecidos na própria legislação. Sendo assim, a licitação é um procedimento administrativo que ocorre antes das contratações, pois seria inadequado que o Estado realizasse suas aquisições da mesma forma que um particular realiza, contratando quem quisesse por interesse próprio, tendo em vista, que o dinheiro que é utilizado em tais contratações é proveniente dos tributos recolhidos dos contribuintes. Dessa forma, a Lei de Licitações e Contratos estabelece requisitos e critérios para que as relações formalizadas pela Administração Pública atendam aos interesses sociais e aos princípios do Direito Administrativo de forma coerente. Entretanto, frequentemente temos acesso às mais variadas notícias nos jornais e demais meios de comunicação, sobre investigações e denúncias acerca de processos licitatórios. É necessário que haja uma conscientização da população como um todo, quanto ao prejuízo causado à sociedade ano após ano em consequência de fraudes nos processos licitatórios.   Regulamentada pelo artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, a Lei 8.666/93, define as normas e aponta diretrizes de como deve ocorrer a contratação de serviços ou a aquisição de materiais no âmbito da administração pública. O referido dispositivo determina que os Poderes devem utilizar a licitação pública buscando a probidade e legalidade processual, garantindo igualdade na participação dos licitantes bem como dos fornecedores, de bens ou serviços ao ente público. A definição de licitação está disposta no art. 3º da Lei 8.666/93, que traz o seguinte:  “A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. “ (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)[1]   Para participar de licitações públicas, é indispensável observar a extensa lista documental exigida em editais, bem como alguns requisitos que podem ser cobrados para cumprir o objeto do certame. Um dos objetivos da Lei 8.666/93, é o de contratar a empresa que apresente seleção mais vantajosa ao ente público. Outro fator importante a ser observado, é o procedimento formal que está relacionado às legislações e normas legais as quais devem estar pautadas as fases da licitação, de forma a propiciar a igualdade entre os licitantes, sendo este, também um dos princípios mais importantes, pois havendo sua  não observância , ou a quebra da isonomia entre os participantes de uma licitação, configura-se fato grave o suficiente para conduzir à anulação do edital e, consequentemente, à do contrato dele decorrente, ou em melhor hipótese, tornando-o passível de saneamento da irregularidade, por oferecer alguma forma de favoritismo, ou de direcionamento do certame. Segundo MEIRELLES : “Não configura atentado ao princípio da igualdade entre os licitantes o estabelecimento de requisitos mínimos de participação no edital ou convite, porque a Administração pode e deve fiá-los sempre que necessários a garantia da execução do contrato, a segurança e perfeição da obra ou serviço, a regularidade do fornecimento ou ao atendimento de qualquer outro interesse público.[2] De tal exposto, extrai-se que a Administração tem o dever de revestir o edital de toda e qualquer forma lícita para garantir o cumprimento do objeto a ser comprado ou serviço a ser contratado, mas que o deve fazer, de forma isonômica, evitando direcionamentos a marcas ou empresas. Deve ser evitado também, a não identificação do objeto, identificação de maneira obscura, parcial ou incompleta, ou com especificações insuficientes, o que levaria à aquisição ou contratação de um material ou serviço inadequado às necessidades. Sobre tais obrigações a súmula do TCU apresenta o seguinte apontamento: “A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.”[3] Ainda sobre esse aspecto, a Lei n.º 8.666/93, em seu artigo 7º, § 4º, faz menção a súmula: “É vedada, ainda, a inclusão, no objeto da licitação, de fornecimento de materiais e serviços sem previsão de quantidades ou cujos quantitativos não correspondam às previsões reais do projeto básico ou executivo. ”[4]   Nos procedimentos licitatórios devem ser observados os seguintes princípios, que visam o comprometimento da administração com toda a sociedade:   A licitação será realizada no local onde se encontra estabelecida a repartição interessada, salvo por motivo de interesse público, devidamente justificado. Poderão se habilitar a licitação, interessados residentes ou sediados em outros locais. As modalidades da licitação são: a concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão e pregão.   A modalidade de concorrência serve para contratações de qualquer valor, e a fase de habilitação é preliminar. Poderão participar os interessados que preencham os requisitos que estão dispostos no edital. O fornecedor deverá estar com a habilitação atualizada no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF[5].   Essa modalidade é dividida em dois processos de seleção. Primeiro os interessados são cadastrados, após verificação de habilitação jurídica, regularidade fiscal, qualificação técnica e financeira. Também é preciso estar com a habilitação parcial atualizada no SICAF. Na segunda fase, o licitante fornece sua proposta de preço.    Na modalidade de convite, não é necessário fazer qualquer cadastro prévio para participar da licitação. Serão convidados três interessados ou mais, podendo ser  cadastrados ou não. O instrumento usado, não será o edital como de costume, será através de “carta convite”. Esse convite deve ser publicado em local apropriado, sem a necessidade de divulgar no diário oficial. Os interessados que não foram convidados, podem demonstrar interesse em 24 horas antes de se iniciar a apresentação, porém será válido somente para aqueles que efetuaram o cadastro.   O concurso é atribuído a selecionar trabalhos que demandam uma criação intelectual como trabalho técnico científico e artístico. Haverá prêmios ou remuneração para aqueles que vencerem os concursos como incentivo apenas.  Exige-se que concurso seja publicado no mínimo de 45 dias de antecedência de forma extensa pela imprensa oficial através de edital. Poderão participar todos os interessados que atenderem as condições no edital. O critério de julgamento deverá ser objetivo. A banca examinadora não terá ciência de quem estará avaliando.   Esta modalidade é de licitação para a alienação. Trata-se de vendas bens e não compras. A licitação deve ser realizada mesmo para os bens irreversíveis. É a modalidade usada para venda de bens e produtos apreendidos de forma legal ou penhorados, que não tem mais nenhum tipo de utilidade para a administração pública. Qualquer pessoa pode participar deste processo, não é exigido habilitação prévia dos licitantes. Os interessados deverão apresentar seus lances e ofertas em local e horário predefinidos em edital. O objeto licitado é entregue a quem oferecer o maior lance, podendo ser de igual ou maior que a avaliação feita. Os lances deverão ser feitos exclusivamente de forma verbal, para que a disputa seja pública e justa entre os licitantes.   É uma modalidade de licitação de menor preço para obtenção de bens e serviços, as propostas e os lances feitos pelos fornecedores antecedem a análise da documentação, o que torna o processo de compra mais ágil. Essa modalidade é aberta ao público, onde qualquer pessoa possa acompanhar o processo em curso e cada valor dos lances. Há duas formas de realização de pregão: Sendo o pregão presencial em que é marcada uma data para que os fornecedores apresentem suas propostas e deem seus lances verbais; E o pregão eletrônico, que é realizado virtualmente, através do site. Para participar desta modalidade de licitação, é necessário que o fornecedor esteja com a habilitação atualizada no sistema de cadastramento unificado de fornecedores (SICAF).   A fraude praticada em processos licitatórios caracterizada pela má-fé dos agentes que a praticam, com o intuito de corromper ou adulterar o processo de competição, em benefício próprio ou alheio, é classificado como improbidade administrativa, contrariando os princípios da Administração Pública. Todo esse processo visa selecionar a proposta mais vantajosa, tem como objetivo atender a necessidade da população, bem como a conservação dos bens públicos e o progresso social. Nas palavras de Diógenes Gasparini: […] a licitação pode ser conceituada como o procedimento administrativo através do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada seleciona, em razão de critérios objetivos previamente estabelecidos, dentre interessados que tenham atendido à sua convocação, a proposta mais vantajosa para o contrato ou ato de seu interesse. […][6]   Essa prática fraudulenta objetiva gerar lucro para determinada empresa, ou grupo de empresários, que se alternam nos processos licitatórios e combinam valores, que na maioria dos casos são praticados acima dos valores de mercado, já com pessoa certa para ganhar o certame. Tal conduta lesa os direitos de toda a sociedade e devem ser fiscalizadas diretamente pela Administração e pela população. O art. 101 da Lei de Licitações elucida o seguinte:   “Qualquer pessoa poderá provocar, para efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstancias em que se deu a ocorrência. ” [7] A forma de se identificar esse crime é acompanhar de perto os processos licitatórios, uma vez que tais informações são públicas, todas as pessoas tem o direito e por certo, um dever de fiscalizar os gastos com o dinheiro público, desde a publicação do edital até a homologação do certame, e o mais importante, acompanhar a execução, garantindo a satisfação do objeto. Neste sentido, extrai-se o exposto da Jurisprudência, emitida pela Ministra Carmem Lúcia: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 897. CONTROVÉRSIA SUSCETÍVEL DE REPRODUZIR-SE EM MÚLTIPLOS FEITOS. ART. 1.036 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 328 DO REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na al. a do inc. da República contra o seguinte julgado do Tribunal de Justiça de Rondônia: Apelação. Administrativo. Fraude em Licitação. Dano presumido. Ressarcimento. Pretensão imprescritível. 1. Nos termos de consolidado entendimento do Supremo Tribunal Federal, os prazos prescricionais previstos pela Lei 8429/92 devem ser interpretados em conformidade com o disposto no art.37, 5º da Constituição Federal” Artigo 37 da Constituição Federal de 1988″, que prevê a imprescritibilidade de ações de ressarcimento de danos decorrentes de ilegalidades tipificadas como de improbidade administrativa. 2. Em se tratando de ação que visa apenas o ressarcimento de danos ao erário, pretensão imprescritível, fica clara a insubsistência da preliminar de prescrição arguida. 3. No mérito, conforme entendimento das Cortes Superiores, nos casos de dano decorrente da contratação irregular proveniente de fraude a processo licitatório, como ocorreu na hipótese, o dano é presumido, na medida em que o Poder Público deixa de, por condutas de administradores, contratar a melhor proposta. 4. Recursos desprovidos. 2. Os recorrentes alegam ter o Tribunal de origem contrariado o inc. LV do art. 5º e o § 5º do art.205 do Código Civil , uma vez o ressarcimento nada mais é do que uma punibilidade civil, por essa razão não seria crível, que esta ação perdurasse ad aeternun (sic, fl. 896). Sustentam que tal interpretação, ofende a Constituição Federal, , vez que ao eternizar tal possibilidade de ressarcimento, ofende o princípio da ampla defesa, contraditório e segurança jurídica, pois deixa vulnerável à outra parte, seja este o agente que incorreu em ato de improbidade, ou seus herdeiros em qualquer de suas gerações futuras, que pelo transcorrer da ‘ETERNIDADE’ fica desguarnecido das possibilidades de defesa” (sic, fl. 904). Examinada a matéria trazida no processo, DECIDO. 3. No julgamento eletrônico do Recurso Extraordinário n. 852.475, Relator o Ministro Teori Zavascki, este Supremo Tribunal reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada nestes autos: “ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRETENSÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. PRESCRITIBILIDADE (ART. Artigo 37 § 5 da Constituição Federal de 1988). REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. 1. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário, em face de agentes públicos, em decorrência de suposto ato de improbidade administrativa. 2. Repercussão geral reconhecida (DJe 27.5.2016). Reconhecida a repercussão geral do tema, os autos deverão retornar à origem para aguardar-se o julgamento do mérito e, após a decisão, observar-se o disposto no art. 1.036 do Código de Processo Civil. 4. Pelo exposto, determino a devolução destes autos ao Tribunal de origem para observância dos procedimentos previstos na al. a do inc. I do art. 1.030 do Código de Processo Civil (parágrafo único do art. 328 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 12 de dezembro de 2018. [8] Como exposto anteriormente, existem princípios dentro da Administração Pública que devem ser seguidos, que server de norteadores de condutas, além de ser elemento importantíssimo, a ética e moralidade dessas pessoas. Fazer o que apenas a lei determina, não deixa margens a aspectos subjetivos da conduta de agentes, mas sim, aponta a forma como se deve trabalhar. Iniciar um processo licitatório pautado na necessidade pública, com um processo de comprar acostados de cotações atuais e com preços de mercados, é o início de uma licitação coerente. Que passa por um credenciamento de concorrentes sérios que estão munidos de toda documentação legal exigida, objetivando a execução ou aquisição final, de um serviço ou material, que fará bem a toda a população.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo como base que a licitação deve ser o meio da Administração Pública contratar serviços ou adquirir produtos ou equipamentos, e que esse processo existe para garantir a igualdade de participação, bem como a de estabelecer contrato com o preço mais vantajoso, a crítica que se faz é a de que se realmente essas condutas são adotadas primando pelo interesse público. Princípios existem em todas as áreas e ramos de uma profissão e dentro da Administração Pública, eles não existem por acaso, servem como norteadores das ações e condutas dos agentes, atentando-se diretamente no processo licitatório, para a moralidade de todos os envolvidos no processo, desde a demanda para abrir uma nova licitação, passando pela ética dos profissionais que montam o processo de compra para enviá-lo à licitação, que devem fazer pesquisas de mercado atualizadas, com preços justos, até o momento da contratação da empresa vencedora, que se reveste de formalidades, só tendo validade com a publicação, para que toda a sociedade possa ter conhecimento. Esses princípios que regem um processo licitatório existem e devem ser seguidos para que o interesse público se sobressaia a qualquer outro, pois o objetivo principal de uma licitação é o de contratar a proposta mais vantajosa, de maneira a proporcionar um melhor serviço à população.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/lei-8-666-93-e-as-fraudes-ocorridas-nos-processos-de-licitacoes-e-contratos/
Uma Análise Sobre a Juridicidade da Exigência de Regularidade Fiscal Como Critério de Habilitação de Empresas em Licitações
Análise sobre a juridicidade da exigência de regularidade fiscal das pessoas físicas e jurídicas como requisito para firmar contratos com o Poder Público. Primeiramente, faz-se uma breve explanação sobre os critérios de habilitação previstos no art. 27 da Lei nº 8.666/93 (habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição da República Federativa do Brasil). Passa-se, então, ao desenvolvimento do tema específico do trabalho. Analisa-se a constitucionalidade da exigência de regularidade fiscal de licitantes, com exposição de teses doutrinárias e jurisprudenciais. Constatada a base constitucional para o requisito de habilitação em análise, encerra-se com uma abordagem sobre os limites que devem ser observados por órgãos da Administração Pública a fim de evitar desvio de finalidade.
Direito Administrativo
Introdução Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil, art. 37, inciso XXI: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratadas mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” [grifo nosso] A licitação é o procedimento que busca viabilizar a melhor contratação possível para a Administração Pública. Ou seja, ao contrário dos particulares, que dispõem de ampla liberdade para adquirir, alienar e contratar a execução de obras e serviços, o Poder Público “necessita adotar um procedimento preliminar rigorosamente determinado e preestabelecido na conformidade da lei” (MELLO, 2015, p.536), denominado licitação. Nesse processo de escolha da melhor proposta para atender os anseios da Administração, prevê ordenamento jurídico brasileiro que se verifique a qualificação do pretenso contratante com o Estado. É o memento em que são analisados os requisitos e documentos pessoais dos licitantes com vistas a verificar se possuem idoneidade para contratar com o Poder Público. Esse exame das condições de participar da licitação é denominado usualmente de habilitação, tanto na fase procedimental como na decisão proferida pela Administração (JUSTEN FILHO, 2016, p. 637). Os critérios para habilitação estão dispostos no art. 27 da Lei nº 8.666/93, quais sejam: habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e trabalhista e cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal (sobre o trabalho para menores de dezoito anos). Dito isso, o objetivo do presente estudo é trazer à baila uma análise acerca do critério de exigência de regularidade fiscal como condição para que licitantes possam contratar com o Estado.   O primeiro critério de habilitação trazido pela Lei é a habilitação jurídica. Trata-se de exigência documental que comprove a capacidade do licitante no exercício de direitos e deveres, haja vista a possibilidade de responsabilização por eventual descumprimento de obrigações pactuadas. Já a qualificação técnica consiste no conjunto de dados que demonstrem que a empresa tem condições técnicas de cumprir suas obrigações contratuais em conformidade com as exigências da Administração. A qualificação econômico-financeira, por seu turno, é a comprovação de idoneidade financeira da empresa para arcar com os custos da contratação. Quanto ao cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, basicamente se exige que o licitante não empregue menores em violação ao dispositivo constitucional aludido. E, recentemente inserida no art. 27 do Estatuto Licitatório, o requisito de regularidade trabalhista deve ser comprovado mediante a juntada de Certidão Negativa de débitos trabalhistas (CNDT). Por último, cumpre dispor sobre a regularidade fiscal. Por tratar-se do foco do presente estudo, o que não afasta eventuais discussões sobre a legitimidade de outros critérios aqui apontados, necessário expor de modo mais pormenorizado os detalhes desta exigência. Nos termos do art. 29 da Lei nº 8.666/93, a documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em: I – prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no Cadastro Geral de Contribuintes (CGC); II – prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal, se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu ramo de atividade e compatível com o objeto contratual; III – prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei; IV – prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei. Com a regularidade fiscal, o licitante atende o preceito legal segundo o qual deve demonstrar que está devidamente inscrito nos cadastros fiscais estatais e que está quite com suas obrigações.   Antes da Lei nº 8.666/93, as licitações da Administração Federal eram regidas pelo Decreto-Lei nº 2.300/86. Com a redação dada ao art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, houve críticas doutrinárias acerca do dispositivo do Decreto-lei que previa regra de habilitação similar à que ora se analisa. Mukai, naquele ensejo, assentou: “(…) a regularidade fiscal constitui uma coação indireta do Poder Público para que a empresa se mantenha em dia com os cofres públicos. Portanto, de um lado, não é indispensável à garantia do cumprimento das obrigações, sendo excessiva e não proporcional ao fim visado pelo texto, e, de outro lado, nada tem que ver com esse fim. Como consequência, a regularidade fiscal não pode ser admitida em face da Constituição.” (MUKAI, 1990, pp. 60 e 61) O entendimento esposado ressoava em outros autores. Rigolin sustentara que: “Não se argumente que o Texto Constitucional, hoje, autoriza limitação desta ordem, ao estabelecer que a ‘pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios’, a teor do art. 195, § 3°. Dito argumento prova justamente o contrário. Prova que, quando a Constituição o desejou, estabeleceu expressamente, isto é, constituiu uma exceção, de sorte que a exigência de regularidade perante o sistema de seguridade social, esta, sim, pode ser exigida, o que, evidentemente, não libera a exigência de outros tributos como requisito de idoneidade fiscal, dado, quando menos, o impediente advindo do art. 37, XXI”. (RIGOLIN, 1991, pp. 31-32 e 232) À vista do mencionado dispositivo constitucional, Maria Sylvia Zanella Di Pietro advertira, ainda ao tempo do Decreto-lei 2.300 — e em linha com os autores citados —, que a exigência de regularidade fiscal não encontrava abrigo na Constituição atual, já que a regularidade jurídico-fiscal não se enquadra nos conceitos de capacidade técnica e econômica a que se refere o art. 37, XXI. Passados vários anos, já debruçando sobre a novel Lei nº 8.666/93, a professora Di Pietro, ao contrário, atualmente revela novo posicionamento: “Revendo posicionamento adotado em edições anteriores, passamos a entender que o sentido do dispositivo constitucional não é o de somente permitir as exigências de qualificação técnica e econômica, mas de, em relação a esses dois itens, somente permitir as exigências que sejam indispensáveis ao cumprimento das obrigações.” (DI PIETRO, 2011, p. 399) Nesse mesmo sentido, para Ronny Charles Torres: “A exigência da regularidade fiscal não apenas visa uma correta censura aos que se desviam de suas obrigações fiscais, como também se constitui em norma promocional, que garante incentivo aos adimplentes com seus encargos tributários; além disso, apresenta-se como um instrumento de garantia da isonomia, pois é injusto permitir a participação, no certame, daqueles que não honram com suas obrigações fiscais, portanto podem omitir de seus custos tais gastos, ofertando propostas menores, mas não melhores para o interesse público.” (TORRES, 2017, p. 388) Celso Antônio Bandeira de Mello também se associa a essa corrente. Contudo, faz uma ponderação: “(…) o licitante pode haver se insurgido contra o débito por mandado de segurança ou outro meio pelo qual o questione ou questione seu montante. Há de se ter por certo que ‘a exigência de regularidade fiscal não pode sobrepor-se à garantia da universalidade e do monopólio da jurisdição’, como bem o disse Marçal Justen Filho. Donde, se a parte estiver litigando em juízo sobre o pretendido débito, tal circunstância não poderá ser um impediente a que participe de licitações.” (MELLO, 2015, p. 606) Ante os argumentos colacionados, percebe-se que, apesar de não expressamente prevista na Constituição, a regularidade fiscal, como requisito para celebração de contratos com a Administração Pública, guarda sintonia com o espírito da Carta Magna. No escólio de Marçal Justen Filho, “essa exigência, no caso de licitação, não é inconstitucional. Afinal, a própria Constituição alude a uma modalidade de regularidade fiscal para fins de contratação com a Administração Pública (art. 195, § 3.º)”. (JUSTEN FILHO, 2016, p. 663) A constitucionalidade do requisito exigido também é reconhecida em âmbito jurisprudencial. Para o STF, a inconstitucionalidade só se afigura quando há impedimento absoluto ao exercício da atividade empresarial. Ou seja, a mera limitação, tal como a proibição de contratar com instituições financeiras governamentais, é reconhecida como válida. No âmbito do Tribunal de Contas da União, há inúmeros precedentes validando o critério de habilitação em tela. A título de exemplo: “(…) 9. Ademais, a contratação, pelo Poder Público, de empresa em situação de irregularidade fiscal representa violação ao princípio da moralidade administrativa, pois haverá a concessão de benefício àquele que descumpre preceitos legais. Em última instância, haverá também o estímulo ao descumprimento das obrigações fiscais.” (Acórdão 2.097/2010, 2.ª Câm., rel. Min. Benjamin Zymler). Vencida, portanto, a discussão acerca da constitucionalidade da exigência em si, faz-se mister delimitar o seu alcance. É que, se resta comprovada a constitucionalidade do requisito legal de regularidade fiscal das empresas que pretendem contratar com o Estado, não se pode dela lançar mão com intuito diverso daquele que motivou sua criação. A licitação não pode servir como instrumento indireto de cobrança de tributos e créditos fiscais. É inadmissível a ampliação, sem qualquer medida ou avaliação crítica, do requisito de regularidade fiscal, já que as exigências somente podem ser impostas como evidência da idoneidade e confiabilidade do sujeito. Em semelhante exegese, Ronny Charles obtempera que: “Sendo razoável, o empecilho à competitividade, pela exigência de regularidade fiscal, é algo constitucionalmente permitido, exteriorizando uma política fiscal e promocional do Estado. Ele estabelece regras de habilitação que beneficiam aqueles detentores de certa regularidade com o fisco. A questão mais trabalhosa é a de estabelecer os limites e parâmetros para tal aferição.” (TORRES, 2017, p. 397)   Numa interpretação mais radical, há quem defenda que os interessados em contratar com a Administração Pública devem comprovar regularidade fiscal para com as três Fazendas. Nessa linha de compreensão, releva citar a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça: “RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. LICITAÇÃO. SERVIÇO DE CONSULTORIA. ARTIGOS 29 E 30, DA LEI 8.666/93. CERTIFICAÇÃO DOS ATESTADOS DE QUALIFICAÇÃO TÉCNICA. PROVA DE REGULARIDADE FISCAL JUNTO À FAZENDA ESTADUAL (…) A Lei 8.666/93 exige prova de regularidade fiscal perante todas as fazendas, Federal, Estadual Municipal, independentemente da atividade do licitante. Recurso especial provido. Decisão por unanimidade.” (STJ, REsp nº 138745/RS, Rei. Min. Franciulli Netto, DJ de 25/06/2001) Essa interpretação, extensiva, não se coaduna com o preceito constitucional insculpido no art. 37, inciso XXI, que claramente impõe limitação aos critérios de habilitação, reduzindo-os ao mínimo necessário para obter-se a garantia do cumprimento das obrigações. Nessa senda, o mestre Marçal Justen Filho dispõe que a “interpretação extensiva da regularidade fiscal não apenas infringe o princípio da razoabilidade e da universalidade de acesso a licitações. É incompatível com o princípio da República”. Mais à frente, continua o autor: “(…) Suponha-se licitação na órbita federal. Imagine-se empresa em perfeitas condições de executar satisfatoriamente o objeto e que formulará a melhor proposta. Ocorre que essa empresa deixa de obter certidão de regularidade quanto a tributos imobiliários do Município em que está estabelecida. Será inabilitada e a União perderá a possibilidade de realizar o contrato mais vantajoso.” (JUSTEN FILHO, 2016, p. 668) O impasse evidenciado se dá pelo fato de que a Lei nº 8.666/93 não foi categórica quanto aos limites da abrangência relativa regularidade fiscal. A solução parece ter vindo pela Lei nº 10.520/02, que dispôs sobre o Pregão. O seu art. 4.º, XIII, introduziu inovação significativa no tocante à disciplina da regularidade fiscal: “A habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a Fazenda nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso (…)”. Com efeito, em que pese tratar-se de lei que foi editada para instituir a modalidade licitatória denominada pregão, entende-se que a norma em tela possui regras gerais que se aplicam a todas as modalidades licitatórias. Marçal Justen Filho preconiza: “Sendo a Lei 10.520/2002 um diploma veiculador de normas gerais sobre licitação, resulta inquestionável a viabilidade de estabelecer regras sobre habilitação em licitações. Mas há uma indagação que não quer calar: por que a regularidade fiscal atinente ao pregão deve ser tratada diversamente do que se passa com as demais modalidades de licitação? Veja-se que o regime jurídico das condições de participação no pregão (aí incluídas as questões quanto à habilitação) não apresenta nenhuma particularidade. Afinal, o que diferencia pregão e outras modalidades de licitação não é a disciplina da habilitação. Em se reconhecendo que a temática sobre requisitos de habilitação apresenta natureza idêntica no pregão e em todas as demais modalidades licitatórias, surgem novas luzes sobre o tema examinado. Se a norma contida na Lei 10.520/2002 não é especialmente relacionada com o pregão, então apresenta natureza de norma geral quanto a toda e qualquer licitação. Assim sendo, ter-se-ia de convir que, nos termos do princípio da posterioridade, a norma da Lei 10.520/2002 teria alterado o regime jurídico genérico de toda e qualquer licitação.” (JUSTEN FILHO, 2016, pp. 671 e 672) Com base no exposto, pode-se concluir que a Lei 10.520/2002 introduziu inovação aplicável a todas as modalidades licitatórias, consistente na restrição à amplitude das exigências quanto à regularidade fiscal. Feitas essas considerações, dessume-se que a análise sobre a exigência de regularidade fiscal compreende o enfrentamento do tema sob vários ângulos. A primeira abordagem que se faz é referente à órbita em que se realiza a licitação. Para Marçal Justen Filho, “a regularidade perante a seguridade social deve ser exigida de todo e qualquer licitante. Contudo, somente é cabível exigir a comprovação da regularidade fiscal perante o ente federativo que promove a licitação”. (JUSTEN FILHO, 2016, p. 669). O Superior Tribunal de Justiça, em julgado de 2007, assentou: “(…) 4. Isentar a recorrente de comprovar sua regularidade fiscal perante o município que promove a licitação viola o princípio da isonomia (Lei 8.666/1993, art. 3.º), pois estar-se-ia privilegiando os licitantes irregulares em detrimento dos concorrentes regulares”. (REsp 809.262/RJ, 1.ª T., rel. Min. Denise Arruda, j. em 23.10.2007, DJ de 19.11.2007). Segundo ensina Marçal Justen Filho (2016, p. 671), essa solução foi consagrada pela Lei 10.520/02. A conclusão do citado mestre é no sentido de que a única interpretação razoável para a fórmula verbal adotada pela Lei do Pregão reside em vincular a exigência à órbita federativa que promove a licitação. Ou seja, se a União promover o pregão, não será o caso de exigir comprovação de regularidade fiscal perante Estado, Distrito Federal e Município, eis que não são eles interessados no certame. Ocorre que, em perspectiva diversa, a análise sobre o limite da exigência se volta para o objeto contratual. Toshio Mukai (2000, p. 29) pugna que, em situações de contratação de serviços, não haveria que exigir certidão da Fazenda Estadual, relativa ao ICMS; de outra forma, tratando-se de uma compra, não haveria motivos para que se exigisse certidão negativa municipal, relativa ao ISS. Fundado em idêntico entendimento, Ronny Charles Torres (2017, p. 397) afirma acreditar que “as provas de regularidade do inciso III [do art. 29 da Lei nº 8.666/93] devem guardar pertinência com a atividade objeto da licitação”. Não sendo assim, acrescenta o professor, “poderiam ser verificados abusos, como a exigência de tributos (mesmo que inseridos na esfera de competência tributária do ente realizador do certame) totalmente estranhos ao negócio a ser contratado”. A conclusão a que chegam os mencionados autores se lastreia, por interpretação sistemática do ordenamento, no art. 193 do Código Tributário Nacional, no bojo do qual há o seguinte regramento: “Art. 193. Salvo quando expressamente autorizado por lei, nenhum departamento da administração pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, ou dos Municípios, ou sua autarquia, celebrará contrato ou aceitará proposta em concorrência pública sem que o contratante ou proponente faça prova da quitação de todos os tributos devidos à Fazenda Pública interessada, relativos à atividade em cujo exercício contrata ou concorre.” O próprio Marçal Justen Filho, sob a perspectiva do objeto licitado, assevera que: “Mais precisamente, a existência de débitos para com o Fisco apresenta pertinência apenas no tocante ao exercício de atividade relacionada com o objeto do contrato a ser firmado. Não se trata de comprovar que o sujeito não tem dívidas em face da “Fazenda” (em qualquer nível) ou quanto a qualquer débito possível e imaginável. O que se demanda é que o particular, no ramo de atividade pertinente ao objeto licitado, encontre-se em situação fiscal regular. Trata-se de evitar contratação de sujeito que descumpre obrigações fiscais relacionadas com o âmbito da atividade a ser executada. (…) Justamente por isso, o próprio inc. II do mesmo art. 29 exige que o sujeito comprove sua inscrição no cadastro municipal ou estadual pertinente ao ramo da atividade e compatível com o objeto licitado. Ou seja, não teria sentido dispor nesses termos no inc. II e exigir, no inc. III, que o sujeito comprovasse regularidade fiscal em outros ramos, desvinculados do objeto licitado. Se o sujeito não necessita comprovar inscrição cadastral fiscal em todos os ramos possíveis de sua atividade, não há sentido em submetê-lo a demonstrar regularidade fiscal inclusive quanto a esses outros ramos. (…)” (JUSTEN FILHO, 2016, p. 667) Percebe-se que, nas perspectivas observadas, não há consenso doutrinário ou jurisprudencial, pelo que, com vistas a evitar questionamentos, sobretudo de órgãos de controle da Administração Pública, o mais adequado é proceder a uma interpretação sistemática de todo o ordenamento, no sentido de que a exigência de regularidade fiscal se aplica aos tributos de responsabilidade da Fazenda interessada na contratação, mas também àqueles atinentes atividade ou objeto a ser contratado. A propósito, esta é a interpretação dada pela Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União, a qual, por meio do Parecer nº 03/2014/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, aprovado pelo Procurador-Geral Federal em 09 de junho de 2014, concluiu que: “A exigência de regularidade fiscal prevista no inc. III, do art. 29 da Lei nº 8.666/1993, restringe-se aos tributos de titularidade da fazenda nacional e àqueles de competência das fazendas estadual, distrital ou municipal pertinentes às obras, serviços e compras a serem contratados.” Em arremate, é relevante avaliar as situações em que a licitante possui diversas unidades (matriz e filiais). Com efeito, no âmbito fiscal, cada unidade empresarial (estabelecimento) do empresário recebe uma inscrição tributária específica. Por conseguinte, uma única pessoa jurídica poderá titularizar várias inscrições cadastrais tributárias. Quer dizer, existirá uma inscrição cadastral para a matriz e uma para cada filial. Destarte, como cada certidão de regularidade fiscal se vincula a um específico número de inscrição cadastral, é juridicamente possível que uma única pessoa jurídica detenha empreendimentos em situação regular, ao tempo em que outros são qualificados como irregulares. Em princípio, interessa à Administração a comprovação de regularidade fiscal da pessoa que participa da licitação. Numa análise mais apressada, poder-se-ia afirmar que a existência de um único débito fiscal já seria suficiente para impedir que a pessoa jurídica fosse habilitada numa licitação. Refutando essa interpretação, Marçal Justen Filho dispõe: “(…) essa interpretação gera uma dificuldade prática insuperável. Se houvesse a sua adoção, caberia ao licitante apresentar comprovação da regularidade fiscal de todas as unidades empresariais a si vinculadas. Em alguns casos, isso significaria a apresentação de documentação pertinente a dezenas, centenas ou milhares de estabelecimentos. Isso tornaria inviável a participação de grandes empresas em licitações, simplesmente pela dificuldade em promover a obtenção de certidões de regularidade fiscal de todos os seus estabelecimentos. Mas também haveria a oneração da própria atividade administrativa, eis que caberia examinar uma multiplicidade significativa de documentos.” (JUSTEN FILHO, 2016, p. 673) Logo, conclui o autor: “(…) a solução adotada é a comprovação da regularidade fiscal atinente a uma específica unidade empresarial. O licitante deverá comprovar a regularidade fiscal relativa ao estabelecimento que executará a prestação contratual.” (JUSTEN FILHO, 2016, p. 673) No mesmo sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Constatado que a filial da empresa ora interessada é que cumprirá o objeto do certame licitatório, é de se exigir a comprovação de sua regularidade fiscal, não bastando somente a da matriz, o que inviabiliza sua contratação pelo Estado. Entendimento do art. 29, II e III, da Lei de Licitações, uma vez que a questão nele disposta é de natureza fiscal” (REsp 900.604/RN, 1.ª T., rel. Min. Francisco Falcão, j. em 15.03.2007, DJ de 16.04.2007).   Conclusão Analisou-se no presente estudo a constitucionalidade do requisito legal de habilitação — em procedimentos licitatórios — denominado regularidade fiscal. Após análise de diversos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, concluiu-se que, conforme entendimento majoritário, a exigência de regularidade fiscal das pessoas físicas e jurídicas que desejam firmar contrato com o Poder Público encontra supedâneo na Constituição Federal, embora não exista expressa menção a tal requisito. Tal conclusão, além de encontrar fundamento em renomados autores, pode ser visto em precedentes do Supremo Tribunal Federal, guardião máximo da Constituição. Contudo, a possibilidade de exigir dos licitantes a regularidade fiscal para contratar com o Estado não confere à Administração um poder irrestrito para limitar o acesso dos interessados à licitação, cujos critérios de habilitação devem servir para garantir o melhor negócio para o ente contratante, sem abusos e desvio de finalidade. Nesse sentido, não obstante o reconhecimento de sua constitucionalidade, a exigência de regularidade fiscal não pode servir de pretexto para exigir o pagamento de créditos fiscais, cuja cobrança se deve dar por via executiva. Desse modo, faz-se imprescindível estabelecer limites quanto aos entes federativos em relação aos quais se fará a exigência de regularidade fiscal. A princípio, deve-se compreender que a regularidade a ser evidenciada é aquela perante o ente que promove a licitação. Sendo assim, se a União promover a licitação, não será o caso de exigir comprovação de regularidade fiscal perante Estado, Distrito Federal e Município, eis que não são eles interessados no certame. Mas a análise também pode dar-se conforme o objeto da licitação. Sob esse aspecto, em observância à proporcionalidade, a exigência de regularidade fiscal deve estar circunscrita aos tributos devidos à Fazenda Pública interessada, ou seja, os tributos que tenham relação com a atividade contratada. As teses citadas são defendidas — às vezes isoladamente — por diversos autores, o que evidencia que, sobre o tema, não há consenso na doutrina nem na jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas da União, restando a este estudo a conclusão que harmonize os entendimentos, nos moldes defendidos pela Procuradoria-Geral Federal, no sentido de que a exigência de regularidade fiscal se restringe aos tributos de responsabilidade da Fazenda interessada na contratação e àqueles atinentes atividade ou objeto a ser contratado. Em derradeira perspectiva, nos casos em que as empresas possuem filiais, ponderou-se sobre a proporcionalidade da exigência de regularidade fiscal em relação a cada unidade, vez que cada uma possui inscrição cadastral junto aos fiscos. A conclusão, neste caso, é no sentido de que o licitante deverá comprovar a regularidade fiscal relativa ao estabelecimento que executará a prestação contratual. Não fosse esse o entendimento, poder-se-ia chegar ao despropósito de, em alguns casos, exigir-se a apresentação de documentação pertinente a dezenas, centenas ou milhares de estabelecimentos, o que tornaria inviável a participação de grandes entidades empresárias em licitações, haja vista a dificuldade para obter certidões de regularidade fiscal de todos os seus estabelecimentos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/uma-analise-sobre-a-juridicidade-da-exigencia-de-regularidade-fiscal-como-criterio-de-habilitacao-de-empresas-em-licitacoes/
Do Caráter Pragmatista Das Disposições da Nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB e o Impacto na Gestão Pública e na Atuação Dos Órgãos de Controle
o presente artigo trata da Lei nº 13.655/18, a qual trouxe disposições de caráter pragmatista à Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, com grande ênfase no contextualismo e consequencialismo. Neste diapasão, a realidade (obstáculos e dificuldades reais do gestor) passa a ser considerada na interpretação das normas relacionadas à gestão pública e, com isso, há uma necessidade de mudança de paradigmas dos órgãos de controle, com vistas a desengessar a atuação administrativa.
Direito Administrativo
THE PRAGMATIC NATURE OF THE NEW INTRODUCTION OF THE BRAZILIAN NORMS LAW AND ITS IMPACT IN PUBLIC ADMINISTRATION AND IN THE SYSTEMS OF CONTROL Marcela Gonçalves Godoi – Procuradora do Estado de São Paulo, pós graduada em Direito Administrativo pela FGV Law.   Resumo: o presente artigo trata da Lei nº 13.655/18, a qual trouxe disposições de caráter pragmatista à Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, com grande ênfase no contextualismo e consequencialismo. Neste diapasão, a realidade (obstáculos e dificuldades reais do gestor) passa a ser considerada na interpretação das normas relacionadas à gestão pública e, com isso, há uma necessidade de mudança de paradigmas dos órgãos de controle, com vistas a desengessar a atuação administrativa. Palavras – chaves: Pragmatismo. LINDB. Gestão Pública. Órgãos de Controle Abstract: this article studies the law 13555/18, which analyses the pragmatic nature of the Introduction to the Brazilian Norms Law, with a great emphasis on contextualism and consequentialism. In this context, the reality (obstacles and real difficulties of the public administrator) is considered in the interpretation of norms related to political administration, and with this, there is a need to change the paradigms of the systems of control, with a view to disengaging the administrative action. Keywords: Pragmatism. INBL. Public Administration. Systems of Control   Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre o pragmatismo jurídico. 2. Das novas disposições relacionadas especificamente à gestão pública 2.1. Da paralisia da Administração. 2.2. Comentários aos artigos 22 e 28 da LINDB. 2.2.1. Do artigo 22: A proteção ao gestor probo e responsável. 2.2.2. Do artigo 28: A proteção ao gestor inovador. 3. Do impacto das disposições da LINDB nas decisões do Tribunal de Contas da União. 4. Do Decreto nº 9830, de 10 de junho de 2019. Conclusão. Referências Bibliográficas.     INTRODUÇÃO A Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, já expressa em seu preâmbulo que sua finalidade foi a inclusão, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei n° 4.657/42), de disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público. Carlos Ari Sundfeld e Floriano de Azevedo Marques Neto[1], autores do Projeto de Lei, justificaram a necessidade da uma nova lei para promover a melhoria da qualidade da atividade jurídico-decisória sobre questões públicas no Brasil, ressaltando que a atividade de regulamentação e aplicação das leis deveria ser submetida a novas balizas interpretativas, processuais e de controle. Constata-se forte influência do pragmatismo norte-americano, sendo que seu núcleo (antifundacionalismo, consequencialismo e contextualismo) permeia a totalidade das novas disposições. Entre as inovações, destacam-se dois artigos relacionados à gestão pública: o artigo 22 e o art. 28, os quais trazem uma maior segurança jurídica para o gestor público, uma vez que os obstáculos e as dificuldades reais do gestor devem ser considerados na interpretação das normas, bem como na decisão sobre regularidade de conduta. Ainda, a responsabilidade pessoal do agente se dará apenas nos casos de dolo ou erro grosseiro. Ou seja, há uma valorização do gestor honesto e possuidor de ideias inovadoras, mas que, receoso da atuação dos órgãos de controle, mantém-se inerte, apenas cumprindo mecanicamente as normas burocráticas, sem a coragem de correr riscos ou experimentar novas soluções. O medo não é injustificado, ante a existência de uma farta legislação repressora de atos contra administração, aliado ao excesso de controle exercido pelos órgãos de controle, em especial pelos Tribunais de Contas. Ocorre que muitas das punições não consideram a gravidade do fato apurado, tampouco a intenção do agente; não sendo rara a punição pelo cometimento de mera irregularidade formal. Neste contexto, há a necessidade de se verificar o posicionamento dos julgados do Tribunal de Contas da União, órgão de controle paradigma para os tribunais estaduais, bem como analisar o impacto das novas disposições em seus julgados.   Margarida Lacombe Camargo[2] esclarece que o surgimento desta corrente de pensamento deu-se nos Estados Unidos, em meados do século XIX, com Peirce, sendo encampado e divulgado por William James no início do século XX. Somente vinte anos depois, John Dewey apresentou ideias básicas sobre o que ele denominou de “filosofia experimental”, partindo de uma forte crítica ao predomínio da teoria e do pensamento abstrato dissociado da prática. Conforme relatado por Tamy Pogrebinschi[3], a totalidade do núcleo teórico do pensamento pragmatista encontra-se nos três autores supracitados, ressalvando que se em Peirce parecia ser filosoficamente apenas uma teoria da significação, a partir de James e Dewey, o pragmatismo passa a assumir a forma de uma teoria da verdade. Ainda, ressalta que apesar das peculiaridades do pensamento de cada um, o pragmatismo apresenta um núcleo comum, subsumido em três ideias principais: o antifundacionalismo, o consequencialismo e o contextualismo. Diego Werneck e Fernando Leal[4] enfatizam que, muito embora o juiz norte-americano Richard Posner, um dos mais conhecidos nomes contemporâneos do pragmatismo jurídico, discorde que sua concepção de pragmatismo jurídico seja apenas uma aplicação do pragmatismo filosófico do Direito, o mesmo concorda com o mencionado núcleo comum. Assim, o antifundacionalismo seria a rejeição de qualquer critério ou fundação última, estática e definitiva para qualquer teoria ou argumento. Há uma recusa à ideia de certeza e aos tradicionais conceitos de verdade e realidade. O contextualismo enfatiza o papel da experiência humana, com suas crenças e tradições. Por ser um método essencialmente experimental, o pragmatismo trabalha com ênfase nos fatos. Por fim, o consequencialismo, em que as consequências práticas são consideradas antes da tomada de decisões. No dizer de Tamy Pogrebinschi[5], trata-se da insistência de olhar para o futuro e não para o passado. Neste sentido, constata-se que as disposições incluídas na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro incorporaram no direito positivo o pragmatismo, na medida em que criaram balizas de aplicação e interpretação voltadas ao contextualismo e ao consequencialismo, por exemplo. Ainda, cumpre ressaltar que, como norma de sobredireito, a LINDB orienta e disciplina a aplicação e interpretação de outras leis. Não significa dizer que se trata de uma novidade na interpretação das normas. Não é de hoje que há fortes críticas à dissociação entre a norma e o contexto dos fatos, bem como aos argumentos eivados de abstração ou ao uso indiscriminado dos princípios. Como já falado por Carlos Ari Sundfeld[6], “vive-se hoje um ambiente de “geléia geral” no direito público brasileiro, em que princípios vagos podem justificar qualquer decisão”. Ao discorrer, em artigo datado de 2011, sobre a conciliação necessária entre a interpretação jurídica e o pragmatismo, Rafael Carvalho Rezende Oliveira[7] dispõe: “O direito não pode ser desconectado dos fatos. As disposições genéricas e abstratas devem ser conformadas à realidade com o objetivo de assegurar a justiça e a equidade. A interpretação deve ser apoiada no contexto dos fatos. Com isso, o texto legal é ponto inicial da interpretação e da aplicação das normas jurídicas que deve ser complementado com a realidade. O real significado das palavras contidas nos textos normativos depende de seu uso pela sociedade em determinado momento histórico, o que impede abstrações definitivas, imutáveis. Isso significa dizer que a interpretação jurídica é contextualizada, isto é, o sentido da norma depende do respectivo contexto histórico, social, econômico e político em que se encontra inserida. Vislumbra-se, aqui, a íntima ligação entre a atividade interpretativa e o pragmatismo, notadamente pela necessidade de criação da norma a partir do texto da lei, com a consequente valorização do contexto e das consequências da interpretação”. Importante mencionar que o pragmatismo vem sendo utilizado, ainda que de forma não intencional, pelo Judiciário, principalmente. Não são poucas as decisões do Supremo Tribunal Federal que avaliaram as consequências práticas da decisão. Como exemplo, pode-se citar, entre outros, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.240 tinha por objeto a Lei nº 7.619 do Estado da Bahia, por meio da qual foi criado o Município de Luís Eduardo Magalhães. A lei em questão foi promulgada no ano de 2000, depois, portanto, da alteração introduzida no artigo 18, § 4º da Constituição da República pela Emenda nº 15, de 12 de setembro de 1996: O julgamento do caso em questão ocorreu entre 18/05/2006 e 09/05/2007, ou seja, somente foi concluído sete anos depois da criação do município. Destacou o Ministro relator que as situações de fato decorrentes da criação do município, ainda que esta tenha se dado por lei inconstitucional, não poderiam ser ignoradas, de modo que somente restou ao Supremo Tribunal Federal reconhecer e acolher a força normativa dos fatos[8]. Decidiu a Corte, então, pela procedência do pedido, reconhecendo a inconstitucionalidade da lei, mas sem pronúncia de nulidade pelo prazo de vinte e quatro meses, dentro do qual o legislador estadual poderia reapreciar o tema, tendo como base os parâmetros que deverão ser fixados na lei complementar federal, conforme decisão desta Corte na ADI 3.682 (trechos destacados extraídos do voto do Ministro GILMAR MENDES, que prevaleceu ao final, neste aspecto). Ao decidir desta forma, isto é, ao reconhecer a força normativa dos fatos e sopesar as consequências da pronúncia de nulidade da lei, o Supremo Tribunal Federal levou em consideração não apenas questões de segurança jurídica (que orientam todo o espírito de alteração da LINDB), mas também, e principalmente, as consequências práticas da decisão, exigência contida no novo artigo 20, introduzido pela Lei nº 13.655/2018: Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas. Por fim, conforme bem elucidado pela Profª Clarice von Oertzen de Araújo[9], “trabalhar na perspectiva do Pragmatismo Jurídico como ciência viva do Direito é partir sempre de uma instância dinâmica de observação; olhar para o direito em movimento, em evolução”.   2.1 DA PARALISIA DA ADMINISTRAÇÃO Partindo da premissa de que o espírito da nova lei contempla o pragmatismo, dois de seus artigos – artigos 22 e 28, comentados mais adiante – são diretamente relacionados à gestão pública, tanto com relação aos obstáculos e dificuldades (contextualismo) enfrentadas pelo gestor quanto com relação ao controle das decisões do agente (consequencialismo). As justificativas para a inclusão de referidos dispositivos na lei baseiam-se no fato de que o excesso de controle da Administração acaba por engessá-la, uma vez que os gestores, receosos de que sua conduta não seja aprovada pelos órgãos de fiscalização, optam em seguir uma rotina ausente de riscos; isto é, cumprem fielmente e mecanicamente as regras burocráticas, sem a preocupação de qual o resultado atendido. Trata-se do denominado apagão das canetas. No dizer de Fernando Vernalha Guimarães[10]: “O administrador público vem, aos poucos, desistindo de decidir. Ele não quer mais correr riscos. Desde a edição da Constituição de 88, que inspirou um modelo de controle fortemente inibidor da liberdade e da autonomia do gestor público, assistimos a uma crescente ampliação e sofisticação do controle sobre as suas ações. Decidir sobre o dia a dia da Administração passou a atrair riscos jurídicos de toda a ordem, que podem chegar ao ponto da criminalização da conduta. Sob as garras de todo esse controle, o administrador desistiu de decidir. Viu seus riscos ampliados e, por um instinto de autoproteção, demarcou suas ações à sua “zona de conforto”. Com isso, instalou-se o que se poderia denominar de crise da ineficiência pelo controle: acuados, os gestores não mais atuam apenas na busca da melhor solução ao interesse administrativo, mas também para se proteger. Tomar decisões heterodoxas ou praticar ações controvertidas nas instâncias de controle é se expor a riscos indigestos. E é compreensível a inibição do administrador frente a esse cenário de ampliação dos riscos jurídicos sobre suas ações. Afinal, tomar decisões sensíveis pode significar ao administrador o risco de ser processado criminalmente. Como consequência inevitável da retração do administrador instala-se a ineficiência administrativa, com prejuízos evidentes ao funcionamento da atividade pública”. Não se trata de uma burla à legalidade a que a Administração está vinculada. Ocorre que, conforme bem apontado por Juliana Bonacorsi de Palma[11], “administrar é interpretar normas públicas para aplicação em casos concretos”.  Isto é, administrar não é aplicar a lei de ofício, ainda mais quando eivadas de indeterminações jurídicas. Assim, a interpretação seria uma tarefa indissociável da implementação. Num contexto em que a população clama pelo fim da corrupção e imoralidades e em que o arcabouço jurídico para a aplicação de sanções e combate à corrupção se mostra cada vez mais consistente, parece estranho uma legislação protecionista do agente público. No entanto, cumpre esclarecer que é exatamente este o ponto: não se trata de uma legislação protecionista de todo e qualquer agente público, mas do agente honesto e responsável que, como dito, mantém-se inerte ou, quando menos, deixa de adotar soluções criativas para os problemas reais cotidianos. Ao comentarem sobre o “sistema legal de defesa da moralidade administrativa”, sistema este que inclui, entre outras Leis, a parte penal da Lei de Licitações e Contratos – Lei nº 8.666/93; a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92 e a Lei Anticorrupção – Lei nº 12.846/2013, Floriano de Azevedo Marques Neto e Rafael Véras de Freitas[12], enfatizam: “Uma das principais falhas desse sistema normativo é que ele não considera o administrador probo, honesto e responsável. O desamparo normativo desse agente público produz externalidades negativas para além dos atos praticados pelos agentes corruptos. Causa a paralisia da administração pública. Ninguém decide mais nada. A lógica de autodefesa é a seguinte: se a inércia, quando muito, pode lhe importar uma sanção funcional, enquanto a ação pode lhe importar na sua responsabilização patrimonial, o melhor é não fazer nada. O problema é que a legítima defesa do gestor público leva, no final do processo, à inação do Estado, com violação reflexa aos demais fundamentos.”   2.2 COMENTÁRIOS AOS ARTIGOS 22 E 28 DA LINDB 2.2.1 DO ARTIGO 22: A PROTEÇÃO AO GESTOR PROBO E RESPONSÁVEL O artigo 22 assim dispõe: Art. 22.  Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. Da redação do artigo verifica-se sua matriz pragmática, consagrando principalmente o contextualismo. Exige-se a consideração da realidade na interpretação das normas sobre gestão pública, assim como na decisão sobre regularidade de conduta ou na anulação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa. De acordo com Eduardo Jordão[13], o “primado da realidade” é consagrado e a contextualização exigida produz uma espécie de empatia com o gestor público e suas dificuldades. Importante mencionar que o artigo em referência (e a nova lei, no geral) não trouxe segurança jurídica apenas aos gestores, mas também aos investidores privados, na medida em que os contratos firmados com o ente público não poderão ser anulados com fundamento em valores jurídicos abstratos que desconsidere as consequências práticas dela decorrentes. Neste ponto, inclusive, necessário repisar que não se trata de dificultar a atuação dos órgãos fiscalizatórios no controle da legalidade, tal como foi objeto de críticas. O que se pretende evitar é tão somente a anulação sem motivação suficiente, utilizando-se de valores jurídicos abstratos. De igual forma, os obstáculos e dificuldades enfrentadas pelo gestor devem ser devidamente motivados; isto é, não consistem em um cheque em branco do gestor, eximindo-o de suas responsabilidades. Conforme bem exposto pelo autor supracitado[14]: “O gestor público deverá apresentar à sociedade e aos controladores o contexto em que tomou a sua decisão, inclusive no que concerne a apresentação das alternativas que estavam à sua disposição e as razões das opções realizadas, na forma, também, do parágrafo único do art. 20. Seria benéfico para a maturidade do nosso direito público, inclusive, que o gestor deixasse claro as dúvidas que teve, para fins de contextualizar as sociedades e os controladores nos dilemas reais que circundam a sua atuação e as suas escolhas.” Por fim, ao se determinar que as normas sobre gestão pública devam ser interpretadas levando-se em consideração os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências de políticas públicas a seu cargo, o dispositivo estabelece o ônus argumentativo ao controlador, o qual é colocado na posição do gestor exatamente para compreender a decisão tomada e, caso decida no lugar do gestor, também terá que assumir a responsabilidade pelas consequências práticas da decisão. Quanto às alegações e críticas de que não cabe a transferência da atividade de gestão aos controladores, em razão da ausência de expertise técnica, Juliana Bonacorsi de Palma[15] defende que se trata apenas da previsão de uma dinâmica de diálogo institucional, sendo que, na impossibilidade de se avaliar as consequências e alternativas existentes, o controlador deve deferência às escolhas da administração pública.   2.2.2 DO ARTIGO 28: A PROTEÇÃO AO GESTOR INOVADOR A redação do artigo, após os vetos presidenciais dos parágrafos 1º, 2º e 3º, restou assim definida: Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. Para este estudo, a análise do artigo 28 será limitada aos motivos que levaram à sua criação (assunto debatido no tópico 3.1 – Da Paralisia da Administração) bem como à consideração do que seria erro grosseiro na visão do Tribunal de Contas da União, órgão de controle externo e que tende a ser paradigma para os Tribunais de Contas estaduais. Cumpre aqui apenas complementar que o artigo 28 admite o falibilismo do gestor público. Ora, numa administração inovadora, em que o experimentalismo é presente, não há como se exigir uma atuação isenta de erros. O que o artigo considera é o grau do erro cometido. José Vicente Santos de Mendonça[16], ao tratar sobre a responsabilidade pessoal de parecerista público, exemplifica o que denomina de erro evidente e inescusável: elaboração de parecer sobre matéria atual de trânsito com base em Código Nacional de Trânsito revogado, enquadrar caso de dispensa de licitação em artigo inteiramente inaplicável da Lei de Licitações. Como conclui Gustavo Binenbojm e André Cyrino[17], admitir o erro, salvo quando grosseiro, faz sentido num regime jurídico que pretenda viabilizar soluções inovadoras.   Ao analisar diversos acórdãos referentes à responsabilização de agentes públicos, Juliana Bonacorsi[18] constatou que um dos parâmetros utilizados pelo Tribunal de Contas refere-se à figura do “administrador médio”. Ao expor o resultado de sua pesquisa, informa: “Mas quem é o administrador médio do TCU? Para o Tribunal, o administrador médio é, antes de tudo, um sujeito leal, cauteloso e diligente (Ac. 1781/2017; Ac. 243/2010; Ac. 3288/2011). Sua conduta é sempre razoável e irrepreensível, orientada por um senso comum que extrai das normas seu verdadeiro sentido teleológico (Ac. 3493/2010; Ac. 117/2010). Quanto ao grau de conhecimento técnico exigido, o TCU titubeia. Por um lado, precisa ser sabedor de práticas habituais e consolidadas, dominando com mestria os instrumentos jurídicos (Ac. 2151/2013; Ac. 1659/2017). Por outro, requer do administrador médio o básico fundamental, não lhe exigindo exame de detalhes de minutas de ajustes ou acordos administrativos que lhe sejam submetidos à aprovação, por exemplo (Ac. 4424/2018; Ac. 3241/2013; Ac. 3170/2013; 740/2013). Sua atuação é preventiva: ele devolve os valores acrescidos da remuneração por aplicação financeira aos cofres federais com prestação de contas, e não se apressa para aplicar esses recursos (Ac. 8658/2011; Ac. 3170/2013). Não deixa de verificar a regularidade dos pagamentos sob sua responsabilidade (Ac. 4636/2012), não descumpre determinação do TCU e não se envolve pessoalmente em irregularidades administrativas (Ac. 2139/2010).” Ou seja, há uma imprevisibilidade no que pode ou não pode ser enquadrado no conceito de “administrador médio” e, logo, o que pode ou não pode ensejar uma responsabilização. E neste cenário é que a nova LINDB foi implantada, gerando a necessidade de que a falta cometida tenha sido efetuada com dolo ou erro grosseiro, nos termos de seu artigo 28, além de que sejam considerados os obstáculos e dificuldades reais do gestor, nos termos de seu artigo 22. Ainda, em observância ao artigo 20, a decisão não poderá ser embasada em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão. Verifica-se, então, uma premente necessidade de se alterar as balizas definidoras de responsabilização, pelo Tribunal de Contas a União, sendo contrário à Lei 13.655/18 considerar erro grosseiro como erro que não seria praticado pelo “administrador médio”. Após a vigência da Lei, destacou-se o Acórdão 1628/2018 – Relator Min. Benjamin Zymler, em que utilizado o conceito de “erro grosseiro” previsto no artigo 28, para deixar de responsabilizar uma servidora. No caso, o TCU examinou legalidade da gestão dos recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) utilizados pelo município na contratação de serviço terceirizado. Grande parte das contratações eram por dispensa de licitação e descobriu-se que servidores municipais eram sócios das empresas contratadas. Ocorre que as empresas prestavam serviço ao hospital desde 2012, o que foi determinante para que o Ministro concluísse que a servidora teria sido induzida em erro: Entendo, pois, que a pregoeira foi induzida em erro, ao adotar a presunção de que as empresas estariam em situação regular pelo fato de já estarem prestando serviços ao hospital. Outro fato que obra em favor da responsável é a ausência de parecer jurídico ou manifestação do tribunal de contas estadual acerca do procedimento correto que deveria ser adotado. Ou seja, o que se verifica é que a gestora agiu de acordo com a prática comumente adotada na municipalidade, sendo que caberia às autoridades superiores a revisão de tal metodologia para adequá-la ao entendimento desta Corte de Contas.           “Art. 28.  O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.” (Ac 1628/2018 – Plenário do Tribunal de Contas da União – Relator Min. Benjamin Zymler). No entanto, como representação de avanço na observância da LINDB em sua jurisprudência, cabe mencionar o Acórdão 2391, de 17.10.18, – Relator Min. Benjamin Zymler. Conforme se verá, o julgamento trouxe parâmetros para a configuração do erro grosseiro, bem como explorou o tema da responsabilidade dos agentes públicos: Quanto à alegação de que não existem indícios de que o defendente tenha agido dolosamente, destaco que a responsabilidade dos jurisdicionados perante o TCU é de natureza subjetiva, caracterizada mediante a presença de simples culpa stricto sensu, sendo desnecessária a caracterização de conduta dolosa ou má-fé do gestor para que este seja instado a ressarcir os prejuízos que tenha causado ao erário (Acórdãos 9004/2018-1ª Câmara, 635/2017-Plenário, 2781/2016-Plenário, dentre outros). “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (…) Art. 28.  O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.” (grifos acrescidos). A tabela abaixo também consta do acórdão citado:   Não há como negar que se trata de um avanço na jurisprudência do Tribunal. No entanto, cumpre observar que o §1º do artigo (vetado) traria muito mais segurança jurídica aos agentes públicos, uma vez que excluía determinadas ações da definição de erro grosseiro: decisão ou opinião baseada em jurisprudência ou doutrina, ainda que não pacificadas, em orientação geral ou, ainda, em interpretação razoável, mesmo que não venha a ser posteriormente aceita por órgãos de controle ou judiciais. No dizer de Leonardo Coelho Ribeiro[19]: “Ausentes os parâmetros positivos ou negativos legalmente dispostos para delimitar o erro grosseiro, manteve-se espaço para que o Tribunal de Contas siga determinando o próprio parâmetro de controle que empregará. Definindo parâmetros para si, nada melhor do que fazê-lo elasticamente, de preferência com categorias inexistentes, e assim vazias de substância. Assim, dê-se as boas-vindas ao “administrador médio”, aquele que nem o TCU sabe quem é, mas avoca para si a competência para dizê-lo, no caso concreto, ao “avaliar a razoabilidade” da conduta sob exame. Por vezes, acrescenta: administrador médio, cauteloso e diligente. O veto pela segurança jurídica nos traz ao controle pautado em categoria inexistente. Possivelmente, também em nome da segurança jurídica. Do controlador, e não dos controlados, claro. Nesse contexto, espera-se mesmo é pelo surgimento de um “administrador médium”, dotado da presciência capaz de antecipar as visões futuras do controlador.” Outros acórdãos sucederam ao supracitado, reforçando o posicionamento do TCU nos parâmetros utilizados para a aplicação de sanção: Por fim, registro que o entendimento jurisprudencial desta Corte de Contas, conforme evidencia os seguintes enunciados da Jurisprudência Selecionada do TCU, reforça o encaminhamento supra: A conduta culposa do responsável que foge ao referencial do “administrador médio” utilizado pelo TCU para avaliar a razoabilidade dos atos submetidos a sua apreciação caracteriza o “erro grosseiro” a que alude o art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) , incluído pela Lei 13.655/2018. (Acórdão 1.628/2018-Plenário, Relator: BENJAMIN ZYMLER) ; O erro grosseiro a que alude o art. 28 do Decreto-lei 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) , incluído pela Lei 13.655/2018, fica configurado quando a conduta do agente público se distancia daquela que seria esperada do administrador médio, avaliada no caso concreto. (Acórdão 2.860/2018-Plenário, Relator: AUGUSTO SHERMAN) ; Para fins do exercício do poder sancionatório do TCU, erro grosseiro é o que decorreu de grave inobservância do dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave. (Acórdão 2.391/2018-Plenário, Relator: BENJAMIN ZYMLER e Acórdão 2.924/2018-Plenário, Relator: JOSÉ MUCIO MONTEIRO) ; Para fins de responsabilização perante o TCU, considera-se erro grosseiro aquele que pode ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal ou que pode ser evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário, decorrente de grave inobservância de dever de cuidado. (Acórdão 3.327/2019-Primeira Câmara, Relator: VITAL DO RÊGO); Para fins de responsabilização perante o TCU, pode ser tipificado como erro grosseiro o descumprimento de regra expressa em instrumento de convênio. Tal conduta revela nível de atenção aquém ao de uma pessoa com diligência abaixo do patamar médio, o que configura culpa grave, passível de multa. (Acórdão 2.681/2019-Primeira Câmara, Relator: BENJAMIN ZYMLER). (Ac 1264/2019 – Plenário do Tribunal de Contas da União – Relator Min. Augusto Nardes, julgado. em 05.06.19). A Lei 13.655/2018 introduziu vários dispositivos no Decreto-lei 4.657/1942 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que diretamente alcançam a atividade jurisdicional desta Corte de Contas, em especial a atividade de aplicação de sanções administrativas e de correção de atos irregulares. “Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (…) Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”   Em junho de 2019 foi publicado o Decreto nº 9830, regulamentando as novas disposições incluídas na LINDB. Assim, no tema da responsabilização, o Decreto dispõe: Art. 12.  O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções. Verifica-se que a regulamentação trouxe a definição do que vem a ser “erro grosseiro”, mitigando a incerteza do que poderia ou não ser englobado em tal definição, ensejando a responsabilização. Ademais, constata-se que o Decreto considerou insuficiente o nexo de causalidade entre a conduta do gestor e o resultado danoso, independentemente do valor do dano ao erário. Importante disposição consta do § 4º, o qual determina que a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas em eventual responsabilização do agente púbico. Conforme conclui Vera Monteiro[20]: “Portanto, o fracasso faz parte do processo de inovação. Não o fracasso derivado de descuido, de má gestão, de desonestidade ou de fraude, esse sim capaz de gerar responsabilidade pessoal. O que faz parte do processo de inovação e, por isso, deve ser absorvido pela organização pública, é o fracasso que não tem origem em dolo ou erro grosseiro do agente público, bem como o prejuízo indesejado ao erário causado por processo inventivo conduzido por gestor de boa-fé.”   CONCLUSÃO O objetivo deste artigo foi tratar sobre a Lei nº 13.655/2018, a qual alterou a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-lei n° 4.657/42), trazendo disposições de caráter pragmatista sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público, especialmente relacionadas à gestão pública. De tudo quanto se discorreu, podemos concluir que mais que uma necessidade de quebra de paradigmas dos gestores e controladores, há uma necessidade de mudança cultural de toda a população. A consideração do agente público como bode expiatório de todas as mazelas da sociedade contribui para o excesso do aparato relativo ao controle administrativo. A cultura do punir apenas para acalmar a calorosa opinião pública precisa ser combatida, para que o gestor honesto e inovador não se acanhe em adotar medidas, tomar decisões, “pense fora da caixa”. Daí a importância da análise decisões dos órgãos de controle, a fim de se verificar a real observância da lei e, assim, garantir a eficiência e a segurança jurídica, objetivos declarados no preâmbulo da Lei nº 13.655/18. E, como dito, a segurança tanto para os gestores quanto para os investidores privados, o que significa eficiência, otimização de resultados, desenvolvimento e implantação de políticas públicas. Coadunar-se a atividade administrativa com a atuação dos órgãos de controle somente poderá ser de fato efetuada através do diálogo institucional, o que, com as novas disposições, tornou-se regra. O primeiro passo foi dado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/do-carater-pragmatista-das-disposicoes-da-nova-lei-de-introducao-as-normas-do-direito-brasileiro-lindb-e-o-impacto-na-gestao-publica-e-na-atuacao-dos-orgaos-de-controle/
A Inserção Das Agências Reguladoras na Rotina Administrativa Dos Estados e Municípios Brasileiros
Este trabalho visa analisar a inserção das agências reguladoras na rotina administrativa dos Estados e Municípios brasileiros, considerando sua natureza jurídica e as implicações dela decorrentes, dotada de autonomia administrativa e financeira. Ocorre que, por diversas vezes esses entes se veem diante de conflitos normativos e de efetividade. Partindo da premissa de que é necessária a total desvinculação das agências reguladoras do poder concedente para garantir o cumprimento de mister, a gestão administrativa do ente federativo não tem em uma agência de regulação o elemento subordinador. A proximidade da gestão administrativa, por se tratar de campo de atuação reduzido, em comparação com o modelo federal, bem como a incompreensão dos demais seguimentos da administração pública municipal e estadual do que representa a autonomia administrativa, funcional e financeira, oferece um cenário de potencialidades deturpadoras dos pressupostos legais para a efetivação da atividade fim. A partir do cenário faticamente constatado por meio do método descritivo, parte-se para dedução do que se espera da implementação da atividade reguladora efetivada por uma autarquia em regime especial em uma estrutura administrativa diversa da proposta inaugurada pelo ente federal durante a década de 90, tendo como critério a efetividade, a independência e a desvinculação da administração pública central.
Direito Administrativo
Introdução O modelo de Estado brasileiro é resultado dos fatores de natureza histórico, social, econômico e político. A forma intervencionista e reguladora decorre da atribuição exclusivista conferida pelo modelo político-constitucional adotado pelo País, adaptado às exigências modernas do mercado. Como consequência, a transferência de competência executória se apresentou como mecanismo de inserção do expertise advindo do capital privado, sem que o Estado permanecesse no controle gerencial e estratégico. Como resultado das delegações surge a atividade regulatória, caracterizada pelo envolvimento de diversos setores, e priorização da participação popular, de forma que passa a representar uma administração democrata. Por meio da descentralização o Estado delega essa atividade às agências reguladoras, que são por natureza jurídica autarquias em regime especial, entidades da administração pública indireta, que exigem autonomia financeira e administrativa, figurando-se como entes independentes à administração pública direta. Esse modelo de ente regulador passou a ser utilizado nos entes federativos, à medida de sua competência constitucional, com o fim de conferir satisfação na prestação de serviços públicos delegados. Assim, partindo da premissa de que para se obter a devida funcionalidade é necessária distância de influências políticas, adotou-se o modelo autárquico, com especificidades próprias. Da mesma forma, há específica vinculação de atuação de cada ente à competência da esfera federativa, de forma a não permitir a intromissão e a subsunção de competências. Desta forma, as agências reguladoras estaduais e municipais, na rotina da administração pública, não raras vezes se encontram diante de conflitos normativos e de efetividade da sua autonomia administrativa e financeira. Para evidenciar tal realidade, conferindo subsídios à apresentação de novas propostas, utilizou-se o método descritivo, com o registro e análise de dados. A abordagem qualitativa foi aplicada em vista das características descritivas contidas nos dados coletados. Utilizou-se ainda de revisão bibliográfica, com o fim de relatar as diversas visões do objeto de estudo proporcionando visão panorâmica.   A divisão de competências estabelecida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88 direciona a cada membro da federação um conjunto de atribuições vinculadas aos interesses pertinentes ao respectivo campo de atuação. Neste conjunto de atribuições, tem-se aquelas voltadas à atividade legislativa de cada ente, além daquelas consistentes em atos específicos direcionados à administração pública. Neste contexto, sendo o serviço público qualquer ato do Estado voltado ao atendimento do interesse da coletividade, a execução das competências pelo ente federativo deverá se dar em estrita observância ao que estabelece o texto constitucional, sob pena de sobreposição ou usurpação de competências. A definição da competência do ente federativo proporciona a sua titularidade, mas não impede que a execução do correspondente serviço público seja delegada, nos termos do artigo 175 da CRFB/88. (BRASIL, 1988) Para Meirelles (2009), serviço público é aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, que obedeçam às normas e controles estatais com o fim de atender as necessidades do grupo social e do Estado. Ainda conforme o autor, os serviços públicos são subsidiados por cinco princípios: permanência, ou continuidade; generalidade ou igualdade; eficiência ou mutabilidade; modicidade; e cortesia. De forma diversa, Mello (2012) aponta como princípios dos serviços públicos: o dever inescusável do Estado de os promover direta ou indiretamente; princípio da supremacia do interesse público; princípio da adaptabilidade; princípio da universalidade; princípio da impessoalidade; princípio da continuidade; princípio da transparência; princípio da motivação; princípio da modicidade das tarifas e princípio do controle. Pontue-se, ademais, que os princípios como normas mandamentais que são, tem o objetivo de assegurar o melhor atendimento à sociedade e suas necessidades. Neste contexto, tem-se a descentralização como reflexo do Estado que, sem dispensar sua titularidade decorrente da divisão de competência federativa estabelecida pelo texto constitucional, transfere a incumbência de execução do serviço público a terceiro participante desta relação obrigacional, que poderá ser outro ente administrativo ou instituição proveniente da iniciativa privada. Por isso, para Grotti (2003) a descentralização passou a ser utilizada como estratégia, enquanto reduzia a presença do Estado redefinia o papel da Administração Pública. Nesse novo modelo de gestão, a prestação dos serviços públicos passa a ser executada por terceiro, mantendo a titularidade do ente público constitucionalmente competente. Os principais efeitos buscados pela descentralização é o esvaziamento estatal, para que o Estado direcione seus esforços na execução de ações voltadas à sua atuação central, e o aumento da eficiência, partindo da premissa que a iniciativa privada possui melhores e mais eficazes métodos para a execução de serviços.   A Administração Pública indireta é formada por pessoas administrativas que desempenham atividades de forma descentralizada. Ademais, possui princípios com especificidades ligadas a descentralização. Carvalho Filho (2019) ao tratar da principiologia da Administração Pública Indireta, elenca o princípio da reserva legal, que baseia-se na determinação de que os integrantes da Administração Indireta somente serão criados por lei, de igual modo, cita o princípio da especialidade, segundo o qual as entidades da Administração Pública Indireta deverão ter finalidades específicas de atuação e o princípio do controle, referindo-se à utilização de meios para fiscalizar os parâmetros de atuação da entidade. De acordo com a CRFB/88, a fiscalização da prestação de serviços por terceiros cabe ao poder concedente, representado pela Administração Pública Direta, em decorrência da manutenção de sua titularidade. Tal fato não exclui a possibilidade de se atribuir à entidade da administração pública indireta, tal incumbência mediante descentralização. Carvalho Filho (2019, p.361) conceitua a descentralização como “o fato administrativo que traduz a transferência da execução de atividade estatal a determinada pessoa, integrante ou não da Administração. Dentre essas atividades inserem-se os serviços públicos”. Já Aragão (2013) fala em descentralização como um resultado do esgotamento do modelo centralizado e hierárquico de administração pública, reflexo da complexização social. Como já exposto, o serviço público pode ser executado por meio de delegatários. A delegação é uma forma de transferir a execução dos serviços públicos a particulares, essa pode ser feita por concessão, permissão ou autorização (MELLO, 2012). Ressalta-se que as formas como o instituto da delegação se apresenta se diferenciam, segundo Di Pietro (2019), e consoante os artigos 174 e 175 da CRFB de 1988. A concessão provém de acordo de vontades, enquanto a permissão é ato unilateral, sendo que ambas possuem fundamento na Lei nº 8.987/95. Já a autorização é um ato unilateral com especificidades, uma vez que nesta o particular executa a atividade em seu próprio benefício, e por sua conta e risco. A delegação de serviço realizada pelo titular da competência constitucional impõe ao Estado delegante o dever de manter a sua fiscalização. Além desta obrigação, caberá ainda o estabelecimento de regras específicas voltadas ao serviço delegado, a fim de que seja garantido o cumprimento do objeto, com qualidade e equilíbrio na relação contratual. O cumprimento, por parte do Estado delegante, poderá se implementar diretamente, ou por meio de uma entidade integrante da administração pública indireta, com autonomia financeira e administrativa, denominada Agência Reguladora, autarquia em regime especial, criada por lei. Ressalte-se que autarquias são provenientes da descentralização, de modo que surgem como, “pessoa jurídica de direito público, integrante da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar funções que, despidas de caráter econômico, sejam próprias e típicas do Estado” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 497). Para Aragão (2013), as agencias reguladoras fazem papel de intermediadora entre o Estado e a sociedade. Carvalho Filho (2018) as menciona destacando a peculiaridade de apenas serem criadas, extintas ou modificadas por lei específica. No Brasil, passaram a ocupar papel de destaque na estrutura administrativa federal no ano de 1997, como reflexo da influência do direito norte-americano e com objetivo de disciplinar e controlar certas atividades (GROTTI, 2003), além de “impedir influências políticas sobre a regulação e disciplina” (GROTTI, 2003, p. 157), uma vez que diante da execução de uma atividade por terceiros é natural a incidência da necessidade de disciplina e controle afinco, buscando aproximar cada vez mais o regulador dos usuários do serviço prestado. No que diz respeito ao regime especial autárquico que as vincula, são garantidos privilégios específicos outorgados por lei, com condições idênticas às do Estado, diversificando apenas quanto aos métodos operacionais (MEIRELLES, 2009). Esses privilégios são restritos à legalidade, o que de fato lhes garante segurança jurídica, bem como possibilidades únicas de atuação, ainda mais em se tratando de administração pública indireta. Carvalho Filho (2018) enumera como elementos definidores do regime especial das agências reguladoras o poder normativo técnico, autonomia decisória, independência administrativa e autonomia econômico-financeira. É justamente a natureza jurídica desses entes que lhes garante o alcance de suas finalidades, pois ao armá-las de autonomia administrativa, orçamentária e financeira, as elevam ao status de independentes, na medida em que a elas é permitido estabelecer suas próprias normas de conduta. (ARAGÃO, 2013). Para Aragão esse status diferenciado se justifica porque ” […] o termo “independência” utilizado não é, logicamente, equivalente a “soberania”, mas sim a uma efetiva descentralização autônoma, a uma autonomia “reforçada” em comparação com a autonomia das demais entidades da Administração Indireta.” (ARAGÃO, 2013, p. 10). Os efeitos dessa realidade para Oliveira (2016) garantem o estabelecimento de critérios técnicos e normativos à regulação, uma vez que sua atuação administrativa é baseada na tecnicidade, atuando no limite das competências transferidas às autarquias, com o fim de garantir o equilíbrio de interesses e qualidade na prestação dos serviços. Esse cenário se deu pela busca por maior eficiência nas atividades administrativas, permitindo assim a mudança de uma administração burocrática para uma Administração democrática (GROTTI, 2003), evidente diante das possibilidades de participação popular instituídas com a nova forma de gestão do Estado.   Como já discriminado, a introdução da prática fiscalizatória e regulatória por Agências reguladoras (Autarquias em regime especial) na administração pública brasileira se efetivou na esfera federal, voltadas aos serviços públicos que antes eram de monopólio estatal. Porém, a previsibilidade legislativa para este modelo nunca se restringiu à União, o que, em tese, sempre permitiu que as administrações públicas estaduais e municipais igualmente aderissem a este modelo. A legitimidade para instituição de agências reguladoras estaduais e municipais foi dada através da CRFB/88, naquilo que for das respectivas competências constitucionais. “Como a instituição de tais autarquias resulta de processo de descentralização administrativa, e tendo em vista ainda a autonomia que lhes confere a Constituição, é lícito a Estados, Distrito Federal e Municípios criar suas próprias agências autárquicas quando se tratar de serviço público de sua respectiva competência, cuja execução tenha sido delegada a pessoas do setor privado, inclusive e principalmente concessionários e permissionários.” (CARVALHO FILHO, 2018, p. 518) No Brasil, a primeira agência estadual foi a AGERGS, Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul, instituída pela lei estadual n.º 10.931/97. Foi criada como agência multissetorial, com o objetivo de regular os serviços de saneamento, energia elétrica, rodovias, telecomunicações, portos e hidrovias, irrigação, transportes intermunicipais de passageiros, aeroportos, distribuição de gás canalizado, inspeção de segurança veicular, e as estações de transportes intermunicipais. (RIO GRANDE DO SUL, 1997) Já a Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Cachoeiro de Itapemirim-AGERSA foi a primeira agência municipal, instituída pela lei n.º 4.798/99. Inicialmente, regulava apenas os serviços de saneamento, mas passou a ser multissetorial, regulando também os serviços de transporte, os espaços públicos, o lixo e resíduos sólidos, a iluminação pública e a propaganda e publicidade. A Associação Brasileira de Agências de Regulação figura hoje como entidade significativa no contexto regulatório, uma vez que tem o fim de promover a colaboração mútua entre as agências reguladoras que a ela se associem, atuando desde 1999, promovendo eventos e cursos, conta com a associação de 28 agências estaduais e 20 agências municipais. Diante disso, é percebível a introdução das agências reguladoras no âmbito estadual e municipal, e vários foram os passos já consolidados para instituição das agências reguladoras independentes, uma vez que, “ […] o que se busca via agências independentes é a consolidação da divisão entre política e administração, de forma a possibilitar a especialização decorrente da divisão do trabalho (pensar-fazer) e potencializar capacidades técnicas necessárias para o desempenho das tarefas-administrativas.” (PECI, 2014, p. 46). Não é o permissivo legal que exclui a possibilidade dos Estados e Municípios de estabelecerem a regulação e a fiscalização dos serviços de sua titularidade, delegados à iniciativa privada, por meio de Agências Reguladoras. Há outros fatores, desvinculados do conjunto normativo, que são verdadeiras barreiras à consolidação desta prática, voltados à estrutura financeira, administrativa, política e de pessoal, considerando as diversidades de cada um destes entes.   A atribuição do dever fiscalizatório e regulatório, incidente sobre o serviço público prestado pelo particular a entidade da administração pública indireta deve estar acompanhada de instrumentos de efetividade, com característica vinculante e cogente. Vidigal (2004) relaciona os poderes regulamentar, normativo e mediador das agências reguladoras como poderes especiais. Quanto ao poder regulamentar, o autor ressalta que as normas por elas expedidas devem atender aos limites das competências designadas por lei. Quanto ao poder normativo, que permite criar um regulamento novo, o autor suscita o questionamento sobre a origem desse poder, se advindo de delegação legislativa ou da missão instituída na criação do ente. Já o poder mediador, diz tratar da incumbência das agências reguladoras à resolução de conflitos entre os partícipes do setor regulado. Todos esses poderes são cruciais ao favorecimento da atuação das agências. Não obstante apresentarem essas características específicas, a introdução dos entes regulatórios alheios a hierarquia administrativa sempre encontrou empecilhos, especialmente as agências estaduais e municipais que são multissetoriais (ARAGÃO, 2013). Há claramente um impasse na inserção das agências, pois ao lançar mão de sua natureza autônoma e da fuga de influências políticas, surgem dificuldades no exercício de suas competências. Por isso, Alexandre Aragão afirma que, “[…] as competências complexas das quais as agências reguladoras independentes são dotadas fortalecem o estado de direito, vez que, ao retirar do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econômicas, atenuando a concentração de poderes na administração Pública central, alcançam, com melhor proveito, o escopo maior não meramente formal da separação de poderes.” (ARAGÃO, 2013, p. 410). Ressalte-se que toda introdução de um novo procedimento é paulatino. Aragão (2013) ao falar da importância de integrar as entidades reguladoras, destaca que não podem as agências representarem uma ilha no Estado, ou seja, deve haver uma inserção na rotina administrativa, inclusive com colaboração. Nesse contexto, é de importância o destaque de que as agências não posicionam-se a favor do concedente, prestadores de serviços, ou dos usuários dos serviços, uma vez que tem o objetivo de fomentar a harmonia na regulação como um todo (ARAGÃO, 2013). A esse respeito, as leis de criação possuem em comum disposições acerca das competências dessas autarquias, com objetivos a buscar justamente o equilíbrio econômico financeiro nas delegações, como ressalta Aragão (2013), a atividade regulatória se refere a muito mais que supremacia do interesse público, pois “[…] em toda hipótese, as agências reguladoras devem observar o Princípio da Proporcionalidade das normas impostas aos delegatórios, buscando sempre uma fina ponderação entre os direitos e interesses dos concessionários e dos usuários, entre si e em suas diversas espécies, e os objetivos da política pública do setor.” (ARAGÃO, 2013, p. 157). Corroborando com a especificação dada ao ente, a lei 9.986/2000 disciplina sobre a gestão dos cargos das agências reguladoras, na administração pública federal, trazendo uma estruturação peculiar. Aragão (2013) faz uma leitura da relação dos dirigentes de uma agência com o poder executivo, uma vez que há independência entre eles, diferentemente da relação do chefe do poder executivo e seus agentes subordinados. Ainda na esfera federal, de acordo com a norma, o dirigente das agências reguladoras é nomeado por tempo certo e por procedimento especial, com aprovação do poder Legislativo, não é sujeito a demissão ad nutum, discricionária. Também, com visão à independência, é defeso aos regulados a contratação de ex dirigente de agência reguladora pelo tempo da quarentena (ARAGÃO, 2013). Essa proibição impede a captura das agências reguladoras. Vislumbra-se a partir desse instituto a guarda dada à independência desses entes. Nesta linha intelectiva, entende Pacheco (2006) que a estruturação de uma agência reguladora institui uma nova visão acerca da gestão da prestação de serviços públicos.   No Brasil, as agências reguladoras surgiram por influência do direito norte-americano, que figurou como pioneiro com a primeira agência reguladora independente nos Estados Unidos, Interstate Commerce Commission Termination Act, em 1887. Considerando o contexto histórico de inserção, as agências no norte-americano figuravam como fortalecimento de Estado, esse não era o mesmo contexto dos outros países adeptos ao modelo, por isso, as entidades foram adaptadas quando neles inseridas (OLIVEIRA, 2015). No Brasil, as agências foram inseridas representando a descentralização do Estado, que até então em sua estrutura organizada hierarquicamente, era além de titular da execução dos serviços públicos, fiscalizador. Diferentemente da estrutura norte americana, uma vez que nessa as agências eram figuras comuns na gestão. Oliveira (2015) menciona que vários acontecimentos, por volta dos anos 90, foram cruciais para a criação de agências reguladoras no Brasil, como a abertura para o capital estrangeiro no comércio brasileiro pela CRFB/1988, atenuação dos monopólios estatais e a desestatização. Com o advir desses marcos, o Estado voltou o olhar para a atividade regulatória. Alexandrino e Paulo (2018) ressaltam a atividade regulatória como não dependente da privatização por meio da desestatização, já que a regulação era prevista antes das agências. “Trata-se de processos correlacionados, mas não de forma biunívoca” (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p.215). De certo, a atividade regulatória do Estado brasileiro já acontecia por meio do Banco Central do Brasil e do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE A Constituição Federal de 1988, ademais, não prevê a criação de “agências reguladoras”, no entanto possui a previsão de “órgão regulador” para as atividades de telecomunicação e de petróleo. Não há obrigação de “que a regulação das atividades mencionadas seja exercida por meio de centros de competência despersonalizados integrantes da estrutura da administração direta (órgão em sentido estrito)” (ALEXANDRINO; PAULO, 2015, p. 206). A execução da atividade regulatória por autarquias em regime especial, agências reguladoras, é de pura escolha do legislador. A previsão de criação dos órgãos reguladores foi concretizada em anos seguintes, na vigência do mandato no Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1996 é criada a ANEEL com a Lei n. 9.427/1996 (Agência Nacional de Energia Elétrica) em 1997 foi criada a ANATEL com a Lei n. 9.472/1997 (Agência Nacional de Telecomunicações). A ANEEL foi criada vinculada ao Ministério de Supervisão e a ANATEL vinculada ao Ministério de Minas e Energia. Posteriormente foram criadas por meio da Lei n. 9.478/1997 a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis-ANP e pela Lei n. 9.782/1999 a Agência Nacional de Vigilância Sanitária-Anvisa. Todas essas intituladas como autarquias especiais quando da sua criação. Criadas então, com titulação de autarquias especiais, já se dotam de estruturação padronizada, autonomia inerente, e características peculiares, e por estarem descentralizadas, não obedecem a ordem hierárquica da Administração Pública Direta. Por isso Oliveira (2015) trata a instituição dessas entidades como elemento da despolitização, uma vez que a natureza jurídica assim o permite. Como bem ressalta Oliveira (2015), a utilização de agências reguladoras como entidades à executar funções públicas surge da necessidade de diminuir influências político-partidárias, com fim a dar tratamento técnico, segurança jurídica e celeridade na regulação das atividades técnicas. Dessa forma, insurge no debate sobre o nível de inserção estatal no que pertine aos serviços públicos (mais ou menos burocracia) (PACHECO, 2006). Esse modelo de intervenção indireta do Estado, com visão à autonomia, delimitou a instituição de seus dirigentes. Devendo esta ser realizada por escolha do Chefe do poder Executivo e posteriormente aprovado pelo Estado, para que seja devidamente nomeado, com observância à Lei n.º 9.986/2000. O dirigente deverá então, exercer mandato determinado pela lei criadora da agência, em período não coincidente com o mandato do chefe do poder executivo que o indicou, além de não ser possível a exoneração ad nutum. Para Oliveira (2015), a autonomia ainda que inerente às agências não as garantem independência absoluta dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, porque possuem certo diálogo. O diálogo das agências reguladoras com o poder executivo dá-se desde a criação da entidade, por meio da iniciativa de lei do chefe do executivo, na escolha de dirigentes e na possibilidade de recurso hierárquico impróprio. O diálogo das agências com o poder executivo não pode ser confundido com interferência na atividade do ente, porque nesse caso feriria todo o objetivo da autarquia. Sundfeld (2014) ao ressaltar o desafio jurídico brasileiro atinente à regulação, fala dos instrumentos jurídicos necessários para garantir autonomia das agências reguladoras, requisitos formais e processuais para edição de atos administrativos regulatórios, consulta pública para edição de normas de regulação e estudo de impacto regulatório para alteração da regulação. Diante disso, vê-se a primordialidade que tem a correta introdução das agências reguladoras, pois a falta dos instrumentos necessários apresenta-se como empecilho à atividade. Para Aragão (2013, p. 352) “a autonomia financeira é requisito essencial para que qualquer autonomia se efetive na prática”, de forma que não haja vinculação baseada no sustento das agências. Quando o objeto de regulação forem atividades econômicas, gozarão as agências reguladoras do poder de polícia, e dessa forma poderão instituir taxas regulatórias figuradas como tributos. Ressalte-se que para Oliveira (2015), a natureza dessas taxas sendo contratuais, não decorre exatamente do poder de polícia, mas sim do poder disciplinar. De toda forma, o poder de polícia propicia a prerrogativa da autonomia das agências. “Ora, as competências exercidas pelas agências reguladoras implicam exercício de poder de polícia, incluída a aplicação de sanções, envolvem função normativa, solução de conflitos, em suma, correspondem àquilo que se costuma denominar atividades típicas ou exclusivas do Estado. […] Deseja-se entretanto, transmitir ao setor privado uma ideia de exercício técnico e “independente” da atividade regulatória, livre da ingerência política.” (ALEXANDRINO; PAULO, 2018, p. 217). Na esfera federal, as agências possuem distanciamento maior da Administração direta, um dos fatores que ocasionam essa realidade é a própria extensão territorial. Essa característica é bem vista, pois garante menor interferência do poder executivo na atividade da entidade. Outro fator garantidor da não ocorrência de interferências é o próprio conhecimento da atividade regulatória com suas peculiaridades, vez que na esfera federal já há um delineamento estabilizado quanto à divisão de competências. Os entes federativos brasileiros possuem autonomia constitucional prevista na organização política administrativa do Estado, dessa forma a titulação da atividade executória e regulatória é determinada pela competência ali positivada. Aos Estados e Municípios também é previsto a execução de serviços públicos, respeitado seu campo de atuação, e a respectiva regulação, por isso, ao lançar mão da possibilidade legislativa de executar as atividades de forma indireta, opera-se a delegação da execução de atividades a entes privados, e a atividade regulatória a entidade autárquica em regime especial, assim surgem agências reguladoras estaduais e municipais, vinculadas à lei que as criam. Diante da titularidade dos Estados e Municípios e da permissão à delegação, por escolha, como dispõem Alexandrino e Paulo (2018) passou a utilizar-se de autarquias por meio de delegações. Assim, a legislação infraconstitucional ficou responsável pelo delineamento do modelo desses entes autárquicos, quantificando a autonomia de cada agência reguladora. Considerando ainda o critério geográfico, o diálogo das agências estaduais e municipais com o chefe do executivo dos respectivos entes federativos é muito mais peculiar que no âmbito federal. Ocorre que, nos âmbitos estadual e municipal as autarquias serão delineadas por meio das leis especiais que a criarem. Nessas legislações determinar-se-ão como se dará cada atividade das entidades, bem como a previsão de participação do chefe do poder executivo. Enfim, a autonomia das agências reguladoras é delimitada pelo chefe do executivo em colaboração com o legislativo mediante as legislações. Em vista disso, Aragão (2013) afirma que muitas dificuldades sofridas pelas agências se dão por estarem vinculadas ao princípio da unidade orçamentária, e necessitarem assim de repasse do poder central. Esse não é o ideal à atividade, nem o inicialmente proposto em suas legislações, no entanto, a previsibilidade de aprimoramento financeiro do ente é de competência do legislador em conjunto com o chefe do executivo. Como solução Marques Neto (2003) defende que deve haver previsão legal de promoção de recursos próprios para evitar o engessamento das funções baseado na dependência econômica. Por certo, a obediência à distinção entre esses entes e Administração Pública Direta decorrerá na satisfação de seu funcionamento, pois assim como posiciona-se PECI (2004), o motivo de existências dessas autarquias é justamente a impossibilidade prática de distinguir as fases do processo governamental, a política da administração. Do confronto do distanciamento existente entre as agências reguladoras e a Administração Pública central nos âmbitos estadual, municipal e federal, depreende-se que naqueles, há proximidade territorial muito menor. Não havendo distanciamento entre as entidades e a gestão central, beirará a confusão de competências ou funções, influenciando diretamente na efetividade. A atividade no nível federal, por ter se instituído há mais tempo já se elevou a um status de desenvolvimento não visto nos níveis estadual e municipal. Dentre as dificuldades apontadas na atividade nesses âmbitos está a falta de conhecimento pleno da atividade regulatória, podendo ser considerando como fator limitante o tecnicismo existente na atuação de agências reguladoras. O conhecimento das peculiaridades existentes na regulação efetivada pelas agências reguladoras propicia o distanciamento necessário a impedir o aparelhamento das entidades, e permitir o alcance de uma regulação técnica com objetivo a permitir a concorrência, garantir o equilíbrio econômico financeiro e a prestação devida dos serviços públicos delegados. Depreende-se ainda, que não há no ordenamento jurídico legislação generalizada a tratar das agências reguladoras, que venha versar sobre a independência funcional, desvinculação funcional, administrativa e financeira, a considerar sua atuação nos níveis federal, estadual e municipal. É certo que o contraste encontrado na inserção das agências estaduais e municipais se dá pela diferenciação de estruturas hierárquicas. Além do mais, a execução de atividades de titularidade dos entes federados por entidades da administração indireta pode apresentar-se aparentemente como perigo à gestão central. Esse conflito aparente surge, diante do desconhecimento, já citado, da atividade regulatória. Assim, entende-se que qualquer figura limitadora da autonomia administrativa, normativa ou financeira das agências reguladoras estaduais e municipais apresenta-se como empecilho à atividade regulatória.   Conclusão A diminuição do Estado brasileiro, agregando ao serviço público a expertise da iniciativa privada, sem alterar o modelo federativo constitucional, insere a atividade reguladora como componente obrigatório da administração pública. Se há delegação de serviço público, justifica a manutenção do controle, fiscalização e regulação ao Poder concedente, que exerce por meio de um ente público dotado de autonomia funcional e conhecimento técnico direcionado à atividade delegada. Se a delegação de serviço público é pressuposto da atividade reguladora, não se pode negar que qualquer dos entes federativos pode se utilizar do modelo regulatório efetivado por ente da sua administração pública indireta, mesmo que as primeiras experiências tenham sido na esfera federal. Não há qualquer discriminação aplicada ao modelo regulatório implantado a partir de determinado ente administrativo. A atividade possui uma só matriz de desenvolvimento, que compreende a missão de estabelecer e manter o equilíbrio contratual, zelando pela modicidade tarifária e o cumprimento de todos os padrões de qualidade estabelecidos no instrumento negocial. A cultura administrativa vivenciada em cada ente da federação expõe práticas que dificultam a implantação do modelo regulatório. Fica evidente que a incompreensão da atividade regulatória, alimentada com o receio de repartição ou exclusão de atividades de controle antes exercida por órgãos da administração centralizada, constrói um cenário de forte resistência à implementação da atividade regulatória em Estados e Municípios brasileiros. Com a atividade regulatória consolidada em um ente autônomo, as instituições fiscalizadoras de controle externo, como as Assembleias Legislativas/Câmara de Vereadores, o Ministério Público Estadual e os Tribunais de Contas dos Estados, passam a contar com uma fonte de informações técnicas, desvinculadas das ações de governo, a fim de subsidiar suas atividades e procedimentos. Importante destacar a importância de que sejam rompidas as barreiras aqui apontadas, em favor da finalidade coletiva e das vantagens de se efetivar a atividade regulatória por entes dotados de autonomia funcional e administrativa, desvinculados às ações e metas de governo, mas comprometidos aos objetivos de Estado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-insercao-das-agencias-reguladoras-na-rotina-administrativa-dos-estados-e-municipios-brasileiros/
Manifestando Interesse Nas Parcerias Público-Privadas
O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é o instrumento pelo qual os particulares formalizam seu interesse em propor estudos, projetos e soluções para a gestão de serviços públicos pela Administração Pública, com vistas à estruturação futuro de proposta de concessão ou parceria público-privada. Trata-se de uma hipótese de interlocução transparente entre os setores público e privado, harmonizada com o ambiente legislativo e instituionalizado vivenciado no Brasil atualmente.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho oferta a discussão de controverso tema pertinente ao Direito Administrativo Constitucional contemporâneo. Sua pesquisa tangencia o procedimento de manifestação de interesse, referido neste estudo pela sigla PMI, recorrente nas parcerias público-privadas, comumente denominadas PPPs. As parcerias público-privadas são acordos de natureza contratual firmados entre a Administração Pública e uma pessoa da iniciativa privada, cujo objeto é a consecução de finalidades públicas ou socialmente relevantes. A opção por tais contratos ocorre, em regra, quando o Poder Público precisa de vultosos investimentos, sem a disponibilidade pecuniária para tanto, necessitando da antecipação de investimento pelo particular. Dessa forma, a iniciativa privada será contratada para, primeiramente, executar uma obra e depois prestar ou não o serviço, mediante o financiamento desse contratado, que terá integral ou parcialmente a sua remuneração por contraprestação pecuniária do Poder Público. O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é bastante utilizado no Brasil. Por intermédio desse instrumento, o setor público obtém, de consultores externos ou das empresas interessadas em disputar futuros contratos de concessão, estudos de viabilidade sobre projetos de infraestrutura que estão na agenda da tomada de decisão do Estado. Tais estudos são essenciais ao setor público para estruturar e publicar os editais licitatórios de concessão. É necessário que tal instrumento seja analisado do ponto de vista dos efeitos que pode causar no grau de competitividade da licitação e no relacionamento entre as partes do futuro contrato de concessão, quer seja no sentido de reforçar ou diminuir a assimetria de informação entre o setor público e o privado. As previsões legais, as previsões regulamentares e as regras específicas de cada PMI podem produzir efeitos que reforçam ou reduzem tal assimetria. O Poder Público, em regra, encontra-se em situação de desvantagem em relação à iniciativa privada, que é capaz de gerar as informações sobre os projetos de infraestrutura de modo mais ágil ou já detém mais informações que o poder público. Nessa segunda situação, após a realização dos estudos de viabilidade por intermédio do PMI. O PMI, portanto, deve ser encarado pelo Poder Público não só como um instrumento viabilizador de projetos, mas com a finalidade de reduzir a assimetria de informação entre o público e o privado. Para tanto, o Poder Público deve conceber regras concretas de cada PMI numa estratégia que pretenda minimizar a assimetria existente em relação ao setor privado e que, portanto, tenda a capacitar o Poder Público a compreender plenamente os contornos, riscos e implicações do projeto de infraestrutura na pauta de sua tomada de decisão. O setor público deve também conceber estratégias para, por meio do poder de compra representado pelo PMI, desenvolver a cadeia de consultores independentes para auxiliá-lo durante a gestão. Com a priorização de áreas sociais, o Estado teve que se adaptar a uma nova forma de captar recursos e dialogar com o sistema privado para consecução de políticas públicas. E o Procedimento de Manifestação de Interesse tem por objetivo orientar a participação de particulares na estruturação de projetos de concessão e permissão no âmbito da administração pública. Por meio desse instrumento o Estado incitou e criou condições à iniciativa privada para fazer estudos e modelagens para exploração de equipamentos de infraestrutura.   1- CONCEITO DE PROCEDIMENTO DE MANIFESTAÇÃO DE INTERESSE (PMI) Entende-se por PMI o procedimento instituído por órgão ou entidade da administração estadual, por intermédio do qual poderão ser obtidos estudos de viabilidade, levantamentos, investigações, dados, informações técnicas, projetos ou pareceres de interessados em projetos de concessão comum e de permissão. É um instrumento utilizado pela administração pública antes da fase de elaboração de editais e contratos de concessão. Através dele, é dada ao setor privado permissão para se executar estudos técnicos, ambientais, econômicos, jurídicos e de engenharia, a desenvolver o projeto de interesse público que se pretende implantar. O PMI objetiva orientar a participação de particulares na estruturação de projetos de parcerias público-privadas, nas modalidades patrocinada e administrativa, de concessão comum e permissão no âmbito da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo, nos termos do disposto em um decreto. Esse procedimento, no Brasil, reproduz a prática usual em países como Inglaterra e Itália de solicitação, pela Administração Pública, da expressão de interesse, em livre tradução. São características da expressão de interesse: a) a iniciativa, geralmente, é da Administração Pública; b) a necessidade do projeto já está consolidada por parte da Administração Pública, tendo colhido apoio político interno para o seu desenvolvimento, aprovações regulamentares e base técnica suficiente para orientar pessoas; c) a Administração Pública está, por meio desse procedimento, realizando a divulgação de sua intenção e formalizando-a junto ao mercado.   2- OBJETIVO DO PMI É o princípio da subsidiariedade que justifica a participação do particular como protagonista do exercício da ordem econômica. No Brasil, portanto, o PMI serve ao órgão da Administração Pública que tenha por objetivo: 1) Divulgar sua intenção e recolher subsídios adicionais para a consolidação de ideias acerca do projeto, antes de se iniciar o processo licitatório propriamente dito; 2) Realizar sondagens de mercado, sem assegurar direitos de participação no processo licitatório posterior e particulares que tenham contribuído com ideias ou projetos; 3) Transferir ao futuro concessionário, parcialmente, o ônus de arcar com os custos da elaboração dos documentos e estudos necessários ao processo licitatório. O PMI pode trazer importante redução de custos para os governos, tanto na elaboração como na obra em si. Além disso, agiliza o processo de elaboração do projeto, pois antecede o processo licitatório e permite aos particulares, pelo fornecimento de informações, estudos e levantamentos para Administração Pública, apresentar propostas que poderão ser futuramente incorporadas a uma carteira de iniciativas de projetos. Proporciona agilidade na contratação e permite a aplicação da expertise de inovações tecnológicas do mercado no desenvolvimento de projetos públicos, resultando em melhores serviços para a população[1]. São aspectos da economia imprescindíveis ao exercício do PMI: (i) economicidade, com redução de gastos e maximização dos resultados; (ii) eficácia, com o alcance das metas almejadas; (iii) equidade, com a distribuição ideal dos resultados a todos os que necessitarem. A manifestação de interesse traz vantagens tanto para o governo como para a iniciativa privada. O governo passa a ter uma ideia mais apurada do nível de interesse de um projeto junto a quem poderia executá-lo, além de reduzir seus custos para a elaboração do projeto. Já para as empresas conhece-se detalhes do projeto antes de irem a público. Com isso, faz-se um orçamento mais exato e com maiores chances de ganhar, e os participantes agregam valor a empresas que queiram se associar para realizar obras. O risco para a empresa, no caso, é se o governo resolver não utilizar as informações fornecidas ou não realizar o respectivo projeto. O PMI poderá também reduzir em muito o risco de aditamento de contratos – cujo uso encarece a obra. Com um contrato mais bem elaborado, o erro de custo é muito menor. E se não há erro, também se veem reduzidas as chances da empresa pedir aditamentos. Sem aditamentos, o governo que licitou a obra tem maiores condições de planejar seu orçamento, pois o risco de gastar mais dinheiro com uma obra que já pagou cai. Com o PMI, o Estado quer saber qual o modelo economicamente viável e de maior interesse do mercado, de forma a garantir à população beneficiada um serviço eficiente e bem estruturado. Ademais, possibilita a economia de recursos dos cofres públicos, já que caberá à iniciativa privada promover estudos de tráfego e projetos de engenharia. Os custos financeiros e demais ônus decorrentes do PMI serão de responsabilidade dos particulares interessados, não cabendo qualquer ressarcimento, indenizações e reembolsos por despesas realizadas, nem remuneração por órgão ou entidade solicitante, com exceção de disposição contrária. Diferentemente das contratações regidas pela Lei 8.666/93, os particulares que tiverem suas contribuições inseridas no instrumento de convocação não ficam impedidos de participar do processo que selecionará o parceiro privado, executor do projeto. O intercâmbio estabelecido entre o setor público e o privado terá o papel de ajustar os interesses de potenciais investidores e empreendedores ao da Administração Pública, além de reduzir os custos finais de elaboração da modelagem e de documentos necessários à licitação.   3- PASSO-A-PASSO DO PMI O Procedimento de Manifestação de Interesse inicia-se com a publicação do aviso no órgão oficial dos poderes do Estado. Nesta publicação estão contidos a indicação do objeto, o prazo de duração do procedimento, o endereço e, se for o caso, a respectiva página da internet em que estarão disponíveis as normas e condições definidas, consolidadas no instrumento de solicitação. O órgão ou entidade solicitante, a seu critério, poderá realizar sessões públicas destinadas a apresentar informações ou características do projeto. A pedido de particular, o governo também pode divulgar a concessão de autorização para que ele realize estudos técnicos relativos ao projeto em questão. Nesse caso, é necessário que o órgão público abra prazo para que outros particulares manifestem interesse. Os direitos autorais sobre informações técnicas, estudos de viabilidade, levantamentos, investigações, dados, estudos, projetos, pareceres e demais documentos solicitados no PMI, salvo disposição em contrário, prevista no instrumento de solicitação de manifestação de interesse, serão cedidos pelo participante, podendo ser utilizados incondicionalmente, total ou parcialmente, de acordo com oportunidade e conveniência, pelo órgão ou entidade solicitante. O órgão ou entidade solicitante deverá consolidar as informações obtidas pelo PMI, podendo combiná-las com informações técnicas disponíveis em órgãos e entidades públicas, sem prejuízo de outras informações obtidas junto a consultores externos contratados para tal fim.   3.1- ESTUDOS DE VIABILIDADE OU VALUE FOR MONEY Os estudos apresentados pelo particular através do PMI podem não ser aproveitados em futura licitação para a contratação. Se esses estudos, não forem aproveitados, o particular não terá qualquer direito ao ressarcimento pelos custos com a sua elaboração[2]. Se, diversamente, tais projetos, estudos, levantamentos ou investigações forem utilizados para a realização de licitação, o vencedor deverá ressarcir a seu autor os custos com que incorreu. Assim, o Poder Público pode ter acesso a estudos e projetos dos mais diversos setores de infraestrutura, sem que isso represente qualquer custo direto aos cofres públicos. Por tal motivo, é de bom alvitre assinalar que, embora o PMI, regulamentado pelo Decreto nº. 5.977, de 2006, esteja voltado às parcerias público-privadas, não se pode deixar de considerar que seria um importante mecanismo a ser também aplicado às concessões comuns, cabendo ao legislador promover a alteração do artigo 21 da Lei nº 8.987/1995. O PMI não se confunde com o diálogo competitivo, não conhecido no ordenamento jurídico pátrio. É instituto previsto pela legislação da União Europeia e baseado em duas premissas: um diálogo envolvendo os licitantes e a Administração e a competição a que aqueles serão submetidos no curso do procedimento, visando a obtenção de uma ou mais soluções satisfatórias ao Poder Público. O PMI é instrumento destinado a divulgar o interesse da Administração em colher informações adicionais para a consolidação de ideias em torno do projeto que se deseja implantar. É uma sondagem prévia no mercado, com o objetivo de ajustar interesses públicos e privados. Assim, nos PMI, a entidade adjudicante já parte de um objeto contratual e de um modelo contratual determinado, enquanto, no diálogo, a Administração só pode, inicialmente, definir seus objetivos, e não os meios[3]. Volta-se ao mercado para, por meio do debate, chegar ao objeto a ser contratado. Assemelham-se no fato de que, em ambos, há a possibilidade de a Administração indenizar os particulares interessados por custos ao participarem no processo. Finalmente, o artigo 14 da Lei 11.079/2004 determinou ao Poder Executivo a criação de um órgão gestor no âmbito federal, o que foi efetivado por meio do Decreto nº. 5.385, de 4 de março de 2005, o qual instituiu o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal – CGP, cujas competências estão traçadas pelo artigo 3º do referido regulamento, expedido pelo Presidente da República, com fulcro no inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal. Observa-se apenas que, para sua efetiva implementação no âmbito do Poder Executivo Federal, a previsão legal precisa de regulamentação por decreto expedido pelo Presidente da República, com fulcro no inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal, para que não se extrapolem os limites previstos pelo princípio constitucional da separação dos Poderes[4].   4- TEORIA DOS CONTRATOS INCOMPLETOS Com a modernização e aumento da complexidade dos vínculos sociais, as relações econômicas superam as formas bilaterais, sujeitas ou não à interveniência de terceiros. Estendem-se por prazos mais longos e são dirigidas por um sistema de incentivos e coerções, realizadas por agentes detentores de diferentes poderes de barganha, que cambiam direitos e deveres, mediante contratos baseados em salvaguardas, para lidar com riscos e incertezas. A eficiência contratual ocorre quando a situação beneficia um sujeito sem prejudicar outro. Pressupõe a necessidade de ganho agregado, sem piorar a situação individual de cada agente. É alcançada sempre que o benefício for superior ao prejuízo experimentado por outro indivíduo, leva em conta a soma dos efeitos líquidos em todos os agentes, e não em cada um deles de forma individual. Em razão do contrato ser um acordo de vontades, a eficiência contratual irá depender de como as partes melhor se entenderão para cobrar e cumprir o compromisso assumido, ou mesmo resolvê-lo, sem mais ter que haver a incessante busca pelo necessário cumprimento de antes, mas tão somente a busca do equilíbrio econômico-financeiro contratual. Excepcionalmente encontrar-se-á um contrato completo por longo prazo, uma vez que nem sempre é possível fazer um levantamento de todas as circunstâncias que irão ocorrer ainda no início, ou seja, antes de se firmar o pacto. Assim, diante de tal realidade, passou-se a observar os contratos incompletos, suas flexibilidades e implicações. Define-se a Teoria dos Contratos Incompletos como sendo o instrumento utilizado para completar as lacunas decorrentes de contingências futuras, em razão da assimetria de informação e da racionalidade limitada, quando a obrigação contratual estiver incompleta, até mesmo pela vontade das partes. O objetivo é a maximização de utilidades e alocação eficiente de recursos, para possibilitar o total cumprimento do contrato, ou ainda o seu rompimento. A incompletude contratual pode advir de várias causas. Dificilmente prepara-se um contrato que preveja todos os casos que poderão acontecer, porque as prováveis causas são de variadas ordens, o que demandaria um estudo especializado de diversas áreas profissionais, aumentando, por consequente, os custos. E quanto aos custos, o que fazer para minimizá-los? Este é um ponto que merece atenção, bem como a definição dos direitos das partes envolvidas após o surgimento das lacunas, já que seu preenchimento deve perseguir critérios eficientes. A incompletude contratual gerada é, em boa parte, resultado de imperfeições humanas, o que não pode ser analisado somente sob aspectos negativos, pois, dependendo dos riscos, que podem ser reduzidos quando há norma jurídica aplicável ao caso, a quantidade de lacunas pode, também, atingir um nível ótimo, tornando o contrato mais completo. O investimento feito pelo particular na parceria público-privada possui uma curva de pagamento, que permite alterações, como nos contratos que trazem prazos mais alongados, chegando a 25 anos, a fim de amortizar os gastos e investimentos realizados. É indiscutível que o direito positivo não é capaz de regular todas as condutas humanas, uma vez que a legislação não é exaustiva e completa o bastante para disciplinar todos os fatos, sendo imprescindível socorrer-se de outras ciências, tal como a economia. A morosidade de órgãos judiciais em proferirem decisões implica numa série de consequências: diminuição de investimentos e restrição ao crédito, dentre outras. Assim, o estreitamento da relação entre Direito e Economia permitiria alcançar melhores decisões judiciais acerca de relações contratuais, propiciando maior bem-estar coletivo.   4.1- CUSTOS DE TRANSAÇÃO A análise de transações visa a obter a maior eficiência na sua gestão, minimizando os custos. As transações e os custos, em se recorrer ao mercado, são os principais determinantes da forma de organização das empresas produtoras de bens e serviços. Os custos de transação são os custos totais associados à transação, executando o mínimo preço possível do produto. O ponto de partida da teoria do custo de transação é a consideração de que a empresa não possui apenas os custos de produção, mas também os de transação. Esses custos podem servem para negociar, redigir e garantir o cumprimento de um contrato. Quando os agentes recorrem ao mercado para conseguir equipamentos, serviços ou insumos, são esses os custos enfrentados, que mudam conforme as características da transação e do ambiente competitivo. A realização de transações entre as partes envolvidas enfrenta dificuldades originárias de dois elementos essenciais, levando à necessidade dessa teoria. Um está relacionado ao comportamento dos indivíduos: a teoria tem como pressuposto o fato dos homens possuírem uma racionalidade limitada, estando sempre propensos ao oportunismo. O homem não tem conhecimento integral sobre o ambiente, por isso não logra solução que maximize eficiência. São o dispêndio de recursos econômicos para planejar, adaptar e monitorar interações entre os agentes, garantindo que o cumprimento dos termos contratuais se faça de maneira satisfatória para as partes envolvidas e compatível com a sua funcionalidade econômica. Esses custos podem ser agrupados como: elaboração e negociação dos contratos; mensuração e fiscalização dos direitos de propriedade e do desempenho; organização de atividades. A expansão das empresas tende a aumentar os custos burocráticos (de coordenação administrativa), chegando ao ponto em que os custos da transação não compensam realizar determinadas atividades internamente, pois pode recorrer ao mercado e obter um custo muito menor, terceirizando a atividade. Existem diversas razões para usar o sistema de preço como mecanismo de governança (recorrendo ao mercado): benefícios tangíveis do uso do mercado; a economia de escala e a de aprendizagem; reduzir os custos de agência e os de influência.   4.2- SELEÇÃO ADVERSA Para alguns autores, há impossibilidade absoluta de completude contratual[5] para a realização de parcerias público-privadas, pela incapacidade de limitar todas as contingências relevantes, por conta da dificuldade em se traduzir em linguagem escrita todas as hipóteses possíveis no mercado. A linguagem seria a idealização da realidade e, portanto, extremamente falha em descrever todos os casos concretos relevantes que possam surgir. Seria um tipo de algarismo hábil a determinar todas as contingências, em que pese fazâ-lo de modo imperfeito. Os contratos relacionais, que admitem a renegociação permanente, bem como aqueles sujeitos à integração vertical, tendem a ser menos completos, levando à solução sub-ótima. Os contratos de transação ex post, por outro lado, se referem a não adaptações do contrato ao que as partes acordaram, ou seja, os custos para repactuar contratos com menores gastos com o Judiciário ou com arbitragem. Em termos de contratos de infraestrutura, além dos custos de transação, um fator de extrema importância seria a especificidade dos ativos, na ideia de custos irrecuperáveis, sendo possível reempregá-los em outras atividades. Os custos de transação e a dificuldade de se desenhar contratos acabam por estabelecer comportamentos oportunistas ou sub-ótimos que comprometem a boa execução do contrato. Uma série de problemas pode surgir na execução contratual que demonstram comportamentos oportunistas, como o moral hazard e a seleção adversa, de extrema relevância na análise dos contratos incompletos. A seleção adversa, nesse contexto, é um fenômeno de informação assimétrica que ocorre quando os compradores “selecionam” de maneira incorreta determinados bens e serviços no mercado[6]. Um dos exemplos mais abordados nos manuais de introdução à microeconomia é do mercado de carros usados. Suponha que nesse mercado existem dois tipos de bens: carros usados de alta qualidade (uvas) e os de baixa qualidade (limões). Os compradores estão dispostos a comprar uma “uva” por $2500 e um “limão” por R$1500, pelo lado dos vendedores uma “uva” só é vendida por R$2200 e um “limão” por R$1200. Os compradores, que não possuem as informações completas sobre a qualidade dos carros, estimam que nesse mercado metade deles são “uvas” e a outra metade, “limões”. Dessa forma o preço que eles estão dispostos a oferecer em um carro nesse mercado é de R$2000 em um carro usado. Os vendedores, que possuem as informações completas sobre seus carros, não venderão carros de alta qualidade por esse preço, mas os “limões”. A consequência é que o mercado será inundado por carros usados de baixa qualidade, já que a esse preço é vantajoso aos donos de “limões” vendê-los e extremamente desvantajoso aos donos de “uva”, pois os compradores selecionaram incorretamente o produto por falta de informação. Assim, a seleção adversa se manifesta antes que a transação efetiva ocorra. Outro exemplo, no sistema bancário brasileiro, é a taxa de empréstimo ao consumidor muito maior que a taxa básica de juros (spread). Alegando a taxa de inadimplência, os bancos elevam a taxa de empréstimo bancário. Uma consequência da elevada taxa de juros é que os bons pagadores não tomarão empréstimo, por considerarem impossível cumprir o acordo. Já os maus pagadores se aventurarão a tomar empréstimos, independentemente da taxa de juros cobrada, uma vez que não dispõem de intenção imaculada de honrar seus compromissos. Da mesma forma, em um plano de saúde ou em um seguro qualquer, a seguradora não sabe o risco que o cliente carrega consigo. Só ele é capaz de precisar seus problemas de saúde. Muitos mentem sobre hobbies e hábitos com o intuito de baixar a franquia ou mensalidade. Por outro lado, a mensalidade do cidadão de baixo risco ficará acima do ideal, pois paga pelo risco de informações prestadas por indivíduos que não assumem pertencer às classes de risco. Fácil é perceber que os cidadãos que oferecem maior risco à seguradora têm incentivo maior a contratar o seguro que o cidadão que, em tese, consegue poupar, sozinho, recursos suficientes para consultar-se esporadicamente, em sinistros verdadeiramente inesperados. Isso porque a seguradora passa a ter maiores riscos de retorno financeiro na sua atividade e o indivíduo verdadeiramente fora do grupo de risco passa a pagar mais pelo seguro, ou deixa de contratá-lo, não usufruindo de maior segurança. Como a assimetria da informação da seleção adversa precede a contratação, é denominada ex ante. Portanto, a seleção adversa consiste no efeito que a assimetria de informação tem na escolha do agente. Dada a incapacidade de o contratante separar o joio do trigo, por falta de conhecimento, bons fornecedores, contratados ou segurados tendem a afastar-se do mercado em que a assimetria de informação é crítica, com o objetivo de não serem contaminados pelos problemas de má qualidade e reputação, baixos salários e altas mensalidades, que o afetam.   4.3- RISCO MORAL (MORAL HAZARD) Estudado na teoria microeconômica, o risco moral é o comportamento de um agente econômico que, ao receber determinado tipo de cobertura ou seguro para suas ações, diminui os cuidados correspondentes. Visualize o seguinte exemplo: o dono de um veículo automotor, após contratar seguro contra furto, passa a se descuidar de sua guarda e aumentar o risco. O problema do risco moral, assumido pelas seguradoras, leva-as a majorar os preços das apólices. Como as pessoas vão se descuidar da guarda de seus bens, a frequência de furtos aumenta, o que obrigará as seguradoras a majorar o valor dos seguros. Nesse caso, ocorre a seleção adversa, ou seja, os mais prudentes e cuidadosos serão prejudicados pelo aumento do seguro, o que vai afastá-los e resultar em prejuízos maiores para as seguradoras. Decorre de um comportamento ex post, assumido por um indivíduo segurado que toma atitude de risco por saber-se coberto. A assimetria é ex post, pois, no momento em que assume o risco, já é segurado. Decorre, também, do fato de que, independentemente de o agente estar fora do grupo de risco anteriormente à contratação, a condição de segurado costuma elevar a sua propensão ao risco, que, por sua vez, será diluído entre todos os segurados. O comportamento de risco[7] surge também como consequência indesejada da condição de segurado. Exemplo disso está no comportamento esperado dos grandes bancos. Em razão da comoção pública que ocorreria no caso da falência de um grande banco , com a perda das economias de uma vida de milhares de famílias, os too big to fail são administrados na certeza de que podem assumir determinados riscos que, no limite, seriam cobertos pelo Estado. Esse comportamento oportunista dos bancos tem sido refreado pela regulação internacional das Convenções da Basiléia. A regulação parece ser, nos casos em que a assimetria de informação e de conhecimentos técnicos diversos é tão relevante, a escolha mais acertada.   CONCLUSÃO Em 2011, os Estados de São Paulo (decreto 57.289), Rio de Janeiro (decreto 43.277), Bahia (decreto 12.653) e Espírito Santo (decreto 2.889-R) editaram normas que regulamentam a apresentação dos estudos de viabilidade de parcerias público-privadas. Tais recentes normas estaduais consagram a aceitação do PMI como mecanismo eficaz de incrementar a implantação de concessões de serviços públicos, a exemplo do que já foi feito, de modo pioneiro, pelo Estado de Minas Gerais (decreto 44.465/07), e até pela União Federal (decreto 5.977/06), ainda que esta tenha aproveitado quase nada em termos de PMI. No entanto, muito ainda há de ser feito para que o PMI alcance todo o seu potencial. As normas citadas são um exemplo disso, pois restringiram a aplicação do instituto apenas às parcerias público-privadas, quando é certo que o PMI é perfeitamente aplicável às concessões comuns. Aliás, é na legislação regente das concessões comuns que o instituto tem origem. De um lado, o artigo 21 da Lei 8.987/95 permitiu que os custos dos estudos e demais documentos que embasaram a licitação da concessão fossem ressarcidos pelo vencedor do certame. Por outro lado, o artigo 31 da lei 9.074/95 permitiu, em oposição à vedação expressa da Lei 8.666/93, que os autores ou os responsáveis economicamente pelos projetos básico e executivo participassem da respectiva licitação. Tais artigos têm aplicação também nas PPPs por força do artigo 3º da Lei 11.079/2004. Não por acaso, o decreto federal, pioneiro na regulamentação do PMI foi ementado como ato regulamentador do aludido artigo 3º. Muito embora a regulamentação do PMI esteja voltada às PPPs, é necessário que o instituto também seja aplicado a concessões comuns. Não só por haver autorização legislativa nesse sentido, mas também porque a limitação apenas ao universo das PPPs restringe os benefícios do PMI. Afinal um determinado projeto concebido inicialmente como PPP acaba se mostrando viável e mais oportuno como uma concessão comum, a partir da evolução dos estudos de viabilidade. De modo que seria absurdo abdicar dos estudos já elaborados apenas porque o projeto não será contratado como concessão especial, e sim como concessão comum. Portanto, o PMI não é um mecanismo de burla à isonomia na licitação. Pelo contrário, atua em prol da maior transparência na fase interna da licitação, ao tornar públicas condições em que se elaboraram as premissas da concessão. Ademais, no PMI, a Administração passa a contar com valoroso auxílio na tarefa de definição dos elementos da concessão, complexa e custosa, o que contribui para o atraso ou para a não contratação de um número grande de concessões que seriam muito úteis ao aprimoramento do serviço e da atividade pública. É preciso prover os meios necessários à boa aplicação do instituto, permitindo-lhe não só escolher aquele mais adequado, como também conferindo-lhe a possibilidade de identificar distorções nos estudos que conduzam a um benefício demasiado de um ou outro particular. A recente regulamentação do PMI em Estados importantes da nação desempenha um papel importantíssimo, não obstante eventual aprimoramento. Essas correções de rotas virão com o amadurecimento do PMI. Cabe aos que se envolvem no processo de contratação de concessões proverem os meios necessários ao amadurecimento, restando atentos a equívocos e exemplos experimentais positivos, promovendo, em tempo hábil, as alterações devidas. Espera-se que o PMI alcance seu objetivo na interação entre público e privado, permitindo à Administração aproveitar a contribuição particular em prol da melhora dos serviços públicos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/manifestando-interesse-nas-parcerias-publico-privadas/
A Supremacia Mitigada do Interesse Público Sobre o Privado
Torna-se gradualmente predominante a aplicação do Direito Administrativo como ciência não somente destinada a regular o Poder Executivo perseguindo os interesses do Estado, mas que busca a gestão dos interesses da sociedade na sua mais variada dimensão. Para tanto, ocorre em situações específicas a ponderação de valores, para alcançar a efetiva justiça. Neste novo contexto fático-jurídico, procede-se à releitura dos princípios pertinentes. A essência do trabalho é abordar esse fenômeno, que culmina na gradual conversão de um Estado Administrativista em um efetivo e equitativo Estado Democrático de Direito.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho oferta a discussão de controverso tema pertinente ao Direito Administrativo Constitucional contemporâneo. A pesquisa versa sobre a identificação de uma limitação ao princípio da prevalência do interesse público sobre o particular, caso em que poderá, por vezes, ocorrer a restrição de um direito fundamental individual. Parte da doutrina concebe o interesse público de forma absoluta, considerando que sempre preponderará sobre o privado, sem necessidade de identificar se ocorre sua verificação no caso concreto. Em contraposição, pretende-se, neste estudo, provar hipóteses em revés. Demonstram-se aqui os aspectos da supremacia do interesse estatal sobre todo o ordenamento jurídico e na hodierna mitigação desse dever, com a eventual superelevação do direito do particular em detrimento da vontade estatal. Para tanto, procede-se à ponderação, ante o princípio da razoabilidade, verificando que a relativização da discricionariedade estatal advém do novo modelo constituicional, voltado à mais intensa proteção da dignidade humana. Diferentemente do modelo estatal pretérito, a ordem jurídica contemporânea não mais superestima o Estado como mantenedor de seus interesses exclusivos, mas como garantidor de justiça e bem estar social, para o que prima-se, quando necessário, por privilegiar interesse particular mais relevante, salvo se de encontro à sua função social. Será explorada sua incidência na atividade legislativa constitucional e infra, bem como comprovar a existência de hipóteses em que se faz imperiosa uma releitura constitucional mitigada da supremacia do interesse público coletivo, sendo forçosa a predominância de um interesse que embora particular, traduza-se como o verdadeiro interesse público. Caminha-se, portanto, à justificação da necessidade de se aplicar a algumas situações concretas levadas aos tribunais brasileiros a relativização do conceito de interesse público, pois, no Estado Democrático de Direito, nenhum valor ou princípio deverá ser absoluto.   1 FUNDAMENTOS RELEVANTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO O princípio da supremacia do interesse público deve ser analisado sob a ótica dos fundamentos do Direito Administrativo, cabendo a sua releitura com a ascensão da proteção aos direitos fundamentais e do Estado Gerencial. A Administração Pública age pautada no interesse público, levando à conclusão pouco racionalizada da sua supremacia. Pelos princípios da finalidade e da efetividade, é a pedra de torque na gestão do patrimônio da coletividade a indisponibilidade desse interesse. Isso lhe confere poderes especiais de tornar efetivos os interesses públicos, devendo também obedecer a limites especiais e formas legais de controle, como as licitações e os Tribunais de Contas. No entanto, não cabe apenas à Administração perfazer e realizar o interesse público, face a desmonopolização do interesse público, pois a quantidade de interesses dessa natureza é demasiada, admitindo-se à Administração delegar o poder de concretizá-los a particulares.   2 CONCEITO DE INTERESSE PÚBLICO Por ser muito amplo constitui matéria de extrema dificuldade entre os doutrinadores. Ainda não se logrou definir o interesse público, caracterizando-se em conceito indeterminado. Os significados variam, pois há aqueles que entendem que é um interesse contraposto ao individual, e outros defendem que é a somatória de interesses individuais, passando pela soma de bens e serviços, além do conjunto de necessidades humanas indispensáveis ao particular. Diz Celso Antônio Bandeira de Mello[1] que, ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, isto é, ao interesse pessoal de cada um. Constitui-se no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social. Não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. As normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, somente começaram a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil e o individualismo nos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a ideia do homem com fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões, segundo o qual os interesses públicos tem supremacia sobre os individuais. Afinal, já em fins do século XIX, começaram a surgir reações contra o individualismo jurídico decorrentes de profundas transformações econômicas, sociais e políticas, provocadas pelos efeitos do individualismo exacerbado. O Direito deixou de ser instrumento de garantias individuais apenas e passou a ser meio para consecução de justiça social e bem-estar coletivo. De fato, o interesse do conjunto social é a dimensão pública dos interesses individuais, nisto se abrigando também o depósito intertemporal desses mesmos interesses, tendo em vista a sucessividade das gerações de seus nacionais. Assim, deve ser conceituado como resultante do conjunto de interesses individuais dos membros da sociedade pelo simples fato de o serem. Segundo Gustavo Binenbojm[2], deve o administrador, à luz das circunstâncias do caso concreto e dos valores constitucionais concorrentes, alcançar solução ótima que realize ao máximo os interesses públicos em jogo. Como resultado dessa ponderação, tem-se o melhor interesse público, ou seja, o fim legítimo que orienta a atuação da Administração Pública. Somente pode ser obtido por procedimento racional que envolva a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação, embasado em proporcionalidade, que permita a realização de todos eles na maior extensão possível. Enquanto o particular busca a satisfação do seu interesse individual, existe também uma coletividade de pessoas que busca a satisfação de seus interesses. E quem tem o dever de satisfazê-los é a Administração Pública, sob pena de desvio da finalidade pública. Por fim, elucida-se a ideia de interesse público com as lições de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[3] ao assinalar que, pelo primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve ampliação de atividades assumidas pelo Estado para atender a necessidades coletivas, com a consequente ampliação do próprio conceito de serviço público. O mesmo ocorreu com o poder de polícia do Estado, que deixou de impor obrigações apenas negativas, visando resguardar a ordem pública, e passou a impor obrigações positivas, além de ampliar o seu campo de atuação para abranger, além da ordem pública, também a sócio-econômica. Surgem no plano constitucional novos preceitos reveladores da crescente interferência do Estado na vida econômica e no direito de propriedade e cresce a preocupação com os interesses difusos, como o meio ambiente. Portanto, o princípio do interesse público está na base de todas as funções do Estado, constituindo fundamento essencial de todos os ramos de direito público. O Estado tem o dever de perseguir a realização do interesse público, pois todo ato administrativo deve ter finalidade, expondo que interesse pretende-se atingir e pautando-o pela motivação e pela legalidade.   2.1 INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO Tradicionalmente, a supremacia do interesse público, ao lado da indisponibilidade, seriam as pedras de torque do Direito Administrativo, que justificam as prerrogativas estatais e a sujeição dos particulares, por isso o regime jurídico administrativo é apoiado no binômio prerrogativa-sujeição. Exemplo claro ocorre quando a Administração Pública exerce poder de polícia e intervenção na propriedade privada, via desapropriação, sob sujeição do particular. O princípio da supremacia traz consigo a ideia de exigibilidade do ato administrativo, traduzida na previsão legal de o Poder Público impor sanções ou providências indiretas ao administrado, que terá que acatá-las.         Não se encontra expresso na Constituição da República de 1988, mas decorre do Estado Democrático de Direito, além de previsto no artigo 2º, caput, da Lei 9.784/1999. Todavia, tem sido criticado por alguns autores modernos. Primeiramente, todos concordam que tal princípio não é absoluto – até mesmo a doutrina tradicional. E vão além ensinando a distinção entre os dois interesses públicos possíveis: primário e secundário. Tal distinção é originária e transportada do Direito Italiano. O interesse público primário está atrelado às finalidades do Estado, vinculado às quais estão os objetivos do Estado e os interesses que deve alcançar em suas atividades. Está ligado à atividade-fim do Estado. Diogo de Figueiredo Neto[4] fala em “Administração Extroversa”, pois esse interesse está ligado ao Estado em sua relação com o cidadão, em atendimento e promoção dos interesses da coletividade. Está ligado a direitos fundamentais, como saúde, educação, desporto e moradia. Tais interesses remetem à adoção de políticas públicas. O interesse público secundário está ligado à “Administração Introversa”, às atividades instrumentais ou internas do Estado. São os meios necessários para que o Estado possa promover os interesses primários. Nesse tipo de atividade-meio do Estado, o que se tem, a rigor, são o orçamento estatal, os agentes públicos que exercerão atividades e o patrimônio estatal, para que com este arsenal o Estado possa atender aos interesses públicos primários. O princípio da supremacia abrange somente o interesse público primário. Tanto é assim que o alargamento de prazo da ação rescisória para a Fazenda Pública não se justifica porque o interesse supremo é o primário. Esse argumento é utilizado pelo Ministério Público, pois entende que só deve intervir como custos legis quando houver interesse público primário. Na lição de Celso Antonio Bandeira de Mello[5], o interesse secundário do Estado não se insere na categoria dos interesses públicos propriamente ditos. Não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse estatal. A razão central é que o interesse público estaria previsto na própria Constituição da República e que não existe hierarquia in abstrato entre normas constitucionais originárias. O que há é uma relação virtual de ponderação – com a supremacia in concreto do interesse público – entre dois interesses previstos em normas iguais. Assim, ainda que a Constituição possa realizar ponderações abstratas (trazendo parâmetros preferenciais), nunca serão vedadas diante de situações reais ponderações in concreto que modifiquem a primazia positivada. A rigor, não existe necessariamente um conflito entre interesse público (ou a dimensão pública dos interesses individuais) e direitos fundamentais, porque muito comumente o interesse do Direito Público passa pela efetivação dos direitos fundamentais, como ocorre, por exemplo, na prestação de serviços de saúde satisfatórios ao indivíduo. Contudo, no exemplo da desapropriação, o Estado retira a propriedade privada de um particular havendo nesse momento uma prevalência do interesse público sobre o privado. Mas a desapropriação somente será válida se vier para atender ao interesse público da coletividade, efetivando direitos fundamentais, como quando transforma o imóvel do particular, que foi desapropriado, em uma escola pública ou um posto de saúde. É vedado que o particular expropriado discuta a tese levantada na contestação da ação de desapropriação, visto que o conteúdo da contestação é vinculado, na forma dos artigos 9º e 20 do Decreto-Lei nº. 3.365/41, daí a ampla defesa na ação de desapropriação poder ser postergada, podendo ser discutido em MS se o meio é adequado ou não. O juiz pode fiscalizar o desvio de finalidade, pois criado para controlar o ato discricionário. O juiz não entrará no mérito, visto que os elementos do ato administrativo discricionários são o motivo e o objeto, já que a finalidade é vinculada. Assim, pode ser analisada a finalidade pelo Poder Judiciário. O interesse público prepondera, em regra, porém há exceções, que devem ser sopesadas na casuística. Se o interesse privado está de um lado, e o público de outro, havendo dúvida sobre qual deve ser privilegiado, o método é o da ponderação de interesses. Mesmo havendo a preponderância (ponderação legal prévia) do interesse público – uma orientação normal –, na casuística, a balança da ponderação poderá pender em favor do particular. Imagine que o Município do Rio de Janeiro seja proprietário de terrenos invadidos há anos por população de baixa renda e pretenda reavê-los sem que tenha determinado o remanejamento destes cidadãos. Segundo a doutrina, o Poder Público quando atua com poder de polícia possui autoexecutoriedade, e pode fazer valer os atos administrativos com sua própria força. Desta feita, o Estado não teria, em regra, interesse em propor ação judicial de reintegração de posse. Na teoria, o particular não poderia permanecer no local, porque o Município estaria atuando segundo a lei. No entanto, a Lei Orgânica do Rio de Janeiro exige que encontre outro lugar para as pessoas morarem, respaldada no interesse público primário. A simples possibilidade de se questionar judicialmente os atos de tributação, por exemplo, é indício da mitigação da supremacia do interesse público, pois coloca-se o interesse privado de pagar menos tributos (sem subverter a lei) em contraponto com o interesse público da arrecadação. Crendo o Judiciário que assiste razão ao interesse privado, é óbvio que este triunfará na lide, não havendo impeditivo, à conta da supremacia, que tolha direito individual. O regramento que inibe a oposição do particular, em face da Administração Pública, da exceção de contrato não cumprido encontra-se afeto aos princípios da supremacia do interesse público e da continuidade do serviço público. São exemplos dessa regra as causas de rescisão dos contratos administrativos, previstas no art. 78, XIV e XV, da Lei 8.666/93. Diogo de Figueiredo Neto[6] defende que a Administração não tem a disponibilidade de decidir se vai ou não efetivar o interesse público primário, no entanto, há uma margem de discricionariedade quanto aos meios de concretizá-lo.   3 INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO A Administração deve realizar suas condutas sempre velando pelos interesses da sociedade, mas nunca dispondo deles, uma vez que o administrador não goza de livre disposição dos bens que administra, pois o titular desses bens é o povo. Isso significa que a Administração Pública não tem competência para desfazer-se da coisa pública, bem como não pode desvencilhar-se da sua atribuição de guarda e conservação do bem. A disponibilidade dos interesses públicos deve ser delegada pelo legislador. Há dois importantes institutos que concretizam o dever de indisponibilidade do interesse público pela Administração: a licitação e o concurso público. No primeiro caso, a Administração não pode escolher, sem nenhum critério objetivo definido em lei, com quem celebrará o contrato. A lei estabelece um processo administrativo que deve ser rigorosamente seguido a fim de que se possa escolher o interessado que apresente a proposta mais vantajosa. No que tange ao concurso público, se há uma vaga na estrutura administrativa, a escolha de quem será nomeado não pode ser aleatória, dando-se a mesma oportunidade a todos que preenchem os requisitos legais de capacidade física e intelectual para a função. Leciona Diógenes Gasparini[7] que, segundo a indisponibilidade do interesse público, não se acham os bens, direitos, interesses e serviços públicos à livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública. Aqueles e este não são seus donos, cabendo-lhes tão-só o dever de guardá-los e aprimorá-los para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o Estado. Por essa razão, há necessidade de lei para alienar bens, para outorgar concessão de serviço público, para transigir, para renunciar, para confessar, para revelar a prescrição e para tantas outras atividades a cargos dos órgãos e agentes da Administração Pública. Hely Lopes Meirelles[8] assevera que a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral num renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é titular do interesse público, cujo titular é o Estado, que, por isso, mediante lei poderá autorizar a disponibilidade ou a renúncia. Na concepção de José dos Santos Carvalho Filho[9], bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. A Administração não tem a livre disposição de bens e interesses públicos, porque atua em nome de terceiros. Por essa razão é que os bens públicos só podem ser alienados na forma em que a lei dispuser. Da mesma forma, os contratos administrativos reclamam, como regra, que se realize licitação para atingir o modo mais vantajoso para a Administração Pública. Todos os cuidados exigidos para os bens e interesses públicos trazem benefícios para a própria coletividade (Lei nº. 9.784/99, art. 2º, parágrafo único, inciso II). O interesse público é indisponível, um princípio integrante do regime jurídico administrativo. No entanto, embora não seja a alternativa primeira, nem mesmo a regra, pode ser que, em dada realidade, abrir mão de uma vantagem seja a única saída para a real proteção do interesse público primário. O que se admite discutir, portanto, é o que representa proteger o interesse público primário em cada situação. Se o bem estar geral for atendido com a perseguição integral de todas vantagens decorrentes do ordenamento em favor da Administração, é isto que cabe ao Estado buscar, de modo irrenunciável. Se, contudo, em determinados contextos, o empenho na satisfação de todos os benefícios públicos não conduzir à satisfação do bem comum, cabe o uso de medida flexibilizadora inserida no novo arsenal normativo para o desenvolvimento da atividade negocial administrativa, inclusive diante de conflitos, segundo as especificidades do caso concreto e o dever de motivar jurídica e concretamente a escolha levada a efeito. A Administração Pública não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, os protege através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos (em sentido subjetivo ou orgânico) geradores da vontade estatal consagrada em lei. Excepcionalmente, o administrador público não pode gerir o Estado desvinculado do interesse público coletivo. A indisponibilidade significa, portanto, obediência obsequiosa aos direitos fundamentais e aos valores constitucionais eleitos pelo constituinte embrionário. Indisponibilidade, no contexto do Direito Administrativo, deixa de ser só o ato de não dispor com liberdade dos deveres entregues à tutela do administrador. Torna-se, também é dever de prover a coisa pública com equidade, isonomia, proporcionalidade e moralidade, enfim, com todos os princípios explícitos e implícitos, enraizados no Direito Administrativo, que são afluentes do princípio da indisponibilidade do interesse público. Diante do que foi exposto, vale ressaltar que os bens, direitos e interesses públicos são confiados ao administrador apenas para a sua gestão, nunca para a sua disposição. Para dispor, alienar, renunciar ou transacionar, o administrador dependerá sempre de lei. Assim sendo, não há para a Administração e seus agentes, qualquer liberdade de disposição ou renúncia, mas sim de indisponibilidade no que tange ao interesse do povo. Visto o princípio da indisponibilidade do interesse público, passamos a discorrer sobre o princípio da supremacia do interesse público, cujo conteúdo é problematizado no presente trabalho, merecendo, dessa forma, ser tratado em capítulo separado.   4 DEBATE CRÍTICO SOBRE A SUPREMACIA 4.1 Escola Paulista Tradicional (Celso Antonio Bandeira de Mello[10]) X Escola Carioca de Vanguarda (Diogo de Figueiredo Moreira Neto[11]) Será, então, que os princípios da finalidade e da indisponibilidade do interesse público, necessariamente, advêm do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado? No Brasil, um artigo científico do professor Humberto Ávila[12], denominado “Direito Público em Tempos de Crise”, deu uma arrancada no debate crítico acerca da supremacia do interesse público. São argumentos empregados por esse autor: a) ênfase na proteção da esfera individual de direitos das minorias pela Constituição da Republica de 1988; b) interesse público como conceito jurídico abstrato e indeterminado; c) interesse público indissociável dos privados individuais; d) a supremacia incompatível com o postulado da proporcionalidade e da concordância prática, em razão do dever de ponderação dos interesses envolvidos. O princípio da supremacia é um verdadeiro axioma (autodemonstrável, patente) do Direito Administrativo, segundo Diogo de Figueiredo Neto[13]. Tal entendimento é altamente criticado por Humberto Ávila. Se todos os princípios veiculam valores e são mais abstratos que as regras, como pode haver um princípio que já exclui qualquer forma de ponderação? Trata-se, portanto, de regra abstrata de preferência, e não de princípio, porque não permite a máxima realização de todos os interesses envolvidos no caso concreto. A supremacia jurídica que a Administração Pública possui decorre de o Estado ser o agente responsável pela satisfação das necessidades concretas e específicas da coletividade. O interesse público se coloca como legitimador da atuação estatal, pois as atividades administrativas devem ocorrer em prol da satisfação de interesses da coletividade e, para tanto, o sistema jurídico assegura uma diferenciação do ente público em relação ao particular como forma de garantir a implementação das medidas administrativas necessárias para a efetivação dos interesses da coletividade. Decorre do princípio da supremacia a posição de autoridade da Administração Pública, uma vez que a lei a torna responsável pela efetivação de diversos interesses públicos. Significa que o Poder Público se encontra em situação de comando, relativamente, aos particulares, como indispensável condição para gerir os interesses públicos postos em confronto. Portanto, decorre do aludido princípio, a verticalidade das relações existentes entre o público e o privado, importando, sempre, o desequilíbrio natural a favor do ente estatal. A problemática aparece quando a autoridade administrativa é exercida de forma a efetivar as “razões de Estado”, ou seja, quando a função administrativa é realizada para a satisfação de interesses privados dos detentores do poder gerando o exercício reiterado de autoritarismo estatal, distante dos preceitos do Estado Democrático de Direito e da disposição constitucional que impõe a observância e a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. No Brasil, desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público, há severas críticas à supremacia do interesse público, tendo como base a concepção moderna da teoria constitucional e uso indevido e ultrapassado do aludido princípio no País, voltado muito mais a práticas de autoritarismo que propriamente à satisfação de interesses coletivos, assegurando uma atuação estatal voltada para a defesa da efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Fábio Medina Osório[14], em defesa, reconhece a supremacia do interesse público e a entende como implícita na ordem constitucional brasileira, já que a Constituição é repleta de situações que impõem a superioridade estatal para o fim de satisfação do interesse público. A título meramente exemplificativo, algumas normas constitucionais nas quais o interesse público se apresenta em grau de desigualdade em relação ao interesse particular, como a que trata da função social da propriedade privada, assegurada no inciso XXIII do artigo 5º da Constituição. Para efetivar tal função social, a Constituição autoriza os institutos: requisição da propriedade em caso de iminente perigo; desapropriação ordinária por interesse social ou necessidade e utilidade pública; desapropriação sancionatória por descumprimento da função social da propriedade urbana e rural, esta destinada a políticas de reforma agrária; confisco da propriedade privada em caso de cultivo de cultura ilegal de plantas psicotrópicas.   4.2 A ponderação como critério de satisfação do interesse público Considerando a importância que os direitos fundamentais possuem na ordem jurídica contemporânea de preponderância das normas constitucionais, Daniel Sarmento[15] analisa o conflito entre a satisfação de interesses públicos e direitos fundamentais e manifesta que o princípio da supremacia do interesse público não constitui o critério mais acertado para a resolução do conflito. Para tanto, propõe solução fundada na teoria dos direitos fundamentais. Em caso de colisão de interesses públicos primários voltados para a satisfação de uma meta coletiva e os interesses primários que sirvam para a garantia de um direito fundamental, Luís Roberto Barroso[16] sugere que seja realizada uma ponderação sujeita a dois parâmetros: a análise da razão pública e da dignidade humana. O uso da razão pública consiste na busca por elementos constitucionais essenciais e consensuais de justiça, dentro do pluralismo político. O princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, pressupõe que o ser humano seja tratado como um fim em si mesmo e evita, por via de consequência, que seja reduzido à condição de meio para a realização de metas coletivas, ou até mesmo individuais. Dessa forma, se numa atuação estatal que visa alcançar uma meta coletiva, a dignidade da pessoa humana for desrespeitada, tal atuação deve ser evitada. A utilização da técnica da ponderação também é defendida por Gustavo Binenbojm[17] quando a própria Constituição ou a norma infraconstitucional não esgotarem as possibilidades de ponderação entre interesses públicos e privados. Caberá à Administração efetuar a ponderação concreta, como meio de legitimação dos atos administrativos, traduzindo postura objetivamente comprometida com a realização de princípios, valores e aspirações sociais expressos na Constituição. O resultado do raciocínio ponderativo leva ao melhor interesse público, ou seja, o fim legítimo que orienta a Administração. A ponderação só é alcançada a partir do princípio da proporcionalidade, nas vertentes: adequação, necessidade e proporcionalidade strictu senso. O jurista tedesco Robert Alexy[18] define o princípio da proporcionalidade nos seguintes termos: o princípio da proporcionalidade consiste de três princípios: os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Todos os três princípios expressam a ideia de otimização. Os direitos constitucionais como princípios são comandos de otimização. Enquanto comandos de otimização, princípios são normas que requerem que algo seja realizado na maior medida possível, das possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios da adequação e da necessidade dizem respeito ao que é factualmente possível. O princípio da adequação exclui a adoção de meios que obstruam a realização de, pelo menos, um princípio sem promover qualquer princípio ou finalidade para a qual foram adotados. O balanceamento sujeita-se à proporcionalidade em sentido estrito, que expressa o que significa a otimização relativa às possibilidades jurídicas. Conforme leciona Daniel Sarmento[19], a ponderação deverá ser efetivada levando em consideração que cada restrição a interesse em jogo será justificada na medida em que for apta a garantir a sobrevivência do interesse contraposto, não houver solução menos gravosa e o benefício logrado com a restrição a um interesse compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico”, ou seja, a partir da incidência do princípio da proporcionalidade. Nesse sentido, ante interesses conflitantes, públicos e privados, Gustavo Binenbojm[20] defende que o melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível. O instrumento desse raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade caso a caso. O postulado a explicar o Direito Administrativo não é de supremacia. A preservação, na maior medida possível, dos direitos individuais constitui porção do próprio interesse público. São metas gerais da sociedade política, juridicamente estabelecidas, tanto viabilizar o funcionamento da Administração Pública, mediante prerrogativas materiais e processuais, como preservar e promover, da forma mais extensa possível, os direitos dos particulares. Concluída a existência do dever de ponderação, pautado na proporcionalidade, a discussão deve ser sobre qual interesse, público ou privado, prepondera no caso concreto. Dessa forma, a ponderação se apresentaria como o melhor instrumento de resolução de conflitos de interesses públicos e privados, por considerar interesses individuais e coletivos, tomando por paradigma situações concretas, sem que haja a supremacia a priori de um deles.   5 RECONSTRUÇÃO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO O interesse coletivo que requer tratamento desigual por parte do Poder Público é o que efetiva direitos fundamentais. Para tanto, a Constituição assegura patamar de desigualdade para o ente estatal efetivar a satisfação do interesse público, tal como na intervenção da Administração Pública na propriedade privada via requisição e desapropriação, buscando a efetivação de outros direitos fundamentais. No caso de interesses privados em conflito com o público e ambos pertencerem ao amplo rol de direitos fundamentais, a Administração Pública deve se sobrepor ao interesse privado se diante da satisfação do interesse público primário, que se direciona à real satisfação dos interesses da coletividade, pois, a partir de uma interpretação sistêmica da Constituição, nem os interesses públicos são superiores aos privados, tampouco estes superiores àqueles. A satisfação do interesse público secundário não efetiva diretamente quaisquer direitos fundamentais e, nesse caso, a Administração Pública não está constitucionalmente autorizada a exercer o tratamento pautado na desigualdade para fins de efetivar interesses patrimoniais do Estado. Havendo conflito entre o interesse privado e público secundário, deve prevalecer o interesse do primeiro, sob pena de violação ao núcleo essencial da Constituição. À luz do Estado Democrático de Direito, os institutos jurídicos que integram o Direito Administrativo devem respeitar os preceitos constitucionais, cabendo ao Estado, enquanto administrador da res publica, a promoção e efetivação dos direitos individuais e coletivos. A partir desse novo paradigma, a Constituição apresenta-se como verdadeiro condicionante da atuação estatal, já que as escolhas não mais se fundamentam na autoridade e supremacia do Estado, mas em mecanismos que visam à efetivação dos direitos e garantias fundamentais. É verdade que a Constituição tem que ser efetivada, contudo, o Poder Público ainda é a grande instituição do mundo pós-moderno, posto que possui o papel essencial de guia na concretização de diversos direitos. Portanto, não obstante os esforços críticos da doutrina sob a ótica da supremacia (ou não) do interesse público primário, a melhor direção é sempre a tutela de direitos fundamentais, independente da sua aparência pública ou privada. Afinal, o interesse público no qual o indivíduo não consiga identificar um fragmento concreto do seu próprio interesse particular é mera ficção, e não merece ser supremo.   CONCLUSÃO As discussões acerca da reação à tentativa de desconstrução da supremacia transitam entre o binômio autoridade-liberdade. Não há como exterminar todas as prerrogativas da Administração Pública sob o argumento de que não haveria supremacia do interesse público. Maria Sylvia Zanella Di Pietro[21] entende que os autores que sustentam uma releitura do princípio da supremacia do interesse público seria o mesmo que violar o consenso social e deixar desprotegidos tais direitos de caráter fundamental. A supremacia do interesse público não faria resurgir a ideia totalitarista de “razões do Estado”, que lhe permitia realizar todo tipo de arbitrariedade pautado na noção de estar concretizando um interesse supremo. Embora a doutrina majoritária conclua pela aplicação absoluta do interesse público em detrimento do privado, há de se convir que isso somente será possível analisando-se o caso concreto e verificando se, efetivamente, há essa prevalência. Nesse sentido, não se nega a existência do interesse público, apenas se entende que para que ele efetivamente possa prevalecer sobre o privado deve ser averiguado no caso concreto, ou seja, se analisadas as circunstâncias fáticas, estas realmente identifiquem uma hipótese de incidência do interesse público. Aí sim se pode falar em supremacia do interesse público sobre o particular. Caso contrário, se a situação em concreto apresentar elementos que indiquem que o interesse privado a ser tutelado deve prevalecer sobre o público, aquele deverá ser resguardado. Com isso, não seria viável o nome supremacia do interesse público sobre o particular, pois tal supremacia somente se concretizará com a análise de cada caso.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-supremacia-mitigada-do-interesse-publico-sobre-o-privado/
Teoria e Prática Das Organizações Sociais na Atividade de Gestão Pública: Estudo de Caso da Atividade Social de Uma Organização Social na Gestão do Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz em Manaus/AM
RESUMO: O presente estudo apresenta o contexto da implementação das Organizações Sociais concebidas a partir da Reforma do Estado de 1995, cujo modelo de gestão teve suas bases na descentralização e publicização, com ênfase na eficiência e gestão de resultados por meio de um contrato de gestão. Em outro momento, identificam-se as razões que levaram o poder público a transferir a execução dos serviços de saúde pra as Organizações Sociais (OS), trazendo à reflexão as lacunas existentes na Lei Federal n. 9.637/98 que dispões sobre a qualificação das OS, a aplicação do modelo ao Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em Manaus/AM, e, ainda, as razões que levam a não efetividade das OS em cotejo com os desvios dos recursos públicos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Uma das questões recorrentes concernentes as Organizações Sociais (OS) é compreender as razões que levaram o poder público a conceder determinados privilégios às entidades qualificadas como OS, cuja base legal é a Lei Federal n. 9.637/98, de 15 de maio de 1988. O tema se torna imprescindível para fomentar uma reflexão, seja na academia ou na sociedade, visto que muitas vezes o legislador cria normas para beneficiar grupos de interesses que por meio de sistemas viciosos desviam os recursos públicos destinados à sociedade, no presente caso, à saúde. Nesse sentido, o que se pretende inicialmente é mostrar o que levou o governo brasileiro a aderir o modelo das Organizações Sociais (OS), bem como a criação pelo Estado do Amazonas de lei para execução dos serviços de saúde por intermédio de uma OS, tendo como referência o Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em Manaus/AM. Em outro ponto, a ênfase é verificar se a aplicação do modelo da gestão pública ao Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz por meio de um contrato de gestão se mostrou eficiente para inibir ilícitos. Deste modo, questiona-se: a legislação aplicável às Organizações Sociais para o exercício de atividades de saúde no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz se mostram eficientes para inibir ilícitos? À resposta ao questionamento acima, buscar-se-á afirmar que a legislação que regulamenta as Organizações Sociais apresenta lacunas que podem levar a ilícitos, caso não haja um firme propósito de controle pela Administração Pública. Os objetivos traçados são: Geral – Identificar as razões que levam a não efetividade dos resultados pelas Organizações Sociais e os desvios dos recursos públicos, e específicos: Entender como funcionam as Organizações Sociais; Analisar as lacunas da legislação aplicável às Organizações Sociais; Confrontar a posição teórica (legislação) e a prática tendo como modelo o Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz. O caminhar desta pesquisa adota-se o Método de Abordagem o dedutivo, uma vez que o caminho a ser traçado iniciará com abordagem geral das Organizações Sociais à aplicação desse modelo no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz. O Procedimento será o monográfico com estudo de caso que analisa determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações. A Técnica de Pesquisa utilizada será a documentação indireta, com pesquisa bibliográfica e documental.                           Nos anos 80, do século passado, o Brasil passava por uma crise econômica de dimensões elevadas, cujo cenário se mostrava com baixa taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), aumento da inflação e crise fiscal, fatores que impediam ou reduziam o investimento do Estado, que aos poucos já não conseguia manter uma política de desenvolvimento econômico e social. Além disso, a década foi marcada pelo fim da ditadura em 1985. Com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em fevereiro de 1987, as discussões em torno da reforma do Estado brasileiro se fortaleciam na busca de uma nova estrutura voltada a uma realidade social mais justa, comprometida com os cidadãos. No campo da saúde, esse processo foi impulsionado pelo movimento da reforma sanitária, que ansiava por mudanças e melhorias para atendimento à população, e que resultou na universalidade do direito a saúde concretizada no art. 196 da Constituição Federal de 1988, bem como a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Lei n. 8.080/90. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Cabe lembrar que no cenário internacional as propostas neoliberais apresentadas no chamado “Consenso de Washington” de 1989, pregava a abertura comercial, privatização das empresas públicas e a diminuição do tamanho do Estado, por meio do corte de gastos, terceirização dos serviços e a redução das leis trabalhistas ganhava força nos países centrais. Em resposta as demandas do processo de globalização e a fim de enfrentar a crise que assolava o Brasil, foi necessário criar mecanismos e estratégias para reconstruir o Estado. Desse modo, em 1995 foi editado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que se concretizou com a Emenda Constitucional n. 19/1998, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve como objetivo a criação de uma estrutura organizacional estatal fortalecida para que o país retomasse o desenvolvimento econômico. Além disso, buscava-se melhorar a prestação dos serviços públicos demandados pela sociedade, oferecendo serviços públicos com melhor qualidade e o aumento da eficiência do aparelho estatal. O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, aprovado em 21 de setembro de 1995 foi concebido para dar uma resposta à crise econômica que assolava o país, de modo a manter o equilíbrio necessário à economia, prover a população de serviços eficientes, os quais estavam deteriorados, e combater a crise fiscal e a inflação. De outro modo era necessário um novo modelo de gestão com base na eficiência e voltados aos resultados e descentralização, conforme disposto na apresentação do Caderno MARE, apontado pelo Chefe do Executivo: “A crise brasileira da última década foi também uma crise de Estado. Em razão do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além de gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida da população, o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensável para consolidar a estabilidade e assegurar o crescimento sustentado da economia. Somente assim, será possível promover a correção das desigualdades sociais e regionais.” […] “É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial” baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralização para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado.” Esse novo modelo de gerenciamento do Estado teve como escopo tornar a administração pública eficiente, utilizando-se de controle dos resultados e da descentralização dos serviços de modo que os cidadãos pudessem receber serviços dignos do Estado, garantindo-se assim, uma sociedade democrática. Além disso, essa reorganização administrativa visava com que as políticas do Estado se voltassem para o mercado, introduzindo novos formatos institucionais a partir da descentralização da estrutura organizacional, vislumbrando-se a ampliação das ações sociais, uma vez que a execução de serviços poderia ser realizada por terceiros, exceto, os serviços executados exclusivamente pelo Estado. Para Bresser Pereira (2010, p. 114) a sociedade demandava por serviços públicos e era necessário mudar as condições de ofertas dos serviços, além disso, mostrar para a sociedade que o Estado estava gastando bem os recursos oriundos dos impostos pagos, sendo a reforma gerencial uma resposta a essa questão: “A Reforma Gerencial foi a resposta a esse desafio ao modificar a forma de administrar a oferta dos serviços, (1) ela torna os gerentes dos serviços responsáveis por resultados, ao invés de obrigados a seguir regulamentos rígidos;  (2) premia os servidores por bons resultados e os pune pelos maus; (3) realiza serviços que envolvem poder de Estado através de agências executivas e reguladoras; e – o que é mais importante – (4) mantém o consumo coletivo e gratuito, mas transfere a oferta de serviços sócias e científicos para organizações sociais, ou seja, para provedores públicos não estatais que recebem recursos do Estado e são controlados através de contrato de gestão.” Nesse sentido, o Plano Diretor da Reforma do Estado deu origem ao modelo das Organizações Sociais de modo a executar serviços não-exclusivos do Estado, dentro de uma relação de parceria e via um contrato de gestão, sendo tal parceria regida pelo direito público, conforme pode ser observado no item 6 e 6.4 do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado:   […] Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade e governar, maior condição de implementar as leis e políticas  públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em “agências autônomas”, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos aos transformá-los em organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as “organizações sociais”. 6.4 Objetivos para os Serviços Não-exclusivos: – Transferir para o setor público não-estatal estes serviços, através de um programa de “publicização” transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito a dotação orçamentária. – Lograr, assim, uma maior autonomia e uma consequente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços. – Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por parte da sociedade através dos seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho da organização social viabilizando o controle social. – Lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará a financiar a instituição, própria organização social, e a sociedade a que serve e que deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações. – Aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor.” De outro modo, a Constituição Federal, em seu art. 197, prevê a execução dos serviços de saúde por meios de terceiros, senão vejamos: Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (BRASIL,1988) Ademais, por meio da Emenda Constitucional n. 19, de 04/06/1998, ao art. 37 da Constituição Federal foi incluso o princípio da eficiência, demonstrando que a gestão da administração pública deve-se pautar nos resultados. Para DI PIETRO (2015, p. 117) o princípio da eficiência não se sobrepões aos demais princípios e se apresenta sobre a forma em que atua o agente público, bem como a forma de organizar, estruturar e disciplinar a administração pública. “O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.” Segundo MEIRELLES (2002, p.360-361), o objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa da com a criação figura das Organizações Sociais foi encontrar um instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo poder público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão. Trata-se de uma nova forma de parceria, com a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse público, mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades governamentais. Dessa maneira, com base nos objetivos traçados no Plano da Reforma do Estado, foi elaborada a Lei federal n. 9.637/98 que dispõe sobre a qualificação das entidades como organizações sociais, cria o Programa Nacional de Publicização e extingue os órgãos a serem absorvidos por organizações sociais. O art. 1o da Lei n. 9.637/98 estabelece  que para a obtenção de tal qualificação, a entidade deverá ser uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e suas atividades sociais irão contemplar o ensino, a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico, a proteção e preservação do meio ambiente, a cultura e a saúde, atendidos os requisitos previstos nesse mesmo diploma. Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. Pelo disposto no artigo supra as Organizações Sociais não representam uma nova figura jurídica, pois é a qualificação concedida pelo poder público que torna a pessoa jurídica de direito privado, regida pelo Código Civil, como tal. Para PAES (2000, p.67), as Organizações Sociais são um modelo ou uma qualificação de organização pública não estatal criada dentro de um projeto de reforma do Estado, para que as associações civis sem fins lucrativos e fundações de direito privado possam absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica de lei. Nas lições de DI PIETRO (2015, p.618), as entidades não nascem com o nome de Organizações Sociais, pois se trata de um título jurídico que é concedido e também cancelado pelo Poder público, ou seja, somente o Poder Executivo poderá qualificar essas pessoas jurídicas de direito privado. Segundo MAZZA (2017, p.45) a Organização Social é uma qualificação especial concedida pelo governo federal às entidades sem fins lucrativos, permitindo que recebam vantagens peculiares. O conceito de Organizações Sociais apresentado no Caderno MARE da Reforma do Estado, p. 12, traz os aspectos relevantes do modelo, conforme transcrito abaixo: Organizações Sociais (OS) são um modelo de organização pública não-estatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica. Trata-se de uma forma de propriedade pública não-estatal, constituída pelas associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o interesse público. As OS são um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade. O Estado continuará a fomentar as atividades publicizadas e exercer sobre elas um controle estratégico: demandará resultados necessários ao atingimento dos objetivos das políticas públicas. O contrato de gestão é o instrumento que regulará as ações das OS[1]. Para que a entidade privada possa ser qualificada como Organização Social é necessário atender aos requisitos previstos no art. 2º da Lei 9.637/1998, dentre eles que os atos constitutivos da entidade disponham: Além dos requisitos acima destacados, a entidade necessita de aprovação pelo Ministro ou titular do órgão supervisor ou regulador da área correspondente ao seu objeto social, bem como do Ministro de Estado competente. Tal aprovação relaciona-se a conveniência e oportunidade da autoridade pública para qualifica-la como Organização Social. Quanto a discricionariedade da autoridade em qualificar ou não a entidade por meio dos critérios da conveniência e oportunidade, cabe trazer o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) encartada na decisão que julgou a ADI nº 1.923-5, de 16/04/2015, pg. 5. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.923 DISTRITO FEDERAL […] “11. A previsão de competência discricionária no art. 2º, II, da Lei nº 9.637/98 no que pertine à qualificação tem de ser interpretada sob o influxo da principiologia constitucional, em especial dos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37, caput). É de se ter por vedada, assim, qualquer forma de arbitrariedade, de modo que o indeferimento do requerimento de qualificação, além de pautado pela publicidade, transparência e motivação, deve observar critérios objetivos fixados em ato regulamentar expedido em obediência ao art. 20 da Lei nº 9.637/98, concretizando de forma homogênea as diretrizes contidas nos inc. I a III do dispositivo” Conforme prevê o art. 3º da Lei nº 9.637/98, a Organização Social é dirigida pelo Conselho de Administração e sua estrutura deve estar formalizada por meio de um estatuto, cuja composição terá um percentual de membros representantes do poder público, membros das entidades da sociedade civil, membros eleitos dentre os membros ou associados, membros eleitos pelos integrantes do Conselho com notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral e membros indicados ou eleitos conforme dispuser o estatuto. Os representantes do poder público e das entidades da sociedade civil correspondem a mais de cinquenta por cento da composição do Conselho, e o dirigente máximo do Conselho não tem direito a voto. Os membros terão mandato de quatro anos, podendo ser reconduzido. As reuniões ordinárias do Conselho ocorrerão, no mínimo, três vezes a cada ano, e as reuniões extraordinárias poderão ser realizadas a qualquer tempo. Os serviços que os Conselheiros prestarem não serão remunerados, mas terão ajuda de custo por reunião que participarem. Não é permitida a acumulação de funções, motivo pelo qual quando o Conselheiro for eleito ou indicado para integrar a diretoria da entidade, deverá renunciar a condição de Conselheiro.   A Lei Federal n. 9.637/98 denominada “Lei das OS” abriu um leque de possibilidades para entidades sem fins lucrativos atuarem na execução de diversos serviços por meio de parcerias com o Poder Público, sendo necessário que exista uma fiscalização efetiva para que os resultados pactuados se concretizem, visto que o próprio Estado financia essas organizações almejando a eficiência na prestação de serviços ao cidadão. Nesse sentido, cabe destacar alguns pontos da Lei Federal n. 9.637/98 que, de certa forma, deixam uma abertura para a ocorrência de irregularidades. Os requisitos dispostos no art. 2º que tratam da habilitação para obtenção da qualificação como organização social não apresentam qualquer indicação para a comprovação de um tempo mínimo de sua existência, de modo que se possa certificar que a entidade prestou efetivamente os serviços na área de atuação. Além disso, a Lei n. 9.637/98 é silente quanto a comprovação da existência do capital próprio da entidade. Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I – comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: II – haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado. Observa-se que além dos requisitos formais tratados no inciso I, referentes à comprovação contida no ato constitutivo, existe outro requisito voltado à discricionariedade da autoridade que irá decidir se habilita ou não a entidade como organização social. Essa discricionariedade abre caminho para o favorecimento de entidades a serem habilitadas como OS, podendo prevalecer indicações de cunho pessoal ou política com interesses diversos daqueles dispostos na Lei. Para SILVA NETO (2002, p. 2) ao administrador caberia somente verificar os aspectos elencados no inciso I, do art. 2º, para que não ficasse nas mãos do administrador decidir se habilita ou não a entidade, evitando-se favorecimentos. “[…] a Lei não poderia oferecer ao administrador a opção para qualificar, ou não, uma entidade civil, que preencheu todos os requisitos exigidos no art. 2º. Da Lei 9.637/98, ao argumento de não ter atendido o interesse público. Deveria a autoridade competente quedar-se manietado às condições formais vertidas à qualificação. Todavia, ainda que preenchidos todos os elementos contidos no art. 2º, o dispositivo não está imune a críticas, pois a redação do artigo não confere nenhuma margem de segurança ao poder público […]” Na mesma linha, PAES (2000, p.70) entende que existe um elevado grau de discricionariedade para se qualificar uma entidade como organização social. “… Percebe-se, portanto, o elevado grau de discricionariedade governamental na qualificação da entidade. Não está prevista sequer uma consulta que seja a algum órgão colegiado ou conselho de representantes da sociedade civil. Difícil é vislumbrar que decisões de tamanha envergadura e com reflexos importantes em áreas tão sensíveis e carentes da sociedade dependem exclusivamente do bom senso de alguns poucos mandatários do poder executivo…” Outro ponto a ser destacado é que o art. 7º da Lei n. 9.637/98 não prevê a necessidade de critérios objetivos para a contratação de pessoal, com uma seleção de pessoal aberta a todos aqueles que desejem participar, deixando transparente que as pessoas contratadas possuem o conhecimento e experiência necessários na área de atuação, e atendem aos demais critérios estabelecidos para integrarem na OS. 7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos: […] II – a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções. […] Da mesma forma entende SILVA NETO (2002, p.2) ao observar que a seleção de pessoal das organizações sociais deveriam seguir o mesmo tratamento dado às contratações reguladas via licitação, em observância aos princípios de direito público. “[…] a Lei deveria dispensar à seleção de pessoal o mesmo tratamento para contratação de obras, serviços, compras e alienações, ou seja, o conselho de administração deveria aprovar normas reguladoras, estabelecendo critérios objetivos para a contração de pessoal celetista, evitando-se eventuais privilégios ou favoritismos. Em suma, da mesma forma que se dá na licitação, devem ser observados na seleção de pessoal princípios de direito público.”    Seguindo o modelo da Lei Federal n. 9.637/98, foi aprovada no âmbito do Estado do Amazonas a Lei n. 3.900, de 12 de junho de 2013, que dispõe acerca da qualificação das Organizações Sociais, sendo regulamentada por meio do Decreto n. 34.039, de 4 de outubro de 2013. Nesse sentido, o art. 1º da Lei n. 3.900/2013, ao dispor acerca da qualificação ampliou as áreas de atuação exercidas pelas entidades a serem qualificadas como organizações sociais, incluindo atividades voltadas ao trabalho, à ação social, ao desporto e à agropecuária: Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e institucional, à proteção e preservação do meio ambiente, bem como à saúde, ao trabalho, à ação social, à cultura, ao desporto e à agropecuária. (AMAZONAS, 2013)                         Assim como no diploma federal, no âmbito estadual os requisitos para que a entidade possa se qualificar também apresentam aspectos formais (I) e discricionários (II): Art. 2º São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I – comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre: II – ter a entidade recebido aprovação em parecer favorável, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Secretário de Estado da área correspondente. (AMAZONAS, 2013) A cooperação entre poder executivo estadual e a entidade se dá mediante contrato de gestão que contem as especificações necessárias para que os resultados sejam alcançados, dentre eles estão os objetivos, metas e prazos, direitos e obrigações, o exercício do controle, regulação e fiscalização, os recursos humanos, orçamentários e financeiros disponíveis, os indicadores de qualidade e produtividade. Destaca-se que o contrato de gestão está previsto no art. 37, § 8º da Constituição Federal/88, para o estabelecimento de metas de desempenho: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: Nesse prisma, entende-se que o contrato de gestão é um importante instrumento de controle para que o poder público possa acompanhar as atribuições e responsabilidades das OSs, uma vez que estarão inseridos os planos de trabalhos, as metas e prazos estabelecidos, os critérios da avaliação de desempenho juntamente com os indicadores de qualidade e produtividades e as despesas com a remuneração dos dirigentes. Ademais, é no contrato de gestão que constam as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da Organização Social, conforme prevê o art. 6º da Lei 3.900/2013. Quanto à estrutura das organizações sociais, o Decreto n. 34.039/2013, em seu art. 3º, prevê a estrutura mínima a ser considerada para fins de qualificação das entidades: Art. 3º As entidades que tiverem interesse em se qualificar como Organização Social deverão possuir a seguinte estrutura básica mínima: I – Assembleia Geral, como órgão de deliberação superior; II – Conselho Delegado de Administração, como órgão técnico e de controle básico; III – Diretoria Executiva, como órgão de gestão; e IV – Conselho Fiscal, como órgão de fiscalização da Administração contábil e financeira da Entidade. O controle é realizado pelo Conselho Delegado de Administração, e caso a entidade descumpra a legislação vigente e os termos do contrato de gestão será cancelada a sua qualificação. Verifica-se aqui que a Lei Estadual não deixa margem para a não aplicação do cancelamento contratual caso ocorra o seu descumprimento. A supervisão, acompanhamento e avaliação das ações são realizadas pela área correspondente, pelos órgãos normativos e de controle interno e externo estadual, nos termos do art. 8º da Lei 3.900/2013. Com a aprovação da Lei n. 3.900/2013, regulamentada pelo Decreto n. 34.039/2013, o Governo do Amazonas adotou esse modelo de gestão na área da saúde e, por intermédio da Secretaria de Estado de Saúde, celebrou o contrato de gestão n. 001 de 28 de dezembro de 2015, com o Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (IMED), associação civil, sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social por meio do Decreto Estadual n. 35.589, de 12/02/2015, publicado na mesma data, visando o gerenciamento, operacionalização execução das ações e serviços de saúde do Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz. De acordo com o Relatório de Fechamento do IMED – período de 2015 a 2018 – foram investidas estratégias de gestão, voltando-se ao atendimento humanizado e de tecnologia, bem como estudos para monitorar e avaliar os resultados e impactos referentes ao aumento e qualidade na prestação dos serviços. Dos dados e informações extraídas do Relatório de Fechamento, no ano de 2015, devido a qualidade do atendimento do Pronto-Socorro Delphina Rinaldi Abdel houve um número maior de pacientes tanto locais como de outras localidades do estado do Amazonas. Ao longo dos 12 meses de 2015 foram realizados 163.406 atendimentos, com 13.617 atendimentos mensais, ao que superou em 19% da meta estabelecida pela IMED. Ademais, com a implantação de 98% do prontuário eletrônico ocorreu uma redução de 40% no consumo de materiais de expediente e de 100% das rotinas manuais. Entre julho a dezembro de 2015, houve uma redução do tempo médio dos atendimentos de urgências de 9 para 6 minutos, por paciente. Na emergência também houve uma redução de 9 para 3 minutos.  No  ano de 2016 foram realizados 184.175 atendimentos, com uma média mensal de 15.348, ao que superou o ano anterior em um percentual aproximado de 13% . Em 2017 houve um aumento expressivo do número de pacientes em razão da inauguração do Centro de Diagnóstico e o Centro Cirúrgico, chegando ao total de 316.280 atendimentos. O Relatório de Encerramento do IMED indica que houve avanços nos atendimentos e cumprimentos das metas estabelecidas, os quais geraram impactos sociais positivos, resultados que vão ao encontro das justificativas apresentadas para a aplicação desse novo modelo de gestão. Porém, é necessário registrar que a coleta de dados ficou prejudicada devido a falta de dados e informações no Portal de Transparência do Governo do Estado do Amazonas (Secretaria de Saúde) relacionados ao efetivo acompanhamento (accountability) e fiscalização que são realizados pelo Conselho de Administração via programa de trabalho anexado ao contrato de gestão, impossibilitando o cotejo entre os dados fornecidos pelo IMED com a análise e avaliação realizada pela comissão fiscalizadora e de avaliação, em atendimento ao previsto no art. 8º da Lei Estadual n. 3.900/2013: Art. 8º A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada. Constata-se que a falta de dados e informações, inclusive da contratação de pessoal e financeira, limita ou impede o efetivo controle social indireto realizado pelo cidadão, que é um dos instrumentos importantes para dar transparência à gestão das Organizações Sociais, situação que se apresenta em descompasso com um dos propósitos de sua criação. Corroborando com a constatação acima, o Ministério Público de Contas do Estado Amazonas – MPC/AM, como órgão de controle, identificou irregularidade no processo de escolha do IMED e ingressou com representação, cuja ação demonstra a ilegalidade da terceirização da gestão, falta de impessoalidade e transparência, falta de qualificação técnico-operacional e ainda a falta de estudos relacionados à economicidade para a escolha da OS.   As entidades (associações ou fundações) pessoas jurídicas de direito público privado e sem fins lucrativos, ao se qualificarem como Organizações Sociais, estão habilitadas a receberem determinados benefícios concedidos pelo poder público. Dentre os benefícios destacados no Caderno MARE como Vantagens das Organizações Sociais está a dispensa de licitação nas contratações de serviços para atividades contempladas no contrato de gestão (art. 24, inciso XXIV a Lei 8.666/93) e os recursos das Organizações Sociais, que fazem parte do orçamento da União, tem sua execução realizada sem passar pelo registro no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), sistema que controla toda a execução orçamentária, financeira e contábil do Governo Federal. Se por um lado a justificativa para a dispensa de licitação é proporcionar maior agilidade na contratação de serviços, por outro dá margem para contratações impróprias indo de encontro com os princípios esculpidos no art. 37 da Constituição Federal/88. Do mesmo modo, quando a Lei n. 9.637/98 desobriga a OS de registrar no SIAFI a execução dos recursos públicos transferidos para seus gastos, levando em muitos casos aos desvios de recursos públicos. O Tribunal de Contas a União – TCU, em auditorias operacionais realizadas com o objetivo de verificar a transferência do gerenciamento de serviços públicos de saúde às organizações sociais, identificou diversas irregularidades, a exemplo do que consta no Relatório de Auditoria TC 018.739/2012-1, que auditou as Secretarias de Saúde da Bahia, de São Paulo, da Paraíba e nas Secretarias Municipais de Saúde de Salvador, de Araucária, de Curitiba, de São Paulo e do Rio e Janeiro, constatou-se inexistência de motivação acerca da transferência do gerenciado da unidade de saúde para as Organizações Sociais, bem como estudo que permitisse avaliar que essa escolha fosse a melhor opção para se obter o desempenho esperado na prestação dos serviços ou ainda que os custos fossem menores àqueles comparados aos do poder público. Além disso, inexistência de indicadores para que a avaliação do desempenho das OSs fosse efetiva. Outro ponto destacado pela auditoria do TCU é que os Estados e Municípios ao transferirem para as Organizações Sociais o gerenciamento das unidades de saúde devem se preparar para supervisionarem a execução do contrato de gestão, a fim de que os serviços possam tender a população e os recursos não sejam desviados e desperdiçados.   CONCLUSÃO                         O presente estudo mostrou que com a reforma do Estado ocorrida em 1995, utilizada com estratégia para combater a crise que assolava o país no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, implantou-se um novo modelo de gestão pública voltada para o setor não-estatal, que possibilitou a este a execução de serviços não exclusivos do Estado, com enfoque para a gestão por resultados.  Nesse cenário, com a edição da Lei n. 9.637/98, as entidades privadas, sem fins lucrativos, com atuação em áreas reguladas no citado normativo puderam habilitar-se para obter a qualificação como Organizações Sociais. Embora na área da saúde a justificativa para a transferência da execução dos serviços de saúde do poder público para as Organizações Sociais tenha sido o discurso de uma gestão mais eficiente, avaliada por resultados obtidos a partir de metas estabelecidas, foi possível por meio da presente pesquisa confirmar que a Lei n. 9.637/98 e a Lei Estadual n. 3.900/2013, apesar de apresentarem uma série de requisitos e regras que norteiam a qualificação e o contrato de gestão, não inibem a incidência de ilícitos, os quais refletem nos resultados almejados. Isso porque existe uma deficiência do controle e fiscalização, bem como a falta de transparência, aliada a inexistência de estudos que antecedem a tomada de decisão na transferência da execução dos serviços de saúde para a Organização Social. Em outro momento, foi possível verificar que na gestão do Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, o controle e fiscalização também foram deficitários, fato que levou o Ministério Público de Contas do Amazonas detectar irregularidades que culminou no pedido de cancelamento do Contrato de Gestão com a Organização Social IMED. Desse modo, o poder público deve ter a responsabilidade e entender que a solução para o problema da gestão da saúde não está na decisão pela transferência da execução dos serviços para uma Organização Social, e sim nas ações de fiscalização com rigor e acompanhamento, utilizando-se instrumentos de transparência que permitam qualquer cidadão fiscalizar, principalmente porque os recursos repassados para as Organizações Sociais são gerados por toda a sociedade, tendo aquelas o dever de dar o retorno para quem as mantem.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/teoria-e-pratica-das-organizacoes-sociais-na-atividade-de-gestao-publica-estudo-de-caso-da-atividade-social-de-uma-organizacao-social-na-gestao-do-hospital-delphina-rinaldi-abdel-aziz-em-manaus-am/
Consórcio Público
RESUMO: Com base no artigo 241 da Constituição Federal Brasileira, procedeu a Lei nº 11.107/2005, a qual estabeleceu o referido preceito constitucional e estabeleceu normas para contratação e/ou constituição de pessoa jurídica definido como Consórcio Público, que no formato do Decreto nº 6.012/2007, é determinado como pessoa jurídica constituído exclusivamente por entes da Federação para instituir relações de cooperação federativa, até mesmo a realização de objetivos de interesse comum, estabelecido como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos. Destaca-se que em momento anterior a promulgação da supracitada lei, os consórcios públicos se assemelhavam a convênios, contudo, com o advento da Lei nº 11.107/2005, os consórcios públicos tornaram-se uma nova modalidade de negócio jurídico com regulamentação própria, todavia, por tratar-se de uma legislação relativamente recente, muito se discute doutrinariamente a respeito das suas normas, sobretudo no que tange a autonomia dos entes envolvidos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Com base no artigo 241 da Constituição Federal Brasileira, procedeu a Lei nº 11.107/2005, a qual estabeleceu o referido preceito constitucional e estabeleceu normas para contratação e/ou constituição de pessoa jurídica definido como Consórcio Público, que no formato do Decreto nº 6.012/2007, é determinado como pessoa jurídica constituído exclusivamente por entes da Federação para instituir relações de cooperação federativa, até mesmo a realização de objetivos de interesse comum, estabelecido como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos. Destaca-se que em momento anterior a promulgação da supracitada lei, os consórcios públicos se assemelhavam a convênios, contudo, com o advento da Lei nº 11.107/2005, os consórcios públicos tornaram-se uma nova modalidade de negócio jurídico com regulamentação própria, todavia, por tratar-se de uma legislação relativamente recente, muito se discute doutrinariamente a respeito das suas normas, sobretudo no que tange a autonomia dos entes envolvidos. Com fulcro no art. 2º, inciso I, do Decreto 6.017/2007, se ocupou de conceituar consórcio público como sendo: […] pessoa jurídica formada exclusivamente por Entes da Federação, na forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos. De acordo com o art. 18 da Constituição Federal Brasileira, são considerados Entes da Federação a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. O instrumento aprovado pela Assembleia Geral que aprova qualquer alteração no estatuto do consórcio público deverá ser ratificado mediante lei por todos os entes consorciados. A extinção do consórcio público também contém a formalidade aplicada às alterações estatutárias, uma vez que o mesmo somente poderá ser extinto por lei de todos os entes consorciados que ratifique o instrumento aprovado na Assembleia Geral que extingue o consórcio. Ainda existe a hipótese da retirada de um ente do consórcio público que dependerá de ato formal de seu representante na Assembleia Geral, na forma previamente disciplinada por lei. Apensar disso, os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação. Ressalta-se que essa previsão deverá constar no protocolo de intenções, uma vez que a Lei nº 8666/93 exige autorização legislativa para qualquer tipo de alienação de bens públicos imóveis. Evidencia-se, a retirada ou mesmo a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações por ele já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.   1 CONSÓRCIOS PÚBLICOS: CONCEITO, CONSTITUIÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p. 394) em seu livro Direito Administrativo, define: Consórcio Administrativo é o acordo de vontades entre duas ou mais pessoas jurídicas públicas da mesma natureza e mesmo nível de governo ou entre entidades da administração indireta para consecução de objetivos comuns. Ademais, conforme José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 172) em seu livro Manual de Direito Administrativo, conceitua: Como registramos anteriormente, os consórcios, tradicionalmente, nada mais eram do que convênios, instrumento em que pessoas públicas ou privadas ajustam direitos e obrigações com o objetivo de alcançar metas de interesse recíproco. Em outras palavras, sempre foram negócios jurídicos pelos quais se pode expressar a vontade de cooperação mútua dos pactuantes. A diferença apontada entre ambos, como vimos, era despida de fundamentação normativa. A disciplina da Lei nº 11.107/2005, entretanto, demonstra que os consórcios públicos passaram a espelhar nova modalidade de negócio jurídico de direito público, com espectro mais amplo do que os convênios administrativos, muito embora se possa considerá-los como espécie destes. Daí a necessidade de tecer breves comentários sobre o novo instituto. Ao exame do delineamento jurídico dos consórcios públicos, pode afirmar-se que sua natureza jurídica é a de negócio jurídico plurilateral de direito público com o conteúdo de cooperação mútua entre os pactuantes. Em sentido lato, poder-se-á considerar contrato multilateral. Constitui negócio jurídico, porque as partes manifestam suas vontades com vistas a objetivos de natureza comum que pretendem alcançar. É plurilateral, porque semelhante instrumento admite a presença de vários pactuantes na relação jurídica, sem o regime de contraposição existente nos contratos; por isso, alguns o denominam de ato complexo. É de direito público, tendo em vista que as normas regentes se dirigem especificamente para os entes públicos que integram esse tipo de ajuste. Retratam cooperação mútua, numa demonstração de que os interesses não são antagônicos, como nos contratos, e sim paralelos, refletindo interesses comuns. Os Consórcios Públicos no Direito Administrativo Brasileiro surgiram com a Emenda Constitucional nº 19/98, que alterou o art. 241 da Constituição Federal Brasileira. Ao estabelecer que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, com a finalidade de executar a gestão associada de serviços públicos. De acordo com a seguinte redação da Emenda Constitucional nº 19/98: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. ” Em seguida, foi promulgada na Constituição Federal a Lei nº 11.107/05 cujo o nome é “Lei dos Consórcios Público”, que dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos, e o seu regulamento o Decreto n° 6.017/07. De acordo com a seguinte redação do Decreto n° 6.017/07 sobre o consórcio público é: “ (…) pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei n° 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos”.   A lei 11.107, de 06 de abril 2005, dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e veio a regulamentar o art. 241 da Constituição Federal dispondo sobre consórcios públicos. Segundo o art.1º, § 1º, da referida lei permite a constituição dos consórcios públicos como associação pública ou como pessoa jurídica de direito privado. Ou seja, embora o artigo da Lei nº 11.107/05 estabeleça que o consórcio será constituído por contrato, na realidade, outras normas contidas na lei permitem a conclusão de que a constituição do consórcio público se fará com observância de todo um procedimento, que envolve as seguintes fases: subscrição de protocolo de intenções (art. 3º), publicação do protocolo de intenções na imprensa oficial (art. 4º, §5º), lei promulgada por cada um dos partícipes, ratificando, total ou parcialmente, o protocolo de intenções (art. 5º) ou disciplinando a matéria (Art. 5º, §4º), celebração de contrato (art. 3º) e atendimento das disposições da legislação civil, quando se tratar de consórcio com personalidade de direito privado (art. 6º, II). O mais fácil é entender a necessidade de que o procedimento tenha início com a celebração de protocolo de intenções. Trata-se de figura pouco estudada no direito brasileiro e que designa um instrumento pelo qual os interessados manifestam a intenção de celebrar um acordo de vontade (contrato, convênio, consórcio ou outra modalidade) para a consecução de objetivos de seu interesse, porém sem qualquer tipo de sanção pelo descumprimento. Na realidade, não se assume, nele, o compromisso de celebrar o acordo; não se assumem direitos e obrigações; apenas se definem as cláusulas que serão observadas em caso de o acordo vir a ser celebrado. Tal como o consórcio é instituído como pessoa jurídica, não poderia ser constituído pela simples celebração de um contrato. Portanto, a necessidade de celebração de um protocolo de intenções em que se definam as condições em que o consórcio será instituído, até para poder submeter o consórcio à aprovação legislativa. O artigo 4º da Lei nº 11.107/05 determinar as cláusulas necessárias do protocolo de intenções, como a denominação, a finalidade, o prazo de duração, a sede, a identificação dos entes da Federação consorciados, a área de atuação, a natureza jurídica pública ou privada, a forma de administração, os serviços públicos objeto da gestão associada etc. Ainda que subscrevendo o protocolo de intenções, o ente federativo poder não participar do consórcio (art. 5º, §1º) ou poderá participar parcialmente, se a ratificação por lei for feita com reserva e aceita pelos demais subscritores do protocolo de intenções (art. 5º, § 2º). Vale dizer que o fato de ter subscrito o protocolo de intenções não obriga o ente da Federação a participar do consórcio; a sua decisão não acarreta qualquer tipo de sanção. A ratificação do protocolo de intenções é dispensada pelo artigo 5º, § 4, desde que o ente da Federação, antes de subscrever o protocolo de intenções, tenha disciplinado por lei a sua participação no consórcio público. Evidentemente, essa participação ficará impossibilitada ou restringida se o protocolo de intenções estabelecer condições que contrariem a lei anterior que disciplinava a matéria. Sobre a ratificação, o art. 5º, § 3º, estabelece que, se realizada após dois anos da subscrição do protocolo de intenções, dependerá de homologação da assembleia geral do consórcio público. Somente após a ratificação é que poderá ser celebrado o contrato de constituição do consórcio. A Lei nº 11.107/05 prevê dois tipos de contratos a serem firmados pelos entes consorciados: o contrato de rateio e o contrato de programa. Ou seja, o regime jurídico a ser seguido pelos consórcios públicos atualmente é aquele previsto na Lei nº 11.107/05. É importante dizer que os consórcios públicos também estarão sujeitos ao estrito cumprimento dos ditames do protocolo de intenções, dos contratos de rateio e dos contratos de programa. O contrato de rateio, previsto no artigo 8º, constitui instrumento mediante o qual os entes consorciados entregarão recursos ao consórcio público. Esses recursos devem ser devidamente previstos na lei orçamentária de cada consorciado, sob pena de exclusão do consórcio, após prévia suspensão (§ 5º do art. 8º), e sob pena de improbidade administrativa (art. 10, XV, da Lei nº 8. 429/92, com a redação dada pelo art. 18 da Lei nº 11.107/05). O contrato terá que ser firmado anualmente e seu prazo de vigência não pode ser superior ao das dotações que o suportam, com duas exceções: Primeiramente no caso de contratos que tenham por objeto projetos contemplados em plano plurianual; essa exceção corresponde à hipótese prevista no artigo 57, I, da Lei nº 8. 666/93, referente à execução de projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, quando o contrato pode ultrapassar o prazo de vigência dos créditos orçamentários. Segundamente no caso de gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos; justifica-se a exceção uma vez que, neste caso, os recursos não são provenientes do orçamento do ente consorciado. Para finalidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, o § 4º do artigo 8º exige que o consórcio público forneça as informações necessárias para que sejam consolidadas, nas contas dos entes consorciados, todas as despesas realizadas com os recursos entregues em virtude de contrato de rateio, de forma que possam ser contabilizadas nas contas de cada ente da Federação na conformidade dos elementos econômicos e das atividades ou projetos atendidos. A expressão contrato de programa, no âmbito do direito administrativo, costuma ser utilizada no mesmo sentido em que se fala em contrato de gestão, ambos fundamentados no artigo 37, § 8º, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98. Sobre o tema, v. item 8.9. Agora, na Lei nº 11.107/05, a expressão está utilizada com outro sentido, que bastante se aproxima da própria noção de convênio e que nada tem a ver com a norma do referido dispositivo constitucional. O contrato de programa é referido, inicialmente, no artigo 4º, XI, d, que, ao mencionar as cláusulas necessárias do protocolo de intenções, inclui a autorização para a gestão associada de serviços públicos”, explicitando, dentre outras coisas, “as condições a que deve obedecer ao contrato de programa, no caso de a gestão associada envolver também a prestação de serviços por órgão ou entidade de um dos entes da Federação consorciados. Mais adiante, é previsto no artigo 13 como instrumento a ser utilizado para a constituição e regulação de obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público no âmbito de gestão associada em que haja a prestação de serviços públicos ou a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos. Da combinação dos dois dispositivos extrai-se a conclusão de que a gestão associada pode ser feita: Primeiramente mediante a constituição de consórcio público, como pessoa jurídica, na forma disciplinada pela Lei nº 11.107/05. Segundamente mediante acordos de vontade, como o convênio de cooperação, o contrato de programa ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada. Por sua vez, o contrato de programa pode ser celebrado em duas hipóteses: Primeiramente no próprio âmbito do consórcio público; nesse caso, o contrato de programa será celebrado entre o consórcio e um de seus consorciados, quando este último assumir a obrigação de prestar serviços por meio de seus próprios órgãos (Administração Direta) ou por meio de entidade da Administração Indireta. Segundamente fora do âmbito do consórcio; neste caso, a gestão associada não exigirá a constituição de consórcio público, como pessoa jurídica de direito público ou privado, sendo a gestão associada disciplinada por meio de contrato de programa. Nas duas hipóteses, o instrumento utilizado deverá indicar, “como condição de validade, as obrigações que um ente da Federação constituir para com outro ente da Federação ou para com consórcio público quando haja a prestação d e serviços públicos o u a transferência total o u parcial de encargos, serviços, pessoal ou de bens necessários à continuidade dos serviços transferidos” (art. 13). Nesse caso, o § 2º do mesmo dispositivo indica as cláusulas que deverão necessariamente constar do contrato de programa, sendo expressamente vedado atribuir ao contratado o exercício dos poderes de planejamento, regulação e fiscalização dos serviços por ele próprio prestados (art. 13, § 3º). A Lei é, sob todos os aspectos, lamentável e não deveria ter sido promulgada nos termos em que o foi. Mais do quer resolver problemas, ela os criou, seja sob o ponto de vista jurídico ou sobre ponto de vista de sua aplicação prática. Algumas normas da lei são de difícil senão impossível aplicação. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro diz que por analogia, se um consórcio público criado sob a forma de pessoa jurídica de direito público integra a administração indireta dos entes criadores, o consórcio público criado sob a forma de pessoa jurídica de direito privado também deverá integrar, uma vez que o ente político (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) não poderá criar um ente administrativo (consórcio público) que executará um serviço público de competência daquele sem que este faça parte da máquina administrativa, seja ela direta ou indireta. Outros princípios constitucionais da Administração Pública que nortearão essa gestão associada serão os da Publicidade e Legalidade, uma vez que a Lei nº 11.107/05 prevê como cláusula de nulidade a publicidade dos atos constitutivos dos consórcios públicos e, ainda, o fato de que independentemente da natureza jurídica pública ou privada dos consórcios, estes se submeterão às normas de direito público. O consórcio público também pode ser considerado como: é uma modalidade de associação entre entes federados, que compõem a administração indireta dos entes consorciados, com vistas ao planejamento, à regulação e à execução de atividades de um modo geral ou de serviços públicos de interesse comum de alguns ou de todos os consorciados.   Com o consórcio já constituído constata-se a indispensabilidade da criação de uma Assembleia Geral que, conforme o precedente projeto de lei nº 3884/04, é uma assembleia formada apenas pelos Chefes do Poder Executivo dos entes consorciados, que terá dentre outras coisas, elaborar, aprovar e modificar o estatuto que disciplinará as atividades do consórcio, apreciar e aprovar as propostas orçamentárias. Em face do exposto se pode entender que toda e qualquer alteração ou até mesmo a extinção do consórcio dependerá de instrumento aprovado pela Assembleia Geral, o que demostra que esse órgão é a instância máxima em um consórcio público. É de suma importância explanar que o instrumento aprovado pela Assembleia Geral que aprova qualquer alteração no estatuto do consórcio público deverá ser ratificado mediante lei por todos os entes consorciados. A extinção do consórcio público também contém a formalidade aplicada às alterações estatutárias, uma vez que o mesmo somente poderá ser extinto por lei de todos os entes consorciados que ratifique o instrumento aprovado na Assembleia Geral que extingue o consórcio. Ainda existe a hipótese da retirada de um ente do consórcio público que dependerá de ato formal de seu representante na Assembleia Geral, na forma previamente disciplinada por lei. Apensar disso, os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação. Destaca-se que essa previsão deverá constar no protocolo de intenções, uma vez que a Lei nº 8666/93 exige autorização legislativa para qualquer tipo de alienação de bens públicos imóveis. Vale ressaltar, a retirada ou mesmo a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações por ele já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.   CONCLUSÃO Ao longo do presente trabalho, apresentaram-se os entes públicos sob o parecer que compõe os mais variados setores na área administrativa. Em relação ao consórcio público, verificamos que é um instituto relativamente recente, principalmente no que se refere a sua regulamentação, todavia, observamos que esta nova modalidade de contratação contribui para a continuidade do serviço público em sentido amplo, posto que a resulta na união de força dos entes federativos, dentre eles: são considerados Entes da Federação a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Conforme a redação do Decreto n° 6.017/07 sobre o consórcio público é: “ (…) pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na forma da Lei n° 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos”. Com o consórcio já constituído constata-se a indispensabilidade da criação de uma Assembleia Geral que, conforme o precedente projeto de lei nº 3884/04, é uma assembleia formada apenas pelos Chefes do Poder Executivo dos entes consorciados, que terá dentre outras coisas, elaborar, aprovar e modificar o estatuto que disciplinará as atividades do consórcio, apreciar e aprovar as propostas orçamentárias. Em face do exposto se pode entender que toda e qualquer alteração ou até mesmo a extinção do consórcio dependerá de instrumento aprovado pela Assembleia Geral, o que demostra que esse órgão é a instância máxima em um consórcio público. Vale ressaltar, o instrumento aprovado pela Assembleia Geral que aprova qualquer alteração no estatuto do consórcio público deverá ser ratificado mediante lei por todos os entes consorciados. A extinção do consórcio público também contém a formalidade aplicada às alterações estatutárias, uma vez que o mesmo somente poderá ser extinto por lei de todos os entes consorciados que ratifique o instrumento aprovado na Assembleia Geral que extingue o consórcio. Ainda existe a hipótese da retirada de um ente do consórcio público que dependerá de ato formal de seu representante na Assembleia Geral, na forma previamente disciplinada por lei. Apensar disso, os bens destinados ao consórcio público pelo consorciado que se retira somente serão revertidos ou retrocedidos no caso de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou de alienação. Destaca-se que essa previsão deverá constar no protocolo de intenções, uma vez que a Lei nº 8666/93 exige autorização legislativa para qualquer tipo de alienação de bens públicos imóveis. A retirada ou mesmo a extinção do consórcio público não prejudicará as obrigações por ele já constituídas, inclusive os contratos de programa, cuja extinção dependerá do prévio pagamento das indenizações eventualmente devidas.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/consorcio-publico/
A Repartição de Riscos em Contratos de Parcerias Público-Privadas: Estudo de caso da MG-050
RESUMO: A Parceria Público-Privada (PPP) se consolidou no Brasil como uma alternativa para solucionar a necessidade de investimento público diante de um cenário de limitações orçamentárias do Estado. Além da escassez de recursos públicos como justificativa para o emprego das PPPs, alega-se também uma maior eficiência da iniciativa privada. A legislação então se adequou a conceitos modernos propostos pelas Parcerias. As Parcerias Público-Privadas trouxeram como inovação jurídica a repartição objetiva de riscos entre os parceiros envolvidos, e será objeto de estudo a análise do compartilhamento de riscos no contrato de concessão da rodovia MG-050, de iniciativa do Governo de Minas Gerais.
Direito Administrativo
ABSTRACT: The Public-Private Partnership (PPP) was consolidated in Brazil as an alternative to solve the need for public investment before a scenario of budget constraints state. In addition to the scarcity of public resources as a justification for the use of PPPs, also claims it is greater efficiency of the private sector. The legislation was adapted to modern concepts proposed by the Partnerships. PPPs have brought legal innovation as the objective sharing of risks between the partners involved, and will be object of study the analysis of risk sharing in the concession agreement of the MG-050 highway, initiated by the Government of Minas Gerais. Keywords: Public-private partnership. objective sharing of risks. Risk management in PPPs.   SUMÁRIO: Introdução. 2. As Parcerias Público-Privadas e a Repartição de Riscos. 3. As PPPs no Brasil. 3.1. Riscos nos Contratos. 3.2. Mecanismos de Mitigação de Riscos. 4. A PPP da MG-050. 4.1. O Contrato. 4.1.1. Repartição de Riscos.  4.1.2. Garantias e Seguros. 5. Considerações Finais.   INTRODUÇÃO As parcerias público-privadas (PPPs) foram inovações implementadas em um cenário de baixa capacidade de financiamento público para grandes empreendimentos. Observa-se, ao longo da história, transformações no cenário econômico mundial que reorganizaram a relação entre público e privado. A crise do Welfare State contribuiu para uma ideologia neoliberal, orientada para uma redução do papel do Estado na economia. Assim, diante de uma necessidade de modernização da infraestrutura, os países se viam com dificuldades devido à falta de recursos públicos para execução de grandes projetos. Com a crise dos anos 1990, diante de severas restrições fiscais, o Estado brasileiro se viu obrigado a procurar outras formas de financiamento público para serviços e obras públicas que demandavam aporte significativo de recursos durante longos períodos. Segundo Nobre (2006, pg. 1), “a falência do modelo institucional e de financiamento da infraestrutura, centralizado no Estado, segundo os próprios governantes, foi o principal responsável por esta situação”. O Estado então reduz sua função de prestador, produtor e protecionista, passando a atuar principalmente como agente regulador da atividade econômica Dentro desse contexto, no âmbito do Programa Nacional de Desestatização (PND), foram realizadas privatizações no Brasil com o objetivo de aprimorar a infraestrutura pública por meio de política de investimentos patrocinada pelo setor privado. Logo depois, em 1995, no governo do Fernando Henrique Cardoso, surge a Lei das Concessões (Lei Federal 8.987/95), buscando estimular a participação privada no financiamento da infraestrutura pública. Diante de um cenário com restrição fiscal, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101) agudizou esta situação a partir de 2000. Neste contexto, o termo “parceria público privada” ganha notoriedade ainda no governo FHC. Um dos principais objetivos dessa parceria é viabilizar projetos públicos por meio do financiamento privado, uma vez os recursos públicos, se não estavam esgotados, estavam ao menos reduzidos pelos limites impostos pela restrição fiscal. O contrato de PPP, regido sob lei diferenciada das concessões comuns, se propõe a dinamizar alguns aspectos antes tratados de forma mais genérica. A Lei das PPPs (Lei Federal 11.079/2004) traz como conceito da parceria um contrato administrativo de concessão que pode ser formatado em duas modalidades especiais: a patrocinada ou a administrativa. Na modalidade patrocinada a concessão será de serviços públicos ou de obras públicas envolvendo, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, a contraprestação pecuniária, ou seja, um valor pago pela Administração Pública ao parceiro privado. Na modalidade administrativa o contrato será de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, podendo envolver execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. Assim, na concessão administrativa, todo o serviço é custeado pela contraprestação pecuniária do poder público, sem a cobrança de tarifa dos usuários. Além disso, a lei também inova por meio da repartição objetiva de riscos. No que se refere aos contratos tratados pela Lei 8.987/95, o particular assume a maior parte dos riscos, utilizando-se, na própria lei, a expressão “por conta e risco do concessionário”. Já a Lei 11.079/2004 busca alterar esse aspecto, se propondo a criar ambiente de negócios mais seguro e vantajoso para o aporte de capitais da iniciativa privada ao financiamento de infraestrutura e de serviços públicos. Desta forma, este trabalho tem como base jurídica as parcerias público-privadas instituídas pela Lei 11.079 de 2004 e possui como objeto de análise a concessão da rodovia MG-050 pelo Governo de Minas Gerais, a primeira sob o modelo da referida lei no sistema rodoviário nacional. Busca-se apresentar os riscos inerentes aos contratos administrativos de concessão de parceria público-privada e analisar a repartição objetiva entre as partes contratantes na concessão da rodovia MG-050 pelo Governo de Minas Gerais. No que se refere à metodologia, este trabalho realiza-se através de pesquisa bibliográfica e documental. A primeira classificação ocorre pela pesquisa bibliográfica da literatura: livros, periódicos, artigos e trabalhos acadêmicos com a finalidade de embasar conceitual e teoricamente o trabalho. A pesquisa também é documental, pois foram analisados a legislação sobre o tema de PPP, bem como o projeto e contrato de PPP da rodovia MG-050, a partir do qual se fez um estudo de caso que descreve os riscos inerentes ao novo modelo de gestão adotado. A natureza dos dados é qualitativa, constituindo-se das cláusulas contratuais que abordam os riscos inerentes à obra e à operação da Rodovia.   2 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS E A REPARTIÇÃO DE RISCOS Em sentido amplo, as PPPs abrangem todas as formas de relacionamento contratual entre o Estado e a iniciativa privada, objetivando desenvolver não apenas a infraestrutura, como também prover serviços públicos. Podem ser consideradas como uma relação, de consenso acordo, de compartilhamento de riscos entre o setor público e o privado, visando alcançar um resultado desejado de política pública. Este tipo de concessão não teve seu surgimento de forma repentina. A parceria entre público e privado foi fruto de uma longa evolução do Estado. No Brasil, esta parceria iniciou-se a partir das reformas adotadas pelo governo na busca por maior atratividade para o setor privado em setores carentes de investimentos públicos diante de um momento de restrição orçamentária. Ou seja, buscou-se mecanismos por meio dos quais o ente público, por intermédio de parcerias celebradas com a iniciativa privada, pudesse reestruturar a infraestrutura básica e os serviços prestados a população, objetivando promover ao máximo o bem-estar social. Considerando o direito público e o direito privado tem-se que o oposto ao “público’ seria o ”não-público” ou “privado”. Levando em conta uma prévia diferenciação entre o que pertence ao grupo (coletividade) e o que pertence a cada membro desse grupo, individualmente, tem-se um contraste entre interesses públicos e privados (BOBBIO, 2001, p. 16). Assim, o autor irá afirmar que não se pode ter interesses simultaneamente público e privado: Como se trata de dois termos que no uso descritivo comum passam por ser contraditórios, no sentido de que no universo por ambos delimitado um ente não pode ser simultaneamente público e privado, e sequer nem público nem privado, também o significado valorativo de um tende a ser oposto ao do outro, no sentido de que, quando é atribuído um significado valorativo positivo ao primeiro, o segundo adquire um significado valorativo negativo, e vice-versa (BOBBIO, 2001, p. 20). Contudo, ao longo da história, observam-se constantes transformações políticas, econômicas e sociais que induzem significativas mudanças nos padrões de relação entre o setor público e o setor privado, entre o Estado e a livre iniciativa dos particulares (PEREIRA, 2006). Desta forma, este capítulo busca apresentar um contexto histórico das PPPs bem como os principais pontos das parcerias trazidas pela lei citada dentre outros dispositivos legais e a própria Constituição Federal de 1988. No que se refere aos conceitos de riscos, observam-se algumas definições observadas na literatura. De acordo com o Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis, o vocabulário risco sm (italrischio) significa a possibilidade de perigo, incerto, mas previsível, que ameaça de dano a pessoa ou a coisa. Segundo Jorion (1998, p. 3-4), “risco pode ser definido como a volatilidade de resultados, normalmente relacionada ao valor de ativos ou passivos de interesse”. Nester (2005, p. 178) afirma que o risco “ocorre quando há uma incerteza relevante, isto é, uma incerteza que afeta a esfera de interesse de um determinado sujeito”. Pode ser definido ainda como qualquer fator, evento ou influência que ameace a condução bem-sucedida de um projeto, em termos de prazo, custo ou qualidade (COMISSÃO EUROPÉIA, 2003, p. 53). Já no PMBOK (Ed. 4) o conceito de risco se dá como evento ou condição incerta que ao ocorrer gera efeito em pelo menos um aspecto do projeto – neste caso, considerando como projeto o contrato de PPP. Estes aspectos incluem escopo, cronograma, custo e qualidade Nobrega (2010) caracteriza os riscos por três aspectos fundamentais: o evento, significando a possível ocorrência de algo que possa impactar o investimento; a probabilidade, que significa a chance desse evento ocorrer em determinado período de tempo; e o impacto, que corresponde ao valor financeiro resultando da incidência do risco. As PPPs envolvem uma grande quantidade de riscos que podem ser minimizados e transferidos. Todavia, essas parcerias não são instrumentos capazes de extinguir os riscos, mas sim mecanismos adequados para mensurá-los e minimizá-los. Como já dito, os riscos em contratos de PPP variam de acordo com a natureza do projeto e dos bens e serviços envolvidos. Todavia, certos riscos são comuns a vários projetos de PPP. Assim, em contratos desta modalidade, diversos são os riscos possíveis e freqüentes. Nos projetos de infraestrutura, existem riscos mais contundentes em específicas fases do projeto, podendo considerá-las em três grandes etapas, de acordo com Nobrega (2010): (i) a fase de elaboração do projeto e da construção, muito arriscada devido aos elevados custos financeiros envolvidos e o tempo necessário para o inicio do funcionamento do projeto; (ii) a fase de inicio do funcionamento (start-up), subtendendo-se que todos os equipamentos estão testados e os insumos e matérias primas já encomendados. O risco é observado nos pagamentos finais a contratantes e fornecedores dos equipamentos e insumos e; (iii) a fase de operação, em que se espera estabilização do fluxo de caixa, reduzindo os fatores de risco. Segundo classificação proposta pelo autor Bing et al. (2005, p. 27) os projetos de PPP possuem três níveis de risco: macro, meso e micro. No nível macro observam-se riscos exógenos ao projeto, geralmente associados às condições políticas, econômicas, sociais e ambientais que afetam o projeto. O segundo nível, meso, consiste nos riscos cuja origem e conseqüências são restritas aos limites do projeto, sendo, portanto, endógenos ao sistema. De acordo com os autores, nesse nível abarca o problema de implementação das PPP e envolve questões relacionadas à demanda, localização, construção e design. Por fim, o nível micro corresponde aos riscos encontrados no relacionamento entre as partes no processo de licitação. Esses riscos também são endógenos, mas diferem do nível meso, devido à maior importância das características das partes envolvidas e não das características do projeto – como observado no segundo nível. No quadro abaixo, observam-se as principais fontes e fatores de riscos encontrados em projetos de PPP de acordo com autor citado: Quadro: Matriz Categorizada de Fatores de Riscos em Projetos de PPPs Fonte: Franco e Pamplona, 2007, p.28 – adaptado As três primeiras categorias de riscos em nível macro podem ser incluídas como exemplos da álea[1] econômica e de fato do príncipe[2]. Os chamados riscos políticos, relacionado ao risco do país ou soberano, se manifestam devido ao longo prazo de um contrato de PPP e as constantes mudanças políticas durante sua execução, expondo esses contratos às inúmeras incertezas políticas. Assim, nesta categoria, identificam-se os riscos de expropriação ou nacionalização de ativos, ou seja, a possibilidade de o governo anfitrião nacionalizar os ativos de uma empresa de forma arbitrária, sem a devida compensação monetária. Na categoria macroeconômica, observa-se que seus fatores incluem riscos corriqueiros e inerentes, presentes em qualquer empreendimento de ocorrências da própria flutuação de mercado. E por último, a edição de leis, que altere direitos e obrigações dos agentes públicos e privados. Sobre as duas últimas categorias de risco, pode-se entender que os eventos de força maior ocorrem por desenvolvimento de forças naturais, estranhas à ação do homem. Diz respeito à ideia da imprevisibilidade, como incêndios, inundações etc. Já eventos de caso fortuito seriam todas as ações humanas que, embora previsíveis, podem ser evitadas, nem em si mesmas nem as suas consequências danosas. Refere-se à ideia da inevitabilidade, como guerra, greve etc (FRANCO E PAMPLONA, 2007). Em nível meso, tem-se em primeiro lugar, o risco de localização ou terra, relacionado aos riscos do local selecionado para a execução da obra, tanto pelas questões geológicas quanto pelas negociações de terras indígenas, descobertas arqueológicas e disponibilidade de aquisição da terra. Inclui também falhas do sistema burocrático responsável pela emissão da licença (ou autorização). Os riscos de design, construção e operação correspondem à possibilidade de elevação dos custos, atrasos ou outros imprevistos para prestação do serviço. Na fase de construção, como exemplo de defeito latente, tem-se a ineficiência da mão de obra. Relacionados à fase de operação, observa-se que deficiências ocorridas durante a elaboração do design podem afetar essa fase. Os riscos de mercado são resultantes de variações inesperadas na demanda causando queda na receita. Já o risco residual é relacionado principalmente ao valor e condições que estes possuirão no final do contrato, quando forem devolvidos ao governo. O risco de default está ligado principalmente à incapacidade do concessionário, ou da SPE (Sociedade de Propósito Específico), de cumprir suas obrigações contratuais (FRANCO E PAMPLONA, 2007). Finalizando pelo nível micro, observado no relacionamento entre as partes no inicio do processo, este inclui a inexperiência em contratos de PPP, ocasionando uma ineficiente distribuição de autoridade e responsabilidade e falta de compromisso de ambas as partes (FRANCO E PAMPLONA, 2007). Assim, basicamente Bing et al. (2005) elencam os riscos considerados comuns nas repartições de riscos para as partes em muitos contratos de PPP. De forma próxima às categorias elencadas acima, observam-se as classificações descritas no Public-Private Partnerships Reference Guide (Version 1.0, tradução nossa), considerando os riscos de: Observa-se então que a alocação objetiva de riscos de forma adequada é um dos principais meios de uma PPP atingir a eficiência pretendida. No Reino Unido, estima-se que 60% dos benefícios gerados pelas Parcerias Público Privadas, em comparação a contratos de concessões tradicionais, foram obtidos devido à adequada partição de riscos realizada nos contratos (PINTO, 2006).   3 AS PPPs NO BRASIL Diante de um quadro com baixa capacidade de financiamento para prestação de serviços públicos e obras de infraestrutura, a parceria entre Estado e privado passou a ganhar ênfase, principalmente a partir do programa de Reforma do Estado, que começou a ser desenvolvido no Brasil do início da década de 90. Desta forma, na última década do século XX, as principais características do Estado de prestador, produtor, interventor e protecionista são enfraquecidas, passando este a atuar principalmente como agente regulador da atividade econômica. Com isso, é essencial referenciar as privatizações, que foram alicerces importantes desse novo momento neoliberal que marcava a conjuntura brasileira (SOUZA, 2014). Segundo Carvalho (2001, apud SAVI e SAVI, 2006), três fases marcaram o processo brasileiro de privatização. A primeira fase, de reprivatização, nos anos 1980, sendo o objeto as empresas que tinham pertencido ao setor privado e foram posteriormente incorporadas à carteira do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES. A segunda, nos anos 1990, com o lançamento do Programa Nacional de Desenvolvimento (PND), instituído pela Lei Federal 8.031, de1990, como um dos objetivos centrais “reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público” (BRASIL, 1990). Este programa estava inserido num contexto neoliberal visando racionalização de recursos e redução do papel do Estado e transferindo a atuação nos setores de indústria, infraestrutura e serviços ao setor privado. E, por último, no governo Fernando Henrique Cardoso, a aprovação da Lei das Concessões (Lei Federal 8.987/95), que regulamentou o regime geral de concessão e permissão de serviços públicos, previsto no art. 175 da Constituição Federal, com função de estimular a participação privada no financiamento da infraestrutura pública. Apesar das legislações que regiam outras formas de parceria entre o setor público e o privado, como a Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989, que estabelece competência do Estado para explorar diretamente ou mediante concessão os serviços locais de gás canalizado, os serviços de transporte ferroviário e aquaviário, que não transponham os limites do seu território, e o rodoviário estadual de passageiros, a Lei de Licitações e contratos (Lei Federal 8.666/1993) e os mecanismos de concessão de serviços públicos, dispostos na Lei Geral de Concessões (Lei Federal 8.987/95), foi necessária uma lei nacional, como um complemento à Lei Geral de Concessões, para tratar do tema Parcerias Público-Privadas. A Lei 11.079/2004 instituiu normas gerais para licitação e contratação de parcerias público-privadas no âmbito dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e trouxe, em seu art. 2º, que a parceria público-privada é um contrato administrativo de concessão e que se subdivide em duas modalidades: a modalidade patrocinada e a modalidade administrativa. Este artigo define como concessão patrocinada “a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, a contraprestação pecuniária (CP) do parceiro público ao parceiro privado”. No mesmo artigo a concessão administrativa foi definida como o “contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Dessa maneira, na concessão administrativa todo o serviço é custeado pela CP do poder público, sem a cobrança de tarifa dos usuários, já concessão patrocinada refere-se à concessão de serviços públicos ou obras públicas que envolvam, além de tarifas dos usuários, CP do parceiro público ao parceiro privado. Observa-se que, ao final das contas, a remuneração do agente privado em empreendimentos de utilidade pública será sempre desembolsada pelo cidadão, independentemente do modelo adotado: seja diretamente, como consumidor, via tarifa, seja indiretamente, como contribuinte, via tributos, repassados na forma de contraprestação pecuniária. Assim, tem-se que as concessões tradicionais são viáveis diante de projetos economicamente exeqüíveis, auto-sustentáveis do ponto de vista financeiro. Todavia, observam-se projetos de infraestrutura essenciais aos interesses sociais que demandam o aporte de recursos fiscais para sua implementação, ou seja, uma contraprestação da Administração Pública que complemente o montante arrecadado com a tarifa cobrada dos usuários. Isso ocorre quando a prestação de serviços ou a construção de obras de infraestrutura não for atraente (lucrativa) para os agentes privados, devido à limitação dos ganhos passíveis de serem auferidos ou ao elevado nível dos riscos inerentes ao empreendimento. Em outras palavras, se firmados pelo modelo de concessão comum, estes projetos se mostram pouco atrativos para o empresariado, tendo em vista o baixo retorno financeiro bem como à ausência de compartilhamento de riscos. Então, nesses casos, têm lugar as parcerias público-privadas (PEREIRA, 2006). Com isso, os contratos de PPP possibilitaram atração do ente privado para os empreendimentos considerados não rentáveis, complementando as tarifas arrecadadas pelo particular com a contraprestação. A isto se soma o compartilhamento de riscos, envolvem a criação do Fundo Garantidor das PPP[3] (FGP), que garante as obrigações da União nas parcerias público-privadas, e a remuneração baseada no desempenho do parceiro privado (HERNÁNDEZ, 2013). A Lei das PPPs veda a execução de contratos cujo investimento não chegue a R$ 20 milhões e quando o prazo for inferior a 5 anos ou superior a 35 anos, incluída eventual prorrogação. Ou seja, considera-se que tais contratos compreendem um valor extremamente relevante e que necessitam de longo prazo para serem executados. Ademais, a lei proíbe contratos de PPP quando o objeto único for a execução de obra pública, assim como veda o fornecimento de mão-de-obra e de instalações e equipamentos de forma isolada. De acordo com a Lei 11.079/2004: Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. (…) III: que tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública. Mello (2010) afirma que os contratos de PPPs se fazem em um regime diferenciado e muito mais vantajoso para o ente privado se comparado ao regime geral de contratos. Todavia, observa-se que o surgimento desta parceria foi resultado de uma transformação do próprio Estado, que diante de uma crescente demanda de serviços e infraestrutura, se viu forçado a encontrar novos mecanismos de financiamento para atender a sociedade. Desta forma, existem dois principais argumentos que justificam a adoção dessa modalidade de concessão em países em desenvolvimento como o Brasil: a falta ou insuficiência de recursos financeiros e a eficiência da gestão no setor privado. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 405). Se tratando do primeiro argumento, referente aos recursos financeiros do Estado, observa-se no artigo 27 da Lei 11.079/04: As operações de crédito efetuadas por empresas públicas ou sociedades de economia mista controladas pela União não poderão exceder a 70% (setenta por cento) do total das fontes de recursos financeiros da sociedade de propósito específico, sendo que para as áreas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde o Índice de Desenvolvimento Humano – IDH seja inferior à média nacional, essa participação não poderá exceder a 80% (oitenta por cento). Com isso, diante da justificativa de realizar parcerias com setor privado devido a restrições de recursos financeiros, Peci e Sobral (2007) consideram o teto para financiamento como sendo muito alto. O segundo argumento refere-se a construção de um discurso privatista, com a ideia de que o setor privado é mais eficiente que o setor público: Pressupõe-se que as empresas serão mais eficientes se controladas pelo mercado e administradas privadamente. Daí deriva o princípio da subsidiariedade: só deve ser estatal a atividade que não puder ser controlada pelo mercado. (BRESSER- PEREIRA, 1996, p.20) Assim, ainda que considerem um maior value for money na prestação de bens e serviços pela iniciativa privada, ainda não existe nem na concepção do modelo brasileiro, nem nos debates públicos, evidências cientificas que corroboram esta afirmativa. Desta forma, as inovações mais relevantes introduzidas pela Lei 11.079/2004 foram a previsão da possibilidade de prazos contratuais mais longos, podendo alcançar até 35 anos; a repartição objetiva de riscos entre Poder Público e o concessionário; a previsão de um amplo rol de garantias que podem ser oferecidas à concessionária, incluindo a criação de um Fundo Garantidor com regime jurídico de direito privado e patrimônio desvinculado dos entes públicos que o constituíram; e a remuneração vinculada ao desempenho. Belsito e Viana (2013) destacam que parte dessas inovações é orientada para reduzir o valor da contraprestação.   3.1   Riscos nos Contratos A mutabilidade do contrato é característica dos contratos administrativos, isto é, há a possibilidade de terem suas condições contratuais originais modificados. Estas alterações podem resultar de fatos ou eventos considerados de riscos, ou áleas, verificadas ao longo da execução do contrato. De acordo com a previsibilidade das áleas, tem-se tradicionalmente duas classificações: as áleas ordinárias e as extraordinárias. De acordo com Di Pietro (2012), a álea ordinária, ou empresarial, inclui riscos corriqueiros e inerentes a um empreendimento, presentes em qualquer empreendimento pela própria flutuação de mercado. Sendo este risco previsível, tem-se, como responsável, o particular. Já na álea extraordinária, sua natureza pode ser administrativa ou econômica. A álea extraordinária administrativa subdivide-se em três modalidades: (i) alteração unilateral do contrato administrativo, priorizando o interesse público, cabendo à Administração a responsabilidade do reequilíbrio econômico-financeiro, caso necessário; (ii) fato do príncipe, sendo toda intervenção estatal de caráter geral, imprevisível, que reflita indiretamente no contrato; o ente público também responde pelo reequilíbrio econômico-financeiro; (iii) fato da Administração, sendo toda ação ou omissão da Administração contratante que atrase ou impossibilite a continuidade da execução do contrato. E, por último, a álea econômica, que corresponde a um fato ou evento externo ao contrato, que onere excessivamente o objeto; em regra o poder público responde também por esse risco. Devido às situações descritas, há a chamada teoria da imprevisão, em que é permitida a revisão dos contratos administrativos devido às circunstâncias imprevistas. De acordo com Meirelles (1995, pg. 212): A teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes e a elas não imputáveis, refletindo sobre a economia ou a execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajustá-los às circunstâncias supervenientes. Nos contratos administrativos em geral, tem-se que o parceiro particular assume os riscos esperados e previsíveis, que seriam os ordinários, enquanto o poder público assumiria os riscos inesperados e imprevisíveis, englobados pela álea extraordinária. Todavia, contratações por meio de PPPs possuem algumas particularidades que as diferem de concessões comuns. Como dito anteriormente, a Lei 11.079 descreve os dois conceitos das modalidades de contratação de PPPs sendo as concessões patrocinadas as concessões de serviços públicos em que o governo realiza algum tipo de contraprestação, adicionalmente à tarifa cobrada, conjugando, então, como forma de remuneração ao ente privado, a tarifa paga pelos usuários a uma contraprestação pecuniária paga pelo Poder Público. Já nas concessões administrativas, o governo arca integralmente com o pagamento do serviço. Diz-se que a Administração Pública figura como usuária direta ou indireta. Assim, o parceiro privado é remunerado pelo ente público por meio de contraprestação pecuniária, não o impedindo de receber recursos de fontes acessórias, complementárias ou alternativas (FRANÇA, 2011). Além da contraprestação financeira do ente público, outra característica inovadora trazida pela Lei 11.079/04 que distingue as Parcerias Público-Privadas das concessões convencionais é a repartição objetiva de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária[4]. O termo “inclusive”, neste caso, informa que os riscos enumerados não são os únicos, somando-se a outros. Cretella Neto (2005, p.46) esclarece que “por repartição objetiva deve-se entender a existência de uma ou mais cláusulas que levem em conta as possíveis incertezas do negócio, dividindo os riscos por meio de uma fórmula de rateio” (ou matriz de risco). Perez (2006) acredita que os riscos da concessão devem ser divididos entre as partes em função das circunstâncias específicas de cada contratação e não de forma genérica e indistinta, como se concebe com base na teoria das áleas ordinária e extraordinária. Com isso, a repartição eficiente dos riscos, incluindo os extraordinários, é questão inovadora trazida pela Lei 11.079/04 quando se comparado as formas tradicionais de parcerias. Embasando essa transferência de risco entre setor público e setor privado, tem-se um cálculo de custo-benefício que é feito por ambas as partes, baseado na máxima de que os riscos devem ser assumidos pela parte que detém maior capacidade de gerenciá-los. Irwin et. al. (1997) reconhecem que existem dois fatores que determinam a alocação do risco: o grau em que o agente pode influenciar ou controlar o resultado sujeito a riscos; e a capacidade do agente em suportar o risco com menor custo. Na prática, essa repartição de riscos é feita em cada contrato exigindo que seja prevista como cláusula essencial, assim respeitando a regra de alocação de risco ao agente mais apto a gerenciá-lo. Ou seja, o administrador público deve, em cada licitação, publicar a minuta do contrato de PPP, incluindo a repartição de riscos. Cabe aos licitantes, então, formular uma proposta técnica e financeira compatível com essa alocação de riscos. Consequentemente, quanto maiores os riscos assumidos pelo particular, mais onerosas tendem a ser para a Administração as propostas encaminhadas. Desta maneira, quanto mais clara e precisa a repartição dos riscos envolvidos no projeto, mais adequado o preço que o parceiro privado poderá propor, devido às reduzidas dúvidas sobre quem arcará com o ônus de cada risco. Embora a repartição de riscos seja determinada pela administração pública antes da licitação, o contrato celebrado entre as partes reflete um consenso entre parceiro público e parceiro privado, embasando o preço cobrado pelos serviços. Assim, a assunção de determinado risco pelo parceiro mais capacitado em absorvê-lo a um custo menor, implicará na redução de possíveis danos subjacentes além de aplicar melhor os recursos públicos em atendimento aos interesses da sociedade. Todavia, um contrato pouco claro e objetivo coloca o Estado à mercê de comportamentos oportunistas do parceiro privado. Por isso, é indispensável uma alocação eficiente de riscos, que pode gerar ganhos para todas as partes. Devido a longa duração dos contratos de PPPs (5 à 35 anos) é inviável prever contratualmente todos os riscos que possam vir a ocorrer durante o seu curso. Porém, é essa alocação adequada e razoável dos riscos que garantirá a regular execução do objeto contratado. Souza (2014) expõe a idéia de que o que se observa então é que, em contrato de parceria público-privada, a concepção de risco do âmbito empresarial, justificativa liberal ao lucro capitalista, se enfraquece pela ideia de compartilhamento de riscos com o setor público, o qual passa a se preocupar especialmente com o lucro de seu parceiro privado, visando a “atratividade” do negócio, dividindo riscos que nem mesmo são de sua alçada, como, por exemplo, o fluxo de veículos – que será comentado mais adiante. O objeto do contrato de PPPs é determinante na alocação dos riscos entre os parceiros. Assim, Neto (2005, p. 7) diz que “cada parceria, consoante seu objeto específico e seu arranjo de viabilidade, haverá de ter uma delimitação específica. Segue daí que o verdadeiro regime de parcerias não estará na lei e sim no contrato que lhe dá forma”.   3.2   Mecanismos de Mitigação de Riscos Os mecanismos de mitigação de riscos previstos na Lei 11.079/04 tem como objetivo atrair a iniciativa privada ao empreendimento na medida em que oferecem maior credibilidade ao Poder Público. Basicamente, estas garantias são de natureza econômico-financeira, uma vez que buscam assegurar ao setor privado segurança de que haverá disponibilidade de recursos públicos para seu pagamento. Vale pontuar que a legislação possui algumas limitações impostas às parcerias. No que se refere ao artigo 28 da lei, que limita os recursos federais a serem repassados aos outros entes para investimentos em PPPs, é importante considerar as alterações já sofridas neste limite. A primeira modificação no art. 28, caput, da Lei de PPP foi efetuada pela Lei 12.024, de 27 de agosto de 2009, que veiculou o aumentou o limite permitido de despesas dos entes públicos em pagamentos de contratos de PPP, de 1% para 3% da Receita Corrente Líquida (RLC)[5]. Já em agosto de 2012 foi editada a Medida Provisória (MP) 575 (posteriormente convertida na Lei 12.766/2012), que, entre outras inovações, majorou para 5% o limite de comprometimento da RCL de estados, municípios e DF com projetos de PPP. Este artigo limita transferências ou garantias da União aos Estados ou Municípios caso a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas por esses entes tiver excedido, no ano anterior, a 5% (cinco por cento) da receita corrente líquida do exercício ou se as despesas anuais dos contratos vigentes nos 10 (dez) anos subsequentes excederem a 5% (cinco por cento) da RLC projetada para os respectivos exercícios. Ainda que este limite tenha sofrido aumentos, a contratação de uma PPP deve levar em consideração não somente as informações sobre a receita atual, mas também as projeções futuras da RLC, uma vez que ao firmar um contrato nesta modalidade, firma-se também uma despesa fixa que perdurará por até 35 anos. A limitação trazida por este artigo foi criada com o objetivo de evitar que as PPPs fossem utilizadas como instrumento de ocultação de endividamento entre os entes contratantes (BELSITO E VIANA, 2013). O art. 8º da lei dispõe de garantias gerais, para os parceiros público e privado e também para os agentes financiadores: Art. 8º As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante: I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei. No que se refere à vinculação de receitas, vale mencionar que não é qualquer receita pública que poderá ser vinculada para a finalidade específica de garantir as obrigações da Administração Pública em contratos de PPPs. Deve-se considerar as exceções impostas pelo art. 167, inciso IV da Constituição Federal. Como citado por Neto e Shirato (2011, apud RIBEIRO e PRADO, 2007), a vinculação não seria uma forma de garantia, mas sim, uma indicação de que uma fonte específica de receitas (corrente ou de capital) será empregada para o pagamento das contraprestações, oferecendo maior certeza à efetiva realização do pagamento. Outro ponto considerado por Neto e Shirato (2011) é que a vinculação de receitas pode estar sujeita a riscos políticos, uma vez que é possível, ao longo do período contratual, a Administração Pública extinguir a vinculação existente no orçamento público, com a finalidade de ampliar as receitas disponíveis para outros investimentos. O Fundo Garantidor das PPPs (FGP) é, de fato, uma tentativa de garantia por parte do setor público ao parceiro privado. Ele busca garantir o pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das PPPs. Como previsto no art. 16 da Lei 11.079, o FGP foi instituído como um fundo de natureza privada e patrimônio próprio (isto é, separado do patrimônio dos seus cotistas), tendo um limite de R$6 bilhões, podendo dele  participar a União, suas autarquias e fundações públicas. A natureza privada do fundo faz com que, em tese, este não seja sujeito a contingenciamentos e limitações da administração pública (NUNES; BATISTA; OLIVEIRA, 2005). Observa-se, desta forma, que este Fundo, juntamente às demais modalidades de garantias estabelecidas pelo artigo 8º da Lei 11.079/2004 – como a celebração de contrato de seguro com cobertura própria para o período contratual e garantia por instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público – se dão como meios de superar os problemas advindos da cobrança de obrigações pecuniárias assumidas pelo Estado, com o objetivo de mitigar ao máximo os riscos financeiros do agente privado e, dessa forma, atrair o interesse privado à celebração dos contratos com o Poder Público (HARADA, 2006).  Deve-se considerar, também, o art. 9º da Lei de PPPs, que impõe a estruturação de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), podendo ter a conformação tanto de sociedade limitada como de sociedade anônima, com traço comum de não pertencer ao Poder Público.  A SPE é constituída com único intuído de explorar o empreendimento de PPP. Seria uma garantia ao parceiro público como forma de isolar o empreendimento dos riscos associados à outras atividades do parceiro privado. Outro fato importante como mecanismo mitigador de riscos e fator de atratividade do setor privado neste tipo de contrato é que a Lei 11.079 faculta, expressamente, o emprego da arbitragem como meio de resolução de disputas entre parceiro público e parceiro privado. Este meio alternativo para solucionar disputas entre pessoas jurídicas de direito privado e entes público foi inaugurado em 23 de setembro de 1996, pela Lei Federal 9.307, que dispõe sobre a arbitragem. A citada lei preceitua, em seu artigo 1º que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Assim, trata-se de uma alternativa para as partes, em comum acordo, como uma solução de conflitos para determinados litígios. Neste método, as partes sujeitam-se à sentença prolatada pelo árbitro como juiz privado. O árbitro, juiz que é de fato e de direito[6], exerce a jurisdição em sentido amplo, como instrumento privado de pacificação social, dirimindo conflitos de natureza patrimonial disponíveis. Assim, Júnior (1999) afirma que, a partir do juízo arbitral, a morosidade do sistema judicial estatal se vê resolvida pela arbitragem. Já Mello (2010) acredita que, por se tratar de interesses públicos, este quadro conflitivo entre as partes deveria ser solucionado pelo Poder Judiciário. As PPPs surgem, como já mencionado, como uma tentativa do Estado e ente privado de repartirem os custos de obras de infraestrutura e provisão de serviços públicos de forma a viabilizar o investimento. Da perspectiva do Estado, o que se coloca é uma restrição orçamentária agudizada desde o ano 2000[7] com severas restrições ao gasto público em busca do equilíbrio fiscal, comprometendo seus investimentos, e, ao ente privado, um retorno suficiente para cobrir todos os seus gastos, proporcionando desinteresse uma vez que o principal objetivo do âmbito privado é o lucro.  Diante deste quadro, é razoável haver uma ampliação do leque de opções remuneratórias, visando a um investimento mais adequado às condições governamentais: Art. 6, § 1o  O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato (BRASIL, 2004). No que se refere ao princípio do equilíbrio econômico-financeiro, de acordo com Neto (2005) este nada mais é do que uma solução jurídica para alocação dos riscos inerentes ao contrato administrativo. Neste caso, adotam-se medidas necessárias para reduzir os prejuízos econômicos causados ao contratado devido a alguma modificação imputável ao ente público. Otero (1996, p.28) vai afirmar que este equilíbrio emerge como “o preço que a Administração tem que pagar por derrogar, dentro dos limites da lei – pois caso contrário havia responsabilidade contratual – o principio da estabilidade dos contratos”. Além disso, Périco e Rebelatto (2005) apontam que a ausência de delimitações claras das funções da iniciativa privada e da Administração Pública nos contratos de PPPs faz com que a margem de atuação do parceiro privado seja muito ampla, permitindo delegar-lhe quase todas as funções do Estado (exceto as de regulação, jurisdicional e exercício do poder de polícia). Esse grau de abrangência abre possibilidades para que seja transferida ao setor privado a tomada de decisões importantes de cunho governamental, o que adquire maior relevância “na ausência de um sistema de planejamento governamental capaz de sinalizar seus objetivos e as prioridades de alocação de recursos no médio e longo prazos” (PÉRICO; REBELATTO, 2005, p. 1040). Desta forma, é necessário que os contratos de PPPs tenham, de forma clara e expressa, as atribuições de cada parceiro, elencando encargos, competências e limites de atuação da iniciativa privada em nome do Estado, de forma a evitar casos de possíveis “divergências sobre a divisão de responsabilidades” (SILVA, 2009, p.15). Nesta linha de raciocínio, tem-se a repartição objetiva de riscos, que irá propor uma divisão clara dos riscos contratuais para cada ente.   4 A PPP DA MG-050 A concessão da rodovia MG-050 pelo Governo de Minas Gerais teve o seu edital do projeto – SETOP 70/2006 – lançado em 2006, sob a modalidade concorrência pública do tipo menor contraprestação pecuniária, em que o vencedor seria a empresa que demandasse menor contraprestação pecuniária, dadas as tarifas iniciais, as praças de pedágio, a projeção do fluxo de veículos ao longo dos anos, as taxas de reajuste dos valores contratuais e de remuneração do capital. A rodovia foi concedida à iniciativa privada em junho de 2007, tendo como objetivo a sua recuperação, ampliação e manutenção. O trecho entre Juatuba e São Sebastião do Paraíso, de extensão de 371,35 km, concedido ao particular, compõe um importante corredor de integração do Sudeste Mineiro com o estado de São Paulo. Engloba ainda trechos da BR-265 e BR-491, passando por uma região que responde por 7,7% do PIB estadual. O contrato impôs como pré-condição para sua celebração a constituição, pela Concessionária, de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE). Atualmente é administrado pela empresa concessionária Nascentes das Gerais. O Projeto PPPMG-050 foi estruturado na modalidade de Concessão Patrocinada com prazo de 25 anos, sendo previsto o comprometimento do Estado de Minas Gerais com um repasse de contraprestação pecuniária mensal à Concessionária, adicional à cobrança de pedágio dos usuários. Assim, a receita do projeto se dá por duas frentes. A primeira sendo a cobrança de tarifas dos usuários da rodovia (pedágio). Esta receita sofre significativa influência pelo volume de tráfego, fuga e impedância e pelo valor tarifário. O trecho contempla 6 praças de pedágio cuja tarifa no início da cobrança de pedágio em junho de 2008 era de R$ 3,00 por eixo. Somando-se à cobrança de pedágio aos usuários, o projeto prevê a contraprestação pública, cabendo ao Poder Concedente (DER/MG)[8] o pagamento de contraprestação adicional à receita advinda da tarifa de pedágio. No contrato, foi estipulado que a contraprestação pecuniária deve ser de valor proporcional ao desempenho da concessionária, conforme indicado pela nota do quadro de indicadores de desempenho (QID). Os indicadores de desempenho estão divididos em quatro áreas, sendo que a cada área atribuiu-se um peso para o cálculo da nota do QID final. São elas a área operacional (70%), sendo os serviços relacionados à engenharia, estado do pavimento, sinalização, segurança de tráfego, atendimento ao usuário e fluxo de veículos; a ambiental (10%), incluindo serviços relacionados às políticas de preservação e fomento ao meio ambiente como controle de poluição, trânsito de cargas perigosas, ruídos, desmatamento e prevenção de acidentes ambientais; a social (10%), que se refere aos serviços relacionados à operação quanto ao tratamento dispensado aos usuários e habitantes ao longo do sistema existente; e a financeira (10%), abrangendo gerenciamento de custos, otimização de investimentos, endividamento e adoção de práticas contábeis transparentes.   4.1              O Contrato A Parceria Público Privada da Rodovia MG-050 teve seu contrato de concessão patrocinada assinado em 21 de julho de 2007. Este contrato foi firmado entre o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais – DER/MG, autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Transporte e Obras Públicas – SETOP e a Concessionária da Rodovia MG-050 atualmente administrado pela empresa com SPE denominada Concessionária Nascentes das Gerais. A licitação realizada se deu na modalidade de concorrência do tipo “menor contraprestação pecuniária”, nos termos do Edital SETOP n. 070/06. Diante das condições propostas, a empresa vencedora – Equipav S.A – estipulou a CP em R$ 658.333,33 mensais. O valor total contratual foi de aproximadamente R$ 2,2 bilhões, na data base de dezembro de 2005, considerando o valor da projeção das receitas provenientes da cobrança da tarifa de pedágio e do recebimento da contraprestação pecuniária pela concessionária, durante o prazo de concessão. Como principais condições contratuais tem-se 6 praças de pedágio, tarifa inicial de R$ 3,00 por eixo, projeção de tráfego elaborada pelo Departamento de Estadas de Rodagem de Minas Gerais (DER/MG), taxas de reajustes calculadas com base na variação do IPCA[9] e Taxa Interna de Retorno – TIR – (Remuneração do Capital) estipulada em 12%. O contrato previa a recuperação, modernização, a ampliação, aumento da capacidade, melhoria da segurança para os usuários e a manutenção de cerca de 372 km da rodovia até 2032. De acordo com o contrato, os investimentos previstos eram da ordem de R$ 312 milhões nos cinco primeiros anos e, ao longo do prazo contratual, de 25 anos, a concessionária deveria investir R$ 712 milhões, em valores referentes ao índice do IPCA de mesma data base. Além do regime de cobrança de pedágio aos usuários da rodovia, a concessionária recebe também contraprestação adicional à tarifa. Atualmente, a contraprestação corresponde a R$ 954.349,00, pago mensalmente e que varia de acordo com o desempenho da concessionária de acordo com a nota do Quadro de Indicadores de Desempenho (QID). A nota do QID, cuja periodicidade de aferição é mensal, condiciona o valor a ser pago de CP pelo poder concedente à concessionária, proporcionalmente à nota obtida. Assim, esse valor pago complementa as receitas necessárias para a prestação do serviço aos usuários da rodovia, atendendo às condições operacionais mínimas da rodovia, às intervenções obrigatórias e às atividades de operação da rodovia e de sua conservação. O pagamento público (adicional à tarifa) foi desenhado para garantir o alinhamento dos incentivos no contrato e, de acordo com o estabelecido, o pagamento inicia-se a partir do 13º mês a contar da data da transferência de controle, após a entrada em operação da infraestrutura e considerando outras pré-condições definidas no item 35.4 do contrato. Os indicadores de desempenho avaliam o nível de atendimento a rígidos padrões de qualidade dos serviços e dividem-se em: indicadores operacionais, representando 70% da contraprestação pecuniária, levando em consideração a responsabilidade operacional referentes aos serviços relacionados à operação da concessão patrocinada quanto aos serviços de engenharia, estado do pavimento, sinalização, segurança do tráfego, atendimento ao usuário e fluxo de veículos; indicadores ambientais, que representam 10% da contraprestação pecuniária, sendo a responsabilidade ambiental de serviços relacionados à operação da concessão patrocinada quanto às políticas de preservação e fomento ao meio ambiente, por meio de medidas como o controle da poluição, trânsito de cargas perigosas, ruídos, desmatamento e prevenção de acidentes ambientais; indicadores financeiros, também sendo 10% da contraprestação pecuniária, que trata dos serviços relacionados à operação da concessão patrocinada quanto ao gerenciamento de custos, otimização de investimentos, endividamento e adoção de práticas contábeis transparentes; e por fim, os indicadores sociais compondo os 10% restantes da contraprestação pecuniária, que referem-se aos serviços relacionados à operação da concessão patrocinada quanto ao tratamento dispensado aos usuários e habitantes ao longo do sistema existente. Todos os valores estipulados em contrato são reajustados tendo por base o IPCA. O valor da tarifa cobrada dos usuários, bem como da contraprestação pecuniária paga pelo governo estadual, são anualmente reajustados. Já as multas administrativas são mensalmente reajustas tendo por base o mesmo índice. A garantia para o cumprimento das obrigações assumidas pela SETOP no Contrato é prestada pela CODEMIG[10]. De acordo com Durán (et al. 2007) considerando-se as limitações intrínsecas no Fundo de Parcerias Público-Privadas de Minas Gerais – como a impenhorabilidade e a inalienabilidade dos bens e recursos nele alocados – e a potencial ineficácia para o atendimento das funções originalmente pensadas, buscou-se um arranjo de garantias específico, tendo a escolha recaída sobre os royalties da CODEMIG. As obrigações da CODEMIG incidirão sobre parcela dos direitos à participação nos lucros líquidos decorrentes da venda de produtos derivados do beneficiamento e industrialização de minérios pela Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração – CBMM, emergentes de sociedade em conta de participação constituída pela CODEMIG e pela CBMM. A parcela objeto da garantia estará limitada ao valor correspondente à Contraprestação Pecuniária mensal devida pela SETOP à Concessionária. A garantia vigorará durante todo o período contratual.   4.1.1        Repartição de Riscos Como já observado, a repartição de riscos é um forte diferencial em contratos de PPP. Essa divisão de riscos é atrativa ao parceiro privado, uma vez que garante, de certa forma, a realização de seus lucros, e ao parceiro público, com determinadas condições que garantem que a concessionária irá prestar serviços de boa qualidade. O contrato pouco se alterou quando comparado ao estudo de análise de riscos realizado pela KPMG. No que se refere ao pagamento contraprestativo, tem-se a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG) como garantidora do pagamento, caso o ente público não o honre. Desta forma, esta garantia busca superar os problemas advindos da cobrança de obrigações pecuniárias assumidas pelo Estado, com o objetivo de mitigar ao máximo os riscos do agente privado e, com isso, atrair o interesse privado à celebração dos contratos com o Poder Público (HARADA, 2006). No que se refere aos riscos transferidos ao Parceiro Privado, estes englobam, além de todos os riscos atinentes ao financiamento, como risco de câmbio e taxa de juros, os riscos de elaboração, execução e correção do projeto, bem como as investigações, os levantamentos e estudos, além de elaboração e atualização os projetos de engenharia relativos estudos e projetos de as obras e a operação do objeto. Além disso, no Anexo IV (Diretrizes para Apresentação da Metodologia de Execução) do edital são indicados as condições para o plano de negócios da rodovia, bem como as condições operacionais mínimas da mesma. Assim, no citado anexo, observa-se o que cabe à concessionária de forma discriminada, englobando as atividades e serviços que deverão ser oferecidas, bem como seus prazos. Cabe também ao privado a obtenção de todas as licenças e autorizações necessárias em tempo hábil, a manutenção, em bom estado de conservação e funcionamento, dos equipamentos de monitoramento ambiental, dos dispositivos de conservação da natureza e dos sistemas de proteção contra ruído, evitando-se qualquer contaminação[11] do meio ambiente. É de seu risco a caducidade e reclamações e processos contra qualquer atividade relacionada à execução do objeto ou danos causados a terceiros devido à execução das obras, bem como os custos trabalhistas e outros não previstos referente ao projeto. Além disso, tem-se um importante sistema que atrela a remuneração (contraprestação pecuniária) ao desempenho na prestação (e entrega) dos serviços objeto do contrato. Este mecanismo permite ao DER/MG monitorar a qualidade do serviço prestado, mensurar o valor da contraprestação a ser paga, a cada mês, e aplicar, quando cabível, as sanções pertinentes. Assim, a avaliação se dá pela nota gerada a partir do QID, observado no Anexo 5 do contrato – Quadro de Indicadores de Desempenho. Os indicadores para avaliação de desempenho levam em conta os índices operacionais (compostos de indicadores associados à segurança do usuário, como estado do pavimento e sinalização, da disponibilidade de serviços de atendimento ao usuário e do fluxo de veículos), além de considerar indicadores ambientais (controle da poluição e cargas perigosas), financeiros (gerenciamento de custos, transparência nas práticas contábeis) e sociais (tratamento dispensado aos usuários e habitantes residentes ao longo do sistema viário). Com relação ao risco de demanda referida pela cláusula 30 (do risco do volume de tráfego na rodovia) do contrato, itens 30.1 e 30.2, prevê o compartilhamento na proporção de 50% para a Concessionária e 50% para o DER/MG das variações no volume de tráfego que ultrapassarem uma faixa de 10% (para mais ou para menos), trazendo como inovação o compartilhamento dos ganhos econômicos: 30.1. Os riscos relacionados à demanda de tráfego na rodovia, em relação ao volume projetado no estudo de tráfego do DER/MG constante do Anexo XVI do Edital, serão compartilhados entre as partes, conforme previsto nesta cláusula, na proporção de 50% (cinqüenta por cento) para a Concessionária e de 50% (cinqüenta por cento) para a SETOP, com as eventuais alterações decorrentes da aplicação do disposto na Cláusula 60. 30.2. O volume projetado no estudo de tráfego do DER/MG, constante do Anexo XVI do Edital, será considerado, para os fins do disposto no item 30.1, com uma faixa de variação de 10% (dez por cento) para mais e de 10% (dez por cento) para menos. Assim, difere-se do modelo de concessão de rodovias federais em que, como mostra Garcia (2011), o risco sobre a demanda de usuários – inerente à exploração do negócio – é de responsabilidade da concessionária. No contrato de PPP da MG-050, o risco de tráfego que excede o previsto em 10%, é repartido entre Estado e Concessionária. Franco e Pamplona (2008) observam que, no que se refere às formas de compensação da concessionária, estas não afetam financeiramente o ente público, quando os riscos ocorrerem de fato. De acordo com o item 29.5 do contrato: a recomposição do equilíbrio econômico financeiro será implementada pela forma que for escolhida o DER/MG, a seu exclusivo critério, através de uma das seguintes modalidades: a) prorrogação ou redução do prazo da concessão patrocinada; b) revisão do cronograma de implantação das intervenções obrigatórias previstas no Anexo VI do Edital; c) adequação dos indicadores de desempenho previstos no Anexo V do Edital para a compatibilização da oferta do serviço com a demanda de tráfego na rodovia; d) revisão da tarifa do pedágio, para mais ou para menos; e) combinação das modalidades anteriores. Para aumento de receita da concessionária, tem-se apenas um único item capaz de oferecer este resultado, uma vez que dentre as previsões, não há a revisão da contraprestação pecuniária. Assim, diante das opções, há chances de que o risco seja transferido ao usuário, que poderá ter as tarifas de pedágio aumentadas devido à opção de revisão tarifária. Ainda que houvesse a inclusão neste item de revisão da CP como forma de reequilíbrio econômico financeiro, como já observado, por ser composta por tributos pagos pela sociedade, ela ainda seria onerada. Além dos riscos de demanda que excedam em 10% do previsto, os riscos de desapropriações também são compartilhados. À concessionária cabem os riscos referentes às desapropriações e às indenizações. Já ao DER, ficam as responsabilidades referentes às providencias necessárias para declaração de utilidade pública dos imóveis a serem desapropriados para a realização do objeto da concessão, incluindo os de uso temporário. Também tem-se o compartilhamento de riscos de força maior e caso fortuito não-seguráveis. E ao ente público, os riscos que a ele cabem são os atos unilaterais por parte do parceiro público (DER/MG – SETOP) e da Administração Pública (instituição de novos tributos alterações de legislação etc), revelando uma proteção dos riscos regulatórios e legais. Além disso, tem-se o risco de default, cujo inclui a incapacidade da concessionária em cumprir suas obrigações contratuais. Para se proteger deste risco, o Poder Concedente faz uso das garantias exigidas no Edital de Licitação, tais como a exigência de patrimônio líquido mínimo, apresentação de documentos de qualificação ou certificação técnico-operacional que atestem a experiência do licitante na operação e conservação de rodovias   4.1.2        Garantias e Seguros Como citado acima, os atores envolvidos na contratação via PPP estão vulneráveis a diversos riscos. Observa-se o envolvimento de recursos orçamentários durante grande parte, ou durante toda a vigência do vínculo entre os parceiros, numa relação de longo prazo entre particulares e Administração, comprometendo recursos públicos por períodos maiores que os tradicionalmente praticados. Este cenário necessita de garantias e mitigações de riscos, e por isso as PPPs adotam uma política contratual em que os riscos são repartidos de acordo com capacidade em melhor lidar com a situação. Já em momento licitatório, a Administração Pública adota mecanismos de garantias em seu edital, como as pré-condições para participação na concorrência, principalmente o fato da empresa interessada necessariamente dispor de índices contábeis mínimos, garantindo uma condição econômico-financeira para se responsabilizar pelo empreendimento de alto custo. Além disso, o contrato dispõe de garantias e seguros capazes de mitigar os riscos ou até mesmo tentar evitá-los. Desta forma, de acordo com o contrato da concessão da rodovia MG-050, observam-se algumas cláusulas que exigem garantias e seguros aos entes público e privado para celebração do contrato. No que se refere às garantias exigidas à concessionária, tem-se: (i) a garantia de manutenção de proposta e de celebração do contrato, com valor de R$ 50 milhões para garantia do atendimento das condições operacionais mínimas, execução das intervenções obrigatórias e das obras de melhoria e ampliação de capacidade e; (ii) garantia de fiel cumprimento de obrigações contratuais (Performance Bond) que pode ser desdobrada em garantia de cumprimento de funções referentes aos investimentos a serem realizados e garantia de cumprimento de funções de operação e manutenção. Essas garantias poderão ser prestadas em dinheiro, em títulos da dívida pública, por meio de seguro-garantia ou fiança bancária. Já a respeito dos seguros a serem apresentados pela concessionária visando garantia de uma efetiva cobertura dos riscos inerentes à execução das atividades pertinentes à concessão, estes incluem: seguro de danos materiais, compreendendo o seguro de riscos de engenharia para as obras civis e/ou instalação e montagem necessárias, que não tenham caráter de manutenção e conservação, bem como as conseqüências financeiras do atraso no inicio da cobrança de pedágio e da interrupção da exploração da rodovia, sempre que esse atraso ou interrupção seja resultante de perda, destruição ou danos cobertos por este seguro de dano material; e o seguro de riscos de operações de concessões rodoviárias, compreendendo danos materiais cobrindo a perda, destruição ou dano em todos os bens que integram a concessão e perda de receita cobrindo as conseqüências financeiras do atraso do inicio da cobrança do pedágio e da interrupção da exploração da rodovia, sempre que esse atraso ou interrupção seja resultante de perda, destruição ou dano coberto pelo seguro de dano material previsto. Estes deverão assegurar: cobertura básica de riscos de engenharia, erro de projeto, risco do fabricante, despesas extraordinárias e de desentulho, tumultos, incêndios, raio e explosão de qualquer natureza; equipamentos eletrônicos; roubo e furto qualificado. O contrato também dispõe sobre a responsabilidade civil geral, compreendendo seguro de responsabilidade civil e de veículos (cobertura comprovada pela responsabilidade civil da Concessionária e/ou do Poder Concedente, por danos materiais, pessoais e morais, inclusive custos processuais e outras despesas devidas, que atinjam a integridade física e patrimonial de terceiros, decorrentes da exploração da concessão). Estes deverão cobrir danos involuntários, pessoais, inclusive morte; danos materiais causados a terceiros, bem como a seus veículos – incluindo o DER. Além disso, exige seguro de todos os riscos de construção (cobrindo incêndio, obras civis em construção, instalação, equipamentos, automóveis, queda de raio, desmoronamentos, alagamentos etc.) – modalidade allrisks; seguro de maquinaria e equipamento de obra; Seguro de danos patrimoniais; seguro de quebra de máquinas; seguro de lucro cessante (cobertura de perda de receita decorrente de eventos cobertos nos seguros de danos materiais, compreendendo: conseqüências financeiras referentes ao atraso do início da exploração da concessão e da interrupção da exploração da concessão); Outra forma de mitigar os riscos, como já mencionado, é a exigência de uma SPE, constituída com único intuído de explorar o empreendimento de PPP e, desta forma, isolar o empreendimento dos riscos associados à outras atividades do parceiro privado. A respeito da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, o contrato possui cláusula referente ao assunto, garantindo a recomposição do equilíbrio (item 29.3) sempre que este for afetado, em situações como a modificação unilateral do contrato pelo parceiro público, ocorrência de caso fortuito ou força maior, cuja cobertura não seja aceita por instituições seguradoras, alterações legais, alterações do projeto, variação de custos operacionais originados por alterações nos preços públicos, em alíquotas ou instituição de novos tributos. O já citado item 29.9 define as modalidades para a recomposição do equilíbrio econômico financeiro. No que se refere à garantia para o cumprimento das obrigações assumidas pelo DER, esta será prestada pela CODEMIG conforme disposto na cláusula 38 do contrato. A CODEMIG, como Garantidor, assumirá, em face da concessionária, o cumprimento da obrigação do DER/MG de pagamento da contribuição pecuniária.   5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve por objeto de análise o arranjo contratual da PPP da Rodovia MG-050, investigando o tratamento dado à identificação, alocação e adoção de medidas de mitigação de risco no contrato, ou seja, focou-se principalmente na repartição objetiva de riscos entre o poder concedente e o poder concessionário, bem como os mecanismos de mitigação e a gestão destes riscos. Pode-se perceber, portanto, que o compartilhamento dos riscos e sua eficiente alocação influenciam consideravelmente o sucesso ou fracasso de um contrato sob a modalidade de PPP. A legislação que trata da matéria não pretende esgotar todos os riscos inerentes aos contratos, todavia criou dispositivos que orientam a sua regulação e ofereceu liberdade de uma alocação objetiva de acordo com o objeto contratual e as partes envolvidas, oferecendo condições ótimas para esse compartilhamento de riscos e tornando o empreendimento mais atrativo. Em outras palavras, alocação dos riscos deve refletir as características especificas do projeto assim como as capacidades e habilidades de cada parte quanto ao seu gerenciamento. O processo de alocação de risco parte do setor público e os riscos que normalmente são transferidos ao parceiro privado são aqueles que o setor público não é capaz de gerenciar, de mitigar a um custo razoável.  Uma divisão eficiente dos riscos pode reduzir consideravelmente o custo do investimento, uma vez que os riscos serão alocados para aqueles com melhores condições de geri-los, além de aumentar a concorrência na fase licitatória. Assim, no contrato de PPP da rodovia analisada, observa-se a exacerbação da participação privada na esfera pública no que se refere ao compartilhamento dos riscos. Ainda que os riscos recaiam sobre o setor privado, a Administração busca mitigar esses riscos, oferecendo o máximo de garantias que assegurem a empresa participante quanto à lucratividade do empreendimento. Assim, um quadro de irregularidades, com vultosos valores de multas e tentativas sem êxitos de execução das garantias operacionais para cobrir as multas, demonstra um esgotamento contratual no que se refere à eficiência desta PPP.  O não cumprimento contratual acarreta no não atendimento dos interesses públicos, beneficiando o setor privado e onerando o setor público.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-reparticao-de-riscos-em-contratos-de-parcerias-publico-privadas-estudo-de-caso-da-mg-050/
O Intervencionismo do Estado Frente Aos Aplicativos de Transporte Individual Privativo
Este artigo tem por objetivo explorar a temática da regulamentação do transporte individual privado por aplicativos de maneira a interpretar as mudanças trazidas aos profissionais do setor e a toda a população que usufrui do serviço. Tendo em vista, assim, as diretrizes trazidas pela Lei Federal 13.640/2018 e os desafios em moderar a intervenção estatal a este setor privado. No presente artigo, realizou-se uma pesquisa exploratória tendo como metodologia utilizada a abordagem qualitativa, através de pesquisas bibliográficas. Essa última caracterizada pelo emprego da análise de documentos como procedimento de construção do vigente estudo. Esteve também presente a observância das alterações acarretadas pela regulamentação dos aplicativos de transporte privativos no sertão nordestino, trazendo como exemplo a cidade de Petrolina-PE. Após a realização de tal análise, é claramente demonstrado que houveram significativas mudanças no funcionamento do serviço de caronas pagas, tendo sido atribuída a discricionariedade aos municípios para criar leis que regulamentem esse serviço de mobilidade urbana.
Direito Administrativo
Introdução O tema de pesquisa proposto teve como principal estímulo para o presente estudo, o histórico e as diretrizes da Lei nº 13.640/2018, que atribuiu aos municípios a competência para legislar sobre a regulamentação e fiscalização dos aplicativos de transporte particular. Procurou-se também compreender os efeitos gerados com a regulamentação, trazendo um enfoque para a repercussão e mudanças causadas ao município de Petrolina-PE após a aprovação da Lei nº 3.094/2018 e do Decreto nº 073/2018. É evidente que os instrumentos digitais adentraram rapidamente no cotidiano dos indivíduos, tornando praticamente indissociáveis o meio real e virtual. O poder da tecnológica atribuiu ao celular a capacidade de informação e comunicação, como também, a possibilidade de ser usuário de diversos serviços contactados via aplicativos. Dessa forma, é fácil notar a utilidade dessas ferramentas virtuais no dia a dia, a exemplo da empresa iFood (aplicativo que atua no setor de alimentos); do Instagram (rede social de comunicação) e da Uber (aplicativo que opera no ramo de transportes privativos remunerados). Ao restringir-se à temática dos aplicativos que prestam o serviço de transporte individual privado de passageiros, vivenciou-se, nos últimos anos, um crescimento e conquista de espaço no mercado, advindo do baixo custo e eficiência exercidos por essa classe. Diante disso, e em meio a muitas pressões por parte de outros ramos do setor de transportes urbanos, o Estado brasileiro instituiu a Lei nº 13.640/2018 que estabeleceu normas atinentes à regulamentação desses aplicativos. Assim, respaldado pela Lei Federal, o município pernambucano de Petrolina aprovou a Lei nº 3.094/2018 trazendo requisitos que devem passar a ser seguidos pelos profissionais desse ramo, legitimando suas atuações. Tendo em vista a problemática abordada, esta pesquisa contribuirá para com toda a população brasileira, em especial aos residentes localizados no Vale do São Francisco, na compreensão dos efeitos trazidos pela Lei Federal nº 13.640/2018, que regulamenta os aplicativos usados nos serviços de caronas pagas, voltando-se à análise da intervenção do Estado nesse setor, como também, a observação das premissas efetivadas pela Lei municipal nº 3.094/2018 e das consequências geradas no funcionamento do serviço. No que diz respeito à relevância científica, esse estudo investigou o tema numa perspectiva sociológica e jurídica, destacando os efeitos da regulamentação dos aplicativos de transporte, como também, a forma como estão sendo dispostas aos motoristas e consumidores de tais serviços, tendo como exemplo a realidade vivenciada pelo município de Petrolina. Referente à contribuição científica, foi escolhido um assunto com relevância social e acadêmica, que ofereceu maiores esclarecimentos acerca do fato, e deu um parâmetro geral sobre as mudanças atinentes à regulamentação. Referente aos objetivos contidos nesse artigo, no que se referiu ao aspecto geral, buscou-se conhecer as diretrizes trazidas pela Lei nº 13.640/2018, entendendo as consequências geradas ao atribuir competência aos municípios para a instituição de seus próprios regulamentos, dando enfoque no antagonismo entre a intervenção estatal e os princípios da livre concorrência, da livre iniciativa e da liberdade profissional. Já no que se explana sobre os objetivos específicos, averiguou-se a postura do Direito frente à dominação tecnológica na sociedade, explanou-se sobre o histórico e diretrizes advindas da Lei nº 13.640/2018, destacou-se a conduta dos taxistas em relação ao serviço de transporte digital e analisou-se os requisitos trazidos à cidade de Petrolina, por meio da Lei municipal nº 3.094/2018, e suas repercussões. O problema enfrentado e refletido nesse presente artigo referiu-se à busca de respostas para o motivo e a maneira em que se realiza a intervenção estatal, ao regulamentar-se os aplicativos que prestam o serviço de transporte individual privado de passageiros, e as consequências geradas aos consumidores, como também, aos motoristas desses aplicativos na perspectiva do município de Petrolina-PE. Procurando compreender a realidade trazida pela regulamentação dos aplicativos de transporte privado, o presente estudo se objetivou em reconhecer as mudanças, entendendo as consequências geradas aos profissionais da área e aos consumidores do serviço. Por meio desse propósito, lidou-se com a seguinte hipótese: a regulamentação dos aplicativos de caronas pagas, que vem tornando-se uma realidade recorrente, trouxe alterações positivas e negativas ao funcionamento do serviço. Dessa forma, a regulamentação se fez conduzir à reflexão de até que ponto a intervenção do Estado acarreta em benefícios à coletividade. Ademais, teve-se a preocupação com os possíveis problemas gerados aos profissionais e consumidores do serviço, sendo analisado as diretrizes regulamentadas pela cidade de Petrolina-PE, localizada no sertão nordestino.   Desenvolvimento A descoberta do fogo durante o período paleolítico ressaltou a capacidade do homem em sobressair-se perante os demais seres vivos. Essa conquista, como muitas outras no decorrer dos séculos, constatou a aptidão racional do homem para dominar a natureza, possibilitando a sua adequação a diferentes situações. A inteligência e a capacidade de consciência, veio sendo explorada no decorrer da história, permitindo que fossem criadas ferramentas que nos auxiliaram na dominação da cadeia alimentar. O surgimento da tecnologia digital tornou-se uma das descobertas mais úteis e propagadas na vida humana, possuindo uma evolução crescente e descontrolada que gerou uma dependência, dificultando a separação do que é real ou virtual. Cada vez mais o ser humano vem aperfeiçoando e integrando, nas mais diversas atividades, mecanismos modernos que dão facilidade e praticidade ao cotidiano. Hoje em dia, consegue-se fazer praticamente tudo nos meios virtuais, desde compras a contratações de serviços, efetuando-os apenas com poucos toques em uma tela de celular. “Seria tolo e irresponsável culpar as engenhocas eletrônicas pelo lento mas constante recuo da proximidade contínua, pessoal, direta, face a face, multifacetada e multiuso. E no entanto a proximidade virtual ostenta características que, no líquido mundo moderno, podem ser vistas, com boa razão, como vantajosas — mas que não podem ser facilmente obtidas sob as condições daquele outro tête-à-tête, não-virtual. Não admira que a proximidade virtual tenha ganhado a preferência e seja praticada com maior zelo e espontaneidade do que qualquer outra forma de contiguidade” […]. (BAUMAN, 2004, p.60) Essa realidade adentrou nas pautas do Direito, forçando-o a, cada vez mais, adequar-se e propor novas normas que regularizem essas novatas atividades. É sabido que o Direito tem uma grande representatividade no contexto social, sendo esse ideal difundido pela “teoria da função social do direito” que consiste em uma convicção jusfilosófica, na qual o legislador objetiva a efetivação de políticas públicas que possam repercutir em todo o meio social. Dessa forma, uma das funções do Direito é garantir a seguridade do arranjo social, no qual as novas tecnologias se tornaram um desafio por estabelecerem diferentes práticas de convivência. A “teoria tridimensional do Direto”, criada por Miguel Reale, também constata a importância dos operadores do Direito enxergarem o seu ramo com uma funcionalidade além da norma, visualizando a existência de três aspectos (fato, valor e norma) que constituem o direito e estão em constante entrelaçamento. Dessa forma, para o autor, o Direito está em constante mutação, característica que o permite adequar-se as diferentes temporalidades. Referente a esse tema, o jusfilósofo brasileiro afirma: “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo.” (REALE, 2000, p.575). Como demonstrado nas duas teorias supramencionadas, o Direito está inteiramente ligado ao contexto social e detém da capacidade de adequar-se às diferentes realidades. Diante disso, o Direito necessita reconhecer os desafios que são trazidos pelos meios tecnológicos e assim buscar ajustar-se para que não se transforme em uma ciência ultrapassada. A constante emergência de aplicativos de celular que oferecem serviços, despertaram a necessidade de regulamentação como um importante tema no cenário jurídico da Administração Pública. “Ocorre que a atuação do Estado não se limita aos serviços públicos; ele às vezes sai da órbita de ação que lhe é própria e vai atuar no âmbito de atividade reservada essencialmente à iniciativa privada; trata-se da atividade de intervenção, que compreende, além da regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza privada (intervenção indireta), também a atuação direta no domínio econômico, o que se dá por meio de empresas estatais (intervenção direta).” (DI PIETRO, 2018, p.581) O setor de transporte remunerado privado individual de passageiros vem ganhando notórias discussões destinadas à sua regulamentação jurídica, tendo difundindo-se rapidamente no cotidiano dos brasileiros por oferecer um serviço prático, eficiente e de baixo custo. Os diversos aplicativos de transporte existentes no mercado obtiveram, nos últimos anos, um grande crescimento, tornando-os alvo de muitas críticas por partes dos demais serviços de mobilidade urbana, principalmente vindas dos taxistas. Dessa forma, surgiu uma grande pressão perante o Estado para a regulamentação desses serviços virtuais de transporte, com o embasamento de possibilitar uma maior igualdade de concorrência e trazendo aos passageiros maior segurança, como também, servindo como uma nova forma de arrecadação de tributos pela máquina estatal. A fim de solucionar as polêmicas e lacunas referentes a esse tema, o Brasil finalmente o regulamentou por meio da Lei Federal 13.640/2018.   2 O histórico da Lei nº 13.640/2018 e suas diretrizes A Lei Maior, a Constituição Federal de 1988, principal norteadora do Direito brasileiro, que rege a todos indiscriminadamente, prevê em seu artigo quinto a igualdade de todos perante a lei, sendo vedada a distinção de qualquer teor. Mais à frente, no inciso XIII, estabelece que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, contanto que atenda às qualificações que a lei estabeleça. Além da positivação do princípio da igualdade na Carta Magna, há também de ser ponderado o imprescindível princípio da indisponibilidade do interesse público, que visa atender aos interesses coletivos em detrimento de interesses particulares, e que, em certas decisões tomadas pelo administrador, acaba sendo posto como um contraponto ao princípio da supremacia do interesse público (outra base principiológica que fundamenta as decisões da Administração Pública). Como mencionado por Léo Jorge Ferreira, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello: “na administração os bens e interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador”. Dessa forma, deveria haver fundamento em tais decisões baseado no interesse coletivo, todavia, muitas vezes, o que acaba havendo é uma supremacia de interesse por parte da administração, cujo qual representa uma minoria ante o interesse da coletividade. De acordo com o artigo 170 da Carta Maior, é resguardado a todos, dentro da ordem econômica, a existência digna da livre concorrência, em seu inciso IV. Princípio esse que assegura a todos a proibição de qualquer impedimento que não seja legalmente previsto e autorizado que impossibilite as livres concorrência e iniciativa, disponibilizando a todos o direito de escolher qual meio utilizar para os fins almejados. A polêmica em torno de uma possível proibição dos aplicativos de mobilidade se configura como aviltamento aos princípios da livre concorrência, da livre iniciativa e da liberdade profissional, pois impossibilita que os consumidores que preferem tais serviços para locomover-se, em virtude de facilidade de acesso ou custo mais acessível, tenham seu direito de escolha cerceado e restringido a utilizar uma quantidade limitada de serviços disponíveis nesse âmbito, além de também ferir a liberdade profissional do indivíduo que decide acolher profissionalmente o serviço on-line de transporte particular, algo que é usado como meio de obtenção de renda por milhares de pessoas que vivem em um país assolado pelo desemprego, e que veem o “boom” desses serviços como uma oportunidade de se sobressair ante essa realidade. Vale destacar que também há pessoas que trabalham em outros ramos e utilizam esse dispositivo como forma secundária de angariar renda, por muitas vezes o que adquirem financeiramente com seu ramo principal ser insuficiente para suprir suas despesas. Ademais, uma possível proibição desses serviços teria impacto negativo na economia a nível nacional, fomentando mais ainda o desemprego, por acabar com várias oportunidades em torno da modalidade, a qual é explorada por diversas empresas nacionais e internacionais, e, em decorrência disso, abortando o crescimento de tais empresas brasileiras que atuam nesse mercado. Diante dessa polêmica discussão acerca dos serviços digitais de transporte, surgiu a ideia de regulamentá-lo, a fim de que, a partir disso, houvesse uma maior fiscalização em torno dos aplicativos e, consequentemente, fosse dado um fim às controvérsias que giram em torno desse tema, principalmente advindas de disputas comerciais, como uma forma de “equilibrar” as condições de competição, sob o pressuposto de que a nova modalidade de transporte teria “privilégios” por não ser a ela imposta a obrigação de cumprir certos requisitos. Com isso, sob pressão, os municípios brasileiros passaram a criar leis regulamentando esses aplicativos, restringindo suas atuações e impondo condições às suas práticas. Contudo, os Tribunais de Justiça declararam essas leis inconstitucionais, sob o simples argumento de que essas leis violavam os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e da liberdade profissional, todos angariados e previstos na Constituição. Ademais, a Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer onde constava que os municípios não tinham a competência para legislar sobre o assunto, cabendo exclusivamente à União tratar do assunto. Após a falta de sucesso dos municípios em legislar sobre o assunto e, com isso, impor regulamentações aos aplicativos, iniciou-se uma forte pressão para que o Congresso Federal editasse norma sobre o tema, pressão essa que se dividia em duas correntes. A primeira queria que a regulamentação passasse a qualquer custo, utilizando das prerrogativas já mencionadas como embasamento. Já a segunda, atendendo aos interesses dos beneficiários desses aplicativos, queria que houvesse uma flexibilização quanto a essa regulamentação. Diante da intensa discussão referente aos benefícios e malefícios trazidos com uma possível regulamentação, no ano de 2015, a diretora jurídica da Uber no Brasil, admitiu a importância da normatização do serviço: “É importante entender que o serviço de transporte privado individual prestado pelos motoristas parceiros da Uber também precisa ser disciplinado para dar segurança jurídica ao sistema e para tornar o ambiente ainda mais legítimo para trabalhadores e usuários.” (Ana Pellegrini). Em meio a esse conturbado cenário, surgiu a Lei nº 13.640/2018, que estabeleceu novas diretrizes sobre essa questão e deu um novo capítulo a essa polêmica. A mencionada Lei, aprovada pelo Legislativo e sancionada pelo Executivo, trouxe novas disposições e determinou, principalmente, que a competência para legislar sobre a regulamentação dos aplicativos de transporte particular será, de agora em diante, dos municípios, não competindo mais exclusivamente à União. Previu também a cobrança de tributos municipais sobre esses serviços, como, por exemplo: ISS e taxas, exige também que o motorista seja devidamente inscrito no INSS, além de condições impostas exclusivamente aos motoristas desses serviços, como possuir a Carteira Nacional de Habilitação na categoria B, emitir e manter o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, apresentar certidão negativa de antecedes criminais, etc. Com o advento da supramencionada Lei, o não cumprimento dos requisitos previstos por parte dos condutores desses serviços poderá caracterizar-se como transporte ilegal de passageiros. Com isso, passou-se a ser permitido que os municípios detenham de liberdade para criar suas próprias regulamentações, e a discricionariedade de decidir criá-las ou não, adquirindo total competência para legislar sobre o assunto. Esse poder discricionário deliberado aos municípios, faz-se refletir em até que ponto a intervenção estatal, interferindo diretamente nas relações privadas, é benéfica à iniciativa privada e como esse ato repercute na população, além de avaliar se não ocorre a violação dos princípios da livre concorrência, da livre iniciativa e da liberdade profissional. Referente à intervenção do Estado no domínio econômico e social, Bandeira de Mello (2008, p.662) explana: “Conquanto o segmento da atividade econômica seja da alçada dos particulares no exercício da livre iniciativa – em contraposição aos serviços públicos que se alocam no universo estatal – o Poder Público, de fora parte providências de fomento ou de assegurar a obediência à disciplina legal do setor, em certas hipóteses raras, constitucionalmente admitidas, pode também atuar como protagonista do mundo empresarial. Demais disto, o Estado interfere também na esfera social, seja por via dos serviços públicos sociais, seja fomentando a atividade de particulares cm tal setor.”   A necessidade de regulamentação do serviço de transporte remunerado privativo individual de passageiros demonstra a expansão do uso das ferramentas digitais na vida dos indivíduos, que necessitam apenas de um dispositivo (smartphone, tablet, etc.) e acesso à internet para contratar múltiplos serviços que proporcionam maior praticidade no cotidiano. A grande problemática dos congestionamentos enfrentada nas diversas capitais brasileiras forçou a adequação dos cidadãos a novas alternativas de transporte que colaborem para a diminuição do tráfego de automóveis nas cidades e, consequentemente, o tempo gasto no trânsito. Os aplicativos usados nos serviços de caronas pagas obtiveram um grande impulso nos últimos anos, tornando-se uma excelente alternativa para a problemática do trânsito brasileiro, agregando preço e serviço eficientes. Diante do significativo crescimento desse serviço virtual, outros setores do ramo de transporte se viram ameaçados. A empresa Uber, por ser pioneira, é uma das mais populares nesse setor, tornando-se o maior alvo das críticas e protestos dos taxistas. Diante desse embate entre os serviços de condução particular, relatou-se o extremo de haver confronto físico, como o ocorrido relatado pelo site de informações G1, em março de 2018, no aeroporto de Fortaleza, no Ceará, onde taxistas e motoristas da Uber trocaram agressões físicas e verbais. Esse lamentável episódio é um dos exemplos da intensa rivalidade entre essas duas classes, compostas por pessoas que buscam honestamente atuar no mercado de trabalho, e que por essas condutas, acabam por gerar uma repercussão negativa sobre ambas as modalidades de serviço de carona. Um dos principais fundamentos da classe taxista do porquê se deveria regulamentar o serviço digital de transporte particular é o de que não há paridade de condições em relação a ambos, disparidade essa que acaba servindo como fator determinante de privilégio à nova modalidade do setor. Cabe ponderar as principais diferenças que existiam entre os dois serviços, antes das legislações atuais que tratam sobre a matéria. De um lado, os profissionais de serviço de táxi têm o dever de pagar uma taxa aos órgãos públicos, fixada a critério de cada município, e ainda adquirir licença frente à prefeitura do município que exercem a função, além do mais, alguns municípios exigem curso específico para atuar como taxista. Já os motoristas de serviço digital de condução particular não tinham a obrigação de pagar taxa similar, nem a obrigatoriedade de requerer licença, tampouco a exigência de curso (algo que agora compete ao município impor tais exigências, como ocorre em muitas capitais, por exemplo). De outro lado, os taxistas têm isenção de alguns impostos na compra de veículos (como, por exemplo, IOF e IPI), além de descontos em concessionárias, a depender do local. Já os profissionais de serviço on-line de transporte têm que arcar com todo o custo do automóvel ao comprar, além de não disporem de isenção tributária, tendo que arcar, por exemplo, com o ISS. Destaca-se que os serviços de taxi são conhecidos como serviços públicos impróprios, sendo essa definição considerada equivocada por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, por não serem funções assumidas nem executadas pelo Estado, seja direta ou indiretamente, mas apenas por ele autorizados, regulamentados e fiscalizados. “Na realidade, essa categoria de atividade denominada de serviço público impróprio não é serviço público em sentido jurídico, porque a lei não a atribui ao Estado como incumbência sua ou, pelo menos, não a atribui com exclusividade; deixou-a nas mãos do particular, apenas submetendo-a a especial regime jurídico, tendo em conta a sua relevância. São atividades privadas que dependem de autorização do Poder Público; são impropriamente chamadas, por alguns autores, de serviços públicos autorizados.” (DI PIETRO, 2018, p.183) Além disso, muitas pessoas preferem os serviços digitais de carona ao serviço de táxi, em virtude de uma maior acessibilidade e um custo mais baixo em relação ao outro, e há também quem ainda opte pelo táxi por conta de uma maior confiança no serviço, principalmente por ser algo mais antigo, tendo já estabelecido confiança em algumas pessoas, havendo uma certa resistência no quesito confiabilidade em relação a essa “modernização” do serviço. Contudo, com o passar dos anos, o serviço de táxi também buscou sua modernização com o advento de aplicativos para smartphones, onde os clientes conseguem solicitar o serviço com maior facilidade, no entanto, mesmo com essa aproximação no mercado digital, os serviços de táxi e de transporte digital ainda se diferenciam. Vale salientar que o mais importante ante toda essa discussão entre os dois serviços é o respeito às livres iniciativa e concorrência, não havendo aviltamento a esses dois princípios fundamentais à ordem econômica, possibilitando que essa competição possa ser feita de forma respeitável. Portanto, a regulamentação de ambos os serviços deve ser realizado pela Administração Pública, que, ao fazê-la, exerce o chamado poder de polícia, fiscalizando e impondo limitações a atividades particulares a fim de atender aos interesses públicos, como bem definido pelo renomado jurista Bandeira de Mello (2009, p.815): “A atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se “poder de polícia”. A expressão, tomada neste sentido amplo, abrange tanto atos do Legislativo quanto do Executivo. Refere-se, pois, ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da liberdade e da propriedade dos cidadãos” […].   Em 2017, chegou ao município de Petrolina, no sertão pernambucano, um moderno meio de transporte particular, intitulado Uber, algo que naquele momento era novidade para muitas pessoas, apesar do crescimento do serviço em todo o país, principalmente nas capitais. Logo, a possibilidade de solicitar um serviço de carona paga através de um smartphone, o baixo custo e com transparência (função visualizada antes mesmo de solicitá-lo) atraíram os públicos de Petrolina e sua cidade vizinha, Juazeiro, localizada na Bahia. Com o crescimento rápido do ramo, culminou-se um grande debate sobre a necessidade de regulamentá-lo, sendo uma discussão já presente nas cidades onde o serviço funcionava há mais tempo. Em vários municípios brasileiros foram estabelecidas regulamentações através de legislações próprias, todas subsequentes à Lei n° 13.640/2018, que concedeu a competência aos municípios para legislar sobre a matéria. O principal ponto que as várias regulamentações municipais têm em comum é o estabelecimento do pagamento de uma taxa destinada ao órgão público competente. Cidades como Vitória-ES e Rio de Janeiro-RJ estabeleceram em suas legislações as contribuições de 1% (um por cento) no valor total das viagens realizadas. A primeira cidade a regulamentar o serviço digital de transporte particular foi a capital de São Paulo, onde instituiu-se uma polêmica Resolução (n° 16) que proibia a realização do serviço utilizando automóveis com placas de outros municípios, contudo, essa resolução acabou sendo derrubada pela Justiça sob a alegação de inconstitucionalidade. No dia 28 de agosto de 2018, foi aprovado por 17 votos a zero, pela Câmara de Vereadores do município de Petrolina (casa Plínio Amorim), o projeto de lei (cuja autoria é do Poder Executivo municipal) que versa sobre a regulamentação do serviço de transporte particular por aplicativos, que se tornara a Lei n° 3.094/2018. Várias mudanças foram trazidas com a Lei, dentre elas, que a regulamentação ficará a cargo da Autarquia de Mobilidade Urbana do Município de Petrolina (AMMPLA), órgão responsável pela fiscalização do trânsito no município. Além do mais, foi estabelecido a obrigatoriedade de vinculação da prestação de Serviço de Transporte Individual Privado de Passageiros (STIP) à obtenção de um certificado intitulado de Certificado Anual de Autorização (CAA), emitido pelo órgão responsável, a AMMPLA, que requer ao prestador do serviço a posse da Carteira Nacional de Habilitação (na categoria B), a apresentação do veículo que será utilizado no exercício da atividade para fins de cadastro, a apresentação de que nada consta na Certidão Criminal expedida pelo órgão competente, a comprovação de certificação ou inscrição em um curso de formação realizado pelo município em parceria com o SENAT e a AMMPLA, e, por fim, estar devidamente inscrito no INSS. Vale ressaltar, que a expedição e a renovação do certificado dependem do pagamento de taxas estabelecidas para ambas. A Lei também impõe a idade máxima de cinco anos para veículos a gasolina, álcool e afins (combustíveis fósseis), e de oito anos para veículos híbridos, elétricos e afins (combustíveis não fósseis), a exigência de que tenha sido licenciado no município de Petrolina, que o veículo tenha identificação da empresa realizadora do serviço de forma visível e externa, além de outras exigências específicas sobre o veículo. Outra imposição trazida que deve ser salientada é a da proibição da utilização de pontos destinados a táxi e serviços de transporte público urbano do município. Foi estabelecido também a fixação da cobrança de ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza) pelo município em um percentual de 5% (cinco por cento) sobre o valor total da viagem. Após a aprovação da Lei nº 3.094/2018, mais precisamente no dia 20 de setembro daquele mesmo ano, surgiu o Decreto n° 073/2018 que regulamentou a Lei, sob a justificativa de que o serviço digital de transporte particular é uma novidade no município, sendo necessário um período de adequação por parte de todos às mudanças trazidas pela regulamentação. Esse Decreto trouxe uma nova disposição acerca da idade máxima do veículo, alterando de cinco para oito anos o requisito de idade dos veículos movidos a combustíveis fósseis, até o ano de 2021. Ademais, estabeleceu que os prestadores do serviço tivessem até o dia primeiro de janeiro de 2019 para adequar-se às demais disposições que foram trazidas pela Lei. A regulamentação disposta na Lei fez com que houvesse indignação por parte dos motoristas do serviço, especialmente aqueles que trabalham para a empresa Uber, ocasionado manifestações em oposição à Lei. Na tentativa de apaziguar as polémicas, o prefeito do município de Petrolina, Miguel Coelho, convocou uma audiência pública para ouvir os anseios da classe e esclarecer certos pontos da Lei. É válido mencionar que a audiência pública é um importante dispositivo que se encontra respaldado no princípio da publicidade dos atos da Administração Pública. “A adoção do princípio da publicidade dos atos da Administração Pública, que assegura ao público em geral a possibilidade de conhecer os atos do seu interesse, salvo hipóteses de sigilo previamente declarado; assegura-se também a participação do cidadão no procedimento de elaboração dos regulamentos, mediante consultas e conferências para conhecer a opinião dos grupos econômicos interessados, audiências públicas, publicação prévia dos projetos.” (DI PIETRO, 2018, p.62) Com o advento dessas medidas trazidas na regulamentação, entende-se que, com tais mudanças, existe a possibilidade de os preços das corridas subirem, em virtude das cobranças das taxas e do ISSQN, além de, consequentemente, haver uma declinação de condutores que prestam tal serviço em virtude da alteração da idade máxima de veículos. Diante do exposto, as opiniões acerca das diretrizes trazidas pela supramencionada Lei se dividem em duas correntes: aqueles que criticam vários pontos, sob o pressuposto de que são burocracias que prejudicarão os serviços de transporte particular na região, e aqueles que defendem a necessidade de regulamentação como forma de estabelecer iguais condições de concorrência ao serviço de táxi. É evidente que certos requisitos trazidos com a regulamentação prejudicam o setor, podendo ocasionar em malefícios aos consumidores, como, por exemplo, o aumento das corridas. Todavia, a intervenção do Estado é necessária para conceder segurança jurídica e uma maior igualdade de concorrência no ramo de transportes urbanos. Portanto, essa intervenção estatal deve conduzir-se paralelamente aos interesses da coletividade, não exercendo uma interferência prejudicial e abusiva ao serviço.   Conclusão O presente estudo expõe uma retrospectiva histórica da constante evolução do homem ao “facilitar” o cotidiano através de descobertas e avanços tecnológicos, como também a sua relação com o Direito, que deve buscar moldar-se a tais transformações, para que não se torne ultrapassado. Um grande exemplo do avanço tecnológico e sua problemática frente às relações jurídicas é o serviço digital de transporte particular, algo que surgiu na segunda década do século XXI e vem sendo alvo de diversas controvérsias, como apresentado nesse artigo, tendo como foco, principalmente, o município de Petrolina-PE, que, no final do ano de 2017, deparou-se com a chegada desse novo serviço. O advento dos aplicativos de condução particular em Petrolina logo atraiu a população, devido à facilitação de acesso a um transporte particular e pelo baixo custo fornecido. Contudo, a novidade gerou polêmica em torno de uma possível regulamentação, sob a perspectiva de que a concorrência com o serviço de táxi era injusta, por não haver uma igualdade de condições e deveres para ambos os serviços. Com isso, foi aprovada e sancionada a Lei 3.094/2018, que trouxe novas diretrizes e impôs condições às empresas que prestam serviços on-line de caronas pagas e aos seus condutores, atendendo às pressões feitas pela classe taxista. Diante disso, alguns problemas poderão surgir em virtude da regulamentação dos serviços de caronas pagas, sendo um deles o possível aumento do custo do serviço para os usuários (que tem o baixo custo como um dos principais fatores que atraem o público para essa modalidade), e o declínio dos profissionais que trabalham para as empresas de aplicativos, com o aumento de exigências que não podem ser cumpridas por parte desses, como, por exemplo, a estipulação de uma idade máxima de veículos a serem utilizados para os fins da atividade exercida. Ante o problema apresentado, sugere-se que a Administração Pública realize mais ainda a audiência pública (meio pelo qual se torna público os atos administrativos), sendo utilizada para ouvir os anseios populares, respondendo a esses e procurando resolver os possíveis problemas ocasionados pela regulamentação dos serviços digitais de transporte particular, além de estimular a participação popular nas audiências, explicando eventuais dúvidas que possam surgir acerca do que está contido na Lei 3.094/2018. Ademais, é de suma importância que a população esteja sempre fiscalizando as mudanças proporcionadas pela supramencionada Lei, em parceria com a Administração, sendo essa responsável por reparar os problemas que porventura venham a surgir em consequência da regulamentação. Em relação a trabalhos futuros, o presente estudo fornece algumas opções no que diz respeito aos avanços tecnológicos e sua relação com o Direito, bem como papel da Administração Pública frente às atividades decorrentes dessas transformações. Pois, através do estudo em questão, chegamos à conclusão de que o Estado possui um papel imprescindível no tocante à regulamentação de tais atividades, com a finalidade de atender ao interesse público. Com isso, propomos a realização de novos estudos mais aprofundados que explorem mais essa temática, abordando o papel intervencionista do Estado ao limitar as relações privadas. Portando, a regulamentação dos aplicativos que prestam serviço de transporte individual privado de passageiros está relacionado ao papel que tem a Administração Pública de intervir nas atividades particulares, restringindo-as, a fim de atender aos interesses coletivos, em detrimento de interesses particulares, exercendo, dessa forma, o seu poder de polícia. Esse intervencionismo está relacionado aos princípios da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público, ambos imprescindíveis para Administração Pública, e responsáveis por reger as ações do administrador, devendo sempre fundamentá-las em tais princípios. E, para que essa interferência do Estado não seja prejudicial, entendemos que essa regulamentação deve estar em conformidade com os princípios da livre iniciativa, livre concorrência e liberdade profissional, cabendo à Administração Pública prezar e garantir o cumprimento de tais princípios, e não aviltá-los mediante a imposição de burocracias desnecessárias, gerando consequências negativas tanto aos prestadores desse serviço quanto aos seus usuários.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-intervencionismo-do-estado-frente-aos-aplicativos-de-transporte-individual-privativo/
Serviço Social Autônomo: Reflexões Acerca Dos Entes do “Sistema S” e Suas Peculiaridades
Os serviços sociais autônomos ganharam espaço na sociedade por auxiliar no bem-estar dos indivíduos, visto que têm como objetivo ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais. São pessoas jurídicas de direito privado instituídas por lei, mas organizadas por Confederações Nacionais. Não possuem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes que cooperam com o Estado na execução de serviços de utilidade pública, com administração e patrimônio próprios. Os serviços que desempenham não são essenciais e, por isso, não precisam seguir às mesmas exigências do serviço público propriamente dito, como respeitar o princípio da continuidade. Exemplos desses entes são as entidades do “Sistema S” – categoria tradicional – e, recentemente, a Apex-Brasil e ABDI. A respeito de sua autonomia administrativa, já foram dispensadas várias exigências que antes se destinavam às entidades do “Sistema S”, como o dever de realizar licitações para adquirir produtos e serviços, bem como promover concursos públicos para contratação de pessoal. Não restam dúvidas que elas apenas agem em colaboração com a Administração Pública, sem compô-la. Por isso, não precisam seguir os mesmos procedimentos adotados pelo Poder Público, devendo apenas agir com observância aos princípios administrativos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO As entidades do “Sistema S” surgiram no século XX, numa época em que o Brasil passava por um intenso processo de industrialização. Inicialmente tinham finalidade assistencialista, mas com a crescente inserção das máquinas no ambiente de trabalho, essas pessoas jurídicas também passaram a conceder certos benefícios às categorias profissionais. Enquadram-se como entidades paraestatais por atuarem paralelamente ao Estado, em sua colaboração. Prestam, dessa forma, serviço de utilidade pública, o qual não é essencial à sociedade, mas proporcionam mais comodidades aos usuários. As entidades do “Sistema S” – SENAI, SENAC, SEST, SENAT, SENAR, SEBRAE – possuem características que as individualizam tanto da Administração Pública, como da iniciativa privada, pois não estão inseridas no rol de entidades administrativas e não possuem fins lucrativos. Suas peculiaridades as distinguem até mesmo da outra classe de serviços sociais autônomos, na qual estão incluídas a Apex-Brasil e a ABDI. Em seus julgados, o Tribunal de Contas da União tem flexibilizado as exigências quanto à adoção de procedimento licitatório e concurso público para a contratação de pessoal, por compreender que as entidades do “Sistema S” não possuem subordinação à Administração Pública. Há certa rigidez nos entendimentos cujo tema é os recursos financeiros desses entes de cooperação, em razão do controle finalístico. Tendo em vista sua obrigatoriedade, as contribuições arrecadadas pelas entidades do “Sistema S” tem caráter público. Para os três casos, o TCU determina que sejam respeitados os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os serviços prestados pelas pessoas de cooperação governamental não se confundem com os serviços públicos propriamente ditos pela ausência de essencialidade. O Estado exerce uma atividade de fomento, e não a transferência da titularidade ou execução mediante delegação. Essas subvenções servem para garantir a manutenção das entidades, uma vez que, por não acumularem capital, sua principal ameaça é a falta de estabilidade financeira. O princípio da inafastabilidade jurisdicional garante aos usuários o direito de recorrer ao Judiciário para que seja examinada lesão ou ameaça a direito, tendo a parte direito a ver apreciadas pelo juízo competente as suas razões e a receber fundamentadas as decisões que lhes negam conhecimento.   Em uma sociedade que vivia um intenso processo de industrialização em meados do século XX, as entidades integrantes do serviço social autônomo surgiram como alternativa para amenizar as demandas sociais e profissionais. Apesar de pessoas jurídicas de direito privado, tais entidades não tinham fins lucrativos, bem como não estavam inseridas na Administração Pública; eram, portanto, pessoas de cooperação governamental[3]. Sua constituição foi relevante para executar serviços de utilidade pública que não eram prestados com a mesma eficiência pela máquina estatal. Especificamente na área da educação, a atuação dessas pessoas jurídicas é possível por se tratar de um serviço não exclusivo do Estado[4]. Para Grau[5], o que torna o serviço público não privativo é a possibilidade de ser prestado pelo setor privado, independentemente de concessão, permissão e autorização. Essa circunstância se dá em razão da não essencialidade do serviço, por isso pode ser prestado diretamente pelo Estado ou por particulares[6]. Dispõe, inclusive, o artigo 209 da Constituição Federal de 1988 que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que as normas gerais da educação nacional sejam cumpridas e o Poder Público promova autorização e avaliação de qualidade[7]. Uma das modalidades de ensino previstas na legislação brasileira é a educação profissional e tecnológica (art. 39, Lei nº 9.394/1996)[8], a qual é comumente prestada pelas entidades do “Sistema S”. Estas estão inseridas nos serviços sociais autônomos e, de acordo com Carvalho Filho[9], são pessoas jurídicas de direito privado que exercem atividades capazes de produzir algum benefício para grupos sociais ou categorias profissionais. A respeito dos destinatários da atividade desempenhada pelas entidades do Sistema S, ratifica Justen Filho[10]: “Entidade paraestatal ou serviço social autônomo é uma pessoa jurídica de direito privado criada por lei para, atuando sem submissão à Administração Pública, promover o atendimento de necessidades assistenciais e educacionais de certos setores empresariais ou categorias profissionais, que arcam com sua manutenção mediante contribuições compulsórias”. Por isso que, antes de esmiuçar as peculiaridades das entidades do “Sistema S”, faz-se necessário contextualizar de forma breve a educação profissional na história brasileira, visto que as pessoas jurídicas de cooperação governamental tratadas neste trabalho são voltadas ao ensino e formação de categorias profissionais. Essa modalidade de ensino surgiu com um propósito assistencialista, servindo para “amparar os órfãos e demais desvalidos da sorte”[11]. Atender àqueles que não tinham condições sociais satisfatórias, educando-os para que não continuassem a praticar ações que estavam na contraordem dos bons costumes, demonstra que essa educação tinha um viés puramente social, sem preparar diretamente os hipossuficientes para o exercício de uma profissão que lhes trouxesse lucros. A mudança começou no início do século XX, quando houve um esforço público de organização da formação profissional, modificando a preocupação mais nitidamente assistencialista de atendimento a menores abandonados e órfãos, para a da preparação de operários para o exercício do labor[12]. Assim, em 1906, a educação profissional passou a ser atribuição do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, mediante a busca da consolidação de uma política de incentivo para preparação de ofícios dentro destes três ramos da economia. “Na década de 20 a Câmara dos Deputados promoveu uma série de debates sobre a expansão do ensino profissional, propondo a sua extensão a todos, pobres e ricos, e não apenas aos “desafortunados”. Foi criada, então, uma comissão especial, denominada “Serviço de Remodelagem do Ensino Profissional Técnico”, que teve o seu trabalho concluído na década de 30, à época da criação dos Ministérios da Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e Comércio[13]”. Posteriormente, deu-se o surgimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), em 1946, a partir de determinação constitucional (art. 129, Constituição Federal de 1937)[14], exigindo que o ensino vocacional e pré-vocacional passassem a ser dever do Estado, com a colaboração das empresas e dos sindicatos econômicos. A Constituição de 1937 possibilitou, dessa forma, a definição de Leis Orgânicas do Ensino Profissional, a criação dessas entidades especializadas, e ainda a transformação das antigas escolas de aprendizes artífices em escolas técnicas federais[15]. Em suma, dispõe Oliveira (2012, p. 45 apud VARESCHINI, 2016, p. 2): “Em apertada síntese, podemos afirmar que os Serviços Sociais Autônomos (concepção antiga) já tiveram sua justificação fundada no dever assistencial genérico do Estado. Hoje, em sua faceta moderna (como entidades de colaboração governamental), mais do que uma atividade meramente educacional e assistencial, elas se justificam como atividades de fomento público, em que o Estado tenta promover e desenvolver uma plena aptidão técnica, física ou mental do homem para progredir no trabalho. (…) Nestes termos, os entes de colaboração governamental impactam de sobremaneira na busca do pleno emprego, na medida em que maximizam, por meio de ações concretas estabelecidas em seus objetivos institucionais, as oportunidades de emprego produtivo, seja por meio do comércio, indústria, cooperativismo, micro e pequenas empresas, transporte, agricultura e exportação, visando à justiça social e ao desenvolvimento nacional. Com efeito, verifica-se que as ações das entidades de colaboração governamental revestem-se, indubitavelmente, de elevados objetivos de ordem pública, podendo ser qualificadas como sendo benemerentes e de assistência social, na medida em que materializam a consecução do ideário consagrado no art. 203, inciso III, da Constituição Federal, ou seja, a promoção da integração ao mercado de trabalho”. Relativamente às entidades do “Sistema S”, sua criação, organização e direção são realizadas por confederações nacionais, por força de legislação específica[16]. Segundo Di Pietro[17], “as leis que deram origem a tais entidades não as criaram diretamente, nem autorizaram o Poder Executivo a fazê-lo, como ocorre com as entidades da Administração Indireta. Tais leis atribuíram às Confederações Nacionais o encargo de fazê-lo”. O SENAI, por exemplo, foi organizado e dirigido pela Confederação Nacional da Indústria, nos termos do artigo 3º, Decreto-lei no 4.048/42[18], e, por se tratar de uma entidade de ensino, passou a ser fiscalizado pelo Ministério da Educação e Cultura (art. 11 do Decreto no 494/62)[19]. Em virtude de o tema ser um pouco incerto, a princípio o leitor pode ter a impressão que “Sistema S” é uma expressão sinônima ao serviço social autônomo. Ocorre que este é o gênero, enquanto que aquele é espécie. Dentre outras características, as entidades dos serviços sociais autônomos tradicionais – “Sistema S” – não têm subordinação hierárquica às autoridades públicas, ficando apenas vinculadas ao órgão estatal que tenha relação com suas atividades, para fins de controle finalístico[20]. Além disso, prestam contas ao TCU, em razão do uso do dinheiro público recebido para sua manutenção. Em contrapartida, uma categoria mais atual do serviço social autônomo tem regime e perfil jurídicos bem diversos dos atribuídos tradicionalmente às entidades da mesma natureza, sendo que o Presidente da entidade é nomeado pelo Presidente da República; há supervisão compete ao Poder Executivo; inclusão de dotações consignadas no Orçamento-Geral da União; dentre outras singularidades[21]. Em razão dessas diferenças, portanto, faz-se necessário desenvolver uma reflexão sobre o conceito de entidades do serviço social autônomo, bem como analisar as suas classificações.       1.1 PECULIARIDADES RELATIVAS AOS ENTES DE COOPERAÇÃO Frequentemente, fala-se em Terceiro Setor como aquele ramo do direito administrativo que abrange pessoas jurídicas remanescentes, ou seja, que não se enquadram nem no Primeiro Setor – Estado –, nem no Segundo – mercado. Necessário fazer uma breve consideração sobre ambos – o Poder Público e a iniciativa privada –, para compreender o porquê de as entidades do Terceiro Setor não se confundirem com esses outros grupos. Diz-se que as entidades integrantes do serviço social autônomo não compõem a Administração Pública primeiramente por não estarem inseridas no rol legal de entes administrativos. A Administração Federal compreende, nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei nº 200/67[22], a Direta – conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas -, e a Indireta, formada pelas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas. Diversos procedimentos que devem ser adotados pelas entidades estatais não são exigidos com a mesma rigidez às pessoas de cooperação governamental, como a licitação e contratação de pessoal, temas que serão estudados adiante. Segundo Di Pietro, a dificuldade na fixação da natureza jurídica dessas entidades, bem como enquadramento ou não entre a Administração Pública Indireta, decorre do fato de que, na vigência da Constituição de 1946, época em que surgiram, ainda não havia normas específicas no direito brasileiro sobre a administração indireta, trazendo incertezas à classificação[23]. Não é o que ocorre hoje em dia, já que as leis informam expressamente quem compõe a Administração Pública Indireta. Sobre essa distinção, Marques Neto e Cunha[24] esclarecem o seguinte: “E é justamente por isso que os serviços sociais autônomos não se confundem com o rol de figuras administrativas constantes do Decreto-Lei no 200/1967. Em primeiro lugar, embora exerçam atividade de interesse público sem caráter econômico, não se confundem com as autarquias porque não são pessoas jurídicas de direito público. Por outro lado, não se confundem com as empresas estatais ou sociedades de economia mista porque, ainda que estas possuam natureza de direito privado, os serviços sociais autônomos não exercem atividades econômicas com fins lucrativos. De mais a mais, não se confundem com as fundações estatais porque não têm estrutura fundacional, ou seja, não decorrem da afetação de um patrimônio a uma finalidade de interesse público. Daí a conclusão lógica de não integrarem a estrutura administrativa do Estado porque não se adéquam aos figurinos disciplinados pelo Decreto-Lei no 200/1967”. Surgem dúvidas a respeito da aproximação entre as entidades do serviço social autônomo e a Administração Indireta quando se analisa o conceito de entidades paraestatais. Como se verá mais adiante, as pessoas de cooperação governamental fazem parte do grupo de entidades paraestatais, mas há posicionamentos doutrinários no sentido de que pessoas da administração indireta também estariam incluídas nesse gênero. Para Carvalho Filho, por exemplo, a expressão paraestatal “deveria abranger toda pessoa jurídica que tivesse vínculo institucional com a pessoa federativa, de forma a receber desta os mecanismos estatais de controle”. Estariam, pois, enquadradas como entidades paraestatais as pessoas da administração indireta e os serviços sociais autônomos[25]. Trata-se de pessoas jurídicas de Direito Privado dispostas paralelamente ao Estado, para executar cometimentos de interesse público, mas não privativos da Administração. Os entes de cooperação são verdadeiras entidades paraestatais, e entre as espécies de entes de cooperação – que podem ser compreendidas na expressão “entidades paraestatais” – estão os serviços sociais autônomos[26]. No entanto, a colocação que é mais aceita no direito administrativo brasileiro é a de Meirelles, ao informar que entidades paraestatais são do regime jurídico de direito privado, com autonomia administrativa e financeira, mas executam atividades públicas impróprias do Poder Público, ou seja, que não são essenciais, mas ainda assim são de utilidade pública, de interesse da coletividade (MEIRELLES, 1981. p. 13 apud MARQUES NETO; CUNHA, 2013, p. 139). Não é o que ocorre com as entidades administrativas, que recebem, por delegação, a titularidade e/ou execução do serviço; neste caso, a atividade pública é própria, típica[27]. As atividades exercidas pelas entidades paraestatais são fomentadas pelo Estado, ficando sujeitas à supervisão do órgão da entidade estatal a que se encontrem vinculadas, para o controle de desempenho estatutário (MEIRELLES, 2006. p. 67 apud MARQUES NETO; CUNHA, 2013, p. 140). Ora, por esse conceito fica mais clara a distância entre os serviços sociais autônomos e a Administração Indireta. A respeito do Segundo Setor, ou seja, o mercado, trata-se de uma instituição jurídica fruto do liberalismo, que exige, “para a satisfação do seu interesse, o afastamento ou a redução de qualquer entrave social, político ou moral ao processo de acumulação de capital”. Esse setor espera que a interferência estatal seja mínima para não comprometer o lucro e a livre concorrência[28]. Esse sistema capitalista espera proteção estatal à autonomia individual dos seus agentes econômicos, a qual começa pela liberdade de atuação. Não há a possibilidade dos serviços sociais autônomos se enquadrarem nesse setor, porque não possuem qualquer finalidade lucrativa. As contribuições compulsórias que recebem são devidamente fiscalizadas pelo Tribunal de Contas da União, com o intuito de garantir a sua destinação para a finalidade específica; por isso, não representam acumulação de capital. Tais entidades têm como objetivo executar alguma atividade caracterizada como serviço de utilidade pública[29]. Diferenciam-se das pessoas jurídicas do segundo setor pela ausência de fins lucrativos, recebimento de incentivos estatais para a sua manutenção, dever de prestar contas desses recursos públicos, entre outras características, conforme dispõe ADI 1.864[30]: “[…] os serviços sociais autônomos são entes paraestatais cujo objetivo é promover a cooperação com o Poder Público no desempenho de suas atribuições. Com personalidade de direito privado, prestam assistência ao Estado e são mantidas por meio de dotações orçamentárias ou contribuições parafiscais. Estão sujeitos à prestação de contas dos recursos públicos que recebem para a sua manutenção, sendo que seus servidores, sujeitos ao regime privado de emprego, equiparam-se aos funcionários públicos exclusivamente para fins de responsabilidade criminal por delitos funcionais”. Os serviços sociais autônomos atuam, portanto, junto à Administração Pública Direta e Indireta, só que sem compô-la[31]. Possuem autonomia na sua gestão, mas, por receberem recursos públicos, são fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União para que a verba seja destinada à finalidade para qual foram criados, não podendo ter fins lucrativos. Por essas peculiaridades que as pessoas de cooperação governamental não podem nem ser incluídas na Administração Pública e nem na iniciativa privada. Percebe-se, dessa forma, que as entidades do Terceiro Setor são assim identificadas por exclusão. Quanto à natureza da atividade prestada pelos serviços sociais autônomos, confirma o Acórdão 3554/14, do Plenário do TCU (apud VARESCHINI, 2016, p. 5): “Os Serviços Sociais Autônomos realizam atividade privada de interesse público e, por isso, são incentivadas pelo Poder Público. Ou seja, não prestam serviço público delegado pelo Estado. A participação do Estado ocorre para incentivar a iniciativa privada, mediante subvenção garantida por meio da instituição compulsória de contribuições parafiscais destinadas especificamente para essa finalidade. É atividade privada de interesse público que o Estado resolveu incentivar e subvencionar”. Dessa forma, um dos instrumentos que terá como objeto a prestação de serviço de utilidade pública por um ente de cooperação é o convênio. Trata-se de um acordo – e não contrato – firmado por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. Ao contrário dos contratos, no convênio há interesses comuns e coincidentes[32]. Numa relação entre entidades públicas e privadas, o convênio não é possível como forma de delegação, porque nos serviços públicos o Estado assume uma atividade de atendimento às necessidades coletivas, exercendo-a parcial ou totalmente sobre as regras públicas. De outro modo, convênio é possível como modalidade de fomento, pois a atividade é prestada pela iniciativa privada, restando ao Estado incentivar a sua concretização[33]. Quanto ao início da personalidade jurídica, a existência legal dos serviços sociais autônomos surge com a inscrição do ato constitutivo no cartório próprio, no caso o Registro Civil de Pessoas Jurídicas[34], precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo, com fulcro no artigo 45 do Código Civil[35]. Os estatutos são delimitados por meio de regimentos internos, normalmente aprovados por decreto do Chefe do Executivo. Neles, desenha-se a organização administrativa da entidade, fazendo-se referência aos objetivos, órgãos diretivos, competências e normas relativas aos recursos e à prestação de contas[36]. O Regimento do SENAI, por exemplo, tem como objetivos a assistência aos empregadores na elaboração e execução de programas gerais de treinamento do pessoal dos diversos níveis de qualificação; a apresentação, aos trabalhadores maiores de 18 anos, das oportunidades de completar, em cursos de curta duração, a formação profissional parcialmente adquirida no local de trabalho; cooperação no desenvolvimento de pesquisas tecnológicas de interesse para a indústria e atividades assemelhadas. Sobre os recursos que constituem sua receita, incluem-se as contribuições previstas em lei, as doações e legados, as subvenções, as multas arrecadadas por infração de dispositivos legais e regulamentares, rendas oriundas de prestações de serviços e mutações patrimoniais, inclusive as de locação de bens de qualquer natureza, as rendas eventuais[37]. A manutenção dessas entidades é feita mediante contribuição parafiscal exigida dos empregados, ou seja, dos industriais e comerciantes, garantida nos diplomas legais[38]. O Superior Tribunal de Justiça confirmou que os exercentes dessas atividades estão sujeitos às contribuições, quando declarou, na Súmula 499, que as empresas prestadoras de serviços também poderiam auxiliar financeiramente o SESC e SENAC, salvo se integradas noutro serviço social. Os recursos públicos transferidos a qualquer título para essas entidades submeter-se-ão à fiscalização, com a finalidade de verificar o cumprimento de metas e objetivos para os quais foram destinados[39]. Dispõe o artigo 34 do Decreto n° 61.843/67[40] que nenhum recurso do SENAC, quer na administração nacional, quer nas administrações regionais, será aplicado, seja qual for o título, senão em prol das finalidades da instituição, de seus beneficiários, ou de seus servidores, na forma prescrita neste Regulamento. Havendo valor remanescente dos recursos distribuídos às entidades de serviço social autônomo, constitui-se superavit – e não lucro -, e devem ser revertidos para os mesmos objetivos[41]. A instituição dessas contribuições parafiscais, nos termos do art. 149, § 1º da CRFB/88, será de competência da União. Os demais entes políticos – Estados, Distrito Federal e os Municípios – apenas poderão instituir contribuições para o costeio de sistemas de previdência e assistência social, a serem cobradas de seus servidores, em seu benefício (RE n° 138.284-8/CE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ: 28/08/1992, p. 7). A jurisdição do Tribunal de Contas da União abrange os responsáveis por entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado que recebam contribuições parafiscais e prestem serviço de interesse público ou social, nos termos do art. 5º, V, Lei nº 8.443/92[42]. Ainda sobre os dirigentes dos serviços sociais autônomos, para fins de sanção por atos de improbidade administrativa, eles são considerados agentes públicos (art. 2º, pela Lei 8.492/92), devendo, ademais, apresentar declaração de bens antes da posse e do exercício (art. 13º, pela Lei 8.492/92)[43]. Dentre tantas as características relativas aos serviços sociais autônomos que foram mencionados nesse tópico, como a natureza jurídica e o objeto dessas pessoas jurídicas, faz-se necessário localizar as entidades do “Sistema S” no gênero que foi estudado, visto que o presente trabalho focaliza os entes de cooperação tradicionais.              1.2 CLASSIFICAÇÃO DAS ENTIDADES DO “SISTEMA S” Classificar as entidades do “Sistema S” demanda uma análise minuciosa, tendo em vista que, para chegar a esse grupo é necessário localizá-lo dentro das subdivisões do Terceiro Setor. Sabe-se que estão inseridas neste microssistema, porque não integram o Estado (primeiro setor), e nem se enquadram inteiramente na iniciativa privada (segundo setor), como dito anteriormente. Em seguida, as peculiaridades das entidades do Sistema S levaram juristas e membros dos órgãos de controle a incluí-las nas paraestatais. As camadas não se esgotam nessas duas classes, pois os serviços sociais autônomos ainda se subdividem, como será mencionado a seguir. São consideradas paraestatais pelo fato de não integrarem nem a Administração Pública Direta, nem a Indireta, desempenhando suas tarefas ao lado do Estado, o qual as tornou oficiais e lhes deu amparo. Podem arrecadar as contribuições parafiscais, quando não estejam sendo subsidiadas diretamente por recursos orçamentários da entidade pública que as tenha criado[44]. Na doutrina brasileira há uma imprecisão conceitual quanto à entidade paraestatal[45], visto que alguns estudiosos entendem como uma espécie de autarquia, conservando fortes laços de dependência burocrática; outros alegam que se trata de uma pessoa jurídica de direito privado, cuja criação é autorizada por lei específica, para a realização de atividades de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado; e para outros o conceito abrange entidades que exercem função típica, embora não exclusiva, do Estado. No último posicionamento, estão incluídas as que amparam os hipossuficientes, de assistência social e de formação profissional. O ilustre professor José Cretella Júnior[46], por exemplo, alega que os entes paraestatais são sinônimos de autarquias, do que extrai o conceito de autarquias paraestatais, as quais “conservam fortes laços de dependência burocrática, possuindo, em regra, cargos criados e providos conjuntamente com as demais repartições do Estado, num âmbito de ação coincidente com o do território do Estado e participam amplamente do ‘jus imperii’”. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto[47], paraestatais seriam as pessoas jurídicas de direito privado criadas por lei para desempenhar atribuições de natureza executiva no campo social e econômico. Dividir-se-iam, à luz dessa classificação, em paraestatais integrantes da administração indireta (as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as subsidiárias destas duas figuras e as fundações públicas) e paraestatais associadas, que são os entes privados criados por lei e que recebem delegação legal para a prática de atividades administrativas públicas, mas sem vínculo com a hierarquia estatal. Por outro lado, é o conceito de paraestatal criado por Meirelles[48] que mais se consagrou no direito administrativo brasileiro. Segundo este autor: “O étimo da palavra paraestatal está indicando que se trata de ente disposto paralelamente ao Estado, ao lado do Estado, para executar cometimentos de interesse do Estado, mas não privativos do Estado. Enquanto as autarquias devem realizar atividades públicas típicas, as entidades paraestatais prestam-se a executar atividades públicas atípicas, impróprias do Poder Público, mas de utilidade pública, de interesse da coletividade, e, por isso, fomentadas pelo Estado, que autoriza a criação de pessoas jurídicas com personalidade privada para a realização de tais atividades com apoio oficial. O paraestatal não é o estatal, nem é o particular; é o meio-termo entre o público e o privado. Justapõe-se ao Estado sem o integrar como o autárquico, ou alhear-se como o particular. Tem personalidade privada, mas realiza atividades de interesse público, e, por isso, os atos de seus dirigentes, revestindo certa autoridade e gerindo patrimônio público, expõem-se a determinados controles administrativos e sujeitam-se a mandado de segurança e a ação popular”. Já mais recentemente, acrescentou também o professor Meirelles (2006. p. 67 apud MARQUES NETO; CUNHA, 2013, p. 140) que as entidades paraestatais configuram: “[p]essoas jurídicas de Direito Privado que, por lei, são autorizadas a prestar serviços ou realizar atividades de interesse coletivo ou público, mas não exclusivos do Estado. (…) As entidades paraestatais são autônomas, administrativa e financeiramente, têm patrimônio próprio e operam em regime da iniciativa particular, na forma de seus estatutos, ficando sujeitas apenas à supervisão do órgão da entidade estatal a que se encontrem vinculadas, para o controle de desempenho estatutário. São os denominados entes de cooperação com o Estado”. Para Di Pietro[49], além dos serviços sociais autônomos, dentre as entidades paralelas ao Estado podem ser incluídas as entidades de apoio (em especial fundações, associações e cooperativas), as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público. Como foi dito no início do tópico, os serviços sociais autônomos são uma espécie de entidade paraestatal, e não uma expressão sinônima. Os primeiros serviços sociais autônomos surgiram em meados do século XX, e foram batizados de entidades do “Sistema S”: SESI (Serviço Social da Indústria), SESC (Serviço Social do Comércio), SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial), destinados à formação profissional e educação para o trabalho, também com vistas, respectivamente, à indústria e ao comércio[50]. O denominado Sistema “S” é vinculado às entidades patronais de grau superior e patrocinados, basicamente, por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado. Receberam das legislações que os criou inegável autonomia administrativa, limitada, formalmente, ao controle finalístico pelo Tribunal de Contas, de aplicação dos recursos recebidos[51]. Conforme reconheceu o Supremo Tribunal Federal, no RE nº. 789.874/DF[52], as entidades do “Sistema S” apresentam caráter sindical em virtude da sua criação, organização e administração terem sido responsabilidade de Confederações Nacionais: “Presentes no cenário brasileiro desde a década de 1940, as entidades integrantes do denominado Sistema ‘S’ resultaram de iniciativa estatal destinada a desenvolver a prestação de certos serviços de elevado valor social. Conferiu-se a entidades sindicais dos setores econômicos a responsabilidade de criar, organizar e administrar entidades com natureza jurídica de direito privado destinadas a executar serviços de amparo aos trabalhadores. Como fonte financiadora desses serviços, atribui-se às empresas vinculadas a cada um dos setores econômicos envolvidos a obrigação de recolher uma contribuição compulsória, incidente sobre suas folhas de pagamento”. (RE nº. 789.874/DF, STF, Plenário, Min. Rel. Teori Zavascki, DJ: 17/9/2014, p. 2) Posteriormente, foram criadas outras pessoas dessa natureza: o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), focada em planejar, coordenar e orientar programas técnicos, projetos e atividades de apoio às micro e pequenas empresas, em conformidade com as políticas nacionais de desenvolvimento, particularmente as relativas às áreas industrial, comercial e tecnológica; o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), com o objetivo de organizar, administrar e executar o ensino da formação profissional rural e a promoção social do trabalhador rural; o SEST (Serviço Social do Transporte), servindo para gerenciar, desenvolver, executar, direta ou indiretamente, e apoiar programas voltados à promoção social do trabalhador em transporte rodoviário e do transportador autônomo, notadamente nos campos da alimentação, saúde, cultura, lazer e segurança no trabalho; e o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte), voltado à aprendizagem do trabalhador em transporte rodoviário e do transportador autônomo, notadamente nos campos de preparação, treinamento, aperfeiçoamento e formação profissional[53]. O SEBRAE passou a ter natureza jurídica de entidade de cooperação governamental com a entrada em vigor da Lei nº 8.029/1990[54], a qual dispôs em seu artigo 8° que “é o Poder Executivo autorizado a desvincular, da Administração Pública Federal, o Centro Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa – CEBRAE, mediante sua transformação em serviço social autônomo”. A mudança de denominação da entidade está disposta no artigo 1º, parágrafo único, do Decreto nº 99.570/1990[55]. Quanto aos seus líderes, o Decreto dispõe que o Presidente do Conselho Deliberativo será eleito dentre seus membros (art. 10, §2°), em sinal de desvinculação ao Poder Público, e a Diretoria Executiva será composta por 1 (um) Presidente e 2 (dois) Diretores, eleitos pelo Conselho Deliberativo, com mandato de 4 (quatro) anos (art. 10, §3°). O SENAR é organizado e administrado pela Confederação Nacional da Agricultura (art. 2°, Lei nº 8.315/1991[56]). Quanto às rendas, a arrecadação da contribuição será feita juntamente com a Previdência Social e o seu produto será posto, de imediato, à disposição do SENAR, para aplicação proporcional nas diferentes Unidades da Federação, de acordo com a correspondente arrecadação, deduzida a cota necessária às despesas de caráter geral (art. 3º, §3º). Os membros titulares do Conselho Deliberativo serão indicados juntamente com seus respectivos suplentes (art 4°, §1º, Decreto n° 566/1992[57]), tendo cada conselheiro direito a um voto em plenário. Cabe ao Presidente, além do seu, o voto de qualidade (art 4°, §2º, Decreto n° 566/1992). Ligados à Confederação Nacional do Transporte – CNT (art. 1º, Lei nº 8.706/1993[58]) estão o SEST e o SENAT. As rendas para a manutenção de ambos serão compostas, dentre outras, pelas atuais contribuições compulsórias das empresas de transporte rodoviário, calculadas sobre o montante da remuneração paga pelos estabelecimentos contribuintes a todos os seus empregados e recolhidas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social, em favor do Serviço Social da Indústria – SESI, e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, que passarão a ser recolhidas em favor do Serviço Social do Transporte – SEST e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte – SENAT, respectivamente (art 7º, I). Deve-se atentar para os serviços sociais autônomos ainda mais recentes, como a APEX-Brasil (Agência de Promoção de Exportações do Brasil) e a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial)[59]. A primeira com o objetivo de promover a execução de políticas de promoção de exportações, em cooperação com o Poder Público, especialmente as que favoreçam as empresas de pequeno porte e a geração de empregos; e a segunda, destinada a executar políticas de desenvolvimento industrial, especialmente as que contribuam para a geração de empregos, em consonância com as políticas de comércio exterior e de ciência e tecnologia. Cumpre anotar que dentro da própria categoria dos serviços sociais autônomos há uma subdivisão. Há as entidades do “Sistema S” clássicas, desvencilhadas do Estado, sem qualquer relação hierárquica, apenas submetidas a controle finalístico e dever de prestar contas dos recursos públicos recebidos para a sua manutenção. Há também as entidades de serviços sociais autônomos atuais, detentoras de regime e perfil jurídicos bem diversos dos atribuídos tradicionalmente às pessoas jurídicas da mesma natureza[60]. Ao contrário das entidades do Sistema “S” tradicionais, os novos serviços sociais autônomos, apesar de levarem essa denominação nas leis que as instituíram, foram implementadas pelo Poder Executivo, e não por entidades sindicais; não tem como objetivo a prestação de serviços sociais ou de formação profissional; não possuem a mesma independência administrativa e financeira que os entes de cooperação tradicionais têm, por estarem ligadas ao Poder Público. Ratificando o posicionamento de Carvalho Filho, dispõe a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[61]   “É importante não confundir essas entidades, nem equipará-las com outras criadas após a Constituição de 1988, cuja configuração jurídica tem peculiaridades próprias. É o caso, por exemplo, da Associação das Pioneiras Sociais – APS (serviço social responsável pela manutenção da Rede SARAH, criada pela Lei 8.246/91), da Agência de Promoção de Exportações do Brasil – APEX (criada pela Lei 10.668/03) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial – ABDI (criada pela Lei 11.080/04). Diferentemente do que ocorre com os serviços autônomos do Sistema “S”, essas novas entidades (a) tiveram sua criação autorizada por lei e implementada pelo Poder Executivo, não por entidades sindicais; (b) não se destinam a prover prestações sociais ou de formação profissional a determinadas categorias de trabalhadores, mas a atuar na prestação de assistência médica qualificada e na promoção de políticas públicas de desenvolvimento setoriais; (c) são financiadas, majoritariamente, por dotações orçamentárias consignadas no orçamento da própria União (art. 2º, § 3º, da Lei 8.246/91, art. 13 da Lei 10.668/03 e art. 17, I, da Lei 11.080/04); (d) estão obrigadas a gerir seus recursos de acordo com os critérios, metas e objetivos estabelecidos em contrato de gestão cujos termos são definidos pelo próprio Poder Executivo; e (e) submetem-se à supervisão do Poder Executivo, quanto à gestão de seus recursos.                                               (…)                                                                  Bem se vê, portanto, que ao contrário dos serviços autônomos do primeiro grupo, vinculados às entidades sindicais (SENAC, SENAI, SEST, SENAT e SENAR), os do segundo grupo (APS, APEX e ABDI) não são propriamente autônomos, pois sua gestão está sujeita a consideráveis restrições impostas pelo poder público, restrições que se justificam, sobretudo, porque são financiadas por recursos do próprio orçamento federal. Essas limitações atingem, inclusive, a política de contratação de pessoal dessas entidades. Tanto a lei que autorizou a criação da APS, quanto aquelas que implementaram a APEX e a ABDI têm normas específicas a respeito dos parâmetros a serem observados por essas entidades nos seus processos seletivos e nos planos de cargos e salários de seus funcionários” (ex: art. 3º, VIII e IX, da Lei 8.246/91, art. 9º, V e VI da Lei 10.668/03 e art. 11, §§ 2º e 3º da Lei 11.080/04). A Lei n° 10.668/2003[62], por exemplo, prevê expressamente em seu artigo 1º que o Poder Executivo tem autorização para instituir o Serviço Social Autônomo Agência de Promoção de Exportações do Brasil – Apex-Brasil, na forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e de utilidade pública. No entanto, percebe-se que, diferentemente das entidades de cooperação governamental tradicionais, o Presidente da Diretoria Executiva da Apex-Brasil será indicado pelo Presidente da República (art. 6°). Também será elaborado contrato de gestão, cujos termos serão definidos pelo Poder Executivo (art. 9º, I), e o processo de seleção para admissão de pessoal efetivo observará os mesmos princípios aplicados à Administração Pública (art. 9º, V). Da mesma forma, o Presidente e os Diretores da Diretoria Executiva da ABDI serão escolhidos e nomeados pelo Presidente da República para o exercício de mandato de 4 (quatro) anos, podendo ser por ele exonerados a qualquer tempo, de ofício ou por proposta do Conselho Deliberativo, aprovada por maioria absoluta de seus membros (art. 6º, Lei nº 11.080/2004). A ABDI, com observância aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade (art. 11), firmará contrato de gestão com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior para execução das finalidades previstas na lei que autorizou a sua instituição (art. 10)[63]. Ademais, constituem receitas adicionais da ABDI os recursos que lhe forem transferidos em decorrência de dotações consignadas no Orçamento-Geral da União, créditos adicionais, transferências ou repasses (art. 17, I, Lei nº 11.080/2004)[64]. Nos serviços sociais clássicos, todavia, não há recebimento de recursos diretos do erário. Esses serviços sociais autônomos mais recentes afastaram-se do modelo clássico e mais se aproximaram do sistema da Administração Pública descentralizada. Levando em consideração seu objeto institucional, poderiam ser corretamente enquadradas como agencias executivas, sob a forma de autarquias. No caso, acabou surgindo um regime híbrido: são típicas pessoas administrativas, embora excluídas formalmente da Administração Indireta. Classificar as entidades do “Sistema S”, mostrando que são uma espécie de entidades paraestatais, além de uma subdivisão dos serviços sociais autônomos, foi relevante para facilitar a análise dos problemas jurídicos que giram em torno especificamente desses entes. Necessário, agora, trazer à baila assuntos que frequentemente são discutidos nos Tribunais sobre as entidades do “Sistema S” tradicionais.   Conforme mencionado no capítulo anterior, as entidades do “Sistema S” atuam paralelamente ao Estado e possuem autonomia administrativa, submetendo-se a controle finalístico para que seja analisado o destino que está sendo dado aos recursos públicos que recebem para a sua manutenção. O presente capítulo não inclui os serviços sociais autônomos mais recentes justamente por apresentarem características de subordinação ao Estado. As controvérsias estudadas a seguir levam ao mesmo questionamento: qual dos regimes jurídicos influencia mais as relações com as entidades do “Sistema S”? O público ou o privado? Em grande parte, o regime jurídico aplicável a essas entidades é o de direito privado, no entanto, a natureza supraindividual dos interesses atendidos e o cunho tributário dos recursos envolvidos faz com que algumas regras do direito público tenham brechas para serem aplicadas[65]. Esse entendimento é perceptível em decisões do Tribunal de Contas da União, como no caso do Acórdão 1.589/2014, 2ª. Câmara, de relatoria do Ministro Aroldo Cedraz[66]: “A jurisprudência do Tribunal é pacífica no sentido de considerar que as entidades do chamado “Sistema S” não estão sujeitas a todos os comandos da Lei nº 8.666/1993, mas que devem obedecer os princípios inerentes à licitação pública e a realização da despesa pública de uma forma geral” (Acórdãos 88/2008, 556/2010, 1.029/2011, 526/2013, todos do Plenário, dentre diversos outros). Um ponto que diferencia essas entidades da iniciativa privada é o fato de serem criadas por lei. Ainda que sejam dotadas de personalidade jurídica de direito privado e geridas por particulares, isso significa que não se trata propriamente de entidades resultantes da livre escolha dos particulares. Sua existência, sua estrutura e seu funcionamento estão contemplados em dispositivos legais[67]. Além disso, Os bens e serviços do SENAI gozam da mais ampla isenção fiscal, nos termos do artigo 9º do Decreto nº 494/62[68]. A prestação de contas também é uma distinção à iniciativa privada e deve ser feita por qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária[69]. Nesse sentido, já estabelecia o artigo 183 do Decreto-lei 200/1967[70]: “As entidades e organizações em geral, dotadas de personalidade jurídica de direito privado, que recebem contribuições parafiscais e prestam serviços de interesse público ou social, estão sujeitas à fiscalização do Estado nos termos e condições estabelecidas na legislação pertinente a cada uma”. Por administrarem verbas decorrentes de contribuições parafiscais e desfrutarem de prerrogativas próprias dos entes públicos, estão sujeitas a normas parecidas às da Administração Pública, inclusive no que diz respeito a licitação, processo seletivo para a contratação de pessoal, prestação de contas, submissão ao controle[71], equiparação dos seus empregados aos servidores públicos para fins criminais (art. 327, CP)[72] e improbidade administrativa (Lei nº 8429/92). O relacionamento entre o serviço social autônomo e a realização dos seus fins envolve uma atividade de satisfação de interesses coletivos. Segundo Justen Filho[73], ainda que não exista exercício de competências estatais nem possibilidade de atuação dotada de coercitividade, tem-se de reputar que a atuação desempenhada pelos serviços sociais autônomos é norteada pelos mesmos princípios e regras fundamentais que disciplinam a atividade administrativa. Logo, os integrantes da categoria profissional subordinados a determinado serviço social autônomo, podem exigir a observância pelos administradores dos princípios e regras fundamentais do direito administrativo. Falar em princípios administrativos e sua influência sobre as entidades do “Sistema S” direciona o estudo à (in)dispensabilidade na adoção de procedimento licitatório, bem como à necessidade – ou não – do uso de concurso público para a contratação de pessoal.   2.1 CONTROVÉRSIAS SOBRE A (DES)NECESSIDADE DE SUJEITAR OS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS ÀS NORMAS GERAIS DE LICITAÇÃO Optou-se por intitular o segundo capítulo do presente trabalho de “Temas recorrentes envolvendo as entidades do Sistema S”, e não “Temas atuais […]”, porque, em se tratando de licitação, o assunto apresenta controvérsias datadas antes mesmo da entrada em vigor da Lei nº 8.666/93. Ora, em virtude de a questão estar sempre sendo discutida pela doutrina e jurisprudência, necessário levantar suas interpretações. Os fundamentos que justificam a (des)necessidade das entidades do “Sistema S” se sujeitarem às normas gerais de licitação são questões históricas e que ainda não chegaram a uma conclusão. É uma polêmica antiga, mas que perdura até o momento, podendo usar como exemplo a Decisão nº 24/1993. A Associação das Pioneiras Sociais-APS formulou consulta no Tribunal de Contas da União, Processo nº 010.982/1992-2, ata nº 06/1993, 17/02/1993, buscando conhecer o entendimento desta Corte sobre o  art. 3º, inciso XV, da Lei nº 8.246, de 22/10/91, que prevê a instituição e posterior publicação no Diário Oficial da União de manual de licitação. Esta lei autorizou o Poder Executivo a instituir a referida entidade – na forma de Serviço Social Autônomo – e a extinguir a antiga Fundação das Pioneiras Sociais[74]. O Decreto nº 371, de 21/12/91[75], instituidor da referida entidade, também especificou em seu artigo 11 que, em 90 (noventa) dias, contados da sua instauração, será publicado o regulamento que disciplinará os procedimentos licitatórios do órgão, adequado às suas finalidades, observados os princípios básicos da licitação. Dispôs o parágrafo único que, enquanto essa publicação não for feita, o Serviço Social Autônomo “Associação das Pioneiras Sociais” ficará sujeito às determinações do Decreto-lei nº 2.300, de 21 de novembro de 1986. Naquela época, a Lei Geral sobre Licitações e Contratos era este Decreto-lei nº 2.300/86[76], e informava em seu art. 85, parágrafo único, que as entidades submissas ao mesmo não poderiam ampliar casos de dispensa, inexigibilidade e vedação de licitação. As sociedades de economia mista, empresas públicas e demais entidades controladas pela União, até que editassem seus regulamentos próprios, deveriam agir com observância às normas gerais de licitação, nos termos do art. 86. No caso, o entendimento do Ministério Público foi no sentido de que se sujeitar às normas do Decreto-lei nº 2.300/86 não era uma obrigação atribuída apenas às entidades da Administração Indireta, mas, ainda, atingia todos aqueles entes “controlados direta ou indiretamente pela União Federal”, em cujo rol se inclui os Serviços Sociais Autônomos. Por outro lado, a posição adotada pelo relator[77] foi que os serviços sociais autônomos, como entes de cooperação, do gênero paraestatal, vicejam ao lado do Estado e sob seu amparo, mas sem subordinação hierárquica a qualquer autoridade pública. Por isso, a entidade não seria destinatária das regras impostas pelo art. 86 do Decreto-lei nº 2.300/86, salvo quanto aos princípios básicos expressamente anunciados no seu art. 3º. Atualmente, o mesmo debate perdura no Tribunal de Contas da União. A controvérsia ainda recai sobre a expressão “entidades controladas”. Há decisões que, em virtude das suas peculiaridades, incluem as entidades do “Sistema S” no grupo de pessoas jurídicas submissas à União, e alegam que os regulamentos internos devem se sujeitar à Lei nº 8.666/93. Em contrapartida, há decisões que defendem só ser aplicável a expressão “entidades controladas” às empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 243, § 2º, da Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas). Quanto à expressão “entidades controladas”, eis a previsão legal que as prevê: “Art. 119.  As sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior editarão regulamentos próprios devidamente publicados, ficando sujeitas às disposições desta Lei. Parágrafo único.  Os regulamentos a que se refere este artigo, no âmbito da Administração Pública, após aprovados pela autoridade de nível superior a que estiverem vinculados os respectivos órgãos, sociedades e entidades, deverão ser publicados na imprensa oficial.”[78] Carvalho Filho[79] discorda do entendimento de que a expressão “controladas indiretamente” se refira somente às sociedades reguladas pela Lei nº 6.404/1976. Alega que, embora organizadas pelas Confederações Nacionais – setor privado -, tais entidades têm sua existência autorizada por previsão legal; além disso, há suas contribuições parafiscais, pagas obrigatoriamente pelos contribuintes, caracterizando-se como recursos públicos. Tais fundamentos, para este jurista, são suficientes para submetê-las a controle do Poder Público, que já acontece com relação às suas contas, mas que deve se estender aos procedimentos licitatórios e de contratação. As Decisões nº 47/1995 (1ª Câmara, Ata nº 8/1995), nº 408/1995 (Plenário, Ata nº 37/1995) e nº 166/1996 (2ª Câmara, Ata nº 23/1997), são exemplos de posicionamentos do Tribunal de Contas da União no sentido de ser uma obrigação do SENAI observar em seu regulamento as regras do Estatuto Geral (Lei nº 8.666/93). Estas decisões também entendem pela vedação de que essas disposições fossem contrariadas por regulamentos internos[80]. “2. Faculta-se, por evidente, às entidades retromencionadas a elaboração de regulamentos internos de licitação e contrato. Apenas se exige que tais normas endógenas estejam em consonância com o texto legal. Ao Tribunal cabe, verificando a desconformidade do regulamento com a lei, determinar à entidade que providencie o ajuste do texto normativo interno com os dispositivos legais”[81]. In verbis, para Carvalho Filho[82], as entidades do “Sistema S” não são excluídas da Lei nº 8.666/93: “Por outro lado, estão obrigadas a realizar licitação antes de suas contratações, como o exige a Lei nº 8.666/1993, que, de forma clara, consigna que se subordinam a seu regime jurídico, além das pessoas da Administração Indireta, “as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.” […] Para deixar bem clara a nossa posição, queremos deixar registrado que não estamos questionando se é conveniente ou não que o Estatuto as alcance. Apenas estamos interpretando os dizeres da lei para entender que o texto legal, além de não ofender a Constituição, inclui realmente as pessoas de cooperação governamental. E que, se mudança tiver que acontecer, que o seja através de nova lei federal, e não por interpretação dissonante do texto legal vigente. Em suma, parece-nos que a melhor interpretação era aquela que o Colendo TCU dispensava à matéria anteriormente”. De outro modo, as Decisões nº 907 de 11/12/1997 e nº 461 de 22/07/1998 do Plenário do TCU são dois dos entendimentos que o SENAC utiliza para justificar a desnecessidade da sua submissão à Lei n° 8.666/93.  Conforme a primeira decisão[83], a norma geral de licitações não alargou o seu alcance e nem poderia, pois extrapolaria os limites permitidos pela Constituição para entidades não pertencentes à Administração Direta e Indireta. O parágrafo único do artigo 1º, Lei nº 8.666/93[84], informa que se subordinam ao regime desta Lei, “além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios”. A expressão ‘entidades controladas’ diz respeito apenas às empresas ou sociedades nas quais a União ou suas empresas – considerando-se a Administração Pública Federal – detenha a maioria absoluta dos direitos de voto, nos termos do art. 243, § 2º, da Lei nº 6.404/76[85]. “Art. 243. […] Em outras palavras, para uma entidade se enquadrar como controlada, basta que a suposta controladora detenha o poder de eleger a maioria dos diretores e tomar as principais decisões na vida da empresa que a ela se submete. Assim, segundo a Decisão nº 907/97, tanto o parágrafo único do art. 1º quanto o art. 119 da Lei nº 8.666/93 não podem abranger os serviços sociais autônomos, visto que eles não se inserem entre as entidades que compõem Administração Pública, tampouco são entidades controladas direta ou indiretamente pela União, nos termos definidos na Lei das Sociedades por Ações. Outra polêmica gira em torno do alcance da Lei nº 8.666/1993, se ela poderia ou não alargar o seu domínio para abranger as entidades do “Sistema S” em seu raio de incidência, independente do questionamento se são ou não entidades controladas pela União. A previsão constitucional que trata da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, art. 22, XXVII, informa que sua aplicação, em todas as modalidades, deve se estender às administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III. Se seguir a disposição constitucional à risca, o dever de licitar se dirige à administração direta e indireta, na qual não estão as pessoas de cooperação governamental[86]. Nesse sentido também se posiciona a Decisão nº 907/97[87], alegando que a competência atribuída à União para legislar em matéria de licitações e contratos não abrange os serviços sociais autônomos porque, embora sendo beneficiários de recursos oriundos de contribuições parafiscais, não se incluem entre aquelas unidades e entidades classificadas nos dois grupos da Administração Pública, indicados no art. 22, inciso XXVII, da Constituição Federal. Se a Lei nº 8.666/93, em perfeita consonância com a Constituição, não enumerou essas instituições entre aquelas a que se destina, é defeso ao intérprete fazê-lo. Carvalho Filho[88] alega que, primeiramente, o fato de o art. 22, XXVII, da CF/88, aludir apenas à administração direta e indireta não exclui a possibilidade de o legislador exigir que outras pessoas se submetam também à Lei nº 8.666/1993. Afinal, se a própria lei autorizou a criação de tais pessoas, nada impediria que instituísse mecanismos especiais de controle, pois que afinal todas têm algum elo com o Poder Público. Desse modo, o Estatuto, como lei federal que é, poderia alargar o alcance do dispositivo constitucional para incidir sobre tais entidades (como o fez realmente no art. 1º, parágrafo único), por isso que a Constituição em nenhum momento limitou a lei licitatória apenas às pessoas da Administração Direta e Indireta; exigiu-se tão somente que para estas sempre haveria subordinação ao Estatuto. Após a exposição dos fundamentos que defendem a sujeição das entidades do Sistema “S” à Lei nº 8.666/93, bem como os que opinam pela obediência apenas ao Regulamento Interno, far-se-á um breve comparativo entre ambas as normas, a fim de compreender suas distinções. Quanto às modalidades de licitação, algumas das diferenças são: a) a quantidade de convidados no Convite, visto que, nos termos da Lei nº 8666/93[89], cadastrados ou não, são escolhidos e convidados pelo menos 3 (três) interessados pela unidade administrativa (artigo 22, § 3º), enquanto que pelo Regulamento de Licitações do SENAI[90] (art. 5º, II) o mínimo é de 5 (cinco) interessados; b) o prazo de publicação do edital no Concurso, com 45 dias mínimos de antecedência se seguir a Lei nº 8.666/93 (art. 22, §4º), e sem menção no Regulamento do SENAI (artigo 5º, III); c) o objetivo no Leilão, por que, pela Lei nº 8.666/93, há a venda de bens móveis inservíveis para a administração, venda de produtos legalmente apreendidos ou penhorados e a alienação de bens alienar bens imóveis adquiridos em procedimento judicial ou através de dação em pagamento (art. 22, §5º, Lei nº 8.666/93). O Regulamento do SENAI dispõe, apenas, que é “modalidade de licitação entre quaisquer interessados, para a venda de bens, a quem oferecer maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação” (art. 5º, IV). A Decisão nº 408/1995 (Plenário, Ata nº 37/1995)[91] faz uma comparação entre o que estabelece o art. 12, § 3º, do Regulamento do SENAI, e o art. 22, § 3º, da Lei nº 8.666/93, no intuito de demonstrar a afronta aos princípios regentes da Administração Pública: “O ponto central da Representação de fls. 04/06 reside no fato de o SENAI/PE não ter aceito a interessada como licitante, na forma do art. 22, § 3º, da Lei nº 8.666/93, alterada pela de nº 8.883, de 08/06/94, que encampou a possibilidade de quaisquer outros interessados, não convidados, participarem de licitação na modalidade Convite, desde que manifestem seu interesse com antecedência de até 24 horas da apresentação das “propostas” e sejam cadastrados. […] 16. Percebe-se, assim, que o conceito de Convite, na acepção do SENAI, não permite que os interessados manifestem seus interesses com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas de participarem do procedimento licitatório, o que vai de encontro aos ditames estabelecidos pela Lei nº 8.666/93. 17. Dessa forma, podemos concluir que a Diretoria Regional, ao realizar o certame baseando-se apenas no Regulamento Interno do SENAI, feriu o direito da empresa CONTHÁBIL candidatar-se à licitação, violando, pois, o princípio da legalidade e da igualdade a que se refere o art. 3º da mencionada Lei”. Tendo em vista o valor estimado da contratação, os limites das modalidades de licitação são: a) para obras e serviços de engenharia, até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais) no Convite e acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) na Concorrência, em observância à Lei nº 8.666/93[92] (art. 23, I); até R$ 1.179.000,00 (um milhão, cento e setenta e nove mil reais) no Convite e acima de R$ 1.179.000,00 (um milhão, cento e setenta e nove mil reais) na Concorrência, segundo o Regulamento do SENAI[93] (art. 6º, I); b) para compras e demais serviços, até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) no Convite e acima de R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais) na Concorrência, em observância à Lei nº 8.666/93 (art. 23, II); até R$ 395.000,00 (trezentos e noventa e cinco mil reais) no Convite e acima de R$ 395.000,00 (trezentos e noventa e cinco mil reais) na Concorrência, segundo o Regulamento do SENAI (art. 6º, II). Dentre os tipos de licitação, o Regulamento do SENAI[94] não acrescentou a melhor técnica (art. 8º), sendo o tipo técnica e preço utilizado preferencialmente para contratações que envolvam natureza intelectual ou nas quais o fator preço não seja exclusivamente relevante e, neste caso, desde que justificado tecnicamente (§1º, art. 8º). O Regulamento do SENAI[95] traz as seguintes hipóteses em que a licitação poderá ser dispensada (art. 9º): I) nas contratações de até R$ 79.000,00 (setenta e nove mil reais) para obras e serviços de engenharia e de até R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais) para compras e demais serviços; II) nas alienações de bens no valor máximo de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais); III) quando não acudirem interessados à licitação e esta não puder ser repetida sem prejuízo para o SENAI, mantidas, neste caso, as condições preestabelecidas; IV) nos casos de calamidade pública ou grave perturbação da ordem pública; V) nos casos de emergência, quando caracterizada a necessidade de atendimento a situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens; VI) na aquisição, locação ou arrendamento de imóveis, sempre precedida de avaliação; VII)  na aquisição de gêneros alimentícios perecíveis, com base no preço do dia; VIII) na contratação de entidade incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, científico ou tecnológico, desde que sem fins lucrativos; IX) na contratação, com Serviços Sociais Autônomos e com órgãos e entidades integrantes da Administração Pública, quando o objeto do contrato for compatível com as atividades finalísticas do contratado; X) na aquisição de componentes ou peças necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto a fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição for indispensável para a vigência da garantia; XI) nos casos de urgência para o atendimento de situações comprovadamente imprevistas ou imprevisíveis em tempo hábil para se realizar a licitação; XII)  na contratação de pessoas físicas ou jurídicas para ministrar cursos ou prestar serviços de instrutoria vinculados às atividades finalísticas do SENAI; XIII) na contratação de serviços de manutenção em que seja pré-condição indispensável para a realização da proposta a desmontagem do equipamento; XIV) na contratação de cursos abertos, destinados a treinamento e aperfeiçoamento dos empregados do SENAI; XV) na venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsas; XVI) para a aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades da Entidade; XVII) na contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento em consequência de rescisão contratual, desde que atendida a ordem de classificação da licitação anterior e aceitas as mesmas condições oferecidas pelo licitante vencedor, inclusive quanto ao preço, devidamente corrigido. A licitação será inexigível[96] quando houver inviabilidade de competição, em especial (art. 10, Regulamento SENAI): I) na aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros diretamente de produtor ou fornecedor exclusivo; II) na contratação de serviços com empresa ou profissional de notória especialização, assim entendido aqueles cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com sua atividade, permita inferir que o seu trabalho é o mais adequado à plena satisfação do objeto a ser contratado; III) na contratação de profissional de qualquer setor artístico; IV) na permuta ou dação em pagamento de bens, observada a avaliação atualizada; V) na doação de bens. A dispensa de licitação é outro assunto que provoca constantes debates. Há entendimento do Tribunal de Contas da União alegando que os Serviços Sociais Autônomos não podem, em seus regulamentos próprios de licitações e contratos, estabelecer novas hipóteses de contratação direta[97]. Reconhece que, por se tratar de uma pessoa jurídica de direito privado, as entidades de cooperação governamental não seguem os estritos termos da Lei 8.666/93, mas alerta que as hipóteses de contratação direta devem ter correspondência às já estabelecidas por norma geral, de competência privativa da União, como é possível observar a seguir:  “3. As entidades do Sistema S não podem instituir em seus regulamentos novas hipóteses de contratação direta, haja vista que a matéria deve ser disciplinada por norma geral, de competência privativa da União.                                                   Pedido de Reexame interposto pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex- Brasil) requerera, dentre outras demandas, a insubsistência de determinação do TCU que a obrigara a promover alteração de dispositivo constante em seu regulamento de licitações e contratos para adequá-lo aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e da igualdade. O dispositivo em questão permite a dispensa de licitação ‘para a participação da Apex-Brasil em feiras, exposições, congressos, seminários e eventos em geral, relacionados com sua atividade-fim’. Contrapondo os argumentos do relator, e em consonância com o posicionamento da unidade técnica, o revisor destacou que a redação do dispositivo ‘abre ampla margem para que a entidade contrate, por dispensa de licitação, quaisquer serviços necessários a sua participação em eventos’, em afronta aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da moralidade e da publicidade. Mencionando que a jurisprudência do TCU, de um lado, reconhece que as entidades do Sistema S não se submetem aos exatos termos da Lei 8.666/93, o revisor afirmou que, de outro lado, é pacífico que essas entidades devem obediência aos princípios elencados no art. 37 da Constituição Federal e no caput do art. 3º do Estatuto das Licitações, bem como ‘não podem inovar na ordem jurídica e instituir, por meio de normas infralegais, novas hipóteses de contratação direta (Acórdão 2.790/2013-TCU-2ª Câmara)’. Voltando a atenção ao caso concreto, o revisor assinalou que a liberalidade prevista no regulamento da Apex-Brasil ‘tanto infringe os princípios que regem as contratações realizadas com recursos públicos como constitui inovação que extrapola as hipóteses de dispensa de licitação hoje já existentes’. Por fim, o revisor asseverou que a atual redação do dispositivo tem grande potencial de repercussão sobre as demais integrantes do Sistema S e sob ‘suposto argumento de que se trata de prática mais célere e eficiente, a disposição pode passar a respaldar contratações relacionadas à atividade fim de tais entidades, prejudicando a obtenção de contratações mais vantajosas e violando os princípios da impessoalidade, da moralidade e da igualdade’. Acolhendo os argumentos do revisor, o Colegiado manteve intacto o item da deliberação recorrida. Acórdão 3195/2014-Plenário, TC 005.708/2013-3, revisor Ministro Bruno Dantas, 19.11.2014.”[98] No mesmo sentido, dispõe o Informativo de Licitações e Contratos n° 159/2013 do Tribunal de Contas da União[99]:                                            “3.   As entidades do Sistema S não podem inovar na ordem jurídica, por meio de seus regulamentos próprios, instituindo novas hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação, haja vista que a matéria deve ser disciplinada por norma geral, de competência privativa da União.                                                   Auditoria com o objetivo de analisar processos licitatórios e contratos de aquisição de bens e prestação de serviços na Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) – decorrente de Solicitação do Congresso Nacional para que o TCU realizasse auditoria nas despesas das entidades do Sistema S – apontou, dentre outras falhas, a existência, no Regulamento de Licitações e Contratos da entidade, de hipótese de dispensa de licitação ‘para a participação em feiras, exposições, congressos, seminários e eventos em geral, relacionados à atividade-fim’. Sobre o assunto, anotou o relator que ‘não obstante o fato de os serviços sociais autônomos não se sujeitarem aos ditames da Lei n. 8.666/1993, devem seus regulamentos próprios atender aos princípios básicos que regem a Administração Pública, dispostos no art. 37 da Constituição Federal, em especial os da impessoalidade, da moralidade e da igualdade’. Relembrou voto revisor vitorioso na prolação do Acórdão 2790/2013 – Segunda Câmara, oportunidade em que ficou assente que ‘embora não se exija a plena submissão dos entes integrantes do Sistema S à Lei n. 8.666/1993, eles não detêm competência para legislar sobre este assunto, por se tratar de matéria de lei ordinária (reserva legal segundo a vontade do legislador constituinte), de competência privativa da União, consoante o art. 22, XXVII, da Lei Maior’. Nesse passo, caracterizada a ilegalidade da inovação normativa, o relator perfilou a proposta da unidade instrutiva no sentido de se determinar à Apex-Brasil alteração em seu regulamento próprio de licitações e contratos. O Tribunal, ao acolher a proposta do relator, determinou à entidade que ‘promova a devida alteração no Regulamento de Licitações e de Contratos, aprovado pela Resolução/Apex-Brasil”. O TCU, sob o prisma dos princípios constitucionais previstos no art. 37 da Constituição Federal, entende que o Sistema “S” não pode inovar na ordem jurídica, estabelecendo novas hipóteses de dispensa de licitação, tendo em vista o disposto no art. 22, inc. XXVII, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual somente a União tem competência para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos, o que inclui as situações de dispensa. Como bem ponderou o E. Ministro José Jorge, relator do Acórdão 3195/2014 Plenário: “(…) a licitação homenageia sobremaneira o princípio da isonomia ao assegurar igualdade de condições a todos que desejam contratar com o poder público, daí porque o legislador constituinte determinou que as exceções ao dever de licitar fossem contempladas em legislação específica (lei em sentido formal, editada pelo Congresso Nacional). Trata-se, pois, de exceção ao princípio da igualdade, exceção essa que foi legitimada pelo próprio constituinte. Em apertada síntese, o constituinte determinou que fosse observado o princípio da isonomia nas contratações envolvendo recursos públicos e ele mesmo admitiu exceções a essa regra, as quais, segundo ele, deveriam ser objeto de lei em sentido formal[100]”. Desse modo, entende-se que a situação merece cautela por parte dos Serviços Sociais Autônomos ao pretenderem alterar seus regulamentos, no que concerne às situações de dispensa de licitação, posto que segundo o entendimento majoritário da Corte Federal de Contas estes devem guardar correspondência com o já estabelecido em lei de caráter geral sobre licitações e contratos, de competência privativa da União, ainda que os recentes debates travados no âmbito da Suprema Corte e do TCU pareçam colocar em xeque as orientações até então expendidas. Ora, outra questão que desperta debates sobre a maior influência das regras de direito público, ou não, é a contratação de pessoal. O posicionamento atual parece pacificado no âmbito do Tribunal de Contas da União, além de o Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a sua repercussão geral, no entanto, far-se-á uma análise histórica sobre o tema, tendo em vista que gradualmente os julgados foram se modificando.   2.2 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL DOS TRIBUNAIS ACERCA DA CONTRATAÇÃO DE PESSOAL PELAS ENTIDADES DO “SISTEMA S” A temática envolvendo a contratação de pessoal nas entidades do “Sistema S” passou por uma evolução nos julgados do Tribunal de Contas da União, desde o entendimento acerca da necessidade de submissão destas pessoas jurídicas ao concurso público, até chegar à concordância pela não obrigatoriedade desse tipo de seleção. Esta posição foi firmada ainda mais após o Supremo Tribunal Federal reconhecer a repercussão geral do assunto, nos autos do RE 789.874/DF. Antes entendia-se que as entidades do “Sistema S”, por serem são custeadas com recursos públicos, tinham o dever de realizar concurso público para a contratação de funcionários. Embora sejam pessoas jurídicas de direito privado, a sua fonte de renda – as contribuições compulsórias – tem caráter público e, por isso, se assemelham aos tributos. Este era o posicionamento do Tribunal de Contas da União, conforme determinação desta Corte a entidade do “Sistema S” em Acórdão inserido na Relação nº 003/2000, (Ata nº 005/2000)[101]: “a) utilizar concurso público para o provimento de cargos de natureza permanente, conforme a Constituição Federal, art. 37, inciso II, e o Regulamento de Pessoal do [entidade], art. 8º; O concurso público é a ferramenta que melhor representa o sistema do mérito, posto à disposição da Administração Pública para garantir a moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público. Além disso, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da Constituição Federal. Por se tratar de um conjunto de atos administrativos, deve ser realizado através de bancas ou comissões examinadoras, regularmente constituídas com elementos capazes e idôneos dos quadros do funcionalismo ou não, e com recurso para órgãos superiores, visto que o regime democrático é contrário a decisões únicas, soberanas e irrecorríveis[102]. Quanto às características que tornam esse estilo de recrutamento o ideal para, teoricamente, garantir a observância aos princípios constitucionais, pode-se citar: a) em concursos públicos de provas e títulos geralmente a etapa de análise curricular é utilizada como elemento classificatório – e não eliminatório -, a fim de garantir a impessoalidade; b) é vedada a transferência de servidor entre cargos de carreira diversos sem prévia aprovação em concurso, em respeito à moralidade administrativa; c) se o edital não menciona o número de vagas, pelo menos o candidato classificado em primeiro lugar tem direito à nomeação, assegurando a segurança jurídica[103]. No entanto, a burocracia, comum a todas as etapas de um concurso público, passou a levantar questionamentos sobre a necessidade deste tipo de seleção ser adotado nas entidades do “Sistema S”. Além disso, com a leitura literal do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988, constatou-se que as entidades do “Sistema S” não se enquadravam no presente dispositivo. A partir daí surgiram julgados autorizando a adoção de um processo seletivo mais simplificado. Originadas após a Reforma da Administração Pública, essas entidades são o resultado de uma busca dos governantes por soluções: na época, institutos novos, com medidas inovadoras e que permitiam ao Estado obter maior eficiência na prestação dos serviços que lhe são afetos[104].   Na opinião de Meirelles[105], “não integram a Administração direta nem a indireta, mas trabalham ao lado do Estado, sob seu amparo, cooperando nos setores, atividades e serviços que lhes são atribuídos, por serem considerados de interesse específico de determinados beneficiários”. Ora, por se tratar de entes de cooperação, e não pessoas jurídicas integrantes da Administração Pública, não necessitam se sujeitar às mesmas regras destinadas a estas – como o concurso público –, porque isso tiraria a razão pela qual os serviços sociais autônomos são criados, que é proporcionar mais eficiência na prestação do serviço de utilidade pública. Levando em consideração que o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988 determina a aprovação prévia em concurso público para ocupar cargos na Administração Pública Direta e Indireta, e os Serviços Sociais Autônomos não integram essas entidades administrativas, a exigência de concurso público passou a ser questionada. As entidades do “Sistema S”, no entanto, estão sujeitas aos princípios aplicáveis à Administração Pública, tendo em vista que recebem recursos públicos. Em face disso, o Tribunal de Contas da União, em diversos julgados, manifestou entendimento segundo o qual as entidades do Sistema “S”, em respeito aos princípios gerais do regime jurídico administrativo previstos no art. 37, “caput”, da CF/88, devem realizar regular processo seletivo para a contratação do pessoal que irá compor os seus quadros funcionais. Ora, começaram a surgir decisões no sentido de permitir a inaplicabilidade de concurso nos moldes do art. 37, II, CF/88; havendo possibilidade de processo seletivo público. “Parece estar pacífico no âmbito desta Corte o entendimento da inaplicabilidade do concurso público para admissão de pessoal, previsto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal, visto não pertencer a Entidade em questão à estrutura da Administração Pública direta ou indireta (Decisão nº 272/97 – Plenário, Ata nº 17/97; Acórdão 17/1999 – Plenário). Todavia, é reconhecida a necessidade de que as admissões de pessoal efetuadas pela entidade deveriam ser precedidas de processo seletivo público (Acórdão 2.142/2005 – 2ª Câmara)[106]”. De acordo com Carvalho Filho[107], necessário salientar que o art. 37, II, da Constituição Federal tem como únicos destinatários os entes da Administração Direta e Indireta e, por isso mesmo, não pode ser aplicado a entidades de outra natureza a exigência de concurso público para contratação de pessoal. Essa conclusão do ilustre jurista é baseada na literalidade do mencionado artigo. Para ele pode exigir-se, isto sim, a observância dos princípios gerais da legalidade, moralidade e impessoalidade. Na mesma linha, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho entende que a contratação de pessoal sem a prévia aprovação em concurso público não enseja ofensa à previsão contida no inciso II do art. 37 da Constituição Federal, visto que as normas que autorizaram a criação das entidades do “Sistema S” tradicional não determinam a realização de concurso público para ingresso nos quadros do ente. A realização de certame público é inexigível quando não houver disposição legal, própria ou especial, impondo tal procedimento. “3. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA CONTRATAÇÃO PELO SEBRAE a) Conhecimento No Recurso de Revista, o Recorrente alega a obrigatoriedade de concurso público para contratação pelo SEBRAE, sob pena de violação do art. 37, II da Constituição da República. Transcreve parecer do Tribunal de Contas da União, que se manifesta, em relação aos Serviços Sociais Autônomos, sobre a necessidade de se adotar um processo seletivo público para admissão de pessoal. Não sendo o Recorrente um ente público, não se submete às exigências do art. 37, II da Carta Magna. A exigência do Tribunal de Contas da União é que haja um processo seletivo público, tendo em vista que este órgão recebe recursos públicos, o que, de forma alguma, confunde-se com o concurso público a que faz referência o artigo constitucional supracitado. Não conheço.’[108] (RR- 565/2006404-14-40, TST, 8ª Turma, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ 4.4.2009)”.    O Edital nº 001/2013, do SENAI/RN, por exemplo, em conformidade ao que estabelece a Resolução Nº 374/2009 do Conselho Nacional do SENAI, tornou público a segunda fase do Processo Seletivo que se destinou ao provimento de 144 (cento e quarenta e quatro) vagas. Foi executado pelo Instituto Euvaldo Lodi, e teve como etapas a análise curricular (primeira), a prova de conhecimentos gerais e específicos (segunda) e a prova de desempenho (terceira). A análise curricular consistiu na comprovação e avaliação da formação acadêmica, técnica e experiência profissional do candidato, realizada por banca examinadora. Para a classificação, a análise de títulos foi realizada exclusivamente aos candidatos aprovados na prova de conhecimentos gerais e específicos[109]. A prova de conhecimentos gerais e específicos teve caráter eliminatório e classificatório, com 20 (vinte) questões objetivas contendo cinco opções de resposta de letras “a” até “e”, e as seguintes regras para a sua aplicação: 4.2.4 – Não serão fornecidas informações sobre os gabaritos das provas […], 4.2.11 – Não haverá segunda chamada, seja qual for o motivo alegado […], 4.2.17 – No dia de realização da prova de conhecimentos gerais e específicos, não serão fornecidas, por qualquer membro da coordenação de aplicação destas, informações referentes ao seu conteúdo e/ou aos critérios de avaliação e de classificação; […] 4.2.21 – A prova de conhecimentos gerais e específicos terá a duração de 03 (três) horas. Iniciada a prova, nenhum candidato poderá retirar-se da sala antes de decorrida 1 (uma) hora; […] 4.2.26 – Não haverá substituição da folha de resposta, salvo em caso de defeito em sua impressão[110]. A prova de desempenho para os cargos descritos no item 4.1, foi composta de uma aula expositiva ou atividade laboratorial, com data, horário, local conforme Anexo III, realizada perante banca examinadora. Às três etapas foi admitido o recurso para questionar seus resultados. Além disso, o aviso de divulgação do resultado final foi publicado em jornal de grande circulação e site do processo[111]. Em julgado do TCU ainda mais recente, defendeu-se a ideia da possibilidade de processo seletivo interno, sem desrespeitar os princípios previstos no caput do artigo 37, Constituição Federal de 1988. A recomendação do Acórdão nº 369/2009, às entidades integrantes do Sistema ‘S’ foi no sentido de que, em conjunto, “elaborem um regulamento que discipline a utilização dos processos de recrutamento interno para o preenchimento de cargos de seus quadros, fixando regras claras e objetivas que resguardem o atendimento dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade”[112]. “É admissível que os serviços sociais autônomos, por não serem parte da Administração Pública e terem independência para a criação de seus cargos, de natureza privada, possam promover, à sua discricionariedade, processos seletivos externos e internos para o recrutamento de pessoal, resguardados os princípios de ordem constitucional que objetivam impedir favorecimentos e outras ilicitudes do gênero e preservado o processo seletivo público externo para o ingresso de funcionários em seus quadros (Acórdão 2.305/2007 – Plenário)[113]”. No tocante à contratação de pessoal com inobservância dos mencionados princípios, dispõe o Acórdão 2.073/2012, 1ª. Câmara, relatora Ministra Ana Arraes[114], que na prática as contratações se deram mediante, exclusivamente, análise de fichas de qualificação pessoal, entrevistas, dinâmicas de grupo, entre outros procedimentos marcados pela subjetividade e que não se coaduna com a jurisprudência desta Corte. O Acórdão nº 2.305/2007, Plenário, que serviu como paradigma em diversos outros julgados, estabeleceu a necessidade de o Sistema “S” observar os seguintes critérios para a seleção e contratação de seus empregados: I) ampla publicidade do edital de seleção; II) como regra, recrutamento externo; III) critérios objetivos de avaliação; IV) critérios para contratação urgente; e V) critérios para aproveitamento de candidato aprovado em seleção anterior[115]. Fazer constar, nos autos do processo, a comprovação de todas as inscrições realizadas, assim como de todos os currículos/documentos recebidos dos participantes; informar aos candidatos, nos editais de convocação para o processo seletivo, sobre a programação de todas as etapas do referido processo, as matérias das provas, os meios de divulgação dos resultados e os critérios e pesos utilizados para avaliação; e constar previsão, nos editais do processo seletivo, do direito recursal dos candidatos foram algumas das medidas recomendadas pelo TCU (Acórdão nº. 5.666/2013, Primeira Câmara) para aprimorar os processos seletivos, a fim de torná-los mais objetivos[116]. Sobre a obrigatoriedade de respeitar os princípios do art. 37 da Constituição Federal/88, se posicionou o Tribunal Superior do Trabalho: “O réu indubitavelmente consiste em entidade de direito privado, não integrando a administração direta ou indireta. Desta forma, não lhe são aplicáveis os preceitos contidos no artigo 37 da Constituição Federal, em especial quanto à obrigatoriedade de realização de concurso público ou processo seletivo objetivo diferenciado para a admissão de pessoal, mediante princípios e regras aplicáveis à Administração Pública. A percepção de recursos públicos e contribuições parafiscais não altera sua natureza jurídica de direito privado, ainda que estejam, por essa peculiaridade, sujeitos ao controle dos Tribunais de Contas (Recurso de Revista n° TST-RR-91900-66.2008.5.04.0028)[117]”. Recentemente, no intuito de fixar critérios objetivos de avaliação, o TCU (Acórdão 500/2010, Plenário)[118] determinou que constasse previamente em edital, dentre outros, a identidade e qualificação dos membros que integrarão a banca examinadora, nos casos em que a realização de entrevistas seja imprescindível para a seleção dos candidatos, para que, em atenção ao princípio da impessoalidade, sejam afastadas quaisquer suspeitas de favorecimento e subjetivismos; os pesos a serem atribuídos a cada uma das etapas para a obtenção da nota final dos candidatos; o quantitativo de vagas para cada cargo; os critérios para desempate. “9.3. dar ciência ao [unidade do Sistema “S”] das seguintes irregularidades/impropriedades, com vistas a aprimorar os controles internos e evitar sua ocorrência: (…) 9.3.13. necessidade de fazer constar das normas concernentes ao ingresso de pessoal no (…), inclusive para cargos de nível médio, a exigência de prévio processo seletivo, que pode ser simplificado, baseado nos princípios constitucionais da legalidade, publicidade, moralidade, impessoalidade, finalidade e isonomia, entre outros (…), observando, principalmente, o seguinte: 9.3.13.1. conferir ampla publicidade aos atos praticados no decorrer do processo seletivo, especialmente no que se refere à divulgação do edital, ao conteúdo programático e às notas atribuídas aos candidatos, inclusive os motivos para a atribuição da pontuação de cada item avaliado, de modo a permitir que os interessados possam apresentar recurso em face do resultado alcançado, se for o caso; 9.3.13.2. utilizar critérios objetivos de seleção de pessoal, assegurando a isonomia entre os interessados, a impessoalidade, a transparência e a publicidade dos procedimentos, abstendo-se de adotar critérios subjetivos, tais como pesquisa de referências, entrevistas e análise curricular;” (Acórdão 4.685/2012 – 1ª Câmara)[119]. Como informado anteriormente, havia previsão no Edital nº 001/2013, do SENAI/RN, de que nas três etapas do processo seletivo os candidatos poderiam utilizar recurso para questionar seus resultados. Para o TCU, mesmo o “Sistema S” podendo adotar formas de seleção de pessoal com menor rigor do que as exigidas para o concurso público, ainda assim deve respeitar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, isonomia, eficiência, publicidade, e a adoção de critérios objetivos nos procedimentos de seleção e recrutamento. Em atendimento a esses princípios e ao da transparência, deve haver, portanto, uma etapa recursal que possibilite aos interessados justificarem suas respostas e questionar a avaliação das provas. Nesse sentido, orienta o Acórdão nº 4510/2018, Segunda Câmara[120]: “13. Relativamente à ausência de previsão de etapa recursal no certame para a contratação de funcionários do Senai/DN, não se pode olvidar que a jurisprudência deste Tribunal já se assentou há tempos no sentido de que o Sistema S pode adotar formas de seleção de pessoal com menor rigor do que as exigidas para o concurso público, desde que assegurada a observância aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da isonomia, da eficiência, da publicidade, e a adoção de critérios objetivos nos procedimentos de seleção e recrutamento. 15. Assim, em homenagem aos mesmos princípios constitucionais já mencionados, além do da transparência, creio que os certames instaurados pelo Senai/DN devem, necessariamente, prever a etapa recursal devida”. O Supremo Tribunal Federal em decisão marcante, proferida nos autos do RE 789.874/DF[121], ratificou o atual entendimento do Tribunal de Contas ao definir a não obrigatoriedade de submissão das entidades do Sistema ‘S’ aos ditames do art. 37, notadamente ao seu inciso II, da Constituição Federal de 1988: “Os serviços sociais autônomos, por possuírem natureza jurídica de direito privado e não integrarem a Administração Pública, mesmo que desempenhem atividade de interesse público em cooperação com o ente estatal, não estão sujeitos à observância da regra de concurso público (CF, art. 37, II) para contratação de seu pessoal. Essa a conclusão do Plenário, que negou provimento a recurso extraordinário no qual se discutia a necessidade de realização de concurso público para a contratação de empregados por pessoa jurídica integrante do chamado “Sistema S”. De início, a Corte afastou preliminar de ilegitimidade do Ministério Público do Trabalho para interpor o presente recurso extraordinário. Destacou que, nos termos dos artigos 83, VI, e 107, “caput”, ambos da LC 75/1993, incumbiria àquele órgão oficiar perante o TST, o que abrangeria a atribuição de interpor recurso perante o STF. Esclareceu que os precedentes citados pelo recorrido (SEST – Serviço Social do Transporte) não se aplicariam à espécie, porque neles o Ministério Público do Trabalho teria atuado de forma originária perante o STF, o que seria vedado. No mérito, o Tribunal lembrou que a configuração jurídica dessas entidades relacionadas aos serviços sociais teriam sido expressamente recepcionadas pelo art. 240 da CF e pelo art. 62 do ADCT. Recordou ainda que os serviços sociais do Sistema “S” (SEST – Serviço Social do Transporte; SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem no Cooperativismo; SESC – Serviço Social do Comércio; SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem; SESI – Serviço Social da Indústria; SENAI – Serviço de Aprendizado Industrial; e SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), vinculados às entidades patronais de grau superior e patrocinados, basicamente, por recursos recolhidos do próprio setor produtivo beneficiado, teriam inegável autonomia administrativa. Asseverou que essa autonomia teria limites no controle finalístico exercido pelo TCU quanto à aplicação dos recursos recebidos, sujeição que decorreria do art. 183 do Decreto-lei 200/1967 e do art. 70 da Constituição. Ademais, mencionou que, no caso concreto, a entidade estaria sujeita às auditorias a cargo do Ministério dos Transportes e à aprovação de seus orçamentos pelo Poder Executivo. Assinalou que a não obrigatoriedade de submissão das entidades do denominado Sistema “S” aos ditames constitucionais do art. 37, notadamente ao seu inciso II, não as eximiria de manter um padrão de objetividade e eficiência na contratação e nos gastos com seu pessoal. Enfatizou que essa exigência traduziria um requisito de legitimidade da aplicação dos recursos arrecadados na manutenção de sua finalidade social, porquanto entidades de cooperação a desenvolver atividades de interesse coletivo”. Após esse posicionamento do STF, o Acórdão 1.869/2015, do Plenário do TCU, discutiu os limites da competência desta Corte na fiscalização das contratações realizadas pelo Sistema “S”, enfatizando a necessidade de que referida fiscalização seja mais finalística. In verbis: “Parece-me que o STF está a sinalizar para um modelo de maior flexibilidade das instituições que compõem o Sistema S e a exigir não um controle de mero procedimento, mas sim de fiscalização da eficiência institucional das relevantes atividades por ele desenvolvidas. Autoriza-se assim, um maior grau de liberdade nas ações dos serviços sociais autônomos, livrando-os de um engessamento administrativo, e, em contrapartida, enfatiza-se um aprofundamento da avaliação da efetividade dos resultados obtidos. (…) Diante de todo o quadro até aqui exposto, em que tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o próprio TCU fazem uma leitura em que prepondera a flexibilização da autonomia gerencial e administrativa do Sistema S e em que se aponta um horizonte em que os controles devem ser menos procedimentais e mais finalísticos das atribuições institucionais e dos resultados efetivos das entidades que integram esse sistema, não tenho dúvidas de que, se vencida a preliminar suscitada neste parecer, deve, no mérito, ser conhecido e provido o pedido de reexame do IEL/PR – que, por excelência e natureza – detém caráter eminentemente privado e, embora mantido parcialmente pelo sistema Sesi/Senai, sequer se constitui em entidade da mesma natureza de seus mantenedores[122]”. Cumpre enfatizar, finalmente, que a não obrigatoriedade de submissão das entidades do Sistema “S” aos ditames do art. 37, notadamente ao seu inciso II, da Constituição, não isenta tais pessoas jurídicas de manter critérios objetivos e eficientes na contratação de pessoal. Essa exigência destina-se principalmente à proteção dos recursos que arrecadam para a sua manutenção, no intuito de que sua finalidade social seja atendida.   2.3 OS RECURSOS FINANCEIROS DOS SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS NA ÓTICA DO TCU A falta de finalidade lucrativa foi uma das razões que levou as entidades do Terceiro Setor a ter um equilíbrio financeiro frágil, por isso que, ao desempenhar serviço de utilidade pública, necessitavam de fomento do Estado para se manter[123]. Como a captação de recursos ainda é visualizada como uma das ameaças à sustentabilidade financeira da instituição, o fomento surge como medida protetiva adotada pelo Estado, no intuito de incentivar o exercício de serviço de utilidade pública pelas entidades do “Sistema S”. A atividade de fomento caracteriza-se como uma intervenção subsidiária do Estado, servindo como auxílio na ampliação de direitos[124]. Esse auxílio é exercido através da transferência de recursos públicos, que acontece com a formalização de termos de parceria, contratos de gestão e convênios. Em contrapartida, cabe à entidade prestar contas ao seu fornecedor, comprovando que o dinheiro está sendo destinado corretamente para o objetivo que motivou o repasse. No convênio entre o Poder Público e entidades particulares, por exemplo, inexiste perseguição de lucro, e os recursos financeiros empregados servem para cobertura dos custos necessários à operacionalização do acordo[125]. Esse instrumento, formado por pessoas que têm competências institucionais comuns e vão prestar mútua colaboração para atingir seus objetivos[126], pode ser utilizado como modalidade de fomento. O incentivo é dado principalmente sob a forma de auxílios financeiros ou subvenções por conta do orçamento público. Os serviços sociais autônomos, de acordo com o Acórdão nº 2079/2015[127], Plenário, sujeitam-se ao controle do TCU, uma vez que administram recursos públicos de natureza tributária, advindos de contribuições parafiscais e destinadas ao atendimento de fins de interesse público, com fulcro no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal de 1988. “Art. 70. fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.     Dispõe o Acórdão nº 10119/2017 (Segunda Câmara, rel. Marcos Bemquerer)[128] que, embora sejam pessoas jurídicas não pertencentes ao Poder Público, os serviços sociais autônomos arrecadam contribuição compulsória, que é considerada recurso público, razão pela qual se impõe a essas entidades o dever de observar os princípios gerais aplicáveis à Administração Pública, nos termos do art. 6º do Decreto-lei 200/1967. Essa é a posição majoritária do TCU, mas há aqueles que opinam pelo reconhecimento das contribuições compulsórias como recursos privados. Percebe-se na ementa a seguir: “EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – SUPOSTA IRREGULARIDADE NA APLICAÇÃO DE RECURSOS POR ENTE SINDICAL E SERVIÇO SOCIAL AUTÔNOMO – INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA DIRIMIR O CONFLITO – SÚMULA 516 DO STF – ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.  I – O SENAI, a exemplo do Serviço Social da Indústria – SESI, está sujeito à jurisdição da Justiça estadual, nos termos da Súmula 516 do Supremo Tribunal Federal. Os serviços sociais autônomos do denominado sistema “S”, embora compreendidos na expressão de entidade paraestatal, são pessoas jurídicas de direito privado, definidos como entes de colaboração, mas não integrantes da Administração Pública. II – Quando o produto das contribuições ingressa nos cofres dos Serviços Sociais Autônomos perde o caráter de recurso público. Precedentes. III –  Seja em razão da pessoa, seja em razão da natureza dos recursos objeto dos autos, não se tem por justificada a atuação do Ministério Público Federal, posto que não se vislumbra na hipótese a incidência do art. 109 da Constituição Federal. IV- Agravo regimental a que se nega provimento. (grifo nosso).[129]”. Apesar deste posicionamento do ministro Ricardo Lewandowski, o TCU entende que as contribuições compulsórias das entidades do serviço social autônomo se assemelham a tributos, pois seu pagamento é obrigatório, para o cumprimento de uma finalidade específica de interesse do Estado. Sendo assim, são vistas como recursos públicos. “Em nossa experiência como Ministro dessa Corte, temos, em algumas oportunidades, ouvido vozes de representantes dos Serviços Sociais Autônomos, indagando: ‘por quê temos que prestar contas e atender ao Tribunal de Contas da União, se estamos gerindo uma entidade desvinculada da Administração e patrocinada com recursos privados?’. Creio que a resposta para tal questão, nesse momento de nossa exposição, fluirá naturalmente. A subsunção do SEBRAE – e dos demais Serviços Sociais Autônomos – às normas que regem o controle praticado pelo Tribunal de Contas da União existe em decorrência da gestão dos recursos parafiscais por ele arrecadados. Lembro que o SEBRAE, exemplificando, recebe percentuais de contribuições previdenciárias, nos termos da Lei nº 8.029/90, alterada pela Lei nº 8.154/90. Tais contribuições são impostas, ou seja, não são pagas apenas por quem deseja pagá-las; não se confunde, ademais, como se fôra um contrato de adesão ou um acordo entre partes. E são impostas, referidas contribuições, justamente porque se almeja que sejam utilizadas para o cumprimento de uma finalidade específica de interesse do Estado, qual seja o apoio ao desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Cabe ao Tribunal de Contas verificar o nexo causal existente entre a aplicação dos recursos e a finalidade para a qual foram arrecadados. A verificação levada a efeito pela Corte de Contas não se prende, contudo, à simples verificação desse nexo causal, uma vez que se espera não apenas que os recursos sejam utilizados na finalidade prevista, mas também que sejam utilizados consoante os procedimentos prescritos em lei e mediante a busca de otimização dos resultados alcançados”[130]. Trata-se de exegese antiga, consoante sobressai do voto que impulsionou o Acórdão 873/2012 – 1ª Câmara (rel. min. Valmir Campelo): “15. É pacífico o entendimento desta Corte de que os serviços sociais autônomos devem obedecer aos princípios da Administração Pública, principalmente pelo fato de arrecadarem e utilizarem recursos públicos, sob a forma de contribuições sociais, que têm natureza de tributos”[131]. Tais recursos não provêm do erário, sendo normalmente arrecadados pela autarquia previdenciária – o Instituto Nacional de Seguridade Social – e repassados diretamente às entidades. Ainda assim caracterizam-se como dinheiro público, em razão da expressa previsão legal das contribuições, e por serem obrigatórias. Essas contribuições não são facultativas, mas, ao revés, compulsórias, com inegável similitude com os tributos. Esses recursos, portanto, estão vinculados aos objetivos institucionais definidos na lei, constituindo desvio de finalidade quaisquer dispêndios voltados para fins outros que não aqueles[132]. Desse modo, no intuito de promover o desenvolvimento econômico-social do País, as atividades das pessoas jurídicas do Sistema S observarão um planejamento, norteado segundo programas gerais, setoriais e regionais de duração plurianual (art. 6º, I, Decreto-lei 200/1967[133]); uma coordenação permanente (art. 6º, II), cujo objeto é a atividade desenvolvida pela entidade (art. 8º); uma descentralização institucional (art. 6º, III) para melhor execução das atividades (art. 10), utilizando contratos e convênios, por exemplo, para formalizar essa divisão de tarefas com outras pessoas jurídicas. Ademais, os outros princípios[134] serão a delegação de competência (art. 6º, IV, Decreto-lei 200/1967), que será utilizada como instrumento de descentralização administrativa, para assegurar maior rapidez e objetividade às decisões (art. 11); e o controle das atividades (art. 6º, V), que deverá exercer-se, no caso, pelos órgãos do sistema de contabilidade e auditoria na aplicação dos dinheiros públicos (art. 13). Há entendimento do STF no sentido de que as contribuições compulsórias se caracterizam como de intervenção no domínio econômico, podendo, portanto, ser instituídas por lei ordinária[135], conforme RE nº 635.682, em 25.4.2013: “Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. Contribuição para o SEBRAE. Desnecessidade de lei complementar. 4. Contribuição para o SEBRAE. Tributo destinado a viabilizar a promoção do desenvolvimento das micro e pequenas empresas. Natureza jurídica: contribuição de intervenção no domínio econômico. 5. Desnecessidade de instituição por lei complementar. Inexistência de vício formal na instituição da contribuição para o SEBRAE mediante lei ordinária. 6. Intervenção no domínio econômico. É válida a cobrança do tributo independentemente de contraprestação direta em favor do contribuinte. 7. Recurso extraordinário não provido. 8. Acórdão recorrido mantido quanto aos honorários fixados”. A contribuição voltada ao custeio do serviço que tem por objetivo, no caso, executar o ensino de formação profissional pertence à categoria das contribuições de intervenção no domínio econômico. Prevê a Constituição Federal que ficam ressalvadas do disposto no art. 195 (Seguridade Social) as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folhaF de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical (Art. 240). “O fato de a contribuição destinada ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP) não estar prevista no art. 240 da Constituição também não lhe retira, numa primeira análise, a validade. É certo que as contribuições sociais recepcionadas pelo art. 240 não se submetem à reserva de lei complementar para a respectiva instituição. O art. 195, § 4º, da Constituição, contudo, somente se aplica às novas fontes de custeio da seguridade social, hipótese diversa da versada nos autos. Com efeito, nos termos do art. 174, § 2º, da Constituição, o estímulo ao cooperativismo é parte do programa de regulamentação da atividade econômica que incumbe à União. Por isso, a contribuição destinada ao custeio do serviço nacional que tem por objetivo “organizar, administrar, e executar em todo o território nacional o ensino de formação profissional, desenvolvimento e promoção social do trabalhador em cooperativa e dos cooperados” (art. 8º da MP 2.168-40/2001) pertence à classe das contribuições de intervenção no domínio econômico, não se configurando como nova contribuição social destinada ao custeio da seguridade social (art. 149 e 194, caput, da Constituição). Ademais, a recepção constitucional das contribuições sociais previstas no art. 240 da Constituição não lhes outorga, evidentemente, imunidade a ulterior modificação. Ressalva-se quanto a elas, tão somente, a das restrições previstas no art. 195 da Constituição”.[136] Apesar de algumas decisões judiciais, como a ACO 1.953 AgR (rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 18-12-2013, P, DJE de 19-2-2014), entenderem que quando o produto das contribuições ingressa nos cofres dos serviços sociais autônomos perde o caráter de recurso público, o posicionamento majoritário do TCU ainda é o de que a contribuição compulsória se assemelha a tributo e, por isso, deve-se prestar contas ao Estado, bem como atuar com observância aos princípios do Decreto-lei 200/1967.   Após analisar os problemas jurídicos presentes no âmbito das entidades do “Sistema S”, necessário refletir sobre a posição que essas pessoas jurídicas assumem diante do cidadão ao exercer suas funções, e como é possível à sociedade protestar o não cumprimento – ou de forma inadequada – do serviço de utilidade pública. Essa modalidade de serviço prestado pelos entes do “Sistema S” não impede o Estado de prestar a mesma atividade. É o caso dos cursos de educação profissional e tecnológica, que tanto são prestados pelo SENAC como pelos Institutos federais, nos estágios de educação profissional tecnológica de nível médio, graduação e pós-graduação[137]. O serviço de utilidade pública prestado por pessoa jurídica de direito privado, por isso, representa uma comodidade ao cidadão. Não é essencial como o serviço público, mas auxiliará na melhoria da qualidade de vida daqueles que compõem categorias sociais e profissionais específicas. Ora, trata-se de uma atividade privada de interesse público[138]. Havendo má prestação do serviço, seus usuários poderão recorrer ao Judiciário para que este examine lesão ou ameaça a direito, tendo a parte direito a ver apreciadas pelo juízo competente as suas razões e a receber fundamentadas as decisões que lhes negam conhecimento[139]. No que concerne ao foro no qual devam tramitar os processos em que sejam autoras ou rés tais entidades, já se pacificou o entendimento de que a competência é da Justiça Estadual, já que se trata de pessoas de direito privado e não integrantes formais da estrutura da Administração Pública[140].   3.1 SERVIÇO PÚBLICO E SERVIÇO DE UTILIDADE PÚBLICA Dentre tantos temas envolvendo as entidades do “Sistema S”, um que merece especial atenção é o seu objeto. Apesar de ser pacífico o entendimento de que as entidades de serviço social autônomo prestam serviço de utilidade pública, e não serviço público, poucas são as produções que esmiúçam as diferenças entre essas duas atividades. Serviço público para Di Pietro[141] seria “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente de direito público”. Para Carvalho Filho[142], serviço público é “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade”. Serviços públicos em si são aqueles que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer necessidade para a sobrevivência e ordem do grupo social e do próprio Estado. Tais serviços são considerados privativos do Poder Público, no sentido de que só a Administração deve prestá-los, porque geralmente exigem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados, como o dever de tributar, fiscalizar, punir[143]. Não é a atividade propriamente dita que caracteriza o serviço público, pois algumas tarefas podem ser exercidas pelos cidadãos como objeto da iniciativa privada. A previsão legal é que fixa quais são os serviços públicos. Em contrapartida, os serviços de utilidade pública se destinam diretamente aos indivíduos[144], ou seja, são proporcionados para sua fruição direta. Se fosse um serviço público em sentido estrito, a transferência aconteceria por delegação, mas isso não é viável para os entes de cooperação. Na prestação de serviço de utilidade pública o que há é fomento do Estado para a sua concretização. Meirelles[145] conceitua serviço de utilidade pública da seguinte forma: “1.1.2.2 Serviços de utilidade pública: são os que a Administração, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários”. Essas atividades não se caracterizam como serviços públicos exatamente porque não se sujeitam ao regime jurídico de direito público. Ainda que possam se submeter à fiscalização, controle ou, mesmo, autorização, em nenhum desses casos há delegação de serviço público[146]. É o que ocorre com os serviços de previdência social, assistência social, educação e saúde. A título histórico, opiniões como a do ilustre Themístocles Brandão Cavalcanti[147] alegavam que a atividade desempenhada pelos entes de cooperação se aproximava de serviço público: “Algumas entidades existem que escapam à estrutura geral dos órgãos administrativos. São organizações privadas, mas criadas por lei e que gozam de certas prerrogativas e a que se atribuem finalidades mais próximas dos serviços públicos do que mesmo privadas e lucrativas. Não se confundem com o serviço público quanto à sua estrutura e subordinação aos órgãos hierarquizados na administração, mas dele se aproximam quanto aos objetivos e finalidades”. Serviço público quanto à finalidade ou objeto, de acordo com Coelho[148], pode se dividir em serviços administrativos, serviços industriais e serviços públicos sociais. No primeiro, trata-se dos serviços que a Administração executa para atender suas necessidades internas, ou preparar outros serviços. No segundo, são os serviços que produzem renda para quem os presta, mediante a remuneração da utilidade usada ou consumida[149]. Essa tarifa é fixada pelo Poder Público, seja a atividade prestada por pessoas jurídicas de direito privado, ou diretamente pelos órgãos e entes públicos. Por se tratar de atividade econômica, os serviços industriais são atividades impróprias do Estado, pois só podem ser exploradas diretamente pelo Poder Público quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. Serviço público social, por fim, são aqueles que atendem às necessidades sociais, nas quais a atuação do Estado é essencial, seja na prestação, na regulamentação ou fiscalização dos serviços, mas que podem ser permitidos aos autorizados à iniciativa privada, por exemplo, à saúde complementar e a previdência[150]. Os serviços públicos em sentido amplo, em razão do interesse coletivo, podem ser essenciais ou apenas úteis à comunidade, daí a necessária distinção entre serviços públicos e serviços de utilidade pública. De forma brilhante, Meirelles[151] distingue serviço público de serviço de utilidade pública, informando que no primeiro há essencialidade na sua prestação, por visar à solução de demandas gerais; enquanto que o segundo não é essencial, mas oferece comodidades ao cidadão. “No primeiro caso (serviço público), o serviço visa a satisfazer necessidades gerais e essenciais da sociedade, para que ela possa subsistir e desenvolver-se como tal; na segunda hipótese (serviço de utilidade pública), o serviço objetiva facilitar a vida do indivíduo na coletividade, pondo à sua disposição utilidades que lhe proporcionarão mais conforto e bem-estar. Daí se denominarem, os primeiros, serviços pró-comunidade e, os segundos, serviços pró-cidadão, fundados na consideração de que aqueles (serviços públicos) se dirigem ao bem comum e estes (serviços de utilidade pública), embora reflexamente interessem a toda a comunidade, atendem precipuamente às conveniências de seus membros individualmente considerados”. Ora, os serviços públicos essenciais – ou primários – são aqueles necessariamente prestados pelo Poder Público; os não essenciais são os que podem ser executados pelas entidades do “Sistema S”, mantendo-se com fomento estatal. O professor Carvalho Filho distingue ambos os serviços da seguinte forma[152]: “A grande diversidade dos interesses coletivos exige sua caracterização em primários ou essenciais, de um lado, e secundários ou não essenciais, de outro. Quando o serviço é essencial, deve o Estado prestá-lo na maior dimensão possível, porque estará atendendo diretamente às demandas principais da coletividade. Inobstante, ainda que seja secundário, a prestação terá resultado de avaliação feita pelo próprio Estado, que, por algum motivo especial, terá interesse em fazê-lo”. Em se tratando de serviço público de utilidade pública o Estado não abriu mão da execução que a lei lhe atribui, nem extinguiu qualquer de seus órgãos ou entidades. Ele manteve intactas suas atividades e entidades, apenas fomentando, através de contribuição parafiscal, a iniciativa privada na instituição de entidades que iriam exercer serviços de interesse público (não serviço público)[153]. É o caso dos cursos na área da Educação Profissional e Tecnológica, que interessam a categorias profissionais específicas e são fornecidos pelos entes do “Sistema S”. Eles podem, concomitantemente, ser disponibilizados pelo Poder Público, como ocorre nos Institutos Federais. A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho[154]. As instituições de educação profissional e tecnológica, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula à capacidade de aproveitamento e não necessariamente ao nível de escolaridade. Nota-se que, apesar de interessarem a toda sociedade, os serviços de utilidade pública atendem principalmente às conveniências de seus usuários por um ponto de vista individual. Caso a sua finalidade social não seja cumprida devidamente, podem os consumidores dos seus serviços reclamar judicialmente pela regularização da atividade.   3.2 MÁ PRESTAÇÃO DO SERVIÇO: INFORMAÇÕES QUE O CIDADÃO PRECISA SABER PARA SOLUCIONAR CONFLITOS POR VIAS JUDICIAIS Além da fiscalização pelo Tribunal de Contas da União, as atividades dos serviços sociais autônomos podem ser investigadas pelo Poder Judiciário, em observância ao princípio da inafastabilidade da jurisdição[155]. Está entre os direitos e garantias fundamentais a apreciação pelas vias judiciais de lesão ou ameaça a direito, podendo o usuário dos serviços sociais autônomos reclamar judicialmente a má prestação do serviço. Os dirigentes de serviço social autônomo, no desempenho de suas funções[156], podem ser passíveis de mandado de segurança por se equipararem às autoridades, para os efeitos da Lei nº 12.016/09[157]. Os representantes ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a essas atribuições, assemelham-se às figuras públicas (art. 1º, §1º), não sendo possível impetrar esse remédio constitucional contra os atos de gestão comercial praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de economia mista e de concessionárias de serviço público (art. 1º, §2º). Autoridade coatora é aquela que tenha “poder de decisão”, não se configurando como tal nem os subalternos, meramente executores da ordem. Não podem, desse modo, os responsáveis pelas entidades de cooperação governamental se escusarem das obrigações sob a justificativa de que não executam a atividade. Como já foi visto anteriormente, o serviço prestado não tem cunho econômico ou comercial, pois não visa à acumulação de capital e a livre concorrência, por isso não está entre os casos em que o mandado de segurança não será cabível. O impetrante de início precisará ter em mãos os elementos de prova que conduzam à certeza e à liquidez dos fatos que amparam o direito – direito líquido e certo –, caso contrário, só poderá ajuizar ações comuns[158]. Carvalho Filho informa equívocos presentes no Poder Judiciário a respeito do foro competente para que o mandado de segurança seja impetrado: “O próprio STJ, surpreendentemente, decidiu que mandado de segurança impetrado contra dirigente do SENAI é da competência da Justiça Federal, invocando, como argumento, o fato de que a contribuição adicional, prevista no art. 6º do Decreto-lei nº 4.048/1942, foi criada pela União (STJ, Confl. Compet. nº 123.713, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, em 8.8.2012). O fundamento é inconsistente, porquanto o citado diploma delegou ao próprio SENAI a arrecadação e a cobrança da referida contribuição, funções que não têm qualquer relação com as do governo federal. Além disso, ofende o art. 109, VIII, da CF, que prevê a competência da Justiça Federal para processar e julgar mandados de segurança contra autoridade federal, o que, à evidência, não é o caso dos dirigentes dos serviços sociais autônomos. Vê-se, pois, que a confusão é geral até no Judiciário”[159]. A ação constitucional que prevê expressamente a participação do serviço social autônomo é a ação popular[160]. Se o ato ou contrato for lesivo ao patrimônio dessa entidade, qualquer cidadão poderá ingressar com ação popular para responsabilizar pessoalmente quem o praticou ou ordenou sua prática[161]: “Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos”. Ação popular é a garantia de nível constitucional que visa à proteção do patrimônio público, da moralidade administrativa e do meio ambiente. Para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer às entidades, a que se refere este artigo, as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso indicar a finalidade das mesmas[162]. A peculiaridade no rito da ação popular, quanto à legitimação passiva, reside na possibilidade de a pessoa jurídica ré deixar de contestar a ação e atuar ao lado do autor, quando tal posição atender ao interesse público[163]. No âmbito processual, são notadas divergências entre as regras aplicadas aos entes da Administração Pública e aos serviços sociais autônomos. A respeito do prazo contado em dobro para interposição de recurso, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal entende que não é cabível tal prerrogativa às entidades paraestatais, visto que não são os mesmos regimes jurídicos da Administração Pública. “EMENTA: RECURSO – APLICABILIDADE ESTRITA DA PRERROGATIVA PROCESSUAL DO PRAZO RECURSAL EM DOBRO (CPC, ART. 188) – PARANAPREVIDÊNCIA – ENTIDADE PARAESTATAL (ENTE DE COOPERAÇÃO) – INAPLICABILIDADE DO BENEFÍCIO EXTRAORDINÁRIO DA AMPLIAÇÃO DO PRAZO RECURSAL – INTEMPESTIVIDADE – RECURSO NÃO CONHECIDO. – As empresas governamentais (sociedades de economia mista e empresas públicas) e os entes de cooperação (serviços sociais autônomos e organizações sociais) qualificam-se como pessoas jurídicas de direito privado e, nessa condição, não dispõem dos benefícios processuais inerentes à Fazenda Pública (União, Estados-membros, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias), notadamente da prerrogativa excepcional da ampliação dos prazos recursais (CPC, art. 188). Precedentes.” (AI 349477 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 11/02/2003, DJ de 28-02-2003). No que concerne ao foro no qual devam tramitar os processos em que sejam autoras ou rés tais entidades, já se pacificou o entendimento de que a competência é da Justiça estadual, já que se trata de pessoas de direito privado e não integrantes formais da estrutura da Administração Pública. Nesse sentido, aliás, invoque-se a Súmula 516, do STF: “O Serviço Social da Indústria – SESI – está sujeito à jurisdição da Justiça Estadual”. Para Gasparini[164], essa súmula se aplica a todas as entidades do Sistema “S”. “EMENTA: Competência: Justiça comum: ação popular contra o SEBRAE: L. 4717/65 (LAP), art. 20, f; CF, art. 109, IV; Súmula 516. 1. O SEBRAE não corresponde à noção constitucional de autarquia, que, para começar, há de ser criada por lei específica (CF, art. 37, XIX) e não na forma de sociedade civil, com personalidade de direito privado, como é o caso do recorrido. Por isso, o disposto no art. 20, -f-, da L. 4717/65 (LAP), para não se chocar com a Constituição, há de ter o seu alcance reduzido: não transforma em autarquia as entidades de direito privado que recebam e apliquem contribuições parafiscais, mas, simplesmente, as inclui no rol daquelas – como todas as enumeradas no art. 1º da LAP – à proteção de cujo patrimônio se predispõe a ação popular. 2. Dada a patente similitude da natureza jurídica do SESI e congêneres à do SEBRAE, seja no tocante à arrecadação e aplicação de contribuições parafiscais, seja, em conseqüência, quanto à sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas, aplica-se ao caso a fundamentação subjacente à Súmula 516/STF: “O Serviço Social da Indústria – SESI – está sujeito à jurisdição da Justiça estadual” (RE 366168, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 03/02/2004, DJ de 14-05-2004). O TRF-4ª Região, equivocadamente, insistia em apontar a Justiça Federal como competente para feitos que envolvam as entidades do “Sistema S”. No caso, o SEBRAE foi erroneamente considerado autarquia federal. A decisão, em boa hora, foi reformada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 414.375-SC, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, em 31.10.2006 (Informativo STF nº 446, nov. 2006)[165]. Ora, constata-se que no campo processual os serviços sociais autônomos não gozam de privilégios, como prazo recursal em dobro, pois já é pacífica a sua independência à Administração Pública.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebe-se que as questões que provocam controvérsias no âmbito das entidades do “Sistema S”, como licitações, concurso público para contratação de pessoal e recursos financeiros, estão ligadas ao regime jurídico de direito privado e à natureza pública de suas contribuições. Em respeito à autonomia administrativa, já foram quebradas várias exigências que antes se destinavam às entidades do “Sistema S”, visto que não restam dúvidas que elas apenas agem em colaboração com a Administração Pública, mas sem compô-la. Cabe aos serviços sociais autônomos, no entanto, respeitar os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de adotar critérios objetivos. Na sua gestão, assim como não precisam adotar os procedimentos rígidos relativos às entidades administrativas, também não podem fazer o que bem entenderem com as contribuições que recebem, pois não integram a iniciativa privada e recebem dinheiro público. Os serviços que desempenham não são essenciais e, por isso, não precisam seguir às mesmas exigências do serviço público propriamente dito, como respeitar o princípio da continuidade. A atividade privada de interesse público traz benefícios a certas categoriais profissionais que auxiliam no bem-estar dos indivíduos e, por isso, não deixa de ter caráter público. Além disso, o Poder Judiciário examinará o exercício dessas atividades quando puderam causar lesão ou ameaça a direito. A ação popular, por exemplo, poderá questionar a moralidade administrativa no âmbito dos serviços sociais autônomos. Tais características tornam as entidades do “Sistema S” bastante singulares para o Direito Administrativo e atuais, já que frequentemente são levantados pela doutrina e jurisprudência assuntos as envolvam.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/servico-social-autonomo-reflexoes-acerca-dos-entes-do-sistema-s-e-suas-peculiaridades/
O Princípio da Eficiência Nas Contratações Públicas Com Foco na Efetividade Dos Procedimentos e Nas Melhorias Advindas da Utilização do Pregão Eletrônico
Resumo
Direito Administrativo
Introdução O Estado possui o encargo de satisfazer os interesses da coletividade pela qual responde, e com o fito de se exercer tal função, faz-se necessária a aquisição de toda uma sorte de bens e serviços para a devida fruição de suas funções. Para a aquisição desses bens e serviços, a Administração Pública realiza contratações que são, em regra, efetuadas por meio de processos licitatórios, visando-se as aquisições mais vantajosas (NOHARA, 2013), as quais devem observar regramentos próprios e princípios norteadores, com a finalidade de se resguardar o interesse público. O Princípio da Licitação dispõe que, em regra, antes de uma contratação pública deve-se realizar um procedimento licitatório, cuja modalidade varia conforme as peculiaridades do objeto a ser adquirido ou conforme o seu valor. Para a escolha da modalidade ideal, o princípio da eficiência também deverá ser levado em consideração, buscando sempre o direcionamento dos atos da Administração rumo ao rendimento e economia de tempo e recursos. O pregão surge nesse contexto como a “mais nova modalidade de licitação”, que surge justamente para atender aos reclames de produtividade e eficiência na condução dos negócios públicos. Nesse contexto, é necessária a análise de todas as conjunturas correlatas à futura contratação, para a identificação precisa das reais necessidades da sociedade, levando-se em consideração a sua dinamicidade e concorrente mutabilidade, visando a eficiência da máquina pública e observando as características da Administração Pública e dos administrados, considerando todos setores que os permeiam, enfatizando os aspectos econômicos, sociais e culturais. Importante ressaltar que o presente artigo busca justamente analisar os fundamentos jurídicos e administrativos que justificaram a implementação do pregão no Ordenamento Jurídico Brasileiro, com ênfase na sua forma eletrônica. Partindo de uma análise doutrinária acerca dos princípios que regem a Administração Pública, pretende-se analisar os principais pontos que tornam os procedimentos do pregão diferenciados em termos de eficiência. Para tanto, pretende-se realizar uma pesquisa bibliográfica e documental de caráter qualitativo, tendo como base o conteúdo da Constituição Federal, leis, princípios, julgados e da doutrina.   1 Regime jurídico administrativo no Brasil Na Constituição da República Federativa do Brasil, encontramos um conjunto de princípios e normas, os quais norteiam a atividade desempenhada pelos agentes encarregados de zelar pela coisa pública. Desse modo, conjugando as regras e os princípios que estruturam a Administração Pública Brasileira, tem-se o regime jurídico-administrativo. O mesmo Trata-se do conjunto de regras e princípios que estruturam o Direito Administrativo, conferindo –lhe autonomia enquanto um ramo autônomo da ciência jurídica. Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006) ensina que: […] a expressão regime jurídico-administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições. Logo, o regime jurídico administrativo nada mais é do que um nome técnico dado ao conjunto de normas, regras e princípios a um determinado instituto. Nota-se ainda, que são as normas, as regras e os princípios que norteiam o Direito Administrativo, e, tudo basicamente para montar o conjunto harmônico da Administração Pública sendo ela interpretada de forma objetiva ou subjetiva. Ademais a atividade administrativa somente será legítima se em consonância com os comandos veiculados em lei.   Em consonância ao entendimento de Mukai (1999), a licitação tem uma finalidade primordial de assegurar a aplicação dos princípios constitucionais, em especial a isonomia, bem como resguardar o interesse público e concorrentemente da coletividade, procedendo com decisões de como selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, a qual deve valer-se de procedimento específico para o seu processamento, que possa resguardar que a escolha da Gestão seja aquela que cumpra os princípios que regem a administração pública, observando-se para tanto os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, publicidade, da eficiência, entre outros requisitos intrínsecos ao processo licitatório, necessários para sua regularidade. Nesse contexto, Hely Lopes Meirelles (2007) traz algumas considerações acerca do pregão, a saber: É primordial para a Administração Pública, o que se consubstancia é um real poder/dever do agente público, o que se materializou perfeitamente no nosso ordenamento com o advento pregão, permitindo maior celeridade no processo licitatório e contratações mais vantajosas a Administração Pública.   Com relação à administração pública, o princípio da legalidade é abordado expressamente na Constituição Federal, em seu art. 37, caput, dispondo que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Está explicitado também no art. 5º, II, da mesma carta, onde é direcionado a todos: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Hely Lopes Meirelles (2009) ensina que: A legalidade, como princípio de administração, significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei, e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Ainda convém lembrar que princípio da legalidade representa total subordinação do Poder Público à previsão legal, visto que os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei. Assim, o administrador público não pode, mediante mero ato administrativo, conceder direitos, estabelecer obrigações ou impor proibições aos cidadãos. A criação de um novo tributo, por exemplo, dependerá de lei. Todavia mencionam alguns estudiosos, que este é o princípio mais importante para a Administração Pública, por ser o estimulante do regime jurídico-administrativo, sendo os outros princípios decorrentes deste em observação. Em definição, o princípio da impessoalidade consiste na atuação da Administração sem discriminações que visem prejudicar ou beneficiar determinado administrado, ou seja, funda-se na conduta e tratamento isonômico da Administração perante os administrados, com a destinação de atingir o interesse coletivo. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (2012) afirma: Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideologias não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. No entanto, consideramos que existem vários fundamentos em relação ao princípio da impessoalidade, nesses fundamentos encontram-se diversos princípios, tais como: o Estado de Direito, o princípio democrático, o princípio republicano e os direitos fundamentais, onde se destaca o direito à igualdade de tratamento por parte do Estado. No que tange, a esse princípio, o Estado de Direito fundamenta, ressaltando que o Direito é a vontade de autonomia e o Estado é a pessoa, sendo concretizado pela própria norma, na impessoalidade sempre deve haver os interesses coletivos e individuais e estabelecer uma atividade estatal sendo pautada pela lei. Além disso, é um princípio democrático, que faz com que a população tenha soberania, direito de escolher seus representantes na votação havendo um poder funcional no povo, ocorrendo critérios individuais para que cada cidadão mostre o seu interesse e que todos tenha a sua soberania, e, por fim, o princípio da igualdade que não exige a consideração da pessoa, mas exige o que está descrito ou positivado na lei. A presença do princípio da impessoalidade em dispositivos constitucionais e infraconstitucionais de modo implícito é notória, vislumbrando-se diversas referências ao vício da pessoalidade, como é apontado por Marcelo Alexandrino (2009): Imagine-se que um servidor, um Auditor Fiscal da Receita Federal, peça licença para capacitação, prevista no art. 87 da lei 8.112/1990, a fim de participar de um curso de pintura em porcelana. São os seguintes os termos do citado dispositivo legal: Após cada quinquênio de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração, afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por até três meses, para participar de curso de capacitação profissional. No dado exemplo percebe-se ofensa ao princípio da não pessoalidade, visto que a finalidade da atuação do servidor para com a Administração Pública não tem nenhuma relação com a função exercida pelo mesmo no órgão público. Por todos esses aspectos é importante ressaltar que, o princípio da impessoalidade, estabelece um propósito para realização no papel tanto do administrador quanto da própria Administração, analisando e examinando a eficácia e à aplicabilidade no poder administrativo, que tem papel fundamental que cumpre as exigências de um bom funcionamento da máquina pública. Em razão de todo o exposto esse princípio busca eficácia para a sua correta aplicabilidade dentro da esfera administrativa.   Sancionado no texto da Carta Magna de 1988, no caput do artigo 37, o princípio da moralidade diverge entre a doutrina, uma vez que muitos acreditam que ele deve ser visto como uma simples parte do princípio da legalidade, ao passo que outros o consideram autônomo. Neste contexto, pode-se salientar que o mandamento em exame exige que o agente público oriente a sua conduta nos padrões éticos, cujo fim último se desdobra em lograr a consecução do bem comum, independente da esfera de poder ou nível político-administrativo da Federação em que sua atuação esteja fincada. Dito isso, Hely Lopes Meirelles (2012) declara que: O agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o Honesto do Desonesto. E ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético da sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo do injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Logo, evidencia-se que tanto os agentes quanto a Administração devem agir conforme os preceitos éticos, já que tal violação implicará em uma transgressão do próprio Direito, o que caracterizará um ato ilícito de modo a gerar a conduta viciada em uma conduta invalidada.   O princípio da publicidade vem do dever de divulgação oficial dos atos administrativos. Compõe-se, no livre acesso dos indivíduos a informações de seu interesse e de transparência na atuação administrativa. Como os agentes públicos atuam na defesa dos interesses da coletividade, a proibição de condutas sigilosas e atos secretos é um corolário da natureza funcional de suas atividades. Consequentemente, a publicidade dos atos administrativos constitui medida voltada a exteriorizar a vontade da Administração Pública divulgando seu conteúdo para conhecimento público; tornar exigível o conteúdo do ato; desencadear a produção de efeitos do ato administrativo; e permitir o controle de legalidade do comportamento. Nas palavras de Mauro Roberto Gomes de Mattos (2010), tudo é público quer dizer do povo, porque este vocábulo tem origem no latim (publicum), que denota rigorosamente do povo, quer dizer, de todos os cidadãos. Intolerável nos dias atuais, que a Administração Pública se prevaleça de regras e outros expedientes que encerrem o silêncio como seu predicado de atuação. Por esse motivo, a Lei Maior infligiu ao administrador o máximo de transparência possível na concretização de suas atividades, ao dispor, no artigo 5º, inciso XXXIII, que: Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Em suma, o princípio da publicidade mostra que é um dos mais importantes institutos do direito Administrativo para a relação da sociedade com a administração pública, autorizando que a população encontre todas as informações necessárias, possibilitando o combate as adversidades da administração pública, como podemos destacar a corrupção, que produz tanto dano a sociedade brasileira. Neste mesmo sentido, um ato administrativo público, quando não conhecido, pode trazer consequências jurídicas, coibindo direitos fundamentais do povo, os quais são garantidos pela Constituição Federal e mortificando, assim, a supremacia da nossa Carta Magna.   O princípio da eficiência é o mais recente dos princípios constitucionais expressos da Administração Pública brasileira, tendo sido adotado a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº19 de 1998 – Reforma Administrativa Gerencial. Ao mencionar o princípio da eficiência na administração pública, pode-se apontar que o gestor público deve gerir a coisa pública com efetividade, economicidade, transparência e moralidade visando cumprir as metas estabelecidas. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002): O princípio da eficiência, apresenta-se sob dois aspectos, podendo tanto ser considerado em relação à forma de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atuações e atribuições, para lograr os melhores resultados, como também em relação ao modo racional de se organizar, estruturar, disciplinar a administração pública, e também com o intuito de alcance de resultados na prestação do serviço público. Em virtude disso, não basta que o Estado atue sob o manto da legalidade. Quando se trata de serviço público faz-se necessário uma melhor atuação do agente público, e uma melhor organização e estruturação por parte da administração pública, com o objetivo de produzir resultados positivos e satisfatórios as necessidades da sociedade. Ainda convém lembrar que o princípio da eficiência deve estar submetido ao princípio da legalidade, pois nunca se poderá justificar a atuação administrativa contrária ao ordenamento jurídico, por mais eficiente que seja, na medida em que ambos os princípios devem atuar de maneira conjunta e não sobrepostas. Entretanto, tal princípio não pode ser tido como letra morta em nossa constituição. A própria administração pública deve se utilizar de mecanismos que fiscalizem e tornem esse princípio mais efetivo em nossos órgãos públicos, como por exemplo, a capacitação dos agentes públicos, pois a falta de profissionalização do pessoal, a desorganização e a má distribuição interna, são os fatores impeditivos da qualidade e produtividade do serviço público. Diante de tais princípios, o que a sociedade espera do Estado é uma maior qualidade e eficiência dos serviços públicos a fim de tornar a convivência entre a administração pública e administrados harmoniosa e satisfatória, destarte, de que a finalidade precípua do Estado é a satisfação do bem comum.   Licitação é o processo administrativo utilizado pela Administração Pública e pelas demais pessoas indicadas pela lei com o objetivo de garantir a isonomia, selecionar a melhor proposta e promover o desenvolvimento nacional sustentável, por meio de critérios objetivos e impessoais para celebração de contratos. Nos preceitos de Celso Antônio Bandeira de Mello (2004): Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir. Vale ressaltar que, a licitação é o procedimento administrativo formal, indispensável aos procedimentos de compra, aquisição ou contratação de bens e serviços, em que a Administração Pública convoca, mediante condições estabelecidas em ato próprio (edital ou convite), empresas interessadas na apresentação de propostas para esse fim. O art. 3.º da Lei 8.666/1993 elenca os objetivos da licitação, quais sejam: A isonomia diz respeito à possibilidade de participação de qualquer interessado que manifeste interesse e preencha os requisitos previstos no edital. A esse respeito os professores Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2017) afirmam que: Com a edição da Lei 12.349/2010, este conceito de isonomia e de igualdade entre os participantes sofreu alterações, pois possibilitou vantagens as empresas produtoras de bens manufaturados nacionais ou prestadoras de serviços nacionais e também as que atuem nos setores de pesquisa inovações tecnológicas nacionais. Em relação a seleção da proposta mais vantajosa este objetivo se traduz na necessidade que tem a Administração Pública de selecionar dentre os critérios estabelecidos em edital aquela que melhor atende as suas necessidades. Além disso, o edital de licitação deve prever quais os critérios para a seleção da proposta mais vantajosa, que podem ser de menor preço, técnica e preço ou melhor técnica. Em alguns casos como na aquisição de equipamentos de informática obrigatoriamente a licitação será técnica e preço. Por fim o último objetivo foi incluído pela Medida Provisória 495, que depois foi convertida na Lei 12.349/2010, é a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A máquina pública, pelo seu tamanho e atividades que exerce, possui uma grande participação na economia nacional, justamente pelo papel de garantidor de direitos sociais. Nesse contexto, este objetivo busca dar efetividade ao caráter social do estado nas suas atividades econômicas, devendo este estar ativamente estimulando a economia nacional.   As modalidades de licitação referem-se aos procedimentos e formalidades que deverão ser observados pela Administração Pública em cada licitação.   Exige requisitos de habilitação (exigidos no edital), na fase inicial, comprovados documentalmente. Esta modalidade ocorre quando se trata de concessão de direito real de uso, de obras ou serviços públicos – de engenharia ou não, na compra e venda de imóveis (bens públicos), licitações inter9/nacionais. O decreto nº 9.412/2018 da Lei 8666/93, define os limites de valores para esta modalidade: acima de R$ 3.300.000,00 (três milhões e trezentos mil reais); para obras e serviços de engenharia é acima de R$ 3,3 milhões.   É a espécie que exige do licitante um certificado do registro cadastral (CRC), ou, para os não cadastrados, comprovação de adequação aos requisitoscadastrais até o terceiro dia anterior ao término do período de proposta. O limite estipulado é de até R$ 1.430.000,00 (um milhão, quatrocentos e trinta mil reais). Enquanto para obras e serviços de engenharia é até R$ 3,3 milhões.   Não requer publicação de edital. Trata-se de uma contratação mais célere. Os interessados sejam cadastrados ou não, são escolhidos e convidados em número mínimo de três licitantes. Os demais interessados, que não forem convidados, poderão comparecer e demonstrar interesse com vinte e quatro horas de antecedência à apresentação das propostas e, nesse caso, deverão ser previamente cadastrados. Quanto ao valor estimado é de até R$ 176.000,00 (cento e setenta e seis mil reais); O valor para obras e serviços de engenharia é até R$ 330 mil.   Ocorrerá a escolha de trabalho científico, artístico, ou técnico com prêmio ou remuneração aos vencedores, conforme o edital publicado na imprensa oficial com antecedência mínima de quarenta e cinco dias. A escolha do vencedor será feita por uma comissão julgadora especializada na área.   Não se confunde com o leilão mencionado no Código de Processo Civil. Esta espécie licitatória versa sobre a venda de bens inservíveis para a Administração Pública, de mercadorias legalmente apreendidas, de bens penhorados (dados em penhor – direito real constituído ao bem) e de imóveis adquiridos pela Administração por dação em pagamento ou por medida judicial.   É a modalidade de licitação para aquisição de bens e serviços comuns em que a disputa pelo fornecimento é feita em sessão pública, por meio de propostas e lances, para classificação e habilitação do licitante com a proposta de menor preço. Sua grande inovação se dá pela inversão das fases de habilitação e análise das propostas, onde se verifica apenas a documentação do participante que tenha apresentado a melhor proposta.   Em razão do que foi citado anteriormente, reforça-se que o pregão é uma modalidade de licitação regulada pela lei 10520/2002, para a aquisição de bens e serviços comuns, e sua disputa pelo fornecimento é feita em sessão pública, por meio de propostas, lances, por onde se faz a classificação e habilitação do licitante que propor o menor preço. A grande mudança na modalidade de licitação pregão se dá pela inversão das fases, onde passa a ser oferecidas primeiro as propostas, e só depois será analisada a documentação do participante que tenha apresentado a melhor proposta, assim se este estiver habilitado estará sujeito ao serviço. As propostas são feitas de forma escrita e em seguida é feita disputa através de lances verbais. Há também a possibilidade de ainda haver a negociação direta com o pregoeiro, com intuito de diminuir o valor ofertado.   Segundo Joel Niebhur (2015), a palavra pregão provém do latim praiconium, do verbo praeconari, que significa apregoar, proclamar notícias. Em consulta ao vocabulário Jurídico (De Plácido e Silva) verificamos que pregão “designa as palavras ditas em alta voz, para que se anuncie ou se proclame alguma notícia ou se faça algum aviso”. Refere-se à proclamação de lances em alta voz nas hastas públicas. O vocábulo também é utilizado para designar o ato do oficial de justiça de anunciar a realização de audiência ou chamar partes e testemunhas em alta voz. Ainda é utilizado para designar as sessões das bolsas de valores, em que são negociadas ações abertamente, em público. Segundo Rezende (2018, p.482), pregão é: É a modalidade de licitação prevista na Lei 10.520/2002 para aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor estimado do futuro contrato. Em âmbito federal, foi editado o Decreto 3.555/2000 para regulamentar o pregão, cabendo aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a edição de seus respectivos regulamentos, respeitados os termos da mencionada Lei. Vale mencionar que no pregão eletrônico não há presença física dos envolvidos, todas as etapas são executadas por meio de computador – internet. Os participantes (pregoeiro e licitantes) reúnem-se por meio da internet em uma sessão pública e nestas são apresentadas as propostas e lances, é realizada a classificação, habilitação, etc.. Todavia, o pregão pode ser adotado para os mesmos tipos de compras e contratações realizadas por meio das modalidades concorrência, tomada de preços e convite, desde que se trate de bens e serviços comuns, que são aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade sejam objetivamente definidos por edital, com especificações de uso corrente no mercado. Partindo desse pressuposto, Mazza (2018), afirma que: A característica fundamental do procedimento do pregão é a inversão nas fases naturais da licitação. Isso porque, como visto nas regras acima transcritas, o julgamento das propostas antecede a habilitação dos licitantes. Importante frisar que a referida inversão de fases agora também é permitida nas concorrências que antecedem a concessão de serviços públicos e nas que precedem parcerias público privada. Além disso, frisa-se que o pregão é a modalidade de licitação válida para ser utilizada na contratação de bens e serviços comuns, ou seja, aqueles que podem ser descritos no edital (seus padrões de qualidade e desempenho) e que tenham a possibilidade de serem substituídos uns por outros com o mesmo padrão de qualidade.   O processo licitatório do Pregão Eletrônico inicia-se com seu planejamento e prossegue até a assinatura do respectivo contrato ou emissão de documento correspondente, dividindo-se em duas fases distintas:   Citamos então da fase interna, mais precisamente da elaboração do edital. Esta é uma atividade delicada e requer muita atenção de todos os envolvidos. No momento da elaboração do edital, diversos setores do ente licitante serão envolvidos, pois são necessárias informações das mais variadas áreas. Um dos princípios que rege as licitações é o da vinculação ao edital. É importante notar que depois de publicado, o edital é a lei da licitação que estamos pretendendo abrir. Tanto a Administração quanto os licitantes estarão obrigados por suas normas, ou seja, vinculados ao instrumento convocatório. Por isso, há de se ter um cuidado especial com o conteúdo dessas normas já que delas ninguém poderá se apartar. Joel de Menezes Niebuhr (2015) ensina: Os licitantes, ao analisarem o instrumento convocatório, devem ter condições de precisar tudo o que serão obrigados a fazer, caso saiam-se vencedores do certame. E, por outro lado, à Administração Pública só é permitido exigir aquilo que efetivamente estiver no instrumento convocatório, salvo se posteriormente alterar o contrato, dentro das balizas legais, restabelecendo o equilíbrio econômico-financeiro. Precisamos entender que um edital bem feito, trará bons resultados para a Administração. O contrário também é verdadeiro: um edital feito às pressas, com especificações mal pensadas, regras insuficientes ou excessivas, levará a uma contratação de resultados indesejados. A fase interna ou preparatória do pregão é estabelecida no art. 3° da Lei n° 10.520/02, que inicia-se com a abertura do processo licitatório pela autoridade competente, através de instrumento que contenha termo de referência do objeto, podendo citar outras exigências a serem observadas: justificativa da necessidade da compra/contratação, definição do objeto a ser licitado, definição das exigências para a habilitação dos licitantes, definição dos critérios de aceitação das propostas, definição das sanções por inadimplemento, definição das cláusulas que comporão o contrato, inclusive com fixação dos prazos para o fornecimento, orçamento, designação do pregoeiro e equipe de apoio.   A fase externa inicia-se com a publicação do aviso do edital, que deve ter, necessariamente, antecedência mínima de oito dias úteis da entrega das propostas. A convocação dos interessados em participar do certame será efetuada através do diário oficial do ente federado ou, não existindo, em jornal de circulação local e, facultativamente, por meio eletrônico. O edital é publicado resumidamente, devendo uma cópia ficar a disposição de qualquer interessado que deseje consultá-lo. É vedado, segundo o artigo 5° da Lei n° 10.520/02, a exigência de aquisição do edital como condição para os interessados participarem da competição, também é proibida a cobrança de taxas, ressalvado o valor correspondente aos custos de reprodução gráfica do edital e aos custos de utilização de recursos de tecnologia da informação, quando for o caso. Após o transcurso do prazo previsto no edital de convocação, passa-se ao julgamento e classificação das propostas que devem ser feitas em sessão pública, conduzida pelo pregoeiro. Inicialmente, realiza-se o credenciamento dos licitantes, momento procedimental em que estes se apresentam oficialmente ao Pregoeiro, com as credenciais que permitirão sua participação no Pregão. Devem apresentar procuração, contrato social e declaração de que cumprem os requisitos de habilitação. Mesmo que o representante não seja credenciado, a proposta da empresa poderá participar da licitação; o detalhe aqui é que o representante não poderá formular lances, nem recorrer (só poderá recorrer contra seu não credenciamento). Os participantes devem apresentar, separadamente, os documentos de habilitação e a proposta, além destes, como visto anteriormente, devem apresentar no momento da abertura da sessão declaração na qual informam que cumprem plenamente os requisitos necessários para a habilitação. Abertos os envelopes com as propostas, o pregoeiro verificará se estão de acordo com os requisitos dispostos no edital, caso estejam dissonantes, o licitante será desclassificado do certame. De maneira diferente de como ocorre na Lei 8.666/93, no pregão, primeiramente ocorre a abertura das propostas, para, em um momento posterior, averiguar-se a habilitação daquele que ofertou o melhor preço (após etapa de lances). Após a verificação das propostas, o licitante que ofertou o valor mais baixo e os proponentes das ofertas com preços até 10% superiores àquela, poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até que haja um vencedor final. Caso não haja ao menos três propostas nestas condições, os lances orais poderão ser feitos pelos licitantes das três melhores propostas, independente do preço que tenham oferecido. Diferentemente da Lei 8.666/93, o artigo 5°, inciso I, da Lei 10.520/02 veda a imposição de garantias à proposta. Classificadas as propostas, passa-se para a análise da habilitação do vencedor.   No pregão presencial os licitantes se credenciam e apresentam suas propostas, após isso o pregoeiro seleciona todas as propostas que estiverem dentro de uma margem de até 10% acima da melhor proposta. Se não existir ninguém que se enquadra nesse quesito, é chamado até 3 licitantes e neste caso com estes 3 licitantes é aberto uma fase de lance sequencial até obter a melhor proposta (semelhante a um leilão). No final do lance o pregoeiro verifica a proposta que se classifica em primeiro lugar como sendo a mais vantajosa para o poder público no que se refere aos aspectos de preço e qualidade, e então sendo essa a empresa vencedora. No entanto para participar de um pregão presencial o licitante interessado deverá: comparecer no local, na data e hora mencionada no edital da licitação; apresentar a documentação necessária (solicitada no edital) para o devido credenciamento do responsável pela empresa; quando solicitado pelo pregoeiro, entregar os envelopes contendo a proposta de preço e a documentação para a habilitação; em momento definido nas etapas do certame licitatório, o responsável deverá apresentar novos lances e/ou deixar de apresentar, caso não seja mais do seu interesse; apresentar ou deixar de apresentar intenção de recursos sobre as fases do processo licitatório, caso sua proposta não tenha sido vencedora; Caso a sua proposta tenha sido vencedora, após a homologação deverá assinar o contrato com o órgão interessado. No que diz respeito ao pregão eletrônico, os licitantes devem se cadastrar no site (portal de compras públicas), para uma determinada licitação, após isso cadastram seus respectivos valores e todos os licitantes são chamados para a fase de lances, podendo dar lances menores até do que o seu próprio lance sem necessidade de vincular ao menor lance ofertado, por exemplo: seu concorrente deu um lance de 90 mil, você pode dar um lance de 120 mil desde que este seja menor do que o seu próprio último lance, sem a necessidade de ser menor que o lance do concorrente. No pregão eletrônico o fim dos lances é dado por tempo aleatório. Diante disso, para participar de um pregão na forma eletrônica o licitante interessado deverá: credenciar-se, previamente, junto ao provedor do sistema eletrônico, para obtenção da senha de acesso ao sistema eletrônico de compras; remeter, no prazo estabelecido, exclusivamente por meio eletrônico, via Internet, a proposta e, quando for o caso, seus anexos; responsabilizar-se formalmente pelas transações efetuadas em seu nome, assumindo como firmes e verdadeiras suas propostas e lances, inclusive os atos praticados diretamente ou por seu representante, não cabendo ao provedor do sistema ou ao órgão promotor da licitação responsabilidade por eventuais danos decorrentes de uso indevido da senha, ainda que por terceiros; acompanhar as operações no sistema eletrônico durante o processo licitatório, bem como manter endereço atualizado de correio eletrônico, responsabilizando-se pelo ônus decorrente da perda de negócios diante da inobservância de quaisquer mensagens emitidas pelo sistema ou de sua desconexão; comunicar imediatamente ao provedor do sistema qualquer acontecimento que possa comprometer o sigilo ou a inviabilidade do uso da senha, para imediato bloqueio de acesso; utilizar-se da chave de identificação e da senha de acesso para participar do pregão na forma eletrônica; solicitar o cancelamento da chave de identificação ou da senha de acesso por interesse próprio; submeter-se às exigências da Lei Federal nº 10.520/2002 e, subsidiariamente, da Lei Federal nº 8.666/1993, assim como aos termos de participação e condições de contratações constantes do instrumento convocatório.   A origem da nova modalidade pregão eletrônico trouxe notáveis melhorias para o processo licitatório, tornando-o muito mais dinâmico e contribuindo para uma economicidade e celeridade para a Administração. Uma característica muito peculiar dessa modalidade que a diferencia das demais é a grande economicidade proporcionada, consistente na possibilidade dos participantes baixarem seus respectivos preços, o que acaba aumentando a competitividade. É importante mencionar outra característica que torna essa modalidade muito eficiente é a inversão entre a habilitação e a fase de apresentação de propostas dos preços, o que tornou o processo muito célere. Sendo que o pregoeiro ao analisar a melhor proposta de preços, ou seja, a primeira colocada e se esta estiver em conformidade com aquilo que é exigido em Edital, não há a necessidade de se analisar toda a documentação dos demais participantes. Logo, tendo em vista o prazo de 08 (oito) dias entre a publicação da licitação e a apuração dos preços dos licitantes, juntamente com a celeridade trazida com a inversão da fase externa, o pregão pode ser concluído em poucos dias, o que não ocorre com as demais modalidades da Lei 8.666/1993. A celeridade é tão evidente no caso do pregão, que até as impugnações e recursos devem ser apresentados imediatamente e de forma motivada em um prazo de cinco minutos. Diferente com o que ocorre com o pregão presencial, em que, nos termos do artigo 4º, inciso XVIII da Lei 10.520/2002, qualquer licitante poderá manifestar imediata e motivadamente a intenção de recorrer, sendo-lhe concedido o prazo de 3 (três) dias para apresentação das razões do referido recurso, ficando os demais licitantes desde logo intimados para apresentar contrarrazões também em 3 (três) dias, assegurando-lhes o direito de vista dos autos. Além disso, o aumento no número de participantes é outra vantagem dessa modalidade, uma vez que permite que empresas de diversos locais do País participem do certame, não havendo necessidade que se desloquem de suas sedes para comparecer pessoalmente. Com isso o pregão eletrônico não se reserva apenas a cidades próximas, como faz o pregão na forma presencial, essa característica no final do certame acarretará para a administração uma maior competitividade, tendo como resultado uma redução significativa de preços. Em virtude do exposto acima, o pregão eletrônico é sem dúvida a mais célere e econômica modalidade de licitação que possui a Administração, contribuindo demasiadamente para uma desburocratização do sistema e guardando uma relação intrínseca com o princípio da eficiência, constitucionalmente previsto. E não se tem dúvida que a utilização de tal modalidade dá uma maior transparência nos gastos realizados pela Administração, possibilitando um controle por parte da população dos gastos públicos, o que resulta na prestação de um serviço público com uma maior qualidade. Por todos esses aspectos, o pregão em sua forma eletrônica já se tornou, sem dúvida, a melhor maneira para a Administração Pública realizar contratações, já que se balizam sempre pelos princípios constitucionais que regem toda a administração e por alcançar sempre a proposta mais vantajosa para a administração, sendo este um dos objetivos da licitação.   Conclusão O presente estudo permitiu compreender, através da exposição da origem, da evolução e dos princípios licitatórios e constitucionais, as mudanças e inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 19 em relação às licitações públicas, que teve como principal enfoque o instrumento pregão eletrônico, regulamentado pelo decreto 5450/05, com eficiência nos serviços públicos. Feitas as considerações iniciais, propiciado uma visão geral sobre Licitações, adentrou-se no estudo específico do tema, que é o estudo da modalidade Pregão, que trouxe mais celeridade, economicidade e agilidade para Administração Pública. Á vista disso, a diminuição do tempo entre a publicação do edital e o evento, a inversão da fase da habilitação e do julgamento das propostas, bem como a possibilidade de diminuição do menor preço, através de lances feitos pelos proponentes com propostas iniciais de dez por cento, são exemplos claros que demonstram a utilização do pregão para simplificar procedimentos e trazer a economia de tempo e recursos nas contratações feitas pela Administração. Ademais, a utilização das novas tecnologias, especificamente a internet, bem como a facilidade de acesso e maior transparência no âmbito do pregão eletrônico, solidifica de fato, que a Administração Pública tem buscado eficiência necessária para satisfazer a população e usuários dos serviços públicos. É notável o esforço para se conseguir a qualidade, a agilidade e a economia reclamadas pelo princípio constitucional da eficiência. Diante do exposto, conclui-se que o pregão tem sido um instrumento hábil para garantir ao Estado a efetivação dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, sobretudo o da eficiência, contribuindo assim, com a melhoria dos serviços públicos e a concretização da cidadania.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-principio-da-eficiencia-nas-contratacoes-publicas-com-foco-na-efetividade-dos-procedimentos-e-nas-melhorias-advindas-da-utilizacao-do-pregao-eletronico/
Nulidade do Contrato Temporário e o prazo de cobrança do FGTS em face da Fazenda Pública
O artigo em comento visa abordar o conceito de contrato temporário em regime administrativo realizado pela Fazenda Pública, previsto no Art. 37, IX, da CRFB/88, a declaração de nulidade do contrato e os efeitos e direitos decorrentes dessa declaração, com espeque na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em especial na análise do Recurso Extraordinário nº 765.320/MG, que previu a possiblidade ao recolhimento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Bem como, qual será o prazo utilizado na cobrança das verbas oriundas dessa relação jurídica em face do Poder Público. Levando em consideração a matéria abordada pelo Superior Tribunal de Justiça através da Súmula 85, em consentâneo com o Decreto nº 20.910 que regula a prescrição qüinqüenal e na modulação dos efeitos do Recurso Extraordinário 709.212/DF.
Direito Administrativo
Introdução Este projeto abarca os contratos temporários firmados em regime administrativo pelo Estado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público. Mesmo sob a égide administrativa, é conferido alguns direitos sociais provenientes do Art. 7º, da Constituição Federal, aos servidores temporários. Porém, após o julgamento do RE 765.320, o Supremo Tribunal Federal passou a entender ser possível o recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), aos titulares de cargo temporário em decorrência da nulidade do referido contrato, com base no artigo 37, §2º, da Carta Magna e nos termos do artigo 19-A da Lei 8.036/1990 (Lei do FGTS). Ademais, como a relação jurídica do contrato é entre um particular e o Poder Público, é notório que a cobrança dessas verbas em face do Estado não pode se dá de qualquer maneira, já que a Administração Pública possui prazos prescricionais próprios quando se encontra no polo passivo de demandas jurídicas. Sendo imprescindível a análise dessa prescrição.   1.      Contrato Temporário 1.1              Conceito de Servidor Temporário A Constituição Federal de 1988 estabelece no artigo 37, inciso I, os termos de acessibilidade aos cargos, funções e empregos públicos pelos brasileiros e estrangeiros na forma da lei. Determina como regra o provimento de cargos públicos mediante concurso público de provas ou de provas e títulos e os cargos em comissões declarado em lei de livre nomeação e exoneração, inciso II, artigo 37. “Concurso Público é o procedimento administrativo que tem por fim aferir as aptidões pessoais e selecionar os melhores candidatos ao provimento de cargos e funções públicas. Na aferição pessoal, o Estado verifica a capacidade intelectual, física e psíquica de interessados em ocupar funções públicas e no aspecto seletivo são escolhidos aqueles que ultrapassam as barreiras opostas no procedimento, obedecidas sempre à ordem de classificação. Cuida-se, na verdade, do mais idôneo meio de recrutamento de servidores públicos. (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ªed. Rio de Janeiro: Lumen juris. p. 483.)” Nessa senda, observa-se que a obrigatoriedade da realização do concurso público propõe proteger a isonomia (corolário da igualdade matéria), probidade administrativa, moralidade e a impessoalidade. Bem como, garante contratações de candidatos com aptidão para a melhor prestação do serviço público, empregando meios de coibir a prática do empreguismo e do apadrinhamento político. Porém, a Carta Magna, prevê exceção à regra do concurso público por meio dos chamados contratos por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos do artigo 37, IX.São considerados servidores temporários não permanentes em órgãos públicos, instituindo verdadeira exceção ao princípio do concurso público que rege o ingresso na Administração Pública. Da perfunctória leitura do dispositivo constitucional em alhures, pode-se observar que, para regular contratação de servidores temporários, faz-se imprescindível o preenchimento de alguns requisitos: Serviço temporário, aquele definido por meio de lei específica que deve detalhar seus contornos e características, os limites máximos de duração destes contratos, além de regulamentar o regime aplicado a estes servidores. Nessa baila, trata-se o art. 37, IX da CF/88 de norma de eficácia limitada, compreendida como aquela que só produz seus efeitos principais após regulamentação infraconstitucional estabelecendo seus limites e efeitos. Interesse Público, devendo ser devidamente motivado pela autoridade responsável pela contratação, inseridas nas hipóteses previstas em lei. Característica de Excepcionalidade da contratação, ou seja, os servidores temporários não podem ser a regra de contratação do órgão ou entidade pública, sendo situação extraordinária. Sendo inconstitucional a contratação de temporários em situação que deveria haver nomeação de servidores efetivos. Também é possível a contratação desses servidores para o exercício de atividades de caráter regular e permanente. O Supremo Tribunal Federal entende que o artigo 37, IX, da CF/88 autoriza que a Administração Pública contrate pessoas, sem concurso público, tanto para o desempenho de atividades de caráter eventual, temporário ou excepcional interesse público, como preceitua o ministro Eros Grau, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3068: “(…) o inciso IX do artigo 37, da Constituição Federal, que autoriza exclusivamente contratações em caráter eventual, temporário ou excepcional, não separa de um lado atividades em caráter eventual, temporário ou excepcional e de outro lado atividades de caráter regular e permanente. Não autoriza exclusivamente a contratação por tempo determinado de pessoal que desempenha atividades de caráter eventual, temporário ou eventual. Amplamente autoriza contratações para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, em uma e outra hipótese.” Segundo o ministro, não existe discriminação, pois a autorização que se encontra no texto constitucional é ampla. Ele explicou que, no caso, o que se pretende é suprir a carência de pessoal temporariamente, enquanto é criado o quadro de pessoal permanente no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). “Atende-se à necessidade temporária de excepcional interesse público”, disse. A contratação com base no inciso IX ocorre sem a realização de prévio concurso público. A lei, no entanto, pode prever critérios e exigências a serem observadas pelo administrador no momento de contratar. Exemplo: a Lei nº 8.745/93, que rege o tema em nível federal, exige que os profissionais a serem contratados sejam submetidos a uma espécie de processo seletivo simplificado (art. 3º), ou seja, um procedimento mais simples que o concurso público, no entanto, por meio do qual se possa selecionar os melhores candidatos à função e de maneira impessoal. Resguardando os princípios que regem a atuação da Administração Pública. Nada impede também que a lei não preveja nem mesmo o processo seletivo simplificado. No âmbito federal, por exemplo, a contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde pública prescindirá de processo seletivo.   1.2              Regime Jurídico do Contrato Temporário O servidor temporário é um prestador de serviços à Administração Pública e sua relação com o poder público é disciplinada por contrato de prestação de serviço. Pelo fato de o Estado ser parte integrante desse contrato é de se olvidar que o regime preponderante dessa relação jurídica será administrativo. É na verdade um regime jurídico administrativo especial, sob o comando legal em nível federal da já citada Lei nº 8.745/93. Porém, nada impede que os Estados e os Municípios regulem a sua forma de contratação temporária, por óbvio, observando sempre o princípio da simetria. Acrescente-se que, a contratação temporária será balizada pelos ditames do regime estatutário, conferidos aos titulares de cargos efetivos, sempre de maneira subsidiária. Pelo raciocínio, essa classe especial ficaria à disposição dos mesmos direitos relativos na Lei nº 8.112/90, submetendo-se inclusive ao regime de previdência social própria da lei dos servidores federais. “Cuida-se, de fato, de verdadeiro contrato administrativo de caráter funcional, diverso dos contratos administrativos em geral pelo fato de expressar um vínculo de trabalho subordinado entre a Administração e o servidor. Não obstante essa qualificação, a lei instituidora do regime certamente poderá incluir algumas normas que mais se aproximem do regime estatutário, que, inclusive, tem aplicação subsidiária no que couber. O que não poderá, obviamente, é fixar outra qualificação que não a contratual (CARVALHO FILHO, José dos Santo, Manual de Direito Administrativo).” Ademais, a Constituição da República, no artigo 39, parágrafo 3º, garante aos ocupantes de cargo público alguns direitos sociais aplicados aos trabalhadores do regime celetista. Apesar dessa previsão, a Constituição é bem clara em delimitar a extensão desses direitos   2.       Recurso Extraordinário 765.320/MG 2.1     Nulidade do Contrato Temporário Como citado anteriormente, a regra para ingresso na Administração Pública se dá por meio do concurso público. A pergunta é: O que ocorre quando os contratos por prazo determinados são declarados nulos pela ausência do certame? O Supremo Tribunal Federal analisando o tema no Recurso Extraordinário nº 765.320/MG, reconheceu o direito ao recolhimento dos depósitos fundiários aos trabalhadores que tiveram o contrato de trabalho declarado nulo por ausência de aprovação prévia em concurso público. O entendimento acima foi firmado na regra do art. 37, §2º, da Constituição Federal combinado com o artigo 19-A da Lei 8.036/90 (Lei do FGTS). A ementa do acórdão, dito pelo ministro Teori Zavascki, assim dispõe: “ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO CONTRATADO POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDIMENTO DE NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. REQUISITOS DE VALIDADE (RE 658.026, REL. MIN. DIAS TOFFOLI, DJE DE 31/10/2014, TEMA 612). DESCUMPRIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS. DIREITO À PERCEPÇÃO DOS SALÁRIOS REFERENTES AO PERÍODO TRABALHADO E, NOS TERMOS DO ART. 19-A DA LEI 8.036/1990, AO LEVANTAMENTO DOS DEPÓSITOS EFETUADOS NO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO FGTS. (…) a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público realizada em desconformidade com os preceitos do artigo 37, IX, da Constituição Federal não gera quaisquer efeitos jurídicos válidos em relação aos servidores contratados, com exceção do direito à percepção dos salários referentes ao período trabalhado e, nos termos do artigo 19-A da Lei 8.036/1990, ao levantamento dos depósitos efetuados no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).” No julgado em comento, envolvia servidor admitido em caráter temporário e excepcional para a função de oficial de apoio judicial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Como já exposto neste artigo, esse tipo de contratação é de natureza administrativa, podendo alguns direitos celetistas se estender a esses contratos. A previsão do Art. 19-A da Lei 8.036/90 se destina a trabalhadores cujo contrato de trabalho seja declarado nulo, contratos esses sob a égide do regime celetista, e quando mantido o direito ao salário. Nesse ponto há grande controvérsia, pois, a previsão do art. 19-A da lei acima, não se enquadra nas hipóteses do Art. 39, §3º, da CRFB/88. A princípio não gerando direito ao FGTS aos servidores admitidos pelos contratos temporários, ainda que nulos. Cabe colacionar uma decisão no sentido diverso ao entendimento do STF, senão vejamos: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. SERVIDOR TEMPORÁRIO ESTADUAL. AGENTE DE SEGURANÇA PENITENCIÁRIO. CONTRATOS CELEBRADOS DE FORMA SUCESSIVA. FGTS. IMPOSSIBILIDADE. – A nulidade da contratação temporária não convola o regime jurídico-administrativo em celetista, e, por conseguinte, não é devido o FGTS. – O julgamento realizado pelo STF no RE n. 705.140 não é aplicável ao servidor temporário quando está provado que a contratação se deu pelas regras do regime jurídico-administrativo.  (TJMG –  Apelação Cível 1.0024.14.250532-0/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 20/09/2016, publicação da súmula em 26/09/2016)” O certo é que, esse é o entendimento jurisprudencial atual do STF, ou seja, no sentido de ser possível a percepção de FGTS aos servidores contratados para exercer função por prazo determinado, sob a égide do regime administrativo.   3.       Prazo de Cobrança do FGTS em face da Fazenda Pública 3.1.    Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça No âmbito da Fazenda Pública, há diversas relações jurídicas com vínculos que se protraem no tempo e se renovam constantemente. São as chamadas obrigações de trato sucessivo ou de execução continuada. É o que acontece com relação a ações judiciais que discutam o pagamento de FGTS devidos pelo Estado. No caso acima, a prescrição é alcançada progressivamente, como prevê o artigo 3º, do Decreto nº 20.910/93, in verbis: “Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.” Nessa senda, se não é feito o recolhimento do FGTS do servidor temporário mensalmente, a propositura da ação poderá alcançar os valores que deixaram de ser efetuados nos últimos 5 anos. Os valores anteriores aos 5 anos consideram-se atacados pela prescrição. Diferente do que ocorre no caso de ter sido negado o próprio direito reclamado. Por exemplo: retirada de um beneficio que era devido ao servidor. Nesse caso aplica-se o disposto no Art. 1º do Decreto 20.910/32, onde o prazo quinquenal inicia-se a partir do direito violado por ser única e especifica. Para reforçar esse entendimento, o STJ editou a Súmula nº 85 que trata sobre as relações de trato sucessivo em que a fazenda pública figure como devedora, senão vejamos: “Súmula 85/STJ: Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.” Resumindo, se não é feito o recolhimento do FGTS mensalmente por simples omissão ilegal do Ente Público, a prescrição é alcançada periodicamente, conforme o comando da Súmula 85 do STJ.   3.2.    Recurso Extraordinário 709.212/DF A Constituição Federal dispõe sobre a prescrição a ser aplicada nas relações trabalhistas no artigo 7º, inciso XXIX. Nessa senda, a partir da violação do direito, nasce a pretensão para o trabalhador no prazo de 5 (cinco) anos exigir a satisfação dessa obrigação, por meio da respectiva ação judicial, que propõe a observância da prescrição bienal, contado do término do contrato de trabalho. A lei 8.036/90, no art. 23, §5º, prevê, especificamente quanto ao mesmo, a prescrição trintenária. Com igual previsão, traz o art. 55, aprovado pelo Decreto 99.684/90. Em matéria jurisprudencial, o entendimento também era favorável em reconhecer a prescrição trintenal, conforme se extrai do enunciado da súmula 362 do TST, in verbis: “Súmula 362 do TST: “FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. “É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.” No mesmo sentido, súmula 210 do STJ: “Súmula 210 do STJ: “A ação de cobrança das contribuições para o FGTS prescreve em trinta (30) anos.” O STF, em 2014, analisando o tema em sede de repercussão geral (ARE 709.212/DF), acerca da aplicabilidade do artigo 23, §5°, da Lei n° 8.036/90, decidiu que o prazo prescricional para a cobrança judicial dos valores devidos relativos ao FGTS tanto pode ser trintenal quanto quinquenal, declarando a inconstitucionalidade das normas que previam a prescrição trintenária, observe-se: 1.             O prazo prescricional para cobrança dos depósitos de FGTS e o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal O cerne da presente controvérsia diz respeito à definição do prazo prescricional aplicável à cobrança judicial dos valores devidos, pelos empregadores e pelos tomadores de serviço, ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). (…) Verifica-se, pois, que, em relação à natureza jurídica do FGTS, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal revela-se, de fato, consentânea com o disposto na Constituição de 1988. Contudo, conforme já explanado por mim no julgamento do RE 522.897, a jurisprudência desta Corte não se apresentava concorde com a ordem constitucional vigente quando entendia ser o prazo prescricional trintenário aplicável aos casos de recolhimento e de não recolhimento do FGTS. Isso porque o art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 contém determinação expressa acerca do prazo prescricional aplicável à propositura das ações atinentes a “créditos resultantes das relações de trabalho”. Eis o teor do referido dispositivo constitucional: “Art. 7º (…) XXIX ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cincos anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. (redação determinada pela Emenda Constitucional 28/2000).” Desse modo, tendo em vista a existência de disposição constitucional expressa acerca do prazo aplicável à cobrança do FGTS, após a promulgação da Carta de 1988, não mais subsistem as razões anteriormente invocadas para a adoção do prazo de prescrição trintenário. (ARE 709212/DF, Min. Rel. Gilmar Mendes, julgado em 13/11/2014, Tribunal Pleno, DJe-032, publicado em 19/2/2015). Posteriormente, modulando a decisão, o STF decidiu pela aplicação do efeito ex nunc à decisão que permaneceu da seguinte forma: Para aqueles casos cujo termo inicial da prescrição – ou seja, a ausência de depósito do FGTS – ocorra após a data de julgamento, aplica-se, desde logo, o prazo de cinco anos. Para os casos em que o prazo prescricional já esteja em curso, aplica-se o que ocorrer primeiro: 30 anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir deste julgamento, conforme item II, da Súmula 362 do TST. Nessa baila, a Corte Suprema, modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 23, § 5º, da Lei n. 8.036/1990, que seriam, em regra, ex tunc, determinou a aplicação da prescrição quinquenal das pretensões trabalhistas relativas ao FGTS apenas com efeitos prospectivos, ou seja, para o futuro, como forma de garantir a segurança jurídica. Nessa linha andou o entendimento jurisprudencial do TST: “(…) FGTS. PRESCRIÇÃO. SÚMULA Nº 362 DO TST. Esta Corte superior consolidou entendimento de que a prescrição para reclamar os recolhimentos de FGTS é trintenária, desde que ajuizada a ação no prazo de dois anos, contados do término do contrato de trabalho. Insta esclarecer, no tocante à Súmula nº 362 desta Corte, que a decisão do STF, nos autos do ARE nº 709.212, julgado em 13/11/2014, no sentido de invalidar a regra da prescrição trintenária, em razão da interpretação dada ao artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, foi modulada pela Corte Suprema, de maneira a não atingir os processos em curso, em que a prescrição já está interrompida, atribuindo, assim, efeitos ex nunc à decisão. Esse entendimento foi consolidado na nova redação da Súmula nº 362, que dispõe: “FGTS. PRESCRIÇÃO (nova redação) – Res. 198/2015, republicada em razão de erro material – DEJT divulgado em 12, 15 e 16.06.2015 I – Para os casos em que a ciência da lesão ocorreu a partir de 13.11.2014, é quinquenal a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento de contribuição para o FGTS, observado o prazo de dois anos após o término do contrato; II – Para os casos em que o prazo prescricional já estava em curso em 13.11.2014, aplica-se o prazo prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial, ou cinco anos, a partir de 13.11.2014 (STF-ARE- 709212/DF)”. Assim, a Suprema Corte, modulando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade do artigo 23, § 5º, da Lei nº 8.036/1990, que seriam, em regra, extunc, determinou a aplicação da prescrição quinquenal das pretensões trabalhistas relativas ao FGTS apenas para o futuro (efeito ex nunc), como forma de se resguardar a segurança jurídica. Logo, o prazo prescricional quinquenal não se aplica às demandas cuja prescrição tenha iniciado antes desse julgamento, hipótese dos autos. No caso, a reclamação foi ajuizada em julho de 2010 e o contrato extinto em julho de 2009, pelo que não há que se falar em prescrição. Agravo desprovido. (Processo: AgR-E-RR – 792-07.2010.5.07.0026 Data de Julgamento:11/02/2016, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19/02/2016). Da mesma forma as ementas abaixo: “PROCESSO TRT/SP nº 0002700-49.2014.5.02.0010 – 4ª Turma RECURSO ORDINÁRIO RECORRENTES: ESCOLA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR SÃO JORGE e SOCIEDADE EDUCACIONAL SOIBRA S/S LTDA RECORRIDO: VERA LÚCIA DA CRUZ. ORIGEM: 10ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP FGTS. PRESCRIÇÃO. O STF examinou recentemente a controvérsia existente sobre a matéria (ARE 709212/DF, com repercussão geral), e proferiu decisão em 13.11.2014, declarando a inconstitucionalidade do art. 23 da Lei 8036/90, considerando ser aplicável o prazo prescricional de cinco anos para a pretensão relativa ao FGTS. Quanto à modulação, atribuiu-se à essa decisão efeitos ex nunc, atingindo, portanto, somente as ações trabalhistas ajuizadas após a data do referido julgamento, mantendo-se a prescrição trintenária para todas aquelas propostas anteriormente.” “FGTS. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. ARE-STF 709.212/DF. Segundo a modulação dada pela decisão proferida no voto do Exmo. Ministro Relator, a prescrição quinquenal somente será aplicada, de imediato, aos casos em que o início do prazo prescricional ocorreu após a decisão do STF no ARE 709.212. Isto é a data em que os depósitos de FGTS deixaram de ser corretamente satisfeitos é posterior ao julgamento que reconheceu a inconstitucionalidade da prescrição trintenária. Para os demais casos, continua valendo a prescrição trintenária até o limite de cinco anos a partir da decisão da Corte Superior. Hipótese em que o contrato de trabalho teve seu início em 01/04/1992, prevalecendo a aplicação da prescrição trintenária. Data de publicação: 24/11/2016 TRT-4 – Inteiro Teor. Recurso Ordinário: RO 201373420155040812.” Desmistificando o julgamento em comento, com o voto do Ministro Gilmar permaneceu as seguintes hipóteses para o prazo prescricional dos depósitos fundiários: Para os contratos de trabalho que o início se deu até 13/11/1989, a prescrição trintenária permanece intacta. Para os contratos de trabalho em que o início ocorreu entre 13/11/1989 e 13/11/2014 resta da seguinte maneira: a) para se pleitear os depósitos fundiários de todo o contrato de trabalho (lê-se prescrição trintenária) o empregado deverá ingressar com a ação até o prazo limite de 13/11/2019; e b) se o empregado continuar trabalhando e optar por ajuizar a ação após 13/11/2019, a prescrição dos recolhimentos fundiários será a qüinqüenal; e por último c) para os contratos de trabalho iniciados após 13/11/2014, a prescrição dos recolhimentos fundiários será a quinquenal. Destarte, foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal que a verba do FGTS possui natureza jurídica de verba trabalhista. Logo, deve ser a ela aplicada a regra prevista no art. 7°, XXIX, da CF/88, que traz prazo prescricional de 5 (cinco) anos para cobrança de direitos trabalhistas.   Conclusão O presente artigo tratou de conceituar os contratos por prazo determinado na forma do Art. 37, IX, da Constituição Federal, o regime jurídico ao qual ficam submetidos os servidores temporários, bem como os direitos gerados em decorrência da declaração de nulidade desses contratos e por fim o prazo de cobrança do FGTS em face do Poder Público. Com base no exposto, fica evidenciado o caráter administrativo dos contratos temporários e se submetem ao mesmo regramento dos servidores efetivos. Contudo, apesar de não haver previsão de recolhimento do FGTS no art. 39, §3º, da CF/88, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 765.320, acabou criando essa modalidade que somente era previsto para os contratos sob a égide do regime celetista, com base no art. 37, §2º, da Constituição Federal  c/c art. 19-A da Lei 8.036/90. Após o nascimento dessa percepção ao FGTS, a prescrição de cobrança dessa verba em face da Fazenda Pública também foi objeto de verificação deste artigo. Demonstrando que, após análise do Decreto 20.910/32, quando a Fazenda Pública está inserida no pólo passivo de demandas jurídicas, o prazo será quinquenal. Não só por isso, mas esse entendimento se deu pela natureza trabalhista do FGTS reconhecida quando do julgamento do Recurso Extraordinário 709.212, bem como por se tratar de relação de trato sucessivo que se renovam mês a mês de acordo com a Súmula nº 85 do STJ. Por fim, com a modulação de efeitos para o futuro (ex nunc) no julgamento do RE 709.212, ainda há algumas pretensões se valendo do prazo trintenal. Porém, após o período de 13/11/2019 todas fixarão a regra do prazo qüinqüenal para cobrança do FGTS.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/nulidade-do-contrato-temporario-e-o-prazo-de-cobranca-do-fgts-em-face-da-fazenda-publica/
A Responsabilidade Civil do Estado Por Mortes de Detentos no Sistema Prisional Brasileiro
RESUMO
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO A responsabilidade civil é tema contundente nos estudos e análises científicas, uma vez que é instituto precípuo para uma convivência harmônica entre os indivíduos, pois visa reparar ao lesado aquilo que lhe foi tirado. Não diferente é a responsabilidade civil dos entes estatais, pois é igualmente debatida nos âmbitos político e judicial e até social, o que traz digressões e interpretações divergentes e convergentes sobre o instituto da responsabilidade civil aplicada ao Estado. Neste contexto, o Estado se responsabiliza por aqueles jurisdicionados que estão sob sua tutela em estabelecimentos prisionais, responsabilizando-se por ambientes insalubres de convivência entre os detentos e eventuais mortes. A saber, o Estado do Amazonas já fora palco de dois incidentes grandes nesta seara, nos anos de 2017 e 2019, somando 111 mortes. Além destes, os Estados de Roraima, Maranhão e Pará também apresentam grandes problemas em garantir a segurança dos indivíduos por eles tutelados dentro de estabelecimentos prisionais. Há, diante destas evidências, uma crise que assola o sistema penitenciário brasileiro, com déficits que englobam falta de infraestrutura mínima, superlotação e más condições de convivência entre os detentos. Perfazendo esta temática, há inquietações que sobrevém a esta pesquisa, visando compreender: diante do instituto da responsabilidade civil, qual o limite de responsabilização estatal referente à tutela dos jurisdicionados custodiados no sistema prisional brasileiro? Para responder a esta indagação, o objetivo geral desta pesquisa se centra em analisar a responsabilidade civil do Estado brasileiro nos casos de morte de detentos nas dependências do sistema prisional diante da divergência doutrinária em decorrência de sua conduta omissiva. Assim, tem como como objetivos específicos definir os noções relacionadas à responsabilidade civil, a responsabilidade objetiva do Estado e as hipóteses excludentes; de forma a abordar sobre o dever constitucional do Estado em proteger a integridade física do apenado, a garantia da vida e a dignidade da pessoa humana; levantar a problemática da morte de detentos frente à crise do sistema prisional, a responsabilidade civil por omissão do Estado, a questão do suicídio; e, por fim, estudar a  prescrição da pretensão indenizatória e a decisão do Supremo Tribunal Federal, com base no Recurso Extraordinário 841.526 sobre a responsabilidade do Estado por morte de detento. Para o efetivo desenvolvimento dos objetivos específicos em um corpo consistente de análise e argumentação, a metodologia utilizada no presente artigo é dedutiva, tendo como método de procedimento a observação por meio da pesquisa bibliográfica, sobre a temática em estudo. Os dados coletados na pesquisa bibliográfica terão tratamento qualitativo e sofrerão a análise do autor frente aos argumentos pesquisados. Desta forma, este artigo vem delineado em três grandes partes, excetuando-se esta introdução e a conclusão. Ao primeiro capítulo são apresentadas as impressões doutrinárias a respeito do instituto da responsabilidade civil, bem como realiza o estudo da aplicação da responsabilidade civil objetiva estatal frete à população carcerária brasileira evidenciando o dever de proteção do Estado para com estes apenados que se encontram sob sua tutela jurisdicional. A segunda parte se debruça em explanar sobre o sistema penitenciário brasileiro, elucidando as possibilidades de responsabilização estatal por morte de detento custodiado e, também analisa a prescrição da pretensão indenizatória deste custodiado junto ao ente estatal. Por derradeiro, o capítulo três analisa o entendimento do Supremo Tribunal Federal, por meio do Recurso Extraordinário 841.526, acerca da responsabilidade do Estado por morte de detento no sistema prisional.   1    RESPONSABILIDADE CIVIL – NOÇÕES GERAIS Há alguns institutos no ordenamento brasileiro que são importantes para a manutenção da ordem jurídica e colaboram para uma sociedade mais harmônica. Assim, o instituto da responsabilidade civil contribui para que as eventuais reparações causadas por um agente à uma vítima, por meio de um nexo de causalidade, seja ressarcida economicamente, perseguindo o status quo ante ao evento danoso. Nesta toada, é importante debruçar-se sobre seu estudo, de modo a desvendar suas especificidades e importância. A responsabilidade civil se caracteriza quando existe a obrigação de indenizar um dano patrimonial ou moral como consequência de um dano causado pela conduta humana. Ao se falar de responsabilidade civil é necessário se rememorar que há três elementos que a configuram, são eles: a conduta, o nexo causal e o dano, ou seja, diante da inexistência de um desses elementos, não há como se discutir a responsabilidade civil (GONÇALVES, 2017, p. 18). Assim, a responsabilidade civil e a ordem patrimonial decorrem do artigo 186 do Código Civil, que preceitua que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002). É preciso, então que reste evidenciado a subsunção do fato à norma para que esteja validado o nexo causal entre o fato praticado pelo autor e a violação de direito ou do dano. Na visão de Cavalieri Filho (2012), a força motriz que rege a responsabilidade civil é a possível reparação do dano causado à vítima pelo agente. Em outras palavras, a grande razão de ser da responsabilidade civil está pautada em tentar restituir, mesmo que ao menos economicamente, o status quo ante ao dano sofrido pela vítima, gerado pelo agente e sustentado pelo condão do nexo causal. É o que o autor discorre: O mesmo artigo consagra a regra segundo a qual todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo. Impera, no campo da responsabilidade civil, o desejo de ver o agente causador do dano obrigado a reparar o equilíbrio jurídico-econômico que rompeu com sua conduta, restabelecendo para a vítima o que se chama de status quo ante (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 15). Por este princípio, infere-se que a reparação devida à vítima deve conter todos os prejuízos causados pelo agente, sejam estes de cunho material[3] ou moral[4]. Em outras palavras, independentemente do fundamento jurídico do princípio, conforme Fischer (1938, p. 192) preceitua, o “escopo ideal de toda a reparação de danos é conseguir que o lesado não fique nem mais pobre nem mais rico do que se estaria se o fato danoso não se houvesse produzido”. Já para Maria Helena Diniz (2007, p. 192), a responsabilidade civil corresponde à “aplicação das medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”. Assim, quando se trata de danos causados a terceiros, aplica-se a norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, isto em decorrência da qual o Estado responde objetivamente, ou seja, independente da culpa ou dolo, mas fica com o direito de regresso contra o agente que causou o dano, desde que este tenha agido com culpa ou dolo. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (BRASIL, 1988). Conforme o texto legislativo, o agente público somente pode ser responsabilizado quando, culposamente, não respeite um dever de cuidado objetivamente devido (sua conduta é ilícita). Trazer à tona a discussão dos elementos da responsabilidade civil, como parte da divergência em relação ao consenso doutrinário sobre a temática em estudo, é pertinente, principalmente no que diz respeito aos elementos que a constituem concomitantemente ao disposto no art. 186 do Código Civil: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002). Dessa maneira, a responsabilidade objetiva do Estado abrange os atos por ação da Administração Pública e os atos por omissão voluntária, uma vez sejam demonstrados o nexo causal entre o dano e a omissão específica da administração Pública. Nesse entendimento, a omissão se refere à conduta ou ato em que se é responsável em realizar ou tendo as condições para fazê-lo, mas deixa de fazer. Ou seja, a abstenção do causador do dolo em realizar tal conduta, o que gera o dano a outrem e a consequente obrigação em indenizar. Ao que se refere à responsabilidade por omissão, “para que possa ser configurada é preciso que exista o dever jurídico de praticar determinado fato (de não de omitir) e que se demonstre que, com uma ação efetiva, o dolo poderia ser evitado” (GONÇALVES,2016, p. 69). Ou seja, para sua configuração é necessário que exista o dever jurídico de praticar determinado fato (de não se omitir) e que se demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado. Portanto, a omissão decorre do ato de deixar de fazer, ou descumprimento do seu dever, assim como na falta de ação do sujeito, a que ambas condutas ensejam a responsabilização pelo dano causado a outrem. Ademais, a ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado, também neste entendimento é a jurista Maria Helena Diniz (2013, p.56). Observa-se, assim, que para a conduta humana ser passível de responsabilização civil, é necessária a presença da voluntariedade, que se consubstancia no núcleo fundamental deste elemento. Para falar-se em responsabilidade civil é indispensável a conduta humana, seja ela positiva (ação), ou negativa (omissão), efetivada pela vontade do agente público, que culmina em dano ou prejuízo. Logo, tanto a ação quanto a omissão são fatores que geram a obrigação de reparar o dano a terceiro causado, cumpridos os requisitos inerentes à responsabilidade civil.   1.1      RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO Nesta toada de entendimento a esta pesquisa, um aspecto relevante chama a atenção em relação à responsabilidade objetiva, trata-se da dispensa da comprovação de culpa. Neste sentido, em regra, o Estado responde objetivamente por danos causados a terceiros, o que quer dizer que os lesionados não estão obrigados a demonstrar a culpa do Estado, mas tão somente a conduta, dano e nexo causal. Portanto, há uma diferenciação significativa na teoria da responsabilidade civil objetiva e subjetiva que concernem à responsabilização do Estado junto a seus jurisdicionados. Neste aspecto, assegura Bandeira de Mello (2013) que a responsabilidade civil objetiva não encontra respaldo na necessidade de identificar a motivação do dano, bastante haver a mínima relação entre causa e efeito do dano para se configurar a necessidade de indenização por parte do agente que lhe deu causa. É o que entende o autor no excerto abaixo: A responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano (BANDEIRA DE MELLO, 2013, p. 1024). Conforme exara Bandeira de Mello (2013), cumpre frisar que a responsabilidade civil objetiva adotada, em regra, é baseada na teoria do risco administrativo, mas em situações excepcionais adota a teoria do risco integral. A maior diferença entre estas teorias é que responsabilidade civil objetiva baseada no risco administrativo admite excludentes de responsabilidade, ao passo que a teoria do risco integral não há como alegar excludentes de responsabilidade, isto é, ela é mais extremada nos dizeres do Jurista Hely Lopes Meirelles (1999, p. 586). Diz-se, então, que a responsabilidade civil objetiva está ligada a teoria do risco. posto que será chamado à reparação o Estado, que, inicialmente, reparará o dano, e após a reparação ao particular, o Estado analisará se o agente público teve dolo ou culpa. Havendo dolo ou culpa o Estado ingressará com uma ação de regresso visando reparar o desfalque patrimonial que teve em virtude do agente público. Conforme observa Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 22), “[…] esta teoria, dita objetiva, ou do risco, tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independente de culpa”. Ou seja, este entendimento vai ao encontro do que expressa o Código Civil 2002, notadamente no art. 927, caput e parágrafo único, o qual trata tanto responsabilidade subjetiva quanto a objetiva, ou seja, a teoria da culpa e a teoria do risco, respectivamente: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002). Vale destacar, ainda, que o sistema jurídico brasileiro, bem como diversos doutrinadores adota a responsabilidade subjetiva como regra, no entanto, existem ainda algumas leis que tratam alguns casos que nos atos praticados, mesmo sem a devida existência da culpa ou dolo, podem ainda gerar o dever de indenizar. Isto porque, a regra geral, que deve se presidir a responsabilidade civil, é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas sendo insuficiente está para atender as imposições do progresso, cumpre o legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção (GONÇALVES, 2009, p. 24). Dessarte, o ordenamento jurídico pátrio adota, notadamente, a regra da responsabilidade subjetiva, aquela que se baseia na culpa e dolo do agente. Mas, diante de algumas exceções, pode também ser adotada a responsabilidade objetiva, tanto baseado no risco administrativo ou no risco integral.   1.2      DEVER DE PROTEÇÃO PELO ESTADO BRASILEIRO Para prosseguir ao estudo, é importante entender que invólucro que assiste aos indivíduos, pela sua condição inerente de seres humanos dignos de direitos e cumpridores de deveres, deve ser respeitado e valorizado, sendo tratados com urbanidade e afinco na promoção de diretrizes básicas de condições salubres de vida. Outrossim, independentemente de suas condutas passadas e reprováveis, os detentos apenados e devem ser respeitados em sua condição de jurisdicionado apartado da sociedade, que cumpre sua pena. Isto porque a Constituição Federal da República Federativa do Brasil, em princípio, fez menção à dignidade da pessoa humana com destaque principal para a formação do Estado. Na Carta Cidadã, o princípio que norteia as ações fundamentadas do Estado ficou estabelecido como o fundamento da República, contemplado em seu art. 1º, inciso III: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988). Segundo Moraes (2017, p.35), o princípio da dignidade da pessoa humana é o principal princípio consagrado pela Constituição Federal brasileira. Pois é fundamentalmente aquele princípio que deve nortear as ações estatais, visando o bem-estar social, cunhado sob os auspícios dos ideais que congregaram na elaboração da Constituição Federal de 1988. Nesta toada, Viecili e Martins (2013, p. 697-698) apregoa que a dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial dos direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva e ética que confere unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema. Ou seja, a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem. A respeito da dignidade humana, como o fundamento dos direitos humanos é concepção que, posteriormente vem a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passam a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2013, p.51). A vida do detento, também foi assegurada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, o seu art. 3° preceitua que “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ONU, 1948). Igualmente, a Constituição Federal de 1988, assegurou o direito à vida e a integridade do detento. Em outras palavras, o texto constitucional proibiu a adoção de qualquer mecanismo que, em última análise, resulte na solução não espontânea do processo vital, conforme o inciso XLIX do art. 5°: Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (BRASIL, 1988). […] XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (BRASIL, 1988). Ainda do mesmo modo, a Constituição Federal garante o tratamento igualitário, sem nenhum tipo de discriminação, em consonância com seu art. 5° e o art. 7° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que expressa que “Todos são iguais perante a lei e, sem qualquer discriminação, têm direito a igual proteção da lei. Todos têm direito a proteção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação” (ONU, 1948). Alexandre de Moraes, em uma interpretação do art. 5º da CF/88, ilustra que cabe ao Estado assegurar o direito à vida desde sua concepção, pois esta se inicia desde sua forma uterina, além de garantir sua subsistência de forma digna ao cidadão. Destarte, procura-se que o Estado, no seu dever de punir, restrinja-se aos limites humanos que jamais devem ser ultrapassados, não importando que o delito cometido seja o mais repugnante possível. (2017, p.47). A assistência ao detento também foi garantida e encontra suas diretrizes na Lei de Execução Penal – Lei 7.210 de 11 de julho de 1984. Garante respaldo e assistência ao apenado no seu art. 10°, assim como no art. 11°, ao expressar que: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: I – Material; II – À saúde; III -jurídica; IV – Educacional; V – Social; VI – Religiosa (BRASIL, 1984). Nota-se que o direito à segurança também é um dos direitos fundamentais previsto no texto constitucional de 1988. Assim, é considerado direito inviolável, no sendo posto no mesmo patamar que o direito à vida e à liberdade, qualquer cidadão possui direito à segurança, e cabe ao Estado assegurar este direito. Importante frisar que o Estado não só possui o dever de garantir a vida do detento, mas deve garantir o mínimo de condições para respeitar a dignidade dos reclusos, visto que no Brasil não há penas cruéis, conforme dispõe o art. 5º, XLVII, alínea “e”, da CF Tão é verdade que no Recurso Extraordinário nº 580.282, julgado em 16/2/2017, pelo Supremo Tribunal Federal, entendeu-se que o Estado de Mato Grosso do Sul deve indenizar o preso em situação degradante e vítima de superlotação carcerária, por danos morais no valor do R$ 2.000,00 (dois mil reais), em razão “desleixo dos órgãos e agentes públicos”. Nesta oportunidade, o Pretório Excelso fixou a seguinte tese: Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. Outrossim, o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, assim, se comprometeu a assegurar que ninguém será submetido à tortura nem a punição ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. Portanto, verifica-se que o Estado possui o dever de garantir à vida dos detentos, mas não somente isso. Deve ainda, garantir condições dignas aos reclusos, como de salubridade, alimentação e saúde.   2    SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO Compreender os entraves do sistema carcerário brasileiro é mister para compreender a responsabilidade estatal junto aos seus jurisdicionados apenados, já que estes indivíduos, quando presos, estão sob a tutela indiscutível do Estado brasileiro, cabendo a ele resguardar a integridade física e psíquicas destes. Em outras palavras, apenas com a exata noção de como está o sistema penitenciário brasileiro será possível denotar as possibilidades de uma indenização por parte do Estado. Assim, a responsabilidade civil do Estado por mortes de detentos ocorridas nas dependências do sistema prisional é um tema muito significativo, por se tratar de um grave problema social que atinge de um modo ou de outro a toda coletividade. Um dos episódios da violência desenfreada no sistema prisional brasileiro, aconteceu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, conhecido como COMPAJ, localizado na BR 174 na cidade de Manaus/AM, no dia dois de janeiro de dois mil e dezessete. O evento foi marcado pela morte de cinquenta e seis detentos, uma das maiores matanças ocorridas em presídios brasileiros (G1 AMAZONAS, 2017[5]). Em matéria veiculada pelo portal G1 Amazonas[6] (2019), informa que houve mais um episódio dessa violência dentro do sistema prisional amazonense. Este último evento foi registrado nos dias vinte e seis de maio e no dia vinte e sete de maio, respectivamente, em que 55 (cinquenta e cinco) detentos perderam a vida. A partir do momento em que a unidade prisional recebe o detento para ser encarcerado e cumprir a pena, o Estado passa a ser responsável pela guarda de sua integridade física e moral. Essa afirmação encontra reforço no art. 5° da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que estabelece que “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante” (ONU, 1948). Em relação aos locais de reclusão, estes locais devem obedecer aos parâmetros que permitam ao interno o espaço e condições de higiene necessárias para o cumprimento da pena. Há também de se verificar Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos: Regra 13 Todos os locais destinados aos reclusos, especialmente os dormitórios, devem satisfazer todas as exigências de higiene e saúde, tomando-se devidamente em consideração as condições climatéricas e, especialmente, a cubicagem de ar disponível, o espaço mínimo, a iluminação, o aquecimento e a ventilação (UNODC, 2015). Ainda realizando a análise das diretrizes internacionais, as regras mínimas das Nações Unidas para o tratamento de reclusos, na regra 87, parte 2 apresenta: 2. Assistentes sociais, colaborando com cada estabelecimento, devem ter por missão a manutenção e a melhoria das relações do recluso com a sua família e com os organismos sociais que podem ser-lhe úteis. Devem adotar-se medidas tendo em vista a salvaguarda, de acordo com a lei e a pena imposta, dos direitos civis, dos direitos em matéria de segurança social e de outros benefícios sociais dos reclusos (UNCODC, 2015, p. 30). Assim, levando-se em consideração todas essas afirmações, nota-se que o Estado, no seu dever de garantir as condições mínimas estabelecidas em lei para o cumprimento da pena e proteção ao detento, é omisso em seu poder-dever. Já que o que se verifica é uma realidade do sistema prisional bem diferente ao previsto em legislações. Segundo Nunes (2005, p. 63), o sistema penitenciário brasileiro é considerado ineficiente, ultrapassado, fora de tempo e, ainda, acusado de servir de escola para a criminalidade. Isto é dizer que a prisão não reforma e, sim, fabrica delinquentes. O sistema penitenciário brasileiro entrou em colapso, as superlotações nos presídios têm ocasionado aos detentos cumprirem suas penas em condições sub-humanas, amontoados uns sobre outros, em decorrência da falta de espaço físico. Essa situação, entretanto, não se vislumbra como uma melhoria em curto prazo, pois o Estado carece de um planejamento eficiente, para a construção de novas unidades prisionais. Em princípio, conforme salienta Lima (2013, p. 95), esse sistema foi desenhado para ressocializar os presos, para que pudessem retornar à sociedade de forma a levar uma vida harmoniosa, não voltando a cometer delito algum. Nos últimos tempos, nota-se um aumento entre os números de reincidentes no crime, tendo como principal causa, a ociosidade em que o detento vive na maior parte do tempo. Ao mesmo tempo, não existindo assistência jurídica, psicologia, médico-odontológica e nem acompanhamento junto aos familiares. Isto porque de acordo com Gonzaga (2002, p. 46), “a pior cegueira é a daquele que não quer ver”, já que é tese que fora convalidada pelo entendimento jurisprudencial que perdurou bom tempo, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Isso é trazido à tona pois é necessário ingredir sobre a questão da progressão de regime nos casos previsto e abrangidos na Lei nº 8.072/90, já que se insistia em não omitir a flagrante violação ao Princípio da Individualização de Pena. Conforme assegura Bruno (2010, p. 129), “[…] a realidade do sistema penitenciário brasileiro cada dia está mais longe de ser resolvido”, ou seja, essa realidade do sistema criminal, é necessário compreender não só os criminosos, mas as modalidades de delinquência, seu contexto político e econômico, admitindo, sem embargo, a complexa dificuldade do assunto penitenciário no Brasil. Essa análise se justifica pela complexidade da violência criminal em um país onde as necessidades básicas de alcance mais generalizada, como no caso da saúde, alimentação, educação, trabalho, saneamento básico e habitação, encontram-se pouco atendidos pelo Estado.   2.1      RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO Dessarte, o estudo realiza algumas reflexões e inferências sobre a responsabilidade que o Estado brasileiro tem sobre seus jurisdicionados que estão sob a sua tutela dentro dos estabelecimentos prisionais. É preciso pesquisar sobre as formas com as quais o Estado se relaciona com estes indivíduos encarcerados e verificar até onde vai a sua responsabilidade em indenizar eventual agressão física, psíquica ou moral por parte dos próprios agentes estatais e, também, de outros detentos. Assim, aprecia-se a responsabilidade civil objetiva estatal para perquirir eventual indenização para estes detentos sob sua tutela. A denominada responsabilidade estatal objetiva pode ser vista sob duas perspectivas: 1) pelo risco integral; ou 2) pelo risco administrativo. Nas duas situações é inexigível a ocorrência de culpa ou dolo do agente, já que há objetividade da relação de culpabilidade do agente que dá causa ao dano por meio do nexo de causalidade. Nesse entendimento, Mazza (2018, p.482) salienta que: […], a responsabilidade do Estado é mais acentuada do que nas relações de sujeição geral, à medida que o ente público tem o dever de garantir a integridade das pessoas e bens custodiados. Por isso, a responsabilidade estatal é objetiva inclusive quanto a atos de terceiros. Desta forma, cumpre informar que há doutrinadores como Matheus Carvalho (2017, p.348) que comunica a existência da teoria do risco criado ou também conhecida como teoria do risco suscitado, aplicada em casos de omissão do Estado. Esta teoria ensina que o Estado, pela sua atividade que lhe é própria, cria alguns riscos aos seus administrados e quando resta configurado o dano não há que se falar em vontade de produzir o dano, já que este item está incutido na sua própria razão de ser do Estado. Assim, conforme a teoria do risco suscitado, o Estado é responsável civilmente, ainda que o fato seja praticado por um terceiro não agente público. Exemplo disso é quando um detendo mata um colega de cela, pois o Estado é responsável pela proteção e garantia da integridade tanto física como psicológica do detento, não havendo nenhuma manifestação de discriminação. A respeito disso, as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, melhor conhecida como as Regras de Nelson Mandela, em suas regras 1 e 2, estabelece que: 1. Estas Regras devem ser aplicadas com imparcialidade. Não deve haver nenhuma discriminação em razão da raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, patrimônio, nascimento ou outra condição. É necessário respeitar as crenças religiosas e os preceitos morais do grupo a que pertença o recluso. 2. Para que o princípio da não discriminação seja posto em prática, as administrações prisionais devem ter em conta as necessidades individuais dos reclusos, particularmente daqueles em situação de maior vulnerabilidade. As medidas tomadas para proteger e promover os direitos dos reclusos portadores de necessidades especiais não serão consideradas discriminatórias (UNODC, 2015). O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, vêm entendendo de modo diverso neste quesito, principalmente ao que tange às condutas omissivas por parte do Estado que ensejam a morte de detentos. Consolidando este entendimento, o Ministro Humberto Martins proferiu decisão informando que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, dessa forma, deve o particular comprovar a negligência da atuação estatal, o dano e nexo causal. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. OMISSÃO. NEXO DE CAUSALIDADE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A alegação genérica de violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula 284/STF. 2. Nos termos da jurisprudência do STJ, a responsabilidade civil do estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. 3. O Tribunal de origem, com base no conjunto fático probatório dos autos, expressamente consignou que “restou evidente o nexo de causalidade entre a omissão do ente municipal e o evento danoso”. 4. Dessa forma, não há como modificar a premissa fática, pois para tal é indispensável o reexame do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado por esta Corte, pelo óbice da Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (STJ – AgRg no AREsp: 501507 RJ 2014/0084541-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 27/05/2014, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/06/2014) Embora a pessoa esteja sob custódia do Estado em determinada unidade prisional, o ordenamento jurídico brasileiro garante as prerrogativas que esses dispositivos preveem em matéria de direito aos detentos. Mesmo havendo duas teorias aplicadas à morte de detentos dentro do sistema prisional, a responsabilidade civil do Estado não é absoluta; isto é, o Estado em determinadas situações poderá furtar-se de indenizar, alicerçado nas jurisprudências específicas dos Tribunais.   2.2      PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO INDENIZATÓRIA Ponto relevante ao entendimento da responsabilidade civil objetiva do estado em relação ao seus jurisdicionais apenados que se encontram sob sua tutela jurisdicional é a prescrição da pretensão indenizatória. Isto porque a prescrição é prazo que atinge diretamente o direito destes detentos que eventualmente tem suas vidas ceifadas pelo Estado, o que torna o assunto importante à luz da legislação vigente e de seus jurisconsultos. Mesmo de forma variada, o fato é que, desde tempos remotos até os dias atuais, o homem sempre visou obter a reparação do mal que o outro lhe causa. Essa reparação pode ser chamada de indenização e visa compensar os danos causados à vítima, tanto patrimoniais quanto morais. Nesse sentido, Mazza (2017, p. 485) diz que a “ação indenizatória é aquela proposta pela vítima contra a pessoa jurídica à qual o agente público causador do dano pertence”. De acordo Neto, Cavalcante e Mota (2013), a morte do detento sob custódia do Estado se configura como uma violação a um direito constitucional. Assim, quando há o descumprimento do dever de proteção pode haver possibilidade e necessidade de reparação do dano causado, conforme se vê abaixo: Dano moral pode ser entendido como as lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico (NETO; CAVALCANTE; MOTA, 2013, p. 6). Consoante à legislação citada, a Indenização deve corresponder a uma sanção, sob pena de se tornar mera regra ou princípio moral. Por esse motivo, há necessidade de responsabilizar ao Estado pela violação da garantia à integridade física e moral do detento, principalmente, pelo direito à vida. No Título III, dos atos ilícitos, nos artigos 186 e 187 do Código Civil de 2002, se estabelece o seguinte: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL, 2002). Para que haja a imposição do dever de indenizar deve haver uma ação lesiva que seja considerada contrária ao direito, ilícita ou antijurídica. Nesse sentido, o Código Civil de 2002, traz no seu artigo 927 e, no parágrafo único, a obrigação de indenizar e de reparar o dano: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002). A percepção da regra em relação à indenização no caso concreto do dever constitucional do Estado de proteger a integridade do preso é clara, visto que a doutrina apresenta a relevância e a necessidade de reparar os danos ao detendo em decorrência dos casos de mortes no sistema carcerário brasileiro. Nesta toada de entendimento, a prescrição do direito de obter indenização, conforme o artigo 1° – c, acrescentado à lei 9.494, de 10 de setembro de 1997 pela Medida Provisória n°. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, estabelece que “prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização pelos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos”. (BRASIL, 2001). Portanto, à luz da legislação vigente, é possível observar que o prazo prescricional em decorrência das ações de indenização contra o Estado é de 5 (cinco) anos, conforme estabeleceu a medida provisória supracitada. É imperioso informar que tal indenização não se extinguirá com a morte do detento, o que assegura que o Estado não seja beneficiado pela morosidade/desleixo no cumprimento de seu dever de proteção.   3    RECURSO EXTRAORDINÁRIO 841. 526/RS Visando a defesa da legislação máxima brasileira, o Recurso Extraordinário é de competência de processamento do Supremo Tribunal Federal e incumbe verificar eventuais atentados à Constituição Federal. Assim, é flagrante que eventuais danos causados aos jurisdicionados que se encontram em estabelecimentos prisionais vai de encontro com os mandos constitucionais e em vários sentidos. Desta forma, e preciso compreender de que forma este Recurso pode ser levado a cabo e como seu processamento importa à defesa dos direitos de indenização dos apenados. Neste contexto, o recurso extraordinário faz parte de um gênero que de forma ampla não visa discutir a matéria de fato, mas sim uniformizar a interpretação jurisdicional sobre a legislação pátria, com o intuito de que não haja decisões conflitantes entre os tribunais do país, permitindo uma interpretação concreta, que seja da lei, que seja da Constituição Federal. Por ser excepcional esse tipo de recursos cabe em hipóteses restritas previstas na Constituição Federal, sendo aplicados nas decisões finais. Tal afirmação de competência de julgamento da matéria é reforçada nos artigos 102, III, a, b, c, d. Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição. d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal (BRASIL, 1988). De modo similar, o Código de Processo Civil traz os artigos 1.029 e 1.030 as normas relativas ao recurso extraordinário e seu procedimento necessário. Art. 1029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: I – A exposição do fato e do direito; II – A demonstração do cabimento do recurso interposto; III – as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida. Art. 1030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá […] (BRASIL, 2015). Neste contexto do Recurso Extraordinário, no caso da morte por detentos, existia uma lacuna em relação à responsabilidade civil do Estado, com as discussões divididas nos diversos âmbitos, até mesmo na sociedade. Isto evidencia que o Estado nem sempre será responsável civilmente por mortes de detentos ocorridas dentro do sistema prisional, sendo que existem algumas situações em que pode ser excluída a responsabilidade civil do Estado. De acordo com Bandeira de Mello (2013), dentre as principais causas de excludentes da responsabilidade civil do ente estatal estão: a falta de nexo causal, culpa exclusiva de terceiro, a culpa da vítima, força maior e caso fortuito, coisa que se vê na transcrição: Nos casos de responsabilidade objetiva o Estado só se exime de responder se faltar o nexo entre seu comportamento comissivo e o dano. Isto é, exime-se apenas se não produziu a lesão que lhe é imputada ou se a situação de risco inculcada a ele inexistiu ou foi sem relevo decisivo para a eclosão do dano (BANDERA DE MELLO, 2013, p. 1.042). De acordo com o supracitado autor, sob o enfoque da jurisprudência, no que diz respeito à morte de detentos dentro do sistema prisional, é importante ressaltar as causas que excluem a responsabilidade civil do Estado. Isto porque no julgamento do Recurso Extraordinário nº 841.526/RS, em 30/3/2016, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese da responsabilidade do Estado quanto à morte de detento em caso de inobservância do seu dever específico de proteção prevista no art. 5º, XLIX, da CF/88. No entanto, este julgado definiu exceções ao dever de indenizar os familiares dos detentos: Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, XLIX, da CF, o Estado é responsável pela morte de detento. Essa a conclusão do Plenário, que desproveu recurso extraordinário em que discutida a responsabilidade civil objetiva do Estado por morte de preso em estabelecimento penitenciário. No caso, o falecimento ocorrera por asfixia mecânica, e o Estado-Membro alegava que, havendo indícios de suicídio, não seria possível impor-lhe o dever absoluto de guarda da integridade física de pessoa sob sua custódia. O Colegiado asseverou que a responsabilidade civil estatal, segundo a CF/1988, em seu art. 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto para as omissivas, uma vez rejeitada a teoria do risco integral. Assim, a omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nas hipóteses em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. Além disso, é dever do Estado e direito subjetivo do preso a execução da pena de forma humanizada, garantindo-se-lhe os direitos fundamentais, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral. Esse dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal. Por essa razão, nas situações em que não seja possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade. Afasta-se, assim, a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, não sendo sempre possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis. Portanto, a responsabilidade civil estatal fica excluída nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. Na espécie, entretanto, o tribunal a quo não assentara haver causa capaz de romper o nexo de causalidade da omissão do Estado-Membro com o óbito. Correta, portanto, a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.” RE 841.526/RS, rel. Min. Luiz Fux, 30-3-2016. Com base nessa decisão, destaca Mazza (2018, p. 484), o Supremo Tribunal Federal previu três hipóteses/situações que podem afastar a responsabilidade civil do Estado nos casos de mortes de detentos dentro do sistema prisional, são elas: a)    ausência de nexo causal entre a omissão do Estado e o dano causado ao preso, nas hipóteses que o Estado possui o dever legal de agir para impedir o resultado; b)    se não for possível o Estado agir para evitar a morte do preso (ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade); c)    nas situações em que o Estado comprova causa impeditiva de atuação para salvaguardar o preso. A primeira excludente da responsabilidade civil do Estado no caso de morte de detento dentro do sistema prisional é a falta de nexo causal. Nesse caso, o dano não está relacionado com a atuação do Estado, mas será devido à fato da natureza ou a algum evento humano. Em outras palavras, o nexo causal é o elo entre a atividade administrativa e o dano sofrido, já que nos casos de responsabilidade objetiva, eventual invocação de força maior – força da natureza irresistível – é relevante apenas na medida em que pode comprovar ausência de nexo causal entre a atuação do Estado e o dano ocorrido (BANDERA DE MELLO, 2013, p. 1043). Reforçando o exposto pelo autor, são situações que excluem o nexo causal: a)    O preso falecer por causas naturais; b)    O preso doente que recebe todo o auxílio médico necessário, mas falece; Já quanto à questão do suicídio do preso dentro da cadeia, ocorreu uma importantíssima alteração jurisprudencial nos últimos anos. Anteriormente o suicídio era reconhecido como a excludente de responsabilidade: culpa exclusiva da vítima. Dessa forma, afastava a responsabilidade do Estado. Atualmente, de acordo com o STF o suicídio enseja responsabilidade objetiva do Estado em razão de violação do “dever estatal de zelar pela integridade física e moral do preso sob sua custódia (STF: ARE 700.927). Portanto, o Estado possui o dever de proteger os detentos até contra eles próprios. No entanto, frisa-se que em caso de suicídio a responsabilidade civil Estatal não será absoluta, pois a responsabilidade civil do Estado é objetiva, baseando-se no risco administrativo e não no risco integral. Assim sendo, é possível apresentar excludentes de responsabilidade de acordo com os entendimentos jurisprudenciais que admitem a exclusão da responsabilidade do Estado, a exemplo disso: preso suicida-se em cela individual sem dar indícios que possuía intenção de ceifar a própria vida. Assim já entendeu a 4ª câmara de Direito Público do TJ/SC em processo que tramita em segredo de justiça. Segundo o relator do processo, desembargador Paulo Ricardo Bruschi, após a instauração de sindicância interna para apuração dos fatos ficou demonstrado que não houve negligência por parte dos policiais militares e dos agentes penitenciários de plantão naquela data, assim como da direção do presídio. Isso porque, explicou, a vítima foi mantida em cela isolada dos demais presos para sua integridade física, sem qualquer sinal de luta ou violência. Na decisão destacou que “Tal circunstância, evidentemente, corrobora a imprevisibilidade do evento, pois o fato ocorreu de forma silenciosa, impossibilitando qualquer interferência por parte dos agentes ou de algum detento da mesma galeria”. Neste sentido, quanto à questão do homicídio de preso dentro do sistema prisional, caso semelhante ao que aconteceu no COMPAJ, é pacífico na doutrinaria e jurisprudencialmente que o Estado será responsável objetivamente, não importando se o terceiro que ceifou a vida do detento é outro preso ou agente público. É Importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça entende que o Estado será responsável civilmente de forma objetiva na eventual morte de detento em delegacia, presídio ou cadeia pública quando se tratar de conduta comissiva do Estado ou de terceiros, conforme a tese publicada em 2017 na ferramenta “Pesquisa Pronta” do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, frisa-se que o Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento[7] que a responsabilidade civil do Estado por condutas omissivas é subjetiva, sendo necessário, dessa forma, comprovar a negligência na atuação estatal, o dano e o nexo causal entre ambos. Portanto, é nítido que há um descompasso entre o entendimento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.   CONCLUSÃO Diante do conteúdo analisado nesta pesquisa, a responsabilidade civil do Estado em relação à morte de detentos no sistema penitenciário brasileiro é evidenciada como um tema polêmico, em virtude da divergência entre correntes doutrinarias que refletem sobre ele. Trata-se, portanto, de uma matéria que gera inúmeras controversias, e, simultaneamente, leva discussões em diversos âmbitos do ordenamento jurídico brasileiro, razão pela qual se consolidou recentemente, o citado entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. Apesar do descompasso entre o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal de Federal, no que se refere a conduta omissiva Estatal, com base na análise de todo o ordenamento jurídico, entende-se que o entendimento jurisprudencial mais adequado e coerente é do STF, visto que impõe maior comprometimento Estatal na tutela dos direitos dos detentos, uma vez que no não cumprimento ensejará na responsabilidade civil objetiva em indenizar. Salienta-se a pertinência em apontar que o detendo se encontra em situação passiva frente ao poder-dever de punir do Estado, acarretando a necessidade do ente estatal em garantir a sua dignidade da pessoa humana e, portanto, sua integridade física, psíquica e moral. Há necessidade de que o Estado resguarde os detentos, tanto de terceiros quanto deles próprios, de modo a convalidar e estar de acordo com os parâmetros basilares da Constituição Federal brasileira e das diretrizes internacional para a preservação a manutenção dos Direitos Humanos. A responsabilidade do Estado em indenizar o detento deve estar alicerçada em um princípio moral, cabendo ao Estado uma sanção pela violação do dever de garantir a integridade física e moral do preso, seu direito à vida – previsto na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos – bem como pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Diante do cenário atual do sistema penitenciário, requer o Estado comprometer-se a ser mais eficaz na proteção dos detentos sob sua tutela jurisdicional. Outrossim, diante do estudo, conclui-se que o Estado possui, em alguns casos, o dever de indenizar os familiares do detento, caso o preso morra sob a tutela estatal quando em situação de encarcerado, em conformidade com a Constituição Federal de 1988. Caso a morte do detento sempre extinguisse a obrigação de indenizar, o ente público seria beneficiado pelo seu desleixo. De outro modo, haveria a renúncia dos direitos inalienáveis do detento frente à omissão estatal em lhes promover um local salubre e minimamente digno para cumprimento de sua pena, cabendo ao Estado zelar pela vida do detento, seja em relação a outros apenados, seja em relação ao próprio apenado, no caso de suicídio. Contudo, este direito à indenização não é perene, ou seja, não é para sempre. Cabe a família do preso requerer a reparação do dano dentro do prazo prescricional de cinco anos, conforme dispõe o art. 1º -C, da Lei 9.494/1997. Dessa forma, para futuras pesquisas se sugere abordar a temática das políticas públicas do Estado voltadas para a prevenção de mortes de detentos no sistema prisional brasileiro. Também, é importante para o debate do tema que se aborde quais políticas dão certo para a ressocialização do apenado e como elas são implementadas no Brasil e no mundo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-responsabilidade-civil-do-estado-por-mortes-de-detentos-no-sistema-prisional-brasileiro/
Análise da constitucionalidade da nova modalidade de Improbidade Administrativa (Art. 10-A da Lei 8.429/92)
RESUMO
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O Estado Brasileiro vive, atualmente, um momento de desmoralização das instituições políticas, caracterizado por escândalos frequentes de corrupção envolvendo os mais diversos segmentos da Administração Pública. A operação Lava-Jato figura como grande elemento icônico deste contexto, que tem levado as discussões acerca da corrupção para os ambientes acadêmicos, institucionais, midiáticos e à própria opinião pública. Parte da doutrina utiliza a expressão “microssistema brasileiro de combate à corrupção” (OLIVEIRA, 2017) para identificar as diversas normas que buscam prevenir e reprimir tais práticas, a exemplo da lei anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e da lei de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92). As alterações recentes à tal legislação, com a introdução de uma nova espécie de ato de improbidade administrativa (art. 10-A) parece ser uma entre as várias reações à proliferação da corrupção, neste caso, a nível municipal. Entretanto, as especificidades desta novidade legislativa provocaram questionamentos acerca de sua constitucionalidade. Desta forma, considera-se relevante concentrar esta pesquisa no âmbito da improbidade administrativa, e, especialmente, nas novidades introduzidas pela Lei Complementar nº 157/2016 à Lei nº 8.429/92, considerando que eventual inconstitucionalidade pode representar ameaças a este importante instrumento jurídico de combate à corrupção. O objetivo central deste trabalho consiste, portanto, em analisar se a nova modalidade de improbidade administrativa introduzida pela Lei Complementar nº 157/2016 está em conformidade ao ordenamento constitucional vigente. Para tanto, deve-se, antes, identificar os contornos específicos do ato de improbidade introduzido pelo novo art. 10-A, seu conteúdo e elementos. Em seguida, delimitar-se-á o que é ato de improbidade administrativa, conforme a Constituição Federal, quais os sujeitos ativo e passivo e qual o conteúdo da ação ou omissão que a Constituição admite para tais atos de improbidade, bem como quais os bens jurídicos que são tutelados por esta previsão. Há que se verificar, ainda, se a ordem constitucional definiu algum limite instransponível pela lei responsável pela regulamentação da improbidade. Feito este recorte, cabe a comparação entre o modelo jurídico-constitucional de ato de improbidade e a nova previsão do art. 10-A da Lei nº 8.429/92, a fim de, por fim, verificar sua compatibilidade à Constituição Federal. A metodologia empreendida baseou-se, inicialmente, na análise de textos legislativos (Constituição Federal, Lei 8.429/92, LC 157/2016). Foi, também, realizada análise de produção bibliográfica em direito administrativo e tutela de interesses difusos, especialmente sobre improbidade administrativa. Por fim, houve pesquisa e análise de artigos e postagens em internet, revistas, e outras publicações do meio jurídico, contendo comentários, reações e estudos acerca da recente alteração legislativa.   2.1. Da contextualização político-legislativa            A Lei Complementar nº 157/2016 introduziu o art. 10-A à Lei nº 8.429/92, inserindo uma nova espécie de ato de improbidade administrativa, nos seguintes termos: Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.   Antes de analisar a constitucionalidade desta nova espécie de improbidade, faz-se necessário definir o contexto legislativo e político em que se deu tal alteração, bem como os contornos do ato previsto pelo dispositivo recentemente editado. A Lei Complementar nº 157/2016, editada em 29/12/2016, promoveu alterações na disposição legislativa federal relativa ao imposto sobre serviços de qualquer natureza, o ISS,               introduzindo diversos dispositivos à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Muito embora se trate de imposto de competência legislativa municipal, a Constituição determina que a definição dos serviços sobre os quais incide o ISS, das alíquotas máxima e mínima e da concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais será objeto de disciplina por lei complementar federal (art. 156, § 3º, CF/88). Especialmente no que se refere à fixação de alíquota mínima e concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, o objetivo da limitação constitucional foi evitar a deflagração de “guerra fiscal” entre os Municípios, ou seja, um cenário no qual tais entes reduzem desproporcionalmente os encargos tributários sobre os contribuintes, a fim de atrair, de forma desleal, empreendimentos para seu território. A respeito da relação entre o ISS e a guerra fiscal, esclarece Ricardo Alexandre: A maneira mais comum como se dava a guerra fiscal do ISS era os Municípios estipularem alíquotas irrisórias para o tributo, atraindo empresas para os respectivos territórios, uma vez que a competência para cobrança era, em regra, do Município em que estava domiciliado o prestador de serviço (…). No final das contas, todos os Municípios acabavam perdendo, pois quem tem um aparente ganho, sujeita-se a perdas futuras, uma vez que os demais municípios entrarão em guerra (ALEXANDRE, 2015, p.667). A redação originária da Lei Complementar nº 116/2002 não trouxe qualquer previsão sobre a alíquota mínima do ISS e sobre eventual limite a isenções ou benefícios fiscais, sendo a matéria regida, então, pelo art. 88 do ADCT, introduzido, por sua vez, pela Emenda Constitucional nº 37/2002. A alíquota mínima para o ISS seria de 2% (dois por cento), não sendo admitida a concessão de incentivo ou benefício que implicasse, direta ou indiretamente, na redução de tal alíquota. A edição da Lei Complementar nº 157/2016, por sua vez, atendeu à exigência constitucional pela edição de uma lei complementar para regular a matéria. Neste ponto, a inovação foi apenas formal, uma vez que houve continuidade normativa quanto aos limites da alíquota mínima (mantido em 2%) e para a concessão de incentivos ou benefícios fiscais, nos mesmos parâmetros. Veja-se a redação do novo art. 8º-A e § 1º da Lei Complementar nº 116/2003, após a edição da LC 157/2016: Art. 8o-A.  A alíquota mínima do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento). A grande novidade foi introduzida pelo art. 4º da LC 157/2016, que passa a considerar como ato de improbidade administrativa a conduta de, por ação ou omissão, conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário de ISS contrário aos limites legais. Passemos a analisar os elementos do novo ato de improbidade.   2.2. Do ato de improbidade administrativa decorrente de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário relativo a ISS (art. 10-A) Assente-se, antes de tudo, que o legislador de 2016 optou por inserir a conduta tipificada como uma quarta modalidade de ato de improbidade, autônoma, independente, ao lado dos demais atos que implicam em enriquecimento ilícito, prejuízo ao Erário ou violação de princípio da Administração Pública. Parte da doutrina identificou um preciosismo ou mesmo falta de técnica do legislador, pois o novo ato de improbidade poderia muito bem ser enquadrado como espécie de ato de lesão ao Erário (CARVALHO, 2017, p. 969; SCHRAMM, 2017) ou violação a princípio da Administração Pública (KUFA, 2017). A conduta ímproba prevista é o ato de conceder, manter ou aplicar benefício ou incentivo fiscal de forma irregular. A concessão de benefício ou isenção fiscal, por força do art. 150, § 6º da Constituição Federal e art. 176 do CTN, somente ocorre por meio de lei específica que regule exclusivamente a matéria ou o respectivo tributo. Desta forma, a espécie “conceder”, de início, somente pode ser praticada por autoridade legislativa. Entretanto, se o ato de concessão de benefício possuir natureza infralegal, culminado por flagrante irregularidade formal, a autoridade responsável pela edição de tal ato passará a figurar como sujeito ativo da conduta ímproba. As condutas de aplicar ou manter, por sua vez, podem ser praticadas por Prefeito Municipal, Governador Distrital, ou autoridades fiscais competentes para aplicar ou afastar o benefício. Via de regra, portanto, os sujeitos ativos são agente políticos: chefes do Poder Executivo Municipal ou Distrital, membros do Legislativo ou secretários de finanças, que integram o alto escalão da estrutura administrativa. Acompanhando a orientação já adotada pelos arts. 10 e 11 da lei 8.429/92, o novo ato de improbidade pode ser praticado de forma comissiva, ou omissiva, alcançando, também, aqueles que, diante da ciência da concessão, manutenção ou aplicação irregular do benefício, abstém-se de adotar as providências cabíveis, motivo pelo qual se inserem, entre os sujeitos ativos, membros das instâncias de controle, como as auditorias internas, os Tribunais de Contas, o Ministério Público e mesmo o Poder Judiciário. O sujeito passivo do ato previsto no art. 10-A é o ente federativo que instituiu o imposto sobre o qual foi concedido o benefício ou a isenção. Considerando o objetivo maior da norma por combater a guerra fiscal, mostra-se também admissível considerar os demais entes federativos prejudicados com a concessão irregular, como sujeitos passivos do ato, igualmente legitimados a propor a respectiva ação de improbidade. O elemento subjetivo é o dolo. Não se admite modalidade culposa, visto que a opção adotada pela lei de improbidade foi de que a culpa não se presume, devendo ser prevista expressamente na lei. Quando quis prever conduta culposa, o legislador da improbidade o fez de maneira literal, fazendo-a constar na redação do art. 10. Diante da omissão do legislador de 2016, tem-se que o ato de improbidade introduzido pelo art. 10-A somente pode ser praticado mediante dolo. Por fim, o art. 12, IV da lei 8.429/92 passou a prever como sanções ao novo ato de improbidade a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício. Concorda-se com o entendimento doutrinário de que a omissão legislativa não afasta o dever de ressarcimento ao Erário, tendo em vista a vedação ao enriquecimento ilícito e a indisponibilidade do interesse público (CARVALHO, 2017, p.970). Esta tem sido a orientação do Supremo Tribunal Federal, que, inclusive, considera imprescritíveis as ações de ressarcimento aos danos decorrentes de atos de improbidade administrativa (STF. Plenário. RE 669069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 3/2/2016 (repercussão geral) (Informativo nº 813)).   A Constituição Federal disciplina a improbidade administrativa no art. 37, § 4º: “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. O dispositivo não define um conceito de ato de improbidade, cabendo tal tarefa à doutrina e à jurisprudência, a partir da leitura sistemática da disciplina constitucional da Administração Pública. Embora haja várias vozes pela identidade entre probidade e moralidade administrativa, predomina, com acerto, a corrente que entende a probidade como um conceito de maior amplitude, que, além da moralidade administrativa, abrange os demais princípios previstos no art. 37, caput da Carta Magna: legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. Neste sentido, as palavras de Cleber Masson: “Com efeito, embora a observância do princípio da moralidade seja um elemento de vital importância para a aferição da probidade, não é ele o único. Quando muito, será possível dizer que a probidade absorve a moralidade, mas jamais terá sua amplitude delimitada por esta”. (MASSON, 2017, p. 700). Assim, a improbidade deve ser considerada como todo comportamento nocivo, desonesto, corrupto e inepto no trato da coisa pública, com violação aos princípios que regem a Administração Pública. Dito isto, não restam dúvidas de que o ato previsto no art. 10-A enquadra-se no conceito de ato ímprobo. A nova previsão busca combater a guerra fiscal entre municípios, comportamento este que está longe de respeitar os princípios do art. 37 da Constituição Federal, violando a legalidade, a moralidade e a impessoalidade administrativa, traduzindo atitude de má-fé na relação entre os entes federativos. A prática da Guerra Fiscal ameaça o equilíbrio do Pacto Federativo, eleito como cláusula pétrea pelo art. 60, § 4º da Constituição, e constituindo, segundo defendemos, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, ainda que não previsto expressamente no art. 3º da Carta de 1988. Tem-se, aqui, mais um argumento favorável à constitucionalidade do novo ato de improbidade. É importante considerar, ainda, que o art. 37, § 4º da CF/88, ao tratar de atos de improbidade, utilizou-se de um conceito jurídico indeterminado. Ou seja, o tratou como um conceito aberto, concedendo margem de discricionariedade para que o legislador ordinário disciplinasse tais atos, observados, obviamente os limites constitucionais. Não houve qualquer limitação temporal ou geográfica para tal disciplina, de modo que é plenamente admissível a previsão de novos atos de improbidade, ainda que por legislação posterior à lei matriz de 1992, ou mesmo por outros textos normativos, a exemplo dos atos de improbidade tratados pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) e pelo Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015). Neste ponto, incabível qualquer questionamento acerca do novo art. 10-A. Além disso, o art. 37, § 4º não exige que os atos de improbidade administrativa sejam tipificados por lei específica, não havendo qualquer inconstitucionalidade no fato de a nova modalidade ter sido introduzida por Lei Complementar que trata sobre ISS. Ressalte-se que o fato de o ato enquadrar-se na modalidade mais genérica prevista no art. 10 (prejuízo ao Erário) não compromete sua constitucionalidade, uma vez que o conflito aparente é resolvido por meio da Especialidade, princípio geral aplicável às diferentes formas de controle social (direito penal, direito civil e administrativo sancionador). No que se refere às sanções, tem-se que o art. 12 da lei 8.429/92 ampliou o rol previsto inicialmente pelo texto constitucional. A doutrina majoritária já pacificou o entendimento pela constitucionalidade do dispositivo, considerando que o art. 37, §4º, enquanto norma de eficácia limitada, tem caráter meramente exemplificativo, apresentando uma lista mínima de sanções a serem aplicadas aos atos de improbidade. A legislação infraconstitucional, ao regulamentar o dispositivo constitucional, não pode suprimir as sanções previstas pela Constituição, mas nada impede que as amplie, no sentido de fortalecer a proteção concedida ao patrimônio público (GARCIA; ALVES, 2014, p. 616). Com a edição da LC 157/2016, as principais reações contrárias ao novo ato de improbidade fundamentaram-se no fato de que o legislador de 2016 pecou pelo exagero, sancionando como improbidade atos que representariam mero exercício de poder político, além de limitar a autonomia constitucional conferida aos municípios. Neste sentido: Trata-se de sanções draconianas, que seriam improváveis no âmbito estadual – e impensáveis no federal –, evidenciando descaso para com a autonomia municipal e, em particular, com os governantes dos Municípios. Cogitar-se-ia, por exemplo, de cassar os direitos políticos de governadores que simplesmente mantiveram benefícios unilaterais do ICMS, no contexto da guerra fiscal entre Estados? Verifica-se afronta ao postulado da razoabilidade e à autonomia municipal, em particular, na configuração de ato de improbidade administrativa pela mera omissão em revogar benefícios financeiros ou tributários. Como podem Prefeitos e Vereadores perder a sua função pública e os seus direitos políticos, além de ter de arcar com multa de até o triplo dos benefícios vigentes, por mera inação? (VELLOSO, 2017, online). Assim, também, as palavras de Fernanda Schramm: A inovação legislativa, ainda que bem intencionada, parece seguir uma tendência já manifestada pelo Poder Legislativo – e não raro também pelo Poder Judiciário e Ministério Público – de transformar toda e qualquer irregularidade cometida pelos agentes públicos em improbidade administrativa, quando, na verdade, esta categorização deveria ser reservada somente aos casos em que se atuasse com má-fé ou intenção desonesta. Como se a ampliação das hipóteses de improbidade fosse a solução para os problemas políticos do país (SCHRAMM, Fernanda, 2017, online). De fato, enfrenta-se, neste ponto, um conflito entre a autonomia municipal e outros valores constitucionais, sobretudo o equilíbrio federativo, a cidadania e a democracia, tutelados pela probidade administrativa. Um juízo de ponderação, baseado na proporcionalidade e no princípio da Concordância Prática ou Harmonização da Constituição, autoriza que a autonomia municipal seja mitigada, em prol de outros valores, aos quais a própria Constituição atribui maior relevância, erigindo-os, inclusive, como cláusula pétrea e fundamentos da República Federativa do Brasil. Além disso, o ponto central da distinção entre o mero exercício legítimo da autonomia política municipal e a configuração do ato de improbidade do art. 10-A reside no elemento subjetivo. O novo ato administrativo exige, para sua configuração, a presença do dolo, ou seja, a consciência e a vontade dirigida para conceder, manter ou aplicar benefício ou incentivo fiscal em infringência à previsão legal. O elemento subjetivo funciona como elemento limitador de responsabilidade, evitando qualquer arbítrio decorrente de sanções por improbidade. O fato de o novo ato de improbidade administrativa ter como sujeito ativo, especialmente, agentes políticos não afasta, igualmente, a constitucionalidade da previsão. É verdade que os prefeitos e vereadores submetem-se a regime especial de responsabilidade, previsto no decreto-lei n° 201/1967. Entretanto, isto não afasta a incidência das sanções da lei de improbidade. O ordenamento jurídico adotou, a respeito da responsabilidade dos agentes estatais, a regra da independência de instâncias, permitindo a coexistência de sanções civis, administrativas, políticas e penais incidentes sobre um mesmo ato ilícito. Cleber Masson destaca, ainda, que entendimento contrário viola o princípio da Isonomia, restringindo a responsabilidade de agentes políticos em detrimentos dos demais cidadãos, além de contrariar as próprias tendências da lei 8.429/92, quem em seu art. 2º optou por um conceito amplo de agente público (MASSON, 2017, p. 710). O art. 37, § 4º da Constituição Federal prevê as sanções mínimas aplicáveis aos atos de improbidade, “sem prejuízo da ação penal cabível”. Ao prever as penas aplicáveis em razão da improbidade, o art. 12 da lei 8.429/92 menciona expressamente a independência das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica. Assente-se que, a exceção da perda da função pública e suspensão dos direitos políticos, os atos administrativos previstos na lei de improbidade têm natureza civil, nada obstando que se apliquem paralelamente ao decreto-lei n° 201/1967, que sobre a responsabilidade penal e administrativa de Prefeitos e Vereadores. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou entendimento pela efetiva incidência da Lei de Improbidade aos agentes políticos, com a ressalva do Presidente da República: Excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4.º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza. (…)(STJ – Rcl: 2790 SC 2008/0076889-9, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 02/12/2009, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 04/03/2010). O Supremo Tribunal Federal, em decisões mais recentes, tem caminhado para este mesmo entendimento, Leia-se: STF – AC: 3585 RS, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 02/09/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-211 DIVULG 24-10-2014 PUBLIC 28-10-2014). A respeito dos atos parlamentares, questiona-se a incidência da disciplina da improbidade, diante da imunidade parlamentar material conferida pelos arts. 53 e 29, VIII da Constituição: inviolabilidade em razão de suas opiniões, palavras e votos. Ocorre que tal imunidade está limitada ao conteúdo do voto, enquanto expressão legítima da representatividade popular, não alcançando eventuais desvios de finalidade da atividade legislativa. A respeito do tema, ensina Emerson Garcia: A conduta dos ilustres congressistas, imoral ao extremo, poderia ser considerada um ato de improbidade pois se utilizaram de suas funções para auferir benefícios pessoais, ou mesmo visando ao benefício de outrem – isto na hipótese dos condescendentes não devedores. Ainda no final do século XIX, alertava Rui Barbosa para a “regra geral da improbidade política, abalando a fé nas melhores instituições” (GARCIA; ALVES, 2014, p. 473). Pela viabilidade da aplicação da lei de improbidade a parlamentares, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/1992 AOS AGENTES POLÍTICOS. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E ADMINISTRATIVA. ATOS BUROCRÁTICOS PRATICADOS NA FUNÇÃO LEGISLATIVA. CABIMENTO. 1. Aplica-se a Lei 8.429/1992 aos agentes políticos dos três Poderes, excluindo-se os atos jurisdicionais e legislativos próprios. Precedente. 2. Se no exercício de suas funções o parlamentar ou juiz pratica atos administrativos, esses atos podem ser considerados como de improbidade e abrigados pela LIA. 3. O STJ possui entendimento consolidado no sentido de que as esferas penal e administrativa são independentes, salvo nos casos de absolvição por inexistência do fato ou autoria. 4. Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1171627 RS 2009/0238379-0, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 06/08/2013, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2013). ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE. MAJORAÇÃO ILEGAL DA REMUNERAÇÃO E POSTERIOR TRANSFORMAÇÃO EM AJUDA DE CUSTO SEM PRESTAÇÃO DE CONTAS. DANO AO ERÁRIO. OBRIGAÇÃO DE RESSARCIR O COMBALIDO COFRE MUNICIPAL. RESTABELECIMENTO DAS SANÇÕES COMINADAS NA SENTENÇA. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra prefeito, vice-prefeito e vereadores do Município de Baependi/MG, eleitos para a legislatura de 1997/2000, imputando-lhes improbidade pelas seguintes condutas: a) edição das Leis 2.047/1998 e 2.048/1999, fixando seus subsídios para a mesma legislatura em contrariedade aos arts. 29, V, e 37, XI, da Constituição, sobretudo porque baseados em dispositivo da EC 19/98 não regulamentado; e b) edição, num segundo momento, da Lei 2.064/1999, que suspendeu as leis antes mencionadas e transformou em ajuda de custo os valores majorados às suas remunerações, independentemente de comprovação de despesas, com vigência até a regulamentação pendente. (…) 6. A edição de leis que implementaram o aumento indevido nas próprias remunerações, posteriormente camuflado em ajuda de custo desvinculada de prestação de contas, enquadra a conduta dos responsáveis tenham agido com dolo ou culpa no art. 10 da Lei 8.429/1992, que censura os atos de improbidade por dano ao Erário, sujeitando-os às sanções previstas no art. 12, II, da mesma lei. (…) 8. A ausência de exorbitância das quantias pagas não afasta a configuração da improbidade nem torna legítima sua incorporação ao patrimônio dos recorridos. Módicos ou não, os valores indevidamente recebidos devem ser devolvidos aos cofres públicos. Precedente do STJ. 9. (…) (STJ – REsp: 723494 MG 2005/0019337-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 01/09/2009, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: –> DJe 08/09/2009)   CONCLUSÃO O estudo realizado demonstra a constitucionalidade da nova modalidade de improbidade administrativa. Como demonstrado, o novo dispositivo visa prevenir e reprimir a guerra fiscal, resguardando valores relevantes ao ordenamento jurídico, tais como a moralidade, legalidade, impessoalidade e o equilíbrio do pacto federativo. O legislador, em um juízo de ponderação, fez uma opção, por prestigiar os valores mencionados, a custa de sacrificar, parcialmente, a autonomia municipal. Tal opção legislativa mostrou-se plenamente legítima, sobretudo porque a autonomia municipal, assim como todos os princípios constitucionais, não possui valor absoluto, admitindo restrições em face de outros valores constitucionalmente tutelados. O novo art. 10-A da lei de improbidade, portanto, está em total sintonia com o conceito de improbidade administrativa decorrente do ordenamento constitucional, funcionando como mais um instrumento de tutela do Interesse Público Primário e do bom funcionamento da estrutura administrativa do Estado.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/analise-da-constitucionalidade-da-nova-modalidade-de-improbidade-administrativa-art-10-a-da-lei-8-429-92/
Da Imperiosa Necessidade de Uma Lei de Concursos Públicos
RESUMO: O presente estudo busca apresentar temas doutrinários e jurisprudenciais relevantes sobre concursos públicos, de modo a compilá-los em uma lei geral de concursos públicos, a fim de coibir práticas arbitrárias de bancas examinadoras e da administração pública. Recorreu-se às obras dos autores Celso Bandeira de Melo, (2002), Di Pietro (2006), Dantas (2015), Matheus Carvalho (2019), bem como foram apresentadas jurisprudências dos tribunais superiores. Nesse sentido, como forma de garantir o princípio da isonomia e da legalidade, conclui-se pela necessidade de uma lei regulando temas recorrentes e controvertidos relativos a concursos públicos.
Direito Administrativo
Introdução Este artigo aborda a temática dos concursos públicos relativos ao direito à nomeação, ao controle de legalidade pelo judiciário sobre as questões de provas e outros temas recorrentes nos tribunais, tais como, a existência de cláusula de barreira, o exame psicotécnico, a investigação social, a restrição à tatuagem e a motivação do gabarito das questões. Em virtude do vazio legislativo referente ao tema, os tribunais pátrios possuem grandes demandas judiciais relativas aos concursos públicos, dentre elas, os requerimentos para pleitar a nomeação, em razão da inércia da Administração em nomear ou pela preterição de candidatos aprovados; a alteração de gabarito em questões objetivas ou subjetivas; questionar as cláusulas de barreira, o exame psicotécnico e a investigação social. É necessária uma lei prevendo os casos em que a administração deve nomear. Atualmente, os tribunais superiores já se pronunciaram quanto ao direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados dentro do número de vagas, bem como a nomeação de candidatos e a abertura de novo concurso, quando no prazo de validade do concurso anterior, e a preterição de candidatos aprovados por servidores temporários. Além disso, algumas bancas examinadoras, por falta de norma regulamentadora, agem com arbitrariedade na correção de questões, adotando gabaritos flagrantemente não condizentes com a realidade jurídica, ou não embasados em doutrina majoritária ou jurisprudência dominante, bem como, no pior cenário, não apresentam a fundamentação do gabarito ou do espelho de correção. Nesse sentido, diz Celso Antonio Bandeira de Melo “que o Princípio da Motivação impõe a administração Pública o dever de expor as razões de direito e de fato pelas quais tomou a providência adotada.” (Mello, Celso Antonio Bandeira, 2002). O edital é a “lei” do concurso público, mas isso não retira da Administração e da banca examinadora o dever de agir em conformidade com a legalidade e com os princípios da administração pública. Daí a importância de uma lei regulamentando os parâmetros objetivos de avaliação e correção, com base em critérios legais, jurisprudenciais e em doutrina majoritária. Nesses termos O objetivo desse artigo é mostrar a importância de uma lei geral de concursos públicos como forma de coibir práticas abusivas de bancas examinadoras e da administração pública e de garantir os direitos do candidato. Para alcançar tal objetivo, utilizou-se as obras de autores em direito administrativo, especialistas em concursos e artigos científicos publicados em meio eletrônico.   Primeiramente, é fundamental entender que a Constituição Federal de 1988 contém em seu art. 37, II, a necessidade de concurso público para preenchimento dos cargos ou empregos públicos. Assim, a Constituição primou pelo mérito pessoal, isonomia e impessoalidade administrativa como forma de acesso na administração pública. A isonomia aplicada aos concursos públicos significa que todos têm acesso aos cargos e empregos públicos com condições iguais a todos, salvo quando a natureza do cargo exigir, desde que com previsão legal. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 638, que diz “que O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido”. O entendimento acima estende-se em relação ao sexo, altura mínima, entre outras restrições. Vale ressaltar que tais restrições somente devem ser estipuladas por lei, não sendo suficiente a previsão no edital do concurso. Ademais, o art. 37, caput, da CF elenca um rol de princípios ligados à administração pública, dentre os quais encontra-se a impessoalidade, que visa garantir a obtenção de atos administrativos sem favoritismos ou questões pessoais. Ou seja, o concurso público visa selecionar candidatos em virtude de méritos pessoais, mediante provas ou provas e títulos.   Vistas as considerações iniciais quanto aos princípios constitucionais, faz-se necessário abordar o direito de nomeação. Sabe-se que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema, por meio da súmula 15, onde aponta que “Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.” Além disso, o RE 837.311, rel. min. Luiz Fux, afirma que: O surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: I – Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; II – Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; III – Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima. Assim, diferentemente do candidato aprovado dentro do número de vagas, o qual tem direito subjetivo à nomeação, o candidato aprovado fora do número de vagas (cadastro de reserva, por exemplo) tem mera expectativa de direito. Contudo, de acordo com ministro Luiz Fux, se “o Estado manifesta inequívoco interesse, inclusive com previsão orçamentária, de realizar novo concurso, o que era mera expectativa de direito tornou-se direito líquido e certo”. Dessa forma, o candidato aprovado fora do número de vagas passa a ter direito subjetivo à nomeação quando: surgirem novas vagas durante a validade do concurso; houver interesse da administração em preencher tais vagas; houver preterição de candidatos de forma arbitrária; e houver disponibilidade orçamentária.   Quanto à preterição de candidatos, ocorre quando a administração convoca candidatos aprovados em novo concurso ou convoca, em caráter precário, novos servidores, quando permanece válido o concurso anterior. Na primeira hipótese, o julgado acima é claro no sentido de haver preterição de forma arbitrária e imotivada, uma vez que deve ser dada preferência aos candidatos aprovados no concurso anterior. Na segunda, existem vários julgados do STJ que apontam para ilegalidade de tal conduta. Isto é, confere aos candidatos preteridos direito líquido e certo à nomeação ao cargo pleiteado, conforme a seguir: RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE PROFESSOR. CONTRATAÇÕES, A TÍTULO PRECÁRIO, DURANTE A VALIDADE DO CERTAME. CONVOLAÇÃO DA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO E POSSE EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO. (…) “RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARA O CARGO DE PROFESSOR. CONTRATAÇÕES, A TÍTULO PRECÁRIO, DURANTE A VALIDADE DO CERTAME. CONVOLAÇÃO DA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO E POSSE EM DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRECEDENTES. (…) Nesse sentido, comprovada a existência de vagas e demonstrada a necessidade de pessoal, em razão da contratação temporária para exercício da função, surge o direito líquido e certo dos candidatos à nomeação, podendo ser manejada ação judicial visando à nomeação dos candidatos. Nesse contexto, a nova lei elencaria em seu conteúdo as situações acima analisadas, quais sejam, os princípios constitucionais da isonomia e impessoalidade do concurso público, dentre outros; as hipóteses de exceção ao princípio da isonomia e o direito de nomeação dos candidatos, com as peculiaridades existentes.   Outro ponto crucial no estudo é o que trata do controle de legalidade pelo judiciário das questões de prova. O STF, por meio do RE 632853/CE, com repercussão geral reconhecida, “fixou a tese de que os critérios adotados por banca examinadora de um concurso não podem ser revistos pelo Poder Judiciário”. No mesmo sentido o STJ, no AgRg no AREsp: 187044 AL, ao afirmar que “restringe-se à averiguação da legalidade do procedimento, não sendo-lhe possível substituir a referida banca para reexaminar o conteúdo das questões formuladas, os critérios de correção das provas ou a resposta do gabarito final”. Nota-se, então, que os tribunais superiores não examinam os critérios das bancas, a opção por determinada doutrina ou as questões jurisprudenciais controvertidas, mas somente se houver ilegalidade ou erros materiais. Desse modo, as bancas examinadoras possuem carta branca para certos abusos, tais como, adotar doutrina ou jurisprudência minoritária, quase desconhecida, ou isolada, ou adotar temas controvertidos na doutrina e na jurisprudência. Isso significa uma afronta à razoabilidade, uma vez que não é dado ao candidato adivinhar qual a corrente a banca adota como correta. Não há ilegalidade, por si, em adotar entendimentos minoritários ou controvertidos, desde que previsto no edital, por meio de bibliografia adotada pelo examinador das matérias. Nesse ponto, a nova lei facultaria à banca examinadora gabaritar como correta a alternativa com entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário, sem indicação de bibliografia, ou adotar quaisquer entendimentos, desde que seja dada ao candidato a oportunidade de conhecer a bibliografia adotada pela banca. Dessa forma, a lei ampliaria substancialmente o controle judicial sobre o conteúdo das questões de concurso. O conteúdo das provas passaria a ser questão de legalidade, por expressa disposição da nova norma, e não de mérito, como alguns entendem ser atualmente. Nesse aspecto, vale lembrar que o judiciário não exerce controle de mérito dos atos administrativos. Entretanto, a banca examinadora, contratada pelo poder público, não exerce mérito administrativo em relação ao conteúdo das questões. O mérito do ato administrativo do concurso público reside na conveniência ou oportunidade de abrir o concurso e de possibilitar o preenchimento de vagas pelos candidatos aprovados. O ato discricionário do concurso é caracterizado pelos elementos motivo e objeto. O motivo é a necessidade fática de contratação de pessoas para o serviço público e a autorização legal para tanto, enquanto o objeto é o próprio concurso. Portanto, o conteúdo das questões e os critérios adotados pela banca não se revestem de mérito administrativo, ao contrário, têm caráter de ato vinculado, pois devem estar de acordo com a lei, a doutrina e a jurisprudência. Assim sendo, o edital de concurso público não tem o condão de elaborar questões em desacordo com a lei e a doutrina ou jurisprudência majoritária, bem como não outorga à banca examinadora a possibilidade de corrigir questões de cunho subjetivo com posições flagrantemente conflitantes, isoladas ou ilegais. A banca examinadora não tem o poder de decidir ser conveniente ou oportuno contrariar a lei e os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários dominantes.   Existem, ainda, outros temas polêmicos afetos aos concursos públicos que a lei poderia regulamentar. Citam-se alguns: a existência de cláusula de barreira; o exame psicotécnico; a investigação social; a restrição à tatuagem; e a motivação do gabarito das questões. O STF já decidiu que é constitucional as cláusulas de barreiras, conforme decisão no RE 635.739. Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes afirmou ter amparo constitucional as regras restritivas em edital de concursos públicos, quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao mérito do desempenho do candidato. Ou seja, é possível o edital do concurso limitar o acesso ao candidato que não atingiu um grau mínimo na etapa anterior. Nesse ponto, a lei poderia regulamentar os casos em que a cláusula de barreira não se aplicaria, tal como, a vedação à limitação de candidatos pela banca quando as vagas disponibilizadas no edital sejam inferiores à real necessidade da administração. O exame psicotécnico também já foi alvo de análise pelo STF. A Súmula n. 686, que foi convertida em Súmula Vinculante n. 43, mantendo-se o teor: “Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público”. Nesse sentido, é possível exigir esse tipo de exame quando há lei anterior assim determinando e desde que a natureza das atribuições do cargo o justifique. Além disso, não pode ser realizado segundo critérios subjetivos do avaliador, que resultem em discriminação dos candidatos, daí serem fundamentais a objetividade e a cientificidade. Nesse caso, a nova lei de concursos regulamentaria a matéria, dando concretude à súmula vinculante. Semelhante é a questão da investigação social, que exige lei anterior de determinado cargo prever a avaliação social como uma das etapas para a seleção do candidato para o preenchimento do cargo público. No entanto, é necessário definir os critérios alvos da avaliação social. Nesse aspecto, o Supremo Tribunal de Justiça afirma que “a mera instauração de inquérito policial ou de ação penal contra o cidadão não pode implicar, em fase de investigação social de concurso público, sua eliminação da disputa”. No mais, injusto é o caso de um candidato que é eliminado somente porque o nome está inscrito nos órgãos de proteção ao crédito, como o Serasa e SPC, por exemplo. Portanto, a futura lei delimitaria as hipóteses em que caberia a investigação social, de modo a ser compatível com o princípio da presunção de inocência e razoabilidade. Com relação à tatuagem, a Corte Suprema, no julgamento foi proferido no RE 898.450, estabeleceu a seguinte tese: “Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais”. No que tange à motivação dos atos administrativos, é imprescindível que a administração justifique seus atos, apresentando as razões que o fizeram decidir sobre os fatos, com observância da lei. No entanto, há na doutrina divergência quanto à motivação dos atos administrativos discricionários. Alguns entendem que a motivação cabe somente nos atos vinculados, enquanto outros entendem caber em qualquer tipo de ato, seja vinculado ou discricionário. O STF já se debruçou sobre o tema: “EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.MANDADO DE SEGURANÇA. APREENSÃO DE VEÍCULO ESTACIONADO EM LOCAL PROIBIDO. TERMO DE APREENSÃO SEM DISPOSITIVOS LEGAIS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO QUE REGE TODOS OS ATOS ADMINISTRATIVOS E DO DIREITO DA AMPLA DEFESA.NULIDADE DE ATO. REEXAME NÃO PROVIDO.DECISÃO UNÂNIME. 1-Termo de Apreensão sem constar os dispositivos que demonstram a infração cometida. Exigência necessária em virtude do direito que se tem em saber a motivação que gerou a imposição da penalidade. 2-Violação flagrante do princípio da motivação que rege todos os atos administrativos. 3-Reexame Necessário não provido. 4-Decisão Unânime. Processo: REEX 379915220068170001 PE 0037991-52.2006.8.17.0001; Relator(a): José Ivo de Paula Guimarães; Julgamento: 12/04/2012; Órgão Julgador: 8ª Câmara Cível; Publicação: 76.” Por esse julgado, resta claro o posicionamento da Suprema Corte no sentido que todos os atos administrativos devem ser motivados. Di Pietro corrobora com esse entendimento, ao descrever que motivação é “a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram.” (DI PIETRO, 2006). A importância dessa decisão reflete diretamente na motivação da banca examinadora do gabarito das questões. Ora, o concurso público é um ato administrativo. Sendo assim, é dever da administração, na figura da banca examinadora, motivar seus atos. Isto é, motivar as razões que a levaram a adotar o gabarito ou o espelho de correção como correto. Não basta, desse modo, publicar o gabarito das questões. É necessário que a banca fundamente sua escolha, principalmente quando se trata de questões subjetivas e orais, em que é possível ao candidato apresentar entendimentos majoritários, minoritários ou controvertidos. Aliás, a motivação dos atos administrativos efetiva o princípio da publicidade, possibilitando o controle do ato pela sociedade, bem como garante ao candidato ingressar com recurso, pois apontado pela banca examinadora a sua opção por uma alternativa como correta, permite ao recorrente melhores fundamentos para atacar tal escolha. O advogado especializado em concurso público, Alessandro Dantas, em sua obra “Concurso público: controle das provas discursivas pelo Poder Judiciário”, defende que o poder das bancas não é irrestrito. Assim, as decisões da banca devem ser coerentes com a realidade dos fatos e com a doutrina e jurisprudência dominantes. Continua o autor ao afirmar que ao corrigir uma prova discursiva a Banca Examinadora deverá motivar a nota atribuída ao candidato. Segundo a teoria dos motivos determinantes os fatos que servirem de suporte à decisão administrativa integram a validade do ato. Logo, enunciados os motivos que ensejaram a atribuição daquela nota, esta só será válida se as justificativas tiverem procedência. Isso quer dizer que o padrão de resposta deve refletir com precisão os conceitos consolidados das disciplinas avaliadas, não cabe a Banca Examinadora determinar o que é certo ou errado, mudando a realidade das coisas.” (DANTAS, 2015, pág.02). Não há dúvida, portanto, que a falta de motivação do ato é passível de nulidade insanável, uma vez que atinge elemento de ato (forma) não objeto de convalidação. Ademais, a falsa motivação também pode gerar nulidade, de acordo com a teoria dos motivos determinantes, que, de acordo com Matheus Carvalho “ os motivos apresentados como justificadores da prática do ato administrativo vinculam este ato e, caso os motivos apresentados sejam viciados, o ato será ilegal” (Matheus Carvalho, 2019). Vale comentar que parte da doutrina entende que a motivação é obrigatória apenas quando a lei impõe. Assim, sustenta José dos Santos Carvalho Filho que “só se poderá considerar a motivação obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido” (José dos Santos Carvalho Filho, 2009). Nesse diapasão, a sugerida lei inovaria ao prever a obrigatoriedade de motivação do gabarito  ou espelho de correção adotado pela banca, tanto em provas objetivas quanto em subjetivas, em consonância com o princípio da motivação previsto no art. 2º da Lei 9.874/99 (Lei do processo administrativo federal).   Conclusão Por todo o exposto, percebe-se a imprescindível necessidade de uma lei que regulamente os concursos públicos, de modo a garantir os direitos do candidato. Os editais não podem ter um caráter de lei absoluta, muito menos infringir os dispositivos legais, doutrinários e jurisprudenciais. A nova lei serviria de espelho das decisões sumuladas, do entendimento dominante nos tribunais superiores e da doutrina majoritária, a fim de consolidar os principais pontos relacionados aos concursos públicos e de desafogar o judiciário, uma vez que os candidatos não precisariam mais, em tese, recorrer ao judiciário para garantir seus direitos. Em que pese as decisões judiciais servirem de orientação para prática dos atos administrativos, no Brasil, a lei possui papel psicológico fundamental na vida do cidadão, estabelecendo padrões de comportamento e de conduta coletiva. Sem falar no fato de que a lei tem o papel de coibir possíveis práticas abusivas das bancas examinadoras. Assim, a lei conteria em seu bojo, dentre outras, as principais questões referentes aos concursos públicos, quais sejam, o direito de nomeação do candidato, o controle judicial das questões de prova, a existência de cláusula de barreira, o exame psicotécnico, a investigação social, a restrição à tatuagem e a motivação do gabarito das questões.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/da-imperiosa-necessidade-de-uma-lei-de-concursos-publicos/
A Atuação do Poder de Polícia
RESUMO: O objetivo do presente estudo é apresentar como se dá a atuação do Poder de Polícia na Administração Pública, bem como em constatar se há benefício no desempenho desse instituto. A metodologia utilizada foi: doutrina, pesquisas bibliográficas, jurisprudência e legislação jurídica brasileira. Inicia-se do exame do conceito legal e doutrinário do poder de polícia e depois se analisa a diferença entre poder de polícia administrativa e poder de polícia judiciária. Após, destaca-se a hipóteses de delegação e os ciclos do poder de polícia. No fim, estuda-se: o sentido amplo e o sentido estrito; a discricionariedade e vinculação; e como se dá a prescrição da ação punitiva do poder de polícia. Conclui-se ao final, destacando pontos importantes da atuação do poder de polícia e seu benefício em favor da coletividade.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO É notório que o Estado de atuar com base na Supremacia do interesse público e da indisponibilidade do interesse público. Desse modo, depreende-se que o que for de benefício para a sociedade como um todo se sobrepõe ao interesse do particular. Nesse sentido, faz-se necessário o respeito às regras constitucionais e infraconstitucionais para que prevaleça o convívio harmonioso entre os cidadãos. Surge, portanto, o poder de polícia para limitar os direitos de liberdade ou propriedade dos particulares, em prol da coletividade em geral. Todavia, há que se ter claro que, a Administração Pública apesar de deter o poder de restringir a liberdade e propriedade do particular, deve atuar em conformidade com o ordenamento jurídico. Assim sendo, foram analisados os conceitos doutrinários e também o conceito legal do Poder de Polícia, bem como os fundamentos que diferenciam o poder de polícia administrativa e polícia judiciária. Buscou-se demonstrar de maneira objetiva como se dá a delegação e os ciclos de polícia, de modo que se pode destacar a possibilidade de delegar os atos de fiscalização e consentimento pelo poder público ao particular. Observou-se também, os aspectos relacionados à discricionariedade, ou seja, conveniência e oportunidade da administração pública e a vinculação do poder de polícia. Destaca-se ainda, o poder de polícia em sentido amplo, de maior abrangência e em sentido estrito, de atuação no caso concreto. Não menos importante, ao final analisa-se a prescrição da ação punitiva do poder de polícia contra o particular. Assim, a proposta do trabalho é demonstrar por meio de pesquisas bibliográficas jurídicas, doutrina, jurisprudência e na legislação jurídica brasileira, como se dá atuação do Poder de Polícia e quais são seus benefícios. Cumpre frisar que, não se busca com esse trabalho, esgotar o tema proposto, mas em trazer uma maior compreensão da atuação da Administração Pública. Atuação essa que se dá por meio de limitações à liberdade e propriedade do particular, sob o manto de melhor interesse para a coletividade em geral. Por fim, faz-se importantes considerações sobre o tema proposto, bem como uma breve conclusão sobre a atuação e os limites do uso do poder de polícia e seus benefícios em favor da sociedade.   1 PODER DE POLÍCIA Poder de polícia é a atividade administrativa exercida com base na supremacia do interesse público, com o objetivo de restringir direitos individuais privados a fim de adequá-los ao interesse da coletividade.   1.1 Conceito legal De acordo com o disposto no artigo 78 do Código tributário nacional: Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. Matheus Carvalho (2019, p. 133) ensina que: “a conceituação do Poder de Polícia está situada nas disposições do Código Tributário Nacional, pelo fato de que o exercício deste poder, assim como a prestação de serviços públicos uti singuli podem ensejar a cobrança de taxa”.   1.2 Conceito doutrinário Sem deixar de lado o conceito legal de poder de polícia, doutrinadores se esforçam em demonstrar um conceito mais adequado ao aludido instituto. Dessa forma destacam-se alguns conceitos: Conforme Di Pietro (2013, p. 123) o poder de polícia é a “ atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”. Para Carvalho Filho (2017, p. 84) “é a prerrogativa de direito público que, calcada na Lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade”. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, o Poder de Polícia é: A atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo. (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 830). Por sua vez, Alexandre Mazza entende que: Poder de Polícia é a atividade da Administração Pública, baseada na lei e na supremacia geral, consistente no estabelecimento de limitações à liberdade e propriedade dos particulares, regulando a prática de ato ou abstenção de fato, manifestando-se por meio de atos normativos ou concretos, em benefício do interesse público. (MAZZA, 2013, p. 248). Diante de alguns dos principais conceitos doutrinários apresentados acima, constata-se que todos concordam com a supremacia do interesse público em atuar na limitação da liberdade e propriedade individual do particular. Visando, dessa forma, garantir maior benefício para a sociedade em geral.   1.3 Polícia Administrativa e Polícia Judiciária Muito se confunde o Poder de Polícia (Supremacia do interesse público) com o Poder da Polícia (Corporações da área de Segurança Pública). Pois bem, de uma forma geral, o Poder de Polícia (Limitação Administrativa) é considerado mais abrangente do que o Poder da Polícia (Administrativa e Judiciária). Para Carvalho (2019), o Poder de Polícia Administrativa atua de forma preventiva quando emite portarias, regulamentos, com a finalidade de adequar horários de festas, de funcionamento de estabelecimentos, dentre outros. Exerce sua função de forma repressiva quando, dispersa multidões que não observam a lei, apreende materiais irregulares para a venda. Também atua fiscalizando quando, inspeciona produtos para o consumo, vistoria de automóveis, com o intuito de prevenir danos às pessoas. Portanto, a Polícia Administrativa tem como função específica, exercer atividades de natureza tipicamente administrativa, fazendo valer o que já está legalmente previsto. Dessa maneira, aplica na prática a supremacia do interesse público no caso concreto, ou seja, atua quando há a necessidade de restringir os direitos de liberdade e propriedade do particular. Noutro ponto, o Poder da Polícia referente à atividade de segurança pública, é dividido pela doutrina em Polícia administrativa e polícia judiciária, assim: Corroborando com esse entendimento, Mazza (2013) destaca que, no que se refere à segurança pública, a polícia administrativa realiza suas funções segundo os ditames do direito administrativo. Já a polícia judiciária, rege-se pelas regras do direito processual penal, incluindo a polícia civil e polícia federal. Há que se ter claro, portanto que, para melhor análise da Polícia Administrativa (poder de polícia), não se deve confundi-la com a polícia administrativa (poder da polícia) inerente à segurança pública. Embora ambas exerçam o poder de polícia, a primeira abrange a segunda.   1.4 Delegação e Ciclos de Polícia Conforme entendimento majoritário da doutrina, os atos passíveis de delegação são os de fiscalização e consentimento, portanto, não se pode delegar os atos de legislar ou de sanção. Nesse sentido, aduz Carvalho (2019, p. 137) que: “considerando que o poder de polícia é parcialmente delegável, alguns autores nacionais divide a atividade em quatro ciclos: 1°- ordem de polícia, 2°- consentimento de polícia, 3°- fiscalização de polícia e 4°- sanção de polícia”. Matheus Carvalho explica cada ciclo de polícia da seguinte forma: A ordem de polícia decorre do atributo da imperatividade, impondo restrições aos particulares, dentro dos limites da lei, independentemente de sua concordância, como ocorre, por exemplo, nos casos em que se veda a aquisição de armas de fogo, se proíbe o estacionamento de veículos em determinada avenida, entre outros. O consentimento de polícia está presente nas hipóteses em que a lei autoriza o exercício de determinada atividade condicionada à aceitabilidade estatal. Pode se manifestar por meio de autorizações e licenças. O terceiro ciclo decorre da possibilidade conferida ao ente estatal de controlar as atividades submetidas ao poder de polícia, com o intuito de verificar seu cumprimento, podendo, para tanto, se valer de inspeções, análise de documentos, entre outras formas. Por fim, a atividade de polícia administrativa pode ensejar a aplicação de penalidades, notadamente, nas situações em que se verifica o descumprimento das normas impostas pelo poder público, justificando a culminação de sanções, como multas e embargos de obras, por exemplo. (CARVALHO, 2019, p. 138). Assim, embora o poder de polícia, em regra, não seja passível de delegação, por se tratar de direito público, os atos de fiscalização e consentimento são permitidos aos particulares.   1.5 Discricionariedade e Vinculação Pelo que se pode depreender da execução dos atos do poder de polícia, a conveniência e a oportunidade são plenamente aceitas, desde que com fundamentação legal e de interesse da coletividade. Para Bandeira de Mello (2009, p. 829 e 830) “há atos em a Administração Pública pode manifestar competência discricionária e atos a respeito dos quais a atuação da Administração é totalmente vinculada”. Nesse sentido, quando a Administração Pública exige do particular o cumprimento de requisitos objetivos, por exemplo, obtenção de determinada licença, está-se diante de poder vinculado. Pois, uma vez preenchida as exigências legais impostas pela administração, o particular terá direito de exigir a licença solicitada, não havendo nesse caso, que se falar em discricionariedade (conveniência e oportunidade) do poder público. (CARVALHO, 2019). Para Mazza (2013, p. 249) “sua aplicação prática indica discricionariedade no desempenho do poder de polícia. Todavia, é preciso fazer referência a casos excepcionais em que manifestações decorrentes do poder de polícia adquirem natureza vinculada”. Dessa forma, constata-se que, apesar de entendimento pacífico da doutrina no que se refere à conveniência e oportunidade como regra, há também o consenso de que determinados atos emanados da Administração Pública, possuem caráter vinculativo.   1.6 Atributos do Poder de Polícia Embora classificação dos atributos não esteja totalmente pacificada, a maior parte da doutrina considera como atributos a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. Nesse sentido vale observar como João Carneiro Duarte Neto conceitua cada um desses atributos: Quando falamos em discricionariedade do exercício do Poder de Polícia, nos remetemos à liberalidade do administrador em decidir sobre a conveniência e oportunidade de agir, ou seja, ele decide acerca das circunstâncias do uso de tal prerrogativa. Por autoexecutoriedade, deve-se entender como a dispensa de um mandado judicial para por em prática as restrições trazidas ao indivíduo pelo poder de polícia; assim, é inerente a tal poder a agilidade das ações, por isso a não obrigatoriedade de se buscar auxílio do poder judiciário previamente, que é naturalmente lento; caso fosse obrigado o aval do poder judiciário prévio, descaracterizaria a própria finalidade do exercício do poder de polícia. È pacífico que apesar de estar dispensada a autorização judicial, o formalismo continua sendo obrigado, típico de ato administrativo. A coercibilidade ou imperatividade é demonstrada por uma força do Estado potencial por trás dos atos do administrador, traduzida em império, em obrigatoriedade e em possibilidade do uso da força nos casos que não haja aceitação do particular. Trata-se de uma potencialidade também limitada, devendo ser utilizada somente nos casos necessários e no estrito limite legal. (DUARTE NETO, 2016, p. 3). Assim, a discricionariedade por meio da conveniência e oportunidade possui certa liberdade para atuar, definindo em que momento irá fiscalizar ou impor sanções, desde que respeitada a lei. A autoexecutoriedade, por sua vez, é definida como uma espécie de prerrogativa inerente a Administração Pública em poder executar o poder de polícia, independente de autorização judicial. Por fim, a coercibilidade é a hipótese de impor o poder de polícia ao particular, inclusive se necessário for, permite utilizar o uso da força.   1.7 Poder de Polícia em Sentido amplo e estrito Em Sentido amplo, vale destacar o entendimento de Carvalho Filho (2017, p. 83) que aduz: “Em sentido amplo, poder de polícia significa toda e qualquer ação restritiva do Estado em relação aos direitos individuais”. Em sentido estrito, Mazza (2013, p. 247) alega: “inclui somente as limitações administrativas à liberdade e propriedade privadas, deixando de fora as restrições impostas por dispositivos legais”. O poder de polícia em sentido amplo é mais abrangente, pois se situa no campo da previsão legal que dá base para a administração pública retirar a legalidade de seus atos. Já em sentido estrito, pode se considerar a atuação do poder de polícia no caso concreto, restringindo a liberdade e a propriedade dos particulares.   1.8 Prescrição Para Carvalho (2019, p. 139) “em observância ao princípio da segurança jurídica, não se admite que a aplicação de sanções e a prática de atos que restringem a esfera jurídica dos particulares seja realizada a qualquer tempo”. Nesse sentido, vale observar o artigo 1°, da Lei 9.873/99: Art. 1°. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Sobre o supratranscrito artigo, assevera Carvalho Filho (2017, p. 93) que: “Não obstante, foi destinada exclusivamente à Administração federal, embora, por sua relevância, devesse estender-se também às Administrações estaduais e municipais”. Sobre a referida lei, Vale frisar o artigo 5°: “O disposto nesta Lei não se aplica às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária”. Nota-se que a lei se refere apenas a Administração Federal, dessa forma a pretensão punitiva do poder de polícia no âmbito estadual e municipal, carece de legislação específica. Sendo assim, pelo fato do Direito Administrativo não possuir um Código próprio, Estados e Municípios devem buscar soluções para a referida prescrição, nos demais dispositivos legais e constitucionais do ordenamento jurídico brasileiro.   CONCLUSÃO O trabalho demonstrou como se dá a atuação do poder de polícia. Restou evidenciado o entendimento pacífico, tanto por parte da doutrina como da legislação em geral que, o interesse geral deve prevalecer sobre o interesse individual. Dessa forma, verificou-se que é inerente ao poder de polícia a discricionariedade, como regra, de modo que é desnecessária autorização judicial para a imposição de obrigação de fazer ou não fazer ao particular. Sobre o conceito de Poder de Polícia, há um esforço da doutrina em apresentar um melhor e adequado entendimento sobre o tema, embora haja previsão legal do conceito de poder de polícia. Esclareceu-se a confusão que se faz quando se fala em Poder de Polícia (limitação administrativa) e Poder da Polícia (segurança pública). A primeira atua no âmbito do direito administrativo, a segunda na esfera do direito processual penal. Importante destacar também, as fases ou ciclos de polícia. Ressaltou-se que, embora seja do poder público o monopólio de intervir na esfera privada das pessoas, é possível a delegação de atos de fiscalização e consentimento, ao particular. Busca-se dessa forma, o melhor cumprimento por parte dos particulares de regras impostas pelo poder de polícia, trazendo assim, benefícios para o maior número de pessoas possível. Destacou-se também, que só a previsão em lei específica, da ação punitiva do poder de polícia na esfera federal. Por se tratar de segurança jurídica faz-se necessário que esteja claro quais os prazos prescricionais também no âmbito municipal e estadual, porém, carece de lei até o momento. Para concluir o presente trabalho, se pode afirmar que a atuação do Poder de Polícia é de fundamental importância sob o ponto de vista de que o interesse da coletividade em geral deve prevalecer sobre o individual, trazendo com isso, benefícios ao convívio social. Contudo, vale frisar que, não há que se falar em arbitrariedade no uso do poder de polícia, mas sim, em atuar em consonância com os princípios e fundamentos constitucionais, bem como da legislação vigente. Nessa linha, garante-se a ordem e a paz social tão almejada entre todos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-atuacao-do-poder-de-policia/
Concessão de Serviço Público: Sistema de Transporte Urbano na Cidade de Manaus-AM
Este artigo mostrar o processo de obrigações e responsabilidades das concessionárias de serviço público, bem como, as implicações para as deliberações em face do contrato de concessão do poder concernente, ou seja, o poder público na cidade de Manaus-AM. A problemática do presente ensaio foi conduzida em decorrência de fatos, onde o poder público não aplica as normas ao concessionário, em detrimento ao receio de refutação por parte do tomador do serviço, rumo à medida drástica a ponto de retirar de imediato o serviço. Não havendo outro meio, o poder público assume e se torna conivente com a situação atualmente vivida pela população e comprovada através dos meios de comunicação. A pesquisa vem mostrar as etapas da concessão para operar no sistema transporte urbano na cidade de Manaus-AM de acordo com o método de abordagem indutivo, procedimento descritivo e através de documentação indireta. A concessão figura como um relevante instrumento de descentralização da prestação de serviços públicos, como meio de viabilizar a diminuição do tamanho do Estado e a eficiência no atendimento das demandas de interesse público.
Direito Administrativo
Introdução As cidades no Brasil têm crescido e se desenvolvido bastante, com o acelerado avanço da urbanização e devido também aos fatores próprios do mundo moderno: migração para os grandes centros urbanos, a demanda de serviços públicos, entre outros. Com isso, a oferta de serviços é uma exigência necessária, entre os quais o sistema de transporte de uma cidade. Dentro do contexto geral, o transporte público urbano é de fundamental importância nas cidades, tanto pelo seu aspecto social quanto democrático, uma vez que este representa o transporte motorizado mais acessível às pessoas de baixa renda ou para quem não pode dirigir. Nas grandes cidades, tem função de propiciar uma alternativa de transporte, visando à melhoria da qualidade de vida: menos veículos particulares, menos congestionamentos e menos poluição, tornando, assim, os sistemas de transporte e as cidades mais eficientes. Com o crescimento rápido e constante das cidades e a necessidade de locomoção da população, houve um aumento considerável na frota de veículos em circulação, principalmente o de veículos particulares. Esse aumento fez com que a capacidade da rede urbana fosse ultrapassada, não comportando a alta demanda de veículos que circulam nas vias, tornando assim, o sistema de tráfego urbano defasado. Embora o transporte coletivo seja um serviço público essencial em qualquer centro urbano, a má prestação desse serviço compromete o desenvolvimento das cidades, impactando de forma negativa tanto na produtividade do espaço como na qualidade de vida da população. Com isso o processo de obrigações e responsabilidades das concessionárias de serviço público, bem como, as implicações para as deliberações em face do contrato de concessão do poder concernente, ou seja, o poder público na cidade de Manaus. Desta forma a concessão, a titularidade do serviço público permanece com o Estado, ao passo que a execução da atividade é atribuída ao setor privado, mediante acompanhamento e controle da Administração Pública. Para este fim, foram utilizados a jurisprudência, súmulas, enunciados e entendimentos de casos recorrentes que tem sido parâmetro para solucionar as divergências encontradas nas doutrinas, assim como doutrinas e artigos já publicados. A problemática do presente ensaio é conduzida em decorrência de fatos, onde o poder público não aplica as normas ao concessionário, em detrimento ao receio de refutação por parte do tomador do serviço, rumo à medida drástica a ponto de retirar de imediato o serviço. Não havendo outro meio, o poder público assume e se torna conivente com a situação atualmente vivida pela população e comprovada através dos meios de comunicação. A metodologia do estudo é o método indutivo. Com intuito de considerar à compreensão do processo de obrigações e responsabilidades das concessionárias de serviço público, bem como, as implicações para as deliberações em face do contrato de concessão do poder concernente, ou seja, o poder público na cidade de Manaus. O estudo seguiu 6 (seis) etapas que compreende: Sistema de Transporte Urbano; Evolução Histórica do Transporte Urbano no Mundo, Brasil e Manaus; Transporte Público Coletivo; Oferta do Sistema de Transporte Público em Manaus; Requisitos dos Serviços Públicos e Concessão de Transporte Público no Brasil e na Cidade de Manaus-Am.   1 Sistema de Transporte Urbano: Caminhos Doutrinários De acordo com Abiko (2011) que define, o transporte público como a parte essencial de uma cidade. Idealmente devem constituir o meio de locomoção primário em uma cidade, garantindo o direito de ir e vir de seus cidadãos. Além disso, ao utilizar o transporte público, o cidadão contribui para a diminuição da poluição do ar e sonora, do consumo de combustíveis fósseis não-renováveis e para a melhoria da qualidade de vida urbana, uma vez que menos carros são utilizados para a locomoção de pessoas. Para Silva et al (2006) o sistema de transporte coletivo é o conjunto de linhas, infraestrutura e equipamentos que viabilizam o serviço de transporte coletivo que, por sua vez, é a categoria de serviço público de transporte de passageiros, realizado de forma sistemática, com horários e itinerários definidos. Segundo Bagnaschi (2012) o transporte público, coletivo ou de massa são denominações utilizadas. Hoje no Brasil, os sistemas de transporte público urbano mais utilizados são: o Ônibus, o Bus Rapid Transit – BRT que quer dizer transporte rápido por ônibus, o veículo leve sobre trilho – VLT, o Monotrilho e o Metrô. Naganuma (2016) cita que, o transporte urbano ou transporte coletivo é um meio de transporte fornecido por empresas públicas ou privadas onde numa cidade é providenciado o deslocamento de pessoas de um ponto a outro dentro da área dessa cidade. Parra (2005) alega que, o transporte urbano compõe o conjunto de serviços públicos (água, luz, esgoto) essenciais para o desenvolvimento das cidades, destacando-se dentre os demais. Logo, as áreas urbanas de médio e grande porte geralmente são dotadas de algum tipo de transporte coletivo seja administrado pela prefeitura local ou através de concessão de licenças muitas vezes subsidiadas. Carvalho et al (2013) abordam que o transporte coletivo urbano é fornecido principalmente para servir àqueles que não possuem meios de adquirir um veículo para sua locomoção e precisam percorrer longas distâncias até o seu local de trabalho e também para diminuir a poluição que esses carros provocariam. Rodrigues (2008) considera que, o transporte público possui a importante função de integrar os diversos espaços urbanos, permitindo que as pessoas se desloquem até seus postos de trabalho, estudo, saúde e lazer, além de propiciar oportunidades de consumo, influenciando, assim, no desenvolvimento de diversas atividades econômicas e sociais. De acordo com Azambuja (2002), a eficiência no sistema de transporte coletivo beneficiará não só empresas e órgão gestor, que captarão um maior número de passageiros e, portanto, maior receita, mas principalmente o usuário, que terá um serviço à sua disposição compatível com suas necessidades e seus recursos monetários. Observa-se que, a escolha de um sistema de transporte coletivo a ser implantado em uma determinada cidade – que possui características próprias – tende a levar em consideração diversos fatores ambientais, econômicos, sociais, culturais e geográficos, destacando-se as seguintes características: – a disponibilidade de determinado sistema; – a preferência por determinado sistema; e – a qualidade do serviço prestado. Segundo Rodrigues (2008), apesar dos avanços ocorridos nas últimas décadas, no que se refere à tecnologia dos veículos, a infraestrutura viária e a modernização das empresas operadoras, o transporte público no Brasil ainda enfrenta problemas que comprometem sua qualidade. Parra (2005) cita que, os problemas referentes a esse serviço têm gerado grandes desperdícios em termos de tempo de espera, custos de deslocamento, poluição, acidentes dentre outros. Essas características tendem a se agravar, impactando de forma negativa tanto na produtividade do espaço urbano quanto na qualidade de vida da população.   2 Historicidade do Transporte Urbano: Cenário Internacional e Nacional (Manaus – AM) Nesta abordagem partiu pela evolução histórica do transporte urbano no Mundo, Brasil e em Manaus, com a cronologia de cada época e local mostrando a origem deste meio de transporte, neste período para melhor entendimento da temática. No mundo, o transporte coletivo de acordo com Arize (2009) iniciou-se em 1662 na França, criado por Pascal e funcionou por 15 anos até o Parlamento restringir o uso apenas àqueles que tivessem “condições” já que a tarifa foi aumentada de cinco para seis centavos. Ainda Arize (2009), relata que em 1826, 150 anos depois, foi retomado o conceito de transporte público com a criação do ônibus por Baudry, também na França, seguindo os mesmos critérios definidos por Nantes que, aliás, são adotados até hoje pelos mais modernos sistemas de transporte público, isto é, rotas pré-definidas, cada passageiro paga pelo seu lugar, à área da cidade subdividida em setores, caso mude de setor deve pagar nova passagem. Em 1863 foi inaugurada a primeira linha de metrô em Londres. Paris inaugurou metrô em 1900. Lisboa em 1959. Assim, no Brasil, o transporte coletivo segundo Fontenele (2005) iniciou com o advento do período industrial foram surgindo novos meios de locomoção, logo passaram a existir outros tipos de meios de transporte como bicicleta (1839), motocicleta (final do século XIX), trem suburbano e metrô (1863), carro (final do século XIX), ônibus movido a gasolina (1890); movidos a diesel (1920), movidos a energia elétrica (trolebus de 1950). A primeira linha de metrô foi criada em São Paulo em 1974. Visando um rápido processo de reorganização do transporte público em todo o Brasil, com o advento da Copa em 2014, cresce a busca por alternativas mais eficientes e adequadas às realidades econômicas e possibilidades locais, com baixo investimento e implantação rápida, que visem suprir necessidades. Levando em consideração que a cidade de Manaus está em constante expansão e, com isso, a demanda dos serviços públicos (dentre eles, o transporte coletivo). Em Manaus segundo Magalhães (2014) o transporte coletivo urbano de Manaus surgiu através de bondes, ônibus de madeira e metálicos, além também da utilização das catraias. Eram embarcações que suportavam entre 10 e 20 passageiros e que ajudaram a encurtar a distância entre os moradores do Educandos e São Raimundo para a zona urbana de Manaus.   3 Transporte Público Coletivo: Estudo das Atribuições Segundo Azambuja (2002) o transporte coletivo urbano e rural é de competência exclusiva do Município, como serviço público de interesse local. Esse serviço tanto pode ser executado diretamente pela Prefeitura, como por autarquia municipal, por entidade paraestatal do Município ou por empresas particulares, mediante concessão ou permissão. Segundo Abiko (2011) A modalidade usual para a delegação do transporte coletivo municipal tem: A modalidade usual para a delegação do transporte coletivo municipal tem sido a concessão, mediante Lei autorizativa, a regulação do serviço por decreto e a concorrência para a escolha da melhor proposta. O Município estabelece a forma de implantação e de operação dos serviços, assim como as tarifas, que são estabelecidas por ato do prefeito. O transporte intermunicipal é de competência dos Estados-federados, e o transporte interestadual e internacional é de competência da União. O transporte urbano de passageiros também por rede de trens suburbanos; sendo basicamente intermunicipal, é de competência estadual. (ABIKO, 2011, p.18). Segundo Magalhães (2014), a oferta do transporte público na Cidade de Manaus é considerada pelo processo de urbanização tenha persistido e o número da população continue a crescer o transporte público estagnou. A única forma de locomoção em transporte público em Manaus são os ônibus. Embora tenham sido incorporadas outras opções como táxis, uber, mototáxis ou ônibus executivos, o transporte coletivo ainda é a principal alternativa, sendo a mais acessível à maior parte da população. Porém, mesmo com a importância que possuem ainda deixam a desejar em diversos aspectos. Assim como a cidade de Manaus, o transporte público passou por diversas mudanças durante o processo de urbanização. Entre o período de 1957 até 1980 foi iniciada a utilização do serviço de transporte coletivo, a partir da criação da Tansportamazon, uma empresa de iniciativa pública e privada. Na década de 80, após a implantação da Zona Franca, é criado o primeiro órgão de gestão do transporte urbano de Manaus, a Empresa Municipal de Transportes Urbanos (EMTU). (INSTITUTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES E MUNICÍPIO DE MANAUS, 2003). Em Manaus, o principal sistema de transporte coletivo é realizado por ônibus, que dividem as vias com os demais veículos. Segundo dados da Superintendência Municipal de Transporte Urbano – SMTU (2019), a frota é composta por 1.648 veículos coletivos e a idade média é de 7,6 anos, alguns dos veículos que fazem parte do sistema de transporte coletivo e que circulam pela cidade. Deste modo, as empresas precisariam renovar 8,33% da frota. Cada coletivo. O transporte coletivo é uma concessão pública da Prefeitura para os empresários. Onde deverá ocorre a fiscalização pela gestão do sistema Executivo Municipal em Manaus. Wendling (2018) relata que a Lei Orgânica do Município define que 25% da frota dever ser renovada todos os anos. Devendo vir ônibus novos todo mês. Na própria tarifa de ônibus já está embutido no cálculo o valor da depreciação, para cobrir o desgaste e a depreciação do valor do veículo. Com isso, cada usuário que paga a tarifa de ônibus está pagando uma parte de um ônibus novo. Segundo Bagnaschi (2012) a legislação municipal, principalmente a Lei Orgânica do Município, diz que a vida útil de cada ônibus é de 10 anos. Antes era de 07 anos. Após esse período deve ser substituído por ônibus novos. Uma vez que grande parte significativa da frota já ultrapassou esse limite. O sistema de transporte urbano na cidade deveria ser composto por o Bus Rapid Transit (BRT) traduzido Ônibus rápido de trânsito, novos terminais, paradas inteligentes, controle de semáforos, ciclovias e transporte aquaviário. Bagnaschi (2012) cita os requisitos dos serviços públicos, os serviços públicos devem ser prestados ao usuário, conforme cinco princípios: permanência, generalidade, eficiência, modicidade e cortesia. Se algum desses requisitos não for observado, é dever da administração pública intervir para restabelecer ou regular o funcionamento do serviço. O princípio da permanência impõe a continuidade do serviço, isto é, os serviços públicos não podem ser interrompidos. A generalidade impõe serviço igual para todos, sem nenhuma discriminação a quem o solicita. A eficiência obriga a atualização do serviço, procurando sempre a maximização de resultados com a melhor técnica possível; isso envolve a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e a expansão do serviço. (ABIKO, 2011, p.7). Segundo Bergman e Rabi, (2005) consideram que a remuneração dos serviços públicos são demandas em que o poder público, para fazer frente às suas responsabilidades, ou seja, aos seus fins administrativos, necessita de recursos financeiros. Estes recursos financeiros são obtidos através dos tributos e dos preços, constituindo a receita pública. De acordo com Abiko (2011) os serviços públicos urbanos podem então ser cobrados através de taxa ou tarifa. Inúmeras vezes existem confusão no emprego destes dois termos. Exemplificando, as empresas de saneamento cobram os seus serviços de distribuição de água e coleta de esgotos através de tarifas, o que não é correto, ela adota este procedimento, pois entende que o serviço é medido e individualizado. De acordo com Lopes Meirelles (2008) tanto a taxa como a tarifa devem cobrir satisfatoriamente os custos da prestação dos serviços, incluindo investimento, manutenção, operação e expansão. Quando a população tem uma renda insuficiente para arcar com taxas ou tarifas, podem-se instituir os subsídios. Naganuma (2016) nota, que a política de explicitação destes subsídios é fundamental para que os usuários saibam aquilo que está sendo pago cobre os custos ou se está sendo embutido um subsídio. Uma política explícita de subsídios obriga o poder público a manter um sistema de aferição de custos, com um levantamento atualizado dos mesmos. Para Azambuja (2002) denota as formas de prestação dos serviços públicos quanto a sua execução que é de responsabilidade da entidade competente instituída, tanto ao nível do Município, do Estado-federado ou da União; é esta entidade que regulamenta o serviço, isto é, controla e define a forma de sua prestação, obrigações, direitas e sua remuneração. O controle é o acompanhamento periódico e atento por parte da entidade instituída, verificando se o prestador do serviço está cumprindo, de modo satisfatório, com as obrigações assumidas. Seguindo a premissa Abiko (2011) aborda que, a concessão é a delegação da execução do serviço por lei e regulamentada pelo Executivo. É um acordo administrativo com vantagens e encargos recíprocos entre o concedente e o concessionário, em que se fixam as condições da prestação dos serviços. Abiko (2011) relata que na concessão existem os serviços concedidos e os serviços permitidos e os autorizados que consistem em: Os serviços permitidos são todos aqueles em que o Poder Público delega unilateralmente, através de um termo de permissão. A permissão, por sua natureza precária, presta-se à execução de serviços ou atividades transitórias, ou eventualmente permanentes. A prestação de serviços de transportes coletivos é caso típico de serviço permitido. A modalidade de delegação de serviço por autorização é aquela em que o Poder Público, por ato unilateral, consente na sua execução por particular, a fim de atender interesses coletivos instáveis ou emergências transitórias. São exemplos de serviços autorizados: serviços de táxi, de pavimentação de ruas por conta dos moradores, de guarda particular de estabelecimentos ou residências. Embora não sendo uma atividade pública típica, é conveniente que o Estado conheça e credencie os executores dos serviços autorizados, exercendo sobre eles o devido controle. (ABIKO, 2011, p.9). Mendonça e Holanda (2016) relatam que órgão da administração direta são os responsáveis pelos serviços prestados de forma direta ou centralizada são aqueles realizados por secretarias, departamentos e repartições da administração direta. A personalidade jurídica desses órgãos confunde-se com a da esfera de Poder Público que os acolhe. Lopes Meirelles (2008) cita que as secretarias, departamentos e repartições da administração direta constituem instrumentos de desconcentração dos serviços; a Administração executa centralizadamente, mas distribui os serviços entre vários órgãos para facilitar sua realização e acelerar a prestação do mesmo. Segundo Gasparini (2010) não há autonomia financeira ou patrimonial entre os órgãos da Administração Direta. Os investimentos e o custeio dos serviços provêm de recursos orçamentários, e as receitas operacionais são recolhidas ao caixa único do tesouro da esfera de governo a que pertence o órgão. São exemplos de órgãos da Administração Direta as diversas secretarias do Município de São Paulo: de Infraestrutura Urbana e Obras, de Habitação, de Saúde, de Abastecimento, de Desenvolvimento Urbano, Transportes, entre outras.   4 Possibilidade de Contrato com a Administração Pública No que tange a concessão de transporte público: na cidade de Manaus-Am, vale ressaltar antes desta abordagem a Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, conforme cita Brasil (1995). A Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências: A Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto Art. 2º. Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se: I – poder concedente: a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município, em cuja competência se encontre o serviço público, precedido ou não da execução de obra pública, objeto de concessão ou permissão; II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado; III – concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado; Art. 4º. A concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será formalizada mediante contrato, que deverá observar os termos desta Lei, das normas pertinentes e do edital de licitação. Art. 5º. O poder concedente publicará, previamente ao edital de licitação, ato justificando a conveniência da outorga de concessão ou permissão, caracterizando seu objeto, área e prazo. Capítulo II DO SERVIÇO ADEQUADO Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. Capítulo V DA LICITAÇÃO Art. 14. Toda concessão de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública, será objeto de prévia licitação, nos termos da legislação própria e com observância dos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório. Art. 15. No julgamento da licitação será considerado um dos seguintes critérios: (dada pela Lei nº. 9.648, de 1998); II – a maior oferta, nos casos de pagamento ao poder concedente pela outorga da concessão; (dada pela Lei nº. 9.648, de 1998); VI – melhor proposta em razão da combinação dos critérios de maior oferta pela outorga da concessão com o de melhor técnica; ou VII – melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas. (Incluído pela Lei nº. 9.648, de 1998); Art. 16. A outorga de concessão ou permissão não terá caráter de exclusividade, salvo no caso de inviabilidade técnica ou econômica justificada no ato a que se refere o art. 5o desta Lei. Art. 18. O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: I – o objeto, metas e prazo da concessão; XI – as características dos bens reversíveis e as condições em que estes serão postos nos casos em que houver sido extinta a concessão anterior; XIV – nos casos de concessão, a minuta do respectivo contrato, que conterá as cláusulas essenciais referidas no art. 23 desta Lei, quando aplicáveis; XV – nos casos de concessão de serviços públicos precedida da execução de obra pública, os dados relativos à obra, dentre os quais os elementos do projeto básico que permitam sua plena caracterização, bem assim as garantias exigidas para essa parte específica do contrato, adequadas a cada caso e limitadas ao valor da obra; (Redação dada pela Lei nº. 9.648, de 1998). Art. 21. Os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização, estarão à disposição dos interessados, devendo o vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital. Capítulo VI DO CONTRATO DE CONCESSÃO Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I – ao objeto, à área e ao prazo da concessão; IX – aos casos de extinção da concessão; I – estipular os cronogramas físico-financeiros de execução das obras vinculadas à concessão; e II – exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão. Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996. (Incluído pela Lei nº. 11.196, de 2005). Art. 26. É admitida a subconcessão, nos termos previstos no contrato de concessão, desde que expressamente autorizada pelo poder concedente. Art. 27. A transferência de concessão ou do controle societário da concessionária sem prévia anuência do poder concedente implicará a caducidade da concessão. Art. 27-A. Nas condições estabelecidas no contrato de concessão, o poder concedente autorizará a assunção do controle ou da administração temporária da concessionária por seus financiadores e garantidores com quem não mantenha vínculo societário direto, para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços. (Incluído pela Lei nº. 13.097, de 2015). Art. 28. Nos contratos de financiamento, as concessionárias poderão oferecer em garantia os direitos emergentes da concessão, até o limite que não comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação do serviço. Art. 28-A. Para garantir contratos de mútuo de longo prazo, destinados a investimentos relacionados a contratos de concessão, em qualquer de suas modalidades, as concessionárias poderão ceder ao mutuante, em caráter fiduciário, parcela de seus créditos operacionais futuros, observadas as seguintes condições: (Incluído pela Lei nº. 11.196, de 2005). Capítulo VII DOS ENCARGOS DO PODER CONCEDENTE Art. 29. Incumbe ao poder concedente: IV – extinguir a concessão, nos casos previstos nesta Lei e na forma prevista no contrato; VI – cumprir e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; Capítulo VIII DOS ENCARGOS DA CONCESSIONÁRIA Art. 31. Incumbe à concessionária: II – manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão; IV – cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão; Capítulo IX DA INTERVENÇÃO Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes. Art. 34. Cessada a intervenção, se não for extinta a concessão, a administração do serviço será devolvida à concessionária, precedida de prestação de contas pelo interventor, que responderá pelos atos praticados durante a sua gestão. Capítulo X DA EXTINÇÃO DA CONCESSÃO Art. 35. Extingue-se a concessão por: I – advento do termo contratual; II – encampação; III – caducidade; IV – rescisão; V – anulação; e VI – falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual. Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior. Art. 38. A inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do poder concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo, do art. 27, e as normas convencionadas entre as partes. II – a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão; Art. 39. O contrato de concessão poderá ser rescindido por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento das normas contratuais pelo poder concedente, mediante ação judicial especialmente intentada para esse fim.   Capítulo XII DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 41. O disposto nesta Lei não se aplica à concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens. I – levantamento mais amplo e retroativo possível dos elementos físicos constituintes da infraestrutura de bens reversíveis e dos dados financeiros, contábeis e comerciais relativos à prestação dos serviços, em dimensão necessária e suficiente para a realização do cálculo de eventual indenização relativa aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas emergentes da concessão, observadas as disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço ou a ela aplicáveis nos 20 (vinte) anos anteriores ao da publicação desta Lei; (Incluído pela Lei nº. 11.445, de 2007). (Vigência). Neste sentido Carvalho et al (2013) constata que evolução dos preços das tarifas de ônibus e dos gastos das famílias com o transporte Público Urbano nos últimos anos tem ocorrido no Brasil um crescimento acima da inflação das tarifas de transporte público por ônibus e um crescimento abaixo da inflação dos itens associados ao transporte privado. A fonte das informações é o levantamento de preços realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas principais aglomerações urbanas do país para o cálculo do Índice de Preços ao Consumidor (IPCA), sendo que os itens são mostrados de forma agregada para todo o país. Para Fontenele (2005) a concessão do transporte público em Manaus tem nuances específicas apresentando uma trajetória de 30 anos com os mesmos problemas no sistema de transporte. São praticamente as mesmas empresas e empresários, com as mesmas práticas. E o mesmo descaso da Prefeitura. Mendonça e Holanda (2016) denotam no que tange a prenuncia, a população é a mais prejudicada com as paralisações, com as greves, com os protestos dos motoristas e cobradores. Mas a Prefeitura é a maior responsável pela situação. Logo seguindo os princípios da lei de concessão, a Prefeitura é o Poder concedente. O transporte coletivo é uma concessão pública da Prefeitura para os empresários. Fato esse, o órgão fiscalizador deveria ser a gestão do sistema sendo o Executivo Municipal. Mas isso não acontece em Manaus. (INSTITUTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES E MUNICÍPIO DE MANAUS, 2003). Decreto nº. 2.637, de 5 de novembro de 2013. Dispõe sobre o Regimento Interno da Superintendência Municipal de Transportes Urbanos – SMTU e dá outras providências segundo PMM (2013). Atento estes fatos Ministério Público Estadual do Amazonas em detrimento do direito difuso e coletivo imiscuir-se no mister de interpor Ação Civil Pública em prol da população procurando estabelecer um transporte urbano com mínimo de qualidade para preserva a dignidade da pessoa humana, e que obedeça aos regramentos preceituados em Lei entre o poder concedente e os concessionários inibindo mazelas perniciosas do sistema corrompido atual que perdura por anos a fio. Conforme MPE-AM (2015) cita ação civil pública Civil Pública com Pedido de Antecipação de Tutela sobre licitação de concessão de Transporte Público em Manaus. Em atenção à representação do Sindicato dos Proprietários Alternativos e Executivos da Cidade de Manaus, foi instaurado pela Portaria nº. 035.2015/13ª PRODEPPP, o Inquérito Civil nº. 4397/2015 para apurar fraudes e nulidades no processo de Concorrência Pública nº. 001/2014-CEL/SMTU para outorga de permissão de serviço público para exploração de Transporte Público Coletivo de Passageiros nos modais Executivo e Alternativo no Município de Manaus. Verificados os atos oriundos de certidões falsas, que redundou na retirada de alguns licitantes da lista dos habilitados, várias outras denúncias foram apresentadas nesta 70ª Promotoria de Justiça, informando fatos que beneficiavam ou prejudicavam licitantes, assim como contaminavam o próprio processo. Das informações prestadas pela Superintendência Municipal de Transportes Urbanos, das colhidas pelos licitantes e interessados, assim como do exame dos autos desse processo licitatório, vários vícios de legalidade e de formalidades foram detectados, tendo o Ministério Público, através da Requisição nº. 065.2017.70, de 20/02/2017, de fls. 1053 dos autos do IC nº. 4397/2013, na tentativa de salvar esse processo licitatório, requisitado ao órgão licitante, a Secretaria Municipal de Transportes Urbanos de Manaus – SMTU, a realização de várias diligências para o saneamento do processo. Não tendo o órgão licitante, por sua Comissão Especial, atendido a requisição nº. 065.2017.70, que tinha o objetivo de corrigir os vários vícios de formalidade e de legalidade do processo licitatório, com base nos fundamentos do Despacho nº. 320.2017.70, de 25/07/2017, de fls. 1070/1083, encaminhou a Superintendência Municipal de Transportes Urbanos – SMTU a RECOMENDAÇÃO nº. 03.2017.70, de 25 de julho de 2017, de fls. 1085/1087, para que fosse feita a anulação do Processo de Concorrência Pública nº. 001/2014/CEL/SMTU, e que no prazo de 90 (noventa) dias fosse iniciado um novo processo de concorrência pública para outorga de permissão de serviço público para exploração de Transporte Público Coletivo de Passageiros nos modais Executivo e Alternativo, cujo prazo para início desse novo processo terminaria no dia 18 de dezembro de 2017. Transcorrido esse prazo e após alguns contatos com cobrança de posicionamento, finalmente o atual Superintendente da SMTU, no dia 02 de fevereiro de 2018, assinou e mandou publicar o ato anulando a Concorrência Pública nº. 001/2014-CEL/SMTU para outorga de permissão de serviço público para exploração de Transporte Público Coletivo de Passageiros nos modais Executivo e Alternativo no Município de Manaus, todavia até a presente data não iniciou o novo processo para essa concorrência pública, no que pese ter o Sr. Superintendente da SMTU, por meio de telefone e, em visita a esta Promotoria de Justiça, comunicado que já estava em andamento a formação de uma Comissão Especial para os trabalhos de uma nova concorrência pública. Esclareça-se que o transporte público de passageiros no Município de Manaus, nos modais “Alternativo”, criado pela Lei nº. 778, de 02 de julho de 2004, e “Executivo”, criado pelo Decreto nº. 8.488, de 30 de maio de 2006. A maioria das exigências impostas aos prestadores desse serviço público, previstas nos incisos dos artigos 7º e 8º, em seus incisos e §§, da Lei Municipal nº. 1.779/2013, não estão sendo cumpridas, assim como a Superintendência Municipal de Transportes Urbanos – SMTU não está observando as exigências obrigação da SMTU não está cumprindo as suas obrigações dispostas nos 9º, 10 e 11, desse Diploma Legal da Lei Municipal nº. 1.779/2013. A Superintendência Municipal de Transporte Urbano vem demonstrando incapacidade e ineficiência na condução da administração desse serviço público. Para se ter uma ideia do descaso a última fiscalização feita por esse órgão nos micro-ônibus que são utilizados para a execução dos serviços de transporte coletivo de passageiros, tanto nos modais executivo e alternativo, ocorreu no ano de 2012. E o que é pior, a SMTU não tem informação correta e precisa de quanto micro-ônibus e condutores estão prestando os serviços nesses dois modais, e que, pelas informações dos usuários estão sendo executados de forma irregular, perigosa, inclusive, em grande número, em veículos sem condições normais de uso, verdadeiros cacarecos, sucatas e ainda conduzidos por profissionais despreparados para a função. (MPE – AM, 2015).   Conclusão O referido artigo possibilita um estudo sobre concessão de serviços públicos, analisando a forma com que as empresas de Transportes Urbano Coletivos, da Cidade de Manaus, vêm diariamente prestando esse serviço aos seus usuários, que de uma forma direta ou indireta dependem desse transporte para sua locomoção, pois com o grande crescimento demográfico que tem sofrido a cidade de Manaus, tem-se a percepção que não há essa preocupação ou cuidado das concessionárias, em oferecer um melhor serviço e nem mesmo à preparação para a superação aos desafios impostos desse crescimento populacional desenfreado. Logo, se levanta o descumprimento da legislação pertinente a concessão de transporte público em Manaus, essa pesquisa objetivou contribuir para estudos que visem enfatizar o problema aqui discutido e apresentado, com a busca de conhecimento aprofundado, atual e de interesse para a comunidade, favorecendo que outras pesquisas e outros trabalhos com temas afins possam ser elaborados a partir desta pesquisa, principalmente no que tange a assuntos carentes de mais aprofundamentos. Fato, como é a própria situação da falta de fiscalização do poder público, sendo realizados por motoristas da esfera privada, sem amparo em qualquer ato que estabeleça a delegação feita pelo poder público, onde possa ser definidas obrigações, metas e responsabilidades na exploração desse serviço público, ou seja, não existe entre esses motoristas, que são autônomos informais, e o Município de Manaus, através de sua autarquia SMTU, nenhum ato formalizado, mesmo que seja precário, estabelecendo uma relação de transferência de obrigação e responsabilidade pela prestação do serviço. O transporte público é sem dúvida um modal deve oferecer o direito de ir e vir com mínimo de dignidade humana aos usuários e atenda com qualidade devida.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/concessao-de-servico-publico-sistema-de-transporte-urbano-na-cidade-de-manaus-am/
O Controle Judicial da Administração Pública e o Papel do Ministério Público
RESUMO: O Controle Judicial da Administração Pública e o papel do Ministério Público, tratando acerca da Normatização constitucional e legal, os Legitimados ativos e passivos do controle, os limites do controle judicial, atos, aspectos e objetos do controle, Instrumentos judiciais de controle, e a administração pública em juízo. O Controle Judicial da Administração Pública é função do Poder Judiciário sobre os atos administrativos exercidos pelos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Esse Controle, destarte, como o próprio nome já diz, é exercido exclusivamente pelos órgãos do Poder Judiciário e tem atuação sobre os atos administrativos praticados pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. Por conseguinte, assegura que esse tipo de controle poderá recair sobre qualquer ato da administração pública que tem a finalidade de garantir a atuação administrativa idônea e adstrita, porém, é vedado ao Poder Judiciário apreciar o mérito administrativo e restringe-se ao controle de legalidade e da legitimidade do ato impugnado.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como título: “O Controle Judicial da Administração Pública e o papel do Ministério Público”, destacando a existência de um controle, legitimados, limites e atos, além dos aspectos e objetos desse controle. E para o amplo e eficaz emprego da efetividade deste controle, faz-se necessário compreender a expansão do tema referente ao papel do Ministério Público. Notadamente, o estudo analisará o papel do Controle Judicial da Administração Pública que é função do Poder Judiciário sobre os atos administrativos exercidos pelos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), ou seja, o controle judicial é o poder de fiscalização que os órgãos do Poder Judiciário exercem sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário. O trabalho também objetiva analisar os artigos da Constituição Federal Brasileira, que estabeleceu normas para a concessão do Controle Judicial da Administração Pública, respectivamente, qualquer tema de Direito Administrativo, inclusive o do controle jurisdicional sobre a Administração, só pode ser notado e distribuído quando bem compreendido a noção contemporânea de Estado de Direito, com maior respeito da Administração a princípios e valores de natureza constitucional. Sobretudo no escopo do reconhecimento de direitos fundamentais, associado a tais ideias, é imprescindível concluir que atividade administrativa alguma pode retirar sua legitimidade de uma legalidade apenas evidente, eloquente e semântica. O administrador, mais do que nunca, é submisso não da lei, mas da ordem jurídica justa. A garantia dos direitos fundamentais promove a equidade, de modo a proporcionar justiça, consequentemente garantindo a efetividade da justiça em sentido amplo para todos os cidadãos brasileiros de forma rápida, eficiente e honesta. Compromete-se, ainda, a demonstrar a necessidade premente de uma melhor organização da estruturação do Poder Judiciário Nacional, na busca de uma verdadeira efetividade deste controle. Além de analisar as inovações relacionadas que visam à desburocratização, bem como a identificação a fim de sanar todos os obstáculos dos quais estes enfrentam. Consequentemente, analisar a submissão do administrador é o preço de uma real e verdadeira justiça administrativa, crescente e substancialmente garantida por um controle jurisdicional desenvolvido, reverente e preciso, pronto a corrigir imperfeições, a impedir desmandos e desgovernos e, em maior grau, a garantir a missão que lhe impôs, conforme o texto constitucional, o Estado Democrático e Social de Direito brasileiro. Destaca-se também da leitura da Carta Magna de 1988 o papel de destaque conferido ao Ministério Público, caracterizado como uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição Federal Brasileira de 1988 aproximou o Ministério Público do cidadão e, nessa dimensão eminentemente social, desobrigado de inúmeros vínculos com o Poder Executivo, cabe-lhe unir-se a outras forças e meios para combater os abusos da Administração Pública.   1 O CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 567) em seu livro Manual de Direito Administrativo, define: Controle judicial é o poder de fiscalização que os órgãos do Poder Judiciário exercem sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário. Ademais, conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p. 865) em seu livro Direito Administrativo, conceitua: O controle judicial constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos em que repousa o Estado de Direito. De nada adiantaria sujeitar-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitam apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados. Controle Judicial da Administração Pública é função do Poder Judiciário sobre os atos administrativos exercidos pelos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). O Poder Judiciário se inclui quando este realizar a função administrativa. Esse Controle, portanto, como o próprio nome já diz, é exercido exclusivamente pelos órgãos do Poder Judiciário e tem atuação sobre os atos administrativos praticados pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. Deste modo, assegura que esse tipo de controle poderá recair sobre qualquer ato da administração pública que tem a finalidade de garantir a atuação administrativa idônea e adstrita, porém, é vedado ao Poder Judiciário apreciar o mérito administrativo e restringe-se ao controle de legalidade e da legitimidade do ato impugnado. Pode-se afirmar que, em razão do Direito Brasileiro ter adotado o sistema da jurisdição una, o Poder Judiciário tem o domínio da função jurisdicional, quer dizer, do poder de apreciar, com força de coisa julgada lesão ou ameaça de direitos fundamentais, no caso dos direitos individuais e coletivos. Graças a adoção do sistema da jurisdição una, fundamentado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal Brasileira, no direito brasileiro, o Poder Judiciário deverá apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito, mesmo que o autor da lesão seja o poder público. Distanciou-se, portanto, o sistema da dualidade de jurisdição em que, simultaneamente ao Poder Judiciário, existem os órgãos do Contencioso Administrativo que exercem, com aquele, função jurisdicional das lides, dos conflitos que a administração pública seja parte interessada. Com fulcro no art. 5º, XXXV, e 37, caput, da Constituição Federal Brasileira: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:  (…) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (…) Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (…) (BRASIL, 1988). A origem do controle é do Poder Judiciário, exercido de maneira exclusiva pelos seus órgãos. No sistema de equilíbrio de Poderes, o Poder Judiciário assume o importante encargo de examinar a legalidade e a constitucionalidade de atos e leis, que representa, o poder jurídico por excelência, sempre afastado dos interesses políticos que figuram frequentemente nos Poderes Executivo e Legislativo com fulcro no art. 2º, da Constituição Federal Brasileira, quer dizer, apesar da existência do princípio da separação de poderes, a administração pública está sujeitada aos controles exercido pelos três poderes, como exposto anteriormente. Segundo o dicionário Aurélio Jurisdição é definido como sendo: Faculdade de aplicar as leis e de corrigir os que as quebrantam/ Atribuições do magistrado/ Área em que se tem jurisdição/ Alçada/ Competência/ Poder e Influência. (AURÉLIO, 2018, p.01). Já com fulcro no Dicionário Online Português Jurisdição é definido como sendo: Poder ou direito de julgar/ Extensão territorial em que atua um juiz. (DICIO, 2018, p.01). A jurisdição é una e indivisível, sua classificação é apenas para fins didáticos (organização do Poder Judiciário). Atualmente, o Estado é dividido com fulcro na Organização dos Poderes embasado de acordo com o Princípio da Separação de Poderes, portanto, não separa os poderes, mas suas funções e atribuições. Por outro lado, segundo o dicionário Aurélio Judiciário é definido como sendo: “Relativo a justiça ou a juiz”. (AURÉLIO, 2018, p. 01). Já com fulcro no Dicionário Online Português Judiciário é definido como sendo: “Poder Judiciário/ órgão governamental responsável pela aplicação das leis regulamentadas pela Constituição”. (DICIO, 2018, p. 01). Instituições do Poder Judiciário o realizam por intermédio de ações próprias, a exemplo do mandado de segurança, do mandado de injunção, do habeas corpos, do habeas data, da ação popular e da ação civil pública. Atribuem-se como meios de controle dos atos administrativos as vias processuais da Justiça Comum, com os procedimentos ordinário, sumário e especial, os quais qualquer cidadão que se sinta ameaçado ou lesado pela prática dos atos da Administração Pública, ou ainda que vise à proteção dos interesses coletivos ou difusos, no caso da ação popular ou da ação civil pública, e ainda pelo uso da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade. No caso de abuso ou ato de ilegalidade que atinja direito individual praticada pela Administração Pública, quem se sentir lesado poderá impetrar mandado de segurança. De outro lado, pode ser impetrado mandado de segurança coletivo para defesa de interesses referentes aos integrantes de partidos políticos, além do mandado de injunção quando alguém se sentir prejudicado pela falta de alguma norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e habeas data para que qualquer pessoa tenha acesso aos registros públicos que lhe concernem perante as repartições públicas. Poderá ser proposta ação direta de inconstitucionalidade para aferir se determinada lei se encontra em consonância com os preceitos normativos constitucionais, ou a ação declaratória de constitucionalidade para que se afaste qualquer dúvida sobre a constitucionalidade ou não de determinada lei, dentre outras ações ordinárias que podem ser ajuizadas pelo particular em face da Administração Pública, tais como ações possessórias, ações monitórias e de cobrança, etc. Conclui-se, estes são alguns meios que podem ser utilizados, tanto pelos particulares como por outras entidades, para o controle sobre os atos administrativos, chegando até mesmo a invalidação destes. Portanto, por todos, esses aspectos, o Poder Judiciário é um dos três poderes do Estado moderno na divisão preconizada por Montesquieu em sua teoria da separação dos poderes. É exercido pelos juízes e possui a capacidade e a prerrogativa de julgar, de acordo com as regras constitucionais e leis criadas pelo poder legislativo em determinado país. As funções essências do Poder Judiciário com fulcro nos artigos 92 a 100, da Constituição Federal Brasileira, são, dentre eles: jurisdição (Função Típica), legisla (Elabora seu Regimento Interno) e administrativa (Orçamento Próprio). De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2017, p. 567) em seu livro Manual de Direito Administrativo, expõe: Com a EC nº 45/2004, que acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º, da CF (que relaciona os direitos e garantias fundamentais), o controle judicial deve sujeitar-se ao princípio da eficiência, sendo assegurado a todos a duração aceitável e tramitação célere dos processos, porque somente assim será resguardado o princípio do acesso à justiça, contemplado no art. 5º, XXXV, da Carta vigente. Depois de promulgada a EC no 45/2004 (reforma do Judiciário), na qual foi previsto o sistema de súmulas vinculantes, com o objetivo de reduzir o número de processos judiciais e acelerar sua solução, foi editada a Lei no 11.417, de 19.12.2006, para regulamentar o aludido sistema (…). A relevância do controle judicial é mais notória, no caso significativa, se consideramos os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira. O Poder Judiciário, por ser considerado um poder paralelo do interesse das pessoas públicas e privadas, assegura sempre um julgamento em que o único fator de motivação é a lei ou a Constituição. Portanto, quando o Poder Legislativo e o Poder Executivo se desvinculam de seu padrão, medida e critério ofendem os direitos individuais e coletivos. Como resultado, o controle judicial vai restaurar a situação de legitimidade, sem que o mais simples indivíduo seja prejudicado pelo influente poder estatal. O controle judicial recaí notadamente sobre a atividade administrativa estatal, podendo ser desempenhado por qualquer poder, além de atingir basicamente os atos administrativos do Poder Executivo, mas também examina os atos do Poder Legislativo e do próprio Poder Judiciário, no qual se desempenha a atividade administrativa em grande quantidade. Afirma-se que o exercício do controle administrativo é extremamente importante para a limitação, de forma lícita, a atuação do poder público, impedindo que a administração haja com arbitrariedade e autoritarismo. Os atos administrativos submetidos ao controle especial são:  atos políticos, os atos legislativos típicos e os atos interno corporis. Os sistemas de controle é o conjunto de instrumentos contemplados no ordenamento jurídico que têm por finalidade fiscalizar a legalidade dos atos da Administração, que tem como principal função evitar que a atividade administrativa, tanto no âmbito interno quanto aos administrados, fique desprovida de controle de legalidade, esses sistemas sofrem algumas variações. Vale ressaltar, que são 2 (dois) sistemas, basicamente: o sistema do contencioso administrativo e o sistema da unicidade de jurisdição. O controle judicial sobre os atos administrativos é exclusivamente de legalidade, quer dizer, o Poder Judiciário tem o poder de confortar qualquer ato administrativo com a lei ou com a constituição, declarando a sua invalidação de modo a não permitir que continue produzindo efeitos ilícitos. Os instrumentos de controle são 2 (dois), dentre eles: Meios Inespecíficos de Controle Judicial da Administração, são os representados por aquelas ações judiciais de que todas as pessoas se podem socorrer, quer dizer, por aquelas ações que não exijam necessariamente a presença do Estado em qualquer dos polos da relação processual e os Meios Específicos de Controle Judicial, são aquelas ações que exigem a presença no processo das pessoas administrativas ou de seus agentes. Esses meios se caracterizam pelo fato de que foram instituídos visando exatamente à tutela de direitos individuais ou coletivos contra atos da autoridade, comissivos e omissivos. Percebe-se, não apenas os atos praticados pela administração serão objeto de controle, mas também as suas omissões quando resultadas de instruções normativos e preceitos constitucionais que deveriam serem cumpridos pela Administração Pública.   2 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O Controle Judicial de Políticas Públicas tem como princípio basilar o Ministério Público, pois através dos instrumentos constitucionais, possuem a virtude de assegurar os direitos sociais, além do controle e fiscalização dos atos da administração pública com fulcro no artigo 129, da Constituição Federal Brasileira, que enumera as principais funções do Ministério Público:   Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – Promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II – Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia; III – Promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV – Promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V – Defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI – Expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII – Exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – Requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX – Exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.   A autonomia e a independência funcional conferidas aos membros do Ministério Público, permitem o efetivo exercício de suas funções, de modo dinâmico e combativo, na defesa imparcial da ordem jurídica, da democracia e dos interesses da sociedade. Atualmente, o Ministério Público vem ganhando cada vez mais espaço de destaque, não apenas na organização do Estado, mas na própria sociedade, pois enquanto instituição permanente de defesa da cidadania, é órgão de controle da Administração Pública e tem como atribuição zelar pela implementação de políticas e serviços públicos de qualidade. Portanto, o mesmo deverá atuar no momento do mau funcionamento do serviço público, dentre outros, com fulcro nos artigos 127 a 130, da Constituição Federal Brasileira. A importância do papel do Ministério Público ao atuar tanto em meios extrajudiciais quanto judiciais, para o oferecimento da ação civil pública como instrumento desse controle judicial de políticas públicas, uma vez que a própria constituição concedeu prerrogativas e deveres aos promotores públicos para a proteção dos direitos individuais e coletivos indisponíveis. O Ministério Público se adequa neste meio, com o papel fiscalizador, pois, enquanto instituição permanente de defesa da cidadania é órgão de controle da Administração Pública e tem como dever e obrigação, zelar pela cidadania e legalidade no âmbito da fiscalização dos Tribunais de Contas. Para efetuar o controle sobre a Administração Pública e de políticas públicas, antes de ingressar judicialmente, o Ministério Público poderá valer-se dos meios extrajudiciais de que possui, dentre ele: a instauração de procedimentos administrativos e inquéritos civis, expedição de recomendação, celebração de termo de ajustamento de conduta e promoção de audiências públicas. Além destas, Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 947) dispõe com exatidão a ação direta de inconstitucionalidade como modalidade de controle judicial da Administração, posto que, está visa a retirar do ordenamento jurídico as leis ou atos do Poder Público incompatíveis com a Constituição. Vale ressaltar, esta regulada na Lei nº 9.868/99. Inteirando, pretendeu o constituinte de 1988 que o Ministério Público, instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, ficasse incumbido da defesa da ordem jurídica e do regime democrático com fulcro no art. 127, caput, da Constituição Federal Brasileira. Não é difícil compreender, que, de lege lata, pode e deve o Ministério Público invocar a prestação jurisdicional no controle da legalidade, legitimidade, competência, finalidade e forma dos atos administrativos dos tribunais. Segundo o conceituado Hely Lopes Meirelles nos diz que, segundo o Poder, órgão ou autoridade que o exercita, o controle será interno (se exercido dentro do âmbito da própria entidade ou órgão responsável pela atividade controlada) ou externo (quando realizado por órgão estranho a Administração responsável pelo ato controlado), caracterizando forma mista de controle. De acordo com a eficiência, o controle externo se mostra em vantagem sobre o outro. Contudo, não se encontrou, ainda, uma fórmula de controle externo do Poder Judiciário compatível com a sua indispensável independência. Portanto, o controle interno atual não produz os resultados requeridos.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se, a possibilidade de a Administração Pública transacionar em Juízo, historicamente enfrentou barreiras quase que intransponíveis, alicerçadas especialmente no princípio da indisponibilidade do interesse público, porém, esse ponto de vista vem evoluindo mesmo que tardiamente, conforme a evolução da sociedade, do direito e da própria figura de Estado, e com aumento de poderes, a jurisdição passou a ter mais responsabilidades, pois surge a função de concretizar os direitos e deveres estabelecidos constitucionalmente, principalmente do ponto de vista do reconhecimento de direitos fundamentais, associado a tais ideias, é imprescindível concluir que atividade administrativa alguma pode retirar sua legitimidade de uma legalidade apenas evidente, eloquente e semântica. O administrador, mais do que nunca, é submisso não da lei, mas da ordem jurídica justa. A garantia dos direitos fundamentais promove a equidade, de modo a proporcionar justiça, consequentemente garantindo a efetividade da justiça em sentido amplo para todos os cidadãos brasileiros de forma rápida, eficiente e honesta. A figura do Estado de Direito, busca-se uma contextualização nacional da Administração Pública, desde seu primórdio Patrimonialista, passando pelo seu período Burocrático, até chegar-se ao Gerencial, com a inserção do princípio da eficiência com fulcro no artigo 37, caput, da Constituição Federal Brasileira, portanto, a integração do Estado Democrático de Direito à Administração Pública Gerencial, resulta numa nova perspectiva de Administração, surtindo reflexos diretos na sua atuação em juízo, feita pela Advocacia Pública. Constata-se, a submissão do administrador é o preço de uma real e verdadeira justiça administrativa, crescente e substancialmente garantida por um controle jurisdicional desenvolvido, reverente e preciso, pronto a corrigir imperfeições, a impedir desmandos e desgovernos e, em maior grau, a garantir a missão que lhe impôs, conforme o texto constitucional, o Estado Democrático e Social de Direito brasileiro, além da importância conferido ao Ministério Público atribuído pela Constituição Federal Brasileira de 1988, caracterizado como uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, dentre outras atribuições. Vale ressaltar, a Constituição Federal Brasileira de 1988 aproximou o Ministério Público do cidadão e, nessa dimensão eminentemente social, desobrigado de inúmeros vínculos com o Poder Executivo, cabe-lhe unir-se a outras forças e meios para combater os abusos da Administração Pública.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-controle-judicial-da-administracao-publica-e-o-papel-do-ministerio-publico/
Comparação das formas jurídico-institucionais da Administração Pública Indireta
O presente trabalho destaca, a partir de uma análise da realidade em uma unidade de transportes, as situações práticas encontradas na execução do transporte de servidores, alunos e cargas em uma universidade federal, as características relacionadas aos modelos de contratação de serviços terceirizados em comparação com as limitações da contratação direta da administração pública federal.
Direito Administrativo
A governança e a sustentabilidade são destacadas como elementos atuais de exigências da sociedade e consideradas necessárias para a estruturação de modelos da administração pública. A comparação das características públicas e privadas entre as formas jurídico-institucionais delimita a Fundação Estatal de Direito Privado como modelo que atende as necessidades de flexibilidade e agilidade para reduzir as limitações de contratação da Administração Pública Direta, utilizando direito privado e mantendo as exigências quanto à governança e sustentabilidade no âmbito do controle e objetivos mantidos pela Administração Pública Direta. A Fundação Estatal de Direito Privado supera as limitações de burocracia da Administração Pública Direta em relação à questões de insegurança jurídica decorrente da terceirização. Palavras-chave: Administração Pública Indireta, Fundação Estatal de Direito Privado, Desestatização. Abstract: This paper highlights, based on a series of data in a series of tasks, as the practical sessions related to the provision of services of matriciamento, reprocessing of university students, as characteristics related to the models contracted outsourced services. Comparison with the direct arbitration of the federal public administration. A survey presents as legal-institutional data sources for the management of administrative resources, whereas the control and execution statistics in relation to public and private models. Governance and sustainability are highlighted in the organization of society and public administration. The existence of probability statistics of flexibility and flexibility can reduce the probability of governance and sustainability in the domain and control of direction. The State Foundation of Private Law has as attribution of Public Administration bureaucracy the relation with the security issues and regulation of the outsourcing. Keywords: Indirect Public Administration, State Foundation of Private Law, Privatization.   SUMÁRIO INTRODUÇÃO. METODOLOGIA. EMBASAMENTO TEÓRICO. LEGISLAÇÃO. DIAGNÓSTICO GERAL. CONSIDERAÇÕES FINAIS. BIBLIOGRAFIA.   INTRODUÇÃO O objeto dessa pesquisa foi elaborado a partir da análise da estrutura de funcionamento de quatro formas jurídico-institucionais: Fundação Privada de Direito Privado, Administração Pública Municipal, Administração Pública Estadual e Administração Pública Federal a partir de uma vivência laboral e análise da estrutura organizacional. Fundação Privada de Direito Privado Análise da estrutura de transporte de funcionários e cargas: Características: Administração Pública Municipal Análise da estrutura de transporte de funcionários e cargas: Características: Administração Pública Estadual Análise da estrutura de transporte de funcionários e cargas: Características: Administração Pública Federal Análise da estrutura de transporte de funcionários e cargas: Características: As situações encontradas levam a pesquisa de um modelo jurídico-institucional que atenda as demandas da comunidade de forma ágil e com qualidade (com relação aos equipamentos e recursos humanos) com o melhor aproveitamento dos recursos financeiros levando um pagamento salarial e de benefícios aos prestadores de serviços, evitando desperdícios decorrentes do lucro existente na intermediação administrativa dos contratos terceirizados de prestação de serviços, gestão de recursos humanos e venda produtos.   METODOLOGIA A pesquisa consiste em investigar as formas jurídico-institucionais existentes na legislação pública nacional analisando as características estruturais de controle exercidos pela administração pública direta, privada ou mista e execução fundamentadas por regras do direito público ou privado. A estrutura da pesquisa baseia-se na análise documental de leis, livros e artigos sobre temas e tópicos na área da governança e sustentabilidade, elementos destacados pela administração pública e pela sociedade como relevantes, e das formas jurídico-institucionais definidas, organizando as características das entidades em públicas e privadas, tomando como base a relação de controle e execução. Os dados obtidos decorrentes da análise de leis e obras foram organizados de forma sistemática a partir da busca de atender ao objetivo definido quanto a dicotomia entre público e privado realizando a seleção de trechos, organizando e estruturando de forma a agrupar as informações existentes em dois grandes grupos: público e privado, e a área de interseção dos modelos foi definida como misto. “Desse modo, a obtenção de informações e variáveis sobre a temática central foi realizada por meio de análise sistemática, ou seja, uma revisão a partir de uma busca planejada com o intuito de responder ao objetivo proposto e que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar, coletar e avaliar criticamente os estudos incluídos na revisão. (CASTRO, 2001). (KUZMA, DOLIVEIRA e SILVA, 2017)” A partir da vivência laboral em uma instituição pública de educação, especificamente em uma unidade de transporte de passageiros e cargas, foi possível identificar as dificuldades administrativas decorrentes do modelo de gestão da administração direta, modelo primarizado, e também do uso da contratação de empresas privadas, terceirização, para fornecimento de recursos humanos, manutenção e abastecimento para desenvolvimento das atividades da unidade. As dificuldades administrativas encontradas destacam-se com relação ao controle na diversidade de contratos de prestação de serviços, com repetição de estruturas administrativas gerando demanda para administrar e fiscalizar. Com relação a execução dos serviços na perda de qualidade em decorrência dos contratos de terceirização serem efetivados privilegiando a economicidade o que reduz a capacidade de remuneração dos prestadores de serviço, funcionários, e restringindo a capacidade de treinamento. A análise das referências teóricas buscou identificar elementos socioculturais quanto a governança e sustentabilidade que direcionam a influência da sociedade na administração pública, corroborados em leis, regulamentações e orientações que direcionam as práticas da gestão pública atual. A fonte de informações primárias foi definida a partir de uma pesquisa da existência de modelos primarizado (próprio) e/ou terceirizado (privado) realizada em Universidades Federais e Institutos Federais da região sul do Brasil. Como fonte de informações secundárias a pesquisa utilizou conteúdos oriundos de livros e artigos de pesquisadores relacionados com leis, normatizações e metas definidas pela administração pública. A análise dos dados levou em consideração uma busca quantitativa em relação as características públicas e privadas existentes nos modelos jurídico-institucionais disponíveis para serem utilizados pela administração pública para implantação de estruturas de administração indireta. Quanto à validação da pesquisa, o embasamento teórico visa a coerência entre os conceitos de governança e sustentabilidade com a legislação e normatizações vigentes e, em relação as características legais das formas jurídico-institucionais, focando nas características público e privadas. As características públicas e privadas são atribuídas a cada forma jurídico-institucional em relação a itens de controle e execução visando diferenciar a administração pública direta, indireta e privada, criando um gráfico para identificação das diferenças estruturais entre as formas jurídico-institucionais.   EMBASAMENTO TEÓRICO A governança surge nas discussões da área corporativa com a captação de recursos para ampliação das empresas e a divisão do controle individual, do fundador ou família, para o compartilhamento do controle, a partir da venda ou investimentos representado em participações na empresa, criando a categoria de investidores, acionistas e posteriormente a literatura ampliando a compreensão e atuação com a nominação de stakeholders. O termo Stakeholder possui criação atribuída ao filósofo Robert Edward Freeman ao se referir aos “grupos que sem seu apoio a organização deixaria de existir”, possui hoje a compreensão como pessoa ou grupo que possui participação, investimento, ações ou influência em uma determinada empresa ou negócio, sendo possível ser utilizando no ambiente público e privado. “Governança corporativa: pode ser entendida como o sistema pelo qual as organizações são dirigidas e controladas (CADBURY, 1992; ABNT NBR ISO/IEC 38500, 2009). Refere-se ao conjunto de mecanismos de convergência de interesses de atores direta e indiretamente impactados pelas atividades das organizações (SHLEIFER; VISHNY, 1997), mecanismos esses que protegem os investidores externos da expropriação pelos internos (gestores e acionistas controladores). (LA PORTA et al., 2000). (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2014).” A governança representa as medidas de fiscalização, monitoramento e controle dos stakeholders sobre a empresa, efetivadas pelo acesso a informação, visando proteger seu investimento e manter a empresa produzindo lucros que vão remunerar os acionistas. “Governança no setor público refere-se, portanto, aos mecanismos de ava­liação, direção e monitoramento; e às interações entre estruturas, processos e tradições, as quais determinam como cidadãos e outras partes interessadas são ouvidos, como as decisões são tomadas e como o poder e as responsabilidades são exercidos (GRAHN; AMOS; PLUMPTRE, 2003). Preocupa-se, por conseguinte, com a capacidade dos sistemas políticos e administrativos de agir efetiva e decisivamente para resolver problemas públicos. (PETERS, 2012). (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2014).” Partindo do conceito de Governança Corporativa para compreender a Governança Pública é possível equivaler a empresa ao estado, a administração pública de uma forma geral, e a influência dos stakeholders pode ser compreendida pela interferência dos cidadãos, de forma individual ou representa por grupos, classes, associações ou partidos, buscando acessar informações, fiscalizar o uso das estruturas, aplicação de recursos e prestação de serviços públicos. Dessa forma é possível compreender a governança pública originada na Governança Corporativa como forma de analisar e solucionar os problemas decorrentes da relação entre “proprietários”, acionistas, stakeholders e gestores de uma empresa, quanto a busca acesso às informações sobre o funcionamento para direcionarem, de acordo com o direito de voto ou participação na propriedade da empresa, as metas e objetivos visando proteger seus investimentos e lucros futuros. A governança pública realiza os seus objetivos ao proporcionar ferramentas para os stakeholders, cidadãos, “garantirem” a melhor aplicação dos seus “investimentos”, representados nas contribuições (impostos, taxas, licenças) para produzirem “lucro” em forma de melhorias e benefícios referentes a qualidade de vida da sociedade. Governança é a capacidade que determinado governo tem para formular e implementar as suas políticas. Políticas é a gestão das finanças públicas, gerencial, e técnica, entendidas como as mais relevantes para o financiamento das demandas da coletividade. (grifo nosso) (MATIAS-PEREIRA, 2016) O conceito de governança trazido por Matias-Pereira está ligado à capacidade do Estado em desenvolver suas atividades e atender as determinações legais, expressadas nos Princípios Fundamentais da Constituição Federal, e as demandas da coletividade (sociedade) visando adequar os modelos de administração pública de acordo com a cultura, tecnologia e situações político-econômicas atuais que orientam as ações dos representantes públicos. A governança está presente na administração pública com a implantação de leis exemplificadas em: Código de Ética do Servidor, Lei da Responsabilidade Fiscal, Lei de Acesso a Informação, regulamentações específicas do Tribunal de Contas da União, determinações do Ministério da Justiça e manifestações populares que influenciam as ações da administração pública visando um modelo de governança que atenda ao bem público em contraponto à ações que denotam favorecimento para determinados indivíduos e grupos sociais. “De acordo com Berle e Means (1932), que desenvolveram um dos primeiros estudos acadêmicos tratando de assuntos correlatos à governança, é papel do Estado regular as organizações privadas. (TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, 2014)” A partir dessa compreensão de estado como regulador das atividades privadas e públicas decorre a compreensão de Estado Mínimo, o que fundamenta diversas ações de terceirização, desburocratização e desestatização para retirar da administração pública a prestação de serviços não essenciais para a produção de ações relativas ao bem público, maximizando o potencial de gestão, fiscalização e controle. No modelo de Estado Mínimo a administração pública foca nas atividades consideradas exclusivas ao poder público, delegando a administração indireta e privada as atividades de execução de serviços não essenciais, autorizados por lei, definidos, por exemplo, por fins específicos para atuação de Fundação (BRASIL, 2015). Decorre dessa ação de “esvaziamento” dos serviços compreendidos como não exclusivos do Estado a criação de agências reguladoras, empresas públicas e fundações para realizar atividades não exclusivas com mais flexibilidade e agilidade. A inclusão da compreensão do conceito de sustentabilidade na cultura social como: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atenderem as suas necessidades e aspirações”, Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano – United Nations Conference on the Human Environment (UNCHE), que aconteceu em junho de 1972, em Estocolmo, traz à discussão a importância da preocupação com o uso consciente dos recursos do planeta, animais, plantas e relações humanas de forma a contribuir com manutenção das condições de sobrevivência humana em contraponto com uma exploração descontrolada e egoísta dos recursos do planeta e humanos. Savitz e Weber (2007) conceituam a expressão “desenvolvimento sustentável de organizações produtivas” como a busca de um equilíbrio entre o que é socialmente desejável, economicamente viável e ambientalmente sustentável. (KUZMA, DOLIVEIRA e SILVA, 2017) “A efetividade da compreensão da importância da sustentabilidade é comprovada a partir da introdução dos conceitos e objetivos nos projetos operacionais, relações humanas e produtos sustentáveis nas empresas que convergem com os interesses da população, do governo e das entidades de defesa do meio ambiente qualidade de vida. (MUNCK e SOUZA, 2009).” O objetivo da sustentabilidade se alinha com os objetivos constitucionais  definidos pelo: Art. 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, da Constituição Federal e, se materializa, com a criação de: Regulamentações: DECRETO Nº 7.746, DE 5 DE JUNHO DE 2012, estabelece critérios e práticas para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável; Metas: A3P – Agenda Ambiental na Administração Pública, estimula os órgãos públicos do país a implementarem práticas de sustentabilidade, Incentivos: Lei Nº 12.836/13 autoriza governos a criar incentivos para edificações urbanas e loteamentos que contam com práticas sustentáveis e Entes Administrativos: Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP, que tem por objetivo principal propor a implementação de critérios, práticas e ações de logística sustentável no âmbito da administração pública federal, objetivando o desenvolvimento nacional sustentável. Esses modelos para efetivação da sustentabilidade em ações demonstram a ampliação do reconhecimento da administração pública pela busca de uma sociedade com mais qualidade de vida com relação ao meio ambiente, relações sociais e econômicas, em contraste com os objetivos e metas anteriores de desenvolvimento econômico despreocupado com o impacto ambiental e social. “A partir da discussão do conceito primordial da sustentabilidade desenvolve-se a compreensão das áreas que compõe sustentabilidade organizacional (social, ambiental e econômica) necessitam de um desenvolvimento conjunto, com a finalidade de atingir um resultado que congrega as áreas expressadas pelo desenvolvimento sustentável representado na efetividade dos projetos, ações e resultados que estão de acordo com os preceitos da sustentabilidade. (CALLADO, 2010). (KUZMA, DOLIVEIRA e SILVA, 2017)” A sustentabilidade organizacional abrange o ambiente social, empresarial e público congregando valores culturais de uma sociedade que reconhece os valores apresentados pela sustentabilidade como necessários para a manutenção do desenvolvimento social e produção de qualidade de vida para a população. A Sustentabilidade organizacional representa a compreensão generalista da sustentabilidade transcendendo uma limitação relacionada ao meio ambiente como sendo apenas a terra, animais e plantas, e trazendo a reflexão sobre a relação entre toda a matéria e seres vivos que compõe o planeta Terra. A implantação dos conceitos de sustentabilidade organizacional representam a adequação do modelo de administração pública aos avanços tecnológicos, desenvolvimento educacional da população e valores atuais que direcionam a sociedade. Os objetivos que fundamentam a Governança e a Sustentabilidade compõem os Princípios Fundamentais da Constituição da República expressos nos artigos 1º ao 4º, orientando a responsabilidade dos cidadãos e seus representantes. Com o intuito de estabelecer formas para atingir esses objetivos e controlar os desvios que surgem na constante disputa entre interesses particulares (FARIA, 2017) e ações para o bem comum são criadas as regulamentações e normatizações que direcionam as práticas da administração pública. LEGISLAÇÃO A discussão sobre modelos jurídico-institucionais alternativos à administração pública direta depende da compreensão de conceitos fundamentais relacionados com a administração pública e referências legais que definem e orientam a criação e funcionamento das instituições públicas. Administração pública direta – é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa das estatais, tais como: Presidência da República, Ministérios e Secretarias. (MATIAS-PEREIRA, 2016) A Administração Pública direta possui uma estrutura de contratação morosa de recursos humanos, prestadores de serviço e aquisição de produtos devido às exigências e procedimentos de concursos e licitações. A contratação de recursos humanos, prestadores de serviço e aquisição de produtos pela administração pública direta ocorre por: Quanto a contratação de recursos humanos sob regime estatutário, há obrigatoriedade da realização de um concurso público com uma estrutura de seleção, garantias e responsabilidades relativos à contratação dos servidores que segue fundamentos legais ao selecionar profissionais de maneira impessoal, destacando o comprometimento com o bem público e gerando proteção a sua atividade com garantias relativas a estabilidade regimental. Possui como crítica a dificuldade de adequação de profissionais que não desenvolvam sua atividade de forma eficiente dado a elementos de estabilidade contratual. Os cargos em comissão e função de confiança são uma ferramenta utilizada para contratação ou remuneração extra de profissionais especializados que vão atuar por tempo determinado na administração pública tendo sua seleção baseado em critério discricionário dado ao gestor do órgão, entidade ou unidade da administração pública. Apresenta como crítica a possibilidade de uso para favorecimento de indivíduos ou grupos específicos. A contratação de serviços e produtos apresenta regras que buscam atender aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, artigo 37 Constituição Federal, gerando procedimentos e etapas que demandam tempo para efetivação. Administração pública indireta – é o conjunto de entes, personalizados, que, vinculados a um ministério e ou secretaria, prestam serviços públicos ou de interesse público, tais como autarquias, fundações públicas, empresa pública e sociedade de economia mista. Possuem personalidade jurídica própria e executam atividades do governo que são desenvolvidas de forma descentralizada. (MATIAS-PEREIRA, 2016) A administração indireta tem a função de ferramenta de apoio a administração direta e pode possuir flexibilidade na gestão dos contratos de recursos humanos, podendo utilizar normas da CLT, o que apresenta vantagens com relação à agilidade para seleção, contratação e demissão de acordo com as necessidades da entidade. Quanto a contratação de empresas e compra de produtos identifica-se também a flexibilidade pelo processo de licitação podendo ocorrer dentro da entidade, seguindo as determinações da administração pública, mas reduzindo as etapas de autorizações e restrições financeiras produzindo agilidade na definição de critérios para os contratos. Ambas as formas de contratação, decorrentes da legislação que rege a administração indireta, recebem críticas quanto a possibilidade de direcionamento e favorecimento de indivíduos, empresas ou grupos específicos da sociedade. Os modelos que atendem essa proposta de Administração Pública Indireta com legislação privada são entidades de prestação de serviço autônomo, criados por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receitas próprias, criados com objetivo de desenvolver atividades da Administração Pública Direta definidos como: Empresa Pública, Fundação Pública e Sociedade de Economia Mista, exceto a Autarquia que possui toda sua estrutura de gestão e execução caracterizada por elementos públicos. Cabe destacar as principais características entre os modelos existentes para compreender as diferenças estruturais. Autarquia – é o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica “de direito público”, patrimônio e receita próprios “veiculados a administração direta”. Tem como objetivo executar atividades tipicamente da Administração Pública que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada. Veja o artigo 5º do decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967. (MATIAS-PEREIRA, 2016) Empresa pública – possui personalidade jurídica de direito privado, patrimônio próprio, capital exclusivo ou das entidades estatais (União, Estado e/ou Município), criadas por lei, pode ter mais de um sócio. Exemplos ECT, EMBRAPA. (MATIAS-PEREIRA, 2016) Sociedade de Economia Mista – tem personalidade jurídica de direito privado, criada por lei, cujo capital social em ações com direito a voto pertence à entidade (União, Estado e/ou Município) ou entidade da administração pública indireta: Banco do Brasil, Petrobras. (MATIAS-PEREIRA, 2016) Fundação – conforme a Constituição Federal, podem ser pessoas de direito público (fundação autárquica) ou privado (fundação estatal), são assemelhadas as autarquias, criadas por lei com as atribuições específicas que lhe forem conferidas no ato de sua instituição, são autônomas em termos administrativos e financeiros, sem fins lucrativos, com patrimônio próprio, desenvolvem atividades não típicas do estado. Exemplo: IBGE, IPEA. (MATIAS-PEREIRA, 2016). A Fundação Autárquica equivale a Autarquia.   DIAGNÓSTICO GERAL Dentre os modelos de administração pública, legalmente instituídos, é possível apresentar as características referentes ao controle, execução, flexibilidade e agilidade comparadas com o modelo de tomada de decisões pela controlado pela Administração Pública, Privada ou Misto, no caso da participação de ambas. Características entre as terminologias Público, Privado e Misto. Público – O modelo de administração pública possui como diferencial o alto rigor de procedimentos regidos por regras, normas e fiscalizações de diversos órgãos, assim como dos cidadãos, o que permite mais etapas de controle das ações. Em contrapartida tempo de reação para a implantação de projetos é ampliado devido a necessidade de cumprir diversas etapas. Nas funções de normatização e fiscalização da vida em sociedade estas etapas são garantidoras de maior credibilidade nas ações e permitem buscar reduzir as ações de favorecimento de indivíduos ou grupos específicos. A execução de atividades administrativas a partir do excesso de etapas, aumenta o tempo de tomada de decisão quanto a contratação de pessoas, serviços e produtos limitando e prejudicando a prestação de serviços pela administração pública. Privado – A administração privada possui menor interferência da poder público na tomada de decisão e direcionamento das ações, recebendo interferência pública apenas na delimitação e fiscalização da sua atividade com relação ao cumprimento da legislação pertinente a cada área. Na tomada de decisão existe liberdade da administração privada em escolher a forma, quantidade, entidades e tempo de elaboração dos contratos para recursos humanos, produtos, equipamentos ou outros elementos necessários para o funcionamento do seu negócio. Essa maior liberdade na tomada de decisão permite flexibilidade a agilidade na alteração dos seus contratos visando adequação as demandas do mercado, sociedade ou situações inesperadas que alteram sua capacidade de produzir renda. Decorre dessa flexibilidade um grande risco, tanto para o aumento da sua eficiência quanto para a inadequação ao mercado e inviabilização da sua existência. Misto – O termo misto apresentado representa um ambiente onde há participação da administração pública e privada quanto a tomada de decisões ou fiscalização sobre determinada área da entidade. Essa área de interligação entre os dois modelos administrativos permite contribuição mútua nos elementos que direcionam a tomada de decisão, mas, geram contradições quanto aos elementos relacionados ao lucro, tendo o modelo da administração pública sendo direcionada para atender objetivos do bem comum e a administração privada visando o favorecimento de indivíduos ou grupos investidores. Gráfico: Matriz Púbico x Privado, comparação das características públicas e privadas das formas jurídico-institucionais: *Fonte: Autores. Quadro descritivo das características das formas jurídico-institucionais: Contratação de terceiros – Público: Licitação – seleção a partir de edital de licitação definido por entidades ou órgãos da administração pública. Privado: Direta – negociação direta entre empresas. Criação – Público: Por lei e autorização legislativa. Privado: Registro nos órgãos responsáveis. Contratação Pública – Público: Convênio – termo de convênio ou parceria entre entidades ou órgãos da administração pública. Privado: Licitação – seleção a partir de edital de licitação definido por entidades ou órgãos da administração pública. Controle – Público: Representantes da Administração Direta. Misto: Representantes da Administração Direta e Acionistas Privados. Privado: Proprietários/acionistas.. Gestão – Público: Representantes da Administração Direta Misto: Representantes da Administração Direta e Acionistas Privados. Privado: Proprietários/acionistas. Prestação de Contas – Público: Órgãos e instituições públicas de controle e fiscalização. Misto: Órgãos e instituições públicas de controle e fiscalização e proprietários/acionistas. Privado: Proprietários/acionistas. Lucro – Público: Sem fins lucrativos – não distribui lucro entre os membros. Privado: Com fins lucrativos – distribui lucros entre os proprietários.. Gestão de Recursos – Público: Definidos pela Administração Direta. Privado: Definidos pelos proprietários/acionistas. Recursos Humanos – Público: Estatuário – rege pela lei 8112 11/12/1990. Privado: CLT – rege pela Consolidação das Leis Trabalhistas, lei 9.962 de 22/08/2000. Regime Jurídico – Público: Legislação do Direto Público. Privado: Legislação do Direto Privado.   CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa possibilitou criar um gráfico para identificar, de forma simples, a participação da administração pública no controle e execução nas formas jurídico-institucionais criando um elemento facilitador para tomada de decisão quanto qual forma possui mais características relevantes para cada objetivo de desestatização. Atualmente os gestores públicos direcionam suas decisões para implantação de entidades da administração pública indireta visando flexibilizar e agilizar a execução de atividades não essenciais. Cabe destacar que a tomada de decisão exige uma reflexão crítica sobre quais impactos surgem em decorrência de cada modelo escolhido com relação a: redução de controle da administração pública, aumento de investimento do capital privado, possibilidade de privatização, geração de lucro a investidores destoar do objetivo do bem público, criação de monopólio, risco de favorecimento em contratos de recursos humanos e empresas, flexibilidade de gerenciamento de contratos, e como estes impactos podem prejudicar a realização do objetivo fundamental da administração pública que é a promover o bem de todos. (BRASIL, 1988)   BIBLIOGRAFIA BRASIL. DECRETO-LEI Nº 200, DE 25 DE FEVEREIRO DE 1967. Congresso Nacional. Brasília. 1967. BRASIL. LEI Nº 7.596, DE 10 DE ABRIL DE 1987. Congresso Nacional. Brasília. 1987. BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Congresso Nacional. Brasília. 1988. BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000. Congresso Nacional. Brasília. 2000. BRASIL. LEI Nº 9.962, DE 22 DE FEVEREIRO DE 2000. Congresso Nacional. Brasília. 2000. BRASIL. LEI Nº 13.151, DE 28 DE JULHO DE 2015. Congresso Nacional. Brasília. 2015. FARIA, J. H. Poder, Controle e Gestão. Curitiba: Juruá, 2017. KUZMA, E. L.; DOLIVEIRA, S. L. D.; SILVA, A. Q. Competências para a sustentabilidade organizacional: uma revisão sistemática. Cadernos EBAPE.BR, Setembro 2017. 428-444. MATIAS-PEREIRA, J. Manual de Gestão Pública Comtemporânea. 5ª. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2016. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. PORTARIA Nº 3, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2018. SECRETARIA DE ARTICULAÇÃO INSTITUCIONAL E CIDADANIA AMBIENTAL. Brasília. 2018. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. SEI/MMA – 0158018 – Plano Anual de Contratações. Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração. Brasília. 2018. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, O. E. G. Projeto Fundação Estatal. Secretaria de Gestão. Brasília, p. 48. 2007. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO. Projeto Fundação Estatal – Principais Aspectos. Secretaria de Gestão/Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Brasília. 2007.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/comparacao-das-formas-juridico-institucionais-da-administracao-publica-indireta/
Gestão associada e parcerias público-privadas: dinâmica de rateio da contraprestação pecuniária
Resumo
Direito Administrativo
Introdução A delegação da prestação de serviços ordinariamente estatais à iniciativa privada tem se apresentado como uma alternativa relevante para a promoção de eficiência e transparência na relação com os usuários destes serviços. Contudo, os custos de transação para celebração de contratos complexos, como as parcerias público-privadas, dificultam que este mecanismo seja utilizado por uma parcela dos entes públicos brasileiros. Neste contexto, revela-se essencial viabilizar a concretização de instrumentos de gestão associada com esta finalidade, razão pela qual nos debruçamos, a seguir, sobre um tema pouco explorado, mas que precisa estar muito bem esclarecido para que se gerem contratos de PPP efetivamente estáveis e atrativos a partir de consórcios públicos e convênios de cooperação.    I.Breve contextualização No âmbito de uma ampla reforma da organização administrativa do Estado, a Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, determinou, ao legislador infraconstitucional, que produzisse a regulação legal das figuras jurídicas denominadas consórcio público e convênio de cooperação, deixando expresso, de antemão, que a legislação a ser elaborada deveria autorizar (e, por consequência, viabilizar) a gestão associada de serviços públicos[1]. Pretendeu-se atender tal comando, em nível nacional, por meio da edição da Lei nº 11.107, de 06 de abril de 2005, que fixou normas gerais sobre estes instrumentos associativos[2], posteriormente pormenorizadas pelo Decreto Federal nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007. Desde então[3], entes públicos têm recorrido, com regularidade, ao consorciamento; pesquisa recente da Confederação Nacional de Municípios identificou a existência de 491 consórcios públicos no Brasil, sendo que mais de 4.000 municípios participavam, no momento da realização do levantamento, de ao menos um consórcio[4]. Em paralelo, apenas poucas semanas antes da publicação da Lei nº 11.107, enfrentava-se outro tema caro à gestão estatal, por meio da promulgação, em 30 de dezembro de 2004, da Lei nº 11.079, que introduziu no ordenamento jurídico duas novas modalidades contratuais de delegação de serviços pelo Poder Público[5], quais sejam, a concessão administrativa e a concessão patrocinada, cognominadas, individualmente ou em conjunto, parcerias público-privadas (PPPs) [6]. Para fins de alinhamento de conceitos, rememore-se que a concessão patrocinada consiste, basicamente, em um contrato de prestação de serviços públicos no qual a remuneração do parceiro privado é composta, em parte, por recursos advindos de tarifa cobrada dos usuários, e, em parte, por contraprestação pecuniária do Estado, ao passo que se define como concessão administrativa o contrato de prestação de serviços (públicos ou não), no qual “a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta” [7]. Desde o primeiro momento da vigência do diploma legal em comento, autoridades e estudiosos têm destacado o vasto campo de oportunidades econômicas para a utilização das PPPs na implantação, manutenção e gestão de ativos públicos relacionados à educação, à saúde, ao saneamento básico, à mobilidade urbana, à iluminação pública, ao sistema prisional, etc., havendo uma crescente expectativa de que este modelo de parceria com a iniciativa privada viabilize, efetivamente, um salto qualitativo na prestação dos serviços titularizados pelo Poder Público. Estas considerações introdutórias são suficientes para evidenciar a proximidade entre os instrumentos de gestão associada e as parcerias público-privadas: ambos os institutos objetivam um aprimoramento do exercício das funções estatais, sendo que, em diversos casos, a única alternativa factível para determinados entes (especialmente, municípios pouco populosos) obterem a escala necessária[8] à estruturação de projetos de parceria público-privada reside, precisamente, na união de forças com outros entes, por meio de mecanismos formais de associação pública. Isto posto, talvez surpreenda a constatação de que, após aproximadamente 15 anos de vigência de ambos os diplomas legais, não se identifique nenhuma experiência relevante de parceria público-privada contratada por meio de consórcio público ou convênio de cooperação (na verdade, o autor deste texto desconhece a celebração de qualquer contrato com estas características[9]; porém, tendo em vista a dificuldade de se fazer afirmações peremptórias sobre fatos desta natureza em um país com mais de 5.500 municípios e pouca transparência – ou organização – na disponibilização de informações aos cidadãos, optou-se por atenuar a assertiva mediante o uso da qualificação “relevante”). Alguns fatores podem explicar esta realidade, notadamente a omissão legislativa no que toca à interação entre os dois institutos e o número expressivo de incertezas e objeções – decorrentes, em boa parte, deste oblívio legal – que assaltam aqueles que se aventuram a avaliar, seriamente, a implementação de projetos com este perfil. A despeito das justas críticas à desídia na regulação da matéria, acreditamos, entretanto, que parte da dificuldade observada atualmente na concretização destes projetos resida na adoção de interpretações excessivamente cautelosas ou, por vezes, mesmo patentemente equivocadas, por gestores e consultores encarregados do desenvolvimento destas oportunidades, e postulamos, portanto, existir um espaço razoável para evolução doutrinária sobre diversos aspectos atualmente obscuros do tema. Assim, e considerando a impossibilidade de abordar neste momento, com um grau adequado de zelo, todas as polêmicas pertinentes à matéria, pretendemos focar, neste trabalho, em um único, porém fulcral, ponto relativo à estruturação de um projeto de PPP por meio de gestão associada: o rateio, entre os entes consorciados ou convenentes, dos valores da contraprestação devida ao parceiro privado.   II. O silêncio da lei e a restrição do decreto Apesar da Lei nº 11.107, conforme mencionado, ter sido promulgada três meses após a edição da Lei de PPPs, ao analisá-la com atenção, fica-se com a impressão de que esta ignora, por completo, a existência do instituto jurídico da parceria público-privada. Parece-nos que a atuação do legislador neste caso possa ser mais bem compreendida a partir da análise da tramitação legislativa destes dois diplomas legais: de fato, embora a Lei nº 11.107 seja cronologicamente posterior, o projeto legislativo que deu origem a esta norma foi proposto em junho de 1999[10], mais de quatro anos antes da data da apresentação da proposta que gerou a Lei nº 11.079[11]. Tal conjuntura pode indicar que (i) a inexistência de debate sobre parcerias público-privadas ao longo da maior parte do prazo de tramitação da Lei nº 11.107, (ii) a aprovação relativamente célere da Lei nº 11.079 (à época, uma prioridade governamental) e (iii) o reduzido intervalo de tempo entre a promulgação das duas leis prejudicaram o debate e a eventual elaboração de regramento específico sobre PPPs na versão final da lei pertinente à cooperação pública. Não se identifica, porém, qualquer explicação razoável para o fato do Decreto nº 6.017 não apenas ignorar a possibilidade de utilização dos instrumentos de gestão associada na contratação de parcerias público-privadas, como também incorporar definições e regras que, extrapolando os termos legais, tornam ainda mais difícil a compatibilização entre o modelo de gestão associada e as PPPs. Possivelmente o ponto mais problemático deste regulamento diga respeito à definição adotada para a expressão serviço público, conceituada como “atividade ou comodidade material fruível diretamente pelo usuário, que possa ser remunerada por meio de taxa ou preço público, inclusive tarifa”. A opção pela eleição da forma de remuneração da atividade como critério de distinção, se tomada como válida[12], posto não impedir aos consórcios públicos[13], a priori, a celebração de contratos de concessão patrocinada ou administrativa, torna inaplicáveis, a estes[14], as regras legais e regulamentares pertinentes à “gestão associada de serviços públicos”, uma restrição significativa, a se julgar pelo número de vezes – 15 – em que a Lei e o Decreto mencionam a expressão. Além do agravamento do vácuo normativo que esta restrição conceitual ocasiona, pode-se constatar um prejuízo efetivo à segurança jurídica deste arranjo contratual quando se analisa, individualmente, as normas legais e regulamentares cuja aplicabilidade teria sido afastada pela definição escolhida. Cite-se, como exemplo, o preceito constante do artigo 34 do Decreto, que excepcionaliza, para a hipótese de gestão associada de serviços públicos, a rescisão automática do contrato de programa no caso de extinção do contrato de consórcio público ou do convênio de cooperação[15]. Em relação propriamente ao rateio, objeto da nossa atenção precípua, ressalte-se que, além de não agregar praticamente nada às regras legais, o decreto em comento incorporou uma modificação, à primeira vista banal, à organização textual da norma sobre obrigações de longo prazo, que, interpretada literalmente, pode gerar danos reais à viabilização de projetos. Na Lei n° 11.107, referida regra, fundamental para estabilidade das fontes de custeio de projetos de longo prazo, encontra-se expressa nos seguintes termos: “O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro e seu prazo de vigência não será superior ao das dotações que o suportam, com exceção dos contratos que tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual ou a gestão associada de serviços públicos custeados por tarifas ou outros preços públicos” [16]. Por sua vez, o Decreto nº 6.107, que em tantos outros pontos se conformou com uma repetição literal da lei regulamentada, houve por bem segregar, neste tópico, a norma legal em dois dispositivos, da seguinte forma: “O contrato de rateio será formalizado em cada exercício financeiro, com observância da legislação orçamentária e financeira do ente consorciado contratante e depende da previsão de recursos orçamentários que suportem o pagamento das obrigações contratadas” [17]. “O prazo de vigência do contrato de rateio não será superior ao de vigência das dotações que o suportam, com exceção dos que tenham por objeto exclusivamente projetos consistentes em programas e ações contemplados em plano plurianual” [18]. A se considerar que não se trata meramente de uma mudança de estilo, e, baseando-se numa intepretação gramatical dos dispositivos citados, seria razoável entender que o Decreto determina a celebração obrigatória do contrato de rateio em cada exercício financeiro, permitindo, no entanto, que sua vigência seja superior ao prazo do exercício naqueles projetos contemplados no plano plurianual (como são, por força legal, as parcerias público-privadas[19]). Evidentemente, tal leitura, que desassocia vigência e celebração, se mostra desprovida de qualquer sentido lógico – qual seria a razão para se firmar um novo contrato se o anterior ainda estiver vigente? –, mas serve como exemplo das dificuldades que resultam da atecnicidade na redação das normais legais e regulamentares. Tendo por pano de fundo o quadro normativo acima delineado, e, em especial, os princípios da razoabilidade e eficiência que norteiam a atividade administrativa, passa-se a examinar, na sequência, as especificidades do contrato de parceria público-privada que devem condicionar o estabelecimento das regras de rateio[20].   III.Rateio e PPPS: premissas básicas Como é cediço, o modelo de parceria público-privada objetiva viabilizar o atendimento de demandas de interesse público mediante a delegação da prestação de serviços a operadores privados que se interessem por empreendimentos capazes de gerar receitas previsíveis, estáveis e de baixo risco, nos quais a amortização do investimento ocorra em prazo distendido. Mostra-se, portanto, essencial, para o bom funcionamento deste modelo, que se demonstre a disponibilidade de recursos para o projeto, razão pela qual a Lei nº 11.079 encerrou requisitos específicos que pudessem assegurar a sustentabilidade econômico-financeira do contrato, exigindo (i) a inclusão de seu objeto no plano plurianual, (ii) a demonstração de estimativa de fluxos suficientes para pagamento da contraprestação durante a vigência do contrato, (iii) elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro da parceria durante toda vigência contratual e (iv) a avaliação acerca da compatibilidade entre as obrigações contratuais e a lei de diretrizes orçamentárias e o orçamento anual. Na verdade, ainda que inexistentes estes imperativos legais, afigura-se razoável supor que exigências semelhantes se imporiam pela prática contratual, uma vez que nenhum agente econômico racional assumiria obrigações, mormente aquelas que implicam em elevado dispêndio de recursos, sem ter uma mínima segurança acerca da capacidade da contraparte cumprir os encargos contratuais ao longo do tempo. Evidentemente, para a promoção destas análises financeiras, revela-se indispensável saber o valor da contraprestação pecuniária assumida, que pode tanto ter sido previamente fixada no edital, como ter constituído a variável de licitação; em qualquer caso, tal cifra é conhecida antes da assinatura do contrato de concessão e com base nela o ente público deve comprovar a higidez do projeto. Ora, sendo a remuneração[21] do parceiro privado na PPP definida antes do início da vigência do vínculo, convém, por consequência, que, nas hipóteses de contratação por instrumentos de gestão associada, o rateio dos recursos necessários à satisfação desta verba também esteja prévia e objetivamente determinado; se não por outro motivo, ao menos a fim de permitir que os entes consorciados ou convenentes possam demonstrar o atendimento das exigências dos incisos I a V do artigo 10 da Lei nº 11.079. Atente-se que não nos referimos, neste ponto, à mera predefinição de parâmetros de rateio (o que ocorre, por exemplo, quando se estabelece que cada ente arcará com a remuneração dos serviços efetivamente prestados em seu território); para a contratação de um projeto de concessão, tal nível de irresolução se revela inapropriado. Com efeito, nas parcerias público-privadas, é preciso que os valores concretos de responsabilidade de cada ente consorciado ou convenente já estejam determinados nos instrumentos jurídicos da cooperação, e não somente parâmetros que sirvam para orientar decisões posteriores sobre o tema. Naturalmente, afigura-se ilusório imaginar que um investidor privado aceitaria, por um preço minimamente razoável, se sujeitar, mensalmente ou em outro intervalo de tempo de vencimento da contraprestação, a assistir repetidamente uma disputa entre os entes públicos sobre a responsabilidade de cada um em relação à contraprestação faturada. Esclareça-se que a rejeição a esta divisão a posteriori não deve ser lida como um repúdio a eventual previsão de regras de repactuação do rateio; estas podem se justificar em determinados cenários, desde que, imprescindivelmente, reflitam parâmetros objetivos e gerem eventos infrequentes ao longo da vida contratual (um rateio que se baseie, por exemplo, no número de habitantes de cada ente pode, a princípio sem fomentar qualquer insegurança contratual, incorporar uma revisão decenal a partir da comparação entre o crescimento populacional previsto e o crescimento efetivo apurado por órgão censitário oficial). Assentando-nos, afinal, nas premissas de que o rateio necessita ser previamente estabelecido e contratualmente blindado de conflitos, passamos a investigar, nos dois próximos capítulos, os critérios mais adequados para definição da reponsabilidade financeira de cada ente em contratos de PPP celebrados por meio de gestão associada.   IV. Requisitos impertinentes Principiando por um enfoque negativo sobre a questão, registramos que, a nosso sentir, não cabe exigir nem (i) a demonstração de uma repartição exata de custos entre os entes associados, tampouco (ii) que o benefício decorrente da associação seja, em termos absolutos ou proporcionais, idêntico entre todos. Expliquemo-nos. Em relação ao primeiro ponto, se está diante, praticamente, de uma impossibilidade fática: pense-se, por exemplo, na tentativa de projetar, com precisão, a divisão das horas de trabalho de cada funcionário da concessionária entre os entes associados ou de identificar, na modelagem, aquele beneficiado por cada ínfima aquisição de material. Ademais, mesmo que fosse possível precisar a parcela referível a cada associado, o detalhamento destes custos na modelagem do projeto, além de representar um esforço inútil, poderia fomentar futuras divergências entre os entes associados sobre o critério de rateio escolhido vis-à-vis os resultados concretos da concessionária, uma vez que projeções, por melhores que sejam, nunca se conformam integralmente com a realidade. Do mesmo modo, também a equalização de benefícios, que de início pode parecer uma premissa razoável, se revela, analisada em contexto, uma exigência despropositada. De fato, além de não haver base legal para que gestores ou órgãos de controle demandem que os entes consorciados ou convenentes tenham idêntico benefício da cooperação, deve-se reconhecer que a ausência de igualdade nos ganhos com a gestão associada consiste em resultado natural e esperado de uma associação entre entes desiguais. Permitimo-nos recorrer a um exemplo para facilitar a compreensão desta afirmação: suponha-se que a concessão de determinado serviço pelos municípios “A”, de 500.000 habitantes, e “B”, de 200.000 habitantes, se contratada de forma isolada por cada um, demandaria o pagamento de uma contraprestação mensal, respectivamente, de R$ 600 mil e R$ 300 mil. Imagine-se que os gestores responsáveis, entretanto, antevejam a oportunidade de associação como meio de reduzir custos e fomentar sinergias na prestação do serviço, concluindo, a partir de análises técnicas e de negociações exaustivas, que a contratação pode ser realizada em conjunto (por um consórcio formado pelos dois municípios) por um valor mais atrativo, equivalente a R$ 700 mil/mês, definindo-se que R$ 510 mil seriam de responsabilidade de “A” e R$ 190 mil seriam de responsabilidade de “B”. Neste caso, pode-se constatar que o benefício que A obtém da parceria se apresenta, em termos absolutos e proporcionais, menor do que o obtido por “B” (“A” economiza R$ 90 mil/mês, correspondentes a 15% do dispêndio original, ao passo que “B” economiza R$ 110 mil/mês, equivalentes a cerca de 37% da verba necessária para a contratação autônoma). Neste contexto, indaga-se: poderia o gestor do município “A” ser questionado se a associação for concretizada nestes termos? Seria correto afirmar que o município “A” está pagando qualquer forma de subsídio ao município “B”? A nosso ver, ambas as perguntas devem ser respondidas negativamente. Com efeito, o gestor público de “A” conseguiu, por meio de uma estratégia constitucionalmente admitida e legalmente incentivada, uma economia significativa dos recursos públicos de seu município, não havendo, a princípio, nada que censure sua conduta. Ressalte-se que procuramos, propositalmente, utilizar números no exemplo que demonstrassem uma circunstância recorrente na prática, qual seja, a de que existindo uma escala mínima ou ideal para viabilização de determinada infraestrutura, quanto mais distante um ente estiver deste parâmetro, maior será o benefício que obterá da associação com outros, e vice-versa. De mais a mais, a capacidade de assunção de responsabilidades é diretamente proporcional à envergadura financeira e à saúde fiscal dos entes associados, o que, na prática, também tende a militar em favor de uma redução mais acentuada das responsabilidades dos entes de menor porte na entidade associativa. Cuidando-se, portanto, de uma predisposição natural ou economicamente fundamentada, qualquer tentativa de forçar uma pretensa equalização provavelmente imporá um ônus financeiro desproporcional a alguns dos entes consorciados ou convenentes, o que pode, facilmente, inviabilizar o acordo, em prejuízo de todos. Esclareça-se, adicionalmente, que não há qualquer subsídio envolvido na hipótese relatada no exemplo: as partes dividem (de forma não linear) ganhos decorrentes da associação, que não existiriam se esta não fosse concretizada, ou seja, não há um ganho atribuível a “A” ou “B”, mas um ganho conjunto, que necessita ser repartido numa negociação entre as partes. Cremos que se justifica a ênfase dada a este ponto, pois interpretações rigoristas (repita-se, sem base legal) que pretendam impor rígidos limites a esta negociação terminam por gerar, invariavelmente, um receio nos gestores públicos responsáveis, o que pode paralisar, na origem, iniciativas auspiciosas à população.   V. Condições razoáveis Apresentada nossa opinião acerca de exigências indevidas, passamos a expor as balizas negociais que, a nosso sentir, se harmonizam ao ordenamento e às finalidades da gestão associada. Essencialmente, pensamos que as instâncias de aprovação da parceria público-privada e os órgãos de controle devem exigir a comprovação (i) de que a execução associada das atividades seja mais vantajosa que a execução isolada e (ii) de que haja alguma relação próxima entre o parâmetro escolhido para o rateio e a natureza dos serviços a serem prestados. Por princípio, dada as exigências de fundamentação do ato administrativo[22], não se vislumbra de que maneira uma parceria que não traga ganhos a determinado associado possa se justificar perante seus cidadãos. Recorde-se que a cooperação entre entes públicos não é um fim em si mesmo, mas um meio para se aperfeiçoar a prestação dos serviços estatais. Se restar claro que um município poderia conceder autonomamente o serviço com menor custo, seu ingresso numa associação importaria, ao fim e ao cabo, numa transferência de renda de seus contribuintes para os de outras localidades, uma espécie de doação construída totalmente ao arrepio da legislação. Saliente-se, todavia, que esta tende a ser uma hipótese bastante infrequente na prática, uma vez que a associação tem o potencial de gerar ganhos a todos os consorciados ou convenentes, ainda que, conforme explicamos no capítulo precedente, em graus diferentes a cada um. Uma situação limítrofe diz respeito aos casos em que a prestação autônoma do serviço se mostraria mais econômica ao município, mas, ainda assim, por conta de externalidades ou outras condições peculiares, o ganho total do município com a associação justifique sua implementação. De novo, vemo-nos constrangidos a recorrer a um exemplo: imagine-se que determinado município tenha a opção de implantar, por PPP, uma unidade de saúde que atenda adequadamente a sua população e que, após as análises financeiras pertinentes, se constate que esta alternativa seja menos dispendiosa do que a construção, por meio de consórcio público, de um grande hospital que atendesse sua população e a dos municípios circunvizinhos. É possível que o gestor municipal, ao se deparar com este cenário, note, porém, que na ausência de oferecimento de um atendimento adequado de saúde numa unidade regional, moradores de cidades próximas iriam procurar atendimento na unidade de saúde a ser implantada no município, saturando-a e comprometendo a qualidade dos serviços prestados e o orçamento inicialmente previsto. Pode-se dizer que a gestão associada, neste caso, se justifica por uma inviabilidade fática da prestação autônoma do serviço, ainda que esta opção seja, em teoria, mais econômica. Evidentemente, haverá aí a necessidade de um esforço argumentativo maior por parte do gestor, a fim de convencer os stakeholders de que esta é, realmente, a opção que melhor atende aos interesses dos munícipes. Por fim, parece-nos imprescindível que o parâmetro utilizado para o rateio e a natureza do serviço prestado se inter-relacionem em algum grau; cuida-se, aqui, fundamentalmente, da razoabilidade que deve nortear a eleição do critério de rateio. Na Cartilha de Consórcios Públicos de Saneamento Básico, publicada pela Funasa[23], constam alguns exemplos de regras de rateio adotadas em experiências concretas que, apesar de se referirem a um setor específico e não envolverem contratos de PPP, representam uma amostra interessante de critérios a serem considerados em futuras parcerias; no rol ali descrito, são citados o número de habitantes de cada município, o número de ligações de água e o volume de resíduos produzidos. De fato, o critério populacional – ou de número de usuários, quando o serviço for divisível – parece combinar justiça fiscal e simplicidade de apuração numa medida interessante, que habilita sua utilização em muitas das iniciativas de associação que se possa conceber, sem prejuízo, evidentemente, dos parceiros buscarem critérios mais específicos ao serviço concedido (para não ficarmos restritos a exemplos do setor de saneamento, cite-se, a título de ilustração, a aparente razoabilidade da utilização do número de pontos de luz como critério de rateio em PPPs de iluminação pública). O que não pode ser aceito, em qualquer caso, é que o parâmetro escolhido fuja à racionalidade ou a realidade da prestação dos serviços, como o seria o caso, por absurdo, de uma PPP intermunicipal de serviços educacionais que adotasse o número de automóveis ou de árvores em cada município como critério de rateio. Registre-se, entretanto, que salvo no caso de arranjos claramente despropositados, convém conceder o benefício da dúvida aos gestores públicos em situações discutíveis, uma vez que, afinal, o critério de rateio resulta de uma negociação entre os entes, calcada não apenas em cálculos teóricos ou ilações abstratas, mas, também e principalmente, na efetiva capacidade de contribuição de cada ente consorciado ou conveniado.   VI.Conclusão Os instrumentos de gestão associada, em especial os consórcios públicos, e as parcerias público-privadas têm obtido, cada qual em sua esfera, algum sucesso no aprimoramento da gestão pública no país, mas a conciliação dos dois institutos em projetos concretos, em que pese um potencial promissor, ainda se mostra uma realidade distante. Acreditamos que, sem embargo de alterações normativas que poderiam ser úteis à segurança jurídica de futuros projetos, os entes públicos ressentem-se de maior aprofundamento do tema na doutrina, razão pela qual se espera que cada vez mais autores se debrucem sobre as questões aqui apresentadas.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/gestao-associada-e-parcerias-publico-privadas-dinamica-de-rateio-da-contraprestacao-pecuniaria/
O Nepotismo à Luz Dos Cargos Políticos da Administração Pública: Uma Abordagem Segundo a Súmula Vinculante Número 13 do Supremo Tribunal Federal
RESUMO: Trata-se de produção acadêmica que discute a aplicabilidade da súmula vinculante número 13 do Supremo Tribunal Federal aos cargos políticos da Administração Pública. A súmula mencionada vedou a prática do nepotismo. Após isso, em algumas ocasiões, impediu-se a aplicação sumular nos casos envolvendo cargos de natureza política, haja vista a característica governamental que possuem. Entretanto, novas decisões firmaram entendimento contrário, valorando a motivação do ato da autoridade nomeante. Por esse motivo, deu-se ensejo a uma pujante instabilidade jurisprudencial e por consequência, insegurança jurídica, razões de ser da pesquisa a seguir detalhada. Foram utilizadas como marco teórico as teses doutrinárias estruturais do  Direito Administrativo, com seus princípios e prerrogativas, e também a metodologia dialética, em razão das rupturas temporais de entendimento. A pesquisa concluiu que é necessária uma reafirmação sumular que estabilize sua aplicação, definindo o rumo dos cargos políticos.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Sabe-se que a moralidade, princípio expresso na Constituição da República Federativa do Brasil, tem como efeito a inibição de práticas que atentem contra a lealdade e probidade na Administração Pública. Dentre elas, há de se destacar o favorecimento dos laços de  parentesco para o exercício das funções públicas, é dizer, o nepotismo. Como a referida prática vem de bastante tempo, o Supremo Tribunal Federal, em 2008, editou a súmula vinculante nº 13, com o intuito de pacificar a matéria. Ali ficou decidido que a “nomeação de parentes para o exercício de cargo em comissão, de confiança ou de função gratificada na Administração Pública, em qualquer de seus poderes, viola a Constituição Federal”. Houve, destarte, a vedação da prática do nepotismo. A súmula em discussão originou-se do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 12. Como a sua semântica é silente na esfera dos cargos políticos, em julgamentos ulteriores, a Suprema Corte entendeu que a incidência da súmula ficaria adstrita aos cargos meramente administrativos, faltando-lhe aplicabilidade aos cargos políticos, a exemplo de Ministérios e Secretarias. Entretanto, o STF recuou e, contrariando seu posicionamento anterior, admitiu que a súmula vinculante 13 poderia ser utilizada para dirimir conflitos que cuidem de cargos de natureza política, devendo sua interpretação oscilar conforme exigir o caso concreto. Percebe-se que, a despeito de decorridos mais de dez anos, a insegurança jurídica ainda encontra terra fértil, dada a imprecisão de todas as situações que violam a súmula. Ensejam-se, como consequência, volumosas impugnações judiciais em que o crivo subjetivo do julgador delimita a aplicação da súmula. Daí a importância do desenvolvimento de pesquisas que levem à pacificação do tema, estabilizando o comando normativo e melhor orientando não só o juízo competente em cada caso, como também a própria Administração Pública na via preventiva. Dito isso, o objetivo geral desse artigo consiste na delimitação das hipóteses de (in) aplicabilidade da súmula vinculante nº 13 aos cargos políticos  em compatibilidade com as prerrogativas discricionárias do poder público e, predominantemente, com a impessoalidade e moralidade administrativa.   De início, impõe-se análise da posição ocupada pela Administração Pública em função do Regime Jurídico de Direito Público, posto que este, em linhas gerais, coloca o Poder Público, em relação ao particular, num plano de superioridade, ou queira-se, numa relação vertical.   1.1 Regime jurídico de direito público: prerrogativas e sujeições A Administração pública lida com a gerência de atividades que buscam satisfazer os fins do Estado. Com isso, atua mirando sempre o interesse público (finalidade precípua), motivo pelo qual se justifica a posição prestigiada de que goza. O afazer do Estado, originalmente responsável pela segurança do súdito, era, segundo Hobbes, irrefutável, já que “as ações do soberano não podem ser justamente acusadas pelo súdito” e “ o soberano é o juiz de tudo” (HOBBES, 2006). Desse modo, essa situação fático-jurídica, embora não seja mais tão ilimitada e potente, como nas descrições do Leviatã, concede uma série de prerrogativas ao Estado, para que, a posteriori, sirvam à coletividade. Prerrogativas nada mais são que privilégios direcionados exclusivamente ao Poder Público, sendo estes indispensáveis para que o bem comum seja atingido. Assim, por óbvio, trata-se de um rol de vantagens “não estendido às pessoas privadas”[ii] (CRETELLA JÚNIOR, 1971). Por ora, evidenciam-se as prerrogativas mais importantes, aquelas sem as quais seria impossível o cumprimento, pela Administração, de seus deveres. Ao falar em autoexecutoriedade, por exemplo, traz-se à baila o poder que o Estado tem de realizar seus atos sem autorizações prévias de outros Poderes ou dos administrados. Essa possibilidade refere-se, predominantemente, às sanções administrativas e ao exercício do poder de polícia. Ainda no prisma do poder de polícia, a coercibilidade revela a potestade pública, o poder de império do Estado, pelo que se observa na refinada lição de José dos Carvalho Filho: “Diga-se, por oportuno, que é intrínseco a essa característica o poder que tem a Administração de usar a força, caso necessária para vencer eventual recalcitrância. É o que sucede, por exemplo, quando, em regime de greve, operários se apoderam manu militari da fábrica e se recusam a desocupá-la na forma da lei” (CARVALHO FILHO, 2014, p.147). Lado outro, para o fiel cumprimento de seus deveres, a Administração Pública não pode se enraizar em suas prerrogativas sem qualquer forma de limitação. A esse limite dá-se o nome de sujeições. É óbvio que “inexiste atividade estatal ilimitada”[iii]. Do contrário, as portas se abririam à arbitrariedade. Ante essa concepção, sugere-se que tudo que se garante na ordem jurídica nela também possui limitação (DI PIETRO, 2002). No campo das limitações, não há materialização melhor do que a Constituição Republicana de 1988, a saber, por seus princípios, imposição de prestação de contas, previsão de perda de direitos pelos ímprobos, dentre outros comandos. A essência da Lei n. 12.527/2011 é outra exemplificação pertinente. Cuida-se de regramento do acesso à informação que reafirma o princípio da publicidade não só como um dever do Estado, mas também como um direito do administrado. Para a presente pesquisa, no entanto, é imprescindível o processo de exteriorização desse conjunto de prerrogativas e sujeições no âmbito de atuação pessoal dos agentes da Administração Pública, porque, como se atestará em momento futuro, o nepotismo perfaz-se via ato de autoridade nomeante. Posto isso, há de se analisar até onde se sustenta a discricionariedade de nomeações para cargos e funções, com base em oportunidade e conveniência, sopesando, inclusive, a motivação do ato da respectiva autoridade, e se esse ato extrapola os privilégios conferidos aos agentes públicos e políticos.   1.2 Princípios da Administração Pública A análise de princípios é de grande valia em qualquer estudo que se pretenda desenvolver. Aqui não seria diferente. Muito porque, como se verá a seguir, as razões de edição da súmula vinculante que se estuda estão umbilicalmente ligadas à impessoalidade e moralidade pública. Um princípio tem o condão de orientar um ordenamento jurídico. Ele baseia posturas e constrói ideias centrais e universais de aplicabilidade. O marco de sua recepção enquanto norma fundamental no mundo operou-se após a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), conforme aponta Norberto Bobbio: “Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra” (BOBBIO, 1994, p. 18). Sobre as consequências da inobservância dos princípios, Celso Antônio Bandeira de Mello alerta: “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa, não só a um especifico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra” (MELLO, 2003, p.545-546). Avista-se também  que  os  princípios  abrigam  a  efetividade  das  demais  normas  jurídicas, pois “a validade das leis passa a ser condicionada à coerência do significado do ato normativo aos princípios estabelecidos pelas normas constitucionais, não sendo mais suficiente a concepção puramente formal da democracia[iv]” (MALVASIO, 2017). No Direito Administrativo a doutrina habituou destrinchar os princípios entre os expressos e não expressos na Constituição de 1988. Embora o rol preceituado no caput do artigo 37 não tenha cunho taxativo, no momento basta a análise dos cinco princípios ali descritos: “Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”(…) O princípio da legalidade, frisa a doutrina, é o mais importante, porque consubstancia- se no seio do Estado de Direito, importando em delimitar o campo de atuação da Administração Pública naquilo que a lei autorizar. Há ainda, nesse princípio, uma vertente que distingue o Direito público do privado, como se vê no ensinamento de Hely Lopes Meirelles: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim” (MEIRELLES, 2009, p.89). Quanto ao princípio da impessoalidade, preza-se pela “não distinção entre os administrados”, dando-lhe um tratamento genérico, sem discriminações ou prejuízos a determinadas pessoas (DOS SANTOS, 2012). Na moralidade reside uma forma de complementação da legalidade. Veja-se que de nada adianta um ato legal se ele é moralmente frágil, desonesto ou desleal. Seguindo a linha do artigo 37, o princípio da publicidade exige do Poder Público a transparência quanto aos seus atos, a fim de levar à coletividade o livre acesso à gestão do erário, ressalvadas as hipóteses excepcionais. O advento desse princípio insculpe-se também no artigo 31, § 3º da Constituição, nas funções dos Tribunais de Contas, e ainda na edição da Lei 12.527/2011. Por último, o princípio da eficiência, inserido mais recentemente no artigo 37, determina que os serviços e atos públicos sejam realizados com qualidade, sem gastos exorbitantes e ações financeiramente injustificáveis. Elencados os princípios constitucionais expressos da Administração Pública de modo sucinto, conclui-se que, para o estudo da vedação do nepotismo, em cada um deles é possível encontrar um sentido que se aplique ao tema. Todavia, a moralidade, eficiência e impessoalidade ganham um papel de destaque nesse cenário. Esse também é o entendimento de Mauro Sérgio dos Santos: “Por fim, também com base no princípio da impessoalidade e ainda em outros,  como o da moralidade administrativa e o da eficiência, passou a vigorar expressamente a proibição de nepotismo na Administração Pública com a edição, pelo STF, da Súmula Vinculante n. 13 “(DOS SANTOS, 2012, p.28). Ora, se o agente público concede privilégios na Administração por motivos de ordem pessoal, sem motivação convincente e proveitosa, opera-se flagrantemente um atentado ao princípio da impessoalidade. Outrossim, não parece ética a postura da autoridade nomeante que entrega função pública com fulcro exclusivo nas relações de parentesco, sem que  o benefício da coletividade seja de fato o alvo da nomeação. Nesse último discurso os princípios da moralidade e eficiência são os aviltados. Portanto, a principiologia expressa do artigo 37 da Constituição da República, por muitas de suas nuances, é capaz de apresentar um sentido que justifique a abjeção ao nepotismo. Entretanto, isso se dá soberanamente pelos princípios da moralidade e impessoalidade administrativa.   1.3 Administração Pública no sentido subjetivo e objetivo Merece atenção os sentidos objetivo e subjetivo da Administração Pública, na medida que são eles outro aspecto que a subdivide. O primeiro destaca a atividade exercida pelo Estado na persecução do interesse público, ao passo que o segundo concentra sua incidência nos órgãos, pessoas e agentes de que o Estado faz uso para exercer tal atividade. Na esteira de Maria Sylvia de Pietro, leia-se: “Em sentido objetivo, a Administração Pública abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas; corresponde à função administrativa, atribuída preferencialmente aos órgãos do Poder Executivo” (DI PIETRO, 2017, p.88). E a autora arremata: “Considerando agora os sujeitos que exercem a atividade administrativa, a Administração Pública abrange todos os entes aos quais a lei atribui o exercício dessa função. Predominantemente, a função administrativa é exercida pelos órgãos do Poder Executivo; mas, como o regime constitucional não adota o princípio da separação absoluta de atribuições e sim o da especialização de funções, os demais Poderes do Estado também exercem, além de suas atribuições predominantes – legislativa e jurisdicional – algumas funções tipicamente administrativas” (DI PIETRO, 2017, p.88). Para fins do tema em mãos, verifica-se que ambos os campos de análise são proveitosos. A vedação do nepotismo pode se pautar tanto em razão da atividade exercida quanto em o agente que o exerce. É verdade que o sentido subjetivo certamente será mais explorado. Contudo, o primeiro entendimento do Supremo Tribunal Federal após a edição da súmula imunizou de sua aplicação, no julgamento da Reclamação na Medida Cautelar no Agravo Regimental n. 6650/PR (relatora: Ministra Ellen Gracie)[v], alguns cargos e funções, principalmente em razão da atividade exercida. É nesse cenário, inclusive, que se encontra o grande impasse  da matéria. Sendo assim, o epotismo pode se concentrar tanto subjetivamente, quando da nomeação, ou deixar de ser caracterizado, pelo critério objetivo, se a natureza da atividade assim permitir.   O Direito Administrativo, como todo ramo do Direito, possui densos conteúdos teóricos, sentidos e objetivos. Mas, para que tenha aplicação prática plena, a atividade estatal depende da atuação de certos agentes, que a bem da verdade, são intermediários que ligam o propósito da Administração Pública com a realidade dada. Dessa forma, impera o estudo das características de tais agentes, diante do fato de que estes, se por um lado se amparam em prerrogativas, por outro se subordinam ao conjunto de regas que freiam a atividade estatal.   2.1 Agentes públicos: conceito e características O Estado, buscando atingir o interesse público, pode se utilizar de órgãos, pessoas físicas ou jurídicas. Por ora, como a análise corresponde unicamente aos agentes públicos, resta-nos conceituá-los como pessoas físicas das quais o Estado serve-se dos seus serviços no trato com a coisa pública. Trata-se de uma conceituação aberta, pelo que se extrai serem os agentes públicos gênero que se subdivide nas espécies “agentes políticos, servidores públicos, militares e particulares em colaboração com o Poder Público” (DI PIETRO, 2017). O tratamento do agente público enquanto gênero é, segundo a autora acima, fruto de uma nova pronúncia doutrinária, surgida após a Constituição de 1988. A definição do agente público encontra-se também insculpida no artigo 2º da Lei n. 8.429/1992, que cuida da improbidade administrativa:Lei n. 8.429/1992. “Artigo 2º. Reputa-se agente público, para efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionais no artigo anterior.” O que se deflui de mais importante nessa categoria é que seus integrantes se revestem de características próprias do poder público, inclusive o ônus delas decorrentes. Então, vale dizer, sua conduta pode constituir abuso de poder indenizável ao particular, ou ainda, a teor do disposto no artigo 37, §6º da Constituição da República, ensejar responsabilidade civil, como anota DI PIETRO: “A expressão agente público não é destituída de importância, tendo em vista ser utilizada pela própria Constituição. Todas as categorias, mesmo a dos particulares,  se atuarem no exercício de atribuições do poder público, acarretam a responsabilidade objetiva prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, já que o dispositivo fala em danos causados por agentes públicos. Se o Estado for condenado, cabe ação regressiva contra o agente causador do dano, desde que tenha agido com dolo ou culpa” (DI PIETRO, 2017, p. 677). Há, dessa forma, um dever para que essa pessoa física obedeça aos ditames  apregoados pelo Regime Jurídico de Direito Público, se submetendo, evidentemente, às vedações da súmula vinculante n. 13, se não em todas, pelo menos na maioria de suas categorias.   2.2 Distinções entre agentes políticos e públicos e entre cargos comissionados e efetivos Já conceituado o agente público enquanto gênero, há de se apontar as especificidades dos agentes políticos, por tratar-se de uma de suas categorias. No momento, o agente político se encontra sem definição unânime na doutrina, preponderando o conceito formulado por Celso Antônio Bandeira de Mello: “Agentes Políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado” (MELLO, 2015, p. 251-252). A predileção doutrinária por este conceito se justifica em razão da restrição do seu alcance, reservando o múnus político aos agentes que diretamente exercem essa função. Infere-se, desse modo, que a esfera dos agentes políticos é mais restrita, compreendendo os membros dos poderes Legislativo e Executivo, os chefes de tais poderes e seus ministros e secretários, tendo em vista que “a ideia de agente político liga-se, indissociavelmente, à de governo e à de função política, a primeira dando ideia de órgão (aspecto subjetivo) e, a segunda, de atividade (aspecto objetivo)” (DI PIETRO, 2017). Mesmo já exposto acima, interessa reforçar que estes agentes estão investidos na função política, aquela que, por ser a superior do Estado, é tida como função primária, de  sorte que as funções residuais, denominadas de função administrativa, são secundárias, em razão de sua subordinação àquelas. Então, a função administrativa exercida pelos servidores de determinada unidade de saúde é submissa à Secretaria Municipal de Saúde, de onde emerge, através do Secretário, a função política. Inclusive, após essa explicação é possível notar também que o regime jurídico que se aplica aos cargos e funções administrativas não é, via de regra, correspondente também a cargos e funções políticas, como pontua Marçal Justen Filho: “Adota-se o entendimento de que a função de governo não apresenta natureza administrativa, o que significa ausência de aplicação do mesmo regime jurídico reservado para a função administrativa”[vi] (JUSTEN FILHO, 2008, p. 39). Isso dito, aclara-se que do cargo político advém os comandos estruturais do Estado, num conjunto de atos que desaguam, ora na própria organização da Administração Pública, ora nos administrados. Daí a relevância da compreensão sobre como a designação para o exercício das funções políticas concilia-se com a lisura na estrutura básica do Estado, no prisma da nomeação parental, ofendendo ou não o posicionamento sumulado, antecipando-se, de antemão, não haver um modelo único no qual se apegou a jurisprudência pátria. No que toca aos cargos comissionados e efetivos, há uma certeira previsão constitucional que os distingue. Referimo-nos ao artigo 37 da Carta Política, que em sua dimensão julga os cargos comissionados como aqueles de livre nomeação e exoneração, os chamados ad nutum, que carregam a característica de possibilitar a exoneração sem um motivo justificado. O cargo efetivo é aquele que direciona funções e responsabilidades a serem desempenhadas por servidor investido via concurso público, modelo constitucional edificado no contexto do princípio da impessoalidade. A distinção entre os cargos existe porque nos comissionados, principalmente ocupados em razão da função de confiança, não há a marca da permanência, como ensina DI PIETRO: “Com isso, fica explicada a razão de ter o constituinte, no artigo 37, II, exigido concurso público só para a investidura em cargo ou emprego. Nos casos de função, a exigência não existe porque os que a exercem ou são contratados temporariamente para atender às necessidades emergentes da Administração, ou são ocupantes de funções de confiança, para as quais não se exige concurso público” (DI PIETRO, 2017, p. 679). Nessa linha, não há que se falar em aplicação da súmula vinculante 13 aos cargos efetivos, uma vez que os ocupantes passam por um processo impessoal e meritocrático até a posse. Depois disso, se cumpridas as exigências constitucionais terão estabilidade no posto. Pelo exposto, a discussão há de se concentrar unicamente na esfera dos cargos comissionados, já que possuem aprumo no poder discricionário  da autoridade nomeante e não passam por crivo semelhante ao dos cargos efetivos.   Chega-se ao ponto crucial do trabalho, ocasião em que se expõe toda a argumentação sobredita à luz específica do nepotismo, compreendendo seu alcance, vertente jurídica e cultural, além das novas interpretações judiciais do tema.   3.1 Conceito e breve histórico Engana-se quem vê o nepotismo como prática oriunda da política republicana brasileira. Cuida-se, em verdade, de um traquejo que acompanha a vida nacional desde a primeira história. A famigerada Carta de Pero Vaz de Caminha (1500) à Coroa Portuguesa trouxe consigo a ocorrência inicial de nepotismo em solo brasileiro, vez que o remetente solicitou ao Monarca que enviasse à terra nova seu genro, para que lhe auxiliasse na defesa dos interesses de Portugal[vii]. “Trecho da Carta de Pero Vaz de Caminha. E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge  de Osório, meu genro, o que Dela receberei em muita mercê”. No decorrer do período colonial o nepotismo ganha um status institucional. Isso se deve ao fato de que a Coroa Portuguesa lidava com a administração do Estado privilegiando os núcleos familiares, mas não só por patrimonialismo, como também pelo fato de que os agentes de Estado optavam por compartilhar o poder com os que detinham sua confiança. De tão comum que se tornava a prática, chega-se a dizer que se tratava de “quase que um direito hereditário de acesso aos cargos públicos” (ROCHA, 2008). Do mesmo modo a República. Sempre se rememora quando o então Presidente  Getúlio Vargas deu posse a cargos públicos para incontáveis parentes, nessa ocasião, malgrado o ex-presidente, confessou se tratar de nomeação sem motivação justificada. De certo modo, tal atividade não soa tão retrógada se investigada à ótica de tempos em que predominava no Brasil a Administração Pública patrimonial, já que de fato ela se caracteriza pela confusão do público com o privado. Quanto a isso, Bresser Pereira, em artigo publicado na Revista do Serviço Público, afirmou: “A administração pública burocrática foi adotada para substituir a administração patrimonialista, que definiu as monarquias absolutas, na qual o patrimônio público e o privado eram confundidos. Nesse tipo de administração o Estado era entendido como propriedade do rei. O nepotismo e o empreguismo, senão a corrupção, eram a norma” (BRESSER PEREIRA, 1996, s/p).[viii] O verdadeiro problema consiste na permanência da prática nos tempos em que o Direito Administrativo, mesmo que imperfeito, em muito evoluiu, principalmente em matéria de moralidade. Buscou-se notadamente a adequação da estrutura estatal com o decoro que deve sempre lhe acompanhar com a edição, pelo Conselho Nacional de Justiça, da resolução n. 7/2005[ix], que inibiu o favorecimento dos laços de parentesco dentro do Poder Judiciário. Ainda assim, fazia-se necessário entender a relação parental na Administração Pública em sua vertente jurídica e cultural e quando de fato ela viola o sistema jurídico ou nele encontra guarida. Utilizamos de conceituação formulada por Carmem Lúcia Rocha, que precede a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual nepotismo “é a conduta havida na Administração do Estado, pela qual agentes públicos, valendo-se dos cargos por ele ocupados, concedem favores e benefícios pessoais a seus parentes e amigos”  (ROCHA, 1994). Perceba que a renomada jurista empregou conceito extraído das bases históricas e culturais do tema, haja vista a inexistência, à época, de um conceito jurídico minimamente consolidado, razão pela qual se sucede análise mais profunda sobre quais agentes públicos, qual o grau de parentesco e quais os cargos públicos estão de fato submetidos ao  entendimento sumulado. Pois, o conceito de nepotismo continua a ser a prática, pela autoridade nomeante, do favorecimento de parentes, em razão da posição ocupada na Administração Pública, de maneira a ofender a regra da predominância do interesse público sobre o privado.   3.2 Os precedentes da súmula vinculante nº 13 Entender-se-á, por meio deste capítulo, qual o caminho percorrido pelo Supremo Tribunal Federal até que ele firmasse um sentido para o conceito jurídico do nepotismo. O primeiro debate judicial notório inicia-se no Rio Grande do Sul, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1521-4/RS, em que se pleiteava junto ao STF a inconstitucionalidade de parte da Emenda n. 12 à Constituição do Rio Grande do Sul. A norma em questão definiu os cargos em comissão e proibiu a nomeação, para tais cargos, de pessoa com parentesco com determinados agentes públicos de todos os Poderes, seja ele consanguíneo ou afim até o segundo grau. Quem buscava a afirmação de inconstitucionalidade da norma argumentava a existência de violação à autonomia e independência dos Poderes, posto que seria deles a competência de recitar os cargos em comissão dentro de sua própria estrutura. A tentativa, todavia, foi infrutífera, porque o Supremo entendeu que, em matéria de nepotismo, os conceitos, permissões e vedações caminham uniformemente em todos os Poderes. Além disso, destaca-se o Mandado de Segurança n. 23780-5/MA, impetrado por servidora do TRT da 16ª Região, nomeada para cargo comissionado, com ato anulado pelo Tribunal de Contas da União, em razão de parentesco com o vice-presidente do tribunal.A paciente argumentava ser inválido o ato do TCU, tendo por base que o órgão extrapolou suas funções e que havia direito líquido e certo até a ocorrência da fundamentação legal da exoneração. Tal pleito também foi prejudicado em sede de análise pelo Supremo Tribunal Federal, ao fundamento de que o TCU, antes da nomeação da servidora, já vedava expressamente a prática e que, além do mais, a servidora era ocupante de cargo no Poder Executivo, e só faria jus às exceções, se fosse efetiva no mesmo Poder em que exerceu posteriormente as funções de cargo comissionado. O Conselho Nacional de Justiça, em conduta bastante elogiada pela comunidade jurídica, editou a resolução n. 7/2005, que posteriormente teve sua constitucionalidade declarada pela Corte Suprema. O órgão, na oportunidade, em seu artigo 1º, resolveu que “é vedada a prática de nepotismo no âmbito de todos os órgãos do Poder Judiciário, sendo nulos os atos assim caracterizados”, além de ter dado diversos exemplos do que se enquadra na referida proibição. O Supremo declarou a constitucionalidade da resolução, na ADC n. 12-6/DF, detalhando que o Conselho possui atribuição constitucional, sem lei prévia, para editar atos normativos primários, e que, ao final, toda a estrutura da resolução atendia aos princípios expressos da Constituição. E foi essa basicamente a mesma fundamentação utilizada pela Corte no julgamento do Recurso Extraordinário 579/951/RN, em que se discutia a necessidade de lei prévia para dimensionar a proibição do nepotismo num caso em que um irmão do vereador municipal foi nomeado para chefiar a Secretaria de Saúde do município. Os Ministros manifestaram pela desnecessidade da existência de lei formal que proíba o nepotismo, já que bastam, para tanto, os princípios estampados no caput do artigo 37 da Constituição. A nomeação do irmão do vereador, ao final, foi anulada. Os casos aqui ditados não são os únicos, mas certamente são os que mais chamaram a atenção no que concerne à jurisprudência que antecedeu a edição da súmula. Nos próximos tópicos, na abordagem hipotética de aplicabilidade, outros acontecimentos reais serão necessariamente elencados.   3.3 Hipóteses de aplicabilidade da súmula Com os precedentes supramencionados, além de outros casos superados pelo Supremo Tribunal Federal, o plenário entendeu por bem sumular seu entendimento, em atenção à maturidade da discussão que, naquele tempo, julgava haver. Com efeito, em 21 de agosto de 2008 sumulou-se: “Súmula Vinculante n. 13. A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento,  para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.” Desde então, muito se cogita a respeito da abrangência que a súmula vinculante 13 possui. O verbete, apesar de extenso, não buscou contemplar todas as possibilidades de nepotismo na Administração Pública, e é certo que não conseguiria. Tal concepção é visualizada no voto do relator, Ministro Dias Toffoli, no julgamento do Mandado de Segurança 31697/DF, que alertou: “Ao editar a Súmula Vinculante nº 13, a Corte não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, dada a impossibilidade de se preverem e de se inserirem, na redação do enunciado, todas as molduras fático-jurídicas reveladas na pluralidade de entes da Federação (União, estados, Distrito Federal, territórios e municípios) e das esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), com as peculiaridades de organização em cada caso”. A súmula considera inconstitucional a nomeação com favorecimento de pessoas com grau de parentesco, consanguíneo ou afim, de linha reta ou colateral até o terceiro grau. Importa assinalar também, que essa relação de parentesco se estende não só à autoridade nomeante, mas também aos servidores da mesma pessoa jurídica que exerçam funções de chefia, direção ou assessoramento. Essa vertente da súmula impede que os servidores se valham de outras autoridades nomeantes para benefício de parentes seus. Fica a anotação de que subsiste o impedimento de que trata a súmula nos casos de término do casamento ou da união estável, pois a dissolução destas entidades familiares não carregam o condão de afastar o parentesco por afinidade, em observância ao que determina o §2º do artigo 1595 do Código Civil[x]. Não é demais lembrar que os princípios do Direito Administrativo expressos na Constituição são de aplicação também no âmbito da Administração Indireta[xi], motivo pelo qual, evidentemente, a súmula possui perfeita utilidade nesse campo, mesmo se assim não previsse explicitamente. O nepotismo não se manifesta em uma modalidade única. Pelo contrário, possui várias nuances. No nepotismo cruzado, por exemplo, há o ajuste por meio de designações recíprocas, ou, de preferência, de troca de favores. Quando essas designações recíprocas constituem uma troca de regalos entre os Poderes estar-se diante do transnepotismo. Exemplificando: se um prefito nomeia para Secretaria o cônjuge do vereador, enquanto o mesmo vereador indica o cônjuge do prefeito para cargo de assessoria, a rigor, a aplicação da súmula é uma imposição, sem prejuízo às sanções oriundas de improbidade administrativa. No julgamento da Reclamação no Agravo Regimental n. 19529/RS, o relator, Ministro Dias Toffoli, ponderou sobre outro aspecto. Trata-se da necessidade de análise objetiva da ocorrência do nepotismo, já que ele não se consuma unicamente pelo grau de parentesco entre a autoridade nomeante e o nomeado. “A incompatibilidade da prática enunciada na Súmula Vinculante nº 13 com o art. 37, caput, da CF/88 não decorre diretamente da existência de relação de parentesco entre pessoa designada e agente político ou servidor público ocupante de cargo em comissão ou função comissionada, mas da presunção de que a escolha para ocupar cargo de direção, chefia ou assessoramento tenha sido direcionada a pessoa com relação de parentesco com alguém que tenha potencial de interferir no processo de seleção.” Assim, a análise objetiva a que se referiu o Ministro consubstancia-se na possível presunção de que haja relação de parentesco entre o nomeado e alguém que tenha poder de influir no ato administrativo que nomeia. Nas modalidades do “nepotismo cruzado” e “transnepotismo”, tendo por base a necessidade de influências de pessoas diversas da autoridade nomeante, é indispensável que fique claro o poder de interferência que essas pessoas podem exercer na consumação dos atos. Até porque, é forçoso falar em nepotismo se o parente do nomeado não exercer influência alguma sobre a autoridade nomeante, como analisa Natália Ciscotto: “Nesse enredo, o nepotismo cruzado somente é caracterizado quando ocorre a reciprocidade das nomeações, impondo, pela via indireta, o favorecimento vedado, isto é, se não houver a reciprocidade, não haverá nepotismo cruzado” (FERREIRA, 2015, p. 83). Em contrapartida, vê-se também que o Supremo Tribunal Federal deu margem à possibilidade de conduta imoral, já que uma eventual troca de favores na Administração Pública não se realiza necessariamente por meio de nomeações recíprocas. Pensando, hipoteticamente, que um vereador nomeia para sua assessoria o cônjuge de prefeito, a pedido deste, sem, contudo, existir outra nomeação ajustada, inexiste nepotismo. Em vista disso, nessa hipótese narrada, se o prefeito se valer de outros meios para agradecer a nomeação, ainda que a conduta seja ímproba ou ilícita, o fato é que nepotismo, ao menos inicialmente, não será, haja vista que o nepotismo cruzado exige a reciprocidade de designações, que são, ressalta-se, difíceis de comprovar, “pois podem assumir formas extremamente complexas e contornos tênues a fim de resguardar a sua prática” (ARAKAKI e ORTIZ, 2011). Para amenizar essa anomalia, o Decreto n. 7.203/2010, que regulamenta o nepotismo no âmbito da Administração Pública Federal, dispôs: “Decreto n. 7.203/2010. Artigo 3º, §1o Aplicam-se as vedações deste Decreto também quando existirem circunstâncias caracterizadoras de ajuste para burlar as restrições ao nepotismo, especialmente mediante nomeações ou designações recíprocas, envolvendo órgão ou entidade da administração pública federal”. Diante disso, mesmo com a admissão, por membro do STF, de insuficiência da redação, fica claro que sua densidade buscou ampliar o campo de abrangência. Porém, deixou a desejar em alguns pontos, o que pode dificultar a tomada de decisões da autoridade nomeante, pelo que se impõe um capítulo exclusivo dedicado à sua atuação.   3.4 O Papel da autoridade nomeante: há limites para a nomeação? A norma maior brasileira elegeu o concurso público como instrumento de acesso aos cargos, empregos e funções públicas dentro da Administração Pública. Trata-se da regra geral de investidura nos cargos de natureza pública, por incidência do princípio da impessoalidade e do artigo 37, inciso II da Constituição: “Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 37, inciso II. A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;” Significa dizer que, uma vez regular e homologado o concurso público, observada a ordem de classificação, nasce para o aprovado no certame que preencher todos os requisitos fixados em edital o direito subjetivo a investir-se naquele cargo ou emprego, de acordo com o que se infere da súmula 15 do Supremo Tribunal Federal: “Súmula n. 15 do Supremo Tribunal Federal. Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito à nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação.” Por consequência, é impossível invocar o poder discricionário para quebrar tal determinação. Na verdade, o poder a que se faz menção existe na esfera dos cargos comissionados, os chamados ad nutum, que admitem a livre nomeação e exoneração, e como destacado na doutrina, são de natureza peculiar: Por outro lado, não há também a exigência de concurso para provimento de cargos em comissão declarados em lei como de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, CF). “A dispensa, nesse caso, como é fácil observar, atende à específica natureza desses cargos, titularizados por servidores da confiança das autoridades nomeantes” (CARVALHO FILHO, 2017, p. 657). O que se propõe é elucidar a dimensão de liberdade conferida ao gestor para a nomeação dos ocupantes desses cargos. Essa margem de atuação do administrador é conferida pelo poder discricionário, de modo que não há como se desentranhar do seu alcance neste tópico. A relação de predominância da Administração Pública em relação aos interesses privados não subsistiria se apenas de teoria se alimentasse, de sorte que é preciso encontrar de meios concretos que a representem na vida em sociedade. Esses meios são chamados de poderes, que se subdividem em diversas categorias, dentre elas figurando o poder discricionário. Muito se fala em duas nuances deste poder da Administração, sendo elas a oportunidade e a conveniência. Daí surge a doutrina conceituando o poder discricionário como aquilo que se dá à Administração, “de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo” (MEIRELLES, 2010). A dinâmica desse privilégio reside na agilidade e aperfeiçoamento durante a administração dos interesses coletivos em ocasiões não previstas pelo legislador ou ainda naquelas em que a consulta à população ou aos demais Poderes é flagrantemente imprestável. Por outro lado, também é ideia da discricionariedade possibilitar a execução  dos planos governamentais, sendo indispensável, para tanto, a composição de equipes mediante nomeações e exonerações livres. É impensável que Secretários e Ministros de Estado adentrem no Poder Público mediante concurso público e ali permaneçam independentemente dos sucessivos governos que comandarem o ente da federação. Caso contrário, pouco importaria a linha de pensamento ou a forma de atuação do nomeado. Ele sempre estaria no cargo independentemente da compatibilidade ideológica com o gestor chefe (do Poder Executivo). Essa é uma das razões pelas quais a Constituição criou a exceção à regra do concurso público. Todavia, pergunta-se se existem e quais são as condições de legitimidade de um ato administrativo que investe alguém em um desses cargos. A resposta mais adequada é aquela que entende a liberdade da autoridade nomeante estendida até os princípios da Administração Pública. Explica-se: por mais livre que seja o gestor no momento da nomeação para os cargos comissionados, a observância à legalidade, moralidade e a outros elementos do próprio ato é medida que a ele sempre se imporá. Como reflexo desse entendimento, cria-se o risco do controle demasiado desses atos a ponto de torna-los vinculados e não mais discricionários, o que indubitavelmente é um erro a não cometer, motivo pelo qual o Judiciário, em matéria de controle da Administração Pública, só pode realiza-lo no que envolva legalidade e moralidade, mas nunca quanto ao mérito administrativo, haja vista que este, a seu turno, “é o conteúdo das considerações discricionárias da Administração quanto à oportunidade e conveniência de praticá-lo, ou seja, é o resultado do exercício da discricionariedade” (NETO, 2005). Alguns casos no alto escalão da política brasileira ocorridos recentemente reclamam a atenção da doutrina quando estudado esse assunto. O primeiro deu-se em 2016, quando logo após virar alvo de ações penais, o ex- presidente Lula foi nomeado Ministro Chefe da Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff. Nesse momento, cogitou-se que a investidura no cargo era uma estratégia para contrair foro por prerrogativa de função[xii]. O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao julgar o Mandado de Segurança Coletivo 34070/DF, impetrado por partidos políticos, anulou a nomeação oriunda do Planalto argumentando que a finalidade do ato administrativo foi desviada, o que contraria os princípios do Direito Administrativo. Já em 2018, o presidente Michel Temer viu frustrada sua tentativa de nomear para o Ministério do Trabalho a Deputada Federal Cristiane Brasil, na Reclamação n. 29508/DF. A Ministra Carmem Lúcia sustentou que as condenações da parlamentar por violar a legislação trabalhista impediam, pelo princípio da moralidade, que ela assumisse exatamente aquele Ministério. A nosso ver, no primeiro caso, houve invasão do Poder Judiciário na nomeação. Não houve a devida comprovação de que a intenção era realmente mudar a competência criminal em relação aos processos movidos em desfavor do nomeado. Depois, o argumento da Advocacia Geral da União foi no sentido de que o ato se justificava em razão do poder de governabilidade do ex-presidente Lula, o que se comprova facilmente se considerada a grave crise que enfrentava o governo daquela época, que, diga-se de passagem, foi destituído na sequência pelo Senado Federal. Defende-se esta linha porque ela vai ao encontro da concepção contraída  pelo Supremo ao julgar, em caráter liminar, a Medida Cautelar em Mandado de Segurança n. 34609/DF, em que se impugnou, sem sucesso, a nomeação, pelo Presidente Michel Temer, do Ministro de Estado Moreira Franco. Em última análise, também se pontua que o desvio de poder, sem a presença de uma consequência maior, não pode sustar a discricionariedade, como assegura Onofre Alves Batista: “Não se pode reduzir o juízo acerca de um bom ou mau uso do poder discricionário a uma mera verificação da presença ou não de desvio de poder. Para tanto é que os mecanismos de controle devem se reforçar, pois, se em nome da eficiência administrativa abrem-se horizontes de considerações, em nome da segurança deve- se aprimorar as possibilidades de controle (BATISTA JÚNIOR, 2012, p. 394)”. Na segunda hipótese, entretanto, agiu bem o Judiciário, haja vista que atuou dentro da sua esfera de controle e, à evidência, a moralidade administrativa foi ferida. É inconcebível que um agente, condenado em ações trabalhistas, possa ocupar o posto de Ministro do Trabalho passando pelo crivo da moralidade. Logo, a liberdade que se manifesta no poder discricionário limita-se nos princípios da Administração Pública e nos elementos constitutivos dos atos administrativos, com o risco de que eles venham a ter sua eficácia suspensa ou sua nulidade declarada. Mas, pelo entendimento que predileciona o Supremo Tribunal Federal, o grau de parentesco, isoladamente, não impede a atuação da autoridade nomeante.   3.5 Nomeação dos agentes públicos nas empresas estatais que interveem no domínio econômico e nas que prestam serviço público Já elencados os requisitos pelos quais passará a autoridade nomeante até que legitimada sua nomeação, é preciso que se reconheça a existência de mais alguns quando a hipótese for a de nomeação para empresas estatais que interveem no domínio econômico e aquelas que prestam os serviços públicos. Especificamente nesses casos há lei própria que estabelece critérios e limites para tais nomeações. Cuida-se da Lei n. 13.303/2016, apelidada de “lei das estatais”, que acabou por restringir a discricionariedade da autoridade nomeante para os cargos de administração e diretoria. A crítica quanto à intervenção estatal no domínio da economia concentra-se no fato de que a Constituição, em seu artigo 173, autoriza a exploração econômica direta pelo Poder Público de modo pouco claro, usando dos termos “segurança nacional” e “relevante interesse coletivo”, ocasionando certa discricionariedade ao Estado, para que este identifique o momento da intervenção. Eros Grau (1988), na sua obra “Direito, Conceitos e Normas Jurídicas”, assinalou que a discricionariedade, “se muito aberta, acaba por prejudicar o bem comum social”, tendo em vista ser grande a chance de seu exercício à margem da legalidade. Então, pelo processo legiferante, entendeu-se ser prudente criar inúmeros requisitos para a investidura em cargos de diretoria nas empresas estatais que intervirão no quadro econômico. O sentido é que, se há uma exagerada discricionariedade para a intervenção econômica, que ao menos a empresa que ali intervir seja dirigida por agentes com  qualificação e idoneidade. Detalhar cada um dos requisitos impostos pela lei é um processo minucioso e demorado. Preocupou-se com o presente trabalho apenas mencionar o que de mais importante a norma nos trouxe. Os integrantes do Conselho de Administração das empresas que interveem no domínio econômico precisarão ter comprovada sua experiência profissional, nos critérios estabelecidos pelo artigo 17, inciso I alíneas a, b e c da Lei n. 13.303. Além disso, devem ter formação profissional compatível com o cargo e não estarem inelegíveis nos termos da Lei Complementar 64 (Lei da inelegibilidade). Só que dentre todo o conteúdo da lei, o que mais nos importa é a vedação dos §§ 2º e 3º do artigo 17, que estabelece:   “Lei n. 13.303/2016. Artigo 17. – de representante do órgão regulador ao qual a empresa pública ou a sociedade de economia mista está sujeita, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública, de dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo; – de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral; – de pessoa que exerça cargo em organização sindical; – de pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, como fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade em período inferior a  3 (três) anos antes da data de nomeação; – de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade.   Perceba que nasce da lei a sua própria vedação ao nepotismo, e com ainda mais rigor, já que estende os requisitos e restrições à investidura no Conselho aos parentes afins ou consanguíneos até o terceiro grau de quem não os atenda. Do mais, o meio jurídico deve compreender essa nova normatização das estatais para além do simples ato de nomeação, vendo-a também como um instrumento de otimização dos serviços por ela desempenhados. Quanto a esse horizonte do Direito Administrativo, Fernando Herren Aguilar aponta: “O grande desafio do Direito Administrativo Econômico [xiii]que os teóricos devem enfrentar é o da nova perspectiva que lhes é exigida, de vislumbrar empresas  estatais, por exemplo, não como entidades sujeitas apenas a regras para contratação de pessoal ou de realização de compras de bens públicos e serviços mediante licitação pública, mas também a regras de acesso aos mercados, de desempenho de atividades econômicas, do exercício de políticas públicas (regulação operacional), entre outras inovações” (AGUILAR, 2014, p.21). Isso posto, tem-se um comando legislativo claro e específico que orienta a autoridade nomeante, traçando diretrizes no processo de escolha para os cargos no Conselho de Administração das estatais. Essa regra, sem quaisquer dúvidas, aprimora a gestão dessas empresas.   3.6 Nepotismo dos agentes políticos e a posição do Supremo Tribunal Federal Como se viu ao longo da exposição, os julgadores estenderam ao máximo a aplicação da súmula, porém com ela em nada prestigiaram, semanticamente, a discricionariedade de certos agentes políticos na construção do corpo de governo para a aplicação do plano político que se sobressaiu no pleito eletivo. Não tardou muito e a Corte teve de delimitar o campo de incidência da súmula. Em  um primeiro momento, afastaram-se dessa regra  os casos  envolvendo cargos de  natureza  pol tica, em razão do seu chamado “múnus governamental”. Vale lembrar, os cargos pol ticos, ocupados por agentes políticos, exteriorizam as funções primordiais do governo, por isso haveria de se resguardar a liberdade de nomeação nessas hipóteses. Então, na vez do julgamento da Reclamação na Medida Cautelar no Agravo Regimental n. 6650/PR, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, afirmou-se a “Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula  Vinculante  n.  13, por se  tratar de  cargo de  natureza pol tica”. Já em decisões da mesma época o STF flexibilizava o entendimento em duas situações, a saber, a fraude à lei ou o nepotismo cruzado, compreendido como “o ajuste mediante designações rec procas” (COPOLA, 2012), como se viu no decisum da Reclamação Passado algum tempo, especialmente no julgamento do Recurso Extraordinário n. 579951/RN, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, um novo ponto foi colocado à baila. Tratava-se da motivação que impulsiona a autoridade nomeante. Passou a não bastar, portanto, ser o cargo de natureza política. Além disso, dever-se-ia comprovar a real finalidade da nomeação, do contrário, e como ocorreu no caso comentado, a súmula incidiria normalmente. Assim, conclui-se que a motivação também passou a ser critério de orientação dos magistrados, por ser a “exposição de motivos” [xiv]do ato administrativo (DI PIETRO, 2017). E nesse mesmo sentido continuou se posicionando o STF, tanto para não aplicar a súmula, como votou o relator, Ministro Gilmar Mendes, na Reclamação n. 27605/RS, ao argumento de inexistir fraude à lei ou nepotismo cruzado na nomeação do filho do prefeito para ocupar secretaria municipal em Canoas/RS, quanto para aplicar a súmula, no julgamento da Reclamação n. 17102/SP, em que o relator, Ministro Luiz Fux, concluiu que a nomeação, pelo prefeito, de seu sobrinho e cunhado para as secretarias municipais ocorreu única e exclusivamente pelo grau de parentesco, e que a súmula, por isso, é aplicável, ante a ausência de motivação técnica ou política do ato. Só que vez e outra o Tribunal maior destoa do entendimento que ele mesmo impôs, como por exemplo, em 2017, na Reclamação n. 26303/RJ, caso em que o Ministro Marco Aurélio entendeu que o prefeito do Rio de Janeiro, ao nomear seu filho para a Secretaria da Casa Civil, mesmo não se incluindo nas hipóteses excepcionais, violou a Constituição  Federal. Entretanto, considerando a divergência entre os integrantes do Supremo, o relator determinou que o caso fosse levado ao plenário, o que não se concretizou em razão de ter o prefeito nomeado outro agente para as funções de Secretário, resultando em perda do objeto da ação. Nesse contexto não restam dúvidas da ocorrência do que José dos Santos Carvalho Filho[xv] (2017, s/p) chama de “instabilidade interpretativa” que “repousa na contrariedade do princípio da segurança jurídica”. Dessa monta, ao menos majoritariamente, o Supremo Tribunal Federal tem como posição a inaplicabilidade da súmula em relação aos cargos políticos, podendo ela tornar-se aplicável se a nomeação decorrer de fraude à lei, nepotismo cruzado ou inadequação técnica ou política.   CONCLUSÃO A edição da súmula vinculante n. 13 do STF é de fato uma resposta às posturas retrógadas e imorais que lamentavelmente persistem no quadro nacional. E mais do que isso, vê-se que a Suprema Corte, embora carente de firmeza e estabilidade em diversos julgados relacionados ao tema, quando sumulou o verbete, pretendia honrar sua incumbência de zelar pela Constituição da República Federativa do Brasil. Contudo, como nada se mencionou em seu texto a respeito dos cargos que representam a estrutura política suprema do Estado – tarefa que ficou a cargo dos julgados que sobrevieram – se obteve um pujante desencontro da súmula vinculante com os casos apreciados pelo Poder Judiciário. Em verdade, o STF, antes de sumular o assunto, deveria maturá-lo, mas ao revés, produziu insegurança. Com efeito, os tribunais e juízes singulares não aplicam a súmula conforme o seu entendimento integral e detalhado. Fica-se, em regra, em dois extremos. Ora se aplica por ter grau de parentesco, ora não se aplica por ser o cargo de natureza política, o que, nos dois casos, constitui interpretação incompleta, por tudo que já foi assinalado no presente trabalho. Daí, não se pode evitar o manejo exagerado de instrumentos processuais e constitucionais adequados a invocar a autoridade da súmula por meio do pronunciamento da Suprema Corte. E ela, ao se pronunciar, não garante ao jurisdicionado a certeza de um sistema interpretativo uniforme e consolidado. Não obstante as oscilações monocráticas do STF, sobressai a posição pela qual o cargo político está imune da proibição acostada na súmula vinculante n. 13, salvo as exceções de fraude à lei, nepotismo cruzado e desvio de finalidade do ato administrativo. Este é o entendimento mais razoável, já que, além de fugir da proibição intransigente, concilia o caso concreto com as minúcias da Administração Pública e suas variações políticas e regionais. No entanto, esse posicionamento carece de uniformização pela própria Corte, com o propósito de evitar que ela se desvencilhe dele, como vem ocorrendo, de modo a ocasionar a indesejável desconfiança e insegurança jurídica e social. Ante o exposto, embora a interpretação majoritária se adeque ao sistema jurídico pátrio, é viável uma reafirmação da súmula pesquisada, levando-se em conta as características dos cargos de natureza política, em homenagem, mormente, à segurança jurídica.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/o-nepotismo-a-luz-dos-cargos-politicos-da-administracao-publica-uma-abordagem-segundo-a-sumula-vinculante-numero-13-do-supremo-tribunal-federal/
Agências Reguladoras: Aspectos Gerais, Alcance e Limitações Impostas ao Poder Normativo/Regulamentar
O presente artigo versa sobre os aspectos gerais, o alcance e as limitações impostas ao poder normativo/regulamentar das Agências Reguladoras, no tocante a competência normativa conferida às referidas entidades despersonalizadas, para a edição de normas de caráter abstrato a serem impostas aos administrados do setor privado que exploram atividades que antes eram de exclusiva função do Estado, a fim de evitar eventuais abusos com vistas à dominação de mercado e à eliminação da concorrência. Referido estudo toma por base os princípios basilares que regem a Administração Pública e o poder regulamentar sob o ângulo constitucional e tem o propósito de discutir a abrangência e as limitações comidas ao exercício do poder normativo pelas agências reguladoras, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial moderno.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO Análises históricas dão conta de que o surgimento das Agências Reguladoras no ordenamento jurídico pátrio é decorrente principalmente das alterações ocorridas no novel panorama econômico estabelecido pela Carta Constitucional de 1988, a qual um dos legados criados fora a possibilidade de iniciativa produtiva ao particular, ou seja, o Estado não mais explora atividade econômica, sendo esta função da iniciativa privada, restando apenas o manejo direto dessa atividade pelo Estado em casos excepcionais. Consequentemente, com o fim do monopólio estatal e a concessão ao setor privado da prestação de bens e serviços, revela-se incontestável a fiscalização estatal a fim de garantir e disciplinar a atividade econômica coibindo excessos, fomentando o desenvolvimento, etc., com vistas a proteger o mercado e alcançar o equilíbrio das relações. O exame da matéria aponta que a necessidade de fiscalização do Estado exigiu a criação de entidades reguladoras com típica função de controle, cuja previsão, inclusive, se encontra inserida no texto constitucional, ex vi do art. 21, inciso XI, com a redação pela Emenda Constitucional n° 8/95, e do art. 177, §2°, inciso III, com a redação pela Emenda Constitucional n° 09/95. Neste contexto, a partir de meados da década de noventa, surgiram, sob a forma de autarquias sob regime especial, as denominadas Agências Reguladoras, devidamente aparelhadas com autonomia financeira, independência administrativa e poderes-deveres inerentes ao mister regulatório, com o objetivo de regulamentar, controlar e fiscalizar os serviços públicos, atividades e bens transferidos ao setor privado, compondo, desta forma, o quadro da Administração Pública do Brasil. Contudo, não obstante o primoroso intuito econômico-social inserto nesta arquitetura cronológica realizada pelo legislador, não se pode olvidar da existência de uma problemática no que tange à função dessas agências, cuja origem decorre do limite do poder de regular e normatizar as aleatórias atividades. Não obstante, demonstrar-se-á que esse poder conferido pelo legislado infraconstitucionais às agências reguladoras não poderá invadir a competência legislativa regulamentar da Administração Direta, devendo, por consequência, ater-se a aspectos técnicos, providências subalternas à lei, disciplinadas por meio de regulamentos, não podendo contrariar ou distorcer a disposição legal.   Trata-se de pesquisa bibliográfica reflexiva delimitada ao alcance de poder normativo das Agências Reguladoras, com base na legislação pátria, na doutrina e na jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça. A priori, antes de adentrarmos no estudo das agências reguladoras propriamente ditas, precisamos transpor a barreira inicial para entendermos, dentro de um contexto geral, a estrutura na qual se encontram inseridas estas referidas autarquias de regime especial. Pois bem, é cediço que o art. 175 da Constituição Federal determina que incumbe ao Estado, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, prestar os serviços públicos. No tocante ao que seriam esses serviços públicos, não há qualquer indagação atualmente estes consistem no conjunto de atividades prestadas pela Administração Pública ou por seus órgãos delegados, com vistas a satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado. Segundo MEIRELLES (2016), levando-se em conta a essencialidade, a adequação, a finalidade e os destinatários dos serviços, podemos classificá-los em: públicos e de utilidade pública; próprios e impróprios do Estado; administrativos e industriais; “uti universi” e “uti singuli“. Contudo, não obstante o gigantismo do controle estatal, a realidade socioeconômica hodierna demonstrou a necessidade de adequação do conceito de Estado, sendo imperiosa a transformação dos princípios gerais da Administração Pública, a fim de afastar da Carta Magna eventuais limitações que seriam inadequadas para promover a melhor qualidade dos serviços prestados pelo Estado. A partir das alterações do texto constitucional trazidas pelas Emendas n. 05 a 09, o Estado, com o objetivo de permitir a participação da sociedade na formulação e no controle das políticas públicas, deixou de ser exclusivamente um prestador de serviços, assumindo uma postura de administração pública gerencial, priorizando a regulação e a promoção de serviços públicos (KATAGIRI, 2011). Diante da evidente diminuição da intervenção estatal direta na economia, balizada por ideais liberais consagrados no ordenamento jurídico, foram instituídas no Brasil as Agências Reguladoras – agentes essenciais para a escorreita implantação de uma administração pública gerencial, com foco em resultados. Neste contexto, o afastamento total e/ou parcial do monopólio estatal no tocante a prestação de determinados serviços públicos com a consequente transferência da execução total e/ou parcial ao setor privado, fazer nascer as agências reguladoras no ordenamento brasileiro, as quais, dentre as diversas atribuições e competências que lhes foram conferidas, encontra-se inserto o poder de regulamentar seus respectivos setores. Neste sentido CARVALHO FILHO (2018): “A essas autarquias reguladoras foi atribuída a função principal de controlar, em toda a sua extensão, a prestação dos serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que passaram a executá-los, inclusive impondo sua adequação aos fins colimados pelo Governo e às estratégias econômicas e administrativas que inspiraram o processo de desestatização”. Surgem, desta forma, as denominadas Agências Reguladoras, entidades que compõem a Administração Indireta com típica função de fiscalização e controle, com o objetivo, entre outros, de evitar o abuso de poder econômico por parte do setor privado com vistas à dominação de mercado e à eliminação da concorrência.   As agências reguladoras possuem natureza jurídica de autarquia com regime jurídico especial, dotadas de autonomia com relação ao ente estatal cuja criação é oriunda, com base na despolitização para conferir um tratamento técnico e uma maior segurança jurídica ao setor regulado, bem como na necessidade de celeridade na regulação de determinadas atividades técnicas. De acordo com OLIVEIRA (2018): “A instituição das agências reguladoras é justificada não apenas pela necessidade de regulação dos serviços públicos concedidos aos particulares, mas também pela necessidade de controle de determinadas atividades privadas relevantes, destacadas pela lei”. Assim, segundo o festejado autor, as agências reguladoras podem ser divididas a partir do tipo de atividade regulada (agências reguladoras de serviços públicos concedidos e agências reguladoras de atividades econômicas em sentido estrito), a partir da quantidade de setores regulados (agências reguladoras monossetoriais e agências reguladoras plurissetoriais) e quanto à titularidade federativa (agências reguladoras federais, agências reguladoras estaduais, agências reguladoras distritais e agências reguladoras municipais). No que concerne o regime jurídico, nota-se que se tratam de autarquias submetidas a regime jurídico especial, cuja natureza, segundo MEDAUAR (2018) “caracteriza-se pela autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia das decisões técnicas e mandato (denominado fixo) dos seus dirigentes”. Quanto ao tema, importante ainda destacar as lições de MARINELA (2017): “No que tange ao regime especial para essas pessoas jurídicas, não há previsão legal, estipulando exatamente a sua amplitude. Segundo a doutrina, esse regime é decorrente da maior estabilidade e independência em relação ao ente que as criou, mantendo a ideia inicial, conforme já esclarecido. Especificamente, quanto às agências reguladoras, encontram-se algumas previsões que demonstram essa especialidade. A primeira delas diz respeito à investidura de seus dirigentes, os quais são nomeados pelo Presidente da República, mas, ao contrário das demais autarquias, essa nomeação depende de prévia aprovação pelo Senado Federal, conforme previsão dos arts. 84, XIV, e 52, III, “f”, ambos da Constituição, combinados com o art. 5º da Lei n. 9.986/2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das agências reguladoras, recebendo, por isso, a terminologia de investidura especial. Esses dirigentes têm a garantia de mandato a prazo certo, exercendo-o em mandatos fixos. Os prazos, conforme previsão dos arts. 5º e 6º da referida lei, serão fixados na norma de criação de cada agência e, em caso de vacância no curso do mandato, este será completado por sucessor investido na mesma forma. Contudo, a duração do mandato não pode ultrapassar a legislatura do Presidente, sob pena de engessar o futuro governante em antítese absoluta com as ideias de democracia e de república, fraudando o povo. Destarte, a garantia dos mandatos dos dirigentes das Agências só opera dentro do período governamental em que foram nomeados. A lei de criação de cada agência disporá sobre a forma da não coincidência de mandatos”. O regime jurídico do pessoal das reguladoras é o estatutário, entretanto, o projeto inicial previa o regime de emprego público para as agências reguladoras federais, seguindo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), conforme estabelecia o art. 1º da Lei n° 9.986/00. Contudo, o aludido dispositivo normativo teve sua eficácia suspensa por meio de decisão cautelar proferida pelo Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.310-1/DF, o que levou ao então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a editar a Medida Provisória n° 155/03[1], passando a adotar o regime estatutário servidores das agências reguladoras e revogando expressamente o dispositivo legal objeto da ação. São dirigidas sempre em regime de colegiado e seus dirigentes possuem certa estabilidade como pressuposto da independência, sendo os mandatos dos membros descoincidentes e com nomeação por prazo determinado (artigos 4º, 6º e 7º da Lei n° 9.986/00), não estando sujeitos, em tese, a interesses políticos, o que caracteriza relativa independência administrativa da entidade. Todavia, não se pode olvidar que a referida estabilidade não é absoluta, tendo inclusive o Supremo Tribunal Federal sumulado a questão através do verbete n. 25, cuja orientação estabelece que “a nomeação a termo não impede a livre demissão pelo Presidente da República, de ocupante de cargo dirigente de autarquia”. Ademais, urge salientar ainda que a perda do mandato pode decorrer também em caso de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou de condenação em processo administrativo disciplinar com observância da ampla defesa e do contraditório.        No tocante à contratação de obras e serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações, não há dúvida de que as Agências Reguladoras estão sujeitas à norma geral das licitações – Lei Federal n° 8.666/93. Destaca-se ainda, conforme aponta ALEXANDRE (2018), que o ex-dirigente de agência reguladora deve se submeter à chamada “quarentena”, prazo cujo agente fica vinculado à agência e obstaculizado de exercer atividades ou prestar serviços a empresas que se submetam ao poder regulador do ente que dirigiu, com vistas a evitar que este forneça informações privilegiadas do órgão regulador. Referido lapso temporal é contado a partir da exoneração ou do término do mandato e em regra de 04 (quatro) meses, conforme previsto no art. 8° da Lei n° 9.986/00, entretanto, por força de normas específicas, determinadas agências reguladoras retesaram esse prazo para 12 (doze) meses. Com relação ao tema, revela-se importante novamente citar os escólios de MARINELA (2017), in verbis: “Terminado o mandato, o ex-dirigente ficará impedido, por um período de quatro meses, contado da data do término do seu mandato, para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, o que a doutrina denomina quarentena. A previsão é do art. 8º da Lei n. 9.986/2000 e o prazo é de quatro meses. Excepcionalmente, as leis específicas de cada agência reguladora, como é o caso da ANEEL (art. 9º), da ANP (art. 14) e da ANS (art. 9º), estabelecem como quarentena o prazo de doze meses, fugindo da regra geral. Para a ANATEL, o art. 30 de sua lei específica prevê o prazo de um ano de quarentena”. Por derradeiro, há de se destacar a distinção entre Agências Reguladoras e Agências Executivas. Conforme dito alhures, as agências reguladoras, em síntese, são pessoas jurídicas de direito público (em regra autarquia), que exercem atividade regulatória, fiscalizando e ditando normas junto aos setores privados que exploram atividades que antes eram de exclusiva função do Estado. Por sua vez, a “agência executiva é a qualificação dada à autarquia ou fundação que celebre contrato de gestão com o órgão da Administração Direta a que se acha vinculada, para a melhoria da eficiência e redução de custos”. (DI PIETRO, 2019). Neste diapasão, diferentemente das Agências Reguladoras, as Agências Executivas não são criadas com o condão de fiscalizar/controlar o setor privado que presta serviço público, mas sim, trata-se de entidade preexistente (autarquia ou fundação governamental), que recebe a aludida qualificação com o escopo de promover eficiência e redução de custos.   Na arquitetura do ordenamento jurídico pátrio, verifica-se que a Administração Pública encontra o alicerce para o exercício de suas funções administrativas nos princípios dispostos na Constituição Federal e nas legislações infraconstitucionais, dos quais se originam poderes conferidos para as autoridades administrativas. Referidos poderes “são inerentes à Administração Pública pois, sem eles, ela não conseguiria fazer sobrepor-se a vontade da lei à vontade individual, o interesse público ao interesse privado” (DI PIETRO, 2019). Não obstante, quadra registrar que o exercício dos citados poderes não está no campo discricionário da Administração Pública, pelo contrário, constituem uma obrigação e não mera faculdade em razão da completa subordinação do poder em relação ao dever, cuja finalidade consiste no atendimento ao interesse público. Neste sentido DI PIETRO (2019) destaca: “Embora o vocábulo poder dê a impressão de que se trata de faculdade da Administração, na realidade trata-se de poder-dever, já que reconhecido ao poder público para que o exerça em benefício da coletividade; os poderes são, pois, irrenunciáveis”. No que tange as Agências Reguladoras, a doutrina majoritária defende que estas são dotadas de poder normativo, fiscalizatório, sancionatório e mediador de conflitos. No entanto, cumpre ressaltar que há doutrinadores, como FURTADO (2007), que defendem a possibilidade de outorga de poderes não previstos em lei com objetivo de melhor exercício das funções, através de contrato de concessão de serviços públicos. Como exemplo da citada outorga podemos destacar o poder de declarar a utilidade pública de certos bens com vistas à implantação de instalações de energia elétrica[2] e o poder de outorga da exploração de serviços públicos ou do uso de bens públicos[3]. Com efeito, em que pese a extrema importância de todos os poderes que compõem o acervo das Agências Reguladoras, em razão do recorte temático do presente artigo, passamos ao exame exclusivo do poder normativo, seus fundamentos, alcance e limites.   A priori, cumpre ressalvar que a competência normativa é inerente ao exercício da função regulatória, função esta que pode ser exercida tanto pela Administração Direta (própria das pessoas políticas da federação), quanto pela Administração Pública Indireta (Agências Reguladoras). Por sua vez, o constituinte estabeleceu no texto da Constituição Federal a competência normativa da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, todavia, em razão da ausência de previsão constitucional quanto a citada competência para os órgãos reguladores independentes, revela-se necessário que a legislação infraconstitucional que cria a agência reguladora conceda a outorga de competência para a edição de atos normativos. Sob esta ótica e de acordo com os escólios de OLIVEIRA (2018), em regra a lei de criação da entidade reguladora estabelece em seus dispositivos legais a autonomia para a edição de atos administrativos normativos de conteúdo técnico na esfera de circunscrição do setor regulado. Contudo, com base nas asserções de DI PETRO (2019), a função reguladora atribuídas às agências vem sendo outorgada de forma similar àquela delegada às agências reguladoras do direito norte-americano, em que é concedido tamanho poder que as normas podem ser ditadas com a mesma força de lei e com base em parâmetros, conceitos indeterminados, standards nela contidos. Sobre o tema, a renomada administrativista DI PIETRO (2019) acastela que: “As duas únicas agências que estão previstas na Constituição são a ANATEL e a ANP, com a referência à expressão órgão regulador contida nos artigos 21, XI, e 177, § 2º, III. As demais não têm previsão constitucional, o que significa que a delegação está sendo feita pela lei instituidora da agência. Por isso mesmo, a função normativa que exercem não pode, sob pena de inconstitucionalidade, ser maior do que a exercida por qualquer outro órgão administrativo ou entidade da Administração Indireta. Elas nem podem regular matéria não disciplinada em lei, porque os regulamentos autônomos não têm fundamento constitucional no direito brasileiro, nem podem regulamentar leis, porque essa competência é privativa do Chefe do Poder Executivo e, se pudesse ser delegada, essa delegação teria que ser feita pela autoridade que detém o poder regulamentar e não pelo legislador”. Neste contexto, somente as matérias atinentes aos respectivos contratos de concessão poderiam ser alcançadas pela regulamentação das Agências Reguladoras. Sobre a matéria, com base na teoria dos poderes implícitos, ARAGÃO (2002) ultima que os órgãos que integram a estrutura do Poder Executivo podem editar regulamentos autônomos. No mesmo diapasão, JUSTEM FILHO (2002) entende que a aptidão normativa abstrata é decorrente do poder regulamentar conferido ao Chefe do Executivo e que a função reguladora pertence ao Estado, cujo exercício se dá por seus órgãos despersonalizados ou através da criação de entes autônomos, ocasião esta que, a função reguladora com os respectivos deveres-poderes inerentes, será transferida para a entidade personalizada, a qual poderá editar e baixar decretos regulamentares que visem facilitar a execução da lei. Do exame dos ensinamentos alhures podemos concluir que o poder normativo da agência reguladora não se confunde com o poder regulamentar do Chefe do Executivo, pois este se encontra inserta na função política, enquanto aquele amolda-se a função eminentemente administrativa, com vistas a garantir o adequado funcionamento do mercado.   Do juízo pormenorizado traçado neste estudo verifica-se que a função institucional das agências reguladoras se cinge a regulação de determinadas atividades do setor privado, razão pela qual o ordenamento jurídico pátrio atribui-lhes a competência para editar normas técnicas correlatas. Todavia, conforme muito bem destacado pela doutrina abalizada de ALEXANDRE e DEUS (2018), a edição das aludidas normas não é absoluta, vejamos: “Por óbvio, o poder normativo atribuído à agência não pode ser visto como uma carta em branco, como uma autorização para que entidade se substitua ao legislador e inove na ordem jurídica. A função reguladora deve ser exercida em estrita obediência aos mandamentos constantes de lei – o legítimo ato normativo primário –, de forma que no seu exercício a agência deve detalhar as regras necessárias ao cumprimento dos mandamentos legais e aclarar os respectivos conceitos jurídicos indeterminados, sem ultrapassar as balizas estabelecidas pelo Poder Legislativo”. Desta forma, segundo OLIVEIRA (2018), resta manifesto que as entidades de regulação podem exercer poder normativo, de natureza eminentemente técnica, na esfera de suas atribuições, respeitado o princípio da juridicidade, ou seja, não se tratam de normas autônomas provenientes de delegação legislativa, mas sim de deslegalização. Com efeito, urge salientar que os atos normativos em epígrafe têm por objetivo única e exclusivamente a elucidação de conceitos técnico-jurídicos, a deliberação acerca do quantum das multas, a normatização de procedimentos, etc., tudo dentro dos parâmetros e princípio inerentes à Administração Pública. Sobre o tema, recentemente o Superior Tribunal de Justiça que “as sanções administrativas aplicadas pelas agências reguladoras, no exercício do seu poder de polícia, não ofendem o princípio da legalidade, visto que a lei ordinária delega a esses órgãos a competência para editar normas e regulamentos no âmbito de sua atuação, inclusive tipificar as condutas passíveis de punição, principalmente acerca de atividades eminentemente técnicas”. (REsp 1.522.520/RN. Rel. Ministro Gurgel de Faria. Julgado em 1º/2/2018. DJe em 22/02/2018) Este é o posicionamento que vem diuturnamente sendo perfilhado pela Colenda Corte da Cidadania[4], tribunal responsável por eventuais violações do texto infraconstitucional. Assim, resta manifesto que muito embora as agências reguladoras não possuam competência normativa plena, estas foram criadas com o escopo de regular, em sentido amplo, os serviços públicos que estão sendo promovidos pelo setor privado, de tal sorte que existindo previsão expressa na legislação ordinária que criou a autarquia, delegando à esta competência para a edição de normas e regulamentos no seu âmbito de atuação, revela-se perfeitamente cabível o exercício desta prerrogativa.   CONCLUSÃO A luz de todo o exposto, conforme a jurisprudência tem entendido, resta evidente que o legislador infraconstitucional preferiu dar tratamento diferente às Agências Reguladoras, permitindo às referidas entidades que compõem a Administração Pública Indireta, a possibilidade da elaboração de atos normativos gerais e dotados de caráter abstrato, de conteúdo técnico-jurídico, visando correta aplicação da lei. Todavia, não obstante esta prerrogativa conferida a estas Autarquias de controle, o sistema constitucional brasileiro demanda harmonia entre as normas que compõem o ordenamento jurídico, razão pela qual mesmo diante do inegável poder normativo, este encontra limitação na lei e com ela não se confunde, eis que referidas normas são de caráter exclusivamente administrativo.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/agencias-reguladoras-aspectos-gerais-alcance-e-limitacoes-impostas-ao-poder-normativo-regulamentar/
Do Acréscimo do Encargo do Decreto-Lei Nº 1.025/69 Nos Débitos Inscritos em Dívida Ativa Pelos Conselhos de Fiscalização Profissional: Dever Legal?
RESUMO: Este artigo visa abordar um tema que pouco é tratado pelas Procuradorias dos Conselhos de Fiscalização e pelo próprio Poder Judiciário: o acréscimo do encargo de 20% (vinte por cento) previsto no Decreto-Lei nº 1.025/69, por força do art. 37-A da Lei Federal nº 10.522/02. Em razão da natureza jurídica de autarquias federais de Direito Público dos Conselhos de Fiscalização mostra-se inescusável a inclusão do encargo quando da inscrição das dívidas ativas destas autarquias corporativas. Dessa forma, quando da expedição da Certidão de Dívida Ativa todos os acréscimos previstos no art. 37-A da Lei Federal nº 10.522/02, especialmente o encargo de 20% (vinte por cento), já deverão estar incluídos no total da dívida lançada.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O tema a ser abordado no presente trabalho é extremamente relevante e possui grande impacto nas execuções fiscais, especialmente àquelas que tramitam na Justiça Federal. Segundo estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), denominado “Custo e tempo do processo de Execução Fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional”, de novembro de 2011, cerca de 36,4% de todas as execuções fiscais em trâmite no Brasil no âmbito federal possuem os Conselhos de Fiscalização na qualidade de exequentes.[2] O procedimento de inscrição em dívida ativa está disciplinado, dentre outras leis tributárias, na Lei nº 10.522/02, que no seu art. 37-A, caput, § 1º, prevê expressamente que os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, serão inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios. Infelizmente, a maioria dos Conselhos de Fiscalização inscrevem os seus créditos em dívida ativa sem a inclusão do encargo substitutivo dos honorários advocatícios (atualmente de 20% – Decreto-Lei  nº 1.025/69), ensejando reiteradas violações à legislação tributária. A proposta do presente artigo é apontar a relevância e obrigatoriedade da inclusão da verba do Decreto-Lei nº 1.025/69 no momento da inscrição em dívida ativa dos Conselhos de Fiscalização Profissional, de forma que no momento da confecção da respectiva Certidão de Dívida Ativa a o valor da dívida tributária seja certo e líquido, características inerentes dos títulos executivos extrajudiciais.   A origem da cobrança de encargos legais nas inscrições em dívida ativa dos créditos a serem cobrados judicialmente pela União está no art. 21 da Lei nº 4.439/64, que previu o acréscimo de porcentagens devidas aos Procuradores da República, aos Promotores de Justiça e Procuradores da Fazenda Nacional.[3] Posteriormente, art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025/69 alterou o art. 21 da Lei nº 4.439/64, de tal forma que o percentual do encargo foi elevado para 20% (vinte por cento). Assim, nas execuções fiscais propostas pela União, no momento da inscrição do crédito tributário ou não tributário em dívida ativa, deverá ser incluso sobre o valor total da dívida o encargo legal, segundo disposição expressa do art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025/69.[4] O art. 3º da do Decreto-Lei nº 1.645/78 reconheceu, expressamente, que na cobrança executiva da Dívida Ativa da União, a aplicação do encargo de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69 (20%) substitui a condenação do devedor em honorários de advogado.[5] O encargo do Decreto-Lei nº 1.025/69, a ser lançado no momento da inscrição do crédito em dívida ativa da União, segundo disposição expressa da lei, possui natureza de honorários de sucumbência. O Superior Tribunal de Justiça, em 28 de novembro de 2018, em julgamento de recurso repetitivo, quando da análise do Recurso Especial nº 1.521.999/SP, da relatoria originária do Ministro Sérgio Kukina, concluiu que o encargo do Decreto-Lei nº 1.025/69 não possui natureza tributária e nem de penalidade, mas sim de verba destinada ao custeio das cobranças administrativas e judiciais da Fazenda[6]. Ou seja, o encargo do mencionado decreto-lei tem natureza não tributária (Lei nº 7.711/88), compõe a dívida ativa da Fazenda Nacional (artigo 2º, parágrafos 2º, 5º, II, da Lei nº 6.830/80) e tem as mesmas preferências do crédito tributário, por força da autorização contida no artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei nº 6.830/80.[7] A Lei Federal nº 13.327/2016, que dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações, especialmente aos integrantes da Advocacia Geral da União, ao disciplinar o art. 85, § 19 do Código de Processo Civil, segundo o qual estas verbas são de titularidade dos advogados públicos, previu em seu art. 30 que estão compreendidos como honorários advocatícios o total do produto dos honorários de sucumbência recebidos nas ações em que forem partes a União, as autarquias e as fundações públicas, bem como até 75% (setenta e cinco por cento) do  produto do encargo legal acrescido aos débitos inscritos na dívida ativa da União, previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 1.025/69.[8] O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.143.320/RS, da relatoria do Ministro Luiz Fux, submetido ao procedimento de julgamento de recurso repetitivo, inclusive, entende que a condenação, em honorários advocatícios, do contribuinte, que formula pedido de desistência dos embargos à execução fiscal de créditos tributários da Fazenda Nacional, configura inadmissível bis in idem, tendo em vista o encargo estipulado no Decreto-Lei nº 1.025/69, que já abrange a verba honorária: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA NACIONAL. DESISTÊNCIA, PELO CONTRIBUINTE, DA AÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE ADESÃO A PROGRAMA DE PARCELAMENTO FISCAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (ARTIGO 26, DO CPC). DESCABIMENTO. VERBA HONORÁRIA COMPREENDIDA NO ENCARGO DE 20% PREVISTO NO DECRETO-LEI 1.025/69. Ministro Herman Benjamin, julgado em 13.12.2006, DJ 01.10.2007; e EREsp 608.119/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 27.06.2007, DJ 24.09.2007. Precedentes das Turmas de Direito Público: REsp 1.006.682/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 19.08.2008, DJe 22.09.2008; AgRg no REsp 940.863/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 27.05.2008, DJe 23.06.2008; REsp 678.916/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 15.04.2008, DJe 05.05.2008; AgRg nos EDcl no REsp 767.979/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 09.10.2007, DJ 25.10.2007; REsp 963.294/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 02.10.2007, DJ 22.10.2007; e REsp 940.469/SP, Rel.Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 11.09.2007, DJ 25.09.2007). […] […]. (REsp 1143320/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2010, DJe 21/05/2010)” O extinto Tribunal Federal de Recursos pela Súmula 168 já havia consolidado o entendimento de que “o encargo de 20%, do Decreto-Lei nº 1.025/69, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor em honorários advocatícios”. A ideia é conferir certeza e liquidez ao título executivo extrajudicial, uma vez que a certidão de dívida ativa conterá todos os valores a serem cobrados do contribuinte, com todos os acréscimos legais (multas, juros de mora, atualização monetária, encargo do Decreto-Lei nº 1.025/69 etc.). Especificamente quanto ao acréscimo da verba do Decreto-Lei nº 1.025/69, retira-se do Poder Judiciário a faculdade de inclusão ou não da condenação de honorários de sucumbência na dívida do despacho inicial do recebimento da petição inicial da ação de execução fiscal, bem como uniformiza o percentual correspondente à verba honorária, promovendo a isonomia entre os executados. Importante destacar, ainda, que segundo o Decreto-Lei nº 1.569/77, o encargo previsto no art. 1º do Decreto-lei nº 1.025/69, calculado sobre montante do débito, inclusive multas, atualizado monetariamente e acrescido dos juros e multa de mora, será reduzido para 10% (dez por cento), caso o débito, inscrito como Dívida Ativada da União, seja pago antes da remessa da respectiva certidão ao competente órgão do Ministério Público, federal ou estadual, para o devido ajuizamento. Ou seja, ainda na cobrança administrativa, haverá a cobrança do encargo, reduzido pela metade. Esse dispositivo autoriza, por exemplo, a cobrança do encargo, reduzido pela metade, nas hipóteses de remessa da Certidão de Dívida Ativa para protesto, na forma do parágrafo único do artigo 1º da Lei nº 9.492/97, acrescentado pelo artigo 25 da Lei  nº 12.767/12, que incluiu no rol dos títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas, enquanto não for proposta a respectiva ação de execução fiscal.   A Lei nº 10.522/02 dispõe sobre o Cadastro Informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais (CADIN) e procedimentos sobre a inscrição dos créditos da União, autarquias federais e fundações públicas. O caput do art. 37-A da mencionada Lei 10.522/02 determina que os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais. Em seguida, o § 1º do mesmo artigo, cuja observância é obrigatória a todas as autarquias federais (inclusive agências reguladoras, agências executivas, Conselhos de Fiscalização etc.), previu expressamente que os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União.[9] Assim, a obrigatoriedade da inclusão do encargo de 20% (vinte por cento), que era limitada a inscrição em dívida ativa dos créditos inscritos em dívida ativa pela União estendeu-se também às inscrições dos créditos inscritos em dívida ativa pelas autarquias federais de qualquer natureza.   Durante muitos anos houve divergência quanto a natureza jurídica dos Conselhos de Fiscalização, especialmente após a edição da Lei 9.649/98. O art. 52 da referida lei estipula que os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico. A constitucionalidade do art. 52 da Lei 9.649/98 foi analisada no Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 1717-6, cujo relator foi o Ministro Sydney Sanches. O STF julgou procedente o pedido formulado na ação para declarar a inconstitucionalidade do art. 58, caput, bem como dos §§ 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º.[10] “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9.649, DE 27.05.1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS. 1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos § 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58. 2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados. 3. Decisão unânime. (ADI 1717, Relator(a):  Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2002, DJ 28-03-2003 PP-00063 EMENT VOL-02104-01 PP-00149) Concluiu-se pela indelegabilidade a uma entidade privada de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas.[11] Em razão das atribuições e responsabilidades tipicamente estatais, houve, ainda, o reconhecimento da natureza jurídica de Direito Público dos Conselhos de Fiscalização. O Supremo Tribunal Federal, a partir da inteligência da ADI 1717-6, sacramentou o entendimento de que os Conselhos de Fiscalização são autarquias com regime de direito público, sujeitos às prerrogativas e responsabilidades próprias de entidades estatais: “1) MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA FEDERAL. ENTIDADES CRIADAS POR LEI. FISCALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL. ATIVIDADE TIPICAMENTE PÚBLICA. DEVER DE PRESTAR CONTAS. 2) EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CRFB. 3) DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO PROFERIDA MESES DEPOIS DA REALIZAÇÃO DA SELEÇÃO SIMPLIFICADA PELO IMPETRANTE. 4) SEGURANÇA DENEGADA. 5) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PREJUDICADOS. 1. As autarquias, forma sob a qual atuam os conselhos de fiscalização profissional, que são criados por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, é de rigor a obrigatoriedade da aplicação a eles da regra prevista no artigo 37, II, da CF/1988, quando da contratação de servidores. Precedentes (RE 539.224, Rel. Min. Luiz Fux, DJe18/6/2012). […] (MS 28469, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 09/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015)” A doutrina, na mesma linha do Supremo Tribunal Federal, entende que os Conselhos de Fiscalização são enquadrados como autarquias corporativas, em razão da sua atuação restrita à regulamentação e fiscalização das profissões, conforme fixação em lei.[12] Em resumo, os Conselhos de Fiscalização:             Verifica-se, pois que os Conselhos de Fiscalização, na qualidade de autarquias federais com regime de Direito Público, devem obediência as disciplinadoras de atividades das demais autarquias, exceto naquelas situações nas quais houver disposição expressa quanto a não incidência das suas disposições aos Conselhos.   Considerando a natureza jurídica de autarquias corporativas (regime de Direito Público) dos Conselhos de Fiscalização, mostra-se evidente a sua obediência às disposições contidas no caput e § 1º do art. 37-A da Lei 10.522/02. Dessa forma, os créditos dos Conselhos de Fiscalização não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais. Como consequência, os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, correspondente a 20% (vinte por cento), conforme art. 1º do Decreto-Lei 1.025/69. A aplicação das disposições do art. 37-A aos créditos inscritos em dívida ativa pelos Conselhos de Fiscalização é evidente e a jurisprudência se manifestou sobre o tema:   “TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. APELAÇÃO. CONSELHO PROFISSIONAL. ANUIDADES. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL RECONHECIDA DE OFÍCIO EM PARTE. REGISTRO DO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIA NA ESPÉCIE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. – O crédito em execução é tributário, conforme já decidido pelo STF (RTJ 85/701, 85/927, 92/352 e 93/1217), face à natureza de contribuição parafiscal das anuidades devidas aos Conselhos de Fiscalização Profissional (artigo 21, § 2º, inciso I, da CF/69, e artigo 149 da CF/88). Assim, se sujeita ao prazo prescricional quinquenal, seja pela incidência do Código Tributário Nacional a partir de 1º de janeiro de 1967 (artigo 218 do CTN), seja em razão do princípio da continuidade no período entre a EC 08/77 e a promulgação da atual Constituição (adotado pela 1ª Seção do STJ no EREsp n.º 146.213), seja em razão do regramento tributário da matéria na CF/88. – Em relação à anuidade em cobrança, portanto, o termo inicial da prescrição foi o vencimento, ocorrido em 03/1996. Assim, tendo a execução sido ajuizada mais de cinco anos após, em 01 de fevereiro de 2002, evidente que a obrigação já se encontrava prescrita. – Em razão das atividades exercidas pela empresa apelada e comprovada nestes autos, é possível exigir a inscrição no Conselho Regional de Engenharia (artigos 1º e 7º da Lei nº 5.194/66). – À vista da sucumbência recíproca, bem como da Súmula 168 do extinto Tribunal Federal de Recursos, segundo a qual o encargo de 20% (vinte por cento) do Decreto-Lei nº 1.025, de 1969, é sempre devido nas execuções fiscais da União e substitui, nos embargos, a condenação do devedor a honorários advocatícios, a qual se aplica também às dívidas das autarquias federais no caso de a CDA prever a cobrança de tais verbas, como na espécie, entendo que o montante a que o conselho foi condenada oa pagar a esse título deve ser reduzido à metade, ou seja, para R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), conforme o disposto no artigo 21 do CPC. – Prescrição da anuidade referente a 03/1996 reconhecida de ofício. Apelação parcialmente provida.  (TRF 3ª Região, QUARTA TURMA,  AC – APELAÇÃO CÍVEL – 1351871 – 0046204-78.2008.4.03.9999, Rel. JUÍZA CONVOCADA SIMONE SCHRODER RIBEIRO, julgado em 06/03/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2014)”   ………………………………………………………………………………………………………………………………   “APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO FISCAL. CREA/RJ. ENCARGO DE 20% INCLUÍDO NA CDA. ART. 1º DO DECRETO-LEI 1.025/69. MULTA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 8º DA LEI 12.514/2011. APELAÇÃO PROVIDA. I. No caso em exame, o feito foi extinto, sem resolução do mérito, por inexigibilidade do título que a embasa, que incluiu o encargo de 20% (vinte por cento) a que se refere o Decreto-Lei nº 1.025/1969, assim como ao fundamento de que, nos termos do artigo 8º, da Lei nº 12.514/2011, os conselhos profissionais não podem executar judicialmente dívidas referentes a anuidades inferiores a 04 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica, o que teria ocorrido na hipótese. II. Não há óbice à inclusão do encargo de 20% pelo Conselho exequente na CDA, tendo em vista que visa custear as despesas com a cobrança dos créditos das autarquias e fundações públicas, inclusive os honorários advocatícios, a teor da disciplina do §1° do art. 37-A da Lei n° 10.522/02, a ser calculado nos moldes aplicáveis à Dívida Ativa da União (Decreto-Lei n° 1.025/69). III. A multa administrativa não está sujeita ao limite estatuído no artigo 8º da Lei n.º 12.514/2011, que obsta a execução judicial de dívidas referentes apenas a “anuidades inferiores a 04 (quatro) vezes o valor cobrado anualmente da pessoa física ou jurídica inadimplente”. Como a hipótese dos autos versa sobre multa, e não anuidades, descabida a aplicação do aludido art. 8º. IV. Recurso de apelação provido, para anular a sentença e determinar o retorno dos autos à Vara de origem, para que se dê o regular prosseguimento da presente execução fiscal. (AC 00010896320124025103, MARCELO PEREIRA DA SILVA, TRF2 – 8ª TURMA ESPECIALIZADA.)”   ………………………………………………………………………………………………………………………………   “AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHO PROFISSIONAL. INCLUSÃO DO ENCARGO DE 20% PREVISTO NO DECRETO-LEI No 1.025/69. POSSIBILIDADE. ART. 37-A, § 1o, LEI No 10.522/2002. 1 – Cinge-se a presente controvérsia em aferir a aplicabilidade do encargo de 20% previsto no art. 1o do Decreto-Lei n o 1.025/69 às execuções fiscais ajuizadas pelos conselhos profissionais. 2 – Inicialmente restrito à dívida ativa da União, o referido encargo também passou a ser aplicado aos créditos das autarquias inscritos em dívida ativa, por força do disposto no art. 37-A, §1o, da Lei no 1 0.522/2002, com redação dada pela Lei no 11.941/2009. 3 – Não obstante a natureza autárquica do Conselho-Exequente, o juízo a quo entendeu que o fato de não ser representado pela Advocacia Geral da União ou pelas Procuradorias Federais afastaria a incidência do referido encargo. 4 – Ocorre que o § 1o do art. 37-A da Lei no 10.522/2002, que legitima a inclusão do referido encargo nos créditos de autarquias inscritos em dívida ativa, não prevê a destinação desse valor aos cofres públicos p ara o custeio das atividades relacionadas à representação judicial da Fazenda Nacional. 5 – Assim, inexistindo previsão legal de que o encargo em questão destina-se ao custeio das atividades relacionadas à representação judicial da Fazenda Nacional, não há qualquer óbice à inclusão do encargo de 20% pelo Conselho-Exequente na certidão de dívida ativa. Precedentes: TRF2, AC 201451030006700, Sétima Turma Especializada, Rel. Des. Fed. JOSÉ ANTONIO NEIVA, E-DJF2R 28/11/2014; TRF2, AG 201002010052174, Terceira Turma Especializada, Rel. Juiz Fed. Conv. THEOPHILO MIGUEL, E-DJF2R 03/09/2010. 6 – Agravo de instrumento provido. (AG 01011547820144020000, MARCUS ABRAHAM, TRF2 – 5ª TURMA ESPECIALIZADA)”[14] Evidencia-se a necessidade de observância pelos Conselhos de Fiscalização às disposições contidas na Lei 10.522/02, que disciplina os procedimentos de inscrição em dívida ativa dos créditos das autarquias federais, sob pena de manifesta violação à legislação tributária. Ademais, a inclusão do encargo legal na Certidão de Dívida Ativa confere certeza e liquidez ao débito a ser inscrito em dívida ativa, evitando, ainda, a fixação de honorários advocatícios pelo Poder Judiciário em percentuais distintos quando do recebimento da petição inicial da ação de execução, o que tem promovido manifesto tratamento diferenciado aos profissionais executados, de acordo com o entendimento de cada juiz que recebe a peça inaugural.   O Novo Código de Processo Civil teve a virtude de uma vez por todas pôr uma pá de cal sobre a discussão acerca da titularidade dos honorários advocatícios pelos advogados. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil – EOAB (Lei nº 8.906/94) nos artigos 22 a 26, já prevê expressamente que os honorários advocatícios são de titularidade dos advogados. Prova disso é o art. 23, onde consta que os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor. Ainda assim, foram travadas diversas discussões acerca da titularidade da verba, especialmente no âmbito da advocacia pública. O caput do art. 85 do Código de Processo Civil estabelece que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. A titularidade dos honorários pelos advogados restou mais evidente ainda face a disposição contida no § 14 do mesmo dispositivo, pelo qual os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. A natureza alimentar dos honorários advocatícios demonstra a consolidação acerca da titularidade da verba pelos advogados. [15] O § 19 do art. 85 do CPC estabeleceu que os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.[16] Recentemente foram proferidas algumas decisões por juízes de primeiro grau apontando a inconstitucionalidade do recebimento dos honorários advocatícios pelos advogados públicos, porém, os Tribunais já começaram a se manifestar sobre o tema, apontando pela constitucionalidade do seu pagamento.[17] Tramita no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6053-DF, ajuizada pela Procuradoria Geral da República, na qual é questionada a constitucionalidade do pagamento dos honorários advocatícios aos advogados públicos, apresentando entendimento controverso de que os honorários sucumbenciais são uma espécie de contraprestação devida ao advogado em razão dos serviços prestados por ele no processo, porém, de acordo com o autor da ação, os advogados públicos não têm despesas com imóvel, telefone, água, luz, impostos e outros encargos. No caso dos Advogados Públicos é a Administração Pública que arca todo o suporte físico e de pessoal necessário ao desempenho de suas atribuições. Fundamenta, ainda, que os advogados públicos são remunerados pela integralidade dos serviços prestados, por meio de subsídios. Em 20 de dezembro de 2018 a medida cautelar foi indeferida pelo Relator Ministro Marco Aurélio. Quanto a ao § 19 do art. 85, CPC, merece, inicialmente, apontar que os procuradores dos Conselhos de Fiscalização Profissional admitidos mediante prévio concurso público são integrantes da advocacia pública. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, reconheceu a natureza de advogados públicos dos procuradores (concursados) que atuam nos Conselhos de Fiscalização em termo de compromisso firmado o Conselho Federal de Engenharia, onde consta que “considerando a natureza de Autarquia Federal do CONFEA, bem como a existência de quadro de advogados públicos que fazem jus aos honorários advocatícios sucumbenciais.[18] Diversas Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil também já se manifestaram sobre o exercício de atividades próprias de advocacia pública por esses profissionais, reconhecendo, ainda, a aplicação das súmulas específicas para toda a advocacia pública, editada pelo CFOAB, especialmente aquelas relacionadas à titularidade dos honorários advocatícios (Súmula nº 8) e dispensa de controle rígido de ponto de jornada de trabalho (Súmula nº 9).[19] O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, ainda, por meio do Parecer da Procuradoria Nacional de Defesa das Prerrogativas – CNDPVA nº 49.0000.2018.001734-1, concluiu pela legalidade da percepção dos honorários advocatícios pelos procuradores dos Conselhos de Fiscalização, ao apontar que: “[…] […]” Ora, o entendimento da Ordem dos Advogados do Brasil é forte nos artigos 22 a 26 da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil), bem como no art. 14 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil[20], que atendem à exigência contida no § 19 do art. 85 do Código de Processo Civil, pois são normas específicas que tratam da titularidade e rateio dos honorários advocatícios. Pergunta-se: Para que a edição de nova lei para disciplina do rateio dos honorários advocatícios se já há farta legislação tratando do tema? Importante destacar que os cargos e remuneração dos procuradores dos Conselhos são regularmente disciplinados em atos infralegais (ex: resoluções dos órgãos colegiados), o que legitima o rateio dos honorários entre os integrantes de carreira, conforme disposição expressa dos citados atos normativos, que tratam especificamente do tema abordado no § 19, do art. 85, do CPC.[21] Os Conselhos Seccionais da OAB, como já adiantado, são firmes no sentido de que os advogados dos Conselhos de Fiscalização são titulares dos honorários advocatícios, como se verifica no parecer elaborado pela Comissão Estadual do Advogado Público da Seccional da OAB/SC oriundo dos expedientes nº 18779.2016-0, 8686.2017-0 e 8672.2017-0, bem como parecer da Comissão de Advogados Públicos da Seccional da OAB/ES referente ao Processo nº 72382017-0. Houve reconhecimento, ainda, da incidência da súmula de defesa da Advocacia Pública nº 8 (Os honorários constituem direito autônomo do advogado, seja ele público ou privado. A apropriação dos valores pagos a título de honorários sucumbenciais como se fosse verba pública pelos Entes Federados configura apropriação indevida). A Seccional de São Paulo, por sua Comissão de Advocacia Pública, concluiu pela legalidade do repasse dos honorários advocatícios aos procuradores do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo ao afirmar que: “[…] No caso da verba honorária, por expressa disposição da lei, ela não pertence ao Conselho Profissional, uma autarquia federal, pelo que não pode ser considerada receita pública.  Outrossim, a sua distribuição aos integrantes da advocacia não pode ser considerada uma despesa pública,  pois quem a paga não é o Poder Público, mas o sucumbente em ação judicial. […]” Registre-se, ainda, que o Tribunal de Contas da União já se manifestou sobre a ausência de ilegalidade na percepção de honorários advocatícios pelos procuradores efetivos de carreira dos Conselhos de Fiscalização, especialmente nos Acórdãos TCU nº 1167/15 e 1701/18, todos do seu Plenário.   Com a consolidação do entendimento da doutrina e da jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores acerca da natureza jurídica de autarquias federais de regime de direito público dos Conselhos de Fiscalização Profissional estas entidades passaram a ter responsabilidades próprias da Administração Pública Federal, ou seja, obediência aos princípios constitucionais-administrativos, compras mediante prévia licitação, responsabilidade civil objetiva decorrentes dos seus atos administrativos ou de gestão, submissão à Lei 9.784/99 (dispõe sobre o processo administrativo federal), contratação de seus servidores selecionados por meio de concurso público, prestação de contas ao Tribunal de Contas da União, responsabilização dos gestores nos casos de danos ao erário etc. Por outro lado, para que sejam alcançadas as finalidades institucionais dos Conselhos de Fiscalização, foram outorgadas prerrogativas (instrumentos) próprias de entidades detentoras de regime de Direito Público, tais como, capacidade tributária ativa para a arrecadação das anuidades (tributos da espécie contribuições – art. 149, CF), autonomia administrativa e financeira (sujeita a controle), patrimônio constituído de bens públicos, prazos processuais privilegiados, sujeição das suas demandas ao reexame necessário nas hipóteses previstas em lei, prazos processuais, benefício dos prazos processuais próprios da Fazenda Pública (art. 188, CPC), prerrogativas de advocacia pública aos advogados/procuradores concursados (arts. 182 a 184, CPC), inscrição em dívida ativa dos seus créditos para posterior cobrança pelo procedimento específico da execução fiscal etc. Especificamente em relação à sujeição ao procedimento de inscrição em dívida ativa como condição para a execução dos seus créditos tributários ou não tributários pela via da execução fiscal, os Conselhos de Fiscalização devem observar toda a legislação que disciplina esses procedimentos, especialmente o art. 37-A, caput, e respectivo § 1º, da Lei nº 10.522/02, que determina expressamente que os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, serão acrescidos de encargo legal de vinte por cento (Decreto-Lei nº 1.025/69), substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União. A falta de observância dos referidos dispositivos caracteriza manifesta violação à legislação tributária por parte dos Conselhos de Fiscalização. Por fim, considerando que o § 1º do art. 37-A da Lei nº 10.522/02 dispõe expressamente que o encargo de 20% (vinte por cento) é substitutivo dos honorários, à luz do § 19, do art. 85, do Código de Processo Civil, cumulado com o art. 30 da Lei 13.327/16 e Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, da jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União, é inegável que o valor arrecadado deverá ser repassado aos advogados públicos dos Conselhos de Fiscalização efetivos, integrantes das respectivas carreiras.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/do-acrescimo-do-encargo-do-decreto-lei-no-1-025-69-nos-debitos-inscritos-em-divida-ativa-pelos-conselhos-de-fiscalizacao-profissional-dever-legal/
Direito Contratual Norte Americano – Fontes, Princípios, Tratados e Convenções Internacionais
Resumo
Direito Administrativo
Introdução O fato de os Estados Unidos ser considerado a maior potência econômica mundial da atualidade trás uma grande relevância para o seu direito contratual privado, como ele se comporta e é influenciado no cenário internacional. Se faz necessário, portanto, compreender as principais fontes do direito contratual norte americano, especialmente no campo privado, divididas entre a common law e o Código Comercial Uniforme. As diferenças entre esses dois institutos também se monstram de extrema importância, sem excluir o fato de que serão aplicadas de acordo com o entendimento e soberania de cada estado dessa federação. Destacam-se, também, a base dos princípios mais aplicados dentro do direito contratual dos Estados Unidos e como eles tem se desenvolvido e sendo aplicados até os dias de hoje, onde merecem destaque os princípios da boa-fé, da liberdade de contratar e da razoabilidade. Seu conteúdo apresenta ainda os tratados e convenções internacionais que influenciam os acordos que envolvem um contratante americano ou uma relação contratual feita sob sua normativa, sendo eles o CISG, que foi desenvolvido pela UNCITRAL e o PICC, maestramente elaborado por meio da UNIDROIT. Tais siglas e seus fundamentos serão esclarecidos ao decorrer desse artigo. Oportunamente, o conteúdo desse trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa de publicações e doutrina emanadas de conteúdo originalmente americano, disponibilizado ao público em geral por seus autores, em sua maioria estudantes, mestrandos e doutores das melhores universidades de direito do Estados Unidos. Jurisprudências e artigos de escritórios de advocacia que possuem destaque no cenário jurídico norte americano também foram utilizados. Por fim, este trabalho poderá servir como um guia geral para patronos que venham a representar clientes estrangeiros em negócios que envolva o direito contratual americano, uma vez que ao final este terá adquirido conhecimento para diferenciar a normativa que deve ser aplicada para cada tipo de contrato.   1 FONTES DO DIREITO CONTRATUAL AMERICANO PRIVADO 1.1 Common Law e os Restatements de Contratos O Direito Contratual Americano tem suas raízes na common law inglesa, mas começou a formar sua própria identidade a partir da década de 1870 na Escola de Direito de Harvard, onde ao longo dos anos foram publicados diversos artigos sobre o tema, como por exemplo o artigo intitulado “A Lei dos Contratos” escrito pelo professor Samuel Williston, em 1920. Esse período ficou conhecido nacionalmente como a era pré-moderna do Direito Contratual Americano, uma vez que deu início a abertura de mais faculdades de Direito pelo país e os escritores regionais começaram a se concentrar em estudos baseados nas decisões judiciais locais e não mais nos pronunciamentos e decisões oriundas da Inglaterra. Já a era moderna teve início a partir da grande depressão econômica mundial, em 1930, onde o governo americano viu a necessidade de  intervir nas relações comerciais visando proteger o sistema econômico e de contratação. A forma de controle encontrada foi a padronização dos direitos e deveres contratuais, de forma que os contratantes soubessem no momento da contratação o que se esperar de cada um e as consequências do não cumprimento dessas obrigações. Nesse sentido, em 1932 foi publicado pela American Law Institute, o Restatement de Contratos, que seria um compilado de decisões das cortes de apelação americana, em conjunto com comentários explanatórios, exemplos hipotéticos e citações estaduais e federais a respeito de casos concretos. O Restatement de Contratos nasceu de um trabalho feito com o auxílio do professor Williston, juntamente com aproximadamente 4.000 professores de direito, advogados e juízes e se encontra nos dias atuais em sua segunda versão, que foi publicada em 1981. Destaca-se que esse documento não tem peso de lei, caso contrário seria elevado como um Código, mas é amplamente utilizado pelos juízes americanos como forma de resolução de conflitos. Portanto, tem caráter doutrinário não vinculante dentro de uma das fontes do direito contratual americano que é a common law. A common law se resume nas decisões judiciais dadas pelos tribunais, que serão usadas como fundamento para decisões posteriores. Esse tipo de Sistema jurídico é aplicado também em países como Austrália, Canadá, Hong Kong, Índia e Nova Zelândia, mas nos Estados Unidos possui raízes tão fortes, que se aplica como principal método de estudo dos alunos nas faculdades desde que estas começaram a ser tornar populares no início do século XIX até os dias de hoje. Os principais tipos de contratos que são regidos pela common law são os contratos imobiliários, prestação de serviços, seguro, de bens intangíveis, de relação de emprego, contratos de empreitada, contratos de software, patentes, entre outros. 1.2 Código Comercial Uniforme Ainda dentro da era moderna foi criado o Código Comercial Uniforme (Uniform Commercial Code – UCC), que começou a ser formulado em 1945 em parceria entre o American Law Institute e o NCCUSL – Conferência Nacional de Comissários sobre Leis Estaduais Uniformes,  uma associação sem fins lucrativos constituída por representantes de diversos estados. O UCC foi publicado em 1952 e desde então trata da normativa dos contratos relacionados à venda de mercadorias, especialmente os bens tangíveis.  Destaca-se que esse documento também não foi promulgado pelo congresso americano e, assim como os Restatements, não tem status de lei. Contudo, no campo prático o UCC é considerado uma “lei nacional”, uma vez que foi adotado em quase sua totalidade por todos os estados americanos em seus estatutos, sendo certo que aqueles que o alteraram fizeram em principio como forma de adequação aos costumes locais. Oportuno ressaltar que, alguns juristas consideram o UCC falho, uma vez que trás em seu contéudo normativa apenas para os contratos de vendas de mercadorias, não abrangendo contratos importantes na atualidade como os contratos de serviços e imobiliários, que conforme já explanado serão atendidos pela common law. Além disso, outras matérias contratuais não estão relacionadas no UCC, sendo aquelas relativas à preclusão, fraude, deturpação, coação, coerção e erro. Portanto, duas fontes alimentam o direito contratual sendo a primeira delas a common law, que se fundamenta nas jurisprudências, enriquecida pelos Restatements de Contratos; e a segunda o Código Comercial Uniforme, nos casos de venda de bens tangíveis. Necessário destacar que a Constituição Federal americana dá autonomia para que cada um dos cinquenta estados tenha seu próprio direito contratual, por meio de suas Constituições Estaduais. Desta forma, essas fontes são adotadas por cada estado de acordo com seus interesses econômicos e culturais e por isso é praticamente impossível que se analise a prática do direito contratual em cada um deles em único artigo, não havendo que se falar em uma lei uniforme de contratos. Alguns doutrinadores têm lançado teses de que a unificação seria interessante, considerando que diariamente são feitos acordos entre contratantes de estados distintos. Esse entendimento é oriundo da prática dos países europeus, que vivem em busca da harmonização e unificação do direito e entendem que a diversidade legal pode ser na verdade considerada como um caos. Porém, não há muitos esforços para que o conteúdo jursiprudencial, doutrinário e normativo de cada estado sejam unificados, já que a própria Constituição Americana limitaria a competência do Congresso Nacional em aplicar a unificação. Por fim, a maioria dos empresários americanos pensam que não é preciso uma legislação uniforme sobre direito geral dos Contratos para que o mercado econômico seja grande. Já dizia o renomado professor de direito Whitmore Gray, que a diversidade no direito privado seria a norma e a uniformidade seria exceção.[2] 1.3 Principais Diferenças entre o UCC e a Common Law Conforme já verificado, o UCC será aplicado aos contratos sobre venda de mercadorias e objetos tangíveis, sendo que os demais contratos, tais como de relação de emprego, bens intangíveis, seguros, prestação de serviços, imobiliários, entre outros, estarão subordinados às decisões da commom law. Para que se entenda a aplicabilidade dessas fontes do direito contratual, se faz necessário explanar as suas principais diferenças sob o ponto de vista prático. As principais diferenças consistem na formação dos contratos, especialmente a respeito da flexibilização, que é mais restrita na commom law do que no UCC para que um acordo seja considerado nulo ou anulável, especialmente porque esse segundo se preocupa mais em entender se as partes pretendiam entrar em um acordo vinculativo ou não. Nesse sentido, o UCC trás como termo essencial a explicitação da quantidade de bens a serem comercializados, os demais termos poderão ser aceitos se combinados informalmente, enquanto a commom law exige que sejam determinados explicitamente a oferta, preço, quantidade e obrigação das partes. Destaca-se que o UCC determina que uma oferta escrita feita por uma empresa será irrevogável, sendo certo que mudanças na oferta poderão ser aceitas apenas nos casos em que não alterem substancialmente o seu objeto. Na commom law a oferta deve sempre trazer em seu escopo o preço, o nome da pessoa a quem está sendo proposta e o objeto da proposta. Eventual modificação pelo ofertado será considerada como rejeição, já que o aceite deve ser um espelho da proposta para que esta seja considerada válida e se torne um elemento de formação do contrato. As obrigações da parte contratada devem ser estritamente observadas no UCC, enquanto que a common law possibilita maior flexibilidade sobre o seu cumprimento pelas partes. Ressalta-se que modificações na obrigações diante de um contrato da esfera da commom law exigem que seja observado um famoso elemento na doutrina americana que é o elemento da consideração, que consiste na necessidade de que cada parte deve fornecer algo de valor na relação contratual. Essa exigência nem sempre abrange compensação financeira, mas também as obrigações de fazer ou de não fazer e não é exigida nos contratos do UCC. Outros fatores importantes a serem considerados podem ser resumidamente listados:     Oportuno informar que tais diferenças não são exaustivas e podem ter variações de acordo com o estado em que se aplicam, mas trazem um bom norte do que as partes contratantes e seus patronos precisam saber quando pretendem entrar em uma contratação que posteriormente poderá ser levada à uma corte americana.   2 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS 2.1 Princípio da Boa-fé Contratual (Good Faith Standard) Destacam-se os princípios que se aplicam à esfera contratual norte americana, sendo o primeiro deles o princípio da boa-fé. Derivado do próprio UCC, por meio dos artigos 201, §1° e 304, §1°, o princípio da boa fé (conhecido como Good Faith Standard), trás o entendimento de que as partes devem evitar tomar ações que visam impedir a finalidade do contrato, exigindo um comportamento honesto e de acordo com os padrões comerciais razoáveis. Esse princípio, portanto, não era abraçado pela doutrina americana antes da adoção do UCC no ordenamento jurídico. Posteriormente, a boa-fé também foi adotada na seção 205 da segunda edição do Restatement de Contratos, no ano de 1981. Em que pese a adoção do princípio da boa-fé nas fontes do direito comercial, não há um entendimento nacional exato do seu significado, portanto, ele será considerado de acordo com o contexto de cada situação. Desta forma, se aplica por meio de uma conotação subjetiva e se torna tão importante que os contratos sejam precisos ao descrever o que as partes deverão ou não fazer durante a sua vigência. Assim, o princípio da boa-fé é comumente aplicado como um remédio quando da verificação do cumprimento do contrato e não no momento das tratativas. 2.2 Princípio da Liberdade Contratual (Contractual Freedom) O princípio da liberdade contratual também é amplamente aplicado no ordenamento jurídico norte americano, sob o fundamento de que a proteção das partes e o avanço econômico deve ser garantido. Este princípio é então considerado de ordem pública e por isso os tribunais evitam interferir no que foi combinado entre as partes. Desta forma, a commom law se baseia no entendimento de que o direito contratual, com raras exceções, deverá se sujeitar à vontade dos contratantes, sob o entendimento de que é isso que torna os Estados Unidos à frente do direito contratual globalizado. Como forma de exemplificação podemos citar que hoje em dia as cláusulas a respeito da eleição de foro, arbitrais, exclusão da responsabilidade (com exceções) e exclusão da não concorrência são amplamente aceitas, o que não era praticado há algumas décadas. Ademais, a corte americana é resistente quanto a classificação de cláusulas como abusivas por causa desse princípio, em que pese o UCC trazer normativa a esse respeito em seu artigo 302.   2.3 Princípio da Razoabilidade (Reasonable Person Standard) O princípio da razoabilidade ou reasonable person standard  se aplica no ordenamento jurídico americano, em diversos campos, tais como no direito civil e criminal e não tem fundamento normativo, mas jurisprudencial. Sob o ponto de vista contratual, esse princípio tem um forte contraste com o princípio da boa-fé, uma vez que ele se configura como um padrão objetivo, requerendo que determinada pessoa tenha os mesmos cuidados e responsabilidades na contratação que qualquer pessoa  com entendimento razoável na comunidade em geral deveria ter. Esse entendimento objetivo surgiu somente após o século XIX na era moderna, com o fundamento de que a simples análise subjetiva dos contratos traria desconfiança e atenderia apenas os interesses individuais, mas novamente ressalta-se que as cortes americanas tem reservas quanto a sua aplicação. Esse princípio tem sido comumente aplicado nos contratos de adesão, que geralmente incluem os contratos bancários e os contratos de seguro, onde a jurisprudência utiliza como justificativa para que seja declarada nulidade total ou parcial. Já nos contratos comerciais, a jursiprudência americana adota a lei britânica Unfair Contract Terms Act 1977 (UCTA), que determina que o princípio da razoabilidade restringe o limite das obrigações impostas ou a exclusão de responsabilidade por uma empresa à outra, especialmente quando ocorre falha em cumprir determinada obrigação do contrato por negligência de um dos sujeitos do contratos, obrigando a parte infratora à indenização da outra parte em virtude do seu comportamento.   3 INFLUÊNCIA DAS CONVENÇÕES E TRATADOS INTERNACIONAIS 3.1 UNCITRAL – United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG) A UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law) é uma comissão que foi estabelecida em 1966, cujo objetivo principal é promover a harmonia e a unificação do lei internarcional de comércio, tendo até o início do ano de 2019, 62 estados membros. Os representantes dos países membros da UNCITRAL se reunem geralmente uma vez ao ano, visando a elaboração de textos que intentam simplificar e desenvolver as transações do comércio internacional, reduzindo ainda os seus custos. Desta forma, no ano de 1980 foi realizada uma convenção na cidade de Vienna, na Austria, que culminou com um tratado de uniformização da lei internacional de venda de mercadorias, denominado United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods (CISG), tornando-se um sucesso, uma vez que vem sendo aceito por estados de diferentes posições geográficas, sociais e econômicas, bem como vem sendo considerado pelo mundo como um Código Comercial Uniforme internacional. Destaca-se que o próprio Código Comercial Uniforme dos Estados Unidos é semelhante ao texto da CISG em seus artigos 1 e 2, mas ambos os documentos também possuem divergências, como por exemplo algumas regras a respeito da fases contratuais de oferta e aceite. Além disso, a CISG não exige que os contratos sejam realizados da forma escrita, diferente do estatuto de fraude do UCC que determina que os contratos de venda de bens de valor maior que U$500 deverão ser necessariamente constituídos sob a forma escrita. Nesse sentido, uma vez que os EUA ratificaram a CISG, ela passou a ter estatus de lei federal no país e, portanto, se sobrepõe ao UCC em sua aplicabilidade como lei estadual, razão pela qual nos contratos internacionais para venda de bens que figurem os Estados Unidos e outro estado estado contratante que também seja signatário, deverão prevalecer os termos da CISG, a menos que seja incluída uma cláusula excluindo essa esse normativa. Observe-se, portanto, que nas contratações entre os EUA e um estado que não seja signatário da CISG, o tribunal americano aplicará a lei interna, de acordo com as regras do direito internacional privado.   3.2 UNIDROIT – Principles of International Commercial Contracts (PICC) O UNIDROIT é um instituto formado atualmente por 63 estados membros, cujo objetivo é a unificação do direito privado internacional por meio de leis uniformes, convenções internacionais e outros documentos oficiais. Os Estados Unidos atua como estado membro do UNIDROIT desde o ano de 1964 e se tornou signatário do documento denominado PICC (Principles of International Commercial Contracts), que visa a harmonização da lei internacional para contratos comerciais. O PICC foi publicado em sua primeira versão no ano de 1994 e sua quarta e última versão ocorreu em 2016. A implementação do PICC nos contratos comerciais internacionais pode ocorrer de diversas formas, tais como: (1) quando as partes decidem aplicar o PICC que legislação aplicável ao contrato; (2) quando as partes decidem incorporar o PICC nos termos do contrato; (3) quando as partes decidem usar o PICC como forma de interpretar e suplementar a aplicação do CISG no contrato; e, (4) quando as partes decidem usar o PICC como forma de interpretar e suplementar a lei doméstica ou outra lei internacional aplicável.   Conclusão A criação de novas escolas de direito nos Estados Unidos abriu caminho para que o país pudesse se desmembrar e começar a criar a identidade do seu próprio direito contratual. Ademais, a depressão econômica mundial demonstrou a necessidade do desenvolvimento de um conteúdo normativo e jurídico denso, que pudesse trazer mais segurança aos contratantes. Nesse sentido, as decisões das cortes americanas, caracterizadas na common law como a primeira fonte do direito contratual, serviram de base para a formação e resolução de litígios na maioria dos tipos de contratos, com exceção daqueles relacionados à compra e venda de bens tangíveis. Além disso, a jurisprudência contratual foi compilada em um documento denominado Restatement de Contratos, que apesar de não possuir status de lei, até hoje é fortemente considerado pela normativa jurídica do país. Por outro lado, o Código Comercial Uniforme americano, publicado em 1952, também não alcançou status de lei federal, mas foi adotado majoritariamente pelos estados dentro de suas constituições de acordo com os interesses regionais e se tornou a segunda fonte do direito dos contratos, especialmente aqueles relacionados à venda de mercadorias. Desta forma, as diferenças entre as duas fontes do direito contratual caracterizadas na common law e no Código Comercial Uniforme é um rico objeto de estudo para aqueles que querem entender como funciona a aplicabilidade da norma contratual nos Estados Unidos, especialmente no que tange à formação dos contratos por meio da oferta, do aceite e de seus requisitos de validade. Outrossim, considerados tão importantes quanto as fontes, os princípios contratuais apresentam ainda a base do direito contratual americano, sendo três deles destacados: i. a boa-fé; ii. a liberdade contratual; e, iii. a razoabilidade. Os princípios da boa-fé e da razoabilidade se diferem quanto a sua aplicabilidade, onde o primeiro trás um julgamento subjetivo, especialmente como um remédio quanto ao cumprimento do acordo firmado entre as partes. O segundo se aplica na esfera objetiva, levando em consideração o que seria feito de acordo com os padrões morais da comunidade em geral. Já o princípio da liberdade contratual está intrisicamente ligado ao avanço da economia, o que o eleva a um princípio de ordem pública. Temos ainda a influência dos tratados e convenções no direito contratual americano diante do cenário internacional. A cada ano os Estados Unidos se torna signatário de aproximadamente 200 tratados e acordos internacionais que versam sobre paz, comércio, limites territorias, direitos humanos, meio ambiente e contratos. Nesse sentido, a CISG poderá atuar como normativa nos contratos internacionais feitos entre os Estados Unidos e outro membro da UNCITRAL para os contratos de venda de mercadorias. Ademais, temos o país como membro do UNIDROIT e signatário do PICC, considerado como o Código Comercial Internacional e que tem dentro do seu escopo a harmonização de lei internacional para contratos comerciais. Conclue-se, portanto, que os Estados Unidos tem alcançado grande avanço no direito contratual na medida que o país permanece como a maior potência econômica do mundo, o que demonstra a grande importância, principalmente por contratantes estrangeiros e seus patronos, do conhecimento de suas fontes e como funciona o sistema jurídico dentro desse campo do direito comercial. Por fim, é importante destacar que o presente artigo trás uma visão geral de cada instituto apresentado, sendo certo que seu conteúdo não é taxativo e poderá ser complementado por meio de outros artigos aprofundados sobre cada tópico, ajudando os leitores a entender melhor como o ordenamento jurídico contratual norte americano funciona em sua essencialidade.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/direito-contratual-norte-americano-fontes-principios-tratados-e-convencoes-internacionais/
Direito Contratual Alemão – Fontes, Princípios, Convenções e Tratados Internacionais, Formação e Cláusulas Gerais
Resumo
Direito Administrativo
Introdução A Alemanha é considerada atualmente a primeira potência econômica de toda a Europa e a quarta maior potência econômica mundial, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Japão e China. Esses fatores trazem uma relevância muito grande para o país e consequentemente, um despertamento da necessidade de entendimento do direito pátrio pelos estrangeiros, especialmente no que tange ao direito contratual privado, que será o foco do presente artigo. Desta forma, inicia-se o destaque à primeiro fonte do direito contratual que é o Código Civil, conhecido popularmente como BGB. Esse documento vigora desde 1900 e teve sua última reforma no ano de 2002, apresentando normativa a respeito da matéria no capítulo do direito das obrigações, desde a formação até o encerramento. Desta forma, o BGB é a legislação considerada pelos tribunais para resolução de litígios sobre contratos. Outrossim, o presente artigo elucida dois princípios contratuais fundamentais adotados, que são o princípio da boa-fé e da liberdade de contratar, em destaque nas seções 157 e 242 do BGB e na doutrina majoritária. Trás ainda os Tratados e Convenções Internacionais mais importantes cuja Alemanha é signatária, sendo eles a Convenção de Viena sobre Contratos para a Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em Inglês), a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e o Código de Contratos Europeu. Oportuno ressaltar ainda uma visão geral a respeito da formação dos contratos e suas cláusulas gerais. Os pontos mais interessantes consistem no fato de que a Alemanha tem uma normativa diferente a respeito da oferta e do aceite da maioria dos países, uma maior liberdade quanto ao instituto da capacidade, a impossibilidade de que os contratos sejam contrários à ordem pública e à imoralidade, a diferenciação da arbitragem desse país no cenário mundial, entre outros. Por fim, este artigo foi desenvolvido por meio de pesquisa de trabalhos publicados por professores, mestres e doutores a respeito do direito contratual alemão, cuja fonte de pesquisa é muito rica, uma vez que sua legislação, doutrina e jurisprudência tem sido uma fonte de inspiração para países no mundo inteiro que aplicam a lei civil, razão pela qual não possui um conteúdo taxativo, que pode ser complementado.   1 Fontes do Direito Contratual Alemão 1.1 Código Civil – BGB A República Federativa da Alemanha tem uma grande tradição normativa, cuja base vem do Direito Romano. Esse país se classifica como uma democracia parlamentar e tem seus pilares fundamentados na Constituição Alemã (Grundgesetz), vigente desde o ano de 1949. O Direito Privado alemão é regulado pelo Código Civil Alemão (BGB), que vigora desde o ano de 1900, tendo sofrido uma grande reforma no ano de 2002 que foi estimulada por diretivas da União Europeia e também influenciada pelo Ministério da Justiça nacional.  Desde a sua promulgação, o BGB tem sido usado como referência para normativas cíveis de diversos países, tais como Portugal, Estônia, Letônia, China, Japão, Tailândia, Coreia do Sul, Grécia, Ucrânia e Brasil.[2] O BGB divide-se em cinco partes: (i) parte geral; (ii) direito das obrigações; (iii) direito das coisas; (iv) direito de família; e, (v) direito das sucessões. Nesse ponto destaca-se o capítulo do direito das obrigações, disponibilizado entre os artigos 241 a 853, onde se encontram normativas que dispõem a respeito da formação, validade, classificação, responsabilidade e extinção dos contratos, razão pela qual o BGB é o instrumento usado pelos tribunais alemães como o norte decisivo quanto a litígios que envolvam matéria contratual. Interessante destacar que a estrutura normativa jurídica abriga também o Código Comercial Alemão (“HGB”), a Lei das S.A (“AKTG”), a Lei das Sociedades Limitadas (“GMBHG”) e a Lei de Condições Gerais de Contratação (“AGB-Gesetzque”), entre outras, que serão utilizadas como complemento ao BGB para o direito contratual. Ademais, o BGB passou por importante reformas desde 2002, trazendo novas tratativas a respeito dos contratos de vendas de bens e de prestação de serviços, bem como a inserção de disposições a respeito dos contratos de adesão ou contratos standard. Foram inseridas também várias leis satélites, sendo uma delas a Lei Sobre Condições Gerais do Contrato (Gesetz Uber Allgemeine Geschaftsbedingungen – AGBG), que passou a fazer parte do capitulo das obrigações gerais do BGB, nos artigos 305 a 310. Não obstante, em 2018 foram inseridos novos regulamentos a respeito dos contratos de vendas de produtos B2B e B2C, que são os tipos contratuais finalizados através de uma plataforma online, entre duas empresas ou uma empresa e um consumidor, respectivamente.   2 Princípios Fundamentais Aplicados ao Direito Contratual No que tange aos princípios fundamentais, dentre muitos que a Alemanha adota, podemos destacar os princípios da boa-fé e da liberdade de contratar. O país é pioneiro na valorização do princípio da boa-fé nas relações contratuais, conforme disposto nas seções 157 e 242 do BGB: 157: Os contratos devem ser interpretados conforme exige a boa-fé levando-se em conta os usos. 242: O devedor tem a obrigação de executar a prestação, tal como o exigem a confiança e a fidelidade levando em consideração os usos de tráfico. O princípio da boa-fé deve ser praticado durante todo o período contratual, especialmente nas fases preliminares de negociação, onde as partes tem o dever de serem claras quanto ao que esperam do contrato para a outra parte até o momento da sua conclusão. Um exemplo de responsabilidade preliminar, se aplicaria no caso em que uma parte assume determinadas despesas durante a fase de negociações avançadas, esperando que o contrato posteriormente seja concluído, mas a outra parte desiste das negociações sem um justo motivo para tanto. Isso pode custar o reembolso das despesas em virtude da violação da boa-fé, conforme se dispõe nas seções 280 (1) e 241 (2) do BGB. No que tange ao princípio da liberdade contratual, este divide-se na liberdade de forma, escolha, conteúdo, conclusão e ao direito de revogação. Destaca-se que em que pese a liberdade contratual ter extrema relevância, a doutrina alemã traz barreiras limitadoras. Nesse sentido, o jurista alemão do Direito Privado Werner Flume apresenta o processo de compreensão da liberdade contratual em que esse princípio se aplicaria apenas ao procedimento de contratação, como a liberdade de escolher a outra parte, o assunto e outros termos do contrato.[3] O também renomado jurista Karl Larenz entende que a liberdade contratual é apenas uma ferramenta para se alcançar igualdade no poder de negociação. [4] Outrossim, o BGB em suas seções 308 e 309 apresenta uma lista de restrições que devem ser aplicadas aos contratos de produtos B2B e B2C, sendo este um exemplo de restrição à liberdade contratual. Como por exemplo podemos citar a proibição da exclusão de clausulas de responsabilidade em caso de danos pessoais ou morte ou ainda o afastamento da responsabilidade no caso de violação negligente das obrigações contratuais. De qualquer forma, a jurisprudência entende que a liberdade contratual existe para impedir contratos injustos, no sentido de que esse princípio una acordos voluntários em condições justas, sendo este entendimento desenvolvido pelos juristas e filósofos James Gordley[5] e Peter Benson[6].   3 Tratados e Convenções Internacionais Quanto aos tratados e convenções internacionais que se aplicam ao direito contratual, desde 1991 o país é signatário da Convenção de Viena sobre Contratos para a Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em Inglês) de 1980, que foi coordenada pela Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional – UNCITRAL, tendo como objetivo a unificação de leis internacionais aplicáveis a formação de contratos de compra e venda internacionais e suas obrigações.[7] Além disso, a Alemanha faz parte da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), cujo objetivo é harmonizar o direito privado entre os estados, e do Código de Contratos Europeu, tendo seu último rascunho publicado inicialmente em francês em 2001, posteriormente traduzido para o alemão.   4 Formação dos Contratos 4.1 Oferta e Aceite Um fato interessante e intrínseco da jurisdição e da cultura alemã a respeito da formação dos contratos de comércio é a aplicação do princípio alemão do kaufmännisches Bestätigungsschreiben, que significa a confirmação unilateral de uma carta contratual. Uma carta contratual enviada de um comerciante para o outro poderá se tornar vinculativa caso o comerciante que a recebeu não apresente negativa no prazo médio de 2-5 dias úteis. Nesse ponto, os advogados estrangeiros poderão por muitas vezes sujeitar seus clientes a prejuízos se não conhecerem esse princípio, no sentido de que seus clientes não poderão ignorar cartas de negócios enviadas por parceiros alemães, sob pena de entrar em um contrato vinculativo, mesmo que nunca o tenha assinado. Desta forma, uma oferta que não tenha sido recusada será considerada um consentimento e portanto, um contrato implícito. 4.2 Negociação O BGB entende que a fase de negociações contratuais já pode iniciar um processo de responsabilidade das partes, conhecida juridicamente como culpa in contrahendo. Esse instituto significa levar em conta os deveres de proteção, esclarecimento e lealdade. Tal entendimento está implícito na seção 311 do BGB, mas já vinha sendo praticada pela jurisprudência por meio da doutrina criada pelo jurista Rudolf Von Jhering em sua obra “culpa in contrahendo”, que trata da indenização em contratos nulos ou não chegados à perfeição. 4.3 Capacidade As Partes precisam ter capacidade para que um contrato seja considerado existente. O BGB dispõe em sua seção nº 104 que a capacidade legal já pode ser auferida à uma pessoa que tenha no mínimo sete anos de idade. Por óbvio que uma criança de sete anos tem a capacidade legal limitada até que complete os dezoito anos, nos termos da seção 106, já que precisará da aprovação de seu representante legal para que o contrato seja válido. Ademais, o BGB apresenta uma exceção à limitação da capacidade de menores de dezoito anos, onde os contratos que resultam em uma vantagem legal para os mesmos não precisarão necessariamente da aprovação de seu representante, nos termos da seção 108. Importante ressaltar que o BGB também apresenta a possibilidade de anulação de um contrato que tenha sido firmado por uma pessoa incapacitada temporariamente (como por exemplo no caso de uma intoxicação) ou disturbio mental em sua seção 105. 4.4 Forma A respeito das condições gerias da formação, a seção 138 do BGB dispõe que os contratos devem ser formulados de forma que não violem as políticas públicas, sob pena de serem nulos e sem efeito, mas que não necessariamente eles precisarão tem a forma escrita, podendo ser concluídos por meio de conduta implícita. Destaca-se aqui que, em que pese a conduta implícita ser amplamente aceita, tem-se o pré-requisito de que haja algum tipo de evidência a respeito do acordo firmado entre as partes, para que não sejam considerados nulos. Além disso, alguns tipos contratuais não podem se inserir nessa possibilidade, tais como os contratos que visam o estabelecimento de fundações, de financiamento imobiliário, de aluguel por mais um ano, contratos de anuidade, contratos de garantia, contratos unilaterais e reconhecimento de débito. 4.5 Moralidade A seção 138 do BGB dispõe que não serão válidos os contratos considerados imorais, ou seja, aqueles contrátios aos bons costumes. O Código não traz em seu corpo a definição de um contrato imoral, mas a jurisprudência dispõe que se trataria de algo que contrarie o sentido de decência das pessoas em geral, como por exemplo imoralidade sexual, restrição da independência pessoal e da liberdade econômica, contratos que possibilitem a contenção de comércio, entre outros. 4.6 Possibilidade As seções 307 e 308 do BGB determinam que o objeto contratual deve ser plenamente possível no momento da conclusão do contrato para que esse não seja considerado inválido, especialmente se uma das partes sabia dessa impossibilidade no momento da contratação, sob pena de ter que indenizar a outra parte pelos danos causados em virtude da falta desse elemento de validade. 4.7 Linguagem Sobre a língua a ser utilizada na forma escrita dos contratos, a legislação permite que as partes tenham liberdade para escolher. Porém, é inteligente que pessoas e empresas estrangeiras tenham uma versão em alemão do contrato caso tenha que passar por um litígio em um tribunal local. Outro ponto inteligente é incluir uma cláusula que esclarece que o alemão irá prevalecer no caso em que haja conflito ou dúvida entre as duas línguas. Importante ressaltar que os contratos de consumo estão fora da disposição acima, uma vez que o BGB em sua seção 30 dispõe que as ofertas de consumo direcionadas ao público da Alemanha deverão ter o alemão como língua oficial sob a hipótese de serem considerados nulos.   5 Cláusulas Gerais 5.1 Responsabilidade Contratual Passando à esfera da responsabilidade contratual, a culpa é um fator intrísico no direito alemão para que a parte prejudicada tenha os seus danos reparados, baseando-se na idéia de “violação de um dever”[8] e fundamentando-se na seção 280 (1) do BGB: “Quando o devedor viole (sic) um dever proveniente de uma relação jurídica, pode o credor exigir uma indenização do dano daí resultante. Essa regra não se aplica quando a violação do dever não seja imputável ao devedor.” Desta forma, o BGB entende que a exclusão da responsabilidade contratual não será possível nos casos em que a violação tenha ocorrido de forma intencional ou por meio de negligência, quando são violações materiais – obrigações ligadas a atividade fim do contrato, ferimentos pessoais ou morte, não entrega do um produto na data acordada e ainda nos casos em que a responsabilidade decorre de disposição legal. Destaque-se, que a reforma do BGB trouxe também a divisão da responsabilidade contratual em objetiva e subjetiva, bem como a impossibilidade superveniente, sempre visando a justiça contratual. Nesse sentido, a ordem subjetiva pode ser invocada para que haja a exclusão da obrigação de reparação.[9] Por exemplo, uma prestação pode ser possível quanto a esfera geral, mas em determinado momento se torna impossível para um devedor específico, por uma razão incomum.[10] Já a possibilidade superveniente consiste em um aumento desproporcional na prestação que impossibilite o devedor de cumprí-la, por motivos alheios à sua vontade.[11] 5.2 Resilição Do ponto de vista do encerramento contratual, importante que as partes e seus patronos saibam que uma notificação de resilição somente pode ser considerada válida se entregue pessoalmente à outra parte ou seu representante legal. Desta forma, notificações por email, fax ou orais não terão efeitos. Quanto a resolução contratual unilateral, ela não será possível nos casos em que a causa do encerramento seja subjetiva e não tenha previsão contratual, assim como o fundamento de que a má administração dos negócios pela parte que está rescindindo o contrato não poderá ser utilizado, muito menos afastar a sua responsabilidade. Ademais, qualquer cláusula que dispõe que uma parte pode rescindir o contrato arbitrariamente será considerada nula. 5.3 Método Alternativo de Resolução de Conflitos – Arbitragem A Alemanha é um país essencialmente a favor da arbitragem, tanto que tem sido o método de resolução de conflitos alternativo mais aplicado no país, especialmente no que tange ao litígios relacionados à contratos de financiamento, seguros, farmacêuticos, propriedade intelectual e de tecnologia, sendo este país o mais desenvolvido dentro da União Européia a respeito da matéria. Nesse sentido, as maiores metrópoles que abrigam centros financeiros como Frankfurt, Hamburgo e Munique estão equipadas com um ambiente de grande estrutura e profissionais habilitados para uma resolução de disputa bem-sucedida, com baixo custo e tempo. Ademais, a Alemanha possui um Instituto de Arbitragem próprio, o DIS (Deutsche Institution für Schiedsgerichtsbarkeit), uma das maiores instituições do mundo nesse método, possuindo regras próprias que são consideradas as mais modernas no cenário global. Destaca-se ainda que a arbitragem está disposta no póprio Código de Processo Civil, que possibilita que praticamente todas as disputas originadas de contratos comercias seja submetidas ao seu julgamento, tendo como única exceção os contratos de locação imobiliários. Por fim, o papel da arbitragem alemã nos contratos comerciais internacionais também recebe destaque, onde 80% a 90% deles utilizam esse método como meio de resolução de conflitos, uma vez que a lei sobre arbitragem alemã segue o modelo de legislação da UNCITRAL em quase sua totalidade. Outrossim, tal  fato também ocorre porque os profissionais de arbitragem alemães são familiarizados tanto com o direito civil, quanto com a commom law. Por fim, a Alemanha é signatária da convecção de Nova Iorque sobre o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, desde junho de 1961. 5.4 Cláusula de Foro No que diz respeito as cláusulas que estipulam que uma legislação estrangeira será aplicável ao contrato, os tribunais alemães geralmente reconhecem e aplicam essa possibilidade. Contudo, legislação estrangeira que seja incompatível com os princípios e direitos fundamentais nacionais, bem como seja conflitante com as políticas públicas não serão aceitas. Além disso, os tribunais alemães praticam o acordado no Artigo 25 do Regulamento de Bruxelas, no sentido de que uma jurisdição estrangeira será aceita, desde que a matéria contratual não esteja em desacordo com a legislação alemã. No caso em que não haja cláusula de jurisdição, o tribunal a ser aplicado será sempre o alemão. Destaca-se que as empresas alemãs priorizam seu território de jurisdição, uma vez que seus tribunais se equiparam favoravelmente aos outros estados membros da União Europeia, de acordo com o Painel de Avaliação da Justiça da União Europeia.   Conclusão A Alemanha é a quarta maior potência econômica mundial da atualidade, o que trás uma grande relevância para o estudo do direito contratual desse país, por meio de suas fontes nacionais, internacionais, princípios fundamentais e teoria geral, os quais foram abordados no presente artigo. Sob o ponto de vista do direito contratual nacional, o BGB tem sido sua principal fonte por meio do capítulo do direito das obrigações, sendo esta a normativa que irá tratar da formação, andamento e encerramento dos contratos que estejam sob a lei nacional. Este código tem servido também como inspiração para o direito contratual de diversos outros países que adotam a lei civil, uma vez que trás um conteúdo conservador, mas sem fugir às necessidades do mundo jurídico e econômico atual, já que vem passando por importantes reformas desde a sua publicação. No que tange aos princípios fundamentais, os princípios da boa-fé e da liberdade contratual são destaque dentro do ordenamento jurídico, sendo o primeiro positivado nas seções 157 e 242 do BGB como um princípio aplicável especialmente nas fases pré-contratuais, onde todos os contratantes devem ser claros quanto à sua principal intenção ao firmar um acordo comercial. O segundo princípio também estaria ligado à fase de formação dos contratos de forma que possibilite o alcance da igualdade e justiça entre as partes. Quanto aos Tratados e Convenções Internacionais, o presente artigo trás a luz três deles dos quais a Alemanha é signatária, sendo eles a Convenção de Viena sobre Contratos para a Venda Internacional de Mercadorias (CISG, na sigla em Inglês), unificando leis internacionais aplicáveis à matéria, bem como a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado, do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT), que visa a harmonia entre o direito privado dos Estados membros, e, por fim, o Código de Contratos Europeu. Temos ainda a teoria contratual, que é apresentada como um meio de entendimento geral sobre como são formados e finalizados os contratos sob a normativa alemã e a importância de cada fase. Nesse sentido, o país tem elementos próprios de formação, como por exemplo o fato de que uma criança de sete anos poderá firmar um contrato sem que este seja anulável, caso a contratação tenha como objetivo apenas uma vantagem legal para a mesma. Conclue-se, portanto, que o direito contratual alemão possui pilares muito fortes, que tem sido utilizados como inspiração para a construção normativa de centenas de outros países e tem demonstrado que, independente de toda a sua tradição, continua avançando e acompanhando o direito contratual moderno, também pela sua necessidade como país desenvolvido e reconhecido economicamente. Por fim, é oportuno destacar que o presente artigo não possui conteúdo taxativo e pode ser complementado e aprofundado por meio de outros trabalhos a respeito do direito contratual alemão disponíveis, que podem ser encontrados facilmente, uma vez que se trata de direito tão rico e influente para a maioria dos países, até mesmo aqueles que não adotam a lei civil como normativa jurídica principal.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/direito-contratual-alemao-fontes-principios-convencoes-e-tratados-internacionais-formacao-e-clausulas-gerais/
A Investigação Preliminar no Âmbito da Polícia Judiciária do Estado de Alagoas Como Meio Dinâmico na Efetiva Busca da Verdade Real
A polícia judiciária do estado de Alagoas instituiu a instrução normativa nº 002/2015-CONSUPOC/AL, por meio do Conselho Superior de Polícia Civil de Alagoas, objetivando materializar o instituto administrativo da investigação preliminar. A investigação preliminar tem a finalidade de, como meio prévio de coleta de informações, buscar a materialidade e eventual justa causa, elementos mínimos da busca da verdade real, para promoção da competente abertura de sindicância ou processo administrativo disciplinar. Neste sentido, o presente artigo busca desmitificar o real sentido da investigação preliminar no órgão correcional, sua definição, limitações de aplicabilidade e os princípios constitucionais e infraconstitucionais norteadores aplicáveis no processo administrativo, sobretudo no âmbito da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária do Estado de Alagoas.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado de Alagoas, devidamente disciplinado na Lei Estadual nº 5.247/1991, além de lecionar os direitos dos servidores públicos, prevê o rol de deveres e obrigações, sendo os artigos 144 e 145 o meio adequado para limitar e buscar o ius puniendi do Estado, em razão de eventual falta disciplinar praticada por agente público. Com a instauração do competente processo administrativo a Administração Pública, por meio dos órgãos correcionais, dá início à construção de documentos comprobatórios, testemunhas, perícias etc., a fim de buscar a verdade real e, consequentemente, a justa causa e a materialidade do fato ilícito praticado pelo servidor público. Ocorre que nem sempre a apuração sumária na sindicância ou no processo administrativo disciplinar, consegue buscar elementos mínimos capazes de resultar na punição do servidor público, todavia, o servidor acaba por se sentir impotente, perseguido e desestimulado, ainda que o resultado seja o arquivamento do processo. Abstendo-se a abertura de processos com procedimentos mais solenes e desnecessários, o Conselho Superior de Polícia Civil do Estado de Alagoas – CONSUPOC/AL instituiu a Instrução Normativa nº 002/2015 – CONSUPOC, que versa sobre a investigação preliminar de apuração de transgressões disciplinares no âmbito da Polícia Civil do Estado de Alagoas. É sobre esse instrumento jurídico que o artigo em testilha justifica-se, ou seja, tem como sua principal função estabelecer os limites da investigação preliminar como mecanismo jurídico adequado à apuração de eventual ilícito administrativo cometido por servidor público, sendo tal procedimento, pela nossa ótica, a melhor forma de se buscar a verdade real, averiguando, preliminarmente, a (des)necessidade da instauração de sindicância administrativa disciplinar. Em um primeiro momento, serão apresentados os dispositivos legais que versam sobre a investigação preliminar, seu conceito e natureza jurídica, sua distinção perante a sindicância administrativa disciplinar e o processo administrativo disciplinar e, por fim, os princípios constitucionais e infraconstitucionais aplicáveis ao processo administrativo. Num segundo momento, uma análise focada nos aspectos da investigação preliminar no âmbito da polícia judiciária do Estado de Alagoas, uma breve e concisa observação da Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC/AL. A pesquisa baseou-se na coleta de dados em fontes bibliográficas, extraídas de livros físicos e de artigos publicados em periódicos na internet, sendo esta do tipo exploratória, e o seu método de abordagem hipotético-dedutivo. Seguindo essa linha de análise, pretende-se demonstrar a importância da investigação preliminar como mecanismo adequado à busca da verdade real, e como tal procedimento administrativo prévio é capaz de contribuir com a busca efetiva da justa causa e da materialidade do fato e, a partir daí, dar início ou não à abertura do procedimento administrativo adequado, sem que para isso o servidor policial civil seja antecipadamente alvo de tensões psicológicas desnecessárias e  constrangimentos inoportunos.   A investigação preliminar, também conhecida como fase prévia de investigação, consiste numa análise prévia que antecede a sindicância administrativa disciplinar (SAD) ou o processo administrativo disciplina (PAD), visto que possui a finalidade de, através da coleta de dados e confecção de documentos se possa averiguar a existência ou indícios de tipicidade do fato e de sua autoria, ou advindas de denúncia que dê subsídios (quando for o caso), à abertura do competente procedimento capaz de resultar no ius puniendi Estatal. Neste breve contexto, passaremos a abordar de forma mais acurada, o conceito e a natureza jurídica da investigação preliminar na seara administrativa, assim como suas características que a distingue dos demais procedimentos administrativos disciplinares existentes. 1.1.      CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR Assim como o inquérito policial, a investigação preliminar tem cunho inquisitorial, sendo inaplicáveis os princípios do contraditório e da ampla defesa, pois, in thesis, não há indicação de autoria de servidor público e, em razão disso, não há que se falar também em punição. A investigação preliminar serve tão somente para coleta de informações gerais relacionadas à suposta irregularidade eventualmente noticiadas e, a partir dela, colher-se elementos mínimos capazes de promover o competente procedimento disciplinar (SAD ou PAD). Pode-se dizer que a investigação preliminar tem o condão de buscar “a tipicidade do fato, a existência ou não de causas excludentes de antijuridicidade e a culpabilidade do autor do delito[1]” e, por conseguinte, a finalidade da investigação preliminar está calcada “na reconstrução da verdade, cujas bases pautam-se na isenção e razoabilidade, necessárias para uma conclusão segura a respeito do delito e sua autoria[2]”. Adequando as palavras do escólio em epígrafe, temos que a existência do quadro comprobatório produzido na fase investigativa prévia, mediante a abertura de investigação preliminar, determinará ser oportuna ou não a abertura de procedimentos disciplinares, visando à punição do servidor público. No sentido acima exposto, a investigação preliminar pode ser definida como um instrumento jurídico de caráter administrativo inquisitorial e preparatório, instaurado no âmbito da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária e presidido pelo Delegado de Polícia, ora denominado Corregedor de Polícia, cujo objetivo é reunir provas por intermédio da colheita de elementos de informação e de documentação probatória, necessárias à autoridade instauradora com fulcro nas Leis n°3.437/75 e 5.247/91. Ressalte-se, por derradeiro, que a investigação preliminar tem natureza jurídica administrativa, de cunho preparatório e de informação, cuja finalidade é angariar elementos mínimos e necessários capazes de demonstrar se, de fato, houve ou não ilicitude administrativa praticada por servidor público. 1.2.      INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR: DISTINÇÕES ENTRE SINDICÂNCIA E PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Ao considerar que a investigação preliminar não tem poder decisório e punitivo, senão o de mediante instrução processual obter informações externas ou internas, capazes de amparar e instruir a decisão dese instaurar ou não em sede disciplinar, é notória sua distinção da sindicância administrativa disciplinar e do processo administrativo disciplinar, pois a conclusão da sindicância poderá resultar em punição, conforme o art. 157[3], da Lei Estadual nº 5.247/91: Art. 157. Da sindicância poderá resultar: I – arquivamento do processo; II – aplicação de penalidade e advertência, ou a suspensão até 30 (trinta) dias; III – instauração de processo disciplinar. Diante do que leciona o caput do art. 150, da Lei Estadual nº 5.247/91, a sindicância administrativa será instaurada sempre que “havendo notícia de ato ou fato que represente irregularidade de certa ou ponderável gravidade, inexista certeza ou forte probabilidade de sua ocorrência ou não haja segurança quanto à autoria”.[4] A sindicância, assim como a investigação preliminar, podem ser consideradas como fase preliminar do procedimento administrativo, ou seja, um instrumento de que se vale a Administração Pública para a apuração preliminar de fatos irregulares. Entretanto, a sindicância tem poder preparatório, decisório e punitivo (inquisitorial), enquanto a investigação preliminar apenas alcance preparatório e inquisitorial. Já o processo administrativo disciplinar, diferente tanto da investigação preliminar como da sindicância administrativa disciplinar, possui caráter instrutório e punitivo e não inquisitorial, uma vez que é assegurado ao servidor o contraditório e a ampla defesa, conforme se percebe nos arts. 39, 158 e 163, da Lei Estadual nº 5.247/91[5], ad litteram: Art. 39. O servidor estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual lhe seja assegurada ampla defesa. (grifo nosso) Art. 158. O processo disciplinar é o instrumento destinado a apurar responsabilidade de servidor por infração praticada no exercício de suas atribuições, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em que se encontre investido. (grifo nosso) Art. 163. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito. (grifo nosso) Assim, a investigação preliminar deve buscar a verdade real sobre a suposta ilicitude apresentada, mediante denúncia anônima ou formalizada junto à Corregedoria de Polícia Civil. Neste caso ainda não se tem certeza sobre a ilicitude, não havendo elementos mínimos que atribuam justa causa e eventual materialidade que resulte na competente abertura de procedimento capaz de buscar a punição do servidor. 1.3.      PRINCÍPIOS APLICÁVEIS NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO Dos mais variados princípios existentes no processo administrativo, estão aqueles que merecem destaque e uma análise concisa, ante a sua importância, tais como: (i) Princípio do devido processo legal: devidamente explícito na Constituição Federal de 1988, no inciso LIV, art. 5º onde “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal[6]”, quer dizer, substancialmente, que ao legislativo com a atuação típica de legislar, deverá se ater à construção de leis razoáveis e proporcionais, comprometidas com os reais interesses sociais e de afastabilidade de eventual arbitrariedade praticada pelo Estado. O devido processo legal substancial se atrela em seu sentido stricto sensu, ao direito do investigado ou sindicado ter direitos à defesa prévia, às alegações finais, ser citado, apresentar provas documentais e indicar testemunhas etc. Na inteligência da doutrina majoritária, o devido processo legal é: O conjunto de garantias constitucionais […] que não servem apenas aos interesses das partes, como direitos públicos subjetivos (ou poderes e faculdades processuais) destas, mas, que configuram, antes de mais nada, a salvaguarda do próprio processo, objetivamente considerado, como fator legitimante do exercício da jurisdição.[7] (grifo nosso) E ainda: O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado – persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal).[8] (ii) Princípio do contraditório e da ampla defesa: decorre do princípio do devido processo legal e encontra-se também disciplinado na Constituição Federal de 1988, precisamente no inciso LV, art. 5º “[…] em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes[9]”. De um lado, o contraditório garante ao investigado ou sindicado o direito de ser ouvido, e a ampla defesa garante ao servidor o direito de construir em seu favor, nos limites legais disponíveis, argumentos que comprovem sua inocência ou a desconstituição de suposto ilícito administrativo praticado. Neste sentido, sobre os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa: O fundamento lógico dos princípios do contraditório e da ampla defesa consiste, então, na ciência bilateral dos atos do processo, com a possibilidade de contrariá-los, e tem por fundamento constitucional a garantia do devido processo legal e do acesso à justiça. Somente com a ciência dos atos praticados pelo juiz e pelo adversário há condições de se efetivar o contraditório e a ampla defesa, evitando-se surpresas no decorrer do processo.[10] (grifo nosso) (iii) Princípio da verdade real (material): tal princípio exige que o julgador antes de qualquer manifestação decisória, busque sanar todas as dúvidas possíveis sobre determinado fato e, para isso, providencie diligências capazes de formar sua livre convicção. A coleta de provas no curso da investigação preliminar, na sindicância disciplinar e no processo administrativo disciplinar assegura a respeitabilidade dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal. A verdade formal delimita a prova utilizada na racionalização da decisão e a verdade real permite trazer aos autos provas independentemente da vontade ou iniciativa das partes. Os momentos da aplicação desses princípios, não são os mesmos, também impedindo qualquer colisão entre eles, pois enquanto que a verdade real é utilizada nos momentos instrutórios do processo, a verdade formal é utilizada nos momentos decisórios.[11] (grifo nosso) Os princípios em epígrafe se traduzem como essenciais para que se construa uma investigação sólida, robusta e coerente para, se for o caso, ocorrer o ius puniendi Estatal com o consequente afastamento do servidor nos quadros da Polícia Judiciária (nas situações mais gravosas – pena de demissão) ou ainda na advertência ou suspensão, sempre utilizando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.   Na Polícia Civil do Estado de Alagoas, a investigação preliminar encontra-se devidamente disciplinada pela Instrução Normativa nº 002/2015, proveniente do douto Conselho Superior de Polícia Civil – CONSUPOC, no qual estão estabelecidos os regramentos necessários à sua instauração e, inclusive, suas limitações. Será abordado pontualmente, naquilo que for pertinente ao tema aqui exposto, aspectos da sobredita instrução normativa, fazendo, por ser oportuno, um cotejamento com a investigação preliminar no âmbito federal. 2.1.      INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 002/2015 – CONSUPOC/AL A Gerência da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária do Estado de Alagoas, há certo lapso temporal, já discutia a viabilidade técnica e jurídica de se adotar mecanismos legais capazes de coibir a abertura de procedimento administrativo desnecessário, quando as denúncias aportadas pelo referido órgão correcional não viessem acompanhadas de elementos comprobatórios mínimos, ou que não trouxessem verossimilhanças capazes de justificar ou demonstrar com razão argumentos válidos e plausíveis a competente abertura de procedimento administrativo. O CONSUPOC/AL, no intuito de viabilizar e legitimar a investigação preliminar, padronizou o seu uso no âmbito da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária e, dentre outros fundamentos, utilizou-se dos princípios da eficiência e economicidade, in verbis: […] embora a norma não tenha se referido a outra forma de apuração que não a Sindicância Administrativa ou Processo Administrativo Disciplinar, não se cogita, sob pena de afrontar os princípios da eficiência e economicidade, dentre outros, que toda investigação para apurar qualquer notícia de irregularidade que chegue ao conhecimento da Administração seja realizada exclusiva e diretamente através dos prenunciados instrumentos apuratórios, com todos os ônus que lhes são inerentes – financeiros e administrativos […][12] (grifo nosso) Segundo a supramencionada norma, em seu artigo 3º, caput, o principal objetivo da investigação preliminar é “a obtenção de informações externas ou internas, para amparar e instruir a decisão de instaurar ou não a sede disciplinar” e, sobretudo, por termo final na instauração de procedimentos injustos ou sem valor probatório mínimo, por simples imposição legal do art. 145, caput, da Lei Estadual nº 5.247/1991, que fixa a obrigatoriedade da autoridade que tiver ciência de suposta irregularidade na esfera do serviço público, a promoção imediata de sindicância ou PAD. A investigação preliminar constitui meio eficaz para a efetiva busca da verdade real, pois antes de qualquer abertura de procedimento administrativo, deve-se diligenciar em busca da coleta de dados mínimos que comprovem a irregularidade, assinalando a devida prática de ilícito administrativo e justa causa (autoria e materialidade) do servidor. Efetivando a importância da investigação preliminar, o art. 8º, caput, da IN nº 002/CONSUPOC-AL proíbe “a instauração de investigação preliminar baseada exclusivamente em escritos anônimos”, mormente quando também verificada a ausência mínima de verossimilhança, sendo sua instauração somente possível quando: Art. 9°A instrução preliminar de apuração de transgressões disciplinares poderá ser deflagrada de oficio ou mediante requerimento. I – nome, qualificação e endereço do requerente; II – a descrição dos fatos a serem averiguados e a indicação do seu autor, quando conhecido; III – indicação dos meios de prova, informações e documentos pertinentes, se houver.  (grifos nosso) Nessa linha de raciocínio, é notável que a ausência de elementos mínimos inibem a possibilidade de instauração da investigação preliminar, tampouco a abertura de SAD ou PAD, todavia, uma vez construído e coletado elementos mínimos do ilícito administrativo, é plausível a abertura do competente procedimento disciplinar, dependendo, evidentemente, do fato concreto e sua gravidade. A investigação preliminar, assim como a sindicância administrativa, possuem caráter inquisitorial, não cabendo contraditório nem ampla defesa, pois trata-se apenas de uma tentativa de se colher informações capazes de confirmar ou não à suposta irregularidade noticiada, constituindo assim a efetiva busca da verdade real por parte da Administração Pública, manifestada pelo órgão correcional. 2.2.      A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NO ÂMBITO FEDERAL No âmbito federal, a investigação preliminar fora devidamente instituída pelo Decreto nº 5.480, de 30 de junho de 2005, e regulamentada pela Portaria nº 335, de 30 de maio de 2006. Dispõe o §2º, do art. 1º, do Decreto nº 5.480/2005 que “a atividade de correição utilizará como instrumentos a investigação preliminar, a inspeção, a sindicância, o processo administrativo geral e o processo administrativo disciplinar”[13]. No inciso I, do art. 4º, da Portaria nº 335/2006, encontra-se sua definição, in casu: Art. 4º Para os fins desta Portaria, ficam estabelecidas as seguintes definições: I – investigação preliminar: procedimento sigiloso, instaurado pelo Órgão Central e pelas unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar […] (grifo nosso) Diferentemente da Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC, existente na Polícia Civil do Estado de Alagoas, a portaria expõe com clareza que a investigação preliminar tem caráter sigiloso, o que já aponta ser impossível a comunicação da Corregedoria ao servidor acerca da existência do procedimento, sendo a investigação preliminar, neste caso específico, efetivamente inquisitorial. Em que pese a Instrução Normativa nº 002/2015-CONSUPOC definir a investigação preliminar como sendo de rito inquisitorial, destinada a coletar elementos para subsidiar a decisão de instaurar Sindicância ou Processo Administrativo Disciplinar, ela permite, mas não obriga, a convocação do servidor para apresentar esclarecimentos, conforme práticas reiteradas que vem senso adotadas pelos Corregedores de Polícia Civil do Estado de Alagoas, sobretudo, no intuito de buscar a verdade real, atendendo também o contido no art. 16 e seus incisos, como “diligenciar diretamente junto a agentes públicos e particulares, solicitando as informações ou os documentos que entender necessários” e “convocar agentes públicos e convidar particulares a prestar esclarecimentos”. Similarmente à instrução do CONSUPOC, a portaria que regula a investigação preliminar no âmbito da Administração Pública Federal impõe que a eventual comunicação, denúncia ou representação de servidor público contenha elementos mínimos, de forma clara e objetiva, com o acompanhamento de indícios que apontem irregularidade ou ilegalidade praticada pelo servidor, inclusive a individualização do servidor público envolvido. Vejamos: Art. 6º. A investigação preliminar é procedimento administrativo sigiloso, desenvolvido no âmbito do Órgão Central e das unidades setoriais, com objetivo de coletar elementos para verificar o cabimento da instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar, e será iniciada mediante determinação do Ministro de Estado do Controle e da Transparência, do Secretário Executivo da Controladoria-Geral da União, do Corregedor-Geral ou dos Corregedores-Gerais Adjuntos. O prazo para conclusão da investigação preliminar no âmbito federal também se diferencia da norma do CONSUPOC/AL, uma vez que a Portaria da CGE preestabelece o prazo de 60 (sessenta) dias para seu término, podendo ser prorrogado por igual período, enquanto no âmbito do Estado de Alagoas, apenas 30 (trinta) dias, possibilitando a prorrogação por igual período. Com isso, temos as diferenciações mínimas entre ambos os institutos acerca do entendimento sobre a investigação preliminar, mas com principal escopo de buscar a verdade real, coletando elementos substanciosos e convincentes que contribuam, ou não, para a abertura do procedimento administrativo adequado, evitando maiores constrangimentos ao servidor público (investigado), desperdício e esbanjamento inútil de tempo por parte da Administração Pública. 2.3.      A INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NA EFETIVA BUSCA DA VERDADE REAL E SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO CORRECIONAL A investigação preliminar, como já foi dito anteriormente, tem como principal interesse a coleta de dados com o objetivo único de saber se a denúncia ou representação condiz com a realidade fática do suposto ocorrido (isso se realmente existiu ou ocorreu) e, para isso, a autoridade competente busca provas preliminares no intuito de firmar a materialidade e individualizá-la. Ainda que limitado pelos pressupostos da legalidade, o ius puniendi é exercido de forma coativa por parte do Estado, que detém o monopólio do uso legítimo da força, por intermédio do seu poder de império. Mas não se pode esquecer que o sistema punitivo em um Estado Democrático de Direito deve revestir-se de garantias, onde a resposta punitiva, mesmo na esfera administrativa, somente deve surgir a partir da adoção de um modelo que exclua a arbitrariedade e o autoritarismo, tanto no momento da elaboração da norma, quanto no de sua aplicação, pois devem estar tais dispositivos em conformidade com os princípios constitucionais basilares, e com as garantias individuais consubstanciadas em tratados internacionais, nos quais o Brasil é signatário, para que encontrem validade material. Portanto, tratando-se do ius puniendi Estatal, cuja aplicação atingirá diretamente o servidor (investigado), o que certamente recairá na sua pessoa e na de sua família, causando-lhes danos, sobretudo psicológicos e emocionais, é imprescindível que a Administração Pública articule a legítima punição de forma objetiva, coerente, produzindo as provas iniciais e límpidas que devem ser carreadas aos autos, afastando qualquer indício de irregularidade ou perseguição arbitrária contra o servidor. O princípio da verdade real (formal e material), é princípio que deve ser entendido como regra pelo órgão correcional, pois resguarda o investigante e o investigado, onde o primeiro somente concluirá pela abertura de SAD ou PAD, com a consequente sugestão de aplicação da pena, quando da apuração dos fatos extrair-se o máximo de elementos comprobatórios que comprovem o que de fato ocorreu, sua autoria e circunstâncias quando do cometimento do suposto ilícito administrativo, ou seja, deve o investigante estar imbuído do sentimento de buscar a verdade, coletando as mais variadas espécies de provas que possam traduzir sem margem para equívocos, a existência do fato, sua materialidade e autoria. Ademais, a busca da verdade real está estritamente atrelada ao princípio do livre convencimento motivado, conforme o art. 155, do Código de Processo Penal – CPP do qual o juiz, ora investigante, deverá extrair e formar sua convicção pela “livre apreciação da prova produzida […] não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação.[15]” Desta forma, aplicando-se na esfera administrativa podemos afirmar que não poderá o investigante ater-se às denúncias desprovidas de razoabilidade, vazias, frágeis, sem que antes produza provas consistentes e condensadas no decorrer da investigação, e confronte-as, investigue-as, cotejando pontos semelhantes e diferentes com outras provas, a fim de melhor compreender a existência do fato e do até então suposto ilícito administrativo. Assim como no CPP, o Novo Código de Processo Civil – NCPC, diante do que leciona o art. 370, também preestabelece que “caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”.[16] Na construção de provas vale a atenção do investigante às provas lícitas, conforme impõe a Constituição Federal de 1988, devendo se ater a buscar a verdade real de forma que as provas carreadas aos autos não contrariem a norma jurídica. O investigante tem a liberdade na coleta de informações (testemunhais, documentais etc.) para formar sua convicção, de forma que não pode ter dúvidas sobre a existência do ilícito e sua ocorrência. Neste sentido: […] o princípio da verdade material ou verdade real, vinculado ao princípio da oficialidade, exprime que a Administração deve tomar decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos. Para tanto, tem o direito e o dever de carrear para o expediente todos os dados, informações, documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos.[17] (grifo nosso) É na investigação preliminar, portanto, que a busca da verdade real se inicia. Ainda que não se encontre expressamente na Constituição Federal de 1988, o princípio da verdade real se legitima pela doutrina de renomados processualistas, pelas normas jurídicas infraconstitucionais (processo penal e no código de processo civil) e a não aplicação ou afastamento de tais princípios por parte da autoridade investigante, pode e deve ser traduzido semelhante comportamento como abusivo e arbitrário, devendo ser a autoridade investigante responsabilizada pelos excessos cometidos.   CONCLUSÃO O órgão correcional da polícia judiciária do Estado de Alagoas, com a atuação enérgica por parte da Gerência da Corregedoria Geral de Polícia Judiciária, tem se mostrado vigilante na abertura de procedimentos de denúncias descabidas e sem o mínimo de elementos que apontem para eventuais irregularidades praticadas por servidor público. Acusações levianas, injustas e inoportunas não podiam ser rechaçadas em razão da obrigatoriedade da investigação e abertura de procedimento disciplinar como preestabelece o art. 145, caput, da Lei Estadual nº 5.247/1991. O Conselho Superior de Polícia Civil de Alagoas – CONSUPOC/AL, em sintonia com outras instituições correcionais, normatizou e regulamentou a investigação preliminar como instrumento adequado, coerente, proporcional e razoável, além de ser econômico e eficiente na aplicabilidade do ius puniendi estatal. Em síntese, a verdade real é aplicável no âmbito correcional da Polícia Judiciária do Estado de Alagoas, e possui patentes semelhanças com a investigação preliminar no âmbito federal, legitimando a real função do Estado ao exercer o seu direito-dever de punir o servidor público, pois põe fim às dúvidas e reduz racionalmente a abertura de procedimentos administrativos despiciendos e muitas vezes excessivamente gravosos, que possam resultar injustas suspensões ou demissões sem que existam mínimos indícios de existência do fato.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-investigacao-preliminar-no-ambito-da-policia-judiciaria-do-estado-de-alagoas-como-meio-dinamico-na-efetiva-busca-da-verdade-real/
Aplicabilidade do Instituto da Delação Premiada na Ação de Improbidade Administrativa
O presente trabalho analisa o instituto da delação premiada e os seus reflexos no bojo das ações civis de improbidade administrativa. Fora realizado um estudo da Lei 8.429/1992, diploma que dispõe sobre os atos de improbidade, e dos óbices que os órgãos responsáveis pela apuração dos ilícitos se esbarram durante o trâmite investigatório. Buscou, para isso, demonstrar que para que as ações produzam os efeitos desejados e punam com efetividade os autores dos delitos, existe a necessidade que os mesmos colaborem de forma a fornecer informações relevantes para o deslinde condenatório, haja vista a maioria dos delitos administrativos serem cometidos com utilização de artifícios complexos. Para isso, optou-se pela pesquisa exploratória, realizada através da análise da literatura e legislação. Conjugando aos princípios constitucionais e administrativos, os incontestes benefícios advindos da adoção do instituto da delação premiada no âmbito administrativo, concluiu-se pela possibilidade e legitimidade da aplicação do referido instrumento no bojo da Ação de Improbidade.
Direito Administrativo
Introdução É inegável o fato de que os noticiários diários são compostos por um turbilhão de escândalos públicos que evidenciam a corrupção no seio da Administração. São constantes as informações de desvios de verbas, licitações fraudulentas e uma gama de outras situações que sinalizam que a improbidade encontra-se entranhada na esfera administrativa. Não obstante a constatação que a corrupção possui a tendência a se enraizar enquanto não encontrar barreiras eficazes, o Estado tem encontrado dificuldade no trâmite investigatório das ações que tem por objeto a apuração da improbidade administrativa, haja vista muitos dos ilícitos praticados contra a Administração Pública serem cometidos com artifícios complexos. Embora a Lei 8.429/1992 deva ser considerada um exímio instrumento coibidor da corrupção, a mesma esbarra em constantes óbices durante o seu percorrer investigatório, fato que reflete na efetividade da punição do infrator e, consequentemente, ocasiona resultados considerados aquém dos esperados. Neste cenário de dificuldade na obtenção de lastro probatório suficiente para embasar o deslinde do caso posto em evidência, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do instituto da delação premiada na Ação de Improbidade Administrativa. Apesar de bastante criticado, o instituto da delação premiada encontra-se em absoluto desenvolvimento, em termos de aplicabilidade, na esfera do direito penal. No entanto, dúvidas restam em saber se o referido instituto possui plena eficácia e aplicação no bojo de uma ação civil de improbidade administrativa, vez que vozes doutrinárias sustentam a impossibilidade da sua aplicação. Diante de tudo quanto explicitado, o presente estudo teve por objetivo geral analisar a importância do instituto da delação premiada bem como os benefícios práticos que o mesmo pode propiciar no deslinde de situações postas à investigação. O objetivo específico deste trabalho foi analisar a possibilidade da aplicação do instituto em voga, de natureza penal, no bojo de uma ação civil que verse sobre improbidade administrativa. Para isso, foi realizada uma pesquisa exploratória, através de materiais publicados, sobretudo, livros, artigos e material disponibilizado na Internet. Enfim, associando a principiologia constitucional e administrativa, aos incontestes benefícios advindos da adoção do instituto da delação no âmbito do Direito Administrativo, concluiu-se pela possibilidade e legitimidade da aplicação do referido instrumento no bojo da Ação de Improbidade.   1 Administração Pública O Estado, como instituição política, atua a serviço da coletividade, atendendo as necessidades básicas dos cidadãos, promovendo o bem comum. De maneira ampla, administrar significa gerir. Segundo Gasparini, em se tratando da atividade administrativa, a mesma pode ser compreendida como “gestão, nos termos da lei e da moralidade administrativa, de bens interesses e serviços públicos visando o bem comum”. [1] De forma intuitiva, para a promoção das suas atividades inerentes, a Administração Pública necessita se valer de elementos físicos e volitivos, ou seja, para consecução das suas atividades o Estado necessita dos seus agentes. Neste sentido, o ordenamento jurídico brasileiro conferiu a tais agentes uma gama de prerrogativas peculiares e indispensáveis à consecução dos fins públicos. Estas prerrogativas são os denominados poderes administrativos. Segundo Carvalho Filho: “O poder administrativo representa uma prerrogativa especial de direito público outorgada aos agentes do Estado. Cada um desses terá a seu cargo a execução de certas funções. Ora, se tais funções foram por lei cometidas aos agentes, devem eles exercê-las, pois que seu exercício é voltado para beneficiar a coletividade. Ao fazê-lo, dentro dos limites que a lei traçou, pode dizer-se que usaram normalmente os seus poderes.” [2] Cabe salientar que, em que pese o vocábulo “poder” venha a sugerir que o mesmo diga respeito a uma mera faculdade, na verdade o mesmo refere-se a um poder-dever, já que o mesmo é reconhecido ao poder público para consecução de atividades a favor da coletividade. Nestes termos, cabem aqui as irretocáveis palavras de Meirelles, segundo qual “ se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. ”[3] Assim, levando em consideração que os poderes administrativos são verdadeiras obrigações a serem cumpridas, infere-se que os mesmos são irrenunciáveis e devem ser, obrigatoriamente, exercidos pelos seus titulares. Por oportuno, cabe aqui apontar a diferença existente entre poderes administrativos e poderes do Estado. Os poderes do Estado, conceituados através da clássica tripartição dos poderes de Montesquieu, divide o Poder em Executivo, Legislativo e Judiciário, diferenciando-se, portanto, dos poderes administrativos, que, conforme asseverado, são instrumentos postos à consecução do interesse da sociedade.[4] Em contrapartida, ao mesmo tempo que são conferidas prerrogativas aos agentes públicos, o ordenamento jurídico pátrio impõe deveres específicos aos mesmos: os deveres administrativos. A doutrina costuma listar os seguintes deveres da Administração Pública: o dever de agir, o dever de eficiência, o dever de prestação de contas e também ao dever de probidade.[5] É mister salientar, sobretudo porque o objeto do presente trabalho paira sobre a questão da probidade administrativa, que o dever de probidade deve ser considerado, talvez, como o mais importante dos deveres do administrador público, vez que a sua atuação, deve sempre pautar-se pelos princípios da honestidade e moralidade. 1.2 Princípios que regem a administração pública Princípios administrativos são premissas fundamentais que imprimem todo o modo de agir da Administração Pública. São axiomas que norteiam a conduta do Estado no exercício das atividades administrativas, buscando a satisfação do interesse da coletividade. Segundo Cretella Júnior, “princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturações subsequentes. Princípio, neste sentido, são os alicerces, os fundamentos da ciência”.[6] Os princípios são as concepções centrais de um sistema, formando um sentido lógico, racional e harmonioso, o que oportuniza uma correta compreensão do modo como organizar-se. Os princípios definem o sentido e alcance das regras de um determinado ordenamento jurídico.[7] Quanto à definição, bem como quanto aos desdobramentos da violação de um dos princípios informadores do Direito, expõe Bandeira de Mello que: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema normativo, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico. Eis porque: violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”[8] O estudo destes princípios orientadores da atuação estatal é denominado regime jurídico administrativo. O regime jurídico administrativo pode ser entendido como conjunto harmônico de princípios determinantes na atuação do ente público, o qual se sustenta na existência de prerrogativas e sujeições em face do interesse público. Tais premissas devem guardar entre si uma compatibilidade lógica, havendo entre elas, um ponto convergente.[9] Os doutrinadores não são unânimes quanto a tais preceitos, no entanto, como a Constituição Federal de 1988, dedicou um capítulo específico à Administração Pública (Capítulo VII do Título III), a mesma trouxe, expressamente, alguns princípios norteadores do Direito Administrativo, de observância obrigatória para todos os poderes. A Carta Constitucional, no seu artigo 37, caput, traz que qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Além desses princípios expressos, a Constituição traz também em seu bojo outros preceitos, como o princípio do contraditório e ampla defesa e também o da isonomia. Frise-se que existem princípios do Direito Administrativo também em normas infraconstitucionais. Sendo o Direito Administrativo, um ramo do Direito não codificado, os princípios representam papel de extrema relevância, de forma a permitir que tanto a Administração, quanto o Judiciário estabeleçam o necessário equilíbrio entre as prerrogativas da Administração e os direitos dos administrados. Os dois princípios fundamentais e que derivam da bipolaridade do Direito Administrativo (soberania da Administração versus a liberdade do indivíduo) são os princípios da supremacia do interesse público sobre os interesses privados e o da legalidade.[10] Nestes termos, o Direito Administrativo nasceu e se desenvolveu baseado em duas ideias divergentes: de um lado a necessidade na satisfação dos interesses tidos como coletivos, que consequentemente remetem à outorga de privilégios para a Administração Pública; e de outro lado a proteção dos direitos individuais frente ao Estado, que serve como critério do princípio da legalidade, um dos arrimos do Estado de Direito. 1.2.1 Princípio da Supremacia do Interesse Público O interesse público é supremo em face dos interesses particulares e todas as práticas estatais têm como objetivo a satisfação das necessidades coletivas. Neste sentido, o princípio da supremacia do interesse público, de acordo com relevante parcela da doutrina administrativista brasileira, embora implícito, é o fundamento do regime do Direito Administrativo. O princípio da supremacia do interesse público é informador de todos os ramos do Direito Público, e possibilita que nas relações que figurem o Estado como mandatário da sociedade, seus interesses prevaleçam. De acordo com esse princípio, são permitidos sacrifícios e restrições aos interesses dos particulares. Sobre o princípio em voga, expõe Cunha Júnior: “A posição de supremacia é muitas vezes expressada através da afirmação de que vigora a verticalidade nas relações entre Administração e particulares, ao contrário da horizontalidade, típica das relações entre os particulares. Isso significa que o Poder Público se encontra em situação de comando e autoridade relativamente aos particulares, como indispensável condição de gerir os interesses públicos postos em confronto. Isso implica o reconhecimento de uma desigualdade jurídica entre Administração e os administrados. Compreende, em face da sua desigualdade, a possibilidade, em favor da Administração, de constituir os privados em obrigações por meio de ato unilateral daquela e também o direito de modificar, também unilateralmente, relações já estabelecidas.” (grifos do autor) [11] Sobre a situação de autoridade e comando do Poder Público em relação aos particulares, como indispensável condição para administrar os interesses públicos, Prof. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, expõe com brilhantismo que: “A manifestação da vontade do Estado, internamente, se faz, de regra, de forma unilateral, tendo em vista o interesse estatal como expressão do interesse do todo social, em contraposição a outra pessoa por ela atingida ou com ela relacionada. E mesmo quando as situações jurídicas se formam acaso por acordo entre as partes de posição hierárquica diferente, isto é, entre o Estado e outras entidades administrativas menores e os particulares, o regime jurídico a que se sujeitam é de caráter estatutário. Portanto, a autonomia da vontade só existe na formação do ato jurídico. Porém, os direitos e deveres relativos à situação jurídica dela resultante, a sua natureza e extensão são regulamentados por ato unilateral do Estado, jamais por disposição criadas pelas partes. Ocorrem através de processos técnicos de imposição autoritária da sua vontade, nos quais se estabelecem as normas adequadas e se conferem os poderes próprios para atingir o fim estatal que é a realização do bem comum. É a ordem natural do Direito interno, nas relações com outras entidades menores ou com particulares.”[12] Ainda sobre o princípio em comento, tem-se que o mesmo está presente tanto no momento da criação dos mandamentos legais, como no momento da sua execução, no plano concreto, pela Administração Pública. Ou seja, em linhas gerais, tal princípio tanto inspira o legislador quanto vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação.[13] Na doutrina italiana, é clássica a diferenciação entre interesse público primário e interesse público secundário, enquanto o primeiro reflete os interesses da coletividade como um todo, o segundo diz respeito aos interesses do Estado, como sujeito de direitos. O princípio da supremacia aplica-se apenas aos interesses públicos primários, os únicos que podem ser considerados como verdadeiros interesses públicos.[14] Ressalte-se ainda que a atuação do administrador não pode ser alicerçada nos interesses do indivíduo, mas sim, nos interesses da sociedade como um todo. Caso o administrador execute algum ato visando interesses que não os que refletem os interesses da sociedade, tal conduta estará eivada pelo vício do desvio de finalidade. Em face do exposto, os interesses secundários não serão acolhidos, senão quando coincidentes com os interesses primários; os únicos que devem verdadeiramente serem perseguidos. Assim sendo, percebe-se que a Administração Pública não possui a mesma liberdade para atuar com que agem os particulares, sob pena de violar a sua missão.[15] São nesses termos, que Carvalho Filho expõe, que “algumas vozes se têm levantado atualmente contra a existência do princípio em foco, argumentando-se no sentido da primazia de interesses privados com suporte em direitos fundamentais quando ocorrem determinadas situações específicas”.[16] Para este autor, não assiste razão à essa visão modernista, entendendo que “se é evidente que o sistema jurídico assegura aos particulares garantias contra o Estado em certos tipos de relações jurídicas, é mais evidente ainda que, como regra, deva-se respeitar o interesse coletivo quando em confronto com o interesse particular”.[17] De certo, a aplicabilidade e tal princípio não corresponde ao completo desrespeito ao interesse privado, vez que a Administração Pública, obrigatoriamente, consoante o disposto no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal[18], deve respeito ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e também à coisa julgada. 1.2.2 Princípio da Legalidade O princípio da legalidade deve ser entendido como a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que a Administração Pública, em todas as suas atividades, deve estar alicerçada nos ditames legais, deles não podendo se afastar, sob pena de invalidade do ato e também responsabilidade do seu autor. Em outras palavras, o princípio da legalidade tem como objetivo combater o poder exorbitante do Estado, na medida que eventual conflito deva ser resolvido com base na lei. No direito positivo brasileiro, esse primado, além de mencionado no artigo 37, está inserido no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Com efeito, Celso Antônio Bandeira de Mello entende que “o princípio da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, por isso é considerado basilar para o Regime Jurídico-Administrativo”.[19] Neste mesmo sentido, Di Pietro expõe que, “este princípio, juntamente com o de Controle da Administração pelo Poder Judiciário, constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade. ”[20] Sobre a conotação política do princípio em foco, vejamos mais uma vez a elucidativa lição de Mello: “Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismo, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e por isso mesmo impessoal, a lei, editada, pois pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social -, garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização dessa vontade geral. O princípio da legalidade contrapõe-se, portanto, e visceralmente, a quaisquer tendências de exacerbação personalista dos governantes.” [21] São nestes termos, que se faz imperioso mencionar que a noção de legalidade administrativa é diversa da noção do princípio da legalidade. A primeira é aplicada à Administração Pública, tanto no seu sentido subjetivo, quanto no seu sentido objetivo; já a segunda, dirige-se aos indivíduos considerados isoladamente.[22] Assim sendo, nas relações públicas o princípio da legalidade envolve a noção que a Administração só poderá agir quando expressamente autorizada ou permitida por lei. De outro turno, no âmbito das relações privadas, vige a ideia de que tudo que não está proibido, está permitido. A Administração Pública deve agir em estrita conformidade com lei, enquanto que os particulares devem agir observando, apenas, a compatibilidade legal, isto é, sem contrariar a lei. Este princípio, entretanto, pode vir a sofrer estreitamentos provisórios e excepcionais, em situações expressamente previstas na Carta Magna, como nas hipóteses de vigência de Estado de Sítio e Estado de Defesa; bem como nas hipóteses permissivas de medida provisória. 1.2.3 Princípio da Moralidade A Constituição Brasileira, de forma inovadora, trouxe, entre outros princípios, o da moralidade administrativa como postulado a ser observado pela Administração. A existência do princípio da moralidade administrativa é questionada por muitos doutrinadores; haja vista alguns entenderem que o conceito de moral administrativa é muito impreciso e vago ou, ainda, que acaba por ser absorvido pelo princípio da legalidade. Em que pese o conteúdo do princípio da moralidade seja diverso do princípio da legalidade, o fato é que, inegavelmente, um está associado ao outro. Em determinadas situações, a imoralidade consistirá em uma afronta direta à lei, fato que consequentemente, ocasionará a violação ao princípio da legalidade. [23] Sobre a inclusão do princípio da moralidade na Constituição Federal de 1988 e a sua aceitação pela sociedade, expõe Carvalho Filho que: “O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense preceitos éticos que devem estar presentes na sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir entre o honesto e o desonesto.[…] O art. 37 da Constituição Federal também a ele se referiu expressamente, e pode-se dizer, sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada pela obrigação de ter assistido aos desmandos de maus administradores, frequentemente na busca de seus próprios interesses ou interesses inconfessáveis, relegando para o último plano os preceitos morais de que não deveriam afastar-se. “ E conclui: “O que pretendeu o constituinte foi exatamente coibir essa imoralidade no âmbito da Administração. Pensamos, todavia, que somente quando os administradores estiverem realmente imbuídos de espírito público é que o princípio será efetivamente observado. Aliás, o princípio da moralidade está indissociavelmente ligado à noção de bom administrador, que não somente deve ser conhecedor da lei como dos princípios éticos regentes da função administrativa.” [24] Professor Dirley da Cunha Júnior[25], ensina que foi Manoel de Oliveira Franco Sobrinho quem primeiro defendeu a moralidade administrativa como princípio de observância obrigatória no desempenho da atividade administrativa, no ano de 1974. De acordo com o autor, a atividade administrativa, ainda que desempenhada conforme as disposições legais, não se justifica quando motivadas por razões diversas que não a observância do interesse público. Nestes termos, defende com propriedade a lisura e a exação nas práticas administrativas. Ainda sobre o princípio da moralidade, compreende-se que em se bojo inclui-se os chamados princípios da lealdade e boa-fé. De acordo com os mencionados cânones, a Administração deverá se relacionar com os seus administrados com sinceridade e lisura, sendo-lhe vedada comportamentos astuciosos, produzidos para minimizar os direitos dos cidadãos.[26] Em suma, o princípio da moralidade administrativa deve ser compreendido como um composto de valores éticos aptos a fixarem um padrão de conduta que deve ser, obrigatoriamente, observado pelos agentes públicos quando no desempenho das suas atividades, para que haja uma proba e íntegra gestão da coisa pública. Este princípio impõe que o administrador atue no desempenho das suas atividades com caráter, decência, lealdade, decoro e boa-fé. [27] Ressalte-se que da mesma forma que a Carta Magna inovou ao trazer o princípio da moralidade em seu bojo, tal diploma garantiu também a sua proteção através do art. 5º, LXXIII, que prevê o cabimento de Ação Popular para anulação “do ato lesivo ao patrimônio público à moralidade administrativa”. Tal inovação apresentou tamanha relevância que deu ensejo ao surgimento da Lei 8.429/1992 que versa sobre improbidade administrativa e que tem base no art.37, § 4º da Carta Constitucional.[28] Por derradeiro, não se pode deixar de mencionar a Ação Civil Pública, prevista no art. 129, III, da Constituição, regulamentada pela Lei 7.347/1985, como outro instrumento que agasalha a moralidade administrativa. 1.2.4. Princípio da Probidade Em que pese serem conceitos bastantes próximos, a doutrina faz diferença entre o princípio da moralidade e o princípio da probidade administrativa. Alguns autores fazem distinção entre os princípios supramencionados, entendendo que o princípio da probidade é um subprincípio da moralidade; já para outros doutrinadores, a probidade é um conceito mais amplo do que o princípio da moralidade. De uma forma divergente, evitando estabelecer uma diferenciação entre o princípio da probidade e o da moralidade administrativa, posicionou-se Di Pietro nos seguintes termos: “Não é fácil estabelecer distinção entre a moralidade administrativa e a probidade administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública.” [29] Na verdade, o princípio da probidade administrativa estabelece o dever funcional do agente que, atuando em nome do Estado, deve exercer as suas funções com zelo ao patrimônio público, buscando sempre o interesse comum. Em outras palavras, a probidade administrativa consiste na obrigação do agente público servir à Administração com honestidade, atuando no exercício das suas funções, sem usufruir dos poderes ou facilidades postas à sua disposição, em proveito pessoal ou de outrem a quem deseje de algum modo favorecer. No entanto, não se deve perder de vista, que a noção de improbidade não se confunde com a noção de imoralidade. Ao se fazer um comparativo entre o conceito de probidade e o de moralidade administrativa, considerando os mesmos como princípios, pode-se afirmar que ambos são praticamente a mesma coisa. No entanto, quando se fala em improbidade administrativa como ato ilícito, deixa de haver correspondência entre os as expressões improbidade e imoralidade, haja vista a primeira expressão ter sentido muito mais amplo e preciso, que abarca não só os atos imorais, mas também os ilegais. Em síntese, o princípio da probidade e o da moralidade administrativa possuem relação direta com os atos de improbidade administrativa, no entanto, estes não se esgotam naqueles. 1.2.5 Princípio da proporcionalidade O princípio da proporcionalidade, em linhas gerais, traz consigo a ideia de que as competências administrativas apenas serão validamente exercidas quando corresponderem ao que seja realmente demandado para o cumprimento da finalidade do interesse público. Sobre o princípio em voga, tem-se que o mesmo ainda se encontra em evolução e tem sido acatado em apenas alguns ordenamentos jurídicos, dentre eles: o brasileiro. No que tange ao seu fundamento, o princípio da proporcionalidade tem como pedra de toque o excesso de poder, tendo por finalidade a moderação dos atos, decisões e condutas de agentes públicos que extrapolem os limites adequados compatíveis com os objetivos almejados pela Administração. De acordo com Bandeira de Mello, quando determinado ato ultrapassa o necessário para alcançar os seus objetivos “ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência, ou seja; superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam. ”[30] Segundo Cunha Júnior, o referido princípio é: “Utilizado, habitualmente , para aferir a legitimidade das restrições de direitos, o princípio da proporcionalidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins, procede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a nível constitucional; e, ainda enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico.”[31] De acordo com a doutrina alemã, para que qualquer conduta estatal observe o princípio da proporcionalidade, faz-se necessário que a mesma esteja revestida de tríplice fundamento: adequação; exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito.[32] Adequação visando que o meio empregado na atuação seja compatível com o fim colimado; exigibilidade porque a conduta em questão precisa ser necessária, não existindo meio menos gravoso para se atingir o objetivo e, por fim, obedecendo a proporcionalidade em sentido estrito para que as vantagens a serem conquistadas sejam superiores às desvantagens. Ou seja, a observância do princípio em foco faz com que os agentes públicos atuem de forma proporcional, pautados no equilíbrio entre os motivos ensejadores da prática de determinado ato e as consequências imediatas da conduta adotada. 1.2.6 Princípio da razoabilidade A razoabilidade é um princípio implícito do Direito Administrativo, que, embora previsto no projeto original da Constituição Federal de 1988, não fora incluído no bojo do artigo 37. Segundo Carvalho Filho, “ razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta possam dispor-se de forma um pouco diversa”.[33] Na realidade, o princípio da razoabilidade busca, sobretudo, que eventual valoração feita pelo administrador público, efetivada dentro de certa margem de discricionariedade, situe-se dentro de standards de aceitabilidade. Este princípio veda que a Administração aja com excessos A razoabilidade deve ser compreendida como um aspecto da legalidade, uma vez que a interpretação do Direito, do ponto de vista hermenêutico, extirpa do universo jurídico as opções desarrazoadas. Nestes termos, quando determinada decisão administrativa for tomada sem a observância do princípio em voga, esta mesma decisão, além de desarrazoada, será ilegal e ilegítima, afinal, ofende a lei na sua finalidade. Assim, todas as vezes, que o mérito de determinado ato administrativo exorbitar os limites legais, seja por afronta direta aos ditames legais, seja por violação ao princípio da razoabilidade, caberá ao judiciário sanar o ato eivado de vício. No entanto, cabe salientar que ao Judiciário, nestes casos em que instado a analisar as decisões que violem a razoabilidade, não será lícito substituir o juízo de valor do administrador público, vez que, se assim agir, estará violando a separação dos poderes. Desse modo, cabe ao judiciário apenas o controle dos aspectos legais das decisões impugnadas.[34]   2 Improbidade administrativa 2.1 Conceito A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição Federal de 1988 foi, sem dúvidas, uma consequência da preocupação com a ética na Administração Pública, bem como com o combate à corrupção e à impunidade no setor público. Inicialmente, cabe apontar que a improbidade administrativa tem sustentáculo no §4º do artigo 37 da Carta Magna, que estabeleceu que a lei sancionará os atos de improbidade administrativa, relacionando também algumas penalidades a serem aplicadas em caso de prática de ato que configure improbidade. Para dar cumprimento ao §4 do artigo 37, foi expedida lei que regulamenta os atos de improbidade administrativa, que faz menção a um rol mais amplo de sanções, levando em consideração o rol mínimo disposto na Carta Constitucional. Hoje, a matéria referente a improbidade administrativa, conforme aventado em linhas anteriores, encontra-se positivada na Lei 8.429, de 2 de junho de 1992. Indagando-se em que consistiria a improbidade administrativa, Osório expõe que a mesma configura-se: “[…] como espécie de má gestão pública que abarca tanto a grave desonestidade quanto a grave ineficiência funcional, à luz do princípio da legalidade inscrito na LIA. Nesse sentido, estamos diante de uma categoria ético-normativa superior que abarca tanto a corrupção (equivalente a uma espécie peculiar de desonestidade funcional extremamente grave) quanto a grave ineficiência funcional. Cuida-se de uma patologia singular, que se traduz por transgressões dolosas ou culposas. “[35] De acordo com Justen Filho, “a improbidade administrativa consiste na ação ou omissão violadora do dever constitucional de moralidade no exercício da função pública, que acarreta a imposição de sanções civis, administrativas e penais, de modo cumulativo ou não, tal como definido em lei”.[36] Antes da inclusão do princípio da moralidade no rol dos princípios constitucionais, a improbidade administrativa consistia em infração prevista apenas para os agentes políticos: para os demais agentes públicos, a punição era apenas aplicada nos casos de enriquecimento ilícito no exercício do cargo, que sujeitava o agente ao sequestro e perda de bens em favor da Fazenda Pública. Com a mencionada inserção do princípio da moralidade no rol dos princípios constitucionais de observância obrigatória, a submissão ao primado da probidade administrativa, estendeu-se a toda Administração Pública e com isso passou a ser prevista e sancionada para todas as categorias de servidores e abranger outras infrações que não apenas o enriquecimento ilícito.[37] Com efeito, da leitura da Lei 8.429/1992 infere-se que a violação à moralidade administrativa é apenas umas das hipóteses previstas nesse diploma como configuradora de ato de improbidade administrativa. Trocando em miúdos, a improbidade administrativa engloba a violação do princípio da moralidade administrativa, bem como de todos os demais princípios que regem a Administração Pública. Ainda levando em consideração o diploma legal acima mencionado, tem-se que ato de improbidade administrativa é todo aquele que importa, à custa da Administração, em enriquecimento ilícito (art. 9º); que causa prejuízo ao erário (art. 10º); bem como aquele que atenta contra os princípios da Administração Pública (art. 11º). Frise-se que para um ato ser classificado como de improbidade, não se faz necessária a demonstração da ilegalidade do ato, bastando a lesão à moralidade administrativa. No que tange à configuração do ato de improbidade administrativa, mais uma vez, servimo-nos da brilhante lição de Justen Filho: “A improbidade se configura como a violação a um dever específico, que é o respeito à moralidade. Não se confunde improbidade com ilicitude em sentido amplo. Pode haver ilicitude sem haver improbidade. A improbidade pressupõe um elemento subjetivo reprovável. Como regra, a improbidade se aperfeiçoa mediante um elemento doloso, admitindo a forma culposa como exceção. A improbidade não se configura pela mera atuação defeituosa do agente – o que não significa reconhecer a regularidade jurídica de ações e omissões culposas. […] Mas isso não significa que que sua conduta caracterize de modo automático, improbidade. A improbidade envolve infração.” [38] Nestes termos, infere-se que a configuração de improbidade pode derivar tanto de uma atuação ativa, quanto de uma atuação omissiva. No entanto, cabe aqui mencionar que só haverá improbidade se o sujeito ativo do ato tiver violado, de forma consciente, o dever de moralidade: isso ocorre porque a vontade consciente é da própria essência da noção de moralidade.[39] Em outras palavras, para que haja configuração da improbidade administrativa faz-se imperioso o agente público tenha agido ou se omitido imbuído na má-fé. 2.2 Os atos de improbidade administrativa Para que haja a ocorrência de ato de improbidade administrativa previsto na Lei 8.429/1992, são necessários três elementos: sujeito ativo, o sujeito passivo e a ocorrência de um dos atos danosos previstos na lei como ato de improbidade. Conforme esposado em linhas anteriores, o texto legal estabelece três modalidades de atos de improbidade administrativa: os que importam enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública. Tais atuações encontram-se dispostas, respectivamente, nos artigos 9, 10 e 11 da Lei de improbidade. Faz-se de valia esclarecer que a Lei 8.429/1992 estabelece uma gradação ao dispor sobre os atos de improbidade, ou seja, os primeiros atos (atos que geram enriquecimento ilícito) são considerados os mais graves de todos, enquanto os últimos (atos que violam os princípios da Administração Pública), os mais leves. Em que pese a lei falar de ato de improbidade, deve-se ter em mente que o termo ato não é utilizado na acepção de ato administrativo. O ato de improbidade administrativa pode equivaler a uma ação, a uma omissão, e a inda, a um ato administrativo.[40] Ainda para que haja a configuração do ato como de improbidade administrativa, faz-se necessário que o mesmo tenha sido praticado no exercício da função pública, em seu sentido amplo, de forma a abarcar as três funções do Estado. Saliente-se que um ato de improbidade administrativa pode ser praticado também por um terceiro que não se enquadre no conceito de agente público. Com efeito, nota-se que o texto da lei de improbidade administrativa traz um rol de atos, insertos nos seus incisos, em cada um dos artigos acima mencionados. De acordo com o entendimento uníssono, os incisos demarcam exemplos de atos de improbidade, não os dispondo de forma taxativa. Assim sendo, ainda que um ato não se encaixe em uma das hipóteses previstas, de forma expressa, nos diversos incisos dos três dispositivos, a improbidade administrativa poderá ser configurada, desde que o mesmo se enquadre no caput dos artigos 9, 10 e 11 da Lei 8.429/1992. O art. 9º dispõe que “constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função ou emprego nas entidades mencionadas no art. 1º e notadamente” os que vêm indicados nos incisos insertos no dispositivo legal. Esta categoria, como dito anteriormente, abarca as hipóteses mais reprováveis de improbidade administrativa, concernentes a atos orientados a produzir acréscimos no patrimônio de um agente público, ou ainda, de um terceiro. Esse elenco exemplificativo funda-se em doze incisos, que dispõem sobre as mais diversas situações, sendo possível organizar as hipóteses configuradoras em quatro grupos a saber: atos de percepção de vantagens indevidas de terceiros (incs. I, II, III, V, VI, IX e X); atos de apropriação indevida (incs. IV, XI e XII); atos em conflitos de interesses (inc. VIII) e atos evidenciadores de enriquecimento sem justificativa (inc. VII).[41] Nos termos do art. 10º, “constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, notadamente” as que vêm previstas nos incisos do artigo em voga. Esse segundo grupo de atos de improbidade, é o daqueles que causam lesão ao erário, fruto de uma ação ou omissão. Faz-se de extrema valia salientar que não existe ficção de lesão aos cofres público, sendo necessário, portanto, o resultado danoso para que haja efetivamente a configuração. Nesta senda, mostra-se elucidativo colacionar julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO PELO ART. 10 DA LEI 8.429/92. EXIGÊNCIA DE DANO EFETIVO AO ERÁRIO. DANO NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1.   O periculum in mora encontra-se presente, pois, no caso em apreço, haveria o iminente risco da proibição de contratação com o Poder Público, o que afetaria mais de 500 contratos da empresa, o que, certamente, como consectário lógico, afetará as suas atividades empresariais. 2.   Da mesma forma, à primeira vista, a fumaça do bom direito estaria presente, uma vez que o acórdão recorrido condenou a ora requerente por atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, II, IV e VIII da Lei de Improbidade, o que exige o efetivo dano ao Erário. 3.   A configuração dos atos de improbidade administrativa previstos no art. 10 da Lei 8.429/92 exige a presença do efetivo dano ao erário e, ao menos, culpa.  4.   Agravo Regimental do MPF a que se nega provimento. (Agravo Regimental na Medida Cautelar n.º 24630 / RJ, Primeira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, Julgado em 20/10/2015, grifo nosso) Por derradeiro, de acordo com a inteligência do art. 11º, “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições e notadamente” as que vêm dispostas nos incisos do dispositivo. No que diz respeito ao art. 11 da Lei 8.429/1992, tem-se que existe uma definição bastante ampla que exige uma interpretação restritiva, sob pena de generalização e, consequentemente, a tipificação de qualquer ato como sendo de improbidade administrativa. Assim sendo, nesta hipótese específica, a ofensa aos princípios honestidade, lealdade, imparcialidade e legalidade, só adquirirá relevância, quando o fato evidenciar-se como meio de realização de ato improbo. 2.3 Elemento subjetivo: dolo ou culpa Conforme exposto alhures, a matéria que envolve o estudo do elemento subjetivo do ato de improbidade administrativa, possui como regra a exigência de dolo. De acordo com Justen Filho, “a improbidade pressupõe a atuação maliciosa preordenada à obtenção do resultado conhecido como indevido”.[42] Do estudo cuidadoso da Lei 8.429/1992, precisamente dos três dispositivos reguladores dos atos de improbidade, extrai-se que apenas o artigo 10 dispõe sobre a possibilidade de determinado ato (ação ou omissão) caracterizar-se como um ato de improbidade, baseando-se apenas na culpa. São nestes termos, que se faz imperioso salientar que o dispositivo acima mencionado possui extrema relevância, uma vez que é partir dele que se chega à conclusão que é inadmissível a configuração dos atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito e que violem os princípios norteadores da Administração Pública com base no elemento culpa. Foi nesse mesmo sentido que se posicionou o Egrégio Superior Tribunal de Justiça em recentíssimo julgado: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ARTIGO 11 DA LEI 8429/92. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS. ELEMENTO SUBJETIVO DO ATO ÍMPROBO EXPRESSAMENTE RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. REVISÃO DAS SANÇÕESIMPOSTAS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO PROBATÓRIA. SÚMULA 7/STJ. Assim sendo, em apertada síntese, apenas os atos de improbidade que causem prejuízo ao erário podem ser sancionados a título de dolo ou culpa, sendo os demais atos de improbidade sancionados apenas quando comprovado o dolo. No entanto, não se deve perder de vista que a configuração do ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito, com base apenas na culpa, só pode ocorrer em algumas hipóteses dispostas no artigo disciplinador, não abarcando todas as possibilidades ali previstas.[43] Sobre a importância de se analisar a intenção do agente, sob pena de sobrecarregar o Judiciário, expõe Di Pietro: “A quantidade de leis, decretos, medidas provisórias, regulamentos, portarias torna praticamente impossível a aplicação do velho princípio de que todos conhecem a lei. Além disso, algumas normas admitem diferentes interpretações e são aplicadas por servidores públicos estranho à área jurídica. Por isso mesmo, a aplicação da lei de improbidade exige bom senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar inutilmente o Judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi o de punir infrações quem tenha um mínimo de gravidade, por apresentarem consequências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. “[44](grifo nosso) Por fim, insta salientar que, no caso da lei de improbidade administrativa, a análise do elemento subjetivo se torna ainda mais especial, haja vista o objetivo do legislador ser o de assegurar a moralidade e honestidade no âmbito da Administração Pública. 2.4 Sanções aplicáveis Conforme esposado em linhas anteriores, o parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Da leitura do dispositivo mencionado, depreende-se que um ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, caso haja a possibilidade de enquadramento do ato em algum crime previsto no Código Penal ou em sua legislação complementar. Sobre essa questão, pontua Di Pietro: “(a) O ato de improbidade, em si, não constitui crime, mas pode corresponder também a um crime definido em lei; (b) as sanções indicadas no artigo 37, §4º, da Constituição não têm natureza de sanções penais, porque, se tivessem, não se justificaria a ressalva contida na parte final do dispositivo, quando admite a aplicação das medidas sancionatórias nele indicadas “sem prejuízo da ação penal cabível”;(c) se o ato de improbidade corresponder também a um crime, a apuração da improbidade pela ação cabível será concomitante com o processo criminal.”[45] Na lei de improbidade, as sanções estão previstas no art. 12 e vão além daquelas previstas na Constituição Federal. Sobre a natureza jurídica das sanções disciplinadas na lei de improbidade, dispõe Carvalho Filho: “As sanções da Lei de Improbidade são de natureza extrapenal e, portanto, têm caráter de sanção civil. Esse é um ponto sobre o qual concordam praticamente todos os especialistas. Assim o legislador deveria ter evitado o título “Das Penas” atribuído ao Capítulo III da lei, o que poderia dar a falsa impressão de tratar-se de penalidades inerentes à prática de crimes. Não obstante, adiante-se que, em situações específicas, algumas sanções têm sofrido restrição em sua aplicação por terem inegável conteúdo penal. O fato, porém, não lhes retira a natureza civil de que se reveste.”[46] Assim sendo, muitos dos atos administrativos podem corresponder, simultaneamente, a tipos penais estabelecidos na legislação penal, bem como a infrações administrativas definidas em estatutos que regulam os servidores. O artigo 12 da lei de improbidade dispõe, além daquelas sanções já disciplinadas pela Carta Constitucional, que o responsável pelo ato de improbidade administrativa estará sujeito à perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio (hipótese direcionada aos casos de enriquecimento ilícito), à multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário. Da leitura do supramencionado artigo, percebe-se claramente, conforme já exposto, que o legislador estabeleceu uma gradação em termos de gravidade, considerando mais graves, e consequentemente tendo penas mais severas, as condutas que acarretem enriquecimento ilícito e mais leve os atos que atentem contra os princípios da Administração. Outro aspecto, quanto às sanções, que merece atenção diz respeito à possibilidade de um mesmo ato se enquadrar nos três tipos de improbidade administrativa. Ocorrendo essa possibilidade, a sanção aplicável será aquela disciplinada para a infração mais grave. Ainda sobre as sanções, cabe aqui fazer referência à possibilidade de aplicação cumulativa das penas previstas no artigo 12 da Lei 8.429/1992. Essa cumulatividade se deve ao fato da possibilidade de um mesmo ato de improbidade administrativa afetar valores de naturezas diversas. Além do artigo 12, a Lei 8.429/1992 traz também nos seus artigos 5º e 6º o tratamento da matéria das sanções aplicáveis. Com efeito, o artigo 5º estabelece que, ocorrendo lesão ao patrimônio público, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou do terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.[47] Já o artigo 6º estabelece que, no caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio. Por fim, importa observar que, na fixação das penas previstas na lei de improbidade, o juiz deverá levar em conta a extensão do dano causado, exigindo, portanto, a observância do princípio da proporcionalidade.   3.1 Conceito e legislação pertinente Consoante o disposto no §3 do artigo 37 da Carta Magna, a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta regulando especialmente, dentre outras hipóteses, a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. Regulamentando a disposição constitucional mencionada, a Lei 8.429/1992, no seu artigo 14, prevê que qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de improbidade administrativa. O artigo 22 do mesmo diploma dispõe que para apurar qualquer ato de improbidade administrativa ou ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação, poderá requisitar instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo. Por fim, o artigo 17 da Lei 8.429/1992 prevê a ação judicial visando a aplicação das sanções pela prática de ato de improbidade administrativa. O § 1º desse mesmo dispositivo prevê que é vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações dessa natureza. De acordo com as lições do Professor Matheus Carvalho, “a ação de improbidade é uma ação civil que visa punir os agentes públicos e particulares que atuem em colaboração, ou se beneficiando da atuação do agente, por atos de improbidade”.[48] Já segundo Carvalho Filho, “ a ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação das sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade administrativa”. Em conclusão, expõe o mesmo doutrinador que a ação de improbidade, “sem dúvida, cuida-se de poderoso instrumento de controle judicial sobre atos que a lei caracteriza como de improbidade”.[49] Sobre a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, cabe aqui ressaltar que, atualmente, vem se firmando o entendimento que esta ação possui natureza de ação civil pública, motivo pelo qual, é aplicada, subsidiariamente, a Lei 7.347/1985 (Lei de Ação Civil Pública), desde que não haja contrariedade com os dispositivos expressos da Lei 8.429/1992. 3.2 Sujeito ativo da ação de improbidade Consoante a dicção do artigo 1º da Lei 8.429/1992 extrai-se que o sujeito ativo da ação de improbidade é a pessoa jurídica que a lei indica como vítima do ato de improbidade. O mencionado artigo, indica as entidades que podem ser atingidas por ato de improbidade administrativa, abarcando “ a administração direta, indireta, fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio e da receita atual. ” Com efeito, o parágrafo único do mesmo dispositivo estabelece que “estão também sujeitos às penalidades da Lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que recebe subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos”. No entanto, não se deve perder de vista que a legitimidade ativa para a propositura da ação de improbidade administrativa não se encerra nas pessoas jurídicas mencionadas, o Ministério Público também possui legitimidade para propositura das ações civis dessa natureza, motivo pelo qual conclui-se que a Ação de Improbidade Administrativa possui legitimidade ativa concorrente. Levando em consideração a citada legitimidade ativa concorrente, deve-se mencionar que caso a ação seja proposta pelo Ministério Público, a entidade lesada deverá ser intimada para que, havendo interesse, atue como litisconsorte ativa. Por sua vez, caso a pessoa jurídica lesada proponha a ação, o parquet, necessariamente, deverá atuar na condição de custus legis sob pena de nulidade, de acordo com o disposto no § 4º do artigo 17 da Lei de Improbidade administrativa.[50] 3.3 Sujeito passivo da ação de improbidade administrativa A lei 8.429/1992, dispõe de um rol de sujeitos ativos que respondem pela prática de atos eivados por improbidade. O artigo 1º do mencionado diploma, afirma que o ato de improbidade administrativa pode ser praticado por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta, fundacional ou autárquica de qualquer dos poderes da União, Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios e de empresas incorporadas ao patrimônio público. Com efeito, faz-se imperioso observar que comete atos de improbidade, quem também, atua em nome da Administração temporariamente com ou sem remuneração.[51] Nestes termos, da leitura do dispositivo mencionado, verifica-se que não se faz necessário ser servidor público com vínculo “empregatício”, para que o agente se encaixe como sujeito ativo da improbidade administrativa, consequentemente, sujeito passivo de uma ação movida para apurar tal fato. Qualquer pessoa que preste serviço ao Estado é agente público, podendo, portanto, ser sujeito passivo de uma ação que vise apurar a prática de um ato de improbidade. Assim sendo, podem ser sujeitos passivos da ação de improbidade os agentes políticos, os servidores públicos, os militares e também os particulares em colaboração com o Poder Público. No que tange aos servidores públicos, todas as categorias são incluídas, independentemente do vínculo firmado, podendo ser o servidor detentor de cargo efetivo, em comissão ou vitalício. Ademais, os membros do Ministério Público, da Magistratura e do Tribunal de Contas também se incluem como sujeitos passivos da ação de improbidade, sejam eles considerados servidores públicos ou agente políticos, como alguns doutrinadores preferem classificá-los. De acordo com Di Pietro, “ o fato de gozarem de vitaliciedade não impede a aplicação das sanções previstas na lei, inclusive a perda de cargo, já que uma das hipóteses de perda de cargo, para os servidores vitalícios, é a que decorre de sentença transitada em julgado (art. 95, I, e art. 128, § 5º, II, d, da Constituição)”.[52] No entanto, ainda sobre os agentes políticos, faz-se de extrema valia mencionar que, de acordo com as recentes decisões proferidas, a Corte Suprema vem firmando o posicionamento no sentido que os agentes políticos que, porventura, respondam por crime de responsabilidade não estarão sujeitos à Lei de Improbidade. Esse entendimento deve-se ao fato que os crimes de responsabilidade estipulam sanções de natureza civil e ocorreria um verdadeiro bis in idem, ao se admitir as duas punições. Neste sentido foi o julgamento da Reclamação 2138/DF pelo Supremo Tribunal Federal: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. PRELIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justificou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessação do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prerrogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I.2. Questão de ordem quanto ao sobrestamento do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não reflita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Julgamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na sequência da pauta de julgamentos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei nº 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, c; Lei nº 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). II. 4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. III. Reclamação julgada procedente. (Reclamação 2138/DF, Tribunal Pleno, Supremo Tribunal Federal, Relator: Min Nelson Jobim, Julgado em 13/06/2007, grifo nosso) De forma diversa, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem firmando entendimento no sentindo que inexiste óbice quanto à imputação de responsabilidade aos agentes políticos nos casos em que os mesmos respondam por crimes de responsabilidade e também pela prática de atos de improbidade administrativa. Excetua-se, neste particular, a atuação do Presidente da República e dos Ministros do Estado, estes em crimes conexos com aquele. Neste sentido, vale colacionar o julgado referente à Reclamação 2790/SC: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE CONTRA GOVERNADOR DE ESTADO. DUPLO REGIME SANCIONATÓRIO DOS AGENTES POLÍTICOS: LEGITIMIDADE. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO: RECONHECIMENTO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO STJ. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA RECLAMAÇÃO. Por fim, ressalte-se que, além dos agentes públicos, os particulares também podem responder por improbidade administrativa, desde que, de alguma forma, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma. Estes particulares podem atuar mediante delegação, requisição ou espontaneamente. 3.4 Da competência para julgamento Inicialmente deve-se mencionar que o procedimento da ação de improbidade administrativa é o especial de jurisdição contenciosa, previsto na lei que disciplina a ação civil pública (Lei 7.374/1985), devendo ser aplicadas as regras inseridas no artigo 17 da Lei 8.429/1992, que estabelecem particularidades. Quanto à competência para julgamento da ação de improbidade administrativa, tem-se que a mesma deverá ser proposta em juízo singular (primeiro grau), com jurisdição na sede da lesão. A ação será distribuída perante a Justiça Federal caso haja interesse da União, autarquias ou empresas públicas federais, devendo, nos demais casos, a ação ser proposta perante a Justiça Estadual. Com efeito, levando em consideração a natureza civil das sanções aplicadas, não existe a prerrogativa de foro para a propositura da ação, não sendo possível a utilização da competência constitucional para as ações penais movidas em face de agentes públicos. No entanto, questão polêmica adveio com a Lei 10.628/2002 que, inserindo o §2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal[53], estabeleceu o foro especial de prerrogativa de função, concebendo que a ação de improbidade administrativa deveria ser proposta perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade no caso de prerrogativa de foro em razão do exercício da função pública. Diante da situação esposada, o Supremo Tribunal Federal declarou, na ADI 2797, a inconstitucionalidade do dispositivo em comento, sob o argumento de que cabe exclusivamente à Constituição Federal a criação de foro especial de prerrogativa de função. Neste sentido, faz-se de valia colacionar parte da ementa do acordão proferido na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade: EMENTA:[….] III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada. […] Ademais, como bem colocado pelo Professor Dirley da Cunha Júnior a dicção de tal dispositivo “viola o princípio constitucional do juiz natural, posto que a competência por prerrogativa de função existe apenas para proteger a função pública e não a pessoa que a exerce ou a exerceu. Tem-se na espécie, uma lei que destina um privilégio inaceitável, não admitido pela Carta Política”.[54] Proposta a ação de improbidade no foro competente, deverá ser aplicado o artigo 17 da Lei 8.429/1992, que prevê a notificação do acusado para apresentação de defesa prévia no prazo de 15 dias. Dentro do aludido prazo, o acusado deverá persuadir o juiz acerca do deferimento ou não da petição inicial, considerando a inadequação da via eleita, a improcedência da ação ou, ainda a inexistência do ato de improbidade. Recebida a petição inicial, o Réu será citado para apresentar contestação. Da decisão que receber a petição inicial caberá agravo de instrumento (art. 17, §10). Como regra, o juiz deve receber a petição inicial, bastando apenas que o fato se enquadre em um dos tipos insertos na Lei 8.429/1992 e que haja indícios suficientes que fundamentem a prática do ato de improbidade. Presentes tais pressupostos, deve o juiz proceder com a fase instrutória. Após a fase de instrução processual, o juiz proferirá a sentença. Ressalte-se que, em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem exame do mérito. 3.5 Concomitância entre as instâncias É cediço que as instâncias civil, penal e administrativa são independentes e que determinado ato de improbidade pode ser sancionado nas três instâncias. Dito isso, faz importante saber que as sanções para improbidade administrativa dispostas da Lei 8.429/1992 possuem natureza civil, fato que não impede a apuração da responsabilidade na esfera administrativa e também na esfera penal. Conforme esposado no tópico 3.4 do presente trabalho, o § 4 do artigo 37 da Constituição Federal preceitua que os atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, na perda da função pública, na indisponibilidade dos bens e no ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Da leitura do dispositivo mencionado infere-se que um ato de improbidade administrativa pode corresponder a um ilícito penal, caso possa ser enquadrado em tipo definido no Código Penal ou em sua legislação complementar. Nestes termos, fica claro que não há impedimento que haja a instauração simultânea de processos nas instancias penal, administrativa e civil. A primeira instância irá cuidar de apurar o ilícito penal segundo as normas do Código de Processo Penal; a segunda vai apurar o ilícito administrativo segundo as normas dispostas no respectivo estatuto funcional; e a terceira vai aplicar as disposições contidas na Lei 8.429/1992. Havendo a instauração simultânea de processos, em mais de uma esfera, deverá ser observada a comunicabilidade entre as instâncias. A regra fundamental sobre a matéria está inserta no artigo 935 do Código Civil.[55] De acordo com esse dispositivo, quando uma questão se achar decidida no juízo criminal, no que toca a existência do fato ou quem se seja o autor, esses termos não poderão ser mais questionados. Comungando com os termos do mencionado artigo, o artigo 126 da Lei 8.112/1990, determina que “ a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou da sua autoria. Por sua vez, o artigo 65 do Código de Processo Penal determina que “faz coisa julgada no cível a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito”. E, o artigo 66 do mesmo digesto estabelece que “não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não estiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato. ” 3.6 Da prescrição da ação de improbidade administrativa No que diz respeito à prescrição da Ação de Improbidade Administrativa, a mesma encontra-se disciplinada no artigo 23 da Lei 8.429/1992.[56] Consoante a dicção do mencionado dispositivo, existe distinção entre duas hipóteses. O inciso I do retro mencionado artigo, dispõe que a prescrição ocorrerá cinco anos após o término do mandato, de cargo de comissão ou de função de confiança; para os que exercem cargo efetivo. Da análise do dispositivo, extrai-se que, primeiramente, se faz necessário o exaurimento do mandato, para então se iniciar a contagem do prazo prescricional. De acordo com Professor Matheus Carvalho, nestes casos, “ a intentatio legis é evitar que o agente se valha da própria torpeza e evite a sanção de improbidade administrativa enquanto ainda está no exercício da função, ensejando a sua prescrição”.[57] Já o inciso II estabelece que a prescrição ocorrerá no prazo de prescrição disposto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público. Quanto a este inciso, insta salientar que o mencionado prazo irá variar de acordo com a esfera de governo ao qual o servidor encontre-se vinculado. Por exemplo, a lei que disciplina os servidores públicos federais (Lei 8.112/1990) dispõe que o prazo de prescrição é de cinco anos contados do conhecimento da ação infracional pela Administração Pública. Caso o sujeito passivo da ação de improbidade, seja servidor público estadual o estatuto do respectivo Estado será o apto a disciplinar o prazo em questão. Por fim, importa saber que, quanto aos particulares, a lei é silente no que tange o prazo prescricional. Valendo mais uma vez dos ensinamentos de Carvalho, o mesmo esclarece que: “Nesse caso, duas são as interpretações possíveis. O entendimento majoritário, é de que a prescrição para aplicação da penalidade é a mesma prevista para o agente público que atuou em concurso com o particular. Isso porque, é cediço que o particular somente pratica atos de improbidade em concurso com agente público e figura no pólo passivo da ação em litisconsórcio. No entanto, importa saber que existe doutrina no sentido que se aplica prazo de 10 anos, por ser previsto no Código Civil como prazo genérico.”[58] Vale ressaltar que, no que diz respeito a ação de ressarcimento por danos causados por agentes públicos (servidor ou não), a Constituição Federal, no seu artigo 37, §5[59]º, dispõe que as mesmas são imprescritíveis. Assim sendo, ainda que a Ação de Improbidade esteja prescrita a ação de ressarcimento de danos não estará.   4 O instituto da delação premiada na ação de improbidade administrativo 4.1 Conceito de delação premiada Delatar, em termos claros, significa incriminar, denunciar ou acusar. Do ponto de vista processual, somente tem sentido em falar de delação, quando alguém, assumindo a prática delituosa, revela que outra pessoa também o ajudou. Em que pese o tema central do presente trabalho vincule-se, especificamente, ao instituto da delação premiada, faz-se necessário situá-lo dentro do que vem se convencionando chamar de colaboração premiada. De acordo com Professor Renato Brasileiro, faz-se necessária a distinção entre delação premiada e colaboração premiada, sendo a primeira espécie da segunda.[60] Neste contexto, Vladimir Aras[61] aponta a existência de quatro subespécies de colaboração premiada, sendo elas: delação premiada (chamamento corréu), colaboração para libertação, colaboração para localização e recuperação de ativos e colaboração preventiva. Por delação premiada, Nucci entende que a mesma nada mais é do que uma: “[…] denúncia que tem como objeto narrar às autoridades o cometimento de delito e, quando existentes, os coatores e partícipes, com ou sem resultado concreto, conforme o caso, recebendo, em troca, do Estado, um benefício qualquer, consistente em diminuição de pena ou, até mesmo, um perdão judicial.”[62] Já Brasileiro, de forma mais técnica, conceitua o instituto como: “Espécie do direito premial, a colaboração premiada pode ser conceituada como uma técnica especial de investigação por meio do qual o coator e/ou partícipe da infração penal, além de confessar o seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos da lei, recendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.”[63] Assim sendo, em outras palavras, ocorrerá a delação premiada quando um réu, ao ser inquirido, não só admitir a prática de um ato delituoso, mas também imputar sua autoria a uma outra pessoa ou a diversas pessoas. Nesse interim, conclui-se que a confissão do fato delituoso é um pressuposto da delação premiada; do contrário, haveria apenas um simples testemunho. A delação passa a ser premiada, conforme dito em linhas anteriores, quando a mesma é incentivada pelo legislador, por meio de um prêmio conferidor ao acusado delator, na forma de benefícios processuais ou penais (redução da pena, perdão judicial, fixação de regime prisional mais brando, isenção de processo). Em suma, a delação premiada é um instituto do Direito Penal que confere benesses ao réu que colabora com Estado na persecução penal, propiciando a aplicação da justiça. Sob o ponto de vista da ética e da moral, parte da doutrina posiciona-se veementemente contra o instituto da delação premiada. Tal fatia doutrinária considera a delação premiada como verdadeira extorsão premiada.[64] Neste sentido, expõe Silva Franco: “A delação premiada, qualquer que seja o nome que se lhe dê, e quaisquer que sejam as consequências de seu reconhecimento, continua a ser indefensável, do ponto de vista ético, pois se trata da consagração legal da traição, que rotula, de forma definitiva, o papel do delator. Nem, em verdade, fica ele livre em nosso País, do destino trágico que lhe é reservado – quase sempre a morte pela traição – pois as verbas orçamentárias reservadas para dar-lhe proteção são escassas e contingenciadas.”[65] Seguindo esta mesma linha de raciocínio, posiciona-se Natália Oliveira de Carvalho: “Lastreada num critério puramente pragmático, tomando o investigado como fonte preferencial da prova, a institucionalização da delação ampara-se numa relação entre custo e benefício em que somente são valoradas as vantagens advindas para o Estado com a cessação da atividade criminosa, pouco importando as consequências que esta prática possa ter em nosso sistema jurídico, fundado na dignidade da pessoa humana. Ao preconizar a tomada de uma postura infame (trair) pode ser vantajosa para quem a pratica, Estado premia a falta de caráter do codelinquente, convertendo-se em autêntico incentivador de antivalores ínsitos à ordem social. […] Não se pode, em definitivo, tolerar, em nome da segurança pública – “falida” devido à inoperância social do poder – a edição maciça de diplomas legais repressivos, os quais, pautados na retórica da eficiência, rompem com os preceitos de ordem constitucional democrática estabelecida.”[66] Adotando uma postura não tão radical, Nucci, ao comentar o §4.º do art. 159 do Código Penal, pondera que a delação premiada seja um: “[..] ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.”[67] Em que pese, sob certo aspecto, a presença no ordenamento jurídico da delação premiada represente o reconhecimento, por parte do Estado, da sua ineficiência em solucionar, por si só, todos os delitos praticados, entendemos não haver qualquer violação à ética ou à moral, pois parece ser contraditório a sustentação da tese da existência de uma ética criminosa. Corroborando com a ideia que inexiste violação à ética ou à moral quando da utilização do instituto da delação premiada, posicionou o juiz Sergio Moro em brilhante trabalho sobre a Operação Mãos Limpas: “Sobre a delação premiada não se está traindo a pátria ou alguma espécie de “resistência francesa”. Um criminoso que confessa um crime e revela a participação de outros, embora movido por interesses próprios, colabora com a justiça e com a aplicação das leis de um país. Se as leis forem justas e democráticas, não há como condenar moralmente a delação; é condenável nesse caso o silêncio”.[68] Sem embargo de opinião, a despeito da delação premiada tratar-se de verdadeira traição institucionalizada, não se deve perder de vista que a mesma se trata de um instituto de capital importância no combate à criminalidade, uma vez que se presta a romper com o silencio mafioso, além de beneficiar o colaborador.[69] 4.2 Breve escorço histórico do instituto Não é de hoje, que a humanidade é açoitada pela traição entre os seres humanos. A história mundial aponta célebres relatos de traição, sendo o episódio mais amplamente divulgado aquele em que o apóstolo Judas Iscariotes vende nosso Senhor Jesus Cristo pelas trinta moedas de ouro. No Brasil, o cenário não é diferente, a história nacional também aponta diversos episódios de traição, dentre eles o de Joaquim Silvério dos Reis que denunciou Tiradentes, fato que levou este último à forca. Com o passar dos anos, mais especificamente com incremento da criminalidade, os ordenamentos jurídicos passaram a prever a possibilidade de premiar a traição: daí surgiu a colaboração premiada. A origem histórica do instituto da delação premiada não é recente. A delação foi francamente utilizada nos Estados Unidos (plea bargain) durante o tempo marcado pelo acirramento da batalha contra o crime organizado, bem como na Itália. Em ambos os países a colaboração premiada nasceu da necessidade de se combater o terrorismo e também o crime organizado.[70] Na Itália, o pentitismo (arrependimento) tornou-se consagrado, na década de 90, no contexto da Operação Mãos Limpas (mani pulite) que é apontada como uma autêntica cruzada judiciária contra a corrupção política e administrativa. A Operação Mãos Limpas compôs o ápice da história contemporânea do Judiciário. Tal ação judiciária comprovou que a vida política e administrativa de Milão, e da própria Itália, encontrava-se afundada na corrupção, com o pagamento de propinas para a outorga de todo contrato público.[71] Não obstante pelos seus sucessos e fracassos identificados, a Operação Mani Pulite produziu efeitos incisivos na vida institucional do país, redesenhando, assim, o quadro político da Itália. Sobre a estratégia adotada na Operação Mani Pulite, esclarece o Juiz Sérgio Moro: “A estratégia da ação adotada pelos magistrados incentivava os investigados a colaborar com a Justiça: A estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata […] Para um prisioneiro, a confissão pode aparentar a decisão mais conveniente quando outros acusados em potencial já confessaram ou quando ele desconhece o que os outros fizeram e for do seu interesse precede-los. Isolamento na prisão era necessário para prevenir que suspeitos soubessem da confissão de outros: dessa forma acordo da espécie “eu não vou falar se você também não”, não eram mais uma possibilidade.”[72] Na esfera pátria, de modo distinto do que ocorreu em outros países, a colaboração premiada nasceu do reconhecimento da ineficácia dos métodos tradicionais de investigação. Os legisladores pátrios atentos à necessidade de colaboração para a obtenção de informações relevantes na persecução penal, e também impelidos pelos meios de comunicação e também pela opinião pública, editaram uma gama de leis mais duras. Verifica-se que o referido instituto fora introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, no ano de 1990, quando da edição da Lei 8.072, a chamada Lei dos Crimes Hediondos. Após essa introdução, seguiu-se a edição de outros diplomas legais que preveem a possibilidade da utilização da delação premiada. Fazendo-se uma análise do repertório legal que abarca tal instituo tem-se que, em mais ou menos duas décadas, houve o surgimento de sete leis que trataram da delação premiada, alguma delas, inclusive, fazendo alterar diplomas legislativos preexistentes, incluindo entre eles o Código Penal. [73] 4.3 Previsão normativa Diferentemente dos Estados Unidos e da Itália que instituiu a delação premiada como forma de combater o terrorismo e o crime organizado, no Brasil tal instituto fora implementado devido ao incremento da criminalidade. Conforme asseverado no tópico anterior, a partir da década de 90, reconhecendo explicitamente a ineficácia dos métodos tradicionais de investigação, e consequentemente, da necessidade da delação premiada, o legislador pátrio, em atenção, principalmente, à opinião pública passou a editar uma gama de leis penais mais severas. As referidas leis dispunham sobre a colaboração premiada, variando apenas o seu objetivo, bem como os benefícios concedidos ao colaborador. A primeira Lei que cuidou da delação premiada foi a Lei 8.072/1990, Lei dos Crimes Hediondos, cujo artigo 8º, parágrafo único, ainda hoje vigente e válido, dispôs que “o participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços”. A referida lei determinou, também, a inclusão do §4 ao artigo 159 do Código Penal, que passou a dispor: “Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.” Também existia previsão legal da delação premiada na Lei que tratava sobre a utilização dos meios para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas (revogada Lei 9.034/1995, art. 6º, caput), que assim dispunha: “nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1(um) a 2/3(dois terços), quando a colaboração espontânea de agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”. Seguindo a linha cronológica da edição de leis que versam sobre o tema em voga, foi editada a Lei 9.080/1995, cujos artigos 1º e 2º introduziram modificações na Lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/1986) e no diploma legal que define os crimes contra a ordem tributária econômica e contra as relações de consumo (Lei 8.137/1990). Com vigência a partir de 4 de março de 1998, também consta na Lei de Lavagem de Capitais (Lei 9.613/1998), no seu artigo 1º, §5º, a possibilidade da utilização do instituto da delação premiada. No mesmo sentido, a nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006, art. 41, caput) prevê que “o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal da identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços”. Por fim, também há previsão da delação premiada na Lei que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei  nº 12.529/2011, com vigência a partir de 29 de maio de 2012. 4.4 Natureza jurídica da delação premiada Questão bastante intricada diz respeito à natureza jurídica do instituto da delação premiada. A divergência doutrinária gira em torno da classificação da delação como fonte de prova, como meio de prova ou como meio de obtenção de prova. Consoante as lições de Renato Brasileiro, a expressão fonte de prova é utilizada “ para designar as pessoas ou coisas das quais se consegue a prova. Cometido fato delituoso, tudo aquilo que possa servir para esclarecer alguém acerca da existência desse fato pode ser conceituada como fontes de prova. ”[74] Já no que diz respeito ao conceito de meios de prova, nas palavras de Nestor Távora, os mesmos “são os recursos de percepção da verdade e formação do convencimento. É tudo aquilo que pode ser utilizado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo”[75]. Trocando em miúdos, meios de prova são os mecanismos pelos quais as fontes de provas são dirigidas ao processo, produzindo resultados probatórios que podem ser utilizados na decisão judicial. Por sua vez, meio de obtenção de prova, seria o mecanismo processual que permite o acesso à fonte de prova ou a meio de prova. As medidas de busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário ou fiscal são exemplos de meios de obtenção de prova. A principal característica do meio de obtenção de prova é a sua instrumentalidade.[76] Especificamente no que diz respeito à natureza jurídica do instituto em voga, Jaques de Camargo entende que a delação premiada é um meio de prova, corporificando-se no processo através do interrogatório. Seguindo a mesma linha de raciocínio, posiciona-se Natália Oliveira Carvalho[77] também no sentindo da delação premiada ser um meio de prova. A referida autora classifica a natureza da delação premiada de tal forma por considerar que os meios de prova não estão taxativamente dispostos no Código de Processo Penal, fato que possibilitaria o encaixe deste instituto nesta seara. Com a devida vênia aos posicionamentos supramencionados, há que se perceber que não é tão simples sustentar a premissa da natureza jurídica da delação premiada ser de meio de prova. Conforme dito alhures, a delação premiada é materializada no processo através do interrogatório; levando-se em consideração que o interrogatório, em si, possui natureza jurídica específica de meio de defesa, não há como se sustentar que tal instituto, simultaneamente, seja um meio de prova. Quanto a considerar a delação premiada como meio de obtenção de prova, parece ser o enquadramento que melhor se integra com os fins a que ela se destina. A delação por si só é neutra, o que preserva nexo com o conceito de meio de obtenção de prova e poderá, a depender do resultado, advindo das palavras do imputado, contribuir para a atividade estatal. De outro turno, levando em consideração que do ato de delação não advenha qualquer resultado processual, tal fato, ainda assim, faz conservar a natureza do instituto como meio de obtenção de prova. Foi neste mesmo sentido que se posicionou Brasileiro: “ A colaboração premiada funciona como importante técnica especial de investigação, enfim, um meio de obtenção de prova. Por força dela, o investigado (ou acusado) presta auxílio aos órgãos oficiais de persecução penal na obtenção de fontes materiais de prova. Por exemplo, se o acusado resolve colaborar com as investigações em um crime de lavagem de capitais, contribuindo para localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime, e se essas informações efetivamente levam à apreensão ou sequestro de tais bens, a colaboração terá funcionado como meio de obtenção, e a apreensão como meio de prova.”[78] Nestes termos, conclui-se que a natureza jurídica do instituto da delação premiada se adequa de forma mais plausível como meio de obtenção de provas. 4.5 A eficácia objetiva da delação premiada Conforme já afirmado em outras oportunidades no bojo do presente trabalho, para que o agente colaborador faça jus as benesses penais e processuais penais possibilitadas pelo instituto da delação, faz-se imperioso verificar a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas. Destes termos, infere-se que a mera confissão não possui o condão de conferir a benesse legalmente estabelecida. Para que seja possível a obtenção de qualquer prêmio por força da colaboração prestada, o órgão responsável pela persecução penal deve ter obtido algum resultado prático objetivo. Corroborando com o quanto sustentado, vale colacionar recente julgado do Superior Tribunal de Justiça que negou a concessão do perdão judicial ao colaborador devido ao fato das declarações prestadas não terem se revestido de imprescindibilidade: PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE EFETIVA COLABORAÇÃO DO ACUSADO. PERDÃOJUDICIAL. ART. 35-B DA LEI N. 8.884/94. ART. 13 DA LEI N. 9.807/99.VAZIO NORMATIVO. AUSÊNCIA DE PONTO DE COINCIDÊNCIA. ANALOGIA. INVIABILIDADE. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ARESTO PARADIGMA. MESMO TRIBUNAL DE ORIGEM.SOLUÇÃO IDÊNTICA. NÃO CONHECIMENTO. Dizendo de outra forma, o que se pretende demonstrar no presente tópico é que para que haja a concessão do prêmio, existe a necessidade do colaborador ter prestado seu depoimento de maneira fidedigna sobre todos os fatos que tinha conhecimento. Ou seja, deverá haver uma consequência concreta advinda diretamente das informações prestadas. 4.6 O acordo de delação premiada Em um passado recente, não havia no ordenamento jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que tratasse expressamente do acordo de colaboração premiada. Por consequência, a delação premiada era realizada de maneira informal com o investigado, que passava a ter, apenas, mera expectativa de premiação, caso as informações prestadas fossem eficazes para o deslinde da situação. Em que pese ter pairado, até então, o silêncio legal sobre a matéria em foco, diversos acordos passaram a ser travados entre o Ministério Público e os acusados sempre na presença da defesa técnica. [79] Para tanto, era utilizado como fundamento o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal bem como os artigos 13 a 15 da Lei 9.807/1999[80], sem contar as leis especificas que tratavam do crime cometido em particular.[81] No que tange ao procedimento adotado para a pactuação desse acordo, tem-se que o mesmo fora construído através do direito comparado, de regras do direito internacional (Convenção de Mérida e Convenção de Palermo) e da aplicação analógica de institutos similares, como, por exemplo, a transação penal. Em que pese a existência formal desse acordo não seja condição que garanta, de forma inconteste, a concessão dos prêmios legais decorrentes da colaboração, sua celebração mostra-se de fundamental importância, inclusive para acautelar a segurança das garantias conferidas ao acusado. Foram nestes termos, que o legislador, atento à importância do referido acordo, dispôs expressamente sobre o assunto através da Lei 12.850/2013. Consoante o artigo 6º da Lei supramencionada, o acordo deverá ser travado por escrito e deverá conter o relato da colaboração e seus possíveis resultados, as condições da proposta do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, a declaração de aceitação do colaborador e seu defensor, as assinaturas do representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, bem como a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário. No que toca à legitimidade para a celebração do acordo de delação premiada, tal matéria é tratada por dois dispositivos da Lei. 12.850/2013: os §2 e §6 do art. 4º. O § 2 do artigo 4º da mencionada lei, dispõe que o Ministério Público, a qualquer tempo, e o Delegado de Polícia, nos autos do inquérito policial, com manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 CPP. Consoante o §6 do artigo 4º, o juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o Delegado de Polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso entre o Ministério Público e o investigado ou o acusado e seu defensor. No que toca à participação do Delegado de Polícia no acordo de delação premiada, cabe aqui pontuar que a mesma se restringe à sugestão ao investigado da possibilidade de celebração do acordo. Saliente-se que a premissa da mera sugestão não confere ao Delegado a legitimação ativa para firmar acordo alicerçados em uma simples manifestação do Ministério Público, vez que esta simples manifestação não possui o condão de validar o acordo firmado exclusivamente pela autoridade policial. [82] Consolidada a premissa que a autoridade policial não possui legitimidade ativa, por si só, para celebrar um acordo de delação premiada, admite-se que o Parquet é o detentor exclusivo da legitimidade ativa para celebração do acordo, durante as investigações e também no curso do processo judicial. Outro ponto de relevância que, necessariamente, precisa ser ventilado quanto ao acordo de delação premiada diz respeito à possibilidade de retratação do mesmo. Conforme visto em tópicos anteriores, só há como se falar na existência de um acordo quando se é possível verificar a convergência de vontades. Em particular, no caso da delação premiada, o Estado tem interesse em informações que só podem ser fornecidas por um dos coautores ou partícipes do fato delituoso, enquanto que os colaboradores possuem interesse nas benesses previstas em lei. Por consequência, tomando por base a própria ideia do que seja um acordo, tem-se que antes da homologação do acordo pela autoridade judiciária é perfeitamente viável que as partes resolvam se retratar da proposta realizada, nos termos do artigo 4º, §10, da Lei 12.850/13. Ainda sobre o acordo de delação premiada, cumpre afirmar que o mesmo não precisa ser firmado, necessariamente, até o encerramento da instrução probatória, em juízo, não se podendo afastar a possibilidade de se firmar o acordo mesmo após o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória. 4.7 A aplicabilidade do instituto da delação premiada na ação de improbidade administrativa No que concerne aos crimes contra a Administração Pública tem-se que, ao lado dos apetrechos punitivos do direito penal, o Estado possui, ao seu dispor, a Lei nº 8.429/1992, que garante a punição aos executores de atos de improbidade administrativa. Conforme já definido, a ação de improbidade é uma ação civil que visa punir os agentes públicos e particulares que atuam em colaboração, ou se beneficiando da atuação do agente, por atos de improbidade. Quanto à regência, a ação de improbidade administrativa é orientada pelo processo civil, possuindo uma tramitação assemelhada com processualística penal. Nesta senda, tal ação guarda muitos pontos em comum com o rito de instrução dos processos que versam sobre crimes cometidos por agentes públicos. Ao se estabelecer um quadro comparativo entre os ilícitos penais e os ditos ilícitos administrativos, há que se perceber que existe similaridade em termos de conduta e suas consequências, de seus sujeitos ativos e passivos, além de não ser inusitado a tutela de idênticos bens jurídicos. No entanto, faz-se imperioso observar que, em que pese a sanção em um e em outro ter a mesma finalidade, há divergência quanto ao foco de incidência.[83] Como conceitua Osório: “ a sanção administrativa consiste em um mal ou castigo, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, considerada materialmente, pelo Poder Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado(r), agente público, indivíduo ou pessoa jurídica, expostos ou não a relações especiais de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora, ou disciplinar, no âmbito formal ou material do direito administrativo.”[84] Superado esse ponto, cabe aqui consignar que, embora a lei de improbidade Administrativa deva ser considerada um exímio instrumento coibidor da corrupção, a mesma esbarra em constantes óbices durante o seu percorrer investigatório, fato que reflete na efetividade da punição do infrator e, consequentemente, ocasiona resultados considerados aquém dos esperados pela sociedade. Sobre as dificuldades investigatórias existentes no trâmite processual da Ação de Improbidade Administrativa, colocou-se Faria: “Os atos de improbidade muitas vezes envolvem organizações criminosas ou uma cadeia de agentes com características piramidais (mentores da fraude no topo e muitos subordinados na base da pirâmide). Dessa forma, são vários os envolvidos, principalmente na base das fraudes administrativas, ficando os principais autores impunes ante a ausência de provas e a impossibilidade de obtenção de confissões importantes acerca das práticas ímprobas ocorridas em determinado caso concreto.”[85] Ainda no sentido de demonstrar as dificuldades investigatórias, mostra-se elucidativo colacionar posicionamento do juiz Sérgio Moro: “Registre-se que crimes contra a administração pública são cometido às ocultas e, na maioria das vezes, com artifícios complexos, sendo difícil desvela-los sem a colaboração de um dos participantes. Conforme Piercamilo Davigno, um dos membros da equipe milanesa da operação mani pulite: A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir jamais.”[86] Neste cenário de dificuldade na obtenção de lastro probatório suficiente para embasar o deslinde do caso posto em evidência, nasceu a discussão acerca da aplicabilidade do instituto da delação premiada na Ação de Improbidade Administrativa. Sobre o tema em foco, insta salientar que não existe uma definição jurisprudencial nem doutrinária solidificada. Conforme analisado, o instituto da delação premiada ocorre quando o acusado argui a autoria do crime a um terceiro, municiando as autoridades competentes de informações necessárias a respeito das práticas delituosas promovidas, permitindo, assim, o deslinde do caso posto e também a concessão de benesses ao colaborador que poderá ter a sua pena reduzida ou, até mesmo, auferir o perdão judicial. Apesar de bastante criticada por parte da doutrina, o instituto da delação premiada encontra-se em absoluto desenvolvimento, em termos de aplicabilidade, na esfera do direito penal. No entanto, dúvidas restam em saber se o referido instituto possui plena eficácia e aplicação no bojo de uma ação civil de improbidade administrativa, vez que vozes doutrinárias sustentam que na Ação de Improbidade Administrativa não há espaço para a transação, acordo ou conciliação, posição adotada embasada na inteligência do § 1º, do artigo 17, da Lei 8.429/1992[87]. Conforme já dito em linhas anteriores, existem grandes similitudes entre os ilícitos penais e os ilícitos administrativos. Considerando que para os ilícitos penais existe a possibilidade de atenuação da pena através da confissão espontânea, não se mostra razoável aplicar uma penalidade, vista do prisma administrativo, sem que haja a possibilidade de a colaboração efetivamente prestada pelo acusado reverberar na dosimetria da pena a ser aplicada. Sobre a delação premiada e seus efeitos nos feitos que versem sobre improbidade administrativa, posicionou-se a promotora de justiça Karina Cherubini: “Se a confissão nos processos cíveis, especificamente nos feitos de improbidade administrativa, fosse reconhecida como atenuante da sanção e mais, se fosse estendido a esse tipo de feito os demais benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução do inquérito civil e na própria instrução processual, obtendo-se peças de um quebra-cabeça que, de outra forma, pode seguir incompleto, mesmo que se obtenha um deslinde condenatório.”[88] Sedimentada a posição que a delação premiada possui inconteste papel na adequada instrução processual da Ação de Improbidade Administrativa, cabe aqui colocar que não se vislumbra qualquer empecilho legal na aplicação da delação premiada nos casos de improbidade administrativa. Como é cediço, a lei de improbidade administrativa garante a aplicação de sanções civis. No entanto, embora a lei preveja sanções de tal natureza, e também vede, expressamente, a transação ou conciliação nas ações respectivas, a aplicabilidade da delação não se mostra prejudicada ante a possibilidade da aplicação da analogia O artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro preceitua que quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Sobre a analogia, posiciona-se Dinamarco: “Consiste a analogia em resolver um caso não previsto em lei, mediante a utilização de regra jurídica relativa a hipótese semelhante. Fundamenta-se o método analógico na ideia de que, num ordenamento jurídico, a coerência leva à formulação de regras idênticas onde se verifica a identidade da razão jurídica: ubi eadem ratio, ibi eadem juris dispositio. Distingue-se a interpretação extensiva da analogia, no sentido de que a primeira é extensiva do significado textual da norma e a última é extensiva da intenção do legislador, isto é, da própria disposição.”[89] No que toca a aplicação da analogia com fundamento no princípio da igualdade jurídica, tem-se que, de forma geral, os doutrinadores a aceitam de forma harmoniosa. No entanto, de forma acertada pontua o autor Maximiliano a existência de duas hipóteses que inviabiliza a aplicação da lei através da analogia: nos casos da lei de natureza criminal, bem como no caso de direito singular.[90] Levando em consideração que a Lei 8.429/1992 não versa sobre direito singular ou excepcional, tampouco que a Ação de Improbidade possui natureza penal, dúvidas não restam que inexiste qualquer óbice na aplicabilidade do instituto da delação premiada em ações dessa natureza. Mas não é só. A extensão da aplicabilidade do instituto da delação premiada à Ação de Improbidade Administrativa pode ser, também, justificada sob o prisma da ética utilitarista. Revisitando o que fora sustentado em linhas anteriores, em determinadas situações, tão somente com a colaboração de agentes que já fizeram parte dos atos rotulados como ímprobos é que será viável aclarar a conduta de cada um dos sujeitos envolvidos e o prejuízo causado. E para isso, a legislação pátria permite que seja travado acordo de delação premiada como instrumento que, mesmo tendo efeito de conferir a exclusão da punibilidade para o acusado, estimula o colaborador a ajudar no deslinde da situação. É justamente esse o ponto que a ética utilitarista busca robustecer. A denominada ética utilitarista ou ética consenquencialista, leva em consideração os efeitos reais produzidos, qualificando-os com base na utilidade. De acordo com esse prisma, o maior valor ético deve fundamentar-se em buscar o maior bem possível para o maior número de pessoas, ou, em outros termos, já que não se pode favorecer a todos, que se favoreça o maior número realizável. [91] Nestes termos, posicionou-se Cherubini: “[…]uma ação é tanto melhor quanto mais positivas forem as consequências para o agente moral e para o maior número de pessoas, onde se busca a maximização dos benefícios e minimização dos prejuízos, importa questionar se, para a sociedade, não é mais vantajoso premiar um colaborador ou fazer o uso negociado da confissão do que deixar de punir, por falta de provas, os demais infratores. Ao não se admitir a delação premiada na seara de improbidade administrativa, retrai-se a intenção de colaboração do agente público ou do terceiro e não se obtêm dados que somente seriam conhecidos com o completo esclarecimento do esquema da organização. Deixa-se, por vezes, de tutelar bem jurídico importante, como a moralidade administrativa, para garantir a impunidade de outros participantes. E impunidade para quem desvia dinheiro público significa menos escolas, menos saúde, menos infraestrutura viária, menos infraestrutura elétrica, menos cultura, menos saneamento básico, impedindo, em última análise, o desenvolvimento do país.”[92] Por fim, aliado aos outros argumentos anteriormente esposados, sustentamos ainda a aplicabilidade do instituto da delação premiada nas Ações de Improbidade Administrativa com base na observância dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade. Conforme dito, o trâmite investigatório de uma Ação de Improbidade Administrativa muitas vezes se esbarra em óbices, fato que impõe a atuação de acusado colaborador para o desenrolar da intricada situação e sucesso no deslinde do caso e também na efetividade da punição dos infratores. Levando em consideração que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade impõe, na tomada da decisão do agente público, a adoção de meios coerentes para se atingir meios adequados, não se mostra plausível que a efetiva colaboração do agente não influa na dosimetria da sua pena. Neste sentido, vale colacionar a jurisprudência do Egrégio. TJDFT: “[…] 11. Ainda que o instituto da delação premiada não se destine ao caso dos autos, em que se discute a improbidade administrativa cometida pelo réu, que é de natureza cível, política e administrativa, não resta dúvida que o magistrado poderá levar em conta a colaboração do réu para a fixação das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92. Assim, diante da patente dificuldade investigatória existente no desenrolar do trâmite processual das ações de improbidade, aliada a ausência de qualquer empecilho legal na sua aplicabilidade, a delação premiada mostra-se instrumento legítimo e necessário à desarticulação de organizações criminosas instaladas na democracia contemporânea.   5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A corrupção é uma constante no cenário nacional. Diariamente a nação é açoitada por notícias de desmandos ocorridos no seio da Administração Pública, que faz com que a sociedade tenha a sensação que a corrupção e a impunidade jamais terão fim. É inegável que as autoridades competentes tentam, muitas vezes, apurar os atos classificados como ímprobos penalizando os infratores e também aqueles que de alguma forma colaboraram na ação delituosa. No entanto, não se pode perder de vista que para apurar e, consequentemente, apenar os responsáveis de forma pertinente faz-se necessário que os órgãos responsáveis pela persecução instruam de forma adequada a relação processual. Nesse interim, faz-se imperioso chamar atenção que muitos dos delitos configuradores da improbidade administrativa são cometidos às ocultas e, na maioria das vezes, mediante a utilização de artifícios complexos, fato que mobiliza as investigações e deixa de produzir, a contento, os resultados práticos e objetivos que a sociedade almeja. É neste contexto de carência probatória e de consequente mobilização investigativa, que se coloca como de relevância o instituto da delação premiada no bojo da Ação de Improbidade Administrativa. É inconteste que se à confissão nos feitos de improbidade administrativa, fossem garantidos os benefícios da delação premiada, haveria um avanço na instrução processual, obtendo-se informações primordiais que, de outra forma, poderia seguir sem que houvesse um deslinde condenatório. Em que pese vozes doutrinárias sustarem que o instituto da delação premiada não possua espaço na ação civil de improbidade administrativa, tal posição não pode prosperar. Primeiramente porque inexiste qualquer óbice legal que retire a possibilidade de aplicar o instituto em voga em ações civis e, também, porque faz-se necessário levar em consideração os efeitos reais a serem produzidos: o maior valor ético deve fundamentar-se em buscar o maior bem possível para o maior número de pessoas. Dessa forma, não se mostra razoável aplicar uma penalidade, vista do prisma administrativo, sem que haja a possibilidade de a colaboração efetivamente prestada pelo acusado reverberar na dosimetria da pena a ser aplicada. Faz-se imperioso reconhecer que a impunidade de quem desvia dinheiro público, ou cometa qualquer outro ilícito administrativo, muitas vezes importa em prejuízos concretos à sociedade, que afetam o desenvolvimento do país Assim sendo, não se admitir a aplicabilidade da delação premiada na seara administrativa, significa, muitas vezes, deixar de tutelar bem jurídico primordial, como a moralidade administrativa, em garantia da impunidade. Nesta senda, brilhantes foram as palavras do magistrado Sérgio Moro, que em meio a mais marcante investigação sobre corrupção ocorrida no Brasil, resumem o que o presente trabalho buscou sustentar: “ A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”. O que se busca demonstrar é que a sociedade não pode ser caprichosa ao ponto de não se valer de provas validamente produzidas por aqueles que vivem na intimidade da violação das leis.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/aplicabilidade-do-instituto-da-delacao-premiada-na-acao-de-improbidade-administrativa/
A Anulação do Ato Administrativo Por Vício no Motivo: Consequências na Realidade Administrativa Sob a Ótica da Lei Nº 13.655/2018
RESUMO: O presente artigo visa analisar os pressupostos que norteiam os atos administrativos e os casos que levam ao desfazimento dos mesmos, quando ausente um de seus requisitos, o motivo. Nesse contexto, será averiguada a competência do Poder Judiciário para anular tais atos, sob a ótica do direito público e da Lei nº 13.655/2018,. A título de exemplificação, será analisada uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas contra a Administração Pública do Município de Maceió, questionando a legalidade de instalação de alguns equipamentos de fiscalização eletrônica. Tanto em sede de liminar, quanto na sentença, o MM. Juízo determinou a anulação do ato administrativo de instalação dos radares em questão, sob o fundamento da existência de vícios no referido ato. Serão pontuadas, por fim, as consequências práticas e administrativas da anulação de um ato, observando-as quando da determinação judicial no caso em questão, sob o respaldo da segurança jurídica na criação e aplicação do direito.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O exercício da função precípua da Administração Pública se consagra através de um ato administrativo que, como espécie de um ato jurídico, nada mais é que a manifestação unilateral humana voluntária com uma finalidade imediata, no caso a finalidade pública. Por ser criado para atender tal finalidade, o ato administrativo é executado com prerrogativas do regime-jurídico administrativo e do direito público, devendo preencher requisitos e pautar sua fundamentação para atender a previsão legal e constitucional que, quando não observados, acabam por macular os atos com vícios que se descabarem na ilegalidade, poderão ser anulados pela via administrativa – em razão do poder de a administração rever seus próprios atos – ou pela via judicial, quando do controle de legalidade típico do poder judiciário. É o que afirma Celso Antônio Bandeira de Mello[1], quando dispõe que tanto a Administração quanto o Poder Judiciário podem ser sujeitos ativos da invalidação do ato administrativo quando do exercício do controle de legalidade. Ao ser declarada a nulidade de um ato administrativo, tal decisão terá efeitos ex tunc, ou seja, retroagirá e atingirá o ato desde o seu surgimento, ficando nulos também os atos deles decorrentes. Como forma de exemplificação do fato, trouxemos a baila a Ação Civil Pública nº 0850315-72.2017.8.02.0001[2], proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas em face do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito do Município de Maceió –AL, objetivando a declaração de nulidade na instalação dos equipamentos de fiscalização eletrônica no referido município sobo  fundamento do descumprimento dos requisitos previstos na Resolução nº 396/2011 do CONTRAN[3]. Nesse processo será observada a decisão judicial[4] que declarou a nulidade do ato administrativo de instalação dos “pardais” e, por consequência, das multas aplicadas pelos radares, demonstrando uma situação do caso concreto em que os atos produzidos pela administração pública devem ser pautados de legalidade e, ainda, que se a fundamentação empregada para a prática de tal ato não for observada na realidade, este estará eivado de vícios que autorizam a sua invalidação, pelo que se conclui da Teoria dos Motivos Determinantes para a prática de um ato pela Administração Pública.   Para tratar da definição de ato administrativo apresentaremos os conceitos de renomados doutrinadores. Na concepção do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, ato administrativo é visto como a “extreriorização da vontade de agentes da administração Pública pu de seus delegatários, nesas condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”[5]. Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que “pode-se definir ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeito ao controle pelo Poder Judiciário”[6]. Já para Helly Lopes Meirelles o ato administrativo é tido como toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar,m transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou à si própria.[7] Por fim, Celso Antônio Bandeira de Mello considera o ato administrativo como uma declaração do Estado (ou de quem lha faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais.[8] Como se pode ver, apesar de alguns pontos divergentes, o conceito sempre vai convergir na manifestação da vontade da Administração Pública, em razão do exercício do poder público, tendo como finalidade o interesse público, estando tais atos regidos pelo regime do direito público. Em conformidade com as doutrinações do professor Carvalho Filho[9], existem três pontos fundamentais para a caracterização de um ato em administrativo: Deve-se acrescentar, ainda, que por serem atos emanados no exercício do interesse público, eles se sujeitam à lei e são passíveis de controle, tanto pela Administração, quanto pelo Poder Judiciário. Aspectos (Marçal Justen Filho[10]), elementos (Di Pietro, Diogo Moreira Neto[11]),  ou requisitos de validade (Helly Lopes Meirelles[12]). Esses são os diferentes termos sucitados pelos doutrinadores para tratar dos presuspostos de validade do ato administrativo. Na verdade, sob a ótica do que avalia Carvalho Filho, nenhum dos termos ora mencioados parecem ser satifatórios: Elemento significa algo que integra uma determinada estrutura, ou seja, faz parte do ‘ser’ e se apresenta como pre ssuposto de existência. Requisito de validade, ao revés, anuncia a exigência de pressupostos de validade, o que só ocorre depois de verificada a existência. Ocorre que, entre os cinco clássicos pressupostos de validade do ato administrativo, alguns se qualificam como elementos (v.g., a forma), ao passo que outros têm a natureza efetiva de requisitos de validade (v.g., a competência).[13] Ao que se pese é que, independente da terminologia adotada para denominar os aspectos principais de um ato administrativo, o que se consigna é que tais elementos são os pressupostos necessários e essenciais para a validade do ato. Por consequência, caso este seja praticado sem a obaservância de quaisquer um dos cinco elementos principais que o compõe, quais sejam competência, forma, objeto, motivo e finalidade, estará ele viciado. Vale acrescentar que para a ilegalidade do ato basta que apenas um desses pressupostos não sejam observados quando da criação ou prática do mesmo. Avançando sobre a classificação  dos elementos do ato, será utilizada a definição colacionada no artigo 2º, da Lei da Ação Popular[14]. Senão vejamos: Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: Assim, de forma sucinta, podemos definir competência (sujeito) como o poder legal conferido ao agente para o desempenho de suas atribuições; finalidade do ato é voltada ao interesse público, segundo o que está previsto especificamente na lei que o ato se fundamenta; forma é o modo de exteriorização do ato; objeto (conteúdo) é aquilo que o ato determina, o efeito que ele desejar causar. Por fim o motivo, sobre o qual nos debruçaremos com mais atenção, é a situação e fato ou de direito que gera a vontade do agente em praticar o ato, ou seja, são a causa e os requisitos previstos na norma que autorizam a sua criação. 1.1.1 O motivo do ato Pontua o professor Mateus Carvalho que, para a prática do ato administrativo, deve haver uma coincidência entre a situação prevista em lei como necessária à precipitação da conduta estatal e a circunstância fática. Para alguns doutrinadores, a congruência entre os motivos que deram ensejo à prática do ato e seu resultado recebe o nome de causa do ato administrativo, configurando-se pressuposto de validade da conduta[15]. Dedução lógica se faz é que o motivo deve ser correlato com aquilo que se prevê em lei (ou vinculado a lei) ou dentro dos limites de discricionariedade por ela impostos. Carvalho Filho subdivide o elemento motivo em motivo de fato – a própria situação que ocorreu no mundo dos fatos, que não tem descrição na norma legal –  e motivo de direito – a situação prevista em lei que motiva a vontade da administração[16]. Destaca-se ainda que o motivo do ato difere da motivação. O primeiro é o pressuposto de validade do ato, o seu elemento constitutivo. Já a motivação representa tão somente a exposição dos motivos do ato, ou seja, a formalização desse. Para melhor visualização da diferença tem-se, por exemplo, a situação em que a lei diz que o motivo para aplicação da multa é estacionar em local proibido, o agente de trânsito pode multar apenas referindo-se ao artigo legal, mas, se além dessa referência, fundamentar o ato, escrevendo no boletim de ocorrência o motivo da aplicação da multa, estará motivando o ato. Alguns ponderam ainda que a motivação se faz obrigatória pelo disposto no artigo 50, da Lei nº 9.784/99 – “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos”. Ou seja, a motivação nada mais seria que a forma de explicar o motivo de um ato, isto é, a razão pela qual a Administração pretende praticá-lo. E, nesse sentido, segue a jurisprudência, a exemplo tem-se a súmula 684, do STF ao dispor que “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”. Sobre a motivação do ato é o que fundamenta o mencionado artigo da Lei de Procedimento Administrativo: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […] Ademais, há o que a doutrina chama de motivação aliunde, sendo definida como situações em que a motivação do ato não precisa estar necessariamente expressa no texto que autoriza e fundamenta a sua prática. Nesse caso, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza o administrador público ou o particular que ao agir com essas prerrogativas, remeter a motivação aos fundamentos apresentados em um ato administrativo anteriormente praticado com o mesmo objeto. Por fim, o que se deve destacar é que o motivo, enquanto pressuposto essencial do ato administrativo, é, realmente, obrigatório. Sem ele o ato é ilegal e nulo. E isso se dá exatamente porque é impossi´vel aceitar a existência de uma ato administrativo que tenha sido elaborado sem preocupar-se em tracejar a situação de fato que o motivou. Veja que o caráter essencial visto no motivo não é prepoderante quando se trata do elemento motivação: Já vimos ser afirmado que o ato é invalido porque deveria ter motivação e que, apesar disso, não se teria encontrado a justificativa. Ora, a motivação não significa a falta de justificativa, mas a falta desta dentro do texto do ato. A simples falta de justificativa ofenderia a legalidae por falta de motivo, o que pe coisa diversa, até porque o motivo pode ser encontrado fora do ato (como, por exemplo, quando a justificativa está dentro do processo administrativo). entendemos mesmo que, por amor à precisão e para evitar tanta controvérsia, deveria ser abandonada a distinção, de caráter meramente formal, para considerar-se como indispensável a justificativa do ato, seja qual for a denominação que se empregue.[17] 1.1.2. Teoria Dos Motivos Determinantes A teoria dos motivos determinantes, como uma das vertentes do motivos para a prática do ato administrativo, determina que a validade deste depende da veracidade dos motivos expressos para a sua realização. Assim, quando o ato for motivado, a sua validade dependerá da veracidade da situação demonstrada na motivação. Dessa forma, se uma pessoa for removida alegando-se o aumento do volume de trabalho em outra unidade administrativa, mas for comprovado que não ocorreu esse aumento de volume de trabalho, o ato de remoção poderá ser invalidado. Tal raciocínio corrobora o posicionamento do professor Mateus Carvalho ao dispor que a Teoria dos Motivos Determinantes define que os motivos apresentados como justificadores da prática do ato administrativo vinculam este ato e, caso os motivos apresentados sejam viciados, o ato será ilegal. Ora, se o fundamento dado para a prática do ato estiver viciado, será determinada a sua ilegalidade, estando este passível de anulação, pelo que veremos a seguir.   Na formação de um ato administrativo  pode acontecer que algum de seus elementos contenha vícios. Por exemplo, o vício de competência (sujeito) se dá quando o ato foi praticado por uma autoridade incompetente; o vício de finalidade ocorre quando o ato é praticado com finalidade diversa daquela prevista juridicamente para ele. Já o vício de objeto se dá quando se realiza o ato com conteúdo diverso daquele previsto em lei; e o vício de forma se concretiza no momento em que um ato é praticado com omissão ou inobservância das formalidades indispensáveis para a sua formação, por exemplo, a aplicação de um processo administrativo sem a observância do contraditório ou a concessão do direito de defesa. Cumpre salientar que, quando da ausência de motivação para a prática do ato, ocorrerá um vício de forma, já que, nesse caso, o ponto em específico não está nos motivos em si, mas na não aprensentação destes, ou seja, na falta de motivação, o que prejudica o elemento forma do ato. Por fim, o vício de motivo se implementa quando um ato é praticado com base em um motivo que é ilegítimo para dar causa àquele ato, ou aidan quando o motivo alegado é inexistente. Nesses casos, por decorrência de vícios no ato administrativo, este será passível de anulação, também chamada de invalidação, caracteriza-se pelo desfazimento do ato administrativo em virtude da ilegalidade ocasionada em decorrência do ato viciado. 2.1. A anulação do ato pela via judicial A anulação dos atos eivados de vícios é um poder-dever da Administração Pública que os elaborou e poderá ser feito de forma direta – sob o fundamento do seu poder de autotutela, qual seja o de revisar os atos por ela emitidos, podendo revogá-los (conveniência e oportunidade) ou anulá-los (em razão da ilegalidade) -, conforme consagram as súmulas 346 e 473 do STF. Senão vejamos: Súmula 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. […] Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a pareciação judicial. Via de regra, a anulação é um dever da Administração, mas também pode ser realizada pelo Poder judiciário, por meio de uma ação judicial com essa finalidade. Quando judicializadas tais questões, serão analisados se os requisitos legais do ato foram cumpridos, ou seja, a análise judicial vincula-se apenas à previsão legal, se esta foi respeitada ou não. A anulação de um ato administrativo pelo poder judiciário só se dá pelas razões de ilegalidade e não por critérios de conveniência e oportunidade  (possibilidade concedida à Administração Pública).   Como forma de demonstrar a presença dos vícios de motivo dos atos dentro da  realidade administrativa, bem como o procedimento a ser tomado quando averiguada a existência dos mesmos, é que se passará a analisar o caso a seguir . O Ministério Público de Alagoas, por meio da 66ª Promotoria de Justiça da Capital, na defesa de interesse da coletividade, propôs um Ação Cívil Pública com pedido de tutela provisória de urgência[18] contra o Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e a Superintendência Municipal de Trânsitos e Transportes de Maceió-AL, com o objetivo de declarar a nulidade da instalaõ de equipamentos de fiscalização eletrônica (“pardais”) na capital alagoana, sob o fundamento de que a municipalidade não cumpriu os requisitos previstos na Resolução 396/2011 do CONTRAN[19], concernentes à imprescindibilidade de realização de estudos técnicos que fundamentassem a instalação dos mesmos. Aqui não adentraremos nos meandros processuais, concentrado o estudo na liminar deferida pelo MM. Juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, que declarou a nulidade de todos os atos administrativos que autorizaram as instalações de radares eletrônicos na capital (equipamentos nº 5271 a 5310), bem como a retirada imediata dos mesmos. No processo judicial, garantido o contraditório, foram apresentados os estudos técnicos conforme exigência prescrita na Resolução do CONTRAN. No entanto, segundo dispõe a sentença de deferimento da liminar, verificou-se que a instalação dos radares de fiscalização eletrônica (“pardais”) de números 5271 a 5310 foi eivada de vícios, “tendo em vista que, em realidade, restou comprovado que não existiam os estudos necessários anteriormente à sua implantação.” Dispõe o MM juízo da Fazenda Pública Estadual de Alagoas que: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. INSTALAÇÃO DE RADARES DE FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDOS TÉCNICOS PRÉVIOS, CONFORMA RESOLUÇÃO Nº 396/2011 DO CONTRAN, JUSTIFICANDO A INSTALAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS. COMPROVAÇÃO DE INVALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVOS, ANTE O NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE FORMA E MOTIVO. INVALIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO A PARTIR DA DECISÃO QUE CONCEDEU A LIMINAR. SENTENÇA QUE TEVE COMO FUNDAMENTOS AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.655/2018. IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS DE INVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO E DO CONTRATO. […] Dessa forma, o motivo dado pela municipalidade para a instalação dos “pardais”, seria, precipuamente, que os radares eletrônicos serviriam para controle da velocidade dos automóveis e consequente redução de acidentes na vias instaladas. Em termos, o que aconteceu na presente situação é que a Administração determinou a instalação dos “pardais” à tentativa de redução de acidentes no local, mas não trouxe nenhum estudo técnico que comprovasse que os locais de instalação dos radares eram pontos de acidentes de trânsito. O que se nota é que o presente caso revela um vício do ato administrativo ligado não apenas à forma, mas, principalmente, ao motivo que determinou tanto o ato administrativo de contratação com as empresas que fornecem os radares, quanto a tudo que desse ato decorre, posto que se não houve uma fundamentação técnica necessária para a realização do ato, o motivo que o determina não existe, restando um vício de legalidade passível de controle pelo judiciário e, portanto, passível de anulação.                  A anulação de um ato administrativo eivado de vícios que comprometem a sua legalidade tem efeitos ex tunc, ou seja, efeitos retroativos que atingem todos os demais atos dele decorrentes. Segundo se acolhe da decisão judicial ao deferir a liminar em sede da Ação Civil Pública, declarando-se a invalidade do ato de instalação dos radares, decorrente do reconhecimento da nulidade dos estudos técnicos, deve-se precisar se o contrato de prestação de serviço também é inválido. Tendo em vista que o contrato se originou da suposta necessidade de instalação dos equipamentos e verificando que a motivação do ato estava viciada, infere-se que o contrato também possuía vícios em sua origem. É o que se colaciona da decisão[21]: Quanto ao contrato, houve vício de motivo, que se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Se o motivo que ensejou na contratação foi justamente a necessidade de instalação dos equipamentos, que deveria ter sido comprovada por meio dos estudo técnicos, e se esses estudos foram nulos, o contrato também foi enviado de vícios. Superando a invalidade dos atos em questão, posto que vastamente fundamentados, passaremos a definir o alcance dessa decisão, que conforme dissemos no início desse item, será retroativo, atingindo o ato desde o seu surgimento. No caso em tela, o efeito prático da extensão da anulação dos atos administrativos será a seguinte: […] todas as infrações de trânsito que tiverem sido impostas em decorrência dos referidos radares são também consideradas nulas e, portanto, os valores eventualmente pagos deverão ser ressarcidos administrativamente, desde que comprovada a autuação e o respectivo pagamento; os pontos nas CNHs decorrentes de tais multas são nulos, razão pela qual não podem ser contabilizados nas carteiras dos alegados infratores. Veja que da decisão de anulação de um ato administrativo quando eivado de vício de legalidade acaba por se estender a todos os atos dele decorrentes, que também serão anulados, considerandos, aqui a proporcionalidade e os direitos dos cidadãos que agiram de boa-fé.   CONCLUSÃO O ato administrativo deve preencher, essencialmente, todos os requisitos impostos na lei, ou dentro dos parâmetros legalmente previstos, só sendo válido se possuir os seguintes pressupostos: competência (sujeito) da autoridade, forma, objeto, motivo e finalidade. Na medida em que aflora a pretensão de observância de requisitos específicos, em contrapartida se reforça a necessidade de convincente demonstração pautada por método o mais claro e objetivo possível que permita o seu controle tanto administrativo (legalidade; conveniência e oportunidade) e judicial (legalidade). No que tange o motivo do ato administrativo importante se faz as seguintes pontuações: motivos são os fundamentos que dão razão ao ato, ou seja, os fundamentos em que o ato administrativo se baseia. Compreende os pressupostos fáticos e jurídicos que concretizam o ato administrativo na ralidade. O motivo pode ser considerado o impulso que condiciona a formação do ato administrativo. Em outros termos, é o evento que faz nascer a obrigação de o Estado, agindo por meio da prática de um ato jurídico. Já  a motivação  nada mais é do que a forma de explicitação dos motivos, ou seja, é o método utilizado para exteriorizar o porquê se pratica ou se deixa de praticar determinado ato, pode ser reputada como sendo a justificação do ato. O que se infere é que a motivação pode ser tida como uma manifestação de motivos, a formalização desses. Assim, quando ausentes algum desses elementos, aqui priorizando o motivo, tanto a Administração quanto o Poder Judiciário pode ser sujeitos de direito para promover a anulação (desfazimento) do ato eivado de vícios, do ato ilegal. No caso apresentado, o controle judicial de legalidade foi acionado através de uma Ação Civil Pública, onde, em sede de liminar, restou comprovado que o ato que determinava a instalação de certos equipamentos de fiscalização eletrônica na capital alagoana não preencheu todos os seus requisitos para sua validação – no caso o elemento motivo -, levando a declaração de nulidade do ato de instalação dos “pardais” e, por consequência dos efeitos retroativos dessa decisão, a consequente nulidade das multas e dos pontos registrados nas CNHs dos multados. O que se infere do caso estudado é que Poder Judiciário pode controlar os atos expedidos pela Administração Pública e decidir pela anulação destes quando pautados de ilegalidade, tendo tal decisão efeito ex tunc (retroativo). Impende destacar, ainda, que os direitos dos administrados, em razão do ato ser praticado em razão do interesse público, devem ser sempre resguardados e deve ser aplicado o juízo de valor quando da anulação de um ato. Ou seja, deve ser avaliado se a anulação do ato gerará mais prejuízos ou benefícios aos cidadãos por ele atingidos, diante da retroatividade da decisão de desfazimento do mesmo. Voltando-se para a Ação Civil Pública apresentada a título de exemplificação, a anulação dos atos del decorrentes trouxe, por óbvio, benefícios à população. Faz-se necessário ressaltar que a decisão proferida pelo MM juízo não impede a implementação de outros radares eletrônicos no município de Maceió. Até porque, a sentença permite a retirada de apenas alguns equipamentos, pelo fato de não ter sido realizado o prévio estudo técnico que motivasse a instalação dos mesmos. Ora, se o ato estiver devidamente motivado e todos os requisitos preenchidos, em conformidade com os ditames legais, vinculados ou na margem de discricionariedade permitida, não há razão para que estes recaiam em ilegalidade. É o que corrobora a doutrina e vastas decisões judicais, além da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que incluiu à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disposições sobre segurança jurídica e eficiência para pautar a atividade de criação e aplicação do direito público, nas esferas administrativa, controladora e judicial. Portanto, um ato pode ser anulado quando falta alguns dos seus elementos, pelo que resguarda a legalidade e segurança jurídicas. No entanto, essa anulação não impede que o outro ato, quando preenchido todos os seus requisitos, seja elaborado, levando-se em consideração, para tal “refazimento”, as consequências e os efeitos da decisão que anulou o ato anterior.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-anulacao-do-ato-administrativo-por-vicio-no-motivo-consequencias-na-realidade-administrativa-sob-a-otica-da-lei-no-13-655-2018-3/
A Anulação do Ato Administrativo Por Vício no Motivo: Consequências na Realidade Administrativa Sob a Ótica da Lei Nº 13.655/2018
RESUMO: O presente artigo visa analisar os pressupostos que norteiam os atos administrativos e os casos que levam ao desfazimento dos mesmos, quando ausente um de seus requisitos, o motivo. Nesse contexto, será averiguada a competência do Poder Judiciário para anular tais atos, sob a ótica do direito público e da Lei nº 13.655/2018,. A título de exemplificação, será analisada uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas contra a Administração Pública do Município de Maceió, questionando a legalidade de instalação de alguns equipamentos de fiscalização eletrônica. Tanto em sede de liminar, quanto na sentença, o MM. Juízo determinou a anulação do ato administrativo de instalação dos radares em questão, sob o fundamento da existência de vícios no referido ato. Serão pontuadas, por fim, as consequências práticas e administrativas da anulação de um ato, observando-as quando da determinação judicial no caso em questão, sob o respaldo da segurança jurídica na criação e aplicação do direito.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O exercício da função precípua da Administração Pública se consagra através de um ato administrativo que, como espécie de um ato jurídico, nada mais é que a manifestação unilateral humana voluntária com uma finalidade imediata, no caso a finalidade pública. Por ser criado para atender tal finalidade, o ato administrativo é executado com prerrogativas do regime-jurídico administrativo e do direito público, devendo preencher requisitos e pautar sua fundamentação para atender a previsão legal e constitucional que, quando não observados, acabam por macular os atos com vícios que se descabarem na ilegalidade, poderão ser anulados pela via administrativa – em razão do poder de a administração rever seus próprios atos – ou pela via judicial, quando do controle de legalidade típico do poder judiciário. É o que afirma Celso Antônio Bandeira de Mello[1], quando dispõe que tanto a Administração quanto o Poder Judiciário podem ser sujeitos ativos da invalidação do ato administrativo quando do exercício do controle de legalidade. Ao ser declarada a nulidade de um ato administrativo, tal decisão terá efeitos ex tunc, ou seja, retroagirá e atingirá o ato desde o seu surgimento, ficando nulos também os atos deles decorrentes. Como forma de exemplificação do fato, trouxemos a baila a Ação Civil Pública nº 0850315-72.2017.8.02.0001[2], proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas em face do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito do Município de Maceió –AL, objetivando a declaração de nulidade na instalação dos equipamentos de fiscalização eletrônica no referido município sobo  fundamento do descumprimento dos requisitos previstos na Resolução nº 396/2011 do CONTRAN[3]. Nesse processo será observada a decisão judicial[4] que declarou a nulidade do ato administrativo de instalação dos “pardais” e, por consequência, das multas aplicadas pelos radares, demonstrando uma situação do caso concreto em que os atos produzidos pela administração pública devem ser pautados de legalidade e, ainda, que se a fundamentação empregada para a prática de tal ato não for observada na realidade, este estará eivado de vícios que autorizam a sua invalidação, pelo que se conclui da Teoria dos Motivos Determinantes para a prática de um ato pela Administração Pública.   Para tratar da definição de ato administrativo apresentaremos os conceitos de renomados doutrinadores. Na concepção do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, ato administrativo é visto como a “extreriorização da vontade de agentes da administração Pública pu de seus delegatários, nesas condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”[5]. Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que “pode-se definir ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeito ao controle pelo Poder Judiciário”[6]. Já para Helly Lopes Meirelles o ato administrativo é tido como toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar,m transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou à si própria.[7] Por fim, Celso Antônio Bandeira de Mello considera o ato administrativo como uma declaração do Estado (ou de quem lha faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais.[8] Como se pode ver, apesar de alguns pontos divergentes, o conceito sempre vai convergir na manifestação da vontade da Administração Pública, em razão do exercício do poder público, tendo como finalidade o interesse público, estando tais atos regidos pelo regime do direito público. Em conformidade com as doutrinações do professor Carvalho Filho[9], existem três pontos fundamentais para a caracterização de um ato em administrativo: Deve-se acrescentar, ainda, que por serem atos emanados no exercício do interesse público, eles se sujeitam à lei e são passíveis de controle, tanto pela Administração, quanto pelo Poder Judiciário. Aspectos (Marçal Justen Filho[10]), elementos (Di Pietro, Diogo Moreira Neto[11]),  ou requisitos de validade (Helly Lopes Meirelles[12]). Esses são os diferentes termos sucitados pelos doutrinadores para tratar dos presuspostos de validade do ato administrativo. Na verdade, sob a ótica do que avalia Carvalho Filho, nenhum dos termos ora mencioados parecem ser satifatórios: Elemento significa algo que integra uma determinada estrutura, ou seja, faz parte do ‘ser’ e se apresenta como pre ssuposto de existência. Requisito de validade, ao revés, anuncia a exigência de pressupostos de validade, o que só ocorre depois de verificada a existência. Ocorre que, entre os cinco clássicos pressupostos de validade do ato administrativo, alguns se qualificam como elementos (v.g., a forma), ao passo que outros têm a natureza efetiva de requisitos de validade (v.g., a competência).[13] Ao que se pese é que, independente da terminologia adotada para denominar os aspectos principais de um ato administrativo, o que se consigna é que tais elementos são os pressupostos necessários e essenciais para a validade do ato. Por consequência, caso este seja praticado sem a obaservância de quaisquer um dos cinco elementos principais que o compõe, quais sejam competência, forma, objeto, motivo e finalidade, estará ele viciado. Vale acrescentar que para a ilegalidade do ato basta que apenas um desses pressupostos não sejam observados quando da criação ou prática do mesmo. Avançando sobre a classificação  dos elementos do ato, será utilizada a definição colacionada no artigo 2º, da Lei da Ação Popular[14]. Senão vejamos: Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: Assim, de forma sucinta, podemos definir competência (sujeito) como o poder legal conferido ao agente para o desempenho de suas atribuições; finalidade do ato é voltada ao interesse público, segundo o que está previsto especificamente na lei que o ato se fundamenta; forma é o modo de exteriorização do ato; objeto (conteúdo) é aquilo que o ato determina, o efeito que ele desejar causar. Por fim o motivo, sobre o qual nos debruçaremos com mais atenção, é a situação e fato ou de direito que gera a vontade do agente em praticar o ato, ou seja, são a causa e os requisitos previstos na norma que autorizam a sua criação.   1.1.1 O motivo do ato Pontua o professor Mateus Carvalho que, para a prática do ato administrativo, deve haver uma coincidência entre a situação prevista em lei como necessária à precipitação da conduta estatal e a circunstância fática. Para alguns doutrinadores, a congruência entre os motivos que deram ensejo à prática do ato e seu resultado recebe o nome de causa do ato administrativo, configurando-se pressuposto de validade da conduta[15]. Dedução lógica se faz é que o motivo deve ser correlato com aquilo que se prevê em lei (ou vinculado a lei) ou dentro dos limites de discricionariedade por ela impostos. Carvalho Filho subdivide o elemento motivo em motivo de fato – a própria situação que ocorreu no mundo dos fatos, que não tem descrição na norma legal –  e motivo de direito – a situação prevista em lei que motiva a vontade da administração[16]. Destaca-se ainda que o motivo do ato difere da motivação. O primeiro é o pressuposto de validade do ato, o seu elemento constitutivo. Já a motivação representa tão somente a exposição dos motivos do ato, ou seja, a formalização desse. Para melhor visualização da diferença tem-se, por exemplo, a situação em que a lei diz que o motivo para aplicação da multa é estacionar em local proibido, o agente de trânsito pode multar apenas referindo-se ao artigo legal, mas, se além dessa referência, fundamentar o ato, escrevendo no boletim de ocorrência o motivo da aplicação da multa, estará motivando o ato. Alguns ponderam ainda que a motivação se faz obrigatória pelo disposto no artigo 50, da Lei nº 9.784/99 – “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos”. Ou seja, a motivação nada mais seria que a forma de explicar o motivo de um ato, isto é, a razão pela qual a Administração pretende praticá-lo. E, nesse sentido, segue a jurisprudência, a exemplo tem-se a súmula 684, do STF ao dispor que “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”. Sobre a motivação do ato é o que fundamenta o mencionado artigo da Lei de Procedimento Administrativo: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […] Ademais, há o que a doutrina chama de motivação aliunde, sendo definida como situações em que a motivação do ato não precisa estar necessariamente expressa no texto que autoriza e fundamenta a sua prática. Nesse caso, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza o administrador público ou o particular que ao agir com essas prerrogativas, remeter a motivação aos fundamentos apresentados em um ato administrativo anteriormente praticado com o mesmo objeto. Por fim, o que se deve destacar é que o motivo, enquanto pressuposto essencial do ato administrativo, é, realmente, obrigatório. Sem ele o ato é ilegal e nulo. E isso se dá exatamente porque é impossi´vel aceitar a existência de uma ato administrativo que tenha sido elaborado sem preocupar-se em tracejar a situação de fato que o motivou. Veja que o caráter essencial visto no motivo não é prepoderante quando se trata do elemento motivação: Já vimos ser afirmado que o ato é invalido porque deveria ter motivação e que, apesar disso, não se teria encontrado a justificativa. Ora, a motivação não significa a falta de justificativa, mas a falta desta dentro do texto do ato. A simples falta de justificativa ofenderia a legalidae por falta de motivo, o que pe coisa diversa, até porque o motivo pode ser encontrado fora do ato (como, por exemplo, quando a justificativa está dentro do processo administrativo). entendemos mesmo que, por amor à precisão e para evitar tanta controvérsia, deveria ser abandonada a distinção, de caráter meramente formal, para considerar-se como indispensável a justificativa do ato, seja qual for a denominação que se empregue.[17]   1.1.2. Teoria Dos Motivos Determinantes A teoria dos motivos determinantes, como uma das vertentes do motivos para a prática do ato administrativo, determina que a validade deste depende da veracidade dos motivos expressos para a sua realização. Assim, quando o ato for motivado, a sua validade dependerá da veracidade da situação demonstrada na motivação. Dessa forma, se uma pessoa for removida alegando-se o aumento do volume de trabalho em outra unidade administrativa, mas for comprovado que não ocorreu esse aumento de volume de trabalho, o ato de remoção poderá ser invalidado. Tal raciocínio corrobora o posicionamento deo professor Mateus Carvalho ao dispor que a Teoria dos Motivos Determinantes define que os motivos apresentados como justificadores da prática do ato adminstrativo vinculam este ato e, caso os motivos aprensentados sejam viciados, o ato será ilegal. Ora, se o fundamento dado para a prática do ato estiver viciado, será determinada a sua ilegalidade, estando este passível de anulação, pelo que veremos a seguir.   Na formação de um ato administrativo  pode acontecer que algum de seus elementos contenha vícios. Por exemplo, o vício de competência (sujeito) se dá quando o ato foi praticado por uma autoridade incompetente; o vício de finalidade ocorre quando o ato é praticado com finalidade diversa daquela prevista juridicamente para ele. Já o vício de objeto se dá quando se realiza o ato com conteúdo diverso daquele previsto em lei; e o vício de forma se concretiza no momento em que um ato é praticado com omissão ou inobservância das formalidades indispensáveis para a sua formação, por exemplo, a aplicação de um processo administrativo sem a observância do contraditório ou a concessão do direito de defesa. Cumpre salientar que, quando da ausência de motivação para a prática do ato, ocorrerá um vício de forma, já que, nesse caso, o ponto em específico não está nos motivos em si, mas na não aprensentação destes, ou seja, na falta de motivação, o que prejudica o elemento forma do ato. Por fim, o vício de motivo se implementa quando um ato é praticado com base em um motivo que é ilegítimo para dar causa àquele ato, ou aidan quando o motivo alegado é inexistente. Nesses casos, por decorrência de vícios no ato administrativo, este será passível de anulação, também chamada de invalidação, caracteriza-se pelo desfazimento do ato administrativo em virtude da ilegalidade ocasionada em decorrência do ato viciado.   2.1. A anulação do ato pela via judicial A anulação dos atos eivados de vícios é um poder-dever da Administração Pública que os elaborou e poderá ser feito de forma direta – sob o fundamento do seu poder de autotutela, qual seja o de revisar os atos por ela emitidos, podendo revogá-los (conveniência e oportunidade) ou anulá-los (em razão da ilegalidae) -, conforme consagram as súmulas 346 e 473 do STF. Senão vejamos: Súmula 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. […] Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a pareciação judicial. Via de regra, a anulação é um dever da Administração, mas também pode ser realizada pelo Poder judiciário, por meio de uma ação judicial com essa finalidade. Quando judicializadas tais questões, serão analisados se os requisitos legais do ato foram cumpridos, ou seja, a análise judicial vincula-se apenas à previsão legal, se esta foi respeitada ou não. A anulação de um ato administrativo pelo poder judiciário só se dá pelas razões de ilegalidade e não por critérios de conveniência e oportunidade  (possiblidade concedida à Administração Pública).   Como forma de demonstar a presença dos vícios de motivo dos atos dentro da  realidade administrativa, bem como o procedimento a ser tomado quando averiguada a existência dos mesmos, é que se passará a analisar o caso a seguir . O Ministério Público de Alagoas, por meio da 66ª Promotoria de Justiça da Capital, na defesa de interesse da coletividade, propôs um Ação Cívil Pública com pedido de tutela provisória de urgência[18] contra o Departamente Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e a Superintendência Municipal de Trânsitos e Transportes de Maceió-AL, com o objetivo de declarar a nulidade da instalaõ de equipamentos de fiscalização eletrônica (“pardais”) na capital alagoana, sob o fundameto de que a municipalidade não cumpriu os requisitos previstos na Resolução 396/2011 do CONTRAN[19], concernentes à imprescindibilidade de realização de estudos técnicos que fundamentassem a instalação dos mesmos. Aqui não adentraremos nos meandros processuais, concentrado o estudo na liminar deferida pelo MM. Juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, que declarou a nulidade de todos os atos administrativos que autorizaram as instalações de radares eletrônicos na capital (equipamentos nº 5271 a 5310), bem como a retirada imediata dos mesmos. No processo judicial, garantido o contraditório, foram apresentados os estudos técnicos conforme exigência prescrita na Resolução do CONTRAN. No entanto, segundo dispõe a sentença de deferimento da liminar, verficou-se que a instalação dos radares de fiscalização eletrônica (“pardais”) de números 5271 a 5310 foi eivada de vícios, “tendo em vista que, em realidade, restou comprovado que não existiam os estudos necessários anteriormente à sua implantação.” Dispõe o MM juízo da Fazenda Pública Estadual de Alagoas que: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMNISTRATIVO. INSTALAÇÃO DE RADARES DE FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDOS TÉCNICOS PRÉVIOS, CONFORMA RESOLUÇÃO Nº 396/2011 DO CONTRAN, JUSTIFICANDO A INSTALAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS. COMPROVAÇAO DE INAVLIDADE DO ATO ADMINISTRATIVOS, ANTE O NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE FORMA E MOTIVO. INVALIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO A PARTIR DA DECISÃO QUE CONCEDEU A LIMINAR. SENTENÇA QUE TEVE COMO FUNDAMENTOS AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.655/2018. IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS DE INVALIDAÇÃO DO ATO ADMNISTRATIVO E DO CONTRATO. […] Dessa forma, o motivo dado pela municipalidade para a instalação dos “pardais”, seria, precipuamente, que os radares eletrônicos serviriam para controle da velocidade dos automóveis e consequente redução de acidentes na vias instaladas. Em termos, o que aconteceu na presente situação é que a Administração determinou a instalação dos “pardais” à tentaiva de redução de acidentes no local, mas não trouxe nenhum estudo técnico que comprovasse que os locais de instalação dos radores eram pontos de acidentes de trânsito. O que se nota é que o presente caso revela um vício do ato administrativo ligado não apenas à forma, mas, principalmente, ao motivo que determinou tanto o ato administrativo de contratação com as empresas que fornecem os radares, quanto a tudo que desse ato decorre, posto que se não houve uma fundamentação técnica necessária para a realização do ato, o motivo que o determina não existe, restando um vício de legalidade passível de controle pelo judiciário e, portanto, passível de anulação.                  A anulação de um ato administrativo eivado de vícios que comprometem a sua legalidade tem efeitos ex tunc, ou seja, efeitos retroativos que atingem todos os demais atos dele decorrentes. Segundo se acolhe da decisão judicial ao deferir a liminar em sede da Ação Civil Pública, declarando-se a invalidade do ato de instalação dos radares, decorrente do reconhecimento da nulidade dos estudos técnicos, deve-se precisar se o contrato de prestação de serviço também é inválido. Tendo em vista que o contrato se originou da suposta necessidade de instalação dos equipamentos e verificando que a motivação do ato estava viciada, infere-se que o contrato também possuía vícios em sua origem. É o que se colaciona da decisão[21]: Quanto ao contrato, houve vício de motivo, que se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Se o motivo que ensejou na contratação foi justamente a necessidade de instalação dos equipamentos, que deveria ter sido comprovada por meio dos estudo técnicos, e se esses estudos foram nulos, o contrato também foi eviado de vícios. Superando a invalidade dos atos em questão, posto que vastamente fundamentados, passaremos a definir o alcance dessa decisão, que conforme dissemos no início desse item, será retroativo, atingindo o ato desde o seu surgimento. No caso em tela, o efeito prático da extensão da anulação dos atos administrativos será a seguinte: […] todas as infrações de trânsito que tiverem sido impostas em decorrência dos referidos radares são também consideradas nulas e, portanto, os valores eventualmente pagos deverão ser ressarcidos administrativamente, desde que comprovada a autuação e o respectivo pagamento; os pontos nas CNHs decorrentes de tais multas são nulos, razão pela qual não podem ser contabilizados nas carteiras dos alegados infratores. Veja que da decisão de anulação de um ato administrativo quando eivado de vício de legalidade acaba por se estender a todos os atos dele decorrentes, que também serão anulados, considerandos, aqui a proporcionalidade e os direitos dos cidadãos que agiram de boa-fé.   CONCLUSÃO O ato administrativo deve preencher, essencialmente, todos os requisitos impostos na lei, ou dentro dos parâmetros legalmente previstos, só sendo válido se possuir os seguintes pressupostos: competência (sujeito) da autoridade, forma, objeto, motivo e finalidade. Na medida em que aflora a pretensão de observância de requisitos específicos, em contrapartida se reforça a necessidade de convincente demonstração pautada por método o mais claro e objetivo possível quepermita o seu controle tanto admnistrativo (legalidade; conveniência e oportunidade) e judicial (legalidade). No que tange o motivo do ato administrativo importante se faz as seguintes pontuações: motivos são os fundamentos que dão razão ao ato, ou seja, os fundamentos em que o ato administativo se baseia. Compreende os pressupostos fáticos e jurídicos que concretizam o ato administrativo na ralidade. O motivo pode ser considerado o impulso que condiciona a formação do ato administrativo. Em outros termos, é o evento que faz nascer a obrigação de o Estado, agindo por meio da prática de um ato jurídico. Já  a motivação  nada mais é do que a forma de explicitação dos motivos, ou seja, é o método utilizado para exetirorizar o porquê se pratica ou se deixa de praticar determinado ato, pode ser reputada como sendo a justificação do ato. O que se infere é que a motivação pode ser tida como uma manifestação de motivos, a formalização desses. Assim, quando ausentes algum desses elementos, aqui priorizando o motivo, tanto a Administração quanto o Poder Judiciário pode ser sujeitos de direito para provomer a anulação (desfazimento) do ato eivado de vícios, do ato ilegal. No caso apresentado, o controle judicial de legalidade foi acionado através de uma Açaõ Civil Pública, onde, em sede de liminar, restou comprovado que o ato que determinava a instalação de certos equipamentos de fiscalização eletrônica na capital alagoana não preencheu todos os seus requisitos para sua validação – no caso o elemento motivo -, levando a declaração de nulidade do ato de instalação dos “pardais” e, por consequência dos efeitos retroativos dessa decisão, a consequente nulidade das multas e dos pontos registrados nas CNHs dos multados. O que se infere do caso estudado é que Poder Judiciário pode controlar os atos expedidos pela Administração Pública e decidir pela anulação destes quando pautados de ilegalidade, tendo tal decisão efeito ex tunc (retroativo). Impende destacar, ainda, que os direitos dos admnistrados, em razão do ato ser praticado em razão do interesse público, devem ser sempre resguardados e deve ser aplicado o juízo de valor quando da anulação de um ato. Ou seja, deve ser avaliado se a anulação do ato gerará mais prejuízos ou benefícios aos cidadãos por ele atingidos, diante da retroatividade da decisão de desfazimento do mesmo. Voltando-se para a Ação Civil Pública apresentada a título de exemplificação, a anulação dos atos del decorrentes trouxe, por óbvio, benefícios à população. Faz-se necessário ressaltar que a decisão proferida pelo MM juízo não impede a implementação de outros radares eletrônicos no município de Maceió. Até porque, a sentença permite a retirada de apenas alguns equipamentos, pelo fato de não ter sido realizado o prévio estudo técnico que motivasse a instalação dos mesmos. Ora, se o ato estiver devidamente motivado e todos os requisitos preenchidos, em conformidade com os ditames legais, vinculados ou na margem de discricionariedade permitida, não há razão para que estes recaiam em ilegalidade. É o que corrobora a doutrina e vastas decisões judicais, além da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que incluiu à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disposições sobre segurança jurídica e eficiência para pautar a atividade de criação e aplicação do direito público, nas esferas administrativa, controladora e judicial. Portanto, um ato pode ser anulado quando falta alguns dos seus elementos, pelo que resguarda a legalidade e segurança jurídicas. No entanto, essa anulação não impede que o outro ato, quando preenchido todos os seus requisitos, seja elaborado, levando-se em consideração, para tal “refazimento”, as consequências e os efeitos da decisão que anulou o ato anterior.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-anulacao-do-ato-administrativo-por-vicio-no-motivo-consequencias-na-realidade-administrativa-sob-a-otica-da-lei-no-13-655-2018-2/
As Parcerias Público-Privadas Sob Uma Lente Reflexiva: Análise do Coeficiente Contratual à Luz do Princípio da Eficiência Administrativa
O objetivo do presente é analisar, à luz do coeficiente contratual e do princípio da eficiência administrativa, as parcerias público-privadas. A Constituição Federal de 1988, na ordem jurídica nacional, representou um importante e robusto paradigma de ruptura, inovando na reformulação e na consagração de princípios como verdadeiros cânones a serem materializados no plano concreto. Neste aspecto, o artigo 37 promove verdadeira conformação ao estabelecer a eficiência como dogma orientador da atuação da Administração Pública, o que, por simetria, implica em destacar a eficiência na prestação dos serviços públicos, inclusive no plano de concessões a iniciativa privada. O serviço público concedido para, igualmente, a ser percebido como norteado por um padrão de qualidade a atender os interesses dos usuários. A metodologia empregada parte do método dedutivo, auxiliada da revisão bibliográfica como técnica primária de pesquisa.
Direito Administrativo
1 COMENTO INTRODUTÓRIO: A CIÊNCIA JURÍDICA À LUZ DO PÓS-POSITIVISMO Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a Ciência Jurídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma interpretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os aspectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influenciam a confecção e aplicação das normas. Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico ‘Ubi societas, ibi jus’, ou seja, ‘Onde está a sociedade, está o Direito’, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém” (VERDAN, 2009, s.p.). Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade. Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza” (BRASIL, 2009). O fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais. Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação” (VERDAN, 2009, s.p.). Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis. Nesta tela, retratam-se os princípios jurídicos como elementos que trazem o condão de oferecer uma abrangência rotunda, albergando, de modo singular, as distintas espécies de normas que constituem o ordenamento pátrio – normas e leis. Os princípios passam a constituir verdadeiros estandartes pelos quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar (2005, s.p.). Como consequência do expendido, tais cânones passam a desempenhar papel de super-normas, ou seja, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo” (VERDAN, 2009, s.p.).  Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação Administrativa do Direito. Escorando-se no espancado alhures, faz-se mister ter em conta que o princípio jurídico é um enunciado de aspecto lógico, de característico explícito ou implícito, que, em decorrência de sua generalidade, goza de posição proeminente nos amplos segmentos do Direito, e, por tal motivo, de modo implacável, atrela o entendimento e a aplicação das normas jurídicas à sua essência. Com realce, é uma flâmula desfraldada que reclamada a observância das diversas ramificações da Ciência Jurídica, vinculando, comumente, aplicação das normas abstratas, diante de situações concretas, o que permite uma amoldagem das múltiplas normas que constituem o ordenamento aos anseios apresentados pela sociedade. Gasparini, nesta toada, afirma que “constituem os princípios um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe garantem a validade” (GASPARINI, 2012, p. 60). Nesta senda, é possível analisar a prodigiosa tábua principiológica a partir de três órbitas distintas, a saber: onivalentes ou universais, plurivalentes ou regionais e monovalentes. Os preceitos acampados sob a rubrica princípios onivalentes, também denominados universais, têm como traço peculiar o fato de ser comungado por todos os ramos do saber, como, por exemplo, é o caso da identidade e da razão suficiente. É identificável uma aplicação irrestrita dos cânones às diversificadas área do saber. Já os princípios plurivalentes (ou regionais) são comuns a um determinado grupo de ciências, no qual atuma como agentes de informação, na medida em que permeiam os aportes teórico-doutrinários dos integrantes do grupo, podendo-se citar o princípio da causalidade (incidente nas ciências naturais) e o princípio do alterum non laedere (assente tanto nas ciências naturais quanto nas ciências jurídicas). Os princípios classificados como monovalentes estão atrelados a tão somente uma específica seara do conhecimento, como é o caso dos princípios gerais da Ciência Jurídica, que não possuem aplicação em outras ciências. Com destaque, os corolários em comento são apresentados como axiomas cujo sedimento de edificação encontra estruturado tão somente a um segmento do saber. Aqui, cabe pontuar a importante observação apresentada por Di Pietro que, com bastante ênfase, pondera “há tantos princípios monovalentes quantas sejam as ciências cogitadas pelo espírito humano” (DI PIETRO, 2010, p. 62-63). Ao lado disso, insta destacar, consoante entendimento apresentado por parte da doutrina, que subsiste uma quarta esfera de princípios, os quais são intitulados como “setoriais”. Prima evidenciar, com bastante destaque, que os mandamentos abarcados pela concepção de dogmas setoriais teriam como singular aspecto o fato de informarem os múltiplos setores que integram/constituem uma determinada ciência. Como robusto exemplo desse grupo, é possível citar os princípios que informam apenas o Direito Civil, o Direito Penal, o Direito Administrativo, dentre outros. Tecidas estas ponderações, bem como tendo em conta as peculiaridades que integram a ramificação administrativa da Ciência Jurídica, de bom alvitre se revela ponderar que os “os princípios administrativos são postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exercício das atividades administrativas” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 20). Assim, na vigente ordem inaugurada pela Carta da República de 1988, revela-se imperiosa a observação dos corolários na construção dos institutos administrativos. Pois, olvidar-se de tal, configura-se verdadeira aberração jurídica, sobremaneira, quando resta configurado o aviltamento e desrespeito ao sucedâneo de baldrames consagrados no texto constitucional e os reconhecidos pela doutrina e jurisprudência pátrios. Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL, 1988). Nesta toada, ainda, quadra, também, ter em mente os seguintes apontamentos: Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais (SERESUELA, 2002, s.p.). É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 21). De outra banda, tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas” (GASPARINI, 2012, p. 61).    2  O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA EM EXAME Elevado à categoria de princípio constitucional expresso, o mandamento da eficiência foi inserto no texto do artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por meio da Emenda Constitucional Nº. 19/1998. “Conhecido entre os italianos como ‘dever da boa administração’, o princípio da eficiência impõe à Administração Pública direta e indireta a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento” (GASPARINI, 2012, p. 76). Pelas linhas inauguradas por este baldrame, a Administração Pública deve desempenhar suas atividades de modo célere e rápido, para, que dessa maneira, possa satisfazer os interesses da coletividade, em uma órbita geral, e dos administrados, em uma esfera particular. Com destaque, o preceito da eficiência desdobra em rapidez, perfeição e rendimento, no que concerne à atuação da atividade administrativa, notadamente em relação aos anseios apresentados pela coletividade. Ora, o desempenho deve ser rápido e ofertado de maneira a satisfazer os interesses dos administrados em particular e da coletividade em sentido amplo. Desta feita, não subsiste qualquer justificativa para a procrastinação, culminando, inclusive, na fixação de verba indenizatória em favor do particular prejudicado pela atuação morosa do Estado. A inércia da atuação da Administração Pública, em materializar as atribuições que se encontram sob sua alçada, quando comprovados os prejuízos decorrentes da morosidade, enseja a indenização em favor do particular. Assim, as atribuições reclamam execução com perfeição, devendo, pois, se utilizar das técnicas e conhecimentos necessários a tornar a execução melhor possível, evitando a supérflua repetição e a insatisfação dos administrados. Neste diapasão, a realização cuidadosa das atribuições previne o desperdício de tempo e erário público, tão imprescindíveis na contemporaneidade. Nesta toada, cuida trazer a lume as ponderações apresentadas por Hely Lopes Meirelles que explicita, de maneira enfática, que “o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional” (MEIRELLES, 2012, p. 98). É verificável, desta maneira, que o núcleo sensível em torno dos quais os influxos axiomáticos do corolário em destaque orbitam estão alicerçados na busca pela produtividade e economicidade, e, como um efeito decorrente, a progressiva diminuição dos desperdícios de dinheiro público. Para tanto, é crucial que a atividade administrativa, repita-se, em alto e claro som, seja executada com presteza, perfeição e rendimento funcional. Nesta esteira, cuida transcrever o entendimento apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça no que concerne à incidência do corolário da eficiência enquanto flâmula norteadora da atuação do Ente Estatal, consoante se inferem dos arestos colacionados: Ementa: Mandado de segurança. Administrativo. Anistia política. Ato omissivo do Ministro de Estado da Defesa. Portaria prevista na Lei 10.559/2002. Ausência de edição. Omissão configurada. Prazo de sessenta dias para conclusão do processo administrativo. (…) 3. Em homenagem ao princípio da eficiência, é forçoso concluir que a autoridade impetrada, no exercício da atividade administrativa, deve manifestar-se acerca dos requerimentos de anistia em tempo razoável, sendo-lhe vedado postergar, indefinidamente, a conclusão do procedimento administrativo, sob pena de caracterização de abuso de poder. 4. A atividade administrativa deve ser pautada, mormente em casos como o presente, de reparação de evidentes injustiças outrora perpetradas pela Administração Pública, pela eficiência, que pressupõe, necessariamente, plena e célere satisfação dos pleitos dos administrados. 5. Levando-se em consideração o teor das informações prestadas em abril de 2007, afirmando que “os autos foram encaminhados para o setor de finalização, onde aguarda a feitura do Ato Ministerial com o consequente julgamento e divulgação”, assim como o fato de que não há notícia nos acerca da ultimação deste ato até a presente data, afigura-se desarrazoada a demora na finalização do processo administrativo do impetrante. 6. Na esteira dos precedentes desta Corte, impõe-se a concessão da segurança para determinar que a autoridade coatora profira, no prazo de 60 (sessenta) dias, decisão no processo administrativo do impetrante, como entender de direito 7. Ordem de segurança parcialmente concedida. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ MS 12.701/DF/ Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura/ Julgado em 23.02.2011/ Publicado no DJe em 03.03.2011). Ementa: Mandado de segurança. Constitucional. Administrativo. Requerimento de anistia. Prazo Razoável para apreciação. Princípio da eficiência. 1. A todos é assegurada a razoável duração do processo, segundo o princípio da eficiência, agora erigido ao status de garantia constitucional, não se podendo permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo. (…) 3. Ordem concedida. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ MS 10.792/DF/ Relator: Ministro Hamilton Carvalhido/ Julgado em 10.05.2006/ Publicado no DJ em 21.08.2006, p. 228). Ementa: Administrativo. Mandado de segurança. Anistia Política. Ato omissivo do Ministro de Estado ante à ausência de edição da Portaria prevista no § 2º do art. 3º da Lei 10.559/2002. Prazo de sessenta dias. Precedente do STJ. Concessão da ordem. (…) 3. Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal), não se pode permitir que a Administração Pública postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos urgentes, ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na hipótese, já decorrido tempo suficiente para o cumprimento das providências pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de Anistia –, tem-se como razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da Justiça profira decisão final no Processo Administrativo, como entender de direito. Precedente desta Corte. 4. Ordem parcialmente concedida. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Seção/ MS 9.420/DF/ Relatora: Ministra Laurita Vaz/ Julgado em 25.08.2004/ Publicado no DJ em 06.09.2004, p. 163). Dessa sorte, “há respeito à eficiência quando a ação administrativa atinge materialmente os seus fins lícitos e, por vias lícitas. Quando o administrado se sente amparado e satisfeito na resolução dos problemas que ininterruptamente leva à Administração” (FRANÇA, 2001, s.p.). Com bastante propriedade, Vettorato (2003), ao abordar o dogma constitucional da eficiência administrativa, entalha que o corolário em exame impõe a Administração Pública, direta e indireta, tal como os agentes que a constitui, a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas atribuições de maneira imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, despido de burocracia e sempre em busca da qualidade, arrimando em bastiões legais e morais indispensáveis para a melhor utilização possível dos recursos púbicos, de modo a evitar o desperdício e garantir maior rentabilidade social. Em sedimento bastante volumoso, com palavras dotadas de grande entendimento jurídico, o doutrinador Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 92) obtempera que o axioma em apreço é dotado de maciça fluidez e difícil controle ao lume o Direito, apresentando umbilical liame ao preceito da legalidade, porquanto não se justifica o óbice do dever administrativo, de maneira infundada. Com efeito, o princípio da eficiência consubstancializa o ideário da boa administração pública.  Além disso, há que se gizar que, o preceito em comento atingiu proporção tal importante na realidade vigente, foi inserido, por meio da Emenda Constitucional Nº. 45/2004, entre os direitos e garantias fundamentais, sendo acrescido na redação do artigo 5º da Carta da República de 1988, por meio do inciso LXXVIII, que assim verbaliza: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (omissis) LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (BRASIL, 1988). Neste alamiré, José dos Santos Carvalho Filho (2010, p. 33) destaca, com bastante pertinência, que “o novo mandamento, cuja feição é a de direito fundamental, tem por conteúdo o princípio da eficiência no que se refere ao acesso à justiça e estampa inegável reação contra a insatisfação da sociedade pela excessiva demora dos processos”. Faz-se imperioso realçar, com contornos fortes e cores quentes, que o novel inciso inserto na redação do art. 5º da Constituição Cidadã não se limita apenas aos processos judiciais. Ao revés, os feixes jurídico-filosóficos do sobredito princípio passam a se irradiar, abrangendo, de igual monta, os processos que se encontram em tramitação na via administrativa, alvo de lentidão exacerbada. Conforme expõe Lenza, “o tempo constitui um dos grandes óbices à efetividade da tutela jurisdicional, em especial no processo de conhecimento, pois para o desenvolvimento da atividade cognitiva do julgador é necessária a prática de vários atos, de natureza ordinatória e instrutória” (LENZA, 2007, p. 745). Com efeito, sem maiores dificuldades, é possível vislumbrar que tal demora inviabiliza a imediata concessão do provimento pleiteado, o que, em grande parte dos casos, culmina na inutilidade ou ineficácia, já que o direito reclamado pode vir a perecimento. De igual forma, é possível destacar que o abandono dos processos, como de forma corriqueira se observa, atenta contra o princípio da eficiência, pois as partes, de maneira negligente e inerte, “abandonam” os feitos processuais, sem sequer peticionar nos autos, requerendo providências. O Ministro Castro Meira, ao relatoriar o Recurso Especial N° 1.044.158/MS, colocou em evidência que “é dever da Administração Pública pautar seus atos dentro dos princípios constitucionais, notadamente pelo princípio da eficiência, que se concretiza também pelo cumprimento dos prazos legalmente determinados” (BRASIL, 2008). Com o objetivo de fundamentar as ponderações pinceladas até o momento, de bom alvitre se revelam os ensinamentos do festejado doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, em especial quando traz a lume estes apontamentos: A eficiência não se confunde com a eficácia nem com a efetividade. A eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a ideia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos pelos agentes no exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas, sobreleva nesse aspecto a positividades dos objetivos. O desejável é que tais qualificações caminhem simultaneamente, mas é possível admitir que haja condutas administrativas produzidas com eficiência, embora não tenham eficácia ou efetividade. De outro prisma, pode a conduta não ser muito eficiente, mas em face da eficácia dos meios, acabar por ser dotada de efetividade (…) (CARVALHO FILHO, 2010, p. 34). Nesse passo, entende-se a contemporânea busca por contratações, por meio de concurso público, de servidores públicos e estagiários, a fim de tornar mais eficiente o serviço público, pondo fim, por conseguinte, a morosidade que assola a Administração. Ao lado disso, a eficiência, princípio basilar da Administração Pública, que se alia à legalidade, impessoalidade, moralidade e à publicidade, deve ser para Administração o guia e para os administrados a certeza, ante a inércia da Administração, impõe o exercício jurisdicional para assegurar a prestação do serviço de forma eficiente, bem como sua eficácia material.   3 CONCESSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS: A POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE EFICIÊNCIA DO SERVIÇO PÚBLICO POR MEIO DA DELEGAÇÃO A concessão encontra expressa referência no Texto Constitucional, respaldando-se no artigo 175 que dicciona, com clareza ofuscante, que “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos” (BRASIL, 1988). Com efeito, Carvalho Filho (2011) vai afirmar que o texto é claro no que concerne à prestação dos serviços públicos, instituindo uma alternativa para o exercício dessa atividade, a saber: atuação direta pela Administração ou a atuação descentralizada, por meio das concessões e permissões. Em sede infraconstitucional, o instituto da concessão de serviços públicos, cuida mencionar que a Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências (BRASIL, 1995). Em linhas conceituais, é possível descrever, de acordo com Diógenes Gasparini (2012), a concessão do serviço público é o contrato administrativo por meio do qual a Administração Pública transfere, sob condições, a execução e exploração de certo serviço público que lhe é privativo a um particular que para isso manifeste interesse e que será remunerado, de maneira adequada, mediante a cobrança, dos usuários, de tarifa previamente por ela aprovada. Em seu escólio, Hely Lopes Meirelles (2012) vai discorrer que a concessão consiste na delegação contratual da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo. Logo, o contrato de concessão é pactuado nos termos do Direito Administrativo, sendo bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu personae. Convém, diante de tais aspectos caracterizadores, nos termos da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, que a concessão só pode ser pactuada com pessoa jurídica ou consórcio de empresas. Assim, por dicção contrária do artigo 2º, incisos II e III, a concessão não será pactuada com pessoa natural. Meirelles (2012), ainda, vai sustentar que é um acordo administrativo – e não um ato unilateral da Administração Pública -, com a presença de vantagens e encargos recíprocos, no qual são estabelecidas as condições de prestação do serviço, considerando-se o interesse coletivo na sua obtenção e as condições pessoais de quem se propõe à execução por delegação do poder concedente. Ora, tratando-se de contrato administrativo, está condicionado a todas as imposições da Administração necessária à formalização do ajuste, dentre as quais a autorização governamental, a regulamentação e a licitação. Com destaque, a concessão não acarreta a transferência da propriedade ao concessionário pelo poder concedente[1] nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. Meirelles (2012), ainda, vai aduzir que a concessão consiste apenas na delegação da execução do serviço público, nos limites e condições legais ou contratuais, estando, a todo tempo, sujeito à regulamentação e à fiscalização do concedente. Nesta trilha, como o serviço, apesar de concedido, continua sendo público, logo, o poder concedente nunca se despoja do direito de promover a exploração, direta ou indiretamente, por seus órgãos, suas autarquias e empresas estatais, desde que o interesse coletivo assim o exija. Em tais condições, o poder concedente permanece com a faculdade de, a qualquer tempo, no curso da vigência do contrato de concessão, retomar o serviço concedido, mediante adimplemento de indenização, ao concessionário, dos lucros cessante e danos emergentes advindos da encampação. É digno de nota que as indenizações, na materialização de tal hipótese, serão as previstas no contrato ou, caso omisso, as que foram apuradas amigável ou judicialmente. Ao lado disso, a concessão, a rigor, deve ser conferida sem exclusividade, com o escopo de propiciar, sempre que possível, a competição entre os interessados, favorecendo, desta sorte, os usuários com serviços melhores e tarifas mais baratas. Por seu turno, porém, o artigo 16 da Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995, irá afixar a hipótese de concessão com exclusividade, a saber: quando houver inviabilidade técnica ou econômica de concorrência na prestação do serviço, desde que, previamente, haja justificativa. “A atividade do concessionário é atividade privada, e assim será exercida, quer no tocante à prestação do serviço, quer no que entende com o seu pessoal”, como explana Meirelles (2012, p. 346). Ao lado disso, apenas para os fins expressamente assinalados em lei ou no contrato é que são equiparados os concessionários a autoridades públicas, estando, portanto, os seus atos sujeitos a mandado de segurança e demais ações cabíveis. No que atina às relações com o público, o concessionário fica atrelado à observância do regulamento e do contrato, que podem afixar direitos e deveres também para os usuários, além dos já cominados em legislação, para defesa dos quais dispõe o particular de todos os mecanismos judiciais comuns, em especial a via cominatória, para reclamar a prestação do serviço nas condições em que o concessionário se comprometeu a prestá-lo aos interessados. Findando o prazo do contrato de concessão, o concessionário deve reverter, ao poder concedente, os direitos e bens vinculados à prestação do serviço, nas condições estabelecidas previamente no contrato. No que atina à natureza jurídica da concessão de serviço público, é importante destacar que não há plena unanimidade, em que pese a doutrina majoritária assentar a perspectiva que se trata de contrato administrativo. José dos Santos Carvalho Filho (2011), porém, vai afirmar que o negócio jurídico é de natureza contratual, conquanto seja forçoso reconhecer particularidades específicas que o configuram realmente como inserido no âmbito do direito público. No mais, a Constituição Federal, na redação do artigo 175, parágrafo único, quando faz alusão à lei disciplinadora das concessões, toca, no inciso I, ao caráter especial do contrato, o que explicita a natureza contratual do instituto. A Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995[2], em seu artigo 4º, colocou fim a eventual controvérsia, mencionando expressamente que a concessão, independente da modalidade, será formalizada mediante contrato. No mais, a concessão está condicionada a um conjunto de regras de aspecto regulamentar, as quais são responsáveis por estabelecer a organização e o funcionamento do serviço, e que, em decorrência de tal essência, comportam modificação unilateralmente pela Administração. Afora isso, a concessão é constituída, ainda, por regras essencialmente contratuais, a saber: as disposições financeiras que asseguram a remuneração do concessionário, norteadas pelo corolário do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Ora, é importante destacar que, tendo a natureza jurídica de contratos administrativos, as concessões estão submetidas, basicamente, a regime de direito público, cujos regramentos encontram disposição na Lei nº 8.987, de 13 de Fevereiro de 1995. Supletivamente, todavia, há admissibilidade da incidência das normas de direito privado, pois que neste é que se observa detalhada a disposição que norteia os contratos em geral. Contudo, repise-se, a fonte primeira é a norma especial reguladora. Carvalho Filho (2011), ainda, vai afirmar que todos os elementos mencionados até o momento conduzem ao enquadramento das concessões na órbita da teoria clássica do contrato administrativo, sendo possível destacar três aspectos basilares: a) o objeto contratual é complementado por atos unilaterais posteriores à celebração do ajuste; b) a autoexecutoriedade das pretensões da Administração; c) o respeito ao corolário do equilíbrio econômico-financeiro fixado no início. Outro aspecto que reclama destaque repousa na natureza do objeto a que se destinam os contratos de concessão de serviços públicos. Ora, como se denota na própria denominação, configura objeto desse tipo de ajuste a prestação de um serviço público. A atividade delegada ao concessionário deve caracterizar-se como serviço público e os exemplos conhecidos de concessões comprovam o fato: firmam-se concessões para serviços de energia elétrica, gás canalizado, transportes coletivos, comunicações telefônicas etc.   4 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS SOB UMA LENTE REFLEXIVA: ANÁLISE DO COEFICENTE CONTRATUAL À LUZ DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA Ao analisar as parcerias entre entes públicos e privados, é necessário reconhecer que sua origem, no Brasil, remonta à pré-modernidade, sendo registrada parcerias entre o Estado e a iniciativa privada envolvendo o compartilhamento de riscos que ocorreu na época do Império, quando Dom Pedro II empregou de tal ferramenta para viabilizar a construção de parte considerável das ferrovias brasileiras. Como instrumento de fomento para o desenvolvimento, de acordo com Souto (2006), as parcerias público-privadas (PPP) ganharam destaque após a década de 1970. A legislação de vigência conceitua parceria público-privada como o “contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa” (BRASIL, 2004). Denota-se que a definição legal apresenta elevado grau de vagueza, motivo pela qual a doutrina cuidou de apresentar concepções dotadas de maior completude. Neste sentido, Di Pietro afirma: (…) parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público. (DI PIETRO, 2010, p. 314-315) Segundo José dos Santos Carvalho Filho, Dentro dos objetivos da lei, pode o contrato de concessão especial sob regime de parceria público-privada ser conceituado como o acordo firmado entre a Administração Pública e pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou festão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhamento dos riscos e dos ganhos entre os pactuantes (CARVALHO FILHO, 2011, p. 398). Diogenes Gasparini define as Parcerias Público-Privadas: Em sentido estrito, ou seja, com base na Lei federal das PPPs, pode-se afirmar que é um contrato administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa entidade particular, remunerando-se o parceiro privado conforme a modalidade parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços públicos ou a execução serviços públicos precedidos de obras públicas ou, ainda, a prestação de serviços públicos e eu a Administração Pública é sua usuária direta ou indireta, respeitado o risco assumido (GASPARINI, 2012, p. 470). É observável o ponto de convergência entre as concepções apresentadas pelos doutrinadores acerca das parcerias público-privadas. Em termos amplos, a utilização da PPP encontra materialidade em empreendimentos que, por demasiadamente dispendiosos, arriscados ou complexos, tornam-se inviáveis para o que o Estado assuma-o sozinho. De tal forma, o grande escopo da celebração de uma PPP é viabilizar a iniciativa por meio da gestão compartilhada de riscos e de investimentos entre as partes envolvidas. Em decorrência de ocorrer a assunção parcial dos riscos pelo Poder Público, em sede do instituto de concessão, as PPP’s são consideradas como exceções, logo, a regra é que sejam empregadas as concessões comuns e apenas nos casos em que se justificar a adequação tenha empregabilidade a parceria público-privada. Dessa forma, com o escopo que o instituto da PPP só seria empregado em casos extremos, a legislação de regência trouxe uma série de disposições para regerem a temática. Logo, para que seja firmada a PPP, o contrato deve ter valor igual ou superior a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais); ter período igual ou superior a cinco anos (limitado a trinta e cinco anos); e não pode ter como único objeto o fornecimento de mão de obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou somente a execução de obra pública. Destarte, não se adequando a qualquer dos requisitos, o empreendimento deve ser concedido na forma tradicional ou, ainda, ser objeto da execução direta pelo ente público interessado. Em decorrência da complexidade e do valor exigidos para a contratação da PPP, observa-se que se trata de ferramenta excepcional a ser empregada apenas nos casos em que se mostrar indispensável. Nesta linha, para viabilizar a implantação da PPP, a lei fixou a exigência de que seja constituída uma sociedade de propósito específico (SPE). Tanto o poder concedente quanto a concessionária integrarão a SPE, a qual poderá assumir forma de companhia aberta. A administração, por sua vez, deverá submeter-se a padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e prestações de conta padronizadas, com o escopo de assegurar maior controle. A SPE configura pessoa jurídica responsável pela prestação dos serviços concedidos, sendo sua responsabilidade quanto à qualidade de atividades, bem como seu desempenho afetará diretamente na proporção de recursos públicos a serem injetados no negócio. Assim, ao considerar que é dever do concessionário prestar serviços públicos de ótima qualidade, a fim de garantir essa fidelidade do parceiro privado, a lei determina que os contratos de PPP devem trazer critérios objetivos para exame do desempenho da gestora. A remuneração do parceiro privado poderá oscilar conforme seu desempenho, mediante aferição do coeficiente de desempenho, conhecidos, ainda, como coeficientes de resultado ou de eficiência. Os critérios são técnicos, objetivos e específicos para cada tipo de serviço, variando conforme o objeto e envolvem análises qualitativas e quantitativas, conforme o caso. O estabelecimento dos parâmetros para avaliação dos coeficientes de resultados tem íntima relação com a fase inicial do procedimento para a contratação da PPP. Nessa fase ocorre a descrição pormenorizada do problema que se visa solucionar com a prestação dos serviços e, em seguida, são cominados os objetivos e as metas a serem alcançados pelo projeto, bem como comprovar ser vantajosa e adequada a opção pela PPP. As informações devem conter indicadores objetivos para aferição do atendimento às condicionantes envolvidas. Os dados supramencionados constituem a proposta preliminar que será apresentada à autoridade competente para apreciação e exame da viabilidade do projeto. Logo, com arrimo nas metas, são fixados os limites mínimos aceitáveis de qualidade, isto é, o alcance mínimo do objetivo final é que estabelecerá se o serviço prestado pelo parceiro privado é considerado como dotado de adequação. Desta feita, as deficiências apresentadas pelo prestador de serviço implicam na redução de valores a serem repassados pelo Poder Público. Aludida possibilidade de remuneração variável incentiva o parceiro privado a zelar pela perfeita prestação dos serviços e pela manutenção de regularidade da SPE para obter a máxima lucratividade. Tem-se, deste modo, que, ao atrelar o valor a ser repassado ao parceiro privado ao seu desempenho, a Administração visa fazer com que os serviços sejam dotados de mais eficiência, concretizando o preceito constitucional insculpido no artigo 37, caput. Em complemento, Faria aduz: Para que o objetivo de maximização na qualidade dos serviços públicos seja alcançado (e assim sejam cumpridas as determinações legais e constitucionais), mostra-se indispensável a existência de um sistema de controle do desempenho do parceiro privado que efetivamente cumpra seu papel. Esse trabalho de fiscalização possibilitará ao Poder Público verificar se o parceiro privado está agindo em conformidade com o exigido na prestação dos serviços (FARIA, 2015, p. 63). O ideal é que exista um órgão com capacidade técnica suficiente para promover o exame tanto da documentação concernente à prestação dos serviços quanto às situações de fato, mediante inspeções in loco.  A expertise dos profissionais fiscalizadores é indispensável em decorrência do objeto de concessão das PPP’s geralmente estarem vinculados a empreendimentos de grande vulto e que, a rigor, demandam estruturas complexas de operação. Logo, é imperiosa uma equipe multidisciplinar composta por profissionais das áreas do conhecimento envolvidas exerça constante exame da execução da parceria. A equipe deve traduzir suas observações e conclusões para os tomadores da decisão de forma didática para que seja possível a avaliação dos resultados obtidos. Apresenta-se imperioso também que o órgão fiscalizador seja dotado de imparcialidade para que possa avaliar a prestação do serviço por critérios exclusivamente objetivos e predeterminados. Para tanto, a imparcialidade se apresenta como fundamental e que o órgão seja dotado de autonomia funcional, para que detenha a possibilidade de verificar eventual irregularidade sem se sujeitar a nenhuma condicionante. “A Lei nº 11.079/2004 prevê a instituição de um órgão gestor responsável pela apreciação de relatórios acerca da execução dos contratos de PPP” (FARIA, 2015, p. 63). Destaca-se, porém, que se trata de disposição incidente apenas à União, ficando a cargo dos outros entes federativos normatizar as parcerias no âmbito de sua competência.   5 CONCLUSÃO A Constituição Federal de 1988, na ordem jurídica nacional, representou um importante e robusto paradigma de ruptura, inovando na reformulação e na consagração de princípios como verdadeiros cânones a serem materializados no plano concreto. Neste aspecto, o artigo 37 promove verdadeira conformação ao estabelecer a eficiência como dogma orientador da atuação da Administração Pública, o que, por simetria, implica em destacar a eficiência na prestação dos serviços públicos, inclusive no plano de concessões a iniciativa privada. O serviço público concedido para, igualmente, a ser percebido como norteado por um padrão de qualidade a atender os interesses dos usuários. Neste sentido, as parcerias público-privadas mostram-se como uma iniciativa necessária para viabilizar projetos de elevada complexidade e que demandem investimentos altos. Cuida-se de ferramenta administrativa que, se empregada de forma consciente e responsável, pode trazer imensos avanços para a sociedade, maiormente no que se relaciona aos investimentos em tecnologia e infraestrutura. O dever de eficiência é plenamente reclamável do parceiro privado, eis que este se investe em função pública específica e passa a ser o responsável pela disponibilização dos serviços públicos, em conformidade com a lei. Assim, prestar serviços eficientes não materializa uma faculdade, nem mesmo em virtude do parceiro privado. Consiste em uma obrigação, logo, não sendo eficiente o serviço, torna-se inadequado ao que exige a lei, configurando descumprimento do contrato e podendo, em razão disso, ensejar a rescisão contratual. No mais, em razão de se tratar de espécie de transferência de encargo da Administração Pública ao particular – considerando que a prestação do serviço público passa a ser responsabilidade deste -, o parceiro privado tem o dever de exercer um papel fiscalizador de suma importância. Todas as atividades desempenhadas pelo parceiro privado devem ser acompanhadas pelo Poder Concedente de maneira a evitar desvios de conduta ou uma prestação deficiente de serviços públicos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/as-parcerias-publico-privadas-sob-uma-lente-reflexiva-analise-do-coeficiente-contratual-a-luz-do-principio-da-eficiencia-administrativa/
A Lei de Acesso à Informação em Destaque: Ponderações ao Reconhecimento do Direito à Informação Como Fundamental à Luz da Moldura Constitucional
O objetivo do presente artigo é analisar a importância da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.257/2011) no processo de atendimento ao direito à informação pública e sua fundamentalidade. É fato que a Constituição de 1988, ao estabelecer a premissa de Estado Democrático de Direito, estabelece a moralidade e a publicidade administrativa como premissas inafastáveis do comportamento a ser seguido pela Administração Pública. Nesta linha, o acesso à informação pública se apresenta como desdobramento claro do próprio Estado Democrático de Direito e constitui direito-meio para o exercício de outros direitos dotados de elevada densidade jurídica. A Lei nº 12.527/2011, responsável por instituir o dever de transparência por parte da Administração Pública, representa, no contexto de promoção do Estado Democrático de Direito, um verdadeiro marco de ruptura. Contudo, a legislação apresenta pontos de fragilidade que se operam, sobretudo, no processo de implementação da política de transparência e a ausência de um prazo expressamente estabelecido para tal fim, bem como a cultura burocrática estabelecida no modelo de gestão empreendidos por servidores públicos e que tende, em decorrência de aspectos culturais dominantes, edificar obstáculos que difícil superação. Logo, faz-se carecida a modificação de uma realidade complexa, a fim de alinhá-la com a contemporaneidade e na promoção do direito à informação pública como conditio sine qua non para o êxito do Estado Democrático de Direito e para o exercício da cidadania. A metodologia empregada parte do método dedutivo, auxiliada de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.
Direito Administrativo
1 NOTAS INICIAIS: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O RECONHECIMENTO DE UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA Em linhas introdutórias, a concepção de Estado de Direito por um Texto Constitucional teria duplo aspecto, a saber: imposição de limites ao exercício do poder estatal e a criação de uma autêntica garantia constitucional aos cidadãos. Assim, a acepção de Estado de Direito perpassa por introduzir uma garantia aos cidadãos contra os arbítrios do poder público. Trata-se de reafirmar que o Estado de Direito, em uma órbita administrativa, encontra vinculação direta ao ideário de supremacia do interesse público. Dessa forma, não há que se confundir o interesse que a Administração Pública possui, enquanto síntese de todos os seus cidadãos, com o interesse privado daquele que atua em nome da Administração Pública. No que alude à democracia, conquanto seja difícil alcançar a unanimidade na determinação precisa de seus aspectos elementares, é imprescindível estabelecer uma definição mínima. Desta feita, a democracia substancializa um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que afixam quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos a serem empregados para a consecução(BOBBIO, 1992). “A democracia, assim, estaria essencialmente relacionada à formação e atuação do governo”, conforme aduz Oliveira (1997, p. 272). Doutro ângulo, a democracia, enquanto clara manifestação do “governo do povo, pelo povo e para o povo”, plasma o ideário de que a titularidade do poder estatal, em um regime democrático, encontra-se centrado no povo. Trata-se da manifestação mais robusta da soberania popular. A partir de tal dinâmica, alcança-se a concepção de legitimidade, que, nos dizeres de Moreira Neto, consiste em “submissão do poder estatal à percepção das necessidades e dos interesses do grupo nacional que lhe dá existência” (MOREIRA NETO, 1992, p. 65). Denota-se, portanto, que o controle da legalidade é oriundo do Estado de Direito, no qual o Estado possui claras limitações no que atina ao exercício da supremacia do interesse público, bem como as vedações, de índole constitucional, da deturpação de tal interesse para o atendimento dos interesses particulares daqueles agentes que atuam em seu nome. Já o Estado Democrático de Direito institucionaliza o controle da legitimidade. Diante de tal cenário, Canotilho (1992, p. 421) frisa que a consagração constitucional da acepção de democracia atende o escopo de alça-la a um autêntico princípio informador do Estado e da sociedade. Sem embargos, o sentido constitucional de tal corolário implica na democratização da democracia, isto é, a condução e a propagação do ideal democrático para além dos marcos fronteiriços do território político. Com ênfase, a configuração da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e o tratamento conferido à Administração Pública são convergência que, em conjunto, contribuem para uma maior democratização da Administração Pública. Assim sendo, em diversos momentos, o Texto Constitucional de 1988 estabeleceu como norte uma maior participação popular na Administração Pública e, em especial, por meio da democracia pelo processo. Ao lado disso, “Teve início no Brasil a real democratização administrativa, a ser implementada por intermédio da participação popular na Administração pública e, principalmente, por meio da democracia pelo processo” (OLIVEIRA, 1997, p. 273). Em tal cenário, é forçoso reconhecer que processo e participação são institutos indissociáveis. Logo, o processo administrativo, sobretudo no que toca aos procedimentos estabelecidos para fiscalização dos contratos públicos, viabiliza o exercício efetivo da participação da sociedade civil. Trata-se de ferramenta jurídica idônea a regular a relação entre governantes e governados e governantes e gastos com o erário público. A participação, desse modo, constitui postulado inafastável da democracia e o processo é, em si mesmo, democrático e, portanto, participativo, sob pena de não ser legítimo. No que se refere à realidade institucional brasileiro, a confluência entre democracia e Estado de Direito, levada a cabo pelo atual Texto Constitucional, mais que apresentar um qualificativo da forma assumida pelo Estado Federal, foi responsável pela atribuição aos cidadãos de um direito de primeira ordem e dotado de importância inquestionável: o direito de participação nas decisões estatais. Em tal conjuntura, reconhecer a convergência daqueles elementos implica na aproximação do particular da Administração Pública, atalhando as barreiras existentes entre Estado e sociedade, o que se efetiva por meio da participação da sociedade civil. Concebida como a possibilidade de intervenção direta ou indireta do cidadão na gestão da Administração pública, de caráter consultivo ou deliberativo, a participação popular na Administração pública – ou participação administrativa – é considerada um dos principais meios para tornar efetiva a democracia administrativa (OLIVEIRA, 1997, p. 274). A participação da sociedade civil na esfera administrativa visa conferir legitimidade aos atos praticados, conquanto, de maneira incidental, possa desdobrar-se no controle de legalidade. Extrai-se, em tal lógica, a existência de uma dupla função da participação, a saber: uma função legitimadora, que visa assegurar uma maior legitimidade político-democrática às decisões da Administração Pública e a o exercício da função administrativa; e uma função corretiva, ou seja, o objetivo se traduz em ampliar a correção das decisões administrativas, a partir do ponto de vista técnico-funcional e sob o prisma da sua justiça interna.   2 O ACESSO À INFORMAÇÃO COMO DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE  Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL, 1988). Nesta toada, quadra ter em mente os seguintes apontamentos: Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais (SERESUELA, 2002, s.p.). É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 21). Tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas” (GASPARINI, 2012, p. 61). No mais, ao se ter em visão, a dinamicidade que influencia a contínua construção do Direito, conferindo, via de consequência, mutabilidade diante das contemporâneas situações apresentadas pela sociedade, é possível salientar que a construção da tábua principiológica não está adstrita apenas aos preceitos dispostos nos diplomas normativos e no texto constitucional. Ao reverso, é uma construção que também encontra escora no âmbito doutrinário, tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Pátrios, das situações concretas colocadas sob o alvitre. Afora isso, segundo Carvalho Filho, […] doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela sua aceitação geral como regras de proceder da Administração. É por esse motivo que os denominamos de princípios reconhecidos, para acentuar exatamente essa aceitação (CARVALHO FILHO, 2011, p. 34). Consagrado no texto da Carta Magna de 1988, no caput do artigo 37, o princípio da moralidade, como vetor de orientação e inspiração da Administração Pública, impõe que […] o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto (CARVALHO FILHO, 2011, p. 23).  Neste diapasão, pode-se salientar que o mandamento em exame exige que o agente público oriente a sua conduta nos padrões éticos, cujo fim último se desdobra em lograr a consecução do bem comum, independente da esfera de poder ou nível político-administrativo da Federação em que sua atuação esteja fincada. Ao lado disso, cuida destacar que o preceito em comento se apresenta, no cenário contemporâneo, como o bastião de validade de todo ato da Administração Pública. Nesta esteira, não se trata de um instrumento sistematizador de um conceito atrelado à moral comum; ao reverso, está assentado em uma moral jurídica, compreendida como o conjunto de ordenanças normativas de condutas retiradas da disciplina interior da Administração. Assim, a moralidade administrativa, distintamente da moralidade comum, é constituída por disciplinas de boa administração, a saber: pelo conjunto de disposições finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também, pelo ideário geral de administração e pela ideia de função administrativa. De acordo com Meirelles, O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública seria ilegítima (MEIRELLES, 2012, p. 91). O corolário em destaque, como preceito norteador da Administração Pública, expressamente insculpido no texto constitucional e como requisito de validade dos atos administrativos, encontra seu substrato de edificação no sistema de direito, mormente no ordenamento jurídico-constitucional, sendo certo que os valores humanos que inspiram e subjazem a esse ordenamento constituem, em muitos casos, a concretização normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou do patrimônio ético e moral consagrado pelo senso comum da sociedade. Ademais, o aviltamento ao axioma em análise se caracteriza pela desarmonia entre a expressão formal do ato, substancializada na aparência, e a sua manifestação real, consistente na substância, criada e decorrente de impulsos subjetivos essencialmente viciados no que se refere aos motivos, à causa ou à finalidade da atuação administrativa. Quadra rememorar que a atividade estatal, independente do domínio institucional de sua incidência, está fundamentalmente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos, os quais ressoam a consagração constitucional do preceito da moralidade administrativa, que se qualifica com valor constitucional emoldura de essência ética e içada à condição de axioma fundamental no processo de poder, subordinando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e seus agentes, da autoridade concedida pelo ordenamento normativo. Assim, o postulado em realce norteia a atuação do Poder Público, conferindo, por via de consequência, substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se alicerça a própria ordem positiva do Estado. Desta sorte, é patente que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao estabelecer limitações ao exercício do poder estatal, legitima, de maneira proeminente, o controle de todos os atos do poder público que ofendam os valores éticos que devam sustentar, imperiosamente, o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles esteja alocados. Com realce, o preceito da moralidade administrativa apresenta primazia sobre os demais corolários constitucionalmente formulados, porquanto é constituído, em sua essência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Nesta esteira, toda atuação administrativa tem como ponto de partida os influxos decorrentes do cânone em exame e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante de seu conteúdo. “Assim, o que se exige no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa”, conforme o magistério de Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 213-214). Com o escopo de fortalecer as ponderações estruturadas, cuida trazer à colação a manifestação apresentada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ao apreciar o Recurso Extraordinário N° 579.951/RN, notadamente no que concerne ao princípio da moralidade, quando, com bastante pertinência, evidencia que: Essa moralidade não é o elemento do ato administrativo, como ressalta Gordillo, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota García de Enterria, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um ‘núcleo fixo’ (Begriffhern) ou ‘zona de certeza’, que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso (BRASIL, 2008). Como bem pontua Ávila (2006, p. 38), o corolário constitucional da moralidade administrativa, em razão de sua essência, “estabelece um estado de confiabilidade, honestidade, estabilidade e continuidade nas relações entre o poder público e o particular, para cuja promoção são necessários comportamentos sérios, motivados, leais e contínuos”. Alinhando-se a tais ponderações, não se pode olvidar que a partir da realidade inaugurada pela Carta de Outubro de 1988, a observância do baldrame em estudo, especialmente por parte dos agentes que integram a Administração Pública, passou a reunir aspectos e característicos que figuram como verdadeiros pressupostos de validade dos atos, independentes de estarem arrimados, ou não, em competência discricionária. Ora, não se pode olvidar que o preceito constitucional em exposição reunião valores de essência ética que sustentam a acepção de moralidade jurídica, notadamente no que se refere à atuação do administrador. Inclusive, há que se destacar que o STF, ao se manifestar em processo que trazia em seu bojo o assunto em comento, em oportunidade pretérita, consolidou o entendimento no qual o baldrame da moralidade administrativa condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. Desta sorte, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, a atividade estatal está imperiosamente submetida à observância de parâmetros ético-jurídicos, que são refletidos de modo claro na consagração do princípio da moralidade no caput do artigo 37 da Carta de 1988. Nesta esteira, é possível colacionar robusto entendimento jurisprudencial que sustenta as ponderações vertida até o momento, consoante se inferem dos arestos: Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade (…). O princípio da moralidade administrativa – Enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico – Condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. – A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (…) (Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2.661 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 05.06.2002/ Publicado no DJ em 23.08.2002, p. 70). Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas. Direito líquido e certo. Recurso provido. 1. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa surgida entre os candidatos. 2. A partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo. 3. Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado. 4. Recurso provido para determinar a investidura da recorrente no cargo de Médico Generalista para o qual foi devidamente aprovada. (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ RMS nº 26.507-RJ/ Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho/ Julgado em 18.09.2008/ Publicado no DJe em 20.10.2008). O postulado em destaque tem o condão de conferir substância, ao tempo em que atribui expressão a uma plural tábua de valores éticos, servido, também, como pilar fundante da ordem positiva do Estado. Além do entalhado, patente se revela a necessidade de salientar que tal dogma legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam, ofendam ou inobservem os valores éticos que devem sustentar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. Ao lado disso, ao espancar a respeito do princípio da moralidade administrativa, importante destacar a robusta e singular lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim versa: De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos (MELLO, 2013, p. 109-110). A partir do dever imposto à Administração Pública, advindo do princípio da moralidade administrativa, é perceptível que o acesso à informação constitui verdadeiro corolário desdobrado. Trata-se, neste aspecto, de reconhecer o acesso à informação como uma das bases do sistema interamericano de Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida por Pacto de São José da Costa Rica, foi subscrita em 1969 e entrou em vigência em 1978. Nacionalmente, os mecanismos de informação pública são dotados de contemporaneidade. Com o fim da ditadura civil-militar e o fomento pela redemocratização do país, o acesso à informação ganha espaço, passando a ser incluído no bojo da nova Constituição de 1988. O texto afixa três mecanismos assegurando sobredito direito, quais sejam: o inciso XXXIII do artigo 5º, o inciso II do §3º do artigo 37 e o §2º do artigo 216. Conquanto esteja previsto no Texto Constitucional, desde a sua promulgação, o direito à informação carecia de um instrumento legislativo estabelecido com o escopo exclusivo de promover sua regulação. Sobre o aludido, Medeiros, Magalhães e Pereira (2014, p. 58) afirmam que “pelo contrário, o que se percebeu foi que, em nosso país, foi uma cultura pródiga de produzir decretos e legislações sobre o sigilo de documentos públicos”. O direito à informação encontra vinculação direta com a liberdade de expressão e configura verdadeiro direito público subjetivo, no qual cada cidadão tem direito a formar seu livre convencimento a partir de informações prestadas. A partir de um recorte essencialmente individual, o direito em comento atende o papel de maximizar o exercício de uma autonomia pessoal e fomenta o exercício da cidadania e de uma gestão administrativa democrática, na modalidade de participação da sociedade civil. De acordo com Bucci, O direito individual ao acesso à informação pública está interligado com o exercício da cidadania em fiscalizar os atos governamentais. Não deve ser confundido com o direito de informação a dados pessoais em poder do Estado, já que este está inserido no rol de garantias de direito à informação, que contém, também, o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e não é abarcado pelo DAIP [direito ao acesso à informação pública] (BUCCI, 2009, s.p.). Outro aspecto que sobreleva anotar é o aspecto coletivo que todo bem público possui, logo, as informações contidas no Estado Democrático de Direito materializa res publica, sendo carecido o seu conhecimento pela sociedade, que é responsável por conferir legitimidade ao exercício do poder. Materializa-se, dessa forma, a única medida eficaz que há para o controle institucional, porquanto sem o exercício de tal direito inerente à cidadania, subsistirá o sufocamento do interesse público em detrimento do interesse pessoal que será convertido em corrupção. Além disso, ao reconhecer a informação pública como um bem público, é forçoso apontar que tais tem caráter não distributivo, isto é, são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. Logo, o direito à informação pública configura um direito indisponível, tendo, além de natureza pública, aspecto individual e coletivo simultaneamente. Bucci (2009) sustenta que o direito à informação pública encontra relação direta com o corolário da publicidade que o Estado se atém, pois subsiste a necessidade da transparência dos fatos e atos praticados ou de sua omissão. Logo, não há se falar em um direito coletivo, pois, se assim o fosse, incidiria a supressão de um direito individual contido na Carta de 1988, bem como alguns direitos encontrariam obstáculos para sua efetiva concretização, a exemplo da liberdade de expressão. O direito à informação pública é um apenas, contudo os interesses coletivos a ele vinculados assumem natureza transindividual, consistindo em três espécies, quais sejam: (i) interesse individual homogêneo, consistente naquele ligado a um indivíduo, porém há um grupo que também goza dos mesmos interesses; (ii) interesses coletivos, assim compreendidos como aqueles que são titulares um grupo, categoria ou classe; e (iii) interesses difusos, nos quais há uma indeterminação de titulares. Além disso, o direito à informação pública apresenta um escopo muito maior do que conseguir a concreção em si mesmo, eis que não é um direito autônomo, mas sim um instrumento necessário para efetivação da participação da sociedade civil, da liberdade de expressão e, por meio, um meio dotado de eficácia para se promover a exigibilidade dos direitos sociais contidos na Carta de 1988. Logo, o direito em comento materializa um pré-requisito para o livre exercício da cidadania, abarcado na participação da política do Estado, tal como na requisição de direitos inerentes ao ser humano. Dessa forma, não se trata apenas de um direito constitucional fundamental, mas sim um direito humano, cujo fito maior é promover o alcance e a concretização de outros direitos igualmente constitucionais fundamentais e humanos. Reconhece-se que o direito à informação, em termos gerais e com especial ênfase para a informação pública, substancializa um importante direito-meio para a consecução de outros direitos que são indissociáveis do Estado Democrático de Direito.   3 A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO EM PAUTA: A PROEMINÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E O DIREITO À TRANSPARÊNCIA DAS INFORMAÇÕES ADMINISTRATIVAS Importante mandamento entalhado nas linhas da Constituição Federal, no que concerne à atuação da Administração Pública, é o princípio da publicidade, disposto, de maneira expressa, no art. 37, caput. Pela dicção de tal preceito, “os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui  fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 28). Tal fato tem como arrimo de sustentação a premissa que, apenas com a transparência das condutas da Administração Pública, por meio de sua publicização, é que os cidadãos poderão aquilatar, ou não, a legalidade dos perpetrados, bem como se estes se revestem de eficiência. Como bem destacou Wlassak (2002, s.p.), “a publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível”, com o escopo de assegurar que os administrados tenham, a todo momento, o conhecimento do desenvolvimento das atividades dos administradores. Em igual substrato ensina Meirelles (2012, p. 96), ao abordar o princípio em tela, destacando que “a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade”. Deste modo, sendo o ato considerado como irregular, mesmo havendo publicidade, esta não terá o condão de convalidá-lo; em mesmo sentido, ainda que seja regular, a dispensa de sua publicização não será comportada, quando a lei ou o regulamente, de maneira expressa, a exigir. Acerca do princípio da publicidade, a lição de Mello: Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida (MELO, 2010, p. 114). Neste diapasão, quadra destacar que o princípio da publicidade não está adstrito apenas à Administração Pública, enquanto manifestação do Poder Executivo, mas também se estende aos demais Poderes constituídos. O princípio da publicidade também se aplica à elaboração das leis em si, o que já foi definido na Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998. Fortalecendo tais ponderações, o articulista Wlassak, ao orientar a incidência do princípio da publicidade no âmbito do Poder Judiciário, frisa que: No que diz respeito ao Judiciário, a própria Constituição estatui regra específica quanto à publicidade de seus atos (inciso IX do art. 93). Sabedores que somos da necessidade de fundamentação dos atos judiciais, para que se possa contrastá-los, é na publicidade destes atos que se constrói a ponte entre o juiz e o cidadão. Todos os seus atos, com exceção dos que possam atingir a intimidade dos envolvidos ou quando o interesse social assim o exigir (o que, convenhamos, deixa ao juiz um amplo poder de decidir o que seria este “interesse social”), o que está estampado no inciso LX do art. 5º da Constituição – “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (WLASSAK, 2002, s.p) (destaque nosso). Nagib Slaibi Filho, com grande técnica, bem resume a dupla vertente do princípio da publicidade no âmbito de atuação do Judiciário: Vemos, assim, que o princípio da publicidade, no Poder Judiciário, funciona em dois níveis: no primeiro, no sentido de publicidade ampla, absoluta ou externa em que a atuação do Estado-juiz deve ser levada ao conhecimento de toda a sociedade, como fator de legitimação do exercício do poder e, no segundo, como publicidade relativa, restrita ou interna em que se restringe o conhecimento dos atos processuais tão-somente às partes e advogados (SLAIBI FILHO, 1998, p. 132). Valiosas são as lições do doutrinador Gasparini que, ao abordar acerca dos efeitos da publicação oficial, destaca que: Entre outros, são efeitos da publicação oficial: I – presumir o conhecimento dos interessados em relação ao comportamento da Administração direta, indireta ou fundacional; II – desencadear o decurso dos prazos de interposição de recursos; III – marcar o início dos prazos de decadência e prescrição; IV – impedir a alegação de ignorância em relação ao comportamento da Administração Pública direta e indireta. Diga-se que o princípio da publicidade no deve ser desvirtuado. Com efeito, mesmo a pretexto de atendê-lo, é vedado mencionar nomes ou veicular símbolos ou imagens que possam caracterizar promoção pessoal de autoridade ou servidor público […] . Essas disposições são de observância imediata, não necessitando para sua aplicação de qualquer regulamentação (GASPARINI, 2012, p. 12). Desta feita, a par de tais ponderações, para que o princípio da publicidade tenha seus mandamentos cumpridos, imperiosa se faz a ampla e irrestrita publicização dos atos da Administração, direta, indireta e fundacional, em veículo informativo (jornal ou congênere) de ampla circulação. A publicidade, como supernorma de inspiração da Administração Pública, compreendendo tanto direta e indiretamente, não confere a faculdade de veicular seus atos, mas sim a obrigação de tal fato. Ora, tão-somente por meio do esposado alhures é que o administrado/cidadão pode exercer, sem qualquer restrição, barreira ou limitação, a análise da legalidade dos atos praticados pela Administração Pública, bem como comprovar se estes alcançam a eficiência que devem ambicionar. É fato que a transparência, enquanto desdobramento dos princípios norteadores da Administração Pública, estimula a participação da sociedade civil, bem como a informação divulgada traz aproximação da sociedade de gestão exercida por seus representantes. “As entidades públicas têm o dever de promover a transparência de sua administração e a sociedade tem o direito ao acesso e o acompanhamento da administração pública” (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p. 05), com fins de promover a consolidação da cidadania. Dessa maneira, a transparência viabiliza um ambiente de análise e reflexão, contudo, para isso, é imprescindível que os gestores públicos apresentem suas tomadas de decisões, como também as divulguem de maneira potencializada nos meios de comunicações acessíveis à população. Para tanto, deve-se superar a perspectiva que as informações fiquem condicionadas e limitadas ao círculo de alguns servidores e assessores apenas. Há que se reconhecer que a transparência, enquanto corolário do princípio da publicidade, opõe-se à teoria arcana imperii, dominante no período do poder absoluto. A teoria em comento preconizava que o poder do príncipe é mais eficaz, logo, mais condizente com seu objetivo. Dessa forma, quanto mais oculto estava dos olhares indiscretos do vulgo, mais se aproximava da semelhança de Deus, invisível. Ao promover o afastamento do cidadão, o gestor fortalece seu poder e confirma o autoritarismo. A transparência, em tal cenário, é a forma de evitar tal conduta, pois a divulgação das ações contribui para a análise crítica da gestão pública. A doutrina encontra sustentação em dois pontos. O primeiro é inerente à própria natureza do sumo poder, cujas ações serão bem sucedidas quanto mais rápidas e previsíveis se comportarem; o controle público, mesmo que exercido apenas por uma assembleia de notáveis, tem o condão de retardar a decisão e impedir a surpresa. Logo, As medidas realizadas às ocultas e postas em prática de imediato enfraquece o controle social e distancia cada vez mais os governantes dos governados. Dessa forma não há possibilidade de reação dos populares diante das medidas adotadas (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p.05). O segundo argumento é oriundo do desprezo do vulgo, considerado, em tal contexto, como um “animal selvagem” que reclamava domesticação, já que, uma vez dominado por forças mais fortes, era impedido de formar uma opinião racional do bem comum, egoísta de visão estreita, presa fácil dos demagogos que se utilizariam para a obtenção de vantagens. Os dominantes depreciam a capacidade dos dominados de exercer a cidadania de forma consciente. Assim, utilizam da evasiva alegação e pretexto para se esquivar de dificuldades que o cidadão possa criar. Os governantes adotam o engano como estratégia para manter seus privilégios. De acordo com Pires (2011, p. 61), a participação da sociedade civil pressiona as instituições a serem mais céleres e transparentes, bem como proporciona um suporte de legitimidade às decisões de direção. Consiste em uma instância política da comunidade de usuários de um serviço público, inclusive no que se refere à fiscalização dos contratos estabelecidos pela Administração Pública. “A entidade ao dar transparência de seus dados, abre espaço para futuras reivindicações sociais que visem a um maior detalhamento e à ampliação das informações disponibilizadas” (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p. 06). Santos (2012), em complemento, diz que a informação precisa, suficiente e de fácil entendimento para o cidadão comum é imprescindível para o controle social. Em tal linha, a transparência e a participação social são conceitos indissociáveis, interdependentes e intercambiáveis. Revestindo a transparência na concepção de accountability inquina-a como um instrumento robusto de participação da sociedade civil. A ampliação da transparência auxilia diretamente no envolvimento das distintas classes sociais no acompanhamento da gestão. A divulgação das informações em grupos restritos e direcionado inibe o seu aspecto de promoção da democracia, atentando contra os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, enquanto pilares norteadores da Administração Pública.   4 A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO EM DESTAQUE: PONDERAÇÕES AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À INFORMAÇÃO COMO FUNDAMENTAL À LUZ DA MOLDURA CONSTITUCIONAL A publicação da Lei nº 12.527 constituiu um marco na conquista pela informação, eis que, na sua ausência, “o cidadão e a sociedade civil ficam, portanto, a depender da discricionariedade burocrática, situação perniciosa para a construção de uma administração pública transparente” (BERTAZZI, 2011, p. 26). Mencionada legislação foi promulgada em 18 de novembro de 2011 e entrou em vigor em maio de 2012, configurando verdadeira ruptura em um cenário existente dotado de pouca ou tímida transparência das informações do Poder Público, afetando diretamente o pleno exercício da cidadania e da democracia participativa. Ora, em contextos sociais em que há pouca transparência nos atos da Administração Pública, verifica-se comumente o desenvolvimento de práticas paternalistas, clientelistas, corrupções e outras formas de emprego dos bens públicos para promover os interesses particulares. Em razão disso, reconhece-se que os esforços para a efetivação de uma legislação promotora da transparência das informações administrativas e o seu respectivo acesso configuram esforços imprescindíveis no Estado Democrático de Direito. Segundo Stiglitz (2002), isso ocorre porque a melhora do acesso à informação pública e o estabelecimento de regras que proporcionem a disseminação das informações produzidas pelo governo reduzem o objetivo dos abusos que podem ser perpetrados. Além disso, a tendência contemporânea se pauta na busca pela parceria entre o governo e o cidadão, implicando na participação ativa deste último na tomada de decisões e na formulação de políticas públicas. Dahl (2001) sustenta que cidadãos silenciosos só são perfeitos para um governo autoritário, contudo seriam desastrosos para o desenvolvimento e afirmação de uma democracia. Logo, há que se reconhecer que práticas de tal natureza corroboram a transparência governamental e a redução dos abusos cometidos pelas autoridades governamentais. Lopes justifica: As políticas que tenham o objetivo de promover acesso à informação pública implicam necessariamente ações que possibilitem acesso a fóruns plurais de discussões, a instituições que prestem contas ao cidadão, a leis de acesso à informação, a proteções contra a negação de prestação de informações por parte de órgãos públicos e à liberdade de imprensa (LOPES, 2007, p. 10). O emprego de mecanismos de controle público, incluído, aqui, o direito à informação pública, subsidia, de maneira direta, a aproximação do cidadão dos atos governamentais, assegurando, por consequência, maior transparência. Neste aspecto, a legislação pode ser considerada dotada de amplitude, com o escopo de estabelecer normas para promover a promoção do direito humano fundamental de acesso à informação. O conceito de informação é dado pela própria lei, definindo-a como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para a produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato” (BRASIL, 2011). Conforme dita o artigo 2º da Lei nº 12.527/2011, os procedimentos são aplicados à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, todavia, não se limita a eles. Contempla, ainda, quaisquer dos órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério, bem como as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes supramencionados. Dessa forma, a legislação rompe com a burocracia estatal em manter sigilo dos seus atos, logo, o texto contém diretrizes que privilegiam a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção, eis que o domínio da informação constituiria uma inegável fonte de poder. Lopes (2007) aduz que a falta de informação pública é justamente um dos diversos fatores que motivaram a persistência de comportamentos pré-burocráticos, remanescentes de uma administração patrimonialista, tendo como característica principal o sigilo no trato da coisa pública. Sem a garantia de acesso à informação torna-se inviável a atuação robusta neste sistema de freios e contrapesos. Logo, a modificação no paradigma acarretará como consequência a diminuição do poder daqueles que exercitam o monopólio das informações, democratizando seu acesso à população. Destarte, o acesso aos dados constitui em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta. Nesta linha, o cidadão bem informado possui melhores condições de conhecer e acessar outros direitos essenciais, a exemplo da saúde, da educação e dos benefícios sociais. Na cultura de acesso, o fluxo de informações incide diretamente no processo de tomada de decisões, na boa gestão de políticas públicas e na inclusão do cidadão. De acordo com Manzano Filho (2012), o acesso à informação materializa uma ferramenta imprescindível para combater a corrupção e transformar em realidade o princípio da transparência na gestão pública e melhora na qualidade da própria democracia. Frise-se, ainda, que a Lei em comento dispensou preocupação para o desenvolvimento de controle social sobre a Administração Pública, elencada como uma de suas diretrizes. Ora, o acesso à informação é essencial para assegurar que as políticas públicas sejam implementadas pelos governos e potencialmente pela participação dos cidadãos, compreendendo desde o planejamento até a execução e a avaliação. Em relação ao desenvolvimento da cultura de transparência na Administração Pública, é imprescindível uma estratégia no que atina à implementação, abarcando ampla gama de ações coordenadas que possibilitem, facilitem e estimulem o acesso a fóruns plurais de discussões, a accountability e a proteção contra a negação de prestação de informações por parte de órgãos públicos. Assim, para a divulgação das informações, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). Contudo, a legislação foi omissa ao não fixa o limite para tais órgãos e entidades se adequarem a esta determinação. Medeiros, Magalhães e Pereira (2014) aduzem que o prazo, a rigor, seria coincidente com a vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias; contudo, é fato que isso não seria possível, produzindo sítios eletrônicos com informações desencontradas ou com ferramentas insuficientes de acessibilidade. Além disso, outro obstáculo para a produção de resultados exitosos pela legislação em comento está relacionado no desempenho dos servidores. Não é possível olvidar que as mudanças propostas pelo diploma legal trarão impactos consideráveis sobre as rotinas dos servidores, sobretudo no que se vincula ao atendimento ao público, além de exigir uma adequação na maneira de produzir, arquivar e divulgar as informações. A nova legislação, conforme as ponderações de Bertazzi, […] trará grandes impactos para a administração pública brasileira como um todo. Em especial, trará novidades para o trabalho cotidiano dos servidores públicos, e pode encontrar diversos entraves para sua implementação, uma vez que a lei de acesso à informação pode funcionar como um catalisador da mudança organizacional dentro das repartições públicas, impactando diretamente o dia a dia da organização (BERTAZZI, 2011, p. 25).  Contudo, mesmo se tratando de uma realidade de ruptura, a implementação requer o desenvolvimento de mecanismos exitosos e a modificação de rotinas arcaicas, bem como a capacitação dos servidores para o seu atendimento. A legislação exige uma nova postura a reger a Administração Pública, sobretudo no que toca à asseguração de mecanismos capazes de materializar o direito à informação pública como elemento indissociável do exercício da cidadania e da promoção da democracia participativa, promovendo uma gestão democrática.   5 COMENTÁRIOS FINAIS  Conforme estabelecido no decurso do presente, o Estado Democrático de Direito é caracterizado pela participação direta, referindo-se à terceira fase de evolução da Administração Pública, na qual o particular, individual e pessoalmente, exerce influência na gestão, no controle e nas decisões propaladas pelo Estado. Em tal cenário, trata-se da materialização do princípio democrático norteador do Estado Brasileiro. Neste sentido, o estabelecimento de princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, a exemplo da moralidade e da publicidade, emergem como verdadeiros pilares de promoção de uma democracia participativa e de uma gestão administrativa pautada na transparência e na acessibilidade de suas informações, a fim de assegurar o controle por parte da sociedade. Em tal concepção, decorre o reconhecimento do direito à informação pública como típico direito de um Estado Democrático de Direito, no qual a informação encontra relação íntima com o processo de cidadania e exercício da fiscalização, por parte da sociedade, das atividades desempenhadas pela Administração Pública. Afora isso, não pode se olvidar que o direito à informação pública configura direito-meio do qual outros direitos dotados de fundamentalidade demandam espaço para serem exigidos por parte de seus titulares. Não se trata apenas da informação como acesso aos dados, mas também como instrumento para o exercício de direitos. Assim, para a construção de uma verdadeira democracia, apresenta-se indispensável o acesso claro e transparente à informação pública, além de permitir maior participação popular, fortalecendo os sistemas democráticos e culminando em um processo de cidadania e emancipação dos cidadãos. Em tal contexto, o sigilo propicia a corrupção e estabelece barreiras ao desenvolvimento. Logo, ainda que o acesso à informação pública, por si só, não seja suficiente para a efetivação plena da cidadania e da democracia participativa, se apresenta como importante instrumento de propagação da fiscalização e do estabelecimento de mecanismos de exigibilidade de cumprimento não apenas do direito à informação pública, mas também a gama de outros direitos que dependem direta e indiretamente desse. A Lei nº 12.527, responsável por instituir o dever de transparência por parte da Administração Pública, representa, no contexto de promoção do Estado Democrático de Direito, um verdadeiro marco de ruptura. Contudo, a legislação apresenta pontos de fragilidade que se operam, sobretudo, no processo de implementação da política de transparência e a ausência de um prazo expressamente estabelecido para tal fim, bem como a cultura burocrática estabelecida no modelo de gestão empreendidos por servidores públicos e que tende, em decorrência de aspectos culturais dominantes, edificar obstáculos que difícil superação. Logo, faz-se carecida a modificação de uma realidade complexa, a fim de alinhá-la com a contemporaneidade e na promoção do direito à informação pública como conditio sine qua non para o êxito do Estado Democrático de Direito e para o exercício da cidadania.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-lei-de-acesso-a-informacao-em-destaque-ponderacoes-ao-reconhecimento-do-direito-a-informacao-como-fundamental-a-luz-da-moldura-constitucional/
Entidades Paraestatais: Reflexões Acerca da Relevância do SENAI/CE
RESUMO
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO       Para entender a Administração Pública, antes de mais nada, é preciso compreender o conceito de Estado e ainda seus poderes. Faz-se necessário também esclarecer que esse conceito vai variar conforme o ponto de vista de cada autor, visto que existem concepções sociológicas, políticas, constitucionais, entre outros. Decidimos utilizar a definição de Hely Lopes Meirelles (2016), considerado um dos principais doutrinadores da área de Direito Administrativo. Segundo o jurista: “Como ente personalizado, o Estado tanto pode atuar no campo do Direito Público como no do Direito Privado, mantendo sempre sua única personalidade de Direito Público”, denominado de Estado de Direito, “juridicamente organizado e obediente às suas próprias leis” (MEIRELLES, 2016, p. 63). Os poderes estatais, ao que se já é sabido, se dividem em Legislativo, Executivo e Judiciário, tidos como interdependentes e harmônicos entre si, posto que exercem suas funções típicas e atípicas. Por outro lado, para além deles, existem ainda os poderes administrativos, divididos em: Normativo ou Regulamentar (expedição de normas gerais pela Administração Pública), Hierárquico (estruturação interna dos órgãos e agentes da Administração Pública), Disciplinar (aplicação de sanções) e de Polícia (restrições ou limitações ao exercício das liberdades individuais) (CARVALHO, 2017). A Administração Pública, por ser composta por pessoas jurídicas, órgãos e agentes que objetivam atender as necessidades coletivas, tem como princípios basilares a Supremacia do Interesse Público e a Indisponibilidade do Interesse Público. O primeiro traz que: “toda atuação do Estado seja pautada pelo interesse público, cuja determinação deve ser extraída da Constituição e das leis, manifestações da ‘vontade geral’” (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 184), ou seja, o interesse público é a finalidade maior da atuação estatal. O segundo princípio enfatiza que: “são vedados ao administrador quaisquer atos que impliquem renúncia a direitos do Poder Público ou que injustificadamente onerem a sociedade” (ALEXANDRINO; PAULO, 2011, p. 186). Entretanto, apesar de citarmos aqui a Administração Pública, quando falamos de entidades paraestatais, falamos de “[…] pessoas jurídicas de Direito Privado dispostas paralelamente ao Estado, ao lado do Estado, para executar cometimentos de interesse do Estado, mas não privativos do Estado” (MEIRELLES, 2016, p. 481), ou seja, entes que cooperam com o Poder Público, mas que não se inserem em sua estrutura, como, por exemplo, as organizações que compõem o “Sistema S” – SENAI, SENAC, SESC, SESI, entre outras. Diante disso, este estudo pretende compreender melhor o significado das paraestatais dentro da sociedade atual, de que maneira são relevantes, de onde vêm suas verbas e outros questionamentos. Para esse fim, além de realizarmos pesquisas a respeito da temática, elaboramos uma entrevista com o gerente do SENAI de Juazeiro do Norte, Maurício Barreira, e com a coordenadora Jaíza Chagas, em visita realizada no dia 10 de maio de 2018.   1 CONCEITO DE PARAESTATAIS E CARACTERÍSTICAS Entidades Paraestatais consistem em pessoa jurídica de direito privado, criadas por lei, utilizadas para indicar de forma geral a administração pública indireta, com o objetivo de alcançar um meio termo entre pessoas privadas e pessoas públicas, porém, os conceitos irão variar conforme o entendimento de cada doutrinador. Poderão ser divididas em três espécies: os serviços sociais autônomos, que são os instituídos por lei, com personalidade de direito privado; organizações sociais, entidades que irão receber, por delegação de poder público, a obrigação ou o dever de desenvolver serviço público de natureza social; e as organizações da sociedade civil e de interesse público. Justen Filho (2005) define entidade paraestatal como pessoa jurídica de direito privado, criada por lei, sem caráter de submissão à Administração Pública, impulsionando o auxílio de necessidades assistenciais e educacionais de certas atividades ou classes profissionais que irão arcar com preservação por meio de contribuições compulsórias. Já de acordo com a definição doutrinária de Meirelles (2016), paraestatal é gênero, sendo pessoas jurídicas de direito público, com formação autorizada por lei específica, com patrimônio público ou misto, para a realização de atividades, obras ou serviços de interesse coletivo, sob normas e controle do Estado. É importante não as confundir com autarquias e nem com fundações públicas, também não se identificando como entidades estatais. Meirelles (2016) entende que as entidades paraestatais se responsabilizam pela execução de atividade econômica empresarial, podendo ser também uma atividade não econômica de interesse coletivo ou, mesmo, um serviço público ou de utilidade pública delegado pelo Estado, mas que são impróprias para a realização pelo poder público. No primeiro caso, a entidade paraestatal há que revestir a forma de empresa pública ou sociedade de economia mista, devendo operar sob as mesmas normas e condições das empresas particulares congêneres, para não serem concorrência, como dispõe expressamente a Constituição Federal de 1988. Enquanto isso, nos outros casos, o Estado é livre para escolher a forma e estrutura da entidade e operá-la como lhe convier, porque em tais hipóteses não está intervindo no domínio econômico reservado à iniciativa privada. O patrimônio dessas entidades pode ser constituído com recursos particulares ou contribuição pública, ou por ambas as formas. Esses tipos de empreendimentos, quando são de natureza empresarial, admitem lucros e devem mesmo produzi-los tendo em vista o desenvolvimento da instrução e atrativo do capital privado. Apesar das inúmeras maneiras de conceituação, é possível observar que, em todos, trata-se de uma pessoa jurídica e criada por lei. Sua origem indica que as entidades paraestatais são entes que ficam lado a lado com o Estado, encontrando-se ao lado da Administração Pública para exercer atividades de interesse coletivo. Pelo fato de não serem submissas à Administração Pública, seu patrimônio pode ser misto ou público e, se for de interesse coletivo, pode ser incrementado pelo Estado. De acordo com Meirelles (2016, p. 71): “São pessoas jurídicas de Direito Privado que, por lei, são autorizadas a prestar serviços ou realizar atividades de interesse coletivo ou público, mas não exclusivos do Estado. São espécies de entidades paraestatais os serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI e outros) e, agora, as organizações sociais, cuja regulamentação foi aprovada pela Lei 9.648, de 27.5.98. As entidades paraestatais são autônomas, administrativa e financeiramente, têm patrimônio próprio e operam em regime da iniciativa particular, na forma de seus estatutos, ficando sujeitas apenas à supervisão do órgão da entidade estatal a que se encontrem vinculadas, para o controle de desempenho estatutário. São os denominados entes de cooperação com o Estado”. As entidades paraestatais estão localizadas no terceiro setor, por não se tratarem do Estado e nem de atividades privadas, estando voltadas, como supracitado, para interesse do coletivo, visando proteger a ordem pública. Além disso, se sujeitam à licitação, conforme o artigo 17 da Lei n. 8.666/1983: “I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: a) dação em pagamento; b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; d) investidura; e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;  f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição; h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública;   i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União e do Incra, onde incidam ocupações até o limite de que trata o § 1o do art. 6o da Lei no 11.952, de 25 de junho de 2009, para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; e    II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos: a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação; b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública; c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica; d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente; e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades; f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe”. O regime interno da paraestatal é regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), onde seus empregados devem ser contratados através de concurso público, conforme disposto no artigo 37, inciso II, da CF/88. Quanto às espécies, Meirelles (2016) acredita que elas se dividem em empresas públicas, sociedades de economia mista e serviços sociais autônomos, diferente de Justen Filho (2005), ele diz que são sinônimos de serviço social autônomo voltadas à satisfação de necessidades coletivas e supraindividuais, relacionadas com questões assistenciais e educacionais. Portanto, vemos que elas têm como objetivo a formação de instituições que contribuam com os interesses sociais através da realização de atividades, obras ou serviços.   2 ENTES DA COOPERAÇÃO: SERVIÇOS SOCIAIS AUTÔNOMOS E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS  Ao falarmos sobre paraestatais, é relevante dar destaque a suas espécies. Segundo Meirelles (2016, p. 481): “os entes de cooperação são as verdadeiras paraestatais”, assim, são pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos não exclusivos do Estado. Etimologicamente falando, a palavra paraestatal significa ao lado do Estado (FURTADO, 2014). Esses entes atuam de forma a auxiliar o Estado. Meirelles (2016) divide suas espécies em: os Serviços Sociais Autônomos e as Organizações Sociais. Os Serviços Sociais Autônomos são instituídos por lei e possuem personalidade de direito privado, como já foi dito anteriormente. A lei que regulamenta suas questões é a Lei n. 8.246 de 1991. Seu objetivo é o ensino profissionalizante para contribuir assim com o desenvolvimento do país. Como exemplo, temos o Sistema S, abordado em tópico posterior. Portanto, os serviços sociais autônomos trabalham ao lado do Estado, porém, não integram a Administração Direta nem Indireta (MEIRELLES, 2016). Tendo em vista a necessidade de ampliar a prestação dos serviços públicos, o governo, por meio da Lei n. 9.637 de 1988, prevê o Programa Nacional de Publicização[1], pelo qual atividades exercidas por órgãos administrativos de direito público poderão ser exercidas por organizações sociais. Mas o que é uma organização social? Encontramos explicação no artigo 1° da Lei n. 9.637 (BRASIL, 1988): “Art. 1º. O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei”. Serão qualificadas como organizações sociais aquelas que tiverem seus fins voltados a atingir o interesse público, o bem comum. A organização social é um título que a administração concede a uma entidade privada, já existente, sem fins lucrativos, para que, assim, ela possa receber benefícios do Poder Público (MEIRELLES, 2016), como, por exemplo, isenção fiscal. O artigo 2° da referida lei enuncia quais os requisitos para que uma entidade privada, citadas no artigo 1°, se qualifique como uma organização social (BRASIL, 1988), entre eles: objetivos com natureza social e fins não lucrativos. Depois de cumpridos todos os requisitos e assim ser qualificada como organização social, poderá gozar dos recursos orçamentários e bens públicos, aqueles que sejam indispensáveis ao exercício de seus fins (MEIRELLES, 2016). Também serão acordadas metas de desempenho com o intuito de assegurar a qualidade e a efetividade dos serviços prestados ao público, por meio de um contrato de gestão[2].  Dessa forma, surge o terceiro setor, composto por entidades privadas que visam o interesse público. Posto isso, nasce uma parceria entre o Poder Público e a organização social, onde, por meio de um contrato de gestão, definem os objetivos que pretendem atingir. Em um contrato de gestão constam metas pretendidas, obrigações, responsabilidades, recursos, mecanismos de avaliação e penalidades[3]. Em se tratando do Poder Público, o contrato de gestão é um meio utilizado para fiscalizar se a organização está cumprindo sua parte nessa parceria, ou seja, é utilizado para supervisionar. Quando se trata da organização social ele é um meio de direção e quando não cumprido as condições estabelecidas no contrato de gestão o Poder Executivo poderá desqualificar a organização social, segundo o artigo 16 da Lei n. 9.637, seguindo as regras que constam no mesmo artigo (BRASIL, 1988): “§1º. A desqualificação será precedida de processo administrativo, assegurado o direito de ampla defesa, respondendo os dirigentes da organização social, individual e solidariamente, pelos danos ou prejuízos decorrentes de sua ação ou omissão. § 2o A desqualificação importará reversão dos bens permitidos e dos valores entregues à utilização da organização social, sem prejuízo de outras sanções cabíveis” Portanto, entende-se que o título de organização social não é absoluto e, para que a entidade o mantenha, não pode se afastar do seu propósito e cumprir as obrigações as quais acordou.   3 SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL – SENAI/CE  O “Sistema S” é o termo que define o conjunto de organizações das entidades corporativas voltadas para o treinamento profissional, assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica que, além de terem seu nome iniciado com a letra S, têm raízes comuns e características organizacionais similares (SENADO, 2018, p. 1). Neste artigo, escolhemos como objeto de estudo o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) que faz parte do Sistema S. Há mais de 70 anos, já estava claro que, sem educação profissional de qualidade, o Brasil não teria uma indústria forte e nem alcançaria o desenvolvimento sustentado. Em 22 de janeiro de 1942, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) pelo Decreto-Lei n. 4.048, pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, com a missão de promover a educação profissional e tecnológica, contribuindo para elevar a competitividade da indústria brasileira (BRASIL, 1942). O SENAI é uma paraestatal. Como definido anteriormente, é uma pessoa jurídica que atua com o Estado, sem que seja confundida por ele, sendo entes privados que não integram a Administração Direta ou Indireta, mas exercem atividades de interesse público sem finalidade lucrativa. O SENAI é um dos cinco maiores complexos de educação do mundo e o maior da América Latina. Uma empresa que oferece cursos de qualificação profissional aos empregados das indústrias e também aberto ao público em geral com valores acessíveis, gerando oportunidades e qualificando com excelência, onde o aluno sairá pronto para ingressar no mercado de trabalho, melhorar seu salário na empresa que já trabalha com o aperfeiçoamento ou para ser autônomo, com referência em cursos técnicos e qualificação com estrutura completa. Com extrema relevância na sociedade, o SENAI está há mais de 70 anos contribuindo para o desenvolvimento social, proporcionando a capacitação aos alunos com cursos técnicos e mantendo o papel de promover desenvolvimento na sociedade, oferecendo novos caminhos à vida de seus alunos, contribuindo e qualificando de uma forma geral, gerando emprego e renda para o país, aquecendo o mercado de trabalho. As ações de qualificação profissionais realizadas pelo SENAI formaram 64,7 milhões de trabalhadores em todo o território nacional, desde 1942. Esse resultado só foi possível porque o SENAI aposta em formatos educacionais diferenciados e inovadores, que vão além do tradicional modelo de educação presencial, em suas 518 unidades fixas e 504 unidades móveis em 2,7 mil municípios brasileiros. O SENAI também capacita e forma profissionais em cursos a distância (EAD), que estão à disposição do estudante 24 horas por dia, sete dias por semana (SENAI, 2018, p. 1). A construção de uma nova aprendizagem profissional mais efetiva e adequada aos interesses da juventude e da indústria constitui imperativo do desenvolvimento, sendo mais flexível e ágil no atendimento às necessidades econômicas e sociais da sociedade brasileira. Segundo Monteiro Neto, presidente da Confederação Nacional da Indústria, no livro Educação para a Nova Indústria: uma ação para o desenvolvimento sustentável do Brasil (CNI, 2007, p.9): “A qualificação dos trabalhadores nas diferentes regiões do País contribui para a estruturação de uma indústria melhor distribuída em seu território. Assim, deve ser considerada como importante elemento de uma política de desenvolvimento regional, orientada para tornar a indústria brasileira de classe mundial”. A Organização das Nações Unidas (ONU) apontou o Serviço Nacional de Aprendizagem (SENAI) como uma das três mais importantes instituições para alcance do objetivo de assegurar educação de qualidade entre os integrantes da cooperação do Sul, destacando a importância e o compromisso que o SENAI tem de ofertar cursos de qualidade em área tecnológica, de formação presencial e a distância (CNI, 2016). O SENAI também estimula a inovação da indústria por meio de consultoria e incentivo às ações das empresas com o desenvolvimento de pesquisa aplicada e serviços técnicos e tecnológicos que são decisivos para a competitividade das empresas brasileiras (SENAI, 2018). O Decreto-lei n. 4.048/1942 estabeleceu que a instituição de educação profissional seria mantida com recursos dos empresários e administrada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O dinheiro é arrecado pelo governo, por meio de contribuições que as empresas são obrigadas a pagar sobre o valor da folha de pagamento, mas são entidades do direito privado, por isso é chamada de paraestatal. O governo recolhe 1% das indústrias para o SENAI, o dinheiro arrecadado é distribuído integralmente para as entidades (LUPION, 2017). O Decreto-lei n. 4.048/1942, em seu art. 4º, dispõe sobre o custeio: “Serão os estabelecimentos industriais das modalidades de indústrias enquadradas na Confederação Nacional da Indústria, obrigados ao pagamento de uma contribuição mensal para montagem e custeio das escolas de aprendizagem” (BRASIL, 1942). Em 10 de maio de 2018, para a produção deste trabalho dentro da disciplina de Direito Administrativo I da Faculdade Paraíso do Ceará (FAP), ministrada pelo professor Jerônimo Freire, a equipe visitou a sede do SENAI em Juazeiro do Norte, onde, na ocasião, entrevistamos o gerente geral Maurício Barreira e a coordenadora Jaíza Chagas, que ressaltaram a importância do SENAI no ensino profissionalizante, levando educação e assessoramento às indústrias. atende o mercado de forma geral com cursos voltados a área da indústria, oferecendo cursos de aprendizagem voltado aos contribuintes da indústria, no qual tem direito ao fornecimento de cursos de jovens aprendiz sem ônus a empresa, e cursos abertos voltados as empresas e a sociedade em que será cobrado preços acessíveis de mercado. “Um dos direitos dessas empresas é que o SENAI forneça cursos de Jovem Aprendiz, conforme lei específica, só que as indústrias contribuintes não têm custo com essa formação. Esses jovens fazem o curso aqui no SENAI sem ônus nenhum para a empresa. Por exemplo, aqui na região nós temos várias, como a Grendene, que é uma das maiores, que tem cerca de 106 Jovens Aprendizes aqui conosco estudando. Normalmente em torno de 70% são admitidos como funcionários. Temos ainda a Singer, Pharmace, Cajuína São Geraldo e muitas outras” (MAURÍCIO BARREIRA, depoimento gravado, 2018). “No caso de empresas não contribuintes, algumas indústrias e outras não, nós também oferecemos alguns serviços. A Aprendizagem é algo específico para as contribuintes, mas as indústrias têm, por lei, a obrigatoriedade da aprendizagem […]” (JAÍZA CHAGAS, depoimento gravado, 2018). “Além disso, existem outros benefícios para as empresas contribuintes: elas possuem desconto em nossos cursos abertos, que variam de 20 horas até cursos técnicos que têm duração de 1600 horas (um ano e meio, por aí). Quem é contribuinte e está ligado a algum sindicato filiado a FIEC [Federação das Indústrias do Estado do Ceará], tem um desconto que varia de 5% a 20%. Mesmo se a empresa não for contribuinte, ela pode fazer um curso conosco, a partir de uma proposta comercial mediante pagamento mesmo, sem descontos” (MAURÍCIO BARREIRA, depoimento gravado, 2018). “Essa política de comercialização vai variar conforme os departamentos regionais. O SENAI é uma instituição nacional, mas cada regional tem suas políticas e, no geral, nessa parte da comercialização, nós temos nossos próprios descontos. Se a empresa não for contribuinte, mas estiver ligada a um sindicato da FIEC, também vai ter um desconto. O funcionário da empresa também tem o mesmo desconto, desde que ele traga a carteira de trabalho ou alguma forma de comprovação” (JAÍZA CHAGAS, depoimento gravado, 2018). O SENAI de Juazeiro do Norte, atuando na região do Cariri cearense há 45 anos, oferece cursos para pessoa física, que não seja funcionário de nenhuma empresa, como cursos de Informática, Eletricista Industrial, na área de Segurança no Trabalho, entre outros. Seu grande reconhecimento na sociedade contribui para o desenvolvimento das indústrias e reafirma o foco de suas ações na elevação da escolaridade básica do trabalhador, seja ele da indústria ou não, com qualidade e de forma coordenada com educação profissional.   CONCLUSÃO A partir do exposto, conseguimos entender, principalmente com base na experiência prática de visita à instituição, que as entidades paraestatais, mesmo sendo pessoas jurídicas de direito privado que atuam paralelamente ao Estado, realizam atividades de interesse público, reafirmados pelo Princípio da Supremacia do Interesse Público. Apesar da divergência nas definições, as paraestatais tratam do interesse coletivo e, mesmo com sua autonomia financeira e administrativa, estão sujeitos à fiscalização e controle do Estado para não desviarem de seus fins. Assim, o SENAI encontra sua relevância ao dispor a realização de atividades e serviços voltados para a comunidade, seja ela através de empresas industriais ou do indivíduo como pessoa física. Para finalizar, gostaríamos de agradecer a atenção da equipe do SENAI de Juazeiro do Norte, por terem disponibilizado seu tempo para nos ensinar a respeito da organização, realizar a própria visita técnica à sede, conhecendo alunos, professores e salas de aula do SENAI.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/entidades-paraestatais-reflexoes-acerca-da-relevancia-do-senai-ce/
A Anulação do Ato Administrativo Por Vício no Motivo: Consequências na Realidade Administrativa Sob a Ótica da Lei Nº 13.655/2018
RESUMO: O presente artigo visa analisar os pressupostos que norteiam os atos administrativos e os casos que levam ao desfazimento dos mesmos, quando ausente um de seus requisitos, o motivo. Nesse contexto, será averiguada a competência do Poder Judiciário para anular tais atos, sob a ótica do direito público e da Lei nº 13.655/2018,. A título de exemplificação, será analisada uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas contra a Administração Pública do Município de Maceió, questionando a legalidade de instalação de alguns equipamentos de fiscalização eletrônica. Tanto em sede de liminar, quanto na sentença, o MM. Juízo determinou a anulação do ato administrativo de instalação dos radares em questão, sob o fundamento da existência de vícios no referido ato. Serão pontuadas, por fim, as consequências práticas e administrativas da anulação de um ato, observando-as quando da determinação judicial no caso em questão, sob o respaldo da segurança jurídica na criação e aplicação do direito.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O exercício da função precípua da Administração Pública se consagra através de um ato administrativo que, como espécie de um ato jurídico, nada mais é que a manifestação unilateral humana voluntária com uma finalidade imediata, no caso a finalidade pública. Por ser criado para atender tal finalidade, o ato administrativo é executado com prerrogativas do regime-jurídico administrativo e do direito público, devendo preencher requisitos e pautar sua fundamentação para atender a previsão legal e constitucional que, quando não observados, acabam por macular os atos com vícios que se desabarem na ilegalidade, poderão ser anulados pela via administrativa – em razão do poder de a administração rever seus próprios atos – ou pela via judicial, quando do controle de legalidade típico do poder judiciário. É o que afirma Celso Antônio Bandeira de Mello[1], quando dispõe que tanto a Administração quanto o Poder Judiciário podem ser sujeitos ativos da invalidação do ato administrativo quando do exercício do controle de legalidade. Ao ser declarada a nulidade de um ato administrativo, tal decisão terá efeitos ex tunc, ou seja, retroagirá e atingirá o ato desde o seu surgimento, ficando nulos também os atos deles decorrentes. Como forma de exemplificação do fato, trouxemos a baila a Ação Civil Pública nº 0850315-72.2017.8.02.0001[2], proposta pelo Ministério Público do Estado de Alagoas em face do Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito do Município de Maceió –AL, objetivando a declaração de nulidade na instalação dos equipamentos de fiscalização eletrônica no referido município sob o  fundamento do descumprimento dos requisitos previstos na Resolução nº 396/2011 do CONTRAN[3]. Nesse processo será observada a decisão judicial[4] que declarou a nulidade do ato administrativo de instalação dos “pardais” e, por consequência, das multas aplicadas pelos radares, demonstrando uma situação do caso concreto em que os atos produzidos pela administração pública devem ser pautados de legalidade e, ainda, que se a fundamentação empregada para a prática de tal ato não for observada na realidade, este estará eivado de vícios que autorizam a sua invalidação, pelo que se conclui da Teoria dos Motivos Determinantes para a prática de um ato pela Administração Pública.   Para tratar da definição de ato administrativo apresentaremos os conceitos de renomados doutrinadores. Na concepção do ilustre professor José dos Santos Carvalho Filho, ato administrativo é visto como a “exteriorização da vontade de agentes da administração Pública pu de seus delegatários, nessas condição, que, sob regime de direito público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público”[5]. Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que “pode-se definir ato administrativo como a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeito ao controle pelo Poder Judiciário”[6]. Já para Helly Lopes Meirelles o ato administrativo é tido como toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar,m transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou à si própria.[7] Por fim, Celso Antônio Bandeira de Mello considera o ato administrativo como uma declaração do Estado (ou de quem lha faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais.[8] Como se pode ver, apesar de alguns pontos divergentes, o conceito sempre vai convergir na manifestação da vontade da Administração Pública, em razão do exercício do poder público, tendo como finalidade o interesse público, estando tais atos regidos pelo regime do direito público. Em conformidade com as doutrinações do professor Carvalho Filho[9], existem três pontos fundamentais para a caracterização de um ato em administrativo: Deve-se acrescentar, ainda, que por serem atos emanados no exercício do interesse público, eles se sujeitam à lei e são passíveis de controle, tanto pela Administração, quanto pelo Poder Judiciário. Aspectos (Marçal Justen Filho[10]), elementos (Di Pietro, Diogo Moreira Neto[11]),  ou requisitos de validade (Helly Lopes Meirelles[12]). Esses são os diferentes termos sucitados pelos doutrinadores para tratar dos pressupostos de validade do ato administrativo. Na verdade, sob a ótica do que avalia Carvalho Filho, nenhum dos termos ora mencionados parecem ser satisfatórios: Elemento significa algo que integra uma determinada estrutura, ou seja, faz parte do ‘ser’ e se apresenta como pre suposto de existência. Requisito de validade, ao revés, anuncia a exigência de pressupostos de validade, o que só ocorre depois de verificada a existência. Ocorre que, entre os cinco clássicos pressupostos de validade do ato administrativo, alguns se qualificam como elementos (v.g., a forma), ao passo que outros têm a natureza efetiva de requisitos de validade (v.g., a competência).[13] Ao que se pese é que, independente da terminologia adotada para denominar os aspectos principais de um ato administrativo, o que se consigna é que tais elementos são os pressupostos necessários e essenciais para a validade do ato. Por consequência, caso este seja praticado sem a observância de quaisquer um dos cinco elementos principais que o compõe, quais sejam competência, forma, objeto, motivo e finalidade, estará ele viciado. Vale acrescentar que para a ilegalidade do ato basta que apenas um desses pressupostos não sejam observados quando da criação ou prática do mesmo. Avançando sobre a classificação  dos elementos do ato, será utilizada a definição colacionada no artigo 2º, da Lei da Ação Popular[14]. Senão vejamos: Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de: Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas: Assim, de forma sucinta, podemos definir competência (sujeito) como o poder legal conferido ao agente para o desempenho de suas atribuições; finalidade do ato é voltada ao interesse público, segundo o que está previsto especificamente na lei que o ato se fundamenta; forma é o modo de exteriorização do ato; objeto (conteúdo) é aquilo que o ato determina, o efeito que ele desejar causar. Por fim o motivo, sobre o qual nos debruçaremos com mais atenção, é a situação e fato ou de direito que gera a vontade do agente em praticar o ato, ou seja, são a causa e os requisitos previstos na norma que autorizam a sua criação. 1.1.1 O motivo do ato Pontua o professor Mateus Carvalho que, para a prática do ato administrativo, deve haver uma coincidência entre a situação prevista em lei como necessária à precipitação da conduta estatal e a circunstância fática. Para alguns doutrinadores, a congruência entre os motivos que deram ensejo à prática do ato e seu resultado recebe o nome de causa do ato administrativo, configurando-se pressuposto de validade da conduta[15]. Dedução lógica se faz é que o motivo deve ser correlato com aquilo que se prevê em lei (ou vinculado a lei) ou dentro dos limites de discricionariedade por ela impostos. Carvalho Filho subdivide o elemento motivo em motivo de fato – a própria situação que ocorreu no mundo dos fatos, que não tem descrição na norma legal –  e motivo de direito – a situação prevista em lei que motiva a vontade da administração[16]. Destaca-se ainda que o motivo do ato difere da motivação. O primeiro é o pressuposto de validade do ato, o seu elemento constitutivo. Já a motivação representa tão somente a exposição dos motivos do ato, ou seja, a formalização desse. Para melhor visualização da diferença tem-se, por exemplo, a situação em que a lei diz que o motivo para aplicação da multa é estacionar em local proibido, o agente de trânsito pode multar apenas referindo-se ao artigo legal, mas, se além dessa referência, fundamentar o ato, escrevendo no boletim de ocorrência o motivo da aplicação da multa, estará motivando o ato. Alguns ponderam ainda que a motivação se faz obrigatória pelo disposto no artigo 50, da Lei nº 9.784/99 – “os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos”. Ou seja, a motivação nada mais seria que a forma de explicar o motivo de um ato, isto é, a razão pela qual a Administração pretende praticá-lo. E, nesse sentido, segue a jurisprudência, a exemplo tem-se a súmula 684, do STF ao dispor que “é inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público”. Sobre a motivação do ato é o que fundamenta o mencionado artigo da Lei de Procedimento Administrativo: Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: […] Ademais, há o que a doutrina chama de motivação aliunde, sendo definida como situações em que a motivação do ato não precisa estar necessariamente expressa no texto que autoriza e fundamenta a sua prática. Nesse caso, o ordenamento jurídico brasileiro autoriza o administrador público ou o particular que ao agir com essas prerrogativas, remeter a motivação aos fundamentos apresentados em um ato administrativo anteriormente praticado com o mesmo objeto. Por fim, o que se deve destacar é que o motivo, enquanto pressuposto essencial do ato administrativo, é, realmente, obrigatório. Sem ele o ato é ilegal e nulo. E isso se dá exatamente porque é impossi´vel aceitar a existência de uma ato administrativo que tenha sido elaborado sem preocupar-se em tracejar a situação de fato que o motivou. Veja que o caráter essencial visto no motivo não é preponderante quando se trata do elemento motivação: Já vimos ser afirmado que o ato é invalido porque deveria ter motivação e que, apesar disso, não se teria encontrado a justificativa. Ora, a motivação não significa a falta de justificativa, mas a falta desta dentro do texto do ato. A simples falta de justificativa ofenderia a legalidade por falta de motivo, o que pe coisa diversa, até porque o motivo pode ser encontrado fora do ato (como, por exemplo, quando a justificativa está dentro do processo administrativo). entendemos mesmo que, por amor à precisão e para evitar tanta controvérsia, deveria ser abandonada a distinção, de caráter meramente formal, para considerar-se como indispensável a justificativa do ato, seja qual for a denominação que se empregue.[17] 1.1.2. Teoria Dos Motivos Determinantes A teoria dos motivos determinantes, como uma das vertentes do motivos para a prática do ato administrativo, determina que a validade deste depende da veracidade dos motivos expressos para a sua realização. Assim, quando o ato for motivado, a sua validade dependerá da veracidade da situação demonstrada na motivação. Dessa forma, se uma pessoa for removida alegando-se o aumento do volume de trabalho em outra unidade administrativa, mas for comprovado que não ocorreu esse aumento de volume de trabalho, o ato de remoção poderá ser invalidado. Tal raciocínio corrobora o posicionamento do professor Mateus Carvalho ao dispor que a Teoria dos Motivos Determinantes define que os motivos apresentados como justificadores da prática do ato administrativo vinculam este ato e, caso os motivos apresentados sejam viciados, o ato será ilegal. Ora, se o fundamento dado para a prática do ato estiver viciado, será determinada a sua ilegalidade, estando este passível de anulação, pelo que veremos a seguir.   Na formação de um ato administrativo  pode acontecer que algum de seus elementos contenha vícios. Por exemplo, o vício de competência (sujeito) se dá quando o ato foi praticado por uma autoridade incompetente; o vício de finalidade ocorre quando o ato é praticado com finalidade diversa daquela prevista juridicamente para ele. Já o vício de objeto se dá quando se realiza o ato com conteúdo diverso daquele previsto em lei; e o vício de forma se concretiza no momento em que um ato é praticado com omissão ou inobservância das formalidades indispensáveis para a sua formação, por exemplo, a aplicação de um processo administrativo sem a observância do contraditório ou a concessão do direito de defesa. Cumpre salientar que, quando da ausência de motivação para a prática do ato, ocorrerá um vício de forma, já que, nesse caso, o ponto em específico não está nos motivos em si, mas na não apresentação destes, ou seja, na falta de motivação, o que prejudica o elemento forma do ato. Por fim, o vício de motivo se implementa quando um ato é praticado com base em um motivo que é ilegítimo para dar causa àquele ato, ou ainda quando o motivo alegado é inexistente. Nesses casos, por decorrência de vícios no ato administrativo, este será passível de anulação, também chamada de invalidação, caracteriza-se pelo desfazimento do ato administrativo em virtude da ilegalidade ocasionada em decorrência do ato viciado. 2.1. A anulação do ato pela via judicial A anulação dos atos eivados de vícios é um poder-dever da Administração Pública que os elaborou e poderá ser feito de forma direta – sob o fundamento do seu poder de autotutela, qual seja o de revisar os atos por ela emitidos, podendo revogá-los (conveniência e oportunidade) ou anulá-los (em razão da ilegalidade) -, conforme consagram as súmulas 346 e 473 do STF. Senão vejamos: Súmula 346. A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. […] Súmula 473. A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a pareciação judicial. Via de regra, a anulação é um dever da Administração, mas também pode ser realizada pelo Poder judiciário, por meio de uma ação judicial com essa finalidade. Quando judicializadas tais questões, serão analisados se os requisitos legais do ato foram cumpridos, ou seja, a análise judicial vincula-se apenas à previsão legal, se esta foi respeitada ou não. A anulação de um ato administrativo pelo poder judiciário só se dá pelas razões de ilegalidade e não por critérios de conveniência e oportunidade  (possibilidade concedida à Administração Pública).   Como forma de demonstrar a presença dos vícios de motivo dos atos dentro da  realidade administrativa, bem como o procedimento a ser tomado quando averiguada a existência dos mesmos, é que se passará a analisar o caso a seguir . O Ministério Público de Alagoas, por meio da 66ª Promotoria de Justiça da Capital, na defesa de interesse da coletividade, propôs um Ação Civil Pública com pedido de tutela provisória de urgência[18] contra o Departamento Estadual de Trânsito de Alagoas (DETRAN/AL) e a Superintendência Municipal de Trânsitos e Transportes de Maceió-AL, com o objetivo de declarar a nulidade da instalação de equipamentos de fiscalização eletrônica (“pardais”) na capital alagoana, sob o fundamento de que a municipalidade não cumpriu os requisitos previstos na Resolução 396/2011 do CONTRAN[19], concernentes à imprescindibilidade de realização de estudos técnicos que fundamentassem a instalação dos mesmos. Aqui não adentraremos nos meandros processuais, concentrado o estudo na liminar deferida pelo MM. Juiz Manoel Cavalcante de Lima Neto, que declarou a nulidade de todos os atos administrativos que autorizaram as instalações de radares eletrônicos na capital (equipamentos nº 5271 a 5310), bem como a retirada imediata dos mesmos. No processo judicial, garantido o contraditório, foram apresentados os estudos técnicos conforme exigência prescrita na Resolução do CONTRAN. No entanto, segundo dispõe a sentença de deferimento da liminar, verificou-se que a instalação dos radares de fiscalização eletrônica (“pardais”) de números 5271 a 5310 foi eivada de vícios, “tendo em vista que, em realidade, restou comprovado que não existiam os estudos necessários anteriormente à sua implantação.” Dispõe o MM juízo da Fazenda Pública Estadual de Alagoas que: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. INSTALAÇÃO DE RADARES DE FISCALIZAÇÃO ELETRÔNICA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDOS TÉCNICOS PRÉVIOS, CONFORMA RESOLUÇÃO Nº 396/2011 DO CONTRAN, JUSTIFICANDO A INSTALAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS. COMPROVAÇÃO DE INVALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVOS, ANTE O NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE FORMA E MOTIVO. INVALIDADE DO CONTRATO ADMINISTRATIVO A PARTIR DA DECISÃO QUE CONCEDEU A LIMINAR. SENTENÇA QUE TEVE COMO FUNDAMENTOS AS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.655/2018. IMPOSIÇÃO DAS MEDIDAS DE INVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO E DO CONTRATO. […] Dessa forma, o motivo dado pela municipalidade para a instalação dos “pardais”, seria, precipuamente, que os radares eletrônicos serviriam para controle da velocidade dos automóveis e consequente redução de acidentes na vias instaladas. Em termos, o que aconteceu na presente situação é que a Administração determinou a instalação dos “pardais” à tentaiva de redução de acidentes no local, mas não trouxe nenhum estudo técnico que comprovasse que os locais de instalação dos radares eram pontos de acidentes de trânsito. O que se nota é que o presente caso revela um vício do ato administrativo ligado não apenas à forma, mas, principalmente, ao motivo que determinou tanto o ato administrativo de contratação com as empresas que fornecem os radares, quanto a tudo que desse ato decorre, posto que se não houve uma fundamentação técnica necessária para a realização do ato, o motivo que o determina não existe, restando um vício de legalidade passível de controle pelo judiciário e, portanto, passível de anulação.                  A anulação de um ato administrativo eivado de vícios que comprometem a sua legalidade tem efeitos ex tunc, ou seja, efeitos retroativos que atingem todos os demais atos dele decorrentes. Segundo se acolhe da decisão judicial ao deferir a liminar em sede da Ação Civil Pública, declarando-se a invalidade do ato de instalação dos radares, decorrente do reconhecimento da nulidade dos estudos técnicos, deve-se precisar se o contrato de prestação de serviço também é inválido. Tendo em vista que o contrato se originou da suposta necessidade de instalação dos equipamentos e verificando que a motivação do ato estava viciada, infere-se que o contrato também possuía vícios em sua origem. É o que se colaciona da decisão[21]: Quanto ao contrato, houve vício de motivo, que se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido. Se o motivo que ensejou na contratação foi justamente a necessidade de instalação dos equipamentos, que deveria ter sido comprovada por meio dos estudo técnicos, e se esses estudos foram nulos, o contrato também foi enviado de vícios. Superando a invalidade dos atos em questão, posto que vastamente fundamentados, passaremos a definir o alcance dessa decisão, que conforme dissemos no início desse item, será retroativo, atingindo o ato desde o seu surgimento. No caso em tela, o efeito prático da extensão da anulação dos atos administrativos será a seguinte: […] todas as infrações de trânsito que tiverem sido impostas em decorrência dos referidos radares são também consideradas nulas e, portanto, os valores eventualmente pagos deverão ser ressarcidos administrativamente, desde que comprovada a autuação e o respectivo pagamento; os pontos nas CNHs decorrentes de tais multas são nulos, razão pela qual não podem ser contabilizados nas carteiras dos alegados infratores. Veja que da decisão de anulação de um ato administrativo quando eivado de vício de legalidade acaba por se estender a todos os atos dele decorrentes, que também serão anulados, considerandos, aqui a proporcionalidade e os direitos dos cidadãos que agiram de boa-fé.   CONCLUSÃO O ato administrativo deve preencher, essencialmente, todos os requisitos impostos na lei, ou dentro dos parâmetros legalmente previstos, só sendo válido se possuir os seguintes pressupostos: competência (sujeito) da autoridade, forma, objeto, motivo e finalidade. Na medida em que aflora a pretensão de observância de requisitos específicos, em contrapartida se reforça a necessidade de convincente demonstração pautada por método o mais claro e objetivo possível quepermita o seu controle tanto admnistrativo (legalidade; conveniência e oportunidade) e judicial (legalidade). No que tange o motivo do ato administrativo importante se faz as seguintes pontuações: motivos são os fundamentos que dão razão ao ato, ou seja, os fundamentos em que o ato administativo se baseia. Compreende os pressupostos fáticos e jurídicos que concretizam o ato administrativo na ralidade. O motivo pode ser considerado o impulso que condiciona a formação do ato administrativo. Em outros termos, é o evento que faz nascer a obrigação de o Estado, agindo por meio da prática de um ato jurídico. Já  a motivação  nada mais é do que a forma de explicitação dos motivos, ou seja, é o método utilizado para exetirorizar o porquê se pratica ou se deixa de praticar determinado ato, pode ser reputada como sendo a justificação do ato. O que se infere é que a motivação pode ser tida como uma manifestação de motivos, a formalização desses. Assim, quando ausentes algum desses elementos, aqui priorizando o motivo, tanto a Administração quanto o Poder Judiciário pode ser sujeitos de direito para provomer a anulação (desfazimento) do ato eivado de vícios, do ato ilegal. No caso apresentado, o controle judicial de legalidade foi acionado através de uma Açaõ Civil Pública, onde, em sede de liminar, restou comprovado que o ato que determinava a instalação de certos equipamentos de fiscalização eletrônica na capital alagoana não preencheu todos os seus requisitos para sua validação – no caso o elemento motivo -, levando a declaração de nulidade do ato de instalação dos “pardais” e, por consequência dos efeitos retroativos dessa decisão, a consequente nulidade das multas e dos pontos registrados nas CNHs dos multados. O que se infere do caso estudado é que Poder Judiciário pode controlar os atos expedidos pela Administração Pública e decidir pela anulação destes quando pautados de ilegalidade, tendo tal decisão efeito ex tunc (retroativo). Impende destacar, ainda, que os direitos dos admnistrados, em razão do ato ser praticado em razão do interesse público, devem ser sempre resguardados e deve ser aplicado o juízo de valor quando da anulação de um ato. Ou seja, deve ser avaliado se a anulação do ato gerará mais prejuízos ou benefícios aos cidadãos por ele atingidos, diante da retroatividade da decisão de desfazimento do mesmo. Voltando-se para a Ação Civil Pública apresentada a título de exemplificação, a anulação dos atos del decorrentes trouxe, por óbvio, benefícios à população. Faz-se necessário ressaltar que a decisão proferida pelo MM juízo não impede a implementação de outros radares eletrônicos no município de Maceió. Até porque, a sentença permite a retirada de apenas alguns equipamentos, pelo fato de não ter sido realizado o prévio estudo técnico que motivasse a instalação dos mesmos. Ora, se o ato estiver devidamente motivado e todos os requisitos preenchidos, em conformidade com os ditames legais, vinculados ou na margem de discricionariedade permitida, não há razão para que estes recaiam em ilegalidade. É o que corrobora a doutrina e vastas decisões judicais, além da Lei nº 13.655, de 25 de abril de 2018, que incluiu à Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disposições sobre segurança jurídica e eficiência para pautar a atividade de criação e aplicação do direito público, nas esferas administrativa, controladora e judicial. Portanto, um ato pode ser anulado quando falta alguns dos seus elementos, pelo que resguarda a legalidade e segurança jurídicas. No entanto, essa anulação não impede que o outro ato, quando preenchido todos os seus requisitos, seja elaborado, levando-se em consideração, para tal “refazimento”, as consequências e os efeitos da decisão que anulou o ato anterior.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-anulacao-do-ato-administrativo-por-vicio-no-motivo-consequencias-na-realidade-administrativa-sob-a-otica-da-lei-no-13-655-2018/
Vinculação do Valor Total do Contrato Administrativo, Incluídas as Prorrogações, Aos Limites da Modalidade Licitatória Que Lhe Deu Origem
O presente trabalho buscará abordar um dos temas mais polêmicos no âmbito das licitações e contratos administrativos, regidos pela Lei 8.666/93. Por meio de revisão bibliográfica, serão expostos os principais argumentos, favoráveis e contrários, acerca da vinculação do valor total dos contratos administrativos, somadas as possíveis prorrogações, à modalidade licitatória que antecedeu a contratação. Argumentos estes, consistentes em decisões das Cortes de Contas, posicionamentos doutrinários de grandes nomes do direito administrativo e na letra da própria Lei de Licitações e Contratos. Por meio dessa tríade – lei, jurisprudência e doutrina -, restará demonstrado que não existe no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma norma que obrigue a observância aos valores das possíveis e eventuais prorrogações contratuais, para fins de escolha da modalidade licitatória.
Direito Administrativo
Introdução Dentre os temas mais controversos relacionados às contratações públicas, está a discussão acerca da possibilidade de se prorrogar contratos administrativos, cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, quando tal prorrogação ocasionar a desobediência aos limites de valor estabelecidos, em lei, para a modalidade licitatória que antecedeu a contratação. A Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabelece limites de valor para algumas das modalidades nela elencadas, sendo pacífico o entendimento de que a contratação original deve obedecer a eles. Todavia, a mesma lei que estabelece tais parâmetros, faculta em alguns casos, a prorrogação dos compromissos, por iguais e sucessivos períodos, até o limite de 60 (sessenta) meses, podendo chegar a 72 (setenta e dois), em casos excepcionais. Diante disso e das divergências em âmbito doutrinário e jurisprudencial, se questiona: a Administração pode proceder à prorrogação de prazo dos ajustes de duração continuada, na hipótese da soma dos pagamentos efetuados ao contratado, no período da prorrogação, acrescida ao valor inicial do contrato, vir a extrapolar o limite previsto para aquela licitação? Partindo desta premissa, o presente artigo buscará expor as diferentes interpretações, por meio de revisão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, a fim de demonstrar que não há nenhuma exigência no diploma legal que rege as licitações e contratações públicas, acerca da necessidade de se observar os limites da modalidade licitatória que deu origem à contratação, quando houver necessidade de dilação do prazo contratual pela Administração. A lei apenas estabelece que, a prorrogação dos contratos, cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, seja pautada na busca pela obtenção de preços e condições mais vantajosos para a Administração.   A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, ao tecer diretrizes gerais para a administração pública, estabelece o seguinte: “Art. 37 […] XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (BRASIL, 2017, grifo nosso) O texto constitucional foi enfático ao estabelecer que a regra para qualquer contratação a ser realizada pela Administração, é que tal compromisso seja precedido do devido processo licitatório, nos termos da lei, ressalvados os casos especificados por ela. Em 22 de junho, de 1993, foi publicada a Lei 8.666, a fim de instituir normas gerais sobre licitações e contratos administrativos. A lei geral de licitações manteve, como regra, a obrigação de licitar, elencando as hipóteses de exceção, que seriam as licitações dispensadas, dispensáveis e inexigíveis. O artigo 2º da Lei, é muito claro ao estabelecer que: “Art. 2o  As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.” (BRASIL, 2017, grifo nosso) Para fins de regulamentar as condições de realização destes processos licitatórios, a Lei 8.666/93, dentre outras normas, estabeleceu modalidades de licitação, que deveriam ser adotadas de acordo com a natureza do objeto ou do valor estimado para a futura contratação.   Dentre as diretrizes gerais para licitações e contratações estabelecidas pela Lei de Licitações, está a especificação de modalidades licitatórias que, como já dito, devem ser adotadas de acordo com o objeto, ou levando em consideração o valor estimado para a contratação. O artigo 22 elenca tais modalidades, como sendo: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão. O artigo 23, por sua vez, traz os limites[1] a serem observados para a adoção de cada modalidade: “Art. 23.  As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação: I – para obras e serviços de engenharia II – para compras e serviços não referidos no inciso anterior:  Como se pode observar, as modalidades licitatórias denominadas convite e tomada de preços, são as únicas que possuem limitação de valor como requisito para sua adoção, em razão do valor estimado da contratação. Este valor estimado será definido de acordo com a média de preços apurada mediante pesquisa de mercado junto aos fornecedores, de bens ou serviços, cuja atividade seja compatível com o objeto a ser licitado. Isto implica dizer que, caso a pesquisa de preços aponte que o valor está acima daquele estabelecido como teto para a modalidade, ela não poderá ser adotada. 2.1.  Tomada de Preços A Lei de Licitações estabelece que tomada de preços é uma modalidade de licitação entre interessados devidamente cadastrados ou, no caso de não estarem cadastrados, que procedam o cadastro até o terceiro dia anterior à data marcada para a apresentação das propostas. E como visto no dispositivo citado, para a contratação de obras e serviços de engenharia, é possível a adoção dessa modalidade, desde que não seja ultrapassado o valor de R$1.500.000,00 ( um milhão e quinhentos mil reais) e para a aquisição de bens ou outros serviços, desde que a futura contratação não extrapole o limite de R$650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais). 2.2  Convite Ainda de acordo com a Lei 8.666/93, o convite é a modalidade entre interessados do ramo pertinente, podendo participar mesmo aqueles não cadastrados. A unidade administrativa deverá escolher e convidar pelo menos 03 (três) dentre os interessados, devendo estender o convite também àqueles que manifestarem interesse no certame com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da data estabelecida para a apresentação das propostas. Trata-se da modalidade mais simples, dentre as elencadas na Lei 8666/93, e com os limites mais baixos. Só poderá ser adotada, quando o valor estabelecido, mediante pesquisa de mercado, não extrapolar os limites estabelecidos em lei, consideradas as atualizações trazidas pelo Decreto Federal nº 9.412/18.   Além de diretrizes gerais para as licitações, a Lei 8666/93 também estabelece normas para os contratos administrativos e os define como sendo: “Art. 2o  […] Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”  (BRASIL, 2017, grifo nosso) Assim, independentemente da denominação utilizada, sempre que houver ajuste de vontades entre a administração pública e particulares, em que se estipule prestações de um lado e contraprestações de outro, estar-se-á diante de um contrato. 3.1. Prorrogação dos contratos A Lei de Licitações, em seu artigo 57, caput, estabelece que a vigência dos contratos, por ela regidos, deverá ficar adstrita à vigência do respectivo crédito orçamentário. O art. 34 da Lei 4.320/64, por sua vez, estabelece que o exercício financeiro coincidirá com o ano civil. Em outras palavras, os contratos administrativos, em regra, deverão viger até o dia 31 de dezembro do ano em que foram firmados. Cumpre ressaltar, no entanto, que o mesmo artigo que veda que os contratos regidos pela Lei 8666/93 tenham o seu prazo de vigência estendido para além do exercício financeiro, traz em seus incisos algumas exceções, conforme segue: “Art. 57.  A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos: I – aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório; II – à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses;  III – (Vetado).  IV – ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato. V – às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração.”  (BRASIL, 2017, grifo nosso) Ou seja, nos casos especificados como exceções ao caput do art.57, os contratos não só poderão se estender para além do crédito orçamentário, como poderão ter a sua duração prorrogada. A primeira exceção diz respeito aos contratos, cujos objetos estejam contemplados nas metas do plano plurianual. Neste caso, além de a lei possibilitar que se ultrapasse o exercício financeiro, permite ainda que, desde que tenha sido devidamente previsto no instrumento convocatório, se prorrogue o contrato quando houver interesse da administração pública. Esta exceção observa a regra contida no artigo 167, §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece que caso não haja prévia inclusão no plano plurianual, ou lei que autorize tal inclusão, nenhum investimento cuja execução ultrapasse o exercício financeiro poderá ser iniciado. O plano plurianual, de acordo com Diógenes Gasparini: “(…) é a lei que define os investimentos e as despesas correspondentes de duração superior ao exercício financeiro ou, nos termos do §1° do art. 165 da Constituição Federal, é a lei que estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para as despesas de capital e outras dela decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.” (GASPARINI, 2009, p.713. Além da exceção contida no inciso I, do art. 57, temos os contratos cujo objeto seja o aluguel de equipamentos e a utilização de programas de informática, que também podem ter sua duração programada para além do crédito orçamentário e, ainda, serem prorrogados por até 48 (quarenta e oito) meses. Outra hipótese que se figura como exceção à regra contida no caput do dispositivo, em análise, diz respeito àqueles contratos oriundos de processos de dispensa em razão do comprometimento da segurança nacional e da necessidade de aquisição de material de uso pelas Forças Armadas, dentre outros. Nestes casos, havendo interesse da Administração, poderão os contratos ter sua vigência estendida por até 120 (cento e vinte) meses. Todavia, dentre todas as situações contidas nos incisos do art.57 da Lei 8666/93, a que interessa ao presente estudo, é aquela do inciso II, relativa aos serviços de natureza contínua. De acordo com o dispositivo, os contratos que tenham por objeto a prestação de serviços a serem executados de forma contínua, além de não terem sua vigência adstrita ao respectivo crédito orçamentário, poderão ser prorrogados até o limite de sessenta meses. 3.1.1 Serviços de natureza contínua Para melhor entendermos os contratos, cujo objeto seja a prestação de serviços de execução continuada, necessária se faz uma análise acerca do que são esses serviços. Diógenes Gasparini nos ensina que: “[…] serviço de execução contínua é o que não pode sofrer solução de continuidade na prestação que se alonga no tempo, sob pena de causar prejuízos à Administração Pública que dele necessita. Por ser de necessidade perene para a Administração Pública, é atividade que não pode ter sua execução paralisada, sem acarretar-lhe danos. É, em suma, aquele serviço cuja continuidade da execução a Administração Pública não pode dispor, sob pena de comprometimento do interesse público.” (GASPARINI, 2002, p.2) Em outras palavras, os serviços, para que sejam considerados de natureza contínua, devem atender a uma necessidade permanente da administração pública. E mais além, eles devem ser essenciais ao bom andamento das atividades do órgão ou entidade. Uma vez paralisados, pode haver prejuízos à Administração. E outro não foi o entendimento exarado pelo Ministro do Tribunal de Contas da União, Aroldo Cedraz, em decisão proferida em 2008: “[…] Importante mencionar ainda, a conceituação trazida por Ivan Barbosa Rigolin: “Serviço contínuo ou continuado significa aquela espécie de serviços que corresponde a uma necessidade permanente da administração, não passível de divisão ou segmentação lógica ou razoável em unidades autônomas, nem módulos, nem fases, nem etapas independentes, porém prestados de maneira seguida, ininterrupta e indiferenciada ao longo do tempo, ou de outro modo posto à disposição em caráter permanente, em regime de sobreaviso ou prontidão.” (RIGOLIN, 1999, p. 12) Sendo assim, sempre que um serviço atender a uma necessidade permanente da Administração, caracterizando-se como rotineiro e essencial para assegurar a integridade de suas funções e a sua interrupção puder causar prejuízo às atividades finalísticas do ente administrativo, estar-se-á diante de um serviço de natureza contínua. E o fato de ele se caracterizar como sendo de execução continuada, possibilita à Administração estender o seu lapso temporal para além do ano civil e, ainda, prorrogá-lo por iguais e sucessivos períodos até o limite de 60 (sessenta) meses.   Conforme explicitado no decorrer do presente artigo, a Lei 8666/93 estabelece em seu art.23, limites para as modalidades tomada de preços e convite. Tais limites, consideradas as atualizações trazidas pelo Decreto nº 9.412/18, devem, invariavelmente, ser observados para fins de contratação pela administração pública, tendo em vista o seu valor estimado. Isto quer dizer que se a pesquisa de preços apontar que o valor médio de determinado serviço irá ultrapassar o limite legal para a modalidade convite, por exemplo, ela não poderá ser adotada para fins de contratação pela Administração, que deverá optar por uma modalidade mais solene. Quanto a isto, não há controvérsias, até porque a adoção de uma modalidade inferior, em detrimento da modalidade adequada, infringe a regra contida no art. 23. As divergências de posicionamento surgem, quando da prorrogação dos contratos administrativos, em especial, aqueles cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua. Parte da doutrina afirma que, para fins de escolha da modalidade licitatória, se deve observar todo o lapso temporal do futuro contrato, incluídas as possíveis prorrogações. E outra corrente, esta dominante, defende a tese de que a escolha da modalidade licitatória, para fins de futura contratação pela administração pública, deve observar, tão somente, o valor estimado, mediante pesquisa de mercado, para a contratação original, excluídas as eventuais prorrogações. A segunda corrente se apresenta como sendo a mais coerente, uma vez que diferentemente do que ocorreu no art. 23, que definiu que as modalidades licitatórias seriam determinadas mediante o valor estimado da contratação, o art. 57, II, da lei geral de licitações, apenas estabeleceu que a prorrogação dos contratos, cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, deve ser realizada com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração pública. Em nenhum momento a Lei 8666/93, determinou que, para fins de se adotar tais prorrogações, deveria haver a observância aos limites previstos para a modalidade licitatória que antecedeu o contrato. O ilustre doutor Diógenes Gasparini nos demonstra que entendimento contrário a este poderia trazer dificuldades para a administração, sem nenhum amparo legal, como segue: “Entendimento contrário, certamente equivocado, vedará a maioria das prorrogações, especialmente as calcadas no inciso II, do art. 57, da Lei federal de licitações e contratos da Administração Pública, bastando que assim aconteça que o valor estimado do contrato esteja próximo do piso da modalidade licitatória superior (convite próximo da tomada de preço). A exigência de se manter o somatório do contrato e da prorrogação dentro da modalidade de licitação escolhida para a contratação, não se afeiçoa a letra da lei, pois nada nesse sentido foi prescrito. Também não se amolda ao espírito da lei, preordenado, no caso, a propiciar preços e condições mais vantajosas para a Administração Pública.” (GASPARINI, 2002. 27p.) Gasparini (2002) ainda enfatiza que tal interpretação reduziria, em muito, a possibilidade de a Administração se utilizar da prorrogação dos contratos com fulcro no art.57, II, da Lei 8666/93. O renomado jurista Marçal Justen Filho é defensor da corrente contrária. Segundo ele, nos contratos cujo objeto seja a prestação de serviços de natureza contínua, ou seja, aqueles em que existe a possibilidade de prorrogação, deve-se adotar a modalidade que corresponda ao contrato e às respectivas prorrogações: Outra questão que desperta dúvida envolve os contratos de duração continuada, que comportam prorrogação. A hipótese se relaciona com o disposto no art. 57, inc. II. Suponha-se previsão de contrato por doze meses, prorrogáveis até sessenta meses. Imagine-se que o valor estimado para doze meses conduz a uma modalidade de licitação, mas a prorrogação produzirá superação do limite previsto para a modalidade. Emtais situações, parece que a melhor alternativa é adotar a modalidade compatível com o valor correspondente ao prazo total possível de vigência do contrato. Ou seja, adota-se a modalidade adequada ao valor os sessenta meses. Isso não significa afirmar que o valor do contrato, pactuado por doze meses, deva ser fixadode acordo com o montante dos sessenta meses. São duas questões distintas. O valor do contrato é aquele correspondente aos doze meses. A modalidade de licitação deriva da possibilidade da prorrogação. (JUSTEN FILHO, 2000. p. 211, grifo nosso) Como se pode notar, parece que nem mesmo o renomado jurista tem certeza quanto à necessidade, ou não, de se observar o valor de eventuais prorrogações, para fins de escolha da modalidade licitatória adequada, uma vez que ele diz que lhe “parece ser a melhor alternativa”. O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais adota a mesma linha de raciocínio de Marçal. Isto ficou claro em resposta do TCE/MG a dúvidas frequentes, relacionadas à prorrogação de contratos administrativos, quando se posicionou da seguinte forma: “2. A possibilidade de prorrogação da vigência do contrato administrativo deve ser considerada, em termos de períodos e valores, na escolha da modalidade licitatória? Sim, para a definição da modalidade de licitação, com base nos limites estabelecidos nos incisos I e II do art. 23 da Lei nº 8.666/93, deve ser considerado pelo gestor público todo o período da contratação. É o caso, por exemplo, de um contrato administrativo para prestação de serviços, estimado em R$50.000,00 (cinquenta mil reais), para um prazo de 12 (doze) meses. Na hipótese dos serviços serem de natureza contínua, cujos contratos admitem prorrogações sucessivas até o limite de 60 (sessenta meses), nos termos do inciso II do art. 57 da Lei nº 8.666/93, deve-se levar em conta o valor estimado para todo o período em que a contratação possa vigorar, qual seja, R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Assim, nesse caso, estaria vedada a licitação na modalidade convite. Sobre o assunto, segue entendimento proferido nas Representações de n os 735337, 735338 e 735490, da relatoria do Conselheiro Substituto Licurgo Mourão, apreciadas na Sessão do dia 24/07/2007 (Revista do TCEMG, Edição Especial, A Lei 8.666/93 e o TCEMG, p. 237/238): “Definição do valor da contratação para fins de escolha da modalidade e de verificação da obrigatoriedade da realização de audiência pública deve levar em conta a prorrogação automática prevista no art. 57, II da Lei de Licitações.” (MINAS GERAIS, 2017, p.01, grifo nosso) Do mesmo entendimento, não pareceu compartilhar o Tribunal de Contas da União: A administração pública está obrigada a bem planejar suas contratações de bens e de serviços, o que implica estimar corretamente suas necessidades em prazo razoável, evitando dessa forma o parcelamento das compras e dos serviços em várias licitações. Efetuado o planejamento com o rigor e a seriedade devidos, a prorrogação dos contratos decorrentes deverá observar tão somente preços e condições mais vantajosos, nos termos do art. 57, II, da Lei n.o 8.666/93, não podendo ser obstada por meramente acarretar extrapolação da faixa de preços em que se enquadrou a modalidade licitatória de origem. (BRASIL, 2010) Entretanto, são as palavras de Ivan Barbosa Rigolin que se mostram as mais contundentes e esclarecedoras em relação à desnecessidade de se somar os valores de eventuais prorrogações para fins de escolha da modalidade licitatória cabível: A escolha da modalidade, entretanto, terá sido acertada se a contratação resultante da licitação havida puder  ficar dentro dos limites de valor daquela modalidade, e a escolha da modalidade terá sido desrespeitada se a contratação originária exceder aqueles limites de valor – hipótese evidentemente proibida. Apenas para se eleger a modalidade licitatória adequada se previu, estimativamente, o valor originário do contrato. Nada, entretanto, na redação da lei, nem por princípio, nem em tese, nem muito menos no ‘espírito da lei’ – expressão que a nosso ver precisaria ensejar processo por vadiagem intelectual – nada em absoluto no direito positivo vincula a observância do limite de valor da modalidade por toda a extensão temporal que venha a ter o contrato. (RIGOLIN, 1998, p.393-395, grifo nosso) Rigolin (1998) deixa muito claro que, para fins da escolha da modalidade, é imprescindível que se observe o valor estimativo da contratação original. Mas é incisivo e esclarecedor ao afirmar que não existe na legislação vigente, nenhum elemento que determine a soma do valor do contrato original ao valor das respectivas prorrogações, para fins de escolha da modalidade licitatória cabível. Se a lei geral das licitações e contratos administrativos não determina a adoção de tal critério, não serão as interpretações inadequadas e equivocadas, jurisprudenciais e doutrinárias, acerca do texto legal, que tornarão a observância de tal medida obrigatória.   Conclusão Diante dos argumentos apresentados, resta clara a desnecessidade de se observar o valor relativo à totalidade da contratação de serviços de execução continuada, incluídas as possíveis prorrogações. Como a própria lei estabelece, a prorrogação de contratos administrativos dessa natureza é uma faculdade conferida à administração pública, não havendo nenhuma obrigatoriedade de que venha a ocorrer. Trata-se de uma possibilidade dada à Administração e mera expectativa ao contratado. Não se discute aqui, em momento algum, que a contratação original deve estar totalmente dentro das limitações de valor impostas à modalidade que a antecedeu. A lei 8.666/93 é transparente ao determinar que algumas modalidades licitatórias têm sua aplicabilidade limitada a valores e, que a sua adoção deve se dar tendo como base o valor estimado da contratação. Todavia, quando a Lei estabelece as possibilidades de prorrogação, em especial, dos serviços de natureza contínua, ela apenas exige que esta prorrogação se dê pautada na busca pela obtenção de preços e condições mais vantajosos à Administração. Em momento algum, o legislador deu a entender que, para fins das possíveis prorrogações, se deveria observar os limites das modalidades licitatórias que antecederam a contratação. A escolha da modalidade licitatória com base no valor estimado do contrato e as eventuais prorrogações, decorrentes dele, são situações distintas, que receberam tratamento distinto por parte do legislador. Admitir interpretações em sentido contrário e, inclusive, a aplicação de penalidades por parte das Cortes de Contas àqueles gestores que não observarem a essa absurda interpretação da letra da lei, seria o mesmo que conferir poder legiferante a quem não o deveria deter. Sendo assim, não havendo a exigência legal e, considerando que à administração pública só cumpre fazer aquilo que está expressamente previsto em lei, não há nenhum respaldo para se exigir que, para fins de escolha da modalidade licitatória adequada à contratação, se considere os valores relativos às possíveis e eventuais prorrogações.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/vinculacao-do-valor-total-do-contrato-administrativo-incluidas-as-prorrogacoes-aos-limites-da-modalidade-licitatoria-que-lhe-deu-origem/
A Responsabilidade Civil e o Âmbito Militar
O presente trabalho científico tem por preocupação básica a reflexão imposta pela égide do direito civil e administrativo pátrios, com arca bolso em suas legislações, jurisprudências e doutrinas relativa à responsabilidade civil. Este estudo tem como objetivo justificar e criticar a responsabilidade civil, fronte sua aplicabilidade no âmbito da Policia Militar e seus agentes. A pesquisa bibliográfica deste estudo foi pautada nos ensinamentos e subsídios de autores como DINIZ (2003), GONÇALVES (2009) e MAIA (2017).
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O trabalho em desenvolvimento apresenta como tema: “A Responsabilidade Civil e o Âmbito Militar” as respectivas asseverações sobre a problemática e suas consequências fronte a legislação pátria. Inicialmente será abordado o conceito de Responsabilidade Civil, asseverando sobre a relação e o dever de indenizar, sendo está decorrente do direito obrigacional. Por conseguinte serão abordados os pressupostos da responsabilidade civil. Destacam-se as inferências relativas ao ato ou fato; à culpa; ao nexo de causalidade; e ao dano. Dispõe-se também à cerca do nexo de causalidade e suas devidas excludentes de responsabilidade, tais como culpa exclusiva da vítima, culpa exclusiva de terceiro, caso fortuito e força maior. Por fim, serão abordadas as espécies de responsabilidade civil, focalizando ás responsabilidades subjetiva e objetiva. Neste tópico destacaremos as dimensões que englobam a responsabilidade no que tange a Polícia Militar e atuação de seus agentes. Este trabalho se embasou na metodologia dedutiva, quanto a sua organização e estruturação. Fundamentou-se por meio de pesquisas bibliográficas, destacando-se o uso de legislação pátria, como Constituição Federal de 1988, Código Civil de 2002.   1 DEFINIÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL A teoria da responsabilidade civil almeja estabelecer as circunstâncias que propiciam uma pessoa a buscar a reparação dos danos sofridos pelo responsável, bem como estabelecer as hipóteses em que o mesmo será obrigado a repará-lo. O instituto em estudo abrange um conjunto de normas e princípios que regem a relação obrigacional de indenizar, ou seja, de reparar o dano. Ademais, cumpri salientar que a responsabilidade civil irá surgir quando uma obrigação, oriunda da vontade das partes contratantes ou da lei, não se torna perfeita, motivo pelo qual surge o dever de ressarcir o lesado. Carlos Roberto Gonçalves, sobre o conceito da responsabilidade civil, assevera: “O instituo da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.” (GONÇALVES, 2009, p. 02) Maria Helena Diniz, por sua vez, aviventa que: “A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesmo praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.” (DINIZ, 2003, p. 36). Gonçalves afirma, ainda, que: “[…] a responsabilidade civil é patrimonial: é o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações. Desse modo, se o causador do dano e obrigado a indenizar não tiver bens que possa ser penhorados, a vítima permanecerá irressarcida.” (GONÇALVES, 2009, p. 21) Destarte, verifica-se que a causa geradora da responsabilidade civil é o intuito de causar um equilíbrio econômico ou moral decorrente da lesão sofrida pela vítima, colocando-a em situação de igualdade caso o fato pernicioso não tivesse ocorrido.   2 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Os pressupostos da responsabilidade civil são os fatores determinantes para que se faça surgir à obrigação de reparar o ato danoso. Outrossim, a doutrina majoritária estabelece quatro elementos essenciais para sua caracterização, quais sejam: ação ou omissão, culpa do agente, nexo de causalidade e dano sofrido pela vítima, previstos nos artigos 186 e 927 do Código Civil. “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Não se preenchendo os mencionados requisitos inexiste relação jurídica indenizatória. Contudo, na hipótese de responsabilidade civil objetiva os requisitos se restringem a apenas ao ato, ao nexo causal e ao dano, afastando a necessidade de se demonstrar a culpa.   2.1 Ato ou fato Ação é todo ato humano, imputável e voluntário, incluindo-se os praticados com negligência, imprudência ou imperícia, ou ainda as omissões perpetradas pelo agente quando este possuía o dever legal de agir. Entende-se por ação como uma conduta positiva e comissiva que infere a prática de um ato que não deveria de perpetrar. Já a omissão, caracteriza-se pela não realização de uma conduta que deveria ter sido realizada. Para Carlos Roberto Gonçalves (2009, p. 38 e 39), a omissão irá se configurar quando presentes dois elementos: “[…] o dever jurídico de praticar determinado fato e a demonstração de que o dano poderia ter sido evitado se o agente não se omitisse”. A ação ou a omissão poderão ser praticadas tanto pelo próprio agente quanto por um terceiro, desde que este esteja sob sua responsabilidade. Prevista no artigo 932 do Código Civil, a responsabilidade indireta ocorre quando alguém, mesmo na ausência de culpa deste, responde pelos atos ilícitos cometidos por outra pessoa, consoante artigo 933 do referido diploma legal. “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.” “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.” Nesse sentido, a reparação dos danos decorre de uma conduta omissiva ou comissiva do agente que transgride um dever contratual ou legal.   2.2 Culpa A culpa na legislação civil pode ser contratual ou extracontratual. Será contratual quando existir uma relação jurídica obrigacional preexistente, ou seja, sempre que derivar de um contrato. Todavia, será extracontratual se esta for oriunda de uma lei ou preceito geral de direito. A culpa pode ser verificada em stricto sensu, caracterizada pela presença de negligência, imperícia ou imprudência e em latu sensu, quando observada a figura do dolo. Nesse diapasão, Maria Helena Diniz aduz que: “A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido, realmente, querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não ter-se apercebido do seu ato nem medido as suas consequências.” (DINIZ, 2003, p. 42) Salienta-se que a negligência caracteriza-se por ser uma conduta omissiva, enquanto a imperícia é a ausência de aptidão técnica para a prática de determinada atividade. Já a imprudência é a falta de zelo em um comportamento comissivo.  Ademais, vale destacar que a previsibilidade na culpa stricto sensu é a do homem médio, ou seja, aquela que o homem comum poderia prever o perigo e evitar o resultado. O dolo versa sobre ações ou omissões voluntárias, onde se possui uma vontade consciente de profanar um direito, provocando dano a outrem e atingindo o resultado almejado.   2.3 Nexo de causalidade O nexo de causalidade é o vínculo existente entre o dano causado e a ação ou omissão do agente, devendo-se verificar se este dano realmente aconteceria se a ação do lesante não tivesse ocorrido. Cavalieri Filho conceitua nexo de causalidade como: “[…] o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado, devendo-se apurar se o agente deu causa ao resultado antes de analisar se ele agiu ou não com culpa, pois não teria sentido culpar alguém que não tenha dado causa ao dano.” (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 71) O nexo causal é indispensável para a reparação do dano, haja vista que a ausência de liame entre a lesão sofrida pela vítima e a conduta do lesante, não há de que se falar em responsabilidade civil. Urge mencionar que determinas circunstâncias retiram o nexo de causalidade, inocorrendo desta forma a responsabilidade civil, são elas: fato de terceiro, força maior, caso fortuito e culpa exclusiva da vítima.   2.4 Dano A ideia de dano abrange o sentido de perda de alguma coisa, de deterioração, depreciação. É a diminuição patrimonial em virtude da prática de outrem. Configura-se o dano quando ocorre uma lesão ao conjunto de valores juridicamente protegidos do ofendido. Ele estará presente em toda ofensa ou mal que o lesante tenha causado a alguém, seja em razão de uma relação contratual ou extracontratual. Santos assevera que: “Dano é prejuízo. É a diminuição de patrimônio ou detrimento a afeições legítimas. Todo ato que diminui ou cause menoscabo aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece com dor, posto o que nos diminui e reduz.” (SANTOS, 1999, p. 71) Ressalta-se o entendimento de Gandini e Salomão: “Para o dano ser passível de indenização há a necessidade de apuração de alguns requisitos: atualidade, certeza e subsistência. O dano atual é aquele que efetivamente já ocorreu. O certo é aquele fundado em um fato certo, e não calcado em hipóteses. A subsistência consiste em dizer que não será ressarcível o dano que já tenha sido reparado pelo responsável.” (GANDINI e SALOMÃO, 2003) É imprescindível a existência de dano para a caracterização da obrigação de reparar. Caso contrário, iria se configurar a ideia de enriquecimento sem causa, nestes termos Gonçalves aduz: “Sem prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido.” (GONÇALVES, 2009, p. 27). Assim, verifica-se que o dano pode ser fracionando em moral e material. O primeiro atinge a imagem, a honra e a liberdade da vítima, enquanto o segundo causa diminuição no patrimônio do ofendido.   3 NEXO CAUSAL E SUAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE Para a configuração da responsabilidade civil se faz necessário à presença do nexo causal. Todavia sua aplicação ficará prejudicada nas hipóteses em que ficar configurada caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro, situações que excluem o nexo de causalidade. O artigo 393 do Código Civil dispõe dos casos de caso fortuito e força maior, ipsis litteris: “Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.” O caso fortuito decorre de fato alheio às vontades das partes, sendo inevitável e imprevisível, enquanto a força maior provem de acontecimentos da natureza, eventos inevitáveis, podendo ser ou não previsíveis. A culpa exclusiva da vítima caracteriza-se pela ausência de vínculo entre o ato praticado pelo demandado e o dano ocorrido. Assim, comprovada a ausência de liame, fica impossível pleitear eventual indenização, visto que a vítima foi a única responsável pelo ocorrido. O fato de terceiro, ou culpa exclusiva de terceiro, tipifica-se quando a responsabilidade recai a estranho da relação jurídica, posto que foi ele quem efetivamente contribuiu para a ocorrência do dano. Nesse sentido, afirma Carlos Roberto Gonçalves: “A exclusão da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características semelhantes às do caso fortuito, sendo imprescindível e inevitável. Melhor dizendo, somente quando o fato de terceiro se revestir dessas características, e, portanto, equiparar-se ao caso fortuito ou à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano.” (GONÇALVES, 2009, p. 812) Cabe aviventar que as excludentes do nexo causal sempre deverão ser comprovadas e analisadas com bastante zelo.   4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL Neste tópico abordaremos as espécies de responsabilidade civil, preconizando e exemplificando as responsabilidades civis subjetiva e objetiva.   4.1 Responsabilidade Subjetiva  A responsabilidade civil subjetiva irá verificar-se configurada quando o causador do dano agir com culpa ou dolo na prática da conduta ilícita. Urge aviventar que o Código Civil de 2002 adota, por via de regra, o princípio da responsabilidade subjetiva perpetrada na culpa. Esta responsabilidade é utilizada de forma subsidiária em determinados casos específicos estabelecidos em lei, bem como em razão daquelas atividades que geram riscos, tendo por fundamento o artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Carlos Roberto Gonçalves (2009, p.22) assevera que: “Diz-se, pois ser ‘subjetiva’ a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável”. Oliveira, por sua vez, leciona: “[…] a culpa, para os defensores da teoria da responsabilidade civil subjetiva, é o elemento básico que gera o dever do ofensor de reparar o dano. Portanto, para que determinada pessoa seja obrigada a compensar o prejuízo ocasionado a outrem, por sua atitude, é necessário que esta se apresente em estado de plena consciência, ou seja, que tenha sido intencional, caracterizando, com isso, o dolo; ou mesmo, que esta pessoa tenha descumprido seu dever de pater familiae, agindo, então, com negligência, imprudência e imperícia (culpa). Todavia, se o dano não tiver emanado de uma atitude dolosa (culpa lato senso) ou culposa (culpa em sentido estrito) do agente, compete à vítima suportar os prejuízos, como se tivessem sido causados em virtude de caso fortuito ou força maior.” (OLIVEIRA, 2009, p. 263) Nesse diapasão, observa-se que o elemento culpa é imprescindível para a configuração do dano indenizável, tendo por obrigação a vítima o dever de demonstrar o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a culpa do agente lesante. A título ilustrativo, observemos o exemplo fornecido por Walderley Maia: Superman estava trafegando em seu veículo de acordo com as normas de trânsito quando colidiu com a parte posterior (traseira) do veículo de Batman, que também estava trafegando de acordo com as referidas normas. Neste caso, embora estivessem trafegando de acordo com as normas de trânsito, surge a obrigação de reparar os danos causados aos veículos, após a comprovação da culpa de Superman ou de Batman (ou de ambos). De acordo com a teoria da responsabilidade subjetiva, somente há responsabilidade, se forem comprovados: conduta + dano + nexo de causalidade + culpa (MAIA, 2017). Portanto, a responsabilidade será subjetiva quando amparada na ideia de culpa. Cabe salientar que a demonstração da culpa daquele que ocasionou o dano será pressuposto indispensável para o ressarcimento. Ademais, verifica-se que o lesante deve ter agido com dolo ou culpa para se configurar a obrigação de indenizar o dano.   4.2 Responsabilidade Civil Objetiva A responsabilidade objetiva retira forças da Teoria do Risco, onde a obrigação de reparar eventuais danos causados será daquele que em virtude de sua atividade gerar algum tipo risco que possa a vim causar danos a outrem, independente de culpa. Nesta modalidade não haverá necessidade de demonstração de culpa do agente causador do dano, apenas do nexo causal e do dano sofrido. Destaca-se, também, que além dos casos previstos em lei, o Código Civil de 2002 trás em seu artigo 927, parágrafo único, uma cláusula geral que versa sobre o assunto. “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” Carlos Roberto Gonçalves afirma que: “Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.” (GONÇALVES, 2009, p. 23) Stoco, por sua vez, assevera que: “A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro) assenta-se na equação binária cujos pólos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável.” (STOCO, 1999, p. 62) No mesmo sentido, complementa Rodrigues: “Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que existe relação de causalidade entre o dano experimentado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este último agido ou não culposamente.” (RODRIGUES 1998) Destarte, aviventa-se que na responsabilidade objetiva caberá à vitima demonstrar apenas a presença de nexo causal e de dano, ou seja, somente o liame causa e efeito entre a ação praticado pelo lesante e o dano sofrido pela vítima, dispensando a necessidade de comprovação de culpa. A teoria do risco se subdivide em 05 (cinco) modalidades, conforme leciona Cavalieri Filho: “Risco-proveito: responsável é aquele que tira proveito da atividade danoso, com base no princípio de quem aufere o bônus, deve suportar o ônus.” “Risco profissional: o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Foi desenvolvida especificamente para justificar a reparação dos acidentes de trabalho.” “Risco excepcional: a reparação é devida sempre que o dano é conseqüência de um risco excepcional, que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça (exemplo: exploração de energia nuclear). Em razão dos riscos excepcionais a que essas atividades submetem os membros da coletividade de modo geral.” “Risco criado: aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo. A diferença aqui para o risco-proveito é não se cogita aqui se o dano é correlativo de um proveito ou vantagem para o agente.” “Risco-integral: modalidade extremada da teoria do risco em que o agente fica obrigado a reparar o dano causado até nos casos de inexistência do nexo de causalidade. O dever de indenizar surge tão-só em face do dano, ainda que oriundo de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.” (CAVALIERI FILHO, 2005, p. 155 a 157)   4.3 Responsabilidade Civil Relativa à Polícia Militar A polícia militar e seus agentes no exercício de suas funções respondem, em regra, objetivamente pelos seus atos, ou seja, cabe ao particular entrar com a ação diretamente contra o Estado e não aos agentes da polícia militar, o Brasil adota a Teoria do Risco Administrativo. Contudo, em caso de culpa o dolo cabe ao Estado entrar com Ação de Regresso contra o agente infrator, termos do artigo 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, dispondo que o Estado já condenado a indenizar a vítima, cobra o valor do agente que atuou com dolo ou culpa no evento danoso. Salienta-se ainda que o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal assevera que o agente só pode ser cobrado pelo Estado e não diretamente pelo particular, fundamentando-se, assim, na Teoria da Dupla Garantia. O prazo prescricional, quanto à Administração Pública não segue o Código Civil de 2002, 03 (três) anos, previsto em seu artigo 206, mas sim o prazo de 05 (cinco) anos, previsto na Lei nº 9494/1997. A título de curiosidade vale destacar o atual entendimento dos tribunais pátrios relativos à Policia Militar. Como do Policial Militar que fora do horário de expediente com arma da corporação comete, por exemplo, o crime de dano, atualmente o posicionamento é que esta responsabilidade seja objetiva, devendo se cobrar primeiramente ao Estado, que posteriormente conforme a elucidação do caso poderá ajuizar Ação de Regresso contra o agente. Destaca-se que o entendimento anterior era que esta responsabilidade seria subjetiva.    CONCLUSÃO  Diante do exposto corrobora-se que a Responsabilidade Civil consiste na parte integrante do direito obrigacional que obriga uma pessoa a reparar o dano causado por esta a terceiro. Frisa-se que a responsabilidade civil estabelecer as circunstâncias que proporcionam uma pessoa a buscar a reparação dos danos sofridos pelo responsável, bem como estabelecer as hipóteses em que o mesmo será obrigado a repará-lo. Quanto aos pressupostos da Responsabilidade Civil ato ou fato, culpa, nexo causal e dano entende-se que estes são os fatores determinantes para que se faça surgir à obrigação de reparar o ato danoso. Destaca-se, ainda, que o dano pode ser fracionando em moral (imagem e a liberdade da vítima) e material (diminuição no patrimônio do ofendido). Relativo ao nexo causal e suas excludentes, afirma-se que é necessário a sua presença para configurar as excludentes de da Responsabilidade Civil, devido a este ser um de seus pressupostos. São excludentes do nexo causal caso fortuito, força maior, culpa exclusiva da vítima e fato de terceiro ( culpa exclusiva de terceiro). No entanto, é de suma importância o procedimento de forma zelosa para a análise das hipóteses de configuração de exclusão do nexo causal. Discorre-se que ao contrário da responsabilidade subjetiva em que a vítima possui o ônus de demonstrar que o lesante agiu com dolo ou culpa, na objetiva ao réu caberá, para ausentar-se da responsabilidade, alegar, em determinadas hipóteses, culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior, culpa de terceiro ou qualquer outra forma de eximir-se da responsabilidade. Portanto, conforme os estudos retromencionados, pode-se afirmar que a Responsabilidade Civil, em regra, do Policial Miliar quanto ao exercício de suas funções é objetiva, seguindo assim a Teoria do Risco Administrativo. Atualmente tal entendimento têm se tornado mais abrangente, englobando até situações em que o policial fora de seu expediente de trabalho responderá objetivamente por suas ações, como no exemplo do policial que efetua disparos com arma de fogo da corporação fora do seu expediente de trabalho, respondendo objetivamente pelos danos causados.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/a-responsabilidade-civil-e-o-ambito-militar/
Controle Das Contratações em Tempo de Escassez
Resumo
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente ensaio insere-se na linha de pesquisa “Governança nas licitações e contratos” e se concentra em sugerir pistas acerca dos parâmetros de controle das contratações públicas, o que poderá servir para fixar os limites da atuação do Estado de Direito em tempos de escassez na elaboração de políticas públicas. Trata-se de texto teórico, cuja abordagem é ancorada na doutrina, especialmente jurídica, mas, construída, também, sob uma perspectiva prática, em que se defende que a busca da eficiência na gestão pública no Estado de escassez é uma meta inarredável, porém, tangível e alcançável, especialmente por meio da governança nas licitações e contratos, área sensível ao desperdício de recursos e vulnerável a desvios, razão pela qual os controles incidentes sobre ela devem ser objeto de constante reflexão e aperfeiçoamento em nome, inclusive, da efetivação do princípio da eficiência na Administração Pública.   1 ATUAIS DESAFIOS DO ESTADO PÓS-MODERNO Mesmo considerando o contexto de crise que atualmente passa a economia mundial, cuja globalização tem papel significativo, ainda hoje é possível verificar o funcionamento eficaz de Estados Sociais em países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia). Igual não ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos e Inglaterra, cuja visão neoliberal tem predominado, sob a defesa de um modelo de Estado que deve intervir minimamente na economia, sendo, apenas, um regulador das questões econômicas e sociais, deixando ao terceiro setor o papel assistencialista. Tal visão tem fomentado em outros países (a exemplo do Brasil), grande discussão, jurídica inclusive, sobre a necessidade de renovação do Estado Social. Nas palavras de Jean‑Claude Juncker[1], “a renovação do Estado Social significa uma evolução política e econômica do Estado de Wohlfahrt für alle (previdência para todos) para o Estado de Wohlstand für alle (prosperidade para todos)”. Para ele, um elemento concreto de renovação do Estado Social “pode ser o que o economista político belga Philippe Van Parijs chama rendimento básico, de modo a evitar uma tragédia social”. Porém, é preciso buscar consenso quanto à proteção social, ultrapassando os conflitos entre Estados e mercados, trabalho e capital, coletivismo e individualismo, trabalhadores e empresários, pois o mais importante, para Juncker: “já não é o Estado ou a economia: é o ser humano! E ainda todas as comunidades humanas: casais, famílias com filhos, amigos, comunidades locais, regiões, nações e até mesmo a humanidade como comunidade última de um conjunto de comunidades.” De fato, o Estado, hoje, luta contra os ataques a si próprio, decorrentes do neocapitalismo/neoliberalismo, da globalização econômica, da verticalização da economia que gera o impacto negativo nas fontes de custeio, e de outros fatores que limitam os investimentos como a crise econômica e a escassez de recursos. O grande desafio do Estado neste sentido é duplo: justificar-se e superar a crise de legitimidade democrática, pois o Estado não pode voltar a ser um problema como historicamente a sociedade já experimentou. Para isso é preciso: cumprir as promessas da pós-modernidade (Estado tem de ser eficiente para dar as prestações à sociedade com cada vez menos recursos); e promover o desenvolvimento da sociedade garantindo a sustentabilidade (econômica, ambiental e social) e (re)distribuindo riquezas e oportunidades para combater as desigualdades e a pobreza[2]. Portanto, resistir à retomada do liberalismo e da ideia de Leviatã são missões vitais do Estado contemporâneo. Para ter êxito nessas missões, é preciso atenuar as distâncias entre Estado e sociedade[3]. Estado e sociedade devem cada vez se aproximar mais e firmar inter-relações e parcerias, do que são exemplos as Parcerias Público-Privadas no âmbito das obras de infraestrutura e de serviços[4], e a cooperação cada vez mais estreita entre as organizações do terceiro setor e a Administração Pública[5] (designadamente nos domínios da educação, assistência social e saúde), tudo isso em busca de uma satisfação dinâmica, eficaz e eficiente do interesse público[6]. Por essa razão não é crível que a sociedade prescindirá algum dia do Estado. Talvez, em algum futuro, o Estado – como realidade social e política – possa ser superado por outra forma de estruturação da sociedade e do interesse coletivo, mas a verdade é que a história já mostrou que tanto o projeto capitalista (superação do Estado pelo mercado), quanto o comunista (superação do Estado pela coletividade) não conseguiram provar a desnecessidade do Estado, ao revés, as estruturas estatais ficaram cada vez maiores e mais poderosas em ambas as realidades. A história também já mostrou que o mercado não é capaz de garantir condições mínimas de igualdade tanto moral quanto material, ou de resolver o problema do mínimo social ou das parcelas distributivas.[7] E não é só. A proliferação de interesses coletivos e difusos, cuja característica é exatamente não possuírem ou possibilitarem uma apropriação ou tutela individual, amplia, ou melhor, clama pela titularidade de um ente que atue em nome da sociedade. Neste sentido, é difícil imaginar a defesa, por exemplo, do meio ambiente sem a tutela atuante do Poder Público. Assim, deve ser imperativo que o Estado se transforme, se refunde. E essa refundação, requer não o retorno das ideias liberais, mas, sim, a criação de um novo modelo de políticas públicas que garantam a redescoberta da igualdade como condição de justiça[8], que seja adequado à capacidade limitada de recursos e aos padrões de sustentabilidade, e que reafirme os valores essencialmente democráticos. Além disso, é preciso criar critérios seguros de controle dessas políticas, a fim de garantir a eficiência e evitar o desvio de recursos públicos, o desperdício e a corrupção. Outro ponto imprescindível é o orçamento, que deve estabelecer diretrizes políticas compatíveis com as prioridades constitucionais. Com efeito, as discussões sobre o orçamento são importantes no Estado atual, por isso o Legislativo deve dialogar com o Executivo sobre as alocações orçamentárias, e a sociedade também deve participar dessas discussões, seja para conhecer quais as prioridades eleitas, seja para opinar sobre quanto está disposta a pagar para garantir determinadas condições mínimas para cada indivíduo. Por fim, para completar o elenco dos atuais desafios do Estado pós-moderno cita-se a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de governança dos gastos públicos, fator determinante para controle da alocação dos recursos e da concretização dos direitos sociais em tempos de escassez. Erigir parâmetros de controle, pelos Tribunais de Contas, sobre as licitações e contratos, dentro da perspectiva do Estado da escassez e do princípio da eficiência na Administração Pública, é, repita-se, o objetivo desse ensaio.   2 A ESCASSEZ COMO TÔNICA DA CONTEMPORANEIDADE A ideia de escassez em sentido genérico é o oposto da abundância ou fartura. Significa a falta de um bem ou um serviço em relação à sua procura. É escasso tudo aquilo que não existe para satisfazer as demandas de todos, sejam elas básicas, econômicas ou mesmo psicológicas. Gustavo Amaral classifica a escassez como natural (severa e suave), quase-natural e artificial. A escassez natural severa aparece quando não há nada que alguém possa fazer para aumentar a oferta. A escassez natural suave ocorre quando não há nada que se possa fazer para aumentar a oferta a ponto de atender a todos. As reservas de petróleo são um exemplo, a disponibilização de órgãos de cadáveres para transplante é outra. A escassez quase-natural ocorre quando a oferta pode ser aumentada, talvez a ponto da satisfação, apenas por condutas não coativas dos cidadãos. A oferta de crianças para adoção e de esperma para inseminação artificial são exemplos. A escassez artificial surge nas hipóteses e que o governo pode, se assim decidir, tornar o bem acessível a todos, a ponto da satisfação. A dispensa do serviço militar e a oferta de vagas em jardim de infância são exemplo.[9] Observe-se que nestes exemplos normalmente é atribuição do direito fornecer o critério geral e a regra individual por meio da qual se fará a distribuição dos recursos. Esses esclarecimentos confirmam que a escassez nas sociedades complexas, afora estar associada à falta de recursos econômicos e financeiros, está delimitada pelas expectativas individuais e coletivas, locais e gerais da comunidade, afinal também existe a escassez de produção cultural e artística, de atividades de desporto, de liberdade de expressão, de informação qualificada e isenta, de leitos, de aparelhos médicos avançados, de profissionais de saúde habilitados, de liberdade religiosa, de igualdade material, inclusive de oportunidades, etc., se for considerado que tais expectativas são reconhecidas como direitos sociais relevantes. Logo, se para determinada sociedade ou grupo a escassez é, aparentemente, apenas de comida, para outros pode ser de políticas públicas capazes de viabilizar a igualdade substantiva do acesso à educação, superando obstáculos de gênero, raça, classe social ou situação econômica. Num outro giro, o problema da escassez de recursos naturais não diz respeito apenas à inexistência de recursos renováveis na natureza em quantidade de reposição igual ou superior àquelas utilizadas pela humanidade pelos padrões atuais de consumo, mas, também, à necessidade de repensar e reconstruir outro modelo de produção e consumo ecologicamente sustentável, pois, se a sociedade prosseguir com esse padrão de consumo, em breve haverá escassez de produtos recicláveis ou de espaço para o descarte. Nesta seara intervém, por exemplo, o direito ambiental trabalhando com conceitos como responsabilidade intergeracional para regular ou restringir o acesso a bens a vida. Portanto, o alcance do conceito de escassez, e de seu tratamento pelo Direito, pressupõe um mínimo de consenso acerca do que é necessário para o presente e para o futuro, pois a responsabilidade intergeracional não é uma variável facultativa ou descartável, ao contrário, constitui mais um componente nas complexas fórmulas de extração das normas individuais que afetam o patrimônio jurídico dos sujeitos de direito. Essas digressões são importantes, porque é necessário correlacionar a gestão da escassez com as escolhas fundamentais da sociedade, a fim de encontrar parâmetros que possam balizar o controle da eficiência das contratações públicas na sociedade contemporânea. O que de fato é necessário adquirir com recursos públicos? Que bens e serviços são essenciais? Como devem ser contratados para se atestar que a contratação atendeu à mensagem do princípio da eficiência? E mais: sob que ótica deve ser feita a gestão da escassez: a ótica individual ou coletiva? Esse assunto, estruturante para o Direito, será tratado no item seguinte.   3 OS DILEMAS DA SOCIEDADE ATUAL E A GESTÃO DA ESCASSEZ Para responder à última indagação do item anterior é preciso, dentre os dilemas da sociedade atual que ameaçam o futuro harmônico da humanidade, já que corroem os alicerces do direito, destacar a disputa entre individualistas e coletivistas. As perspectivas individuais e coletivas também representam uma escolha difícil para a sociedade contemporânea e, por via de consequência, para o Direito. Com efeito, a sedução da ótica individualista com sua promessa de liberdade (poder escolher todos os desejos, todas as possibilidades, todas as opções, etc.), não consegue esconder que toda e qualquer liberdade de escolha somente pode existir em comunidade (inclusive a liberdade de escolher a vida). Por outro lado, o homem isolado é mera abstração utilizada para argumentos de retórica, porque despojado das relações intersubjetivas e, portanto, de direitos e deveres, inexistiria juridicamente. Afinal, o Direito só floresce no cotejo de relações intersubjetivas entre humanos, e esta condição pressupõe a vida em sociedade. Já a concepção essencialmente coletivista, com seus acenos utópicos de harmonia plena, não é capaz de superar a realidade de que toda transformação somente ocorre pela mão do homem, ainda que, muito rara e esporadicamente, agindo sozinho. Dessa forma, ignorar o indivíduo em suas dimensões é desconhecer a história da humanidade, e ser condenado a repeti-la – outro caminho sem saída para o direito. O problema é que a vida do gênero humano gira, perpetuamente, em torno de dois valores: indivíduo e coletividade, como descreve Marcus Acquaviva[10], que defende que o equilíbrio entre eles ainda não foi alcançado: ora predomina um, ora outro. E esse predomínio reflete na feição do Estado, pois, na prática, se aplicam os conceitos de individual e de coletivo como opostos que se hostilizam, como se a liberdade excluísse a igualdade ou ampliasse a desigualdade, e, ainda, como se não pudessem coexistir. Por este aspecto, a concepção individualista excessiva ensejaria a eliminação dos mais fracos pelos mais fortes, acentuaria as desigualdades naturais ou artificiais e, consequentemente, as desigualdades sociais, e a concepção coletivista exacerbada chegaria a extremos de supressão de individualidades. Assim, ambos os caminhos não revelam saídas para o Direito cumprir sua missão na sociedade. Com efeito, individualismo e coletivismo isoladamente acarretariam males para a vida em sociedade, não constituindo alternativas válidas e eficazes para a construção do significado jurídico, razão pela qual devem coexistir para sopesarem-se/limitarem-se em prol da realização do bem comum[11]. Afinal, ninguém existe por si próprio, como tampouco através de si mesmo. Pelo contrário, cada um vive através dos outros e, ao mesmo tempo, pelos outros. A vida humana gira em torno do individual e do todo, e a natureza tem como finalidade a existência da humanidade (as realizações do indivíduo e da coletividade). “Toda a nossa cultura, toda a nossa história repousa na valorização da existência humana individual para os fins da coletividade. Não há vida humana que exista meramente para si”[12] e, como denuncia o título da obra de Jhering, não há como dissociar esta dimensão da compreensão do Direito, por sua vinculação a sua finalidade, mais relevante critério para buscar o sentido e o significado de sua essência. O que se quer demonstrar com esta breve análise é que a gestão da escassez é relevante e de responsabilidade de todos, inclusive do Estado, mas não só dele. É uma questão a ser enfrentada pelo Direito com toda a legitimação que puder alcançar por meio do diálogo entre os atores. No entanto, na divergência entre critérios individuais ou coletivos, a gestão da escassez se torna ainda mais visível, a exemplo da definição e aplicação de políticas públicas em que é preciso fazer opções que, diuturnamente, enfrentam escolhas entre visões individualistas e coletivistas, que, no enquadramento do público, não podem ser dissociadas, sendo um grande desafio para o Estado solucionar, afinal, não há liberdade pessoal sem segurança pública, e não há bem-estar individual sem justiça social. Por outro lado, como visto no item antecedente, é indiscutível que a concretização de direitos está associada à disponibilidade de recursos financeiros, que, ao revés das necessidades e vontades humanas, são limitados. Assim, a escassez relativa – inexistência de recursos públicos para atender a todos e a todas as demandas – constitui limite fático à efetivação de qualquer direito, independentemente da classificação, seja negativo ou positivo[13], mas, especialmente dos direitos sociais, que implicam maiores custos prestacionais na implementação de políticas públicas[14]. Neste contexto, apropriado é o comentário de Ana Paulo Barcellos[15] quando sustenta que não se pode ignorar a contingência da limitação de recursos, “sob pena de divorciar o discurso jurídico da prática de tal forma que o jurista pode até prosseguir confiante por quilômetros de distância, mas quando olhar para trás e para os lados perceberá que está sozinho”. Por esta razão, para evitar o risco aventado – de o jurista dissociar-se da vida real, vagando sozinho no mundo da fantasia – é que a escassez de recursos públicos precisa ser enfrentada como realidade[16], não como escudo ou justificação para não realização de direitos, mas como elemento que deve ensejar maior planejamento e racionalização nas escolhas alocativas e na eleição de prioridades, harmoniosas com os direitos amparados na Constituição, ou seja, buscando os caminhos juridicamente sustentáveis para que a solução seja construída em conformidade com o Direito, suas normas e princípios. Assim, para exercício de suas funções, o Estado não poucas vezes precisa impor restrições à iniciativa privada/indivíduos, por exemplo, quando uma fábrica que causa poluição é obrigada a minorar o mal causado ou encerrar suas atividades; quando por conta de risco de epidemia ou para controlar proliferação de doenças, o Estado impõe a vacinação obrigatória; ou quando surgem restrições à fruição irrestrita do direito de propriedade, em nome da função social. Mas isso ocorre porque o Estado precisa atender aos interesses coletivos e garantir a proteção social de forma mais completa possível, e precisa, também, conciliar a autonomia privada e as exigências de solidariedade e humanismo em prol de realizar a justiça social. E, em tempos de recursos escassos, o Poder Público não pode perder de vista que a prioridade é definir como pode ser melhor garantida a utilidade social de cada unidade monetária pública gasta.   4 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Desde o século passado, ante aos questionamentos da manutenção do Estado Social, tendo em vista: crescimento das tendências de liberalização da economia, privatização do setor público, protagonismo do mercado, e tentativa de diminuir o tamanho do Estado, e, sobretudo, com o quadro de escassez de recursos disponíveis (inclusive com medidas significativas de austeridade financeira como leis de teto de gastos públicos e decretos de contingenciamentos)[17], o Estado passou a dar maior atenção à ideia de value for money, que convoca os critérios de economia, eficiência e eficácia e que, por sua vez, concretizam o princípio da racionalidade das despesas.[18] A exigência de racionalização das despesas se impõe como verdadeiro desafio para o Estado contemporâneo, que precisará guiar as escolhas de onde e como gastar, analisando os custos e os respectivos benefícios dos gastos efetivados, em nome do dever da boa gestão financeira[19]. Esse dever passou a incluir, também, aspectos de otimização, celeridade, e simplificação de procedimentos em prol de realizar gastos de acordo com padrões de eficiência. Essa tendência de enfatizar a análise de custo-benefício na gestão financeira, deflagrada inicialmente no modelo gerencial de Estado entre as décadas de 80 e 90 nos Estados Unidos, com a gestão do Presidente Regan, e no Reino Unido, com a Primeira Ministra Margaret Thatcher, espraiou-se por muitos países europeus e sulamericanos, designadamente Portugal e Brasil, inclusive em nível constitucional, como princípio da eficiência, implícito ou explícito. Em Portugal, a Constituição não traz expressamente no art. 266º, nº 1 a eficiência como princípio fundamental da Administração Pública, porém, há uma referência implícita ao princípio no art. 81º, quando inclui entre os deveres do Estado assegurar a plena utilização das forças produtivas designadamente zelando pela eficiência do setor público. E, de outro lado, pode se interpretar de maneira sistêmica, que uma conduta administrativa ineficiente viola a opção lusitana de Estado, consagrada no art. 2º da Constituição Portuguesa. Logo, inadmissível no Estado de Direito Democrático de Direito, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização político-democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, e que visa a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, a gestão financeira ineficiente, posto que contrário à proteção dos direitos e interesses legalmente dos cidadãos. Fernanda Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias complementam a perspectiva da eficiência no ordenamento jurídico português, salientando que a introdução no novo Código de Processo Administrativo (artigo 5º) do princípio da boa administração segundo o qual a Administração deve pautar-se por critérios de eficiência. Segundo esses autores: A eficiência tem precisamente a ver com a relação entre os custos de uma determinada ação (os meios ou recursos utilizados) e o fim perseguido (o benefício esperado com a ação), procurando alcançar-se o máximo benefício com a menor quantidade possível de meios empregues. (…) Nestes termos, deve entender-se que o princípio da eficiência faz hoje parte do “bloco de juridicidade” que constitui o princípio da juridicidade, que exprime de uma forma mais geral a submissão da Administração à lei e ao Direito, não podendo o direito administrativo renunciar ao critério da eficiência.[20] Segundo Paulo Nogueira da Costa, “a problemática da eficiência não pode ser compreendida de forma isolada; ela tem de ser perspectivada à luz da unidade constitucional”. Para ele, o princípio da eficiência indica que a atuação do Estado deve resultar o máximo de utilidade social, a qual se pode traduzir, designadamente, na otimização da garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, bem como da igualdade material e da justiça. Porém, ele ressalta que essa otimização deve ser conseguida com o menor custo social possível. No Brasil, a eficiência foi positivada, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, como princípio constitucional ao lado dos outros princípios norteadores da ação da Administra Pública, enunciados no art. 37, caput, da CF. Isso quer dizer que o conteúdo jurídico da eficiência é de um valor prezado pelo Direito Administrativo[21]. Com isso, o compromisso do Estado brasileiro com a eficiência passou a ser exigência constitucional, o que não significa que antes da positivação não o fosse. A eficiência já era tida como valor do ordenamento jurídico brasileiro desde o Decreto-Lei nº 200/67, que consagrava a eficiência como dever funcional dos agentes públicos e obrigação de controle dos resultados da ação administrativa (artigos. 13 e 25, V). Afora isso, como destacado por Ulisses Jacoby[22], antes da consagração em nível constitucional do princípio da eficiência já havia no Brasil outras leis para o dever de eficiência, a exemplo da Lei 8.078/90 (código de defesa do consumidor) e Lei 8.987/95 (lei de concessões e permissões de serviços públicos), quando fixavam que os serviços públicos devem ser contínuos, adequados, atuais, eficientes e seguros. De acordo com Hely Lopes Meirelles[23], existem três principais deveres do administrador público: o dever de probidade, o dever de prestar contas e o dever de eficiência. Assim, é possível definir eficiência[24] como aptidão para obter o máximo ou o melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços. Eficiência liga-se à ideia de ação, de produção de resultados da melhor forma possível (mais rapidamente, mais economicamente e de forma mais assertiva). Traduzindo para a seara da Administração Pública, significa que o administrador público além de pautar sua conduta de escolhas de prioridades nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, terá de demonstrar que produziu resultados que satisfaçam as demandas dos administrados de maneira célere, econômica e precisa. Paulo Modesto conceitua o princípio da eficiência como a “exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhes fazem as vezes, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público”[25]. Lucas da Rocha Furtado afirma que “a eficiência requer que a atuação administrativa procure a melhor relação custo/benefício”[26]. Fernanda Marinela entende que “a eficiência requer a procura de produtividade e economicidade e que esses devem ser balizas para o emprego de recursos públicos”[27]. Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que “a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente o da legalidade, sob pena de causar sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito”[28]. De fato, em nome da eficiência, a legalidade não deve ser sacrificada. A legalidade deve ser resguardada, ela é a baliza e limite para aplicação do princípio da eficiência. Ambos os princípios devem conciliar-se, buscando atuação com eficiência sem desbordar da legalidade, que, para Administração Pública, significa fazer o que a lei permitir, não sendo admitida a noção de que os fins justificam os meios, ou a justificativa de que a atuação administrativa pode ser contrária à lei, desde que seja eficiente. Nesta perspectiva, Fernando Vernalha Guimarães pontua que a noção de eficiência se prende com a maximização de resultados, é um valor prezado pelo Direito Administrativo. Ao agente público não é dado contentar-se com a mera utilidade dos meios com vistas ao atingimento da finalidade normativa. Deve perseguir o melhor resultado possível, pois, “o Estado tem o dever de atuar eficientemente na condução dos interesses da coletividade, agindo de molde a atingir melhores resultados a partir da racionalização dos meios”[29]. Como defendido por Paulo Modesto, “eficiência não é apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis em função dos fins prezados, mas, também, diz respeito tanto à otimização dos meios quanto à qualidade do agir final”[30]. Daí tem-se que a eficiência não é mera opção administrativa, é um dever que o Estado está obrigado a atender, principalmente quando realiza gastos públicos em tempos de recursos escassos. Afinal, a eficiência traduz não apenas considerações de ordem técnica, mas, também, pressupõe uma racionalidade econômica da gestão pública e é uma diretriz da governança[31] de gastos públicos. E a governança é um dos grandes desafios da Administração Pública brasileira, especialmente na área sensível à desperdícios e desvios que e a área das licitações e contratos, o que implica aprimoramento constante.   5 CONTROLE DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS Excetuando a folha de pessoal, a maior parte da aplicação dos recursos públicos se dá por meio de contratações públicas decorrentes, em regra, de procedimentos licitatórios. Assim, o acompanhamento das licitações e contratos pelos Tribunais de Contas produz efeitos relevantes, especialmente o controle preventivo, que evita que a desídia do contratado provoque prejuízos irreversíveis ou de difícil ou onerosa reparação para o ente público. Dessa forma, o gerenciamento dos contratos pelo controle externo trata-se de medida essencial para a proteção do interesse público. Afinal, cada vez mais é necessário pensar as políticas públicas e as compras administrativas de forma econômica. Nesta linha, é possível que, fiscalizando uma determinada contratação pública, o Tribunal de Contas identifique várias irregularidades que demonstram ineficiência na gestão dos recursos, dentre elas uma pode ser justamente a falta de justificativa para o modelo de contratação adotado, como pode ocorrer nos contratos de Parceria Público Privada (PPP); outra pode ser a falta de adequação, criatividade e inovação na elaboração da equação que mantém o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como pode ocorrer nos contratos de coleta de lixo urbano; uma terceira é a não atenção aos padrões técnicos de análise do ciclo de vida dos produtos adquiridos pelo Estado, em absoluta descompromisso com os imperativos de sustentabilidade, o que pode ser corrigido por meio de editais de licitação que valorizem essa preocupação. 5.1 A justificativa do modelo de contratação A PPP que deve ser a última opção do Poder Público, quando não existirem recursos para a implantação de serviços e obras fundamentais para o país e não for viável a transferência para o contratado do risco econômico dos empreendimentos de interesse público por meio de contratos administrativos comuns de concessão. De acordo com Fernando Vernalha Guimarães: A diretriz que impõe à Administração Pública eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade a propósito da celebração de PPPs talvez (inciso I do art. 4º da Lei nº 11079/2004) seja a norma que melhor traduza a vocação desse modelo de contrato[32]. Com efeito, a PPP surgiu fundamentalmente como forma de permitir à Administração Pública novas vias contratuais que alcançassem maior eficiência tanto no cumprimento das demandas estatais como no emprego de recursos públicos. Assim, quando não estiver presente o estudo de viabilidade econômico-financeira da contratação, que fundamente a opção pela forma de contratação via PPP, o Tribunal de Contas deve apontar a irregularidade, pois a contratação sem a demonstração da viabilidade econômico-financeira pode estar encobrindo o fato de aquela não ser a melhor opção (mais eficiente) de contratação, podendo com a má escolha gerar prejuízo ao Estado, expor desnecessariamente em risco o erário e causar desperdício de recursos que poderiam ser alocados em outras prioridades públicas. Esta, porém, é uma análise formal e procedimental, cuja correção, a princípio, requer apenas a inclusão no processo do necessário estudo de viabilidade. Com efeito, a inclusão do estudo pode não ser suficiente, pois o atendimento do requisito formal não implica no atendimento do interesse público no plano material, notadamente em termos de eficiência, razão pela qual o Tribunal de Contas pode e deve também avaliar a consistência econômica de tais estudos, pois desta análise pode surgir tanto a inadequação do modelo proposto, quanto a existência de outros modelos de negócio ou relação entre o público e o privado mais adequados ou apropriados, aspectos a serem abordados pela ótica da eficiência, inclusive com o aproveitamento da experiência adquirida nas contratações anteriores. A eficiência da Administração pública demanda também o aperfeiçoamento de sua ação, motivo pelo qual a atuação do Tribunal de Contas deve ater-se aos aspectos formais e materiais dos atos administrativos, para identificar não conformidades, mas também a busca da aprendizagem com os acertos e erros, de forma, por exemplo, que cada nova contratação de PPP aproveite o know-how adquirido nas anteriores, que pode ser consolidado em recomendações do Tribunal de Contas aos gestores. O controle do Tribunal de Contas nas contratações, neste exemplo, deve valer-se da oportunidade oferecida pelos requisitos formais da pactuação para alcançar a eficiência administrativa, coibindo contratações inadequadas e gerando o feedback em tecnologia institucional para a melhoria da gestão. O controle do Tribunal de Contas também deve se ocupar nas contratações públicas da definição do objeto, um dos maiores desafios ao gestor público, que, via de regra, adquire bens e serviços cuja essência não domina, e suas implicações sobre a eficiência. A experiência dos Tribunais de Contas demonstra que grande parte dos problemas da Administração em contratação advém da imprecisão ou inadequação do objeto das quais resultam preços altos por bens de qualidade inferior, à revelia das regras de mercado[33]. O controle, por esta razão, deve examinar, seja para apontar irregularidades, seja para orientar situações futuras, a relação do objeto com o interesse público real. 5.2 A remuneração do contratado Conforme comenta Onofre Batista Júnior, “intrínseco à noção de eficiência, proveniente dos domínios das Ciências Econômicas e da Administração, reforça-se a noção de economicidade pelo art. 70 da CRFB/88, que o coloca como verdadeiro vetor para a sindicância da boa ou má administração”[34], em termos de verificação da regular gestão dos recursos públicos, sob o ângulo e enfoque econômico-financeiro. Portanto, o conteúdo do princípio da economicidade deriva da noção de eficiência: uma gestão econômica traduz um comportamento eficiente dos gestores. E, dentro dessa perspectiva, deve-se buscar a maximização dos resultados nas alocações de recursos públicos, ampliando ganhos e reduzindo desperdício por meio das contratações públicas. E, nesse caso, o controle dos Tribunais de Contas pode – e deve – estender-se até sobre a forma de remuneração pactuada, pois, acaso mal definida, esta pode gerar não apenas ineficiência, como resultados opostos aos pretendidos pela contratação e antieconômicos. Um exemplo disso, pode ser visto no âmbito da contratação, pelo Estado, de empresas para coleta de resíduos sólidos, que é remunerada em muitos países com base no peso em toneladas dos resíduos transportados. Tal critério de pagamento não viola nenhum aspecto formal da contratação, mas é ineficiente, pois se o lixo for molhado no trajeto da coleta (pela chuva ou pelo homem), o custo da mesma carga e do mesmo serviço variará significativamente gerando distorção no equilíbrio do contrato pela inadequada forma de remunerar o particular. Mas não é só isso. Este tipo de remuneração coloca em polos diametralmente opostos os interesses: público e privado, pois a empresa não terá o menor interesse em reduzir (promovendo a reciclagem, por exemplo) o material transportado. O Estado pagará por mais resíduos, quando lhe interessa menos lixo nas ruas. Com efeito, não há dúvida que simplesmente pesar os resíduos transportados é mais simples para aferição do quantum devido, mas seja pela imprecisão do valor da própria contratação (sujeito a variações decorrentes da intensidade pluviométrica, entre outros), seja pela necessidade de obter-se com a contratação o que efetivamente interessa ao Poder Público – uma cidade limpa – é de todo recomendável que a contratação se dê por outros critérios de remuneração. Afinal, se o contrato visa à limpeza urbana, esse é o seu objeto e, não, o peso de lixo transportado/coletado. Assim, o que demonstrará que o contrato está sendo eficiente não é a tonelagem de lixo, mas, sim, o resultado alcançado: ruas limpas. Logo, o Tribunal de Contas poderá apontar que esse contrato de limpeza urbana, cujo pagamento do privado estaria indexado pelo peso do lixo, é um contrato ineficiente, inclusive por não prestigiar a economicidade. Saber escolher a forma de remuneração do particular em um contrato (que envolve serviços de grande relevância social e ambiental e que exigem grandes aportes de recursos em longo prazo) faz parte da governança das licitações e contratos e da boa gestão de recursos públicos em tempos de escassez. 5.3 A exigência de padrões de sustentabilidade nos editais No que tange à compatibilidade dos editais de licitação às normas aplicáveis é preciso destacar que o art. 3º da Lei nº 8.666/93 já traz como princípio norteador das licitações o desenvolvimento nacional sustentável, senão vejamos: Art. 3º – A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Grifos aditados) A compra pública sustentável contribui para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, mediante a inserção de critérios sociais, ambientais e econômicos nas aquisições de bens, contratações de serviços e execução de obras, gerando benefícios socioambientais ao reduzir os impactos ambientais. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, no processo de aquisição de bens deve-se observar: Além disso, deve ser considerada a análise do ciclo de vida dos produtos, que deve englobar a análise dos impactos ambientais das aquisições desde a produção até o descarte do bem. Muitos órgãos públicos já se preocupam com as licitações sustentáveis a exemplo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Advocacia Geral da União e da Justiça do Trabalho. No Tribunal de Contas da União (TCU), a política institucional de sustentabilidade foi formalizada mediante a Resolução – TCU nº 268, de 04 de março de 2015, esta política compõe-se de iniciativas institucionais nas dimensões logística sustentável e gestão de pessoas, abrangendo aspectos físicos, tecnológicos e humanos da organização e orienta-se pelas seguintes diretrizes: Com efeito, conforme consta do Portal do TCU, na Sessão Transparência, a sustentabilidade na dimensão gestão de pessoas visa atender as necessidades dos servidores e demais colaboradores do TCU no que se refere à acessibilidade, à qualidade de vida no ambiente de trabalho e ao desenvolvimento pessoal e profissional, de modo a aumentar a produtividade e o bem-estar no trabalho. A Política de Gestão de Pessoas, definida pela Resolução-TCU nº 187, de 5 de abril de 2006, alinha-se à Política Institucional de Sustentabilidade, em especial, para promover a qualidade de vida no ambiente de trabalho, o desenvolvimento pessoal e profissional. A Política Institucional de Sustentabilidade e a de Gestão de Pessoas integram-se e harmonizam-se com a Política de Acessibilidade do Tribunal, disposta pela Resolução-TCU nº 283, de 21 de setembro de 2016. Neste sentido, os Tribunais de Conta já avançaram na matéria, editando atos e firmando protocolos de cooperação técnica, visando a conjugação de esforços entre os partícipes para a implementação de programas e ações interinstitucionais de responsabilidade socioambiental. Entretanto, ainda cabe recomendar, na medida do possível e no que couber, que a Administração Pública observe as normas que tratam das aquisições sustentáveis quando da elaboração dos editais de licitação. Outrossim, cabe aos Tribunais de Contas, no âmbito de suas políticas institucionais, implementar programas em prol da sustentabilidade, a fim de contribuir para o processo coletivo de conscientização do cidadão, dos servidores e dos gestores públicos diante do imperativo do desenvolvimento ecológica e socialmente sustentável. Nesta linha, sugere-se a inserção de ações que prestigiem a sustentabilidade no Planejamento Estratégico e Plano de Diretrizes Anuais do Tribunal, seja na dimensão da logística (preocupação com o ciclo de vida dos produtos adquiridos), seja na dimensão de gestão de pessoas (melhoria na qualidade de vida).   6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O Estado contemporâneo enfrenta muitos desafios, dentre os quais, designadamente a administração da escassez de recursos públicos para atendimento das necessidades sociais básicas. Nesta circunstância, revela-se inadmissível que a Administração Pública, por conta de deficiências nas suas estruturas e mecanismos de controle interno ou por falta de planejamento na utilização de recursos, realize despesas que poderiam ser evitadas (ou racionalizadas), por não trazerem nenhum proveito ao interesse social a ser perseguido pelo Estado no desempenho da função administrativa, ou por significarem desperdício ou prejuízo ao erário. A partir da consagração da eficiência como dever, inclusive constitucional em alguns ordenamentos, impõe ainda mais desafios a essa via, em que todos devem estar comprometidos e empenhados: Estado, agentes públicos, entidades de controle, comunidade, pois o nível de controle de gestão de uma sociedade reflete o grau de democratização, acesso à informação e participação social. Com efeito, no atual contexto de recessão econômica e crise fiscal do Estado, a adoção de medidas por parte dos órgãos públicos competentes para que sejam implementados mecanismos que possibilitem o controle dos gastos públicos é a única via aceitável para a boa gestão financeira. Neste sentido, os exemplos aqui trazidos e detalhados podem servir tanto de base para a verificação da conformidade da gestão fiscalizada como para inspirar a gestão futura a ter um comportamento mais eficiente, inovador, responsável e comprometido com a qualidade substantiva dos gastos públicos, conduta indispensável em tempos de escassez, e para a qual os Tribunais de Contas podem e devem contribuir, exigindo dos jurisdicionados a maximização da utilização social dos recursos, objetivo que deve ser vencido da forma mais ampla, sustentável, criativa e inovadora possível.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/controle-das-contratacoes-em-tempo-de-escassez/
A Evolução Legislativa e o Combate à Corrupção na Contratação Pública: Estudo Comparado Luso-Brasileiro
Resumo: Este trabalho tem como objetivo a análise da criação de mecanismos de combate à corrupção na contratação pública como reflexo do momento de crise no Direito Administrativo. Diante da crise, faz-se necessária a renovação de determinados institutos e, no que tange à contratação pública, a busca pela erradicação de um grande mal que assola os procedimentos licitatórios: a corrupção. O trabalho, ainda, realiza um estudo comparado sobre a evolução do tema no direito brasileiro e no direito europeu, em especial no âmbito de Portugal.
Direito Administrativo
INTRODUÇÃO O presente trabalho é fruto de uma rica experiência vivida em Lisboa, Portugal, em uma semana de acurados estudos acerca de um dos temas mais importantes e instigantes do Direito atualmente: os mecanismos de combate à corrupção na contratação pública. Os procedimentos de contratação pública são inerentes a todo e qualquer regime jurídico-administrativo. No Brasil, embora desde os tempos remotos já houvesse a existência de normas para as referidas contratações[1], somente com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil é que o tema ganhou o status constitucional. Nesse novo contexto, tornou-se necessária a elaboração de uma norma infraconstitucional para regulamentar os procedimentos de licitações e contratos no âmbito da administração pública, à luz das novas disposições constitucionais atinentes à matéria. Historicamente, no Brasil, as reformulações legislativas, popularmente conhecidas como “reformas”, surgem em momentos de crise. Não foi diferente com relação ao sistema brasileiro de contratação pública, pois, somente no ano de 1993 surgiu a Lei n.º 8.666, para instituir normas para licitações e contratos da Administração Pública. A referida legislação foi publicada cinco anos após a promulgação da Constituição Federal, em decorrência de um momento de crise, qual seja, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), conhecida à época como CPI dos Anões do Orçamento, que foi um escândalo de corrupção e acelerou a realização de uma “reforma legislativa” para dar uma resposta à população em meio ao clamor pelo combate à corrupção. É importante consignar, todavia, que esta tendência de se promover reformas legislativas como forma de combate à corrupção, para promover a redenção nacional diante de um clamor popular, deve ser vista com a devida cautela, sob pena de se incorrer em conduta de viés patrimonialista, com consequências deletérias à Administração Pública. Após realizar o estudo comparado, em especial na esfera do direito administrativo português, percebe-se que há um movimento de reformulação normativa na área da contratação pública, também em decorrência de um momento de crise experimentado pelo continente europeu, de forma semelhante ao que se vê no Brasil. Diante de tamanha importância, o tema da corrupção na contratação pública merece um estudo aprofundado, e o presente artigo se propõe a investigar suas causas, analisar os regimes jurídicos brasileiro e português, com as respectivas semelhanças e distinções, e propõe um repensar sobre a contratação pública com a realização de mecanismos de combate à corrupção que sejam eficazes e duradouros.   1 A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E O COMBATE À CORRUPÇÃO NA CONTRATAÇÃO PÚBLICA: ESTUDO COMPARADO LUSO-BRASILEIRO. Nos regimes jurídicos de contratação pública, é possível observar a existência de duas espécies de diplomas normativos, que retratam a dicotomia entre a regulação legislativa minuciosa e a discricionariedade do administrador público. Muitas vezes, tais valores acabam se encontrando em situação de oposição, gerando o que chamamos de diplomas normativos minimalistas e diplomas normativos maximalistas. De maneira deveras didática, ROSILHO (2013, p. 30-31) estabelece a distinção entre os referidos diplomas: Um diploma normativo do tipo minimalista estabeleceria, por exemplo, metas voltadas à concretização dos objetivos acima elencados, eximindo-se de elaborar regras detalhistas e minuciosas para regular o comportamento dos Legislativos e dos agentes públicos. Procurar-se-ia apenas guiá-los para que eles implementassem as diretrizes previstas no plano normativo. O minimalismo parte da premissa de que a discricionariedade não é uma imperfeição do sistema – algo que precisa, a qualquer custo, ser eliminado –, mas, sim, um importante ingrediente a ser trabalhado pela legislação para que se atinja fins específicos. O maximalismo, por outro lado, teme a discricionariedade e é, em boa medida, movido por este sentimento. Sua premissa, portanto, é outra: os agentes públicos – ou os Legislativos estaduais e municipais – não são confiáveis, sendo necessário olhá-los de perto; é preciso cercá-los e limitar sua mobilidade. Para tanto, o maximalismo aposta que as normas devem ser detalhistas, minuciosas e abrangentes, restringindo ao máximo a margem de liberdade daqueles que a elas se submetem. É interessante notar que a supervalorização das regras em detrimento do juízo dos homens reflete, ao mesmo tempo, a valorização do tratamento justo e imparcial e o receio – ou crença – de que não se possa atingi-lo por meio do julgamento dos indivíduos. Depreende-se, portanto, que os diplomas maximalistas preconizam uma maior necessidade de normas, pressupondo um reduzido grau de confiança no gestor público, que possui uma pequena margem de discricionariedade diante de uma regulamentação minuciosa. Convém, aqui, estabelecer uma crítica: muitas vezes, os excessivos detalhismos advindos do modelo maximalista acabam dificultando o próprio cumprimento da lei, tornando árdua a consecução do objetivo de uma contratação eficaz e em prol do interesse público. Em contraposição, temos os diplomas minimalistas, que têm como base uma legislação clara e sucinta, isto é, uma normatização que acaba por garantir um maior dinamismo na contratação pública, simplificando e desburocratizando os procedimentos. Como consequência, observa-se que, ao contrário do que ocorre nos diplomas maximalistas, o minimalismo confere maior grau de confiança ao gestor, que tem ampliado o seu leque de discricionariedade para a tomada de decisões e escolhas em geral dentro de um procedimento mais simplificado de contratação pública. O que está em causa nas diretivas europeias de 2014 são: simplificação, desburocratização, flexibilização, fomento à transparência e à boa gestão pública, Tais atributos são fundamentais, mas, não podem ser encarados como sinônimos de desprocedimentalização, uma vez que a existência de um procedimento claro é condição sine qua non para a realização de toda e qualquer contratação. No Brasil, o instituto das licitações públicas foi marcado por um processo de crescente legalização, com uma tendência maximalista que foi crescendo ao longo do tempo e chegou ao auge com a edição da Lei n.º 8.666/93, diploma de teor complexo e abrangente, com cento e vinte e seis artigos que restringem a discricionariedade do administrador público para decidir, concretamente, a melhor forma de contratar. Como dito anteriormente, e Lei n.º 8.666/93 surgiu como “resposta” do Congresso Nacional Brasileiro aos escândalos de corrupção que assolavam o país à época, sendo verdadeiro afirmar, portanto, que o maximalismo foi abraçado com um discurso de que a corrupção seria melhor combatida com uma lei detalhista, minuciosa e rigorosa. Passados vinte e cinco anos da publicação da referida lei, percebe-se claramente a ocorrência de consequências deletérias advindas de um diploma legislativo tão complexo. Isso porque, além de causar um verdadeiro “engessamento” da máquina pública diante de procedimentos de extrema complexidade e burocracia, a referida lei não logrou êxito em sua missão de combate à corrupção. Exemplos disso são a crescente e avassaladora quantidade de demandas levadas ao Poder Judiciário envolvendo a contratação pública, a fulminação da competitividade nos certames licitatórios em virtude do excessivo formalismo legal, bem como – não é despiciendo registrar – a existência de empresas, envolvidas diretamente na CPI dos Anões do Orçamento (que motivou a “reforma legislativa”) que permaneceram contratando normalmente com o Poder Público e estão atualmente no centro de investigações de corrupção na Operação Lava Jato. Importante mencionar que o legislador estabeleceu uma série de sanções administrativas para as hipóteses de inexecução contratual, tais como advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública. Ocorre que, nem mesmo a existência das referidas sanções se mostrou capaz de inibir as condutas fraudulentas e corruptivas, o que permite concluir que o viés punitivo da legislação, por si só, não se revela suficiente como medida de combate à corrupção. Ademais, o excessivo rigor legislativo trouxe também como consequências: 1) a majoração dos gastos para a Administração, uma vez que as empresas imbutem em suas propostas contratuais os custos dos procedimentos complexos e burocráticos, acarretando contratações antieconômicas para o Estado; 2) a morosidade na contratação, em virtude das inúmeras fases que compõem o procedimento licitatório e contratual, além da crescente judicialização dos certames, que ocasiona por demasiadas vezes a paralisação ou mesmo a anulação de determinadas fases do procedimento; 3) a restrição da competitividade, tendo em vista que são poucas as empresas capazes de cumprir as rigorosas e extensas exigências previstas na legislação, fazendo com que haja uma “dominância” de determinadas empresas no mercado de contratação com o Poder Público. Desta feita, nota-se que a Lei n.º 8.666/93, concebida inicialmente como um diploma normativo que colocaria uma pá de cal na corrupção e revolucionaria as contratações públicas no Brasil, hodiernamente não satisfaz as necessidades da administração pública moderna, que possui a eficiência e os resultados como diretrizes fundamentais e permanentes. Nesse contexto, Diante das novas necessidades da Administração Pública, bem como de alguns compromissos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil, optou-se por alterar o regime jurídico de contratação pública de forma setorial, isto é, sem a necessidade de promover uma reforma legislativa com a modificação direta e substancial dos dispositivos da Lei n.º 8.666/93. Essa alteração setorial se deu a partir da criação de leis esparsas sobre a matéria, todas com uma finalidade comum: prestigiar valores como eficiência, economicidade, simplificação dos procedimentos, relativização das formalidades, inversão de fases etc. Foi criado, então, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC – Lei n.º 12.462/2011), inicialmente com previsão de aplicação exclusiva nas contratações relativas aos Jogos Olímpicos de 2016, à Copa do Mundo de 2014 e aos serviços e obras de infraestrutura de aeroportos. Tal diploma trouxe inúmeras novidades relativas à contratação pública, excepcionando a incidência da Lei nº 8.666/93. Caminhando em sentido convergente com as exigências e os valores da administração pública moderna, sobretudo diante dos resultados benéficos que a referida alteração setorial trouxe ao setor público e à sociedade, decidiu-se por ampliar o campo de aplicação do RDC, inicialmente previsto apenas para Olimpíadas, Copa do Mundo e Aeroportos, para outras hipóteses, tais como: 1) obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS (incluído pala Lei 12.745/12); 2) obras e serviços de engenharia para construção, ampliação, reforma e administração de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo (art. 1.º, VI, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 3) ações no âmbito da segurança pública (art. 1.º, VII, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 4) obras e serviços de engenharia, relacionadas a melhorias na mobilidade urbana ou ampliação de infraestrutura logística (art. 1.º, VIII, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 5) contratos de locação de bens móveis e imóveis (contratos built to suit ou “sob medida ou encomenda”), nos quais o locador realiza prévia aquisição, construção ou reforma substancial, com ou sem aparelhamento de bens, por si mesmo ou por terceiros, do bem especificado pela administração (arts. 1.º, IX, e 47-A, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15); 6) ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação (art. 1.º, X, alterado pela Lei 13.243/16); e 7) obras e serviços de engenharia no âmbito dos sistemas públicos de ensino e de pesquisa, ciência e tecnologia (art. 1.º, § 3.º, da Lei 12.462/11, alterado pela Lei 13.190/15). A considerável ampliação das hipóteses de aplicação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas demonstra o êxito da inovação legislativa, não sendo exagero afirmar que muitos dos problemas oriundos do modelo maximalista da Lei n.º 8.666/93 foram solucionados, ou ao menos reduzidos com a roupagem minimalista do RDC, que trouxe, dentre outras vantagens, flexibilidade e permitiu opções variadas para solução adequada em um certame. Diante de tamanha importância do instituto nas contratações públicas brasileiras, convém aqui trazer à baila suas principais características, a saber: 1) contratação integrada de obras e serviços de engenharia; 2) orçamento sigiloso – o orçamento estimado será disponibilizado apenas aos órgãos de controle, não sendo divulgado aos licitantes (recomendação da OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, visando evitar o coluio entre concorrentes em contratações públicas); 3) pré-qualificação permanente, com a possibilidade de licitações direcionadas à participação exclusiva dos pré-qualificados. Fica evidente que o sistema brasileiro de contratações públicas, no momento atual, encontra-se num processo de mudança estrutural, rompendo com a visão de que as boas contratações são aquelas decorrentes do estrito cumprimento de regras minuciosas e procedimentos complexos, para instituir um regime pautado na flexibilização e em prol da eficiência, conferindo à administração pública novas e eficazes alternativas para contratar, bem como para combater a corrupção. Passando agora a analisar como a questão é tratada no âmbito internacional, nota-se que as Diretivas Europeias sobre os contratos públicos, aprovadas no ano de 2014, acompanham a linha minimalista em que se prioriza a flexibilização e a simplificação dos procedimentos de contratação. Dessa forma, a transposição das Diretivas de 2014 permite aos ordenamentos jurídicos nacionais uma oportunidade de mudança qualitativa nos regimes de contratação pública, sugerindo medidas tendentes a, de um modo geral, conferir eficácia e obter melhores resultados. A título de exemplo, além da simplificação e a flexibilização dos procedimentos de contratação, as Diretivas trazem outras medidas do gênero, como a ampliação da utilização de meios eletrônicos, o aumento da transparência e o combate à corrupção e os conflitos de interesse. Neste ponto, importante novamente destacar que a simplificação e flexibilização não podem ser encaradas como sinônimos de desprocedimentalização, uma vez que a existência de um procedimento claro é condição imprescindível para a realização de toda e qualquer contratação. Percebe-se que há uma tendência mundial no sentido de se romper com a burocracia, pois além de não conferir uma contratação de qualidade, implica em consequências nefastas, como a elevação de gastos públicos, morosidade nos procedimentos – que muitas vezes ocasiona o atendimento ao interesse público a destempo, além de ser ineficaz no combate à corrupção. Comparando as Diretivas de 2014 com o RDC brasileiro, é possível observar, de fato, uma inclinação para o modelo normativo minimalista, em razão das próprias necessidades do Estado, que não coadunam mais com um sistema maximalista burocrático e sem margem de discricionariedade. Assim, com a transposição das Diretivas de 2014 para o regime jurídico de contratação pública português, optou-se por realizar uma revisão normativa atinente à matéria. Surgiu, então, o Decreto-Lei n.º 111-B/2017, procedendo à nona alteração ao Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, e transpõe as Diretivas n.os 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014. O novo diploma português passou a vigorar em 1º de janeiro de 2018, e adotou esta nova roupagem de flexibilização e interação da nova dimensão da contratação sustentável, que impõe um repensar a respeito da contratação pública. As alterações introduzidas pelo novo diploma podem ser elencadas em três grandes grupos, a saber: 1) modificações decorrentes da transposição das diretivas; 2) medidas de simplificação, desburocratização e flexibilização; e 3) medidas de transparência e boa gestão pública. Analisando as inovações advindas do CCP português, observa-se uma legislação clara, primando por decisões políticas profissionais no que diz respeito à escolha do objeto a ser contratado e, principalmente, prevendo mecanismos de controle e fiscalização do procedimento. Como exemplo de mecanismo de fiscalização, merece destaque a criação da figura do gestor do contrato, com a função de acompanhar permanentemente a execução deste, o que vai ao encontro dos desideratos de eficiência e qualidade na contratação pública. Procedendo-se ao estudo comparado dos regimes português e brasileiro, é possível constatar uma gama de semelhanças, com o objetivo comum de simplificar a contratação pública e realizar medidas de prevenção e de repressão às práticas corruptivas. É o que, felizmente, se observa a partir das disposições que prestigiam valores como imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé, proteção da confiança, sustentabilidade, responsabilidade, ampla concorrência, publicidade, transparência, igualdade de tratamento, não-discriminação, critérios objetivos de adjudicação, entre tantos outros. Medidas e valores que conferem proteção ao interesse público, escopo fundamental de toda a atividade do Estado.   CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscou-se, por meio do presente trabalho, realizar um estudo comparado luso-brasileiro acerca do movimento de reformulação normativa na área da contratação pública, impulsionado pela necessidade de evoluir os mecanismos de combate à corrupção – um mal que pode ser considerado global, pois assola os regimes de contratação em todo o mundo. O maximalismo, que ganhou força no Brasil sobretudo nos anos 90, hoje apresenta indícios de exaustão, tornando-se um modelo aparentemente superado, pois não logrou êxito nos propósitos para os quais foi concebido: erradicar a corrupção, restaurar a moralidade administrativa e dar uma resposta à população após um momento de grave crise institucional. O insucesso do maximalismo pode ser explicado pelo fato de que normas extremamente detalhistas, minuciosas, procedimentos burocráticos etc., acabam por restringir a margem de liberdade da administração pública. Como consectário, ocasiona uma verdadeira inversão de valores, haja vista que a escolha do administrador e o procedimento a ser adotado, por exemplo, devem ser flexibilizados de acordo com a necessidade pública. Determinadas opções e critérios competem ao gestor, por meio de uma decisão política profissional em cada situação concreta, e não ao legislador de forma fria e abstrata. No caso do Brasil, o maximalismo, exaltado num momento em que o país enfrentava uma grande crise, acabou supervalorizando as regras e reduzindo a discricionariedade a um patamar mínimo. Inevitavelmente, alterações setoriais tiveram de ser realizadas com o fito de dinamizar o regime de contratação pública, solucionando gradativamente muitos dos problemas advindos do regime maximalista. Foi assim que o minimalismo começou a ganhar relevo no Brasil, sendo o Regime Diferenciado de Contratação (RDC) um grande marco representativo desta transição de regimes. De forma semelhante, e também em decorrência de um momento de crise experimentado pelo continente europeu, Portugal caminha no sentido da flexibilização dos procedimentos de contratação pública, promovendo sua recente alteração do Código de Contratação Pública como transposição das Diretivas Europeias de 2014, e prestigiando valores como imparcialidade, proporcionalidade, boa-fé, proteção da confiança, sustentabilidade, responsabilidade, ampla concorrência, publicidade, transparência, igualdade de tratamento, não-discriminação, critérios objetivos de adjudicação, entre tantos outros. Vale destacar, ainda como inspiração do minimalismo, a previsão da arbitragem nas Diretivas de 2014 e no CCP português como meio de resolução de litígios que envolvem a matéria, permitindo um julgamento mais rápido e menos oneroso dos conflitos decorrentes da contratação pública. A arbitragem, além de ser um meio de composição comprovadamente eficaz, simples e célere, desafoga o Poder Judiciário e evita que este acabe por substituir a vontade da administração e dos cidadãos. Espera-se que seja seguido o exemplo lusitano no que tange à arbitragem, ainda muito pouco utilizada no Brasil. Por fim, deve ser ressaltada e exaltada a gradual mudança de ótica acerca da contratação pública, outrora meramente vista como uma “oportunidade de negócio público” para a Administração, e agora enxergada a partir de um viés de responsabilidade e sustentabilidade. Esse novo “olhar” é fundamental no combate à corrupção, evitando prejuízos de extrema gravidade – e de difícil reparação – à máquina pública e, sobretudo, à sociedade, destinatária final de todos os serviços públicos.
https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-administrativo/a-evolucao-legislativa-e-o-combate-a-corrupcao-na-contratacao-publica-estudo-comparado-luso-brasileiro/