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Quem é Rodrigo Maia, o homem na corda bamba entre as posições de aliado e potencial substituto de Temer | Primeiro na linha sucessória para a Presidência da República, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se equilibra na ambígua posição de aliado do governo à frente da Casa - e substituto automático de Michel Temer caso ele seja afastado pela denúncia por corrupção passiva. | Rodrigo Maia é primeiro na linha sucessória para a Presidência da República Maia preside nesta quarta-feira a sessão que vota para dar continuidade, ou não, à primeira denúncia por crime comum feita a um presidente em exercício no Brasil, pelo escândalo da JBS. Se aprovada mais de 2/3 dos deputados (342), a denúncia volta ao STF, que pode abrir ação penal. Neste caso, Temer será afastado da presidência por 180 dias - e Maia assume a liderança do país. O Congresso volta do recesso após semanas de especulação de que Maia estaria tendo conversas para compor um eventual governo. O clima de desconfiança levou aliados a marcar um jantar entre Temer e Maia para acalmar os ânimos. Um dos frutos da discórdia foi a tensão entre Maia e o presidente Temer na disputa por dez deputados que querem sair do PSB. Temer reagiu ao movimento do grupo de migrar para o DEM de Rodrigo Maia, que tem se fortalecido, e buscou atraí-los para o PMDB - mas depois voltou atrás. Diante do debate sobre um eventual governo de Rodrigo Maia, aliados do deputado ressaltam sua "fidelidade" ao presidente Temer. "Ele se mostrou muito leal e equilibrado nesse episódio do presidente (Temer). Se fosse um oportunista, teria trabalhado por sua derrubada, mas trabalhou por sua manutenção", diz o deputado José Carlos Aleluia (DEM), amigo próximo de Maia. Um dia antes da votação, Maia recebeu para um café da manhã o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, os líderes dos partidos da base aliada do governo, senadores e deputados para uma conversa sobre a agenda econômica, com vista para o Lago Paranoá. A pauta? "É retomar a pauta", diz Aleluia. "Na votação, esperamos virar a página. Aconteça o que acontecer, vamos aprovar as reformas", diz o deputado. Congresso vota nesta quarta-feira denúncia contra o presidente Michel Temer 'Fiel e conciliador' versus 'antipático e sem sal' Maia afirmou recentemente, em entrevista ao jornalista Roberto D'Ávila, da GloboNews, que seu papel é "presidir a Câmara" e que não haverá, de sua parte, "nenhum movimento para prejudicar o presidente". Ele admitiu que os boatos teriam levado a uma bronca da mãe. "Você não vai conspirar!", ela disse em uma mensagem de texto. "Não, mãe, você me ensinou que eu tenho que ser leal, e assim eu sou!", ele falou, reproduzindo o diálogo - e acrescentando que mostrou a mensagem ao presidente Temer. Maia vem ressaltando, entretanto, que sua posição como presidente da Câmara é de árbitro do jogo, e não de deputado aliado - motivo pelo qual estaria buscando estabelecer uma distância do governo. O deputado é descrito por aliados como tímido, fechado, sério, bom ouvinte, fiel aos compromissos que assume, conciliador. Já os críticos o veem como antipático, sem carisma, "sem sal" e sem credenciais para uma eventual Presidência, e o apelidam de "líder de governo" pelo frequente, embora ultimamente fragilizado, alinhamento com a gestão Temer. Desde que assumiu a presidência da Câmara, teve papel decisivo na aprovação de projetos estratégicos para a gestão Temer, como o teto de gastos do setor público, a terceirização e a reforma trabalhista. Em um dos momentos polêmicos de sua gestão, a Câmara impôs profundas mudanças às propostas contra corrupção apresentadas pelo Ministério Público Federal e avalizadas por dois milhões de eleitores. Das dez medidas originais, quatro foram mantidas, e com alterações. Maia é um dos políticos na lista do ministro do STF Luiz Edson Fachin, alvo de inquéritos sobre suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Testemunhos de executivos da Odebrecht indicam que ele teria recebido cerca de R$ 1 milhão em três anos eleitorais. Nas planilhas de propina da empresa, ele seria o "Botafogo" - referência ao time para o qual torce desde pequeno. Outra investigação apura a troca de vantagens indevidas com a OAS. Quando os inquéritos foram autorizados, Maia disse que as citações dos delatores eram falsas e que as investigações seriam arquivadas. O deputado tem conhecidas posturas conservadoras. É contra o casamento homoafetivo e o aborto. Na economia, defende políticas liberais e a agenda do mercado, mantendo a pauta de reformas como prioridade de sua gestão. "Hoje o Rodrigo é o 'senhor reformas'. As reformas são depositadas em suas mãos porque, sem ele, não vai sair nada", diz o deputado José Carlos Aleluia. Cesar Maia, pai de Rodrigo, tem influência sobre destino político do filho 'Brasileiro nato', por um fio Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia tem 46 anos e nasceu em Santiago, no Chile, em 1970. Ele é filho de Cesar Maia, político que foi prefeito do Rio durante três mandatos. Na época da ditadura, Maia foi exilado no Chile e conheceu sua mulher, a chilena Mariangeles Ibarra Maia. O casal teve gêmeos - Rodrigo e a irmã Daniela Maia - e registrou-os no consulado brasileiro. Graças a este gesto, Rodrigo Maia é considerado brasileiro nato - caso contrário, não poderia nem sonhar em ser presidente. Mas, na época, a intenção não foi política, diz Cesar Maia. "Eu nunca pensei nisso", afirma o vereador à BBC Brasil, justificando a iniciativa pelo fato de as raízes com o Brasil serem fortes. Cesar Maia começou a carreira política com o apadrinhamento do ex-governador do Rio Leonel Brizola, fundador do PDT. Rodrigo Maia cresceu nesse meio. Ainda menino, acompanhava reuniões de Brizola com secretários e deputados de madrugada. Na adolescência, pisou no Congresso pela primeira vez com o pai, deputado constituinte, para acompanhar as discussões da Constituição de 1988. Questionado se o filho foi educado para a política, Cesar diz apenas que o criou "nos valores da família". "Minha atuação política seria uma referência espontânea, mas nunca a usei como doutrina", afirma ele, hoje vereador no Rio. Já o deputado e amigo baiano José Carlos Aleluia (DEM) afirma que Maia teve uma educação espartana, e cita o método de educação conhecido como "mãe-tigre" - que impõe regras rígidas e críticas ao desempenho dos filhos - como parâmetro de comparação. A mãe de Maia, diz Aleluia, sempre foi uma presença "forte", e o pai, "muito preparado e estudioso". "Ele herdou um pouco de cada. Quem segue aos seus, não degenera", afirma. Na ideologia, porém, Rodrigo não fez o percurso do pai, que começou a carreira militando na esquerda. "O Cesar veio da malha brizolista e com os anos transitou para a linha conservadora, resolveu ocupar o lugar da direita. O Rodrigo não, ele já se tornou uma figura pública nessa linha, junto a grupos empresariais, defensor do capitalismo de mercado", diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Nas palavras de Aleluia, Maia é um "antipopulista militante convicto". "Nós comungamos a ideia de que o populismo é a grande ameaça à democracia, não é mais o comunismo ou o fascismo. Ele mantém as mesmas características seja na direita americana ou na esquerda latino-americana", diz o deputado. Do mercado financeiro para o governo estadual Maia cresceu sob a proteção do condomínio de elite na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Frequentou o tradicional Colégio Santo Agostinho, que tem uma unidade instalada dentro do mesmo condomínio. No passado, teve que conviver com o apelido de Fofão, por causa das bochechas redondas. Sua carreira profissional se iniciou no mercado financeiro. Trabalhou nos bancos BMG e Icatu e começou o curso de economia na Universidade Candido Mendes - mas abandonou o curso, nunca tendo concluído o ensino superior. O filho de Cesar Maia estreou na política como secretário de governo do Rio, durante a gestão Luiz Paulo Conde (1997-2000), com apenas 26 anos. Dois anos depois, foi eleito deputado federal pela primeira vez, em 1998. "Ele chega muito acanhado, um garoto tímido", lembra Aleluia, que o conheceu nesta época. Seria o primeiro de cinco mandatos, inicialmente pelo PFL, partido que Maia liderou na Câmara e depois presidiu. Em 2007, a sigla se transformou no Democratas, e Maia esteve à frente de sua refundação. Especula-se que Rodrigo Maia estaria montando governo contra o atual de Temer 'Cavalinho passa arreado' Maia nunca teve desempenho significativo nas urnas. Em 2012, candidatou-se a prefeito do Rio ao lado de outra herdeira política - Clarissa Garotinho, filha do ex-governador Anthony Garotinho. A chapa surpreendeu por unir filhos de antigos desafetos e conquistou apenas 3% dos votos, 95 mil no total. Em 2014, Maia se reelegeu deputado com o pior desempenho de sua carreira, com 53 mil votos - o 29º deputado mais votado no Estado do Rio. "Ele é um político de laboratório", opina Chico Alencar, parte da oposição no Congresso. "Não tem inserção social. Sua formação política não foi no movimento vivo na sociedade. Ele sempre foi o filho do Cesar. Até pouco tempo atrás, era o mini Maia. Por incrível que pareça, chegou à presidente da Câmara. Talvez ele mesmo se espante com o poder que adquiriu." O deputado diz que as circunstâncias sempre ajudaram Maia a galgar novas posições em Brasília. "O cavalinho passa arreado na frente dele em várias vezes da vida - é só montar", considera Alencar. União de clãs políticos O casamento de Rodrigo Maia também foi um episódio político. Em 2005, Maia se casou com Patrícia Vasconcellos, enteada do ex-governador do Rio Wellington Moreira Franco (PMDB) - atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. A cerimônia foi marcada pela presença de então presidenciáveis do PSDB: Aécio Neves, Geraldo Alckmin e José Serra. Mas foi ofuscada por protestos e pancadaria do lado fora, com gritos de "oligarquia!" e cartazes com a frase "Não procriem". Maia e Patrícia estão juntos até hoje. O deputado tem quatro filhos, sendo dois de relacionamentos anteriores, e o quinto está a caminho - Patrícia está grávida novamente. Ele usa uma foto dos filhos como seu retrato no aplicativo de mensagens WhatsApp. "Ele é muito família", diz José Carlos Aleluia. "Não conte com ele para coisa de bandalha, não. Tomar uma, ele toma, mas baderna ele não faz. Essa coisa de orgia, não conta com ele, não. Ninguém vai pegar ele (no flagra) por aí, não. Porque os políticos são fracos nesse campo. Ele é certinho mesmo", diz o amigo. O cientista político Maurício Santoro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), diz que o fato de Maia ter nascido e se casado em berços políticos é indissociável de sua trajetória pública. "Ele fez uma carreira na tradição de família, como é típico na política brasileira. Ele se apresenta como herdeiro do pai. Hoje tem o padrasto da esposa em uma posição-chave em Brasília, e está costurando uma aliança importante com o governo federal", considera Santoro. Para o analista, Maia não autuou de maneira oportunista para tentar ocupar a Presidência da República porque possivelmente poderá obter mais benefícios se for fiel, e esperar. "Por isso que ele não foi para o pescoço do Temer, que tem muito a oferecer para ele, como, por exemplo, apoio para cargos no Rio no futuro", argumenta. Maia foi eleito presidente da Câmara para um mandato-tampão após a prisão de Cunha, em julho de 2016 'Lugar certo na hora certa' Maia foi eleito presidente da Câmara para um mandato-tampão após a prisão de Cunha, em julho de 2016, prometendo promover o diálogo e o respeito entre governo e oposição - em contraponto ao estilo de seu antecessor. "Maia estava no lugar certo, na hora certa", diz o consultor político Lucas de Aragão, da Arko Advice. Após a gestão "autoritária e errática" de Cunha, a Câmara queria um presidente calmo e apaziguador, que não quisesse impor sua própria agenda nem fosse de um partido encabeçado por caciques, como o PMDB, o PSDB e o PT. Sua vitória foi um trunfo para o DEM - que agora se vê como o primeiro partido na linha sucessória para a Presidência. "Rodrigo Maia tem sido o que melhor representa o viés de alta do DEM", diz o líder do partido na Câmara, Efraim Filho. "O Lula chegou a dizer que o DEM devia ser aniquilado. O pêndulo político estava à extrema-esquerda e hoje está na centro-direita. O Rodrigo simboliza esse novo momento, de diálogo mais moderado, temperado", diz Efraim Filho. Segundo Efraim Filho, a ascensão do nome de Maia pode credenciá-lo à Presidência no futuro. Em 2018, ele imagina que o deputado possa concorrer ao governo do Rio ou ao Senado. Já Cesar Maia, perguntado sobre o futuro político do filho, remete a um versículo da Bíblia no evangelho de Mateus - o 6:34. É aquele que diz: "Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã se preocupará consigo mesmo. Basta a cada dia o seu próprio mal". |
Pego com dinheiro nas nádegas, Chico Rodrigues está no 'top 10' de senadores com mais emendas liberadas em 2020 | O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é um dos políticos que mais conseguiram liberar dinheiro de emendas em 2020. Até esta terça-feira (13/10), o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) empenhou R$ 15.637.645,00 em emendas do roraimense, fazendo dele o oitavo senador com mais dinheiro liberado. | 'Quase uma união estável', resumiu o então deputado federal Jair Bolsonaro sobre sua relação com o colega Chico Rodrigues Rodrigues foi alvo nesta quarta-feira (14/10) de uma operação conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal para apurar desvios de verbas destinadas ao combate à pandemia do novo coronavírus. O dinheiro desviado teria vindo justamente de emendas parlamentares, de acordo com a Polícia Federal. O suposto esquema teria desviado até R$ 20 milhões em verbas públicas por meio de licitações fraudulentas, segundo os investigadores. Emendas parlamentares são modificações sugeridas por senadores ao Orçamento da União. Geralmente são usadas pelos políticos para direcionar recursos aos lugares onde eles têm votos. Podem ser usadas para custear serviços públicos (como um posto de saúde, uma escola) ou para investimentos (como o asfaltamento de uma rua). Neste caso os recursos eram geridos pela secretaria estadual de saúde de Roraima, e deveriam ser utilizados para a compra de equipamentos de proteção e testes para detecção de covid-19. A investigação apontou direcionamento de licitação para empresas específicas, sobrepreço e superfaturamento nas contratações. A CGU e a PF não divulgaram qual seria o papel de Chico Rodrigues no suposto esquema. Dos 81 senadores, apenas sete tiveram mais recursos liberados em 2020 que Chico Rodrigues. Quem mais teve recursos empenhados foi o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), com R$ 15,9 milhões. Em seguida vêm Jayme Campos (DEM-MT) e Angelo Coronel (PSD-BA), também com R$ 15,9 milhões. No caso de Chico Rodrigues, os ministérios que mais liberaram recursos foram o da Defesa (com R$ 7,2 milhões empenhados) e o da Saúde, com R$ 8,1 milhões. Chico Rodrigues (do lado esquerdo de Bolsonaro) participava de reuniões com o presidente, como essa em 14 de março de 2019 No caso do Ministério da Saúde, os R$ 8,1 milhões destinados por Chico Rodrigues deveriam ter ido para o "incremento temporário ao custeio dos serviços de atenção básica em saúde". Diferentemente da Defesa, no caso da Saúde os recursos já foram empenhados e pagos. A operação deflagrada nesta quarta foi batizada de Desvid-19 e incluía o cumprimento de sete mandados de busca e apreensão na cidade de Boa Vista (RR), entre eles a casa do senador Chico Rodrigues na capital de Roraima. Foram encontrados ali quase R$ 30 mil, e parte das notas de dinheiro estaria entre as nádegas do senador. O flagrante foi registrado pela PF em fotos e vídeos, mas o material não foi divulgado. Na tarde desta quinta-feira (15/10), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou o afastamento de Chico Rodrigues do cargo. Agora, o plenário do Senado precisa decidir se referenda ou não a remoção.Antes da decisão de Barroso, Jair Bolsonaro tinha determinado o afastamento de Rodrigues do posto de vice-líder do governo no Senado, o que aconteceu no começo da tarde desta quinta-feira. Em nota, Rodrigues afirmou que vai provar que não tem "nada a ver com qualquer ato ilícito". "Acredito na justiça dos homens e na justiça divina. Por este motivo estou tranquilo com o fato ocorrido hoje em minha residência em Boa Vista, capital de Roraima". Segundo ele, seu lar foi "invadido por apenas ter feito meu trabalho como parlamentar, trazendo recursos para o combate ao covid-19 para a saúde do estado". No caso da Defesa, o dinheiro se destina à "implementação de infraestrutura básica nos municípios da região do Programa Calha Norte". Esta área abrange 15 municípios de Roraima, Estado do senador. Ao longo da pandemia, diversas operações policiais atingiram governos estaduais acusados de desvios de verba para o combate à doença. Mas essa é a primeira vez que investigações respingam no governo federal. Proximidade com Bolsonaro e autoridades do governo Com longa carreira na política, Chico Rodrigues é bastante próximo do presidente Bolsonaro. Os dois conviveram por duas décadas no Congresso, onde se tornaram amigos. Depois de eleito presidente, Bolsonaro escolheu Chico como um dos vice-líderes de seu governo no Senado. O senador, por sua vez, deu emprego para um primo próximo dos filhos do presidente. Em vídeo que circula nas redes sociais, Rodrigues afirma: "Quero aqui agradecer ao meu amigo Jair Bolsonaro, de 20 anos de Câmara dos Deputados, desde aqueles idos tempos de…", quando é interrompido por Bolsonaro: "É quase uma união estável, hein, Chico? (risos)." Desde julho, o senador publicou fotos em suas redes sociais de encontros com Bolsonaro, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, e os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Onyx Lorenzoni (Cidadania), Luiz Ramos (Secretaria de Governo), Jorge Oliveira (Secretaria Geral da Presidência), além de Mario Frias (Secretaria Especial de Cultura). Em suas postagens com autoridades federais, Rodrigues geralmente trata de assuntos ligadas a Roraima, a exemplo da chegada de venezuelanos ao Estado e da construção do Linhão de Tucuruí, que deveria interligar a rede elétrica entre Manaus e Boa Vista, mas não sai do papel por causa de impasses acerca do impacto em terras indígenas. Em 2019, Rodrigues foi convidado pelo presidente para integrar a comitiva presidencial que visitou Israel. Em vídeo gravado pouco antes da viagem, o colega Flávio Bolsonaro (PRB-RJ) afirma: "É uma grande honra para nós tê-lo aqui no nosso time. (...) A gente conta muito com a sua experiência durante esse governo. Então, é um reforço importante pro time". O senador Chico Rodrigues foi um dos senadores com mais emendas liberadas neste ano Como vice-líder, Chico Rodrigues tinha a função de falar em nome do governo e de ajudar o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), a orientar os senadores governistas durante as votações em plenário, além de substituir eventualmente o líder em suas ausências. Além do cargo de vice-líder do governo no Senado, ele também empregou em seu gabinete o assessor Leonardo Rodrigues de Jesus, conhecido como Léo Índio, que é primo dos três filhos mais velhos de Bolsonaro. O cargo tem salário bruto de R$ 22,9 mil, e em setembro deste ano, Léo Índio levou para casa R$ 16,9 mil líquidos. Nomeado para o posto em abril de 2019, ele é filho de uma irmã de Rogéria Nantes, primeira mulher do presidente. Morou um período com o primo Carlos Bolsonaro, e atuou como assessor informal dele na Câmara Municipal do Rio até ser alocado no gabinete de Rodrigues. À época da contratação, o senador disse que Léo Índio não tinha sido indicado pelos Bolsonaros. "A escolha foi feita pela experiência e articulação no meio político, e isso me pareceu ser muito útil para o nosso mandato", disse. Léo Índio já foi alvo de quebra de sigilo na investigação que apura suspeitas de um esquema de rachadinhas no gabinete do hoje senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). "Rachadinha" é a prática ilegal na qual assessores devolvem parte dos salários para o político que os emprega. Não há nenhuma acusação formal contra Léo Índio neste caso, e Flávio Bolsonaro nega qualquer irregularidade. Investigações e ficha-suja Ao longo de sua carreira política, Chico Rodrigues foi eleito para cinco mandatos como deputado federal, entre 1991 e 2011, sendo quatro pelo PTB e um pelo DEM, partido ao qual é filiado atualmente. A investigação deflagrada nesta semana não é a primeira envolvendo Rodrigues. Em 2014, ele era vice-governador de Roraima pelo PSB e chegou a governar o Estado por alguns meses após a saída de José de Anchieta (PSDB), que renunciou concorrer ao Senado. Chico, porém, acabou cassado do cargo pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) naquele mesmo ano, por gastos irregulares na campanha eleitoral. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele se tornou ficha-suja, mas acabou autorizado pela Justiça Eleitoral a concorrer em 2018 ao Senado. Rodrigues também foi sancionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por causa de promoções indevidas de oficiais do Corpo de Bombeiros no período em que governou Roraima. Apesar do nome, o TCU é um órgão de assessoria do Congresso, e não faz parte do Poder Judiciário. Em meados da década passada, ele foi investigado por irregularidades nas prestações de contas com gastos parlamentares de combustível, no escândalo que ficou conhecido como Farra dos Combustíveis. Rodrigues chegou a admitir que registrava na rubrica de combustível gastos de outra natureza, que não emitiriam nota fiscal. Acabou absolvido. Na nota divulgada após a operação desta semana, Rodrigues afirmou: "Tenho um passado limpo e uma vida decente. Nunca me envolvi em escândalos de nenhum porte. Se houve processos contra minha pessoa no passado, foi provado na justiça que sou inocente. Na vida pública é assim, e ao logo dos meus 30 anos dentro da política conheci muita gente mal intencionada a fim de macular minha imagem". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
China revela imagens de satélite lunar; assista | O primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, revelou nesta segunda-feira asprimeiras imagens da Lua tiradas pelo satélite Chang'e I. | Para os chineses, as imagens mostram o sucesso do primeiro satélite do país a explorar a Lua. A nova imagem é composta por 19 fotos da superfície lunar. Cada foto cobre uma largura de 60 km e mostra crateras de diferentes tamanhos e idades. O satélite deverá permanecer em órbita por um ano. Neste período, coletará informações que serão utilizadas em diversos projetos. |
Por que interessa à China evitar uma guerra comercial com os EUA | Como em qualquer guerra, haverá vítimas de ambos os lados. | China é acusada pelos EUA de inundar mercado com aço subsidiado Mas num conflito comercial em grande escala entre China e Estados Unidos, o gigante asiático pode sair mais "machucado", já que as exportações aos norte-americanos são chave para o modelo de crescimento chinês. O superávit comercial a favor da China (calculado em cerca de US$ 347 bilhões por ano) seria duramente afetado por uma escalada protecionista entre as duas maiores economias do mundo. Por isso, alguns especialistas alertam que Pequim teria mais a perder que Washington. "Potencialmente, a China está muito mais exposta. Por isso, quer negociar uma saída a este enfrentamento", diz Stephen McDonell, correspondente da BBC em Hong Kong. China exporta aos Estados Unidos muito mais do que importa em produtos norte-americanos Até agora, China e Estados Unidos parecem estar jogando as cartas previstas num conflito que, se continuar a se agravar, pode detonar uma recessão econômica global, segundo advertiu o diretor-geral da Organização Mundial de Comércio (OMC), Roberto Azevedo. A China anunciou, na segunda-feira, tarifas de entre 15% e 25% a 128 produtos norte-americanos, entre os quais alumínio, carne de porco, nozes, vinho e frutas. As novas taxas afetam um valor total de US$ 3 bilhões em produtos exportados à China pelos EUA. A medida veio em resposta à decisão do governo Donald Trump de aumentar tarifas sobre aço e alumínio chineses. Mesmo assim, a Casa Branca criticou a retaliação. "Em vez de atingir produtos americanos exportados de forma justa, a China precisa acabar com as práticas comerciais anticompetitivas que estão ameaçando a segurança nacional dos Estados Unidos e distorcendo os mercados globais", afirmou a porta-voz do governo Lindsay Walters. Ela ainda acrescentou que com subsídios aos produtores de aço e o excesso de oferta a China estão criando uma crise no setor. Antes de anunciar o aumento das tarifas, a China disse que gostaria de evitar uma guerra comercial, mas destacou que reagiria à altura se sua economia fosse atacada pelos EUA. Trump, por sua vez, usou o Twitter para dizer que guerras comerciais podem ter efeitos positivos e afirmar que os Estados Unidos têm condição de se sair bem dessas disputas. 'A China tem mais a perder' Especialistas concordam que a China tem mais a perder numa guerra comercial com os EUA Segundo William Alan Reinsch, pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais, com sede em Washington, e ex-presidente do Conselho de Comércio Exterior dos EUA, a China prefere negociar porque "potencialmente tem mais a perder" numa Guerra comercial já que "vende mais aos Estados Unidos do que compra". "A China é uma economia mais dependente das exportações e, portanto, teme pela estabilidade do sistema comercial global", complementa Barry Eichengreen, professor de Economia e Ciência Política da Universidade da Califórnia. Segundo ele, o país asiático está mais vulnerável a uma guerra comercial "estilo olho a olho" que acabe freando o comércio bilateral entre os dois países. Isto explicaria os aparentes esforços de Pequim para convencer os demais atores econômicos a preservar o atual sistema e evitar uma batalha comercial de proporções internacionais. Em um terreno mais político, Eichengreen comenta que convém à China conseguir frear a guerra comercial, para demonstrar sua "liderança global" e reputação como "um sócio confiável". O fator de consenso entre os especialistas, porém, é a dependência da economia chinesa ao mercado consumidor norte-americano. "Pelo menos até que a China consiga encontrar mercados alternativos para suas exportações", comenta Raj Bhala, da escola de Direito da Universidade do Kansas. "As consequências econômicas negativas para a China significam consequências políticas negativas para o Partido Comunista chinês", acrescenta. 'O roubo de propriedade intelectual' Estados Unidos acusam a China de roubar propriedade intelectual Nesta semana, a Casa Branca tornará pública uma lista com produtos chineses que serão afetados por novas taxas. A taxação servirá para "punir Pequim" pelo que Trump classificou de "tremendo roubo de propriedade intelectual". Nesta lista, estariam, principalmente, "produtos de alta tecnologia". A China advertiu os Estados Unidos para que não "abra a caixa de Pandora" e gere uma onda de práticas protecionistas ao redor do mundo. É provável que o governo de Xi Jinping faça tudo o que estiver ao seu alcance para esfriar as tensões antes de responder com medidas de maior alcance. Outra via diplomática corre em paralelo às negociações bilaterais. Segundo especialistas, a China está apostando as cartas em juntar esforços com outros países para deter a explosão protecionista que Trump parece empenhado em promover. A questão é que qualquer movimento em falso pode ter repercussões em diferentes partes do planeta, considerando que a arquitetura econômica e financeira do mundo hoje está cada vez mais interdependente e sincronizada. |
Quanto da riqueza mundial está escondida em paraísos fiscais | Quer pagar menos impostos? Faça um sanduíche de empresas, com duas fatias irlandesas e uma holandesa. | A estratégia fiscal de algumas empresas é como um sanduíche: o fluxo do dinheiro se dá em camadas, o que torna complexo identificá-lo Imagine que você é americano. Crie uma empresa nas Bermudas, no Caribe, e venda para ela sua propriedade intelectual. Essa empresa abre em seguida uma filial na Irlanda. Crie então outra empresa na Irlanda, que faz as cobranças de sua operação na Europa. Agora, crie uma outra empresa na Holanda. Faça com que sua segunda empresa na Irlanda envie dinheiro para seu negócio na Holanda, que imediatamente envia-o para sua primeira empresa na Irlanda, que tem sede nas Bermudas. Já está entediado ou confuso? Essa é justamente a ideia. O sucesso de paraísos fiscais depende de sua capacidade de ao menos dificultar a compreensão do fluxo de dinheiro e, nos casos mais graves, impossibilitá-lo. Técnicas de contabilidade que dão dor de cabeça só de pensar nelas permitem que multinacionais como Google, eBay e Ikea minimizem os impostos devidos - de forma totalmente legal. É fácil entender por que isso deixa as pessoas com raiva. Impostos são uma espécie de mensalidade de um clube: parece errado evitar seu pagamento e se beneficiar dos serviços oferecidos aos associados - no caso de um país, Estado ou cidade, estamos falando de segurança, estradas, esgotos, educação e assim por diante. Mas os paraísos fiscais nem sempre tiveram uma reputação tão ruim. Eles já funcionaram como locais seguros para minorias escaparem de regimes autoritários. Na Alemanha nazista, por exemplo, judeus contaram com a ajuda de banqueiros suíços para esconder seu dinheiro. Evitar x evadir Como outras grandes empresas de tecnologia, Google está sob pressão por como lida com impostos Infelizmente, os bancos da Suíça logo desfizeram essa boa imagem ao mostrar que estavam igualmente dispostos a ajudar nazistas a esconderem bens que roubaram e relutantes em devolvê-los a seus donos originais. Hoje em dia, paraísos fiscais são polêmicos por duas razões: a evasão fiscal, que usa meios ilícitos para evitar o pagamento de impostos, e a elisão fiscal, que explora brechas na lei para evitar o pagamento de impostos de forma legal. As leis valem para todos: pequenos negócios e até mesmo pessoas comuns poderiam criar sistemas internacionais para tirar proveito de diferentes legislações. Só que eles não faturam o suficiente para justificar o que teriam de pagar a contadores por esse tipo de serviço. Se cidadãos comuns quisessem reduzir sua conta de impostos, suas opções estariam limitadas a diferentes formas de crime de evasão fiscal: fraudes sobre os valores devidos, transações em dinheiro vivo não declaradas ou até mesmo passar pela Receita Federal no aeroporto sem declarar os produtos que superam o valor permitido para compras no exterior. Segredo Em 1934, a Suíça transformou em crime que banqueiros revelem informações financeiras de seus clientes Autoridades fiscais apontam que grande parte da evasão fiscal deriva de incontáveis - e modestas - infrações, e não de ricos e milionários encondendo seu dinheiro com a ajuda de banqueiros escusos. Mas é difícil ter certeza. Afinal, se fosse possível medir o problema de forma precisa, ele sequer existiria. Talvez não seja surpreendente que o sigilo bancário tenha começado na Suíça: as primeiras regulamentações que limitam a capacidade de um banco compartilhar informações sobre seus clientes foram aprovadas em 1713 em Genebra. O segredo em torno de operações ganhou força nos anos 1920, quando muitos países europeus elevaram impostos para pagar dívidas contraídas na Primeira Guerra Mundial - e muitos cidadãos ricos buscaram formas de esconder seu dinheiro. Ao perceber que isso favorecia sua economia, em 1934, a Suíça tornou crime que banqueiros divulgassem informações financeiras. O eufemismo para paraísos fiscais é offshore - termo usado para contas e empresas mantidas no exterior. Gradualmente, paraísos fiscais surgiram em pequenas ilhas como Jersey, Malta e no Caribe. Muitas ilhas pequenas se tornaram paraísos fiscais para movimentar suas economias Há uma razão lógica para isso: indústria e agricultura não são exatamente atividades que costumam prosperar em uma pequena ilha, então serviços financeiros tornam-se uma alternativa óbvia. Mas a real explicação é histórica: o desmantelamento de impérios europeus nas décadas após a Segunda Guerra Mundial. Por não querer dar de forma clara subsídios às Bermudas ou às Ilhas Virgens, o Reino Unido encorajou esse países, por exemplo, a desenvolverem expertise em serviços relacionados aos da City de Londres, como é chamado o centro financeiro da capital britânica. Assim, o subsídio ocorreu de forma indireta, por meio de receitas financeiras movimentadas nessas ilhas. Lacuna O economista Gabriel Zucman teve uma ideia engenhosa para estimar a riqueza que está escondida no sistema bancário de paraísos fiscais. Em teoria, se forem somados os ativos (bens) e passivos (obrigações devidas) informados por todos os centros financeiros globais, as contas devem ficar em equilíbrio, mas isso não acontece. Cada um desses centros tende a informar individualmente mais passivos do que ativos. Zucman analisou os números e descobriu que, globalmente, os passivos superavam em 8% os ativos. Isso sugere que ao menos esse percentual da riqueza global não é declarada. Outros métodos aplicados para fazer esse cálculo chegam a somas ainda maiores. Economista avalia que 8% da riqueza global esteja escondida em paraísos fiscais O problema é particularmente grave em países em desenvolvimento. Por exemplo, Zucman estima que 30% da riqueza da África esteja escondida em paraísos fiscais. Ele calcula em US$ 14 bilhões (R$ 43,8 bilhões) o prejuízo anual na arrecadação de impostos. Isso seria suficiente para construir muitos hospitais e escolas. A solução de Zucman é a transparência: criar um registro global de quem é dono do quê e dar fim ao sigilo e ao anonimato bancário que protegem empresas e fundos. Isso pode ajudar com a evasão fiscal, mas a elisão fiscal é um assunto bem mais complexo e repleto de sutilezas. Para entender por quê, imagine que eu seja dono de uma padaria na Bélgica, de uma fábrica de laticínios na Dinamarca e de uma loja de sanduíches na Eslovênia. Se eu vendo um sanduiche de queijo e ganho 1 euro de lucro, quanto desse valor deve ser taxado na Eslovênia, onde vendi sanduíche, na Dinamarca, onde o queijo foi produzido, e na Bélgica, onde assei o pão? Não há uma resposta simples. Truques Nos anos 1920, conforme os impostos aumentavam enquanto o mundo se globalizava, a Liga das Nações (antecessora da ONU) criou protocolos para lidar com essas questões. Eles permitem que empresas tenham alguma flexibilidade escolher onde registram seus lucros. Há argumentos em prol desse sistema, mas ele também possibilita alguns truques contábeis duvidosos. Há um exemplo apócrifo muito mencionado que ilustra bem os extremos lógicos dessa prática: uma empresa em Trinidad e Tobago supostamente vende canetas esferográficas para uma empresa-irmã por US$ 8,5 mil cada uma, resultando em mais lucros sendo contabilizados em Trinidad, onde se paga menos impostos, e menos em locais onde as taxas são mais elevadas. A maioria dos truques do tipo são menos óbvios e, por isso, mais difíceis de quantificar. Ainda assim, Zucman estima que 55% dos lucros de empresas americanas passem por paraísos fiscais, como Luxemburgo e Bermudas, o que gera prejuízos de US$ 130 bilhões para o contribuinte. Outra estimativa aponta que as perdas em arrecadação em países em desenvolvimento superem em muito o volume de dinheiro enviado como ajuda humanitária a essas nações. Há soluções possíveis: os lucros poderiam ser taxados globalmente, com governos criando formas de determinar qual proporção dos impostos devidos deve ser paga a cada país. Vontade política Uma fórmula similar existe para determinar a parte dos lucros devida por empresas americanas a cada unidade da federação dos Estados Unidos. Mas isso depende de vontade política para lidar com os paraísos fiscais. E, ainda que em anos recentes tenham surgido algumas iniciativas neste sentido, especialmente por meio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), elas geraram pouco impacto. Talvez não seja uma surpresa, dados os incentivos envolvidos. Pessoas inteligentes podem faturar mais explorando brechas do que tentando acabar com elas. Governos têm incentivos para competir entre si ao oferecer menos impostos, porque receber uma pequena parte de um valor é melhor do que uma parte maior de nada. Para ilhas pequenas, pode inclusive fazer sentido isentar de impostos, já que a economia local será beneficiada pelo impulso a seus mercados de advocacia e contabilidade. O maior problema talvez seja que os paraísos fiscais se beneficiam principalmente da elite financeira, incluindo alguns políticos e seus doadores de campanhas. Enquanto isso, a pressão de eleitores por medidas contra esses esquemas é limitada pela natureza confusa do problema. Vai um sanduíche aí? *Tim Harford é colunista do Financial Times e apresenta o podcats "50 Things That Made The Modern Economy" ("50 Coisas que Criaram a Economia Moderna"), do Serviço Mundial da BBC. |
O outro apartamento: próxima sentença de Moro sobre Lula pode vir já neste semestre | Nesta quarta-feira, o juiz federal Sergio Moro talvez tenha uma sensação de déjà-vu: receberá o dono de uma grande empreiteira brasileira e o questionará sobre um apartamento que, para o Ministério Público Federal (MPF), fez parte de um esquema de pagamento de propina ao ex-presidente Lula e o PT. O imóvel teria sido uma das formas encontradas pela empresa para "pagar" o ex-presidente por benefícios em contratos com a Petrobras. | Lula é acusado pelo MPF de receber apartamento em São Bernardo do Campo como parte de um esquema de propina Só que desta vez o empreiteiro é Marcelo Odebrecht, e não o dono da OAS, Léo Pinheiro. O apartamento é o nº 121 do edifício Hill House, em São Bernardo do Campo (SP), em vez da unidade 164-A do edifício Solaris, na praia de Astúrias, no Guarujá. O processo do tríplex praiano levou Lula ao cárcere no último sábado. O processo no qual o herdeiro do grupo Odebrecht falará nesta quarta-feira a Sergio Moro, por sua vez, é a ação mais adiantada contra o ex-presidente Lula sob responsabilidade do juiz de Curitiba. O caso pode representar a segunda condenação de Lula na Lava Jato. Além do apartamento nº 121, que fica no mesmo andar da residência de Lula em São Bernardo, a empreiteira Odebrecht também teria comprado um terreno para a futura sede do Instituto Lula, em São Paulo, na rua Haberbeck Brandão. A transação com o terreno foi mais tarde desfeita. Os dois imóveis somariam cerca de R$ 13 milhões em propina – Lula nega ter recebido vantagens indevidas. Pessoas familiarizadas com o processo dizem que, se Sergio Moro seguir de forma célere os prazos do processo, a ação penal pode chegar a um desfecho na primeira instância da Justiça ainda no primeiro semestre deste ano. Moro fará novos interrogatórios sobre apartamento em São Bernardo do Campo e terreno em São Paulo que teriam beneficiado Lula em esquema de propina Lula foi ouvido neste processo em setembro passado. Desde o fim de 2017, Moro analisa pedidos das defesas do ex-presidente e dos outros réus, para esclarecer dúvidas ou omissões nas provas já reunidas no caso. A fase chamada de "instrução", que é quando se produzem as provas, foi encerrada no mês do depoimento de Lula. Marcelo Odebrecht volta hoje a Curitiba Na tarde desta quarta-feira, Moro interrogará Marcelo Odebrecht e um ex-executivo da empreiteira, Paulo Baqueiro de Melo, a pedido das defesas de Lula e de outros réus, às 16h. O bilionário baiano, que, após acordo de delação premiada, cumpre desde dezembro pena de dois anos e meio de prisão domiciliar em São Paulo, terá de falar sobre novas mensagens de email supostamente relacionadas à compra do terreno para o Instituto Lula na rua Haberbeck Brandão, na capital paulista. Odebrecht só entregou o material à Justiça em fevereiro – ele alega que só conseguiu acessar as mensagens depois que saiu da cadeia. Já a defesa de Lula diz que os emails são forjados (os verdadeiros teriam sido destruídos). Ação sobre apartamento em São Bernardo do Campo é a mais adiantada contra o ex-presidente Lula sob responsabilidade do juiz federal Sérgio Moro Nas conversas, Odebrecht manda Baqueiro dar seguimento ao processo de compra do imóvel na rua Haberbeck. As mensagens são dirigidas também a outros ex-dirigentes da empresa, como Paul Elie Altit. As chamadas "diligências complementares" foram necessárias porque o processo foi cercado de controvérsias – em setembro passado, por exemplo, Lula apresentou recibos de aluguel com datas inexistentes, como 31 de novembro e 31 de junho. A defesa alega que se trata de um erro na confecção dos recibos, mas que eles são legítimos. O depoimento de hoje de Marcelo Odebrecht deve ser um dos últimos desta fase do processo. Moro pode abrir os prazos para as chamadas "alegações finais" das partes no fim de abril ou no começo de maio. A partir da determinação do juiz, o Ministério Público terá 10 dias para apresentar suas alegações finais. Depois disso, a Petrobras (atuando como assistente de acusação) tem mais três dias para fazer suas considerações no processo. Depois disso, são mais 10 dias para as defesas – e então, teoricamente, não falta mais nada para uma nova sentença, seja para condenar ou para absolver. Na denúncia, o MPF acusa Lula de ter cometido nove vezes o crime de corrupção passiva, e mais 94 vezes o crime de lavagem de dinheiro. Na lavagem, a pena pode chegar a até 16 anos de prisão; já a corrupção passiva pode ser punida com até 21 anos. Cabe ao juiz, porém, fazer o cálculo e definir a duração da pena em caso de condenação. Apartamento e sede para o Instituto Paulo Baqueiro de Melo terá que falar sobre mensagens supostamente relacionadas à compra do terreno para o Instituto Lula; para procuradores, 'Italiano' é o codinome de Antonio Palocci - que na época era deputado federal pelo PT O dia 4 de março de 2016 ficou marcado como a data em que Sergio Moro determinou a condução coercitiva de Lula, durante a chamada Operação Alethéia (a 24ª fase da Lava Jato). Mas outra coisa aconteceu no mesmo dia: quando os policiais chegaram ao prédio de Lula, em São Bernardo, o porteiro do edifício contou que a família do ex-presidente usava também o apartamento de frente ao nº 122, no qual o petista vivia. Os policiais então pediram – e a esposa de Lula, Dona Marisa Letícia, concedeu – autorização para entrar no outro apartamento, o nº 121. Havia inclusive uma porta ligando as duas residências; soube-se depois que o local era alugado pelo PT no primeiro governo do petista (2003-2007) e depois pela Presidência da República, no segundo mandato presidencial (2008-2010). O objetivo era impedir outras pessoas de acessarem o andar onde Lula vivia, além de acomodar as equipes de segurança que acompanharam o petista enquanto ele era presidente e depois de deixar o cargo. Depois que Lula deixou a Presidência, porém, o apartamento foi comprado por Glaucos da Costamarques - primo do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula e também preso na Lava Jato – por cerca de R$ 500 mil. Marisa Letícia então alugou o apartamento, que continuou a ser usado pela família do ex-presidente. Para o Ministério Público, o dinheiro para a compra veio da Odebrecht, e Lula nunca pagou realmente os aluguéis: Glaucos seria um mero "laranja" da empreiteira, e teria recebido em torno de R$ 170 mil em troca. O apartamento seria, portanto, mais um "presente" da Odebrecht para Lula, dado como retribuição às vantagens recebidas pela empreiteira em contratos com a Petrobras. O apartamento, porém, representou só uma pequena parte da propina paga a Lula, segundo o MPF. Planilha chamada de 'Programa Especial Italiano', traz anotação 'Prédio (IL)'; para procuradores, 'IL' significa 'Instituto Lula' A maior parte do dinheiro (R$ 12,4 milhões) veio com a compra de um terreno na rua Haberbeck Brandão, em São Paulo (SP). O local fica perto do Parque Ibirapuera, na Vila Clementino. Na época (2010), segundo o MPF, quem intermediou a negociação foi o então deputado federal Antonio Palocci, junto com o assessor Branislav Kontic, o Brani. Uma pequena construtora chamada DAG e o próprio Glaucos teriam sido os "laranjas" da operação. O imóvel pertencia, antes, a uma firma de publicidade. Foi comprado formalmente pela DAG em 2010, mas o valor teria sido pago pela Odebrecht. Os procuradores citam, entre outras coisas, uma planilha apreendida na Odebrecht, chamada de "Programa Especial Italiano", na qual existe a anotação "Prédio (IL)", ao lado do número 12.422. Para o MPF, "Italiano" é o codinome de Palocci, e "IL" significa "Instituto Lula". O que diz Lula Para a defesa do ex-presidente, os procuradores da Lava Jato elegeram Lula como inimigo, e estão usando o processo legal como uma arma de guerra contra o petista – no que a defesa chama de "lawfare". Para os advogados de Lula, o MPF não conseguiu traçar, por exemplo, o "caminho do dinheiro" desde os contratos entre a Petrobras e a Odebrecht até a compra do terreno ou do apartamento. O crime de corrupção, por exemplo, exige que se demonstre qual ato específico do ex-presidente foi remunerado pela Odebrecht, e o MPF não teria conseguido demonstrar isto, diz a defesa. A BBC Brasil procurou a defesa do ex-presidente com questionamentos para esta reportagem, mas não houve resposta até a conclusão deste texto. O Instituto Lula, dizem os advogados, funciona no mesmo lugar desde 1991 - desde a época que se chamava "Instituto Cidadania". A entidade funciona em uma casa de dois andares no bairro do Ipiranga, na zona Sul de São Paulo. O terreno da rua Haberbeck nunca foi usado por Lula ou pelo Instituto. Quanto ao apartamento, Lula diz que realmente o alugou – e pagou. Além disso, nos últimos meses, a defesa juntou várias perícias técnicas no processo, questionando a documentação entregue pela Odebrecht. |
Ativistas atacam Paris Hilton com farinha em Londres | A modelo Paris Hilton foi atingida por uma bomba de farinha quando ia para uma festa depois de desfilar na Semana de Moda de Londres, na noite de terça-feira. | A ação foi "um protesto" contra a "tortura e morte de animais", disse Yvonne Taylor, uma porta-voz do grupo Peta, responsável pela ação. Hilton foi atingida juntamente com o estilista Julien Mcdonald's, para quem ela havia desfilado mais cedo. Mcdonald's foi acusado pela porta-voz da Peta de usar peles de animais em suas criações. |
Caio Blinder: Bush tenta conter 'fogo amigo' entre aliados | Nas guerras de George W. Bush há as provocações e insultos de inimigos como o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e o venezueleno Hugo Chávez, mas existe também o esforço cada vez mais suado e crucial para conter o "fogo amigo" de aliados como os presidentes do Paquistão, Pervez Musharraf, e do Afeganistão, Hamid Karzai. | Na quarta-feira à noite, os dois dirigentes foram convocados por Bush para um jantar na Casa Branca. O cardápio era leve (sopa, salada e peixe), mas a conversa pesada, destinada a aparar as arestas em um momento especialmente inquietante de ressurgimento do Talebã e de necessidade de mais coordenação para capturar Osama bin Laden. Nos últimos dias, acirrou-se a troca de recriminações entre os dois dirigentes, em particular em intermináveis entrevistas às televisões americanas, nas quais Musharraf aproveita também para promover sua autobiografia com o sugestivo titulo "In the Line of Fire". Para Karzai, o presidente paquistanês fornece santuário para militantes do Talebã, e o acordo que ele fez com chefes tribais na fronteira dá munição para o ressentimento do líder afegão, pois para todos os efeitos deixa a área, conhecida como "Jihadistão", sob o controle de radicais islâmicos. Musharraf rebate que Karzai deveria assumir sua própria incompetência para conter o ressurgimento do Talebã. Na troca de recriminações há verdades. Musharraf atua com sua tradicional dubiedade, jogando ao lado dos americanos, mas também se autopreservando dentro de casa (ele já sofreu três tentativas de assassinato). Vale lembrar que até sua derrubada com a invasão americana em outubro de 2001, o Talebã governava com apoio paquistanês. Já Karzai é caridosamente apelidado de "prefeito de Cabul", pois sua esfera de influência não vai além da capital. Os americanos apóiam Musharraf na falta de outra alternativa, e de tempos em tempos ele precisa ser amaciado com jatos F-16 ou prensado na parede. O próprio Musharraf alegou em uma entrevista à TV CBS que após os atentados do 11 de setembro seu chefe de inteligência foi advertido por Richard Armitage, o então lugar-tenente do ex-secretário de Estado Colin Powell, que o Paquistáo seria bombardeado até "voltar à Idade da Pedra" caso não cooperasse na chamada guerra contra o terror. Dificuldades subestimadas A rigor, sem cooperação de Musharraf é praticamente impossível neutralizar o Talebã e fica muito díficil capturar Osama Bin Laden. Mas é dentro do Afeganistão que a situação está cada vez mais dramática. Ao contrário de Musharraf, Karzai sempre foi homem de confiança de Bush, escolhido para ser garoto-propaganda da transformação democrática e modernização pós-11 de setembro. Mas agora, como no Iraque, a tarefa de reconstrução afegã é uma decepção, mais um caso de subestimação das dificuldades pelo governo Bush. Existem desilusão popular, fraqueza do governo central, corrupção e o Talebã ocupa o vácuo de poder criado pela presença relativamente leve de tropas americanas e da Otan. A resistência dos radicais islâmicos se revelou mais resoluta do que se imaginava. Na avaliação de James Dobbins, o enviado americano do Afeganistão de 2001 a 2002, não se soube tirar vantagem da relativa tranqüilidade no país que se seguiu à invasão. Agora será bem mais difícil consolidar uma nova ordem em meio às advertências de que o Afeganistão pode se tornar outro Estado falido. Mais do que isto, o comandante supremo da Otan, general Jim Jones, disse em depoimento no Congresso americano na semana passada que o país está a caminho de se tornar um "narcoestado". O presidente Karzai permitiu o rearmamento de milícias privadas, cujos chefes também comandam o tráfico de ópio e heroína. Do lado do Talebã, também há alianças com os traficantes. Um dos poucos negócios que florescem no Afeganistão é o cultivo de ópio. A produção este ano disparou para 6 mil toneladas, um aumento de quase 50% em relação a 2005. Este novo-velho Afeganistão é um pesadelo para Bush. Como Musharraf, seu aliado pouco confiável, o presidente americano está na linha de fogo, acusado pela oposição democrata e vários generais da reserva de ter desviado recursos e atenção da missão afegã para a guerra no Iraque. |
O antes e depois do prédio que pegou fogo e desabou em São Paulo | O edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo, desabou na madrugada desta terça-feira, após um incêndio que tomou conta da construção, onde centenas de pessoas moravam em uma ocupação irregular. | Viviam no prédio cerca de 150 famílias, de acordo com o cadastramento feito pela Prefeitura em março deste ano. Como as ocupações de sem-teto têm população flutuante, não se sabe exatamente quantas pessoas estavam no local enquanto as chamas tomavam conta dos apartamentos. Por isso, ainda é difícil precisar se há vítimas fatais - até o começo da noite desta terça, uma pessoa era dada como desaparecida. O edifício, que pertence à União, foi construído em 1966 e estava abandonado havia 17 anos. No passado, foi sede da Polícia Federal e abrigou uma agência do INSS. De lá para cá, foi ocupado irregularmente diversas vezes. Atualmente, a ocupação estava a cargo do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD). Imagens do Google Earth mostram como o prédio era antes do desabamento. *Com reportagem de Amanda Rossi e Rafael Barifouse |
Suécia lançará vôos espaciais pela aurora boreal | A partir de 2012, turistas poderão ser lançados ao espaço na Suécia através do espetacular show de luzes da aurora boreal – o fenômeno visual que ocorre no céu do Pólo Norte. A iniciativa é da Virgin Galactic, a empresa de turismo espacial do bilionário inglês Richard Branson, em parceria com o consórcio sueco Spaceport Sweden. | Os preparativos para os primeiros vôos espaciais para turistas a partir da base de Esrange, no norte da Suécia, foram detalhados nesta terça-feira, em entrevista coletiva no centro espacial sueco. A idéia da Virgin é fazer de Esrange, situada a 200 quilômetros do Círculo Ártico, a base européia do turismo espacial de Richard Branson. Os testes de vôos na base sueca devem começar ainda este ano. O presidente da Virgin Galactic, Will Whitehorn, destacou que a nave espacial comercial desenvolvida pela empresa está agora em fase final de construção em Mojave, na Califórnia. Os testes da nave SpaceShipTwo, com oito lugares, e sua nave-mãe, White Knight Two (WK2), estão programados para o fim de julho no Novo México, no sudoeste dos Estados Unidos. “Os testes na base sueca serão iniciados imediatamente após os testes nos Estados Unidos, e talvez até ao mesmo tempo”, disse Whitehorn à BBC Brasil. Na concepção da Virgin Galactic, a base sueca vai oferecer aos turistas um atrativo extra: viajar através das luzes brilhantes da aurora boreal. Fenômeno ótico Também conhecida como noite polar, a aurora boreal é um fenômeno ótico que transforma o céu das regiões polares num espetáculo de cores luminosas. Os dramáticos raios de luz que rasgam o céu polar são produzidos em função do choque dos ventos solares com o campo magnético da Terra. No hemisfério sul, o fenômeno é conhecido como aurora astral. A aurora boreal ocorre geralmente nos meses de agosto a abril, e pode ser vista a olho nu durante a noite. Mas a visão de dentro da SpaceShipTwo promete ser consideravelmente melhor. A viagem da nave espacial rumo ao espaço através da aurora boreal terá 2h30 de duração. O espetáculo da noite polar poderá ser admirado através de grandes janelas circulares, localizadas nas paredes e no teto da fuselagem. A SpaceShipTwo será transportada pela nave-mãe até uma altura de 15 quilômetros, e em seguida acionará a força propulsora que, num espaço de seis minutos, vai impulsionar a nave até a altitude de 110 quilômetros. Durante cerca de cinco minutos, os turistas vão poder deixar seus assentos para viver a experiência da ausência de gravidade e apreciar a visão da curvatura da Terra. A nave inicia em seguida o retorno à atmosfera. Serão, portanto, vôos suborbitais, que atingem o espaço, mas não chegam a realizar uma evolução completa em torno do planeta. Durante o verão europeu, será possível presenciar o sol da meia-noite, fenômeno que ocorre durante dois meses nas datas próximas ao solstício de verão. Brasileiro Em entrevista por telefone à BBC Brasil, o presidente da Virgin Galactic revelou que um brasileiro consta da lista de 250 pessoas que já compraram com antecedência um bilhete para os vôos espaciais turísticos da empresa. Segundo a Virgin - uma de muitas empresas que investem no setor do turismo espacial -, entre seus futuros turistas espaciais estão o físico e escritor britânico Stephen Hawking e o designer francês Philippe Starck. “Temos apenas um brasileiro até o momento”, disse Whitehorn, prometendo informar em breve sua identidade. O preço por pessoa: US$ 200 mil (aproximadamente R$ 350 mil). Caro, mas nem tanto quanto outras férias espaciais disponíveis no mercado: um pacote de dez dias na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), por exemplo, sai por US$ 30 milhões - cerca de R$ 82 milhões. Cinco pessoas já realizaram a façanha desde que o empresário americano Dennis Tito foi lancado à ISS em 2001, tornando-se o primeiro turista espacial da história. |
Robôs podem reduzir uso de animais em testes de laboratório | Cientistas americanos estão dando o primeiro passo para testar substâncias químicas em células criadas em laboratório, uma técnica que poderia reduzir o uso de animais em testes desse tipo, segundo um artigo publicado na revista Science e discutido no encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês), em Boston. | Duas agências do governo americano estão estudando a possibilidade de usar robôs de alta-velocidade para a realização desses testes. O objetivo a longo prazo é reduzir os custos, o tempo e o número de animais usados em testes de laboratórios para analisar os possíveis efeitos danosos de pesticidas e produtos de limpeza, entre outras substâncias, sobre os humanos. A técnica se segue aos pedidos para que cientistas usem menos animais nas pesquisas. Os robôs teriam capacidade para realizar milhares de testes por dia, identificando substâncias químicas com efeitos tóxicos. Mais rápido e barato Falando em um link de vídeo ao vivo, Francis Collins, diretor da Pesquisa Nacional do Genoma Humano do Instituto Nacional de Saúde (NIH, na sigla em inglês), afirma que os testes com robôs poderiam representar um método mais rápido e barato de testar as substâncias. “Historicamente a toxicidade sempre foi determinada com a injeção das substâncias em animais de laboratório, observando se eles ficam doentes, e depois analisando seus tecidos em um microscópio”, explicou ele. “Apesar de este método trazer informações importantes, ele de ser caro, leva tempo, usa um grande número de animais e nem sempre prevê se as substâncias serão danosas aos humanos.” Programa de cinco anos Essa pesquisa - uma colaboração do NIH com a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) - tem potencial para revolucionar o modo como substâncias químicas tóxicas são identificadas. “No fundo, o que a gente quer saber é: Esse composto prejudica as células?”, disse Collins. “Então, será que poderíamos, em vez de observar um animal inteiro em nossa primeira linha de análise, observar células individuais de diferentes organismos, ou diferentes animais, com diferentes concentrações do composto?” O programa de pesquisa de cinco anos vai usar robôs de análises automatizadas de alta velocidade desenvolvidos durante o projeto do genoma humano. Isso vai permitir que eles completem 10 mil análises em células e moléculas por dia, em comparação com 10 a 100 estudos por ano em cobaias. Longo prazo Amostras das substâncias químicas serão adicionadas a células humanas ou animais, crescidas em laboratório. Essa mistura será estudada para encontrar sinais de toxicidade, usando uma variedade de testes genéticos e bioquímicos. O objetivo a longo prazo é desenvolver métodos de testes que não dependam de animais e sejam rigorosos o suficiente para ser aprovados pelos reguladores. Atualmente, estão sendo estudados os efeitos toxicológicos de mais de 2 mil compostos químicos em células humanas ou em roedores. Mas os cientistas afirmam que ainda há muitos anos pela frente até que os testes sem o envolvimento de animais se tornem rotina, mesmo que a pesquisa tenha um resultado positivo. |
A ex-testemunha de Jeová que virou voz do funk transgênero | MC Linn da Quebrada cresceu no interior paulista em uma família simples e religiosa. A mãe, alagoana, era empregada doméstica, e ela cresceu entre Votuporanga e São José do Rio Preto, até retornar à zona de leste de São Paulo e se tornar uma das novas vozes de um movimento crescente na música brasileira: a dos artistas que colocam em pauta a questão do gênero. | Transexual de 25 anos, MC Linn não fala só sobre os direitos TLGB (Transexuais, Lésbicas, Gays e Bissexuais), mas trata também do direito de ser afeminada, ou de "enviadecer", como ela coloca em uma das suas músicas com conteúdo bem explícito e cujos videoclipes já têm mais de cem mil visualizações no YouTube. "Passei uma vida inteira ouvindo que 'ser viado não é uma coisa legal', que ser travesti é perigoso e vai trazer problemas. E eu não estou dizendo que é fácil, mas que é possível e lindo ser transviada - é uma possibilidade feliz. "Eu venho de uma criação religiosa muito rígida, eu era testemunha de Jeová, então tive o corpo muito disciplinado, domesticado pela Igreja e pela doutrinação, que me privava dos meus desejos. Era como se ele não me pertencesse. Até eu tomar o bastião de liberdade há alguns anos e me assumir", conta. MC Linn acredita que há interesse mercadológico nos artistas trans Ela chegou a fazer alguns raps, mas foi no funk que encontrou a melhor forma de se expressar. Fim do Talvez também te interesse "Eu vivi na periferia com minha mãe, e lá a música comunica - música como o funk, o samba, de preto e preta, de linguagem direta, que movimenta o corpo. Também ali tive contato com as músicas TLGB, músicas de bicha, que estão nas baladas. E percebi que esse tipo de música me movimentava mas estava somente relacionada ao universo machista. E por acreditar que a música também é um espaço a ser ocupado e contaminado, por que não eu fazer algo que eu quisesse ouvir? Foi aí que eu decidi começar meu trabalho com as minhas histórias." A explosão do gênero na música Assim como Linn, outros artistas como Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira, Jaloo e Johnny Hooker também vêm abordando as questões de gênero - nem sempre por discursos explícitos nas letras, mas pela exposição de mídia e por se colocarem como são - trans, não binários, travestis - ao público. Linn atribui essa explosão de artistas que tratam de alguma forma da questão de gênero às redes criadas pela internet e reconhece que "há interesse em que isso se torne um produto de alguma forma". "Estamos num momento de tomada dos meios de produção, a internet facilitou as coisas. A diferença é que hoje nós conseguimos ser vistas: consigo ver que tem trans lá no Nordeste fazendo coisas maravilhosas de que eu não iria saber antes. Eu mesma, bicha da favela, consigo ser vista e conhecida pelo meu trabalho. Além disso, acho que há um interesse mercadológico nisso tudo." 'Terrorista de gênero' Ativista, MC Linn colaborou com a formação da ONG ATRAVESSA (Associação de Travestis de Santo André) e se considera "bicha, trans, preta e periférica. Nem ator, nem atriz, atroz. Performer e terrorista de gênero". Questionada pela reportagem sobre a necessidade de ser uma "terrorista" nesse sentido, ela responde com outra pergunta: "Será que não fomos por tempo demais inofensivas? Não está na hora de a gente passar a dar medo, a assustar? E também a se assustar, se pôr em risco? Por isso me coloco nessa posição: eu quero duvidar da imagem consolidada há tanto tempo no espelho. Eu quebro esse espelho para que possa me reinventar. É preciso ter muita coragem para sair como eu saio na rua, porque as pessoas não matam só com faca ou com balas. O discurso também mata. Os olhares pelas ruas também nos matam e nos oprimem, e é preciso que todos os dias eu mesma me encoraje para poder ser". E trabalho dela, além de autoral tem também um viés político de "empoderamento". "Tudo que a gente faz é politica. A roupa que eu escolho para sair na rua é política, a escolha de sair maquiada ou não também. Cada palavra que eu digo numa musica ou numa conversa informal é política, tem efeitos e diz respeito a uma atitude, a um posicionamento." MC Linn aposta no efeito que a obra dela pode ter - para si mesma, para outras trans e para o mercado da música no Brasil. "Apesar da facilidade maior de produzir, não é fácil entrar em alguns espaços. Para algumas pessoas como eu, às vezes não é fácil nem sair de casa, é um ato de coragem tomar o próprio corpo. Então eu espero que minha música consiga ser ouvida e com isso, outras pessoas possam ter a coragem de ser, de existir, e a gente possa estabelecer esses vínculos para sobreviver", diz. "Eu não sou a rainha do empoderamento, uma diva, nada disso. Eu sou só uma bichinha da favela, mais uma, como qualquer outra - e qualquer outra também pode produzir." |
A história secreta dos 'óculos de raio-X' - e por que podem se tornar realidade | "Eu vi minha morte!", teria exclamado Anna Bertha Rontgen após ver a primeira fotografia de raio-X já feita - uma imagem dos ossos de sua mão. O marido de Anna, o medico alemão Wilhelm Rontgen, descobriu os raios-X em 1895. | Promessa de uma visão de raio-X nunca caiu em desuso, mas até que ponto pode se tornar realidade? A notícia de que alguém havia encontrado um jeito de ver através da pele e da carne humanas para observar o esqueleto por baixo, sem tocar a pessoa, foi uma sensação internacional. Logo imagens de raio-X revelando ossos e até a sombra de órgãos internos estampavam jornais pelo mundo. Não demorou para essa tecnologia se incorporar à cultura popular. Os raios-X eram vistos como algo sexy e como uma espécie de superpoder - uma ideia que se tornaria imortal nos quadrinhos do Super-Homem nos anos 1940. A descoberta dos raios-X em 1895 foi uma sensação internacional Mas as pessoas sempre esperaram que esse recurso pudesse um dia estar disponível para o público em geral. A tecnologia era imaginada como um tipo de óculos de raio-X que pudesse ver através das paredes. Presente na ficção científica, essa possibilidade pode agora estar próxima de virar realidade. Fim do Talvez também te interesse Nos meses e anos que se seguiram à descoberta de Rontgen, não faltaram ideias sobre o que as pessoas poderiam fazer com os raios-X. Para citar um exemplo, uma revista na cidade escocesa de Dundee informou em 1896 como o chefe local de polícia estava refletindo sobre adaptar a tecnologia de raio-X para "propósitos de investigação". Um aparelho de raios-X portátil como um binóculo poderia ser usado, segundo a revista, para espionar locais onde traficantes de bebidas alcoolicas, proibidas à época, poderiam estar efetuando suas vendas. "Havia muita ficção sobre raios-X naquela época", diz Keith Williams, professor de Língua Inglesa na Universidade de Dundee. "Um artigo sobre ondas elétricas acabava com o jornalista de ciência especulando sobre a possibilidade de ver por entre paredes até os espaços mais privados das pessoas." Também havia demonstrações de raio-X mais espalhafatosas. Uma exposição prometia aos visitantes a habilidade de "ver através de uma placa de metal" ou "contar as moedas em sua bolsa". Na verdade, contudo, experimentos iniciais com raios-X estavam limitados a aplicações médicas e científicas. Pesquisadores se divertiam produzindo imagens de esqueletos de animais ou aprimorando a técnica para criar imagens mais nítidas. O próprio Rontgen já havia feito experimentos com um tubo de Crookes - instrumento científico que acelera elétrons em um feixe conhecido como raio catódico. Uma pequena porção da energia desse processo é liberada na forma de fótons, partículas elementares da luz. No espectro eletromagnético, o comprimento das ondas de fótons define se elas são, por exemplo, ondas de rádio ou, no caso do experimento de Rontgen, raios-X. Uma tela fluorescente já tinha revelado que os raios de Rontgen estavam atravessando alguns materiais, como músculos, mas não outros - como ossos. Anúncios prometiam que quem usasse os óculos poderia ver através de roupas - o que, claro, não era verdade Embora os efeitos nocivos da exposição frequente a raios-X tenham sido logo descobertos, a promessa de uma visão de raio-X nunca caiu em desuso. Óculos de raio-X, um item comumente vendido com revistas e HQs, foram patenteados em 1906. Os óculos não usam raios-X, claro, mas criam uma espécie de visão dupla na qual a sobreposição de objetos sugere - de maneira pouco convincente - que tais itens tenham tido a estrutura interna revelada. Mas em 1998 a promessa dos óculos de raio-X teve uma virada tecnológica inesperada. A Sony estva divulgando uma nova linha de câmeras com recursos de visão noturna - uma função batizada como "NightShot". Alguns entusiastas disseram que, sob certas circunstâncias, era possível ver por entre as roupas das pessoas. Houve até um boato sobre um recall que a Sony teria feito para recolher alguns modelos diante da repercussão ruim - na verdade a empresa fez apenas algumas mudanças no design dos equipamentos. Mas os equipamentos de visão noturna continuaram sendo usados em experimentos. Um YouTuber publicou uma suposta demonstração de como uma camera da Sony de 2002 poderia ser modificada com fita adesiva e um filtro infravermelho para alcançar o desejado "efeito raio-X". O vídeo mostra como a capa de um livro - e até o sutiã da mulher do autor do video - podiam ser vistos através de sua camiseta preta. "Aí está", ele diz, "visão de raio-X." A visão noturna funciona detectando luz infravermelha, que humanos normalmente não veem, e convertendo essa energia em ondas de luz visível. Pode ser que os tecidos usados nesse exemplo revelem mais quando vistos em infravermelho, sugere Alistair Brown, gerente de produto na empresa de imagens térmicas e noturnas Thermoteknix. Isso poderia fazer com que parecessem bem diferentes do que pelas ondas de luz visíveis captadas por nossos olhos, afirma. Vince Houghton, um ex-militar americano e historiador no Museu Internacional da Espionagem, em Washington, usava visão noturna e imagens térmicas com frequência no Exército. Mas ele diz que as "capacidades de raio-X" desses equipamentos são bem limitadas. "Você pode ver através de estruturas, mas nada muito além disso", afirma. "Se você tem uma estrutura sólida, é muito difícil ver através dela com infravermelho". Mas isso não significa que não haja uma demanda por essa tecnologia. Houghton cita como exemplo uma situação de tomada de reféns. "Se você puder ver internamente quando finalmente decide por uma inflitração, você sabe onde os bandidos estão." Mas alguém já criou algo que possa fazer isso? A resposta, surpreendentemente, é sim. Enquanto os raios-X continuam sendo algo com o que apenas especialistas conseguem lidar, companhias militares experimentam há muito tempo com eles. E tanto que a ideia levantada pelo xerife de Dundee do século 19 finalmente se tornou realidade. "Os primeiros experimentos foram essas grandes máquinas que não eram úteis em termos de operações policiais ou militares", diz Houghton. Mas hoje, policiais e militares têm a opção de comprar uma pistola de raio-X - um aparelho portátil que pode ser usado para averiguar veículos, quartos, bolsas e pacotes. "Enquanto um operador foca no alvo, uma imagem aparece em tempo real no tablet do sistema", diz a empresa American Science and Engineering em seu site. Também há uma página onde é possível fazer uma demonstração virtual da tecnologia. Ainda assim, a pistola Mini Z não está disponível ao público em geral e custa US$ 50 mil. Há também preocupação com o risco de saúde pública decorrentes do uso indiscriminado de aparelhos de raio-X. Também há críticas sobre invasão de privacidade, já que alguns dispositivos conseguem ver através das roupas. Diante dessas inquietações, a legislação nos Estados Unidos hoje veta a formação de imagens detalhadas nesses equipamentos. Raios-X já são usados em aeroportos para escanear bagagens - e alguns conseguem ver através das roupas Raio-X caseiro Contudo, uma tecnologia muito mais barata e segura que oferece "habilidades de óculos de raio-X" já está presente em sua casa - o wi-fi. No ano passado, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT na sigla em inglês), nos EUA, publicou um vídeo que mostra como um transmissor de wi-fi pode ser usado para criar uma imagem irregular de alguém através de uma superfície sólida. "Quando você envia um sinal de wi-fi, ele reflete tudo, e esses reflexos voltam a você", diz Dina Katabi, professora de Engenharia Elétrica e Computação no MIT. Um software consegue analisar esses reflexos de sinal e produzir uma imagem do objeto do qual elas emanaram. "Nós podemos detectar como pessoas se movem por um espaço, onde se sentam, como andam, e também identificar quedas - algo importante para idosos", acrescenta Katabi. Para Houghton, a tecnologia tem um leque de usos em potencial. Poderia a visão de raio-X usada por médicos um dia estar disponível ao público em geral? "Sei que tecnologia semelhante já está sendo usada para inspeção de construções", afirma. "Você consegue verificar coisas como cabeamento interno e estruturas." É possível, naturalmente, que agências militares e de inteligência já estejam empregando versões avançadas dessa tecnologia para ações de vigilância. "Qualquer coisa que você vê na mídia está dez anos atrás do que as agências de inteligência estão usando", afirma Houghton. Ele diz que isso significa que provavelmente já completamos um ciclo no sonho centenário dos óculos de raio-X. Se os "óculos inteligentes" um dia se tornarem populares, não é difícil imaginar versões em miniatura dessas tecnologias sendo incorporadas a esses acessórios. Ou seja: o que um dia foi uma ideia boba numa velha revista pode logo se tornar realidade. Até o Super-Homem ficaria impressionado. Leia a versão original desta reportagem em inglês no site BBC Future. |
A cidade holandesa com 225 nomes diferentes | A histórica praça de Oldehoofsterkerkhof, em Leeuwarden, capital da província de Friesland, na Holanda, é uma mistura impressionante do estranho com o misterioso. | Leeuwarden, na Holanda, é a Capital Europeia da Cultura em 2018 Nela está a De Oldehove, uma torre inacabada do século 16 que é até mais inclinada que sua colega mais famosa, a de Pisa, na Itália. Há ainda o deslumbrante Museu Nacional de Cerâmica de Princessehof, uma imponente casa reformada, repleta de raridades da dinastia chinesa Ming e de obras de Pablo Picasso, além de ser o lugar onde cresceu MC Escher, artista gráfico do século 20 que criou cenários oníricos de escadarias intermináveis e cachoeiras intrigantes. E, finalmente, o Gemeentehuis, a prefeitura, onde os holandeses ouviram pela primeira vez a lenda de Grutte Pier, um pirata gigante com força sobre-humana que mataria qualquer um que não fosse frísio – grupo étnico germânico da parte costeira da Holanda, onde está a cidade, e do noroeste da Alemanha. Mas talvez mais estranho que tudo isso é a Lân fan taal ("terra das línguas", em frísio), uma casa dedicada a milhares de idiomas. Inaugurada em janeiro de 2018 na praça, a construção foi erguida como parte do programa de Leeuwarden como Capitail Europeia da Cultura daquele ano. A instalação dispõe 6.720 línguas, um catálogo extenso dos idiomas ao redor do mundo, incluindo o frísio, a principal língua da província. Fim do Talvez também te interesse E faz todo sentido estar ali. Especialmente por que Leeuwarden – ou Ljouwert, Liwwadden, Leewadden, Luwt, Leaward ou ainda Leoardia, como chegou a ser chamada entre os séculos 11 e 19 – é conhecida como "A Cidade de 100 Nomes". "Estamos tentando dar vida às línguas, e não há lugar melhor para se fazer isso do que em um lugar com uma história linguística tão única", disse Siart Smit, diretor de programação da Lân fan taal, enquanto caminhava pela instalação. "Esta é uma província bilíngue, onde se fala holandês e frísio, e há 128 nacionalidades vivendo em Leeuwarden. Então essa história celebra nossa diversidade e promove o multilinguismo". O fato de que metade das línguas do mundo está ameaçada de extinção é razão suficiente para explorar Lân fan taal. Ao redor dessa maravilhosa exposição, blocos de madeira pendem do teto com idiomas em ordem alfabética inscritos neles – um trecho lista, por exemplo, sueco, suábio, suwawa e suruí do Pará, este último de um grupo indígena paraense, e a maioria desconhecida do visitante comum. Em outra parte, 84 placas de neon em branco, vermelho, azul e verde – mostrando como as pessoas usam palavras diferentes para expressar a mesma ideia – cobrem o espaço como um arco-íris. Mas se o objetivo da Lân fan taal é promover uma maior compreensão sobre os dialetos, Leeuwarden, ao contrário, guarda uma profunda estranheza linguística em sua própria criação: seu nome esteve em constante mudança desde o século 10. No Guinness World Records, o livro dos recordes, Leeuwarden aparece com 225 variações, e não apenas as cem de seu apelido. Mas afinal, como o vilarejo holandês adquiriu tantos nomes? Lân fan taal apresenta um catálogo extenso das línguas do mundo Geografia e guerras Para começar, há uma razão geográfica. Localizado na remota área do nordeste do país, a província de Friesland está rodeada por planícies de maré (territórios que variam entre períodos submersos pelo mar ou com extensos bancos de areia), pântanos e o mar de Wadden. A região se tornou parte do moderno reinado da Holanda, criado em meio às guerras napoleônicas no início do século 19, quando a Europa batalhava contra o líder francês. Mas ainda hoje os holandeses enxergam Friesland como parte de outro país. Casas triangulares, canais sinuosos e ciclovias cobertas de trepadeiras são as mesmas que existem em outros lugares da Holanda, mas a vida aqui é mais lenta, os moradores são estereotipados como mais retraídos e conservadores. No entanto, pelo menos na minha experiência visitando a província, eles são muito menos expansivos do que os compatriotas do Sul. Considere ainda que Friesland é também a parte menos povoada do país e que a sensação de isolamento foi o que levou parte dos francos, holandeses, flamengos, saxões e valonianos, entre outros, a escolher o local como moradia. Foi essa pulverização cultural que levou tanto a pronúncia quanto a ortografia de Leeuwarden a mudar. Para entender melhor esse processo, procurei o historiador Henk Oly, do Centro Histórico de Leeuwarden, que me deu um explicação nem fácil nem direta para a profusão de nomes. Tradicionalmente, ele explicou, Leeuwarden tem várias formas: em frísio (Ljouwerd), em um equivalente do holandês (Leeuwarden) e em dois formatos (Leewwadden e Liwwadden) provenientes do dialeto Liwwadders. Para complicar ainda mais, a cidade é conhecida como Luwt em outras partes da província, enquanto que, ao longo dos séculos, estudiosos costumavam latinizar o nome para Leovardia. Ao acrescentar-se as variações fonéticas, que também implicaram em mudanças ortográficas, as possibilidades simplesmente explodem. "Antes de 1804, não havia uma ortografia oficial, então cada um escrevia mais ou menos como costumava pronunciar as palavras", diz Oly. "Era possível escrever Ljouwerd ou Ljouwert, porque o 'd' no final da palavra soa como 't', por exemplo. Ou escrever Lyouwerd, Ljouwerd ou Liouwerd, já que eles são pronunciados exatamente da mesma maneira. Quando se combinam as variações, o potencial é quase sem fim." Há mais de 200 variações do nome 'Leeuwarden' que datam do século 11 A lista campeã mundial, com 225 nomes, é um legado do recordista do século 19 Wopke Eekhoff, filho de um ourives que assumiu o cargo de arquivista da cidade em 1838. Primeiro a desempenhar essa função na Holanda, ele foi incumbido de coletar tudo o que pudesse sobre a história de Leeuwarden e fazer a curadoria de uma coleção de arte municipal. Como Leeuwarden acumulou dezenas de apelidos ao longo dos séculos – de 1500 a 1520, por exemplo, a ortografia do nome da cidade mudou a cada quase dois anos – era uma tarefa, no mínimo, complexa. Ainda assim, Eekhoff continuaria a registrar incansavelmente dois volumes de 400 páginas da história da cidade, eventualmente elaborando uma linha do tempo de Livnvert, em 1039, para Luweden, em 1846. Ao final do século 19, mais mudanças ocorreram quando tanto a Academia Real Holandesa de Ciências, em 1864, e a Sociedade Real Holandesa de Geografia, em 1884, publicaram, respectivamente, a primeira lista do país com nomes de lugares, com base nas regras contemporâneas de ortografia. Logo depois, as formas holandesa e frísia se tornaram o padrão. Enigmas "Até hoje os nomes das cidades e vilarejos holandeses não foram oficialmente padronizados pelo governo federal", explicou Oly, acrescentando que vários mapas e trabalhos de Eekhoff ainda são usados. "Não há regras, então desde o início do século 20 temos escrito Leeuwarden em holandês, e o governo frísio insiste em usar Ljouwert como sua forma oficial." Para o visitantes de hoje, o brasão de Leeuwarden, impresso em sua bandeira e em prédios do governo, também é um enigma. Ele retrata um feroz leão dourado em um fundo azul real e sob uma coroa cravejada de esmeraldas e rubis. "A maioria pensa que 'Leeu' significa leão e que somos a 'cidade do leão' por causa do brasão, mas isso está errado", explicou-me a guia turística Christina Volker enquanto explorava as vibrantes ruas do centro. "O nome originalmente vem de 'Leeuw', que significa vento, e 'warden', que são pequenas colinas, em frísio. A cidade foi erguida sobre três montes artificialmente construídos (terpen) para proteger e abrigar a área do impacto do mar. Isso a torna um lugar tranquilo", acrescentou. Leeuwarden mantém o recorde da cidade com mais variações no nome Mas se antes era um lugar sossegado, Leeuwarden agora está chamando a atenção do público com seu mais recente título: o de Capital Europeia da Cultura neste ano. Isso fica claro nas filas que se formam para o Museu de Friesland e nas muitas imagens da cidade pintadas ou impressas, antes colecionadas por Eekhoff e agora exibidas nas galerias do Centro Histórico de Leeuwarden. Ao colocar essa rica história linguística no centro das atenções desse festival cultural que se estende pelo ano, pode-se dizer que Leeuwarden completou seu ciclo. Apenas agora os frísios têm certeza de que o mundo dirá seu nome corretamente. |
Suíço apresenta plano de volta ao mundo em avião solar; assista | Um avião movido a energia solar. Esse é o novo projeto do piloto suíço Bertrand Piccard. | Piccard, que realizou em 1999 o primeiro vôo sem escalas ao redor do mundo a bordo de um balão, pretende fazer o mesmo a bordo do avião solar - chamado Solar Impulse - em 2011. Por enquanto, estão sendo realizados apenas testes virtuais, envolvendo todas as condições climáticas, inclusive dias nublados sem sol. O avião terá painéis solares que irão carregar bateriais de lítio. As baterias irão, então, fazer com que o motor funcione. |
'Acreditei por muito tempo que era só eu': o silêncio de quem denuncia violência sexual cometida por médicos | Quando Nina entrou no consultório médico, só queria levar o resultado de exames. Buscou o gastroenterologista por sofrer com dores estomacais, que levaram a uma suspeita de gastrite. Já havia passado ali acompanhada da mãe, mas daquela vez foi sozinha. Tinha 16 anos e morava em uma cidade a oeste do Paraná. | Paranaense Nina Marqueti foi abusada por médico aos 16 anos e só falou publicamente do assunto depois de mais de uma década. Hoje, é porta-voz da campanha #ondedói, que dá visibilidade ao tema O médico que a atendeu pediu para examiná-la lá mesmo, em vez de apenas analisar os documentos que ela trazia. Ela se deitou na maca. "Ele me tocou e colocou os dedos na minha vagina", relata Nina Marqueti, hoje com 28 anos. Não foi a primeira vez. "Numa consulta anterior, com a minha mãe no consultório, ele ficou passando a mão pela minha virilha". A justificativa usada era da existência de ínguas — aumento dos gânglios linfáticos — na região. Passar a mão pela região seria, então, a forma de descobrir se algum lugar "doía". O desconforto acendeu o sinal vermelho para o abuso. Mas a paranaense conta que sequer sabia como contestar o médico sobre o procedimento. "Eu nunca tinha visto na minha vida alguém questionar o que um médico falava". Foram mais de dez anos de silêncio até que Nina falasse publicamente sobre o assunto. Ela se tornou porta-voz da campanha #ondedói , criada por uma coalizão de organizações e grupos feministas, que busca notificar a violência contra a mulher cometida por médicos e outros profissionais de saúde. Fim do Talvez também te interesse A hashtag ganhou força e recebeu mais de 4 mil relatos em redes sociais como o Twitter. Já no site da iniciativa, que documenta as ocorrências por um formulário, o número passa de 360. "A gente já sabia que esse era um crime frequente, mas se surpreendeu com a quantidade de pessoas que passaram por isso", explica Nina, que hoje mora em Nova York, nos EUA. Os depoimentos mostram a dimensão do problema. Uma usuária descreve que precisou tirar a roupa para um procedimento, e só descobriu que isso não era necessário quando falou com outra profissional de saúde. Outra, ainda criança, foi examinada a portas fechadas e tocada na vagina — mesmo que tivesse sido levada ao médico por uma dor de garganta. Entidades de classe como o Conselho Federal de Medicina não fazem levantamentos sobre número de casos de assédio sexual cometidos por médicos. Cifra escondida Ainda não há um levantamento oficial sobre as ocorrências de violência sexual em ambientes médicos, como hospitais, consultórios e postos de saúde. Os conselhos de medicina, que podem cassar a licença de profissionais com conduta indevida, também não apresentam estatísticas. O CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) — Estado onde ocorreu o caso de Nina — afirma que não possui estatísticas sobre as denúncias que se enquadram como "assédio". "Este termo não é utilizado em nosso índice remissivo, que é estritamente vinculado aos artigos do Código de Ética Médica", declara a entidade em nota. Já o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) forneceu em nota os números sobre abuso sexual entre 2014 e 2019. "Foram instauradas 317 sindicâncias, sendo: 128 em andamento, 138 arquivadas, 49 transformadas em processo e 2 transformadas em procedimento administrativo". Por sua vez, o Conselho Federal de Medicina, entidade que julga os recursos apresentados em processos do tipo, não possui um levantamento a nível nacional sobre as denúncias de assédio e estupro que chegam aos conselhos regionais. "As pessoas sabem [dos mecanismos de denúncia] mas existe o constrangimento", opina o cardiologista Julio Braga, vice-presidente do Cremeb (Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia). São poucas as denúncias que chegam ao órgão, segundo ele. Em um ano, foram "duas ou três" casos no estado. Ele explica que a necessidade de narrar a violência, ocorrida em "momento de relação íntima profissional", às autoridades pode afastar as vítimas. Nessas ocorrências, o papel das entidades é de determinar se houve alguma violação ética. "Se o médico usar a questão da confiança por parte do paciente, da sedação, do uso de medicamentos...", exemplifica o médico. Se, por esse caminho, os registros são poucos, há outra porta de entrada: as delegacias. Um levantamento do site Intercept Brasil, feito com base nos dados de secretarias de segurança, deu conta de mais de mil casos reportados em nove Estados brasileiros. Especialistas estimam que crimes do tipo, de cunho sexual, sejam ainda subnotificados. Por trás do silêncio São poucas as ocorrências que chegam às vias institucionais. O que iniciativas como a campanha #ondedói apontam — e os depoimentos compartilhados pela hashtag indicam — é que há uma série de obstáculos no caminho de quem sofre violência e que leva ao silêncio. O primeiro problema, como explica Nina Marqueti, diz respeito à violência em si, que pode passar despercebida. Ou seja, atitudes abusivas podem ser interpretadas como procedimento padrão pelas pacientes. "A gente sente o desconforto, percebe que tem alguma coisa errada mas está em uma situação muito vulnerável, em que não sabe qual o procedimento", sintetiza a porta-voz da campanha. A advogada Amarílis Costa, membra executiva das Comissões da Mulher Advogada e de Igualdade Racial da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), também destaca o problema. "As mulheres não conseguem dizer se aquele toque ultrapassa o profissional", resume a advogada, que atende casos de violência contra a mulher em ambientes médicos, em especial sofridos por mulheres negras. "É uma relação de confiança com uma pessoa que se entende como tendo aptidão técnica". Amarílis nota um padrão entre as mulheres que a procuram para apoio jurídico. Em geral, elas só buscam advogados depois de uma "terceira pessoa" apontar o problema. "Em um momento de diálogo, essas mulheres dividem o desconforto com uma amiga, que diz 'você foi vítima de uma violência sexual'. Só depois disso ela começa a conjecturar a possibilidade de acessar as vias legais", explica. Uma vez identificada a violência, surge outra barreira: a de acolhimento e denúncia. O caso de Nina ilustra um dos dilemas de quem sofre violência cometida por médicos: a descrença ao narrar o ocorrido. Ela conta que não teve apoio da família para comunicar o caso às autoridades, anos atrás — o que a fez sentir "sozinha e desamparada". "A família de outra vítima [do mesmo médico], abusada aos 13 anos de idade, foi prontamente à delegacia e denunciou", exemplifica. O tabu em torno da violência sexual, somado à figura de autoridade do médico, contribuem para que a vítima se cale. "Quando a gente passa por um processo de deslegitimação dessa experiência, tenta se convencer de que nada aconteceu". Iniciativas como a #ondedói chamam a atenção para outro lado do problema, da desinformação sobre opções de denúncia. A porta-voz do projeto afirma que nem todas as mulheres conhecem os órgãos que podem receber denúncias, como os conselhos regionais. E nem todos esses canais, como aponta a advogada Amarílis Costa, oferecem um ambiente acolhedor para quem sofreu violência. "Já parou para pensar em como é estar sozinha em uma fila de triagem na delegacia, tendo que informar que foi estuprada?", questiona a jurista. Ao longo do processo, a vítima tem ainda de narrar o próprio trauma repetidas vezes — o que piora o quadro para quem busca ajuda. Mesmo os casos que chegam às vias institucionais encontram outros obstáculos, como a obtenção de provas. Em muitas ocorrências, não há testemunhas nem registros em imagem, vídeo ou áudio do que aconteceu. "Muitas vezes nem há outra pessoa na sala, o acompanhante ou funcionário que estava lá saiu", pontua Julio Braga, vice-presidente do Cremeb. Para resolver o impasse, a busca por evidências indiretas faz diferença: por exemplo, registros no prontuário que comprovem que a consulta aconteceu e que o médico estava presente no momento do delito. Amarílis cita outras possibilidades: filmagens de áreas externas ("que mostram o estado da vítima quando entrou e quando saiu do consultório"), declarações de testemunhas e laudos. Por outro lado, ela ressalta que em "pouquíssimos casos" é possível comprovar a materialidade do crime — ou seja, reunir elementos físicos suficientes que mostram que algo, de fato, aconteceu. "Isso é pouco recorrente porque os médicos têm conhecimento do que podem ou não fazer para não gerar provas", detalha a advogada. Por exemplo, há sedativos que não deixam rastros e mesmo atos violentos que não deixam marcas físicas. Como e onde denunciar Há dois caminhos possíveis e paralelos à disposição das vítimas. Um deles é o de conselhos regionais, que coletam informações sobre casos e podem cassar os médicos responsáveis. É possível registrar o caso pela internet, por meio do site do conselho regional em que o delito aconteceu. As denúncias não podem ser anônimas, mas a vítima pode solicitar que sua identidade seja mantida em sigilo desde o início. A partir daí, a entidade abre uma sindicância para apurar os primeiros detalhes — por exemplo, solicitar registros do hospital em que o crime ocorreu. Depois de reunidos tais materiais, o processo é aberto. Os passos seguintes assemelham-se aos de um processo legal comum. O denunciado é chamado para apresentar sua versão, e as testemunhas convocadas a falar. Também cabe às autoridades questionar a vítima sobre o ocorrido. Como resposta, as penas variam de censura pública (publicada em jornais de alcance nacional ou no diário oficial) até suspensão por 30 dias e, em casos mais graves, a cassação. Ao longo do processo, as entidades podem pedir ainda a interdição cautelar do médico, para que ele não exerça a profissão nesse período. "É importante cobrar dos conselhos de medicina que fiscalizem e garantam a exclusão dessas pessoas de seus quadros", opina Amarílis Costa. "Além disso, que façam uma divulgação mais ampla e estabeleçam um diálogo aberto com a sociedade civil". O segundo caminho é a denúncia em uma delegacia, que leva a um processo no âmbito penal. Novamente, é necessário reunir provas que ajudem a comprovar o crime. Para dar seguimento ao processo, a vítima pode recorrer a órgãos como a Defensoria Pública para obter apoio jurídico. Uma listagem dos serviços disponíveis — de psicólogas solidárias a juristas, passando por grupos de apoio — foi disponibilizada pela campanha #ondedói. Os planos futuros incluem o desenvolvimento de uma cartilha que detalhe os direitos das vítimas e quais são as condutas adequadas em procedimentos médicos. O site ainda recolhe casos de abuso para mapeamento do problema, por meio de um formulário. "Eu acreditei por muito tempo que só era eu, me culpava e me perguntava: o que eu fiz para passar por isso?", diz Nina Marqueti. "Mas nós precisamos falar das nossas dores porque muita gente sofre achando que está sozinha. É muito pesado ser a única pessoa vítima de um médico". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Insurgentes lançam ataque contra cidade no Iraque | Insurgentes iraquianos atacaram nesta quinta-feira bases militares dos Estados Unidos e escritórios do governo na cidade de Ramadi, no centro do Iraque. | Centenas de insurgentes armados lançaram morteiros e bombas contra os edifícios. De acordo com a agência de notícias Reuters, durante a ofensiva surgiram panfletos dizendo que a organização Al Qaeda no Iraque, liderada por Abu Musab Al-Zarqawi, estava assumindo o controle sobre Ramadi. No entanto, depois do ataque a maioria dos militantes se dispersou pela cidade e a situação se acalmou em Ramadi. O ataque ocorreu enquanto líderes locais e oficiais militares americanos se reuniam no gabinete do governador da Província de Al-Anbar. Ramadi é um tradicional reduto dos rebeldes no Iraque. |
Estudante usa arma da mãe para matar duas pessoas dentro de escola em Goiás | Um adolescente matou duas pessoas e feriu ao menos outras quatro dentro de uma escola particular em Goiânia no início da tarde desta sexta-feira, segundo a Polícia Militar. Não há informação sobre o estado de saúde das vítimas. | Aluno de escola particular atirou contra colegas de classe durante horário de aula | Foto: Geovanna Cristina/Futura Press De acordo com o coronel da PM Marcelo Granja, o suspeito é filho de pais militares e atirou contra colegas de classe quando a professora saiu da sala. Policiais militares apreenderam o suspeito e a arma usada no crime, que era da mãe dele, segundo o delegado do caso. O coronel não informou o motivo do crime, mas em entrevista ao site G1 colegas de classe do suspeito disseram que ele era vítima de bullying. Procurado, o colégio Goyases, onde o crime ocorreu, não se manifestou. A escola informou que vai publicar uma nota oficial sobre o caso em seu site ainda nesta sexta. |
A jornada do menino que sobreviveu a napalm e reencontrou a mãe 30 anos depois | É véspera de Ano-Novo. Em um apartamento frio e vazio de um conjunto habitacional no sudoeste da Inglaterra, Amar Kanim abre uma embalagem selada e tira de lá um cotonete de algodão. | Amar foi vítima de um ataque de napalm na infância e perdeu o contato com sua família iraquiana; foi tratado como órfão Ele não precisa ler as instruções na embalagem - já o fez diversas vezes. Diante do espelho, ele rola o cotonete pela lateral da boca, durante 30 segundos, balança-o no ar por mais 30 segundos para secar e coloca-o em um envelope que diz AMOSTRA DE DNA. Rápido e simples. São apenas 60 segundos, mas que podem mudar a vida de Amar. E mudarão. Durante um breve período nos anos 1990, Amar, então com dez anos, ficou famoso. Seu rosto repleto de cicatrizes e sua história desalentadora tomaram as primeiras páginas dos jornais ao redor do mundo. Ele foi apresentado a diplomatas e embaixadores. Até participou de uma sessão na ONU. Amar era conhecido como o menininho que perdera tudo em um ataque de napalm. E personificou o sofrimento do povo iraquiano nas mãos de seu próprio presidente. Fim do Talvez também te interesse Na época, o então presidente iraquiano, Saddam Hussein, tentava demonstrar poder depois de ter sido derrotado no Kuwait por uma coalizão liderada pelos EUA, na Guerra do Golfo. O conflito levara milhares de iraquianos a se levantarem contra o regime de Saddam, sobretudo curdos (no norte do país) e xiitas (no sul). Os levantes foram duramente reprimidos pelas tropas de Saddam, e, em março de 1991, a comunidade xiita onde Amar morava foi bombardeada com napalm, na cidade de Basra. 'Estávamos brincando quando ouvimos os ataques' Amar ao chegar no aeroporto de Heathrow com Emma Nicholson; política britânica o levou para tratamento no Reino Unido Amar recorda que aquela tarde estava com um "tempo lindo" e as crianças da comunidade estavam brincando na rua quando "ouvimos tiros, sirenes e aviões em cima de nós". "Minha irmã e eu nos escondemos em um armazém conhecido como 'o silo' com umas outras 30 pessoas. Houve uma grande explosão sobre nós, com uma luz branca ofuscante. Não conseguia mais encontrar minha irmã, só o que conseguia fazer era cobrir os meus olhos." "Todas as demais pessoas haviam ido mais ao fundo do armazém e lá estavam presas, mas eu estava perto da saída. Arrombei a porta e corri para me salvar. Acho que sou a única pessoa que escapou com vida." Amar diz que correu até um rio próximo. "Corri para a água para acabar com a sensação de queimação agonizante que eu sentia na pele. Devo ter desmaiado depois disso, porque não me lembro de mais nada." Não está claro o que aconteceu depois, mas acredita-se que o pequeno Amar tenha sido encontrado sozinho e inconsciente às margens do rio, por opositores de Saddam, e transportado até um campo de refugiados no vizinho Irã. Ele lembra de ter acordado em um leito de hospital, coberto de queimaduras. "Eu só ficava lá, deitado. Sentia tanta dor", conta. "Qualquer movimento era agonizante. Não dava para falar, comer, beber, engolir. Não sabia onde estava a minha família. Eu estava sozinho e não sabia se sobreviveria." Seis meses depois, em setembro de 1991, a política britânica Emma Nicholson viu o quieto Amar na ala do hospital que ela visitava, na cidade iraniana de Ahvaz. "Era terrível de se ver", lembra a britânica. "Aquela pobre criança sozinha, queimada dos pés à cabeça e em uma agonia desesperadora." Nicholson era parte de uma missão internacional enviada ao Oriente Médio para levantar dados a respeito das ações de Saddam no sul do Iraque. Ela soube que Amar era o único sobrevivente de sua família e lançou uma campanha para arrecadar dinheiro e levá-lo ao Reino Unido, para tratamento médico. Amar passou a infância sendo submetido a tratamentos médicos no Reino Unido e teve dificuldades de adaptação Também conseguiu para ele um passaporte diplomático e, em fevereiro de 1992, dezenas de fotógrafos e repórteres aguardavam a chegada do menino ao aeroporto de Heathrow, em Londres. Amar só tinha as roupas do corpo. Nenhuma mala. Nenhuma bagagem de mão. "Ele é um órfão completo. Perdeu tudo - sua vida, sua casa, sua família inteira", disse Nicholson em uma reportagem da época. 'Nunca tinha visto uma câmera' Foi uma mudança radical para Amar. Poucos meses antes, ele levava uma vida tranquila e rural com sua mãe, dois irmãos e três irmãs no Iraque. "Eu nunca tinha visto uma câmera na vida. Sequer havia visto uma televisão. Não entendia o que estava acontecendo", conta. "Mas eu me sentia seguro com Emma. Sentia que deveria ir a Londres e obter a ajuda de que eu precisava". Ao longo do ano seguinte, Amar passou por 27 cirurgias plásticas em um hospital de referência, na tentativa de reconstruir o tecido queimado no ataque. A evolução do tratamento foi coberta à época pela BBC. As antigas reportagens mostram um menino tímido e nervoso, aos poucos ganhando confiança - perdendo a vergonha das cicatrizes, aprendendo a falar inglês e jogando videogame. Ele até começou a sorrir. "Eu não imaginava que Amar fosse ficar na Inglaterra", conta Nicholson. "Pensava que ele voltaria ao Iraque e encontraria algum parente, depois de seu tratamento médico. Isso não aconteceu porque os pediatras disseram que Amar poderia morrer se fosse transportado novamente." Houve tentativas de colocá-lo sob a guarda de uma família anglo-iraquiana em Londres, mas, segundo Nicholson, ele nunca se adaptou à vida na cidade grande e fugia com frequência. Então, ele se mudou para a casa onde ela morava com o marido, na área rural da Inglaterra. A BBC entrou em contato com Amar por acaso O casal se tornou guardião legal de Amar, que escolheu não ser adotado - ele nutria o sonho de algum dia encontrar parentes e voltar para casa. Mas ele se lembra com carinho daqueles anos no sudoeste da Inglaterra. Amar se adaptou à comunidade, passou a frequentar a escola, fez amigos, aprendeu a jogar futebol e a pescar. "Sou grato. Emma (Nicholson) salvou a minha vida", diz. "Eu me sentia seguro, as pessoas me faziam sentir bem-vindo. Mas, sozinho, eu tinha dificuldades para lidar com tudo. Eu havia perdido meus parentes - tudo o que eu conhecia. Me sentia completamente vazio, isolado, como se não pudesse confiar em ninguém. Sem família, você sente que não pertence a lugar nenhum." A morte do marido de Nicholson, Michael, de câncer em 1999, teve um profundo efeito na vida de Amar. Michael havia se convertido de uma figura paterna para o menino, que diz que virou "um jovem revoltado". "Foi mais uma perda", conta ele. Amar se mudou para Londres, onde ficava "à toa" dormindo na casa de amigos ou dentro do próprio carro. "Foi um período difícil. Briguei com a Emma, preferi ficar sozinho. Não sabia ao certo quem eu era ou o que queria." Encontro por acaso Em 2018, um cinegrafista da BBC chamado Andy Alcroft foi abordado na rua por um amigo de Amar, "o menino que veio do Iraque". "Lembra dele? A história dele é incrível." Andy acabou indo encontrar Amar em um apartamento em Devon, no sudoeste do país, onde ele mora hoje. O apartamento é vazio - sem fotografias ou objetos pessoais -, embora Amar more lá há quase dez anos, desde que voltou de Londres. Há apenas um monte de contas a pagar na mesa de jantar e um pouco de louça suja na pia. Amar está perto dos 40 anos, mas parece mais jovem - parecido, até, com as imagens de arquivo dos anos 1990. Amar em seu apartamento na Inglaterra; ele fazia desenhos que não conseguia explicar - que o remetem a sua infância no Iraque Ele conta à BBC que o gás foi cortado no apartamento há um ano, porque ele não tem dinheiro para pagar. Ele passa os invernos sem aquecimento em casa. Ele colocou à venda sua vara de pescar e sua amada bicicleta, para levantar dinheiro. Ele é solteiro, não tem emprego e depende de benefícios do governo. "A vida é dura na fila do pão", ele conta. Em um dos quartos, a reportagem encontra alguns desenhos feitos na parede. Amar fica um pouco constrangido - ele não sabe exatamente o que são os desenhos, apenas que são lembranças em sua memória e cenas que recorda de sua infância no Iraque e de passeios à beira do rio. "Por causa do trauma, eu não lembro muito daquela época da minha vida, da minha família ou da minha casa, mas sei que eu era feliz antes dos bombardeios. Desenhar me ajuda um pouco." 'Ele é meu filho' Recentemente, a rotina sossegada de Amar sofreu um baque. Ele conta que, do nada, começou a receber misteriosas mensagens e vídeos no Facebook de uma pessoa estranha no Oriente Médio. As mensagens são de uma mulher que diz ser a mãe dele - que ele acreditava ter morrido em Basra, três décadas atrás. Amar olha para a tela do celular e balança a cabeça. "Eu achei que fosse um golpe", diz ele. "Apaguei as mensagens. Presumi que seriam de alguém tentando tirar dinheiro de mim ou me passar um trote. Mas as mensagens continuaram a chegar. Não pode ser verdade. Pode?" O vídeo é tão pixelado que é difícil entendê-lo, mas ele é de uma emissora curda e mostra uma senhora idosa abordando um repórter durante uma transmissão ao vivo. Ela segurava a famosa foto de Amar desembarcando em Heathrow em 1992, ao lado de Emma Nicholson. "Ele é meu filho", ela diz chorando ao repórter. "É o meu Amar." Amar já assistira ao vídeo dezenas de vezes. "Ela de fato se parece com a minha mãe, mas é tão mais velha do que eu lembro. Ela se parece um pouco comigo, acho. É muito difícil confirmar pelo vídeo." Amar pediu ajuda à BBC para investigar o caso, e assim começa mais um capítulo dessa jornada. Amar com a vara de pesca que pretendia vender para conseguir dinheiro para sobreviver 'Quero que seja verdade' Para tentar descobrir a origem do vídeo, a BBC fez contato à distância com Mustafa, o homem que o enviou a Amar via Facebook. Pelo telefone, Mustafa diz que não é parente da família. "Não sabia nada sobre Amar, mas quando vi aquela senhora na TV, quis ajudar", diz ele, agregando que passou a pesquisar na internet informações sobre o menino da foto até chegar a Amar. O passo seguinte era tentar descobrir se a história contada pela senhora era verdadeira. Com ajuda das redes sociais e de fontes no Iraque, a BBC conseguiu contato telefônico com um homem chamado Juma, que é casado com a mulher que diz ser mãe de Amar. Ele diz que o nome dela é Zahra e que o pai biológico de Amar morreu em um acidente de carro antes dos bombardeios de Saddam. Amar confirma que essa informação sobre o acidente envolvendo seu pai é verdadeira. Juma diz que ele e a esposa vivem na cidade de Kerbala, a 500 km de Basra, onde Amar foi criado. Chorando, ele diz que havia prometido à esposa fazer de tudo para encontrar o filho dela e que não consegue acreditar que esse momento chegou. As linhas telefônicas são ruins, e as conversas, truncadas. Pela internet, o casal envia à reportagem uma foto antiga que diz ser de Amar quando criança. Amar não tem certeza: o menino da foto não tem cicatrizes no rosto, e Amar não lembra de sua aparência antes das cicatrizes. Zahra envia também cópias de documentos e certificados que, segundo ela, provam que Amar é seu filho. Alguns detalhes mencionados por ela fazem sentido para Amar: o nome de seus irmãos e irmãs estão corretos; os lugares e incidentes a que ela se refere soam familiar a ele. O relato dela sobre o ataque de napalm é consistente com o que ele recorda. Ela chora ao lembrar como sua filha mais nova, Zainab, foi morta no bombardeio. "Carreguei seu corpo ao cemitério e voltei para procurar Amar no lugar do ataque. Procurei nos destroços durante dias, mas não achei nenhum vestígio dele. Havia rumores de que ele havia se ferido e sido levado por soldados. Anos depois, ouvi uma história de que ele teria sido levado para a Europa. Faz 30 anos que o procuro." Alguns anos atrás, ela viu a foto de Amar com Emma Nicholson, mas não teve certeza de que era seu filho, por causa das cicatrizes. Amar ainda não tem certeza. Suas memórias são nebulosas, e ele reluta em aceitar o que está escutando. Ele teme que as pessoas estejam inventando a história na tentativa de encontrar uma forma de ir embora do Iraque - ou de conseguir dinheiro. "Quero que seja verdade", diz Amar. "Mas por 30 anos estive sozinho e ouvi que minha família havia morrido. Preciso de provas." A pedido de Amar, Zahra aceita fazer um teste de DNA. Eles ainda não se encontraram pessoalmente. Resultados - e a volta para casa Depois das duas semanas mais longas da sua vida, Amar está segurando um envelope. Suas mãos tremem. "Espero que seja verdade", ele diz. "Estou exausto. Tive insônia por causa disso. Estou há tanto tempo esperando por este momento." Ele abre a carta, que é confusa por ser repleta de números, letras e símbolos. Mas, no pé da página, a informação que ele buscava: é possível ter 99,9999% de certeza de que Zahra é sua mãe biológica. Amar fica sem reação. "Tenho uma mãe. É muita felicidade. Ninguém te ama mais do que a sua mãe." Amar com a mãe, em Bagdá; reencontro aconteceu após três anos separados Pela primeira vez em seis meses, a equipe da BBC testemunha um sorriso em seu rosto. "Tenho que emoldurar este papel. O próximo passo é encontrar com eles..." E assim, três décadas depois de aquele menino assustado desembarcar em Londres, Amar passa pelo mesmo aeroporto para embarcar a Bagdá, para visitar sua mãe. É sua primeira viagem ao Iraque desde que ele abandonou o país, em 1992. "Estou nervoso, mas empolgado." No voo, ele se diz preocupado sobre como vai reagir ao ver sua mãe. "Aprendi a não expressar minhas emoções. Não me permito mostrá-las. Por causa da guerra, das perdas e dos ferimentos, aprendi a conviver com as coisas e a manter meus sentimentos trancados." 'Minha mãe' São 11h da manhã, e é possível escutar os chamados para as orações nas mesquitas de Bagdá. No jardim do escritório da BBC em Bagdá, Amar está à sombra de uma palmeira, para proteger sua pele. Ele arruma o colarinho da camisa. Finalmente, chegou o momento. O portão se abre, e chega uma mulher vestida com um chador negro e um hijab (lenço) ao redor da cabeça. "Mãe. Minha mãe." "Amauri, Amauri", ela diz - "meu pequeno Amar", na língua local. Com os braços abertos, mãe e filho se encontram. Se abraçam forte, sem soltar. Repetem o nome um do outro. Zahra passa as mãos sobre as cicatrizes de Amar e olha suas mãos. Ela diz que achava que ele teria lesões ainda mais sérias do ataque de três décadas atrás. Está surpresa que ele consegue andar. Sem se dar conta, Amar volta a falar árabe, uma língua que ele achou ter esquecido. "Você é meu leão, meu filho", diz ela. "Sou seu filho", ele responde. "Meu menino corajoso. Deus, você trouxe meu filho de volta. Por favor não leve ele embora." "Ninguém vai me levar embora. Está nas mãos de Deus", ele diz. A conexão entre ambos é rápida, e Amar claramente esqueceu suas preocupações sobre demonstrar emoções. Amar em Bagdá: 'Estive sozinho por tantos anos, e com tanto trauma. Mas agora sinto que renasci' "Meu filho sentiu a minha falta", diz Zahra. "Ele tentou me encontrar, e isso é tudo o que eu desejei. Tivemos tantas guerras. Perdi Amar. Sobrevivi, mas só pensava nele. E agora, finalmente, ele voltou. Estou tão feliz hoje. Faria qualquer coisa por Amar. Qualquer coisa." No dia seguinte, Amar decide visitar a casa da família, em Kerbala, a duas horas de Bagdá. O que encontra é bem diferente do Iraque rural que ele lembra de sua infância em Basra. Sua mãe, irmão, cunhada e padastro moram em uma casa apertada em uma área repleta de lixo. O teto é feito de lona, e não há saneamento na região. A conexão elétrica é feita de "gatos". Amar diz se sentir mal ao ver que sua família vive na pobreza, mas seus olhos rapidamente se voltam para fotografias antigas penduradas na parede. Ele diz que, embora nunca tenha morado ali, já se sente em casa. Aniversário Zahra abre a sacola de documentos e fotos que vinha carregando há anos, na esperança de encontrar Amar. De lá, sai a certidão de nascimento, que revela o aniversário de Amar. Até então, ele contava sua idade a partir de medições médicas de seus dentes e ossos, feitas na Inglaterra. As medições estavam erradas: Amar é três anos mais velho do que o estimado. "É meu aniversário de 40 anos na semana que vem", ele ri. "E finalmente tenho algo a celebrar." Cinco dias depois de pisar em Bagdá, chegou a hora de Amar voltar ao Reino Unido. Ao despedir-se da família, ele promete que vai voltar. "Obrigado por me encontrarem", ele diz. "Obrigado por voltar", eles respondem. Na sua última noite em Bagdá, Amar vê o sol se por no rio Tigre. "Estive sozinho por tantos anos, e com tanto trauma. Mas agora sinto que renasci. Tudo o que queria era que minha mãe tivesse orgulho de mim. E acho que ela tem. Por tanto tempo, minha vida foi vazia, mas agora tenho um propósito. Quero voltar e visitar minha família em breve. Este foi o melhor momento da minha vida." De volta à vida britânica, Amar diz que tem trocado mensagens e fotos com os parentes no Iraque. Ele planeja mudar-se para Londres e procurar emprego, para conseguir dinheiro e viajar novamente ao seu país natal e ajudar sua família. Emma Nicholson descreve o reencontro de Amar com os parentes como um "verdadeiro milagre". Depois de anos sem muito contato, ela e Amar voltaram a se falar com regularidade. Ele pensa em trabalhar para a Fundação Amar, que Nicholson criou anos atrás para ajudar refugiados e crianças. Passado um ano desde que Amar recebeu a primeira mensagem misteriosa no Facebook, ele diz que se sente "abençoado". "Tudo faz sentido. Minha vida finalmente está completa." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Roma, da Netflix: cinco perguntas para entender o aclamado filme de Alfonso Cuarón | Roma é, para muitos, o filme do ano . | AVISO: Esta reportagem traz detalhes do enredo do filme. Roma se passa no México dos anos 1970 O monumental relato sobre o México dos anos 1970 realizado por Alfonso Cuarón em seu retorno à direção após ganhar o Oscar de melhor diretor com Gravidade (2013) conquistou público e crítica ao redor do mundo. A história de Cleo, uma empregada doméstica que trabalha para uma família de classe média no turbulento Distrito Federal do México no início do governo de Luis Echeverría, ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza e já foi eleita o melhor longa de 2018 por críticos em Los Angeles, Nova York, Chicago e São Francisco. Vencedor de dois Globo de Ouro, Roma fez história como o primeiro filme da Netflix a ser indicado às principais categorias do Oscar. Ao todo, foram 10 indicações, incluindo melhor filme, filme em língua estrangeira, direção e atriz. Fim do Talvez também te interesse Inspirado na infância de Cuarón, o filme é elogiado como uma metáfora do país e de sua história, de seu passado e de seu presente. Também tem sido visto como um relato cru e emotivo sobre as realidades, alegrias, tristezas e do cotidiano oculto por trás da vida doméstica e um testemunho desolador – e, ao mesmo tempo, esperançoso – sobre as desigualdades sociais e raciais não apenas do México, mas de toda a América Latina. Entenda a seguir, em cinco perguntas, o filme que estreou no dia 14 na Netflix e está em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo até o dia 26 de dezembro. 1 - Por que se chama 'Roma'? O título do filme é o nome do bairro onde a trama se desenrola, Colonia Roma, uma zona em que a classe alta mexicana se estabeleceu na primeira década do século 20 e onde existem até hoje suntuosas mansões e palacetes de inspiração europeia. O título do filme é o nome do bairro onde a trama se desenrola, a Colonia Roma Desde o terremoto de 1985, a região passou por várias transformações arquitetônicas e demográficas, ainda que atualmente continue a ser um bairro de classe média e uma das zonas residenciais mais emblemáticas da cidade. Mas o motivo pelo qual o filme se passa ali tem a ver com a intenção do diretor de recriar sua infância: Cuarón cresceu em uma casa na rua Tepeji, em Roma, que aparece em uma das cenas do longa. O luxuoso bairro serve também como um símbolo para contrastar com as diferenças sociais de outros ambientes pelos quais passam os personagens, em especial Cleo, a protagonista. Diferentemente de seus patrões, ela e outra amiga, que também trabalha como empregada doméstica na mesma casa, dormem em um quarto minúsculo, enquanto os namorados de ambas vivem em um bairro muito pobre e distante dali. 2 - Quem é Libo? Cuarón dedica o filme a "Libo", que é como ele e sua família chamam Liboria Rodríguez, uma mulher de origem indígena que começou a trabalhar com eles quando o diretor tinha só 9 meses e cuja história de vida serve de base para a história. Rodríguez, que veio da aldeia de Tepelmeme no Estado de Oaxaca, cuidou desde então das crianças da família de Cuarón, como muitas empregadas domésticas que tiveram um papel central na vida dos filhos de muitas famílias da América Latina. Yalitza Aparicio, uma jovem de origem indígena, interpreta Cleo, personagem baseada na vida de Liboria Rodríguez Segundo o diretor, à medida que ele cresceu, se deu conta de que Libo também era uma pessoa que tinha necessidades, conflitos e uma vida própria, e não era alguém que só lavava sua roupa ou preparava sua comida. Foi nela e em seu papel na família que ele se inspirou para escrever o roteiro, de cuja cenas os atores só tomavam conhecimento no mesmo dia da filmagem. 3 - Por que se vê tantos aviões no filme? Em vez de usar estúdios de filmagens, Cuarón decidiu rodar seu longa em uma casa em Roma, que foi reconfigurada meticulosamente para que se parecesse com o local onde cresceu. Roma fica próximo de um dos corredores aéreos pelo qual passam centenas de aviões que cruzam diariamente os céus da Cidade do México para aterrissar em seu aeroporto internacional, por isso, são uma presença constante no céu do bairro... e de quase toda a cidade. Por isso, os aviões não estão apenas na abertura e no encerremento do longa, mas seu som permeia todo o desenrolar da trama. Mas isso é apenas uma parte da explicação. Há também um fato autobiográfico: Cuarón era fascinado por aviões e sonhava em ser piloto quando era pequeno (o ator que interpreta o diretor quando criança conta isso a sua babá). Além disso, há uma conotação simbólica. Cuarón contou que as aeronaves cruzando o céu do México transmitem a ideia de que as situações que os personagens atravessavam são transitórias e que há um universo que vai além de seus contextos pessoais. 4 - Como o próprio cinema se torna um outro símbolo do filme? As idas ao cinema não são apenas uma válvula de escape de Cleo para suas tarefas domésticas, mas também para as crianças de que ela cuida. Roma utiliza um recurso narrativo conhecido como "metarrelato", ou "cinema dentro do cinema", em que produções cinematográficas anteriores são homenageadas pelo autor - inclusive, algumas próprias. Cuarón ganhou o Oscar de melhor diretor por 'Gravidade' em 2014 Em uma das cenas, as crianças vão com a babá ver Sem Rumo no Espaço (1969), um dos filmes favoritos do diretor quando criança e que lhe serviu de inspiração para Gravidade. Há uma cena de parto similar à que ocorre no filme de Cuarón Filhos da Esperança (2006), e, como em E Sua Mãe Também (2001), dirigido por ele, a mãe conta aos filhos em um bar ao ar livre próximo da praia que seu pai os abandonou. Nos créditos de Roma, aparece o mantra "Shantih Shantih Shantih" (Paz, paz, paz), que também aparece em Filhos da Esperança. 5 - O que foi o massacre de Corpus Christi? Um dos elementos que a crítica mais tem aclamado é a cuidadosa recriação de época, não apenas pelos cenários, vestuários e programas de televisão, mas pela forma tangencial com que apresenta contextos sociais do México nos anos 1970. Uma das cenas mais dramáticas mostra a matança de estudantes conhecida como o massacre de Corpus Christi ou "Halconazo", que ocorreu em 10 de junho de 1971 e que ainda é hoje um dos eventos mais tristes da história do país. O massacre de Corpus Christi ainda é lembrado hoje como um dos fatos mais tristes da história do México O incidente começou como um protesto estudantil pela libertação de presos políticos e por mais investimentos em educação, e terminou como um banho de sangue quando o governo enviou soldados treinados pela CIA, de um grupo paramilitar financiado pelo Estado e conhecido como "Los Halcones", para reprimi-los. De acordo com versões de alguns sobreviventes, a princípio, os paramilitares usaram bastões e varas de bambu empregados na arte marcial japonesa kendo, como o usado por um dos personagens do filme em seu treinamento, mas, depois, foram usadas armas de fogo. O fato do namorado de Cleo praticar o kendo em um local distante no Estado do México e se referir aos treinamentos também deixa em aberto uma possível referência aos grupos paramilitares. O massacre de Corpus Christi deixou 120 estudantes mortos, de acordo com registros oficiais, mas acredita-se que o número de vítimas possa ter sido ainda maior. O acontecimento é retratado de forma hiper-realista no filme em uma das suas cenas mais comoventes, na qual novamente as desigualdades sociais marcam o desenrolar da trama. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Os países que ensaiam uma cautelosa saída da quarentena | Crianças dinamarquesas de até 11 anos voltaram às escolas na Dinamarca na quarta-feira (15), na mais recente tentativa de alguns países europeus e asiáticos de retomar, aos poucos, a vida pré-pandemia do novo coronavírus. | Espanha autorizou fábricas e construção civil a retomar atividades e distribuiu máscaras em serviços de transporte, mas pessoas em geral devem ficar em casa Dinamarca permitiu que alunos de creches, pré-escolas e parte do ensino fundamental retomassem sua vida escolar presencial, desde que mantendo uma distância entre si e lavando as mãos com frequência. Ao mesmo tempo, alguns críticos afirmaram que não estão bem definidas as diretrizes do governo a respeito de quem mais poderá voltar às escolas - caberá a cada instituição decidir quais funcionários são de alto risco e devem permanecer em casa. Nesse contexto, alguns pais preferiram não mandar seus filhos à escola por enquanto, temendo que os locais se tornem um ambiente de proliferação do coronavírus. Estima-se que 4 bilhões de pessoas no mundo estejam sob algum tipo de medida de quarentena ou lockdown (sob imposições mais rígidas), no momento em que o número confirmado de casos globais de covid-19 passa de 2 milhões. Fim do Talvez também te interesse O exemplo da Dinamarca - um dos primeiros países europeus a adotar medidas de isolamento social e onde as aulas estavam suspensas desde 12 de março - dá alento, de um lado, para os que buscam saídas para o isolamento social e a retomada da economia. De outro, evidencia o temor de que uma segunda onda de contágio volte a assolar países que, até o momento, acreditam já ter passado pelo pico da pandemia. Dinamarca permitiu que algumas crianças voltassem à escola, desde que mantendo a distância e lavando as mãos Além da Dinamarca, outros países implementam ou discutem medidas de flexibilização. O primeiro a fazer isso foi a China: Wuhan, a cidade chinesa onde a pandemia surgiu, em dezembro, começou a se reabrir para o mundo em 8 de abril, depois de mais de 70 dias de quarentena, permitindo que trens, aviões e carros pudessem voltar a transitar dentro e para fora da metrópole. Mas, para usar o transporte público, os moradores precisam apresentar um QR Code de seu celular, que mostra o seu histórico de saúde e indica quem deve ou não permanecer em isolamento. Os que recebem um sinal verde podem transitar pela cidade ou sair dela. O relaxamento foi permitido depois de Wuhan ter passado dias sem novas infecções locais ou novas mortes. Ainda assim, autoridades continuavam a realizar testes, para monitorar um eventual retorno da doença com a retomada das atividades sociais e econômicas. Até a publicação desta reportagem, as escolas locais ainda não tinham prazo para reabrir, e as pessoas seguem sendo orientadas a manter distanciamento social em ambientes coletivos. Algumas partes da China, como Pequim, permaneciam sob medidas de quarentena. Ainda na Ásia, o governo da Coreia do Sul afirmou que está discutindo medidas que permitam a retomada de atividades econômicas, mas mantendo o distanciamento social. Wuhan, local de surgimento da pandemia, permitiu retomada do ir e vir Espanha e Itália ensaiam retomada, mas sem suspender quarentena Dois países cujos sistemas de saúde foram devastados pela pandemia, Itália e Espanha, também deram sinal verde para uma retomada gradual de alguns serviços não essenciais, na aposta de que já superaram o pior. A Espanha, que chegou a ter 950 mortes por dia pelo coronavírus, viu o número de mortes apresentar sinais de queda e permitiu, em 13 de abril, que setores como indústrias e a construção civil reabrissem. Para esses trabalhadores que vão voltar à ativa, o governo começou a distribuir 10 milhões de máscaras nos serviços de transporte. Mas lojas, bares e espaços públicos continuarão fechados por enquanto. E a população continua orientada a permanecer dentro de casa, pelo menos até maio. Na Itália, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, afirmou que o lockdown deve continuar até 3 de maio, mas alguns tipos de negócios, como livrarias e lojas de roupas infantis, puderam começar a abrir as portas. Fábricas, porém, seguem fechadas. Recomendações da OMS Por enquanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) diz ver com preocupação as medidas que relaxem o isolamento social por pressões econômicas. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, diz temer que isso resulte em uma "reaparição mortal" do novo coronavírus. No dia 15 de abril, a OMS afirmou que os países que decidirem aliviar as restrições devem fazer isso em fases - dando um intervalo de pelo menos duas semanas a cada relaxamento. E, nessas duas semanas, é preciso avaliar com cuidado o risco de a epidemia voltar em cada país. A OMS listou seis avaliações que cada país deve fazer antes de suspender o isolamento social: - Se a transmissão da covid-19 está controlada - Se o sistema de saúde é capaz de identificar, testar, isolar e tratar todos os pacientes e as pessoas com as quais eles tiverem entrado em contato OMS teme que reabertura prematura das economias leve a uma "ressurgência mortal" do coronavírus, mesmo em locais onde contágio parece em queda - A capacidade dos ambientes de trabalho e demais locais em proteger as pessoas, à medida que elas retomarem suas atividades - A capacidade de lidar com os casos importados, de pessoas que venham de fora do país - Se os riscos de surtos estão controlados em locais sensíveis, como postos de saúde ou casas de repouso. - Se as comunidades estão conscientes, engajadas e capazes de prevenir o contágio e adotar as medidas preventivas, que deverão passar a ser vistas como o "novo normal". A organização afirmou que as restrições devem ser removidas "estrategicamente", e nunca todas de uma única vez. Também reforçou que isso só vale para países onde o número de casos está em queda. E, mesmo nessas condições, regras rígidas de distanciamento social e de higiene devem continuar a vigorar no longo prazo. O Brasil, onde a curva de infectados e mortos segue em ritmo acelerado de ascensão, não se enquadra no momento em nenhum desses critérios estabelecidos pela entidade. Comércios não essenciais reabrindo Além de Dinamarca, Itália e Espanha, outros países da Europa onde o contágio está em queda começaram a aliviar medidas restritivas. Áustria também relaxou medidas, mas obrigou uso de máscaras em mercados e drogarias Na Alemanha - país que desde o início da pandemia foi ágil em isolar seus pacientes infectados -, a chanceler Angela Merkel se reuniu com autoridades regionais na quarta-feira (15), sob forte pressão para relaxar o lockdown. Ficou decidido que alguns tipos de comércio não essenciais poderão reabrir as portas na semana de 20 de abril, mas as medidas de isolamento social seguirão em vigor ao menos até 3 de maio. Parte das escolas poderão retomar as atividades presenciais no dia 4, a começar pelos estudantes que têm de realizar exames nacionais. Na Áustria e na República Tcheca, pequenos negócios foram autorizados a reabrir. Mas ambos os países tornaram obrigatório o uso de máscaras em mercados e drogarias. O governo tcheco foi além, obrigando cidadãos a usar máscaras sempre que saírem de casa. Sem alívio Outros países, porém, não preveem alívio nas medidas restritivas ao menos até maio. No Reino Unido, que já passou de 13,7 mil mortos, o secretário de Relações Exteriores, Dominic Raab, que comanda o país enquanto o premiê Boris Jonhson se recupera da covid-19, afirmou na quinta-feira (16) que o lockdown continuará a vigorar por pelo menos mais três semanas, na tentativa de se evitar um segundo pico de infecções. A percepção do governo é de que o número de casos (e de admissões hospitalizares) está se estabilizando e talvez começando a cair - e esse ganho só será mantido se o distanciamento social for mantido. Merkel permitiu que alguns comércios não essenciais reabram a partir de 20 de abril Na França, o diretor do serviço nacional de saúde, Jerome Salomon, afirmou que uma leve queda nas internações em UTIs são um "pálido raio de sol" de esperança, mas que o país ainda vai enfrentar um "alto platô" - ou seja, um número alto e constante de casos de covid-19. O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou no dia 13 de abril que o lockdown no país vai ser estendido até 11 de maio e, depois disso, será feito um plano de alívio gradual das medidas restritivas. Ele ressaltou que a "a epidemia ainda não está contida" na França. EUA: 'Gasolina no fogo' Nos EUA, que hoje são o principal epicentro do novo coronavírus e que já tinha quase 680 mil casos confirmados de infecção até a manhã desta sexta (17), existem planos para uma reabertura gradual, mas só no mês que vem, e com muita cautela. Em entrevista à CNN, o médico Anthony Fauci, que comanda o instituto americano de doenças alérgicas e infecciosas, afirmou esparar que as autoridades consigam, até o final de abril, avaliar se há alguns setores ou regiões que possam retomar suas atividades em maio. Mas, se a avaliação for de que isso não será possível, as medidas de isolamento continuarão. Na quinta-feira (16), o presidente americano, Donald Trump, afirmou que cabe aos governadores decidir se reabrem as economias e atividades sociais de seus Estados antes de maio. Alguns governadores de Estados afetados duramente pela pandemia afirmaram recentemente que só vão relaxar no isolamento quando sentirem que seus sistemas de saúde terão dado conta da pandemia. O governador de Nova Jersey, Phil Murphy, afirmou há alguns dias que teme que reabrir a economia muito cedo seria equivalente a "jogar gasolina no fogo". O governador de Nova York, Andrew Cuomo, disse recentemente que seu Estado por enquanto não está vendo um declínio no número de casos, apenas uma estabilização. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
China anuncia novo caso de gripe do frango | O governo da China anunciou um novo caso de gripe do frango no país. | O anúncio acontece meses após a China ter anunciado que havia erradicado a doença. A China é um dos maiores produtores mundiais de frango. O novo caso da doença foi registrado na província de Anhui, no leste do país. Especialistas acreditam que o mais recente caso da gripe pode ter sido causado por pássaros migratórios. Novos casos O anúncio acontece poucos dias após a Tailândia e o Vietnã, países vizinhos à China, teram confirmado a incidência de novos casos da doença. A China é um dos dez países asiáticos afetados pela doença, que já provocou a morte de pelo menos 23 pessoas na Tailândia e no Vietnã. A ocorrência mais recente da doença fez com que as autoridades locais tomassem uma série de medidas preventivas. Entre elas está a de decretar quarentena na fazenda infectada e sacrificar todas as aves infectadas em um raio de três quilômetros. As espécies situadas a partir de um raio de cinco quilômetros foram todas vacinadas, segundo as autoridades locais. |
A surpreendente lei da Suécia que dá 6 meses de folga do trabalho para empreender | Jana Cagin nunca havia pensado em administrar sua própria empresa até ela e seu noivo terem "um daqueles momentos de iluminação" enquanto procuravam um novo sofá em uma loja da rede de móveis e decoração Ikea, em um subúrbio de Estocolmo, capital da Suécia. | A Suécia tem um sistema único de concessão de licença aos trabalhadores para que possam lançar um novo negócio Eles notaram que a gama de pernas para móveis disponíveis era muito limitada. Depois de vasculharem a internet e não encontrarem alternativas adequadas, tiveram a ideia de desenvolver sua própria marca de peças de reposição para móveis, para ajudar consumidores a dar um ar artístico às suas novas compras ou a produtos já existentes. "Ficamos empolgados com essa ideia", diz ela. O casal começou a administrar o empreendimento em seu tempo livre. Mas, de acordo com Cagin, foi a possibilidade de tirar uma licença de seu trabalho como psicóloga organizacional que realmente permitiu que as coisas saíssem do papel. "Começamos a buscar fornecedores, a sair na imprensa, a construir o site", afirma. Fim do Talvez também te interesse A empresa também foi aceita em um programa de aceleração de empresas iniciantes, que ofereceu treinamento, workshops e orientação. "Se trabalhasse durante esse tempo, não teria conseguido participar, e isso realmente nos ajudou a acreditar em nossa ideia." Enquanto isso, saber que ela poderia voltar ao antigo trabalho se as coisas não dessem certo diminuiu o risco financeiro, especialmente porque seu parceiro era freelancer na indústria criativa. "Nunca me vi como um empreendedora, então, poder ter esse tipo de segurança e algo para me apoiar teve um papel importante." Ela não voltou ao seu antigo emprego. Seis anos depois daquele "momento de iluminação", que aconteceu quando Cagin tinha 31 anos, o negócio de comércio eletrônico do casal agora oferece maçanetas decorativas e revestimentos para armários, bem como pernas para uma variedade de móveis. Eles estão em 30 países e têm seis funcionários em tempo integral. Licença para empreender é um direito legalmente consagrado no país Embora nem todas as novas empresas tenham tanto sucesso, a experiência de Cagin de tirar uma folga do emprego fixo está longe de ser única na Suécia. Nas duas últimas décadas, os trabalhadores em tempo integral com empregos fixos passaram a ter o direito de se afastar por seis meses para iniciar uma empresa - ou, alternativamente, para estudar ou cuidar de um parente. Os chefes só podem negar se houver razões operacionais cruciais que eles não conseguem administrar sem aquele integrante da equipe ou se a nova empresa for vista como concorrente direta. Espera-se que os funcionários retornem à mesma posição de antes após esse período. Max Friberg tirou uma licença de seu trabalho em uma consultoria, mas ainda tinha reservas, apesar da segurança de não ter deixado seu emprego "Até onde sei, este é o único país que oferece um direito legalmente consagrado de tirar uma licença para o empreendedorismo", explica Claire Ingram Bogusz, pesquisadora de empreendedorismo e sistemas de informação na Escola de Economia de Estocolmo. "É comum que as pessoas tenham permissão do empregador para iniciar algo desde que isso não interfira com o emprego, e, uma vez que o negócio esteja funcionando, tirem então uma licença para ver se realmente conseguem fazer só aquilo na vida", diz ela. "É muito frequente, especialmente entre os empreendedores altamente qualificados que criam empresas de tecnologia." Max Friberg, de 31 ano, é um deles. Ele administra uma plataforma de software e optou por tirar uma licença da consultoria em que trabalhava, em vez de deixar o emprego, apesar de ter se dedicado ao projeto durante seu tempo livre por mais de um ano antes de fazer isso. Ele diz estar confiante. Para ele, perder a vantagem competitiva e o "status social" que ele trabalhou durante anos para alcançar era uma preocupação tão grande quanto a insegurança financeira. A possibilidade de uma licença não remunerada ajudou bastante com algumas dessas preocupações. "Tinha um emprego fantástico e trabalhado muito durante toda a universidade para obtê-lo e, depois, para mantê-lo e progredir", explica ele. "Eu me questionava: 'Estou fazendo uma loucura?' Mas sentir que poderia voltar tirou um pouco desse medo." O segredo da inovação? A Suécia, com uma população de apenas 10 milhões de pessoas, criou a reputação de ser um dos países mais inovadores da Europa nos últimos anos. As razões mais comumente citadas para que seu cenário de novas empresas crescesse tão rapidamente incluem forte infraestrutura digital, uma cultura de colaboração e seguro de desemprego privado acessível, o que proporciona uma rede de segurança social maior. Medir exatamente o quanto o direito à licença não remunerada contribuiu para isso é complicado. Embora a tendência - particularmente no cenário tecnológico - tenha sido observada por acadêmicos, sindicatos e empregadores, não há bancos de dados nacionais que detalhem quantas pessoas registradas para tirar uma licença de trabalho iniciam um negócio. Mas o que os números confirmam é que a crescente demanda por todos os tipos de licenças (incluindo a licença parental remunerada) coincide com o aumento do número de suecos que começam suas próprias empresas. A Suécia, com uma população de apenas 10 milhões de pessoas, criou a reputação de ser um dos países mais inovadores da Europa Em 2017, 175 mil pessoas entre 25 e 54 anos de idade foram licenciadas, em comparação com 163 mil em 2007, de acordo com dados oficiais. O escritório de registro de empresas suecas diz que 48.542 empresas limitadas foram registradas em 2017, em comparação com 27.994 em 2007. Então, o que o resto do mundo pode aprender com o sistema de licenças não remuneradas da Suécia? De acordo com Claire Ingram Bogusz, a tendência de se licenciar para abrir uma empresa precisa ser vista no contexto das leis trabalhistas notoriamente rígidas do país nórdico. Elas tradicionalmente dificultam mais que patrões demitam funcionários em comparação com muitos países. A especialista argumenta que isso pode encorajar alguns funcionários a permanecerem em seus empregos quando têm segurança. "As pessoas não desistem facilmente de um emprego [permanente] depois que conquistam um", diz ela. "É análogo a ter uma casa ou um apartamento. Uma vez que você é o proprietário de um imóvel, não desiste dele facilmente." Adaptação do modelo Samuel Engblom, chefe de política da Confederação Sueca para Empregados Profissionais, explica que o governo, sindicatos e empregadores na Suécia apoiam o direito de se afastar como "uma forma de promover a mobilidade no mercado de trabalho". "A maioria dos funcionários hesita em deixar um emprego que consideram seguro por algo tão inseguro quanto começar um negócio", diz ele. "Talvez seja uma visão bastante sueca - quero dizer, você poderia promover o empreendedorismo tornando-o mais lucrativo, e fazemos isso até certo ponto, mas você também pode promover o empreendedorismo tornando-o menos inseguro." Ting Xu, professor da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, cujo trabalho se concentra em finanças empresariais, argumenta que a ampliação do direito à licença não remunerada pode desempenhar um papel crucial no fomento do empreendedorismo, mesmo em países com mercados de trabalho muito mais flexíveis. Ele cita um estudo de 2016 sobre como ajudar os futuros empreendedores de tecnologia a romper as barreiras geradas pelo medo do fracasso. A pesquisa descobriu que, embora o risco financeiro fosse a principal preocupação, o risco para a carreira estava em segundo lugar. "O medo de perder uma carreira profissional estável se a sua empresa fracassa é algo que faz muitas pessoas não empreenderem", argumenta. "Muitos países subsidiam financiamentos para empreendedores. No entanto, a redução do risco para a carreira pode ser igualmente importante e é frequentemente ignorada por quem toma decisões políticas." Embora sua pesquisa se concentre na licença parental, e não na licença não remunerada, ela fornece dados empíricos para respaldar essa ideia. Ting fazia parte de uma equipe de cientistas que analisou uma reforma que ampliou a licença parental no Canadá de alguns meses para um ano inteiro em 2001. Eles descobriram que as mulheres que tiveram um período maior de licença eram mais propensas a serem empreendedoras cinco anos depois em comparação com aquelas que deram à luz antes da mudança. "Esse resultado é uma forte evidência que mostra que, quando removemos o risco para a carreira, isso pode estimular o empreendedorismo", conclui. Claire Ingram Bogusz, pesquisadora de pós-doutorado na Escola de Economia de Estocolmo, estuda o sistema de licença empresarial do país Há algum lado negativo? Alguns observadores argumentam que pode ser mais difícil para os empregadores fora da Suécia permitir que os trabalhadores retornem aos seus antigos cargos depois de se ausentarem para administrar um negócio. Esses trabalhadores podem enfrentar discriminação em perspectivas futuras de carreira ou salário. No entanto, na Suécia, esse tipo de preconceito é contra a lei. "Alguém ter saído e tentado algo novo, ter essa oportunidade e voltar, não é algo visto de forma negativa. É visto de forma neutra na pior das hipóteses e, provavelmente, até de forma positiva, porque a pessoa disse 'ah, não, esse trabalho é o melhor para mim'", explica Ingram Bogusz. Ela argumenta que o foco dos suecos no equilíbrio entre trabalho e vida pessoal é um "grande fator a favor", que pode não ser relevante em outros lugares. "Na Suécia, espera-se que as pessoas tenham um equilíbrio em seu emprego - não apenas em termos de equilibrar suas vidas pessoais, mas também de equilibrar outras coisas que são importantes para elas ou que signifiquem crescimento pessoal. Começar um novo negócio pode ser [parte de] isso." Jessica Petterson é uma das pessoas que estão aproveitando ao máximo a oportunidade. A atriz de 30 anos está encerrando um período de licença não remunerada em que passou lançando um serviço de assistente virtual para instituições de caridade. Ela decidiu retornar ao seu emprego permanente em uma organização sem fins lucrativos e dar continuidade a seu empreendedorismo mais lentamente. "Não ganho o suficiente com a minha empresa para me sustentar e quero comprar um apartamento em breve. Preciso voltar ao meu antigo emprego para receber um salário fixo todos os meses", explica ela. "Eles [meus gerentes] estão muito felizes comigo de volta. Eles me deram alguns outros projetos para me dedicar, para que eu não me sinta tão 'estagnada' quanto antes." No entanto, Samuel Engblom, da Confederação Sueca para Empregados Profissionais, ressalta que, embora muitos empregadores compartilhem dessa atitude positiva em relação à licença não remunerada, outros podem enfrentar desafios administrativos e financeiros ligados à cobertura das responsabilidades de um trabalhador durante a folga. "Para o empregador, significa perder alguém que conhece o trabalho. Especialmente em campos em que há falta de trabalhadores qualificados, isso pode ser problemático", diz ele. Ele sugere que esses desafios podem ser ainda maiores em países com economias menos estáveis do que a Suécia. Um novo futuro? É claro que tanto as vantagens quanto os desafios da licença não remunerada só são relevantes quando os funcionários têm empregos permanentes. Enquanto a grande maioria dos suecos está em empregos estáveis, tem havido uma mudança em direção ao emprego temporário e à "economia do bico" nos últimos anos, que afetou em grande parte os trabalhadores mais jovens. Em 2017, quase 50% dos jovens suecos entre os 16 e os 24 anos e 18% daqueles entre os 25 e os 34 anos estavam em trabalhos temporários, em comparação com 44% e 14% em 2009, respectivamente. "É um problema que a Suécia enfrenta, assim como muitos outros países do mundo: essa polarização entre pessoas com empregos permanentes e aquelas que não têm", diz Ingram Bogarz. "Para os trabalhadores da 'economia do bico' e freelancers, as licenças não fazem diferença." Legisladores suecos estão monitorando a tendência de perto. Recentemente, um comitê do governo foi solicitado a investigar como mais segurança poderia ser fornecida para estes tipos de trabalhadores. Enquanto isso, o direito à licença não remunerada para funcionários permanentes parece ter vindo para ficar. Vários sindicatos chegaram a acordos coletivos com empregadores que expandem os direitos dos trabalhadores à licença não remunerada, oferecendo-lhes 12 meses de folga para tentar iniciar um negócio, em vez do requisito padrão de seis meses. O que é vital que todos os empreendedores lembrem, de acordo com Ingram Bogarz, é que, independentemente de terem ou não direito a licença não remunerada, iniciar um negócio continua sendo algo arriscado. "A desvantagem de passar do emprego permanente para o empreendedorismo é real aqui na Suécia, como em qualquer outro lugar. Você passa de um emprego estável e muitas vezes decente para receber uma quantia de dinheiro instável e provavelmente menor", explica ela. "Mas uma licença significa que você pode ter o melhor dos dois mundos: a segurança de um trabalho que não vai a lugar algum e o tempo livre para buscar o que é importante para você." Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Capital. 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Obama volta a pedir urgência na elevação do teto da dívida | O presidente Barack Obama voltou a pedir que o republicanos no Congresso aprovem, com urgência, o "teto da dívida americana" – um limite estabelecido por lei de quanto o governo pode tomar emprestado. | Caso contrário, segundo Obama, cresce o risco de outra crise econômica e do retorno da recessão. Durante uma entrevista coletiva para para marcar o fim de seu primeiro mandato, Obama disse que não lidar com o problema apenas determinando cortes, ao invés de uma abordagem integrada, incluindo o fim de brechas tributárias. Ele disse querer resolver a questão para que possa fogar em outras áreas, incluindo a reforma da imigração e medidas mais duras contra o uso de armas. Tópicos relacionados |
Protestos ampliam incertezas e apreensão de investidores | Ainda é cedo para avaliar os impactos da recente onda de protestos na economia brasileira e nos investimentos no país. Mas analistas e especialistas ouvidos pela BBC Brasil ressaltam que investidores não costumam ser lá muito afeitos a incertezas – e a única certeza desses protestos é que ninguém sabe ao certo como e em que condições vão terminar. | Plataforma da Petrobras: apreensão entre investidores “Ao menos no curto prazo, os protestos não contribuem para aumentar a confiança na economia brasileira, que já vinha sofrendo com uma crise de credibilidade em função da recente desaceleração e de um cenário externo desfavorável”, diz Wilber Colmerauer, diretor da Emerging Markets Investments em Londres. “Quem ia fazer algum investimento no Brasil provavelmente vai esperar um pouco para que a situação fique mais clara e também já temos informações de multinacionais que estão antecipando remessas de dividendo com medo de uma nova desvalorização do real.” Para Colmerauer, no curto prazo, as tensões sociais devem contribuir para a saída de capitais e uma maior pressão cambial. O Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, fechou a sessão de sexta-feira com uma baixa de 2,4%, atingindo 47.956 pontos, o menor nível desde abril de 2009. No ano, a queda já é de mais de 20%. É claro que é preciso fazer uma distinção clara entre as expectativas do mercado financeiro e os investimentos diretos, de longo prazo, como ressalta Richard Lapper, diretor do Brazil Confidential, o serviço de análises sobre o Brasil do jornal britânico Financial Times. A lua de mel dos mercados financeiros com o país já acabou há algum tempo – com a desaceleração do PIB, o rebote da inflação, e a percepção de que o atual governo não está tão comprometido quanto seus antecessores com determinadas políticas de estabilização econômica. 'Risco social' Policiais usam gás de pimenta contra manifestantes em Brasília No front externo, a recente sinalização do banco central americano (FED) de que pretende limitar sua política de estímulos financeiros e voltar a aumentar os juros também está tendo um impacto negativo sobre o Brasil e outros emergentes. A expectativa, agora, é que um grande volume de capitais deixe esses mercados para “voltar para casa”. Para Colmerauer, com os protestos “o risco social passará a ter de ser colocado na equação dos investidores”, ainda que no médio e longo prazo eles possam até ter um efeito benéfico se estimularem melhores políticas e práticas de governança. Já Neil Shearing, da Consultoria Capital Economics, acredita que perto desses dois outros focos de preocupação dos mercados com o Brasil o efeito das manifestações é pequeno. “Ao que tudo indica, não há um risco político sério para o governo Dilma. Temos protestos em diversas partes do mundo e muitos não afetam a economia e cenários para os negócios.”, afirma Shearing. Para os que fazem investimentos diretos na economia, segundo Lapper, uma das incógnitas que mais gera apreensão é como tais protestos vão impactar nas eleições do ano que vem. “Até agora os índices de popularidade de Dilma eram altos e os contornos do cenário eleitoral pareciam estar razoavelmente bem definidos”, diz Lapper. “Ao menos no ponto em que estamos, têm-se a impressão que qualquer resultado pode sair desses protestos em termos políticos. Afinal, há algumas semanas, quem poderia adivinhar que essa onda de manifestações ocorreria?” Lapper lembra que investimentos diretos vêm se mantendo em patamares relativamente elevados apesar da recente redução do ritmo de expansão do PIB. Isso em função da atratividade do mercado consumidor brasileiro (apesar da recente estagnação dos índices de consumo) e de setores como infraestrutura e gás e petróleo. Em maio, por exemplo, a 11ª rodada de licitações de petróleo e gás da Agência Nacional de Petróleo (ANP) foi considerada um sucesso com uma arrecadação recorde de R$ 2,7 bilhões. E na sexta-feira, enquanto Dilma se reunia com seu gabinete para discutir as manifestações, o Ministério de Minas e Energia publicou um edital confirmando para outubro o primeiro leilão de exploração do pré-sal sob o “regime de partilha” – no qual a Petrobras integra os consórcios de exploração. Recursos cruciais Protestos em São Paulo: frustração popular com qualidade de serviços. Em 2013, espera-se que o Brasil receba um total de US$60 bilhões em investimentos estrangeiros diretos, menos que em 2012 (US$64 Bilhões) e em 2011 (US$66,6 bilhões), mas ainda uma quantia significativa. E diante do recente aumento das importações, tais recursos serão cruciais para fechar as contas externas do país. Por isso, uma redução poderia ser bastante problemática. Para Marcos Troyjo, diretor do centro de estudos sobre BRICS da Universidade de Columbia, nos EUA, os protestos “parecem ser essencialmente uma revolta contra o modelo brasileiro de capitalismo de Estado”. “Os manifestantes pedem mais eficiência nos serviços do Estado. Acham que o que pagam de imposto não está sendo bem utilizado”, diz Troyjo. “Por isso, o modo como o governo tentará responder a essas demandas deve ter um impacto importantes na economia – embora seja cedo para dizer se eles serão positivos ou negativos.” Lapper ressalta que o governo não tem, no momento, muita folga financeira para atender as reivindicações com promessas de mais investimentos e gastos. “O governo se comprometeu com uma meta de superávit primário que alguns acreditam que terá dificuldade para alcançar e também tem de manter a inflação sob controle. Há limites no que pode fazer em termos de concessões”, afirma. |
Aquecimento global ameaça geleiras no Peru; assista | Não são apenas as geleiras dos Pólos Norte e Sul que estão sendo afetadas pelo aquecimento global. | No Peru, que tem 70% das geleiras tropicais do mundo, as geleiras estão desaparecendo em um ritmo alarmante. Cientistas avaliam que o país é um dos mais afetados pela mudança climática. Os picos das montanhas, que antes eram brancos e atraíam milhares de turistas, estão cada vez mais cinzas. Com isso, os fazendeiros sofrem com a falta de água e têm de encontrar alternativas para irrigar a plantação. |
Grave crise em Roraima justifica fechamento da fronteira? Entenda os argumentos contra e a favor | A explosão de violência no último fim de semana em Pacaraima, cidade de Roraima na fronteira com a Venezuela, tornou visível para o restante do Brasil a grave situação em que se encontra o Estado devido à incapacidade de receber adequadamente o fluxo de imigrantes que fogem da crise no país vizinho. | Número de venezuelanos cruzando a fronteira com o Brasil aumentou mais de 1.000% em três anos - mas o país está longe de ser o que mais recebe imigrantes Diante desse cenário, o governo de Roraima voltou a solicitar, na segunda-feira, ao Supremo Tribunal Federal (STF) o fechamento temporário da fronteira com a Venezuela, sob o argumento de que seus serviços de saúde e segurança estão em colapso. O primeiro pedido, feito em abril, foi negado liminarmente pela ministra Rosa Weber. Mas, apesar do agravamento da violência no Estado, o governo federal repudiou tal medida por considerá-la ilegal e ineficaz. "O fechamento da fronteira é impensável", disse na segunda-feira o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen. "A lei brasileira de migração determina o acolhimento de refugiados e imigrantes. É uma solução (fechar a fronteira) que não ajuda em nada a questão humanitária." O governo de Roraima, por sua vez, argumenta que os direitos humanos de venezuelanos e roraimenses não estão sendo garantidos, mas violados, devido à falta de apoio financeiro da União para garantir o adequado acolhimento dos imigrantes. O general Sérgio Etchegoyen (foto), ministro do Gabinete de Segurança Institucional, diz que o fechamento da fronteira é 'impensável' O procurador do Estado de Roraima Edival Braga, que está à frente da ação movida pela governadora Suely Campos no STF, diz que há centenas de crianças mendigando nas ruas da capital, Boa Vista. Na sua avaliação, a atual situação permitiria suspender temporariamente a entrada de imigrantes em Roraima sob dois argumentos legais: desrespeito aos direitos humanos, já que os serviços públicos estão em colapso, e ameaça à soberania nacional, devido à instabilidade na fronteira. "Essa política do governo federal de fronteiras abertas, sem ter uma política pública efetiva que possibilite aos imigrantes ou refugiados viver de forma digna, termina sendo aquele tipo de coisa que o Brasil acena no cenário internacional estar cumprindo os direitos humanos quando na verdade ele está descumprindo os direitos humanos", defendeu Braga à BBC News Brasil. "Não pedimos fechamento da fronteira, mas suspensão temporária da entrada, até que a União garanta o atendimento adequado e a redistribuição dos venezuelanos para outros Estados do país", ressaltou também. 'Fechar fronteira aumentaria tráfico de pessoas', diz jurista O governo federal deslocou militares da Força Nacional para Pacaraima depois do episódio de violência no fim de semana A proposta do governo de Roraima, porém, tem sido repudiada não só pelo governo federal, mas por juristas especialistas em direitos humanos. Beto Vasconcelos, que chefiou a Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) do Ministério da Justiça e foi presidente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) no governo Dilma Rousseff (PT), sustenta que o fechamento da fronteira, além de ilegal, deixaria os venezuelanos à mercê dos coiotes (pessoas que oferecem transporte clandestino e inseguro para cruzamento de fronteiras a altos preços). "É uma falácia defender o fechamento da fronteira como solução para a crise. É impossível impedir a entrada de venezuelanos no Brasil. São mais de dois mil quilômetros de fronteira no meio da selva amazônica", ressaltou. "O único efeito prático seria o aumento do tráfico de humanos, deixando os venezuelanos e venezuelanas sob o risco de serem enganados, roubados, agredidos, estuprados", disse também. Vasconcelos representa quatro organizações de direitos humanos que ingressaram na ação movida por Roraima no STF como amici curiae ("amigos da corte"), instrumento que lhes permite se manifestar na ação. Suely Campos (dir.) reclama de uma suposta omissão do governo federal na crise com os imigrantes venezuelanos Ele ressalta que a Constituição brasileira estabelece como fundamento da República a "dignidade da pessoa humana", impedindo, dessa forma, o fechamento da fronteira à entrada de pessoas que estão em situação de extrema miséria e vulnerabilidade. O jurista destaca, também, que o artigo 4º da Constituição determina que as relações internacionais do país são regidas pelos princípios da "cooperação entre os povos" e a "prevalência dos direitos humanos", além da "concessão de asilo político". Vasconcelos acrescenta que somos signatários da Convenção dos Refugiados da ONU desde 1961 e da Declaração de Cartagena, que trata do mesmo tema no âmbito da América Latina, desde 1985. Depois, os direitos previstos nesse acordo viraram também Legislação nacional em 1997, com a chamada Lei de Refúgio. Esses marcos legais, afirma ele, garantem a entrada e proteção no Brasil de refugiados - pessoas que fogem de situações de grave e generalizada violação de direitos humanos ou de perseguições por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas. "Os imigrantes venezuelanos podem se encaixar em ao menos três dessas categorias: grave e generalizada violação de direitos humanos, perseguição política, e por grupo social, no caso dos indígenas. Seria totalmente ilegal o país impedir a entrada, sem qualquer análise dos pedidos de refúgio", argumenta Vasconcelos. Brasil estaria agindo de forma 'totalmente ilegal' se recusasse a entrada sem qualquer análise, diz Beto Vasconcelos (foto) Segundo balanço da Polícia Federal, entraram no país por Pacaraima, de 2017 a junho de 2018, quase 128 mil pessoas. Desses, quase 69 mil já deixaram o Brasil. Dos que ficaram no país, 56.740 procuraram a PF para se regularizar - 35.540 solicitaram refúgio e 11.100 pediram residência (visto que pode ser concedido por questões humanitárias). Nem a PF nem a Casa Civil souberam dizer como anda a tramitação desses processos. Vasconcelos explica que tanto o refugiado como o residente têm direito a obter documentação brasileira, a usar serviços públicos e a trabalhar. Omissão do governo federal? Na ação movida no STF, o governo de Roraima solicitou também repasse de R$ 184 milhões do governo federal para cobrir gastos extras que teve devido à entrada dos imigrantes. Já houve duas audiências para tentativa de conciliação que não resultaram em acordo. Uma terceira será realizada, mas ainda não tem data. O procurador de Roraima Edival Braga disse à BBC News Brasil que o governo estadual quer propor adoção de cotas para distribuição dos venezuelanos pelos Estados brasileiro, baseadas no tamanho da população e no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de cada unidade federativa. Ele ressalta que Roraima tem o menor PIB do país e, portanto, menos condições de absorver os imigrantes. No fim de semana, moradores de Pacaraima queimarem pertences de venezuelanos; episódios de violência estão aumentando na região da fronteira Por enquanto, apenas 820 venezuelanos foram levados para outros sete Estados do país em ação articulada entre governo federal e ONGs. "A política de migração é responsabilidade da União não do Estado de Roraima", reforça Braga. Questionado pela BBC Brasil, o governo federal não rebateu diretamente as críticas, mas enviou uma lista das ações tomadas em relação à crise em Roraima. Em março deste ano, por exemplo, foram destinados R$ 190 milhões ao Ministério da Defesa para financiamento do plano operacional e outras ações de assistência emergencial aos venezuelanos. A partir daí, os quatro abrigos de imigrantes passaram para administração federal em parceria com a ONU, e mais cinco foram abertos nos mesmos moldes. Atualmente, há cerca de 3.800 imigrantes abrigados e está prevista a abertura de mais três unidades de acolhimento, com 1.500 vagas. Xenofobia Embora reconheça o valor das ações iniciais do governo federal, Beto Vasconcelos critica a resistência em dar mais apoio financeiro ao Estado num momento de crise. Por outro lado, ele também repudia a postura do governo de Roraima que, na sua visão, incentiva a xenofobia (ódio ao estrangeiro). No início do mês, a governadora Suely Campos restringiu, por meio de decreto, o acesso dos venezuelanos a serviços públicos, medida que acabou derrubada por decisão judicial. "Chegamos a um ponto em que está faltando razão a todos. Há dois mitos contra os imigrantes que alimentam o medo, a de que são violentos e que roubam os empregos dos nacionais. Os imigrantes são, por natureza, empreendedores e, na sua maioria, vítimas de violências", diz Vasconcelos. Imigrantes venezuelanos fazem fila para apresentar passaporte e entrar no Brasil. Já o procurador Braga afirma que a imigração tem afetado a segurança do Estado. Os graves atos de violência contra os venezuelanos neste fim de semana ocorreram após um comerciante de Pacaraima ter sido roubado e agredido por quatro homens que ele afirma serem imigrantes. "Não estamos dizendo que os venezuelanos são violentos. O que estamos dizendo é que, quem está em condições de miserabilidade, às vezes faz atos de violência por R$ 20 reais para poder comer. A situação aqui de milhares de venezuelanos é de mendicância", lamenta o procurador. O presidente da OAB de Roraima, Rodolpho Morais, também negou que haja xenofobia entre os roraimenses. Embora reconheça que acordos internacionais impedem o fechamento da fronteira, ele diz que o pedido do governo de Roraima é uma forma de gerar sensibilização em relação à crise do Estado. "Na verdade não é sentimento xenofóbico. A gente vive na fronteira, frequentávamos muito a Venezuela, assim como a Guiana, e recebíamos muitos venezuelanos. O que ocorre é que na medida que você tem seus direitos básicos precarizados por uma desatenção do responsável, que é o governo federal, você tem um sentimento de indignação", acredita. "Nós não temos condição de suportar toda essa carga no nosso Estado. Então, pelo amor de Deus, nos socorram", apelou Morais. |
Países em desenvolvimento se unem para negociar na OMC | Os países em desenvolvimento decidiram se unir para negociar em conjunto seus interesses na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). A decisão foi anunciada por ministros de vários países no primeiro dia de reunião do G20 (grupo de países com interesse na abertura agrícola, que inclui o Brasil) e de outros grupos de países em desenvolvimento no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, neste sábado. | O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que o novo grupo de países em desenvolvimento vai tentar usar a diversidade de posições e de interesses a seu favor e tirar uma posição comum que beneficie ao mesmo os países exportadores agrícolas que pregam o fim dos subsídios – como o Brasil – e outros países mais pobres, que reivindicam proteção especial para suas agriculturas de subsistência. “Temos que discutir as nossas diferenças com franqueza. O nosso objetivo é não permtir que as nossas diferenças sejam usadas para enfraquecer nossa posição na Rodada de Doha”, afirmou. Brasil e Índia, os líderes do G20 que nos últimos meses vinham apresentando posições diferentes sobre as negociações, procuraram afirmar que estão unidos. “A credibilidade do G20 vem justamente da diversidade”, afirmou o ministro da Indústria e Comércio da Índia, Kamal Nath, na entrevista coletiva que reuniu os 17 ministros presentes à reunião. Grupo de trabalho Amorim disse que um grupo de trabalho será criado imediatamente em Genebra para afinar e aprofundar as discussões sobre os temas de interesse comum e marcar uma nova reunião para meados de outubro ou início de novembro. “O fracasso (da Rodada de Doha) é uma não hipótese”, afirmou Amorim. Questionado sobre qual garantia podia oferecer de que desta vez a negociação vai levar a algum lugar, ao contrário das anteriores, Amorim disse que não tinha garantia, mas que era preciso continuar tentando. “O que tem agora de diferente é a disposição de todos de voltar ao jogo”, afirmou. Para ele, o que está em jogo nesta negociação não é apenas a abertura comercial, mas o futuro da ordem internacional. “Se não conseguirmos um sistema que preserve a ordem internacional no comércio, como vamos conseguir um sistema que preserve o mundo do terrorismo?”, disse ele. Os países em desenvolvimento, na avaliação dele, estão na vanguarda em perceber isso, “mas os países desenvolvidos estão acompanhando”. Consultas Um documento divulgado pelos países do G20 e por outros grupos de países em desenvolvimento pede que a Organização Mundial do Comércio intensifique as consultas entre os países-membros da organização “para permitir a pronta retomada das negociações” da Rodada de Doha. Eles pedem também a manutenção dos acordos já firmados durante as negociações, que conseguiram por exemplo o compromisso de reduzir os subsídios agrícolas até 2013. “Qualquer tentativa de renegociar ou de reescrever tais marcos será inaceitável”, diz o documento. O ministro do Comércio de Bangladesh, Hafiz Uddin Ahmad, coordenador do grupo de países com economias menos desenvolvidas do mundo, disse que a agricultura é o principal pilar da economia de vários desses países e que eles precisam garantir na OMC acesso sem quotas ao mercado dos países mais ricos. “Estamos esperando a resposta do mundo desenvolvido à declaração de hoje”, afirmou o ministro indiano Kamal Nath aos jornalistas. As reuniões com o “mundo desenvolvido” estão marcadas para este domingo de manhã. O G20 e os coordenadores dos grupos de países em desenvolvimento têm reuniões em separado com o comissário de Comércio da União Européia, Peter Mandelson, com o ministro da Agricultura do Japão, Shoichi Nakagawa, e com a representante de Comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab. Mandelson e o ministro japonês já estão no Copacabana Palace, e a secretária americana chega no domingo de manhã, pouco antes da reunião. Retomada de negociações No discurso de abertura da reunião, o ministro Celso Amorim reafirmou a importância de se retomar as negociações para a Rodada, paralisadas desde julho, com o impasse numa reunião em Genebra dos seis principais negociadores – Austrália, Brasil, União Européia, Índia, Japão e Estados Unidos. Na época, G20 e União Européia responsabilizaram os Estados Unidos por se recusarem a reduzir de fato o volume de subsídios pagos aos produtores agrícolas. Neste sábado, Amorim disse que o apoio doméstico era um dos impasses na reunião de Genebra, mas não era o único. É a primeira vez que os principais países e grupos envolvidos nas negociações da Rodada de Doha se encontram desde a reunião de Genebra. Embora o Itamaraty tenha se esforçado nos últimos dias para deixar claro que não se trata de uma reunião de negociações, existe a expectativa de que os ministros deixem a reunião com uma data acertada para a retomada das negociações. |
Variantes do coronavírus: os perigos das mutações ao combate da pandemia de covid-19 | Por mais de três meses, o paciente lutou contra a covid-19. Seu sistema imunológico já estava em péssimo estado quando ele pegou o vírus — em meio a um tratamento para combater um linfoma, tipo de câncer do sangue, que exauriu algumas de suas células imunológicas. | Os cientistas estão começando a notar padrões nas mutações do vírus causador da covid-19 em todo o mundo Com ele estava com poucas das defesas habituais do organismo contra infecções, o vírus foi capaz de se espalhar relativamente sem controle pelo seu corpo. Enquanto os médicos tentavam ajudar o paciente idoso a lutar contra a covid-19, deram a ele plasma sanguíneo coletado de pessoas que já haviam se recuperado da doença. Contidos nesse líquido marrom-leitoso — também conhecido como plasma convalescente —, estavam anticorpos contra o vírus que poderiam ajudar a neutralizá-lo. Ao longo de 101 dias de tratamento, os médicos do Addenbrookes Hospital em Cambridge, no Reino Unido, coletaram 23 amostras com swab (haste semelhante a cotonete). Cada amostra foi enviada para um laboratório próximo para ser analisada. Mas quando os virologistas examinaram o material genético do vírus nas amostras, notaram algo surpreendente — o vírus causador da covid-19 estava evoluindo diante de seus olhos. Fim do Talvez também te interesse "Vimos algumas mudanças notáveis no vírus ao longo desse tempo", diz Ravindra Gupta, especialista em doenças infecciosas do hospital e microbiologista clínico da Universidade de Cambridge, que analisou as amostras do paciente. "Vimos mutações que pareciam sugerir que o vírus estava dando sinais de adaptação para evitar os anticorpos do tratamento de plasma convalescente. Foi a primeira vez que vimos algo assim acontecendo em uma pessoa em tempo real." Quase um ano após o início da pandemia de covid-19, a questão das mutações ganhou força. Novas variantes capazes de se espalhar mais rapidamente estão surgindo e levando a questionamentos inevitáveis sobre até que ponto podem tornar as vacinas recém-aprovadas menos eficazes. Até o momento, há poucas evidências de que isso possa acontecer, mas os cientistas já estão começando a analisar como o vírus sofrerá mutação no futuro — e se poderão ser capazes de evitar isso. Vejamos o que eles aprenderam até agora. O esforço mundial para testar e sequenciar amostras do vírus da covid-19 está ajudando a revelar novas variantes à medida que surgem Entre as mutações que Gupta e seus colegas identificaram, estava a eliminação de dois aminoácidos — conhecidos como H69 e V70 — na proteína spike, localizada na parte externa do vírus causador da covid-19. Esta proteína desempenha um papel fundamental na capacidade do coronavírus de infectar as células. A cápsula oleosa que envolve a maior parte do vírus é cravejada com essas espécies de espinhos (spikes) projetados para fora, fazendo com que pareça uma coroa quando observado por meio de um microscópio eletrônico. É essa aparência que dá nome à família dos coronavírus — corona significa "coroa" em latim. E os spikes são a principal maneira pela qual a covid-19 reconhece as células que pode infectar, eles ajudam o vírus a penetrá-las. Quando Gupta e sua equipe examinaram mais de perto a exclusão na proteína spike que haviam identificado, os resultados se mostraram preocupantes. "Fizemos alguns experimentos de infecção usando vírus artificiais, e eles revelaram que a mutação H69/V70 aumenta a infecciosidade em duas vezes", diz Gupta. Isso levou os pesquisadores a vasculhar os bancos de dados genéticos internacionais de covid-19. Foi quando descobriram que algo mais alarmante estava acontecendo. "Queríamos ver o que estava acontecendo em todo o mundo e nos deparamos com esse grande grupo de sequências em expansão [H69 / V70] no Reino Unido", conta o especialista. "Quando olhamos mais de perto, descobrimos que havia uma nova variante causando um grande surto." Quando fizeram essa descoberta no início de dezembro do ano passado, especialistas em doenças infecciosas em outras partes da Inglaterra estavam se esforçando para entender o rápido aumento do número de casos em Londres e no sudeste da Inglaterra, apesar do lockdown nacional. Eles começaram a notar algo estranho nos resultados dos testes de covid-19. A principal ferramenta de diagnóstico da doença são os testes PCR (sigla para reação em cadeia da polimerase), que buscam traços do material genético do vírus nas amostras coletadas. Normalmente, ele foca em três partes do vírus para confirmar a presença de uma infecção. Mas um desses alvos estava ficando cada vez mais negativo em amostras de regiões da Inglaterra onde o número de casos estava em rápida expansão, enquanto os outros dois alvos continuavam a funcionar nos testes. As proteínas spike (em vermelho) ajudam o vírus a entrar nas células, mas também são os alvos dos anticorpos "Não perdemos casos, mas é incomum ver duas (partes) dos testes funcionando, mas uma terceira não", afirmou Wendy Barclay, virologista do Imperial College London e membro do grupo de conselheiros científicos sobre vírus respiratórios novos e emergentes do Reino Unido ao programa Today, da BBC, em 22 de dezembro. O fragmento do vírus que esta parte do teste PCR visava era uma sequência da proteína spike. Quando os cientistas investigaram mais a fundo, descobriram que o vírus nessas amostras havia sofrido uma mutação — a mesma H69/V70 identificada por Gupta —, o que significava que o teste PCR, às vezes, não conseguia detectá-lo. Junto com essa mudança genética, eles também encontraram 16 outras mutações que alteraram as proteínas virais que haviam codificado, incluindo várias na proteína spike. O que eles descobriram foi uma nova linhagem do vírus da covid-19 que sofreu várias mutações em um período de tempo relativamente curto. E chamaram a nova linhagem de B117 — a variante britânica da covid-19, também conhecida como VOC 202012/01 no fantástico mundo das nomenclaturas do coronavírus. Ela deixou um rastro por todo o Reino Unido e se espalhou para 50 outros países em meados de janeiro. O surgimento dessa nova variante — que se estima ser 50%-75% mais transmissível do que a versão original do vírus — junto a outras que estão sendo detectadas agora, como as variantes sul-africana e brasileira, revelou como o coronavírus está sofrendo mutações à medida que a pandemia avança. Também levantou preocupações sobre como pode continuar mudando no futuro, à medida que tentamos combatê-lo com vacinas. "Para mim, isso parece um vislumbre do futuro, onde estaremos em uma corrida armamentista contra esse vírus, assim como estamos com a gripe", afirma Michael Worobey, biólogo evolucionista viral da Universidade do Arizona, nos EUA. A cada ano, a vacina contra a gripe precisa ser atualizada conforme seu vírus sofre mutações e se adapta para driblar a imunidade já presente na população, explica Worobey. Se o coronavírus demonstrar habilidades semelhantes, pode ser que teremos que adotar táticas parecidas para mantê-lo longe, atualizando regularmente as vacinas. Muitos acreditam que as empresas farmacêuticas já deveriam estar atualizando suas vacinas para atacar as versões mutantes da proteína spike do vírus. Mas será que os padrões de mutação que os cientistas estão vendo surgir ao redor do mundo podem oferecer uma pista sobre como o vírus continuará a evoluir? "É difícil especular, mas é interessante que, de repente, parece haver muitas mutações surgindo que podem estar associadas ao escape imunológico ou reconhecimento imunológico", diz Brendan Larsen, estudante de doutorado que trabalha com Worobey. Recentemente, ele identificou uma nova variante do vírus da covid-19 circulando no Arizona que tem a mutação H69 / V70 observada em várias outras versões do vírus. Embora ainda esteja se espalhando em um nível relativamente baixo lá e em outros estados americanos, isso sugere que essa mutação em particular está ocorrendo de forma independente ao redor do mundo, diz Larsen. Essa ocorrência repetida da mesma mutação em diferentes variantes dá algumas pistas sobre o que está acontecendo — como o vírus se espalhou por milhões de pessoas, ele pode estar enfrentando pressões evolutivas semelhantes que o estão levando a mudar de maneiras específicas. Existe a preocupação de que, conforme o vírus da covid-19 continue a sofrer mutações, ele possa se adaptar de forma a tornar as vacinas atuais menos eficazes "Por si só, elas provavelmente terão um impacto menor no geral", diz Larson. "Mas, juntas, todas essas mutações diferentes podem tornar mais difícil para o sistema imunológico reconhecer o vírus." Isso pode fazer com que mais pacientes contraiam a doença duas vezes — e talvez também signifique que as vacinas precisem ser alteradas. "Mesmo uma quantidade relativamente pequena de escape imunológico pode tornar mais difícil alcançar a imunidade coletiva", acrescenta Worobey. Pesquisadores em Illinois, nos EUA, também identificaram recentemente outra nova variante, chamada 20C-US, que tem uma série de mutações únicas e específicas que podem alterar a capacidade do vírus de se replicar uma vez dentro das células humanas. E também apresenta uma mutação perto de uma região da proteína spike que acredita-se ter sido crucial para permitir que o vírus saltasse entre espécies, chegando aos humanos no fim de 2019. Essa região, conhecida como local de clivagem, permitiu ao vírus sequestrar uma importante enzima que opera no corpo humano. A enzima corta a proteína spike neste ponto, fazendo com que ela se abra e revele sequências ocultas que a ajudam a se ligar mais fortemente às células do trato respiratório humano, entre outras. De acordo com os cientistas, uma mutação próxima a essa região pode alterar ainda mais esse comportamento. Os pesquisadores por trás do estudo afirmam que a linhagem 20C-US está se espalhando rapidamente pelos EUA desde junho — e preveem que poderá se tornar em breve a variante dominante do vírus no país. Recentemente, cientistas da Universidade de Manitoba, em Winnipeg, no Canadá, também identificaram o surgimento de duas variantes que se espalharam pelo mundo e estão associadas a "altas taxas de mortalidade" em comparação com o vírus anterior. Uma apresenta uma mutação chamada V1176F na proteína spike, que ocorre junto com outra mutação denominada D614G. A primeira letra dos nomes dessas mutações indica o aminoácido que foi substituído, o número é sua localização na proteína, e a última letra é o novo aminoácido que apareceu naquele local. A mutação D614G sozinha apareceu relativamente no início da pandemia na Europa e causou um aumento drástico na carga viral compartilhada pelos pacientes infectados, o que ajudou o vírus a se espalhar mais rapidamente. O acréscimo da mutação V1176F pode alterar esse comportamento ainda mais, dizem os pesquisadores canadenses, e ela apareceu em vários países de forma independente, sugerindo que oferece uma vantagem ao vírus. A outra variante que eles identificaram apareceu rapidamente na Austrália e carrega a mutação S477N, que parece ter aumentado a capacidade do vírus de se ligar a células humanas. Os esforços para detectar o mais cedo possível novas variantes incluem o teste de amostras de esgoto em cidades como Belo Horizonte Os pesquisadores alertam que essas duas novas mutações "podem representar problemas de saúde pública no futuro" se continuarem a se espalhar e proporcionar uma vantagem ao vírus. Eles acrescentam que a covid-19 parece "estar evoluindo de forma não aleatória, e os hospedeiros humanos modelam as novas variantes com aptidão positiva para poder facilmente se espalhar pela população". Esses sinais de adaptação do vírus não são totalmente surpreendentes para os cientistas. Na maioria dos vírus e bactérias causadores de doenças, o uso de tratamentos e vacinas faz com que desenvolvam maneiras de escapar deles para que possam continuar a se espalhar. Aqueles que desenvolvem resistência a um tratamento ou conseguem se esconder do sistema imunológico sobreviverão por mais tempo para se replicar e, assim, disseminar seu material genético. "Não vejo razão para que esse processo seletivo evolutivo seja diferente em uma pandemia como a de Sars-CoV-2 [o vírus causador da covid-19], em comparação com uma epidemia geograficamente localizada", diz Carolyn Williamson, chefe do departamento de virologia da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, e uma das pesquisadoras que identificou a variante sul-africana de rápida propagação em dezembro. "Pode-se especular que o vírus sendo exposto a diferentes pressões seletivas em diferentes regiões do mundo, junto a sua rápida disseminação, poderia fazer essas propriedades mais favoráveis surgirem mais rapidamente, mas nós realmente não sabemos." É claro que pode haver outras versões preocupantes da covid-19 circulando em populações onde o sequenciamento genético necessário para detectá-las não é facilmente acessível. Uma das razões pelas quais o Reino Unido identificou a variante B117 logo foi pelo fato de ser líder mundial em testes e sequenciamento. "Se novas variantes surgirem em um país onde não há muito sequenciamento de genoma, pode ser um problema real", diz Larson. Um grupo de cientistas chineses usou vírus artificiais para testar mutações na proteína spike que poderiam levar o vírus a se tornar resistente a anticorpos retirados de pacientes que se recuperaram da covid-19. Eles descobriram cinco mutações que fizeram isso, mas uma em particular — N234Q — aumentou drasticamente o nível de resistência a anticorpos. Mas isso ainda não foi visto em nenhuma das variantes que despertam preocupação circulando ao redor do mundo. O estudo dele, no entanto, também oferece alguma esperança, uma vez que a identificação dessas mudanças pode ser útil no desenvolvimento de futuras vacinas. Mas, à medida que os cientistas observarem mudanças no vírus nos próximos meses, eles também estarão perfeitamente cientes das inúmeras tragédias pessoais que estão por trás dos bancos de dados de genomas de vírus e gráficos que mostram sua disseminação. Mais de dois milhões de pessoas perderam a vida em decorrência da covid-19 até agora. Entre elas, está o homem idoso que tinha um linfoma e foi tratado pelos colegas de Gupta no Addenbrookes Hospital, em Cambridge. "Ele recebeu um diagnóstico de câncer terminal, mas conseguiu sobreviver por 10 anos até a covid-19 aparecer", diz Gupta. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Os detalhes de mísseis 'secretos' que a Coreia do Norte revelou 'acidentalmente' em foto | Era um segredo aberto, mas Pyongyang acaba de confirmá-lo. | A sombra de Kim Jong-un cobre um míssil Hwasong-13; atrás dos militares, aparece o desenho de um míssil balístico projetado para ser lançado por submarino Em uma foto divulgada pela agência de notícias estatal KCNA nesta semana, a Coreia do Norte revelou "acidentalmente" dados "secretos" de seu programa nuclear. A imagem, à primeira vista, poderia parecer uma foto de uma reunião qualquer entre Kim Jong-un e militares de alto escalão. A KCNA a publicou, em princípio, como registro de uma visita rotineira de Kim a uma instalação da Academia de Ciências da Defesa. Mas a foto revela detalhes de dois tipos de mísseis que especialistas vinham especulando, há a algum tempo, estarem sob poder de Pyongyang. São o Hwasong-13, um míssil balístico intercontinental, e o Pukguksong-3, um míssil balístico lançado por submarino. Segundo os analistas, nenhum deles foi testado até agora. Como funcionam os mísseis Especialistas sul-coreanos que analisaram a imagem dizem que o Hwasong-13 parece ser um míssil balístico intercontinental de três etapas. Diferente do Hwasong-14, que a Coreia do Norte testou no último dia 4 de julho, e que utilizava combustível líquido, o Hwasong-13 parece ser movido por um combustível sólido. Em 4 de julho, a Coreia do Norte lançou um míssil balístico intercontinental, evento chamado pela mídia local de "histórico" Segundo informou neste mês a KCNA, Kim ordenou que cientistas produzam mais mísseis com combustíveis sólidos e com ogivas nucleares, o que os desenhos nas paredes retratadas na foto parecem confirmar. O Pukguksong-3, por sua parte, também utiliza combustível sólido e é uma versão de maior alcance que os Pukguksong-1 e 2, testados por Pyongyang em 2016. Para os especialistas, no entanto, a grande preocupação não é com estes mísseis, mas com possíveis armamentos secretos. Propaganda de armas Com a publicação das fotos, os especialistas asseguraram que esta não é a primeira vez que ocorre um vazamento "acidental" de informações. Segundo os analistas, esta é uma das estratégias tradicionais da Coreia do Norte para mostrar seu poder militar e enviar mensagens a inimigos. Há duas semanas, a Coreia do Norte publicou esta foto, em que se pode ver no fundo uma imagem da base aérea americana em Guam. Shin Jong-woo, um especialista do Fórum de Defesa e Segurança da Coreia do Sul, assegurou ao jornal local JoongAng Ilbo que o país vizinho "tem uma história de exibir armas reais ou desenhos gráficos delas através de meios estatais para fazer alarde de suas proezas militares pelo mundo". A publicação das imagens ocorreu em um momento "oportuno": o terceiro dia de exercícios militares realizados pela Coreia do Sul e pelos Estados Unidos, aos quais Pyongyang se opõe veementemente. Há algumas semanas, quando Kim Jong-un ameaçou atacar bases americanas na ilha de Guam, no Pacífico, outras fotos mostraram certas pistas. Uma imagem de Kim com sua cúpula militar mostrava de soslaio mapas da Base da Força Aérea de Andersen, em Guam. Mapa branco em foto divulgada em 2013 trazia dizeres: 'Plano para golpear o território continental dos Estados Unidos' Mas, segundo o jornal sul-coreano Chosun Ilbo, as fotos da base tinham seis anos e são de domínio público no serviço de mapas do Google Earth. E acredita-se que a Coreia do Norte não tenha uma rede de satélites capaz de obter e enviar imagens de satélite. Em 2013, circulou uma outra foto em que Kim aparecia com sua cúpula militar e, no fundo, um mapa que dizia "Plano para golpear o território continental dos Estados Unidos" — com um dos mísseis apontando em direção a Austin, nos Estados Unidos. Armas estratégicas O arsenal de mísseis da Coreia do Norte avançou da artilharia de foguetes derivada de modelos usados na Segunda Guerra Mundial para mísseis de largo alcance que, em teoria, poderiam chegar a território americano. Mas, ainda que não esteja claro o quão avançado está o programa nuclear da Coreia do Norte, sabe-se que Pyongyang conta com um arsenal de mísseis de curto e médio alcance — os quais ou já operam ou foram testados. Entre eles, estão os Hwasong e os Nodong, que, em uma análise de 2016, o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos afirmou serem "um sistema testado que pode alcançar toda a Coreia do Sul e grande parte do Japão". A Coreia do Norte gasta parte significativa do PIB com o Exército Além disto, a Coreia do Norte também tem um extenso arsenal de armas químicas, assegura o correspondente da BBC para assuntos diplomáticos Jonathan Marcus. Entre elas, acredita-se estarem os gases mostarda, sarin, de cloro e outros agentes. Segundo um informe do Departamento de Estado dos EUA enviado ao Congresso em 2015, o regime comunista também tem capacidade de produzir uma variedade de outros agentes químicos. Também acredita-se que a Coreia do Norte possa ter armas biológicas, apesar de ter assinado, em 1987, a Convenção de Armas Biológicas — um tratado que proíbe a produção, o armazenamento ou qualquer tentativa de manipulação com este tipo de armas. Uma investigação publicada pelo centro independente de pesquisa Council of Foreign Relations, com base nos EUA, também indica que o país asiático desenvolveu igualmente a capacidade para ciberataques, possivelmente com a ajuda da China e da antiga União Soviética. "A maior parte de suas atividades cibernéticas utiliza infraestrutura de fora do país, em especial na China, e até certo ponto também enclaves em países como a Malásia", diz a publicação. |
Contra suicídios, a importância do apoio social e do cuidado com a saúde da mente | Nana Calimeris até hoje se vê diante de momentos em que fica mais retraída e isolada, suscetível a sensações de grande desilusão - e a pensamentos de suicídio. | Depressão e transtornos mentais estão fortemente associados ao suicídio; no Brasil, há mais de 11 mil casos por ano, segundo Ministério da Saúde Aos 43 anos, a escritora enfrenta a depressão e a ansiedade desde a adolescência, época em que começou a desenvolver "uma vontade muito grande de morrer". "Me sentia uma pessoa horrível. A sensação era a de que eu estava respirando o ar que deveria ser de outro ser humano." Casos recentes de grande repercussão de suicídio em colégios e universidades, bem como a morte de celebridades como o chef e apresentador Anthony Boudain e a designer Kate Spade - ambos no auge de suas vidas profissionais -, evidenciam a importância em falar sobre o tema e diminuir o estigma em torno da saúde mental. Os números também são alarmantes: a cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio no mundo, totalizando quase 800 mil mortes por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde. Fim do Talvez também te interesse No Brasil, segundo o mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, são mais de 11 mil suicídios por ano, e alguns especialistas temem que haja uma subnotificação de casos. Não é possível saber o que está por trás de cada uma dessas histórias, uma vez que o suicídio é multicausal, ou seja, não há um único fator ou culpado. Mas especialistas apontam que, em grande parte dos casos, há um histórico de transtornos mentais, diagnosticados ou não: depressão, ansiedade, esquizofrenia, bipolaridade, borderline (de comportamento impulsivo e compulsivo), entre outros. "Não é possível reduzir o suicídio a uma única causa, mas a depressão causa uma disfunção dos neurotransmissores do cérebro. É parte de um conjunto de fatores psicológicos, culturais, físicos e bioquímicos", diz à BBC News Brasil Daniel Martins de Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (IPq-HC), em São Paulo. Momentos de isolamento e crise grave requerem atenção médica imediata; é importante estar atento Associados a essas doenças estão os chamados "Ds": além da depressão, há "o desespero, desamparo de grupo social, desesperança, desemprego, divórcio e dependência química. Quanto mais 'Ds', maior é o risco de suicídio", explica à BBC News Brasil o psiquiatra Fabio Gomes de Matos e Souza, coordenador do Programa de Apoio à Vida (Pravida) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Diante disso, dizem os especialistas, é preciso sempre cuidar da saúde mental com o mesmo empenho que nos ensinaram a ter com o restante do corpo. Corpo saudável E isso começa por "ter uma vida saudável mesmo: sono adequado, alimentação adequada, atividades físicas e evitar o isolamento social", explica Daniel Barros. "Os exercícios físicos aumentam as substâncias do prazer - a seratonina, a dopamina e a noradrenalina -, que ficam em níveis baixos em pessoas deprimidas", agrega Souza, do Pravida. "Então as atividades físicas funcionam como um escudo protetor. A meditação, a ioga, a natação e o exercício na academia ajudam o corpo a ter mecanismos fisiológicos de combate à depressão." Foi o que Nana Calimeris aprendeu ao longo da convivência com a doença: ela usa a ioga e a meditação para ajudar a conter a ansiedade. "Aprendi a respirar e a lembrar que as crises de ansiedade são cíclicas e passam", conta à BBC News Brasil. "Algumas crises são longas. Mas, com a respiração (da meditação), elas duram menos e eu consigo distinguir meus pensamentos. Isso traz a consciência de que a angústia talvez seja fruto da minha imaginação. Tem hora que dá certo, tem hora que não dá." O momento mais crítico da doença de Nana foi aos 28 anos, quando ela se viu prostrada na cama com uma crise de depressão profunda. "Eu não via saída para lidar com aquela dor", conta. Nana tentou se matar, ingerindo uma dose cavalar de medicamentos. Felizmente, sua mãe a viu desacordada e a levou ao hospital. Hoje, ela não espera mais chegar ao fundo do poço: "Quando começo a ter ideias suicidas, a sensação de que não tenho possibilidade de aceitação, ou quando me jogo na comida, vou na mesma hora ao médico, porque sei que não estou legal". A partir daí, com a ajuda do psiquiatra, ela dosa os medicamentos e os combina com terapia. "Nenhum deles resolve (o meu problema) separadamente." Transtornos mentais alteram a química do cérebro e podem causar disfunção na liberação de neurotransmissores específicos 'Guardiões da vida' Um apoio crucial para Nana vem do filho de 18 anos, que aprendeu a distinguir os momentos em que a saúde da mãe não está bem. "Ele vê quando eu começo a me isolar, quando deixo de sair, e me alerta", conta Nana. Da mesma forma, pessoas atentas a sinais de isolamento de quem está ao seu redor podem ajudar na prevenção ao suicídio, explica Souza, do Pravida. Ele tem ajudado na formação de "guardiões da vida" em escolas, instituições públicas e empresas cearenses. "Trata-se de um grupo atento e treinado para identificar pessoas que estejam faltando, se isolando, chorando. E que se perguntem: 'será que que ela está deprimida? Vou falar com ela'", diz o psiquiatra. "É preciso ter esses guardiões também dentro da família, que percebam quando é hora de conversar, de levar (o parente) para uma avaliação médica, para que dê tempo de tratá-lo." Os sinais a prestar mais atenção são, segundo Souza e Barros: - Mudanças de comportamento e perda de interesse pelas coisas de que a pessoa gostava; - Crises de choro, ideias pessimistas e de nulidade; - Comportamentos compulsivos ao extremo; - Pessoas que perderam alguém de que tenham grande dependência emocional; - Pessoas que já tenham histórico familiar de depressão e suicídio. Casos assim têm de ser "avaliados imediatamente", adverte Souza. Mas como distinguir tristezas passageiras de casos de alta gravidade? "Na dúvida, considere aquela pessoa em perigo", opina o psiquiatra. "Pode ser uma tristeza, pode não ser. É bom buscar uma avaliação de um especialista em saúde mental. É melhor ter certeza, porque não podemos arriscar aquilo que não podemos (nos dar ao luxo de) perder." 'Guardiões da vida' em escolas, famílias e empresas podem ajudar a identificar pessoas que estejam vulneráveis à depressão Rede de proteção social Ao longo do tratamento, as redes de apoio social têm um papel fundamental para pessoas com doenças mentais. "Tenho amigos que são imprescindíveis", relata Nana. "Fez toda a diferença para mim ter um amigo virtual com quem eu falava por Skype em momentos difíceis. Ele me ouvia mesmo quando eu me repetia; ele lia os textos que eu escrevia. São pequenas coisas que fazem muita diferença." Nesses momentos, o que um amigo deve ou não dizer? Para Nana, os amigos ajudam ao serem genuinamente presentes. "É querer saber de verdade como você está, e não apenas querer ouvir um 'estou bem'. É dizer 'estou aqui'. Tenho um amigo que me traz uma lembrancinha sempre que viaja, e é algo que me toca profundamente", diz. "O que não ajuda, nos momentos de depressão, é dizer 'vamos sair, vamos tomar um sol'. Não adianta. A gente não falaria isso para alguém doente de câncer, então não adianta falar para alguém doente de depressão." A escritora e psicanalista Paula Fontenelle, autora de Suicídio: O Futuro Interrompido - Guia para Sobreviventes, acha que devemos evitar meias palavras se estivermos preocupados com um amigo deprimido. "Uma amiga me telefonou certa vez, e notei que ela estava ligando para se despedir de mim. Perguntei sem rodeios se ela estava pensando em tirar a própria vida. Ela desatou a chorar e contou que sim, que já havia planejado tudo", diz Fontenelle, que acabou conseguindo que a amiga buscasse tratamento, no qual está até hoje. "É preciso ser direto e ouvir sem julgamento, porque não tem certo ou errado nessas horas. O que a pessoa quer é acabar com a própria dor, não necessariamente morrer. E como a dor é muito grande e muita gente não tem com quem conversar, se você abre a porta para um diálogo, já está ajudando muito." Há tratamento para transtornos mentais e ele é capaz de salvar vidas, diz psiquiatra Na juventude, drogas e excessos digitais Mundialmente, o suicídio já é a segunda maior causa de mortes de jovens entre 15 e 29 anos. E, no Brasil, pesquisas indicam que a morte autoinfligida de crianças de 10 a 14 anos aumentou 65% entre 2000 e 2015. É preciso lembrar que o cérebro juvenil está exposto a um desequilíbrio no amadurecimento: o hipocampo e a amígdala, regiões cerebrais responsáveis pelos sentimentos e pelo armazenamento de emoções, amadurecem mais rapidamente que o córtex pré-frontal, responsável pela regulação emocional e de impulsos. Essa disparidade dura até os 25 anos de idade. "Temos de ensinar isso aos mais jovens: o seu cérebro ainda está sendo gestado", opina Souza, do Pravida. "Quanto mais saudável o cérebro, menos vulnerável ele estará à depressão e ao suicídio. E por isso é tão importante evitar álcool e drogas. Há uma percepção de que a maconha é inócua, mas ela favorece a depressão, a esquizofrenia e o suicídio." Essa faixa etária enfrenta ainda outro desafio moderno: a excessiva valorização da vida digital em detrimento das relações presenciais. "Existe um desequilíbrio grande e uma ausência de espaços para desabafar e conversar, em vez de apenas olhar a 'revista digital' do Instagram, onde você não vê quem está mal ou sofrendo, porque essas pessoas estão sozinhas em seus quartos", diz o psiquiatra. Abuso de substâncias químicas é um fator de risco para o suicídio - mesmo a maconha, percebida como inócua, pode favorecer a depressão e a esquizofrenia Proteção e diagnóstico Por fim, Souza destaca o papel das políticas públicas de prevenção, algo que passa por diminuir o tabu em torno das doenças mentais e aumentar a proteção em edifícios e espaços públicos e privados - por exemplo, grades em pontes e estações de metrô, redes protetoras em varandas públicas ou ao redor de escadarias. "Há quem diga, 'ah, mas quem quer se matar vai encontrar um modo'. Mas como o suicídio tem um componente muito forte de impulsividade, a dificuldade de acesso já vai ter um impacto", opina Souza. O Ministério da Saúde tem uma "agenda estratégica" de combate ao mal, com a meta de reduzir em 10% a mortalidade por suicídio até 2020 por meio de "ampliação da vigilância, prevenção e atenção integral", mas Souza opina que são necessárias campanhas de saúde pública mais amplas, a exemplo do que é feito com doenças infecciosas. "O Brasil tem campanhas sistemáticas contra a dengue, que matou 200 pessoas no ano passado. Pelo suicídio morreram quase 12 mil", compara. Do ponto de vista clínico, ele defende um prontuário único para pacientes do SUS, que permitisse acompanhar o histórico de saúde mental de pacientes e a dosagem de medicamentos receitados - evitando algo comum, que é um paciente obter o mesmo medicamento tarja preta de vários médicos e acabar tendo em mãos uma dose potencialmente mortal. E ele ressalta que é possível, sim, tratar a depressão e a intenção suicida. "Não nos deixemos levar pelo 'não tem jeito'. Tem tratamento sim, e é eficaz", diz. Nana Calimeris se diz um exemplo disso. Nos últimos anos ela passou a se dedicar à carreira de escritora, e seu livro A Biblioteca de Alexandria tem como personagem principal uma jovem que convive com a depressão. "E pensar que eu estava disposta a ir embora sem ter realizado esse sonho de ser escritora", pondera. "Por isso acho que é preciso sempre falar em prevenção. As pessoas julgam: 'mas essa pessoa tinha tudo; por que ela se matou?'. Vai ver que ela se matou porque não deu conta. O suicídio existe e precisamos falar a respeito." * O Centro de Valorização da Vida (CVV) dá apoio emocional e preventivo ao suicídio. Se você está em busca de ajuda, ligue para 188 (número gratuito) ou acesse www.cvv.org.br. (Até 30 de junho de 2018, o CVV atende pessoas de Maranhão, Bahia, Pará e Paraná no número 141; após essa data, o atendimento ao país inteiro migrará para o 188.) |
Atentados devem reforçar aliança entre Blair e Bush | Nova York, Madri e Londres são cidades irmanadas pela dor, capitais do mundo ocidental, vítimas da barbárie terrorista. José Maria Aznar foi uma vítima política. O ex-primeiro-ministro espanhol partiu após o 11 de março. Agora, seguem de pé George W. Bush e Tony Blair, companheiros de armas e de tragédias. | Os atentados desta quinta-feira em Londres foram um recado genérico e niilista para embaraçar os dirigentes do G8 (e seus associados de países emergentes), reunidos na Escócia, com o propósito de debater soluções para aflitivos problemas mundiais. Mas, em termos mais específícos, os ataques foram consumados para punir Blair, aliado de primeira hora de Bush. O dirigente britânico cerrou fileiras com o presidente americano após o 11 de setembro e se engajou com retórica e tropas nas guerras do Afeganistão e do Iraque. Blair sempre foi instrumental a Bush para dar tonalidades multilaterais a uma campanha basicamente americana. Agenda 'soft' Por Blair, Bush foi até as Nações Unidas, deixando de lado seu desprezo pela instituição. E o presidente americano foi até mais longe. Pelo dirigente britânico, ele encampou causas como a pobreza na África, o tema mais rico desta reunião do G8 agora esvaziada. Para Blair, esta chamada agenda "soft" é fruto de convicção, mas também de um cálculo político de que é mais fácil de vender para uma opinião pública cética quanto à validade de uma causa maniqueísta, mais bushiana, de que o desafio do terror representa uma luta entre o bem e o mal. Ironicamente, nos últimos tempos mesmo Bush havia baixado o tom sombrio, enfatizando que o engajamento americano no Oriente Médio e no resto do mundo era vital para trazer democracia e prosperidade. Claro que as credenciais de Bush como comandante na chamada guerra contra o terror são sua a razão de ser desde o 11 de setembro. Muito se falou da importância dos valores morais para garantir um segundo mandato nas eleições de novembro passado. Mas, no final das contas, foi sua credibilidade na questão de segurança que pesou mais para os eleitores. Combate militarista Mesmo assim, neste começo de segundo mandato, ficara visível como o foco de Bush estava se transferindo para prioridades domésticas como a reforma do sistema previdenciário e, agora nas últimas semanas, para a composição da Corte Suprema. Até a insurgência no Iraque se tornara cada vez mais um "problema local" com seu impacto negativo na taxa de popularidade do presidente. O 7 de julho em Londres deve, no entanto, reforçar a agenda mais tradicional e mais robusta de Bush. O combate militarista e sem tréguas ao terror, mais do que uma abordagem social e que leva em conta suas causas, ganha munição em razão dos terríveis eventos na capital britânica. A tragédia deve proporcionar ainda mais convicção a Bush de que ele está à frente de uma missão histórica. Com Nova York, Madri e agora Londres, o presidente americano se sente justificado. Como ele disse, logo após os atentados do 7 de julho, "a guerra contra o terrorismo continua". |
Cerca de 151 mil morreram no Iraque, estima OMS | Cerca de 151 mil iraquianos morreram vítimas de violência nos três anos que se seguiram à invasão liderada pelos Estados Unidos ao Iraque, em 2003, de acordo com estimativa realizada pelo governo iraquiano e pela Organização Mundial da Saúde (OMS). | A pesquisa, baseada em entrevistas em quase 10 mil residências em todo o Iraque, indicou que a guerra se tornou a principal causa de óbitos entre homens de 15 a 59 anos de idade. Mais da metade das mortes violentas foram na capital, Bagdá. A estimativa abrange o período entre março de 2003 e junho de 2006. A OMS admite que sua pesquisa tem uma grande margem de erro mas diz que um quadro completo só seria possível com um amplo sistema de registro de óbitos, o que não exite no Iraque desde 2003. O grupo de defesa dos direitos humanos, Iraq Body Count (Contagem de Corpos no Iraque), que baseia suas estimativas em dados da imprensa, estima que entre 80 mil e 88 mil pessoas tiveram morte violenta no país desde a invasão. O dado apresentado pela OMS busca um número intermediário entre 104 mil e 223 mil mortes. Nos últimos meses, houve uma diminuição da violência em até 60%, atribuída ao sucesso da operação americana de aumento de tropas especialmente em Bagdá, mas o Iraque continua sendo um lugar perigoso. |
Maria Bonita foi uma mulher transgressora, mas passou longe de ser feminista, diz biógrafa da cangaceira | Dona de uma "personalidade espevitada", Maria Bonita - que, em vida, era conhecida como Maria de Déa - era uma mulher empoderada , transgressora, bem-humorada e "um tipo meio canalha". Mas apesar de estar "à frente do seu tempo", não se incomodava com a opressão em que viviam suas colegas de cangaço e apoiava que mulheres adúlteras fossem assassinadas. | Maria Bonita e o bando de Lampião : ela era considerada a "rainha" do cangaço É assim que a jornalista Adriana Negreiros retrata a cangaceira, que acaba de biografar em Maria Bonita: Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço (Objetiva). O livro conta a história do cangaço dando destaque às mulheres e aos relatos que fizeram sobre como era a vida no bando de Lampião. "Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema como as histórias delas eram desqualificadas", diz Negreiros. Maria Gomes de Oliveira (1910 - 1938) era uma dona de casa casada quando começou a namorar Lampião, em 1929, e decidiu juntar-se ao bando no ano seguinte, tornando-se a primeira mulher do grupo. Seria uma das poucas a tornar-se cangaceira por vontade própria - muitas foram raptadas. Ela acabou morta junto com Lampião e outros membros do bando num ataque das forças de segurança a um acampamento onde pernoitavam. Foi decapitada e, assim como os demais, sua cabeça foi exposta diante da Prefeitura de Piranhas (AL). O livro também se esforça para desfazer a imagem de Lampião como o "Robin Hood do sertão", disseminada na mídia e por movimentos de esquerda da época. "Ele era aliado dos grandes latifundiários do Nordeste e era amigo de um interventor. O fato de ter passado impune tantos anos se deve à relação que tinha com o poder. Os grandes prejudicados eram os mais pobres." Livro de Adriana Negreiros quer desfazer a ideia de que Lampião era o 'Robin Hood do sertão' Adriana é jornalista e trabalhou nas revistas Veja, Cláudia e Playboy. A seguir, veja trechos da entrevista com a autora: BBC News Brasil - Como surgiu a ideia de escrever uma biografia de Maria Bonita? Adriana Negreiros - Sempre tive muito interesse no cangaço. Sou nordestina, do Ceará. Minha família é de Mossoró, a única cidade que conseguiu expulsar Lampião. Isso foi um marco na história do cangaço e é lembrado até hoje. Assim como muitas mulheres, eu estava vivendo a onda feminista. Minha geração está muito acostumada a ver homens no poder. Muita coisa foi naturalizada e agora estamos questionando. Quis contar a história do cangaço da perspectiva das mulheres. Lampião é uma figura exuberante, mas tinha um monte de mulheres que participaram do cangaço e que foram totalmente ignoradas. BBC News Brasil - A imagem que tinha dela antes de escrever o livro mudou? Negreiros - Sim. Tinha uma visão muito mitificada. Quando pensamos nela, imaginamos uma mulher guerreira, que pega em armas. Não sabia que as cangaceiras não pegavam em armas. Havia uma diferença entre o espaço das mulheres e dos homens. Elas tinham uma função doméstica, ainda que não tivessem casa. Quem brilhava no espaço público eram os cangaceiros. Elas eram coadjuvantes. A maioria nem sabia atirar. Maria Gomes de Oliveira entraria para a história como Maria Bonita BBC News Brasil - Em que sentido diria que ela foi uma mulher transgressora? Negreiros - Diferentemente da maioria das cangaceiras, ela entrou para o bando porque quis. Era empoderada para seu tempo e para aquele lugar. Vivia no sertão, nos anos 1920. Era uma mulher casada, de quem se esperava obediência ao marido. O Código Civil da época previa isso - a mulher precisava de autorização do marido para trabalhar. No entanto, ela era muito infeliz no casamento. O marido era um fanfarrão, não era presente, nem muito viril. Ela se sentia sexualmente insatisfeita com ele. Há indícios de que ela tinha um amante. Quando ficava de saco cheio do marido, não ia chorar pelos cantos, ia para o forró, dançar. Tinha uma personalidade mais espevitada mesmo. Ela era transgressora do ponto de vista do comportamento, era corajosa nesse aspecto. Era muito bem-humorada, não estava nem aí para o pensassem dela. Não se levava a sério. Se quisessem caçoar dela, ela estava pouco se lixando. (...) Ela falava alto, ria muito, era um tipo meio canalha, gosto disso nela. Dadá (a cangaceira Sérgia Ribeiro da Silva) também é muito interessante. Foi raptada (pelo cangaceiro Corisco), mas mais tarde disse que o amava. Acho que era uma estratégia de sobrevivência. Se adaptou à situação. Isso deu a ela um papel de protagonismo. Os homens a obedeciam, mas não achavam aquilo muito certo. Mas ela foi uma sobrevivente. Dadá e Corisco: A cangaceira foi raptada e estuprada por ele. Com o passar dos anos, foi adquirindo papel de liderança no grupo BBC News Brasil - Por um lado, Maria Bonita agiu a favor da própria liberdade. Por outro lado reproduzia o machismo violento dos homens. Dá para dizer que ela era feminista? Negreiros - Não. Era transgressora, à frente do seu tempo, mas não tinha consciência política, de gênero. Não se mostrava incomodada com a situação de opressão contra as mulheres. O conceito de sororidade passava longe ali. As mulheres não protegiam umas às outras. O código de conduta era totalmente machista. Uma mulher que cometesse um adultério era morta; o homem, não. As mulheres até incentivavam que as outras fossem punidas. Havia suspeita de que (a cangaceira) Cristina, por exemplo, tivesse um caso com outro cangaceiro. Maria foi uma das que mais apoiou que ela fosse morta, como ela de fato foi. A cangaceira Cristina, que foi morta por suspeita de traição; Maria Bonita defendia que ela fosse executada BBC News Brasil - A imagem que se tem dela é que entrou para o cangaço por amor a Lampião. Acha que foi isso mesmo que a motivou? Negreiros - Amor é demais. Nem conhecia bem ele. Mas ele era a grande celebridade naquela época. Era um astro, um machão, tinha dinheiro, era um valentão. Do lado dele ela se sentiria segura. Isso tudo a atraiu. (O escritor) Ariano Suassuna fala que eram figuras extraordinárias, almas grandes. Ele tem admiração especialmente pela Maria. Ele fala que acha que ela se apaixonou por um cara que era um rei, um homem que iria salvar ela daquela vidinha pequena, de um marido que não dava conta do recado, que não dava atenção a ela. Uma vida à mercê de uma série de violências. Viu a possibilidade de segurança e notoriedade ao lado dele. Isso foi virando um sentimento que podemos chamar de amor. Era uma relação afetuosa. Um raro caso de foto espontânea do casal: a imagem de Maria penteando os cabelos de Lampião foi registrada durante a filmagem de um documentário sobre o cangaço BBC News Brasil - Você diz no livro que, durante a pesquisa, viu que os relatos das mulheres sobre o cangaço eram constantemente questionados. Como era isso? Negreiros - Isso me chocou muito. Fui percebendo em conversas com pesquisadores do tema que as histórias delas eram desqualificadas. Muitas delas entraram no cangaço não porque quiseram, mas porque foram obrigadas. Foram raptadas. Não foi uma opção. Eu comentava com as pessoas essas questões que muito me chocavam - de abandono dos filhos, por exemplo (após darem à luz, mulheres do cangaço eram obrigadas a entregar os filhos para outras famílias) - e ouvia as pessoas relativizando, dizendo "será que foi isso mesmo"? Dadá, por exemplo, foi raptada pelo Corisco, mas as pessoas diziam que não era bem assim. Eu pensava "como uma menina de 12 anos vai escolher ser raptada, estuprada e ir morar no mato, passando fome e sede, sem nunca mais ver os pais?". Quer dizer, mesmo quando elas têm voz (Dadá deu muitas entrevistas depois de deixar a prisão), a voz delas é silenciada, sobretudo quando diz respeito a violências que sofreram. Essa é uma lógica que persiste até hoje. BBC News Brasil - E muitas delas eram ignoradas nas narrativas da época... Negreiros - Sim. Li praticamente tudo que foi publicado sobre o cangaço. Tem muita coisa escrita por pessoas que viveram o cangaço. Nos relatos, as mulheres sempre são tratadas de uma forma meio escrota. Fui juntando tudo, um trabalho de garimpo, mesmo. BBC News Brasil - Deve ter sido difícil juntar tudo e fazer um retrato da Maria. Fez uma interpretação própria? Negreiros - Sim. As questões que me incomodaram acabaram conduzindo o trabalho, especialmente essa questão do descrédito. Resolvi assumir a versão delas. BBC News Brasil - É isso que quer dizer quando fala que o livro é feminista? Negreiros - Sim, quis olhar pelos olhos das mulheres, acreditar na versão delas. Também tentei deixar muito claro as estruturas de opressão que atuavam no cangaço. As cangaceiras Nenê, Maria Jovina e Durvinha BBC News Brasil - No imaginário coletivo, cangaceiros são vistos como Robin Hoods do sertão. O livro faz questão de desmontar isso. Negreiros - Movimentos sociais tentaram vê-los como revolucionários, como se tivessem consciência da distribuição equivocada da propriedade privada, mas não tinham. Lampião queria ser coronel. Ele falava nas entrevistas "quero ser fazendeiro, governador". Não queria organizar um movimento de camponeses oprimidos. Essa é uma ideia equivocada. Os pobres ficavam no meio do fogo cruzado. Eram vítimas dos cangaceiros e das forças volantes (polícia). Não tinham para onde correr. Uma pessoa que tivesse sua casa visitada por cangaceiros tinha que obedecer e depois passaria a sofrer represália da polícia porque era "amiga de cangaceiro". Não tinha isso de que distribuíam dinheiro. Eventualmente, Lampião fazia agrados porque era um gênio das relações públicas, mas era para ter simpatia de determinada região e ser protegido. Nos filmes há imagens deles entrando nas cidades e jogando coisas para o alto. Eles podiam até fazer isso, entrar tirando coisas do corpo, mas era pra se livrar de peso. Lampião não tinha a menor consciência de classe. Não tenho dúvida de que, se tivesse um aliado que fosse um grande latifundiário e que tivesse um problema com um pequeno produtor, ficaria do lado do latifundiário. Não diria (vou ficar do lado dos) "meus colegas pobres, oprimidos". Além disso, era um cara racista. Odiava negros. BBC News Brasil - Por que a esquerda não via isso? Negreiros - Não é tão preto no branco. Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, de o cangaço ser um banditismo rural, é um movimento de insurreição. Hoje, o sertão é região esquecida. Imagine naquela época. Ninguém tinha olhos para o sertão. A vida do sertanejo não era fácil. A perspectiva era ter uma plantação, torcer para que chovesse. Uma vida condenada àquilo. Ou (a pessoa) se conformava de que aquela era sua sina ou se rebelava contra isso. De alguma maneira, o cangaço tem na sua gênese certo componente de insurreição. Frederico Pernambucano de Mello (pesquisador do cangaço) chama de "irredentismo". A coisa do "vou ser meu próprio rei, farei meu próprio destino". Isso não torna as coisas muito claras. Não é fácil perceber onde começa a questão social e termina a necessidade de ficar rico ou o desejo de ser maioral do sertão. "Apesar de Lampião ser aliado dos latifundiários, é um movimento de insurreição", diz a biógrafa BBC News Brasil - No livro, você narra estupros, mulheres que eram marcadas como vacas só por usarem cabelos curtos, assassinatos por motivos fúteis, capação. O grau de violência que eles cometiam te surpreendeu? Negreiros - Sim, surpreendeu. Era uma coisa patológica. A região é muito violenta e era uma coisa muito naturalizada. Em relação às mulheres, eram tratadas como propriedade, como se fossem vacas. Teve uma cangaceira que depois de morta teve a vagina arrancada. O soldado ficou carregando aquilo na bolsa. BBC News Brasil - Viu paralelos com o Brasil de hoje? Negreiros - Me parece ter certa semelhança com tráfico de drogas no Rio. A política do terror inspira confiança por meio do medo. Ao mesmo tempo, espalha o terror. E na ostentação também. Não faziam questão de se esconder. Traficantes também estão sempre muito armados, com ouro. É um poder paralelo. E as pessoas recorriam aos cangaceiros para resolver conflitos, às vezes até antes de procurar a polícia. A corrupção policial - os policiais vendiam armas para cangaceiros. |
'Não temos vocação de hegemonia', diz Lula | O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse na abertura da reunião com o seu colega de Moçambique, Joaquim Chissano, que o Brasil deve "ajudar" a África, mas sem mostrar uma posição "hegemônica". | "Não temos vocação de hegemonia. Queremos ser companheiros, parceiros, num mundo socialmente injusto. Fio para mudar isso que entramos na política." Lula afirmou que sua visita à África faz parte de uma "estratégia" da política externa e das relações internacionais que "privilegia" o continente africano e "mais ainda" os países de língua portuguesa. "Espero que, ao final do meu mandato, as relações com a América do Sul e com a África estejam melhores." Ajuda O presidente disse que o Brasil pode ajudar a África em vários setores, "embora tenhamos nossos problemas também". Lula citou, por exemplo, as áreas de saúde, educação, agricultura e indústria, mas não deu detalhes de como seria essa ajuda. |
Chimpanzés infectados e abandonados por laboratório de NY 'colonizam' ilhas africanas | Em 1974, o banco de sangue americano New York Blood Centre (NYBC) decidiu criar na Libéria, oeste africano, o Vilab II - um grande laboratório a céu aberto para experimentos com diversos tipos de vírus em chimpanzés silvestres. O primatas foram infectados deliberadamente com doenças como a hepatite, para que vacinas fossem desenvolvidas. | Os chimpanzés foram abandonados com poucas chances de se alimentarem sozinhos Trinta e um anos mais tarde, quando anunciou o fim dos experimentos, o diretor do Viral II, Alfred Prince, assegurou que o NYBC iria cuidar do bem-estar dos primatas pelo resto de suas vidas. Pelo fato de estarem infectados, os chimpanzés foram levados para seis ilhas fluviais. Lá, ao custo de US$ 20 mil mensais, os animais recebiam água e comida e cuidados para uma "aposentadoria feliz". Porém, em março de 2015, o NYBC cancelou toda a ajuda, deixando 85 chimpanzés abandonados à própria sorte. Era impossível que escapassem, pois esses primatas não são bons nadadores. Tecnicalidade Ativistas criticaram a NYBC por cancelar o programa de ajuda em um momento que a Libéria enfrentava a crise sanitária Tecnicamente, o governo da Libéria é o dono dos animais, mas os cuidados diários e experiências eram de responsabilidade do NYBC. Esse detalhe legal permitiu que o banco de sangue se distanciasse do problema. Fim do Talvez também te interesse Em um comunidado divulgado poucos meses após o fechamento do laboratório, o NYBC disse que "nunca teve obrigação alguma de cuidar dos animais". O comunicado dizia ainda que "já não era sustentável desviar milhões de dólares de nossa missão de salvar vidas". Este posicionamento provocou fúria de ativistas dos direitos animais. "O banco de sangue abandonou os chimpanzés na Libéria no pior momento possível, quando o país estava em meio ao surto do vírus ebola", criticou, por meio de uma porta-voz, a ONG americana The Humane Society. "Vale a pena mencionar que o foi a utilização de chimpanzés que possibilitou ao centro desenolver vacinas e outros tratamentos ao longo de décadas". Resgate Mas esta não é uma discussão sobre questões éticas ligadas ao uso de animais para testes médicos. Ninguém poderia argumentar que esses animais não merecem água ou comida. Os chimpanzés vagam por seis ilhas Como primatologista, estou interesado em como se pode cuidar de um grupo de animais de laboratório, criado em um ambiente semissilvestre e portador de doenças que oferecem riscos tanto para outros animais como para seres humanos. Para resolver esse dilema, a especialista em grandes primatas Jenny Desmond e seu marido, o veterinário Jim Desmond, viajaram no final de 2015 ao país africano, financiados pela The Humane Society, para coordernar a assistência aos chimpanzés. Eles lideraram um pequeno grupo de pessoas que agora se ocupa dos primatas. Recentemente, falei com os Desmond e eles me contaram que a população de chimpanzés está crescendo - 11 novos teriam nascido desde 2006 por causa da falta de controle de natalidade. Jenny disse estimar que 30 dos adultos levados para a ilha em 2005 tinham morrido. Um grande problema é que não é possível reintroduzir esses animais à vida silvestre, pois eles poderiam infectar outros bichos. "Não sabemos qual chimpanzé está inoculado com qual doença", diz ela. Controle Ex-funcionários do NYBC cuidam dos animais Chimpanzés têm vida média de 60 anos, e por isso é importante oferecer o melhor cuidado a esses animais. A população atual das ilhas é de 63, distribuídos em grupos de nove e 13 animais. Felizmente, muitos ex-empregados da NYBC, que durante décadas trabalharam com esses animais, ainda vivem em localidades próximas. Porém, a falta de infraestrutura tanto nas ilhas quanto em terra firme tornaram quase impossível fazer tratamentos e monitorar os animais. Os animais andam livremente pelas ilhas e não há estruturas para separá-los e fazer exames rotineiros. Mas Jim Desmond mantém o otimismo. "Nossos dois principais objetivos quando chegamos aqui eram melhorar a dieta dos chimpanzés e implementar um controle de natalidade", escreveu ele recentemente no blog da Humane Society. Segundos os especialistas, a saúde dos chimpanzés melhorou consideravelmente e os animais estão sendo medicados diariamente com pastilhas de progesterona para que não se reproduzam. Responsabilidade Animais estão tomando anticoncepcionais como forma de controle da natalidade A renomada defensora dos animais Jane Goodall diz que o NYBC deveria ser responsável por cuidar desses animais para o resto de suas vidas. "Eles sabiam muito bem que os chimpanzés têm vidas longas. Abandoná-los é imperdoável", diz ela. Procurada pela BBC, o NYBC não se pronunciou. O cuidado com animais em cativeiro é frequentemente muito complexo. Mas quando eles são utilizados para experimentos, há uma obrigação implícita de receberem assistência mesmo quando já não têm um valor científico. |
Brics se reúnem em clima mais complicado para emergentes | Os países do grupo Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) começam nesta terça-feira, na cidade sul-africana de Durban, sua quinta reunião de cúpula em um momento econômico relativamente mais complicado para esse clube de emergentes do que os quatro encontros anteriores, que foram marcados por uma grande euforia e otimismo. | Cúpula dos Brics acontece até quarta-feira em Durban, na África do Sul "Se até a última cúpula muitos ainda acreditavam que esses países sairiam da crise econômica global ilesos, ou como seus grandes vencedores, agora, com a economia chinesa desacelerando e o Brasil crescendo menos que os Estados Unidos, essa certeza parece ter acabado", ressaltou, em entrevista à BBC Brasil, Oliver Stuenkel, especialista em Brics da Fundação Getúlio Vargas que participou de uma série de debates acadêmicos que precederam o encontro em Durban. Isso não quer dizer, porém, que o clima da reunião será de fim de festa. Segundo analistas, tal desilusão na realidade aumenta a pressão para que os líderes desses países consigam fazer avanços concretos em um duplo desafio estabelecido pelo grupo desde sua primeira cúpula, em 2009. De um lado, eles precisam consolidar o Brics como uma entidade política. Do outro, aumentar a cooperação econômica e oportunidades de negócios entre seus integrantes. "Se conseguirem adotar medidas significativas para avançar na coordenação política e econômica, esses países estarão mostrando que têm um projeto conjunto no longo prazo, independentemente dos dados do PIB de cada um deles", diz Stuenkel. "Até agora, apesar de toda a retórica, esses países não chegaram a nada de concreto em termos de articulação política, mas o encontro de Durban pode mesmo ser decisivo nesse sentido", concorda Jim O’Neill, que em 2001 criou o termo Bric (o S da Africa do Sul foi adicionado depois) para designar as nações emergentes que por volta de 2040 teriam o mesmo peso econômico dos países desenvolvidos. "Se esses líderes conseguirem fazer o Banco dos Brics deslanchar, por exemplo, terão dado um grande passo para mostrar que estão mesmo dispostos a ampliar sua voz no sistema de governança econômica global", completa o economista. "Esse pode ser o Banco Mundial dos emergentes", diz. Temas A proposta para o Banco dos Brics foi feita no encontro passado, em Nova Déli. Seu objetivo é estabelecer um banco multilateral que possa financiar projetos conjuntos na área de desenvolvimento, criação de infraestrutura e trocas comerciais. Em 2012, ministros de economia e finanças dos cinco países foram encarregados de estudar a viabilidade e possíveis configurações da nova instituição financeira. Agora, o desafio é fazê-la sair do papel, chegando a um acordo sobre sua estrutura, recursos e práticas. Diplomatas estimam que cada país poderia contribuir com US$ 10 bilhões para esse banco, o que lhe garantiria um total de US$ 50 bilhões de capital inicial. Ainda não está claro, porém, de que forma o dinheiro seria distribuído, nem qual seria a sede da nova organização. Além do Banco dos Brics, outro tema que deve estar sobre a mesa no encontro de Durban segundo informações de especialistas e diplomatas brasileiros, é a criação de um fundo de reservas conjunto. Se o Banco dos Brics poderia ser uma espécie de Banco Mundial dos emergentes, como definiu O'Neill, a princípio a ideia é que esse fundo funcione como um FMI do grupo – socorrendo países em apuros financeiros. Mecanismos de facilitação de comércio e cooperação econômica, como a possibilidade do uso de moedas locais em investimentos e trocas comerciais entre países do Brics, também devem ser debatidos, tendo em vista a crescente interdependência desses países – em especial com a China, que é hoje o principal parceiro comercial do Brasil, da Índia e da Rússia e mantém um estoque de US$ 20 a US$ 40 bilhões em investimentos externos diretos na África. Segundo o sul-africano Standard Bank, por exemplo, nos últimos dez anos o comércio intra-Brics cresceu mais de dez vezes, de US$ 28 bilhões, em 2002, para US$ 310 bilhões, no ano passado. Por fim, por este se tratar do primeiro encontro dos Brics no continente africano, a relação dos emergentes com a África também foi definida como um tema prioritário – embora esta seja uma área em que os cinco países muitas vezes competem. Os Brics também pretendem lançar durante essa cúpula um fórum permanente de diálogo empresarial e um think tank para discutir problemas conjuntos e estratégias de cooperação. História Países começaram o processo de institucionalização do grupo Bric a partir de 2007 O termo Bric foi criado por O'Neill em 2001 como um instrumento de análise financeira. O "S" de África do Sul (em inglês) não foi incluído no acrônimo inicialmente e até hoje o próprio O'Neill diz não ver argumentos econômicos que justifiquem tal inclusão. A população sul-africana representa um quarto da brasileira, ou o equivalente à população de uma Província chinesa, e o país ocupa apenas a 26ª posição no ranking das maiores economias do mundo, enquanto a China ocupa a 2ª , o Brasil a 6ª ou 7ª (de acordo com diferentes cálculos), a Rússia a 9ª e a Índia a 10ª. "Percebi que esses quatro Bric eram países com grandes populações, governos dispostos a integrá-los no mercado global e um nível de crescimento substancial, então me pareceu claro que no futuro ganhariam mais peso na economia mundial", conta O’Neil, explicando o que lhe inspirou para criar o acrônimo. O termo não demorou para se popularizar. Bancos de investimentos criaram carteiras para os Bric e departamentos para analisar seu crescimento e universidades em todo o globo abriram centros de estudos para comparar os quatro países e acompanhar sua trajetória. Foi por volta de 2007, porém, que autoridades e líderes dos Bric perceberam a possibilidade de explorar politicamente o fenômeno – reunindo-se pela primeira vez durante um encontro internacional em Nova York. A primeira reunião de cúpula dos Bric ocorreu em 2009 na Rússia e deixou claro qual seria a bandeira do grupo: a luta pela reforma e democratização do sistema político e econômico internacional. Países emergentes reclamam da falta de representatividade em instituições como o FMI, o Banco Mundial e o Conselho de segurança da ONU (no caso de Brasil, Índia e África do Sul). Eles argumentam que essas entidades e todo o sistema de governança internacional criado no pós-2ª Guerra estão ultrapassados e devem ser alterados para refletir a nova realidade, em que há mais centros de poder político e econômico globais. Divergências O problema é que se a reivindicação de reformas no sistema internacional é comum, o mesmo não pode ser dito sobre a forma como cada país acredita que essa reforma deva ser implementada. Os Brics são divididos por diferentes agendas, interesses, valores e realidades nacionais, o que, na prática, dificulta sua articulação política e fortalecimento como um bloco alternativo ao dos países desenvolvidos. China e Rússia, por exemplo, já são membros do Conselho de Segurança da ONU e nunca manifestaram apoio a uma ampliação do órgão. Afinal, é mais vantajoso fazer parte de um seleto clube com cinco membros do que de um com oito ou nove integrantes. Os Brics também nunca conseguiram chegar a um consenso sobre a indicação de representantes comuns para a chefia de organizações como OMC, Banco Mundial e FMI. Para completar, não há consenso nas negociações sobre comércio – com alguns países adotando posturas mais protecionistas que outros em temas específicos. "Ninguém espera que de repente os Brics comecem a falar com uma única voz, mas as mudanças que estão por trás da formação do grupo são sólidas e devem de fato mudar a ordem mundial nos próximos anos", acredita Marcos Troyjo, diretor do centro de estudos sobre os Bric da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. "Apesar das divergências, a tendência é que os Brics consigam avançar aos poucos na coordenação política em alguns temas e que ampliem a cooperação para a superação de desafios comuns na área de saúde, segurança e energia, por exemplo", diz. |
Líder palestino diz que não vai tentar a reeleição | O líder palestino Mahmoud Abbas disse nesta segunda-feira que não vai concorrer novamente ao cargo de presidente da Autoridade Palestina quando seu mandato terminar, em três anos. | "Apenas terminarei meus três anos restantes no poder", disse ele. "Não vou concorrer novamente. Isso é definitivo." As declarações de Abbas foram publicadas em jornais palestinos cerca de um ano depois das eleições que o confirmaram como sucessor de Yasser Arafat. Sem preconceito Abbas se disse também disposto a trabalhar com o líder israelense em exercício, Ehud Olmert. Olmert assumiu o poder desde a internação do premiê Ariel Sharon, no início do mês. "Tenho lidado com ele e o conheço bem", disse Abbas de Olmert. "Ele tem suas visões e posições, mas vamos lidar com ele sem nenhum preconceito", disse ele. As eleições parlamentares palestinas de janeiro devem revelar um forte apoio ao Hamas, maior rival do partido Fatah, de Abbas. |
Copa das Confederações expõe 'falta de planejamento' em Recife | A estreia oficial de Recife na Copa das Confederações, que sedia neste domingo o terceiro jogo do torneio, entre Espanha e Uruguai, expõe alguns dos principais problemas e lacunas no planejamento urbano da cidade – uma das mais atrasadas nos preparativos para o Mundial de 2014. | Arena Pernambuco foi o último dos seis estádios a ser entregue O início da partida está previsto para ocorrer às 19h (horário de Brasília) na Arena Pernambuco, que, ao contrário de outras cidades-sedes da competição, está localizada em um município vizinho, São Lourenço da Mata, a cerca de 20 quilômetros do centro da capital pernambucana. Na quarta-feira, a chegada das seleções da Espanha e do Uruguai foi marcada por engarrafamentos, protestos e acidentes que causaram transtorno para os moradores e para as equipes, que tiveram dificuldades para treinar, por causa das chuvas e do trânsito. Inicialmente, a capital não estava prevista como sede, mas foi escolhida após a proposta do governador de Pernambuco Eduardo Campos -- candidato virtual à Presidência em 2014. Em março, Campos afirmou que a cidade estaria pronta para a Copa das Confederações e que poderia entregar o terceiro estádio do torneio. A Arena Pernambuco foi a última das seis a ser entregue para o evento-teste da Copa do Mundo. No material publicitário da cidade, a frase escolhida pelo governo estadual é "Recife vai marcar um golaço". Movimentos de urbanistas da cidade, no entanto, discordam."Cautelosamente, pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra", afirma Evanildo Barbosa da Silva, especialista em mobilidade urbana e representante do Comitê Popular da Copa em Recife. "Passaram uma imagem de que as obras não impactariam o Recife, o que é uma inverdade. Não foi construído nada mais preventivo, nem foi feito um planejamento mais básico", afirma. A socióloga Ana Paula Portela, uma das criadoras do grupo Direitos Urbanos do Recife, diz que a Copa das Confederações mostrou "o tamanho do problema" para os moradores. "Já acompanhávamos o impacto de grandes projetos na vida da cidade, mas a Copa dá uma dimensão maior das lacunas. De fato, muitas coisas que o governo dizia que estava fazendo, como o controle das obras de mobilidade e das vias da cidade, não foi feito". Segundo Portela, os problemas com o trânsito são o "primeiro estrangulamento" em Recife. "No dia a dia é possível encontrar saídas para o trânsito, mas agora o governo tem que responder à agenda da Copa. E não vi resposta", critica. "A cidade está parada. Recife já não anda e nos dois últimos dias está mais parada ainda." Na manhã de sexta-feira, os motoristas de ônibus da capital fizeram uma paralisação de uma hora para reivindicar reajuste salarial. O protesto tinha como objetivo "dar um recado" à prefeitura, sem prejudicar os cidadãos. Mesmo assim, a manifestação provocou engarrafamentos em diversas áreas da cidade. Um acordo de última hora evitou também uma greve dos metroviários de Recife, que poderia afetar o principal meio de transporte -- e único recomendado pela prefeitura -- para chegar à Arena Pernambuco. Buracos no caminho Em coletiva de imprensa na sexta-feira, jogadores da seleção uruguaia reclamaram do trânsito na cidade, que atrasou o treino e outros compromissos da equipe mesmo com a escolta de batedores. “O trânsito atrapalhou muito. Demorar uma hora e meia para ir e uma hora e meia para voltar não estava nos nossos planos. É muito desgastante”, disse o zagueiro uruguaio Diego Lugano. Na quinta-feira à noite, após chegar a Pernambuco, os uruguaios não conseguiram treinar por causa do estado em que as fortes chuvas deixaram os gramados dos centros de treinamento locais. No dia seguinte, a seleção chegou ao CT (Centro de Treinamento) do Sport de Recife depois de uma hora no trânsito, prejudicado por obras de última hora no trajeto. Na BR-101, trabalhadores tapavam buracos e corrigiam falhas no asfalto e no acostamento. Também na sexta-feira à noite, um engarrafamento causado por obras de pavimentação na BR-232 - principal acesso à Arena Pernambuco - deixou motoristas parados durante até três horas. A situação piorou quando parte da BR-101 foi fechada para a passagem da seleção espanhola, que provocou o aumento do tráfego na outra rodovia. Seleções de Uruguai e Espanha, que jogam neste domingo, reclamaram de falta de estrutura em Recife "É inadmissível que a gente tenha, em um trajeto vital para a cidade, o problema que temos agora. Mas a gestão do trecho urbano da BR-101 está sendo repassado para o Estado, porque no corredor central será construído o BRT", disse o secretário de Mobilidade Urbana de Recife, João Braga, à BBC Brasil. O BRT (do inglês Bus Rapid Transit, sistema com ônibus articulados que trafegam em corredores especiais) é um dos projetos que a cidade retirou da Matriz de responsabilidades, porque não ficaria pronto a tempo da Copa 2014 mas será, de acordo com Braga, "um legado". 'Da água para o vinho' O secretário de Mobilidade Urbana de Recife, João Braga, está otimista em relação ao trânsito em 2014. "Vamos mostrar uma mudança da água para o vinho na cidade", disse à BBC Brasil. De acordo com Braga, a prefeitura identificou cerca de 40 pontos vitais de alagamento da cidade e pretende tratá-los para evitar as enchentes que, há poucas semanas, geraram imagens impressionantes. "O calendário da Fifa é europeu, mas junho não é um período bom no Brasil, é um período de chuvas. A gente vai ter muitos problemas", reconhece. O secretário afirma ainda que até a Copa do Mundo ficarão prontos os dois BRTs incluídos na matriz de responsabilidades de Recife para a Copa, cerca de 40 km de ciclovias e ciclofaixas, sete BRS (Bus Rapid Service, corredores expressos para ônibus) e o que chamou de "o programa mais largo de calçadas que já se viu na cidade". "O foco da prefeitura e do governo do Estado é na mobilidade das pessoas e não dos veículos", diz. Mas o "foco na mobilidade das pessoas" a que Braga se refere é uma "assimilação do discurso dos urbanistas da cidade" que não foi acompanhada por novos projetos, segundo Mucio Jucá, arquiteto, especialista em desenvolvimento urbano e professor da Universidade Católica de Recife. "Há um embate muito forte agora no Recife sobre questões de urbanização e estamos conseguindo ter voz junto ao governo. Percebemos é que o discurso deles incorporou o discurso dos urbanistas. Só que eles ainda apresentam os mesmos projetos que nós criticávamos", disse à BBC Brasil. "Assimilar o discurso é um passo importante, mas elaborar novos projetos não vai acontecer até 2014, talvez só até 2020. Os projetos que nós consideramos ruins por uma série de motivos já estão em construção." 'Arena mais longe do mundo' Jucá critica a falta de planejamento dos projetos da Copa em Recife, incluindo o acesso à Arena Pernambuco, que fica em São Lourenço da Mata (a 22 quilômetros da capital) e já desperta preocupação nos organizadores da Copa das Confederações. "Parece que as ações foram feitas sem planejamento nenhum e a solução encontrada é decretar feriado nas ciddes para que não tenhamos um caos e para que o mundo não veja isso acontecer", diz. Por causa de fortes chuvas, seleção uruguaia teve de treinar em academia Mucio Jucá chegou a elaborar um dos projetos da nova arena da Copa, que seria o construída entre Recife e Olinda. "A ideia era colocar o estádio dentro da cidade, para que ele fosse uma arena multiuso e para facilitar a mobilidade urbana. Essa é a ideia que se tem de um bom estádio hoje em dia" "Quando nossas propostas foram apresentadas à Fifa, em 2009, já tínhamos estudos e levantamentos prontos e obras de mobilidade urbana relacionadas a eles, parecia que as coisas se encaixavam. Mas apareceu um projeto que ninguém tinha conhecimento de construir um estádio a 22 km da cidade. Não acreditávamos que o governo aceitaria uma proposta antiquada dessas", conta. "Colegas holandeses me chamaram a atenção de que esse deve ser o estádio mais longe do mundo. Em minhas pesquisas, ainda não encontrei um mais distante da cidade do que esse." Segundo Gilberto Pimental, secretário executivo de relações institucionais da Secopa de Recife, o objetivo da arena é levar empreendimentos para a região de São Lourenço da Mata. "Nesse primeiro momento ela está isolada, mas a grande aposta do governo é que ela seja a âncora para puxar o desenvolvimento para o oeste". Ele diz ainda que o estádio pode ser uma oportunidade para "repensar o uso do metrô em Recife, que ainda não é massivo". Na próxima quarta-feira, o governo estadual decretou ponto facultativo para evitar caos no acesso dos torcedores à partida entre Itália e Japão. A medida também foi adotada nas outras cidades-sede. A capital pernambucana não teve protestos relacionados ao aumento das tarifas do transporte público na última semana, mas ativistas organizam pelo Facebook uma manifestação em solidariedade ao Movimento Passe Livre, de São Paulo, na próxima quinta-feira, dia 20. Grupos de urbanistas dizem que farão na passeata o protesto que não conseguiram fazer no primeiro fim de semana da Copa das Confederações. |
Guga quebra jejum de 9 meses e leva título na Rússia | O tenista brasileiro Gustavo Kuerten levou o seu segundo título neste ano com uma vitória sobre o armênio Sargis Sargsian no Aberto de São Petersburgo, na Rússia. | Guga venceu a final do torneio por 2 sets a 0, parciais de 6-4 e 6-3. Foi o primeiro título de Kuerten desde a sua vitória em Auckland, na Nova Zelândia, em janeiro deste ano. Segundo a agência de notícias Reuters, Guga foi o jogador mais "consistente" do começo ao fim do jogo. 19º título Esse foi o 19º título na carreira de Kuerten. O feito foi ainda maior por se tratar de uma quadra rápida de carpete, quando a preferida de Guga é a de saibro. A única outra final que o tenista brasileiro jogou neste ano foi em Indian Wells, em março, em que ele acabou perdendo para o australiano Lleyton Hewitt. Guga chegou a essa final na Rússia depois de passar pelo espanhol Alex Corretja, também por 2 sets a 0. |
O comportamento de risco dos adultos que torna ainda mais desafiadora a reabertura de escolas | À medida que redes estaduais, municipais e privadas de todo o país avançam ou recuam nos projetos de reabertura (mesmo que parcial) de escolas, e enquanto o Brasil vive seu momento mais crítico na pandemia até agora, as atenções naturalmente se voltam aos cuidados de higiene, à infraestrutura física escolar e ao distanciamento social praticados por estudantes. | Comportamento de adultos pode influenciar a segurança sanitária dentro de escolas; acima, crianças chegando à escola em Jerusalém, em 21 de fevereiro Embora tudo isso seja indiscutivelmente crucial, é importante também ter em mente que o principal agente de contágio nessa cadeia pode não ser a criança, mas sim o adulto — até mesmo adultos que sequer estejam dentro da escola. Esse alerta, ainda mais válido em um momento de alta das infecções no país, vem tanto de estudiosos quanto da Organização Mundial da Saúde (OMS) — que explicam que, nos focos de covid-19 identificados em escolas pelo mundo (até agora, relativamente poucos), acredita-se que, na maioria dos casos, o vírus tenha sido levado para lá dentro por conta do comportamento de adultos próximos, e não do das crianças. "Na maior parte do tempo, as crianças são infectadas pelos adultos — em geral um adulto da própria família", diz à BBC News Brasil o médico francês François Angoulvant, especialista em emergências pediátricas. Durante toda a pandemia, Angoulvant e 12 colegas têm estudado o comportamento de doenças infecciosas em crianças e adolescentes em Paris, a partir dos dados de 972 mil atendimentos em seis pronto-socorros infantis da capital francesa e arredores, entre 2017 e 2020. Fim do Talvez também te interesse Durante o primeiro lockdown na França, em junho e julho, quando as escolas ficaram fechadas, as visitas e internações em pronto-socorros pediátricos caíram, respectivamente, 68% e 45% em relação a anos anteriores — ou seja, as crianças ficaram muito menos doentes de modo geral, de males como bronquiolite ou gripe, por exemplo. Quando o lockdown foi aliviado para todos e as escolas reabriram, esses atendimentos pediátricos voltaram a subir, à medida que os franceses relaxaram nas medidas de distanciamento social. No entanto, no segundo lockdown francês, as escolas se mantiveram abertas com medidas de controle, mas o governo endureceu o isolamento para a população adulta. Daí, mesmo com as aulas presenciais em curso, as infecções infantis voltaram a cair em Paris. As "lições inesperadas" desses resultados, diz Angoulvant, são de que o adulto tem um papel fundamental na transmissão de doenças infecciosas para as crianças, e isso é particularmente importante no caso da covid-19 — uma vez que estudos até agora apontam que crianças de até dez anos adquirem e transmitem o vírus com muito menos frequência do que as mais velhas ou os adultos. Responsabilidade As conclusões dos pesquisadores franceses são reforçadas por um levantamento de outubro de 2020 da OMS, compilando estudos e informações globais a respeito da volta às aulas. Estados como São Paulo deram início recentemente à volta às aulas presenciais; outros recuaram, diante do aumento de casos e da saturação dos sistemas de saúde Destacando que os estudos até agora têm alcance limitado, a OMS afirmou que, nos surtos identificados dentro de escolas, "na maioria dos casos de covid-19 em crianças a infecção foi adquirida dentro de casa". "Nos surtos escolares, a probabilidade maior era de que o vírus tivesse sido introduzido por adultos", prossegue o documento. "A transmissão funcionário-para-funcionário foi a mais comum; (a transmissão) entre funcionários e estudantes foi menos comum; a mais rara foi de estudante para estudante." Em última instância, portanto, manter a segurança sanitária das escolas abertas é obrigação primordial de gestores, mas também responsabilidade coletiva de toda a sociedade, explicam os especialistas. Aglomerações, deslizes no uso de máscara ou outros comportamentos de risco adotados por adultos que têm contato (mesmo que pequeno ou esporádico) com crianças podem acabar, inadvertidamente, levando o coronavírus para dentro do ambiente escolar. O risco de 'baixar a guarda' François Angoulvant diz que esse risco aumenta quando os adultos, às vezes sem querer, baixam a guarda nas medidas básicas de distanciamento social. É o que ele observa na França. "Temos esse problema até com profissionais de saúde. Nos focos ocorridos entre eles, na maioria das vezes (o coronavírus) não veio dos pacientes, mas (da interação entre) os próprios profissionais - por exemplo, quando almoçam juntas ou tomam café, lado a lado, oito pessoas na mesma sala", explica. "Quando estão interagindo com os pacientes, eles (profissionais de saúde) colocam máscaras e tomam todos os cuidados. Mas entre si, eles relaxam. Isso vale para qualquer profissão, quando se adotam comportamentos de risco", prossegue o médico. "Quando a variante britânica do coronavírus (considerada mais infecciosa) chegou à França, uma das infectadas era uma francesa que morava no Reino Unido e estava de férias em Marselha. Em uma semana, essa mulher havia feito contato com outras 42 pessoas. Quarenta e duas pessoas! São mais (contatos interpessoais) do que eu faço em três meses. As pessoas precisam ser responsáveis." De modo geral, os dados internacionais têm mostrado que o nível de contaminação entre crianças acompanha o dos adultos - ou seja, sobe ou desce, embora em menor quantidade, à medida que a quantidade de infecções sobe ou desce entre adultos. "Elas (crianças) parecem mais seguir a situação do que impulsioná-la", disse à revista Nature o epidemiologista Walter Haas, do Instituto Robert Koch, em Berlim. Desse modo, os estudos apontam que um ambiente escolar com condições sanitárias adequadas, boa ventilação, restrições ao número de pessoas e medidas de distanciamento social não ofereceria um risco excessivo para professores e demais profissionais. "Todos estamos em risco, mas acho que se você trabalha em um supermercado corre mais risco do que se trabalha em uma escola", defende o francês Angoulvant. No entanto, muitos estudos só recomendam a volta às aulas presenciais quando a transmissão comunitária está sob controle na comunidade - o que não é o caso do Brasil no momento, que bateu na quinta-feira a marca de mais de 1,5 mil mortes por covid-19 em 24h. Diante de UTIs lotadas, alguns Estados e municípios decidiram adiar a reabertura de suas escolas. Além disso, muitos educadores brasileiros rejeitam comparações com outros países, afirmando que esses paralelos não levam em conta as desigualdades sociais daqui ou deficiências do poder público em sua obrigação de garantir as medidas sanitárias básicas nas escolas. Na França, infecções em geral caíram entre crianças enquanto o país esteve em lockdown, mesmo quando as escolas permaneceram abertas O que traz preocupações adicionais, principalmente no momento em que os níveis de contágio continuam alto pelo país, com números exorbitantes de infecções e mortes. Aqui no Brasil, de modo geral, não é fácil - nem historicamente nem agora, no caso da covid-19 - averiguar a direção do contágio entre crianças, explica à BBC News Brasil o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP. "No caso da covid-19, ainda é uma doença muito recente para termos muitas informações, e a volta às aulas tem sido muito heterogênea (entre os diferentes Estados e municípios)", diz. "Mas a gente sabe há muito tempo que a volta às aulas do verão, mais do que a do inverno, costuma ocorrer depois de as crianças terem feito viagens - e isso pode trazer consigo um mix de vírus e bactérias." No entanto, é indiscutível, diz Lotufo, que as ações dos adultos podem ter efeitos colaterais dentro das escolas. "A responsabilidade do adulto sempre foi crucial (nesta pandemia). Aquele tio que aparece para jantar pode contaminar o sobrinho, que contamina cinco amigos na escola e que levam o vírus para os pais", diz. E esse ciclo pode eventualmente tornar a sala de aula um foco do novo coronavírus, principalmente se não for adotado um protocolo rígido pelas escolas e respeitado pelos pais, alunos e equipes. Isso tem sido cobrado do poder público por entidades representantes de educadores. "Nós continuamos bastante preocupados com a situação da pandemia em nosso país. Não observamos alteração da condição política nem segurança sanitária para fazer um retorno às aulas presenciais", disse o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Manoel Gomes Araújo Filho, em entrevista recente à Agência Brasil. Do lado dos pais, apenas uma minoria (19%) disse confiar "muito" na capacidade de escolas públicas brasileiras se adequarem aos protocolos de segurança sanitária na reabertura, segundo pesquisa do Datafolha feita com 1.015 pais e responsáveis entre novembro e dezembro, sob encomenda de fundações educacionais. Ao mesmo tempo, ao menos 65% deles temiam os efeitos das escolas fechadas no desenvolvimento de seus filhos, após quase um ano sem aulas presenciais. No âmbito das escolas particulares, sindicatos de professores acusam alguns estabelecimentos de ensino de estarem autorizando mais alunos nas aulas presenciais do que o permitido pelas autoridades de saúde. O impacto das novas variantes do coronavírus Todo esse cenário pode ser agravado pelas novas variantes do coronavírus em circulação no Brasil e no mundo. Em Israel, há preocupação com variantes do coronavírus encontrarem brechas entre crianças, à medida que a população adulta se vacina Um ponto importante, diz François Angoulvant, é que dados vindos do Reino Unido - onde as escolas foram temporariamente fechadas na tentativa de conter o avanço da variante britânica - parecem indicar que as crianças continuam sendo transmissoras menos eficientes do que os adultos. "Crianças com a variante britânica são mais contagiosas, mas muito menos do que adultos", diz o especialista francês. "No Reino Unido, o número de crianças infectadas aumentou, apesar de a escola estar fechada. O que, de novo, mostra que as crianças a maior parte do tempo são infectadas por adultos." No entanto, à medida que mais adultos são vacinados contra o novo coronavírus no mundo, uma preocupação crescente é de que novas variantes se desenvolvam justamente entre crianças - um público que por enquanto não tem previsão de ser vacinado, uma vez que não há testes concluídos sobre a segurança e a eficácia da vacina nele. É o que tem acontecido em Israel, onde a maioria da população adulta já foi vacinada contra a covid-19. "As crianças representam uma proporção maior das infecções do que no início da pandemia, possivelmente por causa das novas variantes e pelo fato de que uma proporção significativa dos adultos já foi vacinada", aponta reportagem de 18 de fevereiro do jornal Times of Israel. Três dias depois, o Ministério da Educação israelense anunciou que estava colocando 27,6 mil crianças do país em quarentena. "Isso (contaminação entre jovens) é algo que não tínhamos visto nas ondas prévias do coronavírus", afirmou o ministro da Saúde, Yuli Edelstein, ao Jerusalem Post. Síndrome inflamatória multissistêmica E, se a contaminação cresce na população infantil, um possível desdobramento preocupante é que haja mais casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), uma rara, mas perigosa doença que acomete uma pequena parcela das crianças e adolescentes que entram em contato com o Sars-CoV-2. Em geral, essas crianças adoecidas passam sem dificuldades pela covid-19 (muitas vezes, assintomáticas ou apenas com sintomas leves), mas algumas semanas depois da infecção desenvolvem sintomas mais graves, como febre persistente (ao menos três dias), mal-estar e, em parte dos casos, problemas gastrointestinais (como diarreia, vômito e dores abdominais), manchas e coceiras no corpo e conjuntivite. No caso desses sintomas, é preciso procurar urgentemente o atendimento médico, uma vez que a síndrome pode atacar múltiplos órgãos simultaneamente - causando problemas cardíacos, renais, respiratórios, gástricos, entre outros, informam os CDCs, centros americanos de controle de doenças. Nos EUA, os CDCs identificaram, até 8 de fevereiro, 2.060 casos de SIM-P, com 30 mortes. No Brasil, o Boletim Epidemiológico mais recente do Ministério da Saúde, de outubro de 2020, identificou 319 casos entre crianças de adolescentes de 0 a 19 anos, com 23 mortes. O mais importante no caso da SIM-P é buscar atendimento rápido no caso de sintomas persistentes, afirma François Angoulvant, que também é coautor de um estudo recém-publicado no periódico JAMA sobre o tratamento da doença. Segundo o estudo, um tratamento ágil, incluindo corticosteroides, consegue prevenir o agravamento dos quadros. "Se identificamos mais cedo, tratamos mais cedo, diminui-se muito a necessidade de UTI e a melhora é mais rápida", diz Angoulvant. Ele ressalta, porém, que por enquanto a SIM-P continua sendo rara: atinge em torno de uma criança a cada 10 mil. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Kuwait aprova direito de voto das mulheres | O parlamento do Kuwait aprovou uma emenda na lei eleitoral beneficiando as mulheres, dando a elas, pela primeira vez, o direito de votar e concorrer a cargos eletivos nos pleitos municipais e parlamentares. | A lei, aprovada ao fim de uma sessão de dez horas, havia sido anteriormente rejeitada representantes de clãs locais e muçulmanos mais tradicionais com cadeiras do parlamento. Esses legisladores vinham alegando que a lei islâmica proíbe que mulheres tenham posição de liderança. Além disso, eles temiam que a mudança prejudicasse o trabalho doméstico no país. Mas uma emenda que modificou o projeto de lei original deixa claro que eleitoras e candidatas devem obedecer às leis islâmicas. Restrições A medida pode significar restrições às campanhas das candidatas. A lei recebeu o voto favorável de 35 parlamentares, enquanto 23 se opuseram a ela e um se absteve. As próximas eleições no país estão marcadas para este ano. O correspondente da BBC diz que a emenda foi uma tentativa do governo de acalmar os legisladores muçulmanos. O governo pressionou pela aprovação da mudança na lei. Pela lei que até agora estava em vigor do Kuwait, apenas homens com mais de 21 anos e que não façam parte da polícia ou de forças militares podem votar. |
Consciência Negra: 'Escravidão é o assunto mais importante da história brasileira', diz Laurentino Gomes após percorrer África para trilogia | Quando estava pesquisando sobre a chegada da família real portuguesa ao Brasil para escrever o best-seller 1808 , lançado em 2007, o escritor Laurentino Gomes acreditava que ali não estava contemplada a grande história brasileira. "A escravidão é que é o nosso principal assunto. Impossível compreender o país, tanto do passado quanto do futuro, sem voltarmos às raízes africanas", disse à BBC News Brasil. | Laurentino e um guia local na praia de Ouidá, ponto de embarque de escravos no Benim, oeste da África Mais de uma década depois do lançamento do livro (o primeiro de uma trilogia sobre o império brasileiro, seguido por 1822 e 1889), Laurentino Gomes passou a trabalhar no "assunto mais importante de toda a história brasileira" para uma nova trilogia histórica. O primeiro livro, com lançamento previsto no segundo semestre do ano que vem, se passa entre o primeiro leilão de escravos africanos enviados às Américas, organizado em Portugal ainda no século 16, até a morte do escravo pernambucano Zumbi dos Palmares, decapitado em 20 de novembro de 1695 - em 2003, a data entrou para o calendário escolar e, em 2011, o governo federal a decretou como Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, que é feriado apenas em cidades e Estados com leis específicas para isso. O texto já foi concluído e enviado para a editora. O segundo, previsto para sair em 2020, vai cobrir todo o século 18, considerado o auge do tráfico negreiro da África para as Américas. Em 2021 deve sair a obra final, abordando a crise da estrutura escravista brasileira e a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em maio de 1888. Estima-se que 4,8 milhões de africanos escravizados chegaram ao Brasil entre os séculos 16 e 19. Segundo o escritor, "a participação dos africanos no tráfico de escravos se tornou um tema politicamente explosivo no Brasil". Para ele, "o fato de chefes africanos terem participado do tráfico nada tem a ver com a enorme dívida social e real que o Brasil tem com os seus afrodescendentes". "Não se pode culpar os escravos pela sua própria escravidão", falou Gomes. Fim do Talvez também te interesse O tema foi motivo de polêmica durante a campanha presidencial de 2018, devido declaração do então candidato Jair Bolsonaro de que os portugueses não entraram na África para capturar escravos. "Basta ver as estatísticas, onde a nossa população negra aparece como a parcela da sociedade com menos oportunidades e a que mais sofre com a desigualdade social crônica. Precisamos corrigir isso urgentemente, e não podemos nos esconder atrás de falsas e incorretas discussões a respeito de fatos históricos", afirmou o escritor. 'O fato de chefes africanos terem participado do tráfico na África nada tem a ver com a enorme dívida social e real que o Brasil tem com os seus afrodescendentes', diz Gomes Para escrever os novos livros, Laurentino Gomes passou seis meses em 2017 viajando por Angola, Cabo Verde, Moçambique, Senegal, Gana, Benim, Marrocos e África do Sul, além do período de pesquisas e entrevistas em Lisboa, capital portuguesa, onde vive há alguns anos. Nos meses em que viajou pela África, Laurentino admite que descobriu realidades diferentes do que esperava. Para além do futebol e da música, por exemplo, que são idolatrados na maior parte do continente, ele percebeu que o Brasil é um "parente" distante do qual eles queriam estar mais perto. "Não observei qualquer traço de ressentimento ou cobrança relacionados à história da escravidão. Ao contrário: se pudessem, os africanos estariam mais próximos dos brasileiros do que são hoje", conta. Mas também lamenta: "Há ainda muito preconceito no Brasil em relação à África, é uma pena". A seguir, trechos da entrevista que Laurentino Gomes concedeu à BBC News Brasil sobre a nova trilogia e as viagens pela África: BBC News Brasil - Como a história sobre a escravidão africana para as Américas é contada hoje nos países africanos que você visitou? Laurentino Gomes - Existem algumas distorções parecidas com o estudo e o ensino oficial da escravidão fora da África. Lá estuda-se e discute-se pouco o papel dos próprios africanos no processo de escravização, com uma ênfase muito grande no papel dos europeus, dos traficantes e dos compradores de cativos que estavam na América. Os africanos são apontados nos discursos hegemônicos como vítimas do regime escravista. De fato, pelo menos 12 milhões de prisioneiros africanos foram vítimas do tráfico, porque cruzaram o Oceano Atlântico como escravos a bordo dos navios negreiros. Mas há ainda uma lacuna que precisa ser preenchida, e que diz respeito ao papel dos chefes africanos aliados aos traficantes europeus e brasileiros, que capturavam pessoas no interior do continente e os vendiam depois no litoral. Esses chefes se enriqueceram muito com isso, tanto é que grande parte da elite africana atual é herdeira desses comerciantes de escravos nativos. BBC News Brasil - O presidente eleito, Jair Bolsonaro, disse durante a campanha que os portugueses não entraram na África para capturar escravos. Como o senhor vê essa afirmação? Gomes - A participação dos africanos no tráfico de escravos se tornou um tema politicamente explosivo no Brasil. Obviamente, os portugueses entraram, sim, na África. Ocuparam e colonizaram Angola, por exemplo, um território enorme naquela época, para abastecer o tráfico negreiro para as Américas. Mas essa discussão pode ter consequências políticas muito ruins atualmente. Muita gente afirma que, se os africanos participaram e lucraram com a escravidão, não haveria razão para manter no Brasil um sistema de cotas de inclusão dos afrodescendentes em escolas, universidades ou postos da administração pública. A chamada "dívida social" brasileira em relação aos descendentes de escravos estaria anulada pelo fato de os africanos serem co-responsáveis pelo regime escravista. Desse modo, não haveria porque indenizá-los ou compensá-los pelos prejuízos sociais e históricos decorrentes disso. Tudo isso é muito injusto porque, obviamente, não se pode culpar os escravos pela própria escravidão. O fato de chefes africanos terem participado do tráfico nada tem a ver com a enorme dívida social e real que o Brasil tem com os seus afrodescendentes. Basta ver as estatísticas, onde a nossa população negra aparece como a parcela da sociedade com menos oportunidades e a que mais sofre com a desigualdade social crônica. Precisamos corrigir isso urgentemente e não podemos nos esconder atrás de falsas e incorretas discussões a respeito de fatos históricos. Além de tudo isso, há um enorme equívoco conceitual nesse tipo de raciocínio, porque dizer hoje que africanos escravizavam africanos é o que os historiadores chamam de anacronismo, ou seja, o uso indevido de valores e referências de uma época para julgar ou avaliar personagens ou acontecimentos de outro período histórico. A noção de uma identidade pan-africana, que unisse os habitantes de todo o continente, ainda não existia nos tempos do tráfico de escravos. Ninguém se reconhecia como africano, até porque a África sempre foi um território de grande diversidade e de riqueza culturais diversas, habitado por uma miríade de povos, etnias, nações, linhagens e reinos que frequentemente estavam envolvidos em guerras e disputas territoriais. Aceitar, portanto, a ideia de uma identidade continental naquele tempo seria o equivalente a imaginar que, antes da chegada de Cabral à Bahia, um índio guarani do sul do Brasil identificasse como irmão pan-americano um índio navajo, dos Estados Unidos, ou um asteca, do México. BBC News Brasil - Como Portugal lida hoje com seu papel central de articulação desse mercado de escravos do passado? Gomes - Há uma discussão enorme e passional entre os portugueses sobre o passado escravagista. Tempos atrás, a inauguração de uma estátua em homenagem ao padre Antônio Vieira foi alvo de protestos em Lisboa. O motivo foi que Vieira é hoje considerado um defensor da escravidão africana. Obviamente, a história é dinâmica e conceitos que valem hoje certamente não valiam no passado. Seria injusto julgar personagens e acontecimentos do passado com os olhos, os valores e as referências de hoje. Mas eu acho que há um lado saudável nisso: o de chamar a atenção para o problema do legado da escravidão entre nós. Rua Brasil, em Acra, capital de Gana. A Rua fica no bairro do Tabons, comunidade de descendentes de escravos do Brasil que retornaram para a África BBC News Brasil - Como o Brasil é visto hoje nos países africanos de onde partiram escravos? Gomes - Em todas as minhas cinco viagens por oito países africanos eu, como brasileiro, me senti sempre muito bem acolhido e bem tratado. Não observei qualquer traço de ressentimento ou cobrança relacionados à história da escravidão. Coisa bem diferente ocorre, por exemplo, com os angolanos em relação aos portugueses, que hoje ainda são apontados como os principais culpados pelos grandes problemas do país. Isso acontece porque o chamado processo de "descolonização" ainda é bem recente, já que a guerra contra Portugal pela independência acabou meio século atrás. O clima de má vontade de parte a parte é ainda muito grande, mas em relação ao Brasil isso não acontece. Ao contrário: senti que, se dependesse dos africanos, a aproximação seria maior do que a que temos hoje. BBC News Brasil - Muito se fala sobre os impactos da escravidão africana na sociedade brasileira, mas você conseguiu captar esses efeitos nas sociedades atuais da África? Gomes - Existem estudos importantes feitos na África sobre o impacto da escravidão na demografia do continente e também no processo de desenvolvimento posterior desses países. O tráfico de escravos drenou uma quantidade inacreditável de recursos humanos do continente africano e distorceu a economia e as relações de poder nas sociedades afetadas pelo comércio de cativos, sem contar o fato de que regiões inteiras do continente foram redesenhadas em razão do tráfico de escravos. As marcas dessa história ainda todas lá, bem presentes. BBC News Brasil - Muitos locais que outrora foram pontos centrais da escravidão hoje são roteiros turísticos, como os portões de não retorno. Como você percebe esse tipo de turismo moderno? Gomes - Existem dezenas desses portões nas cidades africanas, que simbolizam antigos portos de embarque dos escravos para a América. A mais famosa e fotografada fica na Ilha de Goreia, na Baía de Dacar, capital do Senegal. Eles se orgulham com o fato de que diversas celebridades internacionais, incluindo o papa João Paulo 2º, o presidente norte-americano Barack Obama, e o sul-africano Nelson Mandela foram visitá-lo. Uma das bases dos livros sobre a escravidão é o banco de dados Slave Voyages, que cataloga mais de 37 mil viagens de navios negreiros ao longo de três séculos e meio e registra um total de 188 portos de partida de cativos no continente africano. Diante desses números, acho importante a existência dos portões hoje como pontos turísticos, porque ajudam na reflexão sobre a história da escravidão. O ruim disso, para mim, é que eles são pouco visitados por brasileiros. BBC News Brasil - Quais são as influências do Brasil nos países africanos que você visitou para escrever o novo livro? Gomes - Brasil e África compartilham raízes mais profundas do que se imagina. Fomos a maior sociedade escravagista do hemisfério Ocidental por mais de 300 anos e, além disso, 40% de todos os 12 milhões de cativos africanos trazidos para as Américas tiveram como destino nosso país. Por conta desses números expressivos, as marcas brasileiras são bem visíveis hoje no continente africano. Em Gana e no Benim, por exemplo, encontrei uma numerosa comunidade de descendentes de ex-escravos que voltaram durante o século 19 e que, nas sociedades atuais, ocupam posições importantes da hierarquia social. Alguns deles foram ministros, governadores e chegaram até a ser presidentes. Esses ex-escravos retornados deixaram contribuições importantes na arquitetura, nas artes e nos costumes em diversos países africanos. Na cidade de Porto Novo, no Benim, há uma mesquita muçulmana com traços arquitetônicos semelhantes às igrejas católicas brasileiras, que foi construída por escravos libertos da Bahia. O ofício deles no Brasil era justamente erguer templos católicos, e eles levaram a técnica de construção para a África. Mas eu vi influência também na enorme audiência que as novelas da Rede Globo têm nos países de línguas portuguesa. É tão grande que elas chegam a mudar o sotaque e o modo de falar desses locais. Mesquita com estilo arquitetônico das igrejas católicas brasileiras construídas por ex-escravos que voltaram ao Benim, no oeste da África BBC News Brasil - Qual capital da África se parece mais com uma cidade brasileira de hoje? Gomes - Praia, capital de Cabo Verde, é uma mistura de Salvador e Rio de Janeiro, com a presença constante da música da brasileira, especialmente a Bossa Nova, que é muito forte entre os compositores e intérpretes caboverdianos. Luanda, capital de Angola, lembra muito o Rio, incluindo as muitas favelas que compõem a periferia pobre da cidade. O biotipo da pessoas, o jeito de falar e de se comportar também lembram muito o carioca. Tive a mesma sensação em relação à Bahia quando fui para Gana, Senegal e Benim, de onde, por sinal, vieram muitos cativos africanos para trabalhar nos engenhos de açúcar do Recôncavo Baiano. No Benim, especialmente, me impressionou a quantidade de templos e símbolos ligados à prática do candomblé. A culinária desses países também é muito parecida com a nossa: marcada pelo uso de ingredientes como a pimenta-malagueta, a mandioca, o feijão, o quiabo, o inhame e o milho. Qualquer brasileiro que visitar a África, pelo menos nessas regiões, vai se sentir imediatamente em casa. BBC News Brasil - Nesses países que visitou, você notou que o Brasil é um destino de migrantes africanos? Gomes - O Brasil ocupa esse lugar sim. A migração para o Brasil ainda é muito forte entre os angolanos, os nigerianos e os cabo verdianos. Encontrei muitas pessoas que já tinham morado e estudado no Brasil e conheci outras muitas com desejo de viver pelo menos algum tempo neste outro lado do Atlântico. Fiquei bastante surpreso ao ver que os africanos têm muita informação sobre o Brasil, acompanham de perto das notícias a nosso respeito e até se ressentem pelo fato de a recíproca não ser a mesma. Nós, aqui no Brasil, acompanhamos pouco o que acontece na África. O turismo daqui para lá também é muito reduzido. Muitos brasileiros preferem passar férias na Flórida, em Los Angeles e Las Vegas, nos Estados Unidos - que não têm nada a ver com a nossa cultura -, do que fazer uma visita, mesmo que rápida e uma só vez na vida, aos países africanos em que estão plantadas as nossas raízes mais profundas. Há ainda muito preconceito no Brasil em relação a África, o que é uma pena. BBC News Brasil - Você chegou a presenciar a reação dos africanos às eleições no Brasil? Gomes - Não, mas observei um grande desconforto em relação ao que estava acontecendo ainda durante o governo Michel Temer. O Brasil mantém uma política meio esquizofrênica em relação à África, com surtos de aproximação que se alternam com distanciamentos abruptos. O último desses surtos ocorreu durante os 14 anos de administração petista, em que o governo brasileiro derramou muito dinheiro nos países africanos para obras de infraestrutura, usando como duto as empreiteiras que, mais tarde, estariam envolvidas na Operação Lava Jato. Hoje é só um distanciamento e até uma má vontade dos dois lados: encontrei obras paradas, projetos interrompidos e embaixadas e consulados com dificuldades até para pagar as contas, incluindo o aluguel, como resultado dos cortes do orçamento no Itamaraty. Entre os governos locais, até pouco tempo atrás habituados a conviver com a generosidade do dinheiro do BNDES e de outras linhas de financiamentos brasileiras, impera agora uma franca revolta contra o governo do presidente Michel Temer, que fechou a torneira quando chegou. BBC News Brasil - O que mais o impressionou nessas viagens a África? Gomes - A presença chinesa que substituiu o vácuo deixado pelo Brasil. Encontrei projetos chineses espalhados por todos os lugares: em Cabo Verde, Angola e Moçambique - para citar apenas três dos países africanos de língua portuguesa que visitei no meu trabalho de reportagens. São obras gigantescas identificadas com placas, também enormes, escritas em mandarim. A agressividade chinesa na África podia ser medida, entre outras providências, pela criação do Fórum de Macau, organismo de cooperação com as nações lusófonas na África, iniciativa que tem o óbvio propósito de se contrapor à CPLP, a Comunidade dos Países de Línguas Portuguesa. O Brasil, embora seja um dos fundadores da CPLP, nunca deu a devida importância à entidade. BBC News Brasil - Como escritor de sucesso com a trilogia 1808, 1822 e 1889, qual é a sua expectativa sobre as reações em torno desse novo trabalho? Gomes - Acredito que a escravidão seja o assunto mais importante de toda a história brasileira. Tudo que já fomos no passado, o que somos hoje e o que seremos no futuro tem a ver com as nossas raízes africanas e a forma como nos relacionamos com elas. Minha trilogia segue a fórmula dos meus livros anteriores, pelo uso de uma linguagem simples, fácil de entender, capaz de atrair a atenção mesmo de leitores mais jovens e não habituados a estudar o tema. Mas espero dar uma contribuição pessoal para o desafio brasileiro de encarar a sua própria história escravagista e dela tirar lições que nos ajudem a construir o futuro. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Sete perguntas sobre Anne Frank, a autora do diário mais famoso do mundo, que completaria 90 anos | "Eu me sinto como um pássaro de asas cortadas, que fica se atirando contra as barras da gaiola. 'Me deixem sair!', grita uma voz dentro de mim". | Diário teve quatro versões, sendo a segunda uma revisão feita pela própria Anne com esperança de ter seu relato publicado O relato de Anne Frank faz parte do diário que ela escreveu entre 12 de junho de 1942 e 1º de agosto de 1944 - a maior parte no período em que permaneceu confinada nos fundos de um prédio de três andares, em um esconderijo apelidado de anexo secreto, no nº 263 da rua Prinsengracht, em Amsterdã, na Holanda. Se não tivesse morrido, de tifo e inanição, no campo de concentração nazista de Bergen-Belsen, na Alemanha, estaria completando 90 anos. O diário com capa de pano xadrez que ela ganhou de presente em seu 13º aniversário virou livro póstumo na Holanda, em 1947, com o título de Het Achterhuis (O Anexo Secreto, em tradução livre). Nos EUA, onde foi lançado em 1952, rebatizado de The Diary of a Young Girl (O Diário de Uma Jovem Garota, em tradução livre), chegou a ser rejeitado por 15 editoras. Fim do Talvez também te interesse '"Tolo", "enfadonho" e "inoportuno" foram alguns dos adjetivos usados pelo editor Alfred A. Knopf para justificar sua recusa. "Não passa de um registro monótono de brigas típicas de família, amolações triviais e emoções adolescentes", avaliou o dono da editora que levava seu sobrenome. Ao longo de décadas, a jovem que emocionou o mundo ao relatar a perseguição nazista aos judeus despertou tanto a ira de detratores, como o ensaísta francês Robert Faurisson, de The Diary of Anne Frank - Is It Authentic? (O Diário de Anne Frank - Ele é autêntico?, em tradução livre), quanto a simpatia de admiradores, como o líder sul-africano Nelson Mandela e o escritor americano Philip Roth. Enquanto o primeiro declarou que, enquanto esteve preso, o diário o encorajou a lutar contra o apartheid, o segundo afirmou, em Diário de Uma Ilusão (1979), que Anne foi "uma escritora maravilhosa". "Um assombro para uma menina de 13 anos", sublinhou. Em 1960, a casa onde Anne Frank permaneceu escondida dos 12 aos 15 anos foi transformada em museu. Desde então, recebe uma média de 1,2 milhão de visitantes por ano. Polêmicas associadas a Anne e seu diário, aliás, não faltam. Em 1983, uma escola do Alabama (EUA) tentou banir o diário sob a alegação de que era "depressivo". Em 2018, um colégio de Vitória (ES) suspendeu sua leitura por ter sido considerada "pornográfica". "A cada ano, na proporção que diminui o número de testemunhas oculares do Holocausto, a importância de O Diário de Anne Frank tende a crescer", afirmou Jan Erik Dubbelman, responsável pelo departamento internacional da Casa Anne Frank, em Amsterdã. "Ele tem muito a nos ensinar sobre o quão frágil a vida pode ser e o quão urgente e necessário é proteger a dignidade humana." 1 - Quantas versões de "O Diário de Anne Frank" existem? Quatro. A primeira delas, chamada de a versão "A", é o manuscrito original, sem cortes. A segunda, ou "B", é a versão revisada pela própria Anne. Quando ouviu no rádio, em 29 de março de 1944, que Gerrit Bolkestein, um membro do governo holandês no exílio, pretendia transformaria cartas, diários e afins em documentos históricos assim que a Segunda Guerra acabasse, a jovem decidiu reescrever seu diário, usando nomes falsos - a família Frank se tornaria os Robin - e adotando o gênero epistolar. "Imagine como seria interessante se eu publicasse um romance sobre o Anexo Secreto. Só o título faria as pessoas acharem que é uma história de detetives", escreveu, radiante, naquele mesmo dia. A terceira, ou "C", é a versão editada por seu pai, Otto Frank, em 1947. Nela, omitiu detalhes considerados desnecessários, como as reflexões de Anne sobre sexualidade - a certa altura, ela descreve a genitália feminina como um "buraquinho tão pequeno que mal consigo imaginar como um bebê pode sair dali" - ou suas explosões de raiva contra a mãe, Edith. A quarta e última, a "D", é a versão revista, ampliada e organizada pela escritora e tradutora alemã Mirjam Pressler. Lançada em 1995, a "edição definitiva", de mais de 700 páginas, resgata os trechos suprimidos pelo pai em 1947. 'A cada ano, na proporção que diminui o número de testemunhas oculares do Holocausto, a importância de O Diário de Anne Frank tende a crescer', diz Jan Erik Dubbelman 2 - A que horas Anne Frank escrevia em seu diário? Em geral, à tarde, quando boa parte dos moradores do "anexo secreto" tirava um cochilo. O esconderijo, um labirinto de cômodos com pouco mais de 120 metros quadrados, era dividido entre a família Frank (Otto, Edith, Margot e Anne) e a família van Pels (o sócio de Otto, Hermann, sua esposa, Auguste, e seu filho, Peter), além de um dentista amigo das duas famílias, Fritz Pfeffer. Escritora compulsiva, Anne usou um diário, dois cadernos e 324 folhas avulsas de papel colorido para escrever e reescrever suas memórias. O dia dela, na maioria das vezes, começava cedo: por volta das 7h, ela pulava da cama para se lavar e tomar café. Depois das 8h30, quando os funcionários chegavam ao armazém para trabalhar, não podia mais fazer barulho. De meias ou descalça, evitava os degraus mais barulhentos das escadas, não utilizava água corrente, nem dava descarga na privada. Tossir, espirrar ou dar risadas era proibido. Conversar, só em sussurros. Anne passava as manhãs lendo e estudando. Por volta das 12h30, quando os funcionários saíam para almoçar, ela fazia sua refeição - a comida era racionada e carne, leite e ovos eram itens cada vez mais escassos - e, em seguida, ligava o rádio na BBC para ouvir notícias. Como nenhum dos oito moradores, por medida de segurança, tinha autorização para deixar o anexo, quem levava roupas e alimentos para eles eram quatro empregados de confiança de Otto: Miep Gies, Johannes Kleiman, Victor Kugler e Bep Voskuijl. Banho, só aos sábados ou domingos. E, mesmo assim, de caneca, em uma tina com água aquecida. Por medida de segurança, as cortinas estavam sempre fechadas. 3 - Quem era Kitty, a quem Anne direcionava muitas das mensagens do diário? Nem colega de turma, como sugerem alguns, nem amiga imaginária, como especulam outros. Kitty Francken era uma das protagonistas de Joop ter Heul, uma série de cinco livros infanto-juvenis escrita pelo romancista holandês Setske de Haan sob o pseudônimo de Cissy van Marxveldt. Publicados entre 1918 e 1925, os quatro primeiros volumes narram o dia a dia de um grupo de amigas, da fase escolar à maternidade. Durante muito tempo, Anne endereçou suas cartas no diário às personagens da série: Conny, Marianne, Phien, Emmy, Jettje e Poppie. Até que, ao ouvir pela BBC o pronunciamento do ministro da Educação holandês, Gerrit Bolkestein, que prometera publicar os relatos dos sobreviventes da guerra, Anne resolveu dar ao diário o nome de Kitty. O 'anexo secreto' onde Anne e sua família se escondeu durante a Segunda Guerra ficava atrás de uma prateleira de livros 4 - O esconderijo foi denunciado ou descoberto por acaso? Até dezembro de 2016, a hipótese mais aceita era a de que Anne Frank e os demais moradores do "anexo secreto" teriam sido vítimas de uma denúncia anônima. No entanto, um estudo da Casa de Anne Frank, coordenado pelo pesquisador Gertjan Broek, indica que o esconderijo pode ter sido encontrado por acaso. Os nazistas que descobriram o paradeiro dos clandestinos no dia 4 de agosto de 1944 estariam, na verdade, investigando uma possível fraude na distribuição de cupons de alimentos - meses antes, dois funcionários da empresa que funcionava no mesmo prédio, Martin Brouwer e Pieter Baatzelaar, foram presos acusados de vender cupons de forma ilegal - ou uma empresa que dava permissão de trabalho a judeus. "A hipótese de traição não está descartada", afirmou, à época, Ronald Leopold, diretor-geral da instituição, "mas outras hipóteses devem ser consideradas". 5 - O diário é autêntico? Durante muito tempo, houve quem afirmasse - revisionistas que contestam o Holocausto, principalmente - que o relato de Anne Frank teria sido forjado. Algumas teorias apontam Otto Frank, o pai de Anne, como o verdadeiro autor. Outras, Miep Gies, a secretária do armazém que guardou os pertences que não foram levados pelos nazistas e, em junho de 1945, os entregou ao único sobrevivente da família. Outras, ainda, o dramaturgo americano Meyer Levin, o primeiro a tentar adaptar o diário para o teatro. Um dos muitos defensores da tese, Heinrich Buddeberg, um líder político de direita alemão, chegou a ser processado por calúnia e difamação. Contratados pelo Instituto para Documentação de Guerra, especialistas forenses em caligrafia puderam comprovar a autenticidade do diário. Mais de 35 milhões de exemplares do Diário de Anne Frank já foram vendidos no mundo 6 - A obra já entrou em domínio público? Segundo a Fundação Anne Frank, que detém os direitos da obra, não. A instituição, fundada por Otto Frank em 1963 e sediada na Suíça, alega que O Diário de Anne Frank tem coautoria dele - que o editou em 1947 - e, por essa razão, só cairá em domínio público em 2051. De acordo com a legislação holandesa, uma obra literária pode ser publicada por qualquer editora sem precisar pedir autorização ou pagar direitos autorais aos herdeiros no dia 1º de janeiro que se segue ao aniversário de 70 anos da morte do autor ou do último autor vivo. Otto Frank morreu em 19 de agosto de 1980, aos 91 anos. Traduzido para mais de 70 idiomas, O Diário de Anne Frank já vendeu mais de 35 milhões de exemplares - 400 mil deles só no Brasil. Desde que foi publicado pela primeira vez, em 1947 na Holanda e em 1952 nos EUA, deu origem a diversas adaptações: de peças a filmes, de documentários a quadrinhos, de animações à realidade virtual. 7 - Como foram os últimos dias de Anne Frank no campo de concentração de Bergen-Belsen? Nanette Blitz Konig, de 90 anos, foi uma das últimas pessoas a verem Anne Frank com vida. As duas estudaram juntas no Liceu Judaico, em Amsterdã. Já na escola, Anne deixava transparecer sua paixão pela escrita. Quando indagada por uma de suas colegas o que tanto escrevia em seu diário, respondia: "Não é da sua conta!". Seu sonho, quando crescesse, era ser jornalista ou escritora. Por infelicidade, Anne e Nanette voltaram a se encontrar, através de uma cerca de arame farpado, no campo de concentração de Bergen-Belsen. "Estava careca e muito debilitada. Praticamente uma morta-viva", descreve Nanette, que conheceu o marido, o húngaro John Konig, na Inglaterra, e, desde 1953 vive no Brasil, na companhia dele. Anne e Margot, sua irmã, morreram em fevereiro de 1945, aos 15 e 18 anos, respectivamente. Seus corpos foram enterrados em valas comuns. O campo de concentração de Bergen-Belsen foi libertado por tropas inglesas em 12 de abril de 1945. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
'Fui viciada em drogas, agora, sou viciada em corrida', os relatos de quem adotou a ultramaratona como esporte | Quando você pensa em correr , que tipo de imagem vem à sua cabeça? Uma figura ofegante de calça de lycra dando a volta no quarteirão ou os finalistas cruzando a linha de chegada de uma maratona? | Catra em ultramaratonas pelo mundo As pernas doloridas após encarar a esteira pela primeira vez em semanas, ou a sensação de vitória quando o contador de passos do celular passa de 10 mil em um dia? Provavemente essas são as imagens que corredores amadores tendem a relacionar com sua atividade esportiva de fim de semana. Mas para os adeptos de ultramaratonas - que percorrem distâncias superiores aos 42 km de uma maratona - a corrida possui significados bem mais extremos. Longas distâncias Estes atletas de alta resistência levam seus corpos ao limite físico e mental, correndo com frequência 160 km ou mais. É um esporte praticado globalmente - há competições em lugares como o Deserto do Saara (Marathon des Sables, de 254 km), na África do Sul (Comrades Marathon, de 87 km) e no Reino Unido (The Wall, de 111 km ao longo da Muralha de Adriano) - e que, por incrível que pareça - tem se tornado cada vez mais popular. Houve um aumento de 1.000% no número de corridas de longa distância na última década ao redor do mundo, segundo contou ao jornal britânico The Guardian o administrador de um site agregador de ultramaratonas. Fim do Talvez também te interesse Algumas pessoas atribuem esse aumento à geração millennial - os ultramaratonistas postam fotos nas redes sociais de seus triunfos, o que incentiva, por sua vez, seus amigos e seguidores a pensar que podem fazer o mesmo. A BBC conversou com seis corredores de ultramaratona sobre o que os motiva a percorrer essas distâncias - da mulher que literalmente fugiu do vício em drogas ao jovem empreendedor que busca isolamento, passando por aqueles que correm para superar um trauma e quebrar barreiras de gênero. 'Fui viciada em drogas, agora, sou viciada em corrida' Depois de ser presa e passar por reabilitação para dependentes químicos, Catra chegou a percorrer 160 quiômetros mais de cem vezes Catra, 54 anos, Califórnia (EUA) "Aos 27 anos, fui presa e passei a noite atrás das grades. Foi a pior experiência da minha vida e me assustou ficar de cara limpa. Comecei a andar em má companhia na escola e só queria saber de festa. Logo engatei em um relacionamento com um cara que usava metanfetamina e fiquei viciada rapidamente. Por fim, fomos presos. Fui colocada em um programa de reabilitação de seis meses, em que precisava frequentar uma reunião dos Narcóticos Anônimos todos os dias. Depois de seis meses, eu estava desintoxicada. Hoje estou sóbria há 25 anos. Comecei a correr porque estava procurando algo para substituir as drogas. Corri 10 quilômetros por impulso após receber um panfleto de corrida e, três meses depois, corri minha primeira maratona. As ultramaratonas vieram logo na sequência. Participei de corridas de 161, 322 e 483 km. Quando você finalmente termina de percorrer essas distâncias, a sensação é maravilhosa. Você realizou algo grandioso: 'Uau!' Eu definitivamente sinto uma espécie de onda. Sou uma das poucas pessoas no mundo que percorreu 161 km mais de 100 vezes. Você poderia dizer sem dúvida que sou viciada". 'Correr ultramaratonas virou minha meditação' Miranda encara ultramaratonas como 'a coisa mais relaxante' que ela já fez na vida Miranda, 29 anos, Londres (Reino Unido) "Antes da minha primeira maratona, estava tão nervosa por questionar minha capacidade de completar a corrida que não conseguia fazer quase nada. Só de pensar, me sentia estressada. Tentei de tudo para me acalmar antes do grande dia, incluindo hipnose. Então ninguém ficou mais surpreso do que eu, quando descobri que a ultramaratona era a coisa mais relaxante que já tinha feito na vida. Decidi correr minha primeira ultra no ano passado com um dos meus melhores amigos. Parecia uma boa oportunidade de sair da cidade. Rapidamente descobri que era a corrida mais social e relaxada que você poderia fazer. Imagina passar 16 horas ao ar livre, sem nada para fazer além de colocar um pé na frente do outro. Para mim, isso é felicidade. Não tem aquela pressão de correr contra o relógio, como acontece em uma maratona normal, não é o tempo que é impressionante, é a distância. As pessoas, na verdade, aplaudem quando você as ultrapassa. Você pode correr por horas ao lado das mesmas pessoas e se sentir confortável em não dizer uma única palavra, é uma experiência muito zen (menos a dor física, obviamente). Depois de cerca de uma hora, consigo sentir minha mente começar a se acalmar - é quando começo a me desligar e a entrar em um estado de meditação. Depois disso, estou tão relaxada - você simplesmente não tem energia para ficar irritado com nada! Sou uma pessoa mais feliz e menos estressada quando estou correndo." 'Meu corpo tenta me impedir de correr' A corrida ajuda Marthe a superar um trauma Marthe, 25 anos, Manchester (Reino Unido) "Até hoje, meu corpo tenta me impedir de correr. Acho que é uma reação a um trauma que eu tive durante minha primeira ultramaratona. Eu estava no Nepal e, no segundo dia de corrida, fui atacada por um completo estranho. Não queria terminar a corrida, mas estava correndo em homenagem à memória de uma amiga de infância que tinha se suicidado alguns anos antes. Então terminei. Às vezes, eu vou correr e meu corpo todo paralisa antes mesmo de eu sair pela porta de casa. Na primeira vez, estava levando meu cachorro pela coleira para correr comigo, e fiquei lá parada com meu kit de corrida. Não conseguia me mover um centímetro sequer. Já aconteceu algumas vezes desde então. Na primeira vez, acho que fiquei lá parada quase duas horas até meu cachorro pular e me despertar daquele estado. Agora, correr se tornou parte da minha recuperação - junto com a terapia. Depois do ataque, decidi reivindicar a corrida como algo que me pertence - corro para me empoderar e retomar o controle. Ainda não estou pronta para enfrentar minha próxima ultramaratona, mas estarei." 'A solidão me ajuda a lidar com a vida' Jeff aproveita a solidão das longas jornadas para pensar Jeff, 28 anos, Londres (Reino Unido) "Quando estou correndo, me isolo do estresse do mundo exterior. Sou introvertido por natureza e preciso de tempo com meus próprios pensamentos para me ajudar a lidar com a vida. Meu pensamento se torna tão claro e ininterrupto quando estou correndo, me afastar das distrações me ajuda a pensar nas coisas adequadamente, me deixa mais decisivo e permite trabalhar minha inteligência emocional - que são características realmente importantes para um empreendedor. A maioria das minhas grandes ideias de negócio surgiram enquanto estava correndo! Acho a tecnologia tão perturbadora - é possível, via rede social, estar conectado a pessoas 24 horas por dia. É demais. A solidão da corrida oferece a minha dose diária de espaço vazio - é o único tempo que tenho 'para mim' de verdade." 'Larguei meu emprego para estudar ultramaratonas' Bethan gosta da sensação de perda de controle que a corrida traz Bethan, 33 anos, Londres (Reino Unido) "Comecei a praticar corridas de longa distância há seis anos, para superar um relacionamento difícil. Isso me deu a clareza necessária para começar a fazer as coisas que gosto na vida. Para encurtar a história, larguei meu emprego em finanças para estudar os estereótipos de gênero na corrida - e minha pesquisa exige que eu saia em campo, o que eu amo! Durante uma corrida longa, você não sabe o que vai acontecer e tem que ceder o controle até certo ponto, algo que nem sempre foi meu forte em outros setores da minha vida. Mas pessoalmente, estou em uma situação muito melhor agora e vou me casar em outubro. Em março, participei do Speed Project, um revezamento de 578 km de Los Angeles a Las Vegas. A experiência de percorrer um caminho tão longo é realmente difícil de explicar para as pessoas, mas a principal coisa que aprendi com as ultramaratonas é o quão resiliente eu sou. Há momentos em que é muito difícil e chato, e sinto que não estou tendo nenhum progresso, mas há outras vezes em que me sinto incrível, como se estivesse voando!" 'Correr me ajuda a sentir que mulheres e homens são iguais no Afeganistão' Zeinad pratica corrida como uma forma de reduzir desigualdade de gênero no Afeganistão Zeinab (à esquerda), 24 anos, Cabul (Afeganistão) "Comecei a correr há alguns anos, depois que vi minhas colegas de quarto correndo todos os dias pela manhã. Eu não corria desde que era muito pequena porque a cidade no Afeganistão onde eu morava é muito conservadora em relação às mulheres e suas atividades. Certa manhã, perguntei se poderia ir com elas e corri 10 km sem parar. Foi a primeira vez que senti a liberdade de correr ao ar livre - minhas amigas ficaram surpresas de eu ter conseguido acompanhar. Foi quando elas me contaram que estavam treinando para uma ultramaratona de 400 km no Sri Lanka - eu só pensava em como era legal que duas garotas afegãs estivessem competindo em uma corrida internacional! E fiz o mesmo. Correr me ajuda a sentir que não há diferença entre os direitos das mulheres e dos homens no Afeganistão. Quero que os homens da nossa sociedade entendam que a participação das mulheres no esporte não é um tabu e que podemos percorrer as mesmas distâncias que os homens. Quero quebrar barreiras. Treinei com minha parceira de corrida todas as noites durante o Ramadã após o jejum." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Envelhecimento saudável: entenda como a ciência pode dobrar expectativa de vida | Quando seguia para o seu laboratório numa ensolarada manhã texana, a bióloga molecular Meng Wang ainda não sabia o que lhe esperava no local: dezenas de milhares de vermes, contorcendo-se em caixas. Ao espiar cada uma, ela teve um insight sobre como enfrentar a condição mais debilitante da humanidade: o envelhecimento . | Cada vez mais cientistas estão dizendo que podemos vencer doenças relacionadas ao envelhecimento Doenças relacionadas ao envelhecimento - como câncer, reumatismo e mal de Alzheimer - matam 100 mil pessoas por dia no mundo. Mas um crescente número de cientistas defende que não precisa ser assim. O podcast do Serviço Mundial da BBC chamado The Inquiry entrevistou alguns dos principais pesquisadores do mundo sobre a natureza do envelhecimento e sobre como a ciência moderna pode "curá-lo", usando desde micro-organismos a órgãos impressos em 3D. Maior expectativa de vida O que exatamente é envelhecer? Ao longo dos anos, células, tecidos e órgãos sofrem pequenos danos. Em determinado momento, esses danos se sobrepõem em todo o organismo. "Quando o corpo não consegue mais acompanhar o ritmo de reparação, o envelhecimento começa", explica o médico dinamarquês Kaare Christensen. Christensen trabalhou muitos anos como médico até que se cansou de tratar pessoas doentes. Hoje, ele coordena o Centro Dinamarquês de Pesquisa do Envelhecimento, onde tenta impedir que as pessoas adoeçam. Fim do Talvez também te interesse Ele ressalta os avanços: em meados do século 19, a expectativa de vida era de cerca de 40 anos na maior parte do mundo. Hoje, a expectativa do norte da Europa gira em torno dos 80 anos, e o restante do planeta está se aproximando deste patamar. Isso ocorreu, em grande parte, pela redução da mortalidade infantil, e não porque a vida tenha se estendido. Mas surgiram mudanças importantes. "As pessoas agora chegam a idades mais avançadas em melhor condição", diz Christensen. "Uma coisa fácil de observar são os dentes. Você pode notar que os dentes dos idosos estão melhores a cada década". As pessoas envelhecem com mais saúde - e seus dentes mostram isso Os dentes são uma espécie de indicador da saúde geral, explica o pesquisador. Sua condição afeta diretamente nossa capacidade de nos alimentarmos e nos nutrirmos adequadamente. E sua aparência pode indicar se outras partes do corpo estão funcionando bem. Christensen diz que as pessoas não só estão chegando à velhice com dentes melhores mas também com resultados mais altos nos testes de QI, o que ele relaciona à melhoria dos meios de subsistência em todo o mundo. "É todo o pacote de melhores condições de vida, melhor escolaridade... e que tipo de trabalho você teve", elenca. Ele avalia que o progresso continuará. Mas por quanto tempo? O recorde de longevidade no mundo pertence à francesa Jeanne Louise Calment, que completou 122 anos. Ela morreu em 1997, e muita coisa aconteceu desde então. Impressão de órgãos O biofísico Tuhin Bhowmick vem de uma família de médicos em Bangalore, na Índia. Ele se lembra de ouvir conversas no jantar sobre os pacientes que seu pai ou tios não conseguiam salvar. Sempre que perguntava por que não tinha conseguido evitar uma morte, seu pai respondia que não lhe restavam cartas na manga. A medicina, afinal, tinha seus limites. "Eu pensava, 'ok, então não vou me tornar médico, e sim alguém que faz o remédio'", lembra Bhowmick. Um novo órgão pode dar às pessoas uma segunda chance de vida Ele diz que a morte por velhice muitas vezes está relacionada a disfunções de órgãos vitais como o coração, os pulmões ou o fígado. Se o paciente recebe um órgão funcional de um doador, médicos como o pai de Bhowmick podem dar a ele uma segunda chance de vida. O problema é que existem mais pessoas que precisam de órgãos do que doadores habilitados. Além de longas filas, os órgãos precisam ser compatíveis. Em muitos casos, a pessoa morre à espera do transplante. Para resolver o problema, Bhowmick investiga como usar a impressão 3D para criar órgãos que não sejam rejeitados pelos corpos dos pacientes. Em vez de usar um cartucho de tinta, os aparelhos de Bhowmick usam proteínas e células - e do próprio paciente, para que haja chances menores de o corpo rejeitar o novo órgão. A equipe de Bhowmick já produziu o primeiro tecido de fígado humano artificial da Índia; o próximo passo é criar um fígado em miniatura, o que ele espera conseguir em cerca de cinco anos. Bhowmick imagina esse órgão como um pequeno e portátil dispositivo fora do corpo, com o qual os usuários possa se movimentar. Em oito a dez anos, ele espera produzir um fígado totalmente funcional que possa ser transplantado para o corpo. Mas e se uma pessoa tem um órgão deficiente, isso significa que ela esteja chegando ao fim da vida? Bhowmick acredita que cada caso é um caso. Um cientista estima que a geração do milênio pode viver até os 135 anos "Talvez o fígado estivesse falhando, mas não necessariamente o cérebro ou coração. Se você tivesse substituído um órgão que provocou a morte de um paciente, ele poderia ter vivido por mais 20 anos", diz ele. E qual é a aposta do pesquisador de por quanto tempo poderemos viver? Com essas inovações, afirma ele, se você é um millennial ou mais jovem - nascido a partir de 1981 - há boas chances de você viver até os 135 anos. Sabedoria dos vermes A avó de Meng Wang morreu aos 100 anos; ela era saudável e ativa até o fim da vida. Observá-la envelhecendo bem de saúde fez Wang se perguntar sobre os segredos do envelhecimento. Ela é professora de genética humana e molecular no Baylor College of Medicine, nos EUA, onde realiza experimentos em uma das novas áreas mais excitantes da medicina - nosso microbioma. "São os pequenos micro-organismos que vivem conosco, tanto internamente em nosso trato digestivo quanto externamente em nossa pele", explica Wang. "Estão por todo nosso corpo." A maior parte é composta de bactérias, mas há ainda fungos, vírus e outros micróbios. No passado, os cientistas não deram muita atenção a eles. Mas agora sabemos que eles têm um efeito profundo em nosso corpo. O nosso microbioma poderia ser a chave para o envelhecimento? Estudos recentes mostram que nosso microbioma é tão importante para nós quanto um novo órgão. Ele pode influenciar a forma como nos comportamos e até mesmo como reagimos a diferentes medicamentos. Para investigar como ele poderia afetar o envelhecimento, Wang selecionou uma minhoca que vive de duas a três semanas - uma expectativa de vida curta o suficiente para se conduzir uma "experiência ao longo da vida". E questionou o que aconteceria se o microbioma de um verme fosse alterado. Ele viveria mais? Wang selecionou bactérias que vivem no intestino do verme; modificou seus genes e as alimentou. A pesquisadora analisou-as três semanas depois, quando elas já deveriam ter morrido. "Eu dei um pulo com o resultado, que foi totalmente inesperado". Algumas pesquisas sugerem que ajustar nosso microbioma poderia nos manter ativos por mais tempo na vida Os vermes mais velhos geralmente mostram um declínio da capacidade física, mas aqueles com o novo microbioma não apenas se movimentavam mais rapidamente, como também ficaram menos suscetíveis a doenças. Wang agora realiza testes em camundongos para ver se a mudança de seu microbioma também prolonga sua vida de forma semelhante. Com isso, há chances de que um dia os médicos possam prescrever comprimidos que façam o mesmo por nós. Quanto tempo isso poderia nos fazer viver? "Alguns colegas dizem até 200, 300 anos. Eu acho que uns 100… já é um bom número", sugere Wang. Data de validade À medida que as células envelhecem, elas se dividem para substituir as células que estão morrendo ou se desgastando, mas esse processo não é linear. Quanto mais vezes uma célula se divide, maior é a chance de ela se tornar "senescente". A senescência vem da palavra latina senescere - envelhecer. Ou seja, as células envelhecem e chegam ao fim do ciclo de seu ciclo de vida. Mas em vez de morrer, elas agem destrutivamente e se comunicam com as células ao seu redor, causando uma série de doenças. "É quase como se a célula velha olhasse ao redor e achasse que as outras células são tão velhas quanto ela'", simplifica Lorna Harries, professora de genética molecular da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Células envelhecem e prejudicam as células mais novas Dessa forma, as células senescentes podem "contaminar" as outras células com o envelhecimento. E à medida que envelhecemos, mais e mais células se tornam senescentes, até que nosso corpo fique sobrecarregado. Em seu laboratório, Harries pode ter encontrado uma maneira de lidar com esse problema. A pesquisadora pediu a uma estudante com quem trabalhava que acrescentasse substâncias químicas a células velhas da pele. Para acompanhar a idade das células no transcorrer da experiência, elas decidiram aplicar um corante que as tornaria azuis se elas fossem senescentes. "O que eu esperava ver eram células azuis", diz Harries. "Mas não foi o que aconteceu ... elas voltaram a parecer mais jovens". Harries não confiou no resultado e pediu à aluna que repetisse o experimento. Ela voltou com o mesmo resultado - e, novamente, Harries pediu para que o processo fosse refeito. A estudante repetiu o processo nove vezes. "Finalmente, eu olhei para aquilo e pensei: talvez você tenha algo interessante aqui", disse Harries. Um experimento recente reverteu o envelhecimento em células humanas O experimento rejuvenesceu as células velhas e as transformou em células jovens, tornando esse o primeiro experimento a reverter o envelhecimento em células humanas. Alguns acham que a descoberta pode ser o segredo para uma vida muito mais longa. Harries começou a receber telefonemas de investidores e cientistas de todo o mundo. Mas ela ainda não está muito otimista sobre quanto tempo poderíamos viver, pois acredita que os humanos têm uma vida útil máxima. Mesmo assim, espera que sua linha de pesquisa acabe em uma nova geração de drogas antidegenerativas para a demência e doenças cardiovasculares. "Espero que isso proporcione um tratamento a várias dessas condições de uma vez, para que as pessoas que morreriam precocemente possam viver sua expectativa de vida natural", comenta Harries. Então, voltando à questão: quanto tempo poderíamos viver? Talvez um dia possamos substituir nossos órgãos danificados, tomar suplementos que nos forneçam um microbioma jovem e impedir que nossas células envelheçam. Quantos anos tudo isso poderia adicionar? Se seguirmos a previsão de Tuhin Bhowmick, se você é um millenial, talvez consiga chegar aos 135 anos. E quando chegarmos lá - em 2116, se você nasceu em 1981 - quem sabe o que mais será possível? Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Por que criamos memórias do que nunca aconteceu? | Não importa que tenhamos memórias falsas, diz o britânico Martin Conway, o importante é que elas se encaixem com a ideia que temos sobre nós. | Para Martin Conway, diretor de centro de Direito e Memória da City University no Reino Unido, pessoas mais velhas devem continuar socializando para manter a mente ativa A chamada "memória autobiográfica" é o que esse professor de psicologia cognitiva da City University of London, no Reino Unido, e diretor do Centro de Memória e Direito da mesma universidade vem estudando há 40 anos. Na visão dele, todos criamos inadvertidamente recordações que não correspondem à realidade, mas que se adequam à história que construímos sobre nossa vida e personalidade. "Memórias autobiográficas, de períodos mais longos, de meses, anos ou décadas, servem mais para nos ajudar como indivíduos, para nos definir", diz ele em entrevista à BBC News Brasil. "Então não é particularmente importante que a memória seja bastante precisa. O que importa é que seja consistente, que se encaixe com a sua vida, com o que você constrói sobre você mesmo. E esse processo pode ser inconsciente." Conway também é contrário às críticas que associam novas tecnologias a uma espécie de "terceirização da memória". "Sempre soubemos que nossa cognição é imperfeita, e sempre buscamos maneiras para suplementá-la. Pessoalmente, eu acho bom. A tecnologia expande nossa memória, não o contrário", afirma. Ele diz que a memória não é um músculo que pode ser exercitado. "Aprender um instrumento musical, uma nova língua, uma nova área de conhecimento, tudo isso é bom. Vai te fazer mais inteligente e esperto. Mas não vai fazer sua memória melhorar", afirma. A melhor coisa para a memória, diz ele, é socializar e conviver com amigos e familiares — algo que promove aprendizados e que, segundo ele, faz bem para a memória e para a mente como um todo. Fim do Talvez também te interesse Leia os principais trechos da entrevista da BBC News Brasil com Conway: BBC News Brasil - O que é memória? É correto dizer que é a recordação de uma experiência ou de um evento? Martin Conway - É uma pergunta difícil. Não é uma recordação literal. É quase como uma obra de arte baseada em uma foto do passado. E por causa disso a memória frequentemente contém erros. Podemos defini-la como uma representação com uma importância pessoal grande que tem alguma conexão com o passado, mas que não necessariamente representa o passado como uma foto, um vídeo ou uma recordação no diário faria. BBC News Brasil - Por que o Sr. diz que ela frequentemente contém erros? Conway - Às vezes, podemos checar o conteúdo de memórias contra fatos objetivos, e quando o fazemos, percebemos que muitas vezes nossas memórias contêm erros. É comum que sejam erros sobre detalhes. Também podemos nos lembrar de coisas que nunca aconteceram. Todo mundo já passou por isso. Memórias são essas construções mentais que são como obras de arte, e às vezes obras de arte são fictícias, não? Para entender por que pode conter erros, precisamos entender as diferentes funções das memórias. Uma delas é recordar o passado imediato. Esse tipo de recordação é razoavelmente preciso. Outro tipo, que chamamos de memórias autobiográficas, de períodos mais longos, de meses, anos ou décadas, servem mais para nos ajudar como indivíduos, para nos definir. E então é nesse momento que não é particularmente importante que a memória seja bastante precisa. O que importa é que seja consistente, que se encaixe com a sua vida, com o que você constrói sobre você mesmo. E esse processo pode ser inconsciente. BBC News Brasil - Então as memórias definem a percepção que temos sobre nossa vida? Ou é o contrário: o que construímos sobre nossas vidas define nossas lembranças? Conway - As duas coisas interagem. É algo que chamamos de coerência. Há memórias que chamamos de "autodefinidoras". Elas provavelmente vão nos direcionar para certas direções e objetivos que buscamos em nossas vidas e vice-versa. Se não interagirem, é um problema. Em casos de doenças mentais, por exemplo. Você pode se lembrar de algo que não é você, não se encaixa na percepção que você tem sobre si. E daí você tem que, de alguma forma, viver e integrar isso na sua vida e a percepção que tem sobre ela. 'Memória é como uma obra de arte baseada em uma foto do passado', diz Martin Conway, diretor do Centro de Memória e Direito da City University of London BBC News Brasil - As pessoas dizem que a memória está sempre em construção, ou sempre mudando. Isso é verdade? Conway - As memórias não podem estar sempre mudando, porque daí não teríamos consistência. Elas mudam, mas não tanto quanto se imagina. Conhecimento abstrato, conceitual, dados como "Eu fiz faculdade? Fiz" —isso não vai mudar. Coisas específicas assim não vão mudar. Só que tem que haver consistência, mas também uma flexibilidade construtiva. Você não vai se esquecer de ter trabalhado em um lugar específico, mas haverá muitos episódios relacionados àquilo que você poderá lembrar com detalhes diferentes. Ou seja, você provavelmente vai se lembrar, na sua vida, de ter trabalhado na BBC, mas vai se lembrar de muitos episódios relacionados a isso com detalhes diferentes. O importante é que haja coerência com o quadro mental que você vai pintar sobre ter trabalhado na BBC. Outra visão com a qual não concordo muito é a de reconsolidação. É uma abordagem científica que diz que todas as vezes que você se lembra de uma memória, você muda ela. Eu acho que isso levaria a um sistema de memória muito instável. Nós somos muito estáveis, temos a necessidade e desejo de memórias consistentes. BBC News Brasil - Por que criamos memórias de coisas que nunca aconteceram? Conway - Às vezes são coisas que nós imaginamos que aconteceram. Talvez você tenha imaginado muito e esqueceu que era uma imaginação, e aquilo volta como uma memória. Isso acontece muito com memórias de infância. Sua mãe pode ter lhe dito: "Tínhamos um grande jardim verde e brincávamos lá, você estava sempre rindo". E mais tarde você pode se lembrar dessa cena, sem se tocar que era uma história que sua mãe lhe contou. Ou então você pode ter imaginado algo quando criança — algo que poderia ter acontecido, mas não aconteceu. Você pode lembrar disso como uma memória. E isso pode ser consistente e coerente com suas crenças sobre quem você era e suas atitudes em relação ao mundo, e isso é ok. Memória e imaginação acontecem nas mesmas redes neurológicas do nosso cérebro. Quando você não está focado ou focada em tarefas, quando você está pensando na vida, no futuro, no passado, essas grandes e complicadas redes neurológicas ficam online. Lembrar e imaginar acontecem na mesma rede. BBC News Brasil - Então nós criamos lembranças falsas? Conway - Não há dúvidas de que sim. Se é intencional ou não, é outra questão. Pesquisadores concordam em relação a uma coisa: ninguém se senta, pensa e cria uma memória falsa assim. Você pode conversar com alguém, imaginar algo que poderia ter acontecido, e gradualmente isso se transforma em algo que você se lembra como real. BBC News Brasil - Qual é a diferença entre memórias a longo prazo e memórias a curto prazo, e por que lembramos de umas e não de outras? Às vezes nos esquecemos do que comemos no café da manhã. Conway - É porque o café da manhã é algo entediante! (Risos) Mas vamos falar sério: memórias a curto prazo duram cerca de 30 segundos. Um exemplo é algo que você acabou de dizer, as exatas palavras que você disse. Memórias intermediárias, de eventos recentes, o que eu tomei no café da manhã, se passeei com o cachorro, são importantes porque nos ajudam a nos localizar no tempo e no espaço. Mas, com o tempo, você se lembra menos e menos, como o que você fez ontem, três dias atrás, uma semana, um mês atrás. E então existe uma função de retenção: você acaba se lembrando mais de eventos de grande relevância para você, como os relacionados a seus objetivos, preocupações e desejos. Memórias autobiográficas não precisam ser precisas, só precisam fazer sentido com o que imaginamos sobre nossas próprias vidas BBC News - Brasil - E memórias de infância, existem? Conway - Essa é uma questão interessante. Muitas pesquisas já foram feitas sobre isso. O cérebro está se desenvolvendo nesses períodos. Estudos mostram que os lobos frontais ainda não estão completamente desenvolvidos quando você tem vinte e poucos anos. Minha hipótese é que lembramos comparativamente pouco dos 5 aos 10 anos, e que passamos a lembrar mais na adolescência. Além disso, há muitas diferenças de pessoa para pessoa, por causa do desenvolvimento do cérebro, e diferenças culturais. Pessoas de culturas asiáticas, por exemplo, lembram menos de detalhes de memórias como crianças. Isso porque são socializadas a lembrarem memórias que envolvem um coletivo — lembram-se de falar com a mãe ou com a avó, por exemplo, e não tanto de "eu". Nas culturas ocidentais, somos criados para nos lembrar de coisas que nos definem como indivíduos, como "eu fiz isso", "eu fiz aquilo". BBC News Brasil - Se não conseguimos nos lembrar de fatos, conseguimos nos lembrar de sentimentos dessa época? Conway - A pergunta que temos que nos fazer é: é possível, em primeiro lugar, lembrar-se de qualquer sentimento? Quando você diz: "Senti medo, raiva" ou qualquer coisa do tipo… Era esse mesmo o caso? Você pode se lembrar de detalhes de um evento e inconscientemente e sem intenção construir a partir disso memória de como você se sentiu. Além disso, as medidas podem mudar. Por exemplo, posso me lembrar de me sentir muito feliz jogando futebol em um campinho quando tinha 7 anos de idade. Mas a felicidade que eu senti aos 7 anos é a mesma felicidade que eu sinto hoje? O que você se lembra não corresponde, necessariamente, a como as coisas eram. BBC News Brasil - Existem memórias coletivas? Conway - Sim. Não tê-las é um problema. Por que que as pessoas às vezes não as têm? É uma repressão das memórias, que pode ser consequência de um problema na sociedade, em geral. São memórias importante porque provavelmente são memórias de eventos negativos. E eventos negativos transmitem mais informação que eventos positivos, são mais informativos sobre o mundo e às vezes são sobre coisas que podem ser ameaçadoras. Você se lembra de como as coisas podem dar errado para não repeti-las. Também há memórias relacionadas a gerações. Há memórias de que meus outros amigos velhos também se lembram, e isso nos conecta. 'A felicidade que eu senti aos 7 anos é a mesma felicidade que eu sinto hoje?', pergunta-se o professor Martin BBC News Brasil - A tecnologia de hoje em dia afeta nossa memória? Estamos terceirizando nossa memória para aplicativos e aparelhos? Conway - Temos que lembrar que a humanidade sempre suplementou sua cognição com a tecnologia. Escrever é provavelmente nossa maior tecnologia. Sempre soubemos que nossa cognição é imperfeita, e sempre buscamos maneiras para suplementá-la. Pessoalmente, eu acho bom. Eu acho incrível. A tecnologia expande nossa memória, não o contrário. BBC News Brasil - Podemos exercitar nossa memória para tentar melhorá-la? Conway - Não. A memória não é um músculo. Aprender um instrumento musical, uma nova língua, uma nova área de conhecimento, tudo isso é bom. Vai te fazer mais inteligente e esperto. Pode ser bom para sua "memória de trabalho", que é sua habilidade de brevemente manipular informação, mas não vai fazer sua memória melhorar. Vai fazer todo o conjunto funcionar bem. Se você desistir e parar de aprender coisas novas, as coisas não irão bem. Uma das coisas que fazem uma diferença enorme é o quão bem socializamos com os outros. Fomos evoluídos para socializar, e quanto mais o fazemos, melhor nosso cérebro trabalha. Sair com amigos e familiares e interagir é a melhor coisa que você pode fazer pela sua mente e para sua memória. Socializando, você aprende coisas novas o tempo todo, aprende sobre pessoas, sobre si próprio. Socializar é um aprendizado gigante. E pessoas que permanecem dentro de seus grupos sociais sofrem menos declínio cognitivo, e isso inclui comprometer menos a memória. BBC News Brasil - O que o Sr. diria para pessoas mais velhas sobre a memória? Conway - Permaneçam engajados com seus círculos sociais, seus netos, amigos, colegas. É a coisa que mais pode fazer a diferença. Não há dúvidas de que a memória deteriora. Manter todo o sistema mental vivo trará benefícios. Socializar é bom para a memória, para o pensamento e a imaginação. É bom para tudo. BBC News Brasil - O que acontece quando ficamos com Alzheimer? O Sr. acredita que um dia haverá uma cura? Conway - As pessoas ficam com placas entre os neurônios que entopem os caminhos neurais do cérebro. Isso leva ao déficit de memória. Explicar como isso acontece são conjecturas… Há muitas pesquisas, e uma teoria, acredite se quiser, é que há uma relação com a bactéria que causa a gengivite. É só uma teoria recente. Com Alzheimer, não podemos construir mais memórias. Os pacientes se esquecem de grandes partes de suas vidas. Você, por exemplo, poderia não se lembrar mais de que trabalhou para a BBC. Você perde grandes partes da sua vida que te ajudam a te definir como pessoa. Acredito que encontraremos uma cura, mas o caminho é longo, e não será fácil ou simples. BBC News Brasil - A medicina e a ciência poderão melhorar nossa memória no futuro? Conway - Certamente. Quando entendermos exatamente como o cérebro funciona, poderemos manipulá-lo. O grande problema é que temos que pensar como o conhecimento é representado no cérebro. Há neurônios que formam nosso cérebro, mas também há proteínas. Tem que haver um tipo de código genético que represente o conhecimento que pode ser lido e levado à consciência. A questão é: como o conhecimento é representado? Não são genes. É uma ação que está criando proteínas, que formam alguns aspectos desse código que estamos imaginando. Quando entendermos isso, poderemos intervir em prol da nossa memória. BBC News Brasil - Nossa memória tem limites? Conway - Bom, há uma visão que diz que sim, que a memória tem uma capacidade limitada. Outra visão, que é a minha, é a de que não é nossa memória que é limitada, é nossa habilidade para acessar nossas memórias que é limitada. As memórias estão armezanadas nas conexões neurais do nosso cérebro, ou nas moléculos geradas pelos neurônios, e em princípio poderiam representar tudo que experimentamos em nossas vidas. A pergunta é: podemos acessá-las? A resposta é que provavelmente não, pelo menos não conscientemente. É o que eu acho, mas a maioria dos outros pesquisadores especialistas em memória me acharia louco. BBC News Brasil - E quem acredita que a memória tem limites, acha que acontece o quê com nossas recordações? Conway - Que elas são perdidas, esquecidas, sobrescritas. BBC News Brasil - E por que o Sr. não acha que isso acontece? Conway - Porque acredito que elas nos formam, formam nossa personalidade, nossa interação com os outros, os amigos que escolhemos, e que não somos necessariamente conscientes disso. |
'Ditador brutal', 'grande amigo', 'figura controversa': as reações de líderes mundiais à morte de Fidel | Líderes e ex-governantes de todo o mundo reagiram neste sábado à morte do ex-presidente de cubano Fidel Castro. | De Trump a Obama, passando por Temer, Dilma, Lula e Putin, confira como a morte de Fidel foi comentada ao redor do globo Enquanto uns adotaram um tom elogioso, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ("morreu ontem o maior de todos os latino-americanos"), outros foram mais críticos, a exemplo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump ("O mundo marca a passagem de um ditador brutal que oprimiu seu próprio povo por quase seis décadas"). Fidel Castro morreu na sexta-feira, aos 90 anos, de causas ainda não reveladas. Foram decretados nove dias de luto nacional. Confira algumas reações: Donald Trump sobre Fidel Castro: "ditador brutal" Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos Fim do Talvez também te interesse "Hoje, o mundo marca o falecimento de um ditador brutal, que oprimiu seu próprio povo durante quase seis décadas. O legado de Fidel Castro é o de pelotões de fuzilamento, roubo, sofrimento inimaginável, pobreza e negação de direitos fundamentais." "Enquanto Cuba permanece uma ilha totalitária, minha esperança é de que o dia de hoje marque uma saída dos horrores suportados por muito tempo, e em direção a um futuro em que o maravilhoso povo cubano possa finalmente viver a liberdade que tanto merece." "Dado que as tragédias, mortes e dor causadas por Fidel Castro não podem ser apagadas, nossa gestão vai fazer todo o possível para assegurar que o povo cubano possa finalmente começar sua jornada rumo à prosperidade e liberdade. Me junto aos muitos cubano-americanos que me apoiaram tão fortemente durante a campanha presidencial, com a esperança de que um dia vejam uma Cuba livre em breve". Obama: "A história vai registrar e julgar o enorme impacto desta figura singular" Barack Obama, presidente dos Estados Unidos "Neste momento de falecimento de Fidel Castro, estendemos uma mão de amizade ao povo cubano. Sabemos que esse momento enche os cubanos - em Cuba e nos Estados Unidos - de emoções poderosas, relembrando as incontáveis maneiras com as quais Fidel Castro alterou o curso de suas vidas individuais, de suas famílias, e da nação cubana. A história vai registrar e julgar o enorme impacto desta figura singular nas pessoas e no mundo ao seu redor". Francisco sobre Fidel Castro: "Querido irmão" Papa Francisco "Ao receber a triste notícia do falecimento do seu querido irmão, o excelentíssimo senhor Fidel Alejandro Castro Ruz, ex-presidente do Conselho de Estado e do governo da República de Cuba, expresso os meus sentimentos de pesar. Ao mesmo tempo, ofereço preces ao Senhor pelo seu descanso e confio a todo o povo cubano a materna intervenção de Nuestra Señora de la Caridad del Cobre, padroeira desse país." Putin: "sincero e verdadeiro amigo da Rússia" Vladimir Putin, presidente da Rússia "Uma Cuba livre e independente, construída por ele e por seus companheiros, se tornou um membro influente da comunidade internacional e serviu como exemplo inspirador para muitos países e povos. Fidel Castro foi um sincero e verdadeiro amigo da Rússia. Ele deu uma grande contribuição em estabelecer e desenvolver as relações entre Rússia e Cuba, estreita cooperação estratégica em todas as esferas." Gorbachev: "Fortaleceu seu país" Mikhail Gorbachev, ex-líder soviético "Fidel levantou-se e fortaleceu seu país durante o bloqueio americano mais severo, quando havia uma pressão colossal sobre ele e ainda conseguiu levar seu país a um caminho de desenvolvimento independente. Nos últimos anos, mesmo quando Fidel Castro não estava formalmente no poder, sua capacidade em fortalecer o país foi imenso." Temer: "Um líder de convicções" Michel Temer, presidente do Brasil "Fidel Castro foi um líder de convicções. Marcou a segunda metade do século 20 com a defesa firme das ideias em que acreditava." Lula: "Morreu ontem o maior de todos os latino-americanos" Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil "Morreu ontem o maior de todos os latino-americanos, o comandante em chefe da revolução cubana, meu amigo e companheiro Fidel Castro Ruiz. Para os povos de nosso continente e os trabalhadores dos países mais pobres, especialmente para os homens e mulheres de minha geração, Fidel foi sempre uma voz de luta e esperança. Seu espírito combativo e solidário animou sonhos de liberdade, soberania e igualdade. Nos piores momentos, quando ditaduras dominavam as principais nações de nossa região, a bravura de Fidel Castro e o exemplo da revolução cubana inspiravam os que resistiam à tirania." Sinto sua morte como a perda de um irmão mais velho, de um companheiro insubstituível, do qual jamais me esquecerei. Será eterno seu legado de dignidade e compromisso por um mundo mais justo." Dilma: "Luto e dor" Dilma Rousseff, ex-presidente do Brasil "Sonhadores e militantes progressistas, todos que lutamos por justiça social e por um mundo menos desigual, acordamos tristes neste sábado, 26 de novembro. A morte do comandante Fidel Castro, líder da revolução cubana e uma das mais influentes expressões políticas do século 20, é motivo de luto e dor. Fidel foi um dos mais importantes políticos contemporâneos e um visionário que acreditou na construção de uma sociedade fraterna e justa, sem fome nem exploração, numa América Latina unida e forte. Um homem que soube unir ação e pensamento, mobilizando forças populares contra a exploração de seu povo. Foi também um ícone para milhões de jovens em todo o mundo." Hollande: "Uma figura altaneira" François Hollande, presidente da França "Fidel Castro foi uma figura altaneira do século 20. Ele incarnou a Revolução Cubana, tanto em suas esperanças quanto em suas subsequentes desilusões. A França, que condena os abusos aos direitos humanos em Cuba, protestou igualmente contra o embargo dos Estados Unidos contra Cuba, e ficamos felizes de ver os dois países restabelecendo o diálogo e retomando laços." Johnson: "Figura histórica, porém controversa" Boris Johnson, chanceler do Reino Unido "O Reino Unido expressa suas condolências ao governo e ao povo de Cuba, e à família do ex-presidente. A morte de Fidel Castro marca o fim de uma era para Cuba e o começo de uma nova para o povo cubano. A liderança de Fidel Castro na Revolução Cubana de 1959 o marcou como uma figura histórica, porém controversa. O Reino Unido continuará a trabalhar com o governo de Cuba em uma ampla gama de prioridades da política externa, incluindo direitos humanos." Trudeau: "Serviu seu povo por quase meio século" Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá "Fidel Castro foi um líder maior do que a vida, que serviu seu povo por quase meio século. Um revolucionário e orador fabuloso, Castro promoveu melhorias significativas na educação e na saúde de sua ilha. Embora uma figura controversa, tanto os apoiadores quanto os detratores de Castro reconheceram sua dedicação e seu amor tremendos pelo povo cubano, que tinha um afeto duradouro e profundo pelo 'comandante'." Jinping: "Fez contribuições históricais imortais para o desenvolvimento do socialismo" Xi Jinping, presidente da China "Fidel Castro fez contribuições históricais imortais para o desenvolvimento do socialismo ao redor do mundo. Com sua morte, o povo chinês perdeu um companheiro próximo e um amigo sincero. Sua imagem gloriosa e suas grandes realizações vão ficar registradas na história para sempre." Maduro: "Exemplo de luta" Nicolás Maduro, presidente da Venezuela "Sessenta anos depois do Granma (nome do iate que levou Fidel Castro e outros 81 revolucionários a Cuba para dar início à Revolução Cubana) ter partido do México, Fidel parte rumo à imortalidade daqueles que lutaram durante todas as suas vidas. Até a vitória, sempre." "Vamos continuar vencendo e lutando. Fidel Castro é um exemplo da luta para todas as pessoas do mundo. Levaremos adiante seu legado." Peña Nieto: "Um amigo do México" Enrique Peña Nieto, presidente do México "Fidel Castro foi um amigo do México, promotor de uma relação bilateral baseada no respeito, diálogo e solidariedade." Evo: "Lutou pela integração das pessoas" Evo Morales, presidente da Bolívia "Fidel Castro nos deixou um legado de ter lutado pela integração das pessoas no mundo. A partida do comandante realmente dói." Correa: "Um grande" Rafael Correa, presidente do Equador "Um grande nos deixou. Fidel morreu. Vida longa a Cuba! Vida longa à América Latina". Santos: "Reconheceu que a luta armada não era o caminho" Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia "Lamentamos a morte de Fidel Castro. Estamos ao lado de seu irmão Raúl e de sua família neste momento. Nossa solidariedade com o povo cubano. Fidel Castro reconheceu no fim de seus dias que a luta armada não era o caminho. Contribuiu, assim, para pôr fim ao conflito colombiano." Zuma: "Se identificou com nossa luta contra o apartheid" Jacob Zuma, presidente da África do Sul "O presidente Castro se identificou com nossa luta contra o apartheid. Ele inspirou o povo cubano a aderir à nossa luta contra o apartheid." Modi: "Grande amigo" Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia Fidel Castro foi uma das mais icônicas personalidades do século 20. A Índia lamenta a perda desse grande amigo. Estendo minhas mais profundas condolências ao governo e ao povo de Cuba pela triste morte de Fidel Castro. Que sua alma descanse em paz." Assad: "Um farol de libertação" Bashar al-Assad, presidente da Síria "Cuba, nossa amiga, conseguiu, sob sua liderança, suportar as mais fortes sanções e campanhas opressivas testemunhadas na história recente, tornando-se um farol de libertação para o povo da América Latina, e as pessoas do mundo inteiro. O nome de Fidel Castro vai viver para sempre nas mentes das gerações e vai inspirar aqueles que aspiraram às verdadeiras independência e liberação do jugo do colonialismo e da hegemonia." |
Assassinatos de mulheres na França geram alerta sobre violência doméstica na Europa | Em 1º de setembro, um morador de Cagnes-sur-Mer, no sul da França, notou um pé saindo de uma pilha de lixo, galhos e tecidos velhos. | Mulheres carregam números para representar os 101 feminicídios registrados neste ano na França Era o corpo desfigurado de uma mulher, vítima de um ataque brutal. Seu parceiro nega o assassinato. Salomé, 21 anos, foi a centésima vítima da França só neste ano do crime de "feminicídio" - normalmente definido como o assassinato de uma mulher por um parceiro, ex-parceiro ou membro da família. Um dia após o corpo de Salomé ser encontrado, uma mulher de 92 anos apanhou até a morte do marido de 94 anos. Número 101. Em poucas horas, o governo francês anunciou uma série de medidas para proteger as mulheres da violência doméstica. Outros países europeus também reagiram a este crime - que não conhece fronteiras ou classe social. Os números de feminicídios na Europa, no entanto, são bem menores que os registrados no Brasil (veja abaixo). Flores colocadas no local onde o corpo de Salomé foi encontrado O presidente Emmanuel Macron lançou uma campanha em um centro nacional de atendimento telefônico sobre violência doméstica. Quando ouviu uma ligação, teve um choque de realidade. Fim do Talvez também te interesse Uma mulher, que sofreu por décadas abusos do marido violento, havia finalmente criado coragem para deixá-lo. Ela tinha pedido a um policial que a acompanhasse até sua casa para que pudesse recolher alguns pertences, mas o policial recusou, insistindo que ele precisava de uma ordem judicial para intervir - um procedimento incorreto, segundo a lei francesa. O Presidente Macron balançou a cabeça em frustração. "Isso acontece com frequência?", perguntou à operadora. "Ah, sim", ela respondeu. "Cada vez mais." A enorme maioria dos homocídios contra parceiros íntimos é cometida por homens contra mulheres. De acodo com os números mais recentes sobre feminicídios, a França tem as taxas mais altas da União Europeia. Mas, como explica Viviana Waisman, da ONG Women's Link Worldwide, a violência contra mulheres não pode ser simplificada por meio de números. "Violência contra mulheres é uma questão que transcende fronteiras, classe e status social ou econômico. Ela impacta mulheres e meninas em todas as sociedades", diz a especialista. "Pode haver mais ou menos estigma ligado ao assunto em certos locais, mas isso é uma questão presente em todas as sociedades". Brasil X Europa Enquanto o problema gera debate na Europa, o Brasil convive há anos com taxas bem mais altas de feminicídios. Entre 2017 e 2018, segundo dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve aumento nos registros de feminicídio de 1.047 para 1.173 em todo o país. O Acre é o estado com a maior taxa de feminicídios: 3,2 a cada 100 mil. Já o Amazonas é o menor, com 0,2 a cada 100 mil. No país todo, a taxa média é de 1,1 feminicídios para cada 100 mil mulheres segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), das Nações Unidas. Para feito de comparação, em 2017, a taxa foi de 0,18 para cada 100 mil na França (ou 123 no total), 0,23 para cada 100 mil na Alemanha (189 no total) e 0,13 para cada 100 mil mulheres na Inglaterra e País de Gales (70 no total). As estatísticas podem não contar a história completa, mas revelam que países como a Romênia e a Irlanda do Norte tem problemas a enfrentar. De acordo com Sonya McMullan, da ONG Woman's Aid da Irlanda do Norte, "a violência doméstica não vai acabar e muitas mulheres perdem suas vidas todos os anos". Os incidentes de vioência doméstica estão aumentando no país, que tem uma estrutura de proteção para as mulheres inferior à encontrada no resto do Reino Unido. Em março, Giselle Marimon-Herrera e sua filha Allison foram encontradas mortas por estrangulamento em seu apartamento em County Down. Acredita-se que elas tenham sido mortas pelo parceiro de Giselle, que também foi encontrado morto na cena do crime. Os assassinatos de Giselle Marimon-Herrera e sua filha Allison foram descritos como uma "tragédia" Connie Leonard foi supostamente morta por um ex-parceiro em 2017 na frente de seu filho com síndrome de Down. O menino também sofreu facadas. Ao contrário do resto do Reino Unido e da Irlanda, a Irlanda do Norte não possui uma lei que criminalize abusos como agressão verbal, ameaças, humilhação e intimidação vindo de um parceiro. O financiamento para a proteção das mulheres diminuiu 5% e as propostas para melhorar a segurança das mulheres foram paralisadas nos últimos dois anos. 'A sociedade ainda culpa as mulheres' A Finlândia, considerada um marco da igualdade de gênero, também tem uma das maiores taxas de assassinatos cometidos por paceiros íntimos na União Europeia. "Nos países nórdicos, os direitos iguais das mulheres são protegidos na esfera pública, mas não na esfera privada", disse Paivi Naskali, professora de Estudos de Gênero da Universidade da Lapônia, ao site Open Democracy em 2013. "O estado de bem-estar social deu muitos direitos às mulheres, mas essa política se concentrou no mercado de trabalho (...), não na igualdade na vida privada", disse ela. Finlândia tem uma das mais altas taxas de feminicídio da Europa As repúblicas bálticas também têm altas taxas de femicídio. Modesta Kairyte, uma ativista contra a violência doméstica e voluntária em centros de apoio a vítimas na Lituânia, disse que "a era soviética deixou um certo trauma", mas que o problema está principalmente nas atitudes da sociedade. "A sociedade ainda culpa a mulher", disse ela à BBC. "É um processo de vergonha." Nos velhos tempos, uma mulher era repreendida se não deixasse um relacionamento abusivo, mas era igualmente vista como um fracasso se o deixasse. Havia também uma crença generalizada de que seria melhor para as crianças se a mulher ficasse. "A sociedade lituana pensa que é melhor que as crianças fiquem", explicou Kairyte. "Mas pesquisas mostram que elas são mais suscetíveis a problemas de saúde se estiverem em um lar abusivo". Marco do feminicídio na Espanha A Espanha é frequentemente considerada um exemplo para o resto da Europa sobre medidas destinadas a proteger as mulheres contra a violência de gênero. Em 2004, o país aprovou uma lei estabelecendo uma rede de tribunais especializados em violência doméstica e destinou verbas-extras a programas de apoio a sobreviventes. Mas, em junho, a Espanha registrou o milésimo assassinato de uma mulher por um parceiro desde que os registros começaram em 2003. Beatriz Arroyo tinha 29 anos e decidiu em junho terminar o relacionamento com o namorado e começar uma nova vida. Quando ela foi ao apartamento dos dois perto da cidade oriental de Valência para dizer que o estava deixando, ele a sufocou. Na manhã seguinte, ele se jogou da varanda e morreu. Identificada como a milésima vítima de feminicídio na Espanha, sua morte em 10 de junho foi marcada como um dia sombrio na história da violência "machista" na Espanha Mulheres na Espanha simulam cadáveres em protesto contra as taxas altas de feminicídio Das 1.000 vítimas, 607 foram mortas por parceiros, 225 por um ex-parceiro e outras 168 estavam em processo de separação do parceiro, segundo relatos. O número de mulheres mortas este ano na Espanha já é mais do que o dobro do número registrado em 2018. O que está sendo feito para enfrentar feminicídios na Europa? O primeiro-ministro francês Edouard Philippe anunciou nesta semana que vai destinar 5 milhões de euros para o combate ao feminicídio, além de disponibilizar mil novos lugares em abrigos para pessoas que sofrem violência doméstica e uma auditoria em 400 delegacias para examinar como as queixas das mulheres são tratadas. Tornozeleiras etiquetas devem ser usadas para impedir que os agressores se aproximem de suas vítimas e os tribunais da família poderão impedir que pais visitem os filhos de mães vítimas de abuso. O centro de atendimento telefônico onde o presidente Macron escolheu lançar a campanha registrou um forte aumento nas ligações no dia do anúncio. De acordo com a TV francesa, 1.661 mulheres ligaram para a linha relançada para vítimas de violência doméstica na última terça-feira, em comparação a uma média de 200 a 300 ligações por dia. Grupos de direitos das mulheres acreditam que é necessário mais dinheiro para combater o flagelo da violência doméstica. Para Sonya McMullan e Modesta Kairyte, tudo tem a ver com a educação. Para as vítimas na Lituânia, Kairyte ajudou a produzir uma história em quadrinhos projetada para explicar diferentes formas de violência doméstica: emocional e econômica, além de física. Revista usada na Lituânia para ajudar a educar vítimas sober violência doméstica Os livros são pequenos e discretos, para que não sejam notados pelos parceiros e possam ser facilmente colocados sob a capa de outro livro. Mas e se a educação começasse muito antes? Na Irlanda do Norte, não existe um currículo pós-primário sobre relacionamentos. Kairyte diz que, por isso, os adolescentes não entendem o peso das palavras: "Ele está sendo apaixonado ou agressivo?" Ambas as mulheres usaram as mesmas palavras: "É realmente importante que os adolescentes entendam como funciona um relacionamento saudável". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Como Bolsonaro quer usar discurso na ONU para reposicionar Brasil no mundo | Quando subir ao púlpito do plenário da Organização das Nações Unidas (ONU) para abrir a 74ª edição da Assembleia Geral, nesta terça-feira, 24, o presidente Jair Bolsonaro deve reposicionar o Brasil no xadrez global, diante dos líderes de outros 192 países. | Bolsonaro durante evento em Brasília; cenário preparado para discurso na ONU não é favorável ao brasileiro Há exatos 70 anos, em 1949, o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha fazia pela primeira vez a abertura do encontro de nações, inaugurando a tradição que, historicamente, daria ao Brasil a prioridade sobre o microfone e enunciando valores que norteariam a participação do país na ONU: o multilateralismo, uma agenda comprometida com a neutralidade e a mediação diante de conflitos internacionais. Sete décadas mais tarde, às vésperas de completar 10 meses de mandato, Bolsonaro enfrentará expectativa oposta em relação ao seu discurso inaugural na ONU. Bolsonaro falará logo depois do secretário-geral da ONU, o português António Guterres, e imediatamente antes do discurso do mandatário do país anfitrião, os Estados Unidos, de Donald Trump, o que aumentará ainda mais a audiência das palavras do presidente. Desde que assumiu, Bolsonaro vem operando uma alteração profunda na política internacional brasileira, combatendo o que chama de globalismo, climatismo, ideologia de gênero e defendendo o que denominou de "verdadeiros direitos humanos" - a defesa de valores religiosos e o princípio da família tradicional. "É o primeiro governo eleito democraticamente em um século que diz abertamente que veio romper com as tradições diplomáticas brasileiras", afirma Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas. Fim do Talvez também te interesse O cenário preparado para o discurso na ONU não é favorável ao brasileiro. "Tá na cara que vou ser cobrado", admitiu o próprio presidente em uma live de rede social na última quinta-feira. Queimadas na Floresta Amazônica somadas à promessa (não cumprida) de Bolsonaro de que sairia do Acordo do Clima de Paris, de sua intenção (não concretizada) de fechar o Ministério do Meio Ambiente, do desestímulo às ações de fiscalização e aplicação de multas por crime ambiental pelo IBAMA e aos reiterados questionamentos da cúpula do governo sobre a importância da ação humana em relação ao aumento de temperatura do planeta, levaram a França a censurar publicamente o Brasil, há cerca de um mês. "A Amazônia absorve 14% do CO2 mundial. A perda do primeiro pulmão do planeta é um problema mundial", tuitou o presidente francês Emmanuel Macron. O governo brasileiro viu na mensagem um questionamento a sua soberania. O tom subiu a ponto de Macron dizer que o Brasil não tinha um líder "à altura do posto"e de Bolsonaro fazer comentários considerados ofensivos sobre a primeira dama francesa em redes sociais. Há exatos 70 anos, o diplomata brasileiro Oswaldo Aranha inaugurou a tradição, fazendo o discurso de abertura da Assembleia Geral, o que, historicamente, daria ao Brasil a prioridade sobre o microfone O temor de uma hostilidade durante a fala de Bolsonaro - caso de líderes de alguns países se levantassem e deixassem o plenário nesse momento - levou à incerteza sobre a ida do presidente à Nova York até quase a véspera da viagem. Recém-operado de uma hérnia abdominal decorrente da facada que sofreu durante a campanha presidencial, Bolsonaro poderia optar por alongar seu descanso para a recuperação e evitar o risco do desgaste. "Nosso presidente está pronto para o combate e a viagem para Nova York, no dia 23, está assegurada", disse o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, na última sexta-feira, pondo fim ao suspense sobre a presença do brasileiro na ONU. A Amazônia é nossa, o aquecimento global não é nosso Bolsonaro passou os últimos dias reunido com o filho, Eduardo, o assessor internacional da presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, e o chanceler Ernesto Araújo para elaborar o que dizer. No discurso, ele defenderá a soberania brasileira e a posição do Brasil como líder em meio ambiente. O presidente dirá que o Brasil preserva 80% da mata amazônica original, possui matriz energética limpa e não alterou em nada a legislação ambiental, considerada rígida pelo governo. Tudo isso o credenciaria como maior liderança global em preservação, defenderá Bolsonaro, em oposição aos europeus. O presidente também dirá que as queimadas estão dentro dos níveis históricos anuais para o período e que há oportunismo comercial nas acusações de devastação. Diante da perspectiva de um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, a questão da Amazônia poderia servir como pretexto para boicotes e medidas protecionistas em relação à produção brasileira, pondo em risco o futuro do acordo comercial recentemente assinado entre o Mercosul e a União Europeia, cuja efetivação depende da confirmação de cada país membro. Ele apontará que aposta em desenvolvimento sustentável da região, com atividades econômicas mais complexas, questionando a noção de sustentabilidade meramente extrativista, que se resume, de acordo com quadros do governo, à ideia de manter a população local à base da retirada de borracha e castanha da mata, em condição de miséria. Bolsonaro deverá ainda repetir que cabe ao Brasil definir como pretende proteger e desenvolver a região, e que nenhum consórcio de ajuda à Amazônia pode existir sem passar pela ingerência brasileira. Por fim, o presidente deverá tentar desvincular as queimadas na Amazônia do fenômeno do aquecimento global. O chanceler Ernesto Araújo, um dos que levantam controvérsias sobre a importância da ação humana na mudança climática, tem tentado minimizar o impacto global da Amazônia ao dizer que a devastação da floresta seria responsável por 2% de todas as emissões de CO2 no mundo. Manifestante no Rio de Janeiro exibe cartaz satirizando Bolsonaro; pauta ambiental deverá estar no discurso do presidente brasileiro na ONU Isolamento O discurso sugerirá que o Brasil se tornou vítima do que o governo considera ser um alarmismo climático, ou climatismo, uma face do chamado globalismo que a gestão Bolsonaro busca combater: a captura de organismos internacionais por determinados interesses - o chamado marxismo cultural, a destruição do modelo tradicional de família, dos valores religiosos e do conceito de nação e fronteiras - e a tentativa de impor tais interesses ao Brasil. Extremamente minoritária no Itamaraty, essa linha de explicação sobre os arranjos internacionais tem sido enunciada pelo ideólogo do governo, o escritor Olavo de Carvalho, e frequentemente adota tons conspiratórios para se referir ao mundo globalizado, chamado por Araújo de "o sistema". 'É um momento importante porque o Brasil vai dizer ao mundo o que pensa. O Brasil chega em uma posição defensiva, e o presidente deveria deixar claro qual é a sua política para o meio ambiente. Apenas reafirmar a soberania do Brasil não é suficiente. Esse governo foi eleito com uma agenda diferente das posições de direitos humanos, de liderança em meio ambiente, e tem legitimidade para tomar as medidas que achar que deve tomar. Mas deve lembrar que as posições que adota em política externa têm consequências" afirmou à BBC News Brasil o embaixador Rubens Barbosa, que liderou a embaixada em Washington por quase 5 anos durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Dentre as consequências estaria o isolamento. De acordo com um embaixador que falou à BBC em condição de anonimato por temor de represálias, esse risco já está no horizonte. "Mudanças climáticas são um tema sensível para todo mundo: árabes e israelenses, russos, americanos e chineses. Acho perigoso não percebermos que estamos nos isolando, que as palavras têm um peso importante e que estamos enfrentado o resultado do que esse governo optou por dizer - considerando o meio ambiente um assunto menor. Falta sensibilidade para entender que seguir nesse caminho ideológico não é bom para o Brasil. Estamos destruindo um capital precioso e, quando o governo se der conta disso, vai ser difícil limpar o picadeiro", afirmou. Especialistas e integrantes do Itamaraty ouvidos pela reportagem consideram pequena a possibilidade de que as delegações se retirem durante o discurso de Bolsonaro - o que seria uma humilhação sem precedentes para o país. Algumas embaixadas na Europa chegaram a fazer sondagens com os representantes desses países para apurar a possibilidade de um ato hostil. "Os interesses financeiros devem pesar para evitar que algo assim aconteça. Mas, de qualquer forma, os países não precisam desse instrumento para punir o Brasil. O parlamento austríaco já rejeitou o acordo Mercosul-União Europeia, o castelo de cartas começa a ruir", diz o embaixador, em referência ao acordo comercial fechado durante a reunião do G20, em junho, e que depende da aprovação unânime dos parlamentos dos países da União Europeia pra ser ratificado. Eduardo Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo auxiliaram nos últimos dias o presidente brasileiro na elaboração do discurso Alinhamento aos Estados Unidos Na primeira fileira do auditório da Assembleia Geral da ONU, enquanto Bolsonaro falar, estará sentado aquele que é hoje seu aliado prioritário no mundo: o presidente americano Donald Trump. Na embaixada brasileira em Washington, a avaliação é de que a relação entre os dois países nunca foi tão estreita e que o compartilhamento de agendas - e de estilos - entre os dois presidentes facilitou muito essa aproximação. Essa proximidade não é fortuita: desde a eleição, Bolsonaro se aproximou, por meio do filho Eduardo, de Steve Bannon, ex-estrategista de comunicação de Trump e um dos ideólogos do atual movimento de direita. De acordo com o jornal O Estado de São Paulo, Bannon teria se encontrado com Ernesto Araújo, em Washington, há dez dias para se debruçar sobre o discurso que o presidente fará na ONU. Na mesma visita, Araújo afirmou que sua prioridade de trabalho é estabelecer uma data para que Trump visite o Brasil. A diplomacia brasileira considera já colher frutos dessa aproximação. Uma das mais comemoradas foi a ausência de menção à Amazônia no relatório final do G7, em meio à série de discussões públicas com Macron. A conquista foi atribuída ao apoio americano. Outros acenos importantes ao Brasil são o apoio explícito dos americanos à entrada do país na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o reconhecimento do país como um aliado militar estratégico fora da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Para assegurar tais posições junto aos americanos, no entanto, o Brasil tem adotado uma política internacional vacilante, já que em alguns aspectos o estilo Trump contraria o histórico de atuações do Brasil. Em sua visita ao presidente americano, em março, Bolsonaro compartilhou com ele o microfone em uma entrevista e não retrucou quando o par afirmou que todas as opções estavam sobre a mesa em relação à Venezuela, sugerindo que o Brasil poderia concordar ou mesmo participar de uma investida militar contra o país vizinho. Enquanto Bolsonaro falar na ONU, estará sentado, na primeira fileira, seu aliado prioritário no mundo: o presidente americano, Donald Trump Isso foi rechaçado pela ala militar do governo brasileiro e o próprio chanceler Ernesto Araújo afirmou que essa era uma opção fora do jogo brasileiro. No entanto, há duas semanas, a Organização dos Estados Americanos (OEA) decidiu convocar o mecanismo do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) para tratar da situação venezuelana. Em manifestação, a Costa Rica propôs que o TIAR excluísse a possibilidade de qualquer ação bélica. O Brasil votou contra a proposta. Em relação ao Irã, em escalada crescente de tensão contra os EUA desde que Trump retomou as sanções econômicas ao país, o Brasil chegou a reter navios de bandeira iraniana carregados de milho brasileiro em portos nacionais porque a Petrobras se recusou a abastecer as embarcações, justificando temer retaliações americanas. "Vocês já sabem que estamos alinhados com a política deles (dos EUA). Então fazemos o que temos que fazer", disse o presidente, defendendo a posição da empresa. O imbróglio foi resolvido com uma decisão do STF que ordenou o abastecimento dos navios iranianos. O Irã é o principal consumidor de milho brasileiro. A decisão de seguir os passos de Trump em Israel e transferir a Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém, cidade em disputa entre palestinos e israelenses, também foi recebida com descontentamento pelos países árabes - grandes importadores de carne brasileira - que acabaram por forçar um recuo do Brasil no assunto sob pena de um boicote. O país ficou a meio caminho, tendo optado por abrir um escritório de negócios em Jerusalém. "O Brasil está apostando em um inédito alinhamento incondicional com os Estados Unidos, o que nos coloca junto a países como a Polônia, a Hungria, Itália e Israel", afirma Casarões, em referência ao grupo de países com governos nacionais-populistas de direita. Nesse contexto, se insere o convite feito pelos americanos ao Brasil, e já aceito, para sediar uma edição da conferência de paz e segurança no Oriente Médio, que esse ano aconteceu em Varsóvia. "É um evento dos Estados Unidos e de Israel para dizer porque eles não gostam do Irã", afirma Casarões. No discurso de Bolsonaro na próxima terça-feira, são esperadas críticas tanto à Venezuela quanto ao Irã. A aposta do Itamaraty sob Ernesto Araújo é que esses movimentos tragam ao país investimentos e tecnologia que não teriam chegado enquanto o Brasil privilegiava cooperações com o terceiro mundo e parcerias Sul-Sul. "A mensagem é que o Brasil vai fazer concessões unilaterais na esperança de receber investimentos diretos, com a vinda de empresas estrangeiras interessadas em se beneficiar da mão de obra barata do Brasil e da redução de garantias aos trabalhadores pelo Estado", afirma Elaini da Silva, professora de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo A manobra, porém, é considerada arriscada mesmo por quem teria a ganhar com tais vantagens econômicas. Fontes do Fundo Monetário Internacional ouvidas reservadamente pela BBC News Brasil afirmam que Bolsonaro despreza o risco de Trump não ser reeleito no ano que vem. O presidente já disse que torce pela reeleição do Republicano. "Os investidores se movimentam olhando a taxa de inflação e de juros, a expectativa de crescimento e a condição de previsibilidade do país. Para um país robusto como os Estados Unidos, a política de Trump acaba causando pouco dano, mas isso não é verdade para o Brasil. Essas discussões de política externa aumentam o nível de incerteza. Nunca vi algum país se beneficiar economicamente quando o seu mandatário ofende a mulher de um dos presidentes do G7", diz um analista. No mercado financeiro chama a atenção o modo como as autoridades brasileiras têm privilegiado o discurso ideológico em vez de tentar aproveitar a agenda positiva da reforma da previdência, esperada há anos por investidores estrangeiros e às vésperas de ser aprovada no Senado Federal. Em discurso de mais de meia hora na Heritage Foundation, um dos principais think tank conservadores dos Estados Unidos, o chanceler Araújo sequer mencionou a reforma das aposentadorias e pensões, pauta cara aos liberais que lotavam a plateia do evento. "O Brasil tem coisas boas a dizer, mas simplesmente não diz", afirma o embaixador ouvido sob anonimato pela BBC News Brasil. Ruim dentro, pior fora da ONU Apesar da opinião de Bolsonaro sobre a ONU, uma das prioridades da política externa de seu governo é a reeleição para um assento no Conselho de Direitos Humanos "Se eu for presidente, eu saio da ONU. Não serve para nada essa instituição. Sim, saio fora. Não serve para nada a ONU. (O Conselho de Direitos Humanos) É um local de reunião de comunistas e gente que não tem qualquer compromisso com a América do Sul pelo menos", afirmou Bolsonaro há um ano, ainda durante a campanha presidencial. No início do mês de setembro, ele voltou à carga contra a ONU, atacando a alta comissária da instituição para os direitos humanos, a ex-presidente chilena Michele Bachelet: "Parece que quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelle Bachelet, vai lá para a cadeira de direitos Humanos da ONU". Em que pese a opinião de Bolsonaro sobre a ONU e seu órgão de direitos humanos, uma das prioridades de política externa do governo atual é a reeleição para um assento no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Criado em 2006, o Conselho é formado por 47 países e tem como função monitorar violações dos direitos humanos ao redor do mundo e municiar de informações a Assembleia Geral da ONU, que pode deliberar por sanções aos países com governos violadores e autoritários. Cabe ao órgão, por exemplo, acompanhar a situação dos venezuelanos. A eleição, que acontece em meados de outubro, conta com duas vagas a serem ocupadas por países da América Latina e apenas dois candidatos a elas: Brasil e Venezuela. Na prática, portanto, a vaga estaria assegurada. Embora possa parecer contraditória, a estratégia faz sentido, conforme explicam integrantes do governo, no esforço de ocupar espaços considerados da "esquerda" e levar para lá as convicções da gestão atual. O Itamaraty pediu a seus diplomatas que combatam o uso do termo "gênero" em acordos multilaterais, pleiteando a substituição por "sexo biológico". Diplomatas defenderam a mudança à BBC Brasil dizendo que a Constituição Brasileira não prevê a palavra gênero e que o termo família se refere a casais heterossexuais, já que não há possibilidade biológica de geração de filhos de casais homossexuais. "O Brasil tem demonstrado um posicionamento mais duro do que Paquistão e Egito em relação à gênero", afirma Camila Asano, especialista em política externa da Conectas, entidade da sociedade civil que se posicionou institucionalmente contra a reeleição do Brasil ao Conselho de Direitos Humanos à luz dos movimentos recentes do país na área. Pesou na avaliação da Conectas, uma série de declarações de Bolsonaro em defesa aos regimes ditatoriais e militares que se espalharam pela América Latina entre as décadas de 1960 e 1980. A última delas foi justamente contra Bachelet. Ao reagir à crítica da alta comissária da ONU de que há um "encolhimento do espaço democrático no Brasil", Bolsonaro afirmou que a ex-presidente "se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai, brigadeiro à época". Bolsonaro se referia ao regime ditatorial de Augusto Pinochet, que derrubou o governo eleito de Salvador Allende e é considerado responsável, entre outros crimes, pela morte do pai de Bachelet, Alberto, submetido a torturas enquanto estava preso por ordens da ditadura. O elogio a Pinochet causou mal-estar até entre aliados de Bolsonaro, como o atual presidente chileno Sebastian Piñera, que o desautorizou a falar sobre a história do Chile. Antes disso, ao criticar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, Bolsonaro afirmou que "um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade". O Estado Brasileiro já reconheceu que o pai de Felipe, Fernando Santa Cruz, desapareceu enquanto estava sob custódia do Estado Brasileiro, durante a ditadura, em 1974. As manifestações do presidente em favor do regime militar levaram a OAB a denunciar o governo brasileiro à ONU e pedir monitoramento em relação ao "frágil processo de redemocratização" do país. Para alguns, ida do presidente à Nova York por si só indica uma disposição para o diálogo Para o embaixador Rubens Barbosa, a intenção de Bolsonaro em relação ao Conselho de Direitos Humanos encontra paralelo no movimento feito pela ditadura militar brasileira, na década de 1970, de ocupar assento na então Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, órgão antecessor ao Conselho atual. "Naquele momento o Brasil também estava na defensiva, querendo assegurar sua soberania sobre a Amazônia, na lógica do integrar para não entregar, e se antecipar para saber o que diziam do país em relação aos direitos humanos, temeroso de denúncias", diz Barbosa. Para representantes do Itamaraty, só a ida do presidente a Nova York já é um recado de uma disposição para o diálogo. Mas o embaixador Rubens Barbosa afirma que a mera intenção não basta, os termos do discurso são cruciais para demonstrar à opinião internacional essa disposição: "Vai ter que calibrar o discurso para poder mudar essa perspectiva negativa agora que o Brasil adotou posição na contra mão do mainstream". Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Vice-presidente dos EUA atira por acidente em homem de 78 anos | O vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, atirou acidentalmente no rosto e no peito de um homem de 78 anos durante uma caçada no Estado do Texas. | A notícia foi anunciada neste domingo pela assessoria de Cheney, mas o incidente ocorreu no sábado. Segundo a dona do rancho onde houve a caçada, a vítima, o advogado Harry Whittington, está consciente e passa bem. Ele caçava junto com o vice-presidente e foi atingido por tiros de espingarda quando Cheney tentava abater uma codorna. De acordo com a assessoria do vice-presidente, Cheney visitou Whittington na tarde deste domingo em um hospital da cidade de Corpus Christi, junto com sua mulher. A agência de notícias France Presse informou que uma delegacia da região está investigando o incidente. |
As ocultas marcas deixadas pelo homem no leito mais profundo do oceano | No fundo do Oceano Pacífico, a centenas de quilômetros da terra, há algumas marcas curiosas em seu leito que nenhum animal poderia ter feito. Algumas parecem estreitos canais esculpidos no lodo claro. Outras se assemelham a marcas de garras, escavadas nos ecossistemas das profundezas marinhas por um monstro subaquático. | Longe do continente, as tentativas de mineração em alto mar deixaram marcas que ainda perduram décadas depois A humanidade deixou muitas marcas na superfície da Terra, mas esses traços de longa data no fundo do mar permanecem praticamente invisíveis. Ocasionalmente, eles são iluminados pelos refletores de veículos submersíveis operados remotamente, mas logo em seguida voltam à escuridão. Estão lá há décadas. Assim como as pegadas e rastros que os astronautas deixaram na Lua, ainda são visíveis agora, não há nada para apagá-los. A trilha que aparece na imagem do topo deste artigo tinha 37 anos quando foi fotografada há alguns anos, enquanto as marcas abaixo datam de 1989. Essas marcas deliberadas no leito do oceano tinham 26 anos nesta foto tirada em 2015 Essas marcas, que remontam às décadas de 1970 e 1980, são as primeiras tentativas dos ensaios de mineração em alto mar, deixadas para trás por navios equipados com dragas e arados, que partiram há muito tempo. Recentemente, cientistas voltaram com câmeras e sondas para ver o que aconteceu com os ecossistemas locais — e o que eles encontraram são cicatrizes que nunca foram totalmente curadas. Fim do Talvez também te interesse Logo, haverá muito mais trilhas como essas esculpidas em todas as planícies abissais do oceano, uma das últimas áreas selvagens intocadas do planeta. O que as futuras gerações podem fazer com elas, e o que vão dizer sobre a busca da humanidade por recursos naturais no início do século 21? Para entender por que essas marcas estão lá — e por que são importantes — precisamos mergulhar em um mar pré-histórico. Um dia, um tubarão perdeu um dente, que afundou centenas de metros até o leito do oceano. Gradualmente, conforme a precipitação de metais a partir da água do mar se acumula no sedimento, o dente é revestido de minerais. E assim começa um dos fenômenos geológicos mais lentos da Terra: o crescimento de um nódulo polimetálico. Nem todos começam com um dente — outros contêm fragmentos de conchas, de ossos ou nada — mas o ritmo lento de crescimento é sempre o mesmo. Eles levam milhões de anos para crescer apenas alguns centímetros. Mas com o tempo, se tornaram tão abundantes que cobrem grandes áreas da planície abissal do oceano. Os nódulos foram descobertos durante uma viagem do HMS Challenger, navio da Marinha Real Britânica, em 1873. Quando trouxeram os depósitos minerais à superfície, os marinheiros os teriam agarrado com as mãos, fazendo-os esfarelar nas bordas. Ao toque, eles deviam parecer mais suaves na parte de cima, mas ásperos na parte inferior, como pedra-pomes, onde haviam crescido envolvendo grãos sedimentares. Se tivessem levado ao nariz, não teriam detectado nenhum cheiro. O químico da expedição foi um dos primeiros a notar que os nódulos não eram insignificantes. Eles eram feitos de "peróxido de manganês", escreveu ele, que é "uma das principais substâncias utilizadas na fabricação de alvejante". Sua localização remota, no entanto, significava que "eles nunca poderiam se tornar uma fonte rentável de suprimento". Mal sabia aquele químico como eles seriam importantes — para os organismos das profundezas do oceano e, mais tarde, para os seres humanos. Anos depois, os cientistas descobririam que esses nódulos são como ilhas para algumas formas de vida. A planície abissal em que se encontram representa 50% da superfície da Terra — uma dimensão sublime que pode ser difícil de imaginar. Se os oceanos fossem removidos repentinamente, veríamos que metade do nosso planeta é um vasto deserto de sedimentos soltos. Em meio a essa planície árida, os nódulos oferecem uma superfície rara e firme para a vida se agarrar. Algumas esponjas e moluscos são específicos deles, enquanto nematelmintos e larvas de crustáceos foram encontrados vivendo em suas fendas. Nódulos polimetálicos encontrados no sudeste do Oceano Pacífico ao longo do Peru "Eles são como as áreas rochosas em um jardim — você vai ter mais espécies vivendo lá do que se tivesse apenas terra", diz Daniel Jones, do National Oceanography Centre em Southampton, no Reino Unido, que estuda os efeitos das intervenções humanas na vida marinha. Mas, recentemente, esses nódulos também chamaram a atenção de um mamífero terrestre voraz, que precisa deles para seus smartphones. O que aquele químico da expedição de 1873 não identificou é que os nódulos também contêm metais, como cobalto, níquel, cobre, titânio e elementos de terras-raras. E que estes um dia teriam um valor imenso para os seres humanos. À medida que a tecnologia do século 21 avança, também aumenta a demanda por matéria-prima, como o cobalto, que é usado em baterias íon lítio de carros e eletrônicos. O problema é que, atualmente, grande parte do material é proveniente de fontes problemáticas. A República Democrática do Congo extrai mais de 60% do suprimento mundial de cobalto de minas terrestres, mas a atividade no país foi associada a abusos de direitos humanos e trabalho infantil. Isso torna os nódulos oceânicos um alvo cada vez mais atraente, apesar dos enormes desafios de engenharia para chegar até eles. Em uma região do Pacífico — a Clarion Clipperton Zone (CCZ) —, uma estimativa conservadora sugere que há cerca de 20 bilhões de toneladas, se os nódulos forem removidos e secos. Embora por décadas sua exploração tenha sido considerada não rentável, várias organizações de mineração estão se mobilizando agora para removê-los, junto com outros tipos de depósitos minerais subaquáticos. Se for adiante, centenas de quilômetros quadrados serão dragados por ano. Qual será o impacto disso? Nas décadas de 1970 e 1980, pesquisadores e empresas de mineração deram os primeiros passos na tentativa de avaliar a viabilidade e as consequências ambientais. Em várias áreas dentro da CCZ, assim como em outro local próximo ao Peru chamado Discol (DIS-turbance and re-COL-onisation), navios arrastaram ancinhos e arados de metal especializados sobre o leito do Pacífico para recolher os nódulos e trazê-los para a superfície. Embora não simule exatamente o maquinário de dragagem planejado para futuras minas, e a escala seja muito menor, seus efeitos oferecem algumas das melhores evidências que temos. Os nódulos polimetálicos foram descobertos em 1800, mas até recentemente só haviam despertado interesse científico Em alguns casos, os rastros foram deixados para trás por cientistas curiosos sobre o que aconteceria com um ecossistema intocado. Em outros, foram as próprias organizações de mineração emergentes, testando suas tecnologias de extração. Uma tentativa chegou a envolver, inclusive, a CIA, agência de inteligência americana. A Ocean Minerals Company (OMCO), um consórcio de grupos da indústria liderado pelo que agora é a Lockheed Martin, realizou testes de extração no Hughes Glomar Explorer. Este navio mais tarde ganharia fama por outros motivos — ele também carregava uma garra gigante projetada para uma tentativa secreta de içar um submarino russo do fundo do mar. Anos mais tarde, à medida que os planos para a mineração em alto mar se aceleravam e licenças exploratórias eram emitidas, os pesquisadores voltaram a esses locais no Pacífico para estudar os efeitos de longo prazo. O que eles descobriram é que, mesmo após décadas, a vida nessas trincheiras artificiais ainda não voltou ao normal. Em terra, a vida tende a brotar nas cavidades aradas de um campo, mas nas profundezas do mar, as trincheiras são relativamente estéreis. As criaturas que dependiam dos nódulos, agora removidos, não podem recolonizar. E outras, que requerem sedimentos moles para escavar e encontrar alimento, não podem viver nas superfícies compactadas artificialmente. "As comunidades desses nódulos nas planícies abissais serão especialmente vulneráveis ao risco de extinção causado pelos esforços para extraí-los", concluiu Lara Macheriotou, da Ghent University, na Bélgica, e seus colegas em um artigo publicado no início de 2020. E é possível, dizem os cientistas, que tais efeitos durem centenas ou até milhares de anos. A socióloga Barbara Adam propôs certa vez que o mundo pode ser pensado em termos de "timescapes" adjacentes, que são caracterizados por seu ritmo. Ela descreveu como as escalas de tempo industriais ou agrícolas se movem em um ritmo muito mais rápido do que as naturais e ecológicas. Todos esses regimes temporais estão interligados, mas quando um é forçado a se mover no ritmo do outro, o dano ambiental de longo prazo se torna um risco. Uma anêmona do mar e uma esponja agarrada a um nódulo polimetálico O timescape das profundezas do oceano é lento e paciente. Portanto, quando a humanidade envia seu maquinário para lá para remover recursos naturais submarinos, há dois regimes diferentes de tempo colidindo: o ritmo de uma planície abissal versus uma ânsia desenfreada e de curto prazo por novas tecnologias. A profundeza dos oceanos não poderia estar mais distante dos ecossistemas verdejantes e das sociedades apressadas que povoam os continentes. As temperaturas na planície abissal oscilam perto de zero, a pressão é esmagadora e quase não há luz. Os organismos que se agarram à vida sobrevivem com uma dieta de "neve marinha". Essa tempestade contínua de detritos orgânicos, geralmente digeridos três ou quatro vezes, cai da parte mais próxima da superfície do mar. "É um ambiente com baixa temperatura, pouca comida e pouca energia, e isso tende a definir o ritmo de vida", diz Jones. "Os animais não estão sujeitos às mudanças físicas extremas que você tem em águas rasas. Esta é provavelmente uma área onde qualquer distúrbio é duradouro." Mas, embora essas regiões possam parecer desertos do mar — certamente em comparação com os vibrantes corais de águas rasas tropicais —, elas são grandes reservatórios de biodiversidade e desempenham um papel vital no ciclo do carbono por meio do sequestro natural. "Muitos dos animais que vemos são novos para a ciência... e alguns organismos têm compostos ativos farmaceuticamente", diz Jones. No longo prazo, também há potencial para interação com a atividade pesqueira mais acima na coluna de água. "Há funções desempenhadas por essas comunidades que podem não se tornar valiosas por séculos em alguns casos." Ao contrário de outros residentes, os pepinos-do-mar podem se mover pela superfície dos sedimentos Muitas vezes não conseguimos ver a vida dentro deste vasto espaço, porque é muito pequena e dispersa demais para se capturar sua dimensão com uma fotografia. Não há megafauna carismática para exibir em cartazes. Mas a vida existe em uma diversidade impressionante e cobre metade do nosso planeta. Alguns podem argumentar que danificar a vida nas profundezas do oceano é um sacrifício que vale a pena ser feito, se comparado aos abusos de direitos humanos cometidos em minas na África. No entanto, é improvável que um tipo de mineração simplesmente substitua o outro, diz David Santillo, do Greenpeace Research Laboratories da Universidade de Exeter, no Reino Unido, que recentemente foi coautor de uma análise sobre mineração no fundo do mar e seus potenciais impactos publicada na revista científica Frontiers in Marine Science. "Há diferentes empresas envolvidas, diferentes mercados de certa forma, diferentes pressões por parte da demanda e incentivos... então, se a mineração no fundo do mar decolar, é mais provável que se torne simplesmente uma fonte adicional de minerais." Embora a importância da vida nas profundezas do oceano possa ser difícil de quantificar em termos morais ou econômicos, ela tem um valor intrínseco. E o fato de suas escalas de tempo lentas e de longo prazo serem interrompidas tão rápido deveria ser motivo para cautela, de acordo com os cientistas com quem conversei. Quanto às trilhas dragadas, se as futuras gerações um dia as encontrarem no fundo do oceano, elas terão perdurado por muito tempo além da vida útil do smartphone, laptop ou carro elétrico que ajudou a esculpi-las. Nas palavras de David Farrier, autor do livro Footprints, esses vestígios acabam por se tornar os "futuros fósseis". Na era do Antropoceno, Farrier argumenta que estamos deixando para trás heranças industriais, químicas e geológicas indesejáveis que persistirão por séculos. "Os futuros fósseis são nosso legado e, portanto, nossa oportunidade de escolher como seremos lembrados", escreve ele. Criaturas maiores são raras nesses ambientes "Eles vão registrar se continuamos imprudentes, apesar dos perigos que sabíamos que estavam à frente, ou se nos importamos o suficiente para mudar nosso rumo. Nossas pegadas vão revelar como vivemos para quem ainda estiver por aqui para descobri-las, sugerindo as coisas que estimamos ou negligenciamos, as jornadas que fizemos e a direção que escolhemos seguir." É possível que essas marcas possam ser interpretadas como um sinal contundente de nossos hábitos de consumo no início do século 21. "Se vamos ficar sem certos minerais, a menos que destruamos uma grande área do leito oceânico, então certamente este é o sinal para repensar o quão esbanjadores estamos sendo com os minerais que temos", diz Santillo. "Se o que acabamos fazendo com a mineração no fundo do mar é simplesmente estender os padrões de consumo insustentáveis por mais 30 anos, ou até mesmo acelerá-los trazendo ainda mais produtos para o mercado... não teremos mudado nada." Sentado em Londres enquanto escrevo este artigo, meu mundo é pequeno e de curto prazo, circunscrito às restrições do lockdown no Reino Unido e do home office. No entanto, minha mente vagou nas últimas semanas de volta às planícies abissais. Em uma época em que muitos dos mapas que vejo traçam a propagação do coronavírus, eis uma região do planeta que não poderia estar mais distante da pandemia. Talvez parte do que me atrai seja o extremo absoluto deste deserto oceânico. Provavelmente nunca vou conseguir ver com meus próprios olhos. Até mesmo os cientistas que o estudam agora usam câmeras operadas remotamente, em vez de descerem eles próprios até o leito do oceano. O fundo do mar, e a vida dentro dele, tem uma escala que desafia a imaginação, tanto espacial quanto temporalmente. Não é afetado pelo o que está acontecendo em terra — e isso é verdade há milênios. Outro tipo de rastro — uma espiral curiosa deixada por uma minhoca do mar, observada acima por uma água-viva No entanto, este pode ser o século em que isso vai mudar; onde deixaremos muito mais do que um ou dois fragmentos no fundo do oceano. Quando os pesquisadores falam sobre intervenções humanas no fundo do mar, uma palavra que costumam usar é "distúrbio". Na linguagem científica, se refere à suspensão e dispersão de pluma de sedimentos e os efeitos nas comunidades submarinas. Mas a palavra distúrbio tem outro significado — também é um transtorno irracional. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
6 perguntas para entender a alta nos preços da gasolina e do diesel | A gasolina ultrapassou a barreira dos R$ 4 nos postos de gasolina em dezembro de 2017 e, desde então, sobe de forma contínua e gradativa em todo o país. Influenciada pelo aumento do dólar e do petróleo, a escalada de preços dos combustíveis se intensificou neste mês, irritou consumidores e motivou uma greve de caminhoneiros, que estão parados desde segunda-feira. | Gasolina e diesel sofreram cinco reajustes consecutivos entre os dias 15 e 19 de maio A variação é reflexo da política de preços vigente desde 2016 na Petrobras, que passou a acompanhar as oscilações internacionais. Até 2015, os preços da gasolina e do diesel eram influenciados por decisões do governo, que chegou a usá-los como instrumento para controlar a inflação, com prejuízo bilionário para o caixa da estatal. Na última semana, depois de cinco dias consecutivos de reajustes, o governo chegou a cogitar novos mecanismos de controle e corte de impostos. Na noite de terça-feira, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, anunciou que a Cide, o tributo que tem menor peso sobre o preço nas bombas, seria zerada sobre o diesel. A BBC Brasil explica em seis perguntas por que a medida deve ter impacto limitado, os fatores por trás do aumento dos combustíveis e o cenário para os próximos meses. Por que o preço subiu tanto? Desde julho do ano passado, quando os preços da Petrobras passaram a acompanhar as oscilações internacionais, a variação do dólar e da cotação do petróleo são as principais influências sobre o valor praticado nas refinarias. Fim do Talvez também te interesse Hoje, a trajetória desses dois preços é desfavorável para os consumidores de combustível brasileiros, explica o economista da MacroSector Consultores Fabio Silveira. O petróleo, depois de dois anos em mínimas recordes, vem ficando mais caro desde junho de 2017. Na semana passada, o barril do tipo Brent, negociado na bolsa de Londres, atingiu o maior valor desde 2014, US$ 80, pressionado pelas incertezas em dois grandes produtores, o Irã, que voltou a ser alvo de sanções pelos EUA, e a Venezuela, mergulhada em uma crise política e econômica. No início de 2016, o preço do barril chegou a US$ 30. O dólar, por sua vez, tem ficado mais caro diante do aumento dos juros nos Estados Unidos - à medida que ele eleva a rentabilidade dos ativos americanos, considerados mais seguros, estimula a saída de dólares de mercados como o Brasil. Esses dois movimentos explicam porque, entre fevereiro e maio, o preço da gasolina que saiu das refinarias para as distribuidoras saltou de R$ 1,57 para R$ 2,08 e o do diesel, de R$ 1,81 para R$ 2,37. Nas bombas, a alta foi de R$ 4,12 para R$ 4,28 para a gasolina e de R$ 3,38 a R$ 3,59 para o diesel, de acordo com os números da Agência Nacional do Petróleo (ANP), que acompanha os preços em todo o país. Entre julho de 2017, quando a política de preços da Petrobras permitiu que os reajustes nos preços fossem diários, e abril deste ano, a gasolina ficou quase 30% mais cara, calcula o economista Walter de Vitto, da Tendências Consultoria. Colocando os números preliminares do mês de maio na conta, o aumento salta para 46%. Como era antes? Entre 2011 e 2015, a variação dos preços internacionais era repassada de forma defasada aos preços dos combustíveis no país, um mecanismo usado pelo governo para tentar segurar o aumento da inflação. Quando a conjuntura internacional era desfavorável, a Petrobras chegou a importar combustível mais caro e vendê-lo mais barato no mercado interno. Essa diferença gerou uma série de prejuízos para o caixa a estatal - uma conta que passou de R$ 75 bilhões no fim de 2014. A política orientada para o controle da inflação é apontada como uma das principais responsáveis pelo alto nível de endividamento da Petrobras no período, que chegou a US$ 124 bilhões. Como é formado o preço da gasolina? Os valores praticados pela Petrobras são aproximadamente um terço do preço pago pelo consumidor nos postos. Do total, 11% é o custo do etanol, que, por lei, deve compor 27% da gasolina comum, e 12% corresponde aos custos e lucro dos distribuidores, conforme os cálculos da Petrobras, que levam em conta a coleta de preços entre os dias 6 e 12 de maio em 13 regiões metropolitanas do país. Cerca de 45% são tributos, sendo 29% ICMS, recolhido pelos Estados, e 16% Cide e Pis/Cofins, de competência da União. Os tributos federais são cobrados como um valor fixo por litro - o de Pis/Cofins, por exemplo, é de R$ 0,7925 por litro de gasolina; a Cide, de R$ 0,10 por litro. O ICMS, por sua vez, é um percentual sobre o preço de venda - ou seja, cada vez que ele sobe, os Estados recolhem mais impostos. "Combustível é um excelente instrumento de arrecadação, já que a demanda não varia tanto quanto o preço", pondera De Vitto, da Tendências. Como o governo poderia interferir? Basicamente de duas formas: cortando impostos ou mudando a política de preços da Petrobras - duas possibilidades desaconselhadas por economistas e especialistas no setor de óleo e gás. Na última semana, depois de cinco dias de reajustes consecutivos nos preços, o governo chegou a cogitar ambas as saídas, gerando reações negativas da equipe econômica e da Petrobras, e acabou decidindo zerar a Cide. Na terça-feira, pouco depois de a Petrobras anunciar redução nos preços dos combustíveis nas refinarias, motivada pela queda do dólar, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, e o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco - que havia declarado que o governo poderia discutir mudança na política de preços da estatal - se reuniram para discutir a questão. Na saída do encontro, Guardia declarou que não havia espaço para cortar impostos, diante da dificuldade de equilibrar as contas públicas, e Parente destacou que o mecanismo de reajuste não seria alterado. O presidente da Petrobras, Pedro Parente, é um crítico contundente de interferências políticas na estatal Mais tarde, contudo, o ministro da Fazenda anunciou que a Cide seria zerada para o diesel e que a perda de arrecadação do governo com a medida seria compensada pela reoneração da folha de pagamentos das empresas, medida que tramita na Câmara e que os deputados teriam se comprometido a aprovar como contrapartida ao corte. "Acabaram mexendo no imposto que tem menos impacto para o consumidor", diz De Vitto, da Tendências. A Cide é cobrada como um valor fixo, de R$ 0,05 por litro de diesel, com impacto de cerca de 2% sobre o preço. Apesar de a carga tributária sobre os combustíveis ser alta, economistas avaliam que este não seria o momento ideal para cortar impostos por causa da situação frágil das contas do governo, que não permitiria que ele abrisse mão de fontes de receita. Uma eventual influência na política de preços da Petrobras para baixar "à força" os preços, por sua vez, seria ainda pior, com impacto negativo sobre o processo de recuperação da empresa. "A ideia de intervir foi objeto de muita crítica no governo Dilma e deveria ter sido superada faz tempo", pondera o economista da Tendências. "Esse tipo de coisa acabou com o caixa da Petrobras e provocou um 'tarifaço' em 2015, quando os preços voltaram a flutuar", concorda a professora da Coppead/UFRJ Margarida Gutierrez. Para ela, contudo, fariam sentido mudanças que tornassem mais transparentes as regras de reajuste de preços e que fixassem uma periodicidade para as mudanças - por exemplo, a cada 15 dias. "Os preços de fato estão flutuando demais". Os preços podem aumentar mais? O cenário para a cotação do petróleo e o comportamento do câmbio, diz De Vitto, indicam que os preços de combustível devem continuar pressionados até o fim do ano. Preço do petróleo deve continuar elevado no mercado internacional até o fim de 2018 De um lado, o barril de petróleo parmaneceria no patamar entre US$ 75 e US$ 80 nos próximos meses, enquanto o real manteria a tendência de desvalorização pelo menos até as eleições, uma das fontes de incerteza que têm tido impacto sobre o câmbio. "A gente caminha para um período de preços altos de combustíveis", concorda Silveira, da MacroSector. O etanol pode ser alternativa? O alívio que o etanol pode dar em momentos como o atual é limitado, acrescenta o economista. Em algumas regiões, a alta nos preços de derivados do petróleo pode até fazer o combustível valer a pena financeiramente. "Mas as usinas de álcool estão fundamentalmente concentradas no Sudeste e Centro-Oeste. No Nordeste, o preço acaba sendo bem mais elevado", pondera. Em geral, o uso do álcool é vantajoso quando seu valor for menor que 0,7 vezes o da gasolina. A "janela" para transformar o álcool em combustível relevante no país, ele afirma, se fechou alguns anos atrás. O setor está em crise há uma década - a política de controle de preços da gasolina acabou diminuindo a demanda por etanol - e ainda hoje registra número elevado de falências e recuperações judiciais. A isso se soma o fato de que não há mercado internacional para o combustível - Brasil e Estados Unidos, basicamente, o produzem em larga escala - e de que a perspectiva de crescimento do mercado doméstico no médio e longo prazo é pequena, diante da expectativa de participação maior de veículos elétricos na frota nacional. |
Fracassam novas negociações com roteiristas dos EUA | A mais recente tentativa de acabar com a greve dos roteiristas de cinema e TV dos Estados Unidos fracassou na noite de sexta-feira, após reunião entre representantes da classe e dos grandes estúdios, em Los Angeles. | A paralisação já dura cinco semanas, interrompendo a produção de dezenas de programas de TV e atrasando vários filmes. Tanto os grevistas quantos os estúdios se culpam mutuamente pela estagnação das negociações. Os roteiristas reivindicam participação na comercialização de seus trabalhos em DVD ou pela internet. Acusações A Aliança de Produtores de Cinema e Televisão, que reúne os estúdios empregadores, disseram que a última rodada de negociações falhou porque "os sindicatos têm uma estratégia para atrasar e atrapalhar as conversas". Mas, em uma carta a seus membros, o principal sindicato de roteiristas acusa a Aliança de Produtores de demorar em colocar novas propostas na mesa. A disputa cada vez mais acirrada resultou na suspensão de vários dos programas mais populares dos Estados Unidos. Os talk-shows noturnos, que dependem dos roteiristas para fazer piadas com as notícias do dia, estão fora do ar desde o início da greve, em um prejuízo de milhões de dólares para a indústria. |
Por que Clarice Lispector, uma escritora de difícil leitura, é uma das autoras brasileiras mais citadas na internet | Comparada a Virgínia Woolf e James Joyce, considerada hermética, permeada por experimentação linguística, entrelinhas e "silêncios", com enredo praticamente inexistente e quebra das regras de pontuação — romance iniciando com vírgula e terminando com dois pontos, por exemplo — a obra de Clarice Lispector (1920-1977) não é de fácil leitura. | Muito citada nas redes sociais, Clarice completaria 100 anos hoje Ainda assim, a escritora, cujo nascimento completa 100 anos hoje, dia 10 de dezembro, é uma das mais citadas na internet — mesmo que, paradoxalmente, muitos dos textos e frases atribuídos a ela não sejam seus. Em seu livro Para amar Clarice - Como descobrir a apreciar os aspectos inovadores de sua obra, a escritora e professora de literatura Emilia Amaral escreveu que Clarice Lispector "viveu e escreveu sob os signos da fascinação e paradoxo: adorada por muitos, eleita como objeto de várias tendências críticas, ao mesmo tempo avessa a diferenciações de gênero, entre outras categorias classificatórias. Bastante citada, adulterada, popularizada por um viés pseudofilosofante, a escritora é simultaneamente considerada hermética". Nascida Chaya (ou Haya, para alguns) Pinkhasovna Lispector, em Chechelnyk, na Ucrânia, ela chegou ao Brasil ainda bebê, em 1922, com sua família que fugia para o Brasil devido à perseguição aos judeus depois da Revolução Russa de 1917. Os Lispector chegaram a Maceió, de onde mudaram para Recife, em 1924, e daí para o Rio de Janeiro, em 1935, cidade em que se estabelecem definitivamente. Fim do Talvez também te interesse No Brasil, os membros da família aportuguesaram seus nomes. O pai Pinkhas ou Pinkhouss passou a ser Pedro, e a mãe Marian ou Mania transformou-se em Marieta. Das filhas, Leah virou Elisa; Tcharna, Tânia; e Chaya, Clarice. Casada com um diplomata brasileiro, a escritora morou fora do país de 1944 a 1959 (Itália, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos), quando se separou e retornou ao Brasil, onde viveu até sua morte, em 9 de dezembro de 1977, um dia antes do seu aniversário de 57 anos. Em relação à obra de Clarice, Noeli Lisbôa, mestre em Teorias do Texto e do Discurso, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diz que nos romances praticamente não há enredo. "De tal modo que a escritora afirma em Água Viva: 'gênero não me pega mais', porque ela rompe realmente com a estrutura dos gêneros literários", explica. "O que me interessa realmente na Clarice é o questionamento que ela faz da linguagem, de seus limites, de sua incapacidade de expressar a vivência humana. Há duas frases dela que são expressivas disso: 'Viver não é relatável' e 'A realidade não tem sinônimos'. A obra dela me parece extremamente importante, porque é inovadora exatamente neste questionamento que faz da linguagem." Segundo Amaral, autora do livro sobre Clarice, o que se destaca em sua obra é a interioridade das personagens, seus movimentos de alienação e de busca de transcendência. "A palavra 'clariceana' quer ser a coisa que ela representa, daí a linguagem ser toda permeada por entrelinhas, por meio das quais se pretende ir além do dito", explica, em entrevista à BBC News Brasil. "Trata-se de uma literatura metalinguística, que se indaga enquanto se realiza, conquistando tanto pelo processo do escrever quanto pelo produto: o texto." Para o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, Antônio Marcos Vieira Sanseverino, na obra Clarice, há um voltar-se para dentro de si, para a experiência interior, para o impacto das coisas no mundo na subjetividade de suas personagens. Para professor Antônio Marcos Vieira Sanseverino, na obra Clarice, há um voltar-se para dentro de si, para a experiência interior, para o impacto das coisas no mundo na subjetividade de suas personagens "Tal experiência interior, radicalmente posta, é desagregadora, pois revela a estranheza de cada um, aquilo que não corresponde aos papeis sociais vividos na rotina", explica. "Em Clarice, é uma experiência de linguagem, ou de busca de uma linguagem capaz de dar conta dessa estranheza." O professor Arnaldo Franco Jr., da Universidade Estadual Paulista (Unesp), diz que Clarice Lispector está entre os grandes criadores no campo da literatura. "Sua obra, marcada pelo hibridismo de gêneros, pela experimentação linguística, pela afirmação de uma ótica feminina contribuiu para ampliar os valores temático-formais do sistema literário brasileiro", explica. "Pode-se dizer que, a partir da tradução de seus textos, ela afetou também literaturas de outros países. Ela faz uma literatura que perturba o leitor, instalando uma perspectiva crítica em relação aos esquematismos, que coisificam o viver e alienam o ser humano do contato vigoroso consigo próprio, com o outro, com a vida." De acordo com ele, talvez a grande marca da obra de Clarice Lispector seja a afirmação da liberdade de criar sem subordinação a normas, critérios e parâmetros idealizados do que deva ser o texto literário. "Junto dessa afirmação, que afeta os planos temático e formal de sua literatura, afirma-se, também, uma desconfiança permanente em relação à linguagem, aos jogos de poder e hierarquia estabelecidos entre o eu e o outro, a valores e práticas idealizados socialmente", acrescenta. Citações Com essa complexidade toda de sua obra, muitos se perguntam por que ela é uma das campeãs de citações na internet. Há várias hipóteses. "Isso ocorre porque há trechos de Clarice que, retirados do contexto, podem ser lidos como mensagens edificantes, lições de vida que, na maioria das vezes, dão a impressão de simplificá-la", explica Franco Jr. "Mas em vez disso, em geral, a adulteram e criam equívocos a respeito de sua arte." De acordo com Sanseverino, há dois tipos de leitura para essa enxurrada de citações. "Na apresentação da nova edição do romance Água Viva, é contado que Cazuza teria lido a obra umas 111 vezes", diz. "Como Clarice traz para primeiro plano de sua obra, uma experiência de linguagem que nos leva a colocar em xeque os padrões, sejam quais forem, quem busca se realizar fora do lugar social pré-determinado de família, de classe social, de gênero, tende a se encontrar na obra dela." Clarice publicou 18 livros, entre romances, contos e crônicas O segundo tipo de leitura, diz ele, é o das frases feitas, retiradas do contexto, que ganham a feição de máximas, provérbios, ditos. "Ela tem, de fato, frases lapidares", diz. "Assim, parece que há uma busca de epigramas 'clariceanos', que sirvam para etiquetar uma vivência. Daí a autoridade da escritora, com a aura do mistério e de suas epifanias, em contribuir para a citação." Para Franco Jr., a popularidade de Clarice na internet é um fenômeno que afeta a obra dela e, também, outros escritores e poetas, como, por exemplo, Caio Fernando Abreu, Carlos Drummond de Andrade e Luís Fernando Verissimo. "As pessoas recortam trechos que as impactaram e lançam nas redes sociais", diz. "Descontextualizados, esses trechos acabam funcionando como máximas, 'ensinamentos' ou autoajuda. Qualquer obra literária está sujeita isso. Talvez uma outra razão para a escolha da obra de Clarice para este tipo de procedimento esteja no fato de que se trata de uma literatura marcada pela cogitação existencial." A proliferação de citações de textos ou frases de Clarice Lispector, sejam dela mesmo ou atribuídas erradamente a ela, pode ser, no entanto, uma faca de dois gumes para a divulgação e conhecimento de sua obra. "É bom e ruim ao mesmo tempo", diz Franco Jr. "O aspecto positivo está na própria divulgação do nome e da obra literária de Clarice Lispector, pois isso pode atrair novos leitores, gente que buscará ler os contos, os romances, as crônicas." O lado negativo, segundo ele, diz respeito às distorções que isso pode gerar, como descontextualização e perda do sentido crítico dos textos, redução da obra à condição de texto de autoajuda, atribuição de falsa autoria a textos que ela nunca escreveu. "Esse aspecto negativo cria episódios constrangedores, com pessoas citando textos falsos que ela nunca escreveu, por exemplo", explica. "E a atribuição de falsa autoria, a depender das circunstâncias, pode resultar em processo jurídico." Para Lisbôa, da UFGRS, é sempre ruim quando textos são atribuídos equivocadamente a determinados autores porque isso não contribui em nada para o conhecimento da obra de ninguém. "Quando é uma obra boa, isso se caracteriza como uma injustiça ao verdadeiro autor; quando é uma obra ruim se configura uma injustiça com aquele a quem ela é atribuída." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
5 maneiras de saber se o azeite que você compra não é uma fraude | O azeite é valorizado na culinária há milênios mas, no mundo contemporâneo, a falta de conhecimento sobre cada passo da longa cadeia de produção que vai desde a colheita da azeitona nas plantações até a chegada do azeite engarrafado às prateleiras dos supermercados, faz com que muitos consumidores em todo mundo estejam comprando "gato por lebre". | A Comissão Europeia incluiu o azeite de oliva em uma lista de produtos mais adulterados "A fraude no mercado do azeite de oliva existe há muito tempo", explica à BBC Susan Testa, diretora de inovação culinária da fábrica italiana Bellucci. "É possível mesclá-lo com outros tipos de óleo". Alguns órgãos, como o Conselho Oleícola Internacional, regulam a venda do produto - monitorando uma série de propriedades químicas e organolépticas (relacionadas com as sensações provocadas pelo produto, como a partir da cor, textura e aroma). Mas, apesar do controle, ações fraudulentas persistem. A Comissão Europeia, por exemplo, incluiu o azeite em uma lista de produtos frequentemente adulterados; no Canadá, a Agência de Inspeção de Alimentos alertou em fevereiro que safras ruins de azeitonas podem causar um aumento de óleos fraudulentos no país. Fim do Talvez também te interesse Órgãos da Europa e do Canadá já alertaram para a frequência da adulteração de azeites A situação pode ficar ainda mais complicada dado que a produção na Itália acentuadamente devido às más condições climáticas e à disseminação da bactéria Xylella fastidiosa. Para detectar se o azeite que você compra é genuíno, Susana Romera, diretora técnica da Escola Superior de Azeite (ESAO), na Espanha, oferece cinco recomendações que podem ser úteis na hora de escolher um produto. Passo 1 Verifique se o azeite que você quer comprar tem "sobrenome": se não disser "virgem", "extra" ou "extra-virgem" no rótulo, provavelmente trata-se de uma mistura, nem sempre de boa qualidade. O azeite extra-virgem é a categoria mais alta, o que lhe custará um pouco mais - mas vale à pena. Passo 2 Procure no rótulo a data em que as azeitonas foram colhidas. Se a informação existir, significa que a empresa tem alguma seriedade. E obviamente é melhor que a data seja a mais recente possível. Por exemplo, se você for comprar por agora, é bom que a data da colheita seja algo como "2018-2019". Passo 3 Olhe na garrafa com que tipo de azeitonas o óleo foi feito. Pode ser que ele seja monovarietal (de uma única variedade), ou pode ser uma mistura, isto é, uma combinação de diferentes variedades de azeitonas. Em ambos os casos, tudo bem. O que importa é estar evidente que, na composição, há um tipo ou mais de azeitonas - e não uma mistura com outras fontes de gordura, como óleo vegetal. Passo 4 O preço do azeite virgem ou extra-virgem deve estar em uma faixa razoável. Se for muito baixo, desconfie. Fazer azeite tem um custo, e se ele for pouco, aumente a desconfiança. Preço baixo deve ser sinal de alerta para a qualidade do azeite Passo 5 Esta última checagem não é possível ser feita sem abrir a garrafa. O azeite virgem ou extra-virgem autêntico deve ter aromas que lembrem a natureza, como frutas, grama, flores... Mas, em nenhum caso, o produto deve ter cheiros estranhos ou desagradáveis. Outros especialistas acrescentam algumas dicas, como garantir que a garrafa seja de vidro escuro (porque ajuda a manter a qualidade do produto) ou que o rótulo indique claramente o local de origem - em vez de, por exemplo, usar subterfúgios como destacar apenas o país de onde foi importado. Alguns também aconselham verificar se o rótulo traz o grau de acidez. Os melhores óleos têm nível mais baixo de acidez (idealmente menos de 0,8%). A fraude é uma realidade Nos últimos cinco anos, o clima na região do Mediterrâneo afetou a produção das olivas - causando um aumento nos preços, seguido por uma diminuição no consumo. De acordo com o Conselho Oleícola Internacional, houve uma queda no consumo mundial de azeite perto de 6% no período entre 2016 e 2017 - na Europa, a queda chegou a 12%. Precisamente esse tipo de circunstância pode abrir espaço para a adulteração de alguns produtos. "À medida que o consumidor final ou a população não sabe avaliar a qualidade de um produto, as empresas sempre tentam vender a você a qualidade mínima ao preço máximo", diz Romera. No entanto, a especialista diz que há uma rastreabilidade "cada vez mais rigorosa" de toda a cadeia produtiva de azeite. E embora as últimas safras não tenham sido das melhores, alguns analistas projetam perspectivas mais otimistas para o setor. Segundo a consultoria Hexa Research, o mercado mundial de azeite será impulsionado nos próximos anos pelo consumo da geração conhecida como millenial e de países como Austrália, Japão, Índia, China e Estados Unidos. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Saúde pública: Como o RJ chegou a uma de suas piores crises no ano dos Jogos | A pouco mais de seis meses do início das Olimpíadas, o Estado do Rio de Janeiro enfrenta uma de suas piores crises financeiras, espelhadas na situação do sistema de saúde pública, com filas, unidades em funcionamento irregular, salários atrasados, reclamações e o estado de emergência decretado pelo governador no setor dois dias antes do Natal. | Manifestantes protestam diante do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no Rio Leia também: Por que os países do Ocidente evitam criticar a Arábia Saudita? Leia também: Qual é o potencial de destruição da bomba H que a Coreia do Norte diz ter testado? Com repasses e auxílios emergenciais da União e da Prefeitura do Rio, a saúde fluminense recebeu R$ 387 milhões em ajuda na última semana do ano, mas segundo o novo secretário, que assumiu a pasta na segunda-feira, somente o setor acumula R$ 1,4 bilhão de deficit. Já o orçamento total do Estado tem atualmente R$ 3 bilhões de deficit e o proposto para 2016, de R$ 79 bilhões, tem rombo de R$ 14 bilhões que precisa ser coberto através de receitas extraordinárias. Fim do Talvez também te interesse O Palácio Guanabara atribui o caos na saúde pública à falta de recursos em caixa, gerada pela redução na arrecadação, queda do preço do petróleo e a crise da Petrobras, que mantém a maioria de suas operações no Estado, além dos reflexos da crise nacional. Especialistas, no entanto, apontam que outros fatores levaram à crise, entre eles falhas de gestão das finanças públicas, a ausência de um fundo soberano com excedentes dos royalties do petróleo e os próprios Jogos Olímpicos, que trazem vantagens e desvantagens para o Estado. Veja quatro pontos-chave elencados pela BBC Brasil para entender a crise no Rio de Janeiro: 1. Receitas, despesas e crise nacional Consultado pela BBC Brasil, o governo do Estado destacou a queda da arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), que estava prevista para R$ 38 bilhões neste ano, mas deve ficar em torno de R$ 32 bilhões. Em outubro de 2015, o valor caiu 16% ante o mesmo mês de 2014, e em novembro a redução foi de 14%. O Rio de Janeiro diz ter começado 2015 com deficit de R$ 13,5 bilhões e que, ao longo do ano, foram aprovados 14 projetos de lei na Alerj que até o momento geraram quase R$ 12 bilhões em receitas extraordinárias, restando cerca de R$ 3 bilhões de deficit. Leia também: TCU e MPF cobram acesso a contratos olímpicos e orçamento do Comitê Rio 2016 Pedro Jucá Maciel, economista com pós-doutorado em finanças públicas pela Universidade de Stanford (EUA), diz que o RJ, assim como outros Estados, amarga o reflexo da crise no país e a impossibilidade de contrair novos empréstimos. "O governo federal reduziu IPI e outros tributos, diminuindo repasses. A crise também reduziu a arrecadação de ICMS. O problema é que apesar de as receitas despencarem, os Estados continuaram expandindo gastos, contando com a possibilidade de maior endividamento permitida pela União, o que mudou a partir de 2012", explica. Com a proibição de novos empréstimos, os Estados passaram a cortar. "Na prática, isso vai significar falta de gasolina para viaturas policiais, impactos na saúde pública, cortes em repasses para universidades estaduais. São cortes desesperados, quando já não se tem de onde cortar mais", acrescenta. A questão do ICMS é ainda mais delicada para o Rio de Janeiro, onde a alíquota foi reduzida contando com os recursos provenientes do petróleo. "Em comparação com Estados como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, onde o ICMS está em quase 8% do PIB, no RJ baixou-se a alíquota e este tributo arrecada hoje cerca de 5,5% do PIB. O Estado se comportou como uma Arábia Saudita, com recursos provenientes do petróleo tão altos a ponto de ser possível se dar ao luxo de baixar impostos", diz Marcelo Portugal, economista e professor da UFRGS. 2. Preço do petróleo e fundo soberano Uma característica que diferencia o Rio é a alta dependência do petróleo, commodity que rendeu grandes dividendos ao Estado nos últimos dez anos, em épocas de preço do barril a US$ 110 (até 2014). Em 2015 o valor do barril caiu para US$ 40. Leia também: 'Olimpíada é oportunidade perdida', dizem urbanistas sobre Rio 2016 "O Rio de Janeiro recebeu recursos dos royalties e também da participação especial, em casos de poços muito grandes, como o campo de Marlim, em Macaé. Começou a entrar muito dinheiro, e a arrecadação subiu muito", diz Marcelo Portugal. Para ele, no entanto, o Estado deveria ter copiado modelos como o da Noruega e do Chile, também dependentes da produção de petróleo e de cobre, respectivamente, onde o governo criou fundos soberanos para momentos de crise. "Nestes lugares, quando o preço da commodity está em alta, deposita-se o excesso no fundo. Ou seja, faz-se uma poupança em épocas de 'vacas gordas' que pode ser sacada em tempos de 'vacas magras', porque sabe-se que o preço pode abaixar. O Rio, ao contrário, se comportou como a Venezuela, torrou todo o dinheiro, e agora está em crise", diz Portugal. Questionado pela BBC Brasil, o secretário de Fazenda do Rio, Julio Bueno, rejeitou comparações com a Venezuela e disse que o Estado também utiliza recursos dos royalties na Previdência, mas admitiu a inexistência de um fundo soberano para os recursos excedentes do petróleo. "Não há comparação possível entre ambos. Na verdade, especialmente em momentos de crise, as críticas acabam sendo como as de jogo de futebol, é confortável comentar uma partida já jogada. Concordamos com a necessidade de criação de um hedge (fundo) para o petróleo no Estado, pelo forte peso do setor na economia fluminense. Estamos estudando como isso poderá ser feito", disse. 3. Falhas na gestão das finanças públicas Para os especialistas consultados pela BBC Brasil há consenso de que houve importantes falhas de gestão que contribuíram de forma significativa para a derrocada das finanças do Estado. Pedro Jucá Maciel diz que casos como o do Rio se encaixam no que os economistas classificam de "maldição dos recursos naturais". Leia também: Escândalo da Petrobras 'engoliu 2,5% da economia em 2015' "Com a arrecadação extra proveniente da extração das commodities aumentam as despesas com a máquina estatal, a folha de pagamento cresce exageradamente, aumenta a corrupção, os cargos comissionados, e incorpora-se o recurso do petróleo às receitas para o custeio geral do Estado", explica. Royalties em extração de poços de petróleo renderam grandes dividendos ao RJ "A boa gestão pública, no entanto, leva em conta o fato de que o preço da commodity é variável e de que não se trata de um recurso permanente", indica. Gil Castello Branco, diretor da ONG Contas Abertas, diz que os Estados foram afetados pela crise nacional, mas foram igualmente irresponsáveis. "Eles têm culpa também. Deram aumentos de salário generosos em 2014, no ano das eleições para governador, quando já havia sinais muito claros de que a economia estava em crise. Contrataram, expandiram gastos, não se ajustaram. É uma irresponsabilidade coletiva", avalia. Em resposta às críticas, o secretário de Fazenda, Julio Bueno, disse à BBC Brasil que a redução de arrecadação do ICMS foi um "tombo inimaginável". Ele também confirmou que o recebimento de royalties do petróleo deve ficar 60% abaixo do previsto, e classificou a crise como um "tsunami". "Vivemos uma crise sem precedentes no país, que tem a imprevisibilidade como uma das principais e mais perversas características. É uma tragédia, um tsunami que atingiu o Brasil e teve forte impacto no Rio de Janeiro", avalia. Quanto aos salários de servidores estaduais, o governo disse que os dividendos estão regularizados e que os salários referentes a novembro foram pagos em duas parcelas. Já a segunda parcela do 13º salário foi dividida em cinco vezes, mas os servidores estão tendo acesso a empréstimos para antecipá-las, e os encargos correrão por conta do governo. O governo disse ainda que apresentou comprovação à Justiça de que executou 12% do orçamento com a saúde, em cumprimento às leis federais. Para Ligia Bahia, especialista em saúde pública e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFRJ, mesmo quando a arrecadação estava em alta a saúde pública do Estado era de "péssima qualidade". Ela diz que falta planejamento, transparência, e a noção de que não se trata de uma "crise episódica" apenas, mas sim de um problema crônico, de décadas, num Estado que já viveu momentos semelhantes no passado, como em 2005, quando a União teve de fazer uma intervenção federal no RJ, com hospitais de campanha da Aeronáutica e federalização de unidades. "A queda da arrecadação não justifica o colapso total dos serviços estaduais de saúde. Eu vejo que caracterizar a discussão apenas como 'crise' não ajuda a saúde do Rio de Janeiro, porque visa soluções emergenciais que servem para apagar incêndios", diz. 4. Impacto dúbio das Olimpíadas Embora as previsões de continuidade da recessão em 2016 e 2017 atinjam todos os Estados, o Rio tem outra particularidade. Leia também: Capa da 'Economist' prevê 2016 'desastroso' para o Brasil e culpa Dilma Com início marcado para o dia 5 de agosto, os Jogos Olímpicos devem trazer tanto vantagens quanto desvantagens para as finanças e a crise fluminenses. Olimpíada traz vantagens e desvantagens para a crise no RJ, apontam analistas "As Olimpíadas trarão um incremento à economia do Estado, com o maior influxo de turistas. Pode ajudar um pouco. Por outro lado vai ser mais difícil fazer reduções de despesas, apesar de muitas das obras olímpicas serem de responsabilidade municipal", diz Marcelo Portugal, da UFRGS. Por outro lado, Portugal diz que o fato de o Rio de Janeiro sediar os Jogos dá ao governo estadual um poder de barganha maior por mais verbas em Brasília, já que não é do interesse da União que o país passe vexame diante da comunidade internacional. Para o economista Pedro Jucá Maciel o RJ ficou atrelado aos grandes eventos, o que torna ainda mais difícil reduzir despesas. "Com obras relacionadas à Copa e às Olimpíadas, é evidente que o Estado tem mais dificuldade de fazer cortes do que os outros", diz. |
Brasil terá de ‘redobrar atenção’ contra invasões na Amazônia, diz pesquisador | Ao criar facilidades para a transferência de propriedades públicas aos posseiros nas terras da Amazônia Legal, por meio da Medida Provisória 458, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada, o governo “estimula a cultura de que vale a pena ocupar a terra”, diz o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). | Medida Provisória 458, sancionada por Lula, regularizou terras na Amazônia Segundo Barreto, o governo terá de redobrar a atenção com as terras que ainda não foram ocupadas. “Se ele (governo) não quer repetir daqui a alguns anos essa mesma medida, terá de tomar muito cuidado com as terras públicas, que ainda não estão ocupadas”, diz o especialista. De acordo com Barreto, a situação torna-se ainda mais preocupante na medida em que o governo faz novos investimentos em infraestrutura na região amazônica. “Ou seja, dando mais acesso à região”, diz. O pesquisador do Imazon vê de forma “positiva” o fato de o presidente Lula ter derrubado os artigos mais polêmicos da MP 458, que haviam sido incluídos pelos deputados. “Mas ainda assim há pontos negativos. As terras deveriam ser vendidas a preço de mercado”, diz. A seguir, trechos da entrevista com Paulo Barreto. BBC Brasil - Havia dois pontos polêmicos no texto da MP 458, que foram vetados. O resultado final foi positivo, em sua opinião? Paulo Barreto - A forma original da MP já continha vários pontos negativos e na Câmara foram acrescentados outros que pioraram a situação. A remoção de parte do que foi introduzido é positivo. Mas há pontos negativos ainda. BBC Brasil - Quais pontos, por exemplo? Barreto - Eu apontaria a regularização das terras a um custo muito baixo para o posseiro. Isso valida um modelo que está na cultura das pessoas de que vale a pena ocupar a terra ilegalmente, que o governo sempre vai criar condições para regularizá-la e, muitas vezes, em condições muito favoráveis. O posseiro terá 30 anos para pagar, o que acaba constituindo um subsídio. Isso cria uma expectativa de que isso pode ser repetido no futuro. É um modelo que se repete e cria a expectativa de que o governo sempre dará um jeito. BBC Brasil - Que grande mudança deveria ter sido feita? Barreto – Minha avaliação é de que todo mundo deveria pagar preço de mercado e pagar à vista. Você tem que tirar os subsídios que acabam incentivando um modelo para as pessoas continuarem ocupando. BBC Brasil - Mas isso não inviabilizaria a reforma fundiária? Barreto - Há uma questão curiosa nesse debate. O governo argumenta que essas pessoas estão lá há muito tempo e, portanto, têm certos direitos. Se elas estão lá há muito tempo, elas estão capitalizadas. Estão há anos explorando a terra, sem nem pagar aluguel. Ou seja, usaram essa terra durante anos gratuitamente. Dizer agora que essas pessoas não têm dinheiro para pagar é uma loucura, significa que o Brasil está jogando recursos no lixo. Não há justificativa para a doação ou para vender as terras abaixo do preço de mercado. Se as pessoas estão lá há muito tempo, significa que teriam de pagar até mais. BBC Brasil - Agora que a lei já está em vigor, o que será a grande dificuldade para colocá-la em prática? Barreto - A lei diz respeito às áreas onde já está acontecendo o desmatamento. As condições de fiscalização são as mesmas de hoje: não são ideais, o governo aplica as multas, mas tem um problema grave, de falta de punição. Esse é até um aspecto positivo da lei: ao regularizar a situação dos posseiros, o governo facilitará a punição. O que é muito importante fazer paralelamente à lei, e não vejo uma medida clara sobre isso, é o que fazer com as terras que não foram ocupadas ainda. Já que o governo está validando um modelo de “ocupa que depois a gente regulariza” e se ele não quer repetir daqui a alguns anos essa mesma medida, terá de redobrar a atenção com as terras públicas, que ainda não estão ocupadas. Isso é especialmente importante agora que o governo está prometendo e fazendo novos investimentos em infraestrutura, ou seja, dando mais acesso à região. BBC Brasil - Existe ainda o argumento de que o posseiro é um criminoso e que, portanto, deveria ser retirado da região e não beneficiado. Vocês trabalham com essa visão também? Barreto - Existem dois blocos de casos e o governo não tem tido a capacidade de separar o joio do trigo. Tem gente que, de fato, veio para a região com incentivos do governo , com a expectativa de que essas posses seriam regularizadas. Nesse tipo de caso, é necessário que o governo regularize. Mas teve também muita gente que chegou depois, quando o governo não oferecia mais qualquer incentivo. O ideal era que o governo fizesse essa separação. Uma forma seria não regularizar quem chegou mais tarde. A lei permite a regularização de quem chegou até dezembro de 2004, o que é muito recente. BBC Brasil - Como que você analisa a nova lei no contexto da política ambiental brasileira? É correto dizer que o meio ambiente está em segundo plano? Barreto - No ano passado, o governo tomou medidas duras contra o desmatamento. Inclusive, proibindo o crédito para quem não tivesse a documentação, o que teve uma reação grande, pois justamente muita gente não tinha documentação. Essa nova lei é uma tentativa de ajustar quem já tinha ocupado ilegalmente, para que tivesse a possibilidade de se regularizar. Como há demandas contraditórias da sociedade, o governo fica em um movimento pendular. Às vezes agrada para um lado, às vezes agrada para outro. Isso é reflexo da falta de uma visão mais integrada de que como tratar a questão da Amazônia. E essa não é uma tarefa para ministério, e sim para o presidente. |
Com que polícia fica o caso Marielle? A queda de braço entre Bolsonaro e Witzel | Mais de 600 dias após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e de seu motorista Anderson Gomes, a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ainda não conseguiram elucidar o crime. | Homenagens à vereadora assassinada Marielle Franco no Rio de Janeiro; ainda não está esclarecido quem seria o mandante do crime A investigação, marcada por reviravoltas e falhas, prendeu em março, um ano após o homicídio, dois suspeitos de executar o atentado — o polícia militar aposentado Ronnie Lessa e o ex-policial militar Élcio Queiroz. No entanto, ainda não está esclarecido quem seria o mandante do crime. Essa demora e a suspeita de que membros da força de segurança fluminense próximos a milicianos estariam agindo para atrapalhar as investigações levaram a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge a solicitar em setembro a federalização do caso, ou seja, que a investigação sobre os mandantes do crime passe às mãos da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. A decisão cabe ao Superior Tribunal de Justiça e não há previsão de data para o julgamento. O pedido de Dodge foi alvo imediato de críticas do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e da família de Marielle Franco, que teme que a eventual federalização atrase ainda mais o desfecho do caso. Apesar disso, a proposta passou a ter forte apoio do ministro da Justiça, Sergio Moro, e do presidente Jair Bolsonaro depois que o nome do presidente foi envolvido nas investigações em outubro. Segundo depoimento de um porteiro do condomínio Vivendas da Barra (Zona Oeste do Rio), onde Bolsonaro e Ronnie Lessa têm casa, Élcio Queiroz teria solicitado e recebido autorização para ir à residência do presidente no dia do assassinado da vereadora (14 de março de 2018), poucas horas antes do crime. O próprio porteiro, porém, depois alterou sua versão e disse ter se enganado. Fim do Talvez também te interesse Bolsonaro, por sua vez, passou a acusar Witzel de manipular as investigações para atingi-lo politicamente. "Vendo esse novo episódio, em que se busca politizar a investigação indevidamente, a minha avaliação é que o melhor caminho para que possamos ter uma investigação exitosa é a federalização", declarou na semana passada Sergio Moro, que classificou ainda de "total disparate" o envolvimento do nome de Bolsonaro no caso. Bolsonaro e Moro; o ministro declarou que envolvimento do nome do presidente no caso é 'total disparate' Lideranças do PSOL e familiares de Marielle Franco, porém, não consideram que a Polícia Federal, hoje submetida à autoridade de Moro, tenha independência para investigar o caso. O deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) tem percorrido os gabinetes de ministros do STJ que decidirão o futuro do caso. "Eu tenho ido aos ministros entregando uma carta da família contrária à federalização. Pela lei, só se federaliza quando existe um impedimento completo da investigação. Não é o que acontece, há pessoas presas, há investigação acontecendo", disse à BBC News Brasil. "Ele (Moro) nunca defendeu a federalização até que a investigação de alguma maneira esbarrasse na família do presidente. Me parece que ele não está interessado na família da vítima, mas sim na família de um dos investigados. Isso não é motivo para a federalização", criticou ainda o deputado. O que é a federalização? A federalização ocorre quando um crime que deveria ser apurado e julgado por autoridades estaduais passa para a competência da Justiça Federal. Esse procedimento passou a ser possível no Brasil a partir de 2004 e leva o nome técnico de "incidente de deslocamento de competência". Segundo a Constituição, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pode pedir ao STJ a federalização "nas hipóteses de grave violação de direitos humanos", com objetivo de assegurar "o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte". Conforme explicou à BBC News Brasil a pesquisadora Bruna Junqueira Ribeiro, na prática o STJ permite que a investigação seja deslocada apenas quando existem evidências concretas de risco de descumprimento de tratados internacionais firmados pelo Brasil devido ao não andamento de investigações de crimes graves contra direitos humanos na esfera estadual. Isso pode ocorrer por "inércia, negligência, falta de vontade política ou falta de condições reais" das instituições estaduais para conduzir as investigações, acrescenta Ribeiro, que estudou o instrumento da federalização em seu mestrado pela Universidade de Brasília e agora aprofunda a pesquisa do tema no doutorado em Direitos Humanos pela Universidade Federal de Goiás. "É uma ferramenta de extrema importância na promoção e defesa dos direitos humanos", defende a pesquisadora. "O que se pretende com a federalização é fornecer uma resposta judicial a um crime de grave violação de direitos humanos para coibir práticas semelhantes e proteger esses direitos", acrescenta. Federalização passou a ser possível no Brasil a partir de 2004 Uso do mecanismo é raro Ribeiro ressalta que a federalização foi pensada como algo "excepcional". Desde 2004, a PGR solicitou a federalização de 12 casos — três deles foram atendidos, dois negados e sete aguardam decisão, entre eles o de Marielle Franco. No primeiro pedido julgado, o STJ recusou, em 2005, a federalização da investigação do assassinato da missionária Dorothy Stang, no município de Anapu, Pará. Para os ministros, não havia evidência de inércia da apuração do caso pelas autoridades paraenses. Nos anos seguintes, a Justiça estadual condenou cinco pessoas pelo envolvimento no crime — os fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Pereira Galvão foram considerados mandantes do assassinato. Em 2010, pela primeira vez o STJ autorizou a federalização de uma investigação para que se apurasse o assassinato de Manoel Mattos Mattos, advogado e defensor de direitos humanos conhecido por denunciar grupos de extermínio em Pernambuco e na Paraíba. Um júri popular formado pela Justiça Federal em Recife condenou em 2015 dois réus, entre eles um sargento reformado da Polícia Militar da Paraíba. "Houve elucidação do caso e punição do crime, mas não houve uma erradicação da atuação dos grupos de extermínio na Paraíba, ou seja, a situação estrutural da segurança pública no Estado permanece a mesma", nota Ribeiro, ao analisar os impactos da federalização do caso. Quais os argumentos de Dodge para federalizar o caso Marielle? A ex-PGR Raquel Dodge solicitou a federalização do caso Marielle Franco em setembro por considerar que autoridades no Rio de Janeiro tentaram atrapalhar as investigações. Seu pedido abrange apenas a investigação sobre os mandantes do crime, tendo em vista que Ronnie Lessa e Élcio Queiroz já foram denunciados como executores do assassinato e aguardam a Justiça estadual decidir se responderão a um processo. "O eventual fracasso da persecução criminal do mandante imporia a responsabilização internacional do Estado brasileiro", argumentou Dodge à época. Para a ex-PGR, a investigação sobre quem encomendou o crime estaria sendo dificultada devido às ligações de "graduados integrantes da Polícia Civil" com milicianos do denominado Escritório do Crime — grupo formado por matadores de aluguel que atua na Zona Oeste do Rio. Após uma investigação da Polícia Federal para apurar possível obstrução de Justiça no caso, Dodge concluiu haver evidências de que Domingos Brazão, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE/RJ), seria o mandante do crime e teria ligações com o Escritório do Crime. Segundo essa linha de investigação, os assassinatos teriam sido realizados por integrantes dessa milícia. Ainda não está claro, porém, qual seria a relação entre Brazão e os acusados de executar o crime, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. E tampouco se sabe qual seria a motivação dele para desejar a morte da vereadora. Ainda segundo a ex-PGR, Brazão teria buscado desviar o curso da apuração para longe de si e em direção ao miliciano Orlando Oliveira Araújo, conhecido como Orlando Curicica, e o vereador Marcelo Moraes Siciliano. Siciliano e Brazão disputam controle político na zona oeste do Rio. Curicica e Siciliano foram, inicialmente, tratados como os principais suspeitos de ordenar o crime, depois que o sargento da PM e miliciano Rodrigo Jorge Ferreira compareceu voluntariamente à Superintendência da Polícia Federal no Rio e disse ter ouvido uma conversa entre os dois em que o vereador dizia que Marielle o estava atrapalhando. Ferreira em seguida prestou depoimentos à Polícia Civil. Curicica, por sua vez, disse em depoimento ao Ministério Público Federal que sofreu pressão da Polícia Civil do Rio para que assumisse a autoria do assassinato da vereadora e de seu motorista. Segundo ele, diante da negativa, foi alvo represálias, como a transferência da Penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro, para a Penitenciária Federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Curicica está preso desde 2017, acusado de envolvimento em outros crimes. Tanto Brazão como Curicica e Siciliano negam envolvimento no assassinato de Marielle e Anderson. Além de ter solicitado a federalização da investigação, Dodge também denunciou Brazão, Rodrigo Jorge Ferreira, o agente aposentado da Polícia Federal Gilberto Ribeiro da Costa, a advogada Camila Moreira Lima Nogueira, e o delegado da polícia federal Hélio Khristian Cunha de Almeida por obstrução de Justiça. Federalização atrasaria mais desfecho do caso, acredita família Logo após o pedido de federalização, a viúva da vereadora, Mônica Benício, disse que Dodge foi "desrespeitosa" ao tomar a iniciativa sem dialogar com a família. "Nesse momento, um eventual deslocamento da competência deve gerar mais demora e sacrificará ainda mais quem espera justiça por Marielle e Anderson", disse Benício ao jornal O Globo, em setembro. Segundo a pesquisadora Bruna Ribeiro, a federalização de fato tende a atrasar as investigações, na medida em que isso exige a designação de novos responsáveis pelo caso. Ela ressalta que a investigação de tentativas de obstrução de Justiça pode ser conduzida pela Polícia Federal mesmo sem a federalização do caso, como já vem ocorrendo. "Ainda que existam as suspeitas de obstrução de justiça, houve a instauração de um inquérito, que chegou à identificação dos executores do crime. Portanto, não me parece que haja um cenário de incapacidade ou desinteresse do poder público local em elucidar o crime, o que justificaria uma possível federalização do caso", avalia. O governador do Rio de Janeiro também reagiu ao pedido de Dodge, defendendo que a Polícia Civil está mais habilitada para conduzir as investigações Witzel também reagiu ao pedido de Dodge, defendendo que a Polícia Civil está mais habilitada para conduzir as investigações e lembrando a competência da Justiça Estadual para realizar julgamentos com júri, que é o caso de crimes de homicídio. "A Polícia Federal não tem expertise nenhuma de crime de homicídio, não tem departamento de homicídios. E o juiz federal não tem habilidade de fazer tribunal do júri", disse em setembro. Para Marcelo Freixo, Dodge pediu (a federalização) com base em "leitura equivocada" do relatório da Polícia Federal. "Quem tentou obstruir no sentido de produzir confissões falsas não foi ninguém ligado ao governo (do Rio de Janeiro)", disse à BBC News Brasil. "Nós sabemos dos limites que existem, inclusive na falta de investimento no setor de inteligência, mas a Polícia Civil do Rio de Janeiro tem sido muito correta com a família, comigo, vem dando todas as satisfações, talvez não na velocidade que a gente gostaria por causa das limitações de recurso, mas sem dúvida não há porque retirar deles a responsabilidade da investigação", defendeu ainda o deputado. Por que Bolsonaro e Moro criticam a investigação no Rio? Já se passaram mais de 600 dias desde que Marielle Franco foi assassinada, mas a Polícia Civil e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ainda não conseguiram elucidar o crime O caso Marielle Franco sofreu nova reviravolta quando foi revelado em outubro que consta na planilha de controle de entrada e saída do condomínio Vivendas da Barra que Élcio Queiroz teria recebido da casa 58, residência de Bolsonaro, autorização para entrar no local poucas horas antes da morte de Marielle e Anderson. Além disso, o depoimento de um porteiro à Polícia Civil também indicava que Élcio Queiroz teria recebido autorização da casa de Bolsonaro para entrar no condomínio, embora tivesse de fato se dirigido às casas 66/67, de Ronnie Lessa. No entanto, o Ministério Público do Rio de Janeiro concluiu, após análise de gravações do sistema de interfone de condomínio, que o acesso de Queiroz foi autorizado por Lessa, ao atender ligação em sua residência. Além disso, o porteiro afirmou em novo depoimento, dessa vez à Polícia Federal, que se enganou ao dizer que "seu Jair (Bolsonaro)" tinha autorizado a entrada do suspeito. Segundo notícias da imprensa brasileira, as investigações também teriam recentemente intensificado a apuração sobre as circunstâncias de uma discussão que ocorreu entre o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, e um assessor de Marielle Franco, na Câmara de Vereadores do Rio, em 2017. Carlos também mora no condomínio Vivendas da Barra. O vereador já havia prestado depoimento à polícia sobre o episódio, em abril de 2018, na condição de testemunha. Segundo ele, a própria Marielle, com quem disse ter um relacionamento "respeitoso e cordial", interveio para acalmar os ânimos, encerrando a discussão. Para Bolsonaro, o novo interesse da polícia na discussão mostra que agora "tentam envolver o Carlos" no assassinato e o filho seria um "imbecil" se tivesse recebido em sua casa um dos acusados do crime. Depois de ter seu nome e o do filho envolvidos no caso, o presidente passou a acusar Witzel de manipular as investigações no Rio de Janeiro para enfraquecê-lo na próxima disputa presidencial. O governador do Rio já disse publicamente que pretende se candidatar ao Palácio do Planalto em 2022. Bolsonaro passou a defender a federalização do caso, com apoio de Moro. "Acabaram as eleições e ele (Witzel) botou na cabeça que quer ser presidente. Direito dele e de qualquer um de vocês. Mas ele também botou na cabeça destruir a reputação da família Bolsonaro. A minha vida virou um inferno depois da eleição do senhor Wilson Witzel, lamentavelmente", acusou Bolsonaro na semana passada. Em resposta, o governador disse que "a polícia do Rio de Janeiro é independente" e anunciou que processará o presidente. "O senhor Bolsonaro passou dos limites. Vou tomar providências legais contra ele e iniciar uma ação penal para que ele pare de me acusar de fatos que não pratiquei. Da minha parte, eu tenho a consciência tranquila", rebateu Witzel. Para a pesquisadora Bruna Ribeiro, os últimos desdobramentos também não justificam a federalização do caso. Para ela, chama atenção o fato de Bolsonaro e Moro terem defendido a federalização apenas depois da citação do presidente nas investigações. "É difícil não concordar com quem questiona a imparcialidade de atuação do Ministro da Justiça nessa situação", opina. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Brasil deveria fazer 'esforço de guerra' para manter as pessoas em casa, diz economista da Universidade de Chicago | O economista italiano Luigi Zingales é professor há quase 30 anos na faculdade de negócios da Universidade de Chicago, celeiro de ideias capitalistas liberais na qual o ministro da Economia, Paulo Guedes, se orgulha de ter estudado. Os dois discordam, no entanto, sobre os caminhos a seguir diante da pandemia de coronavírus que já contaminou 660 mil pessoas e matou ao menos 30 mil no mundo todo. | Luigi Zingales é professor há quase 30 anos na faculdade de negócios da Universidade de Chicago Guedes e sua equipe defendem o isolamento vertical, em que só pessoas consideradas de grupos de risco tem sua circulação restringida, mas têm tido dificuldade de se desvencilhar dos limites do teto de gastos públicos e defenderam uma ajuda às famílias vulneráveis de um quinto de salário mínimo. Zingales afirma que a crise de covid-19 exige uma resposta dos governos à altura de um esforço de guerra e que deveriam fazer todo possível para manter o maior número possível de seus cidadãos em casa. O economista italiano defende a criação de uma renda emergencial universal, condicionada ao cumprimento do confinamento por semanas. O dinheiro viria da taxação de riquezas, uma pauta historicamente ligada à esquerda no Brasil, e da impressão de moeda, com o cuidado de manter a inflação sob controle. Autor de Saving Capitalism from the Capitalists (2003; Salvando o Capitalismo dos Capitalistas, em tradução livre) e A Capitalism for the People: Recapturing the Lost Genius of American Prosperity (2012; Um capitalismo para o povo: recuperando o talento perdido da prosperidade americana, em tradução livre), o economista é considerado um dos mais importantes pensadores liberais da atualidade. Fim do Talvez também te interesse Ele diz que não se baseia em um imperativo moral ao recomendar a quarentena irrestrita. A partir dos dados disponíveis da pandemia, ele calcula que, nos Estados Unidos, se o governo não fizer nada para reduzir a circulação do vírus, isso custaria o equivalente a três vezes o PIB anual americano. Zingales conhece pessoalmente as agruras impostas por pandemias: em 1919, a irmão de seu avô morreu em decorrência da gripe espanhola. Agora, o economista acompanha com aflição o quadro de saúde da filha, que vive em Paris e está infectada pelo Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus. Zingales falou à BBC News Brasil por telefone. Ele tem respeitado quarentena, embora Chicago, onde vive, não seja um epicentro da doença no país. BBC News Brasil - Existe realmente uma escolha entre garantir a saúde das pessoas ou manter a economia dos países nos trilhos? Luigi Zingales - Se você puder conter cedo os efeitos da epidemia, se fizer o que a Coreia do Sul fez, testagem e rastreamento em massa desde o ínício para evitar o espalhamento do vírus, você salva vidas e você salva a economia. Dá pra fazer as duas coisas ao mesmo tempo. No entanto, conforme as coisas se desenrolam, fica difícil conter o espalhamento do vírus sem alguma forma de confinamento. E confinamento é apenas uma das peças do pacote de ações. Sozinho, ele não é suficiente, mas é sim um passo necessário. E, com o confinamento, você tem algumas repercussões negativas na economia. Não nego isso. Mas o problema fundamental é: se não tomarmos nenhuma precaução pra conter a epidemia, quantas pessoas vão morrer porque temos capacidade limitada nos hospitais? Esse é o maior problema que temos de enfrentar agora. BBC News Brasil - As pessoas que defendem o fim imediato da quarentena porque temem morrer de fome têm razão de se preocupar? Deveríamos voltar à vida normal e aceitar as mortes que virão? Ou isso nos custaria mais caro, se quisermos pensar só economicamente? Zingales - Em primeiro lugar, existem muito mais considerações além da questão econômica nessa decisão de confinar ou não as pessoas. Mas, mesmo se não quisermos mencionar a moralidade do dilema e quisermos nos ater a um cálculo puramente econômico, os economistas criaram uma ferramenta para lidar com essas situações, que se chama análise de custo e benefício. Em termos técnicos, a gente assume que podemos estimar valores para todas as coisas, o que na prática, não é tão simples, claro. Mas, neste raciocínio, a análise de custo benefício vai colocar um valor em cada vida que nós salvarmos. Pra saber se vale a pena manter essas políticas de confinamento, precisamos saber quantas vidas podemos salvar com elas, o que é extremamente difícil de responder, porque temos uma escassez de dados bons, e o desejável seria ter muito mais do que temos no momento. Mas o desafio era esse, e fiz esse cálculo: é claro que há espaço para variações, mas a conclusão é que a quantidade de perdas de vidas é comparável à perda de todo o PIB americano em 3 anos. O valor da estimativa para a vida humana nos Estados Unidos pode variar entre US$ 7 milhões e US$ 10 milhões (nota da redação: Zingales se baseia no valor estimado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, que usa o valor para calibrar medidas antipoluição, por exemplo). Vamos considerar então um valor entre um ponto e outro: US$ 9 milhões. Se você puder salvar um milhão de vidas — na verdade é muito mais — é como se você tivesse deixado de perder US$ 9 trilhões, o que equivale a um terço do PIB. Então, você poderia interromper completamente a atividade econômica dos Estados Unidos por quatro meses para chegar no mesmo nível de perda. (nota da redação: considerando os dados de estimativas de doentes e o percentual de letalidade da doença em sistemas de saúde saturados, Zingales afirma que sem qualquer medida de contenção, a epidemia pode custar US$ 65 trilhões aos Estados Unidos, ou o equivalente a três vezes o PIB anual do país). Mas a boa notícia é que não é preciso paralisar toda a economia para cumprir a quarentena. Muitas coisas hoje seguem funcionando remotamente, mesmo com as pessoas em casa. Claro que haverá sim grandes perdas econômicas, mas, a partir dos cálculos, concluímos que vale a pena encará-las. Existe uma segunda questão da qual vamos ter que cuidar e que é igualmente importante à preservação das vidas: precisamos distribuir os custos do combate à pandemia. Por um lado, sabemos que a doença mata mais os idosos, não apenas eles, mas majoritariamente eles. E, ironicamente, todas as medidas que estamos tomando para parar o vírus, como o distanciamento social, tendem a prejudicar mais economicamente os jovens e os mais pobres. Isso porque os mais velhos costumam ter algum tipo de aposentadoria, então, mesmo trancados em casa, eles estão com essa renda garantida. O mesmo vale pra quem faz trabalho intelectual, que pode ser feito de casa. Mas quem faz trabalho manual vai ser impedido de trabalhar pelo confinamento. Então, vai ser necessário redistribuir essa renda, dos mais velhos pros mais novos, dos mais ricos pros mais pobres Zingales tem respeitado quarentena, embora Chicago, onde vive, não seja um epicentro da doença nos EUA BBC News Brasil - Por isso o Congresso americano aprovou o maior pacote de estímulo econômico da história na semana passada, com seus US$ 2 trilhões em orçamento, certo? Zingales - Sim, a redistribuição é uma política necessária. Mas tenho grandes dúvidas se os Estados Unidos estão fazendo isso certo, porque me parece que eles estão mais garantindo subsídios a empresas do que realmente distribuindo para as famílias jovens. BBC News Brasil - Temos hoje governos que prometeram reduzir o tamanho do Estado em países como Estados Unidos, Brasil e Reino Unido, em uma nova abordagem neoliberal. Isso é compatível com o combate de uma crise pandêmica como a atual? Zingales - Acho que, a princípio, é compatível, mas, na prática, não me parece estar sendo bem feito. Em 2003, escrevi um livro chamado Salvando o capitalismo dos capitalistas. Um dos pontos que argumentava ali é que é muito importante ter alguma rede de proteção social, porque, quando há uma crise, como a atual, que força os governos a intervir, os governantes tomarão as medidas sob pressão, e essa intervenção vai ser distorcida pelos grupos de interesse. Se você cria um sistema preventivo de seguridade social, você tende a ter algo mais eficiente. Infelizmente a atual pandemia de coronavírus comprova a minha tese. Países que têm sistemas de bem estar social mais consolidados, como a Dinamarca, o Norte europeu, estão se saindo muito melhor em lidar com a crise, sem a necessidade de uma série de intervenções agudas, como as que estamos vendo nos Estados Unidos, onde não há rede de proteção social. Mas essas intervenções emergenciais são altamente distorcidas, e é por isso que o Senado americano aprova um pacote de US$ 2 trilhões, o que em tese significaria conceder US$ 6 mil por pessoa ou US$ 24 mil por família, mas ninguém vai receber isso tudo de dinheiro (a estimativa é que cada família receba US$ 1,2 mil). E a maior parte desse valor vai ser dado pra empresas, e muita gente vai ganhar muito dinheiro no caminho. Então, isso é um tipo terrível de socialismo corporativista. 'No Brasil, Bolsonaro não está levando o vírus a sério, então, o país está começando a guerra com uma desvantagem imensa', diz Zingales BBC News Brasil - Muitas pessoas têm questionado o fato de que são cobradas a ter reservas financeiras para viver por 6 meses sem salário, mas que não se cobra das empresas que tenham poupanças para casos de crise como esse. Por que há essa diferença de tratamento dos governos entre pessoas e empresas? Zingales - Infelizmente, é verdade que grupos organizados recebem mais atenção do governo do que indivíduos. Então, as empresas, especialmente as maiores, são as instituições mais organizadas e influentes. Aqui nos Estados Unidos, as empresas sustentam a atividade política. Se meu doador de campanha me diz 'preciso de ajuda', eu vou ouví-lo e vou provalvelmente atendê-lo. Nenhum indivíduo sozinho tem essa força. BBC News Brasil - Pensando na diferença entre países ricos e países pobres, o que você acha que vai acontecer de diferente no combate à crise do ponto de vista tanto da saúde quanto da economia em países como Brasil, Índia, México? Zingales - Na minha visão, as diferenças não se devem tanto à riqueza de um país, mas à qualidade de suas instituições e, infelizmente, há uma grande correlação entre essas duas variáveis. O que vimos até agora foi mais uma divisão mais entre Ocidente e Oriente do que propriamente entre Norte e Sul. Se você pega o jeito como Taiwan, Coreia, Singapura responderam à crise, eles foram muito mais eficientes do que países com governos menos organizados, como Itália e Espanha, que estão protagonizando desastres. Claro que quanto mais cedo a pandemia chega a seu país, menor seu tempo de resposta, e isso pode afetar a qualidade da sua reação. Em parte, acho que a Itália também sofreu por isso. Na América Latina, curiosamente, o problema chegou por último, havia muito tempo para se planejar, mas os países latinos basicamente desperdiçaram essa vantagem. E, para piorar, no Brasil, Bolsonaro não está levando o vírus a sério, então, o país está começando a guerra com uma desvantagem imensa. Medidas de isolamento têm deixado cidades vazias no mundo todo Infelizmente, a solução para a questão é a mesma para todos os países, desenvolvidos ou não: diminuir o espalhamento da doença por meio do confinamento geral, testar o máximo de pessoas, rastrear e isolar os infectados, tenham eles sintomas ou não. E a capacidade de fazer isso depende de duas coisas: primeiro, da quantidade de infectados, e segundo, da eficiência do governo e da administração pública. Meu medo é que, nos Estados Unidos, a organização pública já não é particularmente eficiente, mas não é tão ineficiente quanto no Brasil. E se você tem um percentual alto de infectados, é praticamente impossível seguir o modelo coreano. Está fora de questão rastrear metade da população. O que me aterroriza é que chegamos a uma situação muito dramática: se você tem muita gente contaminada em meio a uma sociedade aberta, é impossível ter a quantidade de leitos necessária para tratar todo mundo. Então, você tem um aumento na mortalidade. BBC News Brasil - Vamos pensar no Brasil, uma economia que vem de sua pior crise econômica histórica, cujo crescimento do PIB seria de apenas algo em torno de 1,5% esse ano em uma projeção antes da epidemia, cuja moeda vale menos de um quarto de dólar e com 40% dos trabalhadores informais. Se fosse o ministro da Economia do Brasil, o que você faria? Zingales - Essa é uma pergunta muito difícil, não só pelo que você listou, mas, sem querer fazer parecer ainda pior, a economia brasileira depende muito de commodities. Os preços das commodities estão em baixa, e é esperado que continuem assim no futuro próximo. Então, acho que a perspectiva para a economia brasileira não é assim tão boa. Então, se eu fosse o ministro, tentaria dividir as medidas entre o que é necessário imediatamente para vencer o vírus e o que fazer depois pra consertar a economia. Em uma situação de guerra, você resolve primeiro o perigo mais iminente, depois se preocupa com o resto. E o principal problema agora é conter o espalhamento da doença. Então, o Brasil deveria fazer esforço de guerra para manter as pessoas em casa. E, nesse caso, isso significa que você precisa dar alguma forma de seguro desemprego, alguma renda mínima universal ou para uma grande fração da população por um período de tempo, e condicionando isso a ficar em casa. Precisa haver um incentivo muito forte para ficar em casa, e a melhor forma de fazer isso é por meio de um subsídio agora e no futuro próximo, condicionados a você não ser pego perambulando pela rua e arruinando o plano. Se você violar o toque de recolher, você perde o benefício. Se ficar doente, vai para o isolamento em um hospital. O Congresso americano aprovou o maior pacote de estímulo econômico da história na semana passada Se o governo age dessa maneira, consegue a atenção das pessoas, as sensibiliza. A questão é que não parece haver entendimento político e vontade política para seguir esses passos. E, sinceramente, acho que esse é agora o maior problema no Brasil. Numa situação como essa, quanto mais você espera para fazer o que é necessário, maior será o custo disso. Você começou essa entrevista me perguntando se eu via uma contradição entre salvar vidas e salvar a economia, e o que te disse foi: não há desde que você aja cedo. Mas se você esperar, há sim. O mais triste é que essa crise acontece em um momento muito difícil para (o presidente americano Donald ) Trump, por causa das eleições (presidenciais, em novembro). Mas Bolsonaro tem muito mais tempo de mandato pela frente que Trump e poderia ter entendido isso, tomado uma ação, mesmo que isso afetasse sua popularidade nesse momento, porque o resultado no longo prazo o recuperaria disso. O risco de pandemia era claro e foi subestimado. BBC News Brasil - Seu raciocínio de custo-benefício implica que, de qualquer maneira, o impacto sobre a economia será muito alto. Se a crise custar US$ 2 trilhões a cada dois ou três meses só nos EUA, ou se o Reino Unido vai bancar 80% dos salários pelos meses que a crise durará, qual será o resultado de um endividamento tão grande dos governos depois da crise? Zingales - Sim, você tem razão nesta preocupação, porque, em nosso cálculo, estimamos o valor de vidas humanas, mas não estamos criando renda monetária a partir disso, então, os governos terão que fazer dívidas que terão de pagar em algum momento. E, para países como o Brasil ou a Itália, países que não são desenvolvidos, é muito mais difícil pagar do que para países como Estados Unidos, que, por terem uma moeda forte, podem contrair dívidas altas sem detonar uma crise de confiança. É difícil traçar essa linha para países como o Brasil fazer o que quer que seja necessário para salvar vidas, porque, ao fazer isso, pode se chegar ao ponto em que não se consegue mais dinheiro emprestado. E entra um novo cálculo de custo benefício: quão longe podemos ir com essa política sem que nossa situação fique muito ruim. BBC News Brasil - Mas é muito difícil saber qual é essa linha, afinal. Zingales - Sim, nós não sabemos, e podemos chegar a múltiplos resultados a depender das nossas premissas. Acho que se os Estados Unidos fizessem um pouco mais de financiamento monetário do seu déficit, isso não seria o fim do mundo, teríamos um pouco mais de inflação. No Brasil, a situação é diferente, porque o país tem uma longa história de hiperinflação, e, nos últimos tempos, tem conseguido controlar isso. O risco de retornar à hiperinflação não é trivial. Se você quiser fazer massivos financiamentos da dívida, isso vai ser problemático. Por outro lado, esse nível de crise demanda alta intervenção. Vejo uma provável necessidade de criar impostos sobre grandes fortunas, porque, durante guerras, seus meios de financiar um país são basicamente imprimindo dinheiro ou criando alguma maneira de taxar riquezas. Sou sempre contrário a esse tipo de solução em tempos comuns, mas, em situações extremas, essa pode ser a forma para resolver. Isso traria o benefício de salvar o país do desespero, um bem público geral. Mas quem ganha mais com isso são os ricos, porque não só salvam suas vidas como também preservam muito do valor de sua riqueza. Parece contraditório, mas é simples: imagine um país que perdeu um percentual grande de sua população, um monte de coisas simplesmente perdem o valor ali já que a demanda cai drasticamente. Então, em uma situação como essa, é preciso ao menos criar esse imposto sobre fortunas para poder ser mais agressivo em custear uma redistribuição de renda que permita o confinamento da população. É claro que sempre existe o risco de uma fuga de capitais, de as pessoas simplesmente tirarem seu dinheiro do Brasil, mas é justamente pra isso que o Brasil precisa melhorar seus sistemas de rastreamento de dinheiro. Não sei se o Congresso brasileiro estaria disposto a dar esse passo, mas certamente seria uma linha racional de ação. BBC News Brasil - O senhor é italiano, no seu país há uma epidemia muito grave, com um mortalidade de quase 10%. O que deu tão errado na Itália? Zingales - É sempre uma combinação de fatores. As regiões que se saíram melhor, como Veneto, de onde eu venho, adotaram testes massivos, rastreamento de infectados e um isolamento maior. Na Lombardia, eles foram arrogantes e descuidados. Um pouco como o Bolsonaro. Na verdade, o Prefeito de Milão foi às ruas no fim de fevereiro, com um drink em mãos, pra dizer que ali a doença não os tinha abatido. Isso foi um erro gigante. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Golpe militar em Mianmar: por que agora e o que esperar do futuro próximo? | Os militares de Mianmar anunciaram que assumiram o controle do país, uma década depois de concordar em entregar o poder a um governo civil. | Exército deteve políticos civis horas antes do Parlamento se reunir O golpe espalhou medo por todo o país, que suportou quase 50 anos de governos militares opressores antes da mudança para um governo democrático em 2011. As prisões de Aung San Suu Kyi e de outros políticos lembraram dias que muitos esperavam ter deixado para trás. Nos últimos cinco anos, Suu Kyi e seu partido, uma vez banido Liga Nacional para a Democracia (NLD), lideraram o país depois de ser eleito em 2015 na votação mais livre e justa em 25 anos. Na manhã de segunda-feira (1º/2), o partido deveria iniciar seu segundo mandato. Mas, nos bastidores, os militares mantiveram um controle relativamente forte sobre Mianmar (também conhecido como Birmânia), graças a uma Constituição que garante um quarto de todas as cadeiras no Parlamento e o controle dos ministérios mais poderosos do país. Fim do Talvez também te interesse O que levanta a questão de por que as Forças Armadas tomaram o poder agora — e, mais especificamente, o que acontecerá a seguir? Alegações de fraude O momento exato do golpe pode ser facilmente explicado, aponta Jonathan Head, correspondente da BBC no Sudeste Asiático. Segunda-feira de manhã deveria ter sido a primeira sessão do Parlamento, o que por sua vez teria consagrado o resultado das eleições de novembro. Isso agora não vai mais acontecer. Nas eleições, o NLD conquistou mais de 80% dos votos, permanecendo imensamente popular mesmo diante das acusações de genocídio contra os muçulmanos rohingya do país. A oposição, apoiada pelos militares, imediatamente começou a fazer acusações de fraude após a votação. A alegação foi repetida em um comunicado assinado e divulgado pelo recém-instalado presidente em exercício para justificar a imposição do estado de emergência de um ano. "A UEC [comissão eleitoral] falhou em resolver grandes irregularidades nas listas de eleitores na eleição geral multipartidária realizada em 8 de novembro de 2020", disse Myint Swe, um ex-general que havia sido vice-presidente. Mas há poucas evidências para apoiar a alegação. "Obviamente, Aung San Suu Kyi obteve uma retumbante vitória eleitoral", disse Phil Robertson, vice-diretor da Human Rights Watch (HRW) na Ásia. "Tem havido alegações de fraude eleitoral sem evidências." Mesmo assim, Robertson descreve o golpe como "inexplicável". "Será que [a eleição] significou perda de poder? A resposta é não." Constrangendo o 'pai da nação' Mesmo que na votação de novembro o Partido da Solidariedade e Desenvolvimento da União (USDP), apoiado pelos militares, tenha recebido apenas uma pequena fração dos votos, os militares ainda têm grande influência sobre o governo, graças à controversa Constituição de 2008. Não só dá aos militares um quarto dos assentos parlamentares automaticamente, mas também lhes dá o controle de três ministérios importantes — Interior, Defesa e Fronteiras. Portanto, enquanto a Constituição permanecer a mesma, os militares mantêm algum controle sobre o país. Mas poderia o NLD, com sua maioria, ter alterado a Constituição? Improvável, diz Jonathan Head, já que isso requer o apoio de 75% do Parlamento, tarefa quase impossível porque os militares controlam pelo menos 25%. Cidadãos de Mianmar no Japão já foram às ruas para protestar contra o golpe Aye Min Thant, um ex-jornalista, sugere que pode haver outro motivo para a ação de hoje: constrangimento por parte dos militares. "Eles não esperavam perder (a eleição)", disse ele à BBC. Claro, há muito mais em jogo do que isso. "Você precisa entender como o Exército vê sua posição no país", acrescenta Aye Min Thant. "A mídia internacional costuma se referir a Aung San Suu Kyi como 'mãe' do país. O Exército se considera o 'pai' da nação." Como resultado, sente que tem "obrigação e direito" de governar — e nos últimos anos, à medida que o país se tornou mais aberto ao comércio internacional, não gostou do que viu. "Eles vêem os estrangeiros especialmente como um perigo." A pandemia e as preocupações internacionais sobre a privação de direitos dos Rohingya na votação de novembro podem ter encorajado os militares a agir agora, sugere Aye Min Thant. Mesmo assim, ainda causou surpresa. O que o futuro guarda? De fato, os especialistas parecem inseguros sobre exatamente por que os militares agiram agora, já que parece haver pouco a ganhar. "Vale lembrar que o sistema atual é tremendamente benéfico para o Exército: ele tem total autonomia de comando, considerável investimento internacional em seus interesses comerciais e proteção política para crimes de guerra", disse Gerard McCarthy, pós-doutor do Instituto de Pesquisa da Ásia da Universidade Nacional de Cingapura, à BBC. "Tomar o poder por um ano, conforme anunciado, isolará parceiros internacionais não chineses, prejudicará os interesses comerciais dos militares e provocará uma escalada de resistência de milhões de pessoas que deram a Suu Kyi e o NLD no poder outro mandato para governar." Soldados foram vistos dentro da Prefeitura de Yangon Talvez, diz ele, eles esperem melhorar a posição do USDP nas próximas eleições, mas os riscos envolvidos em suas atitudes "são significativos. Phil Robertson, do HRW, aponta que a medida coloca Mianmar em risco de se tornar um "Estado pária" mais uma vez, enquanto irrita seus cidadãos. "Não acho que o povo de Mianmar vai aceitar isso bem", acrescentou ele. "Eles não querem voltar para um regime militar. Eles veem Suu Kyi como uma baluarte contra o retorno ao poder militar." Ainda há esperança de que isso possa ser resolvido por meio de negociações, mas ele acrescenta: "Se começarmos a ver o início de grandes protestos, entraremos em uma grande crise". Ativista e militares Suu Kyi é filha do herói da independência de Mianmar, o general Aung San, assassinado quando ela tinha apenas dois anos de idade. Após períodos vivendo na Índia, Japão, Butão e Inglaterra, ela voltou ao país natal em 1988, ano turbulento na história de Mianmar. Aung San Suu Kyi ainda é uma líder bastante popular em seu país Milhares de estudantes, trabalhadores e monges saíam às ruas para pedir reformas democráticas. E Suu Kyi foi rapidamente alçada à categoria de líder de uma revolta contra o então ditador general Ne Win. Inspirada pelas campanhas dos líderes de defesa dos direitos civis Martin Luther King, nos EUA, e Mahatma Gandhi, na Índia, ela organizou comícios e viajou pelo país, pedindo reforma democrática pacífica e eleições livres. Mas as manifestações foram brutalmente reprimidas pelo Exército, que tomou o poder em um golpe no dia 18 de setembro de 1988. O governo militar convocou eleições nacionais em 1990, e o partido de Suu Kyi venceu o pleito, apesar de ela estar sob prisão domiciliar e de ter sido impedida de participar da votação. Mas a junta se recusou a entregar o poder, e permanece no controle do país desde então. Suu Kyi ficou presa entre 1989 e 1995. Durante o período em que esteve presa, participou de reuniões secretas com o governo militar e abriu caminho para o diálogo entre as autoridades e a oposição. Em 2015, com a vitória de seu partido nas eleições gerais, ela se tornou a figura mais poderosa do governo, o que teria ampliado divergências com os militares de forma crescente desde então e encontra ecos no golpe de 2021. Isso porque Suu Kyi é proibida pela Constituição a impede de se tornar presidente por ter filhos estrangeiros, mas a partir de 2015 passou a ocupar os cargos de 1ª Conselheira de Estado e chanceler do governo, se tornando a líder de facto do país, ainda que não exercesse controle sobre o comando militar. Nos últimos anos, sua liderança foi abalada no cenário internacional pelo tratamento à minoria muçulmana Rohingya. Em 2017, milhares de Rohingya fugiram para Bangladesh, país vizinho, devido à repressão do Exército provocada por ataques mortais a delegacias de polícia no Estado de Rakhine. Os ex-apoiadores internacionais de Suu Kyi a acusaram de não fazer nada para impedir o estupro, assassinato e possível genocídio ao se recusar a condenar os militares ou reconhecer os relatos de atrocidades. Perante o Tribunal Internacional de Justiça, instância da Organização das Nações Unidas (ONU), ela negou publicamente as acusações de limpeza étnica contra a minoria muçulmana rohingya. Para alguns analistas, a ofensiva nacionalista de Suu Kyi em defesa do país ante as críticas internacionais ampliaram sua popularidade para na eleição geral em novembro de 2020. Dentro do país, no entanto, "a Lady", como Suu Kyi é conhecida, continua bastante popular entre a maioria budista que tem pouca simpatia pelos Rohingya. Reação internacional Os Estados Unidos condenaram o golpe em Mianmar, dizendo que Washington "se opõe a qualquer tentativa de alterar o resultado das últimas eleições ou impedir a transição democrática de Mianmar". O secretário de Estado americano, Antony Blinken, pediu a libertação de todas as autoridades do governo e dos líderes da sociedade civil. "Os EUA estão com o povo da Birmânia em suas aspirações por democracia, liberdade, paz e desenvolvimento. Os militares devem reverter essas ações imediatamente." No Reino Unido, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, também condenou o golpe e a "prisão ilegal" de Suu Kyi. A ministra australiana das Relações Exteriores, Marise Payne, fez um apelo para que "os militares respeitem o estado de direito" em Mianmar. "E libertem imediatamente todos os líderes civis e todos os outros que foram detidos ilegalmente." China e Índia disseram que estão acompanhando de perto a situação no país. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
O mistério da princesa de Dubai que desapareceu após tentar fugir de seu país | "Olá, meu nome é Latifa Maktoum, eu nasci em 5 de dezembro de 1985. Eu preciso me lembrar de falar tudo, porque esse pode ser o último vídeo que eu faço (...) E se vocês estão vendo esse vídeo, não é nada bom. Significa que ou eu estou morta ou em uma situação muito, muito, muito ruim." | Latifa Maktoum disse que queria escapar das restrições impostas por sua família *Esta reportagem foi atualizada em 3 de janeiro de 2019, com informações divulgadas pelo governo de Dubai sobre a princesa, uma novo foto de Latifa e uma entrevista com Mary Robinson A mensagem acima faz parte de um vídeo gravado por Latifa, princesa de Dubai, poucos dias antes de tentar fugir da cidade, que faz parte dos Emirados Árabes Unidos (EAU), no Oriente Médio. Ela é uma dos 30 filhos do líder de Dubai e primeiro-ministro dos EAU, xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum, uma das figuras políticas mais ricas e poderosas do mundo. "Muito em breve, eu vou fugir para algum lugar. E eu não tenho certeza se isso dará certo, mas estou 99% otimista de que vai funcionar", disse Latifa no vídeo, gravado em segredo com o objetivo de somente ser divulgado por seus amigos caso o plano de fuga não desse certo. O depoimento era como um pedido de ajuda para o futuro. Em fevereiro deste ano, a gravação foi postada no YouTube, sinalizando que algo pode ter ocorrido com a princesa. Fim do Talvez também te interesse A história de Latifa foi contada por um novo documentário da BBC, Escape from Dubai: The Mystery of the Missing Princess (A fuga de Dubai: o mistério da princesa desaparecida), transmitido em 6 de dezembro. Alguns dias depois, o governo de Dubai divulgou uma foto supostamente recente da princesa, alegando que ela está recebendo tratamento médico psiquiátrico em casa. Mas ativistas se dizem preocupados com seu paradeiro e sua segurança. Neste texto, a BBC News Brasil reconta a trajetória da princesa. "(Dubai) não é como tem sido retratada pela mídia. Aqui não há justiça. Eles não se importam. Especialmente se você é mulher, sua vida é tão descartável", narrou Latifa no vídeo. A vida da princesa Latifa em uma 'jaula de ouro' Como filha do xeique Maktoum, Latifa vivia rodeada de muito luxo. "Ela vivia com sua mãe e duas irmãs em uma casa particular, que, vista de fora, parecia um palácio. Tinha piscinas, salas de massagem, provavelmente 100 funcionários", conta Tiina Jauhiainen, que foi treinadora de capoeira de Latifa e se tornou sua amiga de confiança. "Para mim, parecia que Latifa tinha tudo que uma garota poderia sonhar em ter", contou Tiina à BBC. "Vivia em um palácio, tinha muito dinheiro, não faltava nada. Essa era a primeira impressão. Levou um tempo até que eu percebesse a realidade da sua vida." Os Emirados Árabes Unidos se apresentam como uma das sociedades mais liberais para as mulheres no Oriente Médio, na qual podem desfrutar de liberdades e luxos do Ocidente. Mas, assim como a Arábia Saudita, o país também é regido pela sharia, a lei islâmica. "As mulheres têm que ser obedientes aos seus maridos. Os homens podem bater nas suas mulheres e filhos. Isso está na lei dos EAU. Então, se uma mulher é considerada muito selvagem, não controlada pela família, eles podem decidir confiná-la e puni-la, para que ela não se comporte dessa maneira", afirmou Rhothna Begum, da organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch. Fotografias de Latifa fazendo paraquedismo eram promovidas por Dubai como prova da 'liberdade' de que desfrutavam as mulheres nos Emirados Em 2002, quando tinha 16 anos, Latifa tentou fugir pela primeira vez. Mas foi capturada na fronteira e levada de volta para Dubai. No vídeo, a princesa diz que foi duramente punida pela fuga. "Eles me colocaram na prisão e me torturaram. Basicamente, um cara me segurava, enquanto outro me batia. Depois das sessões de tortura eu não podia nem andar." A seguir, narra Latifa, ela foi confinada sozinha em um quarto-escuro, sem saber o que era dia e o que era noite. No total, teria ficado nesse confinamento por 3 anos e 4 meses, e liberada somente aos 19 anos. Latifa saiu dessa experiência completamente diferente, segundo conta no vídeo. Deixou de confiar nas pessoas e começou a passar mais tempo com animais - alguns desses momentos estão registrados em seu perfil no Instagram. Livre, mas impedida de deixar Dubai, a princesa foi autorizada a contratar tutores privados. Aos 26 anos, concluiu seus estudos. Também passou a fazer treinamentos esportivos. Além das aulas de capoeira com Tiina, fez cursos de paraquedismo e se juntou à comunidade de paraquedistas locais. "Ela me dizia que o paraquedismo dava a ela uma sensação de liberdade, ela precisava de algo para se distrair da sua vida", diz Tiina. Pessoas que conviveram com Latifa disseram para a BBC que a princesa era calada, simples, e nunca falava sobre sua família. Apesar disso, fotos de Latifa pulando de paraquedas acabaram sendo veiculadas na mídia local, passando a imagem que Dubai queria transmitir: a da diversão e da liberdade feminina. É tudo uma "farsa", disse Latifa no vídeo. "Não posso dirigir, não posso viajar, não saio (de Dubai) desde 2000, não deixam. Pedi para estudar (fora), e me negaram", declarou. "Meu pai tem essa imagem de ser (um homem) moderno. É mentira. É só marketing." Em menos de 50 anos, Dubai se transformou de uma aldeia remota, perto de um deserto, em uma imponente e moderna cidade, centro financeiro internacional Xeique Maktoum cultiva imagem de homem moderno O xeique Rashid al Maktoum cuida da sua imagem com esmero. Patrick Nixon, embaixador britânico na região, descreveu o xeique como "carismático, dinâmico, com certo encanto, mas muito determinado". "É um personagem muito público, que aparece na imprensa todo o tempo. Sabe o que quer, como obter e quem pode ajudar", destacou Nixon para a BBC. Sob seu comando, Dubai se transformou radicalmente: de uma cidade seca no deserto a uma das metrópoles mais glamorosas do mundo, repleta de imponentes arranha-céus e luxuosas ilhas artificiais. É uma "Las Vegas do Oriente Médio", "hedonista", "com um pouco de tudo", comentou Rhothna Begum, da Human Rights Watch. Em sua vida particular, Maktoum é um dos mais importantes criadores de cavalos do mundo. Por conta dessa paixão, o xeique viaja frequentemente à Inglaterra, para assistir às famosas corridas de Ascot, onde tem uma mansão avaliada em US$ 95 milhões - o xeique é, aliás, o maior proprietário privado de terras no Reino Unido. Em algumas dessas visitas, Maktoum chega a confraternizar com a realeza britânica. "O xeique é uma marca internacional", assinalou o jornalista inglês Sean O'Driscoll. "Mas, em Dubai, o controle é completo. Não se pode escrever nada de negativo sobre Dubai." O xeique Mohammed bin Rashid al Maktoum (ao centro) é o maior proprietário privado de terras no Reino Unido e amante de corridas de cavalos A fuga da princesa Shamsa, irmã de Latifa Um exemplo da força repressiva do regime de Dubai é o que ocorreu a uma das irmãs de Latifa, a princesa Shamsa, em 2000. Naquele ano, Maktoum decidiu passar o verão na sua mansão na Inglaterra com parte da família - Shamsa, inclusive, que tinha 18 anos. A comitiva era acompanhada por diversos seguranças e todos os deslocamentos eram feitos em aeronaves particulares. "Shamsa odiava tudo isso. Ela se queixava da sua jaula de ouro", comentou Stuart Millar, jornalista do jornal britânico The Guardian. Cansada de viver aprisionada no luxo da família, sem ter "as liberdades do mundo civilizado", segundo Latifa, Shamsa fugiu. Ela conseguiu ficar escondida por várias semanas, mas acabou localizada pelos seguranças de seu pai a alguns quilômetros de Cambridge. "Ela foi agarrada e colocada dentro de um carro, gritando. Depois, (foi levada) a um helicóptero até a França. E da França até Dubai", relatou Millar, que fez a cobertura do caso. A operação tinha a marca de um sequestro, um delito grave no Reino Unido. A polícia de Cambridge chegou a iniciar uma investigação, mas não conseguiu seguir adiante. O investigador responsável pelo caso tentou ir para Dubai para falar com Shamsa, mas teve negado seu pedido de ingresso nos Emirados Árabes Unidos (EAU)- nunca lhe disseram o porquê. Os EUA são um aliado estratégico do Reino Unido, o que dificultou a continuidade do caso. "Você tem esse aliado chave e fundamental no Golfo. Além disso, ele (Maktoum) é da realeza, amigo da nossa realeza. É a tempestade perfeita", concluiu Millar. "Foi uma das histórias mais estranhas em que já trabalhei. Em que uma acusação de sequestro no Reino Unido não foi investigada", disse Millar. Fotografia da princesa Shamsa, ainda muito nova, irmã de Latifa que tentou fugir quando tinha 18 anos Shamsa foi dopada e feita prisioneira em Dubai, acusa Latifa Não se sabe o que ocorreu a Shamsa depois que ela voltou para Dubai. No vídeo, Latifa contou que a irmã foi dopada e aprisionada em um quarto de um palácio. "Ela foi colocada nessa construção, Zabell Palace, e ficou presa por oito anos. E então me permitiram que eu a visitasse. Ela estava em um estado muito, muito, muito, ruim. Ela não abria os olhos. E as pessoas precisavam dar a mão (a Shamsa) para que ela caminhasse. Davam-lhe comida e um monte de comprimidos. Esses comprimidos faziam com que ela ficasse como um zumbi", narrou Latifa. "Estava constantemente rodeada por enfermeiras, que dormiam com ela e anotavam tudo o que fazia ou dizia", continuou. Foi após a fuga da irmã que Latifa decidiu escapar. Mas foi pega e, segundo seus relatos, presa e torturada. É impossível verificar se isso realmente ocorreu. Mas, Sima Watling, da Anistia Internacional, afirma que alguns aspectos da descrição do que ocorreu com ela soam "familiar e plausível". Organizações de direitos humanos já conseguiram documentar diversos casos de tortura por espancamento em prisões do EAU e confinamento solitário. Hervé Jaubert havia trabalhado em Dubai desenhando e construindo veículos aquáticos usados no setor da segurança, mas teve problemas e precisou fugir Latifa planejou outra fuga para fevereiro de 2018 Depois de dez anos da primeira tentativa de fuga, Latifa planejou escapar outra vez. No vídeo, a princesa conta que ia até um café com internet, onde entrava em contato com Hervé Jaubert, um ex-espião francês. Eles teriam trocado mais de 200 e-mails. Jaubert era um ex-agente de inteligência naval, que havia trabalhado em Dubai, mas teve problemas com os Emirados e teve que escapar pelo mar, nadando por uma grande parte do trajeto. "Já que eu havia escapado de Dubai, ela (Latifa) queria fazer o mesmo", contou Jaubert para a BBC. "Fiquei comovido, era uma solicitação pessoal e eu queria dar uma chance a ela." A instrutora física de Latifa, Tiina, baseada na Finlândia, passou a ser a intermediária. Viajou quatro vezes para as Filipinas, onde estava Jaubert. Lá, elaboraram o plano que Tiina precisava transmitir a Latifa, em Dubai. Primeiro, eles viajariam por terra até Mascate, capital de Omã. Ao chegar à costa, pegariam um bote inflável até atingir um iate, onde Jaubert estaria esperando. Como os Emirados Árabes Unidos controlam as águas do mar Arábico, a estratégia de Jaubert era navegar até a Índia - como havia feito quando ele próprio fugiu. A etapa final seria voar até a Flórida, nos Estados Unidos, onde Latifa pediria asilo político. O dia escolhido foi 24 de fevereiro de 2018. Tiina contou para a BBC que Latifa estava muito nervosa. "Nos encontramos em um café, como já havíamos feito no passado. Latifa retirou o abaya (o manto inslâmico) e mudou seu visual um pouco." Elas então entraram no carro - era a primeira vez que Latifa se sentava no banco da frente. "Ela queria fazer selfies o tempo todo", recordou Tiina. Latifa tira selfie dela com a amiga e ex-professora de capoeira Tiina antes da primeira fase da tentativa de fuga Ao chegarem na costa de Omã, em um fim de tarde, pegaram o bote e percorreram quase 40 quilômetros até alcançar o iate de Jaubert. Nele, navegariam 2,5 mil quilômetros até a Índia. "Não sei como vou me sentir por poder fazer o que eu quiser. Será incrível", declarou Latifa, entusiasmada, no vídeo que gravou antes de sua partida. Mas Latifa ainda não estava fora de perigo. Todos sabiam que estavam enfrentando um dos Estados policialescos mais sofisticados do mundo e que seria difícil se esquivar dele. "A situação era tensa. Basicamente, (você) está em guerra, em uma área hostil. Se te encontram, está morto", ressaltou Jaubert para a BBC. A Índia é uma fonte de trabalhadores migrantes para a construção civil em Dubai Perseguição nos mares indianos Especialistas internacionais assinalam que os Emirados Árabes Unidos investiram milhões de dólares em sistemas de vigilância israelenses, capazes de converter um celular em um aparato de espionagem. Podem rastrear as pessoas online, interferindo em seus telefones, e localizá-las. Para isso, não é preciso nem que os telefones estejam ligados. Latifa tinha um mau presságio de ir para a Índia, um país com quem os EAU têm pactos estratégicos. Ela sabia que seu pai iria atrás dela - e a Índia não titubearia em ajudá-lo, pensava Latifa. Para tentar se prevenir de uma perseguição, a princesa de Dubai entrou em contato com diversos jornalistas. "Mas ninguém acreditava nela, era muito triste", lembrou Tiina. Radha Sterling, fundadora da ONG britânica Detidos em Dubai, também foi procurada por Latifa. As duas trocaram dezenas de mensagens, mas quando Sterling solicitou uma foto de Latifa, para comprovar sua identidade, a princesa se recusou a enviá-la, com medo de que fosse interceptada. Hervé Jaubert lamenta não ter conseguido levar Latifa para um lugar seguro De toda forma, o aparato de segurança de Maktoum já estava seguindo as pistas de Latifa. "Fomos seguidos por barcos. Então, apareceu um avião de vigilância indiano. Fiquei preocupado, porque sabia que tinham nos identificado." A apenas 50 quilômetros da Índia, o iate foi interceptado e abordado por pessoas armadas. "Colocaram uma arma no meu rosto. 'Fecha os olhos ou te mato', gritaram para mim. Alguém me algemou e, em seguida, me deu um golpe violento. Acabei em uma poça de sangue. Eram indianos", disse Jaubert. Tiina e Latifa se esconderam em um banheiro. De lá, a princesa começou a enviar mensagens para Radha Sterling, informando que seu barco estava sob ataque. "Me ajude", pediu pelo telefone. Do outro lado, Sterling escutou sons que lhe pareceram ser de disparos. Tiina e Latifa foram encontradas e, sob a mira de uma arma, levadas para o convés. "Escutei árabe e me dei conta que alguém dos Emirados havia nos abordado", recordou a treinadora Tiina. Latifa então gritou e pediu asilo. Disse que preferia morrer ali mesmo. "Foi a última vez que a escutei falar. Estava paralisada", contou Tiina. "Eu estava preparada para enfrentar piratas, mas nunca um conluio entre Índia e Emirados Árabes", falou Jaubert. Sete dias depois, foi postado no YouTube o vídeo que Latifa havia gravado antes da tentativa de fuga e enviado para amigos divulgarem se algo ocorresse a ela. Tiina Jauhiainen ainda tem esperanças de que sua amiga esteja bem Dúvidas sobre o paradeiro de Latifa Tiina, sua amiga finlandesa, e o ex-espião francês Jaubert foram levados a Dubai. Ela foi acusada de manipular a princesa e ele, de sequestrá-la. Os dois dizem que as autoridades de Dubai tentaram forçá-los a desmentirem as denúncias da princesa rebelde, mas eles não o fizeram. Duas semanas depois, acabaram liberados. "Me sinto muito mal, porque eu deveria tê-la levado a um lugar seguro. Talvez ela nem esteja com vida", lamentou Jaubert. Mohammed bin Rashid Al Maktoum e o governo de Dubai negaram os relatos de fuga, dizendo que Latifa está em casa. "Latifa e Shamsa são adoradas e valorizadas por sua família e Latifa está agora segura em Dubai", disseram em comunicado. Também divulgaram, no final de dezembro, uma foto da princesa ao lado de Mary Robinson, ex-chefe do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos e ex-presidente da Irlanda, supostamente tirada em 15 de dezembro em Dubai. Governo de Dubai divulgou esta foto de Latifa ao lado da ex-chefe de Direitos Humanos da ONU Mary Robinson Em entrevista à BBC Radio 4, Robinson afirmou que havia sido convidada a Dubai pela princesa Haya, mulher do xeique, para "ajudar com um dilema da família" real. "O dilema era que Latifa está vulnerável, com problemas. Ela fez um vídeo (em referência ao vídeo postado em fevereiro) do qual se arrepende e planejou uma fuga, ou parte de uma fuga", afirmou a irlandesa. "Almocei com ela. Ela é uma jovem muito agradável, mas claramente perturbada e precisa da ajuda médica que está recebendo." Robinson afirmou também que a princesa está sendo atendida por um psiquiatra, mas não deu mais detalhes. Disse que Latifa e a família não querem que ela "sofra com ainda mais publicidade". Já Radha Stirling, do grupo Detidos em Dubai, criticou a entrevista de Robinson e disse que ela não esclarece se a princesa está em segurança. "Qualquer pessoa familiar com a história da princesa Latifa que escutou a entrevista de Robinson ficará assombrada pela forma como Robinson parece estar recitando quase literalmente do roteiro escrito por Dubai", declarou. "O encontro (retratado na foto) de forma alguma me assegura de que Latifa está livre do abuso que sofreu por anos." Tiina tem a esperança de que sua amiga "siga viva, que tenha força e não se dê por vencida". E recorda as últimas palavras de Latifa no final do seu vídeo revelador. "Se eu não sair desta, espero que ao menos surja algo bom." *Esta reportagem foi atualizada em 3 de janeiro de 2019, com informações divulgadas pelo governo de Dubai sobre a princesa, uma novo foto de Latifa e uma entrevista com Mary Robinson Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
O homem que está ressuscitando idiomas extintos | Como muitas pessoas na Austrália, o professor Ghil'ad Zuckermann colabora regularmente com um fundo para salvar o Diabo da Tasmânia. | A língua falada pelo povo Guugu Yimithirr (na foto) é apenas uma das muitas línguas aborígenes que estão agora ameaçadas de extinção Esse animal está em risco de extinção, juntamente com grande parte da incomparável vida selvagem que faz da Austrália um lugar tão único e enigmático. No entanto, as pressões da vida moderna não atingem apenas a fauna local. Embora a Austrália seja famosa em todo o mundo por sua biodiversidade, para um professor de linguística como Zuckermann, o país gera outro fascínio: suas línguas. Antes da chegada dos colonizadores europeus, a Austrália costumava ser uma das áreas com maior diversidade linguística do mundo, com cerca de 250 idiomas diferentes. Devido, em parte, ao longo isolamento geográfico, muitos deles desenvolveram estruturas gramaticais e conceitos completamente diferentes quando comparados com outros ao redor do mundo. Uma dessas línguas é chamada Guugu Yimithirr. Falada no norte do Estado de Queensland, deu ao mundo a palavra "canguru". Fim do Talvez também te interesse Mas, de acordo com o Censo australiano de 2016, o Guugu Yimithirr tem apenas 775 falantes nativos vivos atualmente - e esse número está caindo. Das 250 línguas faladas antes da chegada dos colonos, todas com exceção de 13 são consideradas "com alto risco de extinção" nos dias de hoje - e pouca gente presta atenção a isso. Ghil'ad Zuckermann descobriu que trazer línguas mortas de volta à vida pode trazer muitos benefícios para as populações indígenas Importância da diversidade linguística "Acredito que a maioria das pessoas se preocupa mais com os animais em risco de extinção do que com idiomas em risco de extinção", explica Zuckerman. "A razão é que os animais são tangíveis. Você pode tocar um coala. Coalas são fofos. Idiomas, no entanto, não são tangíveis. Eles são abstratos. As pessoas entendem a importância da biodiversidade muito mais do que a importância da diversidade linguística." No entanto, para Zuckermann, preservar essa diversidade linguística é extremamente importante. Para comunidades indígenas na Austrália e no mundo que ainda estão lutando contra o legado da colonização, ser capaz de falar sua língua ancestral é uma questão de empoderamento e recuperação de identidade. E isso pode gerar consequências significativas para a saúde mental. Protesto pelos direitos dos aborígines em Melbourne, na Austrália. O reconhecimento e a valorização das línguas indígenas é um dos muitos problemas que afetam essas comunidades Ghil'ad Zuckermann visitou a Austrália pela primeira vez em 2004. Ele ficou tão apaixonado pelo país que decidiu fazer algo para ajudá-lo. Como professor de linguística em Israel, filho de um sobrevivente do Holocausto, e especialista em análise do renascimento da língua hebraica, Zuckermann identificou rapidamente uma área em que seu trabalho poderia ter um impacto positivo: o renascimento e o fortalecimento das línguas e culturas aborígenes. Assim, estabeleceu pela primeira vez o campo transdisciplinar de pesquisa chamada Revivalistics, que se concentra em apoiar a sobrevivência, renascimento e revigoramento de línguas ameaçadas e extintas em todo o mundo. São idiomas que vão do hebraico ao galês, passando pelo córnico e irlandês - sem mencionar os falados na América do Norte, como Wampanoag e Myaamia, entre muitos outros. Exemplo na terra natal Israelense, Zuckermann cresceu como um falante nativo do hebraico moderno, sem dúvida o exemplo mais bem-sucedido de renascimento de uma língua até hoje no mundo. O hebraico ficou extinto por quase 2 mil anos, até que os revivalistas da língua começaram a usá-lo novamente no fim do século 19. Para isso, adaptaram a antiga língua da Torá para que ela pudesse se adequar à vida moderna. Por fim, se tornaria a língua materna de todos os judeus do então criado Estado de Israel, fundado em 1948. A experiência e a vivência pessoal de Zuckermann com o hebraico moderno influenciaram enormemente seu trabalho atual na Austrália, precisamente por causa de sua visão crítica. Ele argumenta que a língua hoje falada por milhões de pessoas em Israel e conhecida como hebraico não é, e nem poderia ser, a mesma língua da Bíblia. "Os judeus não conseguiram reviver o idioma de Isaías. É simplesmente impossível reviver uma língua como ela era antes", diz. O hebraico moderno é muito diferente da língua antiga - mas agora desenvolveu uma vida própria Em vez disso, Zuckermann explica que o hebraico moderno, ao qual se refere como "israelense", é uma língua híbrida, que aproveitou as influências que os migrantes judeus trouxeram para Israel de suas línguas nativas, como iídiche, polonês, russo e árabe. Ao longo de gerações, essas diversas variantes se misturaram e moldaram a língua à sua forma moderna. E de acordo com Zuckermann, isso não deve ser visto como um problema. Essas mudanças são naturais e necessárias no processo de ressuscitar uma língua. "Presto mais atenção ao falante do que ao idioma em si. Um falante de iídiche não consegue se livrar da lógica do idioma, mesmo que odeie o iídiche e queira falar hebraico. Mas no momento em que a pessoa entende a importância do falante nativo em detrimento do purismo linguístico e da autenticidade da língua, essa pessoa pode ser um bom revivalista", explica. Belezas adormecidas Grande parte do trabalho de Zuckermann na Austrália se concentrou em Barngarla, uma língua morta - Zuckermann prefere o termo "bela adormecida" - que foi falado nas áreas rurais do sul do país entre as cidades de Port Augusta, Port Lincoln e Whyalla. O último falante nativo, Moonie Davis, morreu em 1960. No entanto, quando Zuckerman entrou em contato com a comunidade Barngarla e propôs ajudar a ressuscitar sua língua e cultura, ficou impressionado com a resposta. Ele ouviu: "Estávamos esperando por você há 50 anos". O ponto de partida de Zuckermann foi um dicionário escrito em 1844 por um missionário luterano chamado Robert Schürmann. Em 2011, Zuckermann começou a realizar viagens regulares ao território de Barngarla para oferecer oficinas de renascimento linguístico. Com ajuda e orientação de Zuckermann, a comunidade recorreu ao conhecimento armazenado no dicionário de 1844 de Schürmann. Além disso, muitos também compartilharam o que puderam lembrar das palavras que ouviram de seus pais e avós. Na ocasião, debates foram realizados sobre como criar palavras apropriadas que poderiam ser aplicadas à vida moderna. Barngarla deveria seguir o precedente do inglês e se referir ao computador usando a metáfora da "computação"? Ou deveriam, em vez disso, fazer alusão ao mandarim, cuja palavra 电脑 (diànnǎo) significa literalmente "cérebro elétrico"? A ressuscitação de línguas aborígenes pode coincidir com uma maior apreciação da arte e cultura destas comunidades O resultado é a moderna Barngarla, uma língua que renasceu sendo a mais próxima possível do Barngarla falado antes que seu último falante nativo morresse. No entanto, inevitavelmente, como no caso do hebraico moderno, nunca será totalmente a mesma. Muito tempo se passou e houve uma influência considerável da língua colonial, neste caso o inglês, para o Barngarla de hoje ser uma cópia do original. Trata-se, assim, de uma língua híbrida, mas que a comunidade Barngarla pode se sentir orgulhosa de falar mais uma vez. Para Zuckermann, não há nada de errado nisso. De fato, muito pelo contrário: "O hibridismo resulta em nova diversidade linguística". Linguicídio "Linguicídio" - o assassinato de uma língua - está entre as 10 formas de genocídio que são reconhecidas pelas Nações Unidas. A língua Barngarla não morreu em 1960 apenas de causas naturais. Como muitas línguas aborígenes, do início a meados do século 20, foi ativamente destruída e submetida a políticas cruéis e imperialistas do governo australiano na época, que retirava as crianças de suas mães e as enviava para internatos a milhares de quilômetros de distância. Lá, elas aprendiam inglês e rapidamente esqueciam sua língua materna. Se por acaso voltavam para suas terras ancestrais, elas se viam incapazes de se comunicar com suas próprias famílias, já que não compartilhavam mais um idioma comum. Lavinia Richards é uma das crianças das "gerações roubadas". Ela se lembra do trauma de ser separada de sua mãe pelas autoridades australianas e forçada a falar uma língua estrangeira - o inglês. Quando a comunidade de Barngarla lançou um CD de histórias e canções de pessoas de Barngarla afetadas pela "geração roubada" em junho de 2018, ela incluiu um poema que escreveu sobre uma flor que lembrava a mãe, uma lembrança de uma vida que lhe foi negada porque nasceu falando a língua errada. Para Zuckermann, há três razões pelas quais as pessoas devem apoiar o renascimento de uma língua. A primeira é a simples questão ética de corrigir os erros da supremacia linguística colonial. Zuckermann afirma que o próprio fato de que o governo australiano da época tentar ativamente destruir a diversidade linguística da Austrália, impulsionada talvez pelas noções racistas de políticos como Anthony Forster, que em 1843 declarou "os nativos seriam civilizados mais rápido se sua língua fosse extinta", já basta para convencê-lo. No entanto, a segunda razão de Zuckermann é utilitária. O renascimento da linguagem vai além da simples comunicação. Ele argumenta que se trata de "cultura, autonomia cultural, soberania intelectual, espiritualidade, bem-estar e alma". "Quando você perde sua língua, você perde sua alma. Quando você revive seu idioma, você não apenas revive seus sons, suas palavras, seus morfemas e seus fonemas. Você revive tudo". Ao longo dos seus muitos anos de trabalho no renascimento de línguas, Zuckermann tornou-se cada vez mais convencido de uma tendência clara. Ele acredita ter observado uma melhora na saúde física e mental da população entre as comunidades aborígines que reivindicaram sua língua ancestral. Ele enxerga uma queda acentuada na incidência de suicídio, alcoolismo, vício e diabetes - problemas que infelizmente são comuns entre os aborígenes em toda a Austrália. Estas são apenas observações anedóticas, mas em 2017, ele começou uma pesquisa de cinco anos para ver se encontra provas concretas para sustentar sua teoria. Caso esteja certo, diz acreditar que isso deve dar ao governo australiano motivo suficiente para apoiar programas de revitalização de idiomas em todo o país por meio de impostos destinados ao financiamento da saúde pública. Um estudo do Canadá descobriu que as comunidades que preservaram sua língua indígena tendem a ter taxas de suicídio menores Um estudo preliminar de 2007 da Universidade de Oxford, no Reino Unido, e da Universidade da Colúmbia Britânica e da Universidade de Victoria, no Canadá, parece embasar as afirmações de Zuckermann. Ao analisar dados do Censo canadense, os pesquisadores descobriram que as taxas de suicídio de jovens "caíram efetivamente para zero nas poucas comunidades em que pelo menos metade dos membros relatou algum nível conversacional de sua língua 'nativa'". "Acredito realmente que bilhões de dólares na Austrália foram desperdiçados em programas estúpidos aprovados por médicos. Posso provar qualitativa e quantitativamente que a recuperação da língua nativa melhora a saúde do paciente", diz Zuckermann. "Se você mata a língua de uma comunidade aborígene, você causa depressão. Se você causa depressão, você faz com que as pessoas percam a vontade de cuidar de seu bem-estar." A terceira e última razão citada por Zuckermann para apoiar o renascimento de um idioma é estética. Em outras palavras, a coexistência de tantas línguas, distintas e únicas, é bonito de se ver. O multilinguismo da Austrália é uma espécie de reflexo humano da biodiversidade pela qual o país é tão bem conhecido. No entanto, Zuckermann está ciente de que, de todos os seus argumentos, este é o que pode encontrar pior recepção entre o público em geral. Para Candace Kaleimamoowahinekapu Galla, uma havaiana nativa e professora-associada da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, falar sua língua ancestral e promover seu uso entre seus colegas havaianos, é "simples, mas fundamental". Trata-se de uma questão de orgulho. "Mas não de uma forma egoísta", esclarece ela, rapidamente. "É um orgulho humilde. É acessar documentos, jornais ou histórias dos anos 1800 e compreendê-los em um nível diferente do que ler sua tradução em inglês." O conhecimento da língua indígena pode aumentar a apreciação de outras formas de expressão cultural, como música e dança Galla descreve a língua havaiana como a base de tudo que distingue a cultura do Havaí. Ela diz acreditar que mesmo a famosa dança Hula, que alcançou status de um fenômeno global, é impossível de ser executada sem compreender o havaiano, a letra e o movimento por trás da letra. Sem um entendimento dessas coisas, você está "apenas aprendendo coreografia", de acordo com Galla. "Você não pode dançar Hula sem ser havaiano. Você pode dançar, mas não é Hula". Pensando no futuro, Zuckermann tem grandes planos. Após a decisão de fundar o Revivalistics e trabalhar com a comunidade de Barngarla, ele diz que seu próximo passo é espalhar sua mensagem ao máximo. Desde que dirigiu seu primeiro curso online de código aberto sobre o renascimento de idiomas em 2014, ele já teve mais de 11 mil participantes de 188 nações, incluindo Afeganistão, Síria e países onde o genocídio e o linguicídio são comuns. "Quero alcançar pessoas que não são acadêmicas. Pessoas que são ativistas de idiomas, mas que não vão à universidade e não têm dinheiro para fazer as coisas. Pessoas que gostariam de reviver seu próprio idioma", conclui. *Alex Rawlings é escritor e poliglota, fluente em 11 línguas. Seu livro mais recente é From Amourette to Żal: Bizarre and Beautiful Words from Around Europe ('De Amourette a Żal: Palavras Bizarras e Bonitas da Europa', em tradução livre). Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
A ilha grega que guarda a língua escrita mais antiga da Europa | Giannis Bellonias estava parado à beira de um mirante em Imerovigli, vilarejo localizado no alto de uma montanha na ilha grega de Santorini, à espera do pôr do sol no Mar Egeu. | Santorini é formada por cinco ilhas que rodeiam uma enorme caldeira vulcânica | Foto: Sylvain Sonnet/Getty Images Foi quando ele se virou para mim e disse: "Olha, olha ali! Olha o vulcão". Morador de Santorini, Bellonias apontava para o que são, de fato, duas pequenas ilhas de lava negra formadas pela atividade vulcânica - consideradas os mais recentes fragmentos de terra da bacia oriental do Mediterrâneo: Palea Kameni (Queimada Velha, em tradução livre) e Nea Kameni (Queimada Jovem). Com suas tradicionais casas brancas e igrejas de cúpula azul construídas ao longo das encostas, Santorini é um dos destinos turísticos mais famosos da Grécia. É cenário de folhetos de viagem a postagens do Instagram. E não é à toa que se tornou uma das principais referências no imaginário popular de ilha grega. Mas o que pouca gente sabe é que o cartão-postal guarda um segredo sombrio. Localizada no sul do Mar Egeu, Santorini é formada por um pequeno grupo circular de cinco ilhas que fazem parte das chamadas Cíclades: Thera, ilha principal, em forma de meia lua; Thirasia e Aspronisi, que fecham a circunferência; e as duas ilhas de lava, apontadas por Bellonias, ao centro. Todas as cinco ilhas rodeiam uma enorme caldeira - cratera que se forma após uma erupção vulcânica -, sendo a maior parte submersa. Mas nem sempre foi assim. Durante a Idade do Bronze, há cerca de 5 mil anos, Santorini era uma única massa de terra vulcânica chamada Stronghyle (que significa "redondo", em grego) - e desempenhou um papel crucial na história. Acredita-se que o império minoico tenha se expandido até o Egito e a Síria | Imagem: De Agostini/G. Nimatallah/Getty Images Naquela época, uma civilização começou a se desenvolver na ilha de Creta, nas proximidades de Santorini. Seus habitantes eram conhecidos como minoicos - por causa de Minos, lendário rei de Creta. Eles eram um povo enigmático e educado, formado não só por guerreiros, mas também comerciantes, artistas e navegantes. A ascendência dos minoicos é objeto de uma disputa calorosa: enquanto alguns acreditam que eles foram refugiados do Delta do Nilo, no Egito, outros argumentam que eles saíram da antiga Palestina, Síria ou da Alta Mesopotâmia. Uma pesquisa recente sugere, no entanto, que a civilização minoica se desenvolveu localmente, a partir dos primeiros agricultores que viveram na Grécia e no sudoeste da Anatólia. Seja qual for a origem, não há dúvida de que, entre 2600 e 1100 a.C., uma civilização altamente sofisticada e avançada prosperou por aqui. Escavações realizadas em Creta, no sítio arqueológico de Knossos (capital da civilização minoica), desenterraram as ruínas de um surpreendente palácio, joias de ouro e afrescos. Ao longo dos séculos, o império minoico expandiu para a ilha de Rodes (309 km a leste de Stronghyle), assim como para regiões da costa da Turquia - e acredita-se que tenha chegado até o Egito e a Síria. Stronghyle (atualmente, Santorini) era um posto avançado estratégico para os minoicos devido à sua posição privilegiada na rota de comércio de cobre entre Chipre e Creta. Os sistemas de escrita mais antigos da Europa foram encontrados em construções de Akrotiri | Foto: Gail Mooney/Corbis/VCG/Getty Images "Escavações em Akrotiri (uma aldeia no sudoeste de Santorini) encontraram casas de três andares, palácios grandes e elaborados, as primeiras estradas pavimentadas da Europa, água corrente e um espetacular sistema de esgoto", conta Paraskevi Nomikou, professora assistente de oceanografia geológica e geografia natural na Universidade de Atenas. E, mais fascinante ainda, foram descobertos os primeiros sistemas de escrita da Europa, registrados em construções de Akrotiri e em rochas dos palácios de Knossos e Malia. Foi aqui que os minoicos grafaram suas primeiras palavras escritas, inicialmente na forma de hieróglifos cretenses e, mais tarde, usando o sistema Linear A. Os hieróglifos cretenses fazem parte de uma escrita antiga baseada em cerca de 137 pictogramas - que remetem a plantas, animais, partes do corpo, armas, navios e outros objetos. Acredita-se que esteve em uso até 1700 a.C. Gradualmente, os minoicos aperfeiçoaram os hieróglifos cretenses, chegando ao sistema Linear A, mais convencional, que foi utilizado até cerca de 1450 a.C. Ele era composto por vários números, 200 símbolos e mais de 70 sinais de sílaba, sendo mais parecido com a linguagem que conhecemos hoje - embora ambas as escritas permaneçam indecifráveis. A escrita Linear A - com 200 símbolos e 70 sinais de sílaba - se assemelha mais à linguagem que conhecemos hoje | Foto: Print Collector/Getty Images Com razão, os criadores da língua escrita mais antiga da Europa foram saudados como a primeira civilização alfabetizada do continente. E suas conquistas intelectuais só eram superadas por seu estilo descontraído de viver. Eles celebravam a vida, até mesmo em funerais, faziam amizade com touros, em vez de matá-los, e conviviam em harmonia com a natureza. E foi justamente a natureza que decidiu exterminá-los. Entre 1627 a.C. e 1600 a.C., Stronghyle foi palco de uma erupção vulcânica - conhecida como erupção Minoica ou Santorini -, talvez a maior em 10 mil anos. "Antes da erupção, a caldeira atual não existia. Em vez disso, havia uma caldeira menor, decorrente de uma erupção muito mais antiga, que formava uma lagoa no norte da ilha", explica Nomikou. "Durante a erupção, materiais vulcânicos de 60m de espessura foram jogados no mar, gerando um tsunami de 9m de altura, que atingiu as margens de Creta. " Acredita-se que a série de ondas tenha chegado à costa oeste da Turquia e até Israel. Erupção vulcânica no fim da Idade do Bronze deu origem à atual caldeira de Santorini | Foto: Florian Trojer/Getty Images Uma vez que a devastação terminou, a caldeira atual começou a se formar - e milhares de anos se passaram até surgir a Santorini que conhecemos hoje. Para os minoicos, era o princípio do fim. "A destruição vulcânica dizimou seus barcos comerciais, e a enorme quantidade de dióxido de carbono que foi liberada na atmosfera desestabilizou o equilíbrio climático, devastando a agricultura minoica", acrescenta a professora. "Tudo isso gradualmente permitiu aos micênicos (civilização da Idade do Bronze que habitava a Grécia continental entre 1600 a.C. e 1100 a.C.) aproveitar a chance de acabar com a independência minoica." Mas o que intriga Nomikou é que, ao contrário da antiga cidade romana de Pompéia, coberta por mais de 6 metros de cinzas e pedras após a erupção do vulcão Vesúvio em 79 d.C., nenhum corpo foi encontrado em Santorini. "Tudo indica que o povo de Santorini foi avisado com antecedência e escapou", diz ela. Até hoje, ninguém sabe para onde eles foram. A língua grega propagou a democracia, o teatro e a filosofia pelo mundo | Imagem: Universal History Archive/Getty Images Mas se Santorini destruiu a primeira grande civilização da Europa, não extinguiu sua língua. Uma vez que os micênicos dominaram o antigo império minoico, substituíram o sistema de escrita Linear A por uma versão aprimorada, conhecida como Linear B. Trata-se da forma inicial da língua grega antiga, que propagou a democracia, o raciocínio científico, o teatro e a filosofia por todo o mundo. Mais de 3,5 mil anos após a destruição, Bellonias se orgulha de ser dono de uma das tradicionais propriedades na encosta de Santorini, esculpidas diretamente na caldeira vulcânica. "Essas casas tem o ar-condicionado perfeito. No inverno, o vulcão envia calor na sua direção e, no verão, refresca ", conta com um sorriso. Bellonias é um colecionador de arte, fundador de um instituto cultural que abriga uma biblioteca com 35 mil livros - incluindo centenas de títulos dedicados a Santorini. Em seis décadas, ele já viveu dentro e fora da ilha. "Pode te surpreender, mas o que povoa minha mente é esse cheiro", diz ele. "Quando eu era criança, toda vez que saíamos de Atenas (onde ele passou a infância) e chegávamos à ilha, estava amanhecendo - a viagem era árdua naquela época. E eu era tomado pelo cheiro dos cavallines, o excremento dos cavalos que levavam os moradores e turistas até Imerovigli, antes de Santorini ficar famosa." 'Não consigo descrever o pôr do sol em palavras', diz Bellonias | Foto: Lee Frost/Getty Images "Você ainda pode sentir o cheiro dos cavallines se abrir mão do conforto do seu carro", acrescenta Bellonias, olhando para as ilhas vulcânicas à sua frente, atrás das quais o colorido do céu - que vai do vermelho ao ultravioleta - anuncia a chegada do pôr do sol. "Eu nunca consegui traduzir essas cores em palavras. E não acho que alguém que já tenha morado nesta ilha tenha (conseguido). Pode ser carmim, rosa, laranja, vermelho, violeta... Eu simplesmente não consigo descrever o pôr do sol em palavras. Para mim, é um sentimento visceral. Santorini não é para os fracos". E ele provavelmente está certo. Não é à toa que destruiu a primeira civilização da Europa. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Travel. |
O chocante caso do 'serial killer' confesso que, na verdade, nunca matou ninguém | Ele chegou a ser considerado um dos mais terríveis serial killers da história da Europa. | Thomas Quick foi condenado por oito dos 39 assassinatos que confessou, apesar de ser inocente O sueco Sture Ragnar Bergwall — que adotou a alcunha de Thomas Quick — confessou ter cometido 39 assassinatos de homens, mulheres e crianças. Os casos relatados por ele incluíam estupros, mutilações e até episódios de canibalismo. E, ao longo da década de 1990 e 2000, foi condenado a dezenas de anos de prisão por oito destes crimes. Mas, na verdade, ele era inocente — não havia matado ninguém. Todas as suas confissões eram falsas. Fim do Talvez também te interesse Sua imagem rodou o mundo — ele chegou a ser chamado de monstro pela imprensa internacional, que o comparava ao personagem Hannibal Lecter, o sádico serial killer do filme O Silêncio dos Inocentes. A verdade só foi descoberta em 2013, graças ao minucioso trabalho de investigação do já falecido jornalista sueco Hannes Råstam, com a ajuda de sua assistente Jenny Küttim. Depois disso, todas suas condenações por assassinato foram revistas e anuladas. Prestes a completar 70 anos, Thomas Quick está em liberdade. Vive em um lugar sigiloso, fora da Suécia, e tenta recomeçar sua vida. A verdade foi descoberta pelo jornalista sueco Hannes Råstam, à esquerda de Thomas Quick na foto, com a ajuda de sua assistente Jenny Küttim Neste mês, foi lançado na Suécia e na Noruega o filme Quick, dirigido pelo cineasta Mikael Håfström, que conta a história do que é considerado o maior erro jurídico da história da Suécia. Mas por que Quick mentiu? Por que confessou crimes terríveis que não havia cometido? A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com Jenny Küttim para tentar entender. BBC News Mundo - Vamos começar do princípio. Quem era Thomas Quick? Que tipo de pessoa seria capaz de confessar mais de 30 assassinatos que não cometeu? Jenny Küttim - Quick era um perdedor, foi a ovelha negra da família a vida toda. Usava drogas e foi alguém que mentiu a vida toda. Entre outras coisas, ele era homossexual, mas, como cresceu em uma família profundamente cristã que rejeitava a homossexualidade, ele se reprimia, não aceitava ser gay. E começou a molestar crianças quando estava drogado ou bêbado. BBC News Mundo - Em 1991, ele tentou roubar um banco vestido de Papai Noel, armado com uma faca, para conseguir dinheiro para comprar drogas. Ele foi detido e foi parar na cadeia, é verdade? Küttim - Sim. Quick cometeu esse roubo e, por causa de seu depoimento, seu melhor amigo acabou na prisão. Então todos seus outros amigos deram as costas para ele. E ele se sentiu muito sozinho. BBC News Mundo - Pouco depois de ser preso, ele pediu para ser internado, por vontade própria, na clínica psiquiátrica de segurança máxima de Säter, a cerca de 200 quilômetros de Estocolmo. Por quê? Küttim - Quick tinha 40 anos quando deu entrada na prisão psiquiátrica. Ele queria entender a si mesmo e a homossexualidade. BBC News Mundo - Como era a clínica de Säter? Que tipo de tratamento ele recebeu lá? Küttim - Quando Quick chegou a Säter nos anos 1990, havia um grupo de psiquiatras e psicoterapeutas liderados por Margit Norell, uma psicanalista célebre na Suécia. Norell queria entender como funcionava a mente de um criminoso e, para isso, usou uma terapia baseada nos primeiros ensinamentos de Sigmund Freud, segundo os quais mulheres com histeria reprimiam memórias e, portanto, desenvolviam essa doença nervosa. Então eles tentaram tirar essas memórias de Quick. Mas Quick não tinha nenhuma história incrível para contar. BBC News Mundo - Quick começou a mentir para agradar psiquiatras e psicoterapeutas? Küttim - Quick queria continuar fazendo terapia, queria entender a si mesmo. E, além disso, na prisão psiquiátrica, davam drogas a ele, davam benzodiazepínicos (medicamentos psicotrópicos que são frequentemente receitados a viciados em drogas para ajudá-los a se acalmar). E Quick era um viciado, queria drogas. Então ele começou a mentir para chamar a atenção dos psiquiatras. Era fácil para ele, estava acostumado a mentir, tinha feito isso a vida toda. E começou a confessar crimes. Ele sempre foi um leitor voraz, lia sempre os jornais. Por isso, conhecia os principais casos de assassinato que abalaram a Suécia e que não haviam sido resolvidos, e alegou ser responsável por esses crimes. BBC News Mundo - Como os psiquiatras de Säter reagiram diante das confissões de Quick? Küttim - Os terapeutas ficaram bastante entusiasmados com o fato de Quick ter confessado os crimes, crimes de que ele "não se lembrava" até chegar à clínica. Para ajudá-lo a "lembrar", davam a ele livros sobre serial killers, como Psicopata Americano, artigos de jornal... Além disso, nos primeiros anos, Quick teve permissão para deixar Säter e ir até as bibliotecas públicas de Estocolmo, onde lia nos jornais notícias sobre assassinatos. BBC News Mundo - E suponho que os terapeutas de Säter tenham comunicado as confissões de Quick à polícia... Küttim - Quick nunca pensou que seria julgado, muito menos condenado pelos assassinatos que confessara para chamar a atenção dos terapeutas. Mas os psicoterapeutas estavam convencidos de que as confissões dele eram verídicas, que as coisas poderiam realmente ter ocorrido como Thomas Quick disse que aconteceram. Então convenceram a polícia que investigava os casos a acreditar em suas memórias reprimidas. A imagem de Thomas Quick rodou o mundo — ele chegou a ser chamado de monstro pela imprensa internacional Todos ficaram fascinados com Quick: os psiquiatras, a polícia... Acreditaram nele e realizaram buscas por toda a Suécia pelos corpos das pessoas que Quick disse ter matado. Quando Quick falava que havia enterrado os restos mortais de uma de suas vítimas aqui ou ali, a polícia ia às pressas para o local investigar. Quick tinha um poder enorme, qualquer coisa que ele dissesse mobilizava a polícia e os psiquiatras. BBC News Mundo - Seis tribunais suecos distintos condenaram Quick por oito assassinatos. No entanto, nunca encontraram nenhum corpo, tampouco conseguiram achar evidências materiais contra ele, é verdade? Küttim - Se for olhar para as provas, realmente não havia nada contra Quick. Os veredictos contra ele foram baseados em suas próprias confissões e supostas memórias reprimidas. Apenas no julgamento pelo assassinato de Therese Johannesen (uma menina de 9 anos morta em 1988 em Drammen, na Noruega) havia evidências que iam além da confissão de Quick: a polícia encontrou um pedaço de osso que, segundo um especialista, pertenceria a uma criança com menos de 14 anos. Essa prova se encaixava perfeitamente na história que Quick havia contado sobre o assassinato. BBC News Mundo - Quando Hannes Råstam e você começaram a investigar o caso Thomas Quick? Küttim - Em 2007, 2008. Eu tinha 24 anos. Já havíamos feito um documentário sobre Thomas Quick e quatro assassinatos que ele confessara. Depois de fazer esse documentário, nos perguntamos quantas pessoas poderiam estar na prisão por terem confessado crimes que, na verdade, não haviam cometido. E uma dessas pessoas era Thomas Quick. A Suécia estava dividida: havia uma parte da sociedade que estava satisfeita em saber que ele era o culpado por essas mortes. Mas também havia pessoas que não acreditavam que ele tivesse cometido os crimes que confessara. Decidimos então estudar todo o material sobre ele para tentar entender o que realmente havia acontecido e por que havia pessoas que estavam absolutamente convencidas da sua culpa. E foi assim que tudo começou. O filme 'Quick', dirigido pelo cineasta sueco Mikael Håfström, conta a história do falso serial killer BBC News Mundo - Que método vocês usaram? Küttim - Revisamos tudo, tudo, inclusive o histórico médico completo dele que, de acordo com a investigação policial, deixava absolutamente clara sua culpa. Mas obviamente não era bem assim. BBC News Mundo - Como era Hannes Råstam como jornalista? Küttim - Ele era um jornalista obsessivo com detalhes, e o segredo quase sempre está nos detalhes. Ele era um grande jornalista investigativo, um jornalista de raça. Quando via algo que não se encaixava, não parava até entender o que estava acontecendo. E ele também era alguém que acreditava nas pessoas, que acreditava em segunda chance. E, no caso de Thomas Quick, ele percebeu que poderia ser uma vítima. Mas, acima de tudo, se empenhou em entender o que estava acontecendo. O caso de Thomas Quick foi o auge do seu trabalho, mas foi fruto de todas as investigações jornalísticas que havia feito antes. BBC News Mundo - Quick colaborou com vocês? Küttim - Sim. Depois de seis meses trabalhando com ele, Quick retirou as confissões. Um dia, nos disse: 'O que posso fazer se não cometi esses assassinatos? Ser preso?' E Hannes Råstam falou: 'Agora você tem sua grande oportunidade: me dizer a verdade'. Tudo o que sabíamos era que Quick era um mentiroso, um grande mentiroso, um mentiroso magistral. Mas quando retirou suas confissões, nos convencemos de que ele não estava mentindo. BBC News Mundo - Mas ainda havia aquele pedaço de osso que, segundo um especialista, pertencia a uma criança com menos de 14 anos e foi encontrado no lago onde Quick alegou ter jogado o corpo da menina Therese Johannesen... Küttim - Sim. Esse osso era uma prova contundente contra Quick e por vários meses nos confundiu bastante. Mas em 2010, foi revelado que esse suposto osso era, na verdade, um pedaço de plástico. BBC News Mundo - A partir daí, todas as sentenças contra Quick foram revisadas e caíram uma após a outra... Como é possível que tantos erros tenham sido cometidos pelos terapeutas, pela polícia e pelos tribunais? Küttim - Os terapeutas que cuidaram de Quick, os policiais responsáveis pela investigação, eram como uma seita, como um culto. Se alguém manifestasse algum tipo de objeção, era excluído do grupo. Houve, por exemplo, agentes que questionaram como era possível que Quick tivesse usado 13 maneiras diferentes de matar, algo incomum para um serial killer, e foram afastados da investigação. E não para por aí: eles ocultaram todas as evidências que colocavam em xeque que Quick era o verdadeiro autor desses assassinatos, e não apresentaram aos tribunais com o argumento de que (as provas) poderiam confundi-los, que poderiam fazer com que não enxergassem Thomas Quick como o serial killer que tinham certeza que ele era. Eles estavam convencidos de que ele era um serial killer, haviam decidido, e não queriam que nada estragasse isso. Além disso, acredito que, em grande parte, o que aconteceu foi resultado do momento em vivíamos. No início dos anos 1990, estávamos muito chocados com o personagem Hannibal Lecter em O Silêncio dos Inocentes e, quando o caso de Quick veio à tona, muita gente se precipitou a compará-lo a ele, houve uma grande pressão da imprensa. A psicoterapia também vivia um grande momento, então tudo isso se juntou. E vale acrescentar que a imprensa não fez seu trabalho: confiou que a investigação policial estava correta, ficou satisfeita por haver um serial killer. Eles poderiam ter feito facilmente seu trabalho, ter feito jornalismo e revisado todo o material de Thomas Quick. Mas não fizeram, não estavam interessados nele, estavam mais interessados na morbidez de haver um terrível serial killer. E Quick, por outro lado, era o paciente perfeito, o assassino perfeito. Todos esses mecanismos se juntaram. BBC News Mundo - Alguém foi condenado por toda a sequência de erros cometidos no caso Thomas Quick, algum terapeuta, alguém da polícia? Küttim - Não. Nenhum terapeuta, nenhuma policial, ninguém foi levado a julgamento no caso Thomas Quick, tampouco recebeu qualquer tipo de punição pela maneira como atuou. Uma comissão investigou o que aconteceu, mas concluiu que nenhuma pessoa específica era responsável pelo ocorrido. BBC News Mundo - E Thomas Quick foi recompensado de alguma forma por ter sido condenado sendo inocente? Küttim - Não. Ele não recebeu absolutamente nenhuma indenização financeira. A comissão que revisou seu caso determinou que ele próprio era o principal responsável pelo que havia acontecido com ele; portanto, não lhe deram nada. BBC News Mundo - Quick deixou Sätar em julho de 2013 como um homem livre, depois que a última das oito condenações por assassinato contra ele foi anulada. O que aconteceu com ele? Küttim - Quick está agora há 16 anos sem usar drogas e é realmente uma pessoa normal. Ele se vê como uma vítima e, em certo sentido, está correto, é obviamente uma vítima, mas também por sua própria culpa. Se não tivesse nos confessado a verdade, se não tivesse nos dito que nunca havia matado ninguém, provavelmente nunca saberíamos o que realmente havia acontecido. Mas, por outro lado, foi ele mesmo quem destruiu as investigações de vários crimes que estavam sendo conduzidas pela polícia, porque quando confessou a culpa por esses assassinatos, a polícia parou de procurar os verdadeiros culpados. E quando foi revelado que Quick era inocente, já era tarde, havia passado muito tempo. BBC News Mundo - Onde ele está? Como vive? Küttim - Quick agora tem 69 anos, vai fazer 70 em breve. Ele mora em um lugar sigiloso, não quer que saibam onde ele está. É óbvio que eu sei, mas não posso contar. Ele não mora na Suécia e está tentando recomeçar. Não quer falar com ninguém. Às vezes, passo algumas solicitações de entrevista por e-mail ou telefone, mas ele rejeita todas. Vive de maneira muito simples e pobre da pequena pensão que recebe. Está livre e é feliz. Quer deixar para trás tudo o que viveu. BBC News Mundo - Ele mostra arrependimento? Küttim - Quick é essa pessoa. Por um lado, é capaz, à sua maneira, de olhar para trás e perceber todo mal que causou a muitas pessoas, a todas as famílias das vítimas. Quick, à direita na foto, agora vive em um lugar secreto fora da Suécia e não quer falar com ninguém Ele carrega nesse sentido um sentimento tremendo de culpa. E, para ser capaz de conviver com esse peso enorme, o que ele faz é se apresentar como vítima. Até certo ponto, ele é uma vítima, é claro que é, mas também é responsável. As famílias das vítimas não gostam de Thomas Quick, nunca gostaram, acreditam que ele destruiu suas vidas. De fato, nenhum dos assassinatos pelos quais ele foi condenado e, na sequência, absolvido, foi esclarecido. BBC News Mundo - Após o caso de Thomas Quick, algo mudou na Suécia para impedir que se repita algo semelhante? Küttim - Houve mudanças, sim, mas não o suficiente. Penso que são necessárias muito mais regulamentações sobre como deve ser o trabalho de policiais e terapeutas. Depois do caso de Thomas Quick na Suécia, houve outros quatro casos em que as sentenças de condenação foram revogadas e, em todos os anos anteriores a Thomas Quick, tinham sido apenas dois. Percebemos que nosso sistema judicial não era tão robusto quanto pensávamos. Agora, por exemplo, há dois promotores para cada caso. Mas no mundo terapêutico o caso Thomas Quick teve menos impacto. BBC News Mundo - Pode haver outros Thomas Quick na Suécia ou em outros lugares do mundo? Küttim - Sim, é claro. É verdade que a história de Thomas Quick é absolutamente extraordinária, com todos os ingredientes imagináveis. Mas confissões falsas são bastante comuns em investigações policiais. O que não é tão comum é confessar tantos assassinatos quanto Thomas Quick confessou e por um período tão longo de tempo. Além disso, as memórias reprimidas estão ganhando terreno novamente agora por causa do movimento #MeToo (contra o assédio sexual). Acho que histórias extraordinárias como a de Thomas Quick continuarão vindo à tona de tempos em tempos, porque os componentes que as tornam possíveis ainda estão em nossas sociedades. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
É triste ter de gastar tanta energia reconstruindo a cultura tão potente do Brasil, diz atriz Maria Fernanda Cândido | A atriz Maria Fernanda Cândido, de 46 anos, está representando o Brasil entre os artistas elegíveis ao Bafta, prêmio equivalente ao Oscar no Reino Unido. Seu nome está sendo considerado por seu papel no filme italiano O Traidor , baseado na história real do mafioso Tommaso Buscetta, que entregou os comparsas para a Justiça e se apaixonou por uma brasileira. | Em 'O Traidor', Maria Fernanda Cândido interpreta uma brasileira que se apaixonou por um mafioso italiano O papel de par romântico do mafioso é um dos muitos trabalhos internacionais recentes da atriz, que gravou o filme italiano Bastardi a Mano Armata (bastardos a mão armada, em italiano) e atualmente está participando de um projeto em Londres sob protocolos rígidos de segurança para proteção contra o coronavírus. Em entrevista à BBC News Brasil, ela diz que fica triste de ver o "desmantelamento do setor cultural" no Brasil, onde ela continua gravando filmes, como Vermelho Monet e Paixão Segundo GH (ainda não lançados), e onde está no ar com a reprise da novela A Força do Querer, na Globo. "A cultura para esse governo, claramente — isso é dito abertamente — não é uma prioridade. E além de não ser uma prioridade ela é de uma certa forma desvalorizada", afirma. A atriz também diz que a onda ultraconservadora que o mundo vive é resultado do medo e da não aceitação das diferenças. "Talvez a gente precise expandir um pouco a nossa capacidade de aceitar as diferenças, e entender que isso não é algo que apenas exige um esforço, mas que é algo bonito, que é algo que traz muita riqueza", diz ela. Fim do Talvez também te interesse Leia os principais trechos da entrevista: A atriz tem feito diversos trabalhos no exterior BBC News Brasil - O tema da máfia é muito recorrente no cinema. Por que ele faz tanto sucesso entre o público? Maria Fernanda Cândido - Existe uma questão da máfia como uma sociedade paralela, um tipo de poder paralelo, com muitos códigos, existe todo um código de honra, uma fidelidade... Mas, ao mesmo tempo, é algo paralelo ao poder, ao status quo, e de certa maneira é muito intrigante. Existe uma grande atração por parte das pessoas. Porém o filme do (diretor Marco) Bellochio não romantiza a máfia, é um retrato muito cru dessa situação e da vida dessas personagens que vivem dentro desse sistema paralelo. A grande questão que o filme traz é o dilema dessa personagem principal, que é o Don Masino, o Tomaso Buschetta, entre ser parte deste grupo que o acolheu durante a vida toda — desde a adolescência ele fez parte da máfia — ou não. Ele diz que a máfia não é mais a máfia, porque a máfia antigamente tinha um código de honra. BBC News Brasil - Sua personagem é uma brasileira, uma mulher normal que se apaixona por um criminoso. O que ela viu nele para fazer ela se apaixonar e viver com ele? Maria Fernanda Cândido - A gente não consegue compreender como uma mulher como Maria Cristina, tão inteligente, tão culta, pertencente a uma família de advogados — uma família que trabalhava com a lei — como uma mulher que vem deste lugar se apaixona por um criminoso, um homem do mundo do crime. É uma pergunta de fato que não tem resposta e eu acho que essas perguntas são as mais atraentes para os atores, para as atrizes, porque é com esse material absolutamente controverso, incongruente, que a gente gosta de trabalhar. E ela foi muito apaixonada por esse homem e ficou com ele até o último dia da vida dele. Ela ainda está vida. E ela não só cuidou dos filhos deles, que tiveram juntos, como ela cuidou dos enteados, os filhos da primeira esposa, da segunda esposa. BBC News Brasil - Como que foi interpretar uma personagem baseada em uma pessoa real? Maria Fernanda Cândido - Foi bem difícil, tínhamos pouquíssimas informações, algumas fotografias... Meu sonho na época era encontrar a Maria Cristina ou pelo menos conversar com ela por telefone, ter algum contato. O que foi absolutamente impossível, porque ela vive sob proteção judicial, então ninguém sabe o paradeiro dela. A personagem de Maria Fernanda Cândio no filme é baseada em brasileira que hoje vive sob proteção judicial BBC News Brasil - O filme tem algumas cenas mais fortes, cenas de tortura da Maria Cristina em um avião. Como você lida com esses momentos mais brutos? Maria Fernanda Cândido - Eu nunca tinha feito uma cena assim, foi a primeira vez que eu participei de uma cena com esse tipo de ação. Era muito complexo porque eu fiquei presa por cabos de aço, cintos de segurança, era seguro. Mas (depois) de ter passado o dia todo presa e pendurada, no dia seguinte eu não conseguia andar, fiquei toda com marcas, fiquei toda roxa. É muito físico. E não foi fácil, porque eu tinha que estar pendurada pelos cabelos. Depois eu não conseguia tossir, não conseguia dar risada porque as costelas ficaram superdoloridas. Enfim, ossos do ofício. BBC News Brasil - O setor cultural foi um setor que sofreu muito com a pandemia no Brasil, ele foi especialmente afetado. Mas mesmo antes da pandemia já tinha artistas reclamando do fato de o governo usar canais oficiais para criticar trabalhos e da diminuição do financiamento para o cinema brasileiro. Como você vê essa crise na cultura e o que você acha que precisa ser feito? Maria Fernanda Cândido - A gente não pode esquecer que antes da pandemia a gente já estava enfrentando grandes dificuldades porque hoje nós temos um governo que não prioriza a cultura. A cultura para esse governo, claramente — isso é dito abertamente — não é uma prioridade. E além de não ser uma prioridade ela é de uma certa forma desvalorizada. É um problema enorme porque também vai provocando um certo desmantelamento do setor. A gente está há dois anos vivendo isso, e agora além de tudo isso tem a pandemia. E de certa maneira, se a gente pensar num próximo governo, que tenha uma relação diferente com a cultura, vai precisar de um tempo para uma reorganização, para uma reconstrução. Não é a primeira vez que o país atravessa esse tipo de problema, a cultura já sofreu antes e ela se reergueu, ela se refez. Estamos aqui e não desistiremos, sobreviveremos. Mas é muito triste ter que passar por tudo isso e depois gastar tempo e energia reconstruindo algo que no Brasil é tão potente, é uma marca tão forte do nosso povo. Somos um povo com muita potência criativa, a nossa cultura é muito exuberante. A atriz está Londres trabalhando sob rígidos protocolos de segurança contra covid-19 BBC News Brasil - Você citou as ações do governo na cultura, mas ações em outras áreas repercutiram muito, a questão das queimadas na Amazônia, o próprio combate à pandemia tem sido polêmico. Isso mudou a imagem do Brasil? Como você tem sentido a repercussão dessas notícias? Maria Fernanda Cândido - As pessoas sabem aquilo que estamos atravessando, elas sabem as características desse governo, isso é um fato. Mas eu percebo que o Brasil tem uma imagem bastante positiva na Europa, nos países onde eu tenho andado. Muito mais positiva do que a imagem que nós mesmos fazemos de nós. O Brasil ainda precisa caminhar muito no sentido de se reconhecer, reconhecer as suas qualidades, a sua própria força, aquilo que nós temos de muito bom. E também reconhecer os pontos em que nós precisamos trabalhar, desenvolver e melhorar. É uma questão de autoconhecimento. BBC News Brasil - Agora a Globo está reprisando a novela A Força do Querer, da qual você faz parte. Ela trouxe o tema da transexualidade como discussão. Entre 2017 e agora, como você sentiu o impacto da sua personagem, da novela e da discussão que ela trouxe? Maria Fernanda Cândido - Não mudou nada ainda. É uma discussão ainda para a sociedade, não é um tema resolvido. Eu acho que ainda tem um impacto, ainda é relevante. Essa discussão está em pauta dentro da sociedade... Homofobia, misoginia, racismo, enfim, todas essas questões são muito atuais e já vêm sendo tratados ao longo de muitas décadas. Se a gente está aqui hoje conversando sobre tudo isso, (é) graças a todos que já começaram essa luta lá atrás. É uma corrida de bastão, que vem sendo passado de mão em mão há muito tempo. Talvez a gente precise expandir um pouco a nossa capacidade de aceitar as diferenças, e entender que isso não é algo que apenas exige um esforço, mas que é algo bonito, que é algo que traz muita riqueza, que enriquece as nossas vidas. Estamos aqui, hoje, nessa onda ultraconservadora que a gente está vivendo. A gente demora para conseguir de fato as grandes transformações. Cultura sofre demantelamento no Brasil, diz Maria Fernanda Cândido BBC News Brasil - Você falou de onda ultraconservadora. Como você tem sentido o impacto disso? Maria Fernanda Cândido - As pessoas quando votam escolhem as diretrizes que elas querem, que elas imaginam que seria adequadas para o seu país. Então se hoje você analisar esse painel dos dirigentes de muitos países a gente tem um grande número de governantes que tem esses princípios muito mais conservadores, de não aceitação de diferenças. Eu me sinto triste, porque eu acho que é um reflexo de muito medo. Eu vejo que essa maneira muito conservadora de viver traduz para mim um grande medo. As pessoas têm muito medo, e esse medo faz elas reagirem de forma conservadora como uma ilusória forma de proteção. Como se elas entendessem que isso é uma forma de proteção. E na verdade não é. E se a gente parar para analisar, o nosso sistema capitalista é muito baseado numa lógica fálica, "eu tenho, você não tem", "eu tenho, portanto eu sou melhor que você", sempre numa atitude comparativa que vai sempre valorizar quem tem. Colocando quem tem como sendo melhor, sendo bom. Esse critério não propicia uma compreensão das diferenças entre as pessoas. Porque as diferenças não deveriam servir como critério de valoração, elas são apenas diferenças. BBC News Brasil - Qual o impacto real nessa mentalidade que você acha que o cinema, e as novelas, a televisão, têm? Maria Fernanda Cândido - Eu gostaria de pensar que a gente pudesse ter um grande impacto, mas eu não tenho certeza disso. Eu acho que a arte é um grande mecanismo, é uma grande maneira de discutirmos e de pensarmos nós mesmos, e de fazer esse espelho com a realidade. O artista deve ser um reflexo do seu tempo, do povo, do lugar que ele habita, desse espírito do tempo. Mas a arte não se produz somente dessa maneira, a arte também está inserida dentro de um mercado. BBC News Brasil - Falando de paralelos entre a vida real e da arte, e voltando ao filme O Traidor, um dos personagens relacionados ao Don Masino é Giovanni Falcone, o juiz que trabalhou contra a máfia na Itália antes da operação Mãos Limpas (que visava desmantelar o crime organizado). No auge da Lava Jato, surgiram comparações entre Falcone e Sergio Moro. Na época, você até chegou a apoiar as dez medidas contra a corrupção (principal bandeira de Moro). Hoje em dia como você enxerga essa comparação entre esses dois personagens? Maria Fernanda Cândido - Olha, eu sei que o juiz Sergio Moro usou a operação Mãos Limpas da Itália um pouco como base, como referência. Então isso é um fato. Eu na época apoiei as dez medidas, antes do golpe, do impeachment da Dilma — era 2014, 2015. Tinha uns 70% daquelas medidas que eram muito boas e todos estavam muito de acordo que era bom. E tinha 20% que eram questionáveis, que deveriam ser discutidas pelo Congresso. Mas era uma forma assim ingênua de achar que também alguma coisa seria feita. E no fundo nada aconteceu, o Congresso desvirtuou todas as medidas, foi uma coisa horrível, muito decepcionante. E na sequência os fatos foram acontecendo, houve o impeachment da Dilma, esse envolvimento do próprio Sérgio Moro, o fato de ter entrado para esse governo atual. Foi uma experiência um pouco decepcionante, que me desiludiu, até mesmo como cidadã. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
'Ice' pode aumentar propagação de HIV, diz estudo | O uso de drogas típicas de clubes noturnos, como as metanfetaminas, podem contribuir para o aumento de infecções pelo vírus HIV em jovens gays em países desenvolvidos, de acordo com estudo divulgado na conferência da Sociedade Internacional para a Aids, em Sydney, na Austrália. | Segundo a pesquisa, realizada nos Estados Unidos, o número de soropositivos que usam drogas como "speed" e "ice" triplicou entre 2000 e 2005. Esta é a primeira vez que se estabelece uma ligação forte entre o uso de metamfetaminas e a propagação do vírus causador da Aids. As drogas usadas impropriamente para recreação têm o efeito de aumentar o desejo sexual e encorajar formas mais arriscadas de sexo porque elas anestesiam a dor. Na Austrália, a incidência da infecção mais do que dobrou nos últimos sete anos. David Cooper, que preside a conferência e é diretor do Centro Nacional para Epidemiologia de HIV e Pesquisa Clínica do país, acredita que esse índice está ligado ao aumento do uso de drogas. "A grande epidemia de metanfetamina que está ocorrendo aqui, do uso de ice, também está ocorrendo, naturalmente, em outros países ricos. A hipersexualidade associada a isto pode, com certeza, aumentar o risco e a propagação do HIV e nós precisamos reforçar nossas campanhas para sexo seguro e contra drogas para os jovens", afirmou Cooper. |
Impeachment de Trump: por que partido de Biden pode se beneficiar se Senado absolver presidente em julgamento | Apesar das palavras duras de líderes republicanos no Congresso sobre a responsabilidade de Donald Trump na manifestação que terminou em invasão de centenas de apoiadores ao Capitólio, há pouco mais de um mês, o ex-presidente americano deverá sair inocentado do julgamento de impeachment que começa nesta terça (9/02) no Senado, graças aos votos de seu próprio partido. | Fora da Casa Branca desde o dia 20 de janeiro, depois de ter perdido sua tentativa de reeleição para o democrata Joe Biden, Trump enfrenta um processo de impeachment pela segunda vez e, dessa vez, já sem mandato. "Incitação à insurreição" O ex-presidente é acusado de ter atraído milhares de pessoas à capital americana, sob falsas alegações de fraude eleitoral, e de incitá-las contra os congressistas e o vice-presidente, Mike Pence, que naquele dia 6/1 certificavam os votos do Colégio Eleitoral e confirmavam a vitória do democrata nas urnas. A rebelião terminou com um saldo de cinco mortos, 50 agentes de segurança feridos e centenas de presos e indiciados pelos atos de violência. Políticos tiveram que ser retirados do Capitólio ou escondidos em abrigos subterrâneos enquanto os manifestantes bradavam palavras de ordem como "Enforquem Mike Pence" e ameaçavam atirar na presidente da Câmara, Nancy Pelosi. Minutos antes da ação, o grupo assistiu a um discurso de Trump em que ele pediu aos seguidores para "marchar até o Congresso" e "lutar como o inferno". Fim do Talvez também te interesse O processo de impeachment foi aberto pela Câmara americana apenas uma semana após o episódio, com o apoio de 10 republicanos, o maior apoio a um impedimento de presidente já dado por integrantes de seu próprio partido na história dos EUA. E não ficou só nisso. Importantes figuras da agremiação vieram a público censurar a atitude do mandatário em um processo lido por alguns como indicação de que o partido poderia romper com Trump. Uma das líderes republicanas na Câmara, Liz Cheney, justificou seu voto pela abertura do processo ao dizer que "o presidente dos Estados Unidos convocou essa turba, reuniu a turba e acendeu a chama desse ataque. Tudo o que se seguiu foi obra dele. Nada disso teria acontecido sem o presidente". Mitch McConnell, líder do partido no Senado e aliado de Trump, afirmou um dia antes da posse de Biden que uma "multidão foi alimentada com mentiras" e "provocada pelo presidente e outros poderosos". Agora, quando o julgamento de fato se inicia, o movimento reflui. Para condenar o ex-presidente, dois terços dos senadores, ou 67 dos 100 legisladores, teriam que apontar responsabilidade do presidente em incitar a multidão. Com a configuração dividida do Senado — 50 republicanos e 50 democratas — 17 partidários de Trump teriam que votar contra o ex-presidente. E apesar das críticas públicas e privadas a ele, os republicanos não parecem dispostos a puni-lo. Republicanos contra: alegada inconstitucionalidade, temor das urnas "No momento imediato da invasão, muitos republicanos denunciaram a tentativa de golpe e o papel de Trump em incitá-la, e reconheceram o presidente Biden como o legítimo vencedor da eleição. Mas agora os republicanos recuaram para sua posição normal de partidarismo obstrucionista negativo. Isso era previsível", afirma o professor William Winecoff, da Universidade de Indiana. Embora tenha deixado a Casa Branca com baixos níveis de aprovação geral (34%), Trump continua a ser uma figura extremamente popular entre os eleitores que se dizem republicanos. Uma pesquisa de janeiro do Instituto Morning Consult mostrou que apenas 18% dos que se declaram eleitores do partido se dizem favoráveis ao impeachment de Trump, 81% têm visão positiva sobre o ex-mandatário e 50% esperam que ele desempenhe "papel central" na agremiação nos próximos anos. Apesar de derrotado nas urnas em novembro, Trump obteve a marca de 74 milhões de votos, segunda maior votação popular da história, atrás apenas do próprio Biden. "A base do Partido Republicano ama Trump tanto quanto o resto do país o odeia, e muitos congressistas republicanos eleitos têm muito mais medo de perder suas cadeiras por uma oposição dos trumpistas do que pela concorrência dos próprios democratas", explica Winecoff. Manifestantes pró-Trump em ato no Capitólio, em 6 de janeiro; ex-presidente é acusado de ter incentivado os atos violentos Trump é conhecido por perseguir quem se opõe a ele dentro do partido. O caso de Liz Cheney, que votou pelo impeachment do então presidente, é ilustrativo. Esse mês, o deputado trumpista Matt Gaetz, da Flórida, viajou até o Estado de origem dela, o Wyoming, para pedir que os eleitores a derrotem na próxima eleição. "Derrote Liz Cheney nas próximas eleições e o Wyoming colocará Washington de joelhos", ele pediu aos republicanos do Estado. Por outro lado, a pressão de grandes doadores de campanha, que prometeram cortar verbas de qualquer parlamentar que tivesse contribuído para o desfecho violento no Congresso, arrefeceu após as palavras iniciais de desaprovação dos republicanos. Diante do risco de optar por punir Trump e acionar contra si uma máquina eleitoral que pode arrasar uma carreira política, ou de inocentá-lo e ser cobrado pelo maioria dos americanos (segundo pesquisa Ipsos/ABC, 56% defendem a condenação), republicanos saíram-se com uma manobra legalista: defendem que o instrumento do impeachment só pode ser adotado para presidentes durante o mandato, e que julgar Trump seria inconstitucional. Assim, não precisariam dizer se aprovam ou não as ações do ex-presidente, bastaria interditar o procedimento. O argumento é considerado "ilógico" mesmo por advogados constitucionalistas conservadores, como Charles J. Cooper, ex-conselheiro do senador do Texas Ted Cruz, um dos maiores aliados de Trump. Segundo escreveu em um artigo no Wall Street Journal, Cooper acredita que, como o Senado tem o poder de barrar de cargos públicos servidores que tenham cometido ofensas passíveis de impeachment, o contrário é igualmente verdadeiro e a Casa legislativa deveria julgar tais ofensas mesmo de ex-servidores. Ainda assim, segundo a analista política Regina Argenzio, da consultoria Eurasia Group, essa será a linha adotada pelos republicanos e que resultará na absolvição de Trump. Os advogados do ex-presidente, que se recusou a testemunhar no processo, já anunciaram que seguirão nessa mesma linha. "Na prática, o resultado do julgamento foi dado no fim de janeiro, quando o Senado votou uma moção sobre a constitucionalidade do impeachment de Trump, já que ele não mais detém o cargo. Apenas cinco republicanos votaram pela constitucionalidade. Os democratas precisariam de mais 12 republicanos para votar pela condenação", diz Argenzio. Os cinco senadores republicanos que votaram contra Trump são considerados moderados ou críticos de longa data do ex-presidente: Ben Sasse, do Nebraska, Susan Collins, do Maine, Lisa Murkowski, do Alaska, Mitt Romney, do Utah, e Pat Toomey, da Pensilvânia. "Fundamentalmente, há muito pouca vantagem política para um republicano em votar para condenar o presidente; o fato de que ele não está mais no cargo fornece uma razão conveniente para se opor ao impeachment com base no processo, e a maioria dos republicanos se sente confortável com essa posição", diz Argenzio. Absolvição de Trump: bom para os democratas? Do lado democrata, já não existe expectativas de que Trump seja punido no processo. E, inocentado da acusação de incitação à insurreição, é improvável que Trump possa enfrentar uma segunda votação para retirar-lhe os direitos políticos e impedir que ele possa algum dia voltar a ser presidente. Assim, o que democratas pretendem fazer é tentar associar o extremismo dos manifestantes a Trump e, por consequência, a todo o Partido Republicano. Ainda não é certo que testemunhas serão permitidas no julgamento, mas uma possibilidade para viabilizar isso seria que os democratas convocassem manifestantes presos que estejam dispostos a dizer que cometeram atos violentos sob orientação de Trump. Um dos mais notórios é Jacob Chansley, de 33 anos, que invadiu o Capitólio vestido em trajes vikings, o que lhe rendeu na imprensa americana a alcunha de "xamã do QAnon", em referência à teoria da conspiração frequentemente defendida por trumpistas. Preso após os acontecimentos, ele disse, por meio de seus advogados, que 'lamenta muito, muito não ter apenas sido enganado pelo presidente, mas ter estado em uma posição em que permitiu que essa fraude o fizesse tomar decisões que não deveria ter tomado'. Chansley tem se defendido dizendo ter sido inflamado por "meses de mentiras, deturpações e discurso hiperbólico de nosso presidente". Em um vídeo feito ao sair do Capitólio após a invasão, no dia 6, Chansley afirma ter deixado o prédio sob orientação de um tuíte de Trump. A estratégia dos democratas de carimbar em republicanos a pecha de radicais foi colocada em prática antes mesmo do início do julgamento de impeachment de Trump. Na semana passada, democratas exigiram que republicanos destituíssem a recém-eleita deputada Marjorie Taylor Greene de postos em comissões, como a de educação. A justificativa foram declarações e endossos públicos de Greene a propostas de violência contra líderes políticos, como Nancy Pelosi, além de ter duvidado da existência do ataque de 11 de setembro ao Pentágono e de ataques de atiradores em escolas. Acuada, Greene afirmou ter recebido uma ligação de Trump a apoiando e culpou a mídia pelos posicionamentos que adotou. Ela se diz uma fiel aliada de Trump, que seria, em sua visão, o único caminho de poder viável para os republicanos. Com o apoio de 11 republicanos e de todos os democratas, ainda na semana passada, a Câmara decidiu punir Greene. "Os democratas estão ansiosos para usar o momento como uma oportunidade para pintar o Partido Republicano como o partido do QAnon e de Marjorie Taylor Greene. Até por isso, convidaram Trump para testemunhar, apostando que ele provavelmente soaria insano em sua própria defesa. O julgamento será principalmente para fazer os republicanos parecerem radicais", diz Argenzio. Eleito com uma plataforma de união dos americanos e superação da divisão no país, Biden tem sido reiteradamente cobrado pelos republicanos a buscar políticas com apoio bipartidário. A nova administração, no entanto, já demonstra impaciência com a dificuldade de negociar com os opositores. Exemplo disso é o pacote emergencial contra os efeitos da pandemia: Biden propôs injetar quase US$ 2 trilhões na economia americana em um plano entregue ao Congresso em seu primeiro dia na Casa Branca. Republicanos, no entanto, apresentaram contra-proposta que representava apenas um terço desse valor. Biden, cujo partido tem maioria na Câmara e no Senado, deu sinal verde aos seus correligionários para seguirem em frente com a aprovação do pacote original mesmo sem o endosso dos republicanos. De acordo com Jon Lieber, diretor da Eurasia Group nos EUA, a presença de Trump como um ator na arena política possibilita aos democratas tomar atitudes mais ousadas e profundas em sua agenda política. "A equipe de Biden não tem pudores em desfazer as ordens executivas de Trump com base no fato de que, se Trump era a favor, eles podem ser contra. Em muitos aspectos, isso é uma força radicalizante que está possibilitando uma agenda muito mais progressista, incluindo o enorme estímulo à economia de US$ 1,9 trilhão. Um Partido Republicano cada vez mais radical permitirá que os democratas governem de uma forma totalmente unilateral, na lógica do 'não podemos trabalhar com essas pessoas irracionais!'", diz Lieber. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Empresa japonesa cria celular em que se usa o dedo para ouvir | Inventores no Japão, nação conhecida por seu fascínio por engenhocas e artigos eletrônicos, criaram o primeiro telefone do mundo que se usa no pulso, mas não tem nem fone nem teclado. | O telefone foi desenvolvido pela empresa de telecomunicações NTT DoCoMo e converte sinais digitais em vibrações que são transmitidas através dos ossos da mão. Para ouvir o som que chega ao telefone, o usuário simplesmente coloca o dedo indicador no ouvido e as vibrações serão transferidas para os tímpanos e convertidas pelo cérebro em som. Para discar os números, basta o usuário pronunciá-los, pois o telefone da NTT DoCoMo usa sistema de reconhecimento de voz. Sussurro O aparelho é chamado de Finger Whisper (dedo sussurrante, em português). Para conversar com o interlocutor, o usuário do telefone fala em um microfone embutido no "telefone de pulso". O telefone não tem teclado ou painel de números. Um porta-voz da companhia disse que o telefone ainda é um protótipo, mas espera que seja lançado no mercado em breve. |
Demissão de Ernesto Araújo: fim de uma gestão sem precedentes na diplomacia brasileira | Depois de dois anos e três meses que representaram mudanças sem precedentes em décadas de diplomacia brasileira, o período de Ernesto Araújo como chanceler do Brasil chegou ao fim nesta segunda-feira, 29/3. Ernesto pediu demissão após resistir por uma semana a intensas pressões políticas tanto do Congresso Nacional quanto dentro da própria Instituição que dirigia, o Itamaraty. | Ernesto Araújo fazia parte do setor mais ideológico do governo Araújo será substituído pelo também diplomata Carlos Alberto França, segundo confirmou o Palácio do Planalto no início da noite. Araújo compartilhou no Twitter, na noite de segunda-feira, a carta de demissão que disse ter apresentado a Bolsonaro — a quem o ex-chanceler se referiu como "querido chefe". No texto, Araújo afirmou que, em seu mandato, lutou contra "correntes frontalmente adversas" no Itamaraty, e que nas últimas semanas foi submetido a uma "situação impossível": "Ergueu-se contra mim uma narrativa falsa e hipócrita, a serviço de interesses escusos nacionais e estrangeiros, segundo a qual minha atuação prejudicaria a obtenção de vacinas." A gestão de Araújo foi marcada não só por um distanciamento em relação a posições históricas do país no xadrez global, mas também por uma redefinição sobre quais atores internacionais seriam considerados aliados prioritários. Na visão de dezenas de embaixadores ouvidos pela BBC News Brasil ao longo dos últimos meses, Araújo subordinou a agenda das relações internacionais às pautas ideológicas caras ao eleitorado de Jair Bolsonaro no plano doméstico, o que acarretou, em última instância, custos ao país que culminaram com sua saída. Fim do Talvez também te interesse Há, no entanto, amplo ceticismo no Ministério das Relações Exteriores sobre o real impacto da saída de Ernesto Araújo no futuro das relações diplomáticas brasileiras. Discípulo do escritor Olavo de Carvalho, Araújo tinha relação simbiótica com um dos filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, frequentemente considerado muito influente na atual postura internacional do Brasil. Para muitos embaixadores e analistas, Araújo seria o mensageiro das ideias que, no limite, provinham do próprio Palácio do Planalto, e não o formulador do que seria uma diplomacia bolsonarista. A gestão Ernesto Araújo Histórica aliada de países em desenvolvimento e de organismos multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), a diplomacia brasileira sob Araújo passou a atacar esses instrumentos, que segundo o chanceler seriam uma face do que ele chamava de "globalismo", "estágio preparatório para o comunismo", em oposição ao nacionalismo que prezava. Saíram de cena cooperações estreitas com os vizinhos do Mercosul, com países africanos ou mesmo com o bloco dos emergentes BRICS, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e entraram em jogo alinhamentos aos posicionamentos dos Estados Unidos, sob o comando do então presidente republicano Donald Trump, e Israel, sob a batuta do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Ambos são expoentes de uma direita conservadora e populista com a qual o governo Bolsonaro se empenhou em estreitar laços. Ainda em fóruns internacionais, o Brasil alterou sua postura de mediador de conflitos entre diferentes países e passou a assumir posições mais diretas - muitas vezes polêmicas e minoritárias -, em relação a temas em que antes era um interlocutor respeitado (como na questão dos direitos humanos) ou mesmo uma referência (como em medidas contra o aquecimento global). A propósito da defesa de liberdades religiosas e valores da família, se alinhou a países como Arábia Saudita contra a promoção de ações em favor da educação sexual e de igualdade de gênero. Os diplomatas brasileiros foram orientados a substituir o termo "gênero" por "sexo" em suas manifestações, o que seria uma forma de combater a chamada "ideologia de gênero". Nos EUA, Ernesto Araújo afirmou em mais de uma ocasião que as mudanças climáticas eram na verdade "alarmismo" para retirar soberania do Brasil sobre a Amazônia, enquanto repercutia no mundo as notícias de queimadas e desmatamento nos biomas brasileiros. "Qual o maior desafio que nossa civilização enfrenta? Algumas pessoas dirão 'mudanças climáticas' e isso absolutamente não é verdade", afirmou Araújo, em setembro de 2019, em palestra em Washington. Na Assembleia Geral da ONU no ano passado, Bolsonaro disse que pressões internacionais contra o desmatamento derivavam de "brutal campanha de desinformação contra o Brasil" e responsabilizou os povos indígenas pelas queimadas, apesar pesquisadores da Universidade da Califórnia terem mostrado, no ano passado, que as áreas demarcadas costumam ser menos desmatadas. A postura se alinhava com o que preconizava o então presidente americano Donald Trump, que havia retirado os EUA do Acordo de Paris. Contrariando seu histórico não intervencionista, o governo brasileiro se expressou abertamente sobre preferências eleitorais em países com interesses estratégicos. Foi assim na Argentina, onde apoiou o candidato Maurício Macri, derrotado pelo peronista Alberto Fernández. Foi assim nos EUA, onde apoiou Donald Trump e chegou a falar em fraude eleitoral antes de reconhecer a vitória do democrata Joe Biden. Foi assim na Bolívia, onde expressou simpatia pela direita de Luis Fernando Camacho, mas quem levou a presidência foi o candidato de Evo Morales, Luis Arce. O chanceler também atacou abertamente a China, maior parceiro comercial do Brasil, em diversas postagens de Twitter. Ao fazer uma analogia entre o novo coronavírus e o que chamou de "comunavírus", um suposto plano chinês para implementar sua ideologia comunista globalmente por meio de medidas contra a covid-19 tomadas pela OMS. Ainda no tema da pandemia, o Brasil não apoiou a quebra de patente de vacinas contra a covid-19, proposta pela Índia na Organização Mundial do Comércio (OMC) no ano passado, colocando-se ao lado do interesse dos americanos e demais países ricos e contrariando liderança histórica do país no tema, conquistado com a quebra de patentes do coquetel anti-HIV/AIDS nos anos 2000. E entrou no Covax, o consórcio da OMS pelo desenvolvimento e distribuição global de vacinas, apenas com a cota mínima, de 42 milhões de doses de vacinas. Segundo a revista Época, esse montante poderia ter ido a zero já que originalmente o chanceler, crítico da OMS, não pretendia ser parte do Covax e teria sido dissuadido pela embaixadora Nazareth Farani. Ernesto sofreu pressão do Congresso para sair A tempestade perfeita do chanceler Em conjunto, as ações do Brasil no exterior provocaram uma tempestade perfeita. O Acordo Mercosul-União Europeia, assinado ainda no início da gestão Bolsonaro, teve sua implementação interrompida por alegadas preocupações dos europeus com a política ambiental do Brasil. O meio ambiente também se tornou ponto prioritário do novo governo americano sob Joe Biden, que substituiu o principal aliado de Bolsonaro na Casa Branca. O Brasil passou a ser pressionado a se comprometer com metas ambiciosas para conservação ambiental e redução das emissões de gases estufa. Diante dos desgastes de relações acumulados nos últimos meses, EUA, China e Índia não demonstraram grande disposição de ajudar o Brasil a aumentar seus estoques de vacina e de insumos para fabricação de imunizantes quando isso se tornou urgente, a partir de fevereiro. Tanto no caso da China quanto da Índia, houve atrasos e dificuldade na liberação de doses e insumos. Já os EUA anunciaram que liberariam 4 milhões de doses do imunizante AstraZeneca-Oxford, hoje sem uso no país, para México e Canadá, mas não se posicionaram pela venda de vacinas ao Brasil, apesar da recomendação para tal da própria comunidade acadêmica do país. E a crise sanitária da covid se tornou também uma crise de imagem para o país, até então uma referência em saúde pública graças ao Sistema Único de Saúde. No último fim de semana, os três mais importantes jornais dos EUA publicavam reportagens sobre o que chamavam de "colapso previsível" do Brasil. No domingo, o chefe da consultoria Eurasia Group, Ian Bremmer, destacou em suas redes sociais que um em cada três mortos por covid-19 no último sábado estava no Brasil. "Pior gestão da epidemia - de longe - em qualquer grande economia", disse Bremmer. Base aliada do governo via Ernesto Araújo como empecilho para governo Bolsonaro superar crise política e sanitária Os estertores de Araújo É nesse contexto que a condição de Ernesto Araújo, considerada "insustentável" dentro do Itamaraty há meses, chega ao limite. Diante do diagnóstico de que a política do Planalto em relação à pandemia era um equívoco e poderia custar caro às suas pretensões eleitorais futuras, o Congresso passou a pressionar pela saída dos auxiliares de Bolsonaro que representavam a fonte do que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), qualificou como "erros primários" de gestão. O primeiro a ser desalojado da cadeira foi o general Eduardo Pazuello, até então ministro da Saúde. Na sequência, as atenções dos parlamentares se voltaram a Araújo. "Nós tivemos muitos erros no enfrentamento dessa pandemia e um deles foi o não estabelecimento de uma relação diplomática de produtividade com diversos países que poderiam ser colaboradores nesse momento agudo de crise que temos no Brasil. Então ainda está em tempo de mudar para poder salvar vida", afirmou Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, na última quinta, 25/3. A declaração foi feita um dia depois de Araújo ter falhado em explicar suas ações no combate à pandemia no Senado. Mais de dez senadores pediram abertamente que ele se demitisse, em uma situação considerada no Itamaraty como de "humilhação sem precedentes para um chanceler". Na mesma sessão em que Araújo chegou a ser chamado de "office boy de luxo", Filipe G. Martins, assessor internacional da presidência com grande ascendência sobre Araújo, fez um gesto considerado obsceno e racista aos senadores. Depois do episódio, a saída de Araújo do posto passou a ser considerada apenas uma questão de (pouco) tempo temporária. Entre senadores, a percepção era de que Bolsonaro tentaria mantê-lo ainda por mais alguns dias, para não admitir fraqueza diante do Congresso e para viabilizar uma saída honrosa para um de seus ministros preferidos. Diante da incerteza, um grupo de 300 diplomatas do Itamaraty fez circular uma carta crítica a Araújo, iniciativa considerada inédita pelo tom e o tamanho da mobilização em um órgão de servidores disciplinados e respeitosos da hierarquia. "Nos últimos dois anos, avolumaram-se exemplos de condutas incompatíveis com os princípios constitucionais e até mesmo os códigos mais elementares da prática diplomática. O Itamaraty enfrenta aguda crise orçamentária e uma série numerosa de incidentes diplomáticos, com graves prejuízos para as relações internacionais e a imagem do Brasil", dizia a carta, revelada pela Folha de S.Paulo. A comunicação expunha que Araújo já não contava com apoio consistente dentro do órgão que dirigia e não só por questões ideológicas. No começo do ano, embaixadas e consulados tiveram dificuldades de pagar contas básicas - como luz e água - por falta de aprovação do orçamento do órgão. A gestão de recursos humanos e financeiros foi considerada "caótica" por um embaixador ouvido pela BBC News Brasil que enfrentou dificuldades em quitar o aluguel do prédio onde funciona a repartição no exterior que comanda. Mas foi o próprio Araújo quem precipitou o fim de seu período à frente do Ministério das Relações Exteriores com um tuíte publicado na tarde de domingo, 29/3. "Em 4/3 recebi a Senadora Kátia Abreu para almoçar no Ministério de Relações Exteriores. Conversa cortês. Pouco ou nada falou de vacinas. No final, à mesa, disse: 'Ministro, se o senhor fizer um gesto em relação ao 5G, será o rei do Senado. 'Não fiz gesto algum", diz o post. Abreu reagiu com indignação à sugestão de que ela teria tentando operar lobby em favor dos chineses no certame da rede 5G brasileira, e negou que isso tenha acontecido. Chamou Araújo de marginal e cobrou sua imediata demissão, no que contou com o endosso de seus colegas senadores. Ainda sem posto definido, Araújo, que é funcionário de carreira e sempre foi considerado pelos pares uma figura discreta e de pouco brilho dentro do Itamaraty deve submergir na estrutura do órgão. A menos que a experiência de ministro o tenha convertido definitivamente de diplomata em político. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
As maiores notícias sobre ciência e meio ambiente de 2019 | Neste ano, milhões de pessoas pelo mundo se mobilizaram para chamar atenção para a situação de emergência em que nosso planeta está. Será que 2019 ficará conhecido como o ano em que palavras viraram ações em relação à crise climática? Relembramos as maiores histórias neste ano sobre ciência e meio ambiente. O ano em que o mundo acordou? | Greta Thunberg (no centro) entre manifestantes em uma greve pelo clima em Vancouver, no Canadá, em outubro Em 2019, a reação global à crise climática aumentou de ritmo. Inspirado na ativista sueca Greta Thunberg, o movimento de greves pelo clima ganhou força. Milhões se juntaram a protestos durante um ano em países tão diversos quanto Austrália, Uganda, Colômbia, Japão, Alemanha e Reino Unido. Greta chamou a atenção quando foi de barco, em vez de avião, para um encontro sobre o clima em Nova York. "Eu sentia que era a única que me importava com o clima e a crise ecológica... Agora, me sinto bem porque sei que não estou sozinha nessa luta", afirmou. O grupo Extinction Rebellion (Rebelião contra a Extinção, em tradução livre), do Reino Unido, executou diversas ações não violentas em 2019, também em protesto contra a crise climática. Fim do Talvez também te interesse O grupo, que pede ações dos governos sobre a mudança climática, ocupou cinco lugares famosos no centro de Londres em abril de 2019. Eles "ancoraram" um barco rosa no meio de uma das avenidas mais movimentadas em Oxford Circus com a frase "Digam a verdade". A verdade a que se referem é a de que o mundo estaria em meio a uma emergência climática, e governos precisam admitir isso. O Parlamento britânico, aliás, declarou uma emergência climática no país, cedendo a uma das reivindicações do grupo. Mas também houve revezes nos esforços políticos para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Os Estados Unidos, um dos maiores emissores do mundo, começou o processo de saída do Acordo de Paris. O acordo foi anunciado em 2015 com a intenção de limitar o aumento da temperatura média global a menos de 2 graus. O presidente Donald Trump disse que o pacto era ruim para a economia americana e empregos. O encontro climático da ONU deste ano, COP25, acabou em um acordo descrito por muitos como "decepcionante". O Brasil ficou muitas vezes no centro dessa discussão de meio ambiente e crise climática. Primeiro, por causa das queimadas na Amazônia. E, em segundo lugar, por causa do derrame de óleo na costa brasileira e a demora do governo em lidar com suas consequências. 'Anel de fogo' Rede de oito telescópios pelo mundo registrou a primeira imagem de um buraco negro Em abril, astrônomos divulgaram uma imagem muito esperada: a de um buraco negro. É uma região no espaço da qual nada, nem mesmo a luz, pode escapar. A foto foi tirada por uma rede de oito telescópios espalhados pelo mundo e mostra o que foi descrito como um "campeão dos buracos negros". O monstro de 40 bilhões de quilômetros de largura tem uma aréola intensa, ou "anel de fogo", ao redor. O fenômeno é causado por um gás superaquecido que cai dentro do buraco negro. A imagem causou sensação e levantou a bola para uma das cientistas computacionais que trabalhou no projeto, Katie Bouman, de 29 anos. Ela ajudou a desenvolver o algoritmo que permitiu que a imagem pudesse ser criada. A foto dela com as mãos sobre a boca, sem conseguir conter a alegria com a imagem que aparecia em seu notebook, viralizou nas redes sociais. Mas sua fama levou a acusações de que ela teria levado o crédito pelo trabalho de um colega homem. E ele, Andrew Chael, a defendeu. Em uma entrevista à BBC, Bouman disse: "No começo, fiquei muito assustada com isso. Mas... Eu acho, sim, que é importante chamarmos a atenção para as mulheres nesses papéis (na Ciência)." Terra e oceanos sob ameaça Dois importantes relatórios da ONU revelaram o tamanho da devastação humana na superfície da Terra e nos oceanos. O primeiro desses documentos do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) alertou que temos que parar de abusar da Terra se quisermos impedir uma mudança climática catastrófica. O estudo mostrou como nossas ações estão degradando o solo, expandindo desertos, acabando com florestas e levando outras espécies à extinção. Cientistas envolvidos no processo da ONU também explicaram que mudar para uma dieta baseada em plantas também pode ajudar a conter a mudança climática. Um aumento de 1,5º C na temperatura das águas pode acabar com os corais O segundo relatório, sobre os oceanos do mundo e regiões congeladas, detalhou como o nível das águas está subindo, o gelo está derretendo e espécies estão sendo forçadas a migrar. Um coautor do estudo, Jean Pierre Gattuso, afirmou que "o planeta azul está seriamente em perigo agora, sofrendo muitos danos de muitas fontes diferentes e é nossa culpa". Os autores dizem acreditar que as mudanças que provocamos vão cobrar seu preço. O aumento do nível do mar vai trazer profundas consequências para áreas costeiras vulneráveis onde vivem quase 700 milhões de pessoas. Voo de reconhecimento Arrokoth pode ser um objeto de gelo primitivo encontrado pela Nasa No dia 1º de janeiro, a nave espacial New Horizons, da Nasa, fez a exploração mais distante até hoje de um objeto do Sistema Solar. Lançada lá nos idos de 2006, ela cumpriu sua tarefa primária - um estudo sobrevoando o sistema de Plutão - em 2015. Mas ainda com muito combustível no tanque, cientistas decidiram direcionar a nave espacial para um novo alvo, um objeto chamado 2014 MU 69. MU 69, depois chamado de Ultima Thule, e mais recentemente Arrokoth, pode ser um objeto de gelo primitivo na área distante do nosso Sistema Solar chamada de Cinturão de Kuiper. Há centenas de milhares de objetos como esse, e seu estado congelado pode guardar segredos de como todos os corpos planetários se formaram há 4,6 bilhões de anos. Neste ano, cientistas apresentaram detalhes sobre o que haviam encontrado em uma grande conferência em Houston, no Estado americano do Texas. Eles determinaram que duas partes do Arrokoth se formaram quando dois objetos distintos colidiram a uma velocidade relativamente baixa - cerca de 3 metros por segundo, segundo um membro da equipe, Kirby Runyon. Recorde do derretimento de gelo na Groenlândia O cientista climático Steffen Olsen tirou essa foto enquanto viajava pelo gelo derretido na Groenlândia Em setembro, o cientistista do Reino Unido David King disse estar assustado com o rápido ritmo das mudanças relacionadas ao clima no mundo. Um dos exemplos mais chocantes, para ele, é o recorde de derretimento de gelo na Groenlândia. Em junho, a temperatura subiu a níveis muito acima dos normais no território dinamarquês, fazendo com que metade de sua superfície de gelo derretesse. Só em 2019, a Groenlândia perdeu gelo o suficiente para aumentar os níveis do mar em mais de um milímetro. Há tanta água congelada na Groenlândia que se toda sua camada de gelo descongelasse, ela aumentaria os níveis do mar em até 7 metros. Embora isso pudesse levar centenas ou milhares de anos, cientistas polares disseram em uma reunião da American Geophysical Union em dezembro que a Groenlândia estava perdendo seu gelo 7 vezes mais rápido que nos anos 1990. Rochas no espaço Modelo 3D do asteróide Bennu, criado usando dados da missão da Nasa Osiris-Rex Enquanto vemos muitos asteróides rondando a Terra em filmes, a probabilidade de um se chocar contra a Terra é pequena. Mas como os dinossauros descobriram, o risco aumenta com o tempo. Cerca de 19 mil asteróides próximos à Terra estão sendo monitorados, mas muitos não são detectados por telescópios, então sempre existe a chance de uma colisão ocorrer "de surpresa". Em março, cientistas da Nasa disseram à Conferência de Ciência Lunar e Planetária que uma grande bola de fogo havia explodido na atmosfera da Terra no fim de 2018. Uma rocha espacial veio sem aviso e detonou com 10 vezes mais energia que a bomba atômica em Hiroshima. Por sorte, a rocha explodiu sobre o mar da remota península Kamchatka, na Rússia. Mas uma explosão daquele tamanho poderia ter trazido sérias consequências se tivesse acontecido mais perto do solo, sobre uma área densamente povoada. E em julho, um asteróide do tamanho de um campo de futebol chegou perto da Terra, a 65 mil km da superfície do planeta - quase um quinto da distância à Lua. A rocha de 100 metros foi detectada apenas dias antes de passar pela Terra. Enquanto isso, duas naves espaciais robóticas examinam diferentes objetos próximos à Terra. Cientistas trabalhando na missão Hayabusa, do Japão, reportaram que o asteróide identificado, Ryugu, era um destroço de um objeto ainda maior. O 'vilão desconhecido' do aquecimento Aparelhagem de distribuição elétrica em muitos lugares do mundo usa o SF6 para evitar incêndios O gás hexafluoreto de enxofre (SF6) não é muito conhecido. Mas como um dos gases de efeito estufa mais estudados pela Ciência, pode exercer um papel cada vez mais importante nas discussões sobre mudanças climáticas. Há uma consequência não intencional no "boom" de energia limpa. O gás barato e não inflamável é usado para previnir curto-circuitos e fogo em interruptores e disjuntores de grande porte. Com mais turbinas sendo construídas ao redor do mundo, mais desses aparelhos estão sendo instalados. A maioria usa o gás. Embora concentrações atmosféricas sejam pequenas por agora, a base global de SF6 usado deve crescer em até 75% até 2030. É preocupante, já que não há mecanismo natural que destrua ou absorva o gás quando ele é solto na atmosfera. Corrida quântica Processador Sycamore, apresentado pela Google, seria o primeiro de um computador quântico, segundo a empresa Computadores quânticos são uma grande promessa. Eles prometem velocidade e habilidade de resolver problemas que estão além dos tipos convencionais mais poderosos. Mas cientistas têm tido dificuldade para construir aparelhos com unidades de informação (bits quânticos) para fazê-los competitivos com computadores clássicos. Uma máquina quântica não havia ultrapassado uma convencional até este ano. Em outubro, a Google anunciou que seu processador quântico avançado, Sycamore, havia atingido "supremacia quântica" pela primeira vez. Pesquisadores dizem que o processador cumpriu em 200 segundos uma tarefa específica que o melhor supercomputador convencional existente no mundo levaria 10 mil anos para completar. A IBM, que também está trabalhando para conseguir viabilizar computadores quânticos, questionou alguns números apresentados pela Google. Mas o feito representa um passo importante para cumprir algumas das previsões feitas para esses supercomputadores. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Itália, Grécia e Turquia fazem operação contra tráfico de pessoas | Pelo menos 70 pessoas foram presas na Grécia e na Turquia durante operações com o objetivo de desbaratar uma quadrilha especializada no tráfico de pessoas. | Também foram realizadas batidas na Itália. Segundo a polícia italiana, a quadrilha estava levando ilegalmente imigrantes chineses para o país. A operação foi feita a pedido de promotores da cidade italiana de Ancona. Um porta-voz da polícia na Itália disse que muitos imigrantes ilegais têm sido forçados a trabalhar em condições de escravidão em estabelecimentos chineses ilegais na Itália. Nos últimos tempos, a polícia do país tem feito várias operações para tentar frear a entrada de imigrantes ilegais. Nesta semana, um barco com imigrantes ilegais africanos afundou entre a Itália e a Líbia, matando pelo menos dois dos passageiros, enquanto 14 continuam desaparecidos. |
Desemprego nos EUA cai para 5,6% em abril | A taxa de desemprego nos Estados Unidos caiu para 5,6% em abril (era 5,7% em março), com a criação de 288 mil novos postos, segundo dados do Departamento do Trabalho americano. | É o sinal mais recente da recuperação da economia dos Estados Unidos, o que pode ajudar a campanha do presidente George W. Bush pela reeleição no final do ano. O número de novos empregos criados no mês é bem superior aos 165 mil previstos pelos analistas. As autoridades também publicaram uma revisão para cima do número de novos postos em março, 337 mil, a maior cifra em um só mês desde outubro de 1990. Cerca de 867 mil empregos foram criados em solo americano só neste ano. Especialistas advertem que a melhora no mercado de trabalho poderia antecipar o aumento nas taxas de juros nos Estados Unidos. "Não estou certo de que o Fed (banco central americano) vai fazer alterações em junho, mas acho muito provável que aumente as taxas de juros pelo menos até o encontro de agosto", afirmou Gary Thayer, economista-chefe da Ag Edwards & Sons, de St. Louis. |
'Síndrome do torniquete quase fez minha filha perder os dedos dos pés' | Como muitos pais, a escocesa Gemma Fraser nunca imaginou que um fio de cabelo pudesse se enroscar e impedir a circulação de sangue nos dedos do pé de sua filha. Depois do susto de ver o bebê quase perder dois dedinhos por conta disso, a mãe agora está buscando alertar outros pais sobre os riscos da chamada síndrome do torniquete - quando algo obstrui a circulação nos membros, principalmente em extremidades como os dedos. | Gemma Fraser e a filha Orla; incidente com fio de cabelo gerou urgência médica Em junho do ano passado, Fraser percebeu que um fio de cabelo seu estava enrolado em dois dedos da filha, então com três meses - deixando-os roxos e inchados. Segundo Bruno Naves, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, a síndrome tem ocorrências eventuais, mas não muito frequentes. Ainda assim, é recomendado que os pais monitorem a presença de fios de cabelo ou de outra natureza (como de tecidos) nas extremidades do corpo dos bebês - principalmente aqueles com poucos meses de idade. "A melhor forma de prevenção é dar uma examinada cuidadosa nos dedos das mãos, dos pés e até nos calçados dos bebês", explicou Naves em entrevista à BBC Brasil. "Crianças com até 3 meses são mais vulneráveis, pois não se movimentam muito e não têm os dedos suficientemente grossos. A manifestação da síndrome costuma começar com uma irritabilidade, um choro que ninguém dá conta. O local danificado fica vermelho, quente e inchado. Orla tinha três meses quando foi vítima da síndrome do torniquete Sintomas como estes foram percebidos por Gemma Fraser ao trocar a fralda da filha, Orla. A mãe lembrou-se do susto em uma entrevista ao programa de Kaye Adams na rádio da BBC na Escócia. O fio de cabelo estava preso de tal maneira que Fraser não conseguiu removê-lo sozinha, precisando chamar uma ambulância. Um paramédico precisou de 45 minutos para conseguir realizar a tarefa. A bebê foi encaminhada então para um hospital em Edimburgo, capital da Escócia. Depois de ser atendida, a menina foi enviada para casa com a recomendação de usar um creme antibiótico. Um dos dedos sarou depois de algumas semanas, mas outro, não. Síndrome do torniquete "A ferida ainda estava aberta e muito inchada. E então começou a sair pus", contou Fraser. Depois de várias outras consultas com médicos, Orla foi encaminhada para um cirurgião plástico. "A pele estava saindo, dava para ver as partes internas do dedo dela. Uma das enfermeiras disse que possivelmente havia ainda um fio de cabelo dentro da ferida". Depois de várias consultas e uma cirurgia, Orla está feliz e saudável Por ser muito nova, Orla precisou ser operada sem anestesia geral. Segurada pela mãe às lágrimas, a bebê finalmente teve a ferida higienizada pelo cirurgião. Segundo a mãe, o tempo entre a percepção do problema e a cirurgia foi de cinco meses. 'Fiquei chocada' "Uma das enfermeiras me falou da síndrome do torniquete e fiquei chocada quando vi imagens de crianças que não tiveram a sorte de Orla, tendo que ter os dedos amputados", lembra a mãe. "Quando olho para trás, Orla definitivamente estava diferente naquela semana. Eu só queria que eu soubesse disso (da síndrome do torniquete) como uma possível causa". Gemma Fraser com a bebê Orla e sua filha mais velha, Poppy Falando no mesmo programa, a parteira Cass McNamara explicou: "As pessoas devem ficar cientes disso, devem monitorar o bebê todo dia. O cabelo é incrivelmente forte e pode atuar como um fio de pesca. Isso leva bebês a terem seus dedos amputados. O pênis também pode ser afetado". "Se o seu bebê está mais irritado do que o normal, dê uma boa checada se está tudo certo. Se você notar algum fio de cabelo, deveria ser fácil de tirá-lo, mas se não for, procure assistência médica imediatamente". Segundo o angiologista Bruno Naves, a síndrome do torniquete pode afetar adultos também. Ele destaca que, por ser chamada de "síndrome", trata-se de um conjunto de sintomas, e não uma doença; já o "torniquete" remete a qualquer objeto que circunde e aperte alguma parte do corpo, como anéis em adultos. Assim, a circulação do sangue fica obstruída. |
Alto salário de parlamentares do Chile pode ser reduzido após protestos | Os protestos incessantes no Chile colocaram os membros do Parlamento do país em risco. | Após protestos, Piñera anunciou entre outras medidas a intenção de seu governo de reduzir o salário dos parlamentares "Ladrões", "trapaceiros" e "corruptos" são alguns dos insultos que recebem dos manifestantes desde o início do surto social, no dia 18 de outubro. Uma das principais causas da indignação com a classe política tem a ver com os altos salários que os deputados e senadores do país sul-americano recebem. Embora o desconforto sobre esse assunto tenha sido instalado muito antes da crise atual, a violência das últimas manifestações colocou na mesa o tema da redução desses salários. E assim, pressionados pelo clamor das ruas, e após cinco anos de tentativas fracassadas e resistência de vários partidos políticos, a controversa iniciativa parece finalmente estar saindo do papel. Fim do Talvez também te interesse De um modo geral, o projeto — que já tem maioria e será votado nesta quarta-feira, dia 27 de novembro, na Câmara dos Deputados — busca reduzir a remuneração mensal bruta de senadores e deputados de US$ 11.700 (cerca de R$ 49.300) para US$ 5.850 (aproximadamente R$ 24.700). Com esta medida, espera-se diminuir a tensão e fazer frente às críticas contra os parlamentares por conta de seus salários "excessivos". Mas essas remunerações são realmente excessivas em comparação com outros países? Quanto os deputados e senadores chilenos ganham em relação a seus vizinhos da América Latina? E do mundo? As respostas parecem dar razão aos manifestantes. O maior da América Latina e do mundo De acordo com um estudo realizado pelo Centro Latinoamericano de Políticas Econômicas e Sociais (Clapes UC), em 2018, o Chile era o país que, na América Latina, pagava as maiores remunerações a seus parlamentares, sem considerar subsídios adicionais, como diárias ou despesas de transporte, entre outros. A desigualdade tem sido uma das principais razões por trás dos protestos no Chile, que começaram no dia 18 de outubro O relatório afirma que, na região, o salário bruto mensal médio no mesmo ano corresponde a US $ 10.205 (R$ 43 mil), ajustado pela paridade do poder de compra (PPC) — o sistema de medição que permite saber o que um dólar pode comprar em cada país e, portanto, faz comparações mais precisas. Os parlamentares do Chile, no entanto, recebem mais que o dobro da média, com US$ 23.035 (R$ 97,2 mil, ajustado ao PPC), seguido pelo México e pelo Brasil, com US $ 20.609 (R$ 87 mil) e US$ 16.462 (R$ 69,5 mil), respectivamente. Além do salário, os deputados brasileiros recebem auxílio-moradia no valor de R$ 4,2 mil mensais e Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, que varia de R$ 30,7 mil a R$ 45,6 mil, dependendo do Estado do deputado. Para os senadores, essa cota vai de R$ 21 mil a R$ 44,2 mil por mês. Conhecido como "cotão", o benefício serve para pagar, por exemplo, gastos com telefonia, correios, hospedagem, alimentação e passagem aérea. Deve-se esclarecer que o parlamento mexicano reduziu seus salários este ano para 74.548 pesos mexicanos (US $ 3.842 ou R$ 16,2 mil) depois que o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO) decidiu que era necessário diminuir o salário de cem funcionários públicos no âmbito de seu "plano de austeridade". Enquanto isso, os países da América Central recebem salários menores. No Panamá, por exemplo, os parlamentares recebem um salário bruto de US$ 3.025 (R$ 12,7 mil, ajustado ao PPC) — o que corresponde a menos de um terço da média da região. Esses dados analisados pela Clapes UC consideram apenas a remuneração recebida pelos deputados de cada país, pois nem todos possuem sistemas legislativos de duas câmaras (ou seja, deputados e senadores). A percepção do salário excessivo dos parlamentares chilenos se intensifica ainda mais quando comparada ao salário mínimo estabelecido no país, que é de US$ 377 (R$ 1.590). O deputado Gabriel Boric, da coalizão da oposição Frente Amplio, foi um dos primeiros parlamentares a enfatizar a necessidade de reduzir salários no Congresso Ou seja, o salário bruto recebido pelos deputados e senadores é 31 vezes o salário mínimo do país. Mas, fora a América Latina, como é no resto do mundo? Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) realizou um estudo comparativo dos salários no Chile, em relação a outros países do mundo. Com base nos dados obtidos, a organização garante que o país "ocupa o primeiro lugar nas remunerações parlamentares mais altas do conjunto de 26 países estudados". O relatório coloca o Chile com um salário de US$ 24.599 (R$ 103,8 mil ajustado ao PPC), bem acima de países europeus como o Reino Unido (US$ 7.892 ou R$ 33,3 mil), França (US$ 6.650 ou R$ 28 mil), Noruega (US$ 6.142 ou R$ 25,9 mil) ou Espanha (US$ 4.164 ou R$ 17,5 mil). Além disso, o estudo destaca que no Chile a função parlamentar não é de dedicação exclusiva, como em outros países onde eles recebem salários mais baixos, como Noruega e Espanha. Isso significa que os chilenos podem exercer suas profissões enquanto participam de seu trabalho parlamentar. Algo que na prática só acontece porque muitos têm, por exemplo, escritórios privados de advocacia. Diante desses dados, muitos cidadãos chilenos pedem uma mudança. De fato, de acordo com a pesquisa da Cadem de junho deste ano, 93% concordam com a redução da remuneração de deputados e senadores. Por que os salários são tão altos no Chile? Mas a pergunta que surge é por que o salário de um parlamentar chileno é tão acima da média. Para responder isso, precisamos voltar à Constituição de 1980, onde está estabelecido que os deputados e senadores receberão uma remuneração equivalente à de um ministro de Estado, "incluindo todas as atribuições que lhes correspondem". Manifestantes no Chile exigiram uma mudança na Constituição Em conversa com a BBC Mundo, Claudio Fuentes, especialista em ciências políticas e autor de uma das propostas para reduzir a remuneração parlamentar, explica que "no serviço público havia a ideia de que se o salário é baixo, a pessoa remunerada terá poucas habilidades". "Você tinha que atrair pessoas dispostas a renunciar a altos salários. Daí o salário dos ministros e, portanto, dos parlamentares: a economia do país exigia pessoas muito bem treinadas. Essa é a lógica por trás dos salários competitivo ", acrescenta. Isso fez com que o parlamento chileno estivesse cada vez mais integrado pela elite. "Houve uma transformação. Os representantes começaram a vir de escolas particulares pagas, com uma origem social mais elitista". E essa é apenas uma das críticas que, nos últimos tempos, têm sido ouvidas nas ruas do Chile. Que seus políticos, seja de governo ou oposição, estão "desconectados" do mundo popular, pois vivem numa única sociedade, frequentam as mesmas escolas e, nas férias, os mesmos balneários. Controvérsia em torno da lei A discussão do projeto de lei para reduzir a remuneração parlamentar no Chile não foi isenta de polêmicas. Isso porque agora não só se busca reduzir o salário bruto de deputados e senadores, mas também sua verba de gabinete, que é usada para pagar assessores e despesas operacionais, entre outras coisas. No caso dos senadores, essa verba passa de US$ 25 mil (R$ 105,5 mil) por mês, enquanto no caso dos deputados são mais de US $ 12.520 (R$ 52,8 mil). Outro ponto polêmico tem a ver com a redução do salário de outros poderes do Estado. No Chile, foi feita referência ao caso do México, após presidente Andrés Manuel López Obrador de reduzir seu salário para 60% produziu efeitos "indesejados" Segundo o Banco Central do país, 12 mil funcionários podem ser afetados, e teriam seus salários cortados pela metade. Lamberto Cisternas, um porta-voz da Suprema Corte, manifestou o desagravo desses funcionários: "Uma baixa desse tipo significa atentar contra a independência dos juízes". Nesse debate, algumas autoridades chilenas fizeram referência ao caso do México, advertindo que a decisão do presidente do país de reduzir seu salário dentro de um "plano de austeridade" produziu efeitos "indesejados". "Foi uma redução muito drástica e fez com que muitas pessoas deixassem o governo. Cerca de 200 funcionários renunciaram a partir dessa regra e o restante apresentou recursos de proteção", disse o presidente do Banco Central do Chile, Mario Marcel. Provavelmente, esses últimos pontos controversos serão discutidos no Senado, quando o projeto chegar lá para sua última aprovação. O que está claro é que a redução da remuneração parlamentar é praticamente iminente e que, a partir do primeiro semestre de 2020, deputados e senadores chilenos devem estar recebendo metade do seu salário atual. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Aristide visita Jamaica e causa crise diplomática | O ex-presidente do Haiti Jean-Bertrand Aristide chegou à Jamaica para uma visita que está provocando uma crise diplomática entre o governo jamaicano e a nova liderança em Porto Príncipe. | O primeiro-ministro em exercício, Gerard Latortue, descreveu a decisão de permitir a visita como "inaceitável" e chamou de volta ao país o embaixador do Haiti na Jamaica. Autoridades haitianas e americanas dizem que a presença de Aristide a menos de 200 km de distância do Haiti pode aumentar as tensões no país. Os seguidores de Aristide, que têm sido responsabilizados por grande parte da violência no Haiti, estão planejando protestos para exigir que ele retorne ao poder. O governo jamaicano disse que Aristide foi ao país visitar suas filhas e que o ex-presidente foi advertido para não usar sua presença no país para fins políticos. Aristide está exilado na República Centro-Africana desde que deixou o governo há duas semanas. |
Integrantes do governo de Saddam 'são enforcados' | O meio-irmão de Saddam Hussein, Ibrahim al-Tikriti, e o ex-chefe da Corte Revolucionária do Iraque, Awad Hamed al-Bandar, foram enforcados em Bagdá nas primeiras horas desta segunda-feira, de acordo com a TV estatal do Iraque. | Barzan al-Tikriti e Awad Hamad al-Bandar foram condenados pela morte de 148 xiitas depois de um atentado contra Saddam, em 1982, em Dujail. A TV iraquiana disse que obteve a informação de fontes próximas ao governo, embora não tenha sido feito um anúncio oficial. O vice-ministro do Exterior, Mohammad Hamud-Bidan, disse acreditar que a informação seja verdadeira. Um advogado que representa al-Bandar também afirmou que o filho de seu cliente foi notificado da execução. A execução de Saddam Hussein, no dia 30 de dezembro, provocou críticas depois que um vídeo feito secretamente mostrou que o prisioneiro foi insultado pouco antes de ser enforcado. Barzan Ibrahim al-Tikriti era presidente da temida polícia secreta, Mukhabarat, e foi considerado responsável pela tortura e execução de centenas de pessoas. Ele era uma figura de destaque do governo iraquiano na época da invasão do país liderada pelos Estados Unidos em 2003, e estava na lista dos mais procurados pelas autoridades americanas. Al-Bandar impôs a sentença de morte nos moradores de Dujail. De acordo com os documentos judiciais, ele realizou julgamentos-espetáculo que freqüentemente acabavam em sentenças de morte sumárias. Em meados desta semana, o presidente do Iraque, Jalal Talabani, pediu às autoridades que adiassem as execuções. |
G-8 apresenta plano para democratização do Oriente Médio | No Panorama BBC deste sábado, você confere os detalhes da reunião do G-8, (grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia), que começou nesta terça-feira no Estado da Geórgia, sudeste dos Estados Unidos. | Os líderes dos países do G-8 aprovaram nesta quarta-feira a adoção de um documento que propõe uma parceria para dar apoio a reformas no Oriente Médio e no norte da África. A proposta estabelece a união dos oito países para estimular as mudanças nas áreas política, social e cultural e econômica, e cita a importância de uma solução para a tensão entre árabes e israelenses a fim de que os esforços por reformas na região sejam bem-sucedidos. A declaração aprovada é uma versão modificada do documento original, preparada pelos Estados Unidos, que não agradou a alguns países árabes e europeus. |
O mistério das crateras que explodem na Sibéria | O buraco apareceu de repente: explodiu, deixando uma marca irregular na paisagem. | Enormes buracos estão aparecendo no permafrost Em torno da borda da cratera, há uma mistura confusa e cinza de terra, gelo e torrões de permafrost. As raízes das plantas — recém-expostas ao redor da borda — mostram sinais de queimadura. Dá uma ideia da violência com que se materializou esse buraco no meio do Ártico siberiano. No ar, a sujeira recém-exposta se destaca contra a tundra verde e os lagos escuros ao redor. As camadas de terra e rocha expostas dentro do buraco cilíndrico são quase pretas. Quando os cientistas chegam ao local, uma poça de água já está se formando no fundo. Entre eles está Evgeny Chuvilin, geólogo do Instituto de Ciência e Tecnologia Skolkovo, com sede em Moscou, na Rússia. Ele voou para este canto remoto da Península Yamal, no noroeste da Sibéria, para dar uma olhada na cratera. Este buraco de 50 metros de profundidade pode conter peças-chave de um quebra-cabeça que o tem incomodado nos últimos seis anos, desde que o primeiro desses misteriosos buracos foi descoberto em outro lugar na mesma península. O primeiro buraco tinha cerca de 20 metros de largura e 50 metros de profundidade. Foi descoberto em 2014 por pilotos de helicóptero que voavam a 42 km do reservatório de petróleo Bovanenkovo, na Península Yamal. Os cientistas que o visitaram — incluindo Mariana Leibman, cientista-chefe do Earth Cryosphere Institute, que estuda o permafrost na Sibéria há mais de 40 anos — o descreveram como algo inteiramente novo no permafrost. A análise de imagens de satélite revelou posteriormente que a cratera — agora conhecida como GEC-1 — se formou entre 9 de outubro e 1º de novembro de 2013. Fim do Talvez também te interesse A cratera mais recente foi identificada em agosto de 2020 por uma equipe de TV que passava de helicóptero pelo local com uma equipe de cientistas da Academia Russa de Ciências durante uma expedição com autoridades locais. Ela eleva para 17 o número total de crateras confirmadas descobertas em Yamal e na península vizinha de Gydan. Mas o que exatamente está causando o surgimento desses enormes buracos no permafrost ainda é um mistério. Também não se sabe exatamente o que eles significam para o futuro do Ártico e para as pessoas que vivem e trabalham lá. Para muitos dos pesquisadores que estudam o Ártico, eles são um sinal inquietante de que essa paisagem fria e em grande parte despovoada está passando por mudanças radicais. Pistas no gelo Pesquisas recentes, entretanto, estão começando a fornecer algumas pistas sobre o que pode estar acontecendo. O que já se sabe é que esses buracos não estão se formando devido a algum deslocamento gradual de terra conforme o permafrost derrete e se move sob a superfície. As crateras estão surgindo a partir de explosões. "À medida que a explosão ocorre, blocos de solo e gelo são lançados a centenas de metros do epicentro", diz Chuvilin. "Estamos diante de uma força colossal, criada por altíssima pressão. O porquê de ela ser tão alta ainda é um mistério. " Chuvilin faz parte de um grupo de cientistas russos que colaboram com colegas de todo o mundo. Eles têm visitado essas crateras para coletar amostras e medições na esperança de entender mais sobre o que está acontecendo sob a tundra. Alguns cientistas compararam as crateras a criovulcões — vulcões que expelem gelo em vez de lava. Acredita-se que esses tipos de vulcões existam em algumas das partes distantes do nosso sistema solar: em Plutão, na lua de Saturno Titã e no planeta anão Ceres. Os buracos se tornaram conhecidos como 'crateras de emissão de gás' Porém, à medida que mais crateras árticas foram estudadas em vários estágios de sua evolução, elas se tornaram conhecidas como "crateras de emissão de gás". O nome dá uma pista de como elas se formam. "A análise baseada em imagens de satélite mostra que uma explosão cria um buraco gigante no lugar de um tipo de colina chamada pingo", diz Chuvilin. Pingos são colinas em forma de cúpula que se formam quando uma camada de solo congelado é empurrada para cima pela água, que conseguiu fluir por baixo dela e começou a congelar. Conforme a água congela, ela se expande para criar um monte. Também conhecidos na Rússia pelo nome local de "bulgunnyakhs", eles tendem a subir e descer com as estações. Alguns pingos encontrados no Canadá têm até 1,2 mil anos. Na maior parte do Ártico, no entanto, esses montes tendem a desabar sobre si mesmos em vez de explodir. É claro que os montes no noroeste da Sibéria estão se comportando de maneira diferente. Eles incham "muito rápido, subindo vários metros" antes de explodirem de repente, explica Chuvilin. E em vez de água gelada, a elevação parece ser causada por um acúmulo de gás sob o solo. "Pingos levam décadas para se formar e duram muito tempo", diz Sue Natali, ecologista do Ártico que estuda o permafrost e diretora do programa do Ártico no Woodwell Climate Research Center em Massachusetts. "Esses montes cheios de gás se formam em questão de anos." Um estudo de anéis de árvores em salgueiros encontrados entre os destroços jogados pela explosão da primeira cratera descoberta sugere que as plantas estavam sob estresse desde os anos 1940. Os pesquisadores dizem que isso pode ter sido devido à deformação do solo. "No entanto, há evidências de que o ciclo de vida das crateras de emissão de gás pode ser muito curto, variando de 3 a 5 anos", diz Alexander Kizyakov, especialista da universidade Lomonosov Moscow, na Rússia. Uma cratera que se formou no início do verão de 2017, conhecida como SeYkhGEC, por exemplo, começou a deformar o solo em 2015, segundo imagens de satélite. O cientista Evgeny Chuvilin estuda a formação das crateras Alguma coisa no permafrost em Yamal e Gydan torna a região propensa a ter esses montes explodindo. "Existem alguns traços característicos da paisagem ali", diz Natali. "É uma área onde existe uma camada muito espessa de gelo, chamada de gelo tabular, que forma uma capa sobre o permafrost. Também existem áreas de solo descongelado cercadas por permafrost — uma espécie de sanduíche de permafrost — e depósitos muito profundos de gás e petróleo." Uma cratera recentemente examinada por Chuvilin — um buraco de 20 metros de largura conhecido como cratera Erkuta — parece ter se formado no local de um lago seco. Quando o lago desapareceu, deixou para trás um pedaço de solo descongelado conhecido como talik, onde o gás se acumulou. Mas Chauvilin diz que não está claro de onde vem o gás. "A questão principal na pesquisa de crateras é identificar a fonte de gás que se acumula sob a superfície do permafrost", diz Chuvilin. "É intrigante que possa estar acontecendo um processo geoquímico novo ou até então desconhecido que nunca teríamos imaginado", diz Natali, que faz parte dos esforços para retratar a evolução desses montes e como o gás chega lá. Os pesquisadores corajosos o suficiente para descer de rapel nas crateras encontraram níveis elevados de metano na água acumulando no fundo, sugerindo que o gás pode estar borbulhando de baixo para cima. Uma das principais teorias é que esses depósitos profundos de gás metano sob o permafrost encontram um caminho até a 'bolsa' formada por solo descongelado abaixo da calota de gelo. Outra ideia é que altos níveis de dióxido de carbono dissolvido na água nesses bolsões descongelados começam a borbulhar quando a água começa a congelar, e a água restante não consegue reter o gás dissolvido. Uma fonte alternativa de metano e dióxido de carbono poderia ser microorganismos prosperando no bolsão descongelado de solo. Eles teriam quebrado o material orgânico e liberado os gases, diz Chuvilin. A análise do metano em uma cratera pareceu confirmar isso, mas a atividade dos micróbios produtores de metano, no entanto, foi considerada baixa nos lagos no fundo das crateras recentemente formadas — mesmo para as condições frias onde são encontrados. O surgimento de crateras pode ser uma ameaça aos dutos e infraestruturas de petróleo e gás da Sibéria Mas o metano também pode estar vazando do próprio gelo. Os gases podem ficar presos dentro dos cristais de água no permafrost para formar um estranho material congelado conhecido como hidrato de gás. À medida que derrete, o gás é liberado. "Pensa-se que pode haver diferentes mecanismos de formação que dificilmente podem ser descritos por um único modelo", diz Chuvilin. "Muito depende do meio ambiente e da paisagem." Pelo menos uma cratera foi encontrada no leito de um rio, ele aponta. Independentemente da fonte, acredita-se que o gás se acumule na bolsa descongelada do solo, empurrando a sólida calota de gelo tabular para cima por 5 ou 6 metros até que se rompa. Quando finalmente estouram, lama e gelo acima do bolsão preenchido com gás, junto com muito do material na própria seção descongelada, são arremessados para fora a até 300 metros de distância. A força é tão grande que blocos de terra de até um metro de diâmetro são lançados para fora, deixando uma cratera com um parapeito elevado, uma boca larga e um orifício cilíndrico mais estreito — considerado uma bolsa descongelada — que fica para trás. Os pastores de renas locais relataram ter visto chamas e fumaça após a explosão de uma cratera em junho de 2017 ao longo das margens do rio Myudriyakha. Os aldeões nas proximidades de Seyakha — um assentamento a cerca de 33 km ao sul da cratera — disseram que o gás continuou queimando por cerca de 90 minutos e as chamas atingiram metros de altura. Nesta região do mundo escassamente povoada, o fato de ocorrer uma cratera tão perto de um assentamento tem causado preocupação. A região também está repleta de oleodutos para a infraestrutura de petróleo e gás. "Ainda não sabemos se isso é algo que pode representar um risco para as pessoas no Ártico", diz Natali. Ela e seus colegas têm tentado responder a essa pergunta, procurando por sinais de outras crateras em imagens de satélite de alta resolução. "Assim que encontramos algo que se parece com uma cratera, estamos usando imagens de série temporal de alta resolução [fotos de satélite do mesmo local tiradas em momentos diferentes] para tentar descobrir quando elas se formaram", diz ela. Seu trabalho sugere que existem mais crateras na região que se acreditava anteriormente. "Até agora, confirmamos duas novas localizações de crateras. Considerando que em 2013 não sabíamos nada sobre elas, parece muito provável que haja mais por aí. " Não se sabe exatamente o que os buracos significam para o futuro do Ártico e para as pessoas que vivem e trabalham lá A equipe de Natali também encontrou mais 17 potenciais crateras no início deste ano, mas a análise de imagens de alta resolução os levou a concluir que podem ser outro tipo de formação, e não as crateras de emissão de gás. "É difícil validar totalmente os dados até estarmos no local", acrescenta Natali. Ela e sua equipe esperam reunir dados suficientes para automatizar o processo de pesquisa. O objetivo é criar um algoritmo que possa prever crateras antes que se elas formem, procurando por montes de emissão de gás em imagens de satélite. Desvendar exatamente o quão comuns essas crateras são atualmente é um processo lento. Após seu nascimento violento, a maioria parece desaparecer na paisagem quase tão rapidamente quanto surgiu. O vazio deixado pela explosão perto de Seyakha — que media 70 metros de largura em alguns lugares e mais de 50 metros de profundidade — foi inundado de água em apenas quatro dias devido à sua proximidade com o rio. Outras crateras demoram mais para inundar, mas em cerca de no máximo um ou dois anos as bordas do buraco escuro sofrem erosão e se enchem de água. Se tornam quase indistinguíveis dos milhares de outros pequenos lagos redondos que pontilham a paisagem. Exatamente quantos desses lagos são as resquícios das crateras de emissão de gás ainda não está claro. "É provável que alguns dos lagos no permafrost sejam crateras de emissão de gás inundadas", diz Kizyakov. "É muito cedo para dizer o quão comum isso é como um mecanismo de formação de lagos." Alguns pesquisadores tentaram identificar antigas crateras de emissão de gás medindo as substâncias dissolvidas em lagos, mas não conseguiram identificar nenhum padrão. Mudanças climáticas Descobrir o quão comuns esses eventos são não é apenas uma questão de curiosidade. Há uma preocupação crescente de que o aparecimento das crateras no noroeste da Sibéria possa estar relacionado a mudanças mais amplas que ocorrem no Ártico devido às mudanças climáticas. As temperaturas da superfície do ar no Ártico estão esquentando a uma taxa duas vezes maior que a média global, o que está aumentando o degelo do permafrost durante os meses de verão. Isso, por si só, está transformando a paisagem do Ártico, levando a deslizamentos de terra conhecidos como declínios de degelo. "Em nenhum outro lugar do planeta as mudanças climáticas estão causando uma mudança na estrutura física do solo", diz Natali. Enormes quantidades de carbono estão presas dentro do permafrost ártico — cerca de duas vezes mais do que a quantidade atualmente na atmosfera. Esse carbono está na forma de restos congelados de plantas e outros materiais orgânicos, junto com o metano que ficou preso dentro dos cristais de gelo — os hidratos de gás que Chuvilin mencionou anteriormente. À medida que o solo descongela, ele permite que os microorganismos quebrem a matéria orgânica, liberando metano e dióxido de carbono como subprodutos, enquanto o metano preso no gelo também se solta. Esse vazamento de metano do permafrost tem o potencial de acelerar o aquecimento global, já que o gás é um potente causador do efeito estufa Isso cria um círculo vicioso que pode causar ainda mais derretimento. Mas em Yamal um processo ainda mais complexo acontece. Se os cientistas descobrirem que os depósitos de metano aprisionados no subsolo pelo permafrost estão começando a se infiltrar pelas camadas normalmente impenetráveis do permafrost, pode ser um sinal de que a calota de gelo congelada sobre a tundra está se tornando mais permeável. Isso poderia introduzir novos níveis de incerteza sobre como as mudanças no Ártico impactarão o aquecimento global. "As crateras são um indicador muito chocante do que está acontecendo no Ártico de forma mais ampla", diz Natali. "Quando você olha para as mudanças que estão acontecendo nesta paisagem, algumas estão ocorrendo gradualmente e outras de forma abrupta." Embora o mistério das crateras de Yamal ainda não esteja completamente resolvido, o que foi desvendado até agora sugere que talvez devêssemos observá-las cuidadosamente no futuro. Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Coronavírus: 3 respiradores para 5 milhões de pessoas: o drama da pandemia na África | Três respiradores para 5 milhões de pessoas. | "Os efeitos colaterais esperados na África sâo muito piores que os da Europa", segundo especialistas Esse é o número de máquinas de ventilação mecânica, essenciais para pacientes com covid-19 em estado grave, que a República Centro-Africana tem para toda a sua população. Em Burkina Faso, a proporção é de 11 respiradores para 19 milhões de cidadãos. Já em Serra Leoa, são 18 para 7,5 milhões. A pandemia do coronavírus que começou na China e se espalhou pelo mundo chegou ao continente africano, onde especialistas preveem que vai provocar uma tragédia de "imensas proporções". Na semana passada, o etíope Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse que a África deve se preparar para "o pior". Fim do Talvez também te interesse "A África deve acordar", afirmou. Alertas semelhantes foram emitidos por autoridades de outras instituições internacionais, que assinalaram que o "desastre é iminente" no continente e que pode se transformar em uma "tempestade brutal" se medidas urgentes não forem tomadas. Já são ao todo 12 mil casos confirmados do novo coronavírus e quase 600 mortes na região até esta quinta-feira (09/04). O país mais afetado é a África do Sul, com cerca de 2 mil casos, seguida por Argélia, Egito, Marrocos e Camarões. À primeira vista, o número é bastante inferior ao de outros continentes e até mesmo países. Para se ter uma ideia, o Brasil já tem cerca de 16 mil casos confirmados do vírus. Autoridades temem que pandemia vire 'tempestade brutal' no continente africano Mas o que causa tanto temor pela pandemia no continente? Sistema de saúde precário Segundo projeções, o contágio na África do Sul está com um atraso de duas a três semanas em relação à Ásia e à Europa. Consequentemente, diferentes ONGs e instituições internacionais aconselharam os governos africanos a aplicarem medidas como o confinamento e o fechamento de suas fronteiras. Alguns deles seguiram a recomendação. A África do Sul, por exemplo, implementou a quarentena obrigatória e anunciou que começará a fazer milhares de testes de casa em casa. A Nigéria confinou os moradores de suas duas cidades mais populosas, enquanto a Gâmbia fechou suas fronteiras. E no Quênia há um toque de recolher. No entanto, nada disso parece ser suficiente. "Os casos estão aumentando muito, muito rapidamente", diz a nigeriana Mary Stephen, representante da OMS na África. "Temos de quebrar a cadeia de transmissão e, quanto mais casos tivermos, mais difícil será", diz ele à BBC Mundo. "Devemos impedir que as mortes aumentem e, para isso, precisamos ser mais proativos e implementar medidas preventivas e de controle com urgência", acrescenta. Alguns países africanos adotaram medidas como confinamento e bloqueio de fronteiras A médica explica que um dos grandes problemas que a África tem para enfrentar a pandemia é o seu precário sistema de saúde, com falta de leitos, unidades de terapia intensiva (UTI), médicos especialistas e o restante de equipamento essencial para enfrentar o vírus, como respiradores. É por isso que, diz Stephen, é tão importante quebrar a cadeia de transmissão "antes que seja tarde demais". Opinião semelhante é defendida pela epidemiologista Anna Roca, que vive na África há dez anos trabalhando para a Unidade de Gâmbia da Escola de Higiene e Medicina Tropical da Universidade de Londres (LSHTM). "Estratégias para lidar com a pandemia, como achatar a curva de contágio, foram projetadas na Europa ou em países de alta renda e é muito difícil pensar que possam ser implementadas nesses países" , disse ela à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC. Falta de respiradores é um dos problemas dos sistemas de saúde dos países africanos "Aqui o sistema ficará saturado muito mais cedo do que nesses países; entrará em colapso muito rapidamente", acrescenta. 'Dano colateral' Como exemplo, a pesquisadora afirma que na Gâmbia não existem unidades de terapia intensiva. Atualmente, cerca de 100 leitos estão sendo criados em todo o país para combater a pandemia, mas estima-se que serão necessários mais de 1 mil. "Ou seja, estamos atrasados em tudo", diz ela. Segundo a ONG Comitê de Resgate Internacional (IRC, na sigla em inglês), a Somália só tem 15 leitos UTI para quase 15 milhões de pessoas, o Malauí, 25 para 17 milhões e a Uganda, 55 para 43 milhões. Assim, teme-se que a disseminação da pandemia possa ter efeitos devastadores em um dos sistemas de saúde mais fracos do mundo, colocando em risco também milhões de pacientes que sofrem de outras doenças como tuberculose, aids, malária ou desnutrição. "O dano colateral esperado na África é muito maior do que na Europa", diz Roca. "Aqui está claro que as mulheres não levarão seus filhos a programas de vacinação, portanto, pode haver surtos de outras doenças". Alguns países africanos já estão tomando medidas preventivas E "também é esperado que os hospitais não sejam capazes de cuidar de outros pacientes; existe até o medo de que as mulheres tenham seus filhos em casa, o que pode levar ao aumento da mortalidade em recém-nascidos", acrescenta. Más condições de higiene e falta d'água Outro fator a ser levado em conta é que, na África, existem muitas áreas em que falta o básico, como água e sabão, o que impossibilita lavar as mãos, a melhor prevenção contra o novo coronavírus. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), na região subsaariana, 63% das pessoas que vivem em áreas urbanas (ou 258 milhões de pessoas) não têm acesso à possibilidade de lavar as mãos. Enquanto isso, na África Ocidental e Central, mais de um terço de todas as pessoas ainda não têm acesso a água potável. Isso faz com que as condições de higiene sejam extremamente frágeis. "Para obter água na Gâmbia, é preciso sair de casa e coletá-la nas torneiras públicas. Portanto, a higiene não é uma prioridade, porque não há água para lavar as mãos continuamente", explica Roca. Além disso, a alta densidade populacional de algumas áreas deste continente torna ainda mais difícil conter a pandemia. Por exemplo, em Nairóbi, capital do Quênia, existem favelas - como a chamada Mukuru - onde mais de meio milhão de pessoas vivem superlotadas. Lá, as casas são feitas de papelão ou plástico, não têm ventilação ou drenagem, nem coletam resíduos: a fórmula perfeita para a propagação de doenças. "Não podemos separar uma criança da outra em caso de infecção. Não temos espaço. Não há quartos aqui", disse à BBC uma das moradoras deste local, Celestine Adhiambo. Da mesma forma, existem tradições culturais profundamente enraizadas em algumas sociedades africanas que também não ajudam a impedir o contágio. Medidas simples como lavar as mãos com água e sabão não são fáceis em alguns locais na África "Aqui os programas da Europa para isolar pessoas vulneráveis são muito difíceis de implementar, pois muitas famílias vivem juntas, na mesma casa e todas comem do mesmo prato", explica Roca. Além disso, em muitos casos, os governos não estão transmitindo as informações corretas para impedir a transmissão da doença. "Precisamos garantir que as pessoas estejam sendo adequadamente informadas sobre o que está acontecendo em seus países e como elas podem cuidar de si mesmas, por exemplo, por distanciamento social ou como tossir e espirrar, lavar as mãos etc.", explica Stephen, da OMS. "Há muito pânico e, porque as pessoas estão em pânico, há países que estão agindo sem evidências científicas", acrescenta. Impacto dramático na economia A crise do coronavírus expõe outros problemas que assolam muitos países africanos: uma enorme desigualdade social. "Vamos ver a diferença, a divisão entre ricos e pobres", diz Andrew Harding, correspondente da BBC na África. "Já o vemos na África do Sul, com as diferenças nos sistemas de saúde público e privado. E, como sempre, os pobres serão os que mais sofrerão" , acrescenta ele à BBC News Mundo. E, em economias instáveis como a de muitos países africanos, a possibilidade de criar pacotes econômicos que ajudem as pessoas a lidar com a crise é vista como uma possibilidade muito remota. Desigualdade social é outro fator pelo qual os especialistas prevêem que pandemia será uma tragédia de "imensas proporções" Consequentemente, muitas pessoas não serão capazes de parar de trabalhar porque não terão nada para comer. "Em países onde as pessoas ganham o dinheiro do dia, onde não existe possibilidade de poupar, onde a maioria das trocas comerciais é informal, o impacto pode ser muito grande e rápido", explica Roca. Neste sentido, algumas dessas medidas já estão afetando países da região. A Gâmbia fechou suas fronteiras com o Senegal, do qual depende fortemente, um duro golpe à sua economia. Para o correspondente da BBC Africa Andrew Hardwing, "não há dúvida de que isso pode se transformar em um desastre". "O impacto econômico na África será enorme, porque temos economias muito vulneráveis e , mesmo nas mais sofisticadas, como a África do Sul, o golpe será muito forte", explica ele. Além disso, é muito difícil pensar que países com situações econômicas estáveis serão capazes de ajudá-las porque, desta vez, a crise está atingindo todos. Especialistas acreditam que será difícil obter ajuda de outros países, porque todos estão sendo afetados pela pandemia. Outra preocupação é sobre o fim da ajuda humanitária, essencial para muitos países africanos. "Aqui estamos acostumados ao fato de que, quando as catástrofes acontecem, os países de alta renda nos enviam recursos. Mas, no momento, é muito difícil pensar que essa ajuda chegará até nós", diz Roca. Por enquanto, a única esperança que resta é que a pandemia leve tempo para se agravar na África, para que, quando isso acontecer, outros países do mundo, mais desenvolvidos, já tenham superado suas crises e possam enviar os reforços necessários. Especialistas acham improvável que países africanos vizinhos possam se ajudar mutuamente durante a crise "Os dados indicam que o surto aqui será tão forte quanto na Europa e não estamos preparados. Espero que, quando emergirem da pandemia, eles reajam rapidamente para ajudar a África", conclui Roca. 'Tsunami de miséria' Segundo um estudo da ONU divulgado nesta quinta-feira, até 500 milhões de pessoas poderiam ser empurradas para a pobreza por causa da pandemia do coronavírus. Os pesquisadores usaram dados do Banco Mundial para medir os efeitos da redução dos gastos nas economias do mundo em três níveis de pobreza - U$ 1,90 (R$ 9,75), U$ 3,20 (R$ 16,40) e U$ 5,50 (R$ 28,18) por dia. De acordo com o estudo, devido à crise, o nível de pobreza em países em desenvolvimento poderia voltar a um patamar de 30 anos atrás. Considerando o patamar de pobreza de U$ 5,50 (R$ 28,18) por dia, cerca de 40% dos novos pobres estariam concentrados no leste da Ásia e no Pacífico, com cerca de um terço na África Subsaariana e no sul da Ásia. A América Latina responderia por 10% desse aumento global. O impacto do novo coronavírus poderia representar, assim, um grande desafio para se atingir o fim da pobreza em 2030, um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Com reportagem de Fernanda Paúl, da BBC News Mundo Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Pacientes com ebola fogem do isolamento e vão à igreja na República Democrática do Congo | Três pacientes com ebola fugiram de uma unidade de tratamento em Mbandaka, na República Democrática do Congo, na segunda-feira. Os doentes contaram com a ajuda de familiares, que exigiram que eles fossem levados para locais religiosos, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Dois deles morreram. O terceiro voltou para o hospital. | Ebola pode provocar sangramento fatal nos órgãos internos A República Democrática do Congo vive um surto de ebola, decretado em 8 de maio. Desde então, segundo a Organização Mundial da Saúde, 58 casos foram registrados, com 27 mortes. É o nono surto de ebola do país. O temor é que a doença se espalhe rapidamente em Mbandaka, cidade com um milhão de habitantes. O caso dos três pacientes que abandonaram o isolamento representa um desafio para equipes de saúde, que estão lutando para interromper a propagação da doença, altamente contagiosa, segundo a repórter da BBC no país, Anne Soy. Não há cura conhecida para o ebola. O isolamento dos pacientes é a principal forma de manter a doença sob controle. O contágio acontece quando fluidos corporais (como sangue, suor, urina ou fezes) de um indivíduo infectado tocam alguma das membranas mucosas de alguém que não está contaminado (olhos, orifícios nasais, boca, feridas abertas). Outro entrave ao controle é que ainda há quem acredite que o ebola não representa uma ameaça ou pode ser tratado com ajuda de curandeiros e práticas religiosas tradicionais. A falta de informação dificultou o combate à epidemia entre 2013 e 2016, no Oeste da África, que vitimou mais de 11,3 mil pessoas. Como os pacientes fugiram? Os familiares dos pacientes foram até o centro de tratamento, administrado pelos Médicos Sem Fronteiras (MSF), e exigiram que os doentes fossem levados para centros de orações, segundo Eugéne Kabambi, funcionário da OMS. Na confusão, os doentes foram, então, retirados do local de moto. A polícia ordenou uma busca pelos pacientes. Um deles foi encontrado morto em casa. Seu corpo foi removido, para que fosse realizado um enterro seguro. Outro paciente foi levado de volta ao hospital na terça-feira, ainda com vida, mas morreu no mesmo dia, segundo os Médicos Sem Fronteiras. As famílias dos três pacientes estão sendo monitoradas. As equipes médicas estão fazendo esforços para convencer os pacientes a não deixarem o centro de saúde e continuarem o tratamento. "Mas a hospitalização forçada não é a solução para essa epidemia. A aderência dos pacientes é primordial", disse a organização em um comunicado. "Isso é um hospital. Não é uma prisão, nós não podemos trancar tudo", afirmou Henry Gray, chefe da missão do MSF em Mbandaka. República Democrática do Congo enfrenta sua nona epidemia de ebola A situação está sob controle? O início do atual surto de ebola na República Democrática do Congo foi registrado cerca de 100 quilômetros ao sul de Mbandaka. A propagação do ebola de áreas rurais até a cidade espalhou temores de que a doença estivesse caminhando rumo à capital do país, Kinshasa, e para países vizinhos. A OMS afirma que o surto tem potencial de se expandir. "Nós estamos na berlinda", disse Peter Salama, chefe de respostas de emergência da OMS, em uma reunião especial para discutir a crise em Genebra. "As próximas semanas serão determinantes para avaliar se esse surto irá se expandir para áreas urbanas, ou se nós conseguiremos mantê-lo sob controle", acrescentou Salama. Trabalhadores de saúde começaram uma campanha de imunização para deter a propagação do vírus da ebola, em 21 de maio. Uma vacina experimental está sendo usada de forma limitada. |
Acidente de trem no Sri Lanka mata pelo menos 50 | Pelo menos 50 pessoas morreram quando um trem de passageiros chocou-se contra um ônibus no Sri Lanka. | Mais de 40 pessoas ficaram feridas. O acidente aconteceu em um cruzamento da linha no trajeto entre a capital, Colombo, e a cidade de Kandy. Segundo autoridades, o motorista do ônibus aparentemente ignorou a sinalização e tentou cruzar os trilhos quando o trem se aproximava. O ônibus, que transportava quase cem passageiros, incendiou-se com o impacto. Acredita-se que nenhuma das vítimas fatais estava a bordo do trem. |
5 soluções 'invisíveis' que tornam cidades mais seguras | Há coisas que estão na nossa frente, mas passam despercebidas. Essa é a matéria-prima do 99% Invisible (99% Invisível, na tradução literal), um podcast popular que nasceu em setembro de 2010 primeiro como um segmento de rádio transmitido por uma emissora pública local nos Estados Unidos. | O caos das cidades muitas vezes não nos permite perceber soluções criativas e engenhosas escondidas Como seu próprio site explica, trata-se um programa "sobre todo o pensamento por trás das coisas que não pensamos: a arquitetura e o design praticamente invisíveis que moldam nosso mundo". Na última década, o projeto não parou de crescer e agregar sucessos: seus mais de 430 episódios já acumulam quase 500 milhões de downloads feitos por uma legião fiel de ouvintes em todo o mundo. O jornal Chicago Tribune decreveu o 99% Invisible como "o melhor podcast que já existiu nos 20 anos de história do podcasting comercial". A qualidade da produção do programa tem muito a ver com isso. Mas o fascínio pelas coisas escondidas à vista de todos foi confirmado com o lançamento e o sucesso de vendas do livro The 99% Invisible City (sem tradução para o português), escrito pelo criador do programa, Roman Mars, juntamente com Kurt Kohlstedt, um dos seus principais colaboradores. Fim do Talvez também te interesse O livro "The 99% Invisible City" atingiu imediatamente as listas dos mais vendidos nos Estados Unidos Lançado no ano passado por ocasião do 10º aniversário do podcast, este "guia de campo para o mundo oculto do design cotidiano" não demorou uma semana para entrar na lista dos mais vendidos do The New York Times, que em sua revisão sobre a obra celebrou sua capacidade de tornar visíveis "as maravilhas secretas" das cidades modernas. Para entender melhor esse mundo de "soluções escondidas" que tornam as cidades mais confortáveis, atraentes e seguras, a BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, pediu a Kohlstedt para escolher seus cinco exemplos favoritos. Isso poderá te ajudar a enxergar o que está ao seu redor de uma maneira completamente diferente. 1. Cisternas secretas O primeiro dos exemplos selecionados por Kohlstedt vem de São Francisco, nos EUA, local onde nasceu o podcast 99% Invisível. "Como sou uma pessoa que presta muita atenção ao que está ao redor, logo percebi grandes círculos de tijolos em algumas ruas da cidade", conta. Cisterna no cruzamento das ruas Mariposa e Missouri, na cidade de São Francisco, Estados Unidos "Esses círculos eram muito grandes, da largura da rua. Por um lado, eles eram bastante notáveis. Mas, por outro, também bastante fáceis de ignorar no meio do trânsito e do caos, como tantas outras coisas que estão na nossa frente", raciocina. Uma rápida investigação fez com que ele descobrisse que essas estruturas eram cisternas, que servem para que os bombeiros da cidade identifiquem rapidamente os gigantescos reservatórios de água subterrâneos que começaram a ser instalados em São Francisco após o grande incêndio que acometeu a cidade em 1906. "Os tijolos basicamente demarcam o contorno do tanque. No centro, está o que parece uma tampa de bueiro, mas na verdade é o acesso à cisterna, que os bombeiros podem levantar para utilizar a água que fica embaixo da cidade", explica Kohlstedt. No total, os 175 tanques desse sistema armazenam 11 milhões de litros de água, garantindo a disponibilidade do socorro rápido em caso de emergência. Os círculos de tijolos são visíveis até em imagens de satélite "Eles estão por todos os lados e, embora a única coisa que os denuncie sejam aqueles círculos de tijolos, eles desempenham um papel vital na proteção contra futuros incêndios", aponta. Segundo o produtor do podcast, existem estruturas semelhantes em outras cidades, que entenderam que não é bom depender de um sistema centralizado contra o fogo. O exemplo mais óbvio disso são as torres de água que podem ser vistas em cidades como Nova York . "Mas nunca vi um lugar que tivesse essa mesma marca de São Francisco", diz ele. 2. Calçadas táteis O segundo exemplo de Kohlstedt não está incluído no livro, mas foi abordado em uma das edições do programa. E elas sinalizam como algumas "soluções invisíveis" são mais perceptíveis quando não estão funcionando. O produtor se refere às marcas táteis que, em muitas cidades do mundo, são vistas na divisão entre a calçada e a rua. A textura desta calçada sinaliza aos deficientes visuais que eles estão prestes a atravessar uma rua Essa mudança pode passar despercebida para a maioria dos pedestres, mas é extremamente valiosa para os deficientes, que podem detectá-las com a ponta das bengalas ou com os próprios pés. Esse tipo de piso também facilita a vida das pessoas que andam olhando para o celular, sem perceber o que acontece ao redor. "Algumas das versões mais sofisticadas desse revestimento também podem dizer a direção em que o tráfego está vindo", diz Kohlstedt sobre esse tipo de calçamento originalmente desenvolvido no Japão por Seiichi Miyake. "É uma coisa muito pequena que, no entanto, torna as cidades muito mais acessíveis", destaca. Kohlstedt, porém, ficou mais interessado no assunto quando um dos ouvintes do 99% Invisible compartilhou um caso de calçada tátil mal utilizada. "Como as marcações podem dizer onde fica o meio-fio ou de qual direção vêm os carros, se elas são instaladas incorretamente, podem ser muito, mas muito perigosas", explica. "Encontramos muitos exemplos disso, especialmente na China, onde esses pisos foram instalados de forma errada ou foram usados apenas para fins decorativos", diz ele. Porém, de certa maneira, esses tipos de problemas também dão alguma visibilidade às soluções ocultas. "Um bom projeto urbano muitas vezes passa despercebido. Mas quando ele é mal feito, fica mais aparente, já que não funciona como deveria", diz Kohldstedt. "E, no caso dessas calçadas táteis, elas ficam visíveis quando estão onde não deveriam. Quando são instaladas na esquina onde deveriam realmente estar, ninguém percebe", completa. 3. Grafite oficial Mais do que invisíveis, essas marcas no chão e na parede são incompreensíveis para a maioria das pessoas. Você já deve ter reparado em inscrições, círculos e setas coloridas que de repente aparecem nas ruas e nas calçadas, muitas vezes próximos de uma escavação, de bueiros ou de caixinhas de energia, gás e outros serviços. Esses grafites multicoloridos muitas vezes sobrevivem à escavação por um tempo — e ninguém sabe ao certo o que eles indicam e se servem para informar a localização de tubos e cabos subterrâneos. Muitas das marcas sobrevivem por mais tempo que os trabalho das equipes que entendem o significado delas "Esse é um dos meus exemplos favoritos daquelas coisas que você não percebe até que começa a notar", disse Kohlstedt à BBC News Mundo. "É uma inovação relativamente recente, que começou a se popularizar há cerca de 50 anos e foi projetada para dizer aos funcionários das concessionárias e outros trabalhadores da construção civil exatamente o que passa sob a rua", explica ele. "As cores dizem algo, a anotação diz algo. É um sistema de informação extremamente rico e, embora seja uma linguagem para especialistas, todos podem aprender a lê-la", acrescenta. Por exemplo, nos EUA — onde o sistema se tornou popular depois que um trabalhador causou uma explosão gigantesca em 1976 ao perfurar acidentalmente um ducto de petróleo que passava por baixo de uma rua de Los Angeles — as marcas vermelhas são para cabos elétricos, o laranja é para gás ou outros materiais combustíveis e o azul designa canos de água potável. O azul geralmente é usado para identificar canos de água potável Esse "idioma", no entanto, varia de acordo com o país e a cidade. No Reino Unido, os cabos de telecomunicações são marcados em verde, cor usada nos EUA para designar drenos e canais de esgoto. O importante, porém, é que essas marcas simples feitas com um pouco de tinta reduzem significativamente a chance de erros e acidentes, o que deixa nossas cidades mais seguras — além de adicionar um pouco de cor a elas. 4. Postes à prova de acidentes Há um capítulo no livro de Kohlstedt que fala sobre "fracasso planejado". Nas páginas, ele explica que os postes que sustentam sinais de trânsito, semáforos ou cabos de serviços essenciais devem ser resistentes o suficiente para resistir a ventos, tempestades, tsunamis e terremotos. "Mas, muito ocasionalmente, esses mesmos postes devem ser capazes de fazer algo crucial: eles precisam quebrar facilmente com o impacto", explicam Mars e Kohlstedt. Um bom sinal de trânsito deve "saber quebrar" Quando esses materiais são atingidos por um carro em movimento, eles se envergam e quebram, de forma a reduzir os danos e salvar vidas. Essa "destruição planejada" acontece a uma certa altura do poste, de modo que a parte inferior passe sob o veículo enquanto a parte superior voe, sem ferir as vítimas do acidente. "Eles são projetados para reduzir os danos aos veículos e para proteger pedestres, passageiros e motoristas", explica Kohlstedt. "Os postes estão integrados de tal forma à cidade que passamos por eles há tantos anos e nunca imaginamos qual é a sua verdadeira função. Isso só acontece, é claro, se alguém esbarra em um durante um acidente", observa. 5. Redutores de velocidade inteligentes O último exemplo lembrado por Kohlstedt é uma versão particular de um dispositivo encontrado nas ruas de todo o mundo: os redutores de velocidade, também conhecidos popularmente como lombadas. Esta versão específica, no entanto, se assemelha mais a grandes "almofadas" colocadas uma ao lado da outra em cada uma das faixas da rua. Redutores de velocidade instalados nas ruas de Londres "O conceito aqui é brilhante e direto", diz Kohlstedt. Basicamente, ambulâncias e veículos de emergência têm um eixo mais largo do que os carros normais. "Portanto, é possível criar redutores que obrigam carro de passeio a frear, mas que uma ambulância consegue cruzar sem ter que diminuir sua velocidade", completa. Como Kohlstedt aponta, esse é um exemplo de uma modificação engenhosa em uma tecnologia já existente há anos. "E é uma daquelas coisas que, depois de entender o racional por trás, você começa a notar em todos os lugares", destaca. Um redutor para carros, mas não para ambulâncias. Essa lógica também é o que explica o grande sucesso do 99% Invisible nas versões podcast e livro. A iniciativa passou a última década ajudando a descobrir de uma forma extremamente útil e agradável esse maravilhoso mundo oculto que temos ao nosso alcance. E também pode servir de inspiração para os interessados em transformar as cidades de todo o mundo em espaços mais confortáveis, seguros e atraentes. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Indicado para Secretaria do Audiovisual de Bolsonaro quer cota nacional na Netflix e verba para gospel | Cotado para assumir a Secretaria do Audiovisual no governo de Jair Bolsonaro, o pastor, produtor e jornalista Edilásio Barra Jr. defende a adoção de uma cota para filmes brasileiros em serviços de streaming como Netflix e cobra o direito de obras evangélicas terem acesso a verbas públicas em um sistema "sem viés ideológico". | Edilásio Barra Jr. como apresentador do programa Café Sucata Show, disponível no YouTube "Acho que a esquerda tem de entender que a direita assumiu esse país. O que é ser direita? É ser liberal e conservador, é progredir com os bons costumes e a família. Por que não pode ter filme que fala da família? Por que não pode ter filme que preserve os bons costumes? Por que não pode ter filme gospel?", afirmou em entrevista à BBC News Brasil. Para Barra Jr., conhecido também como Tutuca, a Secretaria do Audiovisual precisa ter uma visão democrática, desburocratizada, descentralizada e planejada. Entre as atribuições do órgão estão formação, editais de produção de filmes e séries e preservação de conteúdo. Sua carreira começou há quatro décadas, dançando em um programa de auditório da TV Globo. Desde então foi ator, produtor e colunista social. Ele relata ter passado por oito emissoras e cinco atrações. Ao descrever seu Programa VIP, que afirma ter sido exibido em CNT, Band e RedeTV!, Edilásio Barra Jr. diz que "tudo que Amaury Jr. fazia em São Paulo, eu fazia no Rio". Fim do Talvez também te interesse No meio do caminho, em 2011, fundou uma igreja para ajudar colegas do curso de Teologia, e hoje diz ser um pastor independente. A nomeação de Barra Jr. está sob fogo. Segundo a revista Veja, o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) afirmou que essa nomeação foi negociada entre o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), e o deputado federal Delegado Éder Mauro, primo de Barra Jr. O atual secretário é Pedro Henrique Peixoto, autor da biografia de Frota. Barra Jr. também foi alvo de críticas do ex-deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) e da deputada federal Manuela d'Ávila (PCdoB-RS) por ter compartilhado um post em uma rede social que acusa os dois políticos de ligação com o atentado contra Jair Bolsonaro, em 2018. Ambos estudam processá-lo. Questionado sobre o post, ele diz que compartilhar não é afirmar ou acusar, mas dar "oportunidade às pessoas a saberem o que está acontecendo" em seu entorno em um determinado momento. "E aí nós compartilhamos e pronto, porque nós somos de direita e naquele momento era isso que se falava." Leia abaixo trechos da entrevista. BBC News Brasil - Em áudio publicado pela revista Veja, o deputado federal Alexandre Frota (PSL-SP) insinuou que sua indicação ao cargo de secretário do audiovisual foi uma troca de favores entre o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e seu primo, o deputado federal Éder Mauro. Edilásio Barra Jr. - Isso é uma completa mentira, engenhosa, de uma maldade cruel, da cabeça do Alexandre Frota. Até porque se ele desconhece ou não, eu fui coordenador da campanha do Bolsonaro e do PSL no Rio Grande do Sul. Eu ajudei a organizar e fazer quatro deputados federais no Rio Grande do Sul, quatro estaduais, uma mulher chamada Carmen Flores com quase 1,5 milhão de votos (ela concorreu ao Senado e perdeu). Eu ajudei na coordenação, no marketing e nas plataformas digitais. Não tem nada a ver com meu primo, que mora em Belém do Pará e eu estava no Rio Grande do Sul. BBC News Brasil - Seu parentesco, então, não pesou para a indicação? Barra Jr. - Claro que não, eu tenho meu caminho próprio. Eu trabalho há 40 anos na minha carreira artística com som e imagem. O que é audiovisual? É uma forma de comunicação que através do som e da imagem você produz cinema, conteúdo de TV aberta e fechada e plataformas digitais. Eu sou diretor de TV e de arte e de produção sindicalizado pelo Sated-RJ e sou ator também. Comecei na Rede Globo de Televisão em 79. Tinha um programa de televisão que as pessoas dançavam. Comecei ali dançando como qualquer outro ator começou ali, que o Kadu Moliterno e a Élida L'Astorina apresentavam. Era um programa de auditório, o Jorge Lafond começou ali também dançando. Fiz todos os programas da linha de shows da TV Globo. Aí vem Os Trapalhões, Viva o Gordo, A Praça é Nossa, fui dirigido pelo Lúcio Mauro, por Augusto Cesar Vanucci fazendo Pirlimpimpim 1, Pirlimpimpim 2. BBC News Brasil - O que dessa experiência pode te ajudar gerir uma secretaria? Barra Jr. - A primeira coisa que a gente tem que fazer é descentralizar a cultura desse país, que só fica no eixo Rio-São Paulo. Eu, como sou um nortista do Pará, as verbas têm que chegar mais fácil lá. Eu quero atuar com as ideias que o Bolsonaro tem através do ministro da Cidadania, Osmar Terra. Nós vamos descentralizar a cultura. Nós vamos dar oportunidade e voz a quem nunca teve nesse país. Eu não sei porque a esquerda se acha dona da cultura desse país. BBC News Brasil - Há muitas críticas ao sistema de financiamento de verbas na cultura, entre elas o repasse de dinheiro a quem não precisa. O sr. concorda? Se sim, o que faria para mudar esse cenário? Barra Jr. - Na minha opinião, como homem da cultura, é que precisa desburocratizar mais o acesso a essas verbas analisando o ponto das necessidades, não é isso? Eu vejo muita gente recebendo muito, mas isso é uma coisa que já foi ajeitada na Lei Rouanet, não é mais R$ 60 milhões para as pessoas. Agora é até R$ 1 milhão, que dá pra fazer um bom trabalho na cultura. (O governo Bolsonaro adotou diversas mudanças no mecanismo Os festivais e outras coisas serão estudados a cada situação. Isso eu acho correto. Como é que os grandes artistas recebiam favor da Lei Rouanet se cobravam R$ 300, R$ 400, R$ 500 o ingresso? Isso tá errado. Como é que o governo federal vai bancar uma estrutura dessa? Tem que bancar a estrutura de pessoas que estão começando e precisam de R$ 100 mil, R$ 200 mil para gravar um CD, para fazer um festival, um documentário. Edilásio Barra Jr. em vídeo no YouTube entrevistando Alexandre Frota, hoje o principal crítico de sua indicação à Secretaria do Audiovisual BBC News Brasil - Então, o sr. acha que o governo federal deveria fomentar também filmes de esquerda, como Marighella, de Wagner Moura, sobre um guerrilheiro na época da ditadura militar, que captou R$ 3,5 milhões? Barra Jr. - Eu acho que a cultura não tem que ser administrada com viés ideológico. BBC News Brasil - E o que isso significa na prática? Barra Jr. - Eu acho que o cinema tem que passar também a preservação dos bons costumes, da família, dos nossos heróis, porque agora o filme mais visto do Brasil é Os Vingadores. Tem que ter uma implantação de uma cota de tela sensata. BBC News Brasil - O que seria sensato? Uma cota de tela para preservar os bons costumes? Barra Jr. - Eu acho que teria que ter espaço também nas salas de cinemas para os filmes brasileiros. Na verdade, 70%, 80% ficam com os filmes estrangeiros. BBC News Brasil - Mas cota de tela já existe. Barra Jr. - Mas (agora) seria cumprida, né? Uma fiscalização maior em cima disso, mas eu não estou aqui para criticar ninguém. Eu só posso falar como secretário se um dia eu for secretário. Eu só fui indicado, nem sei se eu vou ser. Até porque eu não vivo de cabide de emprego de cargo público. Se eu quisesse ser chefe de gabinete dos deputados federais que eu ajudei a eleger no Rio Grande do Sul, eu já seria. No governo Bolsonaro, Ministério da Cultura se tornou uma secretaria ligada à pasta da Cidadania BBC News Brasil - Por que o sr. acha que a Secretaria do Audiovisual deveria se preocupar com os bons costumes? Barra Jr. - Uma secretaria de audiovisual deveria ter uma visão democrática, descentralizada, com planejamento e que dê oportunidades ao repentista de Recife gravar seu CD com R$ 50 mil, ao tecnobrega que um artista de Belém do Pará com R$ 80 mil para gravar seu DVD. A oportunidade tem que ser para todos, não só para quem mora no eixo Rio-São Paulo, sem desmerecer ninguém. São vários Estados no nosso país, com uma dimensão continental. Por que a cultura tem que ficar centralizada no eixo Rio-São Paulo, entre o Jardim Botânico e a Vila Madalena? BBC News Brasil - O sr. acha que a produção audiovisual independente tem espaço hoje na Ancine, na Secretaria do Audiovisual? Barra Jr. - Se eu entrar, vou saber tudo isso. Você está me perguntando coisa lá de dentro que eu não sei. Eu sei o que eu tô vendo. Agora, eu acho que o Osmar Terra é uma pessoa sensata, honesta, coerente, um homem escolhido para ser o nosso ministro e uma pessoa supercapacitada. É um gestor público. Ele tem que ser respeitado. Ele é uma pessoa coerente, colocou lá o Henrique Pires, que é o secretário especial de Cultura, competente, viram o meu currículo e me convidaram para conversar. BBC News Brasil - Filmes com grande orçamento, como Minha Mãe é Uma Peça, deveriam ter direito de receber verba pública? Barra Jr. - Se esses filmes faturam do jeito que dizem que faturam, Downtown Filmes, Paris Filmes, mas tem que ter critério igual para todo mundo. Tem que ter equidade. É justiça para todo mundo conforme a sua altura e tamanho, não é isso? BBC News Brasil - Artistas e produtores que criticam o governo Bolsonaro deveriam ser impedidos de ter acesso a esses recursos? Barra Jr. - Eu acho que todo mundo tem direito a verba pública. Só não pode ser administrado com viés ideológico. Só isso. Você sabe como foi criada a Ancine? Foi criada em 2001 pelo PCdoB e pelo PT. E o Mario (Manoel) Rangel ficou uma década lá dentro. Isso é que tem que mudar. Acho que a esquerda tem que entender que a direita assumiu esse país. O que é ser direita? É ser liberal e conservador, é progredir com os bons costumes e a família. Por que não pode ter filme que fala da família? Por que não pode ter filme que preserve os bons costumes? Por que não pode ter filme gospel? BBC News Brasil - Mas não tem filme gospel? Nada a Perder foi lançado no ano passado e se tornou o maior filme do ano. Barra Jr. - Sem verba da Ancine porque eles nem queriam. Foi o filme nacional mais visto do país, a biografia do Edir Macedo. BBC News Brasil - O sr. acha que esse filme, caso tivesse pleiteado verba pública, não teria tido acesso? Barra Jr. - Não só esse como outros filmes que poderiam vir de outras denominações, de igrejas, de outras instituições que trabalhem com o mundo gospel. Por que nós temos que discriminar o mundo gospel? BBC News Brasil - Hoje esse segmento sofre discriminação no acesso a verbas públicas? Barra Jr. - Não sei, não sei se é discriminado. Ou se foi discriminado. Atualmente não foi colocado isso, mas eu acho que antigamente isso era discriminado. BBC News Brasil - Mas o sr. acha então que este é um segmento que deveria ter mais acesso a verbas públicas? Barra Jr. - Eu acho que o mundo gospel deveria também ter acesso à mídia, a verbas, participar dos editais, por que não? Acho que a cultura é pluralidade. O que não pode é ser só divulgado por um viés ideológico. Estou falando como Edilásio Barra, não como secretário. Eu acho que tem que ter uma revisão em cota de tela, tem que ser revisado isso, inclusive os streamings aí, Netflix, essas coisas que estão aí, que não tem nem muito filme brasileiro lá. Tem coreano, tem japonês, tem chinês, mas vai lá ver se tem filme brasileiro. Segundo Barra Jr., ele foi convidado pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra, após uma análise de seu currículo BBC News Brasil - O governo resiste há anos a colocar cota para filme brasileiro na Netflix, e o lobby do segmento é forte. O sr. compraria essa briga? Barra Jr. - A briga tem que ser para melhorar o audiovisual do país. Tudo que for para melhorar o audiovisual do país acho que o Bolsonaro tá querendo, e o ministro Terra faz isso com muita competência. BBC News Brasil - Então, uma última pergunta para concluir a entrevista... Barra Jr. - Você não falou nada do meu currículo. O maior problema é que ficam me queimando. O Frota fica dizendo que eu não sou de televisão. A gente fazia novela junto, ficava junto o tempo todo. Eu, ele e o Mauricio Mattar, a gente saia pra boate, pra barzinho. BBC News Brasil - Por que o deputado Alexandre Frota está agindo assim? Barra Jr. - Eu não sei porque ele tá fazendo isso, porque o Frota é uma criança grande e malcriada e gosta de brigar com todo mundo. E ele acha que esse mandato é eterno. BBC News Brasil - Ele emplacou um aliado dele nesse cargo, o próprio biógrafo. Barra Jr. - Pois é, quem começou com o "toma lá, dá cá" foi ele, porque ele quis dar cargo para todos os amigos dele na Cultura. Aí o Osmar Terra falou: "pera aí, você quer comandar a Cultura? Não é assim". Quem começou com o "toma lá, dá cá", se tem "toma lá, dá cá", foi ele. BBC News Brasil - Por fim, uma pergunta ligada a sua carreira jornalística. O sr. afirmou que o ex-deputado federal Jean Wyllys e que a deputada federal Manuela d'Ávila... Barra Jr. - Não afirmei nada não. Não tem nada afirmado. Aquilo foi matérias que saíram em várias revistas e blogs e sites que eles eram… BBC News Brasil - …em rede social com um post que os aponta como principais mandantes da tentativa de assassinato do Bolsonaro? Barra Jr. - Suspeitos, suspeitos. E aí nós compartilhamos e pronto, porque nós somos de direita e naquele momento era isso que se falava. Ponto final, só isso. BBC News Brasil - Mas existe algum elemento que comprove essa ligação? Barra Jr. - Eu não sou polícia, cara. Como eu acho também que todo mundo me detonou, a maioria dos repórteres me detonaram sem ligar para mim para falar mal do meu currículo. Você tá ligando hoje, graças a Deus, desde sexta-feira isso tá rolando. Se eles não são culpados, espero que não sejam, maravilha, isso é ótimo para o país. Edilásio Barra Jr. nega ter acusado Jean Wyllys e Manuela d'Ávila de ligação com tentativa de assassinato de Bolsonaro BBC News Brasil - Mas como jornalista o sr. não fica preocupado de disseminar uma informação que talvez não seja comprovável? Barra Jr. - Isso saiu na Veja, em vários jornais na época, que foi falado. A gente compartilhou, foi só isso, mais nada. Compartilhamento. Agora, o Jean Wyllys, que tá fora da mídia, teve só 24 mil votos, entregou seu mandato. E Manuela Dávila, que também quis ser vice-presidente e perderam. Estão encontrando uma maneira de querer entrar na mídia e usando meu nome porque isso foi compartilhado com mais de 5 milhões de pessoas. BBC News Brasil - Compartilhar essa informação não significa endossá-la? Barra Jr. - Compartilhar é você dar oportunidade às pessoas a saberem o que está acontecendo naquele momento. Porque internet é naquele momento. Estão pegando uma notícia daquele momento, de cinco, seis meses atrás e botando pra hoje como se tivesse afirmando hoje. Isso não é verdade. Eu não estou afirmando isso hoje. Foi naquele momento, em que todos os jornais, todos vocês publicaram isso. BBC News Brasil - Essa acusação de ligação entre deputados e o acusado de tentativa de assassinato do Bolsonaro não foi publicada pela grande mídia, por veículos profissionais. Barra Jr. - Eu posso te mandar umas seis matérias que te comprovam isso. E caso eles me processarem, eu vou mostrar lá na hora certa de onde eu compartilhei e por que eu compartilhei aquilo naquele momento. Já tenho tudo preparado e organizado caso eu seja processado. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
As controversas decisões de Favreto, Moro e Gebran Neto em disputa sobre soltura de Lula | Um novo pedido de habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou desencadeando uma série de decisões "estranhas e incorretas" da Justiça brasileira neste domingo, avaliam juristas ouvidos pela BBC News Brasil. Depois de muita indefinição, o petista foi mantido preso em Curitiba, onde cumpre pena de 12 anos e um mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso Tríplex do Guarujá. | O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso há três meses, condenado a 12 anos e 1 mês de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro Tudo começou com uma inesperada determinação do desembargador que estava de plantão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Rogerio Favreto, para a imediata soltura de Lula, ao atender recurso apresentado por três parlamentares petistas. A decisão veio depois de o Supremo Tribunal Federal ter autorizado a detenção do ex-presidente em abril. O movimento de Favreto gerou imediata reação do juiz de Curitiba Sergio Moro, responsável pela condenação do petista em primeira instância, que resolveu se manifestar mesmo estando de férias para afrontar decisão de instância superior. Logo depois, o relator do processo de Lula no TRF-4, Pedro Gebran Neto, suspendeu a decisão de seu colega plantonista, embora a princípio tivesse jurisdição para analisar o caso apenas na segunda-feira, quando terminasse o plantão. Com isso, Favreto reafirmou sua decisão e determinou mais uma vez a liberdade de Lula. Em meio ao impasse gerado por decisões de dois desembargadores de um mesmo tribunal, sobrou para o presidente do TRF-4, Thompson Flores, resolver a disputa: ele manteve a prisão afirmando que o pedido de habeas corpus de Lula é do desembargador João Pedro Gebran Neto, e não de Favreto. "Isso (as sucessivas decisões) mostra aos olhos de todos que há uma insegurança jurídica generalizada. A cada dia, a cada momento, você é surpreendido por decisões ora contra, ora a favor, ora incompatíveis", criticou o advogado criminalista Gustavo Badaró, professor de Processo Penal da USP. Já o professor da FGV Direito Rio Ivar Hartmann avaliou as decisões de Favreto, Moro e Gebran Neto, como "tecnicamente erradas" e criticou também os aliados de Lula que teriam ingressado, na sua visão, com um habeas corpus ilegal no TRF-4. Entenda melhor quais as controvérsias em torno das decisões desse domingo. 1ª decisão: plantonista manda soltar Lula O desembargador Rogerio Favreto, do TRF-4, tentou por três vezes libertar Lula Três deputados federais petistas - Wadih Damous, Paulo Teixeira e Paulo Pimenta - entraram com um novo pedido de habeas corpus na noite de sexta-feira no Tribunal Regional Federal da 4ª região. Para os juristas ouvidos pela BBC News Brasil, os parlamentares parecem ter estrategicamente escolhido apresentar o recurso sabendo que o desembargador de plantão seria "ideologicamente favorável" ao pedido. Favreto, que tem sido crítico à Operação Lava Jato, já foi filiado ao PT antes de se tornar juiz, segundo o jornal Folha de S.Paulo. À BBC News Brasil, o desembargador negou que tenha agido por motivação política e defendeu sua decisão afirmando que a pré-candidatura de Lula à Presidência da República seria um "fato novo" que justificaria libertá-lo agora. Em seu despacho, Favreto argumentou que o petista seria vítima de "duplo cerceamento de liberdade: direito próprio e individual como cidadão de aguardar a conclusão do julgamento em liberdade e, direito político de privação de participação do processo democrático das eleições nacionais, seja nos atos internos partidários, seja na ações de pré-campanha". Para Badaró, da USP, a decisão "forçou a barra". "O fato de de Lula se tornar pré-candidato não é um fato novo que incida sobre o conteúdo daquilo que decidiu o tribunal quando determinou a prisão", argumenta o professor. Já na avaliação de Hartmann, Favreto deveria ter rejeitado o pedido porque o TRF-4 não seria a instância adequada para o novo recurso. Segundo o professor da FGV, o habeas corpus apresentado era ilegal porque, ao contestar a prisão de Lula autorizada pelo TRF-4, teria que ser apresentado à instância superior, ou seja, o Superior Tribunal de Justiça. "Claramente o pedido não devia ser encaminhado para o TRF-4 e vemos uma estratégia de fazer o pedido justamente no fim de semana em que o plantonista é o juiz Rogério Favreto", observou. "Acho que foi uma jogada inteligente dos aliados de Lula porque sabiam que, se conseguissem a soltura hoje, para conseguir a volta da prisão depois seria mais difícil politiciamente", acrescentou. Já o deputado petista Wadih Damous contestou a crítica de Hartmann e disse à BBC News Brasil que o habeas corpus foi apresentado contra a decisão de Moro de decretar a prisão de Lula em abril e que, por isso, o TRF-4 seria sim o foro adequado para apreciar o recurso. Vale lembrar que a oitava turma do TRF-4, após confirmar a condenação de Lula por Moro em janeiro, autorizou o petista a ser preso pelo juiz de Curitiba assim que se esgotassem os recursos da defesa na segunda instância, o que foi feito em abril. Essa autorização teve respaldo em jurisprudência do STF que permitiu, a partir de 2016, o cumprimento antecipado da pena, ou seja, antes do esgotamento de todos os recursos disponíveis para a defesa. 2ª decisão: Moro desautoriza soltura de Lula Sérgio Moro está de férias até o dia 31 de julho, mas está no Brasil, segundo sua assessoria Pouco depois da primeira decisão, Moro, mesmo estando de férias, liberou um despacho dizendo que Favreto não seria competente para julgar o recurso de Lula e determinou que ele não fosse solto até que o relator do caso no TRF-4, o desembargador Gebran Neto, se manifestasse - o que acabou ocorrendo pouco depois, com uma decisão para suspender a ordem de soltura. Para Hartmann, Moro não poderia ter tomado essa decisão. Segundo ele, Moro, por ser um juiz de primeira instância, não poderia intervir no cumprimento da decisão de um desembargador, mesmo se não estivesse de férias. Na sua avaliação, a Polícia Federal poderia ter ignorado o despacho do juiz de Curitiba e aplicado a decisão de Favreto, que tinha sim competência para julgar enquanto estava no plantão judiciário. "Acho que tanto Gebran como Moro viram uma jogada estratégica dos parlamentares (que entraram com o pedido de habeas corpus) e decidiram agir para evitar o custo político que a soltura de Lula traria para o próprio Judiciário, ainda que erroneamente", analisa. "Moro errou ao atravessar essa decisão que não tinha nada a ver com ele. Ele fez para criar uma celeuma, ganhar tempo e chamar o Gebran para se manifestar", acredita também Badaró. A decisão de Moro acabou dando gás para a defesa de Lula voltar a questionar sua imparcialidade nos processos contra o petista. "O juiz de primeira instância Sergio Moro, em férias e atualmente sem jurisdição no processo, autuou decisivamente para impedir o cumprimento da ordem de soltura emitida por um Desembargador Federal do TRF4 em favor de Lula, direcionando o caso para outro Desembargador Federal do mesmo Tribunal que não poderia atuar neste domingo", criticou por meio de nota o advogado de Lula Cristiano Zanin. 3ª decisão: relator suspende soltura de Lula Gebran Neto, relator do processo, suspendeu decisão de colega, que depois emitiu novo pedido de soltura de Lula Após o despacho de Moro convocando seu pronunciamento, Gebran Neto determinou que Lula deveria ser mantido preso. No despacho, argumentou que a "decisão proferida em caráter de plantão poderia ser revista por mim, juiz natural para este processo, em qualquer momento". A decisão é controversa, no entanto, porque o plantão judiciário terminaria às 11 horas de segunda, quando só então o relator teria jurisdição para revogar a decisão do plantonista, ressaltaram Badaró e Hartmann. "É um decisão excepcional. O relator poderia revogar a decisão, mas apenas amanhã (segunda). Imagina, caso fosse o Zé da esquina preso porque roubou o celular de alguém, se o desembargador iria sair domingo do descanso dele para decidir", disse o professor da USP. O impasse acabou resolvido com a decisão do presidente do TRF-4, Thompson Flores. Contrariando a opinião dos dois professores ouvidos pela BBC News Brasil, ele decidiu que a competência para julgar o pedido de habeas corpus de Lula é do desembargador João Pedro Gebran Neto, e não de Favreto. Flores também restaurou a validade de uma decisão anterior de Gebran, tomada por volta das 14h de domingo, determinando a manutenção da prisão de Lula. Na decisão, Flores argumenta que Favreto não tinha competência para julgar pedidos de Lula, por não ter participado da sessão que decidiu pela prisão do petista; e que não havia fato novo em relação aos pedidos anteriores de soltura do petista. O saldo geral acabou negativo para a imagem do Judiciário, acredita Daniela Bonaccorsi, professora de Direito Penal na PUC de Minas Gerais. "A gente já sabia que a política entrou no Judiciário, comprometendo a legitimidade das decisões. Entendo que agora há um problema ainda maior, não só de disputa política, mas de disputa pessoal entre os juízes", lamenta. |
James Stern: o ativista negro que 'enganou' um dos maiores grupos neonazistas nos EUA para setornar seu líder | Um líder negro para um grupo neonazista. | James Stern é um reverendo protestante e defensor dos direitos civis dos negros Parece uma sequência de BlacKkKlansman, o novo filme de Spike Lee que no domingo passado ganhou o Oscar de melhor roteiro adaptado. Mas a realidade supera mais uma vez a ficção. James Hart Stern, um ativista negro de 54 anos, é o novo presidente do Movimento Nacional Socialista (NSM, da sigla em Inglês), um dos maiores grupos antissemitas e racistas dos Estados Unidos. E, aparentemente, ele já tem um objetivo claro: destruir esse grupo. Fim do Talvez também te interesse O Southern Poverty Law Center (SPLC), ONG que monitora os movimentos supremacistas, confirmou à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que em janeiro Stern substituiu o neo-nazista Jeff Schoep - que defende um país "apenas brancos" - como presidente da NSM. Não se sabe ao certo como o ativista chegou à liderança da organização, apontada pelo SPLC como um dos maiores "grupos abertamente hitleristas" no país. Documentos a que a BBC News Mundo teve acesso, entretanto, indicam que Stern já deu os primeiros passos para "reformar" o grupo. O Movimento Nacional Socialista realiza manifestações frequentes em que presta homenagem à ideologia nazista Um ofício datado de janeiro indica que Stern, já como presidente, pediu a mudança de endereço e de representantes legais do grupo, que aparecia em nome de Schoep e do advogado Elmer Woodard, a cara legal do supremacismo branco nos Estados unidos. Outro documento judicial nomeia Stern como representante em uma ação civil que alega que o NSM estava entre as organizações que causaram "danos emocionais e econômicos" a dezenas de pessoas na manifestação neo-nazista " Unite the Right" (Unir a direita, em tradução literal), realizada em 2017 em Charlottesville, Virgínia. Seu primeiro passo enquanto presidente foi pedir ao juiz que declare o grupo culpado de conspirar para cometer atos de violência durante a manifestação, que deixou uma pessoa morta. Documentos judiciais atestam as primeiras mudanças promovidas por Stern Até este fim de semana, nem Stern nem Schoep haviam falado publicamente sobre o assunto. A BBC News Mundo tentou contatá-los, mas não obteve resposta. No entanto, em uma página de Facebook que parece pertencer ao ativista, ele compartilhou sexta-feira - com um comentário enigmático - uma notícia sobre o vazamento de sua nomeação. "Eu vou fazer a declaração mais assustadora sobre a raça desde o Caso Mississippi em Chamas, de 1964", disse ele, se referindo aos assassinatos de ativistas pró-direitos civis dos negros naquele ano. Mas quem é esse ativista e o que se sabe sobre como ele se tornou líder de um dos maiores grupos neonazistas dos Estados Unidos? Quem é James H Stern? Stern, nascido em 1965 em Moreno Valley, Califórnia, é um reverendo protestante e defensor dos direitos civis dos negros que também lidera o Ministério de Alcance para a Reconciliação Racial, uma "organização progressista e internacional que luta pela mudança social", de acordo com a sua página na internet. De acordo com o SPLC, ele ficou conhecido há alguns anos por dissolver um "capítulo notório" do grupo racista Ku Klux Klan (KKK). O agora líder do grupo neonazista, aliás, publicou em outubro passado um livro intitulado "O Mississippi ainda está em chamas", em que conta como foi o processo pelo qual acabou com a célula da organização supremacista. Segundo o livro, em 2010, Stern, que cumpriu cinco anos de prisão, dividiu cela com um "grande guru" do Ku Klux Klan, Edgar Ray Killen, apontado anos antes como responsável pelas mortes, em 1964, de três ativistas negros que pediam direito a voto para pessoas afrodescendentes. Os membros do NSM usam abertamente os símbolos nazistas Após sua libertação, Killen assinou uma procuração e deu a ele direitos sobre algumas terras. Stern posteriormente o usou para acabar com o núcleo do KKK do qual o supremacista fazia parte. Não foi a primeira vez que um homem negro se inseriu em organizações de extrema direita. Na verdade, BlacKkKlansman, o filme de Spike Lee, conta a história real de Ron Stallworth, um policial que conseguiu se infiltrar no KKK e ascender dentro dele. Mas pouco antes de acabar com uma célula do Klan, outro acontecimento casual levou Stern a um dos maiores movimentos neonazistas dos Estados Unidos. O que é o NSM? O NSM foi criado na década de 1970 com o nome de Movimento Nacional Socialista dos Trabalhadores Americanos pela Liberdade. É um dos que celebram as doutrinas de Hitler. De acordo com o SPLC, foi durante anos um grupo periférico, até que no início dos anos 2000 se tornou uma das estruturas neo-nazistas mais notáveis do país. O grupo é conhecido por participar de manifestações com uniformes que lembram os dos soldados da Alemanha nazista e organiza várias reuniões e eventos em rede, assim como marchas em várias épocas do ano. Schoep, que foi seu líder a partir de 1994, o registrou 10 anos depois como organização sem fins lucrativos. E, segundo Stern, sua proximidade com Killen despertou a curiosidade dele. Membros do grupo também usam uniformes semelhantes aos de soldados da Alemanha nazista Em fevereiro de 2017, Stern anunciou publicamente em seu blog que se encontraria com o "Comandante do maior grupo supremacista branco do mundo" para discutir algumas mudanças. "O reverendo Stern assume esse grupo que despejou tanto veneno no mundo com sua propaganda racista para mudar suas maneiras", escreveu ele na época. Ele explicou ainda que não era a primeira vez que eles se reuniam e atribuiu a seus esforços o fato de o grupo ter trocado a suástica de sua bandeira pela runa Odal - outro símbolo comum da supremacia branca. Mas nada mais se soube a respeito desde então. Stern diz que influenciou para que o grupo trocasse a suástica de sua bandeira pela runa Odal Em uma entrevista ao The Washington Post na sexta-feira, o reverendo contou que Schoep entrou em contato com ele em janeiro passado para lhe pedir aconselhamento sobre a ação judicial envolvendo Charlottesville e suas possíveis implicações financeiras. De acordo com declarações do reverendo, Schoep também teria dito que se sentia menosprezado por seus seguidores e excluído do movimento nacionalista branco que, segundo ele, havia varrido o país depois das eleições presidenciais de 2016. Em páginas de redes sociais usadas por membros de partidos neo-nazistas e consultadas pela BBC News Mundo, há diversos comentários negativos dos participantes sobre Schoep e o curso que ele estava dando à organização. Alguns mencionavam, inclusive, que o NSM vivia uma "guerra interna" entre seus dirigentes. Os supremacistas do grupo diziam que não estar satisfeitos com a direção de Schoep E aí, Stern afirma que viu o filão: ele propôs que Schoep lhe passasse o controle da organização e de seu site. De acordo com o Washington Post, entretanto, Schoep escreveu uma declaração aos seguidores "afirmando que havia sido enganado por Stern". Segundo o texto, o reverendo o teria convencido de que, "para proteger nossos membros (da organização) do processo em andamento, eu deveria passar a presidência do NSM para ele". Stern diz que se limita a buscar conselhos entre líderes judeus para determinar o que fazer com o grupo, embora tenha descartado a possibilidade de dissolvê-lo imediatamente. Um de seus objetivo, disse ele, é transformar o site em um espaço para "educar" os seguidores da NSM sobre a história do Holocausto. Resta saber o que os membros do movimento neonazista pensam sobre o seu novo líder. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
A pouco conhecida história de 'Noite Feliz', uma das mais famosas músicas de Natal | Em 24 de dezembro de 1818, o padre austríaco Joseph Mohr pediu ao amigo organista Franz Xaver Gruber que compusesse a melodia para um poema escrito por ele dois anos antes. Nascia assim Stille Nacht, heilige Nacht , uma das mais famosas canções natalinas, traduzida para mais de 300 idiomas e conhecida em português como Noite Feliz . | A música foi tocada para o público pela primeira vez em uma igreja em Salzburgo, na Áustria Naquela noite, Mohr e Gruber executaram a música pela primeira vez durante o serviço da igreja de São Nicolau em Oberndorf bei Salzburg, na Áustria. Hoje, a canção é quase onipresente no Natal, figurando desde 2011 na lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O poema foi criado em um período difícil para Salzburgo. O então principado eclesiástico independente sofreu diversas ocupações durante as Guerras Napoleônicas. Os conflitos trouxeram caos e fome - em especial no Ano Sem Verão de 1816, quando temperaturas extremamente baixas destruíram plantações na Europa e América do Norte. Naquele mesmo ano, Salzburgo perdeu sua independência e foi incorporada à Áustria. "As palavras deste cântico foram escritas nestas circunstâncias. Elas expressam uma ânsia por redenção e paz", explica à BBC News Brasil Peter Husty, curador da exposição Silent Night 200 - The Story. The Message. The Present ("Noite Feliz 200 - A História. A Mensagem. O Presente", em tradução livre), no Museu de Salzburgo. O organista Franz Xaver Gruber compôs a melodia da música O contexto local não impediu que a canção se tornasse um sucesso em todo mundo. Primeiro a música se espalhou em um manuscrito na região dos autores. Depois, o construtor de órgão Carl Mauracher a levou para Zillertal, um vale em Tirol, onde era cantada por corais. Dali, se alastrou pela Alemanha, Europa e Estados Unidos. Fim do Talvez também te interesse "O Cristianismo levou essa música para o mundo com missionários (protestantes e católicos). Ela virou acessível em muitas línguas e dialetos, tonando-se global", afirma Thomas Hochradner, chefe do Departamento de Musicologia da Universidade Mozarteum, na Áustria, e idealizador da exposição Silent Night 200. A exibição traz informações detalhadas sobre a canção - como o fato de que ela é cantada por 2 bilhões de pessoas no mundo -, além de objetos que ilustram o estilo de vida no tempo da composição, autógrafos de Mohr e Gruber, e o piano usado para tocar a música. Uma infinidade de traduções e adaptações A propagação de Stille Nacht em diversos idiomas resultou em traduções nada fiéis ao texto original. Muitas delas são, na verdade, adaptações. A versão em português, por exemplo, foi intitulada Noite Feliz, embora o título real seja algo como "Noite Silenciosa". O museu de Salzburgo exibe as cifras e letras originais da música A primeira estrofe também abriga a frase "pobrezinho nasceu em Belém", inexistente no poema austríaco. "As chamadas traduções são novas poesias que tentam manter a mensagem do texto, mas precisam levar em conta o ritmo e as rimas (da língua)", diz Hochradner. Segundo Husty, geralmente as traduções buscam manter o sentido central da canção: o Natal como festa da redenção e sinal de paz. Mas nem sempre é o caso, como prova a Weihnachtsringsendung, a versão nazista do cântico. O regime de Hitler tinha um problema óbvio com Natal: Jesus era judeu. E o antissemitismo estava no centro da existência da ditadura nazista. Por isso, sua equipe tentou remover todo o contexto religioso da celebração. Isso incluía reescrever canções natalinas sem referências a Deus, Cristo ou fé. Na Alemanha nazista, o primeiro verso de Stille Nacht transformou-se em um louvor a Hitler. A letra dizia: "Tudo é calmo, tudo é esplendido / Apenas o Chanceler fica em guarda / O futuro da Alemanha para vigiar e proteger / Guiando nossa nação certamente." Documento com cifras e letras originais da música é exibido no museu de Salzburgo A música também não escapou do uso comercial em inúmeros filmes (a Forbes afirma que ela apareceu em 295 até 2015) e interpretações por cantores famosos, incluindo Sinead O'Connor, Elvis Presley, Etta James e Kelly Clarkson. Os compositores Mohr nasceu em 1792 em Salzburgo, onde estudou e foi ordenado padre. Em 1815, o religioso tornou-se curador na pequena municipalidade de Mariapfarr. No ano seguinte, escreveu o poema que o tornou conhecido. Em 1817, Mohr foi transferido para Oberndorf bei Salzburg. Na cidade, o padre conheceu Gruber, nascido em Hochburg em 1787 e que tocava órgão na igreja local. Eles cultivaram uma amizade por toda a vida. O padre austríaco Joseph Mohr escreveu a letra da música Os dois são tão famosos na Áustria que os locais onde nasceram, trabalharam e morreram possuem memoriais e museus em sua homenagem. Para celebrar os 200 anos do hit natalino, Hochburg, Mariapfarr, Arnsdorf, Hallein, Oberndorf, Hintersee, Wagrain, Fügen e Salzburgo fizeram uma parceria para uma exposição nacional. "Os austríacos gostam e cantam a canção, principalmente em sua versão original, que difere um pouco daquela mais comum no mundo. É mais uma tradição do que orgulho", afirma Hochradner. Para Husty, Stille Nacht transcende a religião. "Ela conta a história do nascimento de Jesus. Então é um cântico religioso ao mesmo tempo em que é para a paz no mundo." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
O que é 'cegueira vegetal' e por que ela é vista como ameaça ao meio ambiente | Qual foi o último animal que você viu? Você consegue lembrar de sua cor, tamanho e forma? Você consegue distingui-lo com facilidade de outros animais? | Dada a importância das plantas à nossa sobrevivência, como os humanos se tornaram 'cegos vegetais'? Agora, e quanto à última planta que você viu? Se as suas imagens mentais de animais são mais precisas que as das plantas, você não está sozinho. As crianças reconhecem que os animais são seres vivos antes de entender que plantas também são vivas. Testes de memória também mostram que voluntários de pesquisas lembram-se de figuras de animais melhor que imagens de plantas. Por exemplo, um estudo americano testou a "piscada da atenção", ou seja, a habilidade de perceber uma ou duas imagens rápidas, usando fotos de animais, plantas e objetos não relacionados. Isso mostrou que os participantes detectavam melhor imagens de animais do que plantas. Essa tendência é tão comum que Elisabeth Schussler e James Wandersee, uma dupla de botânicos e educadores americanos, criaram um termo para isso em 1998: "cegueira vegetal". Eles descreveram isso como "a inabilidade de ver ou perceber as plantas no seu ambiente". Fim do Talvez também te interesse A 'cegueira para plantas' é 'a inabilidade de ver ou perceber as plantas no seu ambiente' Não é de se admirar que a cegueira vegetal resulte em uma subapreciação das plantas - e um interesse limitado na conservação delas. Cursos de biologia das plantas estão fechando ao redor do mundo em uma velocidade impressionante e o investimento público para a ciência das plantas está diminuindo. Por mais que ainda não tenham sido feitos estudos sobre a dimensão da cegueira vegetal e sua mudança com o tempo, a crescente urbanização e o tempo gasto com aparelhos eletrônicos indica que há uma maior "desordem de déficit de natureza" (o prejuízo causado a humanos por se alienar da natureza). E menos exposição a plantas significa mais cegueira vegetal. Como explica Schussler, "os humanos só conseguem reconhecer (visualmente) o que eles já conhecem". Isso é problemático. A conservação de plantas importa para a saúde ambiental. E também importa para a saúde humana. A pesquisa sobre plantas é essencial para muitas descobertas científicas, desde colheitas de alimentos até remédios mais eficazes. Mais de 28 mil espécies de plantas são usadas na medicina, incluindo drogas anticâncer derivadas de plantas e anticoagulantes. A vinca de Madagascar contém dois alcalóides que são usados para combater leucemia e doença de Hodgkin's Fazer experimentos com plantas também oferece uma vantagem ética sobre o teste em animais: técnicas versáteis de áreas como alteração de genoma podem ser refinadas usando plantas, que são fáceis e baratas para reproduzir e controlar. Por exemplo, a sequência do genoma da Arabidopsis, uma planta com flores importantes para a pesquisa da biologia, foi um marco não apenas na genética das plantas, mas no sequenciamento de genoma em geral. Dada a importância das plantas à nossa sobrevivência, como os humanos se tornaram "cegos vegetais"? Vendo verde Há motivos cognitivos e culturais pelos quais animais, até mesmo de espécies não importantes objetivamente para os humanos, sejam mais fáceis de distinguir. Parte disso é porque categorizamos o mundo. "O cérebro é fundamentalmente um detector de diferenças", explicam Schussler e Wandersee. Porque as plantas mal se movem, crescem perto uma das outras, e muitas vezes têm cores parecidas, nossos cérebros tendem a agrupá-las juntas. Com cerca de 10 milhões de bits de dados visuais transmitidos por segundo pela retina humana, o sistema visual humano filtra coisas não ameaçadoras, como plantas, e as coloca no mesmo grupo. Nossos cérebros tendem a agrupar as plantas por elas terem cores parecidas (Foto: Amanda Ruggeri) Isso não se restringe a humanos. Uma capacidade de atenção limitada pode afetar até a forma como pássaros veem plantas e insetos ao seu redor. Há também nossa preferência por similaridade biocomportamental: como primatas, tendemos a perceber criaturas que são mais parecidas conosco. "Pela minha experiência com grandes primatas, eles geralmente estão mais interessados em criaturas mais parecidas com eles em termos de aparência", diz Fumihiro Kano, da Universidade de Kyoto, no Japão. Nos humanos, há um elemento social nessa preferência visual. "Primatas criados entre humanos se interessam mais em imagens de humanos do que de não humanos, incluindo de sua própria espécie", diz Kano. Nas sociedades humanas, a ideia de que animais são fundamentalmente mais interessantes e visíveis que plantas é constantemente reforçada. Nós damos nome a muitos deles, os descrevemos com características humanas. E prestamos atenção inclusive a variações individuais entre eles: a personalidade de um cachorro, por exemplo, ou a paleta de cores única de uma borboleta. Ver os animais como parecidos - ou mais parecidos - conosco provoca uma certa empatia. Isso é chave para as decisões sobre conservação. A maioria de nós sente propelida a querer proteger ursos polares, por exemplo, não porque temos uma lista racional de motivos pelos quais precisamos deles, mas porque eles tocam nossos corações, diz a psicóloga ambiental Kathryn Williams, da Universidade de Melbourne, na Austrália. Até mesmo dentro da conservação animal, alguns bichos carismáticos (especialmente mamíferos grandes que olham para a frente) recebem muito mais atenção. A pesquisa de Williams mostrou que as pessoas apoiam muito mais a conservação de espécies com características parecidas com a de humanos. Uma orquídea em extinção na Reserva de Fakahatchee em Copeland, Flórida - as plantas representam 57% das espécies em perigo de extinção dos EUA O desafio é muito maior para as plantas. Em 2011, as plantas representavam 57% das espécies em perigo de extinção nos EUA - mas receberam menos de 4% do investimento público em espécies em extinção. "Construir essas conexões emocionais com ecossistemas e espécies de plantas é crucial para a preservação de plantas", diz Williams. Construir conexões emocionais com ecossistemas e espécies é crucial para a preservação de plantas É claro que a Ciência não é um jogo de soma zero em que mais interesse e mais recursos aplicados em alguma coisa signifique menos investimento em outra. Mas, assim como qualquer outro tipo de preconceito, reconhecê-lo é o primeiro passo para reduzi-lo. Tornando-se 'menos cego' Um fator chave para reduzir a cegueira vegetal é aumentando a frequência e variedade de maneiras através das quais vemos as plantas. Isso pode começar cedo - como diz Schussler, que é professor de biologia da Universidade de Tennessee (EUA) - "antes dos estudantes começarem a dizer que estão entediados com as plantas". Um projeto de ciência cidadã que tenta mudar isso é o TreeVersity, que pede para pessoas comuns ajudarem a classificar imagens de plantas do Arbóreo Arnold, da Universidade Harvard. Interações diárias com plantas é a melhor estratégia, diz Schussler. Ela também cita falar sobre conservação de plantas em parques locais e jardinagem. É importante envolver crianças com as plantas cedo, como em caminhadas na natureza, como nessa foto tirada nos Jardins Botânicos Reais, Kew, em Londres As plantas também podem ser mais enfatizadas na arte. Dawn Sanders, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, que colaborou em projetos de arte e meio ambiente no Jardim Botânico de Gotemburgo, descobriu que imagens e histórias são importantes para conectar os alunos com as plantas. O trabalho de Sanders também indica variações culturais. "A cegueira vegetal não é aplicada a todas as pessoas da mesma maneira", diz ela. Comparado ao estudo inicial com estudantes americanos, diz ela, "nós temos descoberto que nossos alunos suecos se conectam com as plantas através de memória, emoção e beleza, especialmente durante o verão ou os primeiros dias da primavera". Por exemplo, a vitsippa (Anemone nemorosa) é valorizada como mensageira da primavera. Na Índia, a ligação entre humanos e plantas pode ter mais a ver com religião e medicina. "Seu valor certamente é vivido em um nível visceral", diz Geetanjali Sachdev, que pesquisa arte e educação botânica na Escola Srishti de Arte, Design e Tecnologia em Bangalore. "Nós não podemos escapar disso porque as plantas estão muito interligadas com vários aspectos da vida cultural indiana". Geetanjali Sachdev notou desenhos em referência a plantas em todos os cantos nas cidades indianas (Foto: Geetanjali Sachdev) Sachdev tem documentado a presença dos motivos vegetais nas cidades indianas: desde flores de lótus pintadas em tanques de água até desenhos botânicos no chão. Essas imagens vão além das flores, que tão frequentemente dominam a ligação com plantas nos países ocidentais. "De uma perspectiva mitológica, árvores, folhas e flores poderiam todas ser significativas, mas, com as perspectivas medicinais da ayurveda (uma forma indiana de medicina tradicional), muitas outras partes das plantas têm valor - folhas, raízes, flores e sementes", diz ela. Portanto, a cegueira vegetal não é universal nem inevitável. "Apesar de nossos cérebros humanos serem programados para não ver as plantas, podemos superar isso com uma percepção maior", diz Schussler. Um mural no primeiro bairro de arte pública na Índia, a Colônia Lodhi de Nova Déli, é mais um exemplo de motivos botânicos Williams também está otimista quanto ao aumento da empatia pelas plantas. "É plausível, tem a ver com imaginação", diz ela. Até mesmo personagens fictícios de plantas estão aparecendo. Dois do mundo dos quadrinhos são McPedro, o cactus escocês que aparece na série webcomic Girls with Slingshots, e o super herói da Marvel Groot. A oferta global de alimentos está enfrentando mais desafios do que nunca hoje devido a uma combinação de aumento populacional, escassez de água, diminuição de terras para agricultura e mudanças climáticas. Pesquisas com biocombustíveis mostram que as plantas também são importantes fontes em potencial de energia renovável. Isso significa que é necessário saber detectar, aprender e inovar com nossos amigos verdes. Nosso futuro depende disso. Leia a versão original desta matéria (em inglês) no site da BBC Future Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Homem mais velho do mundo morre aos 114 anos | O espanhol reconhecido como o homem mais velho do mundo pelo Livro Guinness de Recordes morreu nesta sexta-feira em Minorca, nas Ilhas Baleares, Espanha. | Joan Riudavets Moll, que havia completado 114 anos há três meses, morreu depois de ficar vários dias com uma forte gripe. Riudavets morava na vila de Migjorn Gran, mesmo local onde ele havia nascido no dia 15 de dezembro de 1889. Ele era um sapateiro e havia se aposentado há mais de meio século. Dieta Ele atribuía a sua longevidade à dieta do Mediterrâneo, baseada em tomates, peixe e azeite de oliva. Ele adorava caminhar e conhecer novas pessoas. Riudavets foi declarado pelo Livro Guinness de Recordes o homem mais velho do mundo em setembro de 2003, após a morte do antigo detentor do recorde. Sua mulher, com quem ele se casou em 1917, também nasceu em 1889 e morreu com 90 anos. |
O que acontece se Trump declarar cartéis de drogas no México 'organizações terroristas' | O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pretende que nomes como Sinaloa, Jalisco Nueva Generación, Tijuana, Juáz e Los Zetas deixem de ser chamados de organizações criminosas e passem a ser considerados "grupos terroristas". | Debate sobre classificação de cartéis ganhou força com massacre de família mórmon no México Segundo Trump, seu governo trabalha há 90 dias para classificar os cartéis de drogas mexicanos na categoria de terrorismo. "Você sabia que chamar (um grupo de grupo terrorista) não é tão fácil. Você precisa passar por um processo e nós estamos bem no meio desse processo", disse ele na terça-feira no programa de rádio do jornalista Bill O'Reilly. "Estamos perdendo 100 mil pessoas por ano por causa do que está acontecendo e do que está vindo do México", disse o mandatário americano. "Eu ofereci (ao presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador) que ele nos deixe ir até lá e varra tudo, mas até agora ele rejeitou a oferta. Mas algo tem que ser feito", afirmou Trump. Donald Trump anunciou que mudará patamar do combate americano a cartéis mexicanos A ideia de colocar os cartéis no patamar de grupos terrorismo não é nova e sempre foi rejeitada pelo governo mexicano. Fim do Talvez também te interesse "O México nunca admitirá nenhuma ação que signifique violação de sua soberania nacional. Vamos agir com firmeza", escreveu o ministro das Relações Exteriores do México, Marcelo Ebrard, no Twitter. Segundo ele, os dois países devem se reunir para discutir o assunto. Para políticos e especialistas que defendem essa nova designação, o nível de violência que essas organizações atingiram justifica uma nova abordagem. O debate voltou à tona recentemente por causa do assassinato de três mulheres e seis crianças de uma família mórmon da comunidade LeBarón. As vítimas, que tinham nacionalidades mexicana e americana, foram mortas a tiros no último dia 4 em um território cujo controle é disputado pelo cartel de Sinaloa e pela quadrilha La Linea. Mas quais seriam as consequências de classificar cartéis de drogas como "terroristas"? Cartel 'terrorista'? Primeiro, precisamos entender que os Estados Unidos têm diferentes formas e graus para classificar uma organização como terrorista, explicou à BBC Mundo o especialista mexicano Mauricio Meschoulam. "A mais severa é a classificação como organização terrorista estrangeira, definida pelo Departamento de Estado dos EUA", afirmou. Mas instituições como o Departamento de Estado e o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac, na sigla em inglês) podem ter diferentes definições de terrorismo. Embora eles estabeleçam um determinado perfil, no final, a decisão é política, afirmam Mauricio Meschoulam e Sanho Tree, especialista em políticas antidrogas do Instituto de Estudos de Políticas dos EUA. Os especialistas ressaltam, no entanto, que a medida anunciada pode não se concretizar, o que não seria algo inédito em seu governo. Para eles, a declaração busca mesmo reforçar sua base de apoio. Para Meschoulam, a ideia de Trump "se encaixa perfeitamente em sua narrativa sobre ameaças que vêm do Sul". Tree afirma que a estigmatização dos mexicanos faz parte da estratégia para a campanha à reeleição em 2020. Governo mexicano rejeita ideia de Trump contra cartéis Uma das consequências de passar a considerar os cartéis como terroristas seria estender a acusação para quem colaborar com eles. A exemplo dos vendedores locais de drogas e seus clientes, afirmou Tree. Segundo um material informativo do Congresso americano, quem fornecer apoio ou recursos materiais a organizações terroristas estrangeiras, sabendo dessa informação, pode ser acusado de colaborar com o terrorismo. Seus membros e representantes podem ser deportados ou barrados no país, e seus ativos ou transações financeiras, ser bloqueados por instituições americanas. Tachar uma organização como terrorista permitiria também ao governo dos EUA encorajar ou cobrar outros países para adotarem o mesmo caminho. Penas maiores As condenações por narcotráfico nos Estados Unidos podem ter penas altas. Joaquín "El Chapo" Guzmán, por exemplo, foi condenado neste ano à pena de prisão perpétua e outros 30 anos por liderar o cartel de Sinaloa, que entrou com toneladas de drogas no país. Os mais afetados nesse sentido seriam os últimos elos da cadeia, afirmou Jesse Norris, professor de justiça criminal da Universidade Estadual de Nova York, à BBC Mundo (serviço da BBC em espanhol). "Acho que o principal (de uma nova classificação) seria tornar mais fácil processar pessoas em níveis mais baixos como terroristas, a exemplo dos traficantes de rua, que compram drogas de cartéis, mas não estão envolvidos de outra forma. Isso é algo estúpido", afirmou. Ex-líder do cartel de Sinaloa, Joaquín "El Chapo" Guzmán foi condenado à prisão perpétua "Isso facilitaria o julgamento de pessoas associadas a cartéis e possibilitaria penas mais longas. Trabalhar para cartéis, dar-lhes coisas, aconselhá-los ou qualquer tipo de ajuda pode levar a penas de até 20 anos." "Na prática, quase qualquer pessoa que tenha se associado ou interagido com um cartel de qualquer forma, mesmo sem fazer parte de um, poderia ser acusada de terrorista." Norris indica haver um problema em potencial: "Se os cartéis forem chamados de organizações terroristas estrangeiras, promotores federais teriam repentinamente um incentivo para acusá-los de crimes terroristas, já que esses tipos de acusações atraem mais holofotes e rendem mais prestígio". Prioridade "Se passarem a ser considerados terroristas, os cartéis se tornariam uma prioridade", avalia o especialista Mauricio Meschoulam. Mais especificamente, uma das três prioridades da Casa Branca sob Trump, ao lado da competição militar e tecnológica com a China e a Rússia. "Eles não precisariam mais de um mandado de prisão para vasculhar uma casa ou entrar em computadores porque a abordagem do terrorismo é agir antes que o ataque ocorra", explica Meschoulam. "Isso dá às forças de segurança bastante flexibilidade para realizar atos que normalmente são vistos como uma violação de direitos em uma democracia." Uma das consequências da mudança de status seria atuar contra quem ajuda cartéis O que mais preocupa o governo mexicano é que a medida abre brechas para operações unilaterais em seu território, sem considerar sua soberania. "O mais sério que poderia ser feito seriam as missões de combate que violam a soberania e a territorialidade do México. Os cartéis deixariam de ser uma ameaça à segurança pública e se tornariam uma ameaça à segurança nacional", disse Meschoulam. Mas ele avalia que a possibilidade de operações do tipo é remota, ainda que esteja prevista na legislação antiterrorista dos EUA. "Isso seria um confronto direto com o governo mexicano." Cabe aos EUA definir que tipo de medida adotar para cada uma das organizações que considera terrorista. Neste ano, por exemplo, a Guarda Revolucionária do Irã foi incluída nessa lista, e passou a ser alvo de sanções financeiras, mas não de ordens de prisão de membros. Enfrentamento contra cartéis e entre eles já causou milhares de mortes Para os especialistas ouvidos pela reportagem, haveria também dificuldades práticas para aplicar essas definições a cartéis, que têm estrutura muito distinta de organizações como as Farc, o Sendero Luminoso e o Exército de Libertação Nacional (ELN). "No terrorismo, não é a violência que causa terror. É a violência adotada para causar danos a terceiros. O alvo são esses terceiros que recebem a mensagem por meio da violência (direta contra outros)", afirmou Meschoulam. "Não há ideologia nos cartéis. A mensagem é: 'Não mexa comigo'. É o que meu colega Brian Phillips (da Universidade de Essex) descreve como 'grupos criminosos que adotam táticas terroristas'", disse ele. Para Tree, é importante diferenciar os grupos: "Terroristas têm uma ideologia, um objetivo político. O objetivo dos traficantes de drogas é ganhar dinheiro". Efeitos positivos ou negativos? O senador Chip Roy, do Texas, era um dos que pediam a Trump que classificasse os narcotraficantes de terroristas. "Filmagens de decapitações, seres humanos sendo dissolvidos em ácido sulfúrico, corpos esquartejados e jogados pelas ruas. Não estou descrevendo o Estado Islâmico nem a Al Qaeda, mas o que está acontecendo ao lado de nossa fronteira com o México na batalha por controle entre cartéis de drogas e autoridades do México", escreveu Roy. A guerra contra os cartéis de drogas do México começou há anos Nem só políticos de direita como Roy apoiam essa medida. O Instituto de Política, ONG sediada na Universidade Harvard, recomendou em 2012 que os Estados Unidos aprovassem uma lei para classificar cartéis mexicanos como organizações terroristas: "Os Estados Unidos poderiam dissuadir assim os membros dos cartéis com sanções mais severas". Tree, por outro lado, afirma que a estratégia seria contraproducente. Na sua opinião, quanto maior for a perseguição ao tráfico de drogas, mais valorizada será sua atividade. "As drogas são matérias-primas muito baratas. A única razão para serem caras é a guerra contra as drogas. O consumido basicamente paga pelo risco do transporte e da venda", explica o especialista. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Com habeas corpus recusado, quais caminhos jurídicos restam a Lula? | O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seu pedido de habeas corpus rejeitado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na noite desta quinta-feira e pode agora ter sua prisão decretada após a condenação a 12 anos de 1 mês de detenção por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. | Decisão contra habeas corpus pode abrir caminho para a prisão de Lula Por 6 votos a 5, a Suprema Corte manteve o entendimento firmado em 2016 de que pessoas condenadas em segunda instância pela Justiça já devem começar a cumprir a pena - ou seja, não podem recorrer aos tribunais superiores em liberdade. Agora, está nas mãos do juiz Sérgio Moro, responsável pelo processo contra Lula na Justiça Federal do Paraná, expedir o mandado de prisão. A defesa de Lula tem até o dia 10 de abril para entrar com os chamados "embargos dos embargos" no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre. Por isso, é improvável que o petista seja preso antes dessa data. Foi o Tribunal Regional Federal da 4ª Região quem condenou Lula no caso do tríplex do Guarujá - os desembargadores mantiveram a decisão de Moro e elevaram a pena. Lula nega ter recebido o imóvel da empreiteira OAS como contrapartida de recursos desviados da Petrobras. Embora a situação do ex-presidente tenha se complicado muito após a derrota no STF, isso não significa que necessariamente ele cumprirá integralmente os 12 anos de pena na cadeia. Há três caminhos que podem resultar na soltura do petista: 1) sua defesa pode apresentar novos pedidos de habeas corpus; 2) o petista pode ter sua condenação anulada pelos tribunais superiores; 3) O STF pode rever seu posicionamento sobre a prisão após condenação em segunda instância para todos os réus do país, o que beneficiaria Lula. Entenda melhor abaixo como cada um desses caminhos funciona e quais as chances reais de Lula deixar a prisão. 1 - Novos pedidos de habeas corpus O habeas corpus é uma ação que serve para proteger a liberdade de ir e vir das pessoas contra abusos de autoridades ou decisões ilegais. O que Lula teve rejeitado pelo Supremo foi um habeas corpus preventivo, que visava impedir sua prisão. Depois de preso ele poderá, se quiser, apresentar outros, com novos argumentos. Não há limites para apresentação desse tipo de pedido. "Desde que você alegue um fundamento diferente você pode entrar com um habeas corpus por semana. Esse (que acaba de ser rejeitado) foi porque a decisão não transitou em julgado, amanhã é porque eu estou doente, depois de amanhã é porque eu estou correndo risco de ser morto na prisão, depois é porque eu sou idoso", ressalta o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Rafael Mafei. As chances de sucesso, no entanto, tendem a se reduzir, observa a advogada Flavia Rahal, professora de direito penal econômico da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. "Se você tem o colegiado pleno da Suprema Corte com uma decisão sólida, sem dúvida nenhuma, ainda que outros habeas corpus possam ser impetrados, o sucesso é mais difícil", afirma. A ministra Rosa Weber votou contra o habeas corpus pedido por Lula Ante à dificuldade de conseguir a liberdade, a defesa de Lula também pode tentar a prisão domiciliar. O deputado federal afastado Paulo Maluf (PP-SP), por exemplo, conseguiu na semana passada, por meio de habeas corpus, uma liminar do ministro Dias Toffoli para que fosse transferido do Complexo da Papuda, em Brasília, para sua residência em São Paulo. Ele tem 86 anos e alegou problemas de saúde. Condenado a mais de sete anos de prisão por lavagem de dinheiro, estava preso desde de dezembro. Já Lula, de 72 anos, tem se gabado do seu bom preparo físico, inclusive divulgado imagens suas se exercitando nas redes sociais, o que tenderia a dificultar a aceitação de um pedido similar. Além disso, ressalta Flavia Rahal, a conquista de Maluf é algo muito raro - ele obteve uma liminar do ministro Dias Toffoli contra a decisão do colega Edson Fachin. "É quase impossível um ministro dar liminar contra decisão de outro ministro", concorda o professor da USP. 2) Recursos contra a condenação Lula ainda pode recorrer às cortes superiores - Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o próprio STF - contra a condenação pelo TRF-4. Esses tribunais não analisarão mais as provas em favor ou contra o petista (essa etapa acaba na segunda instância), mas poderão discutir se o processo contra Lula foi conduzido dentro da legalidade. O STJ analisa se houve desrespeito a leis federais, por exemplo, se as provas foram coletadas corretamente, e o STF se houve desrespeito a princípios constitucionais, como o direito à ampla defesa. Não devem se repetir nos tribunais discussões sobre se Lula é ou não efetivamente dono do tríplex. "São recursos muito técnicos, que discutem teses jurídicas. Há uma série de requisitos que limitam muitas vezes o conhecimento desses recursos", observa a professora da FGV. STF julgou nesta uarta-feira habeas corpus; processo diz respeito ao caso do 'tríplex do Guarujá' Se as cortes superiores entenderem que o processo não foi conduzido corretamente, a condenação de Lula pode ser anulada definitivamente no caso do tríplex, o que o devolveria a liberdade. A tramitação desses recursos, porém, tende a demorar, podendo levar meses ou anos. As complicações jurídicas de Lula não se encerram no caso tríplex e o ex-presidente ainda pode vir a ser condenado em outros processos. Na Justiça Federal do Paraná, também referente à Lava Jato, ele é réu em mais duas ações. Uma delas é relacionada a um sítio em Atibaia e a outra à compra de um terreno para o Instituto Lula e de um apartamento em São Bernardo do Campo, para uso da família do petista. Há também quatro ações na Justiça Federal do Distrito Federal, ligadas às Operações Zelotes, Janus e Lava Jato. Lula foi ainda denunciado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, em setembro de 2017, de integrar organização criminosa juntamente com a ex-presidente Dilma Rousseff e outros seis integrantes do PT, no caso que foi apelidado de "quadrilhão do PT". Janot ainda denunciou Lula e Dilma por obstrução da Justiça pela tentativa de nomeação do ex-presidente como ministro da Casa Civil. A defesa de Lula nega todas as acusações e diz que o ex-presidente é vítima do uso da lei para fins políticos. 3) STF pode mudar de ideia A posição do Supremo sobre a prisão após condenação em segunda instância tem variado ao longo do tempo e existe a possibilidade de que seja revista novamente, o que beneficiaria Lula. Isso acontece porque a Corte tem alterado sua interpretação da Constituição, cujo texto estabelece que ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos). Em 2016, o STF decidiu que é constitucional a prisão após a segunda instância Desde 1988, quando a Constituição foi promulgada, até 2009, vinha prevalecendo o entendimento de que era possível cumprir a pena antecipadamente, já que a etapa de análise de provas termina na segunda instância. Os pedidos de habeas corpus, porém, eram analisados caso a caso pelas duas turmas do Supremo (composta cada uma por cinco ministros), gerando divergências. Por causa disso, em 2009 uma das turmas decidiu levar um habeas corpus para análise do plenário (compostos pelos onze ministros) - na ocasião, por 7 a 4, o Supremo decidiu contra a prisão antes do esgotamento dos recursos. Em 2016, porém, o plenário voltou a analisar a questão e decidiu por 6 a 5 autorizar o cumprimento antecipado da pena. O resultado foi modificado porque a composição da corte se alterou, devido à aposentadoria de alguns ministros, e também porque Gilmar Mendes mudou seu voto. Após ter ficado contra a prisão antecipada em 2009, ele votou em 2016 com os ministros Teori Zavascki (falecido), Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia, a favor da prisão antes do trânsito em julgado. Só que agora Mendes mudou de ideia de novo. Já Rosa Weber, que votou contra o habeas corpus a Lula em respeito à decisão da maioria de 2016, tende a se manifestar contra a prisão após segunda instância no mérito de duas ações que estão para ser julgadas sobre esse mesmo tema. Dessa forma, há chances de que o Supremo volte a proibir o cumprimento antecipado da pena, o que beneficiaria milhares de condenados, inclusive Lula. A decisão de 2016 foi tomada liminarmente (provisoriamente) justamente em cima dessas duas ações declaratórias de constitucionalidade - elas abordam o tema de forma ampla, não em cima de um caso concreto como no habeas corpus. Desde dezembro, estão prontas para serem julgadas definitivamente. A presidente Carmén Lúcia tem resistido a colocá-las em votação, mas vem sendo fortemente pressionada a pautá-las por alguns ministros, como Marco Aurélio e Celso de Mello. Isso porque na prática hoje cada ministro tem decidido segundo suas convicções particulares, causando insegurança jurídica. O julgamento dessas ações poderia trazer um entendimento definitivo sobre a questão, argumentam eles. "Se o STF rever sua decisão, Lula deve ser solto, porque o motivo para ele ser preso agora é (a autorização para) o cumprimento antecipado da pena. Se esse entendimento mudar, a prisão tem que cair", observa Rafael Mafei, da USP. |
OnlyFans: adolescentes vendem vídeos íntimos em rede que permite comércio de 'nudes' | Aviso: esta reportagem contém temas adultos. O site adulto OnlyFans não tem controles eficazes para evitar que menores apareçam em vídeos explícitos, de acordo com uma investigação da BBC. | Os adolescentes têm usado identidades falsas para configurar suas contas. A polícia britânica até detectou o caso de uma menina de 14 anos que usou o passaporte da avó para isso. Uma autoridade da unidade de proteção à criança do Reino Unido disse que menores estão sendo "explorados" por meio da plataforma. O OnlyFans afirma que seus sistemas de verificação de idade são melhores do que os exigidos por lei. Fim do Talvez também te interesse A plataforma conta com mais de um milhão de "criadores" que compartilham vídeos, fotos e mensagens diretamente com os assinantes por uma taxa mensal. Existe uma variedade de conteúdo no site, mas sua popularidade é baseada em conteúdo sexual. Portanto, os usuários precisam ter mais de 18 anos de idade. Tudo começou com fotos de pés O OnlyFans se tornou ainda mais popular durante a pandemia, com as restrições de circulação em todo o mundo. O número de usuários quase se multiplicou por 10 desde 2019 e agora o site tem mais de 120 milhões de assinantes. Alguns criadores de conteúdo ficaram ricos com suas contas. Outros têm usado a plataforma como uma tábua de salvação financeira durante a pandemia. OnlyFans tem mais de 120 milhões de assinantes Leah, de 17 anos, conseguiu abrir uma conta com uma carteira de motorista falsa e vender vídeos explícitos. Ela disse a sua mãe, Caitlyn, que entrou no OnlyFans em janeiro. Em uma semana, a conta bancária de Leah foi congelada depois de receber um pagamento de mais de US$ 7 mil (mais de R$ 35 mil) pela venda de vídeos explícitos no site, diz Caitlyn. A mãe ficou surpresa: "Não entendo por que as pessoas estão pagando tanto dinheiro por isso." Leah teve "grandes problemas" quando criança, diz a mãe. Fotos dela nua já foram compartilhadas na escola sem seu consentimento. Ela disse à mãe que originalmente pretendia apenas postar fotos de seus pés, já que ganhava dinheiro fazendo isso no Snapchat. Mas isso logo se transformou em vídeos explícitos dela se masturbando e usando brinquedos sexuais. Um 'descuido' do OnlyFans Em um comunicado, o OnlyFans disse que o acesso de Leah ao site foi um "descuido" e que sua carteira de motorista falsa não gerou um bloqueio, como deveria. O site diz que a conta foi aprovada durante uma transição "de um sistema eficaz de identificação e verificação de idade para um novo que é excepcionalmente eficaz". Leah recebeu mensagens no Twitter com mensagens sexuais, mesmo sendo menor de idade A idade de Leah foi informada diretamente ao OnlyFans através de uma conta anônima na rede social no final de janeiro. A empresa diz que isso levou um moderador a revisar a conta e verificar sua identificação. Como a conta parecia legítima, nenhuma ação foi tomada. Leah parou de publicar na plataforma, mas sua conta permaneceu ativa no site por mais quatro meses, com mais de 50 fotos e vídeos arquivados. Ela havia se conectado àconta ainda no final de abril. Depois de ser contatado pela BBC, o OnlyFans fechou essa conta. Mas as imagens dela já estavam na internet. Leah agora tem medo de sair de casa e de ser reconhecida, diz sua mãe. Seus planos de ir para a faculdade foram adiados. "Ela não está saindo de jeito nenhum", diz Caitlyn. "Ela não quer ser vista." Passaporte da avó A BBC também soube de outros casos de menores obtendo acesso ao OnlyFans. A polícia em Hertfordshire, na Inglaterra, disse que uma adolescente de 14 anos usou o passaporte da avó e dados bancários para vender imagens explícitas. Em seguida, ela transferiu o dinheiro ganho online para sua própria conta. O OnlyFans atrai muitos "criadores" graças ao dinheiro alto o que eles conseguem obter O OnlyFans diz que a conta constituía em "fraude" e envolvia a ajuda de outras pessoas. O site diz que está cooperando com a polícia e que atualizou seu sistema de verificação de idade para "reduzir ainda mais a chance" de isso acontecer novamente. Mas a BBC testou o "novo sistema excepcionalmente eficaz" do site em abril. Embora uma identidade falsa não funcionasse, foi possível abrir uma conta no OnlyFans para uma garota de 17 anos usando o passaporte de sua irmã de 26 anos. A menor não teve acesso à conta. O site exige que os candidatos posem ao lado de uma carteira de identidade e, em seguida, enviem uma fotografia segurando-a diante do rosto. Mas o sistema de verificação de idade não foi capaz de distinguir entre as irmãs em qualquer fase do processo, apesar da diferença de idade. Depois de configurar uma conta, os criadores devem fornecer os dados bancários para receber o pagamento por OnlyFans. No entanto, isso não os impede de postar imagens e vídeos. A BBC descobriu que os criadores podem compartilhar conteúdo e, em seguida, organizar pagamentos por meios alternativos, violando as diretrizes da empresa. Um dos meios mais populares é o aplicativo Cash, que permite aos usuários transferir dinheiro pelo celular. A reportagem encontrou dezenas de contas promovendo isso. Foi possível verificar que isto é possível através de uma mensagem direta a um assinante. Na mensagem, o dono da conta no OnlyFans usava letras e símbolos como "Ca $ happ" para pedir que o pagamento fosse feito pelo aplicativo Cash. O OnlyFans diz que sua lista de palavras proibidas no site já inclui uma série de variações para o termo "aplicativos de dinheiro". O site diz que essa lista agora foi expandida. 'Ele foi pego' O OnlyFans exige que os criadores que fazem material "em coautoria" tenham documentação que mostre que todos os participantes têm 18 anos ou mais. Todos devem ser criadores registrados. Mas a BBC descobriu que menores de 18 anos também aparecem em vídeos explícitos em contas administradas por adultos. Aaron tinha 17 anos quando começou a fazer vídeos no site com a namorada, em Nevada, nos Estados Unidos. De acordo com seu amigo Jordan, Aaron não tinha sua própria conta, mas "foi pego" por aparecer em vídeos explícitos postados por sua namorada, Cody, que era um ano mais velha que ele. Aaron logo começou a se gabar de quanto dinheiro estava ganhando. "Ele estava realmente muito orgulhoso de fazer isso", diz Jordan. O conteúdo incluía encontros sexuais em um de seus quartos. Eles ganharam US$ 5 mil (mais de R$ 25 mil) por um único vídeo, dizem amigos. Seu amigo, ele explica, teve uma infância difícil e era "muito vulnerável à exploração". Cody o cobriu de presentes em seu aniversário de 16 anos. Ele garante que Aaron o incentivou a fazer vídeos no OnlyFans, embora ele também fosse menor: "Ele costumava dizer: 'Irmão, você consegue, ganhamos muito dinheiro por semana, é fácil, você nunca precisa trabalhar.'" A conta foi denunciada à polícia nos EUA em outubro de 2020, mas não havia sido removida até que a BBC contatasse o OnlyFans neste mês. Em sua resposta, o site afirma que está em contato com a polícia, mas que não recebeu denúncias anteriores sobre esse caso. Escolas Como parte da investigação da BBC, algumas escolas, forças policiais e especialistas em proteção infantil disseram ter ouvido falar de crianças menores de 18 anos cujas experiências tiveram consequências terríveis. Uma escola em Londres diz que uma estudante de 16 anos estava se gabando abertamente sobre quanto dinheiro ela estava ganhando. Mais tarde, a menor revelou que estava postando imagens "altamente sensuais e pornográficas". E outra menina de 12 anos disse que usou o site para entrar em contato com criadores adultos e propor uma parceria. O chefe de polícia Simon Bailey diz que está "cada vez mais claro" que os menores estão usando OnlyFans O vice-diretor da escola pediu anonimato para proteger a identidade dos menores. Os conselheiros da Childline, uma linha de apoio para menores no Reino Unido, encontraram vários casos em que menores de 18 anos referem-se ao uso de OnlyFans. Trechos de mensagens anônimas trazem relatos detalhados de menores de 18 anos vulneráveis usando o site. Algumas mensagens falam de menores que já haviam sido vítimas de abuso sexual no passado; outras falam de jovens com "problemas de saúde mental como raiva, baixa autoestima, automutilação e ideias suicidas". Uma menor disse a um conselheiro que estava no OnlyFans desde os 13 anos de idade. "Não quero falar sobre os tipos de imagens que posto lá e sei que não é apropriado para alguém da minha idade fazer isso, mas é uma maneira fácil de ganhar dinheiro", disse ela, segundo as notas. Crianças no Reino Unido que falaram sobre suas experiências no OnlyFans relataram ter sofrido abusos ou ter problemas emocionais Os relatórios foram fornecidos à BBC sem quaisquer dados de identificação dos menores ou das contas OnlyFans em questão. Por isso não foi possível fornecer à plataforma os nomes das contas. A plataforma informou que analisa manualmente cada cadastro para impedir que menores acessem o site e que aumentou o número de funcionários, em linha com o crescimento do site. Menores desaparecidos Simon Bailey, Chefe de Proteção Nacional da Polícia do Reino Unido, diz que está "cada vez mais claro" que os menores usam o OnlyFans. Embora seja ilegal postar ou compartilhar imagens explícitas de alguém com menos de 18 anos, Bailey diz que a polícia está extremamente relutante em criminalizar menores por tais atos. Sua preocupação, diz ele, centra-se nos riscos aos quais as crianças estão expostas. "A empresa não está fazendo o suficiente para implementar salvaguardas que impeçam as crianças de explorar a oportunidade de ganhar dinheiro, mas também de menores serem explorados", diz Bailey. Uma jovem de 17 anos do País de Gales relatou à polícia que foi chantageada para continuar a postar "nudes" no OnlyFans, ou então eles compartilhariam fotos com sua família. Três menores também reclamaram que suas imagens foram enviadas para o site sem consentimento, incluindo as de uma jovem de 17 anos de Surrey, na Inglaterra, que disse que seu rosto foi editado no corpo de outra pessoa. O OnlyFans afirma que não pode responder a esses casos sem receber os dados da conta, que a polícia não compartilha, e que possui vários sistemas para impedir que menores acessem o site. Mas também há preocupação com o bem-estar dos jovens vulneráveis fora do Reino Unido. Crianças desaparecidas estão cada vez mais associadas aos vídeos do OnlyFans, afirma o Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (NCMEC) dos EUA. "Em 2019, cerca de uma dezena de menores desapareceram por serem vinculados a conteúdos do OnlyFans", diz seu vice-presidente, Staca Shehan. "No ano passado, o número de casos como esses triplicou." Embora muito do conteúdo do OnlyFans com menores envolva adolescentes enviando seu próprio conteúdo, o NCMEC diz que também está encontrando evidências de exploração sexual e tráfico de menores. Em janeiro, um jovem casal da Flórida foi acusado de tráfico de pessoas após supostamente vender uma foto de uma garota de 16 anos no OnlyFans. O OnlyFans diz que trabalha com agências de exploração online como NCMEC para resolver quaisquer problemas potenciais com as autoridades relevantes. 'Coquetel tóxico de riscos' Histórias sobre OnlyFans se tornaram recorrentes na imprensa. Os tabloides ficam fascinados com as fortunas feitas no site por profissionais como enfermeiras ou professoras. Outros jornais destacam o modelo de negócios da plataforma e seu impacto no cenário digital. O Financial Times recentemente a chamou de "a plataforma de mídia social mais popular do mundo". O jornal informou que a receita do OnlyFans cresceu 553% até novembro de 2020, e os usuários gastaram US$ 2,4 bilhões (mais de R$ 12 bilhões) no site. Em resposta à nossa investigação, o governo britânico foi crítico sobre o OnlyFans. O site "não protegeu adequadamente os menores e isso é totalmente inaceitável", disse um porta-voz. "Nossas novas leis vão garantir que isso não aconteça mais." O OnlyFans recusou o pedido de entrevista da BBC. Em um comunicado, o site disse: "Usamos uma combinação de tecnologia de ponta junto com monitoramento humano e revisão para evitar que menores de 18 anos compartilhem conteúdo no OnlyFans. "Isso é algo que levamos muito a sério. Revisamos constantemente nossos sistemas para garantir que sejam o mais robustos possível." O site diz que seus sistemas continuam a evoluir à medida que novas tecnologias estão disponíveis para "reduzir a incidência de menores de 18 anos se tornando usuários do OnlyFans". Todos os nomes de menores e de adultos ligados aos menores foram alterados nesta reportagem para proteger suas identidades. Chris Bell contribuiu para esta reportagem Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
UE inicia criação de biblioteca digital com 6 milhões de obras | A União Européia (UE) começa a dar os primeiros passos para a implementação da Biblioteca Digital, um projeto com o qual pretende disponibilizar pela internet a produção cultural de seus 25 países-membros e deverá reunir até 2010 cerca de seis milhões de manuscritos, livros, filmes, fotografias e outros documentos de importância histórica. | “Nosso objetivo é criar um ponto de acesso multilíngüe para toda a herança cultural européia”, explicou a comissária de Sociedade da Informação e Mídia, Viviane Reding. “A biblioteca permitirá, por exemplo, que finlandeses encontrem e usem livros digitais e imagens de bibliotecas, arquivos e museus da Espanha, ou que um alemão encontre na rede material filmográfico histórico da Hungria.” Com acesso aberto para todo o mundo, a Biblioteca Digital Européia também permitirá que os brasileiros consultem, sem sair do país, jornais alemães da época da Segunda Guerra Mundial ou manuscritos portugueses sobre o descobrimento do Brasil, por exemplo. “Maior acervo digital” Esta semana os países europeus foram convocados a estabelecer centros de digitalização em grande escala e a começar a digitalização das obras de todas as bibliotecas nacionais. Em 2007, o processo deverá ser estendido aos arquivos e museus. A UE espera contar com dois milhões de obras digitalizadas até o início de 2008, quando o acervo inicial estará disponível. Esse número deve chegar a seis milhões em 2010 e a idéia dos criadores do projeto é que não pare de crescer “já que, então, potencialmente todas as bibliotecas, arquivos e museus da Europa, além de instituições culturais e o setor privado, poderão compartilhar seus acervos online com a Biblioteca Digital Européia”, segundo Reding. A comissária aposta que esse será “o maior acervo de obras digitalizadas do mundo”. Direitos autorais O que ainda não está claro é se o acervo da Biblioteca Digital contará com materiais publicados recentemente. “Isso dependerá de acordos que poderão ser estabelecidos com editores e autores. Temos que estudar uma forma de disponibilizar na internet as obras vinculadas a direitos autorais”, afirmou Martin Selmayr, porta-voz da comissária Reding. Desses possíveis acordos também dependerá a decisão de permitir que a consulta seja gratuita. De acordo com Selmayr, “seguramente não se cobrará pelas consultas a obras de domínio público, ou seja, materiais que já não são cobertos por direitos autorais”.O projeto custará aos bolsos europeus entre 200 milhões e 250 milhões de euros (entre R$ 556 milhões e R$ 696 milhões) em quatro anos, um custo que será dividido entre os 25 membros da UE. A Comissão Européia contribuirá com 60 milhões de euros. Para a UE o investimento vale a pena: “Uma vez digitalizada, nossa herança cultural também poderá ser utilizada como base para novos projetos criativos e para uma série de produções e serviços culturais. Poderá, por exemplo, ter um papel importante no futuro crescimento de setores como educação e turismo”, garante Selmayr. A página da Biblioteca Digital Européia na internet já está pronta (http://www.theeuropeanlibrary.org/portal/index.html), mas atualmente funciona apenas como um portal para os catálogos digitais de algumas bibliotecas do continente. |
O que mudou no Kuwait após 30 anos da invasão do Iraque de Saddam Hussein | O episódio ficou conhecido como "um dos piores erros" de Saddam Hussein. | Jovens comemoraram a liberação do Kuwait em 1991 Em 2 de agosto de 1990, o exército iraquiano, então comandado pelo presidente Saddam, cruzou a fronteira com o Kuwait e matou centenas de pessoas que resistiram à invasão. A empreitada obrigou governantes do Kuwait a se exilarem na Arábia Saudita. Para muitos, a data marca o início de uma etapa longa e turbulenta da história do Oriente Médio. A invasão pegou de surpresa tanto o pequeno país produtor de petróleo, quanto a comunidade internacional. Depois de uma série de advertências e de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU, uma coalizão liderada pelos EUA e apoiada por Arábia Saudita e Reino Unido deu início a uma missão militar para expulsar as tropas iraquianas em 17 de janeiro de 1991. Tratava-se da maior coalisão do tipo desde a Segunda Guerra Mundial. Fim do Talvez também te interesse Após semanas de intensas batalhas aéreas e navais, seguidas de uma incursão por terra, o Iraque se rendeu no fim de fevereiro e aceitou restaurar a soberania do Kuwait pouco depois. Em Bagdad, a invasão foi descrita pelo ex-chanceler iraquiano Hoshyar Zebari como "uma das decisões mais terríveis" de Saddam Hussein. Já no Kuwait, a empreitada é vista como um episódio infeliz, que deixou um rastro de problemas econômicos, políticos e sociais. "Saddam chegou a se desculpar com o Kuwait em algum momento, muitos anos após a invasão. Acho que ele próprio viu o ato como um erro", disse à BBC Nayef Al-shammari, professor de economia da Universidade do Kuwait.La guerra de precios entre Arabia Saudita y Rusia que hundió el valor del petróleo y las bolsas en medio de la crisis por el coronavirus Depois de 30 anos, a invasão do Kwait ainda é uma ferida aberta na região. Mas o que mudou no pequeno país desde então? Maior presença dos EUA A invasão trouxe luz à vulnerabilidade dos menores territórios do golfo Pérsico. Também expôs os efeitos de uma relação próxima com os EUA e outras grandes potências. "É uma região muito volátil do mundo, com países muito pequenos cercados por países muito maiores", diz Kristian Ulrichsen, especialista em Oriente Médio no Instituto Baker da Universidade Rice, em Houston, Estados Unidos. "Até a década de 1980, os EUA não estavam realmente presentes no Golfo, como estão hoje. E essa foi uma decisão tomada, em parte, pelos pequenos Estados da região, que perceberam que precisavam de uma garantia de segurança, papel que o Reino Unido desempenhou até 1971". Desde a Guerra do Golfo, os EUA instalaram diversas bases militares nos países do Golfo Pérsico. Sozinho, o Kuwait atualmente abriga cerca de 13 mil tropas dos EUA, de acordo com relatórios do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA (CRS). Maturidade política Em 1986, o então emir do Kuwait, Jaber al-Ahmed al-Sabah, fechou o parlamento argumentando que a segurança do país estava "exposta a uma feroz conspiração estrangeira que colocou vidas em risco e quase destruiu a riqueza da pátria". Ele se referia a desdobramentos da guerra entre o Irã e o Iraque e à ameaça que esse conflito representou ao próspero país petrolífero. Ulrichsen diz que o Kuwait, diferentemente de outros países do Golfo, já tinha um parlamento relevante no cenário político da época. "Era um momento de disputa em que os políticos obviamente queriam poderes, mas o governo e a família dominante não necessariamente concordavam." No início dos anos 1990, um grupo de ex-parlamentares começou a pressionar o governo para restaurar o parlamento, o que detonou uma crise política a partir da qual o emir tentou criar uma nova Assembléia Nacional, mais fraca que a antiga, em vez de restaurar a que havia suspendido. O movimento foi boicotado. "Já havia tensões no Kuwait antes da invasão, mas o que aconteceu depois foi que muitos cidadãos e políticos kuwaitianos deixaram o país e se refugiaram na Arábia Saudita. Pouco depois, em outubro de 1990, um grande reencontro foi organizado no país. Na avaliação da família governante, o resultado traria reconciliação e juras de lealdade vindo dos cidadãos", diz o especialista no Oriente Médio. Kuwait se tornou um dos países com maior renda per capita no mundo Mas o que realmente aconteceu foi uma rodada de negociações entre o governo, seus cidadãos e os políticos da nação petroleira. "Eles disseram: 'se jurarmos lealdade, queremos garantias de que a Assembléia será restaurada.' Assim, houve uma espécie de toma lá, dá cá", continua o professor. Em outubro de 1992, depois de recuperar sua soberania, o Kuwait organizou eleições gerais com a participação de mais de 80% da população votante. Desde então, as funções do parlamento continuaram funcionando sem grandes interrupções. "Até certo ponto, a invasão contribuiu para a restauração da vida política e parlamentar no Kuwait." Sabah Al-Ahmad Al-Yaber Al Sabah governa o Kuwait desde janeiro de 2006. O economista do Kuwait Nayef Al-shammari concorda que a participação das pessoas na vida política e nas eleições agora é maior. "Isso também se deve ao advento das redes sociais", ressalta. Divisão entre quem saiu e quem ficou A invasão iraquiana criou rachas sociais no Kuwait entre aqueles que permaneceram no país durante os quase sete meses de ocupação e aqueles que decidiram se refugiar no exterior. Estima-se que 400 mil kuwaitianos tenham fugido após a invasão, um número que representava quase metade dos cidadãos do país em 1990. Na época, o Kuwait tinha pouco mais de 2 milhões de habitantes, das quais cerca de 60% eram estrangeiros. Boa parte do povo Kuwait deixou o país, mas muitos ficaram e ajudaram as forças da coalizão internacional Os que ficaram não escondem um ressentimento sobre os que deixaram o país rumo a uma vida mais confortável em locais como Arábia Saudita, Egito, Estados Unidos, França ou Reino Unido. Segundo relatos, o governo da nação rica em petróleo transferiu quantias superiores a mil dólares para a maioria de seus cidadãos exilados -- e a quantia que poderia dobrar ou triplicar, dependendo do tamanho da família e do custo de vida local. Embora a ferida deixada pela invasão tenha cicatrizado ao longo dos anos, especialmente nas novas gerações, ainda existe um setor da população que se lembra e se ressente esse êxodo. Um país mais conservador Enormes reservas de petróleo tornaram Kuwait um dos países mais ricos do mundo. Em comparação com outras monarquias do Golfo, o país tem um sistema político mais aberto. Apesar de riqueza e de ter o parlamento mais antigo e influente dos seis estados que compõem o Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo, o Kuwait continua sendo um país "muito conservador". Kristian Ulrichsen, da Rice University, diz que esse aspecto da sociedade do Kuwait se acentuou e perdura, 30 anos após a invasão. "Acho que o trauma social foi tão grande que os kuwaitianos se tornaram mais islâmicos e, de certo modo, mais conservadores". "Nosso profeta é mais precioso do que nossa vida", diz uma faixa em um protesto no Kuwait contra o periódico satírico Charlie Hebdo, após a publicação de uma ilustração mostrando o profeta Maomé chorando O conservadorismo alcançou, inclusive, as relações com outras nações da região. "Antes, o Kuwait oferecia ajuda financeira a outros países do Oriente Médio. Então, em 1990, percebeu-se que alguns países que se beneficiaram da ajuda do Kuwait, como Jordânia e Iêmen, apoiaram Saddam Hussein ou tentaram ser neutros durante a invasão. Isso fez os kuwaitianos deixarem de confiar tanto nos vizinhos." Nas últimas décadas, o país de maioria muçulmana sunita viu alguns avanços sociais, como a introdução do voto das mulheres, em 2005, e a decisão de que as mulheres obtenham passaportes sem o consentimento de maridos, em 2009. Mas também houve episódios em que o governo foi acusado de restringir as liberdades, como quando vários canais de televisão foram proibidos de transmitir informações sobre uma suposta conspiração contra o sistema de governo em junho de 2014. Ou quando o líder da oposição, Mussallam Barrak, foi condenado a cinco anos de prisão em 2013 por "minar a autoridade do emir". Uma economia mais dependente do petróleo Todo conflito bélico traz conseqüências econômicas e essa invasão gerou perdas multimilionárias para toda a região - especialmente para o Kuwait. A indústria do petróleo foi a mais atingida após a queima de centenas de poços de petróleo do Kuwait pelo exército iraquiano no início de 1991, mas o setor se recuperou. O Kuwait é um dos maiores exportadores de petróleo do mundo "Em 1990, pouco antes da invasão, produzíamos 1,5 milhão de barris por dia (mbd), e atualmente estamos em 2,8 mbd, então pode-se dizer que a produção melhorou consideravelmente", diz Nayef Al-shammari, professor de economia da Universidade do Kuwait. Naquela época, a renda gerada pela exploração de petróleo representava quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, lembra o economista, valor que agora está em torno de 60%. "Agora somos muito mais dependentes do petróleo, mesmo falando sempre de planos para diversificar a economia." Atualmente, o país é sustentado pelas exportações de petróleo que contribuem com mais de 90% do orçamento nacional total, uma porcentagem também superior ao período anterior à guerra. Al-shammari considera que uma invasão como a de 1990 poderia ter encorajado melhorias estruturais -- o que, segundo ele, não aconteceu no Kuwait. "Houve melhorias sociais e algum progresso político, mas as distorções econômicas ainda persistem, apesar de todos os anos que se passaram." Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |
Maduro segue Chávez e estreia conta no Twitter | O presidente interino da Venezuela, Nicolás Maduro, estreou neste domingo uma conta de Twitter. Segundo a Presidência da Venezuela, ele se prepara também para abrir contas no Facebook e no YouTube, além de escrever um blog. | "Hoje temos pátria. Viva Bolívar! Viva Chávez!", dizia o primeiro tuíte da conta @NicolasMaduro que já tinha mais de 150 mil seguidores às 21h de Brasília. Na conta, Maduro se apresenta como "filho de Chávez" e "comprometido em construir a pátria com eficiência revolucionária". Com a estreia no Twitter, Maduro segue o exemplo do presidente Hugo Chávez, morto há duas semanas. A conta de Chávez, @chavezcandanga, tornou o mandatário venezuelano um dos mais populares chefes de Estado nas redes sociais, superado em número de seguidores somente pelo presidente americano, Barack Obama. |
UE deve aumentar restrições à carne brasileira | A Comissão Européia (órgão Executivo da União Européia) deve anunciar nesta quarta-feira novas restrições à carne brasileira.A decisão foi tomada depois que uma missão do Departamento de Alimentação e Veterinária (FVO, na sigla em inglês), responsável pelo controle sanitário no bloco, detectou irregularidades no sistema fitossanitário do Brasil - o controle sanitário da disseminação de pestes e doenças em animais e em plantas com vistas à proteção da saúde humana. | Segundo uma fonte do Executivo, as deficiências foram encontradas no sistema de rastreabilidade do gado, que assegura que a carne enviada à Europa não provém de áreas onde a venda para o bloco é proibida. A fonte afirmou ainda que um embargo total está praticamente descartado. Nina Papadoulaki, porta-voz do comissário europeu de Saúde e Proteção ao Consumidor, Markos Kyprianou, antecipou que o bloco deve exigir mais mecanismos de controle, que poderão diminuir assim que o país realizar as melhorias indicadas. Lobby O sistema de rastreabilidade empregado pelo Brasil é o maior alvo das críticas do lobby formado por deputados e produtores europeus, que durante todo este ano vem pressionando Bruxelas por um embargo total à carne brasileira. “Finalmente a Comissão Européia resolveu tomar uma atitude, depois de anos que alertamos sobre esse problema”, disse à BBC Brasil o deputado britânico Neil Parish, presidente do comitê de Agricultura do Parlamento Europeu e um dos líderes do lobby contra a carne brasileira. “O Brasil já teve o tempo necessário para cumprir os requisitos exigidos em relação à rastreabilidade. Se uma vez mais a FVO observou que suas regras não são seguidas, já é hora de partir para as sanções”, defende. A divulgação das conclusões da missão da FVO está prevista para fevereiro de 2008. Deficiências A missão da FVO visitou fazendas e abatedouros brasileiros no início de novembro para verificar se foram cumpridas seis exigências feitas anteriormente sobre aspectos considerados deficientes de acordo com a legislação européia. Além de melhorar o sistema de rastreabilidade do gado, o Brasil deveria desenvolver um certificado à prova de fraudes para a carne exportada à UE, implementar testes para verificar possíveis deficiências na vacinação do gado e nova legislação sobre focos e controle da febre aftosa, acelerar o diagnóstico da doença e melhorar o controle do trânsito de animais. Em outubro, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Reinhold Stephanes, chegou a admitir, em Bruxelas, que o país precisaria de mais tempo para implementar algumas das melhorias solicitadas. As autoridades brasileiras disseram à BBC Brasil que só se pronunciarão sobre as novas restrições depois que Executivo europeu anunciar sua decisão. A UE é responsável por 38,5% de toda exportação de carne brasileira, um volume que em 2006 correspondeu a 1,5 bilhão de dólares. |
Alemanha registra novo recorde de emprego em 2012 | A maior economia europeia registrou em 2012 um novo recorde de emprego, com 41,5 milhões de pessoas com trabalho no país, o que sinaliza um aumento de 1% na comparação com o ano anterior. | Segundo dados do instituto de estatística da Alemanha (Destatis), é o sexto aumento consecutivo da quantidade de empregados no país, já que desde 2005 o número de pessoas com trabalho residentes na Alemanha aumentou 6,8%, o equivalente a 2,66 milhões novos postos de trabalho. Neste mesmo período, o número de desempregados se reduziu em quase 2,23 milhões de pessoas. Segundo os dados, o emprego aumentou especialmente no setor de serviços privados. Tópicos relacionados |
Donald Trump, 2 anos de governo: presidente dos EUA tem cumprido suas promessas? | Antes de se tornar o 45º presidente dos Estados Unidos, Donald Trump fez uma série de promessas de campanha. | Donald Trump encontrou resistências da oposição, claro, mas também de nomes do próprio partido para aprovar projetos polêmicos Elas passaram por assuntos como a presença de imigrantes no país, a atividade militar e ações de mitigação às mudanças climáticas. E agora, passados dois anos de mandato do republicano, como elas se desenrolaram? A BBC News foi atrás destas respostas. Banimento de muçulmanos Situação: Parcialmente cumprido Antes da eleição: Trump inicialmente falou em uma proibição "total e completa" à entrada de muçulmanos nos EUA até que as autoridades conseguissem "descobrir o que está acontecendo". Fim do Talvez também te interesse Depois: A medida foi uma das primeiras controvérsias de Trump. Durante a campanha, ele mudou suas palavras: deixou de falar em "banimento total" para citar uma "avaliação (no processo migratório) criteriosa". Como presidente, ele introduziu dois impedimentos a viagens que foram barrados nos tribunais, mas uma terceira medida do tipo foi aprovada. A Suprema Corte dos EUA definiu que a proibição decidida por Trump visando seis países majoritariamente muçulmanos (Chade, Irã, Líbia, Somália, Síria e Iêmen) pode entrar em vigor - mas ainda pode ser também alvo de novas contestações legais. Um muro na fronteira pago pelo México Situação: Sem progresso Antes: A proposta de construir um muro ao longo da fronteira entre os Estados Unidos e o México - e, mais, fazer com que este país pague por isso - marcou a campanha do republicano. Agentes americanos perto de uma cerca dividindo a fronteira entre EUA e México em foto de dezembro de 2018 Depois: Nenhum tijolo do "grande, bonito muro" subiu. Democratas se opõem veementemente à construção, enquanto alguns correligionários de Trump também torcem o nariz para o projeto, cujo custo pode chegar a US$ 21,5 bilhões (cerca de R$ 80 bilhões) segundo um relatório interno do Departamento de Segurança Doméstica. Em dezembro de 2018, o governo dos EUA foi paralisado, em uma situação conhecida como "shutdown", com a resistência de democratas a aprovar um conjunto de medidas enviadas por Trump que incluía US$ 5 bilhões (aproximadamente R$ 18,7 bilhões) para financiar o muro. Até agora a questão está sem resolução. Deportação de todos os imigrantes ilegais Situação: Sem progresso Antes: Trump disse repetidamente durante a campanha que deportaria cada imigrante sem documentação regular nos EUA - soma estimada em mais de 11 milhões de pessoas. Depois: À medida que as eleições se aproximavam, sua postura começou a suavizar pouco a pouco. Depois do pleito, o novo titular da Casa Branca reduziu a cifra para cerca de 2 a 3 milhões de deportações de pessoas "criminosas e com antecedentes criminais, membros de gangues, traficantes de drogas". No ano fiscal de 2018, as deportações foram de 256 mil pessoas, um ligeiro aumento em relação ao ano anterior - embora não tão alto quanto o pico de 410 mil pessoas sob o governo Obama no ano de 2012. O futuro dos jovens imigrantes sem documentos, conhecidos como "sonhadores" ("dreamers", no original), está na mesa, já que o republicano cancelou o programa Daca (sigla em inglês do programa Deferred Action for Childhood Arrivals, que concede autorização temporária para morar e trabalhar àqueles que entraram no país ilegalmente quando crianças). O programa contempla a permanência de 700 mil pessoas nos EUA. A situação dos "sonhadores" está hoje em um limbo legal. Saída do Acordo de Paris Situação: Cumprida Antes: Como candidato, Trump disse que as mudanças climáticas seriam uma situação falsa disseminada pela China e que as regras do Acordo de Paris, que exige compromissos dos países para o meio ambiente, estariam impedindo o crescimento americano. Depois: Após três meses de avaliação sobre a pauta, o presidente determinou a saída do acordo, assinado por cerca de 200 países. Na campanha, Trump afirmou que as mudanças climáticas seriam uma situação falsa disseminada pela China Bombardeio do Estado Islâmico Situação: Cumprido Antes: Durante um discurso no Estado de Iowa, em novembro de 2015, Trump recorreu a palavrões para dizer que iria bombardear o grupo autodenominado Estado Islâmico (EI). Os EUA lançaram a 'mãe de todas as bombas' no Afeganistão - nesta foto, sendo testada na Flórida Depois: Em abril de 2017, os Estados Unidos lançaram sua maior bomba não nuclear - conhecida com a "mãe de todas as bombas" - em um conclave do EI no Afeganistão. Trump também leva o crédito por forçar o Estado Islâmico para fora de partes do Iraque e da Síria, dizendo que o grupo foi "amplamente derrotado". Mas a realidade é que, enquanto os militantes do EI perderam quase todo o território que ocupavam anteriormente, seu líder e milhares de seguidores continuam por aí. Retorno das tropas para casa Situação: Parcialmente cumprido Antes: Na campanha, Trump disse que o Oriente Médio era uma "bagunça total e completa" e que desejava que o governo tivesse gasto trilhões de dólares a nível doméstico. Depois: Em setembro de 2017, o governo Trump anunciou o envio de mais 3 mil soldados ao Afeganistão. Já na Síria, os EUA lideraram uma coalizão contra militantes do EI ao lado de curdos sírios e combatentes árabes, com cerca de 2 mil soldados no local. Em dezembro de 2018, Trump ordenou a retirada de todas as tropas dos EUA da Síria. Dias depois, a mídia americana informou que o presidente planejava reduzir para metade o número de combatentes no Afeganistão, de 14 mil para 7 mil. Após esta sinalização, o então secretário da Defesa, Jim Mattis, e o enviado especial da coalizão contra o EI, Brett McGurk, renunciaram. Cortes de impostos Situação: Cumprido Antes: Trump prometeu diminuir a carga de impostos sobre os negócios e os trabalhadores americanos. Depois: O plano de impostos dos republicanos foi aprovado finalmente em dezembro de 2017 e, para o presidente, a princípio trata-se de um grande feito. Mas, na verdade, a força e durabilidade desta vitória são questionadas. Trump havia falado em reduzir impostos sobre os lucros das empresas de 35% para 15% - em vez disso, o percentual será de 21%. E os cortes de impostos para indivíduos vão expirar em alguns anos, embora os republicanos digam que futuros governos simplesmente os renovarão. Mas, em geral, os americanos ricos devem se beneficiar mais do que os mais pobres com este pacote. Renovação da infraestrutura Situação: Sem progresso Antes: A infraestrutura do país "se tornará incomparável, e colocaremos milhões de pessoas de volta ao trabalho à medida que a reconstruírmos", disse o presidente em seu discurso de vitória, em novembro. Depois: O presidente repetiu em diversas ocasiões a promessa de gastar muito nas estradas, ferrovias e aeroportos do país, mas há ainda poucos sinais de ação. Em março de 2018, o Congresso alocou US$ 21 bilhões (cerca de R$ 78 bilhões) para gastos em infraestrutura - muito abaixo dos US$ 1,5 trilhões (R$ 5,6 trilhões) solicitados pelo presidente. Nomeação de conservador na Suprema Corte Situação: Cumprida Antes: Trump prometeu nomear um juiz conservador para a Suprema Corte do país. Depois: Na realidade, ele nomeou dois: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh. A indicação de Gorsuch exigiu uma mudança processual nas regras do Senado, mas foi a nomeação de Kavanaugh que gerou controvérsia. Kavanaugh enfrentou acusações de agressão sexual - que ele nega - e acabou sendo alçado com a votação mais apertada para uma nomeação do tipo desde 1881, com 50 votos a 48. Além de deixar sua marca no mais importante tribunal do país, Trump nomeou dezenas de juízes conservadores em tribunais de instâncias inferiores. Classificação da China como manipuladora de moeda Situação: Abandonado Antes: Trump repetidamente disse que, em seu primeiro dia na Casa Branca, os EUA listariam a China como um país "manipulador de moeda". Depois: O republicano disse ao Wall Street Journal em abril de 2017 que a China não era "manipuladora de moeda" há algum tempo e que, na verdade, os esforços do país asiático visavam evitar o enfraquecimento do yuan. Acordos comerciais Situação: Parcialmente cumpridos Antes: Trump classificou o Nafta (Acordo de Livre Comércio entre México, Estados Unidos e Canadá, na sigla em inglês) como um "desastre" e alertou que a Parceria Trasnpacífica (ou TPP, de "Transpacific Partnership") "será pior, então vamos parar com ela". Ele também prometeu corrigir o déficit na balança comercial com a China. Depois: Nos primeiros dias na Casa Branca, o presidente cumpriu com a palavra de sair do TPP. Mas ele indicou que, se os EUA conseguissem um acordo mais favorável, poderiam voltar à parceria. Em 30 de novembro de 2018, depois de arrastadas negociações, os EUA, Canadá e México assinaram um acordo entre os três que foi desenhado para substituir o Nafta - mas ele ainda precisa de aprovação do Legislativo. Já Washington e Pequim se envolveram na escalada de uma batalha comercial - com ambos lados impondo tarifas em bens com valor na casa dos bilhões de dólares. Eles concordaram em uma trégua de 90 dias a partir de dezembro de 2018, ainda que Trump tenha sinalizado a possibilidade de impor novas tarifas, se necessário. Endurecimento diante de Cuba Situação: Parcialmente cumprido Antes: O acordo liderado por Barack Obama, quando presidente, de reaproximação diplomática e comercial entre EUA e Cuba, seria revertido por Trump, conforme ele prometeu em setembro de 2016. Depois: Já como presidente, o republicano disse ao público, em um evento em Miami, que iria "cancelar o acordo unilateral da administração Obama" com Cuba. Mas, na verdade, ele só voltou atrás em alguns pontos - como na imposição de restrições a viagens e negócios entre os dois países. Transferência da embaixada em Israel Situação: Parcialmente cumprida Antes: Jerusalém, cidade reivindicada por israelenses e palestinos, seria a nova sede da embaixada americana em Israel - e não mais Tel Aviv - segundo promessa de Trump. Jerusalém é reivindicada por israelenses e palestinos Depois: Em dezembro de 2017, Trump reconheceu formalmente Jerusalém como a capital de Israel e aprovou a transferência da embaixada. A nova sede foi inaugurada em maio de 2018, de forma a coincidir com o 70º aniversário de Israel, mas nem todos escritórios e setores foram transferidos. Ainda assim, o governo de Israel considera este o primeiro passo de uma grande e simbólica jogada diplomática. Dissolução do Obamacare Situação: Parcialmente cumprida Antes: Uma das marcas registradas dos comícios de Trump foi dizer que revogaria o Obamacare, o sistema de ampliação do acesso à saúde criado na gestão Barack Obama. Depois: Embora os republicanos não tenham conseguido aprovar uma lei de revogação ou reforma, o governo Trump conseguiu desmantelar partes do Obamacare - períodos de inscrição foram reduzidos e alguns subsídios foram cortados, por exemplo. E, em dezembro de 2018, um juiz federal no Texas declarou a legislação como inconstitucional. O pacote, porém, permanece em vigor enquanto uma apelação espera para ser apreciada pela Suprema Corte. Adeus à Otan Situação: Abandonado Antes: Trump classificou a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, uma aliança militar intergovernamental) como "obsoleta"; uma questão que o irritava era, segundo ele, o fato de que outros países se beneficiavam mais da aliança do que Washington e, também, gastavam menos com ela. Depois: Ao receber o secretário-geral da Otan na Casa Branca em abril de 2018, o presidente dos EUA disse que a ameaça do terrorismo havia destacado a importância da aliança. "Eu disse que era obsoleta, mas não é mais", afirmou. Em julho de 2018, Trump reiterou seu apoio ao tratado em uma cúpula, mas sugeriu que os EUA ainda poderiam sair se os aliados não concordassem com suas demandas orçamentárias. Restabelecimento de alguns métodos de tortura Situação: Abandonado Antes: Quando candidato, Trump disse que voltaria a permitir a asfixia em água (waterboarding) "imediatamente" como forma de tortura, incluindo ainda métodos "muito piores". Depois: Depois da posse, o republicano disse que aderiria ao posicionamento de membros do alto escalão de seu governo, contrários à opinião de Trump, sobre a tortura. Entre estes nomes, estavam James Mattis, ex-secretário de Defesa, e Mike Pompeo, então diretor da CIA (agência de inteligência dos EUA) e hoje secretário de Estado. Ao ser confirmado no cargo na CIA, Pompeo afirmou que "de forma alguma" recuperaria tais métodos. Hillary Clinton na Justiça Situação: Abandonado Antes: "Prendam-na" foi um dos principais motes gritados por apoiadores de Trump na campanha; eles queriam que a oponente do republicano, a democrata Hillary Clinton, fosse para a cadeia por ter usado um e-mail privado enquanto atuava como secretária de Estado. "Se eu ganhar, vou instruir meu secretário de Justiça a designar um promotor especial para olhar esta situação", afirmou Trump em um debate. Depois: O tom do presidente eleito mudou tão logo ele ganhou, descrevendo Hillary Clinton, antes uma "mulher tão desagradável", como alguém a quem o país tinha "uma dívida de gratidão". Mais tarde, ele disse que "não havia pensado muito sobre as acusações" e tinha outras prioridades. Em 22 de novembro, a porta-voz de Trump disse que não iria prosseguir com uma investigação - para ajudar Clinton a "curar-se". 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O Brasil pelos olhos de nove crianças refugiadas que vivem em São Paulo | Quando viviam em seus países - Haiti, Síria, Arábia Saudita e Congo -, o cotidiano deles era bem diferente. Mas hoje, esses meninos e meninas que são refugiados em São Paulo têm muito em comum: comem arroz e feijão, gostam da liberdade que têm no Brasil e jogam futebol (ou queimada) na escola. | Refugiados: novos brasileiros falam sobre a guerra, comer arroz e feijão e aprender a recomeçar "No Brasil é melhor porque não tem guerra", resume a síria Ritag Youssef, de 8 anos, refugiada há quase três anos. Ela foi uma desses novos brasileiros que conversaram com a reportagem da BBC Brasil em bairros de São Paulo, onde vivem. Eles fazem parte de uma estatística que não para de crescer. Segundo a ONU, em 2015, o número de refugiados no mundo ultrapassou os 60 milhões, um recorde histórico desde a Segunda Guerra Mundial. Desse número, quase metade são crianças - cerca de 28 milhões conforme dados do Unicef, o fundo da ONU para educação e infância. No Brasil, o Comitê Nacional para Refugiados afirma que o número de solicitações de refúgio humanitário cresceu quase 3.000% no intervalo entre 2010 e 2015. Todos enfrentam ou enfrentaram vários novos desafios, como a língua, a adaptação à nova cultura e a falta de acesso a uma política educacional que atenda melhor às crianças refugiadas. Fim do Talvez também te interesse Mas muitas vezes elas conseguem se adaptar mais facilmente e aprender português de modo mais rápido que os pais. Adaptam-se também à culinária local, seja ao arroz feijão ou à pizza doce. 'As pessoas lá eram más' Os irmãos Zaeem, de 11 anos, e Assad, de 12 anos, e as irmãs Warda, de 11 anos, e Sheza, de 15 anos, viviam bem com os pais em Riad, capital da Arábia Saudita, quando a perseguição religiosa mudou suas vidas. A família cristã de origem paquistanesa começou a ser ameaçada por extremistas após o envolvimento do filho mais velho, Shanzee, de 18 anos, com uma menina muçulmana. Lá, esse tipo de atitude pode ser penalizada com a morte por grupos radicais locais. Os irmãos Zaeem, Warda e Assad vieram para o Brasil após a família ser perseguida na Arábia Saudita Para sobreviver, a única solução encontrada pelo pai Ijaz Masih foi se mudar para o Brasil, o único país que lhes ofereceu um visto. Hoje eles vivem em um abrigo - uma antiga escola primária, sob auxílio da Igreja Presbiteriana no bairro da Penha, em São Paulo. Vivendo há pouco mais de 2 meses no Brasil, ainda se comunicando apenas em inglês, eles ficam sérios quando falam sobre o que viveram em Riad, capital da Arábia Saudita. "As pessoas de lá eram más", diz o pequeno Zaeem. A irmã mais velha, Sheza, afirma que é um alívio estar no Brasil: "Começaram a nos tratar de modo diferente quando descobriram que éramos cristãos". Warda, fã de futebol, conta que lá só podia jogar dentro de casa, escondida. Caminhar pela rua, só era possível em horários restritos. Agora, joga futebol na velha quadra atrás de casa com os irmãos a hora que quer. "Lá, toda liberdade era só para eles (os meninos)", conta a garota. As duas, Warda e Sheza, fizeram questão de deixar pelo caminho as roupas muçulmanas, como as abayas, túnicas pretas e longas, e os lenços que tinham que usar na cabeça. "A gente não entende nada das aulas mas amamos estar aqui!" Os quatro já frequentam o colégio público do bairro, mas sem nenhum auxílio especial por serem estrangeiros. Quem os ajuda a superar a barreira da língua são os colegas de classe já que apenas um professor fala inglês. Zaeem, o mais falante, exclama "a gente não entende nada das aulas mas amamos estar aqui!". Foi na escola que conheceram o arroz e feijão, que não gostaram muito. "Nós gostamos mesmo é de comer pizza doce, coisa que não tinha lá", completa Assad. Ao descobrirem que seria Dia das Crianças no Brasil, o pedido oficial ditado pela irmã mais velha é por boas notas e um trabalho para os pais. No extra-oficial, Zaeem quer uma bicicleta, Assad, um skate e Warda, claro, uma bola de futebol. Zaeem, Warda, Assad e Sheza: querem ficar no Brasil 'Maria não encontrou João por causa da bruxa' Jessy, de 6 anos e Winner, de 4 anos, chegaram no Brasil no colo da mãe escondidos no porão de um navio vindos do Congo. A mãe, a congolesa Sylvie Mutiene, de 34 anos, teve que fugir deixando a filha mais velha e o marido para trás por causa da perseguição política. "Você faz loucuras para salvar a sua vida e de seus filhos, eu protegi os que tinha a mão" Para os filhos, ela dizia que o pai tinha ido viajar. Os dois foram se reencontrar ao acaso no Brasil mais de um ano depois e hoje moram em um pequeno apartamento na zona leste da capital paulista. Jessy e Winner chegaram no Brasil no colo da mãe escondidos no porão de um navio vindos do Congo. Winner se estica e nas pontas dos pés chega perto do gravador para dar sua versão da vida de seus pais. "Quero contar uma história da menina chamada Maria que procurava pelo João. Ela não encontrou o João porque a bruxa má jogou ele na prisão." A versão de Jessy é mais direta: "meu pai foi perseguido pela polícia. Aí ele se escondeu na nossa casa e os policiais bagunçaram tudo e não o acharam porque ele estava num porão". A menina, que está cursando primeiro ano fundamental em uma escola pública do bairro, já fala bem português e declara orgulhosa que gosta "de matemática e língua portuguesa" e, confiante, acrescenta: "Em todas as lições eu tiro bom, ok ou parabéns. Nunca tiro nota ruim. Eu faço tudo certinho". Jessy quer voltar para o Congo para ver a avó e a irmã. No ranking dos desejos infantis, porém, os pequenos refugiados vão nos básicos: Jessy quer uma boneca; o pequeno Winner, um videogame. O congolês Winner queria um videogame de Dia das Crianças 'Aqui não tem guerra' Abraçada em um cachorrinho de pelúcia branco que foi presente do pai, Ritag Youssef, de 8 anos, define porque é melhor viver no Brasil: "Aqui não tem guerra". Ela e a irmã Rahab, de 11 anos, estão há quase três anos no país e hoje dividem um beliche num quarto em um condomínio na Vila Carrão, zona leste de São Paulo. Vindas da Síria fugindo da guerra com seus pais elas estão bem adaptadas aos costumes brasileiros. A escolha pelo bairro se deu por causa da localização da escola islâmica na qual os pais fazem questão que as meninas estudem. Lá elas mantêm o aprendizado da cultura árabe junto com os costumes brasileiros. As notas em educação física são as mais altas, "eu amo handebol e queimada, muito muito", diz Rahab. Ambas adoram jogar futebol, mas ainda não escolheram nenhum time brasileiro para torcer. Irmãs Sírias Rahab Youssef e Ritag brincam em sua casa no bairro do Carrão Uma coisa que chamou atenção das meninas na apostila do colégio foram as fotos dos índios: "Como são diferentes, com aquelas tintas que passam no rosto", diz Ritag passando os dedos pela bochecha. Da comida brasileira o que mais adoram é o feijão e arroz, e o maracujá, uma fruta que não existia na Síria. Para esse dia 12 elas não pediram nenhum presente ainda. Rahab diz que se pudesse pediria um celular ou um tablet. Ritag quer mais uma Barbie para sua coleção. Ela também gostaria de viajar com a família, "eu adoro a França, a Turquia e a Rússia". Os pais acreditam que a decisão de vir para o Brasil foi acertada porque aqui podem praticar sua religião livremente, "eu posso usar o hijab - tipo de véu islâmico - tranquilamente e isso seria um problema em alguns lugares da Europa", explica a mãe. A filha mais velha, quando fizer 15 anos, deverá começar a utilizar o hijab também. O pai, que na Síria era técnico em um laboratório, agora passa a semana fora trabalhando na feira da madrugada do Brás e só encontra as meninas nos finais de semana. O maior desejo de ambos é que a guerra acabe na Síria para poder voltar para lá. As meninas já adaptadas ao novo país não têm o mesmo desejo, querem é ficar no Brasil. 'Quero ser médica e morar um pouco no Brasil e um pouco no Haiti' Em uma igreja no bairro da Mooca encontramos Rachel Betty Edmond, de 9 anos, acompanhando seu pai. A menina é de família haitiana, mas nasceu na República Dominicana, e veio com a mãe em 2011 para o Brasil. O pai tinha chegado um ano antes depois que o terremoto devastou o país. "Ela falava espanhol e criolo quando chegou aqui, agora acho que Rachel nem lembra", fala o pai Edmond Jean Camille, de 47 anos. De pose altiva e um modo delicado de se expressar Rachel fala perfeitamente português que aprendeu com os colegas no colégio desde os 7 anos. Rachel Betty Edmond voltando da missa na igreja haitiana da Mooca "Gosto de brincar e de estudar, quando não tenho lição de casa eu brinco de tabuada, a matéria que mais gosto é matemática". A educação física também é uma paixão, Rachel afirma que é rápida e adora apostar corrida com os colegas. "Só tem um amigo que ganha de mim". Da comida ela adora o arroz com feijão e de brigadeiro. Religiosa, ela diz que gosta de música gospel brasileira. Para o dia das crianças diz que ainda não pediu nada, mas, se pedisse, seria uma boneca. "Não tenho nenhuma", diz. "Eu gosto muito de passear no parque também, mas minha mãe nunca tem tempo, mas quando é dia de alguma coisa, normalmente nos levam para algum passeio aqui na igreja". De seus desejos para o futuro, depois de alguns segundos de silêncio, ela levanta o rosto e diz: "quero ser médica e morar um pouco no Brasil e um pouco no Haiti". "Isso é Deus que vai decidir", diz o pai, olhando para ela. |
De Salvini a Netanyahu, o 'inferno astral' dos principais aliados internacionais de Bolsonaro | "Parabenizo (Benjamin) Netanyahu pela grande vitória e pela renovação de seu mandato como primeiro-ministro de Israel . Bibi é um grande líder e seguiremos trabalhando juntos pela prosperidade e pela paz dos nossos povos, com base em nossos valores e convicções profundas", escreveu no Twitter, em 11 de abril, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro. | Bolsonaro e Netanyahu durante a visita do brasileiro a Israel; premiê é o mais longevo da história israelense, mas corre o risco de perder a cadeira para rival Na ocasião, o partido de Netanyahu, Likud, havia sido o mais votado nas eleições gerais de Israel, fazendo do premiê o mais longevo da história do país - ele já acumula dez anos no cargo. Bolsonaro havia acabado de fazer uma visita de Estado a Israel, onde fora recebido com honrarias por Netanyahu. Os dois firmaram acordos de cooperação, e Bolsonaro acompanhou o premiê em uma ida ao Muro das Lamentações — algo raro na política externa, uma vez que líderes que visitam Israel costumam ir ao local sozinhos, para que o episódio não seja interpretado como um endosso à reivindicação israelense de uma área de Jerusalém que também é pleiteada pelos palestinos. Bolsonaro também concluiu a visita com o "compromisso", em suas próprias palavras, de mudar a embaixada brasileira para Jerusalém, medida que também causaria atritos na comunidade internacional. Por enquanto, porém, anunciou apenas um escritório comercial na cidade sagrada. Fim do Talvez também te interesse O problema de todos esses acenos a Netanyahu é que, desde então, o premiê israelense sofreu importantes percalços que podem tirá-lo do poder, complicando seu futuro, uma vez que ele é alvo de acusações de corrupção (as quais nega). Netanyahu, com o adversário Benny Gantz ao fundo; partido de Gantz deve obter 33 cadeiras no Parlamento de Israel, contra 31 do Likud, segundo resultados preliminares Naquele mês de abril, ele não conseguiu formar uma coalizão de governo e convocou eleições gerais, que foram realizadas na última terça-feira (17/9). O resultado do pleito é que Netanyahu saiu enfraquecido: os resultados finais ainda não foram divulgados, mas com 95% das urnas apuradas até sexta feira (20), o principal adversário do premiê, o partido Azul e Branco (centro-esquerda), lidera as apurações e deve ficar com estimadas 33 cadeiras das 120 do Parlamento israelense — provavelmente duas cadeiras a mais do que o Likud. Netanyahu admitiu na quinta-feira que teria dificuldades em formar uma coalizão de direita e, segundo a agência AFP, chamou Benny Gantz, líder do Azul e Branco, para um governo de unidade. Gantz respondeu que, nas atuais circunstâncias, ele próprio, e não Netanyahu, é quem deveria ser premiê. Itália e Argentina A possível troca de comando em Israel é uma entre outras dificuldades enfrentadas hoje por líderes internacionais de quem Bolsonaro se aproximou - na Itália, na Argentina e nos EUA. Um desses aliados é o italiano Matteo Salvini, ex-vice-premiê que agradeceu publicamente o presidente brasileiro a extradição de Cesare Battisti e teceu elogios a Eduardo Bolsonaro por sua indicação à embaixada brasileira em Washington (ainda não oficializada). Salvini, que ainda conta com grande popularidade na Itália, tinha pretensões de se tornar premiê quando rompeu, em agosto, com a coalizão que governava o país na época. No entanto, um acordo firmado em 28 de agosto entre dois partidos italianos - o populista e anti-establishment Movimento Cinco Estrelas e o Partido Democrático, de centro-esquerda - manteve o premiê Giuseppe Conte no poder e frustrou, ao menos por enquanto, as pretensões de Salvini. Na Argentina, o presidente Mauricio Macri se prepara para uma dura eleição presidencial em 27 de outubro. Seu adversário, Alberto Fernández, que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner, venceu com vantagem contundente as eleições primárias de 11 de agosto: ficou 15 pontos percentuais à frente de Macri. As pesquisas de opinião mais recentes publicadas na imprensa argentina apontam que parece pouco provável que Macri consiga reverter esse resultado. Na época das primárias, o governo brasileiro fez duras críticas a Fernández. O chanceler Ernesto Araújo afirmou que o candidato é como uma "boneca russa": "Há o Alberto Fernández, você abre e lá está Cristina Kirchner, você abre lá e está o Lula, e depois (Hugo) Chávez", afirmou ao jornal argentino Clarín o chefe do Itamaraty. "Não temos ilusão de que esse kirchnerismo 2.0 seja diferente do kirchnerismo 1.0." Bolsonaro, por sua vez, pediu a empresários brasileiros reunidos em um congresso do aço que "colaborassem" com Macri. "Não estamos apoiando o Macri, só queremos que aquela velha esquerda não volte ao poder", afirmou o presidente em 21 de agosto, segundo a Folha de S. Paulo. "E se o caminho for apoiar Macri, que seja o apoio ao Macri." Trump afirmou serem 'ridículas' as acusações de que teria pedido que a Ucrânia investigasse Joe Biden e o filho em troca de apoio militar No ano que vem, será a vez de outro aliado de Bolsonaro enfrentar as urnas: Donald Trump vai disputar com um democrata ainda indefinido sua permanência na Presidência dos EUA. O caminho para isso não vai ser necessariamente fácil, diante de recentes acusações publicadas pelo jornal Wall Street Journal. Segundo um informante ouvido pelo jornal, um oficial de inteligência descobriu que Trump "pediu que a Ucrânia investigasse Joe Biden (principal pré-candidato democrata à Presidência) e seu filho (que é do conselho de uma empresa de gás ucraniana) em troca de ajuda militar americana". Trump chamou a notícia de "ridícula" e afirmou que suas conversas com líderes estrangeiros são sempre "totalmente apropriadas". A democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes, afirmou por sua vez que "se o presidente tiver feito o que foi alegado, está entrando em um perigoso campo minado com sérias repercussões para seu governo e nossa democracia". Política externa mais personalista? Nem todos os governantes de quem Bolsonaro tem se aproximado enfrentam reveses. O nacionalista Viktor Orban se mantém forte na Hungria, há quase dez anos no poder; o presidente brasileiro também manteve conversas consideradas frutíferas com o chileno Sebastián Piñera e o esquerdista boliviano Evo Morales. Mas os percalços das lideranças em Israel, Itália e potencialmente Argentina evidenciam um risco na diplomacia brasileira atual, segundo especialistas consultados pela BBC News Brasil: o de uma política externa aparentemente mais personalista. Macri e Bolsonaro, durante cúpula do G20 em junho; pesquisas de opinião mais recentes apontam vantagem da oposição argentina na eleição de outubro "(Essa política) tem riscos claros", avalia Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais na FGV-SP, destacando que pode haver dificuldade de diálogo se esses governos forem assumidos por líderes até agora na oposição. "Reveses eleitorais (dos aliados do governo brasileiro) podem afastar esses países." Casarões analisa que a estratégia de governo "tem a ver com a narrativa de combate ao globalismo, uma força meio intangível ligada ao que chamam de 'marxismo cultural', e a aproximação de uma onda de liderança nacionalista unida pela percepção de resgatar um tripé de valores" familiares, nacionalistas e religiosos. "Esse combate ao globalismo é de líderes, e não propriamente de Estados", prossegue o professor da FGV-SP. "No caso de Mauricio Macri, porém, me parece mais (uma aproximação) pela agenda liberal econômica de ambos. Mas o governo tentou jogar o peso brasileiro no resultado da eleição argentina, algo que é visto com muita reticência na prática diplomática. Temos um comércio significativo com a Argentina e (questões de) integração regional. Se somos influentes lá, o contrário também vale para (o peso) deles aqui." Para Elaini da Silva, professora do curso de Relações Internacionais da PUC-SP, mais do que uma política externa personalista, trata-se de uma aparente tentativa do governo brasileiro de agradar a própria base eleitoral conservadora e religiosa - por exemplo com a aproximação de Israel. "Com Salvini e Netanyahu, não me parece ser um vínculo pessoal, mas sim a tomada de decisões para alinhar o Brasil a parceiros não por um projeto de país, mas de bases eleitorais", opina. Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal! |