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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> <p><font>AA, BB, CC, DD e EE intentaram acção, com processo ordinário contra “FF Companhia de Seguros, SA”, pedindo a sua condenação a pagar-lhes, a titulo de indemnização, por danos sofridos em acidente de trânsito, a quantia de 141525,34 euros, com juros, à taxa de 4%, desde a propositura da acção.</font> </p><p><font>Excepcionada, pela Ré, a existência de seguro válido, as Autoras requereram a intervenção principal do “Fundo de Garantia Automóvel” e de GG, incidente que foi admitido.</font> </p><p><font>No Circulo Judicial de Viana do Castelo, a Ré “FF” foi condenada a pagar às Autoras o total (devidamente discriminado para cada uma) de 123349,25 euros, sendo absolvidos do pedido os chamados “Fundo” e GG.</font> </p><p><font>Apelaram as Autoras e a Ré “FF”.</font> </p><p><font>A Relação de Guimarães negou provimento ao recurso das Autoras e julgou parcialmente procedente o recurso da Ré.</font> </p><p><font>Assim, condenou solidariamente o “Fundo de Garantia Automóvel” e GG a pagarem às Autoras as quantias discriminadas na sentença recorrida, absolvendo do pedido a “FF – Companhia de Seguros, SA”.</font> </p><p><font>Pedem, agora revista as Autoras, o “Fundo de Garantia Automóvel” e GG.</font> </p><p><font>As Autoras concluem a sua alegação nestes termos:</font> </p><p><i><font>“1.ª- Não se discute a questão relacionada com a culpa na produção do acidente que está na génese da presente acção, a qual, como foi decidido, ficou a dever-se, de forma exclusiva, ao condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros, que ostentava a matricula 00-00-DE: o Réu, chamado GG.</font></i> </p><p><i><font>2ª - O acórdão recorrido alterou, em parte, a matéria de facto dada como provada e fixada, pelo Tribunal de Primeira instância; </font></i> </p><p><i><font>3ª - Concretamente, no que se refere às alíneas B), Z), AA), AB), AC), AD) e BA), do elenco dos factos provados do referido aresto; </font></i> </p><p><i><font>4ª - Em substituição desses ‘FACTOS PROVADOS’, o acórdão recorrido, decidiu dar como provado e fixar o factualismo vertido nas suas alíneas B), Z), AA), AB) AC), AD) e BA) do elenco dos factos considerados provados; </font></i> </p><p><i><font>5ª - O acórdão recorrido, porém, não refere as normas legais em que estriba a sua decisão em alterar os referidos ‘pontos’ ou ‘alíneas’ da matéria de facto; </font></i> </p><p><i><font>6ª - O acórdão recorrido está, por esta razão, ferido de </font></i><i><u><font>nulidade.</font></u></i><i><font> </font></i> </p><p><i><font>7ª - Deve, pois, ser declarada a nulidade do acórdão recorrido e, em consequência, manter-se – quanto aos factos provados – o decidido pelo Tribunal de Primeira Instância; </font></i> </p><p><i><font>8ª - O Tribunal Recorrido – Tribunal da Relação de Guimarães – com o devido respeito – excedeu e exorbitou os seus poderes, ao alterar a referida matéria de facto; </font></i> </p><p><i><font>9ª - Já que a decisão, sobre a matéria de facto, apenas pode ser alterada pelo Tribunal da Relação, nos estritos casos previstos no artigo 712º., do Código de Processo Civil </font></i> </p><p><i><font>10ª - Os quais não se verificam nos caso dos presentes autos; </font></i> </p><p><i><font>11ª - Estava, como está, vedado ao Tribunal da Relação alterar a matéria de facto, fixada pelo tribunal de Primeira Instância; </font></i> </p><p><i><font>12ª - O Supremo Tribunal de Justiça – no conhecimento do recurso de revista – tem competência para apreciar – tal como sucede no caso dos autos – erro na fixação dos factos materiais da causa, de acordo com o estatuído no artigo 722º., nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil; </font></i> </p><p><i><font>13ª - Deve, assim, revogar-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, na parte em que o mesmo modificou a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância; </font></i> </p><p><i><font>14ª – E deve, em consequência, condenar-se a Recorrida/Apelada Companhia de Seguros “FF SEGUROS S.A” a pagar, aos às Recorrentes a indemnização global fixada, ou a fixar; </font></i> </p><p><i><font>15ª - Acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento; </font></i> </p><p><i><font>16ª - Se, como se espera, em consequência da procedência do presente recurso, vier a dar-se como provado o contrato de seguro, através do qual estava transferida a responsabilidade por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-DE e que foi este o veículo automóvel que teve intervenção no acidente de trânsito que deu origem à presente acção, deve a Recorrida Companhia de Seguros “FF Seguros, S.A.” ser condenada a pagar, às Autoras, a indemnização global devida, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento; </font></i> </p><p><i><font>17ª - Tendo em conta o estatuído no artigo 29º, nº. 1, alínea a), do Decreto-Lei nº. 522/85, de 31 de Dezembro; </font></i> </p><p><i><font>18ª - O fenómeno “morte” não se traduz num processo instantâneo; </font></i> </p><p><i><font>19ª - Pelo contrário, esse fenómeno “morte” processa-se, sempre, ao longo de um período, mais ou menos, longo de tempo; </font></i> </p><p><i><font>20ª - Ao longo desse período de tempo, a vítima é assaltada pelo sentimento mais dramático porque uma pessoa humana pode passar: a consciência de que vai morrer, com maior gravidade, para um ser humano integrado na cultura e na religião Judaico-Cristã – como sucede com a vítima dos autos; </font></i> </p><p><i><font>21ª - Esse estado de angústia e de tristeza é indemnizável, a título de danos de natureza não patrimonial; </font></i> </p><p><i><font>22ª - Deve, pois, fixar-se, a este título, a indemnização de 10.000,00 €; </font></i> </p><p><i><font>23ª - A Recorrente AA peticionou a indemnização de 17.500,00 €, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial) sofridos em consequência do decesso do seu marido HH; </font></i> </p><p><i><font>24ª - O acórdão recorrido fixou-lhe, a este título, a indemnização de apenas 15.000,00 €; </font></i> </p><p><i><font>25ª - Tal quantia, porém, é insuficiente; </font></i> </p><p><i><font>26 - Deve, assim, ser-lhe fixada, a este título, a indemnização de 17.500,00 €; </font></i> </p><p><i><font>27ª - Se – contra o que se espera – vier a decidir-se – tal como o fez o Tribunal de Segunda Instância – pela inexistência de contrato de seguro válido e eficaz, a data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção; </font></i> </p><p><i><font>28ª - Fica, porém, provado – também como decidiu o Tribunal de Segunda Instância – que o veículo automóvel ligeiro de passageiros interveniente no acidente dos autos: </font></i> </p><p><i><font>a) Era propriedade do Réu/Recorrido GG; </font></i> </p><p><i><font>b) Era conduzido pelo Réu/Recorrido GG; </font></i> </p><p><i><font>c) Ostentava matrícula (chapa) portuguesa – 00-00-DE; </font></i> </p><p><i><font>d) O referido veículo automóvel não beneficiava de contrato de seguro válido e eficaz, em vigor à data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção. </font></i> </p><p><i><font>29ª - Por mera cautela, se for este o entendimento que, a final, vier a ser perfilhado – pelo Supremo Tribunal de Justiça –, nomeadamente se vier a decidir-se pela inexistência de contrato de seguro válido e eficaz, à data do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, em relação ao veículo automóvel causador do acidente, requer-se que, no pagamento da indemnização que, a final, vier a ser fixada, bem como nos respectivos juros moratórios, sejam solidariamente condenados os Réus/Chamados/intervenientes Fundo de Garantia Automóvel e GG. </font></i> </p><p><i><font>30ª - Quanto ao restante, deve manter-se o já decidido pelo Tribunal de Primeira Instância; </font></i> </p><p><i><font>31ª - Decidindo de modo diverso, fez o acórdão recorrido má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 158º., 668º., nº. 1, alínea b), 690º-A, 712°, nºs 1 e 2 e 722º., nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, 202º e 205º, da Constituição da República Portuguesa, 21º, nº 1, alínea a) e 29º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro e 562º, 564º e 805º., nºs. 1, 2 e 3, do Código Civil.” </font></i> </p><p> </p><p><font> Contra alegou a Ré “FF” dizendo, em síntese, não se pronunciar quanto ao “quantum” indemnizatório por entender não ter de o suportar, impugnando, no mais, o alegado.</font> </p><p><font>O “Fundo de Garantia Automóvel” concluiu desta forma as suas alegações de revista: </font> </p><p><i><font>“1. A Autora e a Ré FF não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto; </font></i> </p><p><i><font>2. O tribunal a quo excedeu os seus poderes de cognição, pronunciando-se sobre questão que não foi suscitada; </font></i> </p><p><i><font>3. Estava vedada ao tribunal a quo a alteração da matéria de facto; </font></i> </p><p><i><font>4. O acórdão é nulo, nos termos da segunda parte da alínea d), do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil; </font></i> </p><p><i><font>5. O tribunal a quo decidiu alterar a decisão sobre a matéria de facto sem que tivesse, para tanto, invocado qualquer fundamento susceptível de alicerçar tal decisão; </font></i> </p><p><i><font>6. O tribunal a quo violou o estatuído no artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, o que implica a nulidade do acórdão; </font></i> </p><p><i><font>7. Sem prejuízo do acima concluído, o tribunal a quo não foi coerente na sua análise, porquanto decidiu alterar a matéria de</font></i><font> </font><i><font>facto constante dos quesitos B), Z), AA), AB), AC), AD) e BA), mas manteve a resposta dada ao quesito 89.º ‘a viatura de matrícula 00-00-DE era um Ford Mondeo’. O contexto da resposta à matéria de facto era diferente do contexto criado pelo tribunal a quo, na medida em que ali, quando se fez referência a uma viatura de matricula 00-00-DE, era da viatura interveniente no acidente que se falava; aqui, o acórdão recorrido entendeu necessário fazer a alusão a ‘a viatura a que correspondia a matrícula 00-00-DE (...)’, claramente porque não se tratava da mesma coisa; </font></i> </p><p><i><font>8. Há uma clara contradição entre a matéria constante do quesito 89.º e a demais – objecto de alteração por parte do tribunal a quo — bem como contradição entre tal matéria e a decisão de que ‘(...) não se sabe qual a marca da viatura interveniente no acidente (...)’ e ainda ‘da materialidade provada resulta que à data do acidente em causa, o responsável pelo acidente não beneficiava de seguro válido e eficaz.’. </font></i> </p><p><i><font>Se o tribunal a quo viu necessidade de fazer tal alusão é porque, no seu entendimento, a viatura de matrícula 00-00-DE que interveio no acidente não era um Ford Mondeo, logo impunha-se que também alterasse a resposta dada a este facto, vertido no quesito 89.º; </font></i> </p><p><i><font>9. Face a resposta dada ao quesito 89.º ‘a viatura de matrícula 00-00-DE era um Ford Mondeo’ e a resposta dada ao quesito BA) ‘GG celebrou com a Ré FF – Companhia de Seguros, SA., contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º 9900000, tendo por objecto o veículo Ford Mondeo de matrícula 00-00-DE.’, nunca a decisão do tribunal a quo poderia ter sido no sentido de alterar a decisão de Primeira Instância e, assim, absolver, a Ré FF – Companhia de Seguros, S.A., porquanto, a ser assim, a decisão está em dissonância com a factualidade provada, verificando-se a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil; </font></i> </p><p><i><font>11. Mais uma vez, o acórdão recorrido é nulo, desta feita, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil. </font></i> </p><p><i><font>12.O acórdão recorrido é nulo na parte que alterou a matéria de facto fixada em primeira instância e absolveu a Ré FF, pelo que deverá ser revogado; </font></i> </p><p><i><font>13. Deverá manter-se a decisão de condenação da Ré FF; </font></i> </p><p><i><font>14. O tribunal a quo violou as alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil; </font></i> </p><p><i><font>15. O acórdão recorrido deverá ser revogado, mantendo-se a decisão de primeira instância.” </font></i> </p><p><font>Por mera cautela, contra-alegou o recurso interposto pelos Autores culminando com o pedido da sua improcedência, quanto á indemnização.</font> </p><p><font> O recorrente GG concluiu muito sucintamente a sua alegação considerando indevida a alteração da matéria de facto alterada pela Relação; que o seu contrato de seguro estava em vigor; e, finalmente, que a decisão da 1ª Instância devia ser confirmada.</font> </p><p><font> Contra alegando este recurso a recorrida “FF” insiste, na bondade do Acórdão em crise.</font> </p><p><font> A 1ª Instância deu por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto:</font></b> </p><p><font>A) - No dia 8 de Janeiro 2002 pelas 6.40h ocorreu acidente de trânsito, na Estrada Nacional n.º 13, ao km 74,20, no lugar de Carreço, freguesia de Carreço, Viana do Castelo. </font> </p><p><font>B) - Nesse acidente, foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-DE, propriedade de GG, residente na rua ...., 00, 4.º esq., em Viana do Castelo, e na altura por ele próprio conduzido, e o peão HH, residente que foi na rua do Empréstimo, lugar de Carreço, freguesia de Carreço, Viana do Castelo. </font> </p><p><font>C) - A faixa de rodagem tem uma largura de 6,80 m, dividida ao meio por uma linha descontínua – marca M2 – pintada a cor branca, sobre o eixo da via, muito viva e bem visível. </font> </p><p><font>D) - O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto. </font> </p><p><font>E) - O tempo estava bom. </font> </p><p><font>F), G), H) – Pelas duas margens da faixa de rodagem asfáltica, a Estrada Nacional n.º13 apresentava bermas, também pavimentadas a asfalto, com uma largura de 2,90 m a situada do lado direito, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, delimitadas, em relação à faixa de rodagem, por marcas efectuadas a cor branca, muito vivas e bem visíveis. </font> </p><p><font>I) - Pela sua margem direita, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, conflui com ela a via pública que, no sentido nascente – poente, dá acesso às veigas e à praia de Carreço. </font> </p><p><font>J) - Pela sua margem esquerda, tendo em conta o mesmo sentido de marcha, conflui com ela a via que, no sentido poente – nascente, dá acesso ao interior da freguesia de Carreço, desta comarca. </font> </p><p><font>L), M) – Pela margem direita da Estrada Nacional n.º13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, imediatamente a sul do local do cruzamento ali existente, existia e existe um abrigo destinado aos passageiros de transportes públicos, no preciso local onde existia à existe, na margem direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, uma paragem de autocarros dos serviços dos transportes colectivos públicos, com um abrigo em estrutura de cimento, de cor branca.</font> </p><p><font>N – Para quem se encontra situado no local do sinistro, consegue avistar-se a faixa de rodagem da Estrada Nacional e suas bermas, em toda a sua largura, na sentido norte, ou seja, em direcção a Valença, ao longo de uma distância de 250 m. </font> </p><p><font>O) - Na altura da ocorrência do acidente, eram 6.40h da manhã. </font> </p><p><font>P), Q) – Fazia-se, ainda, sentir a escuridão da noite, mas despontava já, a nascente, a claridade do crepúsculo, que se avizinhava.</font> </p><p><font>R – Ao longo da margem esquerda da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º 13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, existiam múltiplos postes com candeeiros de iluminação pública.</font> </p><p><font>S), T) – Todos esses candeeiros de iluminação pública, na altura da ocorrência do acidente, encontravam-se acesos, e os seus respectivos fachos luminosos incidiam, de forma ininterrupta, sobre o pavimento asfáltico da Estrada Nacional n.º13 e suas duas bermas, ao longo de todo o sector de recta que a Estrada Nacional n.º 13 configura no local do sinistro, superior a 1 000 m, mas de modo a fazer incidir uma luminosidade ténue sobre a faixa de rodagem da via, com maior incidência sobre a sua metade esquerda, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo. </font> </p><p><font>U) - No dia 8 de Janeiro de 2002, pelas 6.40h, HH caminhava, a pé, pela via pública que entronca com a Estrada Nacional n.º13 pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo. </font> </p><p><font>V) - Desenvolvia a sua marcha no sentido nascente – poente, ou seja, interior da freguesia de Carreço (lugar de Carreço) – Estrada Nacional n.º 13, em sentido convergente em relação à faixa de rodagem desta via (Estrada Nacional n.º 13). </font> </p><p><font>X) - HH atravessou a hemi-faixa esquerda de rodagem da Estrada Nacional n.º 13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo. </font> </p><p><font>Z) - Momentos antes da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-DE transitava pela Estrada Nacional n.º13. </font> </p><p><font>AA), AB) – GG apenas conseguiu imobilizar o ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-DE a uma distância de 86 m à frente do local da colisão, 19 m à frente do local onde ficou prostrado o corpo de HH. </font> </p><p><font>AC), AD) – Após o embate, o DE ficou imobilizado sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, ligeiramente enviesado, para o seu lado direito, de forma a ocupar parcialmente a berma do mesmo lado. </font> </p><p><font>AE) – Após o embate, o corpo de HH ficou prostrado no solo, sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional n. °13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo. </font> </p><p><font>AF) – Correu termos pelo Tribunal Judicial de Viana do Castelo o processo comum n. °42/2002.4GTVCT, do 1.º Juízo Criminal, no qual figurava, como arguido, o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-DE GG. </font> </p><p><font>AG) – Este processo teve, na sua origem, o mesmo acidente de trânsito que está na génese da presente acção. </font> </p><p><font>AH), AI) – Nesse processo crime, após a realização da audiência de discussão e julgamento, concluiu-se pela culpa exclusiva do condutor do DE na produção do acidente, pelo que o mesmo GG foi condenado, nesse processo, na pena de 14 meses de prisão, com a sua execução suspensa pelo prazo de 1 ano e 6 meses, subordinada à condição de pagar a quantia de € 2.000,00 aos Bombeiros Voluntários de Viana do Castelo e, ainda, na sanção acessória da inibição da faculdade de conduzir veículos automóveis pelo período de nove meses. </font> </p><p><font>AJ), AL) – Dessa sentença foi, pelo arguido, interposto recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, o qual proferiu acórdão que, quanto à culpa na produção do acidente, confirmou a decisão de primeira instância. </font> </p><p><font>AM) – O referido acórdão transitou em julgado. </font> </p><p><font>AN) – Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para HH lesões corporais de extrema gravidade, nomeadamente esmagamento no sentido longitudinal com afundamento da região occipital da cabeça, esmagamento da região malar, da região maxilar e da região cervical, esmagamento do pescoço, na parte lateral esquerda, fractura de todos os arcos costais, pelas suas linhas axilares anteriores, equimoses extensas dispersas nos membros superiores, equimoses extensas dispersas nos membros inferiores, fractura cominutiva, com destacamento de múltiplos fragmentos, da região occipital, exteriorização e derrame de massa encefálica, destruição parcial da região occipital, hemorragia intensa cerebral, fractura do maxilar inferior pelos dois ramos, afundamento do malar esquerdo, hemotorax bilateral, múltiplas lacerações e perfurações pulmonares bilaterais, esmagamento da face antero-lateral do pescoço, com destruição parcial de todas às estruturas regionais musculares e vasculares, esmagamento da região atlas-axis, com sinais de desarticulação local e de destruição medular regional, fractura de Colies dos membros superiores, à direita, fractura cominutiva da perna esquerda pelo seu terço médio e fractura do fémur direito, pelo seu terço médio. </font> </p><p><font>AO), AP) – HH foi transportado de ambulância para o Hospital de Santa Luzia de Viana do Castelo, onde chegou já sem vida. </font> </p><p><font>AQ) – A sua morte adveio-lhe como consequência directa e necessária do acidente de trânsito dos presentes autos, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes. </font> </p><p><font>AR), AS), AT) – HH faleceu no estado de casado com AA, deixou, como únicas filhas, as Autoras BB, CC, DD e EE, e deixou testamento, em que instituiu herdeira da quota disponível a sua filha BB.</font> </p><p><font>AU) – HH nasceu a 23 de Janeiro de 1937. </font> </p><p><font>AV), AX) – Com o funeral da vítima e com os serviços fúnebres, despenderam as Autoras a quantia de € 1.444,44, a 14 de Janeiro de 2002. </font> </p><p><font>AZ) – As Autoras viram-se na necessidade de pagar a quantia de € 79,81, a título de taxa de justiça, pela constituição como assistente da Autora CC no processo comum n.º 32/2002.4GTVCT. </font> </p><p><font>BA) – GG celebrou com a Ré “FF – Companhia de Seguros, S.A”, contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n. °9900000, tendo por objecto o veículo Ford Mondeo de matrícula 00-00-DE. </font> </p><p><font>- No momento do acidente, o DE seguia no sentido Valença – Viana do Castelo, a velocidade nunca inferior a 90 km/h, pela hemi-faixa direita de rodagem, a menos de 1 m da berma que pela direita ladeia a estrada. </font> </p><p><font>- Desde o terminus da curva (curva ligeira à direita, antes da qual se encontra implantado o chamado cruzamento da Farmácia de Carreço, e em que a via é separada nas suas hemi-faixas por um passeio central) que antecede o início da referida recta, tendo em conta o sentido de marcha do DE, contado do terminus do passeio central onde se mostra implantado um sinal de sentido obrigatório, até ao local do embate, distam 223,90 m. </font> </p><p><font>- No local, a via estava em bom estado de conservação, havia sido revista recentemente, sendo o asfalto muito escuro. </font> </p><p><font>- Tendo em conta o sentido de marcha do DE, a berma esquerda tinha 2,60 m de largura. </font> </p><p><font>- Do terminus do passeio central onde se mostra implantado um sinal de sentido obrigatório é possível, embora com alguma dificuldade, avistar o local do embate. </font> </p><p><font>- Essa visibilidade – para o local do embate – existe já antes desse ponto fixo de referência. </font> </p><p><font>- O tempo estava seco. </font> </p><p><font>- No local, a velocidade instantânea máxima permitida é de 90 km/h. </font> </p><p><font>- HH atravessava a E.N. n.º13 junto ao cruzamento que antecede o local do embate. </font> </p><p><font>- Quando já se encontrava a terminar essa travessia, a cerca de 80 cm da berma direita que ladeia a E. N. n.º 13, tendo em conta o sentido de marcha do DE, HH foi colhido pela frente lateral direita do DE. </font> </p><p><font>- Em virtude do embate, a vítima galgou o capot do DE, destruiu o vidro frontal sobre a parte direita e amassou todo o tejadilho sobre esse mesmo lado, após o que foi projectada a 67 m do local do embate, tendo em conta o sentido Valença – Viana do Castelo. </font> </p><p><font>- HH era uma pessoa que constituição esquelética regular para a sua altura – na casa de 1,80 m – corpulenta e pesada. </font> </p><p><font>- Sofria claudicação no andar, usava prótese em virtude de amputação da perna direita pelo seu terço superior. </font> </p><p><font>- Caminhava auxiliado por muleta </font> </p><p><font>- O condutor do DE conhecia bem o local, bem como as características da via. </font> </p><p><font>- Diariamente passa na mesma, pela hora dos factos, dirigindo-se de casa para o Porto, onde trabalha. </font> </p><p><font>- Só após o embate o condutor do DE se apercebeu que algo acontecera, pelo que travou, sem deixar impressas marcas no solo, tentando não desviar inicialmente o DE da rota seguida, só o fazendo para a direita no final. </font> </p><p><font>59º - HH era uma pessoa alegre, bem disposta e apegada à vida. </font> </p><p><font>60° - HH era dedicado à família. </font> </p><p><font>61° - Durante a sua vida activa, desempenhou a profissão de funcionário judicial, no Tribunal Judicial de Viana do Castelo. </font> </p><p><font>64° - HH vivia com a Autora AA desde o casamento de ambos. </font> </p><p><font>65°, 66° – As filhas de HH visitavam o pai com frequência, e com ele celebravam as festas familiares. </font> </p><p><font>67°,68°,69°,70° - As Autoras dedicavam a HH, respectivamente, o afecto próprio de mulher e de filhas, no que eram retribuídas por aquele. </font> </p><p><font>71º - Em consequência do acidente, a roupa de HH ficou destruída. </font> </p><p><font>73°,74° - À data do acidente, HH estava reformado da função pública, auferindo o montante mensal de €489,42. </font> </p><p><font>77°, 78° – A Autora AA era doméstica, beneficiando da pensão de reforma de HH. </font> </p><p><font>81º - Com data de 7 de Janeiro de 2002 – mas preenchido no dia 8 de Janeiro de 2002, após o acidente –, o Réu GG assinou um postal tipo, por referência à apólice n.º 9900000, a fim de comunicar à 1ª Ré que “o seguro realizado nessa Companhia pela apólice em referência fica nulo e sem efeito algum desde a presente data por perda total do veículo seguro”. </font> </p><p><font>88° - Tinha sido implantado a HH um “pacemaker” recentemente, por referência à data do acidente, encontrando-se ainda vestígios de pontos de seda decorrentes dessa implantação. </font> </p><p><font>89° - A viatura de matrícula 00-00-DE era um “Ford Mondeo”. </font> </p><p><font>90° - A vítima teve morte instantânea. </font> </p><p><font>91º - HH vivia com a Autora AA e com a mãe dele. </font> </p><p><font>92° - A Autora AA recebe € 295,13 de pensão de sobrevivência. </font> </p><p><font>94°, 95° – O veículo 00-00-DE está, desde 5 de Dezembro de 2002, registado a favor de JP. </font> </p><p><font>96° - O postal referido na resposta ao quesito 81 deu entrada nos serviços da Ré FF no dia 10 de Janeiro de 2002. </font> </p><p><font>Contudo, a Relação alterou os pontos B), Z), AA), AB), AC), AD), e BA) nos seguintes termos:</font> </p><p><font>B) Nesse acidente, foram intervenientes o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca não apurada e que ostentava a matrícula 00-00-DE, propriedade de GG, residente na rua ..., 00, 4.º esq., em Viana do Castelo, e na altura por ele próprio conduzido, e o peão HH, residente que foi na rua do Empréstimo, lugar de Carreço, freguesia de Carreço, Viana do Castelo. </font> </p><p><font>Z) - Momentos antes da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, o veículo automóvel ligeiro de passageiros a que se alude na alínea B) transitava pela Estrada Nacional n.º13. </font> </p><p><font>AA), AB) – GG apenas conseguiu imobilizar o ligeiro de passageiros a que se alude na alínea B) a uma distância de 86 m à frente do local da colisão, 19 m à frente do local onde ficou prostrado o corpo de HH. </font> </p><p><font>AC), AD) – Após o embate, a referida viatura ficou imobilizado sobre a metade direita da faixa de rodagem da Estrada Nacional n.º13, tendo em conta o sentido norte – sul, ou seja, Valença – Viana do Castelo, ligeiramente enviesado, para o seu lado direito, de forma a ocupar parcialmente a berma do mesmo lado. </font> </p><p><font>BA) – GG celebrou com a Ré “FF – Companhia de Seguros, S.A.”, contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n. °9900000, tendo por objecto o veículo Ford Mondeo de matrícula 00-00-DE. </font> </p><p><font>Deu, ainda, por alterado o seguinte:</font> </p><p><font>- No momento do acidente, o veículo em causa seguia no sentido Valença – Viana do Castelo, velocidade nunca inferior a 90 km/h, pela hemi-faixa direita de rodagem, a menos de 1 m da berma que pela direita ladeia a estrada. </font> </p><p><font>- Desde o terminus da curva (curva ligeira à direita, antes da qual se encontra implantado o chamado cruzamento da Farmácia de Carreço, e em que a via é separada nas suas hemi-faixas por um passeio central) que antecede o início da referida recta, tendo em conta o sentido de marcha do veículo, contado do terminus do passeio central onde se mostra implantado um sinal de sentido obrigatório, até ao local do embate, distam 223,90 m. </font> </p><p><font>- No local, a via estava em bom estado de conservação, havia sido revista recentemente, sendo o asfalto muito escuro. </font> </p><p><font>- Tendo em conta o sentido de marcha do veículo, a berma esquerda tinha 2,60 m de largura. </font> </p><p><font>- Do terminus do passeio central onde se mostra implantado um sinal de sentido obrigatório é possível, embora com alguma dificuldade, avistar o local do embate. </font> </p><p><font>- Essa visibilidade – para o local do embate – existe já antes desse ponto fixo de referência. </font> </p><p><font>- O tempo estava seco. </font> </p><p><font>- No local, a velocidade instantânea máxima permitida é de 90 km/h. </font> </p><p><font>- HH atravessava a E.N. n.º 13 junto ao cruzamento que antecede o local do embate. </font> </p><p><font>- Quando já se encontrava a terminar essa travessia, a cerca de 80 cm da berma direita que ladeia a E.N. n.º 13, tendo em conta o sentido de marcha do veículo, HH foi colhido pela frente lateral direita daquele veículo. </font> </p><p><font>- Em virtude do embate, a vítima galgou o capot do veículo, destruiu o vidro frontal sobre a parte direita e amassou todo o tejadilho sobre esse mesmo lado, após o que foi projectada a 67 m do local do embate, tendo em conta o sentido Valença – Viana do Castelo. </font> </p><p><font>- HH era uma pessoa que constituição esquelética regular para a sua altura – na casa de 1,80 m – corpulenta e pesada. </font> </p><p><font>- Sofria claudicação no andar, usava prótese em virtude de amputação da perna direita pelo seu terço superior. </font> </p><p><font>- Caminhava auxiliado por muleta. </font> </p><p><font>- O condutor do veículo conhecia bem o local, bem como as características da via. </font> </p><p><font>- Diariamente passa na mesma, pela hora dos factos, dirigindo-se de casa para o Porto, onde trabalha. </font> </p><p><font>- Só após o embate o condutor do veículo se apercebeu que algo acontecera, pelo que travou, sem deixar impressas marcas no solo, tentando não desviar inicialmente o veículo da rota seguida, só o fazendo para a direita no final. </font> </p><p><font>81º Com data de 7 de Janeiro de 2002, o Réu GG assinou um postal tipo, por referência à apólice n.º 9900000, a fim de comunicar a 1ª Ré que ‘o seguro realizado nessa companhia pela apólice em referência fica nulo e sem efeito algum desde a presente data por perda total do veículo seguro”.</font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font> Conhecendo.</font> </p><p><font> Na sequência das respectivas interposições, passar-se-á à análise dos sucessivos recursos, sendo que, quanto às questões comuns – e para evitar repetições inúteis – proceder-se-á a uma única abordagem na primeira revista apreciada.</font> </p><p><b><font>I – Recurso das Autoras.</font></b> </p><p><font>1- Alteração da matéria de facto.</font> </p><p><font>2- Indemnização.</font> </p><p><b><font>II – Recurso dos Réus “Fundo de Garantia Automóvel” e GG.</font></b><br> <font>1- Matéria de facto.</font> </p><p><b><font>III – Conclusões.</font></b> </p><p> </p><p><b><font>I – Recurso das Autoras.</font></b> </p><p><font>1. Alteração da matéria de facto.</font> </p><p><font>1.1. É este um ponto comum à revista das Autoras e dos Réus “Fundo de Garantia Automóvel” e GG, pelo que será apreciado conjuntamente.</font> </p><p><font>Todos se insurgem contra o Acórdão na parte em que alterou a matéria de facto, essencialmente, quando considerou que no acidente interveio o veículo automóvel ligeiro de matrícula
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - AA instaurou acção declarativa para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra BB, CC e mulher, DD, EE, FF e Fundo de Garantia Automóvel, pedindo que os Réus sejam solidariamente condenados a pagarem-lhe uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos, em virtude de acidente de viação, de montante nunca inferior a 103.593,75€ e, a acrescer a essa, uma indemnização, cuja total e integral quantificação relegou para posterior liquidação em sede de execução de sentença, a titulo de indemnização pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, futuros, decorrentes das intervenções cirúrgicas, intervenções plásticas, internamentos, medicamentos, despesas hospitalares, tratamentos, exames, consultas e deslocações que futuramente tenha que efectuar em consequência das lesões causadas pelo acidente, designadamente com futuras operações às duas articulações temporomandibulares, tudo acrescido de juros vincendos à taxa legal, a contar da data da citação.</font><br> <font> </font><br> <font>Para tanto, e em síntese, alegou que no dia 11 de Janeiro de 1996, cerca das 21 horas e 45 minutos, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram dois ciclomotores, um conduzido pelo Réu BB, à data menor, que não tinha seguro, e um outro conduzido pelo Autor. Que tal acidente foi causado por culpa única e exclusiva do réu Rui, tendo o A. sofrido danos vários com o dito sinistro. </font><br> <font>Assim, responsáveis pelo pagamento dos mesmos, serão, em primeira linha, o réu Rui e seus pais. Por outro lado, e como o dito ciclomotor não beneficiava de seguro válido e eficaz, será também responsável o FGA e bem assim o proprietário do dito veículo, existindo dúvidas quem seria o mesmo, se o réu EE, que figurava, à data do embate, como sendo proprietário, ou ao irmão do réu BB, CC, também Réu. </font><br> <br> <font>Contestaram os Réus, tendo os quatro primeiros invocado a excepção peremptória da prescrição do direito do A. à indemnização por terem já decorrido os respectivos prazos de três ou de cinco anos. </font><br> <br> <font>No despacho saneador foi proferida decisão que julgou procedente a excepção e absolveu os Excepcionantes do pedido, continuando a acção apenas contra o Fundo de Garantia. </font><br> <br> <font> Este interpôs recurso de tal decisão, recebido como apelação, com subida a final. </font><br> <br> <font> A acção prosseguiu seus regulares termos e o FGA veio a ser condenado no pagamento da indemnização de € 45.937,86, na parte liquidada, e 50% do valor dos danos a liquidar em execução de sentença, decisão de que ambas as Partes interpuseram recurso de apelação.</font><br> <br> <font> Na procedência da apelação do despacho saneador, o R. Fundo foi absolvido do pedido e teve-se por prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nos recursos interpostos da sentença.</font><br> <br> <font> O Autor pediu revista (alegando sobre o objecto de ambas as apelações), recurso que, conforme oportunamente decidido, prosseguiu apenas para conhecimento daquela que foi apreciada pela Relação – a do despacho saneador.</font><br> <font> Visando a revogação do acórdão e a reposição da decisão da 1ª Instância, o Recorrente conclui, em síntese:</font><br> <font> </font><br> <font> 1. </font><font>No Despacho Saneador julgou-se procedente a excepção peremptória da prescrição apenas invocada pelos 1º, 2º, 3º e 4º Réus, prosseguindo os autos apenas quanto ao R. Fundo de garantia Automóvel.</font><br> <font>2. Do primeiro Despacho Saneador "Sentença", na medida em que o mesmo se pronunciou quanto ao mérito da questão, conhecendo do pedido quanto a invoca da excepção de prescrição apenas invocada pelos 1°, 2°, 3° e 4°s Réus caberia o recurso de Apelação.</font><br> <font>3. Do segundo Despacho Saneador "Formal", na medida em que não se pronunciou quanto ao mérito, abstendo-se de conhecer do pedido, ordenando a prosseguimento dos autos quanto ao 5° Réu ora recorrente, relegando o conhecimento do mérito e do pedido para a sentença final, caberia o recurso de Apelação.</font><br> <font>4. O réu Fundo de Garantia Automóvel apenas interpôs recurso de Apelação do Despacho Saneador Sentença que julgou procedente a excepção de prescrição invocada apenas pelos demais Réus.</font><br> <font>5. Não interpôs recurso de Agravo do Despacho Saneador "Formal" que ordenou o prosseguindo da presente acção apenas quanto ao réu Fundo. </font><br> <font>6. Posteriormente, com as suas alegações o recorrente debruçou-se não sobre o Despacho Saneador Sentença sobre o qual interpôs recurso de Apelação. </font><br> <font>7. Mas sobre o Despacho Saneador "Formal" relativamente ao qual "esqueceu-se" de interpor o competente recurso de Agravo. </font><br> <font>8. Não pode o recorrente, nas suas alegações de Apelação, atacar o Douto Despacho Saneador "Formal" que ordenou o prosseguimento dos autos quanto a si, pois o mesmo não se pronunciou quanto ao mérito da questão, nem conheceu do pedido. </font><br> <font>9. 0correu assim, o trânsito em julgado do Despacho Saneador "Formal" que ordenou o prosseguindo da acção quanto ao réu Fundo de Garantia Automóvel. </font><br> <font>10. Razões pelas quais, não podem ser admitidas as referidas alegações de recurso, devendo o mesmo recurso ser julgado deserto, ou quando assim não se entender, deverão as mesmas ser consideradas manifestamente improcedentes. </font><br> <br> <font>11. Conforme estabelece o art. 303. ° do Código Civil: "O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição: esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (…)". </font><br> <font> 12. O Réu Fundo, nunca invocou a excepção peremptória da prescrição do direito indemnizatório do Autor. </font><br> <font>13. Nem na fase extrajudicial, nem na fase própria para o efeito - ­Contestação. </font><br> <font>14. O próprio Fundo de Garantia Automóvel nos arts. 3°. 14° e 19º da sua Douta Contestação refere que o embate dos autos deveria ser analisado à luz das regras atinentes à Responsabilidade Objectiva. </font><br> <font>15. Razão pela qual o réu recorrido não poderia invocar a prescrição no seu primeiro recurso de apelação, quando nunca a invocou, quer judicial ou extrajudicialmente, nem sequer no articulado por excelência para o fazer, ou seja, na sua contestação. </font><br> <br> <br> <font>16. O Réu sempre reconheceu o direito indemnizatório do Autor e operante o Autor. </font><br> <font>17. A prescrição do direito indemnizatório do Autor foi interrompida em relação ao réu Fundo de Garantia Automóvel (art. 325º do C.C.), na medida em o mesmo sempre reconheceu o direito indemnizatório do Autor, conforme o alegado nos artigos 137°. 138°. 139°. 140°. 141°. 142° e 143° da P.I. do Autor. </font><br> <font>18. Factos esses que foram admitidos por acordo pelo ora recorrente na sua contestação e nessa medida levados aos itens J), L), M), N), O) e P) da matéria dada como assente no Douto Despacho Saneador e constantes dos itens n.ºs 16. 17. 18. 19.20° e 21 da Douta Sentença. </font><br> <font>19. Existiram assim, contrariamente ao alegado no Douto acórdão recorrido, vários factos interruptivos do prazo prescricional do direito indemnizatório do Autor.</font><br> <font>20. E mesmo depois de o Autor demandar o Réu FGA - só quase oito anos após o sinistro - o Réu, mais uma vez, nos arts. 3°, 14° e 19 da sua Douta Contestação, refere que o embate dos autos deveria ser analisado à luz das regras atinentes à Responsabilidade Objectiva. </font><br> <font>21. Ou seja, mais uma vez, o próprio Réu-recorrido reconheceu judicialmente o direito indemnizatório do Autor.</font><br> <font>22. O Autor nunca esteve inactivo, nunca se desleixou, nem se desinteressou pela protecção dos seus direitos. </font><br> <br> <font>23. É o ilegítimo, imoral e constitui um ABUSO DE DIREITO, o facto do o réu FGA vir apenas no seu primeiro recurso de apelação invocar a excepção peremptória da prescrição do direito indemnizatório do Autor.</font><br> <font>Quando nunca a invocou nem na fase extrajudicial, nem na fase própria para o feito – Contestação.</font><br> <br> <font>O Recorrido FGA respondeu em defesa da manutenção do julgado.</font><br> <br> <font>2. - Propostas, nas conclusões do recurso, estas </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br> <br> <font>- Extinção, por deserção, do recurso de apelação, pelo trânsito em julgado da decisão impugnada;</font><br> <font>- Extinção da obrigação de indemnização do Fundo de Garantia Automóvel, por declaração definitiva da extinção da dos responsáveis civis;</font><br> <font>- Interrupção da prescrição relativamente à obrigação do FGA;</font><br> <font>- Abuso de direito do FGA.</font><br> <br> <br> <font>3. - A decisão recorrida assenta nos seguintes </font><b><font>elementos</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>:</font><br> <br> <font>- O acidente a que os autos se referem ocorreu em 11 de Janeiro de 1996 e a acção foi instaurada em 9 de Outubro de 2003;</font><br> <font>- No despacho saneador-sentença foi decidido, com trânsito em julgado, que o direito do Autor-recorrente prescreveu relativamente a </font><i><font>todos os responsáveis civis</font></i><font>; </font><br> <font>- Deu-se como assente em tal decisão a inexistência de facto suspensivo ou interruptivo do prazo prescricional.</font><br> <br> <font>4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font>4. 1. – Trânsito em julgado da decisão e deserção do recurso.</font><br> <br> <font>O Recorrente dedica a primeira dezena das conclusões do recurso defesa à construção de uma tese segundo a qual “não podem ser admitidas as alegações de recurso, devendo o mesmo ser julgado deserto”, pois que ocorreu o trânsito em julgado do despacho saneador “formal” que ordenou o prosseguimento da acção apenas contra o FGA.</font><br> <br> <font>Trata-se de reposição de questão já colocada nas contra-alegações do recurso de apelação e que só com referência a tal recurso poderia ter cabimento.</font><br> <br> <font>O acórdão impugnado enunciou-a, mas não lhe atribuiu relevância, apreciando as questões propostas pelo Recorrente FGA, designadamente a da nulidade do despacho saneador e do benefício da invocação da prescrição pelos Co-Réus.</font><br> <br> <font>Não imputando, como não imputa, o Recorrente o vício de omissão de pronúncia ao acórdão que apreciou o objecto do recurso sem proceder a expressa apreciação e decisão sobre essa questão prévia, vedado está a este Tribunal, que ora tem sob censura o acórdão da Relação – cujas nulidades não são de conhecimento oficioso - e não já a decisão da 1ª Instância e as vicissitudes relativas à espécie de recurso e fixação e conhecimento do respectivo objecto, matérias cuja pronúncia é deferida ao relator e à conferência, cabendo recurso da sua deliberação, quando seja caso disso – arts. 701º, 702º, 704º, 700º-1-e), 3 e 5 e 716º-1 e 668º-2 e 3.</font><br> <br> <font>De qualquer modo, porque se alega a formação de um caso julgado, sempre se dirá que o R. Fundo não deixou de impugnar o despacho saneador “formal”, reclamando a sua absolvição de instância, por ilegitimidade, por preterição do litisconsórcio necessário, matéria que qualificou como omissão de pronúncia, mas que entroncava, justamente, na impossibilidade de o processo prosseguir apenas contra si em consequência da absolvição dos demais RR. com fundamento na prescrição, excepção cuja aplicabilidade reclamou também para si.</font><br> <font>Assim e se bem vemos, as questões são indissociáveis, só se podendo falar de preterição de litisconsórcio quando se rejeite o entendimento de que se pode ser demandado singularmente, assim como reclamar a aplicação imediata da causa extintiva da prescrição é o mesmo que dizer que o processo não pode prosseguir e que, se tal suceder, há ilegitimidade e violação do direito substantivo.</font><br> <font>No caso, na ordem lógica, e bem, o Tribunal julgou as Partes, então em litisconsórcio, legítimas e depois conheceu da excepção peremptória. Só que, por virtude da procedência da excepção, resultariam, na óptica do FGA, duas consequências: - a sua ilegitimidade, agora surgida por via da norma do n.º 6 do art. 29º do DL n.º 522/85, de 31/12, - e a extinção do direito também quanto a si, por beneficiar da decisão que declarou a extinção da obrigação de indemnização dos responsáveis civis, fundada na procedência da excepção da prescrição. </font><br> <font>Numa palavra, o exercício de “divisão” do saneador em “formal” e “sentença”, surgindo como meramente artificioso, não só não interfere com os efeitos de qualquer julgado, violando-o, como desconsidera o disposto no n.º 2 do art. 684º CPC. </font><br> <br> <font>4. 2. - Extinção da obrigação do Fundo de Garantia Automóvel (FGA).</font><br> <br> <font>Coloca-se, então, a questão principal de saber se a declaração de extinção do direito do Autor, por prescrição, relativamente aos responsáveis civis aproveita, nos mesmos termos, ao Fundo de Garantia Automóvel.</font><br> <br> <font>Argumenta o Recorrente que, sendo, em matéria de responsabilidade civil, solidária a obrigação dos vários responsáveis, não tendo o Recorrido FGA invocado a prescrição na contestação, não poderia fazê-lo no recurso de apelação.</font><br> <br> <font>É certo que o R. FGA não alegou na contestação que apresentou a excepção peremptória da prescrição, razão por que, não sendo essa causa de extinção do direito do Autor de conhecimento oficioso, antes dependendo de expressa invocação do devedor que dela queira beneficiar, precludido ficou, com a apresentação definitiva dessa pela processual, o direito de ver extinto o imputado débito indemnizatório, com fundamento nesse meio pessoal de defesa – arts. 489º-1 e 2 CPC e 303ºº C. Civil.</font><br> <br> <font>Só que, como do que já ficou relatado consta, o que realmente está em causa não é a arguição da prescrição pelo Fundo posteriormente ao oferecimento da sua contestação, nomeadamente em fase de recurso, mas o não reconhecimento da extinção da sua eventual obrigação, como mero efeito da extinção da obrigação dos Co-Demandados responsáveis civis, sem necessidade de invocação pessoal da excepção.</font><br> <font>Foi nestes termos que o então Recorrente FGA colocou sob censura do Tribunal da Relação a decisão da 1ª Instância e foi nessa perspectiva que este Tribunal superior apreciou a questão, respondendo que, declarada extinta a obrigação do responsável civil, não pode subsistir a obrigação do FGA, que é uma obrigação de garantia daquela responsabilidade.</font><br> <br> <font>Por isso se enunciou, também agora, a questão a resolver como limitada à repercussão sobre a obrigação do Fundo da invocação, com sucesso, da excepção, como meio de defesa dos responsáveis civis relativamente á sua obrigação de indemnizar.</font><br> <br> <font>A resposta tem de procurar-se partindo da natureza e fins da obrigação do FGA, com assento no respectivo regime legal.</font><br> <font> </font><br> <font>Ao Fundo de Garantia Automóvel incumbe o ressarcimento dos danos resultantes de acidentes, estabelecendo a lei que «</font><i><font>garante</font></i><font> (…) </font><i><font>a satisfação das indemnizações</font></i><font>» por morte ou lesões corporais ou materiais quando o responsável seja desconhecido ou não beneficie de seguro válido e eficaz – art. 21º-2 do DL n.º 522/85 (redacção dos DL 122-A/86 e 130/94).</font><br> <font>Quando, nesses termos, satisfaça a indemnização aos lesados o Fundo fica </font><i><font>sub-rogado</font></i><font> nos direitos destes – art. 25º-1 do mesmo DL.</font><br> <font>Paralelamente, dispõe ainda a “Lei do Seguro Obrigatório” que as acções destinadas à efectivação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, devem obrigatoriamente ser propostas contra o Fundo e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade (art. 29º-6).</font><br> <font>De notar, finalmente, que o novo regime, entretanto introduzido pelo Dec.-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, não operou, no que ao caso em apreciação interessa, alterações relevantes, mantendo o “fim identitário” de garante das indemnizações devidas pelos incumpridores da obrigação de segurar (cfr. arts. 47º, 49º e ss.).</font><br> <br> <font> Temos, assim, convergentemente estabelecido que o FGA garante o cumprimento da obrigação indemnizatória do lesante e que, quando a satisfaça, fica sub-rogado nos direitos do lesado.</font><br> <font>Vale isto por dizer que o Fundo não é um devedor, mas, tão só, um garante do cumprimento das obrigações do responsável civil pela reparação dos danos causados ao lesado. Responderá, consequentemente, em sede subsidiária e não como devedor principal ou directo – que é o violador da obrigação de segurar -, inexistindo entre este e o FGA uma relação de solidariedade passiva (própria). </font><br> <font> Na verdade, a sub-rogação legal traduz-se na substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor, ou seja, a transmissão dum crédito para o terceiro que se substitui ao devedor no cumprimento da obrigação – art. 589º C. Civil.</font><br> <font>O sub-rogado há-de cumprir uma “prestação de terceiro”, como se diz no preceito, o que, no reverso, significa que a sub-rogação tem sempre como pressuposto ser o cumprimento feito por </font><i><font>terceiro</font></i><font> ao credor originário, aqui, ao lesado, não merecendo diferente tratamento o facto de se estar perante uma sub-rogação legal (arts. 25º-1, citado, e 592º-1 C. C.).</font><br> <font>Diversamente se passam as coisas no direito de regresso que, esse sim, tendo por fonte a responsabilidade solidária, faculta ao devedor solidário que tiver satisfeito o pagamento ao credor, além da quota que lhe competia no crédito comum, exigir dos condevedores a parte que a estes competia pagar – art. 524º C.C..</font><br> <font>Enquanto no direito de regresso se está perante um novo crédito, cujo objecto não se identifica com o do crédito extinto, na sub-rogação mantém-se o mesmo direito de crédito em que apenas ocorre transmissão da titularidade.</font><br> <br> <font>Tudo bem distante, pois, da figura de devedor solidário e do regime das obrigações solidárias, nomeadamente quanto seu estatuto prescricional e de regresso entre devedores, com regulação nas normas dos arts. 497º, 521º-1 e 522º-1 C. Civil, a que faz apelo o Recorrente na motivação do seu recurso.</font><br> <font> E tudo a impor, ao invés, a conclusão, já adiantada, segundo a qual o FGA não é devedor solidário, mas, enquanto garante legal da obrigação do responsável civil, mero obrigado subsidiário, isto é, um obrigado ao cumprimento, se o directo devedor o não fizer, que a lei coloca no lugar do credor.</font><br> <br> <font>No mesmo sentido vão as normas específicas de natureza processual (art. 29º-6 cit.) ao imporem o litisconsórcio necessário passivo entre o Fundo e o responsável civil, contrariando as regras próprias do regime de solidariedade – arts. 512º-1 e 517º C. Civil e 27º-2 CPC -, o que só encontra fundamento na natureza subsidiária da obrigação do Fundo e na salvaguarda dos efeitos jurídicos da sub-rogação legal.</font><br> <br> <br> <font>Ora, aqui chegados, crê-se ser incontornável uma segunda conclusão, qual seja que se o titular do direito à indemnização perdeu o direito de a exigir do responsável devedor, isto é, o direito de accionar a obrigação garantida, não se encontra fundamento para que ainda possa ser exercitado o direito consubstanciado pela obrigação de garantia (cfr. neste sentido, o ac. deste Supremo de 06/7/2004 (</font><i><font>ITIJ </font></i><font>– </font><i><font>proc. 04B296</font></i><font>) .</font><br> <font>Com efeito, perante a subsidiariedade da obrigação de garantia, a responsabilidade do garante haverá de aferir-se pela existência e pela medida da obrigação garantida, de sorte que, extinta a obrigação do responsável civil, com ela se extingue a posição de seu garante encabeçada pelo FGA.</font><br> <br> <font>Afloramentos do princípio estão patentes nas normas dos arts. 651º e 653º C. Civil, relativas à fiança, onde expressamente se prevê, como decorrência da natureza acessória da garantia, que a extinção da obrigação principal determina a sua extinção, bem como desoneração dos fiadores na medida em que não lhes for possível ficarem sub-rogados nos direitos do credor, por facto positivo ou negativo deste. </font><br> <br> <font>Do ponto de vista processual, vem ao encontro do regime substantivo, convergindo, a mencionada norma do art. 29º do DL n.º 522/85 ao impedir o prosseguimento da acção contra o Fundo, quando desacompanhado do responsável civil, já que se configura uma situação de ilegitimidade superveniente, por preterição de litisconsórcio necessário passivo.</font><br> <br> <font>4. 3. - Interrupção da prescrição relativamente à obrigação do FGA.</font><br> <br> <font>Coloca ainda o Recorrente a questão da interrupção da prescrição quanto ao Fundo de Garantia Automóvel, por reconhecimento do direito do Autor.</font><br> <br> <font>Está-se, antes de mais, perante uma questão nova, pois que nunca antes foi suscitada no processo ou objecto de apreciação do julgador, pelo que, perante o nosso sistema de recursos, visando a reapreciação das questões examinadas e a sua modificação, que não a renovação da causa com decisões sobre matéria nova – art. 676º CPC -, não sendo matéria de conhecimento oficioso, se encontra vedado o respectivo conhecimento.</font><br> <br> <font>De qualquer modo, como do anteriormente exposto flui, a questão seria de todo irrelevante ou estaria prejudicada, pois que o que interessa ao objecto do recurso e da causa é saber se a extinção da obrigação dos responsáveis civis, por decisão transitada em julgado, aproveita ou não ao FGA, fosse, como foi, com fundamento na prescrição, ou fosse com outro fundamento. A agora invocada interrupção da prescrição, enquanto fundamento da extinção do direito e suas consequências relativamente ao Fundo, é problema indiferente à solução encontrada, já que, com ou sem interrupção, a questão e sua apreciação pôr-se-iam do mesmo modo. </font><br> <br> <font>Consequentemente, por ausência de fundamento, não se conhece da suscitada questão da interrupção da prescrição.</font><br> <br> <font>4. 4. - Abuso de direito.</font><br> <br> <font>Finalmente, ainda </font><i><font>ex-novo</font></i><font>, o Recorrente argúi a excepção peremptória do abuso de direito - esta de conhecimento oficioso, logo subtraída à proibição de conhecimento - a pretexto de o R. Fundo ter invocado a excepção da prescrição no recurso de apelação, tendo antes agido sempre em termos de reconhecimento do direito do Autor.</font><br> <font>Ao assim actuar, o FGA teria exercido ilegitimamente o seu direito à luz do comando do art. 334º C. Civil.</font><br> <br> <font>Como já se deixou dito nesta peça, a propósito da enunciação do objecto do recurso e identificação e delimitação das questões a apreciar, não está em causa a arguição da prescrição pelo Fundo posteriormente ao oferecimento da sua contestação, nomeadamente em fase de recurso, mas o não reconhecimento da extinção da sua eventual obrigação, como mero efeito da extinção da obrigação dos Co-Demandados responsáveis civis, sem necessidade de invocação pessoal da excepção, pois que foi nesses termos que o então Recorrente FGA colocou sob censura do Tribunal da Relação a decisão da 1ª Instância e foi nessa perspectiva que este Tribunal superior apreciou a questão, respondendo que, declarada extinta a obrigação do responsável civil, não pode subsistir a obrigação do FGA, que é uma obrigação de garantia daquela responsabilidade.</font><br> <br> <font> Aqui se reitera que nas conclusões da apelação o FGA arguiu a nulidade da decisão por não o ter absolvido da instância em consequência da absolvição do pedido dos demais RR. e invocou a sua qualidade de garante da obrigação de indemnizar como causa da extinção da sua obrigação “quando se extingue a obrigação principal, por prescrição, não sendo necessário que esta seja invocada”.</font><br> <br> <font> É, assim, manifesta a ausência do fundamento de que o Recorrente lança mão para invocar o abuso de direito.</font><br> <font> Na verdade, o Recorrido Fundo não só não pediu a declaração de extinção do seu direito mediante invocação da prescrição como, fundando a sua pretensão na preterição do litisconsórcio necessário e na extinção da obrigação que garantia, deixou dito que, para tal, não era necessária a invocação da prescrição, invocação que reconheceu não ter feito e não lhe poder, por isso, directamente aproveitar.</font><br> <br> <font>Não se vislumbra, de qualquer forma, actuação ilícita do Recorrido que, integrável na previsão do art. 334º C. Civil, deva conduzir à paralisação do direito que, visando a extinção da sua obrigação - mas não sendo, como infundadamente imputado, a prescrição do direito do Autor que não excepcionou na contestação -, invocou e lhe vem reconhecido </font><br> <font>Improcede, consequentemente, a excepção.</font><br> <br> <font>5. - Decisão.</font><br> <br> <font>Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font>- Negar a revista, com o âmbito com que foi admitida no despacho do relator (fls. 765);</font><br> <font>- Confirmar a decisão impugnada; e,</font><br> <font>- Condenar o Recorrente nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 23 Setembro 2008 </font><br> <br> <font> Alves Velho (relator)</font><br> <font> Moreira Camilo</font><br> <font> Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - “AA, S.A.”, intentou acção declarativa contra BB e mulher, CC, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 14.633,36, acrescida de € 1.971,63 de juros vencidos e de € 78,87 de imposto de selo, bem como no pagamento de juros vincendos, à taxa anual de 19,83% e imposto de selo sobre os mesmos.</font><br> <font> </font><br> <font>Alegou que, no exercício da sua actividade comercial e, segundo informação do Réu, com vista à aquisição de um veículo automóvel, lhe concedeu àquele um crédito directo sob a forma de mútuo, tendo-lhe emprestado € 13.375,00, quantia que, com os respectivos juros deveria ser paga em 72 prestações mensais e sucessivas, tendo também ficado acordado que a falta de pagamento de qualquer das prestações importava o vencimento antecipado de todas as demais. O R. não pagou a 24ª prestação, vencida a primeira em 24 de Março de 2006, e as seguintes.</font><br> <font>Mais alegou que «o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos RR., - atento até o veículo se destinar ao património comum do casal dos RR. -, pelo que a ré CC é solidariamente responsável com o co-réu, seu marido, pelo pagamento das importâncias referidas».</font><br> <br> <font>Citados nas suas pessoas, os réus não contestaram.</font><br> <br> <font>A Autora foi convidada a complementar a exposição de facto com a alegação do casamento entre ambos os réus, a data desse facto e o regime de bens aplicável, bem como a juntar a certidão do assento desse acto, convite que a A. declarou expressamente não aceitar.</font><br> <br> <font> Declarados confessados os factos articulados pela A., foi proferida sentença em que se julgou a acção procedente quanto aos pedidos formulados contra o Réu e improcedente relativamente à Ré.</font><br> <br> <font> A Autora apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.</font><br> <br> <br> <font> A A. pede ainda revista para pedir a revogação do acórdão e a condenação da Ré no pedido formulado, argumentando com as seguintes conclusões: </font><br> <font>1. </font><i><font>Entendeu-se, na sentença que confirmada foi pelo acórdão recorrido o Senhor Juiz a quo errou ao julgar a presente acção improcedente e não provada quanto à R. mulher, ora recorrida, com fundamento na falta de demonstração do casamento dos recorridos RR., atento o A. não ter junto aos autos certidão de casamento dos mesmos e, assim, na falta de demonstração do proveito comum do casal dos RR., ora recorridos, apesar de ter dado como provado nos autos que o contrato foi assinado.</font></i><br> <font>2.</font><i><font> Os RR., ora recorridos, apesar de pessoal e regularmente citados, não apresentarem contestação, nem deduziram qualquer oposição, nem ninguém o fez por eles, designadamente não impugnaram que fossem casados entre si, nem impugnaram sequer o facto de o empréstimo concedido pela A. ao R. marido, ora recorrido, tenha revertido em proveito comum do casal formado pelos ditos RR., </font></i><b><i><u><font>aliás, a dita R. mulher assinou juntamente com o R. seu marido o contrato de mútuo dos autos, pelo que deu o seu consentimento nos termos da alínea a) do artigo 1691º do Código Civil</font></u></i></b><i><font>.</font></i><br> <font>3</font><i><font>. Acresce que, na presente acção não se está perante direitos indisponíveis, pelo que a vontade das partes é plenamente eficaz para produzir os efeitos jurídicos que pela acção se pretendem obter, sem necessidade da junção de certidão para prova do casamento dos mesmos, razão pela qual a R. mulher, ora recorrida, deveria ter sido condenada, solidariamente com o R., seu marido e também recorrido, no pedido.</font></i><br> <font>4</font><i><font>. </font></i><b><i><u><font>“O documento autêntico só é mesmo necessário para a prova do casamento nas acções de estado e não naquelas em que o casamento não representa propriamente o «thema decidendum», desde que não haja disputa das partes sobre a sua existência.”</font></u></i></b><br> <font>5</font><i><font>. É, pois, legalmente admissível a prova do casamento dos RR. por confissão, nos termos e de harmonia com o disposto nos artigos 1º, n.º 1, alínea d), 4º e 211º do Código do Registo Civil, e do artigo 784º do Código de Processo Civil.</font></i><br> <font>6</font><i><font>. Por outro lado, no artigo 17º da petição inicial, a A. invocou expressamente que: </font></i><b><i><u><font>“O empréstimo referido reverteu em proveito comum do casal comum do casal dos RR. (...) e atento até o disposto no artigo 1691º,alínea a) do Código Civil, porquanto a R. mulher deu o seu consentimento ao empréstimo dos autos tendo para o efeito assinado o contrato que titula o mesmo.”</font></u></i></b><br> <font>7</font><i><font>. Os recorridos, não impugnaram também o facto de o empréstimo concedido pela A. na acção, ora recorrente, ao ora recorrido marido ter revertido em proveito comum do casal, pelo que tal matéria de facto se encontra provada, face ao preceito do artigo 784º do Código de Processo Civil.</font></i><br> <font>8</font><i><font>. A falta de contestação pelos RR, ora recorridos, implica a confissão dos factos articulados pela autora, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 784º, do Código de Processo Civil.</font></i><br> <font>9</font><i><font>. A recorrida R. mulher é, na verdade, solidariamente responsável pelo pagamento da importância reclamada nos presentes autos, atento a importância mutuada ter revertido para o património comum do casal formado pelos recorridos RR. - atenta a aquisição de veículo automóvel-, como ressalta da matéria invocada no artigo 17º da petição inicial que, por não impugnada, se tem de considerar confessada.</font></i><br> <font>10</font><i><font>. Na sentença recorrida o Senhor Juiz a quo ao absolver do pedido a recorrida mulher, com fundamento na não demonstração do casamento dos RR, ora recorridos e do proveito comum, violou o disposto no artigo 784º do Código de Processo Civil, e no artigo 1691º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código Civil.</font></i><br> <br> <font> Não houve resposta.</font><br> <br> <br> <font> </font><br> <br> <font> 2. - Das transcritas conclusões, emerge a colocação, para resolução, das seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br> <br> <font> - Se deve ter-se como provado o casamento dos RR. um com o outro; e, </font><br> <font> - Se deve ter-se por demonstrado o proveito comum do casal, </font><br> <br> <font>- tudo para efeitos de responsabilização da Ré pela dívida do Réu-marido.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> 3. - Vem assente em sede de </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>:</font><br> <font> </font><br> <font>- O autor no exercício da sua actividade comercial e com destino, segundo informação então prestada pelo réu, à aquisição de um veículo automóvel de marca “Seat”, modelo “Toledo 1.6 Confort”, com a matrícula ..-..-.. por acordo reduzido a escrito datado 1 de Março de 2004, junto a fls.10 e 11 e que aqui se dá por reproduzido, emprestou ao réu a importância de Euros 13.375.</font><br> <font>- A referida importância foi emprestada com juros à taxa nominal de 15,83% ao ano, devendo a mesma, os juros, o imposto de selo e o prémio de seguro de vida serem pagos, nos termos acordados, na sede do autor, em 72 prestações mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 20 de Abril de 2004 e as seguintes nos dias 20 dos meses subsequentes.</font><br> <font>- Conforme acordado, a importância de cada uma das prestações deveria ser paga – conforme ordem irrevogável logo dada pelo réu para o seu Banco – mediante transferências bancárias a efectuar aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações para conta bancária indicada pelo autor, sediada em Lisboa.</font><br> <font>- Conforme também acordado, a falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais.</font><br> <font>- Mais foi acordado entre o autor e o réu que em caso de mora sobre o montante em débito, acrescia, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro ajustada (15,83%) acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, juros à taxa anual de 19,83%.</font><br> <font>- O réu não pagou a 24ª prestação e seguintes, tendo aquela primeira se vencido em 20 de Março de 2006, não tendo providenciado as transferências necessárias a esse pagamento.</font><br> <font>- O valor de cada uma das prestações era de Euros 298,64.</font><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - A Recorrente dedica as seis primeiras conclusões do recurso à questão da dispensa da apresentação do documento previsto no Cód. de Registo Civil para prova do casamento, defendendo a sua desnecessidade em acções em que, como esta, o estado civil não represente o “</font><i><font>thema</font></i><font> </font><i><font>decidendum</font></i><font>”.</font><br> <br> <font> Ora, embora a decisão da 1ª Instância tenha sido proferida em sentido divergente da posição sustentada pela Recorrente, certo é que a Relação se afastou desse entendimento, considerando o facto como provado, como claramente fez constar do acórdão (fls 5 desta peça e fls. 90 dos autos).</font><br> <br> <font> Carece, assim, o recurso de objecto, quanto a esta questão, já definitivamente decidida em termos favoráveis à Recorrente, que, de resto, quanto à mesma, não sendo vencida, carece de legitimidade para a impugnar (art. 680º-1 CPC). </font><br> <br> <br> <font> 4. 2. - Resta, pois, a questão do proveito comum e consequente responsabilidade da Ré.</font><br> <br> <br> <font> 4. 2. 1. - Antes de mais, importa notar que, tendo a Recorrente feito constar da conclusão 3., aliás </font><i><font>ex novo,</font></i><font> que “</font><u><font>a dita R. mulher assinou juntamente com o R. seu marido o contrato de mútuo dos autos, pelo que deu o seu consentimento nos termos da al. a) do art. 1691º do Código Civil”</font></u><font>, se está perante declaração completamente infundada, ou seja, falsa, pois que nenhuma outra assinatura é visível nos documentos 1 e 2 (“contrato de mútuo” e “autorização de débito”) que não sejam as atribuídas ao Réu BB, que nem sequer aparece identificado como casado, e ao representante da Autora.</font><br> <br> <font> Acredita-se que a falsa afirmação só agora trazida ao processo não seja dolosa.</font><br> <br> <font> 4. 2. 2. - Isto posto, vejamos, então se deve haver-se como demonstrado o alegado proveito comum.</font><br> <br> <font> Esta Conferência foi já, mais que uma vez, chamada a tomar posição sobre a questão em recursos interpostos pela ora Recorrente.</font><br> <font> Fê-lo em consonância com o que vem decidido no acórdão impugnado, que, por sua vez, vai na linha do que se crê ser jurisprudência constante deste Supremo Tribunal.</font><br> <br> <font> Bem poderia, por isso, lançando mão da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 713º do CPC, remeter-se para os termos do acórdão recorrido.</font><br> <font> </font><br> <font> Porém, na medida em que, mercê da modificação argumentativa operada da apelação para a revista, nos parece dever acrescentar algo ao que vem doutamente expendido, vai, com ligeiras alterações, reproduzir-se o que já se escreveu no acórdão de 27/01/04 (proc. n.º 4175/03-1) e, mais recentemente, no de 16/10/2008 (proc. n.º 343/08-1), seja porque as razões de discordância invocadas pela Recorrente são completamente sobreponíveis às já vertidas naqueles recursos, seja por também não se ter alterado o entendimento sobre a solução da questão.</font><br> <br> <font>São da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração, dispõe-se no art. 1691.º-1-c) do C- Civil.</font><br> <br> <font>O núcleo da argumentação da Recorrente assenta na tese de constituir matéria de facto a afirmação de o empréstimo feito ao R. ter revertido em proveito comum do casal formado por ambos os RR., matéria de facto que se encontra provada por confissão (art. 484.º-1 CPC).</font><br> <br> <font>Saber se uma determinada dívida, contraída por um dos cônjuges, foi contraída em proveito comum do casal significa averiguar se o dinheiro ou os bens em cuja aquisição foi aplicado se destinaram a satisfazer interesses comuns do casal.</font><br> <font>Assim, como explica Pereira Coelho (" </font><i><font>Curso de Direito de Família</font></i><font>", 1977, 348-349), o proveito comum afere-se, não pelo resultado, mas pela aplicação da dívida, pelo fim visado pelo devedor, devendo essa finalidade de beneficiar o casal ser apreciada também objectivamente, tendo em conta os interesses dos cônjuges e da família.</font><br> <font>Bem se compreende, pois, que se venha afirmando que a questão de apurar do proveito comum se apresente como uma questão mista ou complexa envolvendo uma questão de facto e outra de direito. </font><br> <font>A primeira consiste em averiguar o destino dado ao dinheiro representado pela dívida; a segunda, é de valoração sobre se, perante o destino apurado, a dívida foi contraída em proveito comum, preenchendo o conceito legal.</font><br> <font>A expressão legal "proveito comum" traduz-se, então, num conceito de natureza jurídica a preencher através dos factos materiais indicadores daquele destino, a alegar na petição inicial.</font><br> <font>Trata-se de proceder à qualificação da dívida, necessariamente através do preenchimento do conceito da lei pelos factos, ou por aplicação aquela a estes, o que compreende questão de direito (neste sentido, os acs. deste Supremo de 29/10/98; 14/3/2000; 19/3/00; 14/1/003; 6/2/03; 5/7/005, 12/7/005; 7/12/005; 21/11/06 e 22/3/007, entre muitos outros).</font><br> <br> <font>E, assim sendo, não se trata de matéria de facto passível de ser adquirida pela confissão ficta prevista no invocado art. 484.º-1 CPC.</font><br> <br> <br> <font>Também de nada vale a alegação de que o automóvel se destinou ao património comum do casal.</font><br> <font>O problema é o mesmo: o conceito de património comum é jurídico, desde logo porque anda associado ao conhecimento da data do casamento e respectivo regime de bens, sabido que é que só se pode falar em bens comuns sendo o casamento no regime da comunhão geral ou, sendo o da comunhão de adquiridos, após a celebração do contrato, não dispensando o silogismo judiciário e o recurso a actividade interpretativa (arts. 1722.º a 1732.º C. Civil).</font><br> <font>Por isso que, como se ponderou no ac. de 07/12/2005, se deva reputar insuficiente a mera prova de que o mútuo foi celebrado para aquisição de um veículo automóvel, a qual não permite aferir da concreta utilização do veículo em favor do interesse familiar, nem qualificar juridicamente a dívida, por conseguinte, como contraída em proveito comum do casal.</font><br> <br> <font>Mais duas notas, a terminar:</font><br> <br> <font>A primeira, para referir que o proveito comum não se presume, excepto nos casos em que a lei o declarar - art. 1691.º-3</font><br> <font> </font><br> <font>A segunda, para acrescentar que, continuando a aceitar que os RR. sejam casados um com o outro, esbarrar-se-á sempre com a falta dos pressupostos que a lei exige para a responsabilidade de ambos os cônjuges por dívidas contraídas por um deles ao abrigo da al. c) do art. 1691.º-1.</font><br> <font>Com efeito, diversamente do que sucede nos casos contemplados nas alíneas b) e d), em que, verificado o restante circunstancialismo nelas previsto, a dívida geradora da responsabilidade comum pode ser contraída por qualquer dos cônjuges, no caso que nos ocupa, tal só pode suceder se a dívida for contraída </font><u><font>na constância do matrimónio</font></u><font> e </font><u><font>pelo cônjuge administrador</font></u><font> o que tudo terá de passar, como é óbvio, pelo conhecimento de que o casamento é anterior à contracção da dívida e que, pelo menos, vigora regime diferente do da separação de bens (arts. 1678.º, 1690.º-2 e 1695.º-2, todos do C. Civil), tudo omitido na petição inicial.</font><br> <br> <br> <font>Em suma, a A. omitiu o ónus de alegar, para provar, os factos de que pudesse concluir-se pelo "proveito comum", enquanto pressuposto constitutivo da responsabilização de ambos os cônjuges, incumprimento que determina a improcedência da sua pretensão.</font><br> <br> <font>O acórdão impugnado não merece censura.</font><br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font>Pelo exposto, acorda-se em: </font><br> <font>- Negar a revista;</font><br> <font>- Confirmar a decisão impugnada; e,</font><br> <font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 11 de Novembro 2008</font><br> <br> <font>Alves Velho (Relator) </font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - “AA, Ld.ª instaurou contra “BB S.L.”, acção declarativa condenatória, reclamando o pagamento de € 67.458,34, com juros moratórios desde a data da citação.</font><br> <font>Para o efeito alegou, em síntese, que no exercício da sua actividade a Autora comprou à Ré pesticida destinado à monda química do tomate. Todavia, o produto que lhe veio a ser entregue a não correspondia ao produto que havia comprado, que também se encontrava referenciado no rótulo da respectiva embalagem e, ao ser aplicado na plantação de tomate, veio a destruí-la, o que lhe causou o prejuízo total de € 67.458,34.</font><br> <br> <font>Contestando, a Ré declinou qualquer tipo de responsabilidade no sucedido, a qual atribuiu “ao produtor ou, eventualmente, ao comerciante de quem a R. adquiriu ou outro conforme se vier a apurar”.</font><br> <br> <font>A final a acção foi julgada improcedente a acção, absolvendo-se a ré do pedido, decisão que a Relação confirmou.</font><br> <br> <font>A Autora pede ainda revista para, mediante a revogação do acórdão, insistir na procedência total da acção, a coberto das conclusões seguintes: </font><br> <font> a) Verifica-se omissão de pronúncia quanto às questões contidas nas conclusões das alegações de recurso da sentença, o que constitui nulidade do acórdão;</font><br> <font> b) O comerciante tem o dever de garantir as qualidades do produto que vende, sendo responsável pelos prejuízos decorrentes da não conformidade entre o produto que o comprador pretendeu adquirir e aquele que lhe foi entregue na hipótese de o produto entregue ser outro (</font><i><font>aliud pro alio)</font></i><font>;</font><br> <font>c) Num contrato de compra e venda quando o comprador paga o preço e o vendedor/comerciante entrega ao comprador outra coisa que não aquela que o comprador queria adquirir e que o vendedor bem sabia a que é que a mesma se destinava, há incumprimento definitivo da sua parte;</font><br> <font>d) Sobre o vendedor impendia o ónus de alegar e provar que não agiu com culpa, e como nada alegou a presunção de culpa mantém-se;</font><br> <font>e) Em caso de conflito de interesses entre vendedor e comprador nas hipóteses em questão, só o interesse do comprador deve merecer protecção e não subordinado ao interesse do vendedor, já que é este quem tem a organização, sabe o que comprou e a quem comprou e criou os riscos, riscos estes que são próprios da actividade comercial;</font><br> <font>f) O recorrente ignora em absoluto a anterior cadeia comercial que levou o produto até à Ré, não podendo demandar quem não conhece;</font><br> <font>g) O recorrente é um verdadeiro ofendido face ao princípio da boa fé que impõe o respeito pela confiança de actuação do outro contraente;</font><br> <font>h) Foram violados os arts. 668º-1-d) CPC e 762º-2 e 799º, ambos do C.C.</font><br> <br> <font>A Recorrida ofereceu resposta defendendo a manutenção do julgado.</font><br> <br> <font>2. - Perante as conclusões formuladas pela Recorrente, vêm propostas as questões de saber: </font><br> <font>- Se o acórdão impugnado é nulo por omissão de pronúncia; e,</font><br> <font>- Se, por não realização da prestação devida, há incumprimento contratual definitivo imputável à Recorrida-vendedora, com a consequente obrigação de indemnizar.</font><br> <br> <font>3. - Encontra-se assente, desde a 1.ª Instância, a seguinte factualidade:</font><br> <font>- A A. é uma sociedade agrícola de grupo cujo objecto social é a produção de géneros agrícolas, nomeadamente tomates, milho e outros géneros hortícolas – pimento, brócolos – produtos este que cultiva e comercializa.</font><br> <font>- A A. exerce tal actividade em Torres Novas, Golegã, Chamusca e Santarém, em terras suas e arrendadas .</font><br> <font>- Para as culturas a que procede necessita de adquirir bens, nomeadamente sementes, fertilizantes, pesticidas e herbicidas .</font><br> <font>- A A. resolveu plantar tomate em duas propriedades da freguesia de Azinhaga, concelho da Golegã, sendo uma com a área de 8,5 ha e a outra com a área de 4,5 ha., tendo preparado o terreno – lavra, fertilização, fresagem, gradagem e abertura de regos – procedeu à plantação dos tomateiros no início do mês de Abril do ano de 2004.</font><br> <font>- Tal como acontecera em anos anteriores, havia necessidade de proceder à acostumada monda química do tomate – matar as ervas daninhas do tomate - e adquirir um produto químico para aquele efeito, denominado TITUS (EU) (0,100KG) (Rimsulfuron 25%) conforme é vendido em carteiras de 0,100 kg.</font><br> <font>- Tal pesticida é bem conhecido dos agricultores e conhecida a sua eficácia e sempre foi usado para aquele efeito pela autora em anos anteriores em iguais circunstâncias e modos de aplicação.</font><br> <font>- Já em anos anteriores sempre a Autora o adquiriu à Ré.</font><br> <font>- O produto – pesticida denominado TITUS (EU) (0,100KG) Rimsulfüron 25% – é vendido em recipientes plásticos de cor amarela que se apresentam fechados, tendo a autora adquirido 10 embalagens de 0,100Kg ao preço unitário de € 70,50 cada, em 15-04-2004, e despendido na compra a importância global de € 705,00;</font><br> <font>- Tal pesticida foi entregue pela R. à A. na sede desta, em Torres Novas;</font><br> <font>- A A. aplicou aquele pesticida – dissolvido em água e pulverizado – naquelas duas propriedades, em 22-04-2004, na cultura de tomate, que havia plantado.</font><br> <font>- Como consequência imediata da aplicação daquele pesticida, as plantas (tomateiros), em menos de um mês, pereceram todas.</font><br> <font>- Apenas escassas plantas não pulverizadas não morreram.</font><br> <font>- O produto comprado não era TITUS Rimsulfuron 25% – tal como se apresentava no rótulo das embalagens, mas sim Metsulforum 20%, que se utiliza como herbicida de trigo, cevada, arroz e pastagens.</font><br> <font>- Tal produto vendido pela R. à A., é comercializado na União Europeia com os nomes de GROPPER e de ALLY.</font><br> <font>- Cada hectare, naquela zona, produz em média, 80.000 kg. de tomate.</font><br> <font>- O preço de venda do kg de tomate previsto para esse ano (2004) não é inferior a 17$00/kg.</font><br> <font>- A A. sofreu um prejuízo efectivo de 13$00/kg, uma vez descontado o preço da apanha, transporte e alguma rega.</font><br> <font>- A R. havia adquirido o produto TITUS, posteriormente revendido à A., à firma “Du Pont TM Ibérica S.L.”, proprietária daquela marca.</font><br> <br> <font>3. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font>3. 1. - Nulidade do acórdão.</font><br> <br> <font>A Recorrente imputa ao acórdão impugnado a nulidade de omissão de pronúncia, vício que funda em ter formulado cinco conclusões na alegação do recurso de apelação que não terão sido objecto de resposta na sentença a que o acórdão recorrido se limitou a aderir.</font><br> <br> <font>A omissão de pronúncia ocorre quando o julgador deixa de apreciar qualquer questão suscitada, em violação do disposto no art. 660º-2 CPC.</font><br> <br> <font>A Recorrente formulou, como diz, cinco conclusões em que sustenta a existência de presunção de culpa da Recorrida e consequente da responsabilidade desta por incumprimento, por ter vendido coisa diversa da devida.</font><br> <br> <font>O acórdão, por remissão, aderiu à fundamentação e decisão da 1.ª instância, invocando o disposto no n.º 5 do art. 713º CPC, acrescentando ser o caso de responsabilidade do produtor, depois de enunciar a questão a apreciar e decidir como sendo a de saber se a Ré deve ser responsabilizada pelos prejuízos reclamados.</font><br> <br> <font>Em acórdão de 11/7/2006, no processo n.º 1865/06-1, desta conferência, ensaiando encontrar um critério de determinação da omissão de pronúncia nas decisões por remissão escreveu-se: “O uso da faculdade prevista no n.º 5 do art. 713º, “visando fundamentalmente simplificar e aligeirar a estrutura formal dos acórdãos”, não pode dispensar um </font><i><font>quid </font></i><font>mínimo que é concretizado e delimitado pelo seu n.º 2.</font><br> <font> Como aí se diz, as questões têm de ser sempre sucintamente enunciadas, podendo depois, ao abrigo do n.º 5, ser dispensada a fundamentação na medida em que o tribunal superior concorde e adira aos fundamentos utilizados na decisão recorrida para resolução da questão enunciada, para eles remetendo. </font><br> <font>É necessário que se faça constar do acórdão que foi proposta uma determinada questão e os termos em que o foi, só depois se dispensando o tribunal </font><i><font>ad quem</font></i><font> de repetir a fundamentação já utilizada pelo tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font>, para que se possa sustentar ter havido efectiva pronúncia sobre essa parte impugnada da decisão, sob pena de a remissão ser feita para os fundamentos de questão alguma, em concreto”.</font><br> <font> </font><br> <font> Assim, face ao conteúdo da peça impugnada, há-de poder aferir-se se a Relação reapreciou essa questão, como lhe foi pedido pelos Recorrentes. Quando tal não decorra da peça impugnada, a omissão existe.</font><br> <br> <font>No caso, embora a questão fosse mais especificamente a da imputação do incumprimento, por culpa presumida, não deixava de ser, mais abrangentemente, de responsabilidade, sendo inegável que, diferentemente do que ora alega a Recorrente, as questões suscitadas na apelação – que também não identifica - haviam merecido fundamentada e total resposta na sentença, pois que se circunscrevera claramente a solução do litígio ao regime geral do incumprimento contratual, em que vigora a regra da culpa presumida, a qual, porém, se teve por excepcionalmente afastada face à especial natureza da coisa vendida.</font><br> <br> <font>Não pode, pois, afirmar-se que, mediante adesão à fundamentação e decisão da 1.ª instância, não tenha sido dada resposta ao contido nas conclusões da apelação, as quais, em boa verdade, nada acrescentaram aos termos em que a solução jurídica fora apresentada na sentença, antes se limitando a dela discordar, nomeadamente e apenas quanto à ilisão da presunção de culpa que a sentença, fundamentadamente, tivera por verificada.</font><br> <br> <font>Não ocorre, consequentemente, a arguida nulidade. </font><br> <br> <font>3. 2. - Incumprimento da Ré. Imputabilidade e suas consequências.</font><br> <br> <font>Na sentença, que, como dito, o acórdão recorrido confirmou por remissão, embora acrescentando que a responsabilidade é atribuível ao fabricante do produto, considerou-se, qualificando o negócio celebrado pelas Partes, estar-se perante um contrato de compra e venda firmado no âmbito do seu relacionamento comercial, do mesmo passo que se afastou o regime especial de responsabilidade da Ré enquanto “produtor” e o de protecção do consumidor. Depois, declarando aplicável o regime geral de responsabilidade contratual por incumprimento, relativamente ao qual a lei estabelece uma presunção de culpa do devedor que falta ao cumprimento ou cumpre de forma defeituosa, entendeu-se beneficiar a Ré de uma “situação de excepção, pois (…) estamos em face de um produto fitofarmacêutico …, cujas características, entre outras, é a da </font><u><font>inviolabilidade</font></u><font> das embalagens (art. 19º-2 do DL n.º 94/98, de 15/4) pelo que sempre a Ré estaria impedida de confirmar se conteúdo da embalagem correspondia ao produto rotulado; em face de tal proibição não lhe era exigível comportamento diferente do adoptado – a Ré vendeu à A. embalagem </font><u><font>cujo rótulo</font></u><font> correspondia ao produto solicitado e pretendido pela A. (…)”. </font><br> <font> </font><br> <font>O contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida é, efectivamente, de qualificar como de compra e venda comercial, já que celebrado entre comerciantes, no exercício das respectivas actividades, regendo-se pelos arts. 463º C. Com. e 874º e ss. do C. Civil.</font><br> <br> <font>Fora do objecto do recurso, ainda, a aplicabilidade dos regimes de protecção do consumidor e segurança dos produtos transaccionados, pois que nem a A., enquanto comerciante no exercício do seu comércio, deve considerar-se “consumidor” à luz do critério fixado pelo art. 2º-1 do Dec.-Lei n.º 24/96, de 31/7, nem se teve por demonstrada a qualidade de “produtor”, real, aparente ou presumido da Ré, em termos subsumíveis às definições contidas no art. 2º do Dec.-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro.</font><br> <br> <font>A Ré, para cumprimento da sua obrigação, entregou à Autora um produto que não correspondia ao objecto das declarações negociais determinantes da prestação contratual.</font><br> <font>Entregou coisa diferente da convencionada e devida, inexistindo coincidência entre a identidade do acordado objecto do contrato e a prestação efectuada. A Ré-devedora prestou um </font><i><font>aliud</font></i><font>, sem qualquer correspondência com a prestação devida.</font><br> <font>Quando tal sucede, sendo “a coisa entregue qualitativa e estruturalmente diferente da convencionada” (</font><i><font>aliud pro alio</font></i><font>), a falta de realização da prestação devida importa incumprimento da obrigação – arts. 406º-1 e 762º-1 C. Civil. A situação enquadra-se, consequentemente, na falta de cumprimento (cfr. ac. STJ, 19/02/04, </font><i><font>CJ</font></i><font> XII-I-24 e CALVÃO DA SILVA, “</font><i><font>Compra e Venda de Coisas Defeituosas</font></i><font>”, 4ª ed., 44).</font><br> <br> <font>O devedor responde pelo prejuízo que cause ao credor na medida em que lhe for imputável, ou seja, na medida em que falte culposamente ao cumprimento da obrigação, sendo que lhe cumpre demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua – arts. 798º e 799º-1 C. Civil.</font><br> <br> <font>Verificado o incumprimento da Ré-vendedora (ilicitude do comportamento), sobre ela recai, pois, uma presunção de culpa, com o ónus de provar que a entrega de produto diferente do devido não se deveu a culpa sua, mas, antes, a facto ou causa estranha que, não obstante emprego dos cuidados e esforços exigíveis, em termos de normalidade, tornou inviável a realização da prestação devida.</font><br> <br> <font>Aqui chegados, importa, então, saber se, nesta perspectiva, que é a da lei, a culpa presumida da Recorrida deve ter-se por afastada.</font><br> <br> <font>Como se referiu já, assim o entenderam as Instâncias a pretexto de que a Ré estaria impedida de confirmar se o conteúdo das embalagens vendidas correspondia ao produto rotulado por a lei estabelecer para os produtos fitofarmacêuticos a inviolabilidade das embalagens.</font><br> <br> <font>É certo que o produto em causa cabe na definição dos produtos fitofarmacêuticos a que alude o art. 2º- 2 do Dec.-Lei n.º 94/98, de 15/4, nomeadamente na sua al. v) (e não na i)), pois que de um herbicida se trata).</font><br> <font>Certo é, também, que “a colocação no mercado de produtos fitofarmacêuticos só é permitida em embalagens fechadas e invioladas” (art. 19º-2 do mesmo DL). Refere-se o preceito, subordinado à epígrafe “Condições de comercialização”, às condições de venda ao público de tais produtos, de aplicação não limitada a aplicadores profissionais (n.º 6 do art.), ou seja, crê-se, à proibição de venda ao consumidor final de produtos não acondicionados em embalagens invioladas, independentemente de haver coincidência entre produtor ou embalador, podendo ser este qualquer interveniente na cadeia. </font><br> <br> <font>Ora, desde logo, a matéria de facto provada não comporta o entendimento, pressuposto do impedimento de confirmação do conteúdo das embalagens, de que à Ré fosse interdito o acesso à fiscalização do produto por via da convocada inviolabilidade das embalagens. </font><br> <font>Acresce que, nem sequer se sabe quem procedeu embalagem do produto nem quem lhe apôs os rótulos, sendo certo que, no tocante a embalagem e rotulagem dos produtos em causa, a mesma lei estabelece apertadas regras entre as quais que do rótulo, em língua portuguesa, conste “o nome e morada do requerente da homologação do produto e número de autorização do produto, e, se forem diferentes, o nome e morada da entidade responsável pela embalagem e ou rotulagem finais do produto” (art. 16º-1). </font><br> <font>Numa palavra, não demonstrou a Ré, nem sequer alegou, ter sido outra entidade a proceder à embalagem e rotulagem do produto por si comercializado em Portugal, apesar das exigências legais quanto à respectiva homologação e autorização, tendo-se limitado a alegar ter adquirido o produto a “comerciante”, que não identificou, sem indicar se o adquiriu ou não já embalado e rotulado nos termos previstos no art. 16º do mencionado Dec.-Lei.</font><br> <br> <font>Nesta conformidade, carecendo de suporte a afirmação de que, por imposição normativa, estava vedado à Ré o controlo da natureza e qualidades do produto vendido, há-de ter-se por indemonstrado o que incumprimento contratual não procede de culpa da Recorrida, funcionando, consequentemente, de pleno, a presunção legal de culpa. </font><br> <font>Sendo, como presumidamente o é, o incumprimento imputável à Recorrida, obrigada está a reparar os danos por ele causados (interesse positivo do contrato), indemnizando os respectivos prejuízos - arts. 3º C. Com. e 798º, 562º e 563º, estes do C. Civil. </font><br> <br> <font>Tais prejuízos ascendem, como provado, a € 67.437,47 (13hax80.000kgx13$00=13 520 000$00 ou € 67.437,47, e não € 67.458,34 como, certamente por lapso de conversão monetária consta da petição).</font><br> <br> <font>Sobre essa quantia incidem os peticionados juros moratórios, de natureza comercial, desde a data da citação, sendo até 1/10/2004 à taxa legal de 12% ao ano (Port. 262/99, de 12/4) e desde esta última data até efectivo pagamento às taxas constantes dos Avisos a que aludem os n.ºs 2º e 4º da Portaria n.º 597/2005, de 19/7 – arts. 102º §§ 3º e 4º do C. Com., 804º e 805º-1 C. Civil.</font><br> <br> <font>4. - Decisão.</font><br> <br> <font>Em conformidade com o exposto, decide-se:</font><br> <font>- Conceder parcialmente a revista;</font><br> <font>- Revogar o acórdão recorrido;</font><br> <font>- Condenar a Ré no pedido (de capital e juros), mas com a correcção do valor da conversão do montante da indemnização para euros, que é, como referido, de 67.437,47 (sessenta e sete mil, quatrocentos e trinta e sete euros e quarenta e sete cêntimos).</font><br> <font>- Condenar a Recorrida nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 9 Outubro 2007 </font><br> <br> <font> Alves Velho (relator)</font><br> <font> Moreira Camilo</font><br> <font> Urbano Dias</font></font>
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VTK7u4YBgYBz1XKvxDlx
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, fundada em letra de câmbio, que lhes moveu “DD Portugal Lda.”, deduziram os Demandados “M &amp; M Lda.”, CC, AA, BB e EE embargos de executado, visando a extinção da execução</font><br> <font> Alegaram, para o efeito, que a letra de câmbio dada à execução foi entregue em branco à Exequente pela Executada Sociedade, apenas aceite por ela e avalizada pelos demais Executados, e depois preenchida sem qualquer acordo de preenchimento ou consentimento posterior.</font><br> <br> <font>Contestou a Embargada, sustentando que recebeu a letra em questão aceite pela executada e avalizada pelos demais executados, sócios, sociedade executada e seus cônjuges, sendo tal letra entregue juntamente com a carta junta com a providência cautelar de arresto e, posteriormente, face à acumulação de débitos pela sociedade aceitante da letra, a exequente deu-lhes conhecimento de que iria preencher o título com os valores do débito.</font><br> <br> <font> Os embargos foram julgados improcedentes quanto à Executada Sociedade, mas procedentes quanto aos Embargantes avalistas.</font><br> <br> <font> Mediante apelação da Embargada, a Relação, revogando a sentença, ordenou o prosseguimento da execução também contra os avalistas.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> Estes pedem agora revista, pugnando pela reposição do sentenciado na 1ª Instância, a coberto das seguintes conclusões:</font><br> <font> I. A livrança exequenda foi assinada pelos recorrentes, sem indicação de qualquer importância e sem a data do vencimento. </font><br> <font>II. O aval aposto representa uma garantia sem limite, quer de valor, quer de tempo. </font><br> <font>III. Os recorrentes não celebraram qualquer convenção quanto ao seu preenchimento. </font><br> <font>IV. Não é sustentável o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, segundo o qual o avalista de uma livrança em branco fica, sem mais, vinculado ao acordo tácito de preenchimento existente entre o subscritor e o portador da mesma. </font><br> <font>V. O aval é nulo, por serem indetermináveis, quer o seu objecto, quer o seu limite temporal. </font><br> <font>VI. O âmbito da responsabilidade dos recorrentes tem-se por insuficientemente delimitado, mercê da inexistência de qualquer acordo de preenchimento entre recorrentes e recorrida. </font><br> <font> VII. Foi abusivo o preenchimento da livrança, nos termos em que a recorrida o fez, pois, tendo sido entregue em branco, não constava a indicação de qualquer quantia a cujo futuro e eventual pagamento os recorrentes se tenham obrigado para garantia das obrigações assumidas pelo subscritor avalizado.</font><br> <br> <font> Não foi apresentada resposta.</font><br> <br> <font> 2. - Nas conclusões dos Recorrentes vem colocada a </font><b><font>questão</font></b><font> de saber se se encontram cambiariamente obrigados ao pagamento da quantia titulada pela letra, em virtude de ter ocorrido preenchimento abusivo e de ser nulo o aval prestado, por indeterminabilidade do objecto.</font><br> <br> <font> 3. - Vem fixada a seguinte </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font>:</font><br> <br> <font> - A exequente deu à execução uma letra de câmbio no valor de € 230.096,39, com a data de emissão de 14/4/2003 e a de vencimento de 31/12/2003, por si sacada, aceite pela executada “M &amp; M, Lda.”, no verso da qual cada um dos outros executado apôs a sua assinatura debaixo dos dizeres “dou o meu aval ao aceite”; </font><br> <font>- A letra foi entregue à exequente por CC, na qualidade de representante da executada “ M &amp; M Lda.”, dela constando apenas a assinatura/firma da aceitante, com os dizeres “M &amp; M, Lda., a Gerência” e as assinaturas dos avalistas (2ºs e 3ºs executados), não se encontrando preenchida quanto à data de vencimento nem quanto ao valor.</font><br> <font>- Aquando da entrega da letra à exequente, a executada “M &amp; M Lda.” enviou àquela uma carta, data de 14/4/2003, informando que “</font><i><font>Incluso remetemos</font></i><font> </font><i><font>letra da empresa M &amp; M LDA, Avalizada pelos Sócios e esposas, da mesma empresa. Esta letra destina-se a salvaguardar o bom pagamento da n/conta corrente do ano de 2003</font></i><font>”.</font><i><font> </font></i><font> </font><br> <font>- Aquando do preenchimento completo da letra de câmbio, a executada “M &amp; M, Lda.” tinha débitos para com a exequente no valor de €: 230.096,39, referentes ao ano de 2003.</font><br> <font> - Com data de 26/3/2004, CC, por si e na qualidade de sócio-gerente de “M &amp; M, Lda.”, e mulher, AA, declararam que não autorizavam e que nunca tinham autorizado o preenchimento da letra.</font><br> <font> - Com data de 19/5/2004, a exequente informou os casais 2ºs e 3ºs executados de que se não procedessem ao pagamento do saldo devedor de € 230.096,39 da executada “M &amp; M, Lda.”, no prazo de 8 dias, iriam proceder ao preenchimento da letra e apresentá-la a pagamento. </font><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - Preenchimento abusivo.</font><br> <br> <font>4. 1. 1. - Como decorre dos elementos que as Partes trouxeram ao processo a relação entre elas que acabou por dar origem ao litígio configura uma actuação frequente no relacionamento entre empresas comerciais: - contratam-se fornecimentos de mercadorias por certos períodos de tempo e, para garantia de cumprimento da obrigação do respectivo pagamento, recorre-se a letras subscritas pela beneficiária desses fornecimentos e avalizadas pelos sócios ou por terceiros, que oferecem, assim, uma garantia de ordem pessoal. Trata-se da denominada “conta corrente caucionada” através de letra-caução.</font><br> <br> <font> No caso, tal garantia pessoal foi dada pelos ora Recorrentes, mediante a aposição das suas assinaturas, como avalistas, em letra em branco, letra que ficou na posse do Sociedade Exequente, que, por sua vez, ficou com a faculdade de a preencher pelo valor do saldo da conta de débito do valor das mercadorias fornecidas e não pagas até 31/12/2003.</font><br> <br> <font> 4. 1. 2. - A Lei admite e reconhece a figura da letra em branco, a qual, preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança – art. 10º LULL.</font><br> <font> Nenhum obstáculo existe pois à perfeição da obrigação cambiária quando a livrança, incompleta, contém uma ou mais assinaturas destinadas a fazer surgir tal obrigação, ou seja, quando as assinaturas nela apostas exprimam a intenção dos respectivos signatários de se obrigarem cambiariamente, quer se entenda que a obrigação surge apenas com o preenchimento, quer antes, no momento da emissão, a ele retroagindo a efectivação constante do título por ocasião do preenchimento. Necessário é que se mostre preenchida até ao momento do acto de pagamento voluntário (cfr. PINTO COELHO, </font><i><font>“As Letras”</font></i><font>, II, 2ª, 30 e ss; FERRER CORREIA, “</font><i><font>Lições de D.to Comercial”</font></i><font>, Reprint, 483; VAZ SERRA, </font><i><font>BMJ</font></i><font>, 61º-264; O. ASCENSÃO, “</font><i><font>D.to Comercial”, </font></i><font>III, 116).</font><br> <font> </font><br> <font> Estamos, quanto à letra-caução, no âmbito do aval cambiário, isto é, perante uma garantia pessoal reportada à dívida cambiária, não pretendendo o avalista vincular-se ao pagamento como obrigado principal, mas sujeitando-se, por via da assinatura do título como avalista, à sorte da obrigação avalizada.</font><br> <br> <font> A obrigação do avalista, como obrigação cambiária, é autónoma e independente da do avalizado – com a ressalva da projecção do vício de forma desta sobre aquela -, embora a ela equiparada.</font><br> <font> A garantia prestada pelo avalista assume </font><i><font>carácter objectivo</font></i><font> e, por isso, como se escreveu no Assento do STJ n.º 5/95 (DR, I-A série, 20/5/95, 3129), «não assumindo o avalista a própria obrigação do avalizado para a cumprir na vez deste se este a não honrar, a equiparação expressa na estatuição «responde da mesma maneira» do art. 32º-1 significa que o avalista, relativamente à sua própria obrigação, ocupa posição igual à daquele por quem deu o aval. Por isso, responde como </font><i><font>obrigado directo </font></i><font>ou de </font><i><font>regresso</font></i><font> consoante a obrigação do avalizado, como se fosse sacado, aceitante, etc., consoante a posição como subscritor do respectivo avalizado. Equiparação não é, pois, identificação, porquanto são autónomas as obrigações do avalista e do avalizado» - art. 32º LULL.</font><br> <font> A responsabilidade do avalista é, em suma, dada pela medida objectiva da do avalizado, mas independente da deste, sendo ainda aquele, quando avalista do aceitante da letra – a par de quem se colocou e com quem se solidarizou perante os outros obrigados cambiários -, obrigado directo e não de regresso (cfr. ABEL DELGADO, </font><i><font>“LULL, Anotada”, </font></i><font>125 e 149; </font><i><font>RLJ</font></i><font> , 71º-234 e ss.; PAULO SENDIM e EVARISTO MENDES, “</font><i><font>A Natureza do Aval ...”</font></i><font>, 36 e ss.). </font><br> <br> <font> Ao dar o aval ao aceitante em letra em branco, fica o avalista sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento, assumindo mesmo o risco de esse contrato não ser respeitado e de ter de responder pela obrigação constante do título como ela «estiver </font><i><font>efectivamente configurada»</font></i><font> - arts. 10º e 32º-2 cit. (P. SENDIM, “</font><i><font>Letra de Câmbio”, </font></i><font>II, 149).</font><br> <i><font> </font></i><font> </font><br> <br> <font> 4. 1. 3. - Tudo quanto se foi deixando referido vem a propósito e tende à conclusão, que temos por certa, de que estamos perante obrigações cambiárias assumidas pelos ora Recorrentes, como avalistas em letra em branco, em que não se mostram violados os termos em que as Partes ajustaram a definição e configuração dessas </font><u><font>obrigações</font></u><font> </font><u><font>cambiárias</font></u><font>.</font><br> <br> <font>De referir, no que toca aos avalistas varões, o aval não é prestado pelos Recorrentes enquanto sócio e/ou gerentes da sociedade subscritora da livrança mas, insiste-se, como garantia pessoal "dada por um terceiro", pois que, apesar de o aval poder ser dado por um signatário da livrança, tal só releva quando seja dado a um signatário cuja responsabilidade seja mais onerosa, modificando a posição desse subscritor, donde a inutilidade do aval dado pelo aceitante (do sócio-gerente da sociedade subscritora a esta enquanto tal) - art. 30.º-2 LULL. </font><br> <br> <font>Na falta de violação do contrato de preenchimento, ou de outro pacto posterior, o preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na letra e a correspondente exigibilidade, nomeadamente em relação aos avalistas do aceitante que se apresentam como que «co-aceitantes» e, com ele, responsáveis solidários (cfr. FERRER CORREIA, </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, 526).</font><br> <br> <br> <font>4. 1. 4. - Os Recorrentes sustentam, justamente, ter havido preenchimento abusivo da letra, a pretexto de não terem intervindo no pacto de preenchimento, pois não é sustentável a sua vinculação, sem mais, ao acordo tácito de preenchimento existente entre a aceitante e o portador da letra. </font><br> <br> <font> Como vem provado, a letra foi emitida com o nome do sacador, valor e vencimento em branco, mas com aceite e aval dos Embargantes (Sociedade e ora Recorrentes), como letra-caução, para utilização pela sociedade Exequente, que ficou sua portadora com o poder de a preencher pelo valor dos fornecimentos feitos à Executada até 31/12/2003. </font><br> <font> </font><br> <font> Perante este circunstancialismo de facto resulta clara a existência de uma relação subjacente entre as Sociedades sacadora e aceitante – a garantia de pagamento de fornecimentos – e de um pacto de preenchimento, pois que a letra se destinava a ser preenchida pelo valor dos fornecimentos não pagos.</font><br> <font> </font><br> <font>Concluiu a Relação que tal acordo se impunha aos avalistas, não podendo estes opor à Exequente a excepção do preenchimento abusivo.</font><br> <br> <font> Não se diverge dessa posição.</font><br> <br> <font>Com efeito, como referido, art. 10º da LULL prevê a admissibilidade da letra em branco, mas estabelece que se tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, a inobservância desses acordos pode ser motivo de oposição ao portador quando este tenha “adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a tenha cometido uma falta grave”.</font><br> <font> Por sua vez, relativamente aos documentos assinados em branco, em geral, admite-se no art. 378º C. Civil a ilisão do respectivo valor probatório, “mostrando-se que nele se inseriram declarações divergentes do ajustado com o signatário ou que o documento lhe foi subtraído”.</font><br> <font> Não se exige qualquer forma especial para o acordo ou pacto de preenchimento, vigorando o regime regra da consensualidade acolhido no art. 219º C. Civil.</font><br> <font> Finalmente, a extensão e conteúdo da obrigação do avalista afere-se pelos do avalizado, pois que aquele é responsável “da mesma maneira” que este - art. 32º LULL.</font><br> <br> <font> Do conjunto normativo convocado resulta claramente que o subscritor do título cambiário, ao emiti-lo, atribui ao portador a quem o entrega o direito de o preencher de harmonia com o convencionado a tal respeito.</font><br> <font> Mais resulta que a violação do pacto de preenchimento, configurando uma falsidade material do título, retira-lhe, na medida do que for desrespeitado, a eficácia probatória, impendendo sobre quem a invoca – no caso os Embargantes- a prova desse facto impeditivo (ilisão do valor probatório – art. 378º cit.) – art. 342º-2 C. Civil (cfr. LEBRE DE FREITAS, “</font><i><font>A Falsidade no Direito Probatório</font></i><font>”, 132/133; Ac, STJ, 01/10/98, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 480º-482).</font><br> <font> E pode mais extrair-se que a responsabilidade cartular do avalista não é diferente da do aceitante, mas a mesma, sendo solidária a sua obrigação, donde que o avalista só possa socorrer-se da excepção do abuso de preenchimento se (em conjunto com o sacador e o obrigado avalizado) tiver sido parte no acordo cuja violação invoca, o que também é inerente ao concurso do pressuposto de oponibilidade só ser admissível no âmbito das relações imediatas entre os subscritores cambiários (art. 17º LULL).</font><br> <br> <br> <font> 4. 1. 5. - Ora, não só, como dito, vem demonstrado que a entrega da letra à Exequente foi precedida de um acordo entre a Embargante Sociedade comercial, visando garantir àquela o preço de fornecimentos feitos a esta, como os Embargantes não demonstraram (nem alegaram), como era seu ónus, qualquer violação dos limites de autorização do convencionado preenchimento. </font><br> <font> </font><br> <br> <font> 4. 2. - Nulidade do aval.</font><br> <br> <font> 4. 2. 1. - Aduzem ainda os Recorrentes serem nulos os avales que prestaram por serem indetermináveis, quer o seu objecto, quer o seu limite temporal.</font><br> <br> <font> Como se colhe da norma do mencionado art. 10º a obrigação cambiária dos avalista da letra em branco surge com a aposição das respectivas assinaturas nessa qualidade e com a emissão do título, numa palavra, com a dação do aval.</font><br> <font> Os Recorrentes ficaram, pois, obrigados quando subscreveram a letra que, com o aceite da sacada por si avalizada, foi entregue à Exequente-sacadora.</font><br> <br> <font> Uma vez que os Embargantes não intervieram no pacto de preenchimento, não podem ser qualificadas de imediatas as suas relações com a Exequente, pois que nada relativo ao objecto da relação fundamental foi pactuado entre eles.</font><br> <font> Os Embargantes são, assim, apenas sujeitos da relação cambiária, como acima dito, nada tendo que ver com a convenção extracartular operada entre a Sociedade aceitante avalizada e a sua credora Exequente.</font><br> <br> <font> Movemo-nos, consequentemente, no puro âmbito das relações mediatas.</font><br> <br> <font> E, por isso, como também já decorre do anteriormente exposto, os Embargantes não só não poderiam opor à portadora da letra a eventual excepção do preenchimento abusivo, como, sequencialmente, lhe não podem opor a alegada invalidade fundada na indeterminabilidade, a coberto do art. 280º C. Civil.</font><br> <font> </font><br> <font> Com efeito, dada a natureza autónoma e de garantia pessoal da obrigação do avalista, ela mantém-se mesmo que seja nula, por qualquer razão a obrigação do respectivo avalizado, a menos que a nulidade decorra de vício de forma, não podendo defender-se com as excepções do avalizado, salvo as que importem a liberação ou a extinção dessa obrigação – art. 32º LU.</font><br> <font> Só assim não será, podendo o avalista opor ao portador da letra meios pessoais de defesa, nomeadamente excepções derivadas da relação causal entre um e outro quando tal relação exista, isto é, quando se encontrem no domínio das relações imediatas (sem intermediação de outros intervenientes), como sucederia se os Embargantes tivessem acordado com a Exequente as condições de completamento dos dizeres do título cambiário.</font><br> <br> <font> A nulidade por indeterminabilidade haveria de ser a do negócio jurídico consubstanciado no pacto de autorização do preenchimento pois é nele que se contém o objecto do negócio sobre o qual se aferem os requisitos de validade substantiva, de tal sorte que, a verificar-se a invalidade, a mesma haveria de repercutir-se no aval que o reflecte, afectando-o do mesmo vício.</font><br> <font> Como é óbvio, insiste-se, tal só pode ter lugar entre os intervenientes no acordo de preenchimento, expresso ou tácito, sendo-lhe alheia a relação cambiária e obrigação dos avalistas enquanto tal.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> 4. 2. 2. - A finalizar dir-se-á que posição em que se colocam os Recorrentes encerra mesmo incompatibilidade, do ponto de vista jurídico.</font><br> <br> <font>Efectivamente, a falta de intervenção no pacto pressupõe a sua colocação no domínio das relações mediatas – se não intervieram no acordo de preenchimento não intervieram na relação causal -, enquanto a invocação da nulidade pressupõe essa intervenção, sob pena de não poder ser invocada, por escapar ao campo de previsão das oponibilidades admitidas nos termos dos arts. 10º, 17º e 32º-2 LULL. </font><br> <br> <br> <font>4. 3. - Mantêm-se, por isso, intocados, na sua plenitude, o valor probatório da letra e a eficácia como título executivo.</font><br> <br> <br> <font>5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> - Negar a revista;</font><br> <font> - Confirmar o acórdão impugnado; e, </font><br> <font>- Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br> <font> </font><br> <br> <font>Lisboa, 28 de Fevereiro de 2008</font><br> <br> <font>Alves Velho (relator)</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font></font>
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WjK0u4YBgYBz1XKvRzPq
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - AA intentou a acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil, contra “BB Seguros, S.A.”, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 22.100.000$00, bem como juros à taxa legal desde a data da citação.</font><br> <font> Alegou para tanto e em síntese:</font><br> <font>-Ser mãe de CC, que trabalhava como distribuidor de pão, num veículo ligeiro de carga, para a empresa “C... &amp; V...”,;</font><br> <font>-No dia 3 de Junho de 1997, após ter entregue o pão numa casa, o CC e o motorista do veículo foram informados de que a senhora da outra casa não estava;</font><br> <font>-Devido a esta informação, o motorista arrancou rapidamente, não tendo dado tempo ao filho da A. para se acondicionar e segurar dentro da caixa do carro, cuja porta ia aberta, como usualmente, amarrada por um “barbante”;</font><br> <font>-Devido ao arranque brusco do carro e às más condições de segurança, a vítima tombou na estrada, vindo a sofrer lesões traumáticas no crânio, que lhe causaram a morte.</font><br> <font> </font><br> <font> A Ré contestou imputando o evento ao comportamento da própria vítima, causa única do acidente. Suscitou ainda, a falta de legitimidade da Autora para, por si só, demandar a indemnização pela perda do direito à vida da infeliz vítima.</font><br> <font> Teve lugar a intervenção principal espontânea de DD, pai da vítima CC, e a provocada de “C... &amp; V..., Ld.ª”, que contestou atribuindo o acidente ao procedimento do falecido.</font><br> <font> </font><br> <font> Após completa tramitação, a acção foi julgada totalmente improcedente.</font><br> <br> <font> Mediante apelação da A. e Interveniente DD, a Relação revogou o decidido e condenou a sociedade “C... &amp; V..., Lda.” a pagar-lhes a indemnização de 60.000,00€ e juros, a contar da data do trânsito em julgado do acórdão.</font><br> <br> <br> <font> Agora é a Interveniente condenada a pedir revista, visando a absolvição total do pedido, a limitação legal do montante da indemnização a 19.951,92€ e a repartição das custas pelas Partes, na proporção do respectivo decaimento.</font><br> <font> Para tanto, argumenta nas conclusões da alegação:</font><br> <font>A) A decisão do Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> é proferida, não obstante estarmos perante a ausência de um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual; </font><br> <font>B) Com efeito, </font><i><font>in casu</font></i><font>, verifica-se que não se encontra preenchido o pressuposto da ilicitude, contido nas disposições que regulam responsabilidade por factos ilícitos, aplicável </font><i><font>in casu</font></i><font> à responsabilidade civil pelo risco - artigo 499º do Código Civil; </font><br> <font>C) Ora, o próprio douto aresto aqui recorrido conclui pela ausência da ilicitude quando refere: «</font><i><font>Não havendo, in casu, um facto ilícito, existia norma reflexa protectora de interesses alheios, ou seja, dos transportados, com implicações em termos de responsabilidade pelo risco</font></i><font>.»; </font><br> <font>D) Pois, não havendo facto ilícito não pode haver responsabilidade fundada na ilicitude e, na ausência advir desta, não pode qualquer responsabilidade pelo risco, nem mesmo perante a existência de uma norma pretensamente «</font><i><font>protectora de interesses alheios</font></i><font>»; </font><br> <font>E) Com efeito, estes interesses reflexamente protegidos não geram responsabilidade civil, pelo que, à data dos factos dos autos, atento o quadro normativo que os regulavam, faltava o pressuposto ilicitude para que houvesse lugar a responsabilidade civil. </font><br> <font>F) Além do que, não basta que essa norma aproveite ao particular, é preciso que ela tenha também em vista a protecção dele. </font><br> <font>G) Sucede, que no domínio dos acidentes de viação, provada a culpa do lesado e não se provando a culpa do condutor, fica excluída a responsabilidade objectiva, o que se verificou </font><i><font>in casu</font></i><font>, uma vez que o Tribunal de primeira instância concluiu que a «</font><i><font>responsabilidade pela prática da infracção recai sobre o próprio agente; isto é, o passageiro</font></i><font>.»; </font><br> <font>H) Ademais, o douto aresto viola os limites de indemnização cominados no artigo 508º do Código Civil, na versão desta norma em vigor à data do inditoso sinistro dos autos artigo 12º do Código Civil e artigo 24º da Lei de Organização Funcionamento dos Tribunais Judiciais, na versão em vigor à data dos factos aprovada pela Lei n.º 38/87; </font><br> <font>I) Ao fixar o montante da indemnização no equivalente ao dobro da alçada do Tribunal da Relação, a decisão recorrida não pode fixar o montante da indemnização em valor superior a 19.951,92€, dando, assim, cumprimento ao que dispõe o artigo 508° do Código Civil. </font><br> <font>J) Acresce, que as custas do processo devam ser repartidas pelos Autores e pelos Réus na proporção do respectivo decaimento, revogando-se a parte do Acórdão recorrido que condenou a Ré a pagar integralmente as custas devidas na acção. </font><br> <br> <font> Os Recorridos responderam, pronunciando-se no sentido da ilicitude e culpa exclusiva do condutor do veículo, acrescentando que os limites da responsabilidade pelo risco sempre serão os do seguro obrigatório em vigor à data do acidente.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font>2. - Vem definitivamente fixado o </font><b><font>quadro factual</font></b><font> que segue:</font><br> <br> <font>1- CC faleceu em 3-06-1997, com 18 anos de idade.</font><br> <font>2- A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, relativamente ao veículo de matrícula UH-00-00, estava, em 3-06-1997, transferida para a demandada seguradora, mediante a apólice nº 90/000000.</font><br> <font>3- CC trabalhava para a empresa “C... &amp; V..., Ld.ª”.</font><br> <font>4- Como distribuidor de pão.</font><br> <font>5- O seu trabalho consistia em sair de manhã da empresa pelas 6h00, para distribuir pão pelos clientes, até depois das 9h00.</font><br> <font>6- Saía com o motorista num veículo ligeiro de carga, com caixa, pertencente à 2ª Ré.</font><br> <font>8- O CC ia atrás, na parte destinada à carga.</font><br> <font>9- Por vezes, o distribuidor do pão, o falecido CC, para fazer aquele serviço, deslocava-se no interior da caixa, na parte de trás, junto da mercadoria. Na caixa do veículo não havia banco, mas apenas um varão metálico onde o falecido se podia segurar.</font><br> <font>10- O veículo de matrícula UH-00-00, onde seguia o falecido, na parte dianteira, tinha um banco com três lugares, um para o motorista e dois para acompanhantes.</font><br> <font>12- Um dos lugares da frente vinha ocupado com caixas de bolos, para virem melhor acondicionados. No dia em que ocorreu o sinistro, apenas levavam pão.</font><br> <font>13- A porta da caixa do carro - que é a porta de trás - ia sempre aberta, para ser mais rápida a distribuição</font><br> <font>14- Após ter entregue o pão numa casa, o falecido CC fez-se transportar na caixa isotérmica da carrinha.</font><br> <font>15- Quando o falecido seguia na parte de trás da carrinha a porta ia aberta, amarrada por um barbante.</font><br> <font>16- Com o andamento da carrinha, o CC tombou na estrada, vindo a sofrer, em resultado dessa queda, lesões traumáticas no crânio que foram causa directa e necessária da sua morte.</font><br> <font>17- Com a morte do CC a autora ficou em estado de choque e esteve uma semana na cama.</font><br> <font>18- O falecido ganhava cerca de 60.000$00.</font><br> <font>19- Era saudável e cheio de vida, como é próprio da idade.</font><br> <font>20- CC ajudava os pais, contribuindo com quantias monetárias para o sustento da família.</font><br> <font>21- A Autora é auxiliar de acção educativa numa escola e o Réu é coveiro, não possuindo outros rendimentos a não ser os do trabalho.</font><br> <font>22- A morte do filho privou-os de receber aquelas quantias.</font><br> <font>23- A Autora, nos dias de hoje, ainda sofre com a morte do filho.</font><br> <font>24- Após a morte do filho, a Autora ficou com a sua saúde abalada.</font><br> <font>25- Desde a morte do filho, a autora passou a frequentar médicos e a tomar medicamentos.</font><br> <font>26- O falecido caiu do veículo pela porta que se encontrava aberta.</font><br> <font>27- A entidade empregadora do falecido havia-lhe dado ordens para que circulasse sentado nos bancos da cabine, ao lado do motorista, quando procedia à distribuição do pão.</font><br> <font>28- Um dos sócios da Ré interveniente proibira outros trabalhadores de seguirem na parte de trás da carrinha aquando da distribuição do pão.</font><br> <font>29- O falecido CC tinha ordens expressas da sua entidade empregadora para não viajar no interior da caixa do veículo automóvel que o transportava.</font><br> <font>30- O próprio motorista que transportava o CC lhe havia dado ordens para seguir na parte dianteira da carrinha.</font><br> <font>31- Por vezes, o CC fazia-se transportar com as pernas penduradas fora da caixa da carrinha.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 3. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 3. 1. - A Recorrente defende a sua absolvição do pedido lançando mão de três fundamentos:</font><br> <br> <font>- Não se encontrar preenchido o pressuposto da ilicitude, donde não poder haver responsabilidade, mesmo pelo risco;</font><br> <br> <font>- A culpa do lesado, não se provando culpa do condutor, excluir a responsabilidade pelo risco; </font><br> <br> <font>- O montante máximo da indemnização a título de risco ser o estabelecido pelas normas em vigor sobre a alçada da Relação ao tempo do acidente.</font><br> <br> <br> <br> <br> <font> 3. 2. – Quanto à primeira questão, a Recorrente situa o ponto de partida da sua argumentação na passagem do acórdão impugnado em que, depois de se invocar as normas dos nºs 3 e 4 do art. 55º do Código da Estrada aplicável - que proibiam o transporte de pessoas </font><i><font>de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução </font></i><font>e de </font><i><font>passageiros fora dos assentos</font></i><font>, mas para as quais a mesma lei não previa sanção (hoje contemplada e a recair sobre o transportador) -, havendo-as como “disposição legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483º-1 C. Civil)”, se escreveu: «Não havendo, </font><i><font>in casu</font></i><font>, um facto ilícito, existia uma norma reflexa protectora de interesses alheios, ou seja, dos transportados, com implicações em termos de responsabilidade pelo risco».</font><br> <font> Concluiu, depois, pela «responsabilidade conjunta pelo risco, quer do condutor do veículo, quer da sociedade proprietária do mesmo”.</font><br> <br> <font> Ora, se se aceitar estar-se perante a modalidade de responsabilidade objectiva ou pelo risco nenhuma censura merecerá fazer assentar a responsabilidade do lesante em facto não culposo e em conduta não ilícita do agente. </font><br> <font> Na verdade, diferentemente do que acontece com a responsabilidade e fonte da obrigação de indemnizar por actos ilícitos, prevista no art. 483º e ss. do C. Civil (Secção V – Subsecção I), em que só são ressarcíveis os danos provenientes da facto ilícito e imputáveis a uma conduta culposa do lesante, a responsabilidade pelo risco (Subsecção II) não só não depende de culpa do agente como, porque encontra fundamento no risco próprio de certas actividades, pode “assentar sobre um facto natural (um acontecimento), um facto de terceiro ou até do próprio lesado”, não tendo, assim, como pressuposto necessário a ilicitude da conduta, vale dizer, um facto ilícito do lesante como pressuposto da responsabilidade (A. VARELA, “</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>”, I, 9ª ed., 660).</font><br> <br> <font> Consequentemente, não são de incluir no âmbito da remissão do art. 499º C. Civil o concurso dos pressupostos ilicitude e culpa, a que alude o art. 483º, como se colhe, quanto aos aqui pertinentes acidentes causados por veículos, dos pressupostos de responsabilidade exigidos pelo art. 503º-1 do mesmo diploma, norma que expressamente a faz depender apenas de os danos serem </font><i><font>provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação</font></i><font>.</font><br> <br> <font> Não assiste, assim, quanto a este ponto, qualquer razão à Recorrente já que para atribuição da indemnização ao lesado com fundamento em responsabilidade pelo risco não é necessária a ilicitude da conduta do lesante.</font><br> <br> <br> <br> <font> 3. 2. 1. - Suscita, depois, a Recorrente a questão da existência de culpa da vítima, sendo-lhe imputável o acidente, o que exclui a responsabilidade pelo risco.</font><br> <br> <font> Invoca a Recorrente, a este propósito, ter-se já sentenciado na 1ª Instância que a morte do CC «… </font><i><font>se deveu à sua própria conduta, temerária e irresponsável, à obstinação em não cumprir as ordens a que devia obediência, arriscando a sua própria vida</font></i><font>», sendo de “concluir que o acidente se deu por culpa exclusiva do sinistrado. Já que o sinistrado não seguia no veículo sentado num dos assentos, contrariando inclusive as ordens e instruções da sua entidade patronal, conforme resulta dos factos provados sob os nºs 28) e 29)”.</font><br> <br> <font> Na sentença teve-se por contra-ordenacional o comportamento da vítima, tida como responsável pelas aludidas contra-ordenações ao art. 55º C.E., imputando-se-lhe exclusivamente o evento.</font><br> <br> <font> No acórdão recorrido, diferentemente, considerou-se que a proibição de transporte de passageiros fora dos assentos se dirigia ao transportador, condutor ou dono do veículo, tendo o comando “relevo jurídico extracontratual, incluindo a responsabilidade pelo risco. Mais se considerou não estar ilidida a presunção de culpa do condutor do veículo e, finalmente, concluiu-se haver “responsabilidade conjunta pelo risco, quer do condutor do veículo, quer da sociedade proprietária do mesmo”.</font><br> <br> <font> Julgou, pois, a Relação, apesar da fundamentação convocada, exclusivamente com base no risco, fazendo recair a responsabilidade sobre Recorrente, sem ponderar qualquer concurso da vítima para a produção do evento danoso.</font><br> <br> <br> <br> <font> 3. 2. 2. - Recuperando, como recuperam, as Partes, neste recurso, a questão da responsabilidade subjectiva, trazendo à discussão os seus pressupostos culpa e ilicitude importa, então, proceder à respectiva apreciação e retirar as pertinentes consequências. </font><br> <br> <br> <font> Não se discute o incumprimento das normas do art. 55º do C. E., então em vigor (DL n.º 114/94, de 3/5), que, como já dito, proíbem o transporte de passageiros de modo a comprometer a sua segurança ou a segurança da condução, bem como fora dos assentos (n.ºs 3 e 4).</font><br> <font> A proibição é claramente dirigida ao transportador, designadamente ao condutor do veículo, pois que é ele que, tendo a direcção do veículo, tem o domínio da acção de transporte.</font><br> <br> <font> Está-se perante disposições da legislação estradal destinadas a proteger a segurança das pessoas transportadas, em que deve incluir-se a integridade física e a própria vida, como expressa a própria norma, bem como, genericamente, a condução como actividade geradora de riscos.</font><br> <br> <font> Enquanto norma legal directamente dirigida à protecção da segurança dos ocupantes de veículos, não pode deixar de ser entendida como uma “disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, a que se alude no art. 483º-1 C. Civil, cuja violação integra o pressuposto ilicitude aí previsto.</font><br> <font> Na verdade, a violação desses preceitos legais não é senão uma forma ou variante da ilicitude, a par da violação dos direitos subjectivos do lesado e assim tratados no mencionado art. 483º.</font><br> <br> <font>Depois, e quanto aos concretos requisitos de relevância da violação para efeitos de responsabilidade e indemnização já se disse que, destinando-se a proteger a segurança/integridade física dos passageiros, não podem as normas aludidas deixar de haver-se, para além de protectoras de interesses gerais e colectivos atinentes à segurança do tráfico rodoviário, como também, em especial, directa e finalisticamente tutelares da segurança dos concretos passageiros transportados fora dos assentos e, consequentemente, dos respectivo interesse pessoal de preservação da integridade física.</font><br> <font> Por isso, perante um tal escopo da norma, ocorrido um acidente mortal causalmente ligado ao transporte de passageiro fora dos assentos, por adquirido se há-de ter, também, estar-se perante um dano produzido no típico “círculo de interesses privados que a norma visa tutelar” (cfr. A. VARELA, </font><i><font>ob. cit</font></i><font>., 558).</font><br> <br> <br> <font> Assim sendo, a actuação do condutor da viatura, que não impôs o cumprimento da disposição legal, permitindo que a vítima se fizesse transportar na caixa de carga, onde não havia bancos, ao pôr a viatura em circulação de forma que o CC dela caísse pela porta que se encontrava aberta é ilícita, porque violadora dos citados preceitos estradais e do dever de cuidado (omissão do comportamento devido) que o respectivo cumprimento impunha (cfr. PESSOA JORGE, “</font><i><font>Ensaio</font></i><font> </font><i><font>Sobre os</font></i><font> </font><i><font>Pressupostos da Responsabilidade Civil</font></i><font>”, 67 e ss.).</font><br> <br> <br> <br> <font> 3. 2. 3. - Passando ao requisito culpa, a imputação a tal título reclama, a um tempo, uma relação de desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado e a possibilidade de formulação de um juízo de censura na imputação do facto.</font><br> <font> O juízo de culpabilidade é apreciado pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso, ou seja, segundo um critério da </font><i><font>culpa in abstracto</font></i><font>, como se estabelece o nº 2 do art. 487º C. Civil. </font><br> <font> </font><br> <font> Do elenco factual provado resulta que, além da predita conduta contravencional, o condutor pôs a carrinha em circulação, com a vítima na caixa de carga, sem se certificar, sequer, que a porta estava fechada, sendo certo até que, de forma “temerária e irresponsável”, condutor e vítima executavam a tarefa de distribuição do pão com a porta de trás sempre aberta, aí se fazendo transportar o falecido, contra as ordens da entidade empregadora.</font><br> <br> <font> Violador das regras de condução, a fazer presumir a culpa em concreto, e imprudente e inconsiderado, revela-se também fortemente censurável, logo culposo o comportamento de do motorista da viatura e da vítima. </font><br> <br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font>3. 2. 4. - Aqui chegados, temos então que o acidente e o dano resultaram do concurso de actuações ilícitas e culposas de ambos os intervenientes.</font><br> <br> <font>Segundo o art. 570º C. Civil, quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.</font><br> <font> </font><br> <font>Daí a necessidade de graduação das culpas.</font><br> <font> </font><br> <font>Sendo ambas as condutas culposas, questiona-se se, para efeitos indemnizatórios, devem distinguir-se.</font><br> <br> <font>Trata-se de proceder à valoração do concurso do facto “culposo” do lesado, como acção livre e consciente representativa dum «acto constitutivo de responsabilidade pessoal», da sua auto-responsabilização, confrontado com o comportamento do motorista, tudo com vista à determinação da medida da sua gravidade.</font><br> <p><font>Temos por certo, por um lado, que alguém que se faz transportar na caixa isotérmica duma carrinha de distribuição de pão, cuja porta de trás ia sempre aberta amarrada por um barbante, para ser mais rápida a distribuição, assume uma posição de autocolocação em perigo, mediante a assunção dos riscos próprios dessa circulação objectivamente contravencional, temerária e com especial aptidão para a produção de acidentes como o que está em apreciação.</font> </p><p><font>Quando tal suceda, a contribuição autodanosa do lesado, por via da assunção voluntária dum risco, traduzido no perigo típico da circulação na viatura em tais condições, parece-nos óbvia.</font> </p><p> </p><p><font>Do outro lado, e concorrentemente, perfila-se o condutor, também criador imediato do perigo, com conhecimento da exposição voluntária do lesado ao mesmo e da possibilidade de ocorrer o facto danoso. </font> </p></font><p><font><font> </font><br> <font> A tudo acresce, a habitualidade dessas condutas, em cooperante tolerância (pelo menos) do condutor, como denunciado pela matéria de facto apurada, mau grado as instruções em contrário da entidade patronal dos intervenientes. </font><br> <font> </font><br> <br> <font> Tem-se assim por adequado, perante o quadro disponível, em função da conculpabilidade e contribuição para o facto danoso, fixar a respectiva repartição e responsabilidade em metade para o condutor e outro tanto para a vítima, proporção que a indemnização reflectirá.</font><br> <br> <font> </font><br> <br> <font> 3. 2. 5. - Não sofre contestação alguma a existência de uma relação de comissão entre o condutor do veículo e a Ré-recorrente, tendo esta na qualidade de comitente, e respondendo, como resulta dos arts. 503º-1 e 3 e 507º C. Civil, nos termos correspondentes à responsabilidade culposa do comissário.</font><br> <br> <font> </font><br> <br> <font> 3. 2. 6. - Não vem também questionado o valor fixado aos danos pela Relação em 75.500,00€, o qual, por isso, é de manter.</font><br> <font> Desta quantia, a Ré deverá pagar aos AA. 50%, a título de indemnização pela totalidade dos danos reclamados. </font><br> <br> <font> </font><br> <br> <font> 3. 3. - Afastada a responsabilidade pelo risco, fica prejudicada a questão do conhecimento dos limites aplicáveis ao montante indemnizatório – art. 660º-2 CPC.</font><br> <br> <font> </font><br> <br> <font> 3. 4. - Também, face ao que ficou decidido em sede substantiva, a questão da repartição das custas na condenação (nas custas da acção) constante do acórdão recorrido se tornou supervenientemente inútil, em virtude da sua necessária revisão em função do decidido neste recurso de revista, com repercussão nas decisões das Instâncias, como no lugar próprio se deixará exarado.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em: </font><br> <font> - Conceder parcialmente a revista, embora por fundamentos diferentes dos peticionados;</font><br> <font> - Revogar, também em parte, a decisão impugnada;</font><br> <font> - Fixar, reduzindo-a, a indemnização a pagar por “C... &amp; V..., Lda.” a AA e DD, em 37.750,00€ (trinta e sete mil, setecentos e cinquenta euros);</font><br> <font> - Colocar a responsabilidade pelas custas devidas neste recurso e nas Instâncias a cargo de ambas as Partes, na proporção do respectivo vencimento. </font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> Lisboa, 7 Maio 2009 </font><br> <br> <font>Alves Velho (relator)</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <br> <font> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <p><font>Os recorrentes AA e BB – abrigando-se no n.º 3 do artigo 700.º do Código de Processo Civil – reclamam do despacho do Relator que não admitiu o recurso.</font> </p><p><font>Alegam, em síntese, que decidir-se não terem demonstrado a existência de oposição de acórdãos, por não apresentação de certidão dos respectivos arestos-fundamento, não seria motivo de inadmissão do agravo; que assim se violaram os princípios da cooperação e da boa fé processuais; que tal se traduz em denegação de justiça; que este Supremo Tribunal deveria sanar oficiosamente a falta ou determinar aos recorrentes que o fizessem; que, finalmente, está comprovada a oposição de julgados.</font> </p><p><font>O recorrido veio defender a manutenção do despacho posto em crise.</font> </p><p><font>Sem precedência de vistos, o processo vem submetido à conferência.</font> </p><p><font>Conhecendo, </font> </p><p><font>1- Trata-se de agravo continuado do Acórdão da Relação de Lisboa que indeferiu a arguição da nulidade da citação dos ora reclamantes.</font> </p><p><font>Alegaram estes que o aresto recorrido contraria julgados anteriores daquela Relação e deste Supremo Tribunal.</font> </p><p><font>Mas com o requerimento de interposição de recurso não juntaram certidão – com nota de trânsito – dos Acórdãos contraditados, limitando-se a referir constarem de uma base de dados e a transcreverem os respectivos sumários.</font> </p><p><font>Logo, e em parecer liminar, o Digno Magistrado do Ministério Público opinou pela não admissão do recurso, por improvada a contradição-oposição de julgados, sendo, outrossim, “as referências identificativas de todos esses acórdãos (…) inidóneas para a sua localização.”</font> </p><p><font>Ao Relator pareceram, em primeira analise, de acolher estes argumentos pelo que determinou se cumprisse o n.º 1 do artigo 704.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Os Recorrentes defenderam o conhecimento do recurso (mas sem se preocuparem em juntar os documentos sugeridos), mostrando-se o recorrido de acordo com o parecer do Ministério Público.</font> </p><p><font>Decidiu, então, o Relator:</font> </p><p><font>“Na redacção vigente para esta lide (Decreto-Lei n.º 375.º-A/99) o n.º 2 do artigo 754.º do Código de Processo Civil não admitia, como regra, o agravo interposto na 2.ª instância sobre decisão da 1.ª instância.</font> </p><p><font>O principio tinha as excepções dos n.ºs 2 e 3, relevando aqui apenas a primeira – ‘se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação’ e inexistir jurisprudência fixada – que é a que os recorrentes lançaram mão.</font> </p><p><font>Só que, </font><u><font>a demonstração dessa oposição jurisprudencial cabe aos agravantes, que devem instruir o requerimento de interposição de recurso com documento a certificar a decisão contrária e respectiva nota de trânsito em julgado.</font></u> </p><p><font>Não basta uma mera referência a uma base informática, ficando-se sem saber da definitividade do aresto citado ou mesmo da sua autenticidade.</font> </p><p><font>Mas ainda que assim não se entendesse, e se adoptasse um entendimento mais permissivo, por tolerante, sempre seria de exigir o </font><u><font>texto integral</font></u><font> do(s) acórdão(s), que não meros sumários (nem sempre a sintetizarem, com rigor, o sentido da decisão).</font> </p><p><font>Aliás, “in casu”, tivemos oportunidade de consultar o Acórdão da Relação de Lisboa deparando, tão-somente, com um sumário (no ponto informático citado) e, buscando o texto integral na Relação, (afinal, de 31 de Março de 1992 – P.º 5680 – e não, como citam os recorrentes, de 4 de Outubro de 1991 – data da decisão recorrida) verifica-se que o sumário não corresponde à decisão s que culmina: “se a parte deduzir os embargos à execução sem examinar o titulo executivo, podendo examiná-lo na secretaria, através do seu mandatário, ou reclamando fotocópia completa dos títulos “sibi imputet”.</font> </p><p><font>Ora não será esta decisão a opor-se à ora agravada.</font> </p><p><font>O mesmo se dirá do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça igualmente invocado em oposição por mero sumário, o qual se reporta, em geral, às formalidades da citação. (Acórdão de 19 de Outubro de 1999, mais uma vez citado erradamente, como de 11 de Dezembro de 1997 – data da decisão recorrida).</font> </p><p><font>Em suma, os recorrentes não demonstraram a oposição de acórdãos, “conditio” da admissão do agravo.</font> </p><p><font>Destarte, não admito o recurso.”</font> </p><p><font>2- Esta decisão não se nos afigura censurável.</font> </p><p><font>Cumpria aos recorrentes fazer a prova da oposição de acórdãos e esta far-se-ia com a junção de certidão – ou documento de valor idêntico - do(s) acórdão(s) fundamento. Documento contendo o texto integral e respectiva nota de trânsito em julgado.</font> </p><p><font>A prova do pressuposto de admissão do recurso é feita pelo Recorrente e não é o Tribunal “ad quem” que tem de a suprir.</font> </p><p><font>Diga-se, aliás, que não é suficiente a solução de, com laivos de “facilitismo” e menor zelo, buscar numa base de dados um qualquer sumário, imprimir o texto e remetê-lo a juízo.</font> </p><p><font>Por um lado, a base de dados não certifica a autenticidade do texto, antes tendo o escopo de mera divulgação e referência, ponto de partida para pesquisa e estudo (veja-se, por exemplo, que o legislador exige para a natureza persuasiva dos acórdãos uniformizadores de jurisprudência a sua publicação no Diário da República – n.º 4 do artigo 732.º-B do Código de Processo Civil); de outra banda um simples sumário (então, de incerta autoria –só agora se exigindo a sua elaboração ao relator (nº7 do artº 713 CPC, na redacção do DL nº 303/2007, de 24-8 ) não escrutinado pelo conclave julgador e, tantas vezes – como até aconteceu, como acima se disse, num dos acórdãos citados – sem correspondência precisa com o sentido da decisão) só pode bastar-se como mero apontamento, ou chamada de atenção, para desenvolvimento de certo descritor; finalmente, só pode haver oposição entre decisões transitadas e o trânsito em julgado não se presume – cf. v.g. os artigo 677.º, 668.º e 669.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Ademais, e “in casu”, falar em “grosseira denegação de justiça” é, para além de utilizar uma adjectivação menos serena, esquecer que quem dá causa a uma situação como a vertente – com inevitáveis custos a nível da tributação – é certa ligeireza de métodos dos recorrentes.</font> </p><p><font> Agora insinuam com o artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República (preceito bastas vezes chamado em desespero de causa) cujo apelo (parecendo sugerir um ulterior recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, e sem risco de excesso de pronúncia, se dirá de admissibilidade muito duvidosa – não só por se tratar de questão manifestamente infundada em si, como por intempestivamente suscitada, por não o ter sido na primeira oportunidade – resposta à notificação do artigo 704.º do Código de Processo Civil – cf. artigos 70.º, n.º1, b) e 76.º, n.º 2, “in fine” da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro) .</font> </p><p><font>Invocar o artigo 265.º (ou mesmo o artigo 266.º) do Código de Processo Civil, é despropositado pois não cabe nos poderes oficiosos e de cooperação investigar e localizar jurisprudência para as partes. </font> </p><p><font>Certo que “o tribunal tem o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ónus ou deveres processuais” (Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, 67). </font> </p><p><font>Mas tal implica que aquelas aleguem, justificadamente, sérias dificuldades de obtenção de documentos ou informações que comprometam o exercício do seu direito ou o cumprimento de um dever processual. Isto é, a parte tem que invocar a existência de um obstáculo que, por si, embora tenha tentado, não possa ultrapassar.</font> </p><p><font>Só então surge o dever de auxílio.</font> </p><p><font>Ora, os recorrentes não alegaram quaisquer escolhos para obtenção de certidões dos acórdãos que citam, nem essas surgem patentes. (Aqui, lhes foi indiferente a primeira notificação – artigo 704.º do Código de Processo Civil – não diligenciando pela junção do sugerido), e o Relator, indo além do que estritamente se lhe impunha, teve o cuidado de verificar o texto integral de um dos acórdãos citados por sumário, detectando a desconformidade.</font> </p><p><font> Mais não podia fazer sob pena de, para além do dever de auxílio, ficar indiferente ao da imparcialidade.</font> </p><p><font>3- Pode concluir-se que:</font> </p><p><font>a) Cumpre ao recorrente que alega oposição de julgados como condição de admissão de recurso, juntar certidão integral do Acórdão fundamento, com a respectiva nota de trânsito em julgado.</font> </p><p><font>b) Esse pressuposto de admissão do recurso não se basta com o texto extraído de uma base de dados e muito menos com a mera transcrição do sumário.</font> </p><p><font>c) O Tribunal que admite o recurso não tem que oficiosamente buscar os elementos para verificar dessa condição, a não ser que a parte alegue e justifique dificuldade insuperável de os obter.</font> </p><p><font>Nos termos expostos, </font><b><u><font>acordam indeferir a reclamação.</font></u></b> </p><p><font>Custas pelos reclamantes, fixando a taxa de justiça em 8 (oito) UCs.</font> </p><p><font>Lisboa, 06 de Maio de 2008 </font> </p></font><p><font><font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <br> <b><font>I. Relatório</font></b><br> <br> <b><font>AA</font></b><font> e marido, </font><b><font>BB</font></b><font>, instauraram em 15 de Setembro de 2008, acção com processo ordinário, </font><b><i><u><font>contra </font></u></i></b><b><font>CC</font></b><font> e esposa, </font><b><font>DD</font></b><font>, </font><b><i><u><font>pedindo </font></u></i></b><br> <font>- a condenação dos RR. no pagamento da quantia de 31.000,00 euros, acrescida de juros legais a contar da citação até integral pagamento.</font><br> <font>Para o efeito, invocaram como causa de pedir, prejuízos que os RR. lhes causaram com uma penhora promovida e executada em 2003.11.12 com remoção de bens de um estabelecimento comercial, e que só veio a ser possível pôr-lhe cobro e ser levantada através de embargos de terceiro, por si instaurada, e que lhes foi inteiramente favorável. </font><br> <font>Os RR. contestaram o direito à indemnização, invocando designadamente a prescrição do direito invocado pelos AA., assente no facto de terem estes tido conhecimento da penhora e da remoção no próprio dia 2003.11.12, e só haver dado entrada em juízo a presente acção 2008.09.15, ou seja, muito para além do prazo de três anos. </font><br> <font>Na réplica os AA. pugnaram pela improcedência da arguida excepção, alegando que, logo na interposição dos embargos de terceiro, em 2003.11.21, manifestaram intenção de exercer o direito agora invocado e que o acórdão que decidiu os embargos de terceiro foi proferido em 2005.11.21 só lhes havendo sido restituídos os bens em 2006.03.16, pelo que, só podendo exercer o direito a partir do trânsito da Sentença, os três anos previstos para a prescrição ainda não haviam ocorrido.</font><br> <font>No Saneador foi logo proferida decisão julgando procedente a excepção de prescrição, absolvendo com isso os RR. do pedido.</font><br> <font>Inconformados com a decisão, recorreram os AA., tendo a Relação vindo a confirmar a decisão da primeira instância, sem votos de vencido.</font><br> <font>Os AA. continuaram inconformados e pediram Revista extraordinária, apresentando as respectivas alegações de recurso. </font><br> <font>Os RR. sustentaram a inadmissibilidade do recurso.</font><br> <font>Atendendo a que o processo actual foi instaurada já após 1 de Janeiro de 2008, e se estava já perante o regime da “dupla conforme”, o recurso foi admitido no STJ pela formação de Juízes Conselheiros designados para apreciação preliminar sumária a que se reporta o art. 721.º-A., n.º3, à luz do fundamento previsto no art. 721.º-A, n.º1-c) do CPC. para a Revista Excepcional .</font><br> <font>Foram entregues aos Exm.ºs Adjuntos cópias do Projecto de Acórdão, para o terem já presente no prazo dos vistos, que corre em simultâneo, atendendo ao disposto no art. 726.º e 707.º do CPC.</font><br> <b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br> <font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vamos começar por transcrever as “conclusões” apresentadas pelos recorrentes em sede alegacional, uma vez que nelas se encontram os fundamentos pelos quais pedem a alteração da decisão recorrida, aí traçando as questões que pretendem ver apreciadas.</font><br> <font>Assim:</font><br> <i><font>“CONCLUSÕES: </font></i><br> <i><font>A) O Acórdão fundamento que se junta e o Acórdão de que recorre debruçam-se sobre as mesmas questões: responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, sobre o momento em que o prazo de prescrição começa a correr e sobre acto que possa ser considerado interruptivo da prescrição, e estão em contradição sobre tais questões. </font></i><br> <i><font>B) Os Recorridos incorreram em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos ( aplicando-se por isso o prazo previsto no artigo 498, n.º 1 do Código Civil ) não estando prescrito o direito de indemnização dos Recorrentes aquando da propositura da acção a qual ocorreu em 15 de Setembro de 2008. </font></i><br> <i><font>C) O prazo de prescrição do direito de indemnização invocado pelos Recorrentes não se inicia a partir da data realização da penhora e remoção dos bens - a qual ocorreu em 12 de Novembro de 2003 -, iniciando-se apenas com o trânsito em Julgado do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21/11/2005, pois só nesta data foi reconhecido aos Recorrentes em definitivo o direito aos bens penhorados e removidos do seu restaurante, sendo que só em 16 de Março de 2006, os bens penhorados foram restituídos aos Recorrentes. </font></i><br> <i><font>D) O prazo da prescrição a que se reporta o art° 498.º do Código Civil, implica que se exija o conhecimento, pelo lesado, de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, dado que quem não tem esse conhecimento não sabe se pode exigir a indemnização. </font></i><br> <i><font>E) De resto, o prazo previsto no artigo 498, n° 1 do Código Civil, só começar a contar a partir do momento em que o lesado tem conhecimento de todos os pressupostos ( facto, ilicitude, nexo de causalidade, culpa e dano ). Só com o trânsito em julgado do Acórdão proferido nos autos de embargos de terceiro é que os Recorrentes têm conhecimento da ilicitude da conduta dos Recorridos. </font></i><br> <i><font>F) Sem prescindir, os Recorrentes como a dedução dos embargos de terceiro em 21/11/2003 manifestam desde logo directa e indirectamente a intenção de exercer o seu direito à indemnização, e, assim sendo, interrompeu-se a prescrição, interrupção essa que se manteria até ao trânsito em julgado da decisão que viesse a ser proferida sobre os embargos deduzidos - o que aconteceu com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de Novembro de 2005. </font></i><br> <i><font>G) Assim sendo, tendo a presente acção dado entrada em Juízo em 15 de Setembro de 2008, não ocorre a prescrição prevista no artigo 498, n.º 1 do Código Civil </font></i><br> <i><font>H) O douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 306.º, 321.º , 323.º , 326.º e 327.º do Código Civil.”</font></i><font> </font><br> <font>Da leitura de tais conclusões vemos que duas questões se mostram colocadas, embora uma a título principal e outra a título subsidiário.</font><br> <font>A </font><u><font>questão principal</font></u><font> consiste em determinar a partir de quando deve contar-se o prazo de prescrição do direito a indemnização dos AA. contra os RR., fundada em penhora executada sobre bens relativamente aos quais os ora AA.deduziram embargos de terceiro que foram julgados procedentes:</font><br> <font>a) da data em que os aqui AA. tiveram conhecimento da penhora?</font><br> <font>b) ou da data em que os embargos foram decididos e a respectiva decisão julgada transitada?</font><br> <font>A </font><u><font>questão colocada apenas a título subsidiário</font></u><font>, pode formular-se nos termos seguintes: </font><br> <font>a) ocorreu interrupção da prescrição com a manifestação dos embargantes, nos próprios embargos, de que iriam oportunamente peticionar indemnização contra os ora RR. pela actuação de terem nomeado indevidamente à penhora bens próprios destes.?</font><br> <font>b) e em caso afirmativo, a partir de quando se deveria reiniciar a respectiva contagem?</font><br> <b><font>III. Fundamentação </font></b><br> <b><font>III-A) Os factos</font></b><br> <font>Estão considerados assentes os factos seguintes:</font><br> <i><font>“1 ° - A presente acção deu entrada em juízo no dia 2008.09.15; </font></i><br> <i><font> 2° - A 2003.11.12 foram penhorados e removidos os bens dos AA. indicados no artigo 4° da petição inicial; </font></i><br> <i><font>3° - A 2003.11.21 os AA. deduziram embargos de terceiro no âmbito dos autos em que foi efectuada a penhora;</font></i><br> <i><font>4° - Em 2005.11.21 foi proferido acórdão julgando procedentes os embargos de terceiro deduzidos pelos AA.” </font></i><br> <b><font>III-B) O Direito</font></b><br> <font>A prescrição consiste na possibilidade de alguém se opor ao exercício de um direito em virtude de este não ter sido exercido durante um certo lapso de tempo.</font><br> <font>O que a lei pretende ou propõe com a prescrição é proteger a segurança jurídica e, ao mesmo tempo, sancionar a negligência do titular do direito. </font><br> <font>Por isso, refere o art. 304.º do CC. ,</font><i><font>“Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, de qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.”</font></i><br> <font> O direito não se extingue com a prescrição; a diferença é que o direito passa a ter como contraponto não uma obrigação juridicamente exigível, mas uma obrigação natural.</font><br> <font>A respeito da prescrição por responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, enuncia o art. 498.º-1 do CC. o seguinte:</font><br> <i><font> “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”</font></i><br> <font>Ora bem:</font><br> <font>Nenhuma das partes questiona a respectiva aplicação ao caso concreto do art. 498.º-1 do CC., no qual aliás a própria Relação fundou a decisão, divergindo, no entanto, os Recorrentes AA. a respeito da interpretação que lhe foi dada.</font><br> <font>Para os AA., o conhecimento do direito só se dá com o reconhecimento da existência dos pressupostos concretos, efectivos, condicionadores da responsabilidade, o que, in casu, segundo sua interpretação, só sucedeu com a decisão tomada nos embargos de terceiro, que definiu a actuação dos aqui RR. como ofensiva dos direitos dos AA. (ilicitude do acto).</font><br> <font> Para os RR., no entanto, tal como sustentado na decisão recorrida, o conhecimento do direito manifestou-se com a verificação e o conhecimento por parte dos AA. dos factos (pressupostos) onde supostamente assenta a obrigação juridicamente exigível imputada aos RR., cujo direito os AA. se arrogam e aqui pretendem exercer.</font><br> <font> Na linha da interpretação perfilhada no Acórdão recorrido concluiu-se no Tribunal da Relação que o direito à indemnização se encontrava prescrito, porque entre 2003.11.12 (momento da penhora, em que o A. teve conhecimento da violação do seu direito sobre os bens) e a propositura da presente acção (2008.09.15) haviam decorrido mais de três anos.</font><br> <font>Sustentou-se que teriam os embargantes de deduzir pedido indemnizatório dentro desse prazo, ou seja, a partir do conhecimento do facto danoso para evitarem a prescrição, uma vez que já tinham ao seu dispor o conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil para a exigir, onde se incluía, em seu dizer, a ilicitude do acto imputada aos requerentes, seus promotores, e verificados também os demais pressupostos.</font><br> <font> Os Recorrentes discordam desse entendimento, porque interpretam o art. 498.º-1 do CC. ligando o </font><u><font>conhecimento do direito por parte dos autores</font></u><font> (ao abrigo do qual se funda o pedido de indemnização) como sendo </font><u><font>aquele em que é reconhecida a estes a existência desse direito e sua violação</font></u><font>, ou seja, reportam o início da contagem da prescrição à decisão que define como indevida ou injustificada a penhora decretada (decisão tomada nos embargos de terceiro), pois entendem que é a partir daí que fica definido e plasmado o acto ilícito donde podem emanar os efeitos danosos, e consequentemente, o direito à indemnização. E assim sendo, o momento em que podem exercer o próprio direito só nasce com a sentença que considerou que a penhora não era de manter e deveria ser levantada.</font><br> <font>Há aqui no entanto um pequeno equívoco na argumentação dos recorrentes:</font><br> <font> A lei não exige que o início do prazo prescricional se dê com o momento em que o direito fique definido ou judicialmente reconhecido, mas tão só e apenas que seja conhecida do lesado o direito à indemnização pela produção dos danos e possa ser exercido (1) </font><font>:</font><br> <font>Ora o direito de indemnização previsto no art. 498.º-1 (responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos quando não tenha na sua fonte um crime), pode ser exercido logo que conhecidos do lesado os respectivos factos pressupostos.</font><br> <font>Com efeito, os pressupostos preenchem-se com factos e todos os factos eram já conhecidos dos AA.. O que não era conhecida era a qualificação que o Juiz iria atribuir ao acto promovido pelos Recorrentes que levou ao decretamento da penhora de seus bens. </font><br> <font>A prosseguir-se o entendimento dos Recorrentes, não podia instaurar-se nenhuma acção de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual, sem que houvesse outra acção anterior, de simples apreciação, que definisse a natureza do acto (lícito ou ilícito).</font><br> <font>É este o entendimento maioritário sufragado no Supremo, expresso designadamente nos Acs. do STJ nas datas e processos seguintes: </font><br> <font>- 2005.11.03 (Pires da Rosa, Custódio Montes e Neves Ribeiro) no processo 04B4235;</font><font> (2) </font><br> <font>- 2005.11.29 (Salvador da Costa, Ferreira de Sousa, Armindo Luís) no processo 05B3557,</font><br> <font> - 2007.05.29 (Ribeiro de Almeida, Nuno Cameira, Sousa Leite) no processo n.º 07A1340;</font><br> <font>- 2009.09.22 (Alves Velho, Moreira Camilo e Urbano Dias), no processo n.º180/2002.S2.</font><font>(3) </font><br> <font>- todos eles in </font><u><font>www.dgsi.jstj.pt</font></u><br> <br> <font>O pressuposto da ilicitude deve por isso aferir-se em função da versão apresentada pelo A., sendo que é nessa perspectiva que o Juiz deve julgar se houve ou não violação do direito, e se essa violação foi lícita ou ilícita, e se foi através dela que resultaram os factos danosos.</font><br> <font>Assim sendo, o prazo de prescrição de três anos para a acção indemnizatória não tem que aguardar pelo resultado da qualificação quanto à natureza do acto em qualquer acção (designadamente embargos de terceiro), começando a contar-se da data em que o </font><u><font>lesado teve conhecimento do direito que, em sua perspectiva, lhe assiste</font></u><font>, isto é, </font><u><font>em que já o pode exercer</font></u><font>, o que acontecia, in casu, logo que foi notificado da penhora dos bens (2003.11.12.) e com ela passou a ter prejuízos, pois nela viu a ofensa injustificada e ilícita do seu direito de propriedade por nada dever ao exequente e ficar privado de disposição sobre os referidos bens.</font><br> <font>Podemos dizer, desta forma, e </font><i><u><font>à partida</font></u></i><font>, que a prescrição para propositura da acção indemnizatória pelos danos já produzidos e conhecidos até à data dos embargos, tenderia a verificar-se-ia, efectivamente, em 2006.11.12. </font><font>(4) </font><br> <font>A argumentação das instâncias não merece censura nas afirmações feitas assim, de um modo genérico, a esse respeito.</font><br> <u><font>No entanto, houve nela um importante lapso, porque não foi introduzido no Acórdão recorrido um dado essencial, também invocado pelos AA., e que, em nosso entender constitui a pedra angular da solução do problema</font></u><font>:</font><br> <font>A interrupção da prescrição:</font><br> <font>É que o art. 323.º-1 do CC estipula que a prescrição se interrompe </font><i><font>“pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.”</font></i><br> <font>E o n.º 4 refere que </font><i><font>“É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”</font></i><br> <font>Donde se conclui que tem de considerar-se </font><u><font>interrompido o prazo prescricional</font></u><font> a partir do momento em que nos embargos de terceiro os aqui AA. (aí embargantes), exprimiram a intenção de exercer o direito à indemnização por se verem, pelo menos na sua perspectiva, (ilicitamente) privados de bens que lhes pertenciam (e não ao executado).</font><br> <font>Ora, de acordo com o art. 326.º-1, </font><i><font>“A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, </font></i><i><u><font>sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte</font></u></i><i><font>.</font></i><font>(sublinhado nosso)</font><br> <font>Ora o que nos diz o n.º 1 do artigo seguinte (art. 327.º)?</font><br> <font>Diz-nos que </font><i><font>“Se a interrupção resultar de citação, notificação </font></i><i><u><font>ou acto equiparado </font></u></i><font>(sublinhado nosso)</font><i><font> ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo”</font></i><font>.</font><br> <font>E assim sendo, como o “acto equiparado a notificação” ocorreu no seio dos embargos de terceiro, o novo prazo de prescrição só começaria a contar-se a partir do trânsito em julgado da decisão dos próprios embargos.</font><br> <font>Em termos práticos isto significa que o prazo de três anos só começaria a contar-se a partir de 2005.11.21, pelo que, quando a presente acção de indemnização foi instaurada, ou seja, em 2008.09.15, o prazo prescricional ainda não havia ocorrido.</font><br> <font>A menção de que se pretendia exercer o direito de pedir indemnização aos RR., estava expressa nos embargos de terceiro, pelo que o conhecimento dado aos RR. dessa intenção, fora feito portanto através de meio idóneo.</font><br> <font>Pelo exposto, concede-se a Revista.</font><br> <b><font>IV. Decisão</font></b><br> <b><i><font>Na concessão da Revista, revoga-se o não obstante douto Acórdão da Relação e a Sentença, e em sua substituição julga-se não verificada a prescrição do direito invocado, pelo que deverá a acção prosseguir, com a selecção da matéria assente e da base instrutória.</font></i></b><br> <i><font>Custas pelos RR. (recorridos). - tabela I-B</font></i><b><i><font>.</font></i></b><br> <br> <font>Lisboa, 23 de Fevereiro de 2010</font><br> <br> <font>Mário Cruz (Relator)</font><i><font> </font></i><br> <font>Garcia Calejo</font><br> <font>Helder Roque</font><br> <font>_____________________________</font><br> <font>(1) </font><font>O art.</font><i><font> </font></i><font> 306.º-1, 1.ª parte, diz apenas que </font><i><font>“O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”</font></i><br> <font>(2) </font><font>Nele se escreveu: </font><i><font>“(…) </font></i><i><font>O direito a ser indemnizado existe ou não existe , mas se existe, existe e é conhecido a partir desse preciso momento. Não passa a existir e a ser conhecido apenas no momento - posterior - em que vier a ser reconhecido por decisão judicial transitada.” “(…) o prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento. (…)”.</font></i><br> <font>(3) </font><font>Escreveu-se então: </font><i><font>“(…) a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento nos triénio anterior.(…)”</font></i><br> <font>(4) A lei processual admite que corram em paralelo as acções destinadas à determinação da ilicitude do acto (in casu, penhora, à qual se reage através de embargos de terceiro) e a acção indemnizatória fundada na culpa ou dolo na sua promoção, como aliás sustentado no Ac do STJ 05B3557 (Salvador da Costa, Ferreira de Sousa e Armindo Luís, já acima citado), in </font><u><font>www.dgsi.stj.p</font></u><u><font>t</font></u><font> </font></font>
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VzK2u4YBgYBz1XKvuDX2
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <u><font>Relatório</font></u><br> <br> <font>Nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, </font><br> <u><font>AA,</font></u><br> <font>Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra a </font><br> <font>1 – </font><u><font>Companhia de BB – Mundial S.A.</font></u><br> <font>2 –</font><u><font>CC,Lda.ª,</font></u><br> <font>Formula os seguintes pedidos:</font><br> <font>1º - condenação da Ré Seguradora a pagar-lhe uma indemnização de 1.500 €, correspondente a 15 dias de paralização anómala e desnecessária da viatura do A.</font><div></div><font>2º - Condenação de </font><u><font>uma das rés,</font></u><font> pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso do contrato (do contrato de seguro, no caso da 1ª Ré ou do contrato de empreitada, no caso da 2ª Ré) na indemnização de 100€/dia, pela privação da viatura do A.A. posteriormente a 15/11/2002 e até à sua entrega efectiva.</font><div></div><font>3º - Deverá ainda de ser declarado se a reclamação adicional reclamada pela 2ª Ré é ou não procedente, ou seja, se efectivamente foram danificadas no acidente em causa, outros componentes não previstos no orçamento inicial aprovado pelos serviços técnicos da 1ª Ré e que mereceram a anuência da 2ª demandada.</font><div></div><font>Alegou em resumo:</font><br> <font>- Que celebrou, com a Ré Seguradora um contrato de seguro que teve por objecto o seu veículo automóvel de matrícula 00-00-0I, abrangendo esse contrato os riscos de choque, colisão e capotamento, bem como avarias consequentes a fenómenos da natureza;</font><br> <font>- Que tal veículo sofreu um sinistro que obrigou a reparação avultada, que foi efectuada nas instalações da 2ª Ré, com o aval orçamental da 1ª Ré.</font><br> <font>- Tal reparação não foi correctamente efectuada, o que obrigou a uma reparação suplementar numa outra oficina, que foi levada a cabo à revelia do A.</font><br> <font>- Por sua vez a 1ª Ré, não concordou com a dita reparação suplementar, pelo que se recusou a pagar o respectivo preço à 1ª Ré.</font><br> <font>- Por isso, a 2ª Ré não devolveu, até hoje, o veículo ao A. </font><br> <font>- A privação do uso do veículo tem causado danos ao A. dos quais pretende ser indemnizado.</font><div></div><font>A Ré Seguradora contestou, admitindo o contrato de seguro alegado pela A., assim como o sinistro.</font><br> <font>Alega que concordou com a peritagem efectuada pelos seus serviços técnicos, aceitando, por isso, a reparação do veículo nas condições e pelo preço constante do orçamento que aprovou.</font><br> <font>Porém, nunca a 2ª Ré a informou do envio para a Baviera S.A. da viatura em causa, a que não anuiu, alegando a desnecessidade da reparação suplementar efectuada na representante da marca.</font><div></div><font>Também a 2ª Ré contestou, aceitando ter recebido o automóvel do A. para reparação, mas afirma que esta se revelou problemática, pelo que, com o assentimento do A., levou o veículo à Baviera S.A., importador e concessionária da marca, para um diagnóstico, tendo esta empresa acabado por efectuar, sem que tal tivesse sido pedido, uma outra reparação que, de qualquer modo deixou o cano em condições normais.</font><br> <font>Alega ter direito ao pagamento dessa reparação suplementar (que, por sua vez pagou à Baviera).</font><br> <font>Como 1ª Ré se recusa a pagar-lhe tal importância, deve ela ser liquidada pelo A., o que peticiona em sede de </font><u><font>reconvenção.</font></u><br> <font>Pediu ainda a intervenção acessória da Baviera S.A., que veio a ser admitida.</font><div></div><font>Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual foram as Rés absolvidas da instância quanto ao pedido formulado em 2º.</font><div></div><font>O A. agravou de tal decisão, tendo o agravo sido recebida para subir diferidamente.</font><div></div><font>Organizou-se a base instrutória e fixaram-se os factos assentes.</font><div></div><font>Procedeu-se a julgamento findo o qual foi proferida sentença final que </font><u><font>julgou procedente o 3º pedido formulado pela A</font></u><font>. (os R.R. já haviam sido absolvidos da instância quanto ao 2º pedido), e </font><u><font>improcedente o 1º.</font></u><br> <font>Quanto à </font><u><font>reconvenção,</font></u><font> </font><u><font>julgou-a parcialmente procedente</font></u><font> e consequentemente </font><u><font>condenou o a. a pagar à 2ª Ré</font></u><font> (CC Ldª) </font><u><font>a quantia de 9.524.95€.</font></u><div></div><font>Apelou o A.</font><br> <font>Com a apelação subiram os agravos retidos.</font><div></div><font>A Relação deu provimento ao agravo referido, tendo anulado todo o processado posterior.</font><div></div><font>Proferiu-se novo despacho saneador, que seleccionou os factos assentes e organizou a base instrutória. </font><div></div><font>Realizado a nova audiência da discussão e julgamento e lida a decisão sobre a matéria de facto, proferiu-se sentença final, que repetiu a anterior.</font><br> <font>Assim, julgou </font><u><font>parcialmente procedente a acção</font></u><font> e, em consequência, </font><u><font>declarou que a reclamação adicional da Ré CC Ldª é procedente, ou seja, que foram efectivamente danificados no sinistro em causa, outros componentes do automóvel do A. não previstos no orçamente inicial pelos serviços técnicos da 1ª Ré,</font></u><font> e que mereceram a ausência da 2ª Ré. (pedido 3ª).</font><br> <font>- J</font><u><font>ulgou improcedentes os demais pedidos do A..</font></u><br> <font> E julgou </font><u><font>parcialmente procedente o pedido reconvencional da 2ª Ré, condenando o A, a pagar-lhe a importância de 9.524.95€</font></u><font>, acrescida de juros desde a notificação do pedido reconvencional</font><div></div><font>Inconformada recorre o A., recurso que foi admitido como de apelação.</font><div></div><font>A Relação, conhecendo do recurso, julgando-o parcialmente procedente, pelo que revogou a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional da 2ª Ré, que julgou inteiramente procedente.</font><br> <font>No mais, manteve a sentença recorrida.</font><div></div><font>Novamente inconformado, volta a recorrer o A., agora de revista e para este S.T.J.</font><div></div><u><font>Conclusões</font></u><div></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou o recorrente as conclusões seguintes:</font><div></div><font>1º) Porque o pedido de pagamento de reparação é inócuo já que nos termos do contrato de seguro o dever de ordenar e pagar a reparação assiste à seguradora, que por isso celebrou um contrato de empreitada com a oficina.</font><div></div><font>O Douto Acórdão recorrido fez incorrecta apreciação do plasmado na cláusula 39 do contrato de seguro.</font><div></div><font>2º - Porque como muito bem ensinou, entre outros, os Ac. da Rel. C. de 6/3/2007 e do S.T.J. de 5/7/2007.</font><br> <font>É indemnizável a privação do uso de um veículo quando não provados danos efectivos, constituindo, pois, um dano autónomo de natureza patrimonial.</font><div></div><font>A simples privação do uso de um bem afecta o direito de propriedade, abrangendo o conteúdo de tal direito, os poderes de uso, fruição e disposição.</font><div></div><font>A indemnização deve ser fixada segundo um juízo de equidade.</font><div></div><font>3º - Porque a Ré seguradora assumiu nos autos uma postura de total indiferença pela sorte do seu segurado, abstendo-se de pagar mesmo aquilo que sempre acordam pagar e se obrigou a pagar, </font><br> <font>- deve ser condenada como litigante de requintada má-fé, na multa e indemnização peticionada.</font><div></div><font>Como tudo resulta da aplicação das disposições dos Art.ºs 405, 443 e 562 do C.C. e da clausula 39 do contrato de seguro.</font><div><br> </div><br> <font>Apenas a Ré seguradora contra-alegou.</font><div></div><font>Requereu a ampliação do âmbito do recurso, relativamente ao alegado no ponto III das contra alegações.</font><br> <font>- Art.º 684-A do C.P.C.</font><div><font> </font><br> </div><br> <u><font>Os Factos</font></u><div><br> </div><br> <font>São os seguintes os factos que as instâncias tiveram por provados.</font><div><br> </div><br> <font>A) Por contrato de seguro titulado pela apólice 60/6.709.502, o autor transferiu para a então Companhia de BB S.A., que após sua fusão com a Companhia de Seguros DD, S.A., deu origem à ora l.ª ré, a responsabilidade pelo pagamento, além do mais, das indemnizações consequentes a choque, colisão, capotamento e avarias consequentes a fenómenos da natureza que porventura viesse a sofrer a viatura de marca BMW, modelo 530 D, de matrícula 00-00-0I.</font><br> <font>B) O autor transferiu para a BB o dever de pagar todas e quaisquer reparações que viessem a tornar-se necessárias ao indicado veículo em consequência de acidente em que fosse interveniente, deduzida da franquia contratual de € 1.102,84.</font><br> <font>C) A interveniente Baviera procedeu à substituição de 1 turbo compressor, 1 sensor, 2 conversores, 1 bomba injectora e 6 injectores, tendo o veículo sido entregue à ré CC sem quaisquer deficiências de funcionamento do motor.</font><br> <font>D) A Ré CC propôs ao A., por carta datada de 31 de Janeiro de 2003 a entrega do carro se este aceitasse fossem retiradas as peças colocadas pela Baviera, que a Ré BB considerou prescindíveis, e colocado nas condições em que esta considerasse serem as devidas, não acarretando qualquer custo acrescido para o cliente quer ao nível de mão de obra quer ao nível das peças.</font><br> <font>E) A proposta mencionada em D) não foi aceite</font><br> <font>Da base instrutória.</font><br> <font>1) O autor é proprietário do veículo acima identificado.</font><br> <font>2) No dia 21/09/02, o filho do autor conduzia o veículo acima referido no IC 24, no sentido Maia-Matosinhos, pela sua mão de trânsito.</font><br> <font>3)... distando da berma do seu lado direito cerca de um metro.</font><br> <font>4) Quando descrevia a última curva, para a direita, atento o indicado sentido de marcha e que antecede a EN 14, foi surpreendido por um lençol de água com altura de cerca de 30/40 cms e cerca de 7/8 metros de extensão, não sinalizado e que lhe afectou a direcção.</font><br> <font>5) Perdendo, assim, o domínio da marcha, colidindo ligeiramente nos "rails" de protecção, o que causou danos de faróis, blindagem plástica e empeno dos pára-choques frontal e traseiro e, sobretudo, a sua imobilização a dois/três metros após o referido lençol de água.</font><br> <font>6) O veículo foi rebocado para as oficinas da 2.a ré, concessionária da marca, por causa de o motor respectivo não mais ter funcionado em consequência da anormal quantidade de água pela qual passou.</font><br> <font>7) Oficina onde, face á participação que o autor lhe efectuou, a mesma foi vistoriada e peritada pela l.ª ré.</font><br> <font>8) Em 25 de Setembro, a l.ª ré fez deslocar à aludida oficina um colaborador seu, o qual, em 30/09/02 conclui a peritagem e apresentou dois orçamentos, um para o serviço de mecânica e outro para bate chapas e pintura, os quais foram elaborados de forma condicional.</font><br> <font>9) A l.ª ré só converteu em definitivos tais orçamentos em 15/10/02.</font><br> <font>10) O orçamento elaborado para a parte mecânica previa a substituição do bloco do motor por um outro recondicionado na fábrica, na Alemanha.</font><br> <font>11) 0 qual tinha de ser encomendado.</font><br> <font>12) O que só sucedeu depois da conversão do orçamento em definitivo.</font><br> <font>13) Logo que chegado o aludido bloco à oficina reparadora, em 24 de Outubro de 2002, foram iniciados os trabalhos de reparação.</font><br> <font>14)...os quais ficaram concluídos em 7 de Novembro desse ano.</font><br> <font>15) O filho do autor, acompanhado pelo chefe de oficina, ao efectuarem um pequeno percurso para experiência da viatura logo se aperceberam que algo de anormal se passava, já que o rendimento do motor era insuficiente, evidenciando dificuldade de subida do regime de rotação.</font><br> <font>16) A ré CC, Lda., enviou, então, a viatura para a Baviera, S.A., uma vez que esta firma é a importadora oficial e tem meios de diagnóstico mais desenvolvida e um maior "stock" de componentes novos eventualmente necessários para experiência e eventual solução das deficiências que viessem a revelar-se naqueles testes.</font><br> <font>17) ...que lha devolveu em 22/11/02, acompanhada de uma factura de € 5.231,86, relativa a trabalhos e peças aí substituídas.</font><br> <font>18) A ré CC, Lda., não permitiu ao autor que retirasse a viatura das suas instalações sem que a ré BB procedesse ao pagamento da factura emitida pela Baviera, ou que ocorresse tal pagamento por parte do autor ou de qualquer outra pessoa.</font><br> <font>19) Prontificando-se, todavia, a pôr à disposição do autor uma viatura Citroen Xantia.</font><br> <font>21) 0 que o autor recusou.</font><br> <font>22) Contactada a ré BB, a mesma foi adiando a sua decisão sobre a pretensão da ré CC, Lda, até que, por correio de 31/12/02, comunicou não aceitar estar constituída no dever de pagar tal reclamação.</font><br> <font>23) As rés acordaram num prazo de sete dias úteis como lapso de tempo necessário à reparação dos danos sofridos pela viatura do autor, sendo certo que tal prazo só se iniciaria depois da chegada às instalações da réCC.</font><br> <font>24) A viatura entrou na oficina da ré CC, Lda., para reparação, no dia 23/09 de 2002.</font><br> <font>25) Em algumas das suas deslocações no âmbito da sua actividade de comerciante de frangos, o autor utilizava o veículo em causa nesta acção.</font><br> <font>26) Algumas dessas deslocações tinham como destino Oliveira de Frades e alguns dos seus clientes que trabalham nos distritos do Porto e Braga.</font><br> <font>27) Além de passeios ao fim de semana com a esposa e netos.</font><br> <font>28) O autor apenas dispõe, para além dessa viatura, de uma outra de marca Toyota, modelo Hi Lux, e ainda uma outra de natureza comercial, com que normalmente fazia e faz a distribuição das aves.</font><br> <font>29) Sendo que o preço do aluguer de uma viatura idêntica custa € 100/dia.</font><br> <font>30) A viatura em causa custou, em estado novo, cerca € 70.000,00.</font><br> <font>32) Em 8/11/02, a réCC, Lda., levou a viatura à Baviera, onde compareceram o autor e o seu filho.</font><br> <font>33) O veículo aí ficou com o conhecimento e aceitação do autor e de seu filho.</font><br> <font>34) A ré CC, Ldª pediu apenas à Baviera que procedesse a um diagnóstico ao veículo para serem averiguadas a deficiências detectadas.</font><br> <font>35) A Baviera, em 22/11/02, entregou o veículo à réCC, Lda., juntamente com uma factura de € 5.231,86, que posteriormente reduziu para € 4.565,61, em função de desconto comercial.</font><br> <br> <font>36) Não foram impostas pela ré CC Lda., ao autor quaisquer condições de responsabilidade pela utilização do Citroen Xantia referido em 19).</font><br> <font>37) A chamada Baviera substituiu peças e componentes no veículo.</font><br> <font>38) Em 30709/02, a ré CC, Lda. acordou, embora condicionalmente, com a ré BB que reparava o veículo em causa pelo valor de € 8.276,51, cabendo à ré pagar, por força da franquia contratual, apenas € 7.365,51.</font><br> <font>39) ...e definitivamente em 15/10/02, data em que comunicou àquela a aprovação dos orçamentos.</font><br> <font>40) Nunca a ré BB acordou com a ré CC, Lda, a contratação de outra oficina ou empresa para proceder à reparação do veículo.</font><br> <font>41) ...tão pouco esta lho comunicou.</font><br> <font>42) A Baviera efectuou a substituição do sensor de rotações do motor do veículo.</font><br> <font>44) As peças substituídas fazem parte do sistema de sobrealimentação, injecção e comando do motor, pelo que, sendo o sistema de injecção estanque e pressurizado, este só poderia ficar danificado se a água entrasse no depósito de combustível.</font><br> <font>46) A ré CC, Lda., após as diligências inconclusivas das tarefas de diagnóstico referidas em 34), encomendou à Baviera a reparação referida em 16), tendo até, posteriormente, pedido um desconto por cortesia comercial.</font><br> <font>47) A parte mecânica dos injectores não é diagnosticável, pelo que apenas e só pela substituição de cada um deles é possível aferir do seu bom ou mau funcionamento.</font><br> <font>48) A anomalia do veículo também estava relacionada com o turbo, uma vez que fazendo este parte do sistema de alimentação de ar, e tendo a viatura admitido água para o interior dos seus cilindros, todo esse sistema, onde o turbo está inserido, ficou preenchido de água.</font><br> <font>49) Atendendo a que a embraiagem do veículo está equipada com SAC, os técnicos têm necessidade de a desmontar para verificar o seu estado, não tendo a mesma sido substituída.</font><br> <font>50) A medição da compressão dos cilindros do motor efectuada deve-se ao facto de um motor, apesar de novo, não ser infalível.</font><br> <font>51) Apenas foi substituído pela Baviera um conversor de AGR, um conversor de turbo, três injectores, bomba de alta pressão e sensor de rotações.</font><br> <font>52) O problema do motor do veículo não se resolvia apenas com a substituição do sensor das rotações, sendo necessárias para tal fim todas as operações efectuadas e facturadas pela Baviera.</font><br> <font>53) Os danos verificados nos injectores foram motivados pela admissão de água para os cilindros, ficando aquela em contacto com o "bico" dos primeiros, provocando-lhes danos mecânicos de funcionamento.</font><br> <font>54) A bomba de alta pressão foi trocada porque apresentava pressões incorrectas de funcionamento, não tendo este componente, apesar de avariado, ligação directa de entrada de água no motor.</font><br> <u><font>Fundamentação.</font></u><div><br> </div><br> <font>Como é sabido são as conclusões que determinam o âmbito do recurso.</font><br> <font>No caso como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, são três as questões suscitadas:</font><br> <font>1 – </font><u><font>A primeira</font></u><font> prende-se com a condenação da seguradora no pagamento do custo da reparação do veículo automóvel do A.</font><br> <font>2 – </font><u><font>A segunda</font></u><font> traduz-se em saber se o A. tem direito à indemnização peticionada pela paralização/imobilização do seu veículo. E</font><br> <font>3 – </font><u><font>A terceira </font></u><font>tem a ver com a peticionada (mas não atribuída indemnização por litigância de má-fé que o A. imputa à Ré Seguradora.</font><div><br> <u><font>1ª Questão</font></u></div><font>Nas alegações </font><u><font>da apelação</font></u><font> (conclusão 4ª) diz o A. que a Ré seguradora, ao persistir, na decisão de considerar desnecessária a reparação adicional efectuada no veículo “errou, como os autos demonstram e daí que deva ser responsabilizada pelo juízo técnico incorrecto, </font><u><font>devendo ser condenada a pagar o valor da reparação adicional</font></u><font> – art. 483 do C.Civil-“</font><div></div><font>Sobre esta matéria argumentou o acórdão recorrido (cf. Questão prévia – fls. 1170) que a 1ª Ré não foi condenada a pagar à 2ª Ré o preço da reparação, </font><u><font>nem tinha de sê-</font></u><font>lo, visto que o</font><u><font> A. não formulou tal pedido no seu articulado inicial.</font></u><div></div><font>Insurge-se, agora, o recorrente contra esta posição, alegando que se afigura evidente o pedido de condenação da responsável no pagamento da reparação adicional, quer da leitura do pedido, quer da conclusão da petição inicial.</font><div></div><font>Mas não existe a apregoada evidência.</font><div></div><font>Na verdade, se é certo que o demandante pediu que fosse declarado se a reparação adicional era necessária ou não., (o que, aliás, foi declarado pela sentença, no sentido pretendido pelo A.) e se certo é também, que, com a resposta a esta questão pretendia o A. apurar a quem pertencia a responsabilidade pelo pagamento da reparação adicional (se à 1ª Ré se à 2ª Ré) a verdade é que </font><u><font>o objectivo era apenas o de responsabilizar</font></u><br> <u><font>uma ou outra das rés pelo pagamento da indemnização pela privação do uso do veículo por lapso de tempo superior ao efectivamente necessário </font></u><font>(cof. Art.º 72 da p. inicial).</font><br> <font>Não pretendeu o A. obter a condenação da 1ª Ré a pagar à 2ª Ré o preço da reparação adicional, que de facto </font><u><font>não peticionou</font></u><font>, de resto coerentemente, pois não teria legitimidade para formular tal pedido, como reconheceu o A. quando expressamente afirma, e bem, que um tal pedido…” é algo que ultrapassa em muito a legitimidade activa do demandante uma vez que a reparação é da responsabilidade da seguradora e o mesmo é estranho ao contrato de empreitada celebrado entre a seguradora e a oficina”.</font><div></div><font>Mas, sendo assim, não podia ter concluído na apelação, dever a Ré Seguradora ser condenada a pagar o valor da reparação adicional nos termos do Art.º 483º do C.C., como de facto concluiu (v. cláusula 4ª).</font><br> <font>Ao formular essa conclusão o A. suscitou tal questão, que o acórdão recorrido não podia ignorar, sob pena de vir a ser atacado por omissão de pronúncia.</font><br> <font>Portanto, ao decidir que não podia dela conhecer por não ter sido formulado o competente pedido, o </font><u><font>acórdão recorrido</font></u><font> </font><u><font>agiu correctamente, não merecendo qualquer censura.</font></u><div></div><font>De resto, atento o que alega o A., que por um lado, defende ter formulado o pedido de condenação do responsável no pagamento da reparação adicional e, por outro, que não tinha legitimidade activa para o formular, a questão suscitada, a final, traduz-se numa </font><u><font>não questão</font></u><font>, que, por inútil na economia do processo, o próprio recorrente considera “expurgada dos autos”.</font><br> <font>Não devia, pois, tê-la suscitado…</font><div><br> <u><font>2ª Questão.</font></u><br> </div><br> <u><font>Indemnização pela privação do uso do veículo.</font></u><div></div><font>A 2ª questão suscitada traduz-se em saber se o A. tem ou não direito a ser indemnizado pela privação do uso do seu veículo automóvel por lapso de tempo muito superior ao que normalmente seria necessário para a respectiva reparação.</font><br> <font>Sobre a questão da indemnização pela privação do uso tem divergido a jurisprudência, entendendo uns que a indemnização pela privação do uso de certo bem, designadamente de veículo automóvel, dependerá da prova do dano concreto, isto é, da prova da existência de prejuízos decorrentes directamente da não utilização do bem, enquanto outros defendem que a simples privação do uso, só por si, constitui um dano indemnizável independentemente da utilização que se faça ou não faça do bem em causa, durante o período da privação.</font><div></div><font>Não haverá duvidas que a privação do uso de uma coisa constituirá um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, impede-o de usar a coisa, fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria, enfim, impede-o de dela dispor (Art.º 1305 do C.C.)</font><br> <u><font>Não basta</font></u><font>, no entanto, a </font><u><font>simples privação</font></u><font> em si mesma, já que se </font><u><font>nos afigura essencial</font></u><font> </font><u><font>a alegação e prova</font></u><font> </font><u><font>da frustração de um propósito real, concreto e efectivo, de proceder à sua utilização</font></u><font>, não</font><u><font> </font></u><font>fora a detenção ilícita da coisa por outrem.</font><div></div><font>Quer dizer, não será de exigir a prova de todos os danos concretos emergentes da privação de veículo automóvel, não é de exigir que o lesado prove que teve de utilizar uma ou várias vezes certo táxi ou outro transporte público, o custo desse(s) transporte (s), que deixou de fazer determinada viagem de negócios ou de lazer…etc.</font><br> <u><font>Bastará</font></u><font> </font><u><font>que demonstre que se tivesse disponível o seu veículo, o utilizaria normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que ele está apto a proporcionar a um utilizador normal.</font></u><br> <font>Tanto bastará para poder concluir-se que a privação do uso do veículo foi geradora de um prejuízo indemnizável.</font><br> <font>Tal prejuízo </font><u><font>há-de ser ressarcido, atribuindo-se ao lesado o valor correspondente ao custo do aluguer de um veículo do mesmo género e qualidade, sem prejuízo de se utilizarem critérios de equidade se outras circunstâncias concretas aconselharem valor diferente.</font></u><div></div><font>Posto isto, vejamos o que se passa no caso concreto.</font><div></div><font>Não há qualquer dúvida que, face ao contrato de seguro, a 1ª Ré é a responsável pela reparação do veículo do A. e, conforme resulta da prova, essa responsabilidade abrange a reparação adicional, na medida em que se demonstrou que era necessária, perante os danos resultantes do acidente.</font><br> <font>Sendo assim, e porque a Ré Seguradora não quis assumir esse custo, incorreu em responsabilidade para com o A., designadamente pelos prejuízos que sofrem por causa da privação do uso do veículo.</font><div></div><font>Ora, a este respeito, alegou o A. que, pelo menos desde 31/10/2002 deveria estar na posse do seu veículo, embora em sede de apelação reporte o início dos prejuízos decorrentes da privação do uso do veículo a </font><u><font>15/11/2002.</font></u><br> <font>(o acidente ocorreu em 21/9/2002, o veículo deu entrada na oficina da 2ª Ré em 23/9/2002.</font><br> <font>A peritagem foi concluída em 30/9/2002 e em 15/10/2002 a 1 ª Ré aprovou os orçamentos para a sua reparação.</font><br> <font>O bloco do motor chegou à oficina em 24/10/2002 e os trabalhos de reparação orçamentados terminaram em 7/11/2002.</font><br> <font>A reparação adicional ficou concluída em 22/11/2002).</font><br> <font>Mais alegou o A. que utilizava diariamente o veículo na sua actividade profissional de comerciante de frangos, mormente em 2 deslocações semanais a Oliveira de Frades e na assistência quotidiana a seus clientes em todo o distrito do Porto e Braga, além de também o utilizar em passeios com a esposa e netos aos fins de semana.</font><br> <font>Alega finalmente que apenas dispõe de uma viatura comercial de 3 lugares com que normalmente faz a distribuição das aves e que o preço de aluguer de uma viatura idêntica ascende a mais de 100€ por dia.</font><div></div><font>Relativamente a esta factualidade alegada provou o A.</font><br> <font>- que em algumas das suas deslocações no âmbito da sua actividade de comerciante de frangos, utilizava o veículo aqui em causa, sendo que algumas dessas deslocações tinham como destino Oliveira de Frades e que alguns dos seus clientes trabalham nos distritos do Porto e Braga.</font><br> <font>- que utilizava o veículo em questão nos fins de semana para passeios com a esposa e netos.</font><br> <font>- que apenas dispõe, para além do veículo sinistrado uma outra viatura de marca Toyota, modelo Hi Lux e ainda outra de natureza comercial, com que normalmente fazia e faz a distribuição de aves que comercializa.</font><br> <font>- que o preço do aluguer de uma viatura idêntica à sinistrada, custo 100€/dia.</font><div></div><font>Considerando o que acima se disse, pensamos que deve ter-se por provado o dano ou prejuízo emergente da privação do uso do veículo em causa, quanto é certo que o A. provou claramente que o usaria se não fosse a privação ilegítima de que tem sido vítima.</font><br> <font>Tal privação, sendo imputável directamente à 2ª Ré, deriva também de uma conduta contratualmente ilícita da 1ª Ré.</font><div></div><font>Por conseguinte, diferentemente do que se decidiu no acórdão recorrido, pensamos que não seria necessário a prova directa de que, por causa da privação do uso do veículo, o A. teve um prejuízo concreto de 100 €/dia, nem será relevante (no sentido de excluir a responsabilidade) o facto de não estar provado que o A. e a 1ª Ré acordaram que o veículo deveria ser entregue ao A., depois de reparado, em 15/11/2002.</font><br> <font>Se é certo não estar provado que a 1ª Ré se obrigou a entregar o veículo ao A. em 15/11/2002, provou-se que o lapso do tempo necessário para a reparação orçamentada seria de 7 dias úteis, contados do momento em que chegasse, à oficina da reparadora, o motor do veículo a substituir.</font><br> <font>Daí que, tendo em conta a matéria de facto provada, se não fosse a necessidade de proceder à já aludida reparação adicional, o veículo devia ser entregue ao A. por volta do dia 7/11/2002, data em que ficaram concluídos os trabalhos de reparação orçamentadas.</font><br> <font>Considerando, porém, a dita reparação adicional, que se provou ser necessária atento os danos sofridos no acidente, e sobretudo que o veículo foi entregue à 2ª Ré, totalmente reparado em 22/11/2002, seria esta a data a partir da qual se iniciaria o dano indemnizável peticionado.</font><div></div><u><font>Assim</font></u><font>, </font><u><font>em princípio</font></u><font>, estando provado o ilícito contratual imputável à 1ª Ré, gerador de responsabilidade, bem como o dano indemnizável (embora quanto a este, com um âmbito menor do que o alegado), </font><u><font>justificava-se a indemnização</font></u><font>.</font><br> <font>Só que, para além da factualidade referida, provou-se também que a 2ª Ré, retentora ilegítima do veículo, apesar de se recusar a entregá-lo ao A., prontificou-se a pôr à sua disposição uma viatura de substituição de marca Citroën Xantia.</font><div></div><font>Alegou o A. que recusou tal veículo de substituição, por ser uma viatura de qualidade manifestamente inferior, e por se tratar de um empréstimo (com os inerentes inconvenientes de possível avaria, acidente e obrigação de restituição no mesmo estado, findo o prazo estipulado).</font><br> <font>Acontece que, levada esta factualidade ao questionário (cof. Quesitos 18, 19, 20, 21 e 36), apenas se provou que, tendo a 2ª Ré posto à disposição do A. a referida viatura de substituição, sem lhe impor, porém, quaisquer condições de responsabilidade pela sua utilização, o A. a recusou (pura e simplesmente).</font><br> <font>Consequentemente, não se </font><u><font>mostrando tal recusa justificada, </font></u><font>atento o demais provado, é claro que </font><u><font>o prejuízo decorrente da privação do veículo, não pode senão ser imputado ao próprio A., de modo que não pode, por causa dele, exigir, indemnização da 1ª Ré ou da 2ª.</font></u><br> <u><font>Não haveria</font></u><font>, então, o </font><u><font>necessário nexo causal entre o facto e o prejuízo, </font></u><font>já que, entre a conduta ilícita de qualquer das rés e o prejuízo daí emergente, em condições de normalidade se interpor uma outra conduta positiva da 2ª Ré, que se, não fora rejeitada injustificadamente pelo A., teria evitado o referido prejuízo.</font><div></div><font>Aliás, pelo absurdo, mesmo a entender-se que, apesar da factualidade provada, o A, teria direito à indemnização peticionada, o exercício de um tal direito, tendo em conta o circunstancialismo de facto referido, seria manifestamente abusivo, consubstanciando um verdadeiro “venire contra factum proprium”.</font><div></div><font>Assim, embora por razão muito diferente dos utilizados no acórdão recorrido, não pode conceder-se ao A. a peticionada indemnização pela privação do uso do veículo.</font><div><font> </font><br> <br> <u><font>3º Questão</font></u><br> <br> <u><font>Litigância de má-fé da 1ª Ré</font></u><font>.</font><br> </div><br> <font>Pretende o A. a condenação da Ré Seguradora como “chicaneira processual”, isto é, como litigante de má – fé, em multa e indemnização a seu favor, liquidando esta à razão de 200€ por cada dia de atraso na entrega do seu veículo automóvel.</font><div></div><font>Quanto a esta questão concordamos inteiramente com a orientação assumida pelo acórdão recorrido.</font><br> <font>Em matéria de direito não pode impor-se a qualquer das partes esta ou aquela interpretação da lei, nem muito menos, definir estratégias, posto, que de ordem geral, dentro de cujos parâmetros há-de conter-se a defesa dos seus direitos. </font><br> <font>Como é óbvio.</font><div></div><font>De útil e essencial, defendeu-se a Ré alegando não ter ordenado, nem tido conhecimento (à data) da reparação adicional a que a 2ª Ré mandou proceder (o que até provou), bem como que essa reparação não seria necessária e teria decorrido da avaria não resultante do acidente.</font><br> <font>Ora, embora se tenha de concluir da pro
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VzK3u4YBgYBz1XKv3Daq
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - “AA, SA” intentou acção declarativa contra BB e CC, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe, solidariamente, a importância de € 12.912,68, acrescida de € 2.036,93 de juros vencidos e € 81,47 de imposto de selo sobre estes juros, e, ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 12.912,68 se vencerem, à taxa anual de 25,59%, incluindo a cláusula penal, desde 10/01/2002, e o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair. </font><br> <font> Fundamentando as suas pretensões, alegou, em resumo, ter celebrado com o R. BB, marido da R. CC, um contrato de mútuo, mediante o qual lhe emprestou esc. 3 000 000$00, com juros à taxa de 21,59%, que este se obrigou a pagar em 48 prestações mensais e sucessivas, do montante de esc. 95.880$00 cada uma, com vencimento no dia 10 de cada mês e início em Abril de 2000, mais tendo ficado acordado que a falta de pagamento de uma prestação no respectivo vencimento implicava o vencimento das restantes e que, em caso de mora, seria aplicável a taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais. A vigésima segunda prestação não foi paga, em 10-01-2002, vencendo-se, então, todas, ascendendo as prestações em débito a € 12.912,68.</font><br> <font> Alegou ainda serem os RR. casados entre si e ter o empréstimo revertido em proveito comum do casal por o veiculo se destinar ao património comum do casal.</font><br> <br> <font> Contestou apenas a Ré CC impugnando a factualidade constante da petição inicial, e invocando a sua ineptidão, designadamente no que toca ao proveito comum, fundamento do pedido contra si dirigido.</font><br> <br> <font> A acção procedeu parcialmente e apenas contra o Réu BB com a condenação deste “no pagamento à Autora de uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas, acrescidas de juros moratórios, à taxa anual de 21,59%, desde 10-01-002 até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo”.</font><br> <br> <font> A decisão foi impugnada pela Autora, mas a Relação julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.</font><br> <br> <font> A Autora interpôs recurso de revista, pedindo a revogação do acórdão e a procedência total da acção.</font><br> <font> Das extensas conclusões formuladas, com conteúdo repetido, extrai-se a seguinte síntese útil:</font><br> <font>1. 1. - As Condições Gerais acordadas no contrato de mútuo dos autos, que se encontravam já integralmente impressas quando o 1º R. ora recorrido o assinou, não constituem qualquer formulário onde se possa inserir ou preencher o que quer que seja. Formulário onde se podem inserir cláusulas constitui a frente do contrato onde estão as Condições Específicas do mesmo e se encontra a assinatura do R., pelo que não existe qualquer violação do disposto na alínea d) do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.</font><br> <font>1. 2. – Deve, por isso, aplicar-se aquilo que consta e foi expressamente acordado nas condições gerais do contrato dos autos, ou seja, para além do mais, o que consta das alíneas b) e c) da cláusula 8ª: vencimento imediato de todas as prestações por falta de pagamento de uma, na data do respectivo vencimento; e, a título de cláusula penal moratória, indemnização correspondente à taxa de juro contratual, acrescida de quatro pontos percentuais;</font><br> <font>2. Mesmo que se considerassem excluídas as cláusulas gerais incluídas no contrato, mesmo sem a cláusula penal, sempre a A. teria direito a juros moratórios à taxa de 23,59% (21,59+2), nos termos do n.º 1 do art. 7º do DL n.º 344/78, de 17/11 (redacção do DL n.º 83/86, de 6/5);</font><br> <font>3. 1. Ainda com a exclusão das cláusulas gerais acordadas, haveria lugar à aplicação do disposto no art. 781º C. Civil segundo o qual, para que se verifique o vencimento de todas as prestações, basta que se verifique a falta de pagamento de uma delas, não sendo necessária qualquer interpelação para que tal vencimento se verifique.</font><br> <font>3. 2. Ainda que se entendesse estarem excluídas as condições gerais e que para efeitos de vencimento das prestações por via do art. 781º era necessária a interpelação do R. para esse efeito, sempre tal interpelação terá ocorrido pelo menos com a citação para a acção;</font><br> <font>4. 1. É errado e infundado o “entendimento” de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos e não aos mútuos onerosos, ou vice-versa.</font><br> <font>4. 2. O preceito legal apenas fala em “obrigação”, “prestações” e no “vencimento” de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros. </font><br> <font>4. 3. Num mútuo oneroso a “obrigação” do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros. </font><br> <font>4. 4. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, se não “ab initio”, pelo menos em caso de incumprimento de uma delas, se vencem na totalidade.</font><br> <font>4. 5. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre “capital” e “juros”, ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo).</font><br> <font>4. 6. Ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito</font><br> <font> 4. 7. Bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora. </font><br> <font>4. 8. Ao perfilhar-se tal “entendimento”, está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada, o que é um perfeito contra-senso jurídico.</font><br> <font> 4. 9. A Lei não só prevê e regula a gratuitidade ou onerosidade do mútuo, como expressamente prevê no artigo 1147º do Código Civil que “</font><i><font>No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro</font></i><font>.”</font><br> <font>4. 10. Assim, é manifestamente errado pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro; </font><br> <font>4. 11. Se se tiver em consideração que o que nos autos está em causa é um mútuo oneroso comercial ou, mais precisamente, bancário, e se se atentar naquilo que foi expressamente acordado pelas partes no contrato de mútuo dos autos, então é ainda mais errado aquele dito “entendimento”.</font><br> <font>4. 12. Com efeito, não está aqui sequer em causa a mera aplicação do artigo 781º do Código Civil.</font><br> <font> 4. 13. Na verdade, o vencimento imediato de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos, mediante o não pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento, dá-se não sequer, ou apenas, por via do referido artigo 781º do Código Civil, mas sim por via do expressamente acordado entre as partes na clausula 8ª, alínea b) do contrato de mútuo dos autos. </font><br> <font>4. 14. Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que, vencida uma prestação todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo.</font><br> <font> 4. 15. Aliás, o próprio Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro (arts. 2º-d) e e) e 4º), que regula os contratos de crédito ao consumo como o dos autos, prevê e estabelece o calculo do “custo total do crédito” que engloba precisamente o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas ou encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse montante global, desde logo achado e calculado, que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar. (cfr. artigos 2º, alínea d) e e), e artigo 4º do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que tal apenas reforça, ainda mais, aquilo que já antes se explicitou, ou seja, que tal como no mútuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração. É essa a obrigação do mutuário “ab initio”; </font><br> <font>4. 16. A A. é uma instituição de crédito, pelo que pode proceder à capitalização de juros, sendo que pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito, apesar de em tal total estarem já incluídos juros remuneratórios. </font><br> <font>4. 17. No caso dos autos, tal capitalização acontece desde logo, desde a celebração do contrato de mútuo, razão pela qual o referido Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, manda calcular desde o início e fazer constar do contrato o chamado “custo total do crédito”.</font><br> <font> 4. 18. Não se pode, pois, pretender que não há capitalização de juros remuneratórios, porque estes não se venceram, uma vez que os mesmos estão, de uma forma ou de outra, vencidos;</font><br> <font> 5. 1. A A. não tinha que juntar certidão de casamento dos RR. para provar que os mesmos eram, como são, casados entre si;</font><br> <font> 5. 2. O R. marido não contestou e a R. mulher não impugnou que não era casada com o Réu, como não impugnou que o contrato tenha sido contraído em benefício do proveito comum do casal do RR., nem que o veículo tenha entrado no património comum, limitando-se a alegar que o que a A. alegou na p.i. não era suficiente para a condenar no pagamento da dívida;</font><br> <font> 5. 3. O alegado no art. 18º da petição inicial não é matéria conclusiva e, por não impugnada, está aceite e provada nos autos, dela decorrendo a responsabilidade solidária da R. mulher. </font><br> <font> O acórdão recorrido, ao decidir como o fez, interpretou e aplicou erradamente, o disposto nos artigos 405º, 560º, 781º, 1145º e 1147º e 1691-1-c) do Código Civil, artigos 484º-1 e 490º do CPC, artigo 2º, alínea d) e e), artigo 4º e 9º, n.ºs 1 e 3 do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro, bem como os artigos 5º, 6º e 7º, do Decreto-Lei 344/78, de 17 de Novembro, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 83/86, de 6 de Maio, o artigo 1º do Decreto-Lei 32/89, de 25 de Janeiro, o artigo 2º do Decreto-Lei 49/89, de 22 de Fevereiro, os artigos 1º e 2º do Decreto-Lei 206/95, de 14 de Agosto, e o artigo 3º, alínea I, do Decreto-Lei 298/92, de 31 de Dezembro, que assim violou. </font><br> <font> </font><br> <font>Não foi apresentada qualquer resposta.</font><br> <font> </font><br> <font> 2. - Vem assente, desde a sentença proferida na 1ª Instância, a </font><b><font>factualidade</font></b><font> seguinte:</font><br> <br> <font>1 - A A. é uma sociedade financeira para aquisições a crédito.</font><br> <font>2 - Em 10.03.2000, no exercício da sua actividade social, a A. celebrou o escrito junto aos autos a fls. 12-13, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, denominado “contrato de mútuo”, destinado à aquisição de um veículo automóvel.</font><br> <font>3 - Do referido escrito consta o seguinte: montante de crédito - 3.000.000$00; número de prestações - 48; valor de cada prestação - 95.880$00; data de vencimento da primeira prestação - 10.4.2000; taxa de juro - 21,59%; TAEG- 25,38%.</font><br> <font>4 - A cláusula 8ª, alínea b), do referido escrito tem a seguinte redacção: “A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes”.</font><br> <font>5 - A cláusula 8.ª, alínea c), do referido escrito tem a seguinte redacção: “Em caso de mora, e sem prejuízo do disposto no número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora”. </font><br> <font>6 - O referido escrito constitui um formulário, com cláusulas previamente elaboradas pela A. e impressas no verso da página onde constam as assinaturas. </font><br> <font>7 - O R. assinou o escrito referido em B), na qualidade de “mutuário”.</font><br> <font>8 - O R. não pagou a prestação vencida em 10.1.2002 e as prestações seguintes.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> 3. - Objecto do recurso. Questões a apreciar.</font><br> <br> <font> 3. 1. - Para uma melhor compreensão da determinação do objecto da revista, considera-se útil ter presente a evolução do processo e o que nele se foi decidindo.</font><br> <br> <font> A A. concedeu ao Réu um empréstimo de 3.000 contos, convencionando-se a taxa de juro remuneratório de 21,59% ao ano, tudo a pagar em 48 prestações mensais sucessivas, de esc. 95.880$00 (ora € 478,25) cada uma (incluindo o seguro de vida), vencendo-se a primeira em 10/4/2000, sendo que o R. pagou apenas 21 prestações, deixando de pagar a 22ª e seguintes (27 prestações).</font><br> <font> Invocando a cláusula 8.ª das Condições Gerais do contrato, que prevê o imediato vencimento de todas as prestações por falta de pagamento de uma delas e, a título de cláusula penal, a indemnização pela mora correspondente à taxa de juro contratual acrescida de 4 pontos percentuais, a A. reclamou o pagamento de € 12. 918,68 – valor das 27 prestações, que inclui o capital, os juros remuneratórios e prémio de seguro, à data da falta de pagamento de 22ª, ou seja, 10/01/2002 -, e juros moratórios à taxa de 25,59% (21,59+4), como consta da cláusula penal.</font><br> <br> <font> A sentença da 1ª Instância considerou excluída do contrato a cláusula 8ª das Condições Gerais, ao abrigo do disposto no art. 8º-d) do DL n.º 446/85, de 25/10 (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais), em razão do que concluiu “que o contrato não contém qualquer estipulação eficaz que afaste o regime legal (relativo ao não vencimento imediato das prestações futuras)”, acrescentando, subsidiariamente, que a cláusula seria inválida e ineficaz, por ambígua e por desproporcionada (arts. 11º e 19º-c) do mesmo DL n.º 446/85. Depois de se referir não haverem juros a capitalizar e que, nos termos do art. 781º C. Civil, “a falta de pagamento de uma prestação de capital pode implicar o vencimento das restantes prestações de capital”, afirmou-se que “apenas existe vencimento imediato de todas as prestações de capital”- sem que se declare com referência a que data e em consequência de que facto ou acto -, sendo devidos juros de mora à taxa contratual e condenou-se o R. no pagamento das prestações de capital não pagas, acrescidas de juros moratórios à taxa de 21,59% ao ano, desde 10/01/2002. A Ré foi absolvida a pretexto de ter ficado indemonstrado o proveito comum, fonte da sua responsabilidade.</font><br> <br> <font> Recorreu apenas a A. para pugnar pela eficácia e validade do conteúdo da dita cláusula 8ª das Condições Gerais, pela responsabilidade da Ré-mulher e, quanto cumprimento do contrato defendeu a admissibilidade da capitalização de juros sobre o capital já vencido, sobre o qual incidem juros de mora, desde que por período superior a três meses, sendo inaplicável o disposto no art. 560º C.Civil, preceito que se teve por violado.</font><br> <br> <font> A Relação confirmou o julgado na 1ª Instância quanto às questões da invalidade da cláusula 8ª, por inserida no formulário após as assinaturas, e do proveito comum. Quanto á questão da “capitalização de juros no capital vencido”, fez-se notar haver lapso da Recorrente, já que a sentença reconhecera esse direito, e manteve-se o decidido argumentando que “tendo o mutuante posto fim ao contrato, usando de prerrogativa legal que lhe confere tal direito face ao incumprimento do mutuário, todas as prestações correspondentes ao capital mutuado ficaram vencidas (independentemente de se tratar ou não de um vencimento automático, questão alheia à presente discussão e enquadramento jurídico), o mesmo não se podendo dizer dos juros remuneratórios que integravam tais prestações, face á natureza de tais juros”.</font><br> <br> <br> <font> 3. 2. - Agora, em sede de revista, a Autora coloca as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br> <br> <font>A. - Se deve ter-se por excluído do contrato o conteúdo das als. b) e c) da cláusula 8ª das Clausulas Gerais, aplicando-se o convencionado quanto ao vencimento imediato das prestações e indemnização pela mora; </font><br> <font> B. - Se, ocorrendo tal exclusão, deve:</font><br> <font> - Aplicar-se à taxa de juro moratório fixada um adicional de 2 pontos percentuais;</font><br> <font> - Terem-se por vencidas todas as prestações, ao abrigo do art. 781º C. Civil, independentemente de interpelação, ou considerando-a necessária, tendo-a por verificada com a citação para a acção;</font><br> <font> C. - Se o vencimento da totalidade da dívida de capital implica também o vencimento imediato da totalidade dos juros remuneratórios que se encontram incluídos no montante das prestações convencionadas;</font><br> <font> D. - Se deve ter-se por demonstrado o proveito comum do casal para efeitos de responsabilização da Ré pela dívida do Réu-marido.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <br> <font> 4. 1. - Exclusão do contrato das Condições Gerais impressas no documento que o formaliza, em particular da cláusula 8ª.</font><br> <br> <font> Pela cláusula 8ª das Condições Gerais foi pactuado que o mutuário ficaria constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação, falta de pagamento essa que implicaria o vencimento imediato de todas as restantes. Mais se estabeleceu que, em caso de mora, incidiria sobre o montante do débito, e durante o tempo de mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais.</font><br> <br> <font> Como dito, as Instâncias consideraram excluídas do contrato as cláusulas, por se tratar de cláusulas gerais inseridas em formulário, depois das assinaturas dos outorgantes.</font><br> <br> <font> A Recorrente, por sua vez, argumenta que as Condições Gerais se encontravam integralmente impressas no contrato quando o Réu nele apôs a sua assinatura, nada tendo sido inserto ou preenchido após a assinatura, nem constituindo um formulário onde se pudesse inserir ou preencher o que quer que fosse.</font><br> <br> <font> Sobre esta questão foi já esta Conferência chamada a pronunciar-se mais que uma vez, tendo sufragado a posição que vem proposta pelas Instâncias.</font><br> <font> Assim, designadamente no processo n.º 4524/06-1 (acórdão de 6/2/007, deste mesmo relator e Adjuntos), em caso em tudo idêntico ao presente, escreveu-se:</font><br> <font> “O documento que corporiza o contrato de mútuo é um impresso em cuja face consta a identificação da mutuante, com espaços destinados a serem preenchidos, como foram, com a identificação do mutuário, as “Condições Específicas” do contrato, a data e as assinaturas dos outorgantes, constando do respectivo verso as “Condições Gerais”, sem qualquer espaço preenchível ou assinatura.</font><br> <br> <font> Um tal impresso não é coisa diferente de um formulário, elaborado pela Recorrente, destinado a ser preenchido, como entretanto o foi, de acordo com as especificidades do empréstimo, como consta dos espaços destinados à aposição dos dados que integram as “Condições Específicas”.</font><br> <font> Apesar de existir, antes das “Condições Específicas”, uma referência a que “é celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes”, não se faz qualquer alusão a que estas se encontrem no verso do impresso.</font><br> <br> <font> Parece, assim, de ter por seguro estar-se perante um contrato de adesão e de cláusulas contratuais gerais, porque previamente elaboradas pela Mutuante, sem prévia negociação individual, que os aderentes se limitam a aceitar ou rejeitar em bloco (art. 1º do DL n.º 446/85, de 25/10).</font><br> <font> Aplicável, pois, o regime do dito DL n.º 446/85, nomeadamente o seu art. 8º - d). </font><br> <br> <font> Segundo este preceito, “</font><i><font>consideram-se excluídas dos contratos singulares, as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes</font></i><font>”.</font><br> <font> Como é entendimento corrente, na doutrina e na jurisprudência, através das normas do referido art. 8º, tal como das dos arts. 5º e 6º do DL, o legislador pretendeu exercer um efectivo controlo ao nível da formação do acordo de vontades, prevenindo a possibilidade de desconhecimento de eventuais elementos importantes do regime do contrato, regulados em cláusulas gerais, tendo presente que o acordo se completa sem negociação prévia e por simples adesão, em bloco, às cláusulas prefixadas.</font><br> <font> Mais especificamente, no caso da precedência das cláusulas sobre a aposição da assinatura está em causa o afastamento de suspeitas sobre a efectiva leitura e conhecimento das cláusulas ou mesmo da ausência de acordo sobre elas, protegendo-se o aderente contra a oposição de “cláusulas surpresa” ou “inesperadas” (cfr. PINTO MONTEIRO, “</font><i><font>ROA</font></i><font>”, 46º, 733 e ss.); MENESES CORDEIRO, “</font><i><font>Tratado de D.to Civil Português</font></i><font>”, I, 436)</font><br> <font> </font><br> <br> <font> A questão não é, pois, de as cláusulas já constarem do impresso no momento da assinatura do contrato. </font><br> <br> <font> Nem poderia ser, sob pena de absoluta inutilidade do dispositivo.</font><br> <br> <font> Com efeito, se estamos a falar de cláusulas contratuais, que pressupõem sempre um acordo de vontades (art. 232º C. Civil), seja obtido no seguimento de negociações prévias das propostas seja por mera adesão, não faria qualquer sentido, por contrário a esses princípios gerais, atribuir relevância a qualquer cláusula que porventura fosse inserida no documento que titula o contrato em ocasião posterior à sua conclusão. Uma tal cláusula nunca poderia vincular o aderente pela óbvia razão de não ser uma cláusula </font><u><font>contratual</font></u><font>, mas uma simples declaração </font><u><font>unilateral</font></u><font> de uma das partes.</font><br> <br> <font> De resto, a interpretação segundo a qual a al. d) do art. 8º se refere às cláusulas «introduzidas após», por oposição a «constantes”, ou seja, já escritas, atribuindo ao advérbio “depois” uma significação temporal e não de lugar, não só e incompatível com o regime da conclusão dos contratos, que o DL 446/85 acolhe, desde logo em seus arts. 1º, 2º e 4º, sem deixar qualquer dúvida sobre a preexistência e elaboração prévia das cláusulas gerais relativamente ao momento da declaração de aceitação ou adesão, como esvaziaria de conteúdo e sentido o dever de comunicação prévia imposto pelo art. 5º, cuja omissão é cominada, igualmente, com a exclusão das cláusulas (al. a) do memo art. 8º).</font><br> <br> <font> Encontrando-se, como sucede neste caso, as assinaturas dos outorgantes no contrato na face do documento que constituiu a proposta contratual impressa, a seguir às “Condições Específicas”, encontrando-se no verso as cláusulas gerais, têm estas, como vem decidido, de ter-se por excluídas do contrato singular, tudo se passando como se não existissem (no mesmo sentido, os acs. deste Supremo 27/02/2004, 07/03/006 e 20/6/2006, aqueles disponíveis em </font><u><font>www.dgci.pt/jstj</font></u><font> e o último no proc. 1211/06-1, subscrito, como adjunto, pelo aqui relator)”.</font><br> <br> <font> Não vendo razões que levem a alteração do entendimento manifestado, mantendo-se a exclusão da cláusula 8ª, tudo se passa, então, com se a mesma não existisse no acordo contratual.</font><br> <br> <font> 4. 2. - Consequências da exclusão da cláusula 8ª das Condições Gerais: - vencimento antecipado das prestações futuras; - Inclusão de juros remuneratórios; - Mora, juros moratórios e respectiva taxa.</font><br> <font> </font><br> <font> 4. 2. 1. - Afastado o regime convencionado pelas Partes relativamente ao vencimento imediato e automático da totalidade das prestações com a falta de pagamento de uma delas, fica prejudicada a apreciação do mérito da questão suscitada pela Recorrente, em via principal, de, ao abrigo do convencionado, se terem por vencidas na data da omissão de pagamento da 22ª prestação (10/01/2002) todas as restantes «sem qualquer distinção entre capital e juros ou o montante do empréstimo e remuneração ou o que mais se queira inventar», ou seja, «com inclusão nessas prestações, para além do mais acordado, do capital e os juros remuneratórios do empréstimo» (conclusões 27. e 30.).</font><br> <br> <font> Pela mesma razão arredada fica a questão da indemnização de 4 pontos percentuais a que alude a cláusula penal moratória inserida na al. c) da cláusula havida como não escrita.</font><br> <br> <font> 4. 2. 2. - A Recorrente defende agora que, apesar de arredada a cláusula, sempre deverão considerar-se vencidas todas as prestações, por aplicação do art. 781º do C. Civil, independentemente de interpelação do credor, ou, pelo menos, entendendo-se ser exigível a interpelação, considerar-se esta realizada através da citação para a acção, havendo lugar, em qualquer caso, ao pagamento dos juros remuneratórios incorporados nas prestações e aos juros moratórios acrescido de 2%, agora por via do disposto no art. 7º do DL n.º 344/78, de 17/11 (redacção do DL n.º 83/86, de 6/5).</font><br> <br> <font> Eliminado o clausulado no contrato quanto ao vencimento das prestações e efeitos da mora, o mesmo ficou desprovido de qualquer estipulação susceptível de afastar o regime legal supletivo, nomeadamente no que tange ao vencimento imediato das prestações e indemnizações pela mora.</font><br> <font> Nessa conformidade, e depois de também assim o ter fundamentado, a sentença, com confirmação do acórdão impugnado, atribuiu juros moratórios sobre as prestações de capital em dívida à taxa convencionada para os remuneratórios de 21,59% ao ano.</font><br> <br> <font> O art. 781º C. Civil dispõe que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.</font><br> <br> <font> A cláusula excluída, provavelmente inspirada nessa norma, tinha conteúdo idêntico, permitindo, porque convencionado, o vencimento imediato e automático.</font><br> <font> </font><br> <font>O preceito legal tem, como todos estão de acordo, natureza supletiva e, perante a exclusão do pactuado, não pode ter-se por afastada a respectiva aplicabilidade ao caso.</font><br> <font>Permite ele, como se defendeu no mencionado acórdão de 6/2/07, a exigibilidade imediata da totalidade da dívida, não importando a automática alteração dos prazos de vencimento das prestações, de sorte que o devedor fica imediatamente constituído em mora em relação à prestação não efectuada, mas não em relação às restantes, em que a constituição em mora dependerá da interpelação para cumprir.</font><br> <br> <font>Assim sendo, o problema que se coloca é o de saber se, ou em que medida, se verificam os pressupostos de exigibilidade da totalidade da dívida, ou seja, se existe mora, em relação a que prestações e desde quando, tudo à luz da norma do art. 781º.</font><br> <br> <font>Ora, voltando novamente ao já vertido no mencionado acórdão, é entendimento generalizado que a norma do art. 781º C. Civil, ao dispor que “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importará o vencimento de todas”, visa proteger o interesse do credor que, perante a falta de pagamento de uma das fracções da dívida, pode ter razões para a perda de confiança na pessoa do devedor, confiança em que se apoia o plano de pagamento. Por isso, concede-se àquele o benefício de não se manter sujeito aos prazos escalonadamente estabelecidos de vencimento das prestações, perdendo este o benefício desses prazos.</font><br> <font>Quando tal suceda, o credor goza do direito de exigir o pagamento, não só da prestação em falta, mas ainda de todas as restantes, não vencidas, não se operando o vencimento destas </font><i><font>ex vi legis</font></i><font>, mas mediante interpelação do credor, nos termos gerais.</font><br> <font> A este propósito, escreveu o Prof. A. VARELA (“</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>”, II, 6ª ed., 53): - “O vencimento imediato da prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede – mas não impõe – ao credor, não prescindindo consequentemente de interpelação ao devedor. </font><br> <font> A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando as prestações restantes) constitui a manifestação da vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui” (no mesmo sentido, na doutrina, MENEZES CORDEIRO, “</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>”, 2º, 1994, ed. AAFDL, pg. 195, n.55).</font><br> <br> <font> </font><i><font>In casu</font></i><font>, não se mostra que tenha ocorrido qualquer interpelação, no sentido da exigência imediata quer da prestação em falta quer das restantes, donde que se não possa falar em vencimento antecipado de prestações.</font><br> <font> </font><br> <font> 4. 2. 3. - Invoca também agora – só neste recurso de revista – a Autora a citação como acto interpelativo idóneo para a produção do efeito previsto no art. 781º, isto é, do vencimento da totalidade das prestações. </font><br> <br> <font> 4. 2. 3. 1. - Antes de mais deve notar-se que, ao que parece, como do acima convocado se colhe e da peça melhor resulta, na sentença da 1ª Instância tiveram-se por vencidas todas as prestações de capital em 10/01/002, data que corresponderia à do vencimento decorrente da cláusula 8ª que a própria sentença considerou excluída.</font><br> <font> Apesar da manifesta contradição entre os fundamentos – tida, como foi, por não escrita a cláusula 8ª e não afirmado o funcionamento automático do art. 781º (independentemente de manifestação de vontade do credor nesse sentido - e o que foi decidido, não houve impugnação por qualquer das Partes, nomeadamente pelo Réu quanto ao início da mora. Assim, apesar de se ter como incorrecta a decisão não pode a mesma, nessa parte, ser objecto de alteração – art. 684º-4 CPC.</font><br> <font> O mesmo sucede, de resto, com o acórdão que aceita, sem discussão, o vencimento das prestações de capital, sem cuidar de indicar o respectivo fundamento, tendo por alheia à discussão
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font><br> <br> <font>AA, despachante oficial, intentou acção ordinária contra BB, técnica oficial de contas, pedindo, no essencial, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 16.137,31, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, bem como a quantia de € 8.000, a título de indemnização por todos os prejuízos sofridos e emergentes da conduta negligente, reiteradamente adoptada pela Ré.</font><br> <font>Alegou que: é empresário em nome individual no exercício da sua actividade de despachante oficial, tendo contratado a Ré para elaboração da sua contabilidade; a Ré, apesar de o Autor lho ter solicitado, não efectuou a opção pelo regime da contabilidade organizada para o ano de 2002, razão pela qual o Autor teve de pagar € 18.645,63 de IRS; caso a Ré tivesse optado, atempadamente, pelo regime da contabilidade organizada, o Autor só teria de pagar € 2.208,32 de IRS, razão pela qual peticiona a condenação da Ré a pagar a diferença de 16.137,31; toda a situação, decorrente da incúria da Ré, causou-lhe grande transtorno e incómodo, o que justifica uma indemnização de 8.000 €.</font><br> <font>A Ré contestou, pedindo a improcedência da acção, sustentando: em 13.3.2001, entregou a declaração pela qual se optou pelo regime da contabilidade organizada, opção essa que se mantinha por três anos consecutivos; a quantia apurada pela Administração Fiscal foi calculada segundo os rendimentos do Autor no regime simplificado porque o Autor alterou o anexo por sua opção; exerceu as suas funções de forma diligente e responsável. </font><br> <font>No regular processamento dos autos foi a final proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 16.137,31, acrescida de juros à taxa de 4% até integral pagamento.</font><br> <font>Inconformada com a sentença, a Ré apelou para a Relação de Lisboa, que confirmou a sentença.</font><br> <font>Novamente irresignada, recorre agora de revista, tirando as seguintes conclusões:</font><br> <font>1ª- O acórdão da Relação de Lisboa conclui na sequela da sentença que a Apelante não logrou afastar a presunção de culpa;</font><br> <font>2ª- Mas da matéria de facto provada resulta bem patente que tudo fez para agir em conformidade com as suas obrigações profissionais;</font><br> <font>3ª- De facto, fez a opção pelo regime da contabilidade organizada em 2001, confiando na letra do artº 33º, nº1, alíneas i) e j) da Lei nº 30-C/2001, em termos de actuação para os exercícios vindouros;</font><br> <font>4ª- Preceitos que, ao fim e ao cabo, o legislador logo a seguir se encarregou de confundir e desvirtuar, com a publicação da Lei 30-G/2000, mormente, no que ao caso interessa da nova redacção dada ao artº 31º do CIRS;</font><br> <font>5ª- Do caos que se gerou, muitos foram os Técnicos Oficiais de Contas que se encontraram em situação semelhante à Apelante. Tantos, que a sua entidade agregadora e disciplinadora - Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas - teve de actuar em termos institucionais;</font><br> <font>6ª- Assim, se é verdade, como defende o acórdão, que o que está em causa fundamentalmente é apurar se foi cumprida a opção pelo regime da contabilidade organizada para o ano de 2002, não é menos correcto referir que todo o trabalho desenvolvido pela Apelante em 2001, traduzido na factualidade dada como assente em ambas as instâncias, tem o mérito de demonstrar à saciedade que a Apelante agiu de boa fé, com diligência e na convicção de que com a realização da opção, em 2001, pelo regime da contabilidade organizada, colocava o Apelado, durante os exercícios subsequentes, ao abrigo do mesmo, (convicção essa, de resto, sufragada por muitos dos seus colegas e pela própria Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas);</font><br> <font>7ª- Nessa medida, a Apelante considera que agiu sem culpa;</font><br> <font>8ª- Contudo, mesmo perfilhando de tese diversa, ou seja, considerando que houve negligência por banda da Apelante, reúne o caso, tendo por base a própria matéria dada como provada, condições adequadas à limitação de indemnização enunciada como principio geral no artº 494º do CC;</font><br> <font>9ª- O qual é aplicável também à responsabilidade contratual;</font><br> <font>10ª- Por todo o exposto, a decisão recorrida violou o disposto nos artºs 494º e 799º do CC, devendo o presente recurso ser julgado procedente, com as legais consequências.</font><br> <font> Contra-alegou o recorrido, em apoio do decidido.</font><br> <font> Corridos os vistos, cabe decidir.</font><br> <font> A Relação deu como provados os seguintes factos:</font><br> <i><font>1- O Autor é despachante oficial desde 1996, ano em que abriu a actividade como empresário em nome individual (A));</font></i><br> <i><font>2- Desde aquela data, o Autor presta serviços de exportação, importação e intrastat, actuando como consultor de comércio internacional e representação fiscal, a nível nacional (B));</font></i><br> <i><font>3- No decurso de 1999, o Autor contratou os serviços da Ré como técnica oficial de contas para efeitos de elaboração da contabilidade daquele (C));</font></i><br> <i><font>4- A Ré não fez a opção pelo regime de contabilidade organizada no ano de 2001 nem no decorrer de 2002 (5º);</font></i><br> <i><font>5- Apesar de o Autor lhe ter dado instruções para esse efeito (6º);</font></i><br> <i><font>6- No dia 13.3.2001, a Ré requereu e entregou somente a declaração de alterações unicamente com a inscrição da morada e dados do TOC (11º);</font></i><br> <i><font>7- O Autor cessou a sua actividade em Agosto de 2002 (2º);</font></i><br> <i><font>8- A Ré foi informada pelo Autor que, durante o ano de 2002, este não recebeu nota de liquidação (14º);</font></i><br> <i><font>9- No decurso do ano 2003, o Autor nunca recepcionou qualquer nota de liquidação para proceder ao pagamento de IRS (D));</font></i><br> <i><font>10- A Ré assinou e entregou a declaração de IRS do Autor referente ao ano de 2002, a qual foi recepcionada pelas Finanças em 30.4.2003 (documento de fls. 88 a 94) (AA));</font></i><br> <i><font>11- Em 13.10.2003, o Autor entregou nas Finanças uma declaração de reinício de actividade, com a menção "Enquadramento: regime simplificado" a vigorar de 1.1.2003 a 31.12.2005 (documento de fls. 69 a 72) (CC));</font></i><br> <i><font>12- O Autor recebeu em 3.11.2003, via postal sob registo, notificação datada de 27.10.2003 para, em dez dias, comparecer no 9º Serviço de Finanças de Lisboa "A fim de proceder ao esclarecimento e/ou correcção à declaração modelo 3 apresentada em 13.11.2002, devendo para isso fazer-se acompanhar do duplicado da referida declaração" (documento de fls. 32) (E));</font></i><br> <i><font>13- Mais especificou a referida notificação que a correcção a fazer se consubstanciava em "substituir o anexo C pelo Anexo B, em virtude de, para o exercício de 2002, não ter optado pelo regime de contabilidade organizada como forma de determinação do seu rendimento em sede de IRS, mediante a apresentação, até 31.3.2002, de uma declaração de alterações, conforme preceitua a alínea b) do nº 4 do Artigo 28º do Código do IRS, ficando assim sujeito ao regime simplificado" (F));</font></i><br> <i><font>14- Sendo que, uma vez findo aquele prazo de dez dias, sem que se mostrasse efectuada a referida correcção, ficaria sem efeito a declaração apresentada e, consequentemente, ficaria o contribuinte (Autor) sujeito às consequências legais (G));</font></i><br> <i><font>15- O referido em 11 é que causou a notificação referida em 12 (21º);</font></i><br> <i><font>16- O Autor exigiu à Ré a substituição do anexo com urgência (22º);</font></i><br> <i><font>17- Pois precisava de receber o reembolso do IRS (23º);</font></i><br> <i><font>18- O Autor enviou à Ré cópia da carta referida em 12 por fax em 7.11.2003 (BB));</font></i><br> <i><font>19- Face ao teor da notificação por si recepcionada, contactou o Autor a Ré com o propósito de obter informações e/ou esclarecimentos, por parte desta última, relativamente à sua situação contabilística e fiscal (H));</font></i><br> <i><font>20- Após o referido em 18, a Ré deslocou-se às Finanças para se informar da situação (18º);</font></i><br> <i><font>21- E foi informada que tal notificação se deve à alteração feita pelo Autor (19º);</font></i><br> <i><font>22- A Ré comunicou a informação obtida ao Autor através de Alda Figueiredo, assistente de contabilidade de uma sociedade de que o Autor é sócio-gerente (20º);</font></i><br> <i><font>23- Na sequência do referido em 19 e do aconselhado pela Ré, o Autor dirigiu-se àquele Serviço de Finanças, dentro do prazo determinado para o efeito, a fim de proceder à substituição do anexo C pelo anexo B, tendo em consideração os fundamentos melhor descritos na notificação referida em 12 e 13 (3º e 4º);</font></i><br> <i><font>24- Aquando do referido em 23, foi a Ré que preencheu o Anexo B (12º);</font></i><br> <i><font>25- O Autor recebeu, em 8.10.2004, carta registada com a nota de liquidação referente ao exercício de 2002 (I));</font></i><br> <i><font>26- Nota da liquidação, datada de 22.9.2004, em que a administração fiscal intimava o contribuinte (Autor) para proceder, no prazo de 30 dias, ao pagamento da quantia de 18.645,63 Euros, a título de IRS devido, por referência ao ano de 2002 (J));</font></i><br> <i><font>27- Caso o Autor tivesse sido tributado no exercício de 2002, pelo regime da contabilidade organizada, apenas teria de proceder ao pagamento de € 1.838,49 de IRS (10º);</font></i><br> <i><font>28- Em 13.10.2004, o Autor remeteu à Ré a comunicação escrita de fls. 33, nos termos do qual o Autor afirmou designadamente: "Porque esta empresa está a enfrentar sérias dificuldades nessa revisão, agradecemos que nos indique um dia desta semana ou na próxima que lhe seja conveniente estar presente na nossa empresa de forma a que seja possível esclarecer algumas questões levantadas pelos auditores, uma vez que, segundo eles, o erro vem já do ano de 2002. Quanto à questão da declaração de IRS pessoal referente a 2002 e como também já tive a oportunidade de lhe transmitir telefonicamente, está a ser solicita pelas Finanças inexplicavelmente um pagamento na ordem dos 19 mil Euros. De acordo com a explicação data pela Repartição de Finanças a que me dirigi, este pagamento é exigido pelo facto de não ter sido apresentada a opção do ano de 2002 de contabilidade organizada. Fui ainda informado de que, para ser possível a rectificação desta situação terei que fazer prova da entrega da declaração de opção que a senhora me garantiu ter entregue. A mesma declaração que as Finanças não encontram. De forma a esclarecer esta situação rapidamente, estou disponível para juntamente, consigo, nos dirigirmos à Repartição de Finanças onde a senhora diz ter apresentado o referido documento. Assim sendo fico a aguardar que me dia o dia e a hora em que nos podemos encontrar." (L));</font></i><br> <i><font>29- No dia 14.10.2004, a Ré remeteu ao Autor comunicação escrita, em resposta, com o seguinte teor: "Depois de tanto procurar encontrei numa bolsa com alguns balancetes, a opção de contabilidade organizada em 2001 uma fotocópia devem ter os originais, e foi feito no 9° Bairro Fiscal, também encontrei um memorando penso que entregue pessoalmente numa reunião que tivemos, em que alertava para algumas situações que junto anexo. Como profissional que me considero, e depois de tanta confusão, não tenho interesse em prejudicar ninguém, quando esta situação tem-me lesado imenso a minha pessoa, mas mais uma vez repito quero a situação resolvida com toda a transparência." (M));</font></i><br> <i><font>30- Em 14.10.2004, o Autor enviou nova comunicação escrita, ao cuidado da Ré, referindo que se tinha dirigido à Repartição de Finanças com a cópia da declaração de alterações, alegadamente entregue pela mesma, com a garantia de que nela tinha sido feita a opção pelo regime de contabilidade organizada para o exercício de 2002 (documento de fls. 36/27) (N));</font></i><br> <i><font>31- Mais acrescentou o Autor, na comunicação que, naquela Repartição, foi o mesmo informado de que, na declaração entregue em 2001, apenas os campos 4 e 16 tinham sido efectivamente preenchidos, campos esses que se destinavam, única e exclusivamente, à alteração de morada e de contabilística, respectivamente (O));</font></i><br> <i><font>32- Atento o valor referido em 26, o Autor requereu à Ré que, com a maior urgência, elaborasse uma exposição, a remeter aos Serviços de IRS das Amoreiras, na tentativa de resolver o assunto (P));</font></i><br> <i><font>33- "Devido à urgência, e gravidade da situação", solicitou ainda o Autor à Ré que, até à Segunda-feira seguinte, ou seja, até ao dia 18.10.2004, lhe remetesse a exposição solicitada a fim de que o mesmo procedesse pessoalmente à sua entrega naqueles serviços (Q));</font></i><br> <i><font>34- Em 15.10.2004, o Autor remeteu comunicação escrita requerendo à Ré que se dirigisse à Repartição de Finanças do 9° Bairro Fiscal, para falar com o Sr. Sampaio, funcionário daquela repartição, a fim de lhe ser exibido o documento original, preenchido e assinado pela Ré, e ainda para que lhe fossem fornecidos outros dados que lhe serão muito úteis para fazer a exposição à Direcção Geral (R));</font></i><br> <i><font>35- Posteriormente, em 19.10.2004, após indicação do valor devido a título de IRS bem como das razões colhidas junto do 9° Bairro Fiscal, transmitidas à Ré, esta - em 14.10.2004 - subscreveu e entregou, como se fosse o próprio Autor, reclamação que dirigiu à Direcção de Serviços do IRS (documento de fls. 39) (S));</font></i><br> <i><font>36- Após o referido em 35, pela Repartição de Finanças foi comunicado à Ré que o Autor deveria pagar e, caso a reclamação procedesse, haveria um encontro de contas (9º);</font></i><br> <i><font>37- A Ré não deu qualquer conhecimento ao Autor do teor da citada reclamação nem mesmo do facto de que iria efectivamente elaborar, em nome dele, a referida reclamação ou sequer da data em que a iria concretamente apresentar (T));</font></i><br> <i><font>38- Reclamação que assumiu o seguinte conteúdo: "AA (...) vem por este meio requerer a correcção ao cálculo de IRS de 2002, visto ter sido calculado com base no regime simplificado e termos feito a opção de contabilidade organizada em 13.3.2001 no 9a Bairro Fiscal. Por interpretação errada, foi posta a opção de alteração de morada, quando no dia 31.8.2001 na Repartição de Oeiras - 2, foi feita essa alteração, não se justificando fazer uma segunda alteração de morada, dado ter ocorrido uma única mudança de residência. Como podem verificar no ano de 2001 foi entregue a declaração de IRS com o Anexo C conforme opção de contabilidade organizada tendo a mesma sido aceite e tributada como tal. A opção é válida por um período de três exercícios, o qual caduca só quanto o contribuinte tem intenção de o fazer. Por desconhecimento o contribuinte foi substituir o Anexo C pelo B, em 31.8.2004, quando o devíamos ter feita era a reclamação e não a substituição do Anexo. Por este motivo venho solicitar a sua anulação. No ano de 2002 só foi exercida a actividade durante 6 meses como empresário em nome individual, tendo no início de Setembro iniciado a actividade como sociedade unipessoal." (U));</font></i><br> <i><font>39- Em 21.10.2004, o Autor enviou uma comunicação por escrito à Ré, com o propósito de requerer informação sobre a eventual expedição para a Direcção Geral dos Impostos de exposição, em conformidade com o anteriormente referido pela Ré (V));</font></i><br> <i><font>40- Em 21.10.2004, a Ré respondeu por escrito à comunicação remetida pelo Autor, confirmando o envio para os Serviços do IRS, com carta registada e aviso de recepção, da exposição referida em 35, com pedido de alteração ao cálculo efectuado no que concerne ao imposto devido (X));</font></i><br> <i><font>41- Em 8.11.1994, o Autor procedeu à liquidação do IRS no montante de € 18.645,63 Euros, sendo essa a data limite de pagamento (Z)).</font></i><br> <font>Postos os factos, vista a problemática traçada nas conclusões recursórias e compulsados os autos, afigura-se falecer por inteiro razão à recorrente, em qualquer das duas questões essenciais colocadas à apreciação do Supremo. </font><br> <font>Ao invés do que sustenta, a recorrente não demonstrou a falta de culpa, que conduziria à sua absolvição, e, tratando-se de responsabilidade contratual, nunca poderá cogitar a possibilidade de redução da indemnização nos termos do artº 494º do CC, dispositivo que não é aplicável no domínio de tal modalidade de responsabilidade civil.</font><br> <font>A decisão do acórdão recorrido é a correcta, e encontra-se bem fundamentada, pelo que apenas se deixarão algumas breves considerações complementares.</font><br> <font>A culpa poder-se-á ter por excluída quando se verificarem circunstâncias que eliminem o juízo de reprovação ético-jurídica que lhe está subjacente.</font><br> <font>Assim sucede, v.g., quanto à inimputabilidade presumida dos menores de sete anos e dos interditos por anomalia psíquica – artº 488º, nº 2 do CC).</font><br> <font>Também, v.g., o erro sobre os pressupostos de uma causa de exclusão da ilicitude, se for desculpável, não é excludente do facto ilícito danoso mas poderá constituir uma causa de irresponsabilidade. Como resulta do artº 338º do CC, o titular do direito de agir na suposição errónea de se verificarem os pressupostos que justificam a acção directa ou a legítima defesa, só é obrigado a indemnizar o prejuízo causado se o erro não for desculpável. </font><br> <font>Contudo, nada de semelhante se passa no caso que nos prende, em que a culpa deve ser analisada, não somente segundo os padrões de um qualquer </font><i><font>bonus pater famílias</font></i><font>, mas antes tendo ainda em conta a profissão de técnica oficial de contas da recorrente.</font><br> <font>Na verdade, devendo a culpa ser apreciada em abstracto pela diligência de um bom pai de família, isto é, pelo comportamento normal do homem comum, logo o segmento final do nº 2 do artº 487º do CC acrescenta que isso deve ser feito em face das circunstâncias de cada caso concreto, o que significa que se deve ter em cada caso em atenção a profissão e outros elementos, como o sexo e a idade do agente.</font><br> <font>O que importa é portanto verificar se um técnico oficial de contas </font><i><font>(qualidade em que a recorrente foi contratada pelo recorrido)</font></i><font> normalmente diligente adoptaria o comportamento da recorrente nas mesmas circunstâncias concretas retratadas no quadro factual provado, e a resposta a esse quesito deverá ser negativa, não se podendo olvidar, ainda por cima, que não é ao recorrido que incumbe provar a culpa da recorrente, visto resultar do artº 799º, nº 1 do CC ser incumbência do devedor </font><i><font>(neste caso a recorrente)</font></i><font> provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedeu de culpa sua, ónus que a recorrente não conseguiu cumprir. </font><br> <font>Sendo a recorrente uma técnica oficial de contas, e tendo sido contratada pelo recorrido para elaboração da sua contabilidade, devia estar particularmente atenta às alterações introduzidas e ter feito a opção pelo regime de contabilidade organizada como forma de determinação do rendimento do recorrido em sede de IRS para o exercício de 2002, no seguimento, de resto, das instruções que lhe foram dadas nesse sentido pelo próprio recorrido.</font><br> <font>E percorrendo a panóplia factual provada, nada se lobriga que aponte para a veracidade do que a recorrente refere na 5ª conclusão recursória, isto é, que foram muitos os técnicos oficiais de contas que se encontraram em situação semelhante à recorrente, tantos que a sua entidade agregadora e disciplinadora - Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas - teve de actuar em termos institucionais.</font><br> <font>Pouco importa para o desfecho da lide que a recorrente tenha agido, como diz, de boa fé, na convicção de que a opção pelo regime da contabilidade organizada, em 2001, colocava o recorrido, durante os três exercícios seguintes, dentro da mesma opção, convicção que a recorrente refere – </font><i><font>sem no entanto o provar </font></i><font>!– ter sido sufragada por muitos colegas seus e pela própria Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.</font><br> <font>A verdade é que a recorrente estava obrigada a acompanhar a evolução legislativa, e a proceder em conformidade, o que não fez, tendo daí resultado para o recorrido o dano patrimonial traduzido na diferença entre a verba indicada no ponto 26 da matéria de facto – </font><i><font>que o recorrido pagou (ponto 41 da matéria de facto)</font></i><font> – e a quantia mencionada no ponto 27 do elenco dos fatos provados </font><i><font>(cfr. alíneas Z) e J) da especificação e resposta ao quesito 10º).</font></i><br> <font>A recorrente, em suma, não comprovou, como lhe competia, que actuou, sem culpa, mediante uma falsa representação da realidade, por forma a se poder desenhar uma causa de exculpação.</font><br> <font>Embora um pouco </font><i><font>a latere</font></i><font>, não se pode deixar de lembrar que justamente para prevenir situações deste jaez </font><i><font>(responsabilidade civil por danos causados por negligência no exercício de profissões liberais)</font></i><font> é que muitas pessoas </font><i><font>(v.g. advogados)</font></i><font> celebram adequados contratos de seguro. </font><br> <font>Por outro lado os artºs 483º a 510º do CC regulam a responsabilidade civil por factos ilícitos e pelo risco, não se aplicando portanto o artº494º do CC à responsabilidade contratual.</font><br> <font>Como diz Antunes Varela, em Das Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª Edição, pág. 99, «A distinção entre dolo e a negligência não assume, na falta de cumprimento das obrigações, a mesma importância que tem no capítulo da responsabilidade delitual, visto não ser aplicável à responsabilidade contratual o disposto no artº 494º».</font><br> <font>E Galvão Telles </font><i><font>(Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 352)</font></i><font> diz também que «</font><u><font>Em matéria de responsabilidade extraobrigacional</font></u><font>, o grau de culpabilidade pode influir no montante da indemnização, levando a fixá-lo equitativamente em valor inferior ao dos danos causados se, tendo em conta a moderação da culpa e a situação económica do lesante e do lesado e demais circunstâncias do caso, isso se justificar» </font><i><font>(o sublinhado é da nossa lavra).</font></i><br> <font>Destarte, o montante da indemnização por danos patrimoniais deve corresponder no caso presente ao prejuízo realmente causado (artºs 564º e 566º do CC).</font><br> <font>Não se mostrando infringidas as normas indicadas pela recorrente, cujas conclusões naufragam em toda a linha, acordam em </font><b><font>negar a revista</font></b><font>, remetendo, com as anteriores notas, ao abrigo do artº 713º, nº 5, </font><i><font>ex vi </font></i><font>artº 726º do CPC, para a fundamentação do acórdão recorrido, condenando a recorrente nas custas.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 12-06- 2007 </font><br> <br> <font>Faria Antunes (relator)</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font></font>
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9zLau4YBgYBz1XKvz0rX
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>"A" e mulher B, e C, propuseram contra D e mulher E pedindo que se declare válido o contrato rotulado de «declaração recíproca de obrigação», outorgado em 94.05.30, e, com base no seu incumprimento culposo por estes, se os condenar a pagarem à sociedade autora, na parte que lhe for exigida, e aos restantes autores, na parte que lhes for exigida, subsidiariamente, por reversão, as quantias que se comprometeram a pagar relativas a dívidas fiscais da sociedade: 13.515.581$00, montante já determinado, e as que se vierem a apurar, provenientes de facto anterior à data da celebração do acordo, acrescidas umas e outras de juros de mora vencidos e vincendos, de custas, selos e demais encargos, e ainda a indemnização a liquidar, em execução de sentença, por danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência do incumprimento desse contrato.</font><br> <br> <font>Contestando, os réus excepcionaram a ineptidão da petição inicial (por falta de causa de pedir quanto aos 1º e 2º autores), a nulidade (por inadmissibilidade legal do objecto e não observância da forma legal - a escritura pública) e a anulabilidade do contrato (por erro sobre o objecto do negócio), a inexigibilidade da obrigação (falta de interpelação sendo que não havia prazo fixado) e a compensação, e impugnaram, concluindo pela sua absolvição da instância ou do pedido.</font><br> <br> <font>Replicando, os autores responderam às excepções, reconheceram a inclusão indevida da dívida fiscal de 833.225$00 no montante já determinado e à compensação, que negam, contrapuseram a renúncia abdicativa, concluindo pela improcedência das excepções e condenação dos réus, por litigância de má fé, em multa e indemnização.</font><br> <br> <font>No saneador, improcederam as excepções de ineptidão da petição inicial e de nulidade do contrato.</font><br> <font>Com a organização da especificação e da base instrutória prosseguiu o processo, tendo os réus agravado de despacho que lhes indeferiu os pedidos de anulação do processado a partir de fls. 135, de prestação de esclarecimentos pelos peritos e de realização de 2ª perícia.</font><br> <font>Procedeu a acção por sentença confirmada pela Relação, após negar provimento ao agravo.</font><br> <font>De novo inconformados, pediram revista os réus que em suas alegações, no essencial e em suma, concluíram -</font><br> <font>- a Relação devia ter provido em parte o agravo ordenando, em nome dos princípios da indagação da verdade material e da liberdade da prova, a realização da 2ª perícia e</font><br> <font>- recusou a apreciação da impugnação factícia realizada pelos réus sendo que, face ao teor da impugnação, lhe cabia a sua indagação oficiosa;</font><br> <font>- as dívidas constantes das als. m) a q) não podiam ter sido dados como provados já que não existiam, como a sociedade autora reconhece e resulta da prova documental junta aos autos, onde os autores confessam nada dever ao Estado, e não existe nestes qualquer certidão de dívida;</font><br> <font>- quando se entenda que existem as dívidas constantes das als. m), n), p) e q) elas não são dívidas fiscais mas sim de custas judiciais não pagas</font><br> <font>- mas o acordo outorgado entre as partes não as contempla pelo que a condenação no seu pagamento extravasa o compromisso assumido pelos réus;</font><br> <font>- o acordo consubstanciado nessa declaração é inválido pois traduz a transmissão para os réus de um bem que já era seu, invalidade que o tribunal devia ter conhecido e não o fez;</font><br> <font>- a matéria dos ques. 17º e 19º devia ter sido dada como provada pois os documentos juntos aos autos evidenciam a existência de suprimentos realizados pelo réu ou, pelo menos, um crédito deste sobre a sociedade autora que não é senão aquele que contabilisticamente o autor transformou como seu, pelo que a compensação devia ter operado;</font><br> <font>- a matéria dos ques. 8º, 9º e 11º não foi, na decisão de facto, fundamentada ou é, pelo menos, incongruente, devendo as respectivas respostas te sido negativas pois que a prova relevante nos autos contraria as que foram dadas;</font><br> <font>- incurso o acórdão na nulidade do art. 668-1 d) CPC</font><br> <font>- e violado o disposto nos arts. 589 e 712-4 CPC e 892 CC.</font><br> <font>Contraalegando, pugnaram os autores pela confirmação do acórdão condenando-se os réus, por litigância de má fé, em multa e indemnização.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Decidindo: -</font><br> <font>1.- O CPC mantém a dicotomia de recursos revista/agravo mas estabelece que para o Supremo Tribunal de Justiça se interpõe um apenas, o de revista, quando, além da alegação de violação da lei substantiva, a parte recorrente também alegue violação de lei de processo.</font><br> <font>Mas, em atitude de coerência, exige que esta última alegação apenas será admissível quando um recurso autónomo de agravo possível for (CPC- 722,2 e 754-2).</font><br> <font>A Relação negou provimento ao agravo e os réus, discordando do acórdão, limitam a sua pretensão agora à realização da 2ª perícia.</font><br> <font>Trata-se de decisão processual intercalar, que, ao abrigo do art. 754-2 CPC, por nada ter sido alegado em ordem a integrar a excepção, não é passível de recurso.</font><br> <font>Assim, não é admissível o conhecimento da suscitada violação de lei adjectiva.</font><br> <br> <font>2.- Acusada a Relação de não ter conhecido da impugnação da decisão de facto ou de o ter feito sem a devida ponderação e análise crítica da prova documental e do relatório pericial, este já em si incompleto.</font><br> <font>Os recorrentes não apontam que se fixou a matéria de facto constante das als. m) a q) com desrespeito a disposição expressa de lei exigindo certa espécie de prova para a sua existência ou a fixar a força de determinado meio de prova.</font><br> <font>Com efeito, fazem assentar a arguição de erro na apreciação e fixação da prova - na não apreciação da impugnação da decisão de facto, onde a base instrutória não fora alvo de reclamação; - na «extensa prova documental produzida», comprovando que os autores nada devem à Fazenda Nacional ou ao Estado como ainda são eles que, «sucessivamente, ao longo de anos, declaram, perante a própria administração fiscal, que não devem as quantias agora dizem existir e vêm reclamar» e eles e a sociedade autora que o confessam «nas declarações de IRC por elas apresentadas com respeito aos anos de 94 a 97», que é corroborado nos relatórios e documentos de prestação de contas da sociedade autora dos anos de 1997 a 2000; - na prova pericial, onde não foi identificada qualquer das dívidas reclamadas e dadas como provadas; - no depoimento do técnico de contas da autora que também assinou as declarações de IRC.</font><br> <font>Ainda a propósito da apreciação e fixação da matéria de facto, os réus, agora já sob o ângulo da natureza das dívidas - para o caso de a sua impugnação da decisão de facto não dever proceder - alegam que estas não são dívidas fiscais e, porque tal, não abrangidas no contrato outorgado (caso se entenda que este é válido).</font><br> <font>Identicamente, agora quanto aos quesitos 17º a 19º que obtiveram resposta negativa, (defendem a alteração para ‘provado’) não argúem desrespeito a disposição expressa de lei exigindo certa espécie de prova para a sua existência ou a fixar a força de determinado meio de prova.</font><br> <font>Na verdade, assentam a arguição do erro na prova produzida pelos documentos de fls. 121 a 130 e 279 a 286, pelas contas e declarações de IRC da sociedade de 1994 a 2000 e pelo relatório pericial, tudo comprovando os ‘suprimentos’ apenas podendo ser controverso se dizem respeito só ao réu se também ao autor (na totalidade àquele ou na proporção de metade a ambos). O valor dos suprimentos, ainda que ficasse provado terem sido feitos, em partes iguais, por ambos extinguiria, por compensação, a dívida dos réus se, porventura, esta viesse a ser demonstrada.</font><br> <font>Finalmente, acusa-se a decisão de facto de não fundamentar a resposta à matéria dos quesitos 8º, 9º e 11º (provados estes dois e só em parte o primeiro) ou, pelo menos, de ser incongruente e contrariada pelo relatório pericial e relatórios de gestão da sociedade autora, devendo as respectivas respostas ter sido negativas.</font><br> <font>Nesta descrição pormenorizada da tese dos recorrentes há que distinguir 3 problemas distintos - nulidade, por omissão de pronúncia, do acórdão; arguição de erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais; erro de julgamento.</font><br> <font>Não é de mais sublinhar que o Supremo Tribunal de Justiça é, por natureza, estrutural e constitucionalmente um tribunal de revista. Não é uma 3ª instância. Aplica definitivamente o Direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido. Os seus poderes de cognição em sede de apreciação e fixação dos factos são, com excepção do excepcionado na lei (CPC- 722,2 e 729-2 e 3), praticamente nulos (é-lhe legítimo considerar factos desde que estes se possam e devam considerar adquiridos para o processo mas que não tenham sido especificados nem incluídos na sentença ou no acórdão embora provados por meio gozando de força probatória plena).</font><br> <font>Assim, e por qualquer dos dois primeiros problemas enunciados, a proceder, impedir a progressão no julgamento do mérito do pleito, ir-se-á iniciar por aí o conhecimento da revista.</font><br> <font>Só após a sua resolução se enunciará a matéria provada, enunciação que poderá ser, se essas questões merecerem ser indeferidas por remissão para o acórdão recorrido.</font><br> <font>Por a demonstração de uns factos exigir a prova vinculada e a de outros não, há que os arrumar em grupos diferentes - um, com os factos materiais constantes das als. m) a q) e outro, com os que foram objecto dos quesitos 8º, 11º, 12º e 17º a 19º.</font><br> <font>Em relação ao primeiro, embora a Relação tenha, por maioria, dito faltar legitimidade aos réus para impugnarem na medida em que não reclamaram da sua especificação, afirmou tratar-se de matéria provada por documentos autênticos, as certidões fiscais (fls. 663).</font><br> <font>Independentemente do (des)acerto da afirmação sobre a legitimidade para impugnar em sede de recurso - e não se acompanha a posição que, por maioria, foi assumida (desde logo, manda a lei que o tribunal proceda a um exame crítico de prova e este não se cinge só ao que o colectivo fixar - se para demonstrar o facto for exigido prova com determinada força, ter-se-o especificado baseado em prova sem essa força impede que o tribunal, na sentença, o considere provado - art. 659,2; hoje, as Relações são uma verdadeira 2ª instância de reapreciação da matéria de facto decidida pela 1ª instância pelo que, ao abrigo da actual redacção do art. 712 CPC é-lhes possível alterá-la, v.g., por desrespeito da exigência de prova vinculada e/ou determinar a renovação da prova; não se compreenderia que ao STJ sejam atribuídos os poderes ressalvados pelo nº 2 do art. 722 CPC se a Relação tivesse de forçosamente aceitar decisão que aquele iria, sendo interposto recurso, repudiar) -, o certo é que os documentos juntos e referidos nessas alíneas são suficientes, estão entre os que têm capacidade para demonstrar os referidos factos.</font><br> <font>Note-se que, em audiência de julgamento, a sra. Juiz tomou a iniciativa de aditar essas alíneas uma expressão a precisar, quanto à natureza da dívida, o que dos documentos resultava (fls. 499).</font><br> <font>Não houve nulidade por omissão de pronúncia e a demonstração dos factos obedeceu a meio de prova com força probatória suficiente para tanto - documentos e certidões judiciais.</font><br> <font>Em relação ao segundo grupo, a Relação pronunciou-se (fls. 664-665) no sentido de a impugnação não poder encontrar apoio no disposto no art. 712 e de a decisão respeitar o art. 655 CPC.</font><br> <font>Não houve nulidade por omissão de pronúncia e in casu não é passível de censura o não uso pela Relação dos poderes que lhe estão cometidos pelo art. 712 CPC.</font><br> <font>Remete-se a descrição da matéria de facto provada para o acórdão recorrido não sem que se observe a necessidade de futura (eventual, portanto, caso a acção deva proceder) rectificação.</font><br> <font>Os valores dados como provados somam 13.284.383$00 (87.000$00 + 4.944.959$00 + 899.216$00 + 6.263.236$00 + 1.089.972$00) e não o total referido no acórdão (13.799.329$00).</font><br> <font>Na petição inicial, os autores incluíram (art. 51) o de 514.921$00 no valor peticionado mas aquela parcela não foi levada à especificação nem à base instrutória, peças de que não reclamaram. Já não poderá ser, neste processo, atendida quer para efeitos de instrução do processo quer para efeitos de sentença.</font><br> <font>3.- Não tendo a sentença conhecido da anulabilidade do contrato, os réus, apelando, requereram que a Relação se pronunciasse considerando-o inválido (conclusões 13ª a 16ª, a fls. 606).</font><br> <font>A Relação considerou (fls. 665) que tal fora já decidido com trânsito em julgado (fls. 121 e ss).</font><br> <br> <font>É manifesto o equívoco.</font><br> <br> <font>O que a fls. 122-123 (há deficiência na paginação - da inicial fls. 177 passa-se para a fls. 118) ficou decidido, e cujo despacho transitou, foi a excepção de nulidade de contrato e remeteu-se, a fls. 123, expressamente, para final ‘a decisão das excepções peremptórias da nulidade do contrato por erro na declaração negocial e da ...’.</font><br> <font>Nulidade de acórdão por omissão de pronúncia. Porque prevista no art. 668-1, 1ª parte, CPC não pode o Supremo supri-la, tendo que baixar os autos a fim de ser reformada a decisão, se possível pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores (art. 731-1 e 2).</font><div></div><font>Embora não arguida como nulidade de acórdão por omissão de pronúncia, antes como erro de julgamento a qualificaram os réus, o que não vincula o tribunal (CPC- 664), é evidente que ao não conhecer das conclusões 9ª a 11ª da apelação - e tal, agora na revista, voltou a ser renovado - a há.</font><br> <font>Essas conclusões referiam que as quantias provenientes de custas judiciais extravasam o teor da declaração de fls. 20, o dito contrato, por não serem dívidas fiscais.</font><br> <font>O acórdão, a esse propósito, apenas afirmou - ‘Como resulta da factualidade apurada «As declarações constantes do documento junto a fls 20 correspondem inteiramente à vontade dos autores e dos réus». Daí decorre que os RR se comprometeram ao pagamento das dívidas aí expressamente referidas’ (fls. 666).</font><br> <font>Estamos face a uma conclusão mas só aparentemente pois que esta é a proposição que remata uma exposição sintetizando-a. Inexiste exposição e, quanto ao que os réus questionavam - essas quantias não estarem abrangidas pelo contrato firmado, se este fosse válido - nada foi dito.</font><br> <font>É legítimo dizer que, minimamente pelo menos, conheceu, se nem sequer confrontou o constante das als. m) a q) com os dizeres do nº 1-a) do doc. a fls. 20, maxime, para procurar estabelecer a correspondência entre uns e outros processos e quando, em relação aos dizeres do nº 1-b) e c) não se pronuncia sobre o sentido que as partes quiseram conferir à expressão «dívidas fiscais» que na al. anterior não prescindiu do acompanhamento da menção «custas»?! (note-se que, referindo isto, apenas se enuncia um problema, não se o está a resolver; compete às instâncias o apuramento da vontade real que, para isso, dispõem de elementos, desde logo o conhecimento e a consideração dos pressupostos da redacção dessas 3 alíneas).</font><br> <font>Nulidade de acórdão por omissão de pronúncia a determinar o regresso do processo à Relação a fim de ser reformada a decisão, se possível, pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores.</font><br> <font>Face a isto, prejudicado fica o conhecimento das restantes questões suscitadas pelos recorrentes.</font><br> <br> <font>Termos em que se anula o acórdão, baixando o processo à Relação, a fim de se fazer a sua reforma, se possível pelos mesmos Exº Juízes Desembargadores.</font><br> <font>Custas a final.</font><br> <br> <font>Lisboa, 9 de Novembro de 2004</font><br> <font>Lopes Pinto</font><br> <font>Pinto Monteiro</font><br> <font>Lemos Triunfante</font></font>
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9zLVu4YBgYBz1XKvqUZ3
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>"A" propôs contra B acção a fim de se reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no art. 1 da petição inicial, porque adquirido por usucapião e lho ter sido deixado em legado, e se condenar a ré a lho restituir já que o ocupa sem título.</font><br> <font>Contestando, a ré excepcionou a nulidade do testamento e impugnou, e, reconvindo, pediu se declare a nulidade, por simulação, do testamento de C, e se reconheça o seu direito de compropriedade ou a titularidade de um direito de comunhão sobre aquela fracção autónoma.</font><br> <font>Após réplica, prosseguiu o processo até final, com gravação da prova, e, por sentença confirmada pela Relação, improcedeu a acção e procedeu a reconvenção declarando-se nulo o testamento e a ré proprietária, juntamente com C, da referida fracção autónoma, e condenando-se a autora como litigante de má fé.</font><br> <font>De novo inconformada, pediu revista a autora concluindo, em suma e no essencial, em suas alegações -</font><br> <font>- por estarem preenchidos os requisitos para a reapreciação da prova devem anular-se as respostas aos quesitos 8, 9, 10, 18, 19, 23, 24, 25, 26, 29, 30, 31 e 32;</font><br> <font>- o testamento é um documento com força autêntica pelo que não pode ser anulado nos termos em que o foi;</font><br> <font>- a sua eventual simulação só acarretaria sua anulabilidade nunca podendo determinar a compropriedade da citada fracção e é-lhe inaplicável a prova testemunhal produzida em audiência;</font><br> <font>- não estão verificados os requisitos da usucapião nem os da compropriedade, face à ilegitimidade das partes necessárias a tal conclusão;</font><br> <font>- a recorrente alegou como modo aquisitivo do seu direito de propriedade o testamento público, o qual, por ser documento autêntico, faz prova plena dos factos nele constantes;</font><br> <font>- tendo morrido o testador, a eventual arguição de simulação teria de respeitar a lei, o que, bem como o carácter pessoal do testamento, não foi considerado pelo tribunal;</font><br> <font>- a simulação do testamento não podia ser decretada face à ausência dos herdeiros do de cujus;</font><br> <font>- a autora sempre beneficiaria da boa fé, por ser terceira e ainda por a fracção em causa se encontrar registada a seu favor, previamente à propositura da acção;</font><br> <font>- não tendo intervindo no testamento nem resultando dos autos a sua intervenção ou conhecimento, não podia ter sido condenada como litigante de má fé;</font><br> <font>- violado o disposto nos arts. 240, 241, 242, 243, 394-2, 2.200, 2.308, 2.182, 1.296, 1.287 e 1.403 CC, e 659 CPC.</font><br> <font>Contraalegando, defendeu a ré a confirmação do acórdão.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Decidindo:</font><br> <font>1.- Defende a autora que sendo o testamento fruto dum direito potestativo do seu autor, um negócio jurídico que se torna perfeito com uma única declaração de vontade, negócio essencialmente pessoal, individual ou singular, mortis causa, livremente revogável e estranho ao comércio jurídico, não podia, numa acção colateral com a presente, ser considerado nulo por comprovada simulação.</font><br> <font>Esta argumentação deve, a nosso ver, ser analisada numa dupla vertente - uma prévia, a da legitimidade processual, e só depois, na admissibilidade da prova testemunhal. Daí ter de se começar por aquela.</font><div></div><font>Há com efeito, um erro nas decisões das instâncias mas facilmente inteligível verificar o que, na realidade, as mesmas quiseram exprimir e decidiram.</font><br> <font>O que foi posto em causa é uma disposição testamentária. Quando esta é a única que existe no testamento é compreensível, embora seja infeliz a redacção, dizer que aquele é válido ou é nulo. Correctamente e num verdadeiro rigor terminológico e jurídico deve o julgamento e respectiva decisão precisar e fazer sobressair que um e outra apenas se reportam àquela concreta disposição testamentária em crise - só esta é a afectada.</font><br> <font>Ora, percorrendo qualquer das decisões proferidas adquire-se, sem sombra de dúvida, a certeza que as instâncias se quiseram reportar e se reportaram apenas à disposição testamentária que, a favor da autora, instituiu um legado.</font><br> <font>Elucidado isto, a excepção oposta e o primeiro pedido reconvencional podiam ter lugar nesta acção.</font><br> <font>«Diz-se testamento o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles» (CC 2.179,1).</font><br> <font>Se o expresso, no testamento, não for a vontade do seu autor ou esta padecer de vício, é, quanto ao que aqui interessa, a simulação, «anulável a disposição feita aparentemente a favor de pessoa designada no testamento, mas que na realidade, e por acordo com essa pessoa, vise beneficiar outra» (CC- 2.200).</font><br> <font>Alegado pela autora como modo aquisitivo do direito de propriedade que reivindica, a instituição do legado a seu favor. À ré cumpria defender-se, sob pena de preclusão (CPC- 489,1). Assim, ao excepcionar a invalidade da disposição testamentária apenas satisfez o ónus que sobre si impendia. Se a excepção fosse procedente, decretava-se a anulabilidade daquela, caso contrário a sua validade não seria afectada. Daí ser nesta acção que a ré tinha de colocar a questão.</font><br> <font>Uma vez falecido o testador, única titular do interesse em contradizer é a beneficiária, ela a única para quem da procedência do pedido pode advir prejuízo (CPC- 26,2).</font><br> <font>Na realidade, duma eventual declaração de invalidade resulta, a não haver outra causa estranha à mesma, o «regresso» do bem ao acervo hereditário e o consequente benefício para os herdeiros que, de outro modo - a manter-se válida, para eles não comportaria prejuízo. Não havia que os demandar.</font><br> <font>A legitimidade processual da ré advém, não dela ser herdeira (não o é), mas do facto de poder invocar uma ‘causa estranha’ a cuja procedência, na sua óptica, oferece interesse reconhecer-se a invalidade da disposição testamentária que institui um legado do bem que ela mesma reivindica como seu se bem que ou em compropriedade ou em direito de comunhão.</font><br> <font>Isto, perspectivando-a enquanto reconvinte e, como tal, autora na acção cruzada.</font><br> <font>Perspectivando-a como ré, advém, além do referido antes, ainda de um outro facto - o acordo sobre o destino da casa de morada de família - através do qual também pretende obstar uma eventual restituição.</font><div></div><font>Legitimidade para reivindicar o direito de propriedade sobre a fracção autónoma cabia, na acção, à autora e, na reconvenção, à ré, apenas a uma e outra assistia o interesse em demandar.</font><br> <br> <font>2.- Não tendo o vício sido arguido pelo simulador ou seus herdeiros ou pela legatária, a prova testemunhal era admissível (CC- 394,2).</font><br> <font>A força probatória plena de um documento autêntico não se estende à veracidade das declarações nem à autenticidade intrínseca das nele prestadas pelo seu autor (CC- 371,1). Porque assim, é admissível a prova testemunhal sobre a sua autenticidade ou não, sobre a sua veracidade ou não, nada impede que a sua impugnação logre, através desse meio de prova, vencimento. Diverso disto é a questão da repartição do ónus da prova o que, todavia, aqui não vem posto em crise nem há motivo para o ser.</font><br> <font>Os poderes censórios do Supremo Tribunal de Justiça em sede de decisão do facto são muito limitados o que bem se compreende já que não é uma 3ª instância mas um tribunal, constitucional e estruturalmente, de revista.</font><br> <font>Ininvocável, portanto, a prova gravada como a recorrente faz nas suas alegações.</font><br> <font>Acrescente-se, embora seja desnecessário, que a Relação, a quem compete, em última instância, a fixação da materialidade fáctica não só analisou a gravação como expressou a sua convicção sobre a bondade da decisão do facto, pelo que lhe não mereceu qualquer censura. Ora, o não uso (diverso de ‘mau uso’) dos poderes que lhe são cometidos pelo art. 712 CPC não é passível de sindicância pelo STJ.</font><div></div><font>Ao abrigo do disposto nos arts. 713-6 e 726 CPC remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto.</font><br> <font>Sem prejuízo de tal, deixa-se, para percepção do que subjaz à conflitualidade traduzida na actual acção, traçada, embora sucintamente, essa ambiência -</font><br> <font>o testador era pai de C com quem a ré casou em 81.07.26; dissolvido o matrimónio - divórcio por mútuo consentimento - em 00.09.19, acordando-se que a casa de morada de família (a fracção autónoma ora reivindicada) era atribuída à aqui ré; o ex-marido da ré vive em união de facto com a autora; esta, cinco dias antes da propositura desta acção, fez averbar em seu nome a aquisição do direito de propriedade da mesma fracção autónoma, por legado do testador, no registo predial.</font><br> <br> <font>3.- Com relação à aquisição, por usucapião, do direito de propriedade pela autora nada que traduza poder de facto por ela exercitado se provou.</font><br> <font>Resta a invocada instituição do legado e a aquisição tabular.</font><br> <font>Se aquele modo de adquirir não for válido e/ou eficaz, fica sem consistência esta outra - registado pela autora um acto invalidado e/ou ineficaz.</font><br> <br> <font>4.- Ao testador, falecido em 97.02.19, sobreviveram sua mulher (D) e três filhos (E, F e G).</font><br> <font>Em 94.05.10, lavrou testamento em que lega, com consentimento de sua mulher, a dita fracção autónoma à autora.</font><br> <font>Provado que o conteúdo do testamento resultou de um acordo entre o testador, o filho C e a autora, elaborado com a finalidade de prejudicar a ré e servindo-se da autora para transmitir essa fracção autónoma a esse filho, não a tendo querido dar à autora nem esta a querido receber.</font><br> <font>Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, pactum simulationis e intuito de enganar terceiros - a ré (este será, adiante, melhor desenvolvido) - requisitos que, pela prova produzida, se devem considerar preenchidos.</font><br> <font>Com a norma do art. 2.200 CC estabeleceu-se uma sanção autónoma contra o conluio do testador com um terceiro se da disposição lavrada resultar prejuízo para alguém com legitimidade para requerer a sua anulação (vd., o comentário a este artigo em P. de Lima - A. Varela in CCAnot IV).</font><br> <font>A concreta disposição testamentária é anulável e decreta-se-a anulada (CC- 2.200).</font><br> <font>Com ela improcede a aquisição tabular - ininvocável a presunção da titularidade do direito. Além de que, sendo o registo a favor da autora posterior ao início da posse pela ré, beneficia esta da presunção da titularidade do direito (CC- 1.268,1).</font><br> <font>O efeito da sua anulação será, a não subsistir outra causa, o ingressar o bem no acervo hereditário, não o de considerar a disposição dissimulada (legado a favor do filho C) - isso seria conferir força ao conluio e tornar válido e eficaz o que a ré combateu (validade e eficácia da disposição de legado a favor da autora e, indirectamente, do seu ex-marido retirando a possibilidade de se reconhecer que integra o património comum do casal).</font><br> <br> <font>4.- A ré reivindica a titularidade ou a co-titularidade do direito de propriedade sobre a fracção autónoma com fundamento em usucapião.</font><br> <font>Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado (CPC- 729,1).</font><br> <font>Importa referi-lo por a autora questionar o decurso do lapso temporal de 15 anos.</font><br> <font>Sucede que o tribunal deu como provado que a ré sempre utilizou a fracção autónoma há mais de 15 anos (resposta ao quesito 32). Não consta da decisão de facto quais os momentos - inicial e final - considerados e não se vislumbra que as partes os tenham questionado.</font><br> <font>Além de a resposta ao quesito 19 não autorizar excluir-se a possibilidade de o poder de facto pela ré e pelo então seu marido se ter iniciado antes da aquisição da fracção autónoma em 89.12.16, à ré aproveita o disposto no art. 1.256-1 CC.</font><br> <font>Por outro lado, articulando as respostas aos quesitos 32 e 33, constata-se que o lapso temporal superior a 15 anos se reporta necessariamente à ré e seus antecessores, o que significa que já decorrera quando a autora, em 01.06.25, propôs a presente acção.</font><br> <font>Os outros pressupostos da usucapião não sofrem qualquer contestação.</font><br> <font>A ré adquiriu a titularidade do direito (a definir adiante) por usucapião.</font><br> <font>«Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse» (CC- 1.288).</font><br> <font>O momento da aquisição do direito de propriedade é, no caso de usucapião, o do início da posse (CC- 1.317 c)).</font><br> <font>Na medida em que a aquisição, por usucapião, deve ser judicialmente reconhecida não é possível, senão extrapolando, à autora extrair do afirmado na 2ª conferência de divórcio (em 00.09.19) - «não existem bens comuns a partilhar» - argumento a si favorável. Com efeito, nessa altura ainda não fora reconhecida a aquisição da titularidade do direito; reconhecida agora e, por efeito da retroactividade da usucapião, já há, como se explicitará, um bem comum.</font><br> <br> <font>5.- O início da posse pela ré ocorreu em plena vigência do seu matrimónio com o filho do testador.</font><br> <font>Esse poder de facto com intuitus dominii, conforme a prova, foi exercitado por ambos, continua a sê-lo pela ré e desconhece-se desde quando não pelo ex-marido.</font><br> <font>A posse pela ré aproveita ao ex-marido (CC- 1.291).</font><br> <font>Porque a aquisição do direito retroage ao início da posse e este ocorreu na vigência do matrimónio, o bem adquirido é bem comum do casal - apenas existe um direito, o qual é de propriedade (a alternativa colocada pela ré - titularidade «dum direito de comunhão em metade da mesma fracção», cfr., cont. a fls. 22 - tem como pressuposto a aquisição do direito ser posterior à dissolução do casamento, o que não ocorre).</font><br> <font>Sabendo o testador que a ré possuía com animus dominii, ao dispor como dispôs, não só tinha a intenção de prejudicar a ré (animus nocendi) - resposta ao quesito 26, como de a iludir (animus decipiendi) a fim de possibilitar que o bem ficasse, como quis e procurou exprimir (resposta aos quesitos 23 a 25), em propriedade tão só de seu filho C que, na altura da elaboração do testamento, ainda se encontrava casado com a ré.</font><br> <font>Face à prova irreleva discutir se, sendo o testamento um acto unilateral (CC- 2.179,1), o animus decipiendi (CC- 240,1) é de exigir, se basta o animus nocendi ou se o disposto no art. 2.200 CC dispensa qualquer deles.</font><br> <font>Porque bem comum da ré e ex-marido, ex vi do regime matrimonial convencionado, não ingressa no acervo hereditário do de cujus (o falecido testador).</font><br> <br> <font>6.- Insurge-se a autora contra a sua condenação por litigância de má fé quer por não ter tido qualquer intervenção no testamento e nunca ter participado em actos capazes de a colocarem numa situação de não correspondência desses factos com a realidade, sendo, ao invés, que participou em actos demonstrativos (pagamento da contribuição autárquica, imposto sucessório e condomínio) da qualidade de proprietária, como reivindicava (texto das suas alegações a fls. 625, que resumiu na conclusão - ‘não tendo intervindo no testamento nem resultando dos autos a sua intervenção ou conhecimento, não podia ter sido condenada como litigante de má fé’).</font><br> <font>Em suma, porque é terceiro num acto essencialmente pessoal (o testamento) não podia a sua litigância ser qualificada de má fé, além de o ter praticado certos actos demonstrativos do direito de propriedade que reivindicava ‘contrabalança’ os restantes provados (conluio com o testador e com o seu companheiro, ex-marido da ré e o se ter deixado servir para disfarçar a real transmissão pretendida fazer - a favor do filho, companheiro da autora).</font><br> <font>Encontrada a solução para se furtar ao dever de probidade e se poder conscientemente alterar a verdade dos factos e/ou omitir voluntariamente factos essenciais de modo a evitar uma sintonia entre a verdade material e a decisão de mérito, isto é, a deliberadamente provocar que a decisão de mérito não traduza a justiça material do caso sub judice.</font><br> <font>Conhecendo, quando propôs a acção, que se conluiara com o testador e seu filho (que com a ré fora casado e que da autora era companheiro), a profunda divergência entre a vontade declarada pelo testador e a sua vontade real, a real intenção - à qual se prestou servir - deste em prejudicar a ré e em favorecer aquele seu filho, nunca ter exercido sobre a citada fracção autónoma o poder de facto e que quem o exercitava era a ré, apesar de tudo isso não se coibiu de, alegando o poder de facto e omitindo os restantes factos - que sabia essenciais à descoberta da verdade material e à administração da justiça, fazer instaurar a acção e de, replicando, expressamente impugnar a veracidade desses factos.</font><br> <font>Uns são-lhe factos pessoais, outros do seu conhecimento pessoal.</font><br> <font>Correctamente qualificada a sua litigância como de má fé e justamente condenada por ela.</font><br> <br> <font>Termos em que, mantendo-se a improcedência da acção e a condenação da autora por litigância de má fé, se acorda em alterar o acórdão recorrido -</font><br> <font>- declarando-se anulada, por simulada, a disposição testamentária a instituir o legado a favor da autora</font><br> <font>- e que a fracção autónoma nela identificada (constante da al. G) dos factos assentes), integra, porque adquirido o direito de propriedade por usucapião, o património conjugal do casal que a ré e C formaram, sendo seu bem comum.</font><br> <font>Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 8 de Novembro de 2005</font><br> <font>Lopes Pinto,</font><br> <font>Pinto Monteiro,</font><br> <font>Lemos Triunfante.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>"A" propôs contra B, C e D, todos, ... acção a fim de se os condenar a, por incumprimento do contrato, de 00.04.07, de venda e compra de cortiça, o indemnizarem, por lucros cessantes, em 4.825.000$00, acrescendo juros de mora desde 01.04.23, e a lhe restituírem a quantia entregue em antecipação de pagamento - 1.000.000$00, acrescendo juros de mora desde 00.04.07.</font><br> <font>Os réus excepcionaram a incompetência territorial do tribunal, a ilegitimidade das partes, a nulidade do contrato e a natureza de da quantia entregue qualificando-a de caução prestada nas negociações preliminares, e impugnaram pela sua absolvição salvo apenas quanto à restituição da caução.</font><br> <font>Prosseguindo o processo, no tribunal tido como territorialmente competente, procedeu, em parte, a acção quanto ao pedido indemnizatório (por € 19.255,59 = 3.860.400$00, acrescendo juros de mora desde a citação) e totalmente quanto ao pedido de restituição.</font><br> <font>Sob apelação dos réus, a Relação revogou a sentença quanto ao primeiro pedido dele os absolvendo.</font><br> <font>Inconformado ora o autor, pediu revista, concluindo em suma e no essencial, em suas alegações:</font><br> <font>- os réus não praticaram um acto de disposição vendendo a cortiça - venda de frutos pendentes, legalmente havida como venda de bens futuros, mas um acto de administração;</font><br> <font>- os réus eram, à data do negócio, maioritários na compropriedade podendo impor as suas decisões em actos de mera administração, necessidade que nunca tiveram por os restantes consortes sempre, como foi referido no processo, terem ratificado os seus actos;</font><br> <font>- a Relação enquadrou o negócio na disciplina dos arts. 1408, 2091 e 2124 quando o devia ter sido no disposto nos arts. 880-1, 1407 e 985 CC, pelo que se os considera violados.</font><br> <font>Sem contraalegações.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Ao abrigo do disposto nos arts. 713 n. 6 e 726 CPC, remete-se a descrição da matéria de facto para o acórdão recorrido, sem prejuízo de uma breve síntese:</font><br> <font>em 00.04.07, os réus venderam ao autor a cortiça do prédio rústico Galvoínhas, sito no Torrão, Alcácer do Sal, para a época extractiva de 2000, pelo valor de 5.000$00/arroba, sendo a cortiça tirada por conta do comprador, o qual adiantou o pagamento de 1.000.000$00;</font><br> <font>quando o autor já tinha os tiradores de cortiça e o transporte apalavrados, afirmaram os réus ao autor que aquela propriedade rústica não era só deles e que um dos restantes comproprietários não havia concordado com o negócio e não permitiria a extracção da cortiça, pretendendo restituir ao autor a quantia por este entregue, o que ele recusou;</font><br> <font>os réus celebraram, em 00.06.08, com terceiro contrato-promessa de venda da mesma cortiça e venderam-na a terceiro;</font><br> <font>sobre aquele prédio rústico incide um direito de compropriedade, sendo os réus alguns dos vários comproprietários;</font><br> <font>nessa época extractiva, a cortiça com a qualidade da vendida, atingiu valor por arroba que, no 2º trimestre, era o dobro e, no 3º, era superior ao dobro;</font><br> <font>o autor comprou a cortiça para a revender e, nesse ano, vendeu uma outra a 13.000$00/arroba.</font><br> <br> <font>Decidindo: </font><br> <br> <font>1.- Em causa apenas a procedência ou não do 1º pedido formulado pelo autor.</font><br> <font>A sentença considerou estar-se face a um contrato válido de venda de bens futuros na modalidade rei speratae, que os réus, por culpa sua, não cumpriram pelo que é devida a indemnização por frustração do interesse do cumprimento. Daí a procedência do respectivo pedido indemnizatório.</font><br> <font>O acórdão julgou nulo o contrato porque, vendendo os réus os frutos pendentes de um prédio indiviso, este tem de ser havido antes como venda de bens alheios e não houve ratificação. Assim, tendo o autor agido de boa fé e os réus com culpa, àquele apenas assiste direito a ser indemnizado pelo dano da confiança, não tendo sido esse interesse o que foi pedido. Daí, a revogação da sentença.</font><br> <br> <font>2.- Temos que o caminho a percorrer deve ser o inverso do trilhado pelas instâncias.</font><br> <font>Concretamente, há que, em primeiro lugar, definir o tipo de acto praticado pelos réus - de administração ou de disposição. Só após o definir, se poderá avançar para a outra questão.</font><br> <font>A cortiça é a casca de árvore, especialmente de sobreiro. É um fruto (CC 212,1).</font><br> <font>Até ser separada da árvore, o comprador apenas tem um direito de crédito, o de exigir ao vendedor o poder extraí-la. Uma vez separada ganha autonomia em relação à árvore donde é extraída.</font><br> <font>Enquanto a venda da cortiça na árvore é um acto de administração, outro tanto não se poderá dizer se vendidas forem as árvores - aqui, já será um acto de disposição. Ali, é a conservação e o desenvolvimento de um património que está em causa; aqui, é uma alteração do actual património que do acto resulta.</font><br> <font>Não fornecendo os autos qualquer convenção sobre a administração das Galvoínhas, todos os comproprietários têm igual poder para administrar (CC 1403 n. 2, 1405 n. 1, 1407 n. 1 e 985 n. 1).</font><br> <font>Irreleva in casu conhecer se houve (real) oposição ou se esta foi da maioria legal dos consortes, na medida em que, a tê-la havido e dessa maioria, o acto apenas seria anulável (CC 1407, n. 3) e, para arguir a anulabilidade do acto, falecia legitimidade aos réus que a ela teriam dado causa (CC 287, n. 1).</font><br> <font>A venda da cortiça na árvore é um acto de administração e o respectivo contrato foi e é válido.</font><br> <br> <font>3.- Na medida em que acto de administração não é de colocar a questão em temos de venda de coisa alheia. Os réus agiram enquanto e como administradores, porque comproprietários sem que houvesse convenção em contrário relativa a encabeçar a gestão.</font><br> <font>Como administradores podiam validamente realizar, como fizeram, a venda de frutos e eram obrigados a exercer as diligências necessárias para que o autor os adquirisse (CC 880, n. 1).</font><br> <br> <font>4.- Contrato de compra e venda sazonal e concluído após as partes terem acordado em todas as cláusulas por eles julgadas necessárias (CC 232).</font><br> <font>Ignorava o autor a existência de outros comproprietários (nem os réus lograram provar o que, em contrário, alegaram nem a má fé se presume) a qual, se, porventura, conhecessem, irrelevaria na medida em que desconheciam, na altura da celebração do contrato, a existência de oposição e que os réus não tivessem o poder de administração. Agiu o autor, portanto, com e de boa fé.</font><br> <font>Fosse por não terem obtido a concordância de todos os consortes e verificarem que se tinham precipitado fosse pela mira de maior lucro fosse por outra razão, não só recusaram cumpri-lo (o que, de per si, traduz, incumprimento) como ainda impossibilitaram o seu cumprimento ao alienarem essa cortiça na árvore a terceiro.</font><br> <font>Conquanto sobre os réus incidisse uma presunção de culpa no não cumprimento (CC 799,1) e a não tivessem ilidido, ficou provada a - real - culpa dos réus.</font><br> <font>Não há que questionar se os réus desenvolveram ‘as diligências necessárias para que o comprador’ (o autor) adquirisse a cortiça vendida (CC 880, n. 1). Esse dever dos alienantes visa a execução do contrato, dirige-se-lhe mas o que in casu ocorreu era prévio - falta de cumprimento não por violação desse dever mas por os alienantes (desinteressa se além deles também outro ou outros comproprietários, isso é problema interno a resolver entre eles) terem recusado o cumprimento e o terem inviabilizado.</font><br> <font>A origem da falta de cumprimento resulta dessa recusa e ainda de um outro facto, o terem-no inviabilizado, isto é, não resulta da violação daquele dever, esta pressuporia não ter havido quer essa recusa quer essa inviabilização.</font><br> <font>Porque o não cumprimento do contrato é imputável aos réus, são responsáveis pelo prejuízo que causaram ao autor (CC 798).</font><br> <font>Indemnizável in casu o interesse contratual positivo.</font><br> <br> <font>5.- A indemnização peticionada diz respeito apenas ao interesse no cumprimento.</font><br> <font>O autor destinava a cortiça à revenda, donde recolheria lucro o qual, em virtude dos preços que a arroba atingiu nesse ano para cortiça da qualidade da vendida, seria superior ao que poderia esperar se ela não tivesse conhecido esses altos preços. É esse lucro que o autor deixou de auferir devido à atitude dos réus que estes têm de indemnizar.</font><br> <font>As instâncias calcularam-na em termos de apurar o seu valor líquido - contabilizaram em primeiro lugar o valor bruto, ilíquido, e deduziram as despesas que o autor teria quer com a extracção quer com o transporte.</font><br> <font>O método seguido é o correcto e o valor apurado não sofre contestação.</font><br> <font>Identicamente, a indemnização moratória não foi questionada.</font><br> <br> <font>Termos em que se revoga o acórdão recorrido e, embora por fundamentação diversa, se repõe a condenação dos réus nos precisos termos em que foi decretada na sentença.</font><br> <font>Custas pelos réus.</font><br> <br> <font>Lisboa, 8 de Novembro de 2005</font><br> <font>Lopes Pinto,</font><br> <font>Pinto Monteiro,</font><br> <font>Lemos Triunfante.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>"A" e marido B propuseram contra Sociedade C, SA., acção a fim de serem condenados a reparar os danos causados, com a construção que levaram a cabo da Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR), na sua propriedade identificada no art. 1º da petição inicial e no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais computada em 750.000$00.</font><br> <font>Provocada a intervenção acessória da Companhia de Seguros "D", SA., contestou a ré impugnando os factos, nomeadamente, o nexo de causalidade.</font><br> <font>A interveniente fez sua a contestação da ré.</font><br> <font>Prosseguindo até final, improcedeu a acção por sentença que a Relação confirmou.</font><br> <font>De novo irresignados, os autores pediram revista, concluindo, no essencial e em suma, em suas alegações -</font><br> <font>- tendo-se provado que os danos inexistiam antes do início da obra e se não agravaram após a sua conclusão decorre manifestamente a presunção da responsabilidade da ré pelos mesmos;</font><br> <font>- o acórdão recorrido não atendeu à omissão da ré nas cautelas devidas pela natureza da obra levada a cabo e dos meios com que a realizou;</font><br> <font>- violado o disposto nos arts. 349, 351, 493-2 e 483 CC.</font><br> <font>Contraalegando, a ré pugnou pela confirmação do acórdão e, a título subsidiário, requereu a ampliação do objecto do recurso a fim de se decidir da inexistência dos pressupostos de que deriva a obrigação de indemnizar.</font><br> <font>Colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Decidindo: -</font><br> <br> <font>1.- As presunções não são propriamente um meio de prova mas um processo lógico ou mental para, socorrendo-se de um facto conhecido e verificando que, com base nas regras da experiência, ele denuncia a existência de um outro afirmar este.</font><br> <font>Diversamente do que sucede com o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal de revista, não julga o facto - aplica definitivamente o Direito aos fixados pelo tribunal recorrido, já as instâncias podem e devem, na apreciação a prova, socorrer-se de presunções judiciais.</font><br> <font>Através da 1ª conclusão pretendem que «perante estes factos - emerge a presunção óbvia de que os danos foram directa e inequivocamente causados pelas obra da ETAR», «de que os danos em causa não podem senão resultar das obras levadas a cabo pela ré» (fls. 210 e vº).</font><br> <font>O nexo de causalidade conhece duas vertentes - uma, de facto; outra de direito. Esta - saber se constitui ou não causa adequada à produção daquele resultado - apenas poderá ser conhecida se estabelecidos os factos materiais que em concreto integram a causa.</font><br> <font>O STJ não conhece da decisão de facto a não ser em casos excepcionais configurados na lei e que aqui não ocorrem.</font><br> <font>Por isso, remete-se para o acórdão recorrido a descrição da matéria de facto provada (CPC 713, n. 6 e 726).</font><br> <br> <font>2.- Nem se afigura que quer abstractamente quer na generalidade dos casos se haja de considerar a construção civil como actividade perigosa. Há que ter em atenção a concreta actividade, se o é por própria natureza ou pela natureza dos meios empregados (CC - 493, n. 2).</font><br> <font>Independentemente disso e face à posição só agora defendida pelos autores, algo se dirá.</font><br> <br> <font>O trabalho de construção civil deve ser executado de harmonia com as disposições municipais e com as mais que legalmente disciplinam a matéria e sempre sem prejuízo quer da segurança do público em geral quer de outros prédios que possam, por via daquela, ser interessados (afectados).</font><br> <font>As providências a adoptar são as que as normas técnicas ou as regras de experiência comum indicam.</font><br> <br> <font>Não vem apontada qualquer violação de norma técnica. Pelo contrário, provou-se que «a ré levou a cabo os trabalhos de construção da ETAR do Arainho de harmonia com as especificações técnicas e de acordo com as condições expressas nos projectos e no caderno de encargos».</font><br> <font>Sendo assim, restaria a violação das regras de experiência comum, pelo que saber se a ré tomou as medidas adequadas a prevenir os danos que os autores dizem ter sofrido representa matéria de facto e, como se referiu acima, tal é vedado ao STJ.</font><br> <br> <font>Traduzindo para o presente caso - ainda que houvesse de apelar ao prescrito no art. 493 n. 2 CC, falharia razão aos autores; não havendo que se socorrer do aí previsto, incumbia-lhes satisfazer o ónus da prova (CC - 342, n. 1) o que não lograram.</font><br> <font>A Relação considerou que, em sede do facto, os autores tenham provado a causa; daí, a improcedência do pedido.</font><br> <br> <font>3.- Não merecendo ser censurado o acórdão, prejudicada fica a ampliação do objecto de recurso.</font><br> <br> <font>Termos em que se </font><b><font>nega a revista</font></b><font>.</font><br> <font>Custas pelos autores.</font><br> <br> <font>Lisboa, 12 de Abril de 2005</font><br> <font>Lopes Pinto,</font><br> <font>Pinto Monteiro,</font><br> <font>Lemos Triunfante.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b></div><br> <font>AA e seu marido BB intentaram acção, com processo ordinário, contra CC, pedindo a modificação do contrato de associação em participação para contrato de mútuo; declaração de que o Réu cobrou juros usurários pelas as quantias que recebeu, os quais devem ser reduzidos para 7% e que os Autores já lhe tinham pago a totalidade da divida e juros vencidos, recebendo aquele, em 2001, 2002, 2003 e 2004, montantes em excesso no valor global de 18.165,45 euros; condenação do Réu a pagar-lhes esta quantia, acrescida de juros desde a citação ou, subsidiariamente, a fazê-lo por enriquecimento sem causa.</font> <p><font>O Réu contestou e deduziu reconvenção pedindo a condenação dos Autores a pagarem-lhe a quantia de 1246,40 euros, com juros respeitantes a prestações em falta, nos termos do contrato de associação em participação.</font> </p><p><font>No Círculo Judicial de Seia foram julgados improcedentes os pedidos principal e reconvencional, sendo o Réu e os Autores absolvidos dos pedidos.</font> </p><p><font>Os Autores apelaram para a Relação de Coimbra que manteve o julgado, assim confirmando a decisão do Relator, tirada ao abrigo do artigo 705.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Inconformados, os Autores pedem revista.</font> </p><p><font>E assim concluem as suas alegações:</font> </p><p><i><font>1- De todos os factos dados como provados nos presentes autos não consta um único facto que indique que o ora recorrido participou nos lucros do exercício da actividade da recorrente mulher — salão de cabeleireiro. </font></i><br> <i><font>2- A decisão recorrida que o art. 25. ° do D.L. n. ° 231/81 permite que regime diferente seja convencionado pelas partes no contrato, ou resulte de circunstâncias desse mesmo contrato. </font></i><br> <i><font>3- Esta é a excepção ao previsto na lei quanto ao montante e exigibilidade da participação do associado nos lucros, mediante recurso ao vertido nos diversos números desse artigo 25. °: a proporcionalidade referente ao valor da contribuição do associado ou metade dos lucros e, neste caso, o interessado pode ‘requerer judicialmente uma redução equitativa’, ou por referência ‘aos resultados do exercício’. </font></i><br> <i><font>4- Estas linhas como critérios orientadores quanto ao modo de determinar o quantum da participação nos lucros pelo associado, não acarreta que possa criar-se total aleatoriedade na determinação desse quantum da participação nos lucros, mas sim que terá se que apresentar uma qualquer fórmula, ou modo de cálculo, ou outro critério que possa ser seguido e convencionado pelas partes. </font></i><br> <i><font>5-A total ausência de critério fundamentador da convenção entre as partes que permita extrair o modo como o recorrido participava nos lucros — e o que determinou a suposta fixação antecipada do valor dos lucros — que leva à posição já defendida pelos então AA. na 1.ª instância, em recurso de apelação e agora em recurso de revista! </font></i><br> <i><font>6- A cláusula assinalada sob o ponto não se coaduna com o regime previsto no D.L. n. ° 231/81 de 28/07. </font></i><br> <i><font>7- Nas respostas aos factos da B.I., nunca consta a palavra lucro nem mesmo na redacção de algumas alíneas da matéria de facto assente, consta que as quantias pagas pela ora recorrente respeitavam aos lucros do exercício da actividade daquela, na totalidade, ou em determinada percentagem. </font></i><br> <i><font>8- O direito à restituição da denominada ‘participação do segundo outorgante’, só pode ocorrer por força de um contrato de mútuo. </font></i><br> <i><font>9- Perante toda esta factualidade, resulta à evidência que os 2.000.000$ entregues pelo recorrido à recorrente não foram a sua contribuição patrimonial no apelidado contrato de associação em participação, mas sim um empréstimo monetário à recorrente, a ser restituído durante sessenta meses, e com juros incluídos. </font></i><br> <i><font>10- O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 282. ° e ss. e 1142. ° e ss. ambos do CC., uma vez que perante os factos dados por provados na primeira instância, forçoso seria concluir pela existência de negócio diverso da associação em participação, tendo que ser convertido o contrato em mútuo e daí extraírem-se as consequências decorrentes da aplicação de juros usurários. </font></i> </p><p><font>O recurso foi contra alegado onde se concluiu pela manutenção do aresto em crise.</font> </p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br> <br> <i><font>1 - Em 1999 a autora trabalhava como cabeleireira juntamente com a sócia DD num estabelecimento de cabeleireiro sito em Oliveira do Hospital — (Al. D) dos factos assentes). </font></i><br> <i><font>2 - Após a entrega de dois milhões de escudos, e em conformidade com o entre ambas acordado, DD deixou de explorar o cabeleireiro, assumindo a autora todo o passivo — (r. aos p.s 2°, 13° e 14° da base instrutória). </font></i><br> <i><font>3 - Autora e réu subscreveram o acordo constante do documento junto aos autos a fls.12, o qual é denominado ‘CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO’, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — Al. A) da matéria de facto assente. </font></i><br> <i><font>4 - Do contrato constam as seguintes cláusulas: </font></i><br> <i><font>1 - A primeira outorgante é dona de um salão de cabeleireiro, sito no edifício do centro comercial Areias em Oliveira do Hospital. </font></i><br> <i><font>2 - O segundo outorgante associa-se, na exploração da actividade de cabeleireiro, à primeira outorgante que aceita tal qualidade. </font></i><br> <i><font>3 - A participação do segundo outorgante consiste na entrega à primeira outorgante da quantia de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) que esta já recebeu. </font></i><br> <i><font>4 - Esta associação consiste apenas na participação nos lucros, estando afastada a participação nas perdas. </font></i><br> <i><font>5 - A primeira outorgante entregará mensalmente até ao dia 10 de cada mês, ao segundo outorgante, por depósito na conta bancária n° ..., do Banco Comercial Português, Nova Rede, agência de Oliveira do Hospital do segundo outorgante, a quantia de 100.000$00 (cem mil escudos). </font></i><br> <i><font>6 - Este contrato termina, 60 meses após o seu início. </font></i><br> <i><font>7 - O segundo outorgante, poderá, quando o entenda, solicitar os elementos que entender necessários para fiscalização da actividade, que deverão ser fornecidos pela 1.ª outorgante no mais curto espaço de tempo. </font></i><br> <i><font>8 - O segundo outorgante poderá participar na gerência, se tal por ele for tido por conveniente. </font></i><br> <i><font>Por estarem de acordo e desejarem cumprir, o vão assinar em original e duplicado em Oliveira do Hospital em quatro de Maio de mil novecentos e noventa e nove — AI. B) da matéria de facto assente. </font></i><br> <i><font>5 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, este entregou-lhe a quantia de 2.000.000$00 — (Al. C dos factos assentes). </font></i><br> <i><font>6 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou-lhe, pelo menos, a quantia global correspondente a € 28.683,99 — Al. E) dos factos assentes. </font></i><br> <i><font>7 - A partir do mês seguinte à assinatura do contrato a autora passou a pagar ao réu, mensalmente, a quantia de 100.000$00 — (r. ao p. 7° da base instrutória). </font></i><br> <i><font>8 - Durante o ano de 1999 a autora entregou ao réu a quantia de 700.000$00 — (r. ao p. 28° da base instrutória). </font></i><br> <i><font>9 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou ao réu, durante o ano de 2000, a quantia parcial de 1.200.000$00 — (Al. F) dos factos assentes). </font></i><br> <i><font>10 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou ao réu, durante o ano de 2001, a quantia parcial de 1.200.000$00 — (Al. G) dos factos assentes). </font></i><br> <i><font>11 - Durante o ano de 2002 a autora entregou ao réu a quantia de € 5.985,60 — (r. ao p. 29° da base instrutória). </font></i><br> <i><font>12 - Durante o ano de 2003 a autora entregou ao réu a quantia de € 5.985,60 — (r. ao p. 30° da base instrutória). </font></i><br> <i><font>13 - Em consequência do acordado entre a autora e o réu, a autora entregou ao réu, durante o ano de 2004, a quantia parcial de € 1.250,00 — (Al. H) dos factos assentes. </font></i><br> <i><font>14 - A última entrega feita no valor de € 498.80, ocorre em Março de 2004 — (r. ao p. 8° da base instrutória). </font></i><br> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo,</font><br> <font>1- Associação em participação.</font><br> <font>2- Interpretação do negócio.</font><br> <font>3- Conclusões.</font><br> <b><font>1- Associação em participação</font></b><br> <font>1.1. Numa primeira abordagem, há que proceder à qualificação do contrato que os recorrentes outorgaram com o recorrido.</font> </p><p><font>Este e as instâncias entenderam tratar-se de associação em participação, mas os recorrentes pretendem tratar-se (ou dever ser considerado) um contrato de mútuo.</font> </p><p><font>Para alcançar uma conclusão, e independentemente do princípio “jura novit curia” há que atentar no clausulado que acima foi reproduzido quando se elencou a matéria de facto assente.</font> </p><p><font>Desde já se deixa dito que a epígrafe do texto (“Contrato de Associação em Participação”) em nada vincula, quer o Tribunal, quer as partes, pois os contratos não são o que os outorgantes apodam, mas antes o que resulta das suas cláusulas, no cotejo com as respectivas normas legais.</font> </p><p><font>Curiais, portanto, algumas considerações exegéticas sobre associação (ou conta) em participação.</font> </p><p><font>Recuaremos apenas aos artigos 224.º a 227.º do Código Comercial, hoje revogados pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, por não caber na economia deste acórdão fazer a história do instituto, (cf., nesta perspectiva, e v.g., Doutor Cunha Gonçalves, “Da Conta em Participação”; Prof. Galvão Telles, “Conta em Participação” in “O Direito”, 89.º, 3.º, Dr. Costa e Nora, in “Do Contrato de Conta em Participação”, ROA, 6.ª, 104; e Prof. Raul Ventura – “Associação em Participação – BMJ 189-190).</font> </p><p><font>Aquele artigo 224.º da lei mercantil definia a “conta em participação” como o contrato em que “o comerciante interessa uma ou mais pessoas nos seus ganhos e perdas”, com um ou outros, a trabalhar em nome individual, sendo que podia ser “momentâneo, relativo e determinadamente a um ou mais actos de comércio do participado”.</font> </p><p><font>Discutia-se, então, qual a natureza do contrato: se de sociedade (para o que propendeu o Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Maio de 1952 – BMJ 31-472) se de mero contrato associativo, sendo-lhe, embora, aplicáveis os preceitos do Código Comercial a gerirem os actos do comércio (na linha do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1950 – BMJ 22-343).</font> </p><p><font>O Dr. Costa e Nora (ob. cit., 164 e ss.) defendia a primeira das teses por, na sua óptica, se perfilarem os três requisitos fundamentais das sociedades, ou sejam: o acordo de duas ou mais pessoas com capacidade civil ou comercial; a colocação de qualquer coisa (ou bem) em comum e o propósito de repartição, entre si, dos proveitos resultantes da comunhão (era o conceito que resultava do artigo 1240.º do Código Civil de 1867 e está presente no artigo 980.º do Código Civil).</font> </p><p><font>Só que o artigo 226.º do Código Comercial não lhe atribuía personalidade jurídica, razão para que faltasse um elemento essencial para poder ser considerada uma sociedade.</font> </p><p><font>Já o Dr. Cunha Gonçalves, ob. cit. 2.ª ed., 65 – na linha de César Vivante dizia tratar-se de mera associação mercantil referindo que “já Ferreira Borges – que foi, por assim dizer, o progenitor do direito comercial português – distinguia entre ‘sociedades’ e ‘associações mercantis’ incluindo neste segundo grupo a conta em participação, a agregação de sócio e a parceria.”</font> </p><p><font>Finalmente, o Dr. A. Jorge Pinhal (in “Da Conta em Participação”, 1981, ponderou o seguinte: “Aceitando portanto que a associação comercial não está sujeita aos requisitos exigidos para o contrato de sociedade (personalidade jurídica, firma, património e domicilio), apenas devendo possuir como requisitos a pluralidade de associados e o fim comercial, cremos que a conta em participação, nas relações internas pode constituir uma verdadeira associação comercial, já que estão preenchidos os requisitos essenciais de tal espécie de associação – pluralidade de sócios e objectivo comercial.”</font> </p><p><font>Na vigência da lei anterior, não nos repugna aceitar este entendimento, muito embora o conceito de associação comercial mais não é do que uma sociedade comercial atípica criada pela doutrina para poder dogmatizar certos contratos comerciais.</font> </p><p><font>Mas o que agora importa, e embora tendo presente a evolução que se esboçou, é a análise do regime actual por ser o aplicável ao contrato em apreço.</font><br> <font>1.2. Como acima se disse, o Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, que tem natureza interpretativa – veja-se “inter alia” o uso da palavra”remoçar”- revogou (artº 32) os artigos 224.º a 227.º do Código Comercial.</font> </p><p><font>Como se diz no relatório preambular pretendeu-se “colocar à disposição dos agentes económicos instrumentos jurídicos actuais ou actualizados, simples e seguros” pelo que se regulam “dois contratos utilizáveis na cooperação entre empresas: um, velho, que se pretende remoçar – o contrato de associação em participação; outro novo que se pretende consagrar – o contrato de consórcio.”</font> </p><p><font>Deixemos este, por irrelevar “in casu”, e debrucemo-nos sobre o primeiro que aquele diploma diz tratar com propósito “apenas de actualização e esclarecimento”.</font> </p><p><font>Não é mais nominado de “conta em participação” e os artigos 21.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 231/81, apodam-no de “contrato de associação em participação”.</font> </p><p><font>Elencam-se (artigo 21.º) os seus elementos essenciais:</font><br> <font>a) Associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra.</font> </p><p><font> Ao contrário do regime anterior em que se exigia que o sócio ostensivo fosse comerciante (ROA – 6.ª, 124) a lei hoje é clara no sentido de se lhe exigir, apenas, que exerça uma actividade económica, não implicando que se insira na situação do n.º 1 do artigo 13.º do Código Comercial.</font> </p><p><font>Actualmente, há, na linguagem coloquial ,a figura do “empresário” não coincidente com a de comerciante ,tema que, contudo, seria fastidioso e desnecessário aqui analisar.</font> </p><p><font>O associado é-o nos lucros, ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para o primeiro, sendo que a participação nas perdas pode ser dispensada. </font> </p><p><font>Esta possibilidade de não participação nas perdas do sócio oculto traduz o acolhimento do já antes defendido pelo Doutor Cunha Gonçalves (ob. cit., 78) que se louvava no § 6 do artigo 118.º do Código Comercial, embora, em sentido oposto, na estrita letra do artigo 224.º daquela lei (“ganhos e perdas”) se pronunciaram, entre outros, os Drs. Costa e Nora (ob. cit) e Alfredo Pinhal (ob. cit. 46).</font><br> <font>b) O associado deve prestar – ou obrigar-se a prestar – uma contribuição de natureza patrimonial que, quando consista na constituição de um direito ou da sua transmissão, deve ingressar no património do associante. </font> </p><p><font>Mas se o associado participar nas perdas, a sua contribuição pode ser dispensada no contrato (artigo 24.º, n.º 2). A dispensa “no contrato” apenas implica a não contribuição imediata impondo, contudo, que ali se atribua um valor em dinheiro, a considerar nas contas a prestar pelo sócio ostensivo aquando da repartição percentual dos lucros ou da cobrança da parte equivalente nas perdas.</font><br> <font>c) Há autonomia privada nos limites do diploma, aplicando-se, nos casos omissos, as disposições de contratos análogos, e sempre em consonância com o n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil e 21.º, n.º 3 do citado Decreto-Lei. </font> </p><p><font>Trata-se, além disso, de um contrato consensual, à semelhança do que acontecia no regime anterior (artigo 228.º do Código Comercial) salvo se for exigida forma, para a transmissão dos bens com que o associado contribuir, sem prejuízo da conversão do negócio no caso de invalidade por insuficiência daquela (artigos 23.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 231/81 e 293.º do Código Civil).</font> </p><p><font>Isto posto, e no seguimento do que antes se explanou quanto à natureza do contrato, e mau grado se use certa terminologia que poderia indiciar tratar-se de sociedade (v.g. sócio ostensivo e sócio oculto) – cf. neste sentido, e para além dos já citados Dr. Adriano Antero, Prof. Barbosa de Magalhães, Doutor Cunha Gonçalves e Rocha Souto e, em sentido contrário, isto é, inserindo-o no conceito de “contrato sui generis e não no de sociedade perfeita e regular, os Profs. Barbosa de Magalhães, José Tavares, Galvão Telles e Raul Ventura - prefere-se esta tese.</font> </p><p><font>Ainda se discorda pois, e para além da inexistência do requisito do exercício em comum de certa actividade económica, já que o associante se limita a interessar o associado nos seus ganhos e perdas, sendo que é só este que exerce a actividade, embora tenha em vista outra pessoa a ela ligada por um negócio jurídico.</font> </p><p><font>Enfim, embora parecendo conter algum dos requisitos do artigo 980.º do Código Civil (que, segundo os Profs. P. de Lima e A. Varela – in “Código Civil Anotado”, 3.ª ed., II, 307, “não dá uma definição de sociedade mas de contrato de sociedade”) não os preenche totalmente (contribuição dos sócios; exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição; e a repartição dos lucros) não podendo ser integrado no conceito (cf., ob. imed. acima citada, 309).</font> </p><p><font>Por isso é que, como de acenou, não pode deixar de se aplaudir o Prof. Raul Ventura (ob. cit., “Associação em Participação”, BMJ 189-190) ao criticar: “A nossa doutrina tem tido – ou parece ter tido – apenas em vista hipóteses em que cada uma das partes destina certos bens a associação, mas cai num círculo quando, por um lado, considera essa distinção juridicamente consistente numa colocação de bens em comum porque a conta em participação é uma sociedade e, por outro lado, qualifica a conta em participação como sociedade, porque há colocação dos bens em comum.”</font> </p><p><font>De excluir, em consequencia, a tese da sociedade civil, por nestes casos inexistir um elemento essencial “exercício em comum de certa actividade económica” – do artigo 980.º da lei substantiva civil (cf., v.g, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Junho de 1991 – 080457).</font> </p><p><font>Lapidarmente, ainda o Prof. Raul Ventura refere que “exercer em comum uma actividade, no sentido que essa expressão tem para o contrato de sociedade, não é o exercício por várias pessoas da sua actividade, de modo ou forma concertada com as actividades de cada uma das outras pessoas” (apud “Primeiras Notas sobre o Contrato de Consórcio”, BMJ – 642).</font> </p><p><font>Outrossim, não se trata de sociedade comercial, cujo conceito do artigo 1.º do Código das Sociedades Comerciais acaba por remeter, indirectamente, para a noção de sociedade ínsita naquele artigo 980.º do Código Civil (cf., Prof. Miguel Pupo Correia – “Direito Comercial”, 7.ª ed., 2001, 379 ss).</font> </p><p><font>O Prof. Jorge Coutinho de Abreu, in “Curso de Direito Comercial”, II, 2002, 21, define sociedade com a “entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um património autónomo para o exercício de actividade económica que não é de mera fruição, a fim de, em regra, obter lucros e atribui-los aos sócios, ficando estes, todavia, sujeitos a perdas”.</font> </p><p><font>Só que continua a exigir-se a “affectio societatis” que se reconduz ao conceito de “exercício em comum” de uma actividade, aqui consistente na prática de actos de comércio, e, agora, com sujeição ao princípio da tipicidade. (cf., “inter alia”, e com interesse, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1992 – BMJ 415-666; de 30 de Junho de 1998 – 075957 – e de 23 de Novembro de 1999 – BMJ 491-258).</font> </p><p><font>O contrato de associação em participação é, assim, um negócio jurídico antes atípico mas hoje (após o Decreto-Lei n.º 231/81, um contrato típico, com natureza associativa (aleatória) – por contraposição à relação contratual comutativa. (cf. Prof. Manuel de Andrade, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1960, p. 57, ensinando que no contrato associativo, as partes têm em vista uma possibilidade de ganho ou perda, ou seja, podem receber mais ou menos do que dão.).</font> </p><p><b><font>2- Interpretação do negócio</font></b> </p><p><font>2.1. Aqui chegados, e lendo atentamente o clausulado do contrato que a recorrente outorgou com o recorrido, dúvidas não ficam sobre tratar-se de um contrato de associação em participação.</font> </p><p><font>Daí resulta que sendo a Autora dona (e explorando) um “salão de cabeleireiro” (exercendo, portanto, uma actividade económica) acordou que o Réu se lhe associasse na exploração, durante 60 meses, contribuindo com 2.000.000$00 (dois milhões de escudos) e clausulando, apenas, a participação nos lucros.</font> </p><p><font>Mais acordaram que a Autora entregaria mensalmente ao Réu a quantia de 100.00$00 (cem mil escudos).</font> </p><p><font>Esta quantia não pode deixar de ser considerada um pagamento “forfait” dos lucros da associação, assim podendo concluir-se, não só pela dogmática do negócio como por tal não poder deixar de resultar do disposto no artigo 236.º e 238.º do Código Civil.</font> </p><p><font>Tratando-se de declarações negociais prestadas por ambos os outorgantes, e não sendo possível apurar se a vontade real de um deles era conhecida do outro, vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, isto é, por pessoa medianamente preparada para os eventos negociais correntes e com diligência média se colocada na posição do declaratário real face ao comportamento do declarante. (cf., Profs. P. de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, I, 4.ª ed., 233 e, v.g., os Acórdãos de 21 de Maio de 2009 – 692 – A/2001.S1 e de 12 de Novembro de 2009 – 1842/04.3TVPRT.S1, desta Conferência).</font> </p><p><font>A vontade real constitui matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.</font> </p><p><font>Já a vontade hipotética, por resultar do exercício interpretativo, na situação do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, pode ser apurada pelo Supremo Tribunal de Justiça e deve coincidir com o sentido apreensível pelo declaratário normal e, sendo o negócio formal, ter o mínimo de correspondência com o texto do documento “ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil).</font> </p><p><font>Embora o documento não fosse aqui exigido por lei (artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 231/81) entende-se que uma vez adoptada essa formalidade, e não resultando terem as partes querido outro negócio que não o de associação em participação, é perante este que nos encontramos, nada apontando para que tivessem querido outorgar um mútuo.</font> </p><p><font>Improcedem, em consequência, as razões invocadas pelos recorrentes.</font><br> <font>3 - </font><b><font>Conclusões</font></b><font>.</font> </p><p><font>Pode, desde já, concluir-se que:</font><br> <font>a) A associação em participação (contrato assim designado pelo Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, que revogou os artigos 224.º a 227.º do Código Comercial que o nominava de conta em participação) caracteriza-se pela associação de uma pessoa (sócio oculto) a uma actividade económica exercida por outra (sócio ostensivo) participando nos lucros (ou, também, nas perdas) resultantes daquele exercício, prestando, ou obrigando-se a prestar, uma contribuição de natureza patrimonial.</font><br> <font>b) A contribuição, se traduzida na constituição de um direito ou na sua transmissão, ingressa no património do sócio ostensivo.</font><br> <font>c) Se o sócio oculto também participar nas perdas, a contribuição pode ser dispensada no contrato devendo, contudo, ser-lhe atribuído um valor em dinheiro a considerar nas contas finais.</font><br> <font>d) Trata-se de contrato consensual, salvo a exigência de forma para a contribuição do associado.</font><br> <font>e) A associação em participação não é uma sociedade civil ou comercial por não lhe ser atribuída personalidade jurídica e faltar o requisito do exercício em comum de certa actividade económica.</font><br> <font>f) É um contrato comercial típico.</font><br> <font>g) O Decreto-Lei n.º 231/81, é interpretativo dos artigos 224.º a 229.º do Código Comercial que revogou.</font><br> <font>h) Não sendo possível apurar-se a vontade real de cada parte era conhecida da outra, vale o sentido que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, por uma pessoa medianamente preparada para os eventos negociais correntes e com diligência média se colocado na posição do declaratário real face ao comportamento do declarante.</font><br> <font>i) A determinação da vontade real constitui matéria de facto reservada às instâncias.</font><br> <font>j) O Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar o resultado interpretativo da vontade hipotética, que resulta do n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil, quando não coincida com o sentido apreensível por um declaratário normal.</font><br> <font>k) Também o pode fazer tratando-se de negócio formalizado quando a interpretação não tenha uma, mesmo que rudimentar, correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2 do artigo 238.º do Código Civil).</font> </p><p><font>Nos termos expostos, </font><b><font>acordam negar a revista</font></b><font>.</font> </p><p><font>Custas pelos recorrentes.</font> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Março de 2010</font> </p><p><font>Sebastião Póvoas ( Relator)</font> </p><p><font>Moreira Alves</font> </p><p><font>Alves Velho</font> </p></font><p><font><br> </font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <b><font> </font></b><font>I- Relatório:</font><br> <font> 1-1- AA, Serviços de Limpeza Ldª, com sede na Rua de M..., ..., Leça do Balio, Matosinhos, propôs a presente acção com processo ordinário contra Condomínio da BB,</font><b><font> </font></b><font>com sede na Rua A... F... C... nº …/…, Porto </font><i><font>pedindo</font></i><font> que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.676,68, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre a quantia de 10.126,51 € desde a citação até efectivo e integral pagamento. </font><br> <font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que prestou os serviços de limpeza à R. constantes das facturas que junta, que deviam ser pagos no prazo de 30 dias, o que não fez, apesar de ter sido interpelada para o efeito.</font><br> <font> A R. contestou alegando, em resumo, que os trabalhos de limpeza a que dizem respeito as facturas, realizados no período compreendido entre Junho de 2000 e Fevereiro de 2001, foram pagos à A., pagamento que se presume, nos termos do art. 317º al. b) do C.Civil. </font><br> <font> Termina </font><i><font>pedindo </font></i><font>se julgue improcedente a acção.</font><br> <font> A A. respondeu sustentando que a R. não pagou as limpezas, sendo que o art. 317º al. b) do C.Civil não presume qualquer pagamento da dívida. Por outro lado a R., expressamente e por escrito, confessa a dívida.</font><br> <font> Termina </font><i><font>pedindo </font></i><font>se julgue improcedente a excepção invocada pela R.</font><br> <font> </font><br> <font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br> <font> Nesta julgou-se procedente a excepção da prescrição presuntiva do pagamento invocada pela R. e, em consequência, considerou-se a acção improcedente, absolvendo-se a R. do pedido. </font><br> <font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 9-07-2009, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.</font><br> <font> </font><br> <font> 1-2- Irresignado com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br> <font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br> <font> 1ª- Salvo o devido respeito que é muito o douto acórdão violou o disposto no artigo 317°, Alínea b) do Código Civil e os artigos 1° e 7° do Código Comercial. </font><br> <font> 2ª- O douto acórdão faz uma errada interpretação dos artigos 317°, al. b), 314°, 355° e 357º, nº 2, 1436° e 1437° do Código Civil e dos artigos 502° e 552° do Código de Processo Civil. </font><br> <font> 3ª- A presente acção foi julgada improcedente dado que quer o meritíssimo juiz de primeira instancia quer os Excelentíssimos Desembargadores julgaram procedentes a excepção de prescrição invocada pela Ré. </font><br> <font> 4ª- Pode-se resumir em duas questões a fundamentação do Douto Acórdão:</font><br> <font> A) Que a qualidade de não comerciante de um condomínio é facto notório, não necessitando tal facto de ser alegado nem provado: “é o que resulta directamente da natureza jurídico-legal do condomínio que o julgador não pode ignorar” (sic) </font><br> <font> B) O documento nº 1 junto com a réplica, não impugnada pela Ré, não constitui confissão judicial da dívida. </font><br> <font> 5ª- Ora esta argumentação com todo o devido respeito que é muito labora em erro. </font><br> <font> 6ª- Louva-se o acórdão no artigo 1436° do Código Civil, onde são definidas as funções do administrador, para fundamentar o decidido. </font><br> <font> 7ª- Ora, entende a recorrente que este artigo nada pode ter a ver com a qualificação de comerciante ou não da Ré, ou ainda, sobre se a Ré recebeu a prestação da Autora como particular ou como destinada a uma actividade comercial. </font><br> <font> 8ª- Como é sobejamente sabido, e isso sim um facto notório, existem muitos condomínios onde se exerce o comércio.</font><br> <font> 9ª- Esses condomínios, que estiveram em voga nos anos 80 e 90, são construídos exclusivamente por fracções autónomas destinadas ao comercio, em que a Administração do Condomínio, normalmente entregue a empresas especializadas, é responsável pela limpeza das partes comuns, por fazer publicidade para atrair clientes, para gerir certos espaços comuns como espaços para atrair clientes, por exemplo com áreas de divertimento par crianças. </font><br> <font> 10ª- Exemplos conhecidos desses centros comerciais são os muito conhecidos Shoping Center Brasília e Dallas na Cidade do Porto</font><br> <font> 11ª- Shoping Center Amoreiras na cidade de Lisboa. </font><br> <font> 12ª- E um sem número mais de centros comerciais de pequena, médio e grande dimensão que proliferaram por todo o País nas décadas de 80 e 90.</font><br> <font> 13ª- Ora os serviços de limpeza contratados pelas administrações desses Centros Comerciais, são destinados em exclusivo ao comércio. </font><br> <font> 14ª- Todos estes exemplos, sobejamente conhecidos, são exemplos de prédios constituídos em propriedade horizontal em que a administração de condomínio contrata serviços, não como um simples particular, mas para os destinar a uma actividade comercial.</font><br> <font> 15ª- Pelo que não se pode considerar, sem mais, e como facto notório que os serviços de limpeza contratados por um condomínio sejam de não comerciante.</font><br> <font> 16ª- Na vida quotidiana, os condomínios praticam actos de comércio.</font><br> <font> 17ª- Mesmo não considerando o exemplo flagrante dos centros comercial constituídos em propriedade horizontal, é normal e correntes muitos prédios (constituídos em propriedade horizontal) terem uma parte habitacional e uma parte denominada comercial, onde existem lojas, normalmente situadas nos pisos térreos. </font><br> <font> 18ª- Nas denominadas partes comerciais onde só existem loja, o condomínio contrata a limpeza desses espaços. </font><br> <font> 19ª- Ora esse contrato não pode deixar de se considerar como um acto de comércio. </font><br> <font> 20ª- Relembrando aqui o que dispõe o artigo 1° do Código Comercial: “</font><i><font>A lei comercial rege os actos de comércio sejam ou não comerciantes as pessoas que nele intervêm</font></i><font>”. </font><br> <font> 21ª- Dispõem ainda o artigo 7° do Cód. Comercial que: “</font><i><font>Toda a pessoa, nacional ou estrangeira, que for civilmente capaz de se obrigar, poderá praticar actos de comércio …</font></i><font>”</font><br> <font> 22ª- Ora dúvidas não podem existir que um condomínio é civilmente capaz de, logo pode praticar actos comerciais.</font><br> <font> 23ª- Logo, e salvo mais uma vez o devido respeito, errou o douto acórdão ao considerar que resulta da natureza jurídico-legal de um condomínio que o mesmo não é comerciante. </font><br> <font> 24ª- No caso em apreço não sabemos se o Condomínio BB é apenas um condomínio habitacional, ou se é um condomínio exclusivamente de lojas, ou se tem parte comercial e parte habitacional.</font><br> <font> 25ª- Não sabemos de que forma a Recorrida usufruiu dos serviços da Recorrente.</font><br> <font> 26ª- Não sabemos porque esses factos não foram alegados pela recorrida. </font><br> <font> 27ª- Logo não estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 317°, alínea b) do Código Civil, não se pode aplicar esta disposição legal. </font><br> <font> 28ª- Por não estarem provados todos os factos constitutivos da prescrição presuntiva, desde logo qual a qualidade da Ré, comerciante ou não, ou se praticou um acto de comércio ao destinar os serviços de limpeza ao desenvolvimento de uma actividade comercial. </font><br> <font> 29ª- Assim, os créditos dos comerciantes ou industriais (profissionais de certo ramo de actividade económica lucrativa) só prescrevem no espaço de dois anos se as coisas vendidas ou os serviços prestados se não destinaram à actividade económica do devedor, ou porque ele não se dedique a tal actividade, ou porque, dedicando-se, destine a coisa ou o serviço para o seu uso pessoal. </font><br> <font> 30ª- Temos, então, que elementos constitutivos da prescrição presuntiva prevista no art. 317°, al. b) são: o decurso do prazo de dois anos após a venda e não ser o devedor comerciante, ou, sendo-o, não ter destinado tais objectos ao seu comércio. </font><br> <font> 31ª- É ao devedor que compete alegar e provar esses dois elementos, na medida em que a prescrição presuntiva constitui defesa por excepção, cuja matéria se dirige a impedir ou extinguir o direito do credor — art. 342°, nº 2, do CC. </font><br> <font> 32ª- Contudo não resultou provado, nem mesmo foi alegado pela Ré nada em relação ao segundo elemento constitutivo da prescrição presuntiva. </font><br> <font> 33ª- Não resultou provado, nem sequer foi alegado pela Ré, que a mesma não é comerciante ou que sendo não destinou esses serviços prestados ao seu comércio. </font><br> <font> 34ª- Nada tendo ficado provado ou alegado quanto a este aspecto errou o meritíssimo juiz a quo ao julgar procedente a excepção invocada, violando desta forma o estatuído no artigo 317°, aliena b), do Código Civil.</font><br> <font> 35ª- Seguindo neste ponto de perto o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (Processo 0523106, N.° Convencional JTRP00038367, de 04-10-2005) disponível em wwww. dgsi,pt. </font><br> <font> Quanto à confissão extra-judicial (doc. nº 1 junto com a réplica):</font><br> <font> 36ª- O documento como está demonstrado nos Autos foi emitido pela empresa I… - Gestão de Condomínios, Lda. </font><br> <font> 37ª- Esta empresa foi, e era à data da emissão do documento, a legal representante do condomínio dado que era a Administradora do Condomínio legalmente eleita. </font><br> <font> 38ª- O Administrador do Condomínio é pois legal representante do Condomínio com as funções atribuídas pelos artigos 1436º e 1437º do Cód. Civil.</font><br> <font> 39ª- O Administrador tem pois, nos termos dos artigos citados, legitimidade para agir em juízo (como aliás se verifica na presente acção que é contestada (e bem) pela nova administração).</font><br> <font> 40ª- Tem de cobrar as receitas e efectuar as despesas (artigo 1436º alinea d)). </font><br> <font> 41ª- Logo quem deveria ter pago à Autora era precisamente a anterior Administração, a mencionada I… .</font><br> <font> 42ª- Dado que faz parte das suas funções efectuar as despesas comuns.</font><br> <font> 43ª- Contudo ao invés de pagar o devido enviou à Recorrente o documento que constitui o documento nº 1 junto com a réplica. </font><br> <font> 44ª- Onde expressamente confessa a divida pelo menos até ao dia 06/02/2001, o que exclui apenas duas facturas em causa nos Autos.</font><br> <font> 45ª- Esse documento é emitido por quem a data era legalmente representante da Recorrida, esse documento não foi impugnado,</font><br> <font> 46ª- Pelo que estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 313° do Cód. Civil.</font><br> <font> 47ª- Labora em erro, salvo o devido respeito, o douto acórdão, em fundamentar que o documento é inócuo pelo facto de não ser subscrito pelo condomínio mas sim pelo seu administrador.</font><br> <font> 48ª- Por esta linha se pensamento, se um gerente de uma sociedade comercial (seu legal representante) confessa por escrito uma divida, esta confissão seria inócuo dado que não é a sociedade a confessar.</font><br> <font> 49ª- Se as funções do Administrador estão incluídas as funções de efectuar as despesas, tudo quanto este faça nesse sentido, incluindo confessar a divida e pedir tempo para a liquidar, tem necessariamente de se repercutir na esfera do condomínio.</font><br> <font> 50ª- A presunção estabelecida no artigo 317º, aliena b) do Cód. Civil, poderá ser ilidida por confissão judicial ou extra judicial.</font><br> <font> 51ª- Sendo apenas possível confissão extrajudicial que seja escrita. </font><br> <font> 52ª- A Ré, na pessoa do seu legal representante e Administrador, expressamente e por escrito confessa a divida conforme documento que se juntou como documento nº 1 junto com a réplica.</font><br> <font> 53ª- Conforme se infere do documento a administração da Ré expressamente reconhece a divida.</font><br> <font> 54ª- Pelo que a presunção de prescrição (se existisse) sempre estaria ilidida. </font><br> <font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br> <font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br> <font> II- Fundamentação:</font><br> <b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br> <font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br> <font> - Se se encontram provados os elementos constitutivos da excepção da prescrição presuntiva de pagamento.</font><br> <font> - Se o documento indicado pela recorrente pode ser entendido como confessório da dívida e se, consequentemente, a presunção de pagamento deve ser considerada ilidida.</font><br> <font> </font><br> <font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br> <font> a) A A. dedica-se, com fins lucrativos, à actividade de prestação de serviços de limpeza.</font><br> <font> b) No exercício da sua actividade, a solicitação da R., a A. prestou-lhe serviços de limpeza nas datas e com os valores constantes nas seguintes facturas, cujas cópias foram juntas aos autos com a petição inicial como documentos nºs 1 a 9, cujo teor se dá como reproduzido:</font><br> <font> Factura nº 8500, de 15-02-2001, no valor de 322,51 €</font><br> <font> Factura nº 8014, de 15-02-2001, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 7540, de 15-12-2000, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 7035, de 15-11-2000, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 6562, de 16-10-2000, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 5782, de 15-09-2000, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 5580, de 21-08-2000, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 4478, de 11-07-2000, no valor de 1225,5 €</font><br> <font> Factura nº 4359, de 30-06-2000, no valor de 1225,5 €.</font><br> <font> c) As facturas, como delas consta, deviam ter sido pagas no prazo de trinta dias contados da respectiva emissão.</font><br> <font> d) A acção foi proposta em 21-3-2006 e a R. foi citada para os respectivos termos em 10-4-2006. </font><br> <font> 2-3- A A. propôs a presente acção para recebimento do R., o montante monetário constante das facturas que juntou, derivado do exercício da sua actividade de prestação de serviços de limpeza que efectuou ao R. Condomínio da BB.</font><br> <font> Este, na sua contestação, alegou que pagou os trabalhos de limpeza a que dizem respeito as facturas (realizados no período compreendido entre Junho de 2000 e Fevereiro de 2001), invocando a excepção da prescrição presuntiva a que alude o art. 317º al. b) do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem).</font><br> <font> As instâncias consideraram ocorrer a excepção, pelo que consideraram improcedente a acção.</font><br> <font> Mais uma vez, aqui e agora, a recorrente mostra o seu inconformismo em relação às decisões proferidas.</font><br> <font> Vejamos:</font><br> <font> O art. 312º, refere que “</font><i><font>as prescrições de que trata a presente subsecção fundam-se na presunção de pagamento</font></i><font>”.</font><br> <font> As prescrições presuntivas constituem presunções de pagamento, tendo como fundamento e base obrigações que costumam ser pagas em prazo curto e em relação às quais não se costuma exigir recibo de quitação. Estas prescrições destinam-se “</font><i><font>a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo muito tempo</font></i><font>”(1). </font><br> <font> As prescrições presuntivas têm razão diversa das presunções extintivas. Enquanto estas têm a sua explicação em razões de segurança jurídica derivadas da inércia do credor, aquelas justificam-se para proteger o devedor da dificuldade de prova do pagamento, correspondendo, como já se disse, a obrigações que costumam ser pagas em prazo bastante curto em relação às quais não é costume exigir recibo de quitação.</font><br> <font> As prescrições presuntivas não têm o mesmo efeito das prescrições extintivas. Nas prescrições presuntivas, decorrido o prazo legal, presume-se o pagamento, ficando o devedor dispensado da prova do pagamento.</font><i><font> </font></i><font>Isto é, parte-se do princípio que o devedor pagou, dispensando-o do ónus que sobre ele impenderia de provar o pagamento, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 (facto extintivo do direito invocado). Nas prescrições extintivas o beneficiário tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito, como decorre do disposto no nº 1 do artigo 304º. Quer dizer, em contrário das prescrições extintivas, as prescrições presuntivas apenas dispensam o beneficiário do ónus de provar o pagamento. A presunção de pagamento por banda do devedor faz deslocar o ónus da prova do não pagamento para o credor. Ou seja, existindo a presunção de pagamento a favor do devedor, competirá ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que aquele não pagou. Esta presunção de pagamento não dispensa, porém, o devedor de alegar o pagamento, como tem sido jurisprudência constante deste STJ.(2)</font><br> <font> Refere o acórdão deste STJ de 22-1-2009 (3) a este propósito que “</font><i><font>como este Supremo Tribunal já observou diversas vezes … e expressamente resulta da lei, a prescrição presuntiva não tem o mesmo efeito da prescrição extintiva; o decurso do respectivo prazo não confere ao “beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (nº 1 do artigo 304º do Código Civil); antes cria, apenas, a presunção de que o devedor cumpriu (artigo 312º do mesmo Código)</font></i><font>”.</font><br> <font> A ilisão da presunção de pagamento, só poderá ser feita por confissão expressa do devedor, sendo certo que a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito (art. 313º), ou por confissão tácita, considerando-se, neste contexto, confessada a dívida, se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento em tribunal, ou praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento (art. 314º). Como referem a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela (4) “</font><i><font>visando as prescrições presuntivas … conferir protecção do devedor que paga uma dívida e dela não exige ou não guarda quitação, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção de pagamento com quaisquer meios de prova. Exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor</font></i><font>”.</font><br> <font> Quer dizer, ocorrendo a presunção de pagamento, fica dispensado o devedor do ónus de provar o pagamento, competindo ao credor ilidir essa presunção, demonstrando que ele não pagou, o que terá que fazer provando a confissão expressa ou tácita do devedor.</font><br> <font> Os prazos (curtos) das prescrições presuntivas estão definidos nos arts. 316º e 317º, interessando-nos para o presente caso o disposto no art. 317º al. b), pois foi nesta disposição que as instâncias integraram o caso vertente, concluindo já ter decorrido o prazo de prescrição (de dois anos).</font><br> <font> Estabelece este dispositivo que “</font><i><font>prescrevem no prazo de dois anos… os créditos dos comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio e bem assim os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor</font></i><font>”.</font><br> <font> Estabelece, pois, esta disposição a prescrição presuntiva relativamente a créditos de comerciantes, sobre coisas vendidas a quem não seja comerciante que se não destinem ao seu comércio (ou porque ele não se dedique a tal comércio ou porque dedicando-se, destine a coisa para uso próprio)(5) e a créditos de industriais desde que a actividade desenvolvida pelo devedor se não destine à sua indústria.</font><br> <font> Para que o beneficiário desta prescrição possa dela aproveitar, terá que alegar e provar, que está em causa um crédito de um comerciante (ou um crédito de pessoa que exerça profissionalmente uma indústria), que decorreu o prazo de dois anos sobre a venda (ou sobre o exercício da actividade industrial exercida) e que o objecto alienado (ou a actividade industrial exercida) não foi aplicado no comércio (ou na indústria). Provando estas circunstâncias, fica dispensado do ónus da prova do cumprimento da obrigação. </font><br> <font> São, assim, elementos constitutivos desta prescrição presuntiva, o crédito ser de comerciante ou de industrial, o decurso do prazo de dois anos sobre a venda de bem (ou o exercício da actividade industrial exercida) e não ser o devedor comerciante (ou industrial), ou sendo-o, não destinar o bem ou a actividade ao seu comércio (ou ao seu exercício industrial).</font><br> <font> O douto acórdão recorrido a este respeito considerou que o condomínio, contra o qual a A. interpôs a acção, não é comerciante, não se dedica a qualquer actividade comercial, não destina ao seu comércio o fornecimento de bens e serviços que contrata, não exerce profissionalmente qualquer indústria, não gere negócios alheios e não destinou estes serviços ao exercício industrial. Continuou dizendo que “</font><i><font>não necessitando tais factos de ser alegados nem provados, porque é o que resulta directamente na natureza jurídico legal de condomínio que o julgador não pode ignorar</font></i><font>”, sendo que “</font><i><font>só numa das situações aludidas é que estaria impedido de invocar a prescrição presuntiva, mas aí seria a apelante que teria que alegar tais factos, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 do Código Civil</font></i><font>”. Terminou confrontando o que dispõe o referido art. 317º al. b) com as funções do condomínio, concluindo que “</font><i><font>o réu, no caso dos autos, recebeu as prestações de serviço de autora como particular, estando verificados os pressupostos previstos na al. b) do art. 317º do Código Civil</font></i><font>”, pelo que pode invocar a prescrição presuntiva.</font><br> <font> Para o caso dos autos, face aos factos provados, deveremos considerar essencialmente o que dispõe a norma em relação aos «</font><i><font>créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor</font></i><font>». Quer dizer, prescrevem em dois anos os créditos dos industriais pelos indicados fornecimentos ou pela execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, a não ser que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor.</font><br> <font> A nosso ver, o vocábulo «indústria» é aqui empregue num sentido amplo já que, como se verifica pelo enunciado da disposição, abrange não só o fornecimento de mercadorias ou produtos, mas também actividades referentes a execução de trabalhos e a gestão de negócios alheios.</font><br> <font> Não se coloca qualquer dúvida (nem as instâncias questionam isso) que a A. agiu como comerciante/industrial já que se provou que se dedica, com fins lucrativos, à actividade de prestação de serviços de limpeza, sendo que foi nesta sua actividade, a solicitação da R., que lhe prestou os serviços de limpeza nas datas e com os valores constantes nas indicadas facturas (arts 7º,13º do C. Comercial e art. 1º da C. Sociedades Comerciais). </font><br> <font> Assim sendo, o crédito reivindicado constitui um crédito de comerciante/industrial pelo que o primeiro requisito para aplicação da disposição, se verifica (sem polémica, aliás, por banda das partes). Igualmente não se coloca em causa o decurso do prazo prescricional de dois anos, pois decorreu um período muito superior entre a realização dos serviços e a propositura da acção (e a consequente citação do R.), como os factos provados demonstram.</font><br> <font> A questão coloca-se em relação a saber-se se o R., Condomínio da BB, utilizou os trabalhos prestados pela A. em exercício industrial, sendo que só nesta hipótese é que a prescrição de que vimos falando não funciona. Se essa utilização foi efectuada fora do exercício industrial (ou comercial) então a prescrição presuntiva actua.</font><br> <font> O acórdão recorrido entendeu que, pela sua própria natureza, um condomínio não pode ser comerciante.</font><br> <font> Somos em crer, dado que se não trata propriamente de venda de bens mas sim de uma execução de trabalhos (de limpeza), ser mais correcto falar-se, para os efeitos da disposição legal, no exercício de uma indústria. Assim, ficam sujeitos ao prazo de prescrição de dois anos a realização dos ditos trabalhos de limpeza, </font><i><font>a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor</font></i><font>.</font><br> <font> Segundo cremos, um condomínio é constituído por todas as fracções autónomas e partes comuns que o compõem (vide a este propósito o Dec-Lei 268/94 de 25/10 que estabeleceu o regime do condomínio e mais especialmente os seus arts. 2º e 6º). As partes comuns têm como órgãos administrativos, a assembleia de condóminos e um administrador, como resulta do art. 1430º nº 1.</font><br> <font> Nos termos do art. 1420º nº 1 cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, sendo que o conjunto dos dois direitos é incindível, não podendo qualquer deles ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação e fruição (nº 2 da mesma disposição).</font><br> <font> É sobre esta realidade que incide o condomínio de um prédio. Como já se disse, ele é constituído pelas as fracções autónomas, pertencentes aos diversos condóminos e pelas partes comuns que pertencem a todos os condóminos em compropriedade.</font><br> <font> Tentando precisar o conceito de condomínio referiu-se no acórdão deste STJ de 9-3-2004 (6) “</font><i><font>no condomínio é possível encontrar, com efeito, um grupo de pessoas (os condóminos – substrato pessoal), que prossegue interesse colectivo determinado e duradouro com um conjunto de bens (e fundos) com afectação específica, tudo apoiado numa organização. Daí a aplicabilidade no que for compatível com o estatuto condominial, do regime das associações sem personalidade jurídica</font></i><font>”(7).</font><br> <font> A actividade de um condomínio de um imóvel (no sentido do exercício da compropriedade sobre o imóvel) deve circunscrever-se à gestão e administração do prédio, mais especialmente às partes comuns, o que se efectuará através de actos da assembleia de condóminos e do administrador. </font><br> <font> Visto por este prisma, o desempenho de uma actividade comercial ou industrial foge, claramente, à concepção e à finalidade de um condomínio. Os arts. 1431º (quanto à Assembleia de Condóminos) e 1436º (quanto ao administrador) estabelecem as funções desses órgãos do condomínio, não cabendo aí quaisquer funções de natureza comercial ou industrial.</font><br> <font> Em defesa da sua tese defende o recorrente que o condomínio pode exercer actos de comércio sendo que, como é sobejamente sabido, existem muitos condomínios onde se exerce o comércio, apontando como exemplo diversos centros comerciais.</font><br> <font> Ora, segundo cremos, um centro comercial instalado num prédio de propriedade horizontal, não passa, em razão desta circunstância, a ser condomínio. Como se diz a este respeito no acórdão deste STJ de 9-3-2004 já referido (8), um centro comercial “</font><i><font>constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros</font></i><font>”, por sua vez, “</font><i><font>o edifício objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio</font></i><font>”.</font><br> <font> Dissemos acima que ficam sujeitos ao prazo de prescrição de dois anos a realização dos ditos trabalhos de limpeza, </font><i><font>a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor</font></i><font>. </font><br> <font> Evidentemente que não podendo um condomínio exercer qualquer actividade industrial, não existe qualquer hipótese de ser aplicado, no caso, a reserva constante na última parte do art. 317º al. b) em análise.</font><br> <font> Defende a recorrente que deveria quem invocou a excepção, para que se pudesse colocar a hipótese de aplicação da prescrição presuntiva, alegar e provar que a R. não era comerciante/industrial e que a actividade prestada pela A. se não destinou ao seu comércio/indústria. Demonstrando-se esta circunstância (e as outras indicadas), poderia então beneficiar da prescrição presuntiva a que alude o art. 317º al. b) e, uma vez beneficiária da prescrição, só então estaria dispensada da prova do cumprimento da obrigação.</font><br> <font> É certo que o R. não alegou o elemento de que vimos falando. Mas não podendo exercer o R. Condomínio, pela própria natureza e essência, qualquer actividade industrial ou comercial, é claro que a reserva constante na última parte do art. 317º al. b) não pode ter aplicação ao caso e, por isso, temos que concluir que se encontra preenchido o terceiro requisito acima referenciado, pese embora se reconheça que o R. o não alegou.</font><br> <font> A posição da recorrente sobre o assunto é, pois, improcedente.</font><br> <font> 2-4- Defende depois a recorrente que existe confissão extra-judicial da dívida por parte do R., através do documento nº 1 junto com a réplica, escrito que foi emitido pela empresa I... - Gestão de Condomínios, Lda., empresa que foi, e era à data da emissão do documento, a legal representante do condomínio pois era a Administradora do Condomínio legalmente eleita. No documento confessa a dívida pelo menos até ao dia 06/02/2001, o que exclui somente duas facturas em causa nos autos. O documento foi emitido por quem à data era legalmente representante da recorrida, não tendo sido impugnado, pelo que estão preenchidos todos os pressupostos do artigo 313º.</font><br> <font> Já acima se disse, a presunção de pagamento só poderá ser ilidida por confissão do devedor, sendo que a confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito (art. 313º).</font><br> <font> É baseando-se nesta disposição que a recorrente sustenta que o documento que indica constitui confissão extrajudicial e, consequentemente, a presunção de cumprimento do caso vertente, se encontra ilidida.</font><br> <font> No douto acórdão recorrido, sobre o assunto, referiu-se que o documento em causa não foi emitido pela entidade devedora mas sim por terceiro, além disso o mesmo foi exarado quando ainda nem sequer tinham sido prestados todos os serviços descritos nos autos, concluindo-se que o escrito é totalmente inócuo para o efeito pretendido.</font><br> <font> Esta posição é certa. Com efeito, compulsando o documento (nos autos a fls. 43)(9) verifica-se que o mesmo é emitido por “</font><i><font>I... – Gestão de Condomínios, Lda</font></i><font>” e dirigido à A. (AA - Limpeza Industrial Lda), é datado de 29-1-2001 e nele refere-se que “</font><i><font>a liquidação dos débitos será efectuada com a maior brevidade possível</font></i><font>”.</font><br> <font> A primeira constatação a fazer é que o mesmo foi emitido por entidade diversa do R., pelo que o efeito confessório em relação a este, nunca se poderá colocar. Note-se que, como resulta do art. 352º
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:</font></p><div><br> <font> I</font></div><br> <font> 1. AA, BB e </font><i><font>CC, Lda. </font></i><font>(CC), intentaram ação contra </font><i><font>DD, SA</font></i><font>, pedindo a condenação deste a pagar-lhes a quantia de € 105.021,92, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre € 100.000,00, desde a citação e até integral pagamento. </font> <p><font>Alegaram, em síntese, que o FF, à data dos factos, era detido totalmente pela EE, SA (EE) e tinham ambos o mesmo presidente do conselho de administração; desde pelo menos 1993 que o FF estava registado como intermediário financeiro, tendo o dever de categorizar os autores como investidores não qualificados; O 2º A. tinha no FF, em Outubro de 2004, um depósito a prazo no montante e € 50.000,00; O FF em 2004 lançou uma operação de emissão de obrigações subordinadas EE, a 10 anos, cujos valores captados serviram para reforçar os rácios de capital do FF, tendo sido dadas instruções aos funcionários para não ser entregue aos clientes a nota informativa do produto e para ser vendido como um sucedâneo de um depósito a prazo: O 2º A. acreditou tratar-se de investimento seguro, 100% garantido e em data indeterminada de Outubro de 2004 subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação </font><i><font>EE Rendimento Mais 2004</font></i><font>, no valor nominal de 50 000€, pensando tratar-se de um sucedâneo de depósito a prazo mas melhor remunerado; não foi dada ao autor nota informativa da operação, mas os funcionários do banco informaram que se tratava de produto sem qualquer risco, que o banco garantia o retorno dos valores em causa e que o podia resgatar em qualquer altura, o que convenceu o autor; ao mesmo não foi dito, nem o próprio sabia, que o empréstimo só poderia ser reembolsado a partir de Outubro de 2014; se o soubesse, não teria aceitado subscrever o produto, o que era do conhecimento dos funcionários do banco; em 30/06/2015, o 2º A. transferiu a titularidade da obrigação </font><i><font>EE Rendimento Mais 2004</font></i><font> para a 1ª A.; em 2006, o FF voltou a realizar uma operação financeira nos mesmos moldes da de 2004; tratou-se da emissão de 1.000 obrigações subordinadas, no valor nominal de € 50.000,00 e global de € 50.000.000,00, com pagamento a 10 anos, denominadas </font><i><font>EE 2006</font></i><font>; tudo se passou como aquando da emissão da obrigação </font><i><font>EE Rendimento Mais 2004</font></i><font>, não tendo sido fornecida aos 2º e 3ª AA. a nota informativa do produto financeiro; a 3ª A., na pessoa do 2º A., foi seduzida a subscrever o boletim de subscrição de uma obrigação </font><i><font>EE 2006</font></i><font>, no valor nominal de € 50.000, o que teve lugar em Abril de 2006; em 15/03/2015, a 3ª A. transferiu a titularidade da obrigação EE 2006 para a 1ª A.; os títulos em causa encontram-se atualmente depositados na carteira de títulos da 1ª A. junto do Banco R.; os valores mobiliários em questão não estavam à data depositados em qualquer conta de valores mobiliários escriturais do FF ou da EE; o FF não forneceu informação sobre a relação que tinha com a EE; o FF violou os deveres de proteção e de informação, constituindo-se, assim, na obrigação de indemnizar os AA.; tal indemnização abrange o dano emergente e o lucro cessante, ou seja, os valores entregues pela A. e os juros de mora contados a partir da citação; os 2º e 3ª AA. são partes legítimas e têm interesse em demandar, pois, se o valor das obrigações e dos respetivos juros não for restituído pelo Banco R., terão aqueles que o fazer em relação à 1ª A. </font> </p><p><font>O Réu contestou, </font><u><font>por exceção</font></u><font>, invocando a (i) ineptidão da petição inicial, (ii) ilegitimidade dos AA e (iii) prescrição do direito dos autores, ao abrigo do art. 324º do CVM; </font><u><font>por impugnação</font></u><font>, alegando que, quando os Autores subscreveram as obrigações, tinham perfeito conhecimento dos produtos em causa, tendo-lhe sido explicada a sua natureza, condições de remuneração, reembolso e liquidez; sabiam que não estavam a contratar um depósito a prazo ou sequer um produto equivalente; foi informado aos Autores que a única forma dos mesmos obterem liquidez antes do prazo de 10 anos seria através de cedência das obrigações a um terceiro; os Autores receberam sempre o extrato mensal no qual figuram as obrigações na sua carteira de títulos e receberam os cupões de juros e nunca efetuaram qualquer reclamação; negou que o banco réu tenha garantido o pagamento da emissão das obrigações. </font> </p><p><font>Responderam os Autores responderam às exceções. </font> </p><p><font>Foi realizada audiência prévia, tendo sido julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e relegado para final o conhecimento das exceções de ilegitimidade dos AA. e da prescrição. </font> </p><p><font>Foi proferida sentença julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2. Apelaram os Autores, impugnando a decisão em matéria de facto e de direito.</font> </p><p><font>A Relação apenas aditou à matéria de facto fixada pela 1ª instância o nº 32, tendo no mais indeferido a impugnação, entendendo alguns dos factos que os AA. pretendiam provados, como redundantes ou prejudicados, relativamente aos já considerados assentes.</font> </p><p><font>Julgou parcialmente procedente a apelação, condenando a Ré a pagar ao Autor BB a quantia de cinquenta mil euros, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral pagamento, no mais julgando-a improcedente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3. Pedem revista Autores e Réu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.1. Formulam os primeiros, a final da alegação, as seguintes conclusões:</font> </p><p><i><font>«A. Entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, depois de percorrer todo um iter logico (ao contrário da 1ª instância), que o Banco recorrido violou os seus deveres enquanto intermediário financeiro, tendo agido ilicitamente e incorrendo por isso em responsabilidade. </font></i> </p><p><i><font>B. Não obstante, acabou por concluir que, no caso em apreço, os fundamentos da indemnização são respeitantes apenas à pessoa da 3ª autora, pelo que, a ter-se consumado o dano, a 3ª autora seria a titular, única e originária, da indemnização peticionada a título de responsabilidade civil delitual. </font></i> </p><p><i><font>C. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pese embora tenha identificado as transmissões dos autos como "cessão de créditos", parece, contudo, ter entendido que, com estas, ocorreu também a transmissão da indemnização por incumprimento contratual ou por impossibilidade culposa da prestação, não tendo sido capaz de dar o passo lógico seguinte, que seja o de averiguar em cuja esfera jurídica se encontrava então o direito à indemnização pelo dano resultante da responsabilidade pré-contratual do Banco recorrido. </font></i> </p><p><i><font>D. Ao contrário da cessão da posição contratual, de que se ocupam os artigos 424ª e ss. do CC, a cessão de créditos tem por conteúdo apenas os créditos (totais ou parciais) e não a totalidade da posição contratual, no conjunto dos seus direitos e obrigações. </font></i> </p><p><i><font>E. No caso dos autos, considerou o Tribunal da Relação que não ocorreu e não existe qualquer transmissão da posição contratual do 2º ou da 3ª autores para a La autora, tão só a sucessão da 1ª autora num direito de crédito do 2º autor e num direito de crédito da 3ª autora sobre o Banco réu, sem que tal implique, por qualquer forma, o total abandono da relação obrigacional decorrente do contrato base, pelos cedentes, com transmissão para a cessionária, não apenas da titularidade dos direitos de crédito cedidos, individualmente considerados, mas de todo o complexo de direitos e obrigações, advindo para os cedentes da celebração dos contratos base. </font></i> </p><p><i><font>F. O cedido (Banco réu) continua adstrito perante os cedentes (2º autor e 3ª autora), ao cumprimento das obrigações que tenha assumido no âmbito dos contratos base, sem que a cessionária (Iª autora) se substitua aos cedentes, como contraparte do cedido, nas relações contratuais base, tais como existiam à data da cessão, como acontece na cessão da posição contratual. </font></i> </p><p><i><font>G. Se admitirmos que com a cessão de créditos ocorreu também a transmissão da indemnização por incumprimento contratual ou por impossibilidade culposa da prestação, de igual modo teremos forçosamente de reconhecer à lª autora a legitimidade e o direito de reclamar do banco réu a indemnização pelo prejuízo sofrido. </font></i> </p><p><i><font>H. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa parece esquecer-se que tanto o 2º autor como a 3ª autora (na qualidade de cedentes) também demandam o Banco, nos presentes autos e que o fazem, justamente, por manterem nas suas esferas jurídicas os direitos inseparáveis da sua pessoa, que não foram, por isso, objeto da transmissão. </font></i> </p><p><i><font>I. O direito à indemnização pela violação dos deveres de informação por parte do Banco réu (cedido) é, precisamente, um desses direitos. </font></i> </p><p><i><font>J. A cessão de créditos está na livre disponibilidade das partes vinculadas por uma obrigação de natureza pecuniária e sem prévia dependência do consentimento do devedor, desde que entre este e o cedente não esteja consensuado ou convencionado que essa cessão ou cedência dos créditos que aquele (devedor) de cumprir perante este (cedente/credor) mereça restrição/consentimento. </font></i> </p><p><i><font>K. A cessão da posição contratual implica a intervenção de três sujeitos - cedente, cessionário e cedido - e é privativa dos contratos sinalagmáticos ou bilaterais, supondo, pois, a existência de prestações recíprocas desde que não cumpridas, enquanto a cessão de créditos implica apenas a intervenção do cedente e do cessionário, sem necessidade de autorização do cedido. </font></i> </p><p><i><font>L. Nos presentes autos, o Banco réu é apenas devedor e o que se verificou foi uma cessão dos créditos do 2° autor para a 1ª e outra da 3ª autora para a 1ª, ficando esta última titular dos créditos do 2° e da 3ª autores em relação ao recorrido. </font></i> </p><p><i><font>M. Os direitos decorrentes dos contratos celebrados entre o 2° autor e a 3ª autora e o Banco réu (como o direito à indemnização pela violação do dever de informação), nunca chegaram a ser transmitidos, permanecendo na esfera jurídica daqueles, desde a génese dos contratos. </font></i> </p><p><i><font>N. O direito de indemnização ficou sempre na esfera jurídica do 2° autor e da 3ª autora, nunca foi transmitido à 1ª autora, porque aqueles se limitaram a transferir os seus créditos e não a sua posição contratual. </font></i> </p><p><i><font>O. Quando o dano se consumou (em 8.5.2016), a 3ª autora havia já transmitido o seu crédito sobre o Banco réu para a 1ª autora. </font></i> </p><p><i><font>P. Mas o que ela nunca transmitiu foi o direito de indemnização resultante da responsabilidade civil do recorrido pelos danos decorrentes da violação dos deveres de informação aquando da celebração do contrato. </font></i> </p><p><i><font>Q. Entendendo-se como se entendeu, que a responsabilidade do Banco réu perante a 3ª autora ocorreu na fase genética do contrato, é a esta que o recorrido terá de indemnizar.</font></i> </p><p><i><font>R. É indiferente se os negócios em causa hajam assumido carater oneroso ou gratuito; se os negócios entre a 1ª autora e o 2° e entre aquela e a 3ª autora tivessem sido gratuitos, o prejuízo estaria sempre na esfera do doador; se se tivesse tratado de negócios onerosos, sendo certo que o prejuízo se teria verificado também junto da adquirente, esta sempre teria direito à repetição do indevido, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 473° do CC. </font></i> </p><p><i><font>S. Note-se que os 2° e 3ª autores são parte nos presentes autos apenas por terem sido intervenientes nas cessões de créditos suprarreferidas e por as obrigações dos autos se encontrarem depositadas na carteira de títulos da 1ª autora, junto do Banco réu. </font></i> </p><p><i><font>T. A questão à qual este sábio tribunal terá de responder é a seguinte: a cessão dos créditos (transmissão da obrigação EE 2006) do 2° autor para a 1ª e da 3ª autora para a 1ª teve por consequência a extinção da responsabilidade pré-contratual do Banco réu, ora recorrido? Constitui a cessão do crédito, de per si, um meio da extinção da responsabilidade contratual e pré-contratual? </font></i> </p><p><i><font>U. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 227.°; 406.°; 424.° e ss.; 473°, nº 1, 577° e ss., 762°; 798° e 799° do CC.»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.2. São as seguintes as conclusões da alegação do Réu:</font> </p><p><i><font>«1) Dos factos provados, e em síntese, retirou o Tribunal a quo que: a. se encontram, em geral, preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro, pela prestação de informação falsa, incompleta e obscura; b. no caso do 2º Autor, o dano consumou-se na sua pessoa, cabendo ao Banco-R. a prova de uma eventual remoção do dano, por a cedência do título não teve, sem mais, a virtualidade de afastar o dano e com isso a obrigação de indemnizar. </font></i> </p><p><i><font>2) No que toca à responsabilidade civil do Banco-R., o Tribunal a quo entendeu que a conduta daquele réu foi ilícita por se ter reconduzido 'à prestação de informação falsa, incompleta e obscura. Ora, </font></i> </p><p><i><font>3) A informação prestada foi normalmente completa e exaustiva, em face das circunstâncias pessoais e históricas, apenas não tendo sido fornecida anota informativa ou outra documentação técnica do produto por não ser então obrigatório. </font></i> </p><p><i><font>4) É facto que não foi explicada aos AA. a característica da subordinação das Obrigações. </font></i> </p><p><i><font>5) Todavia, bem cita a decisão recorrida SIMÃO SOUSA MENDES para afirmar que "a informação só é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir". </font></i> </p><p><i><font>6) A decisão recorrida acaba por não esclarecer de forma expressa qual a essencialidade da informação omitida para a tomada de posição, principalmente no dito contexto histórico e social, em que ninguém, absolutamente ninguém (nem os Autores que depois vem a citar a propósito da previsibilidade da crise de 2008) punham em causa a estabilidade do sistema financeiro como um todo e do FF em particular! </font></i> </p><p><i><font>7) Da matéria de facto resulta igualmente que as Obrigações EE 2004 e 2006 eram efectivamente um produto com um nível de risco muito baixo - vide factos provados 20, 24,30 e 31-, sendo que a mesma conclusão resulta imediatamente e uma mera análise empírica, por um lado, e jurídica por outro, do produto. De facto, a simples circunstância das relações societárias entre o Banco e sociedade emitente sempre obrigaria a uma apreciação de risco semelhante entre elas! </font></i> </p><p><i><font>8) Assim, apesar do Banco-R. admitir que a informação não for exaustiva, a verdade é que fica por determinar que a informação em falta fosse essencial à tomada de decisão de investir por parte dos AA. - prova que caberia aos AA. </font></i> </p><p><i><font>9) Quanto à dita falsidade da informação prestada, funda-se a posição do douto acórdão recorrido na comparação abusiva entre o instrumento financeiro em causa e um DP. </font></i> </p><p><i><font>10) Ora, a comparação a que alude a decisão recorrida, nos termos expressos dos factos provados 18 e 19, era apenas e só quanto à sua segurança. </font></i> </p><p><i><font>11) Ora, a segurança própria de cada uma das figuras sob comparação corresponde apenas ao risco de incumprimento da obrigação de reembolso, sendo, em ambos os casos, esta obrigação garantida pela respectiva entidade emitente - no caso do depósito, o banco, e no caso da obrigação, a EE - mãe do banco! Nesta perspectiva não vemos qualquer relevante diferença entre uma obrigação da EE e um DP no FF, porquanto os riscos de solvência das entidades eram efectivamente os mesmos. </font></i> </p><p><i><font>12) Sublinhe-se que não é crível que, em 2004 ou 2006, qualquer comum depositante confiasse nos bancos por causa do Fundo de Garantia de Depósitos - sendo certo que a grande maioria certamente o desconheceria à data! As pessoas confiavam nos Bancos per se, e pela supervisão a que estariam sujeitos - como estava igualmente sujeita a sociedade mãe do banco! </font></i> </p><p><i><font>13) Prossegue a decisão recorrida afirmando que a informação prestada foi igualmente obscura, afirmando que com a informação dada nunca seria permitido aos clientes entender as especificidades do instrumento financeiro que estavam a subscrever, dando especial relevo a comparação com o Depósito a Prazo, fazendo relevar a pós-anunciada previsibilidade da crise de 2008. </font></i> </p><p><i><font>14) Ora, Não deixa de ser sintomático da argumentação judicial quando é preciso ir "pescar "duas opiniões publicadas simplesmente confirmando que deveria ser previsível uma crise. Mas ao mesmo tempo, sem que se diga sequer quantas publicações e quantos autores e quantos artigos técnicos se manifestaram, na mesma época, desvalorizando quem anunciava a tal malfadada crise! </font></i> </p><p><i><font>&nbsp;15) Hoje também nós seríamos facilmente capazes de adivinhar tudo quanto se passou em 2007, 2008 e até 2012. </font></i> </p><p><i><font>16) Mas acima de tudo, diga-se que os artigos citados são eles próprios posteriores ao início da crise, não apenas do sub prime em 2007, mas mesmo da falência do banco Lehman Brothers - ou seja, depois da crise começar, vieram afirmar que era previsível! Estranha-se, pois, que os mesmos autores não hajam avisado todos para o que aí viria! </font></i> </p><p><i><font>17) Determinou a decisão recorrida que o Banco-R. agiu com culpa grave ou dolo, simplesmente por ter, supostamente atribuído vantagens patrimoniais aos seus funcionários pela venda do instrumento financeiro em causa. Todavia, não vislumbramos em qualquer elemento probatório menção a qualquer vantagem e de natureza patrimonial atribuída aos colaboradores do Banco. </font></i> </p><p><i><font>18) A formulação negativa da teoria da causalidade adequada não tem, por si só, a virtualidade de afastar as regras de direito probatório material de distribuição do ónus da prova. </font></i> </p><p><i><font>19) O que aliás violaria, como violou a decisão recorrida o disposto no artº 344º nº1 do Código Civil, bem como o artº 563º do mesmo diploma. </font></i> </p><p><i><font>20) A determinação de uma causalidade adequada obriga primeiro à determinação de uma relação consequencial naturalística típica ou normaI, para que, em momento subsequente, essa normalidade seja reavaliada em face da possibilidade de intervenção de circunstâncias excepcionais decisivas para a produção do dano. </font></i> </p><p><i><font>21) De todo o modo, a prova da causalidade adequada sempre recai necessariamente sobre os AA., sob pena de se ver na causalidade adequada, sob esta figura da formulação negativa nesta concreta interpretação, um verdadeiro seguro sempre recaindo sobre os devedores o ónus da contraprova. </font></i> </p><p><i><font>22) Neste mesmo sentido, e concluindo pelo ónus da prova dos AA., veja-se, também de forma absolutamente eloquente, o Acórdão deste STJ de 6 de Junho de 2013, onde se discorre exactamente também sobre esta matéria, ou parecer do Prof. Doutor Pinto Monteiro, adiante junto. </font></i> </p><p><i><font>23) Independentemente do negócio de suporte à transmissão da obrigação entre 2ª e 1º A., o certo é que a sua natureza, onerosa ou gratuita, sempre seria indiferente à efectiva remoção do dano, ou sua consumpção, se se preferir. </font></i> </p><p><i><font>24) Não é a compensação monetária de um preço fixado ente partes ao título que removeria, de per se o dito dano produzido. </font></i> </p><p><i><font>25) No caso de um negócio oneroso o cessionário paga o preço (ou efectua uma outra prestação de valor equivalente) como compensação da transferência de propriedade, ao passo que no negócio gratuito o cessionário nada presta em contrapartida. </font></i> </p><p><i><font>26) No negócio gratuito, por definição, existe sempre um benefício patrimonial do cedente ao cessionário, equivalente ao valor do bem cedido! O que não é concebível é que o 2ª A. haja cedido gratuitamente o título à 1ª A. sem que lhe tenha pretendido atribuir um benefício pela liberalidade. </font></i> </p><p><i><font>27) Essa liberalidade não poderia nunca ter a virtualidade de ceder uma posição creditícia, gratuita ou onerosamente, mantendo para si um dano correspondente ao risco em que havia incorrido com a sua aquisição daquela posição contratual que cedeu. Ou seja, o dano do 2º A. consumir-se-ia sempre não pela percepção do preço, mas pela atribuição do benefício patrimonial à 1ª A. - atribuição essa que ocorreu efectivamente! </font></i> </p><p><i><font>28) Nos termos do artº 358º do Código Civil, a confissão judicial, se escrita, e só se escrita, tem força probatória plena. Todavia, a mesma norma também acrescenta, no seu nº 4, que a confissão judicial não escrita será apreciada livremente pelo Tribunal! </font></i> </p><p><i><font>29) O Tribunal a quo reconhece as declarações dos AA. em juízo, tendo inclusivamente transcrito as partes de onde resulta claro o negócio entre si celebrado quanto à transmissão da Obrigação. </font></i> </p><p><i><font>30) Todavia, o Tribunal não tomou sobre tais declarações qualquer juízo de valor, pelo que, ao reconhecer a existência dos meios de prova, e sobre eles se abstendo de tomar posição, violou o Tribunal o disposto no 358º nº 4 do Código Civil, e bem assim os arts. 5º nº 1 aI. b) e 607º nº5 do CPC. Acresce que, </font></i> </p><p><i><font>31) Se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art, 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento, sendo que o CctVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até - em alguns casos -, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação. </font></i> </p><p><i><font>32) A menção do artº 312 nº 1 aI. e) do CdVM aos "riscos especiais envolvidos nas operações a realizar" refere-se claramente ao negócio de intermediação, ao dito negócio de cobertura, sob pena de redundância da al. d) da mesma disposição - essa sim referente aos instrumentos financeiros envolvidos nos serviços de intermediação. </font></i> </p><p><i><font>33) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Aliás como também o denota a necessidade de informação acerca da volatilidade do preço do instrumento financeiro, igualmente prescrita na alínea b) deste preceito e com a qual este risco de perda está umbilicalmente ligado. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do mecanismo do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo. </font></i> </p><p><i><font>34) Ora, o investimento efectuado foi feito em Obrigações, não sujeitas a qualquer volatilidade, sendo o respectivo retorno do investimento certo no fínal do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de "capital garantido"), acrescido da respectiva rentabilidade. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso! </font></i> </p><p><i><font>35) Todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital... basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento! Aliás, qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento. </font></i> </p><p><i><font>36) O risco de incumprimento não constitui qualquer risco especial da operação! </font></i> </p><p><i><font>37) A ser alguma coisa, o risco de incumprimento de uma obrigação de compra é um RISCO GERAL de qualquer obrigação! </font></i> </p><p><i><font>38) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título! </font></i> </p><p><i><font>39) &nbsp;É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analísar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens. </font></i> </p><p><i><font>40) E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo! </font></i> </p><p><i><font>41) O Banco-R. forneceu à A. todas as informações adequadas e necessárias à compreensão do produto financeiro em causa. </font></i> </p><p><i><font>42) O risco de insolvência da entidade emitente é sempre e invariavelmente inerente a qualquer instrumento financeiro e a qualquer contrato. </font></i> </p><p><i><font>43) Não existia, no caso, qualquer especial risco de incumprimento de que o Banco-R. devesse ter advertido os AA. </font></i> </p><p><i><font>44) A douta decisão recorrida violou, por errónea interpretação o disposto no artQ 314Q e 312º do CdVM. </font></i> </p><p><i><font>Diga-se, ainda, sobre o nexo de causalidade, </font></i> </p><p><i><font>45) Sobre esta matéria, refere-se a decisão recorrida da dita presunção de ilicitude, culpa e causalidade que vislumbra em citação do Prof. Menezes Cordeiro. </font></i> </p><p><i><font>46) Mas do texto do art. 799º nº 1 do c.c. não resulta qualquer presunção de causalidade. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei! </font></i> </p><p><i><font>47) Não se alcançam razões (que o acórdão recorrido também não adianta ... ) que justifiquem que a presunção própria da censura ético-jurídica da conduta do agente deva ser estendida à relação consequencial entre o facto e o dano. </font></i> </p><p><i><font>48) Ainda que se admitisse a solução de extensão de presunção de culpa à causalidade, a verdade é que não é adequada aos casos de incumprimento de prestações contratuais acessórias, apesar do cumprimento da prestação principal. </font></i> </p><p><i><font>49) De todo o modo, no âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem! </font></i> </p><p><i><font>50) Mesmo que se admitisse a dita presunção, toda a qualquer presunção é teoricamente passível de ser levada a cabo no âmbito do contrato em que se verifique o incumprimento - dito de outro modo, não se pode, nem tanto defende qualquer Doutrina, partir do incumprimento de um contrato para presumir a ilicitude e causalidade da responsabilidade no âmbito de outro contrato, distinto daquele efectivamente incumprido. </font></i> </p><p><i><font>51) Ora, o que assistimos é que a decisão recorrida parte do incumprimento da obrigação de reembolso pela entidade emitente da emissão obrigacionista, para depois fazer presumir a ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um diferente contrato - o de intermediação financeira! Vale isto por dizer que o incumprimento alegado não é apto a desencadear a tão desejada presunção! </font></i> </p><p><i><font>52) Em face de tudo o exposto, não podemos senão concluir pela prestação de informação pelo Banco-R. aos AA., de forma correcta, clara e suficiente aquando da subscrição das Obrigações EE 2004 e 2006. </font></i> </p><p><i><font>53) Impondo-se a revogação da decisão recorrida na parte condenatória e sua substituição por outra que absolva integralmente do pedido o Banco-R.»</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>3.3. Houve contra-alegações e o 2º Recorrente juntou dois pareceres de jurisconsultos (CPC, art. 651º, nº2).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>4. Vistos os autos, cumpre decidir.</font> </p><p><font> </font></p><div><br> <font> </font> <p><font>II</font></p></div><br> <font> </font> <p><font>5. Consideradas as transcritas conclusões das alegações dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), são </font><b><font>questões a decidir (i) </font></b><u><font>relativamente ao recurso dos Autores</font></u><font>, </font><b><font>efeitos da transferência da titularidade das obrigações para a 1ª A.</font></b><font> (do 2º A., em 30.6.2015; da 3ª A., em 11.3.2015) </font><b><font>sobre o invocado direito de indemnização</font></b><font> e (ii) </font><u><font>relativamente ao recurso do Réu</font></u><font>, </font><b><font>violação dos</font></b><font> </font><b><font>deveres de informação e responsabilidade do Réu, </font></b><b><i><font>nuclearmente</font></i></b><b><font> reportados ao contrato de intermediação financeira celebrado com o 2º e 3º Autores </font></b><font>(é no âmbito da responsabilidade como </font><i><font>intermediário financeiro</font></i><font> que o R. vem condenado pela Relação, sendo no acórdão incidentalmente referenciados os arts. 74º, 76º e 77º do RGICSF).</font> </p><p><font>Começar-se-á, por prejudicial, pelo exame da questão suscitada no recurso do Réu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>6. </font><u><font>Os factos</font></u><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>6.1. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):</font> </p><p><i><font>«1- A primeira autora é médica e faz da medicina, em exclusivo, a sua profissão e o seu modo de vida. </font></i> </p><p><i><font>2- O réu é um Banco comercial que girava anteriormente sob a denominação “FF – ..., S.A.”. </font></i> </p><p><i><font>3- Até à nacionalização do “FF - ..., S.A.”, operada pela Lei n.º 62-A/2008, de 11-11, a totalidade do capital social do Banco em causa era detida, na íntegra, pela sociedade “FF, SGPS, S.A.”, a qual, por sua vez, era detida, também na íntegra, pela sociedade então denominada “EE – ..., SGPS, S.A.”. </font></i> </p><p><i><font>4- A “EE – ..., SGPS, S.A.”, a “EE, SGPS, S.A.” e o “FF – ..., S.A.”, à data dos factos relatados neste processo, tinham por Presidente do Conselho de Administração a mesma pessoa, GG </font></i> </p><p><i><font>5- O Banco réu era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros estando, como tal, registado na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), desde, pelo menos, o ano de 1993. </font></i> </p><p><i><font>6- BB não tinha realizado no FF quaisquer operações de volume significativo nos mercados de valores mobiliários, com a frequência média de, pelo menos, 10 operações por trimestre ao longo dos últimos 4 trimestres, nem tinha uma carteira de valores mobiliários de montante superior a €500.000,00, nem tinha, por último, prestado funções, pelo menos durante 1 ano, no sector financeiro, numa posição profissional em que seja exigível o conhecimento do investimento em valores mobiliários. </font></i> </p><p><i><font>7- CC., Lda., não tem e nunca teve, um número médio de trabalhadores igual ou superior a 250, nem um ativo total superior a 43 milhões de euros, nem, por último, um volume de negócios líquido superior a 50 milhões de euros.</font></i> </p><p><i><font>8- BB e CC., Lda. são clientes do Réu há mais de quinze anos. </font></i> </p><p><i><font>9- BB subscreveu, em Outubro de 2004, o boletim de subscrição de uma obrigação EE Rendimento Mais 2004, no valor nominal de €50.000,00 (documento de fls. 89, cujo teor se dá por reproduzido). </font></i> </p><p><i><font>10- Em 30.6.2015, BB transferiu a titularidade da obrigação EE Rendimento Mais 2004 para a Autora AA. </font></i> </p><p><i><font>11- O referido título encontra-se, ainda hoje, depositado na carteira de títulos da primeira autora, junto do Banco réu. </font></i> </p><p><i><font>12- Em Abril de 2006, CC., Lda. subscreveu o boletim de subscrição de uma obrigação EE 2006, no valor nominal de € 50.000 (documento de fl
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><u><font>Relatório</font></u></b></p><div><br> <font>*</font></div><br> <b><u><font>AA, Corp</font></u></b><font> e </font> <p><b><u><font>BB, Ld.ª</font></u></b><b><font>,</font></b> </p><p><font>intentaram acção executiva comum contra </font> </p><p><b><u><font>CC, Ld.ª</font></u></b><font>, </font> </p><p><font>com base em título executivo constituído por </font><u><font>sentença judicial</font></u><font> que condenou a Ré em indemnização a favor dos AA., relegando, porém, a </font><u><font>liquidação dos danos para execução de sentença</font></u><font>.</font> </p><p><font>No processo declarativo, no âmbito do qual se constituiu o título executivo, </font><u><font>a sentença de 1ª instância foi proferida em 15/7/2003.</font></u> </p><p><u><font>A acção executiva foi instaurada em 21/12/2010</font></u><font>.</font> </p><p><font>A executada deduziu oposição.</font> </p><p><font>Na 1ª instância o senhor juiz proferiu decisão, julgando procedente a oposição, porquanto, sendo o título executivo uma sentença de condenação genérica, tinham os exequentes de, previamente, liquidar a quantia exequenda, através de incidente de liquidação a deduzir no processo onde a sentença foi proferida, cuja instância se renovaria.</font> </p><p><font>Julgou, portanto, extinta a execução.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Recorreram os exequentes para a Relação, defendendo que a liquidação da quantia exequenda se teria de fazer no próprio processo executivo, e não no processo declarativo, como fora decidido.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>A Relação, porém, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>É deste acórdão que, novamente inconformados, voltam a recorrer as exequentes, agora de revista, nos termos do disposto no Art.º 721º-A do C.P.C. (revista excepcional).</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Apresentados os autos à formação a que se refere o n.º 3 do citado Art.º 721º-A, foi admitida a revista excepcional.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Conclusão</font></u></b> <p><font>Formulam os recorrentes as conclusões seguintes:</font> </p><p><font>«</font><i><font>1.ª O acórdão recorrido assenta num clamoroso equívoco, apontando como redacção originária do preceito do art. 21º do DL 38/2003 aquela que, na verdade, lhe foi posteriormente dada pelo DL 199/2003, e indicando como segunda e actual redacção do preceito o teor do art. 4.º do citado DL 199/2003, que tem por epígrafe «entrada em vigor» (desse mesmo DL n 199/2003) e não altera estatuição alguma do DL 38/2003.</font></i> </p><p><i><font>2.ª O preceito do n.° 3 do art. 21º do DL 38/2003 (que, anteriormente, só tinha dois números) foi introduzido pelo art. 3.º do DL n.° 199/2003 e tem por teor: «as normas dos artigos 47.º, n.° 5, 378.º, n.º 2, 380.º, n.ºs 2, 3 e 4, 380.°-A e 661.º, n.° 2, do Código de Processo Civil aplicam-se nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1.ª instância».</font></i> </p><p><i><font>3.ª Dado que, no processo em apreço, a sentença de 1.ª instância foi proferida em 15-07-2003, a liquidação da obrigação não podia (por força do disposto no art. 21-3 do Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.° 199/2003, de 10 de Setembro) ser feita nos termos do disposto no art. 378-2 do CPC.</font></i> </p><p><i><font>4.ª Tal liquidação só pode ser efectuada no próprio processo executivo, como se demonstra no douto acórdão da Relação de Lisboa de 27.Setembro.2006, proc. 11917/2005-4 (acórdão-fundamento).</font></i> </p><p><i><font>5.ª Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no citado art. 21-3 do Dec.-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, na redacção dada pelo Dec.-Lei n.° 199/2003, de 10 de Setembro.</font></i> </p><p><i><font>TERMOS EM QUE,</font></i> </p><p><i><font>no provimento do recurso, deve revogar--se o douto acórdão sub censura e ordenar-se que o procedimento executivo prossiga os seus trâmites, regendo-se pelo regime da acção executiva estabelecido pelo Dec.-Lei n.° 38/2003, de 8/3, mas com as especialidades resultantes de a sentença declarativa genérica, proferida em 1.ª Instância anteriormente a 15-09-2003, constituir título executivo e a sua liquidação ocorrer na própria acção executiva.</font></i><font>»</font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>A factualidade a considerar é apenas a que se descreveu no antecedente relatório.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Fundamentação</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Como se vê das conclusões, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, a única questão a decidir pode equacionar-se na seguinte formulação:</font> <p><font>Pretendendo executar-se sentença de condenação genérica, proferida em 1ª instância antes de 15/9/2003, deve o prévio incidente de liquidação, seguir o novo regime do processo executivo, introduzido pelo D.L. 38/2003 de 8/3, ou aplicar-se o anterior regime processual definido pelo D.L. 329-A/95?</font> </p><p><font>Isto é, a referida liquidação processa-se no processo declarativo, no âmbito do qual se formou o título executivo (genérico), ou no próprio processo executivo?</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>O D.L. 38/2003 procedeu à reforma da acção executiva e, nesse âmbito, no que aqui interessa considerar, introduziu um novo número (n.º 5) no Art.º 47º do C.P.C. com a seguinte redacção:</font> <p><font>“Tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 6 do artigo 805º”.</font> </p><p><font>Na sequência, introduziu, também, o n.º 2 do Art.º 378º, com a redacção seguinte:</font> </p><p><font>“O incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661º, e,&nbsp; caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada”.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Reformulou, ainda, o Art.º 380º (termos posteriores do incidente de liquidação, designadamente determinando, no seu n.º 3 que:</font> <p><font>“Quando o incidente seja deduzido depois da proferida a sentença e o réu conteste, ou, não contestando, a revelia deva considerar-se inoperante, seguem-se os ter termos subsequentes do processo sumário de declaração”.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Alterou, também o Art.º 880-A, bem como a redacção do n.º 2 do Art.º 661º, substituindo, quanto a este último preceito, a expressão “</font><i><font>o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença</font></i><font>”, pela expressão “</font><i><font>o Tribunal condenará no que vier a ser liquidado</font></i><font>”.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>O regime de liquidação anterior, emergente da reforma do C.P.C. introduzida pelo D.L. 329-A/95, quando </font><u><font>o título executivo fosse uma sentença genérica</font></u><font>, seguia o ritualismo processual previsto nos Art.º 805º e seg. do C.P.C. (redacção anterior à do D.L. 38/2003).</font> <p><font>A diferença fundamental que aqui interessa enfatizar, é que, no regime anterior, a liquidação constituía um incidente (prévio) da acção executiva, e era no requerimento inicial da própria execução que o exequente indicava os valores que considerava compreendidas na prestação devida, concluindo por um pedido líquido, enquanto que, no novo regime, a sentença de condenação genérica só pode ser dada à execução (isto é, só constitui título executivo) após se proceder à liquidação no próprio processo declarativo, cuja instância extinta se renova.</font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Ora a questão que aqui se coloca, é exactamente a de saber se, no caso, se aplica o anterior ou o novo regime de liquidação.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Para tal é necessário atentar nas disposições transitórias previstas no D.L. 38/2003 e no D.L. 199/2003, que parcialmente as alterou.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Vejamos:</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>O Art.º 21º do D.L. 38/2003, na sua redacção primitiva, continha dois números (só o n.º 1, interessa para o caso).</font> <p><font>No referido n.º 1, determinava-se:</font> </p><p><font>“</font><i><font>As alterações ao C.P.C. ..... só se aplicam </font></i><i><u><font>nos ou relativamente</font></u></i><i><font> aos processos instaurados a partir do dia 15 de Setembro de 2003</font></i><font>”.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Portanto, a nova redacção que o citado diploma introduziu nos Art.ºs 47º, n.º 5, 378º, n.º 2 ou 380º, n.º 3, preceitos com incidência directa no regime processual da liquidação, quando se trate de executar sentença de condenação genérica, só tinha aplicação nos novos processos, isto é, nos instaurados após o dia 15/9/2003.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Porém, entretanto, foi publicado o D.L. 199/2003 de 10/9 (entrou em vigor no dia 15/9/2003), que veio (além do mais que aqui não interessa) alterar o regime transitório previsto no Art.º 21º do D.L. 38/2003, no sentido de fazer aplicar aos processos pendentes em 15/9/2003 o novo regime de liquidação, assim conferindo efeitos mais imediatos à reforma efectuada pelo citado D.L. 38/2003 (cofr. Relatório do D.L. 199/2003).</font> <p><font>Assim, o </font><u><font>seu Art.º 3º</font></u><font>, acrescentou ao Art.º 21º do D.L. 38/2003 mais três números, interessando-nos apenas o </font><u><font>n.º 3</font></u><font>, com a seguinte redacção:</font> </p><p><font>“</font><i><font>As normas dos artigos 47º, n.º 5, 378º, n.º 2, 380º, n.ºs 2, 3 e 4, 380º-A e 661º, n.º 2 do Código do Processo Civil aplicam-se </font></i><i><u><font>nos</font></u></i><i><font> ou </font></i><i><u><font>relativamente</font></u></i><i><font> aos processos declarativos </font></i><i><u><font>pendentes no dia 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância</font></u></i><font>” (sublinhado nosso).</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>E no Art.º 4º, determinou-se:</font> <p><font>n.º 1 – “</font><i><font>O presente diploma entre em vigor no dia 15 de Setembro de 2003, sem prejuízo do disposto nos números seguintes</font></i><font>”.</font> </p><p><font>n.º 2 – “</font><i><font>As alterações ao Código de Processo Civil constantes do presente diploma só se aplicam nos ou relativamente aos processos instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003</font></i><font>”.</font> </p><p><font>n.º 3 – “</font><i><font>Exceptuam-se do disposto no número anterior as normas dos artigos 694º, 696º, 724º, 776º e 806º do Código do Processo Civil</font></i><font>”.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Assim sendo e centrando-nos apenas na questão aqui em causa, fácil é concluir que, </font><u><font>face à primitiva redacção do Art.º 21º do D.L. 38/2003</font></u><font> (norma transitória), </font><u><font>o incidente da prévia liquidação, quando o título executivo fosse uma decisão judicial de condenação genérica, só se processaria no âmbito da acção declarativa condenatória nos termos do disposto nos Art.ºs 47º, n.º 5, 378º, nº 2 e 380º, n.º 3</font></u><font>, com a redacção que o mesmo diploma lhes conferiu, </font><u><font>quando essa acção fosse instaurada após 15/9/2003</font></u><font> (data da entrada em vigor do D.L. 38/2003). Isto é, o novo regime processual da liquidação só tinha aplicação aos </font><u><font>processos novos, mantendo-se o regime anterior quanto aos pendentes em 15/9/2003</font></u><font>.</font> <p><font>Mas, segundo o novo regime transitório do D.L. 199/2003 (Art.º 3º), tal regime </font><u><font>passou a aplicar-se aos processos declarativos pendentes em 15/9/2003, desde que neles não tenha sido proferida sentença em 1ª instância</font></u><font>, independentemente de esta não transitar por ter sido objecto de recurso, visto que a lei não faz distinção alguma, pretendendo, antes, estabelecer um critério de certeza e segurança.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Assim, é claro que, alterado que foi o primitivo regime transitório previsto no Art.º 21º do D.L. 38/2003, quanto ao ritualismo processual da liquidação, é o novo regime transitório o aplicável.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Consequentemente, se naquela data (15/9/2003) o processo declarativo onde foi produzida a decisão condenatória genérica exequenda </font><u><font>estiver findo</font></u><font>, ou, </font><u><font>ainda que pendente, nela tiver já sido proferida sentença em 1ª instância</font></u><font>, a posterior liquidação terá de efectuar-se como incidente </font><u><font>da própria acção executiva</font></u><font>, nos termos do anterior regime, </font><u><font>sendo irrelevante que a acção executiva tenha sido instaurada após aquela data</font></u><font>, uma vez que a referida liquidação não pode ter lugar no processo declarativo, como resulta do regime transitório introduzido pelo D.L. 199/2003.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>O novo regime de liquidação no processo declarativo só tem aplicação nos processos pendentes em 15/9/2003, quando, nessa data, neles ainda não tenha sido proferida sentença em 1ª instância.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Ora, no caso dos autos, embora o processo declarativo, no âmbito do qual se constituiu o título executivo, se encontrasse pendente de recurso em 15/9/2003, nele tinha já sido proferida sentença em 1ª instância (em 15/7/2003).</font> <p><font>Logo, por força do disposto no n.º 3 do Art.º 21º do D.L. 38/2003, introduzido pelo D.L. 199/2003, o disposto nos Art.ºs 47º, n.º 5, 378º, n.º 2, 380º, n.ºs 2, 3 e 4, 380º-A e 661º, n.º 2 do C.P.C., na redacção que lhes foi dada pelo D.L. 38/2003, não têm aplicação ao caso concreto, devendo </font><u><font>a necessária liquidação, seguir os termos fixados pelo anterior regime executivo</font></u><font>.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>A solução encontrada pelo acórdão recorrido não pode, pois, prevalecer, até porque se fundou em manifesto equívoco.</font> <p><font>Na verdade, a redacção primitiva do Art.º 21º do D.L. 38/2003 não continha o n.º 3, que o acórdão lhe atribuiu na errada transcrição do preceito.</font> </p><p><font>Esse n.º 3 foi introduzido pelo Art.º 3 do D.L. 199/2003, e, por outro lado, a nova e definitiva redacção do citado Art.º 21º, não é a que o acórdão transcreveu.</font> </p><p><font>De facto o que se transcreve como sendo a nova redacção do Art.º 21º do citado diploma corresponde à norma transitória contida no Art.º 4º do D.L. 199/2003, que nada tem a ver com o regime de liquidação aqui em causa, pois se refere exclusivamente às alterações do C.P.C. constantes do próprio D.L. 199/2003.</font> </p><p><font>Consequentemente, a interpretação a que o acórdão chegou não tem sentido, desde logo porque a redacção dos preceitos interpretados não é aquela que transcreveu e em que se apoiou.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Portanto, se é certo que o D.L. 38/2003 continha uma restrição à aplicação do novo regime executivo, uma vez que ele só se aplicava nos ou relativamente aos processos instaurados após 15/9/2003, as disposições transitórias do Art.º 3º do D.L. 199/2003, embora alargando o âmbito da aplicação da reforma executiva, na parte referente aos regimes de liquidação no processo declarativo, não eliminou todas as restrições (talvez por isso, no seu relatório se fala em conferir “efeitos </font><u><font>mais</font></u><font> imediatos à dita reforma), na medida em que a aplicação do novo regime de liquidação só se aplica nos </font><u><font>processos declarativos pendentes no dia 15/9/2003, se neles, até essa data, não tiver sido proferida sentença em 1ª instância</font></u><font>.</font> <p><font>Quer dizer, mantem-se a restrição, caso, naquela data, tenha sido já proferida sentença em 1ª instância.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Procede, pois, a revista excepcional dos exequentes.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <b><u><font>Decisão</font></u></b><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista, e, consequentemente em:</font> <p><font>— revogar o acórdão recorrido.</font> </p><p><font>— Decidir que no caso concreto, pelas razões acima expostas, a sentença condenatória genérica que se executa, constitui título executivo bastante, devendo a respectiva liquidação processar-se no âmbito do processo executivo, nos termos do regime anterior ao D.L. 38/2003.</font> </p><p><font>— Determinar a substituição do despacho recorrido em conformidade com o aqui decidido.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Custas pela recorrida.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Lisboa,11 de Abril de 2013</font> <p><font> </font> </p><p><font>Moreira Alves (Relator)</font> </p><p><font>Alves Velho</font> </p><p><font>Paulo Sá</font> </p></font><p><font><font> </font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br> <br> <br> <br> <font>AA, BB e CC, residentes na .., em …, propuseram acção de preferência, em processo comum, sob a forma ordinária, contra DD e CC residentes na …, nº …, em …, e FF – Investimentos e Imobiliária, Lda., com sede na …, em … [Acção com o nº …].</font><br> <font>Por seu turno, GG e HH, II e JJ, também, residentes na …, em …, propuseram contra os mesmos réus, uma outra acção de preferência, em processo comum, sob a forma ordinária [Acção com o nº …, igualmente, do …º Juízo Cível do … Tribunal], correndo ambas por apenso.</font><br> <font>Nas duas acções, os autores concluem com o pedido de que, na sua procedência, lhes seja reconhecido o direito de preferência na venda do imóvel em causa [a], se decida que os autores exercem, em conjunto, o direito de preferência sobre o mesmo prédio [b], se reconheça que os primeiros réus não comunicaram aos autores qualquer intenção de venda, nem preços, nem condições de pagamento, nem a identificação da compradora [c] e se substitua a compradora pelos autores, quer face à escritura de venda e compra, quer quanto aos registos matriciais e prediais [d], alegando, para o efeito, e, em síntese, cada grupo dos dois autores coligados, que são arrendatários, cada um, de duas habitações autónomas integrantes de um prédio urbano, que descrevem, há vários anos, sendo certo que, em 15 de Janeiro de 2003, os autores tomaram conhecimento que os réus, pessoas singulares, venderam à ré sociedade o prédio em questão, por € 55.000,00, sem lhes comunicarem, o que quer que fosse.</font><br> <font>Na contestação, a ré FF alega, em síntese, que os autores não podiam accionar, conjuntamente, a preferência sobre o imóvel em causa, antes devendo a mesma ser exercida por um dos titulares do respectivo direito, após prévia licitação entre todos, o que implicaria a absolvição do pedido ou, subsidiariamente, a ilegitimidade dos autores, para além de que, de todo o modo, estes tiveram conhecimento da escritura de compra e venda, nos dias 17 e 18 de Dezembro de 2002, pelo que, tendo a acção entrado em juízo, em 30 de Junho de 2003, caducou o reclamado direito de preferência, a que acresce que os autores tiveram conhecimento da projectada venda, antes dela ter ocorrido, bem assim como que a mesma não foi, na verdade, uma compra e venda, mas antes um acto de uma partilha, por óbito dos pais do réu, explicando-lhes o que se passava e que fariam uma venda simulada, quando estavam a partilhar um bem que integrariam no património de uma sociedade da família dos primeiros réus, declarando os autores que não iriam, perante as circunstâncias em causa, exercer a preferência.</font><br> <font>A venda, formalmente, realizada foi, assim, uma doação feita à ré sociedade que é, integralmente, detida pelos primeiros réus, filhas e outra sociedade que, igualmente, os primeiros réus e filhas detêm a 100%, pelo que os autores actuaram com abuso de direito, sendo, portanto, o negócio nulo, por simulado, devendo ser julgado válido, por inexistência de obstáculo legal, o negócio dissimulado.</font><br> <font>Conclui a ré o articulado da contestação-reconvenção, com o pedido de que seja julgada procedente a excepção de ausência de direito, por parte dos autores, e os réus absolvidos do pedido ou, caso assim não se entenda, seja julgada procedente a excepção de ilegitimidade dos autores e, consequentemente, serem os réus absolvidos da instância ou, na eventualidade de assim não se entender, ser julgada provada a excepção de abuso de direito, por parte dos autores, e os réus absolvidos do pedido, devendo, de todo o modo, ser julgada procedente a excepção de nulidade, por simulação do negócio jurídico de compra e venda e, em conformidade, ser julgado, procedente e provado, o pedido reconvencional e, consequentemente, serem os autores condenados a reconhecerem a validade do negócio dissimulado, isto é, a doação dos prédios a favor da ré FF, bem como o reconhecimento de não lhes assistir, por virtude disso, o invocado direito de preferência.</font><br> <font>Na réplica, os autores rebatem a versão fáctica e jurídica trazida aos autos pela ré FF e terminam com a defesa da improcedência das excepções e da reconvenção, concluindo como na petição inicial.</font><br> <font>No despacho saneador, declarou-se improcedente a excepção da ausência do direito dos autores a accionarem os réus, que foi configurada como uma excepção peremptória, e a consequente ilegitimidade activa.</font><br> <font>Desta decisão, a ré</font><b><font> FF</font></b><font> – Investimentos e Imobiliária, Lda interpôs recurso de agravo com vista à sua revogação e substituição por outra que reconheça a invocada excepção da ilegitimidade activa dos autores, com a absolvição dos réus da instância, o qual foi admitido com subida diferida, juntamente com a apelação a interpor da sentença final.</font><br> <font>A sentença final julgou ambas as acções, totalmente, procedentes, declarando a compradora FF – Investimentos e Imobiliária, Lda substituída pelos autores AA, BB e CC, na titularidade do direito de propriedade do prédio descrito, nos itens “1” e “2” dos factos provados, quer face à escritura de compra venda, quer quanto aos registos matriciais e prediais, e substituída pelos autores GG e HH e II e JJ, na titularidade do direito de propriedade do prédio descrito, nos itens “12” e “14” dos factos provados, quer face à escritura de compra venda, quer quanto aos registos matriciais e prediais, e as reconvenções, totalmente, improcedentes, absolvendo-se, em consequência, os autores dos pedidos reconvencionais.</font><br> <font>Desta sentença, a ré sociedade interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação negado provimento aos agravos e julgado improcedente as respectivas apelações, confirmando as decisões impugnadas.</font><br> <font>Do acórdão da Relação do Porto, a mesma ré FF – Investimentos e Imobiliária, Lda interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que, reconhecendo a impossibilidade do exercício conjunto do direito de preferência, a absolva dos pedidos contra si formulados, julgando as acções, a acção principal e a apensa, improcedentes, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br> <font>1ª – Os autores vieram exercer, em conjunto, o direito de preferência que lhes assistia relativamente à venda dos prédios a favor da ré, formulando pedido no sentido de se decidir poderem os autores exercer em conjunto esse direito de preferência.</font><br> <font>2ª – Fizeram-no sem que, previamente, hajam recorrido ao mecanismo imposto de abrirem licitação entre </font><i><font>si</font></i><font>, determinando-se, desta forma, qual deles, preferentes, poderia </font><i><font>exercer </font></i><font>o direito de preferência sobre a totalidade do prédio vendido.</font><br> <font>3ª - </font><i><font>O </font></i><font>Douto Acórdão recorrido aceitou a possibilidade do exercício conjunto desse direito, visando a constituição de compropriedade entre os preferentes sobre os prédios objecto da preferência, criando assim um direito de preferência - legalmente desconhecido - não sobre o prédio mas sim sobre um direito a parte indivisa</font><i><font> </font></i><font>do prédio.</font><br> <font>4ª - Ora</font><i><font>, </font></i><font>o direito de preferência estabelecido no artigo 47° do RAU tem como objecto o prédio ou a fracção autónoma do prédio. Não tem como objecto direito ou direitos a parte do prédio. E daí que - exactamente por que não há </font><i><font>esse </font></i><font>direito de preferência a parte do prédio - o legislador haja obrigado a que sendo dois ou mais os preferentes se abra licitação entre eles ( n° 2, do artigo 47° do RAU).</font><br> <font>5ª - O que se discute nos presentes autos não é saber se um inquilino habitacional pode, sem prévio recurso ao processo de licitação entre os vários inquilinos, exercer o direito de preferência isoladamente. É sim saber se o exercício daquele direito de preferência pode ser exercido em conjunto, visando, a constituição da compropriedade sobre o imóvel objecto da preferência, ou, dito de outra forma, se o direito de preferência tem como objecto um prédio ou o direito a parte dum prédio.</font><br> <font>6ª - Mais: o exercício conjunto do direito de preferência está</font><br> <font>espessamente afastado pelo artigo 49° do RAU, quando manda aplicar</font><br> <font>ao direito de preferência do arrendatário, com as necessárias</font><br> <font>adaptações, o disposto nos artigos 416° a 418° e 1480° do Código</font><br> <font>Civil, afastando propositadamente o referido artigo 419° que</font><br> <font>disciplina o exercício conjunto do direito de preferência.</font><br> <font>7ª - No caso dos autos, omite-se o disposto no n° 2, do referido artigo</font><br> <font>47° do RAU que, claramente, determina (em sede de lei especial</font><br> <font>sobre o arrendamento e que, portanto, se sobrepõe à lei geral -</font><br> <font>assim, n°3, do artigo 7o, do Código Civil), que o direito de</font><br> <font>preferência não pode - no caso de haver dois ou mais preferentes -</font><br> <font>ser exercido em conjunto, mas sim, e após prévia licitação entre os</font><br> <font>preferentes, apenas por um dos titulares desse direito de</font><br> <font>preferência.</font><br> <font>8ª - Ora havendo, como há, vários rendeiros e a pretenderem estes exercer o direito de preferência sobre um único prédio - haveria necessidade dos autores terem definido previamente, mediante licitação entre si, a qual de entre eles assistiria o direito de exercer a preferência, devendo para tal, e nos termos do referido n°2, do artigo 47° do RAU, ter-se socorrido do mecanismo previsto no artigo 1460°, aplicável por força do disposto no artigo 1465°, ambos do Código de Processo Civil, o que os autores</font><i><font> </font></i><font>não fizeram.</font><br> <font>9ª - Em suma: a lei não permite o peticionado exercício conjunto do direito de preferência invocado pelos autores, razão pela qual deverá a Decisão sob recurso ser</font><i><font> </font></i><font>alterada e substituída por outra que, reconhecendo a ilegalidade do referido exercício conjunto do direito de preferência, absolva a ré dos pedidos contra ela formulados, assim julgando a acção improcedente.</font><br> <font>10ª - A decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 47° e 49° do RAU, os artigos 7o e 9o, bem como o artigo 1419°, todos do Código Civil e ainda os artigos 1460° e 1465° do Código do Processo Civil.</font><br> <font>Nas suas contra-alegações, os autores concluem no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o acórdão impugnado.</font><br> <font>O Tribunal da Relação do Porto entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br> <font>1 – A autora AA é, desde o início de 1975, arrendatária do rés-do-chão poente, com entrada pelo nº 18, constituído por casa, anexo, jardim e quintal, do prédio urbano constituído por um bloco de duas casas térreas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, sob o nº 610, e inscrito na matriz, sob o artigo 1148.</font><br> <font>2 - Os autores BB e CC são, desde 1 de Novembro de 1985, arrendatários do rés-do-chão nascente, com entrada pelo nº 20, constituído por casa, anexo, garagem, jardim e quintal, do prédio urbano constituído por um bloco de duas casas térreas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, sob o nº 610, e inscrito na matriz, sob o artigo 1148.</font><br> <font>3 - Por escritura pública celebrada, em 16 de Dezembro de 2002, no Segundo Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, lavrada a fls. 118 a 119v do livro 319-H, os primeiros réus declararam vender à segunda ré, que declarou comprar, pelo preço global de 170.000,00 euros, quatro prédios urbanos, entre eles o descrito em “1” e “2” (documento de fls. 26 a 31 que se dá por reproduzido).</font><br> <font>4 - O preço correspondente ao imóvel descrito em “1” e “2” foi de 55.000,00 euros.</font><br> <font>5 - Pela celebração da escritura pública, referida em “3”, a segunda ré despendeu a quantia de 1.569,00 euros, sendo a proporção que cabe ao prédio descrito em “1” e “2” de 507,70 euros.</font><br> <font>6 - Os autores AA, BB e CC, em 7 de Julho de 2003, procederam ao depósito da quantia de 55 507,70 euros.</font><br> <font>7 - Os autores são os únicos arrendatários do prédio descrito em “1” e “2”.</font><br> <font>8 - LL e o primeiro réu são irmãos.</font><br> <font>9 - Por óbito dos pais de ambos, MM e NN, falecidos, respectivamente, em 4 de Outubro de 1978 e 26 de Junho de 1981, foi-lhes deixado património imobiliário, no qual, entre outros, se incluíam todos os prédios objecto de venda na escritura referida em “3”.</font><br> <font>10 - No âmbito do processo de inventário que correu termos sob o nº 146/81, pela 1ª Secção, do 2º Juízo, do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, todo o património imobiliário foi adjudicado ao primeiro réu, nomeadamente, os prédios objecto da escritura referida em “3”.</font><br> <font>11 – Antes da escritura de venda, referida em “3”, nunca os primeiros réus deram conhecimento aos autores, AA, BB e CC, da projectada venda ou da sua disposição de venderem a mesma, nomeadamente, quanto ao comprador ou compradora, montante e condições de pagamento e de quaisquer outros elementos determinativos da referida transacção.</font><br> <font>12 - Os autores GG e HH são inquilinos habitacionais dos primeiros réus, desde o terceiro trimestre de 1996, do rés-do-chão poente de um bloco de casas térreas, para sua habitação, com anexos, jardins, garagem e quintal, com a área total coberta e descoberta de 317,50 m2, e, devidamente, demarcada e vedada, desde o inicio do arrendamento, o qual faz parte do bloco de duas casas térreas, inscrito na totalidade, sob o artigo matricial 1149 urbano, da freguesia de Santa Maria da Feira, sito na Rua de Nossa Senhora de Campos, com entrada própria e sob o número de porta 22, a confinar de Norte com a estrada e do Sul e Poente com os primeiros réus, e do Nascente com Maria Matara, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, sob o número 00611/040989, e aí inscrito a favor dos primeiros réus.</font><br> <font>13 - Pelo arrendamento, referido em “12”, os autores GG e HH pagam, actualmente, a renda mensal de €269,81</font><br> <font>14 - Por contrato celebrado, em 25 de Fevereiro de 1986, os autores II e JJ são inquilinos habitacionais dos primeiros réus, do rés-do-chão nascente, que inclui casa, anexos, garagem, jardim e quintal, com a área total coberta e descoberta de 406 m2, devidamente, demarcado e vedado, desde o início do arrendamento, e que faz parte do bloco de duas casas térreas, inscrito na matriz urbana, sob o artigo 1149, da freguesia de Santa Maria da Feira, à Rua Nossa Senhora de Campos, com entrada própria pelo número de porta 24, a confinar do Norte com estrada, do Sul e Poente com os primeiros réus e do Nascente com Maria Matara, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, sob o nº 00611/040989, e aí inscrito a favor dos primeiros réus.</font><br> <font>15 - Pelo arrendamento, referido em “14”, pagam os autores II e JJ a renda mensal actualizada de €189,59.</font><br> <font>16 - Os autores GG e HH, II e JJ sempre pagaram as rendas acordadas, com as actualizações comunicadas pelos senhorios, ao longo dos anos.</font><br> <font>17 - Os autores GG e HH, II e JJ, ao longo da vigência dos contratos, referidos em “12” e “14”, têm tratado dos jardins, cultivado os quintais, e procedido a obras de conservação das construções, tudo tendo usufruído com conhecimento e sem qualquer oposição, por parte dos réus, factos que, também, são conhecidos pelas pessoas que com os autores convivem, além de, nas casas que ocupam, fazerem as suas refeições, dormirem, receberem as pessoas com quem convivem e aí ocuparem as suas horas de lazer.</font><br> <font>18 - Por escritura pública, datada de 16 de Dezembro de 2002, outorgada no 2º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, os primeiros réus declararam vender à segunda ré, que declarou comprar, o prédio composto de casas térreas para duas habitações, identificado em “12” e “14”, pelo preço de €55.000,00.</font><br> <font>19 - Pela 1ª Secção, do 2º Juízo, deste Tribunal, correu termos o processo de inventário facultativo nº146, do ano de 1981, por óbito de MM e marido, NN, os quais deixaram como herdeiros os filhos DD, ora réu, e LL.</font><br> <font>20 - No inventário, referido em “19”, o réu DD licitou, entre outros, o prédio, referido em “12” e “14”.</font><br> <font>21 - Baseados em rumores que corriam no local, os autores GG e HH, II e JJ, após buscas nos Cartórios Notariais da cidade de Santa Maria da Feira, tiveram conhecimento da venda, referida em “18”, em 15 de Janeiro de 2003, tendo, de imediato, pedido certidão da respectiva escritura.</font><br> <font>22 - Antes da escritura de compra e venda, referida em “18”, nunca os primeiros réus deram conhecimento aos autores GG e HH, II e JJ da projectada venda ou da sua disposição de venderem, nomeadamente, quanto a comprador ou compradora, montante da venda e condições de pagamento, ou outros elementos referentes à mesma.</font><br> <font>23 - Mesmo depois de terem outorgado a escritura, referida em “18”, os réus não apresentaram aos autores GG e HH, II e JJ cópia ou fotocópia da referida escritura.</font><br> <br> <font> *</font><br> <br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste em saber se é, juridicamente, viável o exercício conjunto do direito de preferência legal de arrendatários habitacionais de unidades prediais, fisicamente, distintas, ainda que não unidades matriciais, juridicamente, independentes.</font><br> <br> <font> DO EXERCÍCIO CONJUNTO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA LEGAL</font><br> <br> <font>O que está em causa, fundamentalmente, na presente revista, é a questão de saber se os diversos inquilinos de uma unidade habitacional, não qualificada como fracção autónoma, por o prédio em que se integra não se encontrar constituído segundo o regime da propriedade horizontal, podem exercer, conjuntamente, o direito de preferência na venda da totalidade do imóvel a terceiro não locatário, independentemente de, antes da propositura da acção, ter lugar o processo especial de notificação para preferência contra os demais inquilinos habitacionais do mesmo prédio, a fim de, em primeiro lugar, se determinar quem pode exercer aquele direito. </font><br> <font>Do que se trata, portanto, no caso em análise, é de qualificar a situação fáctica em que se encontram os inquilinos habitacionais dos prédios objecto de preferência, que instauraram a presente acção contra o obrigado à preferência e o preferido, sem que nenhum deles tenha renunciado a esse direito ou ficado numa situação de inércia processual.</font><br> <font>Revertendo à situação factual em exame, no que interessa à questão decidenda, importa reter que a autora AA é a única arrendatária do rés-do-chão poente, e os autores BB e CC são os únicos arrendatários do rés-do-chão nascente, aquele com entrada pelo nº 18, e este pelo nº 20, cada qual constituído por casa, anexo, jardim e quintal, do prédio urbano composto por um bloco de duas casas térreas, inscrito na matriz, sob o artigo 1148, enquanto que, por seu turno, os autores GG e HH são os únicos inquilinos do rés-do-chão poente, e os autores II e JJ são os únicos inquilinos do rés-do-chão nascente, com entrada própria pelos números de porta 22 e 24, respectivamente, cada qual constituído por casa com anexos, jardins, garagem e quintal, do prédio urbano composto por um bloco de casas térreas, inscrito na totalidade, sob o artigo matricial urbano nº1149.</font><br> <font>Dispõe o artigo 47º, nº 1, do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15 de Outubro, aplicável por força do estipulado pelo Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro, que “o arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda…do local arrendado há mais de um ano”, sem que se distinga o fim do arrendamento em causa, aplicando-se, com as necessárias adaptações, nos termos do preceituado pelo artigo 49º, do mesmo diploma legal, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, todos do Código Civil (CC).</font><br> <font>Efectivamente, o critério decisivo que consubstancia a «ratio» do preceito acabado de transcrever contende com a alienação da coisa em que a habitação se integra, independentemente da unidade física estrutural que a suporta, razão pela qual ainda que um prédio com vários andares não tenha sido submetido ao regime da propriedade horizontal, é o prédio, no seu todo físico, porque só este goza de autonomia jurídica e matricial, que importa considerar, para o efeito e subsunção da questão da preferência na alienação do prédio no seu todo, atento o disposto pelo artigo 417º, do CC, subordinado à epígrafe “venda da coisa juntamente com outras”.</font><br> <font>E se a alienação projectada ou realizada se referir à totalidade do imóvel, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência competirá a todos os co-arrendatários das partes do mesmo prédio, cujo contrato perdure há mais de um ano.</font><br> <font>Está-se, assim, perante uma situação de coexistência ou de concorrência de vários direitos legais de preferência, tantos quantos os diversos titulares dos contratos de arrendamento existentes, de que são sujeitos activos os distintos inquilinos dos respectivos locais arrendados, existindo outros tantos direitos potestativos de aquisição, situados no mesmo plano, e não de uma situação de contitularidade de um mesmo e único direito, em relação à totalidade do prédio, entendido este como a soma das diversas fracções autónomas que o compõem (1).</font><br> <font>Os autores são, portanto, titulares de direitos de preferência concorrentes na venda dos respectivos prédios, pois que demonstraram a sua qualidade de arrendatários autónomos e não de co-locatários, existindo uma pluralidade de direitos de preferência concorrentes, derivada da pluralidade de arrendatários no mesmo prédio.</font><br> <font>Por seu turno, o proprietário do prédio arrendado, como é o caso dos réus DD e EE, querendo vender a coisa que é objecto do contrato de arrendamento, deve comunicar ao titular do direito de preferência o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato, a fim de que este possa exercer o seu direito, nos termos do disposto pelo artigo 416º, nºs 1 e 2, do CC.</font><br> <font>Quando se está perante um único direito de preferência, com um só titular, como acontece se no prédio existir apenas um inquilino, e não houver qualquer outro direito legal de preferência sobre o imóvel, dúvidas não subsistem quanto à sua legitimidade activa, na acção de preferência, que aquele cabe por inteiro.</font><br> <font>Porém, quando sobre o prédio incide um único direito de preferência, mas com vários titulares, a preferência deve ou pode ser exercida, simultaneamente, por todos, como acontece, v. g., no caso do direito legal de preferência na venda do prédio dominante, a favor do prédio serviente, a que se reporta o artigo 1555º, nº 1, do CC, na hipótese de este pertencer a dois ou mais comproprietários, ou, no caso do direito convencional de preferência, atribuído, simultaneamente, a várias pessoas, que só pode ser exercido, em conjunto, por todas elas, nos termos do disposto pelo artigo 419º, nº 1, do CC, ou, então, exercido, tão-só, por um deles, como acontece na situação em que o direito de preferência [direito convencional de preferência] pertence a mais de um titular, mas houver de ser exercido apenas por um deles, a que alude o artigo 419º, nº 2, do mesmo diploma legal (1).</font><br> <font>Finalmente, e esta é a hipótese que agora compete analisar, existindo pluralidade de direitos de preferência concorrentes, oriunda da pluralidade de arrendatários do mesmo prédio, sendo cada um deles o titular do respectivo direito de preferência, distinto dos que competem a cada um dos restantes, pode, isoladamente, cada qual propor a mesma acção, desacompanhado dos demais, sem prévio recurso obrigatório ao processo de notificação para preferência, a que alude o artigo 1465º, do CPC (1).</font><br> <font>Dispõe o artigo 1465º, nº 1, do CPC, que ”se já tiver sido efectuada a alienação a que respeita o direito de preferência e este direito couber simultaneamente a várias pessoas, o processo para a determinação do preferente segue os termos do </font><u><font>artigo 1460º</font></u><font>, com as alterações seguintes: a) o requerimento inicial é feito por qualquer das pessoas com direito de preferência;”.</font><br> <font>Porém, a questão de saber se o titular do direito de preferência tem o dever jurídico de requerer a notificação dos outros preferentes não decorre do estipulado pelo artigo 1465º, do CPC, mas antes das regras substantivas sobre a legitimidade dos sujeitos no exercício da preferência e das normas processuais aplicáveis à determinação da legitimidade das partes na concreta acção a considerar.</font><br> <font>Existindo direitos de preferência concorrentes ou competitivos, distintos entre si, mas da mesma natureza, situados no mesmo plano, e não uma situação de contitularidade de direitos dos vários locatários, pode o interessado na propositura da acção de preferência requerer a notificação prévia dos titulares dos outros direitos de peempção, enquanto mera faculdade e não como dever jurídico, devendo, então, os preferentes preteridos, a quem não foi dado conhecimento prévio daquela instauração da acção, lançar mão do processo especial de notificação para preferência, a que alude o artigo 1465º, do CPC.</font><br> <font>Com efeito, enquanto que os artigos 1458º a 1464º, do CPC, se referem à notificação para preferência requerida pelo obrigado à preferência, como acto preliminar da alienação,</font><font> </font><font>a efectuar a requerimento daquele que pretende alienar a coisa onerada com o correspondente direito, notificação essa de natureza obrigatória, dado o disposto no artigo 416º, do CC</font><font>,</font><font> já o artigo 1465º, também do CPC, contempla a notificação para preferência como acto preliminar da acção de preferência, ou seja, em que o obrigado à preferência não cumpriu o dever jurídico que o artigo 416º, do CC, ou alguma das disposições paralelas que se lhe impõem, e em que as pessoas preteridas têm que recorrer à acção de preferência, se quiserem exercer o seu direito substantivo, isto é, quem requer a notificação, neste caso, não é o obrigado à preferência mas um dos diversos titulares da preferência (2)</font><font> Antunes Varela, RLJ, Ano 115º, 284 e 285 e nota (6); Alberto dos Reis, Processos Especiais, II, 1982, 533 e 534.</font><font>.</font><br> <font>Ora, neste caso do artigo 1465º, do CPC, não</font><font> </font><font>esclarecendo a lei processual se tal notificação é obrigatória como preliminar da acção de preferência que algum daqueles titulares pretenda instaurar, nem impondo tal obrigatoriedade a legislação substantiva, entende-se ser de concluir que aquela notificação prévia não é obrigatória, mas, meramente facultativa, uma vez que cada um dos titulares tem um direito autónomo e distinto dos demais, susceptível de ser exercido, isoladamente.</font><br> <font>Tudo está no entendimento de cada inquilino que, par evitar o risco de futuras questões com os demais, sendo certo que estes não perdem o seu direito, apesar do exercício da preferência por aquele, derivadas do exercício do direito de preferência, pode recorrer à aludida notificação, que, também, qualquer um dos outros pode desencadear, como preliminar da nova acção de preferência a instaurar contra o anterior preferente que se tenha tornado proprietário do prédio, para que os demais declarem se estão ou não interessados no exercício dos respectivos direitos.</font><font> </font><br> <font>É que cada um dos autores, é, de per si, o único titular do direito real de preferência que invoca, não se impondo o prévio recurso ao processo de notificação para preferência, contemplado pelo artigo 1465º, nº 1, b), c) e d), do CPC, a fim de determinar, pela via da licitação, qual dos preferentes seria admitido a fazer seu o prédio, em posterior acção de preferência.</font><br> <font>E, se cada um dos singulares sujeitos desse direito de preferência plural, pode propor, individualmente, a acção de preferência, sem prévio recurso obrigatório ao processo de notificação para preferência, por maioria de razão, o pode fazer a totalidade dos titulares do direito em causa, sem necessidade de recorrer ao mecanismo previsto pelo artigo 1465º, do CPC.</font><br> <font>É que só quando o direito de preferência único pertença, simultaneamente, a vários titulares, e deva ser exercido, por todos, em conjunto, e mesmo assim com ressalva de algum ou alguns declararem que o não querem exercer, ou quando pertença a mais do que um titular e haja de ser exercido, apenas, por um deles, a tramitação processual a observar é a constante do artigo 1459º-B, do CPC.</font><br> <font>Não tendo sido feita aos autores, como ficou assente, a comunicação prévia da venda projectada, é manifesto que foi violada, pelos proprietários dos prédios em causa, a obrigação que sobre eles recaía, como sujeitos à preferência, procedendo à venda, sem darem aqueles titulares do respectivo direito a oportunidade de, querendo, fazer seus os prédios urbanos de que eram arrendatários. </font><br> <font>Ora, estipula o artigo 1410º, nº 1, do CC, que “o comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou…tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção”.</font><br> <font>Se a lei obriga o alienante a comunicar a todos os preferentes, quer titulares de preferências simultâneas, quer de preferências sucessivas, o projecto de venda e as respectivas cláusulas, o mesmo já não sucede com o preferente que pretende reagir contra a alienação efectuada, o qual tem a faculdade, mas não o dever jurídico ou o ónus jurídico, de notificar os restantes preferentes, para que, definitivamente, de uma vez por todas, se decida quem quer e pode preferir</font><font>.</font><br> <font>Deste modo, o arrendatário habitacional, titular plural do direito de preferência legal na venda a outrem do objecto do locado, habitado há mais de um ano, não está obrigado a notificar os restantes preferentes no sentido de dizerem se pretendem ou não exercer o seu direito de preferir ou de instaurar a acção em conjunto com os demais concorrentes, dada a pluralidade de preferentes com direitos distintos entre si.</font><br> <font>E, não se tendo provado que o direito dos autores se extinguiu, seja em consequência de renúncia, seja por caducidade da acção, deve a mesma, em princípio, ser julgada procedente.</font><br> <font>Não colhem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da revista da ré.</font><br> <br> <font>CONCLUSÕES</font><br> <br> <font>I - Ainda que um prédio com vários andares não tenha sido submetido ao regime da propriedade horizontal, é o prédio, no seu todo físico, porque só este goza de autonomia jurídica e matricial, que importa considerar, para o efeito de subsunção da questão da preferência na alienação do prédio no seu todo.</font><br> <font>II - Se a alienação projectada ou realizada se referir à totalidade do imóvel, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência competirá a todos os co-arrendatários das partes do mesmo prédio, cujo contrato perdure há mais de um ano.</font><br> <font>III – Existindo distintos inquili
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> 1 - No Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, A e outros intentaram acção de investigação da paternidade contra B e outros, pedindo que C seja reconhecida como filha de D e os Autores como netos.<br> O Réu E contestando excepcionou a ilegitimidade dos Recorrentes e a caducidade do direito dos Autores e impugnou.<br> No saneador julgou-se procedente a excepção da caducidade.<br> Em apelação o douto Acórdão da Relação do Porto - folhas 104 a 108 - confirmou o decidido.<br> Daí a presente revista.<br> 2 - Os Autores recorrentes nos suas alegações concluem: a) Tendo falecido o investigado em 27 de Julho de 1993, o prazo de caducidade inicia-se em 28 de Julho de 1994. b) Por esta data ocorrer em férias judiciais, o prazo da propositura da acção transferiu-se para o primeiro dia útil: 15 de Setembro de 1994. c) A acção foi proposta em 15 de Setembro de 1994.<br> Em contra alegação o recorrido pugna pela bondade da decisão.<br> O Excelentíssimo Ministério Público delega neste<br> Supremo a busca da melhor solução.<br> 3 - Colhidos os vistos, cumpre decidir.<br> 4 - Está provado pela Relação: a) A petição inicial da acção de investigação de paternidade em apreço nos autos, deu entrada na secretaria judicial da comarca de Espinho, no dia 15 de<br> Setembro de 1994. b) O investigado D faleceu no dia 27 de Julho de 1993. c) A mãe dos investigantes C faleceu no dia 1 de Agosto de 1962.<br> 5 - Terminado o prazo de propositura desta acção em 27 de Julho de 1994, em férias judiciais, discute-se se a acção foi corretamente proposta em 15 de Setembro de 1994, apoiando-se no artigo 279 alínea e) do Código<br> Civil.<br> As instâncias decidiram pela negativa.<br> O douto Acórdão recorrido estruturou a sua decisão na inaplicabilidade do invocado artigo 279 alínea e) e apoiando-se nas regras insertas nos artigos 328 e 331 alínea n), ambos do Código Civil, entendeu que a petição inicial deveria ter sido entregue na secretaria judicial até 27 de Julho de 1994.<br> O que não aconteceu e daí a caducidade.<br> 6 - Salvo o devido respeito não se subscreve tal decisão.<br> O que se discute nada tem a ver com a suspensão ou interrupção do prazo de caducidade - artigo 328.<br> O que se discute é se a acção terá de ser proposta no prazo de um ano, prazo que terminaria em plenas férias judiciais, ou se, por se tratar precisamente de férias, poderia ser proposta, como foi, até ao primeiro dia útil após o fim delas.<br> O artigo 279 estatui na sua alínea e):<br> "O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; os domingos e feriados são equiparados às férias judiciais, se o outro sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo".<br> Estamos perante um prazo de caducidade substantivo dado que da sua observância depende a vivência do direito de investigar.<br> Aquela alínea e) do artigo 279 refere-se tão somente a transferências de termo de prazo a ocorrer em férias, domingo ou dia feriado, para o primeiro dia útil subsequente.<br> Nada tem a ver com a suspensão de caducidade.<br> A sua razão de ser está precisamente no facto de nas férias os juízes "não estarem" nos tribunais para esse efeito.<br> Desta forma transferido o termo de um prazo em feriado ou domingo para o primeiro dia útil seguinte, sendo as férias judiciais equiparados na lei ao domingo ou dia feriado, há que transferir também para o primeiro dia<br> útil após férias o termo do prazo para a propositura desta acção.<br> Assim tem sido julgado: Acórdão do Supremo Tribunal de<br> Justiça de 11 de Julho de 1989, Boletim 389, Página 568 e de 13 de Março de 1991, Actualidade Jurídica n. 17,<br> Página 10.<br> Com apoio de doutrina - Professor A. Varela, Rev. Leg.<br> Jurisp. ano 128, Página 172 e seguintes.<br> 7 - Termos em que se concede a revista, revogando-se o douto Acórdão recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos.<br> Custas pelo recorrido.<br> Lisboa, 17 de Junho de 1997.<br> Torres Paulo,<br> Cardona Ferreira,<br> Herculano Lima.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I.</font></b><font> – </font><b><font>AA </font></b><font>propôs acção declarativa com processo ordinário contra o</font><b><font> Banco BB, SA, </font></b><font>pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de € 300 000,00, a título de capital, acrescida de juros, à taxa legal, desde 30 de Setembro de 2009 até efectivo pagamento.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Para tanto alegou, em síntese:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Era legítimo portador do cheque n.º ..., no valor de € 300 000,00, sacado, em 26 de Janeiro de 2009, por CC sobre o BCP; que o cheque lhe foi entregue para pagamento de uma dívida que o sacador tinha para com ele (autor); que o cheque foi devolvido em 28 de Janeiro de 2009, pelos serviços de compensação do Banco de Portugal, com os dizeres “falta ou vício na formação da vontade”; que esta devolução ocorreu por o sacador, seguindo as instruções e ensinamentos de um funcionário da agência de Leiria do réu, ter ordenado a revogação do cheque; que o réu, ao aceitar a ordem de revogação, sem que existisse qualquer facto que a justificasse, impediu que se verificasse o facto que importava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação, pois sabia que a conta bancária não apresentava fundos que possibilitassem o pagamento do cheque; que não recebeu a quantia titulada no cheque; que as perdas e danos sofridos com a atitude ilegítima do réu ascenderam à quantia de € 300 000,00, acrescida de € 7 766,00, a título de juros de mora vencidos até 30 de Setembro de 2009, e dos juros vincendos até integral pagamento.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O réu contestou, concluindo pela improcedência da acção. Na sua defesa alegou, em síntese, que o sacador lhe enviou, em 10 de Junho de 2008, comunicação escrita onde ordenou o não pagamento do cheque em questão, indicando, como motivo, “vício na formação da vontade”; que o cheque não foi apresentado a pagamento nos oito dias posteriores à sua emissão, pois a data do cheque foi colocada por outrem que não o emitente; que o réu, quer antes quer depois do pedido de revogação, agiu com zelo e diligência, de acordo com as instruções do cliente; que ainda que o réu tivesse violado o artigo 32.º da Lei Uniforme sobre Cheques [LUCH] não estava constituído na obrigação de indemnizar o autor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No final, requereu a intervenção nos autos do sacador do cheque, como auxiliar na defesa, o que foi deferido.</font> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>O A. replicou. Por, como alegou, o réu ter invocado falsamente factos que não só tinha obrigação de conhecer, como factos que bem sabia não serem verdadeiros, pediu a sua condenação, como litigante de má fé, no pagamento de multa e indemnização, em quantia não inferior a € 10.000,00.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O réu contestou o pedido de litigância de má fé, alegando que não tinha fundamento legal.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O processo prosseguiu os seus termos e a final foi proferida sentença que julgou improcedentes a acção e o pedido de litigância de má fé deduzido pelo autor.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O autor não se conformou e interpôs recurso de apelação, pedindo a revogação da sentença, sem êxito, uma vez que a Relação manteve a decisão da 1.ª instância.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformado, o A. interpôs da referida decisão recurso de revista – atento o voto de vencido –, recurso que foi admitido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O A. conclui, em síntese, as suas alegações, do seguinte modo:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A. O título a que os presentes autos se reportam é válido como cheque.</font> </p><p><font>B. A conduta do R. ao aceitar o pedido do sacador de não pagamento do cheque com a falsa alegação de “vício na formação da vontade” é ilícita.</font> </p><p><font>C. Tal ilicitude constitui causalidade adequada entre a conduta do R. e o dano invocado pelo A. e tem cobertura na Lei – Artº 29º e 32º da LUCH, Artº 14º, 2ª parte do Dec. Lei nº 13004 e Artº 458º e 483º ambos do Cód. Civil.</font> </p><p><font>D. Assim, não se pode dizer como se refere no D. Acórdão ora recorrido que “no caso dos autos, não há sequer prova de que o portador do cheque era titular de um crédito sabre o sacador do cheque”(SIC), que “o autor, ora recorrente, não provou que o título de crédito houvesse sido emitido para pagamento de uma dívida” (SIC) ou ainda que “não se tendo provado que o cheque foi emitido como meio de pagamento de uma obrigação do sacador nem se tendo provado que havia fundos na conta para pagar o cheque, não se vê como se pode sustentar que a conduta do banco causou ao recorrente prejuízo patrimonial correspondente ao montante do cheque” (SIC);</font> </p><p><font>E. Desde logo, como consta no acórdão ora recorrido do voto de vencido proferido pelo Mmo. Senhor Juiz Desembargador, quando este aí refere:</font> </p><p><font>“O cheque é um título de crédito literal e abstracto. Daí que não se possa acompanhar a tese sustentada no acórdão de que cabia ao A., para a procedência da acção, provar “que era titular de um crédito sobre o sacador do cheque” e ainda que “havia fundos na conta (dele) para pagar o chegue”. Pelo contrário, nos termos do Artº 458º do C. Civil, o credor está dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume, até prova em contrário (da outra parte). E, do mesmo modo não era sobre o A. que impendia o ónus de provar que a conta do sacador do chegue tinha provisão. É que para além da causa virtual (o hipotético não pagamento do cheque por falta de provisão do sacador) não ter relevância jurídica no caso, sempre seria ao réu, interessado em exonerar-se da obrigação de indemnização decorrente da revogação ilícita do cheque, que caberia alegar e provar tal causa virtual (vide Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. 1, 10ª Ed., pág. 924 e Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª Ed., pág. 680).</font> </p><p><font>De modo que, em face dos factos provados e da doutrina do Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2008, julgaria procedente a apelação e revogaria a sentença recorrida, condenando-se o réu no pagamento do valor do cheque e juros.” (SIC).</font> </p><p><font>F. No mesmo sentido vide Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980 – 1º – 565 quando aí refere “Presume-se, simplesmente, que a dívida tem fonte idónea, seja ela qual for, até prova em contrário” (Nota 11 ao Artº 458º do Cód. Civil anotado de Abílio Neto – Livraria Petrony – 6ª Edição – 1987).</font> </p><p><font>G – Ainda e também no mesmo sentido de que não é o A. mas sim o R. quem tem de alegar e provar que sem o facto operante (cancelamento) o pagamento ser-lhe-ia efectuado, vide o que ultimamente se decidiu no Ac. STJ de 12.10.2010 in CJ (Acórdão do STJ, Tomo III – 2010, pág. 124 e seguintes) por, tal como aí se refere “O não pagamento ao portador do montante titulado pelo cheque, no momento da sua apresentação a desconto, independentemente da causa que lhe esteja subjacente, vem a significar a falta de realização do valor correspondente ao quantitativo da prestação a que aquele, na qualidade de credor, tinha direito, com o consequente dano patrimonial verificado. Por outro lado, um banco que recusa o pagamento de um cheque revogado determina, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, que o tomador se veja privado do respectivo montante, não sendo conjecturável prognosticar que o sacador disponha de outros bens acessíveis que garantam a respectiva solvabilidade” (SIC),</font> </p><p><font>H – à semelhança do que de igual modo se decidiu no Ac. STJ de 28.02.2008 in </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, quando nele se refere:</font> </p><p><font>“A relação de causalidade adequada existe se:</font> </p><p><font>1 – O facto foi «conditio sine qua non» do resultado; </font> </p><p><font>2 – À luz das regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que de tal facto decorresse tal resultado de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos;</font> </p><p><font>3 – O efeito tenha resultado pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Se do não pagamento do cheque decorre prejuízo, parece ser claro que se verificam as apontadas exigências para a consideração de tal relação de causalidade.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>De facto, um banco que recusa o pagamento dum cheque revogado determina que, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, o tomador se veja privado do respectivo montante. Da revogação resulta normalmente o afastamento do pagamento voluntário por parte do sacador e é utópico presumir-se que este disponha de outros bens acessíveis que garantam solvabilidade (se a ordem de revogação visa evitar o pagamento de um cheque validamente emitido e detido pelo tomador, naturalmente que o sacador procurará evitar outras vias de cobrança, designadamente a executiva).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Temos, então, que o banco é, em princípio, responsável pelo pagamento ao tomador de uma indemnização correspondente ao valor dos cheques ou, pelo menos, ao valor do prejuízo resultante do seu não pagamento, se se entender que o mesmo não é idêntico ao valor dos cheques não pagos. (SIC),</font> </p><p><font>I. O D. Acórdão recorrido viola o disposto nos Artº 29º e 32º da LUCH, Artº 14º, 2ª parte do Dec. Lei nº 13004, Artº 344º, 349º, 350º, 351º, 458º, 483º, 798º e 799º todos do Cód. Civil e Artº 514º e 722º, nº 1, alínea a) ambos do Cód. Proc. Civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O réu contralega, sustentando a bondade da decisão recorrida. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Cabe apreciar e decidir.</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II.</font></b><font> Fundamentação</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>De Facto</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II.A.</font></b><font> São os seguintes os factos dados como provados, face ao oportunamente especificado e ao resultado do julgamento (exclusivamente factos assentes):</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. CC é cliente da ré, sendo titular da conta à ordem com o nº ..., da sucursal da Marinha Grande, Praça do Vidreiro.</font> </p><p><font>2. O autor, no dia 27/01/2009, apresentou a pagamento o cheque nº ... (cuja cópia consta de fls. 8 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido), no valor de trezentos mil euros, sacada pelo referido CC sobre a conta identificada em 1); no espaço reservado à data de emissão consta “26.1.2009”; no local de emissão consta “M.G.”; no campo à ordem consta o nome do aqui autor.</font> </p><p><font>3. Segundo consta do verso de tal cheque, o mesmo foi devolvido em 28/01/2009, pelos serviços do Banco de Portugal, com os seguintes dizeres: “revogado por justa causa, falta ou vício na formação da vontade”.</font> </p><p><font>4. Naquela data, a conta identificada em 1) não apresentava fundos monetários que possibilitassem o pagamento do cheque.</font> </p><p><font>5. Tal cheque foi entregue ao autor pelo referido CC.</font> </p><p><font>6. A devolução do cheque foi motivada por uma declaração emitida pelo referido CC e destinada à ré, no sentido de não pagar o mesmo por “vício na formação da vontade”.</font> </p><p><font>7. Tal declaração foi elaborada por CC.</font> </p><p><font>8. O autor não recebeu a quantia titulada pelo cheque.</font> </p><p><font>9. O cheque em causa foi entregue por CC ao autor antes de 10/06/2008.</font> </p><p><font>10. Aquando da entrega do cheque, o mesmo não estava datado.</font> </p><p><font>11. Não foi o referido CC que apôs a data que consta daquele cheque.</font> </p><p><font>12. No dia 10/06/2008, CC ordenou à ré que não procedesse ao pagamento, entre outros, do cheque em causa nos autos, mediante a declaração escrita junta a fls. 21, alegando vício na formação da vontade.</font> </p><p><font>13. A ré diligenciou pela verificação da identidade do subscritor da declaração junta a fls.21.</font> </p><p><font>14. E verificou a autenticidade da assinatura nela aposta mediante comparação.com a ficha de assinaturas constante no processo do cliente.</font> </p><p><font>15. A data constante do cheque foi aposta no mesmo pelo autor.</font> </p><p><font>16. O referido CC, em 23/02/2009 e a solicitação da ré, prestou as informações constantes do escrito de fls. 22, onde, além do mais, consta que o cheque em causa nestes autos foi “entregue ao Sr. AA...sem data este cheque foi passado porque o Sr. atrás referido me obrigou a passar, pois apresentei-lhe várias pessoas a quem emprestou dinheiro, que segundo ele ainda não recebeu. Sabia que não podia suportar tais valores, mas o beneficiário garantiu-me que nunca o depositaria ficando apenas como caução.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II.B.</font></b><font> De Direito</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>II.B.1.</font></b><font> Previamente, importa precisar o âmbito do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Está fora de questão a discussão sobre se o título em questão produz efeito como cheque, por tal já ter sido decidido favoravelmente ao A. nem a questão da ilicitude do banco ao recusar o pagamento do cheque por “revogado por justa causa, falta ou vício na formação da vontade”, que não foi controvertida já no recurso para a Relação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Subsiste apenas a questão da verificação dos demais requisitos da indemnização por responsabilidade civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Está fundamentalmente em causa a questão do nexo causal e do dano.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na decisão de 1.ª instância entendeu-se que, mesmo que se entendesse que o R. havia praticado um facto ilícito, ao aceitar o pedido de não pagamento do cheque por vício na formação da vontade, daí não resultava que ficasse constituído na obrigação de indemnizar o autor, porque não havia nexo de causalidade adequada entre o comportamento que o autor reputava de ilícito e o dano que invocava. E não havia este nexo de causalidade, porque a conta sacada não dispunha de provisão para o pagamento do cheque e o réu, nesta situação, não tinha a obrigação de pagar o cheque, razão pela qual o dano invocado pelo autor – falta de pagamento – sempre se teria produzido.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em resposta ao entendimento contrário do A, a Relação “dando-se por assente a ilicitude da conduta do réu e tendo em conta a interpretação do primeiro parágrafo do artigo 32, da LUCH feita pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2008, publicado no DR 1 Série de 4 de Abril de 2008, segundo a qual “uma instituição de credito sacada que recusa o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no artigo 29.º da LUCH, com fundamento em ordem de revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do artigo 32.º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legitimo portador do cheque nos termos previstos nos artigos 14.º, segunda parte, do Decreto n.º 13 004 e 483.º, n.º 1, do Código Civíl”, importa saber se a decisão recorrida, que negou a responsabilidade civil do autor por falta de nexo de causalidade adequada entre a sua conduta ilícita e o dano invocado pelo autor, ora recorrente, tem cobertura na lei.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Entendeu a Relação posicionar-se, relativamente ao acórdão uniformizador citado, com vista a precisar o seu sentido e alcance.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>E assim começou por afirmar que, no caso do acórdão uniformizador, só estava em discussão a ilicitude da conduta do banco, não se controvertendo os demais pressupostos de a responsabilidade civil, cuja existência era tida por assente.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi o acórdão recorrido em busca das respostas jurisprudenciais conhecidas, para os casos em que o banco aceitou indevidamente o pedido de revogação do cheque, mas em que a conta sacada não tinha, no momento da apresentação do cheque a pagamento, fundos bastantes para o pagar.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Procurando sintetizar as diversas respostas, disse-se no acórdão recorrido serem as seguintes as posições jurisprudenciais em confronto:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. A revogação ilícita do cheque constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque, ainda que, no momento da apresentação, a conta sacada não disponha de fundos para o pagamento do cheque. Neste sentido se pronunciaram o acórdão do STJ de 12.10.2010, proferido no processo n.º 2336/07.0TBPNF, e o acórdão do STJ de 10.05.2012, proferido no processo n.º 272/08. 2TVPRT, publicados no sítio </font><i><u><font>www.dgsi.pt/jstj</font></u></i><i><u><font>.</font></u></i> </p><p><font>2. A revogação ilícita do cheque constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque, salvo se, no momento da apresentação, a conta sacada não dispuser de fundos para o pagamento do cheque e o banco provar que os cheques, mesmo não sendo revogados, não seriam pagos (o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Janeiro de 2011, proferido na apelação n.º 4348/08.8TBSTS, publicado no sítio acima indicado).</font> </p><p><font>3. A revogação ilícita do cheque constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque, apesar da conta sacada não dispor de fundos para o pagamento do cheque, se o portador provar que o pagamento ser-lhe-ia efectuado na sequência da notificação ao sacador para provisionar a conta, da inclusão na listagem do Banco de Portugal ou em momento ulterior. Neste sentido é citado o acórdão do STJ de 2-02-2010, proferido no processo n.º 1614/05.8TJNF, publicado no sítio acima indicado.</font> </p><p><font>4. A revogação ilícita do cheque não constitui o banco na obrigação de pagar ao portador, a título de indemnização, o montante do cheque se, no momento da apresentação a pagamento, a conta sacada não dispuser de fundos para o pagamento do cheque. Como exemplo deste entendimento cita-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 31-01-2012 proferido na apelação n.º 120/10.3TBSJM publicado no sítio </font><font><a>http://www.trp.pt/jurisprudenciacivel/civel</a></font><font>.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>No entender da Relação, a, resposta à questão acima enunciada deveria tomar em linha de conta o que se segue, utilizando os argumentos que infra se reproduzem com pequenas alterações de redacção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em primeiro lugar, a 1.ª parte do n.º 1, do artigo 264.º do CPC, que estabelece caber ao autor alegar os factos que integram a causa de pedir;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em segundo lugar, que, nos termos da 2.ª parte do artigo 664.º do CPC, o juiz só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em terceiro lugar, que haverá que atender ao decidido no acórdão uniformizador n.º 4/2008, estabelecendo que o banco que aceitar indevidamente a ordem de revogação de cheque incorre em responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em quarto lugar, importa não desconsiderar que dois dos pressupostos necessários desta modalidade de responsabilidade são o dano e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em quinto lugar, tem presente a regra do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, que dispõe que aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Destas soluções legais resulta que o portador do cheque, cuja revogação tenha sido ilícita, tem o ónus de alegar e provar – tal como sucede com qualquer lesado que pretenda prevalecer-se da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no n.º 1 do artigo 483.º, do Código Civil – o dano que quer ver reparado e a relação de causalidade entre o facto ilícito e o dano.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O ónus de prova acabado de enunciar só não será de exigir se o portador beneficiar de presunção, dispensa ou liberação do ónus da prova ou convenção válida nesse sentido (n.º 1, do artigo 344.º, do Código Civil).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não é que se passa no caso, pois não há lei nem convenção que dispense o portador de provar o prejuízo que lhe foi causado; nem há lei nem convenção que presuma que o prejuízo sofrido, em situações como a dos autos corresponde ao montante do cheque.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Logo, alegando o portador que o prejuízo que lhe foi causado foi o não recebimento do cheque, e pedindo, em consequência, a condenação do banco no pagamento do respectivo montante, é condição de procedência da acção a prova de que não recebeu o montante do cheque e que a causa do não recebimento foi a revogação ilícita dele.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Com efeito, no acórdão uniformizador de que fomos Relator, disse-se, a dado passo:</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>“A recusa do pagamento constitui o banco sacado, desde que verificados os demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, na obrigação de indemnizar o tomador do cheque.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Como já resultou do que atrás se disse, a responsabilidade pelo não pagamento do cheque relativamente ao tomador não é contratual.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Também não colhe apoios na jurisprudência ou na doutrina a tese de responsabilidade contratual relativamente ao tomador, assente numa cessão de créditos (ao acórdão deste Tribunal, relatado no BMJ n.º 387, p. 598 foi junto um parecer subscrito pelo Prof. MOTA PINTO que defende esta posição), uma vez que a cessão como contrato não pode ser revogada unilateralmente pelo cedente, sendo inversa a regra decorrente do artigo 32.º da LUCH.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Decorre da conjugação das normas atrás citadas uma obrigação do banco sacado directamente para com o tomador, só passível de ser configurada como extracontratual (Neste sentido e apenas a título exemplificativo, vejam-se os acórdãos deste Tribunal de 05.07.01, proc. 1461/01-1.ª Secção, de 02.11.04, proc. 2968/04-1.ª Secção, de 03.02.05, proc. 4382/04-2.ª Secção, de 15.03.05, proc. 380/05-6.ª Secção, os dois primeiros insertos em Sumários e os dois últimos em </font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><i><font>)</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Valem aqui as regras gerais da responsabilidade civil, mormente os artigos 483.º, n.º 1, 562.º e 563.º do CC.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Dispõe o artigo 483.º, n.º 1, Código Civil que «[a]quele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.»</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>São pressupostos da responsabilidade extracontratual a prática de um facto voluntário do agente, ilícito (violador de um direito de outrem ou de disposição legal), a culpa, o dano e o nexo causal entre o facto ilícito culposo e o dano.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>A ilicitude pode derivar da violação de direitos alheios ou de violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios (violação de normas de protecção).</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>É nesta segunda variante da ilicitude que se pode integrar a conduta do sacado.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Por outro lado, agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do lesante merecer a reprovação ou censura do direito, E a conduta do lesante é reprovável, quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia agir de outro modo, modo esse pelo qual agiria um bom pai de família perante as mesmas circunstâncias – art. 487.º, n.º 2, do C. Civil. </font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Conforme decidido nos acórdãos deste STJ de 02.06.97, proc. 96B503 e de 7.12.05, proc. 3451/05- 6ª, o primeiro inserto em </font></i><a><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i></a><i><font> e o segundo em Sumários «o Banco sacado que aceita, sem mais, a ordem de revogação de cheque antes de findo o prazo de apresentação a pagamento, e com violação, por isso, do artigo 32.º n.º 1 da LUCH, não procede com a diligência de pessoa normal, medianamente capaz, prudente, avisada e cuidadosa, e impedindo indevidamente com a sua omissão a cobrança do cheque pelo seu legítimo portador, causando-lhe prejuízo, torna-se civilmente responsável perante o portador por tal prejuízo, na conformidade do disposto no artigo 483º do CCIV66».</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>O banco sacado comete, assim, um acto ilícito e culposo e será responsável pelos danos que, em relação de causalidade adequada, tal comportamento determine.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>A relação de causalidade adequada existe se:</font></i> </p><p><i><font>1– O facto foi «conditio sine qua non» do resultado;</font></i> </p><p><i><font>2– À luz das regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que de tal facto decorresse tal resultado de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos;</font></i> </p><p><i><font>3– O efeito tenha resultado pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Se do não pagamento do cheque decorre prejuízo, parece ser claro que se verificam as apontadas exigências para a consideração de tal relação de causalidade.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>De facto, um banco que recusa o pagamento dum cheque revogado determina que, segundo as regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, o tomador se veja privado do respectivo montante. Da revogação resulta normalmente o afastamento do pagamento voluntário por parte do sacador e é utópico presumir-se que este disponha de outros bens acessíveis que garantam solvabilidade (se a ordem de revogação visa evitar o pagamento de um cheque validamente emitido e detido pelo tomador, naturalmente que o sacador procurará evitar outras vias de cobrança, designadamente a executiva).</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Temos, então, que o banco é, em princípio, responsável pelo pagamento ao tomador de uma indemnização correspondente ao valor dos cheques ou, pelo menos, ao valor do prejuízo resultante do seu não pagamento, se se entender que o mesmo não é idêntico ao valor dos cheques não pagos.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Podia dizer-se, em contrário do supra exposto que não se verificaria o nexo causal entre o dano e o facto culposo se a conta sacada não se encontrasse provisionada quando os cheques foram apresentados a pagamento.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Porém, a ser assim, o réu teria de recusar o seu pagamento com tal fundamento, uma vez que do contrato de cheque resulta apenas para o banco a obrigação de pagar cheques regularmente emitidos e desde que a conta se encontre provisionada.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Mas, numa situação idêntica à dos autos, o banco ao aceitar ilicitamente a revogação dos cheques (uma vez que apresentado a pagamento no prazo legal) impediria que se verificasse o facto que implicava a obrigação de notificação do sacador para regularizar a situação dentro dos trinta dias referidos no art. 1.º do DL n.º 316/97 e comunicação ao Banco de Portugal, o que, na prática impediria o portador de usar um meio de pressão sobre o devedor que a lei lhe confere, sendo utópico presumir que este disponha de património que garanta solvabilidade.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>Aliás, a falta de provisão na data da apresentação a pagamento de cada um dos cheques não é equivalente a falta absoluta de provisão. Se o cheque apresentado a pagamento fosse recusado por falta de provisão, nada nos diz que o cheque não pudesse ser novamente apresentado a pagamento e obtivesse provisão.”</font></i> </p><p><font> </font> </p><p><font>Importa sublinhar que, no caso em apreço no acórdão uniformizador, ao contrário do que aqui acontece, apenas se controvertia a ilicitude, não se discutindo os demais pressupostos da responsabilidade civil.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Aqui estão, particularmente, em questão o nexo causal e o dano.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não pode manifestamente partir-se do pressuposto da ilicitude para dar como provado os demais pressupostos da responsabilidade extracontratual.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nem assentar nas características da literalidade e abstração do título cambiário, para impor a condenação do Réu. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Ao considerar infundada e ilegítima a recusa de pagamento do cheque já teve que se afastar a literalidade e a abstracção do título, as quais implicariam ter o banco fundamento para recusar o pagamento do cheque, atenta a declaração nele aposta pelos serviços do Banco de Portugal de que o mesmo fora devolvido em 28.01.2009, com o fundamento de “revogado por justa causa, falta ou vício na formação da vontade”.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Terá o Autor que alegar e provar os pressupostos da responsabilidade extracontratual do Banco, designadamente que o prejuízo que lhe foi causado foi o não recebimento do cheque e que a causa do não recebimento foi a revogação ilícita dele.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>O autor alegou e provou que não recebeu a quantia titulada pelo cheque.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não provou, no entanto, que a causa do não recebimento tenha sido a conduta ilícita do réu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Em termos de matéria controvertida, perguntava-se no quesito n.º 5 “se o facto de o réu ter acatado a instrução contida na declaração a que se alude em 3)” – ou seja o pedido do sacador dirigido ao réu para não pagar o cheque com a alegação de “vício na formação da vontade” – “impediu o autor de receber a quantia titulada no cheque”. E no quesito n.º 6 perguntava-se se o autor se viu privado desde 28 de Janeiro de 2009 de fruir livremente aquela quantia.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Disse-se no acórdão recorrido:</font> </p><p><font> </font> </p><p><i><font>“É incontroverso que estas duas alegações de facto estavam relacionadas com a questão do nexo de causalidade entre a conduta do banco e o não recebimento do montante do cheque por parte do autor.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>A questão formulada sob o ponto n.º 6 reforçava, de alguma forma, a questão sobre o nexo de causalidade que estava formulada sob o ponto n.º 5. Com efeito, perguntando-se naquele ponto [n.º 6] se o autor via-se privado desde 28 de Janeiro de 2009 de fruir livremente aquela quantia e sabendo-se que o cheque foi devolvido no serviço de compensação do Banco de Portugal precisamente em 28 de Janeiro de 2009, também no n.º 6 se pretendia saber se a causa da não fruição do montante do cheque, logo em 28 de Janeiro, havia sido a conduta ilícita do banco.</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><i><font>O tribunal a quo deu uma única resposta às duas questões – resposta essa mantida em sede de recurso –, declarando provado apenas que “o autor não recebeu a quantia titulada pelo cheque”. A resposta restritiva significou inequivocamente que nem se julgou provada a relação de causalidade entre a conduta ilícita do réu e o não recebimento do montante nem se julgou provado que a causa da não fruição do montante do cheque a partir de 28 de Janeiro de 2009 tenha sido o facto de o réu ter acatado ilicitamente o pedido de revogação do cheque.”</font></i> </p><p><i><font> </font></i> </p><p><font>Não há fundamento para controverter que o nexo causal ficou claram
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Revista nº 297/08.8TBPVL.G1.S1</font></b><a><b><u><sup><font>[1]</font></sup></u></b></a><div><br> <b><font> </font></b> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>I – RELATÓRIO</font></b></p></div><br> <b><font> </font></b> <p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>AA,</font></b><font> residente no Lugar ..., ..., Póvoa de Lanhoso, intentou acção de impugnação de paternidade contra </font><b><font>BB, CC, </font></b><font>residentes no Lugar ..., </font><b><font>DD, EE, </font></b><font>residentes no Lugar da ...,</font><b><font> </font></b><font>e </font><b><font>FF, </font></b><font>residente no Lugar ..., todos da freguesia de ..., pedindo que sejam os réus CC, DD, EE e FF considerados como sendo filhos apenas da ré BB, rectificando-se os respectivos assentos de nascimento em conformidade.</font> </p><p><font>Alega para tanto, e em síntese, haver contraído casamento católico com a ré BB em 9/01/57, já dissolvido por divórcio decretado em 14/01/99, e aqueles réus estarem registados como filhos do autor apenas por força da presunção legal decorrente de haverem nascido na constância do casamento.</font> </p><p><font>O autor esteve emigrado em França entre os anos de 1966 e 1985, vinha a Portugal pelas festas natalícias, desde os nascimentos daqueles viu-se confrontado com dúvidas sobre a sua paternidade, e só agora tem como certo que a ré BB não lhe era fiel pois mantinha trato sexual com outros homens e que aqueles réus não são seus filhos, o que desde sempre vem correndo na sua freguesia.</font> </p><p><font>Só a ré BB contestou, excepcionando a caducidade do direito de acção do autor, invocando o abuso de direito, e impugnando os factos alegados tendentes a afastar a paternidade do autor, alegando constituir a acção uma infeliz manobra para vedar o acesso daqueles filhos à herança a que têm direito.</font> </p><p><font>Na réplica, o autor sustentou a improcedência da invocada excepção de caducidade, aduzindo a inconstitucionalidade do prazo estabelecido no art. 1842º, nº 1, al. a) do Código Civil, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo progenitor e, consequentemente, violador dos artigos 18º, nº 2, 25º e 26º, nº1 da CRP.</font> </p><p><font>Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador-sentença que julgou procedente aquela excepção peremptória e, em consequência, declarou extinto, por caducidade, o direito do autor., absolvendo os réus do pedido. </font> </p><p><font>Recorreu o autor, mas sem êxito, uma vez que a Relação no seu Acórdão de fls. 134 a 141, após suprir a nulidade em que se mostrava incursa a decisão recorrida por total omissão de especificação dos fundamentos de facto, negou provimento à apelação e confirmou, por unanimidade, a sentença ali recorrida.</font> </p><p><font>Continuando inconformado, o autor trouxe a este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional. </font> </p><p><font>Apresentados os autos aos Juízes que constituem o Colectivo a que se refere o n.º 3 do artigo 721-A do Código de Processo Civil, foi decidido não admitir a revista excepcional por inexistência da dupla conforme, uma vez que tendo a Relação declarado nula a sentença da 1ª instância não há “dupla”, tudo se passando como sendo a decisão da Relação a primeira, ordenando-se a remessa dos autos à distribuição, na sequência do que veio a ser o recurso recebido como revista normal.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Nas alegações que apresentou, o autor tira as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>1ª - O artigo 1842°, n° 1, alínea a) do C. Civil, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior àquela que lhe foi dada pela Lei n° 14/09, de 1 de Abril, é inconstitucional.</font> </p><p><font>2ª - Tal juízo de inconstitucionalidade, advém do facto de o prazo aí previsto ser limitador da possibilidade de impugnação a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, violando direitos fundamentais da pessoa, como "o direito fundamental à identidade pessoal", o "direito fundamental à integridade pessoal" e o "direito ao desenvolvimento da personalidade", previstos nos artigos 18°, 2, 25° e 26°, 1 da C.R.P..</font> </p><p><font>3ª - Sendo, como é, inconstitucional aquele preceito legal - na medida em que estabelece o prazo nele previsto -, não se verifica a excepção de caducidade, como foi decidido.</font> </p><p><font>4ª - Deve, assim, revogar-se a douta decisão em recurso, ordenando - se o prosseguimento dos demais termos do processo até final.</font> </p><p><font>5ª - A decisão impugnada, violou, ou fez inadequada interpretação, entre outras disposições legais, dos artigos 1842°, 1, a) do C. Civil; 18°,2, 25° e 26°, 1 , da CRP..</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font> </p><p><font>Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.</font></p><div><br> <font>ª</font></div><br> <font>As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil – doravante CPC) – consubstanciam uma única questão: saber se o artigo 1842°, n° 1, alínea a) do Código Civil, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior àquela que lhe foi dada pela Lei n° 14/09, de 1/04, é inconstitucional.</font> <p><font> </font></p><div><br> <font>ª</font></div><br> <font> </font><div><br> <b><font>I I – FUNDAMENTAÇÃO</font></b></div><br> <font> </font> <p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; DE FACTO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b><font>Vem exposta a seguinte matéria de facto:</font> </p><p><font>1º- O autor, AA, e a ré BB, contraíram, reciprocamente, casamento católico no dia 9 de Janeiro de 1957;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>2º- Este casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença proferida em 14 de Janeiro de 1999, já transitada em julgado. </font> </p><p><font>3º- Foram registados como filhos do autor e da ré BB, os réus:</font> </p><p><font>- CC, nascida em …/…./19…; </font> </p><p><font>- DD, nascido em …/…/19…;</font> </p><p><font>- EE, nascido em …/…/19…;</font> </p><p><font>- FF, nascido em …/…/19….</font> </p><p><font>4º- O autor alegou, para além do mais, na petição inicial </font> </p><p><font>- que “ a R. CC não é filha do autor, facto que em surdina corria na aldeia, mas que ele nunca quis acreditar” (artigo 11º); </font> </p><p><font>- que, desde praticamente o nascimento dos demais réus “se viu confrontado com a dúvida sobre a paternidade, visto que o período da concepção não coincidia com as suas vindas a Portugal” ( artigo 14); </font> </p><p><font>- “ só agora o autor, com 79 anos de idade, conseguiu racionalizar e assumir aquilo que na sua freguesia vem correndo desde sempre sobre a sua não paternidade destes filhos” (artigo 16º); </font> </p><p><font>- “ altura houve, quando do seu divórcio, que o A. relativamente a alguns dos réus equacionou impugnar a paternidade, no que foi informado, então, da não possibilidade decorrente de o prazo poder ter decorrido (artigo 20º) </font> </p><p><font>- e que “&nbsp; o Supremo Tribunal de Justiça, em recentes acórdãos, julgou inconstitucional o prazo do artigo 1842º, nº1, al. a) do Código Civil, na medida em que limita a possibilidade de impugnação, a&nbsp; todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade”, “daí a tempestividade da presente acção” ( artigos 24º e 25º).&nbsp; </font> </p><p><font>5º- A presente acção foi proposta em 30 de Maio de 2008.</font></p><div><br> <font>ª</font></div><br> <font> </font> <p><b><font>DE DIREITO</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><u><font>Se o artigo 1842°, n° 1, alínea a) do Código Civil, quer na redacção anterior, quer na redacção posterior àquela que lhe foi dada pela Lei n° 14/09, de 1/04, é inconstitucional</font></u> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>À data da instauração da presente acção o prazo estabelecido no citado artigo 1842°, n° 1, al. a) do Código Civil (CC por diante) para a acção de impugnação de paternidade poder ser intentada pelo marido, era de dois anos desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, e o legislador, pela Lei nº 14/09, de 1/04, reformulou a redacção da mesma alínea alterando o prazo de caducidade para três anos.</font> </p><p><font>A questão da inconstitucionalidade da norma de direito transitório constante do artigo 3º da Lei nº 14/09, de 1 de Abril, por violação do nº 3 do artigo 18º da Constituição, mostra-se ultrapassada e definitivamente resolvida nos autos com o reconhecimento no acórdão recorrido dessa mesma inconstitucionalidade, aderindo à fundamentação e corroborando o juízo de inconstitucionalidade formulado pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 164/2011</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, de 24/03/11, sem prejuízo de se entender que para a solução do presente litígio a mesma se apresenta totalmente irrelevante, que o prazo de caducidade seja de dois anos ou de três anos, pois que a questão nuclear que verdadeiramente se coloca é a de saber se a norma do art. 1842°, n° 1, al. a) do CC, na medida em que limita a possibilidade de impugnação a todo o tempo pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é inconstitucional.</font> </p><p><font>Não é nova tal questão e não tem colhido unanimidade de respostas na jurisprudência, dissentimento particularmente relevante no referente às orientações perfilhadas neste Supremo Tribunal, onde tem imperado a harmonia, e no Tribunal Constitucional.</font> </p><p><font>O Supremo Tribunal de Justiça teve oportunidade de se pronunciar por diversas vezes sobre esta questão, sempre considerando inconstitucional a norma em causa por limitar a possibilidade do progenitor e marido da mãe propor, a todo o tempo, acção de impugnação da paternidade, desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que não era pai biológico, por violação do direito à tutela judicial efectiva e bem assim do preceituado pelos arts. 26.º, n.º 1, 36.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da CRP. </font> </p><p><font>Por sua vez, o Tribunal Constitucional, particularmente nos seus acórdãos mais recentes, vem decidindo no sentido da não inconstitucionalidade.</font> </p><p><font>Na verdade, desde o Acórdão deste Supremo Tribunal de 31/01/07, na Revista nº 06A4303</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, se diz que o respeito pela verdade biológica sugere a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do de impugnar, e que a previsão de um prazo com os fins típicos e abstractos da defesa e segurança tornou-se pouco convincente nestas matérias. É o que decorre do seguinte passo da fundamentação, sempre recordado pela jurisprudência ulterior sobre o tema: “</font><i><font>Com efeito, o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito fundamental à integridade pessoal” ganhando uma dimensão mais nítida, como, ainda, “o direito ao desenvolvimento da personalidade”, leva, em si, a que não se coloquem desproporcionadas restrições aos direitos fundamentais consubstanciado na aludida identidade pessoal e ao desenvolvimento da personalidade, pelo que as razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do mencionado art. 1817º nº 1 do C.C. estão, outrossim para a disposição contida no art. 1842º nº 1 al. a) do mesmo Código.</font></i> </p><p><i><font>Na verdade, não pode atribuir-se o relevo antigo á ideia de insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade.</font></i><font>”.</font> </p><p><font>No acórdão recorrido, todavia, concluiu-se pela não inconstitucionalidade, indo fundamentalmente buscar arrimo nas recentes decisões do Tribunal Constitucional, particularmente nos seus Acórdãos nºs 589/2007 de 28/11/2007, 179/2010 de 12/05/10, 446/2010 de 23/11/10 e nº 39/2011, de 25/01/2011</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Os contributos argumentativos de um e doutro lado neste debate aparentam estar sedimentados, razão pela qual passaremos a acompanhar de muito perto, com a devida vénia, o teor do Acórdão desta Secção de 25/03/10, na Revista nº 144/07.8TBFVN.C1.S1, com relato do Cons. Hélder Roque, que aborda a temática de forma exaustiva e proficiente, o que nos dispensa de aqui tecer outras lucubrações, porventura de contributo irrelevante, e nos põe a coberto do risco de nos tornarmos fastidiosos.</font> </p><p><font>Assim, no âmbito da acção de investigação de paternidade, foi declarada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 23/06, de 10/01/06, publicado no DR, Iª série-A, de 28/02/06, a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 1817º, nº 1, do CC, que prevê a extinção, por caducidade, do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, em conformidade com o disposto pelo artigo 26º, nº 1, reconhecendo que o direito do filho ao apuramento da paternidade biológica é uma dimensão do “</font><i><font>direito fundamental à identidade pessoal</font></i><font>”, na vertente de se saber de onde se vem, ou de quem se vem, a que se reportam os artigos 25º, nº 1 e 26º, nº 1, da Constituição da República, que não seria, devidamente, acautelado se a acção que o concretiza estivesse sujeita ao dito prazo de caducidade. &nbsp;</font> </p><p><font>Coloca-se, então, a questão de saber se esta doutrina é aplicável, com base no princípio ou argumento do paralelismo ou da identidade de razão, por interpretação extensiva, às acções de impugnação de paternidade, que o artigo 1842º, nº 1, als. a), b) e c), do CC, sujeita a prazos distintos de caducidade, consoante sejam propostas pelo marido, pela mãe, ou pelo filho, respectivamente.</font> </p><p><font>A este respeito, no citado Acórdão desta Secção de 25/03/10, afirmou-se o seguinte</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>: </font> </p><p><font>“</font><i><font>A propósito da hipótese concreta de a acção de impugnação de paternidade ser movida pelo filho maior ou emancipado, foi decidido, neste particular, pelo Tribunal Constitucional, que “as razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do mencionado artigo 1817º, nº 1, do Código Civil estão outrossim para a disposição contida no artigo 1842º nº 1, alínea c) do mesmo Código, não se antevendo que o mencionado prazo de caducidade se justifique, quer dizer, que seja necessário e proporcional face aos valores que estão em causa, sempre que uma questão de filiação é colocada e que se afaste a possibilidade do direito ser conforme à realidade em homenagem a essas restrições”.</font></i> </p><p><i><font>Nesta decisão, o direito constitucional que se procurou salvaguardar foi, por isso, também, o direito à identidade, mas sem distinguir entre as situações de investigação e as de impugnação, ou seja, como aí se refere, «sempre que uma questão de filiação é colocada»” </font></i><a><u><sup><font>[6]</font></sup></u></a><i><font>, sendo certo, outrossim, que a limitação temporal não encontra grande apoio na natureza, predominantemente, moral e pessoal, do estado civil, com larga repercussão de interesse geral.</font></i> </p><p><i><font>Relativamente à hipótese paralela da acção de impugnação de paternidade, intentada pelo marido da mãe, decidiu, por seu turno, o Tribunal Constitucional, que “há inevitavelmente uma diferença de grau entre a investigação da paternidade, em que patentemente está em causa o direito à identidade pessoal do investigante (e relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores), e a impugnação da paternidade, em que releva a definição do estatuto jurídico do investigante em relação a um vínculo de filiação que lhe é atribuído por presunção legal”, acrescentando-se que “...não estará aqui em causa um direito à identidade pessoal, entendida no sentido há pouco explanado do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores (que tem apenas relevo para a acção de investigação da paternidade), mas o direito ao desenvolvimento da personalidade na dimensão de um direito de auto-conformação da identidade que não poderá deixar de ser reconhecido em relação ao presumido pai...”.</font></i> </p><p><i><font>Seria, pois, como que se o direito à identidade do filho, apesar de questionado na acção, não fosse o seu objecto directo ou imediato, porquanto o processo destinar-se-ia, sobretudo, a fazer prevalecer o direito à auto-conformação da identidade do pai.</font></i> </p><p><i><font>Por outro lado, diz-se, igualmente, nesta decisão, que se justificaria uma restrição à verdade biológica, que deixaria de assumir um «valor absoluto», em detrimento de outros princípios, tais como o da protecção da família conjugal, e ainda que não esteja em causa o direito à identidade do filho, justificar-se-iam os limites a esse direito, na acção de impugnação, com a prevalência de determinados outros valores</font></i><a><u><sup><font>[7]</font></sup></u></a><font>.”</font> </p><p><font>Isto é, a conclusão a retirar deste último acórdão em análise é que na investigação de paternidade está em causa o direito à identidade pessoal do investigante, relativamente ao qual a imposição de um limite temporal pode implicar a violação do direito ao conhecimento da identidade dos progenitores. Porém, uma vez estabelecida uma paternidade por presunção legal, já não será tão relevante saber da sua correspondência com a realidade biológica. E isto em nome de valores como a segurança das relações familiares.</font> </p><p><font>Escreveu-se ainda nesse acórdão de 25/03/10:</font> </p><p><font>&nbsp;“</font><i><font>De todo o modo, importa indagar se as razões aduzidas para a declaração de inconstitucionalidade do prazo de caducidade, reportada, unicamente, à modalidade da acção de impugnação de paternidade proposta pelo filho maior ou emancipado, devem valer, igualmente, para o caso de o autor da impugnação da paternidade ser o pai.</font></i> </p><p><i><font>É que, também, agora, para além do autor defender um direito próprio à verdade biológica, em matéria de paternidade, e pretender esclarecer a sua posição social e jurídica, quer em relação ao filho presumido, quer em relação ao agregado familiar, quer ainda ao meio social em que se insere, está, igualmente, a garantir o direito à identidade do presumido filho, em especial, tratando-se de menor, apesar deste assumir a posição processual de réu, sendo, portanto, uma questão de filiação.</font></i> </p><p><font>(...) </font><i><font>Na acção de impugnação de paternidade, é, sempre, o direito à identidade da filiação, o direito a ter um pai, que está em causa, embora repartido pelo direito de o pai presumido ilidir a presunção de paternidade que sobre ele incide, enquanto duas faces opostas de uma mesma realidade.</font></i> </p><p><i><font>E, nem se diga, em sentido contrário, em nome da defesa de valores como a da segurança das relações familiares que, uma vez estabelecida uma paternidade, por presunção legal, já não é assim tão relevante saber da sua correspondência com a realidade biológica, como se à tranquilidade da boa consciência apenas interessasse a paternidade, independentemente da fonte de onde a mesma provenha.</font></i> </p><p><i><font>Nem, por outro lado, se afirme, como argumento adverso, que a caducidade da acção de impugnação proposta pelo pai não impede que o filho venha, mais tarde, a instaurar a sua própria acção de impugnação, agora sem qualquer prazo de caducidade a limitá-lo.</font></i> </p><p><i><font>É que este não pode constituir um argumento decisivo, devendo antes funcionar em favor da tese da imprescritibilidade, porquanto se o filho pode impugnar a paternidade, sem limitação de prazo, também, a impugnação do presumido progenitor pode sempre ser intentada, sob pena de inaceitável discriminação de um dos elos da relação jurídico-filial.</font></i> </p><p><i><font>Efectivamente, as razões de segurança jurídica, fundadas na paz social que advém dum quadro jurídico-familar estabilizado, mesmo não correspondendo à verdade biológica, deixam de fazer sentido perante o devir social.</font></i> </p><p><i><font>Numa altura em que a sorte da relação jurídica de paternidade se joga na certeza da prova científica, e em que os testes de ADN são um instrumento privilegiado para alcançar esse fim, fora do sortilégio da prova testemunhal, constituiria fonte de incompreensão e de surpresa social que aquela prova ficasse prisioneira da prova por presunção, alcançada num contexto em que a realidade nada tem a ver com a verdade sociológica que está subjacente à presunção de paternidade que decorre do estipulado pelo artigo 1826º, nº 1, do CC.</font></i> </p><p><i><font>Veja-se a situação inquietante em que o marido, sujeito a um acto de infidelidade da esposa, gerador de um filho, abdica de impugnar a paternidade deste, preferindo a defesa do casamento e da estabilidade familiar futura, mas é surpreendido por um novo adultério, anos depois, que o determina, então, a impugnar aquela paternidade.</font></i> </p><p><i><font>Trata-se de uma nova ética, mas que, no fundo, se reconduz à ética primordial do primado da família ou da comunidade natural, que sobreleva o escândalo de uma situação familiar com, porventura, dezenas de anos, poder vir a ser abalada, por uma acção de impugnação tardia, quando os interessados na destruição da paternidade presumida entendam não dever continuar a manter a discrepância entre a paternidade presumida e a realidade biológica, devendo, então, “a perempção ceder perante alterações excepcionais e graves da vida familiar que tornem injusta e inútil a subsistência do vínculo” </font></i><a><u><sup><font>[8]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>É que a permanência de um vínculo que o impugnante não quer pode trazer mais inconvenientes do que vantagens para o filho, em virtude da presença de um pai contrafeito e da impossibilidade de investigar a paternidade verdadeira</font></i><a><u><sup><font>[9]</font></sup></u></a><i><font> (12), prejudicando o marido a quem a mulher foi infiel e o próprio filho, que fica com um pai que impugnou a paternidade</font></i><a><u><sup><font>[10]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>Com efeito, os desenvolvimentos da genética vêm acentuado a importância dos vínculos biológicos e do seu determinismo, tendo o “direito fundamental à identidade pessoal” e o “direito fundamental à integridade pessoal” adquirido uma dimensão mais nítida, associados ao “direito ao desenvolvimento da personalidade”, introduzido pelo artigo 26º, nº 1, da CRP, oriundo da revisão constitucional de 1997, consubstanciando-se num direito de conformação da própria vida, num direito de liberdade geral de acção, cujas restrições têm de ser, constitucionalmente, justificadas, necessárias e proporcionais</font></i><a><u><sup><font>[11]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>É, por isso, que, valendo o direito ao livre desenvolvimento da personalidade</font></i><a><u><sup><font>[12]</font></sup></u></a><i><font>, quer para o pretenso filho, como para o suposto progenitor, aquele princípio constitucional significa que para o primeiro o exercício do direito de investigar é indispensável para determinar as suas origens, a sua família e a sua “localização” no sistema de parentesco</font></i><a><u><sup><font>[13]</font></sup></u></a><i><font>, enquanto que para o pai se traduz no direito de ilidir a presunção de paternidade atentatória da verdade biológica que se impunha afastar.</font></i> </p><p><i><font>De facto, os tempos correm a favor da imprescritibilidade das acções de filiação, por imperativo da verdade biológica, não tendo sentido, hoje, acentuar o argumento do enfraquecimento das provas, nem da insegurança prolongada, porque este prejuízo tem de ser confrontado com o mérito do interesse e do direito de impugnar a paternidade, a todo o tempo, ele próprio tributário da tutela dos direitos fundamentais à identidade e ao desenvolvimento da personalidade</font></i><a><u><sup><font>[14]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>Efectivamente, os prazos de caducidade nas acções de estabelecimento de filiação estão em crise ou tornaram-se menos sedutores, sobretudo quando a caducidade não visa proteger uma realidade com consistência familiar efectiva, um vínculo de filiação “social” que desempenhe as suas funções, um vínculo que se exprima por «posse de estado», apesar de lhe faltar o fundamento biológico, tornando-se a previsão de um prazo com os fins típicos e abstractos da defesa e segurança, pouco convincente nestas matérias </font></i><a><u><sup><font>[15]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>Deste modo, o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere, claramente, a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do direito de impugnar.</font></i> </p><p><i><font>Enquanto a ordem jurídica nacional continuar a ser de matriz, essencialmente, biologista, é espectável que o direito de pesquisar a verdade não caduque, devendo o Direito da Filiação adequar-se à verdade biológica, por, apesar de tudo, ser ainda a “mais verdadeira”</font></i><a><u><sup><font>[16]</font></sup></u></a><i><font>, ou, então, dito de outro modo, a menos imprevisível, que busca a coincidência entre o Direito e as realidades do sangue, em vez de procurar garantir o estatuto de filho “legítimo” e um certo entendimento da “paz das famílias”.</font></i> </p><p><i><font>Esta é a solução que está de acordo com a tendência moderna e dominante, embora não pacífica, em direito comparado, de sobrepor às exigências da segurança jurídica, da eficácia das provas e da estabilidade das situações familiares adquiridas aquele interesse público da procura da verdade biológica, quando, não obstante a subsistência jurídica da família conjugal e do vínculo da paternidade, o estado civil do filho não tem correspondência social, familiar e afectiva</font></i><a><u><sup><font>[17]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>Assim sendo, as razões que estiveram na origem da declaração da inconstitucionalidade do artigo 1817º, nº 1, estão, outrossim, presentes na disposição contida no artigo 1842º, nº 1, a), ambos do CC.</font></i> </p><p><i><font>Ora, não se antevê que o mencionado prazo de caducidade se justifique, seja necessário e proporcional, face aos valores que estão em causa, sempre que uma questão de filiação é colocada, e que se afaste a possibilidade do direito ser conforme à realidade, em homenagem a essas restrições.</font></i> </p><p><i><font>O prazo para o exercício do direito de impugnação traduz mais uma hora de reflexão para a opção a tomar pelo interessado do que o tempo de preparação da prova para lograr em juízo o triunfo da verdade</font></i><a><u><sup><font>[18]</font></sup></u></a><i><font>.</font></i> </p><p><i><font>A valorização dos direitos fundamentais da pessoa, tais como o de saber quem é e de onde vem, na vertente da ascendência genética, e a inerente força redutora da verdade biológica, prevalecem sobre a ideia da existência de prazos de caducidade nas acções de estabelecimento da filiação.</font></i> </p><p><font>(...) </font><i><font>O único interesse que poderia invocar-se em contraponto ao direito fundamental do marido da mãe em determinar, juridicamente, a verdadeira paternidade biológica da menor CC, seria o da «harmonia e estabilidade da vida e da família conjugal», se o mesmo, porém, devesse prevalecer, face ao princípio da proporcionalidade, pois que tais limitações específicas ao direito de agir contra os supostos filhos de progenitores casados, ao tempo do nascimento ou apenas no momento do seu reconhecimento, não se traduzem em efeitos discriminatórios, constitucionalmente, vedados.</font></i> </p><p><i><font>Efectivamente, as desvantagens que advêm para a menor da perda da possibilidade de vir a ter a paternidade fundada em presunção legal são menores e, claramente, proporcionadas, perante os benefícios resultantes para o autor de uma paternidade assente na correspondência com a verdade biológica, estabelecida e, devidamente, registada, em relação à menor, mas que depende, impreterivelmente, do afastamento daquela presunção legal que, uma vez removida, permitirá a fixação de outra, desta vez, biológica, e não já por presunção.</font></i> </p><p><i><font>Caso procedesse a caducidade do direito de impugnação, por parte do marido da mãe, cercear-se-ia, em definitivo, o direito fundamental do autor à identidade pessoal e, correlativamente, do filho a ver reconhecida a paternidade biológica.</font></i> </p><p><i><font>Aliás, face à pluralidade das pessoas a quem a lei hoje confere legitimidade para impugnar a paternidade presumida e à diversidade de prazos dos vários titulares da legitimidade activa para o efeito, isto é, três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, para o marido da mãe, dentro dos três anos posteriores ao nascimento, para a mãe, e até 10 anos depois de haver atingido a maioridade ou de ter sido emancipado, ou, posteriormente, dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe, para o filho, por força do disposto pelo artigo 1842º, nº 1, a), b) e c), do CC, a opção pela paternidade presuntiva não poderá ter-se como consolidada antes de terem caducado todos os direitos de impugnação atribuídos aos seus diferentes titulares.</font></i> </p><p><i><font>E, a aceitar-se, tão-só, a inconstitucionalidade do prazo de caducidade da acção de impugnação de paternidade, por parte do filho, então, jamais se perfeccionaria a opção pela paternidade presuntiva.</font></i> </p><p><i><font>Escoam-se, assim, com o devido respeito, os argumentos que ainda pretendem sustentar a constitucionalidade do prazo de impugnação da paternidade presumida nas acções intentadas pelo marido da mãe.</font></i> </p><p><i><font>Conclui-se, pois, que a norma prevista no artigo 1842º, n.º 1, a), do CC, na dimensão interpretativa explicitada, é inconstitucional, por violação do direito à tutela judicial efectiva, na parte em que prevê o prazo de três anos para o marido da mãe intentar a acção de impugnação da paternidade, desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se que não era o pai biológico, e bem assim como do estipulado pelos artigos 26º, nº 1, 36º, nº 1, e 18º, nº 2, da CRP.</font></i> </p><p><i><font>Logo, o prazo do artigo 1842º, nº 1, a), do CC, na medida em que é limitador da possibilidade de o presumido progenitor impugnar, a todo o tempo, a sua paternidade, constituindo uma salvaguarda desproporcional dos valores de certeza e segurança jurídica que visam evitar a manutenção de uma situação de pendência ou dúvida acerca da filiação, por períodos, excessivamente, longos, face à defesa do direito constitucional à identidade, consagrado pelo artigo 26º, nº 1, da CRP, é inconstitucional, razão pela qual não ocorre a caducidade da acção</font></i><a><u><sup><font>[19]</font></sup></u></a><i><font>. </font></i><font>“.</font> </p><p><font>É a esta orientação jurisprudencial a que inteiramente se adere, perfilhada igualmente nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7/07/09, Proc. nº 1124/05.3TBLGS.S1, 31/01/07 e 21/02/08 já citados, e que aqui aplicável conduz à revogação do decidido no acórdão recorrido.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>E acrescentamos, em paralelo à impressiva afirmação feita no Acórdão do STJ, de 3/07/08, Proc. nº 07B3451, que igualmente a procura da identidade pessoal passa não apenas pelo reconhecimento do pai que é, mas também pela eliminação de uma paternidade que não é.</font> </p><p><font>Julgamos, assim, que o respeito puro e simples pela verdade biológica sugere claramente a imprescritibilidade não só do direito de investigar como do de impugnar. </font> </p><p><font>O prazo previsto no art. 1842º, nº 1, alínea a), do CC, mesmo na actual redacção, na medida em que é limitador da possibilidade de impugnação, a todo o tempo, pelo presumido progenitor, da sua paternidade, é inconstitucional.</font> </p><p><font>Assim, não se verifica a caducidade da acção. Pelas razões expostas, deve
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <b><u><font>Relatório</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, </font><br> <b><u><font>AA SRL,</font></u></b><br> <font>intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário contra</font><br> <b><u><font>Banco BB, SA – Sociedade Aberta</font></u></b><b><font>,</font></b><br> <font>peticionando a condenação do R. a pagar-lhe a quantia global de 31.272,50 €, acrescida dos juros moratórios vincendos.</font><br> <font>Alegou em fundamentação que:</font><br> <font>-é legítima portadora de 7 cheques, que identificou, no montante global de € 28.075,00, sacados pela sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta de que a mesma é titular no Banco Réu;</font><br> <font>-tais cheques foram entregues pela referida sociedade à Autora, para pagamento de mercadorias que esta última lhe vendeu e entregou;</font><br> <font>-os ajuizados cheques são cheques cruzados, sendo que, da respectiva análise, resulta que deles não consta qualquer rasura, ou alteração do nome ou demais dados;</font><br> <font>-tendo sido apresentados a pagamento dentro do respectivo prazo legal, os cheques em questão foram devolvidos, sem serem pagos, com a indicação de «extravio», em virtude de a sociedade sacadora ter solicitado ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento dos mesmos «por motivo de extravio»; </font><br> <font>-o Banco Réu aceitou essas solicitações de não pagamento sem apurar qualquer circunstância relativamente aos invocados «extravios», sendo certo que essas informações de extravio são falsas;</font><br> <font>-era hábito da sociedade «BB, Ld.ª» revogar cheques, o que o Banco Réu aceitava com regularidade; </font><br> <font>-em consequência da devolução, sem serem pagos, dos 7 mencionados cheques, a Autora, até à data, não recebeu as quantias por eles tituladas, sendo que a dívida da sociedade «BB, Ld.ª» para com a Autora, emergente da referida compra e venda de mercadorias, cifra-se, nesta altura, em € 34.527,98 (inclui os juros já vencidos que quantificou);</font><br> <font>-na sequência da devolução dos aludidos cheques, suportou despesas bancárias no quantitativo de € 190,00.</font><div><font>*</font></div><font>Na sua tese, o Banco Réu não actuou com a diligência, o cuidado e o zelo de um bom pai de família, tendo aceitado, sem mais, as ordens de revogação por parte da sacadora dos cheques em questão, que eram ilícitas, assim infringindo as disposições legais referentes à circulação dos cheques como meio de pagamento, nomeadamente, o disposto no artº 32° da LUC (Lei Uniforme Sobre Cheques), o que a faz incorrer em responsabilidade civil por factos ilícitos e na correspondente obrigação de a indemnizar pelos danos que sofreu, correspondentes aos valores daqueles 7 cheques e ao montante das despesas bancárias que suportou na sequência da devolução dos cheques.</font><div><font>*</font></div><font>2. Citado, o Banco Réu contestou, invocando, desde logo, a excepção peremptória da prescrição do alegado direito de crédito da Autora, sobre o Banco Réu, em relação ao cheque n° ..., sob o pretexto de que, «desde a data da devolução» do mesmo «e a data de interposição» desta acção «decorreram mais do que os 3 anos» a que alude o art. 498°, n° 1, do Cód. Civil.</font><br> <font>Paralelamente, o Banco Réu impugnou a factualidade articulada pela Autora na petição inicial, afirmando que recusou o pagamento dos cheques em questão por indicação da entidade sacadora de que se teriam extraviado, conduta que, na sua tese, não infringe as suas obrigações legais, mormente o preceituado no art. 32° da LUC, tendo-se limitado a cumprir as instruções que havia recebido da sua cliente. </font><br> <font>Aduziu, ainda, que, alicerçando a Autora o seu pedido na alegada responsabilidade civil extracontratual do Banco Réu «pelo não pagamento dos cheques», a verdade é que «os direitos da Autora» em relação aos cheques n°s ..., ... e ... «não poderiam ser exercidos», na medida em que os mesmos «foram apresentados a pagamento» «para além do prazo vertido no primeiro parágrafo do artº 29° da LUC», sendo certo que «um dos pressupostos factuais da aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 4/2008 é o facto de o cheque em causa ter sido apresentado dentro do prazo de pagamento».</font><br> <font>Referiu, igualmente, que, ainda que não tivesse acatado as ordens da sua cliente, «o certo é que o pagamento dos cheques em questão não teria ocorrido», porquanto, nas datas das respectivas apresentações a pagamento, «a conta sacada não se encontrava devidamente provisionada para o efeito», inexistindo, assim, «nexo de causalidade entre o acto de não pagamento», da sua parte, e «o prejuízo alegado pela Autora».</font><br> <font>Terminou, pugnando pela improcedência da acção e sua consequente absolvição do pedido.</font><div><font>*</font></div><font>Ao mesmo tempo, na sua contestação, o Banco Réu, prevenindo a hipótese da sua condenação, com base no direito de regresso contra a sacadora dos cheques, a sociedade «BB, Ld.ª», requereu a intervenção acessória provocada desta última.</font><div><font>*</font></div><font>Admitido o incidente de intervenção deduzido pelo Banco Réu, foi ordenada a citação da chamada «BB, Ld.ª», a qual, porém, não contestou.</font><div><font>*</font></div><font>A Autora replicou, rebatendo a matéria exceptiva alegada pelo Banco Réu e concluindo nos mesmos moldes que já havia feito na petição inicial.</font><div><font>*</font></div><font>Elaborou-se despacho saneador, enunciou-se a matéria de facto considerada como assente e organizou-se a base instrutória, sem que tenha havido qualquer reclamação.</font><div><font>*</font></div><font>Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida decisão sobre a matéria de facto a ela submetida.</font><div><font>*</font></div><font>Seguidamente, foi proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu «Banco BB, S.A. - Sociedade Aberta» a pagar à Autora «AA SRL» a quantia global de € 14.902,00, adicionada de juros de mora, à taxa anual de 4%, incidentes sobre o montante de cada um dos cheques mencionados em II., als. b), e), f) e g), contados desde cada uma das datas da recusa do respectivo pagamento".&nbsp; </font><div><font>*</font></div><font>Inconformado recorreu o R. para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, apreciando a apelação a julgou procedente e, consequentemente, revogou a sentença recorrida, absolvendo o R. do pedido.</font><div><font>*</font></div><font>É agora a A. que pede revista a este S.T.J.</font><div><font>*</font><br> <font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font><br> <font>*</font><br> <font> </font></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><div><font>*</font></div><font>Oferecidas tempestivas alegações, formulou a A./recorrente as seguintes conclusões: </font><div><font>*</font></div><font>“</font><i><font>A.&nbsp; É requerida a ampliação do presente recurso de revista, nos termos do art. 732.° a do CPC - uniformizando jurisprudência&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></i><br> <i><font>B.&nbsp;&nbsp;&nbsp; Existe divergência na jurisprudência sobre o conceito de Dano e de Nexo de Causalidade Adequada. </font></i><br> <i><font>C.&nbsp;&nbsp; Além do entendimento plasmado no Ac. uniformizador 4/2008, outros acórdãos acolheram o mesmo entendimento, nomeadamente Ac. STJ de 10 de Maio de 2012 no qual foi relator o Conselheiro Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 21 de Março de 2013 no qual foi relator o Conselheiro Oliveira Vasconcelos, Ac. TRC de 15.02.2011, no qual foi relator o Desembargador Francisco Caetano, Ac. do STJ de 29 de Abril de 2008, no qual foi relator o Desembargador Mário Mendes, Ac. TRP de 04.01.2011, proc. 4348/08.8TBSTS.P2, no qual foi relator M. Pinto dos Santos; Ac. STJ de 21.03.2013 no qual foi relator o Desembargador Abrantes Geraldes; Ac. STJ de 12 de Outubro de 2010, no qual foi relator Hélder Roque.</font></i><br> <i><font>D.&nbsp;&nbsp; Em sentido diverso, acolheu o entendimento defendido pelo acórdão recorrido, temos os Ac. STJ de 18 de Dezembro de 2012 no qual foi relator Paulo Sá; STJ a de 2 de Fevereiro de 2010 no qual foi relator Sebastião Póvoas, - Ac TRC de 19 de Janeiro de 2010 no qual foi relator o Desembargador Jaime Carlos Ferreira; - Ac. TRG de 09.04.2013 no qual foi relator o Desembargador Espinheira Baltar; Ac. STJ e de 2 de Fevereiro de 2010 no qual foi relator Sebastião Póvoas.</font></i><br> <i><font>E.&nbsp;&nbsp;&nbsp; Na realidade do dia a dia, é sabido como a revogação de cheque ocorre sempre que faltando fundos o sacador queira socorrer-se ilicitamente deste meio, com a conivência dos bancos, a fim de evitar os prejuízos e incómodos da falta de provisão.</font></i><br> <i><font>F.&nbsp;&nbsp;&nbsp; O entendimento de que é ónus do beneficiário alegar e provar que o dano (nexo de causalidade) não se teria produzido se o cheque não tivesse sido revogado, permite, se nos é permitida a expressão, fazer entrar pela "janela" o que o acórdão 4/2008 quis fazer sair pela "porta".</font></i><br> <i><font>G.&nbsp;&nbsp; A divergência atualmente existente nos tribunais superiores traz incerteza jurídica que provoca insegurança e prejuízo no uso e aceitação do cheque como meio de pagamento no comércio jurídico de serviços e bens.&nbsp;&nbsp; </font></i><br> <i><font>H.&nbsp;&nbsp; O acórdão recorrido considerou procedente o pedido do Réu por entender que não pode ser atribuída responsabilidade à sacada no caso de revogação por não ter sido alegado e provado que a conta da sacadora tinha fundos suficientes.</font></i><br> <i><font>I.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acórdão recorrido considera que a Ré não pode ser condenada, porquanto a A. não provou que a conta do sacado tinha fundos suficientes para pagar os cheques objeto do processo.</font></i><br> <i><font>J.&nbsp;&nbsp;&nbsp; Esta decisão contraria a decisão tomada no Acórdão uniformizador 4/2008.</font></i><br> <i><font>K.&nbsp;&nbsp; No Acórdão uniformizador 4/2008 (no qual o banco Réu foi condenado por revogação ilícita), a conta da sacadora junto da Ré </font></i><i><u><font>não tinha fundos suficientes para pagar os chegues</font></u></i><i><font>, e o Banco Réu foi considerado civilmente responsável pelos danos causados ao portador do cheque.</font></i><br> <i><font>&nbsp;L. &nbsp; De facto no ponto 6 dos factos dados como provados no Ac. Uniformizador 4/2008 - pág. 2061 DR. n.° 67 de 4 de Abril de 2008 resulta que foi dado como provado "</font></i><i><u><font>6 - A conta bancária identificada em A) não apresentava fundos monetários que possibilitassem o pagamento dos cheques referidos na data</font></u></i><i><font>".</font></i><br> <i><font>M.&nbsp;&nbsp; Assim no Ac. Uniformizador 4/2008 não só a A. (que resultou vencedora) não alegou e provou que existiam fundos na conta como foi provado o contrário, ou seja, que não existiam fundos para tal pagamento.</font></i><br> <i><font>N.&nbsp;&nbsp; A questão de direito essencial controvertida é saber se compete a A. a prova da existência dos fundos suficientes na conta da sacadora junto da Ré e se esta prova, em caso de ser negativa, tem o poder de excluir a responsabilidade da Ré por falta de nexo causal.</font></i><br> <i><font>O.&nbsp;&nbsp; É sabido que não basta a existência uma outra cadeia de acontecimentos que produziriam igualmente danos na esfera do lesado, para isentar de responsabilidades daquele que vem efectiva e inevitavelmente a produzi-los - e é factual que foi a actuação ilícita do Banco Recorrido que produziu o dano na esfera da Recorrente, designadamente o não recebimento dos montantes titulados pelos cheques.</font></i><br> <i><font>P.&nbsp;&nbsp;&nbsp; De facto, tendo a aceitação da ordem de revogação como consequência directa o não pagamento dos cheques, a revogação ilícita foi adequada à produção do dano, pelo que não é possível afastar a causa real do dano. O dano não foi produzido de uma maneira (causa virtual), foi produzido antecipadamente de outra (causa real).</font></i><br> <i><font>Q.&nbsp;&nbsp; Estes conceitos foram também objecto de análise pela jurisprudência, num caso paralelo, designadamente no Ac. do STJ de 15 de Março de 2005, processo 05A380: </font></i><br> <i><font>R.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></i><i><u><font>Ora, o Ac. Uniformizador do STJ n.° 4/2008, determinou claramente que a relação de causalidade adequada existe se</font></u></i><i><font>:</font></i><br> <i><font>"O facto foi "conditio sine qua non" do resultado:</font></i><br> <i><font>[A aceitação por parte do Banco Recorrido da revogação ilícita dos cheques originou um dano no valor de 14.712,00 € na esfera da Recorrente];</font></i><br> <i><font>À luz das regras da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que de tal facto decorresse tal resultado de harmonia com a evolução normal (e portanto possível) dos acontecimentos:</font></i><br> <i><font>[O Banco Recorrido sabia que ao recusar o pagamento do cheque por aceitar a revogação do seu cliente iria necessariamente fazer com que o Recorrente se visse privado do montante cujo acesso lhe foi vedado pelo Banco Recorrido];</font></i><br> <i><font>O efeito tenha resultado pelo processo porque este é abstractamente adequado a produzi-lo:</font></i><br> <i><font>[A recusa de pagamento do cheque por motivo de extravio é adequado a produzir o dano]."</font></i><br> <i><font>S.&nbsp;&nbsp;&nbsp; Parece ser inequívoco que a existência ou não existência de fundos por altura da revogação do cheque não pode consubstanciar uma verdadeira causa de exclusão da ilicitude da Recorrida, já que a sua conduta juridicamente censurável foi causa efectiva do dano provocado à Recorrente, nem como consubstanciando uma interrupção do nexo causal impedindo a verificação do dano.</font></i><br> <i><font>T.&nbsp;&nbsp;&nbsp; De facto, no caso de a conta sacada não dispor de provisão à data da apresentação dos cheques não permite concluir, sem mais, que os mesmos não poderiam ser pagos, caso o Banco ignorasse a comunicação de revogação. Sob pena de constituir "probatio diabolica" para o portador do cheque, ao Banco sacado caberia o ónus da prova de que os cheques nunca obteriam pagamento, designadamente por ser permitido pelo banco movimentos a descoberto ou por nova apresentação dos cheques a pagamento, (neste sentido, Ac. da Relação de Coimbra de 15-02-2011).</font></i><br> <i><font>U. &nbsp; Não é a A. que tem que provar a existência de fundos mas o banco eventualmente provar a sua inexistência.</font></i><br> <i><font>V. &nbsp;&nbsp; Porém, nunca tais factos foram provados ou sequer alegados pelo Banco Recorrido.</font></i><br> <i><font>W.&nbsp;&nbsp; Por outro lado a recusa do pagamento do cheque por falta de provisão poderia nunca ter causado o dano correspectivo - ter-se-ia podido apresentar o cheque a pagamento mais duas vezes (enquanto o cheque revogado terminou ali a sua "vida" enquanto meio idóneo de pagamento).&nbsp; </font></i><br> <i><font>X. &nbsp;&nbsp; Estamos perante </font></i><i><u><font>4 cheques</font></u></i><i><font> emitidos, cuja apresentação a pagamento ocorreu </font></i><i><u><font>ao longo de vários meses</font></u></i><i><font>, entre Dezembro de 2006 e Maio de 2009. Acresce que os montantes titulados dos cheques são de cerca 14.712,00 euros acrescidos de juros vencidos desde a data do seu vencimento, pelo que qualquer provisionamento ou qualquer transferência bancária poderia ter atenuado o dano que a Recorrente sofreu. Hipótese que desde logo lhe foi vedada pelo Banco Recorrido.</font></i><br> <i><font>Y.&nbsp;&nbsp;&nbsp; A não prova de fundos suficientes, ou ainda para mais eventual inexistência de saldo bastante (que não foi provado) na conta não é suficiente para provar que os cheque não fossem pagos, sendo notório que os empresários, que movimentavam milhões de euros, tinham contas caucionadas e/ou com débitos autorizados em conta.</font></i><br> <i><font>Z.&nbsp;&nbsp;&nbsp; Motivos pelos quais, se considera que o Tribunal da Relação a quo violou no seu Acórdão o Ac. Uniformizador da Jurisprudência n.° 4/2008, o art. 32° da LUCH e o art. 14° do Decreto 13 004 de 12.01.1927, devendo o Acórdão ser revogado.</font></i><br> <i><font>NESTES TERMOS, DEVERA O PRESENTE RECURSO DE REVISTA SER ADMITIDO COM REVISTA AMPLIADA NOS TERMOS DO ART. 732 CPC, E JULGADO PROCEDENTE REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO DE APELAÇÃO RECORRIDO E CONDENANDO-SE O BANCO RECORRIDO CONFORME DECIDIDO NA SENTENÇA DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA.</font></i><br> <i><font>PEDE-SE ASSIM JUSTIÇA!</font></i><font>”</font><div><font> </font><br> <font>*</font><br> <font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font><br> <font>*</font></div><font>Requereu a recorrente o julgamento ampliado da revista, nos termos do disposto no Artº 732º do C.P.C. de forma a obter uniformização de jurisprudência.</font><div><font>*</font></div><font>Foram os autos remetidos ao Exº Senhor Presidente deste S.T.J., o qual lavrou o despacho de fls. 610/616, concluindo não ser, ainda, conveniente, a requerida uniformização de jurisprudência.</font><div><font>*</font></div><font>Consequentemente o recurso foi admitido e será julgado nos termos da revista normal.</font><div><font>*</font><br> <font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font><br> <font>*</font></div><b><font> </font></b><br> <b><u><font>Os Factos </font></u></b><div><font>*</font></div><font>As instâncias fixaram a seguinte factualidade: </font><div><font>*</font></div><i><font>“a) A fls. 14, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 2.480,00 e se mostra emitido à ordem de AA SRL, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 21/12/2006 - al. A);</font></i><br> <i><font>b) A fls. 16, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 5.972,00 e se mostra emitido à ordem de AA SRL, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 01/03/2007 - al. B);</font></i><br> <i><font>c)&nbsp; A fls. 17, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 2.000,00 e se mostra emitido à ordem de AA, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 05/03/2007 - al. C);</font></i><br> <i><font>d) A fls. 18, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 8.883,00 e se mostra emitido à ordem de AA SRL, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 01/04/2007 - al. D);</font></i><br> <i><font>e)&nbsp; A fls. 19, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Lda» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 2.370,00 e se mostra emitido à ordem de AA, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 15/04/2007 - al. E);</font></i><br> <i><font>f)&nbsp; A fls. 20, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Ld.ª» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 4.000,00 e se mostra emitido à ordem de AA, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 06/05/2007 - al. F);</font></i><br> <i><font>g) &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A fls. 21, encontra-se fotocopiado um cheque, n° ..., sacado pela gerência da sociedade «BB, Ld.ª.» sobre a conta, n° ..., de que essa sociedade é titular no Banco Réu, o qual titula a quantia de € 2.370,00 e se mostra emitido à ordem de AA SRL, sendo que do mesmo consta como data de emissão, aposta de forma manuscrita, o dia 15/05/2007.</font></i><br> <i><font>h) &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os cheques mencionados nas als. a), b), c), d), e), f) e g) são cheques cruzados, sendo que, da respectiva análise, resulta que deles não consta qualquer rasura, ou alteração do nome ou demais dados - al. H);</font></i><br> <i><font>i)&nbsp; Os cheques referidos nas als. a), b), c), d), e), f) e g) foram entregues pela sociedade «BB, Lda.» à Autora, sua legítima possuidora, para pagamento de mercadorias que esta última vendeu e entregou àquela - resp. quesito 1º;</font></i><br> <i><font>j)&nbsp; Em 04/01/2007, a sociedade «BB, Lda., através do documento fotocopiado a fls. 67 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque mencionado na al. a), «por motivo de extravio» - al. J);</font></i><br> <i><font>l)&nbsp; Em 11/01/2007, a sociedade «BB, Ld.ª», através do documento fotocopiado a fls. 68 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque referido na al. b), «por motivo de extravio» - al. L);</font></i><br> <i><font>m) Em 14/03/2007, a sociedade «BB, Lda.», através do documento fotocopiado a fls. 71 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque aludido na al. c), «por motivo de extravio» - al. M);</font></i><br> <i><font>n) Em 11/01/2007, a sociedade «BB, Ld.ª», através do documento fotocopiado a fls. 68 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque mencionado na al. d), «por motivo de extravio» - al. N);&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></i><br> <i><font>o) Em 22/04/2007, a sociedade «BB, Lda.», através do documento fotocopiado a fls. 72 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque aludido na al. e), invocando o respectivo extravio, sob o pretexto de que «foi perdido no envio para o fornecedor» - al. O);</font></i><br> <i><font>p) Em 14/05/2007, a sociedade «BB, Ld.ª», através do documento fotocopiado a fls. 73 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque referido na al. f), «por motivo de extravio» - al. P);</font></i><br> <i><font>q) Em 22/05/2007, a sociedade «BB, Ld.ª», através do documento fotocopiado a fls. 74 (cujo teor se dá por integralmente reproduzido), solicitou ao Banco Réu que não procedesse ao pagamento do cheque mencionado na al. g), «por motivo de extravio» - al. Q);</font></i><br> <i><font>r) Os cheques referidos nas als. a), b), c), d), e), f) e g) foram, todos eles, apresentados a pagamento, tendo sido devolvidos, sem serem pagos, sendo que:</font></i><br> <i><font>1.&nbsp; do verso do cheque mencionado na al. a) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 05/01/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio»;</font></i><br> <i><font>2.&nbsp; do verso do cheque aludido na al. b) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 08/03/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio»;</font></i><br> <i><font>3.&nbsp; do verso do cheque referido na al. c) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 15/03/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio»;</font></i><br> <i><font>4.&nbsp; do verso do cheque mencionado na al. d) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 11/04/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio»;</font></i><br> <i><font>5.&nbsp; do verso do cheque aludido na al. e) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 24/04/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio»; </font></i><br> <i><font>6.&nbsp; do verso do cheque referido na al. f) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 15/05/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio» e</font></i><br> <i><font>7.&nbsp; do verso do cheque mencionado na al. g) consta, designadamente, um carimbo, do qual resulta que o mesmo foi devolvido na Compensação do Banco de Portugal, em 23/05/2007, com fundamento em «cheque revogado por justa causa - extravio» - al. I) e resp. quesitos 16°, 17° e 18°;</font></i><br> <i><font>s) O Banco Réu, na sequência das solicitações referidas nas als. j), l), m), n), o), p) e q), não procedeu ao pagamento dos cheques mencionados nas als. a), b), c), d), e), f) e g), tendo os mesmos vindo a ser devolvidos, sem serem pagos, como consta da al. r) - al. R);</font></i><br> <i><font>t) O Banco Réu aceitou as solicitações de não pagamento aludidas nas als. j), 1), m), n), o), p) e q) sem apurar qualquer circunstância relativamente aos «extravios» aí invocados, sendo certo que essas informações de extravio são falsas - resp. quesito 2º;</font></i><br> <i><font>u) Para além das solicitações de não pagamento de cheques, «por motivo de extravio», aludidas nas als. j), 1), m), n), o), p) e q), a sociedade «BB, Ld.ª», no período compreendido entre 21/12/2006 e 14/12/2007, procedeu à «revogação» de cheques em outras 8 ocasiões, umas por «motivo de extravio», outras por «motivo de falta ou vício na formação da vontade», «revogações» essas que foram aceites pelo Banco Réu -resp. quesito 3º;</font></i><br> <i><font>v) O cheque mencionado na al. a) foi depositado, em 21/12/2006, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco ... para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 03/01/2007 - resp. quesitos 7º, 16°, 17° e 18;</font></i><br> <i><font>x) O referido ... Bank AG de Frankfurt comunicou, por carta de 18/01/2007, à Banca Agrícola ..., que a recebeu em 19/01/2007, que o cheque mencionado na al. a) tinha sido devolvido, sem ser pago, com fundamento em extravio - resp. quesito- 8º;</font></i><br> <i><font>z) A Autora, só a partir de 23/01/2007 teve conhecimento, pela Banca Agrícola ..., que o cheque mencionado na al. a) tinha sido devolvido, sem ser pago, por ter sido dado como extraviado - resp. quesito 9º;</font></i><br> <i><font>a’) O cheque mencionado na al. b) foi depositado, em 28/02/2007, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco ... para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 07/03/2007 - resp. quesitos 10° e 17°;</font></i><br> <i><font>b’) O cheque referido na al. c) foi depositado, em 06/03/2007, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco ... para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 14/03/2007 - resp. quesitos 11° e 17°;</font></i><br> <i><font>c’) O cheque aludido na al. d) foi depositado, em 30/03/2007, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco ... para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 10/04/2007 - resp. quesitos 12°, 17° e 18°;</font></i><br> <i><font>d’) O cheque mencionado na al. e) foi depositado, em 16/04/2007, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco ... para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 23/04/2007 - resp. quesitos 13° e 17°;&nbsp; </font></i><br> <i><font>e’) O cheque aludido na al. f) foi depositado, em 07/05/2007, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco ... para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 14/05/2007 - resp. quesitos 14° e 17°;</font></i><br> <i><font>f’) O cheque aludido na al. g) foi depositado, em 14/05/2007, pela Autora na sua conta junto da Banca Agrícola ..., em Itália, a qual, por seu turno, se serviu do ... Bank AG de Frankfurt para proceder à sua cobrança e este, por sua vez, apoiou-se junto do Banco Espírito Santo para apresentar esse cheque a pagamento, como consta da al. r), junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, apresentação a pagamento essa que ocorreu em 22/05/2007 - resp. quesitos 15° e 17°;</font></i><br> <i><font>g’) Em consequência da devolução, sem serem pagos, dos cheques referidos nas als. a), b), c), d), e), f) e g), a Autora, até à data, não recebeu as quantias por eles tituladas - resp. quesito 4º;</font></i><br> <i><font>h’) A dívida da sociedade «BB, Ld.ª» para com a Autora, emergente da compra e venda de mercadorias referida na al. i), cifra-se, nesta altura, em € 34.527,98 - resp. quesito 5º;</font></i><br> <i><font>i’) Na sequência da devolução dos referidos cheques, a Autora suportou despesas bancárias no quantitativo de € 190,00 - resp. quesito 6º;</font></i><br> <i><font>j’) Nas datas de apresentação a pagamento, junto do Serviço de Compensação do Banco de Portugal, dos cheques referidos nas ais. b), c), d), e), f) e g), a conta n° ..., de que a sociedade «BB, Ld.ª» era titular no Banco Réu, não se encontrava provisionada para o efeito - resp. quesito 19°;</font></i><br> <i><font>l’) A presente acção foi intentada em 18/01/2010 e o Banco Réu foi citado para esta acção em 21/01/2010 - al. S).</font></i><div><font>*</font><br> <font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font><br> <font>*</font></div><b><font> </font></b><br> <b><u><font>Fundamentação </font></u></b><div><font>*</font></div><font>Como se vê dos autos o que aqui está em causa é a responsabilidade extra-contratual do R. BB, SA – Sociedade Aberta, por ter aceite a revogação de vários cheques (nesta fase, apenas estão em questão 4 cheques) durante o prazo legal do pagamento, ordenado pela sacadora, BB, Ld.ª, e, na sequência, os ter devolvido sem pagamento, com a menção de “extravio”.</font><div><font>*</font></div><font>Ambas as instâncias seguiram a jurisprudência uniformizada pelo Ac. nº 4/2008 de 28/2/2008, segundo o qual,</font><br> <font>“</font><i><font>Uma instituição de crédito sacada que recuse o pagamento de cheque, apresentado dentro do prazo estabelecido no Artº 29º da L.H.C.H., com fundamento em ordem da revogação do sacador, comete violação do disposto na primeira parte do Artº 32º do mesmo diploma, respondendo por perdas e danos perante o legítimo portador do cheque nos termos previstos nos Art.ºs 14, segunda parte do Decreto nº 13004 e 483, nº1 do Código Civil</font></i><font>”.</font><div><font>*</font></div><font>Portanto, ambas as instâncias tiveram a conduta do R. como </font><u><font>ilícita e culposa</font></u><font>.</font><br> <font>Todavia, </font><u><font>enquanto a 1ª instância</font></u><font> teve, igualmente, por demonstrado o dano e respectivo nexo de causalidade adequada e por isso condenou o R. a pagar à A. o valor dos cheques em causa, por considerar ser esse o valor do prejuízo sofrido, apesar de se ter provado que na data da devolução dos títulos, a conta sacada não tinha a necessária provisão, a </font><u><font>2ª instância</font></u><font> entendeu que, em situações de revogação ilegítima em que, c
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; I— RELATÓRIO&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></b> </p><p><b><font> </font></b><font>O </font><b><font>Fundo de Garantia Automóvel </font></b><font>(doravante FGA), instaurou contra</font><b><font> AA, </font></b><font>residente na Rua do ........., nº ....., Alcarraques, Coimbra,</font><b><font> </font></b><font>execução comum para pagamento de quantia certa, vindo este, por apenso, a deduzir oposição à execução, alegando que sobre o FGA não recaía a obrigação de indemnizar o lesado, a prescrição do direito do exequente e a inexigibilidade dos juros de mora peticionados até ao momento em que o oponente foi citado para a execução.</font> </p><p><font>A oposição foi rejeitada liminarmente relativamente ao primeiro dos fundamentos invocados, por se entender que tal fundamento não integrava nenhuma das alíneas do art. 814º do Código de Processo Civil (cfr. despacho de fls. 27/28).</font> </p><p><font>Recebida a oposição relativamente ao segundo e terceiro fundamentos invocados, notificado o exequente apresentou contestação defendendo, para além da sua legitimidade para instaurar a execução, a improcedência da invocada excepção de prescrição e bem assim a exigibilidade dos juros peticionados.</font> </p><p><font>No despacho saneador julgou-se procedente a sobredita excepção de prescrição invocada pelo executado/opoente e, em consequência, extinto o direito que o FGA pretendia exercer através da acção executiva, pelo que se julgou esta extinta.</font> </p><p><font>Inconformado, apelou o exequente, com sucesso pois que, por unanimidade, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou o recurso procedente, e revogando a decisão recorrida determinou a prossecução dos autos, com vista à apreciação do terceiro dos fundamentos aduzidos pelo executado/opoente, referente à alegada inexigibilidade dos juros peticionados, questão essa que não fora apreciada por ter ficado prejudicada pela decisão recorrida.</font> </p><p><font> Foi a vez do executado/opoente expressar o seu inconformismo, recorrendo para este Supremo Tribunal de Justiça, e nas alegações que apresentou formula as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>1 - Entende o Recorrente que o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra entendeu, indevidamente, aplicar ao caso dos autos, prevista na norma contida no n.° 1 do art.° 311.° do Código Civil (CC).</font> </p><p><font>2 - Sobre o direito do Fundo de Garantia Automóvel (FGA) aqui recorrido, a obter o reembolso das quantias que satisfez aos lesados, junto dos lesantes, em caso de acidente de viação enquadrado no respectivo âmbito de competências, tem a jurisprudência discorrido, ao longo dos últimos anos, sobre o prazo de prescrição para o exercício do referido direito, apresentando-se como possíveis dois prazos de prescrição: o ordinário, de vinte anos, e o especial, de três anos.</font> </p><p><font>3 - Sucede que, não obstante a dicotomia jurisprudencial quanto ao prazo aplicável, se arrimasse na natureza deste direito do FGA ao reembolso, como sendo um direito de regresso ou uma sub-rogação, é hoje maioritariamente aceite que, não obstante a classificação, o prazo para o respectivo exercício é de três anos - a este propósito veja-se os doutos Acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05-11-2009, de 23/03/2010, proc. 2195/06.0TVLSB.S1; de 17/11/2006, proc. 5B3061; de 22/02/2004, proc. 04B/404; de 17/11/05, proc. 05B306; de 13/04/2000, proc. 00B200; e da Relação de Coimbra de 1/6/2010, proc. 312/07.2TBCNT.C2; e de 17/03/2009, proc. 3625/07.0TJCBR.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt “</font> </p><p><font>4- O Recorrente na oposição à execução que apresentou nos presentes autos em primeira instância, a par dos argumentos usualmente esgrimidos para sustentação da aplicabilidade de um prazo de prescrição de três anos para o recorrido FGA obter o reembolso junto do lesante invocou um outro de índole sistemática.</font> </p><p><font>5 - A este respeito, importa referir que o DL n.° 522/85 de 31 de Dezembro, foi substituído em 2007 pelo DL n.° 291/2007 de 21 de Agosto, o qual veio revogar aquele e estabelecer a nova regulação da matéria atinente ao seguro de responsabilidade civil automóvel, na qual se inclui a disciplina do Fundo de Garantia Automóvel.</font> </p><p><font>6- De especial importância para o que se pretende demonstrar, é o numero 6 do art.° 54.° do DL 291/2007 no qual se consagra expressamente a aplicação do prazo prescricional de três anos, previsto no n.° 2 do art.° 498.° do Código Civil ao direito de reembolso por parte do FGA perante o lesante.</font> </p><p><font>7 - Neste sentido, somos do entendimento que o legislador pretendeu por termo à discussão existente em torno do prazo prescricional aplicável ao reembolso por parte do FGA, consagrando aquela posição jurisprudencial e doutrinal.</font> </p><p><font>8 - Ora, quer do douto acórdão recorrido, quer no saneador/sentença proferido em primeira instância, concluiu-se como no douto Acórdão do STJ de 17-11-2005 que "Não relevando a referencia do art.° 25.° do DL 522/85 à sub-rogação de acaso ou de imprecisão conceptual ou terminológica, e por isso descabido trazer directamente à colação o n.° 2 do art.° 498° do CC, relativo à figura jurídica distinta que é o direito de regresso, no entanto vale, em sede de sub-rogação, o prazo de três anos estabelecido no n.° 1 daquele art.°498.°"</font> </p><p><font>9 - Arrimou-se esta conclusão em dois pontos: o primeiro de que o direito do FGA ao reembolso emerge da mesma causa que o direito do lesado, ou seja o facto ilícito que o acidente consubstancia, o que equivale a dizer que a tutela de tal direito é assegurada nos mesmos termos da tutela que cabia ao lesado - ou seja no prazo de três anos.</font> </p><p><font>10 - O segundo, de que o direito do FGA perante o lesante, cumpre a mesma função recuperatória que, nas "relações internas" é atribuída ao direito de regresso, não subsistindo razões de facto para tutelar este direito do FGA em termos diversos, aplicando-se-lhe, por via da analogia, igual prazo de prescrição de três anos - Ac. Do STJ de 05-11-2009, relator Dr. Lopes Rego.</font> </p><p><font>11 - Contudo, entendeu o Tribunal a quo ser de aplicar ao caso dos autos a conversão da prescrição curta de três anos, em prescrição ordinária, por aplicação da regra contida no número 1 do art.° 311.° do CC.</font> </p><p><font>12 - Pode começar por afirmar-se com alguma convicção que não existem quaisquer casos concretos ao longo dos anos, em que o recorrido FGA tenha arbitrado indemnização a qualquer lesado em acidente em que o mesmo haja intervido, de forma extrajudicial.</font> </p><p><font>13 - Ora, sendo as indemnizações pagas pelo FGA aos lesados, resultantes de condenações judiciais, na generalidade dos casos, aceitar a aplicação da regra contida no n.° 1 do art.° 311.° do CC ao direito do FGA ao reembolso, encerraria por completo a discussão sobre o prazo de prescrição aplicável a tal direito.</font><u><font> </font></u> </p><p><font>14 - Sendo certo que o direito de reembolso do recorrido FGA perante o recorrente, tem origem no mesmo facto lesivo e ilícito que conferia ao lesado o direito a ser indemnizado, o certo é que tal direito não é o direito que foi discutido na acção declarativa que condenou, solidariamente, o recorrente e o recorrido, a indemnizar o lesado.</font> </p><p><font>15 - Na referida acção declarativa, da qual emanou o acórdão que veio a ser dada à execução, o Recorrido FGA e o Recorrente AA, foram ambos demandados pelo lesado BB e pela sua mãe, figurando em tal acção como co-Réus, sendo que, finda a fase declarativa, e transitado em julgado o douto acórdão respectivo, veio o Recorrido FGA a realizar o pagamento das quantias arbitradas na decisão aos lesados.</font> </p><p><font>16 - Assim, apenas com o pagamento o direito do FGA ao reembolso passa a ser oponível ao Recorrente, sendo que antes do mesmo o FGA nenhum direito tinha perante o recorrente, até porque este, na sequência do acórdão condenatório, poderia ter realizado o pagamento aos lesados.</font> </p><p><font>17 - Não se nega assim, como ficou dito, que o direito do FGA tem origem no mesmo facto que deu origem ao direito dos lesados, ou seja o facto ilícito do acidente, e como tal, a extensão de tal direito, como é aferida da medida em que o FGA pagou ao lesado, será a mesma, no entanto, não se pode afirmar que tal direito seja o mesmo.</font> </p><p><font>18- O próprio art.° 25.° do DL 522/85, no seu numero um define tal direito como um direito complexo e composto – “(...) tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança" - o que o distingue do direito dos lesados, em discussão no processo declarativo.</font> </p><p><font>19 - Sendo que, ainda que haja o recorrido FGA sucedido nos direitos que cabiam aos lesados, o direito que o mesmo pretende exercer perante o lesante, apenas surge na respectiva esfera jurídica no momento em que realiza o pagamento, sendo que só a partir de tal momento possa opor o mesmo ao recorrente, procurando contra ele exercê-lo.</font> </p><p><font>20 - A correcta interpretação da norma contida no n.° 1 do art.° 311.° do CC, remete a respectiva aplicabilidade aos casos em que, existindo um direito entre as partes, tendo-se o mesmo tornado controvertido, a sentença que lhe sobrevier, se o confirmar, determina</font><b><u><font> </font></u></b><font>igualmente que sobre o exercício do mesmo passa a impender o prazo de prescrição ordinário de vinte anos - neste sentido veja-se o douto Acórdão do STJ de 22-01-2004.</font> </p><p><font>21 - Assim, o direito que o Recorrido pretende exercer contra o Recorrente - o reembolso -, não existia antes do inicio do processo que culminou na sentença/Acórdão que serve de titulo à execução em causa, nem mesmo com a sentença transitada em julgado, tal direito existia ainda, falhando assim a aplicação da referida norma ao caso, na medida em que ao direito que o Recorrido pretende exercer, não sobreveio qualquer sentença que o reconhecesse.</font> </p><p><font>22 - Quando transitou em julgado o douto acórdão que serve de título nos autos, o direito do Recorrido a poder obter do Recorrente o reembolso, não existia de todo, uma vez que tal direito só passa a existir na esfera do Recorrido no momento em que o mesmo realiza o pagamento da indemnização ao lesado, ocorrendo nesse momento o mecanismo de sub-rogação.</font> </p><p><font>23 - Logo, apenas se, após o pagamento ao lesado, o Recorrido tivesse tornado o seu direito controvertido, designadamente por meio de acção declarativa destinada a confirmar tal direito e/ou respectiva extensão, é que beneficiaria do prazo ordinário de prescrição para o respectivo exercício nos termos do n.° 1 do art.° 311.° do CC.</font> </p><p><font>Acresce que:</font> </p><p><font>24 - Sustenta-se ainda no douto acórdão recorrido, que a aplicabilidade do referido n.° 1 do art.° 311.° do CC ao caso, se arrima na razão de ser da própria norma, a qual opera uma conversão de qualquer prescrição de curto prazo em prescrição ordinária, quando, tornando-se um direito definitivamente certo para o qual estava prevista uma prescrição de curto prazo - com o trânsito em julgado de decisão que o reconhece/confirma - desaparecem os fundamentos prescricionais da certeza e segurança jurídica e de dificuldade de prova relativamente à existência do direito.</font> </p><p><font>25 - Como ficou dito supra, quanto à tutela do direito do FGA ao reembolso, a mesma insere-se no âmbito do art.° 498.° do CC, ou seja, na tutela da responsabilidade por factos ilícitos, na qual emerge, pela ligação intrínseca do direito daquele com o dos lesados, e como tal é de três anos o prazo para o exercício de tal direito.</font> </p><p><font>26 - Somos do entendimento que, àqueles fundamentos, no caso dos prazos de prescrição relativos à responsabilidade por factos ilícitos, devem reconhecer-se outros que, tradicionalmente, estão associados ao direito sancionatório/penal.</font> </p><p><font>27 - Pois que, não poderemos ignorar que, não poucas vezes, em casos como o dos autos, os factos ilícitos praticados, constituem igualmente crime, e são perseguidos e punidos como tal.</font> </p><p><font>28-Neste ponto concreto se distingue a tutela das relações meramente comerciais/contratuais, naturalmente voluntária, da tutela das violações de direitos através da prática de factos ilícitos.</font> </p><p><font>29 - E nesta perseguição da prática dos factos ilícitos, com ou sem dignidade penal, emerge um novo e distintivo fundamento para a imposição de prazos prescricionais mais curtos - o que de resto acontece ao longo de todo o ordenamento jurídico-penal e, com especial importância para o caso dos autos, na tutela dos direitos emergentes em virtude da prática de factos ilícitos, plasmada no art.° 498.°doCC.</font> </p><p><font>30 - O fundamento adicional para as prescrições de curto prazo no domínio da ilicitude é o da necessidade de paz social e da estabilidade da ordem jurídica - é o direito de todo e qualquer indivíduo, ainda que tenha cometido um ilícito criminal, possa a partir de determinado momento, deixar de ser perseguido para sofrer uma reacção criminal por tal facto.</font> </p><p><font>31- Assim, a fixação de um prazo prescricional mais curto - art° 498.° CC - para a responsabilidade por factos ilícitos, inclui igualmente, em certa medida, esta preocupação da ordem jurídica em obter a estabilidade e a paz social quanto ao ilícito em causa.</font> </p><p><font>32- Alem disso, analisando as disposições legais que fixam os diversos prazos de prescrição mais curtos - art.° 310.°, 316.° e 317.° do CC - concluímos que todas elas respeitam a relações contratuais ou conexas, nas quais, efectivamente, os fundamentos para a fixação de prazos mais curtos de prescrição encontram uma intima conexão com as dificuldades de certeza e de prova quanto aos direitos em causa.</font> </p><p><font>33- Motivo pelo qual, também pelos argumentos supra expostos deverá o douto acórdão recorrido ser revogado, julgando-se inaplicável ao caso dos autos o disposto no n.° 1 do art.° 311.° do CC, procedendo por essa via a excepção da prescrição invocada.</font> </p><p><font>Da Inconstitucionalidade da interpretação do n.° 1 do art.° 311.° do CC vertida no douto acórdão recorrido:</font> </p><p><font>34- Do exposto resulta claro que, a fixação de um prazo de tutela do direito do recorrido FGA em três anos, contados do pagamento, é mesmo condição para evitar a violação do princípio constitucional da igualdade, vertido no artigo 13.° da CRP.</font> </p><p><font>35- Ora, não obstante a terminologia utilizada quanto ao direito do FGA - sub-rogação - poder ser imprecisa, deve reter-se que tal direito visa a recuperação do valor arbitrado aos lesados, pelo que deve ter a mesma tutela do direito de regresso, ou seja, terá que ser exercido no prazo de três anos - contado do momento em que poderia ser exercido, ou seja, desde o pagamento.</font> </p><p><font>36- Sendo assim certo que, a consagração de igual tutela, resulta da observância do princípio da igualdade, na sua vertente positiva, que manda tratar de forma igual as situações que são iguais e é na concretização do momento a partir do qual nasce para o recorrido FGA o direito de obter do recorrente o reembolso que teremos que atentar para retirar as conclusões que se impõe.</font> </p><p><font>37- A jurisprudência fixou como momento a partir do qual o direito do FGA passa a poder ser exercido o do pagamento, logo, só a partir do momento em que o pode exercer é que o mesmo deve ser tutelado, logo só a partir desse momento se pode contar o prazo.</font> </p><p><font>38- Posto isto, importa realizar um paralelismo entre a posição do FGA, que indemnizou os lesados e pretende obter o reembolso do lesante, e a de uma seguradora que, após ter indemnizado os lesados em acidente coberto pela respectiva apólice de seguro, descobre uma causa de exclusão da sua responsabilidade - p. ex. que o condutor conduzia com uma taxa de alcoolemia acima do legalmente permitido.</font> </p><p><font>39- A jurisprudência é unânime em classificar o direito da seguradora como um verdadeiro direito de regresso e como tal, merecedor da tutela fixada no número 2 do art.° 498,° do CC - três anos para o respectivo exercício.</font> </p><p><font>40- Sendo igualmente pacifico que, tendo a seguradora indemnizado o lesado por acordo extrajudicial ou por condenação em sentença, o prazo para obter o reembolso perante o lesante é de três anos.</font> </p><p><font>41- Assim se conclui que, por analogia com a posição da seguradora nesta sua demanda recuperatória, a tutela do direito do FGA terá que ser exercida igualmente no prazo de três anos, cominado para a responsabilidade civil por factos ilícitos.</font> </p><p><font>42- Ora, igual analogia se impõe na tutela do lesante, uma vez que o paralelismo entre as situações - pese embora sejam invocados institutos diversos - é evidente e não pode apenas servir para uma das partes, sob pena de violação do referido princípio constitucional da igualdade.</font> </p><p><font>43- Logo, se o lesante segurado, que se vem a descobrir ser obrigado a reembolsar a seguradora, pode contar com a estabilidade da sua situação pessoal e o fim da possibilidade de ser perseguido pela seguradora ao final de três anos, de igual estatuto deve gozar o lesante que, sendo condenado solidariamente no pagamento da indemnização ao lesado, vê o pagamento ser realizado pelo FGA -a este respeito veja-se o douto acórdão da Relação de Lisboa de 04-11-2010.</font> </p><p><font>44- Ainda no que concerne ao aludido princípio da Igualdade, previsto no art.° 13.° da C.R. Portuguesa, sempre imporá dizer que, se é pacifico, e resulta assente no douto acórdão recorrido, que é de três anos o prazo de prescrição que impende sobre o direito do Recorrido a ser reembolsado pelo Recorrente, a aplicação do n.° 1 do art.° 311.° do CC, determinaria que o recorrente ficaria ao arbítrio do entendimento entre o FGA e o Lesado, no ressarcimento dos danos/satisfação da indemnização.</font> </p><p><font>45- Assim se conclui que o Tribunal da Relação, ao revogar o saneador/sentença proferido na primeira instância, por aplicação ao caso do regime previsto no número 1 do art.° 311.° do CC violou o principio da igualdade previsto no art.° 13.° da C R Portuguesa.</font> </p><p><font>46- Assim, ao ter decidido como decidiu o Tribunal "a quo" interpretou e aplicou incorrectamente ao caso a norma contida no número 1 do art.° 311.° do CC, e por esta via violou o art.° 13.° da Constituição da Republica Portuguesa.</font> </p><p><font> O exequente contra-alegou sustentando a confirmação do acórdão recorrido. </font> </p><p><font>Cumpre conhecer e decidir.</font> </p><p><font>O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, salvo as questões de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 684º, nºs 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font> – por diante CPC.</font> </p><p><font>São as seguintes as questões suscitadas que importa apreciar e decidir: </font> </p><p><font>a) Qual o prazo de prescrição a ter em conta;</font> </p><p><font>b) Se o Tribunal “a quo” com a interpretação e aplicação da norma contida no nº 1 do art. 311.° do Código Civil violou o principio da igualdade previsto no art. 13.° da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><b><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;II-FUNDAMENTAÇÃO</font></b> </p><p><b><font> DE FACTO</font></b> </p><p><font>Vêm dados como assentes os seguintes factos:</font> </p><p><font>1. BB e CC, instauraram contra, além de outro, o ora executado/opoente/AA e o ora exequente/FGA acção declarativa (autuada sob o nº 82/2000 e que correu termos na 1ª secção da Vara de Competência Mista de Coimbra), com forma de processo ordinário, pedindo que fossem indemnizados pelos danos que lhe advieram em consequência das lesões sofridas com um acidente de viação, ocorrido no dia 27/5/1995, e por cuja produção foi exclusivamente responsável o ora executado/opoente, tripulando um veículo automóvel, no qual aqueles dois primeiros se faziam também transportar, do qual não era proprietário, e que na altura não dispunha de seguro que transferisse a responsabilidade por danos causados a terceiros por esse veículo.</font> </p><p><font>2. Na sequência do decidido no acórdão do STJ - proferido em 28/5/2002, e transitado em julgado em 13/06/2002, o qual alterou parcialmente o acórdão da Relação de Coimbra, o qual, por sua vez, também o fizera em relação à sentença da 1ª instância – foram os ora executado/opoente/AA e o ora exequente/FGA condenados, solidariamente, a pagar àqueles referidos autores da acção declarativa os montantes ali descriminados, sendo que a razão que fundamentou a condenação do FGA se ficou a dever ao facto do veículo conduzido pelo ora executado/opoente não ter, à data do acidente, seguro válido.</font> </p><p><font>3. No seu requerimento executivo, da acção executiva que entretanto (em 16/4/2010) moveu contra o executado/opoente, o exequente/FGA alega que, em cumprimento do que foi sentenciado definitivamente naquele acórdão do STJ, pagou aos autores da acção declarativa a quantia total de € 174.082,53.</font> </p><p><font>Para além dessa quantia, o exequente alega ainda ter pago a quantia de € 350,27 com despesas de gestão, instrução e regularização do processo de sinistro e de reembolso.</font> </p><p><font>O exequente interpelou então, em 11/03/2003, o executado para lhe pagar tais montantes, mas sem êxito, pelo que reclama também o pagamento dos juros de mora vencidos desde então (que contabilizou, até 15/04/2010, em € 46.141,86).</font> </p><p><font>Alegando ter direito ao reembolso daquelas importâncias que pagou, terminou o exequente por reclamar do executado o pagamento da quantia total € 220.214,40, acrescida de juros de mora vencidos – a partir de 15/04/2010 -, e vincendos, às taxas legais ali descriminadas</font> </p><p><font>4. O último pagamento efectuado pelo FGA aos autores daquela acção declarativa ocorreu em 3.3.2003. (facto este que foi único que expressamente constava descriminado no despacho saneador/sentença).</font> </p><p><b><font> DE DIREITO</font></b> </p><p><b><font> </font></b><font>A) </font><u><font>Qual o prazo de prescrição a ter em conta</font></u> </p><p><font> No acórdão recorrido decidiu-se que o prazo de prescrição era de vinte anos.</font> </p><p><font>Defende o recorrente que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra aplicou indevidamente ao caso dos autos a norma contida no n.° 1 do art. 311.° do Código Civil (CC).</font> </p><p><font>Argumenta como seu suporte que a correcta interpretação dessa norma remete a respectiva aplicabilidade aos casos em que, existindo um direito entre as partes, tendo-se o mesmo tornado controvertido, a sentença que lhe sobrevier, se o confirmar, determina que sobre o exercício do mesmo passa a impender o prazo de prescrição ordinário de vinte anos. </font> </p><p><font>Assim, o direito que o recorrido FGA pretende exercer contra o recorrente - o reembolso -, não existia antes do inicio do processo que culminou no acórdão que serve de titulo à execução em causa, nem mesmo à data do seu trânsito em julgado tal direito existia, falhando a aplicação da referida norma ao caso.</font> </p><p><font>É certo, prossegue, que o direito de reembolso do recorrido FGA perante o recorrente tem origem no mesmo facto lesivo e ilícito que conferia ao lesado o direito a ser indemnizado, mas tal direito de reembolso não é o direito que foi discutido na acção declarativa que condenou solidariamente o recorrente e o recorrido a indemnizar o lesado. Assim, apenas com o pagamento o direito do FGA ao reembolso passa a ser oponível ao recorrente.</font> </p><p><font>Então se, após o pagamento ao lesado, o recorrido tivesse tornado o seu direito controvertido, designadamente por meio de acção declarativa destinada a confirmar tal direito e/ou respectiva extensão, é que beneficiaria do prazo ordinário de prescrição para o respectivo exercício nos termos do n.° 1 do art.° 311.° do CC.</font> </p><p><font>Conclui que a tutela do direito do FGA terá que ser exercida no prazo de três anos, o prazo prescricional é o fixado no nº 2 do art. 498° do CC.</font> </p><p><font>Apreciemos.</font> </p><p><font>A prescrição traduz-se na extinção de um direito que desse modo deixa de existir na esfera jurídica do seu titular, e que tem como seu principal e específico fundamento a negligência do titular do direito em concretizá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou pelo menos o torna indigno de ser merecedor de protecção jurídica.</font> </p><p><font>Outras razões há justificativas da prescrição, como razões de protecção da certeza e segurança do tráfico jurídico, protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova a longa distância, e, por fim, exercer pressão ou estimulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>O prazo geral de prescrição é de vinte anos (art. 309º do CC), mas quando se trate do direito de indemnização por factos ilícitos, onde se inclui o de indemnização resultante de acidente de viação, e do exercício do direito de regresso entre os responsáveis o prazo é só de três anos (art. 498º, nºs 1 e 2 do CC).</font> </p><p><font>No caso presente a indemnização inicial era devida como resultante de um acidente de viação. Acidente que está na origem da decisão condenatória proferida na acção declarativa nº 82/2000, com forma de processo ordinário, que correu termos na 1ª secção da Vara de Competência Mista de Coimbra, intentada por BB e CC contra, além de outro, o ora executado/opoente/recorrente AA e o ora exequente/recorrido FGA, pedindo que fossem indemnizados pelos danos que lhes advieram em consequência das lesões sofridas com um acidente, por cuja produção foi exclusivamente responsável o executado/opoente/recorrente, tripulando um veículo automóvel, no qual aqueles dois primeiros se faziam também transportar, do qual não era proprietário, e que na altura não dispunha de seguro que transferisse a responsabilidade por danos causados a terceiros por esse veículo.</font> </p><p><font>Na sequência do decidido no acórdão deste STJ, transitado em julgado em 13/06/2002, foram os ora executado/opoente/recorrente AA e exequente/recorrido FGA condenados, solidariamente, a pagar àqueles referidos autores da acção declarativa os montantes ali descriminados, sendo que a razão que fundamentou a condenação do FGA se ficou a dever ao facto do veículo conduzido pelo ora executado/opoente/recorrente não ter, à data do acidente, seguro válido (cfr. nºs 1 e 2 dos factos provados).</font> </p><p><font>Tais indemnizações foram satisfeitas pelo recorrido FGA.</font> </p><p><font>Prescreve o nº 1 do art. 25º do Dec. Lei nº 522/85, de 31/12</font><a><u><sup><font>[3]</font></sup></u></a><font>, na redacção dada pelo Dec. Lei nº 122-A/86, de 30/5, que "</font><i><font>satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a liquidação e cobrança</font></i><font>".</font> </p><p><font>A sub-rogação, sendo uma forma de transmissão das obrigações coloca o sub-rogado na titularidade do mesmo direito de crédito que pertencia ao credor primitivo</font><a><u><sup><font>[4]</font></sup></u></a><font>. </font> </p><p><font>Quanto à natureza jurídica da sub-rogação, no plano da lógica conceitual, formula Antunes Varela as três conclusões seguintes:</font> </p><p><font>“a) O cumprimento por terceiro, desde que não põe a funcionar o lado passivo da relação obrigacional, não envolve, forçosamente, a </font><i><font>extinção</font></i><font> do devedor prestar o encargo do devedor;</font> </p><p><font>b) O cumprimento por terceiro, dando plena satisfação ao interesse do credor a que se encontra adstrito o </font><i><font>poder de exigir</font></i><font>, provoca necessariamente a </font><i><font>perda</font></i><font> do crédito para o antigo titular, mas pode não provocar a sua </font><i><font>extinção</font></i><font> se, atendendo à natureza fungível da prestação e à actuação do terceiro, houver razões para o manter, mas na titularidade do </font><i><font>solvens</font></i><font>;</font> </p><p><font>c) Quando haja razões para </font><i><font>manter</font></i><font> o </font><i><font>dever de prestar</font></i><font> a cargo do devedor (porque ainda o não cumpriu) e para </font><i><font>conservar</font></i><font> o </font><i><font>crédito</font></i><font> na titularidade do </font><i><font>solvens</font></i><font> (porque realizou a prestação fungível em lugar do devedor), e não na do primitivo credor (que o perdeu por ver realizado o seu interesse), o conceito que melhor exprime esta dupla realidade é o da </font><i><font>transmissão</font></i><font> do crédito”</font><a><u><sup><font>[5]</font></sup></u></a><font>.</font> </p><p><font>Configura-se, assim, no citado art. 25º, nº 1, do Dec. Lei nº 522/85, uma verdadeira sub-rogação legal, em que a investidura do “</font><i><font>solvens</font></i><font>” FAG na posição até então ocupada pelos credores, os lesados/autores da sobredita acção declarativa, se dá </font><i><font>ope legis</font></i><font>, independentemente de qualquer declaração de vontade do credor ou do devedor nesse sentido, abarcando os interesses dos garantes do direito transmitido (art. 592º, nº 1 do CC). Nessa medida, de acordo com o disposto no art. 593º, nº 1 do mesmo diploma, o sub-rogado FGA adquire, na medida da satisfação do interesse dos credores, os poderes que a estes competiam.</font> </p><p><font>Daí que, tal com se afirma no acórdão impugnado, “ </font><i><font>tendo o FGA pago aos autores/lesados a indemnização que lhe foi arbitrada na sobredita acção declarativa - e na qual o mesmo também fora condenado solidariamente com o ora executado/opoente -, ficou, legalmente, sub-rogado nos direitos daqueles, e que o prazo de prescrição para exercer contra este último o direito de reembolso daquilo que pagou, e bem assim dos demais acréscimos previstos no citado artº 25, nº 1, do DL nº 522/85, se inicia a partir do momento em que procedeu a tal pagamento.</font></i><font> “.</font> </p><p><font>Assim definida a posição jurídica do exequente/recorrido, e encontrando-nos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, </font><i><font>prima facie</font></i><font> estaremos remetidos para os prazos de prescrição que regem em tal domínio, os previstos no art. 498º do CC. </font> </p><p><font>De entre estes, importa o do nº 2 do citado normativo, onde se dispõe que “</font><i><font>prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis</font></i><font>”, sem que nos tenhamos de deter e tomar posição, por manifestamente irrelevante para a solução a encontrar, na querela em torno da eventual impropriedade do emprego dessa expressão “</font><i><font>direito de regresso</font></i><font>”, que, segundo uns, deve ser interpretada correctivamente por verdadeiro direito de sub-rogação, e, para outros, aquela norma deve ser aplicada por analogia aos casos do direito ao reembolso por via da sub-rogação legal, dissídio de que, aliás, o acórdão recorrido dá notícia.</font> </p><p><font>Ocorre, todavia, um particular aspecto que não pode ser ignorado e tem forçosamente de ser tido em conta.</font> </p><p><font>É que estamos no âmbito de um processo executivo que tem como título uma sentença de condenação, transitada em julgado (arts. 46º, nº 1, al. a) e 47º, nº 1 do CPC).</font> </p><p><font>Ora, constituindo a sentença exequenda título executivo, tem o FGA, como sub-rogado nos direitos dos lesados, legitimidade para, com base nela, instaurar execução contra o condenado solidário, o recorrente.</font> </p><p><font>É que o art. 56º, nº 1, daquele diploma, estabelece que “</font><i><font>Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os su
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA e BB intentaram acção declarativa contra CC-“Sociedade de Refrigerantes A F..., Lda.”, Ministério Público e Interessados Incertos em que pediram que os RR. fossem condenados a reconhecer os AA. donos e legítimos possuidores do prédio identificado na petição inicial, considerando-se justificado o registo a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova. </font><br> <font>Para o efeito, alegaram, em síntese, o seguinte:</font><br> <font>- por contrato verbal datado de Janeiro de 1984, a 1 R. vendeu aos AA. o prédio urbano aí descrito;</font><br> <font>- desde então, têm praticado sobre o referido prédio actos materiais de fruição, à vista de todos e sem oposição que quem quer que fosse;</font><br> <font>- os AA. recorrem a tribunal por ter sido deduzida oposição, por parte dos antigos sócios da 1ª R. à justificação do registo predial que promoveram.</font><br> <br> <font>A petição foi liminarmente indeferida quanto ao pedido efectuado contra o Ministério Público, por “ilegitimidade processual própria”.</font><br> <br> <font>A 1ª Ré contestou e deduziu pedido reconvencional.</font><br> <font>Alegou que os AA. não lhe adquiriram o prédio descrito na petição inicial, nem estão verificados os pressupostos da usucapião;</font><br> <font>- os AA., ao ocuparem o dito prédio e não o devolverem à Ré, constituíram-se na obrigação de a indemnizar.</font><br> <font>Pediu que fosse julgada improcedente a acção de justificação e a Ré declarada dona e legítima proprietária do referido imóvel, condenando-se os Reconvindos a reconhecer o direito de propriedade sobre o mesmo e a restitui-lo à R., livre de pessoas e coisas, bem como condenados ao pagamento de uma indemnização pela ilícita privação do uso e fruição do referido prédio, a liquidar em execução de sentença.</font><br> <br> <font> A final, na total procedência da acção, decidiu-se:</font><br> <font>- “declarar os AA. como legítimos donos do prédio urbano sito na Rua do C..., também conhecido como Rua do C... ou P... R..., freguesia e concelho de Idanha-a-Nova, composto de um agregado de casas destinadas a cavalariça, cocheira, celeiro, quintal, poço e mais dependências, a confrontar a Norte com herdeiros de DD, do Sul e Poente com EE e do Nascente com Rua, com a superfície coberta de 544m2 e logradouro de 1459,00 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de Idanha-a-Nova sob o n.º ..., por haverem adquirido o correspondente direito de propriedade por usucapião;</font><br> <font>- condenar a R. «A Favorita, Lda.» a reconhecê-lo.</font><br> <font>- julgar improcedente a reconvenção e absolver os reconvindos do respectivo pedido.”</font><br> <br> <font> A Ré apelou, mas a Relação confirmou o julgado.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 2. - A mesma Ré interpõe agora recurso de revista em que argúi a nulidade do acórdão e pede a respectiva revogação, com a improcedência da acção.</font><br> <font> </font><br> <font>Na alegação, que encerrou com extensas “conclusões”, suscitou e enunciou as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br> <br> <font> “I. – Verificação dos pressupostos da Acção de Justificação (art. 118º e seguintes do Código do Registo Predial).</font><br> <font> </font><br> <font>II. – Posse para efeitos de usucapião.</font><br> <font> </font><br> <font>III. – Suspensão do prazo para efeitos de usucapião – menoridade do sócio FF (art. 320º-1 do C. Civil).</font><br> <font> </font><br> <font>IV. - Interrupção do prazo para efeitos de usucapião – processo judicial de liquidação de sociedade, onde os Recorridos assumem a qualidade de intervenientes acidentais.</font><br> <font> </font><br> <font>V. – Efeito da apresentação da acção de justificação na contagem do prazo para efeitos e usucapião. </font><br> <font> </font><br> <font>VI. – Nulidade da sentença – falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão.</font><br> <br> <font> </font><br> <br> <br> <br> <font>3. - A </font><b><font>matéria</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font> a considerar vem assim fixada: </font><br> <br> <font>A) O prédio urbano sito na Rua do C..., também conhecido como Rua do C... ou P... R..., freguesia e concelho de Idanha-a-Nova, composto de um agregado de casas destinadas a cavalariça, cocheira, celeiro, quintal, poço e mais dependências, a confrontar a Norte com herdeiros de DD, do Sul e Poente com EE e do Nascente com Rua, com a superfície coberta de 544m2 e logradouro de 1459,00 m2, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ..., encontra-se descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n. ..., aq. favor da R. CC-«A F..., Lda.», por compra a GG e esposa, HH, mediante a Ap.0...;</font><br> <font>B) A ré Sociedade de Refrigerantes «A Favorita, Lda.» encontra-se matriculada na Conservatória de Registo Comercial de Idanha-a-Nova com o n..../...;</font><br> <font>C) Da respectiva Certidão constam como sócios da ré CC-«A F..., Lda.», II e FF, mediante a Ap.0...;</font><br> <font>D) Por escritura pública de 18/07/1980, realizada no Cartório Notarial da Covilhã, FF declarou doar a seu filho, II, metade da quota com o valor nominal de 80.000$00, da réCC-«A F..., Lda.»;</font><br> <font>E) Desde, pelo menos, 1985, os AA. têm vindo a usar o prédio referido em A., dele retirando todos os frutos e trabalhando as suas terras, utilizando-o como arrumos e habitação;</font><br> <font>F) Tendo transformado os edifícios numa casa de habitação com três quartos, duas casas de banho, duas salas e uma cozinha, com exclusão de qualquer outra pessoa, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém, na convicção de que lhes pertenciam e de que não lesavam o direito de quem quer que fosse.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - A Recorrente suscita questões de natureza puramente processual, a par de outras de natureza substantiva.</font><br> <font> </font><br> <font>Natureza exclusivamente processual assumem as questões da “nulidade da sentença” e da “verificação dos pressupostos da acção de justificação judicial”.</font><br> <br> <font> Nesta conformidade, por expressa indicação do art. 660º-1 CPC, aplicável </font><i><font>ex-vi</font></i><font> dos arts. 726º e 713º-2 do mesmo diploma, apreciar-se-á, em primeiro lugar a arguição da nulidade, a seguir a questão relativa à forma do processo e seus pressupostos, e, depois, pela ordem proposta pela Recorrente as demais questões.</font><br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. 2. - Nulidade do acórdão (conclusões 56ª a 60ª).</font><br> <br> <font> A Recorrente imputa ao acórdão impugnado o vício de falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, a pretexto de se ter limitado a concluir que estava reunidos os pressupostos da usucapião, sem haver a preocupação de esclarecer se considerava a posse titulada ou não titulada, de boa-fé ou de má-fé.</font><br> <br> <br> <font> É consensual o entendimento segundo o qual a nulidade prevista no art. 668º-1-b) CPC, que é sanção para a infracção, pelo julgador, ao disposto no n.º 2 do art. 659º, só ocorre quando falte “em absoluto” a indicação da fundamentação jurídica, que não quando se esteja perante mera deficiência, sendo que a fundamentação de direito pode fazer-se por adesão ou remissão para a decisão recorrida, no caso a sentença da 1ª Instância (art. 713º-5 CPC).</font><br> <font> Depois, sabido que o objecto dos recursos é delimitado pelo conteúdo das conclusões do recorrente, como imposto pelas normas dos arts. 684º-3 e 690º-1 e 2 CPC, a decisão que deles conheça está vinculada à apreciação das questões colocadas pelo recorrente, sob pena de excesso de pronúncia.</font><br> <br> <br> <font> Ora, desde logo, compulsadas as alegações do recurso de apelação se não vêem suscitadas questões destinadas a suscitar qualquer discussão sobre a circunstância de a posse ser titulada ou não, de boa ou de má fé.</font><br> <font> Apenas se defendeu que “perante uma situação de posse não titulada, esta presume-se de má fé, conforme o art. 1260º-2 C. Civil”, para sustentar que a contagem do prazo de início da posse não seria em 1985. Na indicação das normas violadas, designadamente por erro de aplicação ou interpretação, jamais se aludiu aos ora arrolados como não interpretados e objecto de subsunção arts. 1259º, n.ºs 1 e/ou 2 e 1260º, n.s 1, 2 e/ou 3.</font><br> <font> Depois, já em sede de nulidade da sentença, a Recorrente suscitou o problema, que agora repõe, sobre se a posse era ou não titulada e de boa ou má fé, nulidade que foi desatendida e a que agora se não imputa erro de julgamento.</font><br> <br> <br> <font> Àquela questão do início da posse e sua contagem respondeu-se no acórdão que assim não é, explicando, de seguida, que a posse não titulada pode ser de boa fé, incumbindo, nesse caso, ao possuidor ilidir a presunção de má fé. Para concluir que “</font><i><font>não sendo ilidida essa presunção pelo possuidor terá de concluir-se que a sua posse é de má fé. O que a prova produzida nos autos infirma, em absoluto (…)</font></i><font>” </font><br> <font> </font><br> <font> Consequentemente, para além dos termos em que se julgou idêntica nulidade atribuída à sentença, aqui reposta à maneira de nulidade sequencial, sem que se impute ao acórdão, nesse ponto, erro de julgamento, falece também à Recorrente razão de natureza substancial pois que, mesmo não tendo reclamado pronúncia sobre a matéria, o Tribunal deixou claramente dito que estava em apreciação, para efeitos de usucapião, uma posse não titulada, por isso que até não se cansou de o afirmar a propósito de não ser necessária uma posse causal, mas de boa fé, pois que teve por ilidida a presunção de má fé decorrente da ausência de título.</font><br> <br> <font> Manifestamente infundada, pois, a todos os títulos, a imputação ao acórdão do vício gerador de nulidade.</font><br> <br> <br> <br> <font> </font><br> <font> 4. 3. - Verificação dos pressupostos da acção de justificação (conclusões 2ª a 7ª).</font><br> <br> <font> A Recorrente começa por alegar que os Recorridos qualificaram a acção judicial intentada como acção de justificação para efeitos de registo nos termos dos arts. 116º e 117º-A e ss. do CReg.Predial, para, de seguida, se referir a uma acção que visa obter os mesmos efeitos da acção de justificação que deve estar subordinada aos pressupostos exigíveis para esta, para concluir que, exigindo-se nos n.ºs 2 e 3 do dito art. 117º-A a alegação “das circunstâncias de facto que determinam o início da posse, quando não titulada (…)”, dado não terem ficado provadas, nesta acção, essas circunstâncias, a Relação deveria ter julgado a acção improcedente, sob pena de o mesmo tipo de processo ter tratamento e exigências diferenciadas na Conservatória e no Tribunal.</font><br> <br> <br> <font> A questão, colocada pela primeira vez perante a Relação, apesar de nova foi por esse Tribunal apreciada no acórdão recorrido.</font><br> <br> <font> A ela se respondeu, após várias considerações sobre a posse, a justificação e o registo, que, existe compatibilidade entre a causa de pedir e o pedido formulado na acção, de acordo com o elemento narrativo da petição inicial, o que lhe confere autonomia processual e procedimental face à acção de justificação do art. 116º e ss. do CRP.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> Como se vê da petição inicial, a acção foi intentada como “acção declarativa sob a forma ordinária”, como causa de pedir foram alegados factos integradores dos requisitos da posse conducente à usucapião e, como causa e momento do início da posse foi alegado um contrato de compra e venda, executado, mas nunca formalizado, e, como pedido, o reconhecimento do domínio sobre o prédio a que respeitam os actos de posse alegados.</font><br> <font> A acção foi contestada e prosseguiu até final sem que, alguma vez, se questionasse a existência de erro na forma do processo, incompetência do tribunal ou qualquer outro vício de nulidade ou falta e pressupostos processuais. </font><br> <font> Nenhuma irregularidade, pois, à luz das regras que definem a forma do processo, como escolhida pelos Autores, e da estabilidade da instância – arts. 467º e 268º CPC.</font><br> <br> <font> Assim, e se mais não houvesse, é seguro que a questão da conformidade da acção, proposta no tribunal comum, com as regras processuais aplicáveis, quanto à validade e regularidade da instância, e quanto à sua eventual repercussão na sua procedência ou improcedência, só à luz das mesmas normas deve e pode ser apreciada.</font><br> <font> O que está em causa é uma acção comum, com processo ordinário, e, por isso, só relativamente a essa espécie processual haverá que conferir a regularidade.</font><br> <font> Ora, sob tal aspecto nenhum problema se suscita.</font><br> <br> <br> <font> Mas a ausência de razão da Recorrente ressalta de forma evidente do alegado no art. 9º da p.i..</font><br> <br> <font> Aí alegaram os AA. que «têm de recorrer aos meios judiciais, por ter sido deduzida oposição, pelos antigos sócios da Ré, à justificação de registo predial promovida pelos AA. (doc. 3)», sendo que neste documento, emitido pela Conservatória, em 18/8/2006, pode ler-se que «tendo sido deduzida oposição pela interessada CC-“Sociedade de R... A F..., Lda.” ao pedido de justificação (conforme despacho de que se junta cópia) foi declarado findo o processo acima identificado, nos termos do art. 117º-H do Código do Registo Predial, remetendo-se V. Exa. para os meios judiciais». </font><br> <font> </font><br> <font> Ora, como do explanado se colhe, e expressamente consta do art. 117º-H-2 do C.Reg.Predial, actuada pelos AA. a justificação perante a Conservatória, sem sucesso devido a oposição de qualquer interessado, o que determina a cessação de competência do Conservador e a remessa do Requerente para os meios judiciais comuns, não se vislumbram razões para a alegada assimilação da petição acção ao requerimento da acção de justificação administrativa.</font><br> <br> <font>Na acção judicial há-de valer a alegação da factualidade integradora da causa de pedir que face ao pedido e à relação jurídica substantiva em lide seja necessária e suficiente, nada impondo ou impedindo que, para obter efeito jurídico semelhante ou eventualmente idêntico por via administrativa, a lei exija ou preveja requisitos não inteiramente coincidentes.</font><br> <br> <br> <font> Mas, ainda que assim não fosse, certo é que os AA. alegaram na petição da acção comum ordinária, como deveriam alegar na acção de justificação, a causa de aquisição e o início da posse – o contrato de compra e venda não reduzido a escritura pública, celebrado em Janeiro de 1984, datando de então o início dos actos de posse.</font><br> <br> <br> <font> Desprovida de fundamento e adequação aos fins pretendidos, pelo que dito ficou, também a questão dos pressupostos da acção.</font><br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. 4. - Posse para efeitos de usucapião (conclusões 8ª a 20ª).</font><br> <br> <font> A Recorrente, invocando desconhecer-se o modo de aquisição do imóvel, que conduziu à sua ocupação, sustenta que, por assim ser, inexiste o “animus possidendi”, correspondendo a situação dos Recorridos a simples detenção, por falta desse elemento psicológico.</font><br> <font> Inexiste uma posse causal, que é a que interessa para efeitos de usucapião, presumindo-se de má fé, sendo erróneo contar o início da posse desde Janeiro de 1985.</font><br> <br> <br> <font> No acórdão impugnado, o Tribunal da Relação respondeu cabalmente à questão e argumentos que a Recorrente se limita a repetir.</font><br> <font> Por isso, bem se poderia, apenas, remeter para o que aí ficou a constar como fundamentação, a coberto da faculdade prevista no art. 713º-5 CPC.</font><br> <br> <br> <font> Acrescentar-se-ão, porém, por oportunas, algumas considerações.</font><br> <br> <font> É certo que os AA. alegaram, mas não provaram, a causa que invocaram para o início da detenção material do imóvel.</font><br> <font> </font><br> <font> Tal não significa, porém, que, por isso, não se possa, ou pudesse, aceitar que utilizaram e fruíram as várias componentes do prédio “na convicção de que lhes pertenciam e de que não lesavam o direito de quem quer que fosse”, como ficou provado nas respostas aos quesitos 12º e 13º.</font><br> <font> A este propósito é oportuno dizer – perante a posição da Recorrente relativamente à factualidade que vem provada - que se está no campo da pura matéria de facto, em sede de apreciação da prova sobre factos a ela submetidos, prova e factos que recaem sobre a simples averiguação de um estado psicológico das pessoas, e que, por isso, se trata de matéria em que está totalmente vedada a intromissão do STJ como Tribunal de revista (arts. 722º-2 e 729º-2 CPC).</font><br> <br> <font> </font><br> <font>A usucapião, tal como a ocupação e a acessão, é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade. Por isso, "o novo titular recebe o seu direito independentemente do direito do titular antigo. Em consequência, não lhe podem ser opostas as excepções de que seria passível o direito daquele titular" (OLIVEIRA ASCENÇÃO, "Direito Civil - REAIS", 5ª ed., 300).</font><br> <font> Invocada a usucapião, como forma de aquisição, justamente porque de aquisição </font><u><font>originária</font></u><font> se trata, irrelevam quaisquer irregularidades precedentes e eventualmente atinentes à alienação ou transferência da coisa para o novo titular, sejam os vícios de natureza formal ou substancial.</font><br> <font>O que passa a relevar e a obter tutela jurídica é a realidade substancial sobre a qual incide a situação de posse. Concorrendo, aferidas pelas características desta, os requisitos da usucapião, os vícios anteriores e as vicissitudes ligadas ao acto ou negócio causal, não afectam o novo direito, que decorre apenas dessa posse, em cujo início de exercício corta todos os laços com eventuais direitos e vícios, incluindo de transmissão, anteriormente existentes.</font><br> <br> <font>Invocada como título de aquisição da propriedade a usucapião e provados os respectivos requisitos integradores, o direito não poderá deixar de ser reconhecido ao requerente.</font><br> <br> <br> <font> Da referida natureza originária da aquisição, tal como caracterizada, bem se compreende que, para efeitos de usucapião, tanto releve a posse unilateralmente adquirida como a decorrente de uma aquisição derivada.</font><br> <br> <font>A posse é, em qualquer caso, uma relação de facto entre uma pessoa e uma coisa e, por isso, “a existência da posse não depende de um facto inicial que a domine para sempre, como sucede na propriedade” (MANUEL RODRIGUES, “</font><i><font>A Posse</font></i><font>”, 2ª ed. 203).</font><br> <br> <font>As condições de aquisição da posse relevam apenas para determinação do seu início, o que, por sua vez, pode ter alguma repercussão sobre os seus efeitos.</font><br> <font>Em consequência, havendo um acto de investidura na posse, como a tradição, o momento em que se iniciam os actos de posse encontra-se determinado.</font><br> <br> <font>Na aquisição unilateral da posse esse momento coincide com o que se demonstrar sobre o efectivo exercício do poder de facto sobre a coisa, correspondente à manifestação do direito real, com intenção de exercer esse poder no seu próprio interesse, isto é, com </font><i><font>animus sibi habendi</font></i><font>.</font><br> <br> <font>Enquanto na aquisição derivada há uma substituição do sujeito que até aí exerceu a relação possessória, substituição que é por este consentida, na posse unilateralmente adquirida cria-se uma relação material nova, independente ou contrária à vontade de quem até então exercia a posse. </font><br> <br> <font>O que acontece, isso sim, é que sendo unilateral a aquisição da posse, quem a invocar só o pode fazer em relação à posse em nome próprio e só essa é atendível, não podendo falar-se em sucessão ou acessão da posse (art. 1256º C. Civil).</font><br> <br> <font>Por outro lado, corresponde-lhe uma posse não titulada, que se presume de má fé (art. 1260º-2 C. Civil).</font><br> <font> </font><br> <font>A presunção, porém, como já se disse na decisão recorrida, foi ilidida.</font><br> <font>É o que inequivocamente encerra a resposta ao quesito 13º (“não lesavam o direito de quem quer que fosse”)</font><br> <br> <br> <font> O elemento psicológico da posse ou </font><i><font>animus</font></i><font>, que a lei exige mas, em caso de dúvida se presume (art. 1252º C. Civil),</font><i><font> </font></i><font>corresponde à manifestação de vontade de quem exerce o poder de facto sobre a coisa de se comportar como titular do direito correspondente, como já se deixou dito.</font><br> <br> <font>Está, ele, bem, patente na resposta ao quesito 12º, também já mencionado.</font><br> <font> Doutro modo, quedava sem explicação lógica, ao menos sob a perspectiva sócio-económica, a realização das obras e construções, colheita de frutos e amanho de terras, de que se dá conta na matéria de facto, durante tanto tempo, isto é, desde 1985.</font><br> <font> Outra não pode ser, perante o quadro oferecido, a data do início da posse, reportadas que vêm, na factualidade assente, a essa data, pelo menos, os actos materiais de detenção (</font><i><font>corpus) </font></i><font>e o correspondente </font><i><font>animus</font></i><font>.</font><br> <font> Apenas uma última nota para consignar que, contrariamente ao que escreve a Recorrente, no acórdão da Relação de Lisboa de 12/10/1995 (proc. 0082946) o que se pode ler, transcreve-se, é que </font><font>“</font><font>a posse que interessa para efeitos de usucapião não é a posse causal e sim a posse formal”, entendimento que vem sendo seguido.</font><br> <font> </font><br> <font> Improcede, pois, a questão proposta relativamente à posse e seus pressupostos. </font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 5. - Suspensão do prazo de usucapião, por menoridade de sócio da Ré (conclusões 21ª a 34ª).</font><br> <font> A Recorrente insiste na questão da suspensão do prazo de usucapião, nos termos do art. 320º-1 C. Civil, mediante a alegação de ser menor, em 1985, o sócio FF, pelo que só em 1987 atingiu a maioridade.</font><br> <br> <font> Mais uma vez se está perante uma questão suscitada apenas no recurso de apelação, sem qualquer alegação anterior ou suporte na factualidade utilizada até à sentença.</font><br> <font> Como tal, também os documentos que suportam os factos que se alegam não reuniam condições de atendibilidade, designadamente com fundamento no 2º segmento do art. 706º CPC.</font><br> <font> </font><br> <font>Apesar disso, a Relação conheceu da questão, o que determina, agora, pronúncia por este Tribunal.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> No acórdão recorrido entendeu-se que a questão teria a ver com legitimidade, sendo Ré a pessoa colectiva (e não os seus sócios).</font><br> <br> <font> Não se diverge, mais uma vez, do entendimento perfilhado.</font><br> <br> <font> Os invocados actos de posse e a usucapião correram contra a anterior dona e possuidora do imóvel que era a Ré, pessoa colectiva.</font><br> <font> Esta é uma sociedade comercial, dotada de personalidade e de capacidade jurídica e judiciária, que age e se vincula externamente através dos actos praticados pelos seus representantes, os gerentes, nos termos constantes do contrato social e/ou das deliberações dos sócios - arts. 5º, 6º, 252º, 259º e 260º CSC.</font><br> <br> <font> O prédio não era pertença do sócio, mas da sociedade, cabendo a esta, através dos seus representantes, embora, provavelmente, com precedência de deliberação dos sócios (art. 246º-2-c) CSC), alienar imóveis. </font><br> <font> Não se encontra fundamento para a pretendida desconsideração da personalidade da pessoa colectiva.</font><br> <font> </font><br> <font> Mesmo que assim não fosse, admitindo que o dito FF era sócio da Ré em 1985, tendo nascido em Maio de 1968, atingiu a maioridade em Maio de 1986, isto é, um ano após a data que acima se teve por fixada como sendo a do início da posse.</font><br> <br> <font> A citação para a acção da Ré para a acção teve lugar em Dezembro de 2006</font><br> <br> <font> Segundo o convocado art. 320º-1, “a prescrição não começa nem corre contra menores enquanto não tiverem quem os represente ou administre os seus bens, salvo se respeitar a actos para os quais o menor tenha capacidade; e, ainda que o menor tenha representante legal ou que administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade” </font><br> <font>Jamais foi alegado, não podendo, por isso ser considerado, que a então menor FF não teve representante legal ou administrador dos seus bens entre a data em que se iniciaram os actos de posse dos Autores – 1985, tendo, então, 17 anos de idade -, e a data em que completando 18 anos, atingiu a maioridade, Maio de 1986.</font><br> <font>A ser assim, o prazo prescricional só deixou de correr, por suspensão, durante o ano completo subsequente à data em que cessou a incapacidade decorrente da menoridade, ou seja, utilizando os dados agora trazidos ao processo pela Recorrente, a suspensão teve lugar entre o ano de 1986 até ao dia, mês e ano que a dito FF fez 18 anos (Maio de 1987), voltando novamente a correr até se completar - art. 320º-1 C. Civil.</font><br> <br> <font>Ora, se, como se deixou julgado, a posse foi exercida de boa fé, porque ilidida a presunção que decorria da falta de título, o prazo de usucapião, que é de quinze anos, ter-se-á por preenchido a partir de Maio de 2002 – arts. 1260º-2 e 1296º C. Civil. </font><br> <br> <font>O prazo de usucapião encontrava-se, pois, em qualquer caso, há muito completo.</font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 6. - Interrupção do prazo de usucapião; - processo de liquidação da sociedade (conclusões 35ª a 47ª).</font><br> <font> Quanto a esta questão, a Recorrente alega ter sido dissolvida e encontrar-se pendente o processo de liquidação em que os Recorridos são intervenientes acidentais. </font><br> <font>Em 6 de Junho de 2005, o Liquidatário Judicial enviou-lhes a carta junta com a petição inicial, a qual tem força bastante para interromper o decurso do prazo para efeitos de usucapião, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do art. 323º e 1292º C. Civil.</font><br> <font> Daqueles factos deve o tribunal conhecer oficiosamente em virtude do exercício das suas funções e, por via disso, o quesito 11º “Sem oposição de ninguém?”, deveria ser respondido negativamente.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>Concluiu-se a apreciação da questão anterior afirmado que, pelos fundamentos expostos, o prazo de usucapião ficara completo a partir do mês de Maio de 2002.</font><br> <font>Por isso, de nada adianta invocar factos posteriormente ocorridos.</font><br> <br> <br> <font>De resto, a matéria relativa à prescrição não é de conhecimento oficioso, carecendo de ser invocada pelos interessados a quem possa aproveitar e no momento e lugar próprio, que são os articulados (contestação) da acção (arts. 303º C. Civil e 489º CPC), sendo que, uma vez mais, a questão foi inovadoramente colocada, de facto e de direito, no recurso de apelação.</font><br> <br> <br> <font>De acrescentar, como já se disse no acórdão recorrido, que só há lugar a interrupção da prescrição quando o acto de que resulta a afirmação da intenção de exercer o direito seja levado a cabo por via de citação ou notificação judicial, incluindo a notificação avulsa (Ass. 3/98, de 26/3/98 – DR, I-A, de 12/5/98).</font><br> <font>Não é, por isso, meio adequado para o efeito uma carta enviada pelo Liquidatário em 2005 nem o são quaisquer notificações desde então operadas no apenso de liquidação cujo objecto não consiste em dirimir a propriedade do imóvel. </font><br> <font> </font><br> <font>Quanto à matéria de facto – resposta ao quesito 11º - reafirma-se o anteriormente dito: - Não concorrem os pressupostos legalmente exigidos, pois que não se oferece documento com força probatória plena que infirme o facto provado (art. 722º, último segmento, CPC).</font><br> <br> <font> Improcede a pretendida interrupção do prazo de usucapião.</font><br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. 7. - Apresentação da acção de justificação. Interrupção da prescrição (conclusões 48ª a 56ª). </font><br> <font> </font><br> <font>A questão suscitada está já respondida.</font><br> <font> Vale aqui quanto se deixou explanado sobre a invocação da prescrição – legitimidade, forma de arguição e do acto interruptivo -, bem como sobre o decurso do prazo de usucapião em razão dos elementos da posse que ficaram provados. </font><br> <font> Relembra-se, apesar de tudo, que se a acção de justificação foi proposta na Conservatória de Registo Predial em 7 de Setembro de 2005, encontrando-se então, desde mais de três anos antes, decorrido o prazo de aquisição por usucapião, indiferente se revela a oposição contra o direito exercitado apresentada pela Ré ou pelos respectivos Sócios. </font><br> <br> <font> De desatender, também, esta última questão.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> - Negar a revista;</font><br> <font> - Manter o decidido no acórdão impugnado; e,</font><br> <font> - Condenar a Recorrente nas custas.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>Supremo Tribunal de Justiça,</font><br> <br> <font>Lisboa, 16 de Novembro de 2010. </font><br> <br> <font>Alves Velho (Relator)*</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias </font><br> <font>_____________________________</font><br> <font>* Sumário e descritores elaborados pelo Relator</font><br> <font> </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font> </font></b> <p><b><font>Proc. N.º 41/09.2TOLSB.L1.S2</font></b></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> <p><b><font>Relator </font></b><font>– Moreira Alves&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><b><font>Adjunto</font></b><font>s - Alves Velho</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;- Paulo de Sá</font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font> </font><br> <font>- Execução Comum para cobrança de custas liquidadas no Tribunal Constitucional, no âmbito de inquérito criminal que correu termos no 5º Juízo do TIC de Lisboa.</font><div><br> <font>*</font></div><font>- Execução instaurada em 26/1/2008. &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> <font>- Exequente – </font><b><font>Mº Pº</font></b><font>. </font><div><br> <font>*</font></div><font>- Executada – </font><b><font>AA</font></b><font>.</font><br> <font>- Valor – 3.360,00 €</font><div><br> <font>*</font></div><u><font>Sequência do processado</font></u><div><br> <font>*</font></div><font>“</font><i><font>AA viu rejeitado o pedido de abertura de instrução que, enquanto assistente, formulara no processo 6915/05.2TDLSB do 5º juízo do TIC de Lisboa.</font></i><br> <i><font>Inconformada com o despacho que não lhe admitiu o recurso daquela rejeição deduziu reclamação, a qual lhe foi indeferida.</font></i><br> <i><font>Veio, então, arguir a nulidade do despacho que indeferiu a reclamação, arguição que foi, igualmente indeferida.</font></i><br> <i><font>Pediu, em seguida, aclaração do despacho que indeferiu a reclamação, a qual foi, novamente, indeferida.</font></i><br> <i><font>Como indeferido foi o requerimento que apresentou pedindo a retirada deste último despacho de expressão pretensamente ofensiva.</font></i><br> <i><font>De todos estes despachos recorreu para o Tribunal Constitucional, o que porém não foi admitido.</font></i><br> <i><font>Deduzida reclamação dessa não admissão do recurso, veio a mesma a ser indeferida pelo acórdão 210/2008, que condenou a reclamante em custas.</font></i><br> <i><font>A arguição de nulidade desse acórdão foi indeferida, por extemporaneidade, pelo acórdão 334/2008, que condenou a reclamante em custas.</font></i><br> <i><font>Elaborada, notificada e não paga a conta de custas devidas no Tribunal Constitucional foi extraída certidão para efeitos de cobrança coerciva e enviada ao TIC de Lisboa onde foi, em 26 JAN 2009, distribuída ao 1 ° Juízo, dando origem a esta execução.</font></i><br> <i><font>Em 16 JUN 2010 a executada veio arguir a falta de citação, o que foi indeferido.</font></i><br> <i><font>Veio, então, arguir, em 22 JUL 2010, a incompetência do tribunal, por ser competente o 5º Juízo, dado o disposto no art.° 117º do CCJ.</font></i><br> <i><font>Seguiu-se decisão que, considerando que as custas exequendas são devidas em processo originado no processo do 5º Juízo do TIC e o disposto no art.° 117° do CCJ, julgou incompetente o 1º Juízo, anulando todos os atos entretanto praticados e levantando as penhoras efetuadas.</font></i><br> <i><font>Inconformado, apelou o M.P., concluindo pela competência do 1º Juízo, dado o disposto no artº 118° do CCJ, e pela validade dos atos praticados.</font></i><br> <i><font>Houve contra-alegação onde se propugna pela limitação do âmbito do recurso e pela manutenção do decidido.</font></i><br> <i><font>Por acórdão proferido em conferência na 5ª secção (criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa, foi revogado o decidido, declarando-se competente o 1º Juízo do TIC de Lisboa.</font></i><br> <i><font>Indeferido o pedido de aclaração que formulou, interpôs recurso de revista com fundamento na incompetência em razão da matéria da secção criminal, o qual não foi admitido.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font></i><br> <i><font>A recorrente reclamou desse despacho, nos termos do Artº 688º do C.P.C., tendo o Exmº Vice-Presidente do STJ ordenado a sua distribuição pelas secções criminais.</font></i><br> <i><font>A secção criminal a que o processo foi distribuído julgou-se incompetente em razão da matéria, para conhecer da reclamação, determinando a remessa dos autos à distribuição pelas secções cíveis.</font></i><br> <i><font>Por decisão singular do relator (6ª secção - cível) foi admitido o recurso.</font></i><br> <i><font>E conhecendo dele, o mesmo relator, dando provimento ao recurso, revogou o acórdão recorrido, determinando o conhecimento do recurso pelas secções cíveis do Tribunal da Relação de Lisboa, por estarmos perante uma causa "que não tem natureza penal mas sim cível".</font></i><br> <i><font>Proferiu então a Relação (1ª Secção Cível) acórdão sobre o recurso interposto da decisão proferida na execução por custas acima identificada e que declarara competente para a sua tramitação o 5° Juízo do TIC de Lisboa e declarara nulos os atos praticados na tramitação ocorrida no 1º Juízo do mesmo tribunal; tal acórdão julgou procedente a apelação e, consequentemente, revogou o despacho recorrido, declarando competente o 1º Juízo do TIC de Lisboa e não padecerem os atos praticados de qualquer invalidade decorrente da competência do tribunal.</font></i><br> <i><font>Do acórdão que assim decidiu vem interposta a presente revista, distribuída como excepcional, pela mesma AA que, para justificar a respetiva admissibilidade, se baseia no disposto nos artºs 678°, n.° 2, al. a), e 721°-A, n.° 1, als. a) e c), do Cód. Proc. Civil.</font></i><font>”</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Apresentados os autos à formação de juízes a que se refere o nº 3 do Artº 721-A do C.P.C. revogado (então aplicável), foi proferido acórdão que, não admitindo a revista a título excepcional, ordenou, no entanto, a distribuição normal do processo, prevenindo a possibilidade de o recurso ser admissível nos termos gerais. </font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Admitido o recurso, cumpre apreciá-lo.</font><br> <font> </font><div><br> <font> </font> <p><font>*</font> </p><p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Considerando a valor da execução ou o disposto no Artº 854º do Novo C.P.C., cujo regime recursivo é o aplicável ao caso (Artº 6º nº 1 da Lei 41/2013), em princípio, a decisão aqui em crise (Ac. da 1ª Secção Cível do T. da Relação de Lisboa – v. fls. 215/218) não seria susceptível de recurso para o S.T.J.</font> <p><font>A sua admissibilidade especial, resulta apenas da circunstância de ter sido invocado como fundamento do recurso, </font><u><font>a ofensa de caso julgado e a violação das regras de competência em razão da matéria</font></u><font>. (Artº 629º nº 2 a) do C.P.C.).</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Mas, assim sendo, só essas duas questões poderão ser apreciadas em sede de revista, o que de seguida se fará.</font><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font> </p><p><font> </font> </p><p><u><font>1ª Questão</font></u> </p><p><u><font>Ofensa de caso julgado</font></u> </p><p><font>*</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Diz a recorrente que o acórdão de 13/11/2012 (v. fls. 215/218) ao decidir que o 1º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa tem competência material para a execução que lhe foi distribuída em 29/01/2009, ofenda caso julgado formado nos autos. </font> <p><font>Ao que parece, os casos julgados “ofendidos” a que se refere a recorrente, ter-se-iam formado:</font> </p><p><font>- No Ac. do S.T.J. (secção criminal) de 26/4/2012 – v. fls. 67/70 do Apenso de reclamação –</font> </p><p><font>- Com a decisão singular proferida neste S.T.J., pelo Exmº relator da 6ª secção cível – v. fls. 77/78 do Apenso de Reclamação -, e</font> </p><p><font>- Com a decisão singular do mesmo relator – v. fls. 201/202 – 1º vol. -&nbsp; </font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Salvo melhor opinião, não se verifica qualquer ofensa do caso julgado.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Nos termos do disposto do Artº 621º do C.P.C. (alcance do caso julgado), </font> <p><font>“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga …”, (redacção idêntica à do Artº 673 do anterior diploma adjectivo).</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Ora, desde logo, nenhuma das decisões referidas pela recorrente decidiu que o 1º ou o 5º juízos do TIC era competente ou incompetente para processar a presente execução, se mais não fosse, porque não era essa questão o objecto de qualquer dos recursos em que essas decisões foram proferidas.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Vejamos melhor.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Quanto ao </font><u><font>Ac. da Secção Criminal deste S.T.J. de 26/4/2012</font></u><font>, o que aí se decidiu, foi a sua incompetência em razão da matéria para julgar da reclamação de um despacho que não admitiu um recurso, reclamação a que era aplicável o regime do Artº 688º do C.P.C. </font> <p><font>Por outro lado, o objecto do recurso que, em sede da dita reclamação, a executada pretendia ver recebido (como viu), era a questão da competência/ incompetência material da secção criminal da Relação para conhecer do primitivo recurso, intentado pelo Mº Pº. </font> </p><p><font>Ora, nesse primeiro recurso, que se designará por recurso primitivo, estava em causa </font><u><font>questão diferente</font></u><font>, que se circunscrevia a indagar se era competente para processar a presente execução, o 1º ou o 5º juízo do TIC.</font> </p><p><font>No fundo, a questão limitava-se a saber se a execução corria por apenso ao processo de inquérito original (como defendeu o despacho recorrido), ou se a certidão executiva emitida pelo T. Constitucional devia, antes, ser distribuída pelos juízes de instrução criminal, como efectivamente se fez e é defendido pelo Mº Pº no seu recurso. Por outras palavras, a questão resumia-se em determinar se era aplicável ao caso o Artº 117º ou 118º nº 2 do C.C.J., na redacção então em vigor.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>De facto, até à prolação do Ac. da R. L. (1ª Secção Cível) de 13/11/2012 – fls. 215/ 218 – 2º vol., nunca se pôs em questão a competência material dos juízos do TIC de Lisboa para processar a presente execução por custas. Na verdade, até ao Ac. de 13/11/2012, a própria executada sempre defendeu a competência do </font><u><font>5º juízo do TIC</font></u><font>, tanto que na sua contra-alegação ao recurso do Mº Pº, claramente apoiou o despacho de 1ª instância recorrido (despacho de 12/10/2010 – v. fls. 105/ 105v. – 1º vol.), que declarou o 1º juízo de instrução criminal de Lisboa incompetente para execução e </font><u><font>competente para o efeito, o 5º juízo de instrução criminal</font></u><font>, propondo, em conformidade, a improcedência do recurso do Mº Pº.&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> <p><font>De facto, nas referidas contra-alegações, defendeu a executada a aplicação do direito invocado na jurisprudência documentada no seu requerimento de fls. 93 (1º Vol.), ou seja, a jurisprudência perfilhada pelo Ac. da R. L. de 30/6/2010 e pelos Ac. do Supremo de 23/5/2002 e 2/3/2004, estes últimos relatados, respectivamente pelo Consº Dionísio Correia e Afonso de Melo (confr. contra-alegação de fls. 131/132). </font> </p><p><font>Ora, se confrontarmos essa jurisprudência (v. fls. 94/ 98v. – 1º vol.), verifica-se, com toda a evidência, que aí se defendeu ser “…competente para tramitar a execução por dívida de custas liquidadas no Tribunal Constitucional, o Tribunal do processo onde foi proferida a decisão que deu origem ao recurso a que respeitam as custas” e, na sequência, que “…os juízes de Instrução Criminal sendo Tribunais de competência especializada, receberam competência para a execução das suas decisões, independentemente da natureza criminal ou cível das matérias em causa, cingindo-se a competência dos juízes de execução apenas às execuções de decisões de natureza cível em que esteja em causa a liquidação.” </font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;*</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Posto isto, é manifesto que a questão decidida pelo Ac. da Secção Criminal deste S.T.J., de 26/4/2012 é distinta da que foi decidida pelo Ac. da Secção Cível da Relação de Lisboa, de 13/11/2012, aqui sob censura, pelo que não existe a alegada ofensa de caso julgado.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Note-se, finalmente, que o facto de no acórdão agora sob recurso se dizer que o processo de execução por custas não tem natureza penal…, não altera em nada a situação. </font> <p><font>De resto, como se vê da parte final do seu texto, não se põe de parte o facto de, em 1ª instância, a competência poder, eventualmente, caber a um tribunal criminal, situação que não prejudica, na óptica do acórdão, a sua incompetência para apreciar e decidir uma reclamação submetida ao regime do Artº 688º do C. P. Civil.</font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Da mesma forma, </font><u><font>a decisão singular de 28/5/2012 </font></u><font>(v. fls. 77/78 do Apenso), não formou caso julgado que tenha sido ofendido pelo acórdão ora em recurso. </font> <p><font>Aquela decisão limitou-se a decidir a reclamação do Artº 688º do C.P.C., tendo concluído pela admissão do recurso, decisão que foi integralmente cumprida, e, que, como é evidente, nada tem a ver com a questão de saber se os juízos do TIC são ou não são competentes para processar a presente execução por custas. </font></p><div><br> <font>*</font> <p><font>*&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Também a </font><u><font>decisão singular de 5/9/2012</font></u><font> (v. fls. 201/202 – 1ª vol.) </font><u><font>não teve</font></u><font> por objecto a questão da competência material dos juízos de instrução criminal para a presente execução por custas, questão que, como já se notou, nem sequer estava em causa.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>O que aqui se decidiu, foi apenas que, para conhecer do primitivo recurso do Mº Pº, eram competentes as secções cíveis da Relação e não as secções criminais. </font> <p><font>Ora, esta decisão foi inteiramente cumprida, tendo o processo sido distribuído à primeira secção cível do T. da Relação de Lisboa, assim se esgotando o efeito útil do julgado. </font> </p><p><font>O que depois foi decidido pela </font><u><font>1ª secção cível da Relação</font></u><font> (Tribunal declarado competente, em razão da matéria, pela decisão singular de 5/9/2012) no seu acórdão de fls. 215/218 (Apenso), foi exactamente o objecto do primitivo recurso do Mº Pº, que nada tem a ver com o decidido singularmente a 5/9/2012.</font> </p><p><font>Portanto, também aqui não existe qualquer ofensa de caso julgado, como parece evidente.</font> </p><p><font>Aliás, nem podia existir. </font> </p><p><font>Pois, se a decisão singular aqui em causa decidiu, exactamente, serem competentes materialmente as secções cíveis da Relação, para apreciar a questão de saber se é competente para processar a execução o 1º ou o 5º juízo do TIC (que como se tem referido, é o único objecto de recurso primitivo do Mº Pº), é óbvio que não podia (seria mesmo um contra-senso) tomar qualquer posição a respeito da questão, para apreciação da qual, declarou competentes as ditas secções cíveis da Relação.</font></p><div><br> <font>*</font> <p><u><font>2ª Questão</font></u> </p><p><u><font>Violação das regras da competência material</font></u> </p><p><font>*</font> </p><p><font>*</font></p></div><br> <font>Alega a executada/ recorrente que o acórdão da 1ª Secção Cível da Relação de Lisboa, de 13/11/2012, viola as regras da competência em razão da matéria, ao que parece, porque o TIC (seja o 1º juízo, seja o 5º) não tem competência material para processar a presente execução por custas devidas e liquidadas no Tribunal Constitucional, no âmbito do processo de inquérito nº 6915/05.2TDLSB, do 5º juízo do TIC de Lisboa.</font> <p><font>Vejamos melhor:</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Como se viu, a execução foi movida pelo Ministério Público e o título executivo é a certidão emitida pelo Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 12.º, n.º 1, do DL n.º 303/98, de 07-10, em que se contém a conta de custas n.º 438/2008, ali contabilizadas, no valor de € 3360 (três mil trezentos e sessenta euros) – cf. fls. 8 e segs..</font> <p><font>O DL n.º 303/98 dispõe sobre o regime de custas no Tribunal Constitucional –cf. art. 1.º –, competindo à secretaria do Tribunal Constitucional a elaboração da conta e a liquidação das custas - art. 10.º.</font> </p><p><font>Nos termos do art. 3.º, daquele diploma, o regime de custas referente aos recursos e reclamações no Tribunal Constitucional – cf. n.ºs 2 a 4 do art. 84.º da Lei n.º 28/82, de 15-11 – é o estabelecido para as custas cíveis no Código das Custas Judiciais (CCJ), e respectiva legislação complementar, com as necessárias adaptações e ressalvadas as disposições do próprio diploma.</font> </p><p><font>Em caso de não pagamento voluntário das custas, rege o art. 12.º, sob a epígrafe “</font><i><font>Instauração da execução</font></i><font>“ – integrado na Secção IV “</font><i><font>Pagamento coercivo das custas e multas</font></i><font>” –, nos seguintes moldes:</font> </p><p><font>“</font><i><font>1. Decorrido o prazo de pagamento das custas ou multas sem a sua realização ou sem que ele tenha sido possível nos termos do artigo anterior, é entregue certidão ao Ministério Público, para fins executivos.</font></i> </p><p><i><font>2. A execução é instaurada no tribunal competente, com base na certidão a que se refere o número anterior.</font></i> </p><p><i><font>3. A secretaria do tribunal onde correu a execução deve remeter imediatamente ao Tribunal Constitucional, por cheque emitido à ordem deste, o valor correspondente às custas ou multas cobradas.</font></i> </p><p><i><font>4. Para controlo dos pagamentos, no Tribunal Constitucional fica duplicado da certidão referida no n.º 1</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Parece evidente, como se decidiu no Acórdão deste STJ, de 14-05-2002, Agravo n.º 1355/02: “Não identificando o DL n.º 303/98, de 07-10, o tribunal competente para a execução por custas aplicadas e contadas no Tribunal Constitucional, e não havendo qualquer disposição legal a atribuir essa competência a outra ordem jurisdicional, o respectivo processo executivo terá de ser tramitado nos tribunais judiciais”. </font> </p><p><font>O mesmo observa Amâncio Ferreira: “Os tribunais judiciais são assim também competentes para executar as decisões proferidas por outros órgãos jurisdicionais carecidos de competência executiva, salvo se esta competência for atribuída a outros. (…) É o que se verifica no que concerne às custas e multas em dívida no TC, desde que o processo onde elas foram, respectivamente, contadas e liquidadas, proceda de tribunal judicial (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 303/98, de 07-10)”- </font><i><font>Curso de Processo de Execução</font></i><font>, 2007, 10.ª edição, pág. 95.</font></p><div><br> <b><font>*</font></b></div><br> <font>Atendendo à data da instauração da execução (26-01-2008), urge ponderar os preceitos da Lei n.º 3/99, de 13-01 – Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) –, na redacção emergente do DL n.º 303/2007, de 24-08, designadamente:</font> <p><font>- Art. 77.º, n.º 1, alínea c): “</font><i><font>Compete aos tribunais de competência genérica (…) Exercer, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no Código de Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de outro tribunal.</font></i><font>”</font> </p><p><font>- Art. 79.º (</font><i><font>Tribunais de instrução criminal</font></i><font>): </font> </p><p><font>“</font><i><font>1. Compete aos tribunais de instrução criminal proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito. </font></i> </p><p><i><font>2. Quando o interesse ou a urgência da investigação o justifique, os juízes em exercício de funções de instrução criminal podem intervir, em processos que lhes estejam afectos, fora da sua área territorial de competência</font></i><font>”.&nbsp; </font> </p><p><font>- Art. 96.º, n.º 1, alínea g): “</font><i><font>Podem ser criadas as seguintes varas e juízos de competência específica (…) Juízos de execução</font></i><font>”.</font> </p><p><font>- Art. 102.º-A (</font><i><font>Juízos de execução</font></i><font>):</font> </p><p><font>“</font><i><font>1. Compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil. </font></i> </p><p><i><font>2. Estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil. </font></i> </p><p><i><font>3. Compete também aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução por dívidas de custas cíveis e multas aplicadas em processo cível, as competências previstas no Código de Processo Civil não atribuídas aos tribunais de competência especializada referidos no número anterior</font></i><font>”.</font> </p><p><font>- Art. 103.º (Execução das decisões): “</font><i><font>Sem prejuízo da competência dos juízos de execução, os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Estes os normativos relevantes; vejamos a sua evolução:</font> </p><p><font>A LOFTJ, na redacção inicial da Lei n.º 3/99, de 13-01, consagrava o princípio de que quem decide é quem executa, preceituando no art. 103.º (</font><i><font>competência</font></i><font>): “</font><i><font>Os tribunais de competência especializada e de competência específica são competentes para executar as respectivas decisões</font></i><font>”.</font> </p><p><font>Em 2003, pelo DL n.º 38/2003, de 08-03, foram introduzidas diversas alterações à LOFTJ, destacando-se, no que aqui interessa, a possibilidade de criação de juízos de competência específica de execução – art. 96.º, n.º 1, al. g) –, aos quais passava a competir (nas circunscrições em que fossem criados e instalados) exercer, irrestritamente, no âmbito do processo de execução, as competências previstas no CPC.</font> </p><p><font>Entretanto, em 2005, foi a LOFTJ de novo alterada, pela Lei n.º 42/2005, de 29-08, sendo conferida, perante a nova redacção dada aos arts. 102.º-A e 103.º (que se reproduziram supra), uma competência com algumas restrições aos juízos de execução. Destarte, o art. 103.º da LOFTJ voltou a estabelecer o princípio geral de que quem decide é quem executa, com a ressalva “</font><i><font>sem prejuízo da competência dos juízos de execução</font></i><font>…” (entretanto criados e instalados em algumas Comarcas, conforme explicação mais detalhada no ponto subsequente).</font> </p><p><font>Concomitantemente, o art. 102.º-A, continuando a estabelecer a regra geral da competência dos juízos de execução (n.º 1), introduziu exclusões a essa regra, afastando da sua competência “(…) </font><i><font>os processos atribuídos aos tribunais de família e menores, aos tribunais do trabalho, aos tribunais de comércio e aos tribunais marítimos e as execuções de sentenças proferidas por tribunal criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil</font></i><font>”.</font> </p><p><font>A lei, ao aludir às “</font><i><font>execuções de sentenças proferidas por juízo criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante o tribunal civil</font></i><font>”, está a pensar e a ter em vista as execuções em que a condenação numa indemnização cível é em quantia certa, porque em relação às outras, em que a condenação é em montante indemnizatório a “</font><i><font>liquidar em execução de sentença</font></i><font>”, a execução, nos termos do art. 82.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código de Processo Penal (CPP), corre perante o tribunal cível – cf., neste sentido, Acórdãos do STJ, de 10-09-2009, e de 17-12-2009, Processos n.ºs 76/09.5YFLSB e 09P0612, respectivamente.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Na sequência da reforma do regime jurídico da acção executiva, operada pelo DL n.º 38/2003, foram criados Juízos de Execução. </font> <p><font>Especificamente, o DL n.º 148/2004, de 21-06, criou os 1.º, 2.º e 3.º Juízos de Execução da Comarca de Lisboa, os 1.º e 2.º Juízos de Execução da Comarca do Porto, e os Juízos de Execução das Comarcas de Guimarães, Loures, Maia, Oeiras e Sintra, dispondo, no seu art. 5.º, que aqueles Juízos de execução “entram em funcionamento na data em que for determinada a respectiva instalação por portaria do Ministro da Justiça”. </font> </p><p><font>Decorrido cerca de um ano, a Portaria n.º 1322/2004, de 16-10, veio a declarar “instalados, a partir de 18 de Outubro de 2004, o 1.º e o 2.º Juízos de Execução da Comarca de Lisboa e o 1.º Juízo de Execução da Comarca do Porto, compreendendo cada um deles três secções de processos”.</font> </p><p><font>Por sua vez, a Portaria n.º 822/2005, de 14-09, declarou “instalados, a partir de 15 de Setembro de 2005, o 3.º Juízo de Execução da Comarca de Lisboa e o 2.º Juízo de Execução da Comarca do Porto, compreendendo cada um deles três secções de processos”.</font> </p><p><font>Harmonicamente, o Regulamento da LOFTJ – aprovado pelo DL n.º 186-A/99, de 31-05, na versão decorrente do DL n.º 250/2007, de 29-06 –, no respectivo Mapa VI, publicado em anexo, indica que a Comarca de Lisboa dispunha (nessa data) de 3 Juízos de Execução.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>O Código das Custas Judiciais, vigente à data da entrada da execução – DL n.º 224-A/96, de 26-11 (então, na sua 13.ª versão, emergente da Lei n.º 53-A/2006, de 29-12) –, estabelecia que as execuções por custas, multas e outros valores contados eram instauradas por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, observando-se os termos do processo comum – art. 117.º –, ressalvando-se os casos de multas aplicadas a intervenientes acidentais e as quantias devidas no inquérito e na instrução em processo penal, casos em que a execução seria instaurada autonomamente pelo Ministério Público, com base em certidão que, para o efeito, a secção de processos lhe entregaria – art. 118.°.</font> <p><font>Com efeito, era a seguinte a redacção daqueles normativos:</font> </p><p><font>Art. 117.º (</font><i><font>Termos da execução por custas, multas e outros valores contados</font></i><font>) </font> </p><p><font>“</font><i><font>1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, as execuções por custas, multas e outros valores contados são instauradas por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, autuando-se o requerimento inicial e observando-se os demais termos do processo comum. </font></i> </p><p><i><font>2. No caso de desapensação de processos, junta-se ao de execução certidão da conta ou da liquidação, mencionando-se a data do termo do prazo de pagamento voluntário. </font></i> </p><p><i><font>3. Não é transferido o produto das execuções decorrentes de condenações nas Relações ou no Supremo Tribunal de Justiça quando funcionem como 1.ª instância</font></i><font>”.&nbsp; </font> </p><p><font>Art. 118.º (</font><i><font>Termos da execução em casos especiais</font></i><font>) </font> </p><p><font>“</font><i><font>1. A execução por multas aplicadas a intervenientes acidentais efectua-se com base em certidão da liquidação, que a secção entregará ao Ministério Público, no prazo de 5 dias. </font></i> </p><p><i><font>2. O disposto no número anterior é aplicável à execução por quaisquer quantias devidas no inquérito ou na instrução em processo penal, aguardando-se, porém, o seu termo para a instauração da execução</font></i><font>”.&nbsp; </font> </p><p><font>A respeito da concatenação destes preceitos legais com os demais diplomas aplicáveis, Salvador da Costa – </font><i><font>in Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado</font></i><font>, 8.ª edição, 2005 –, em anotação ao art. 117.º do CCJ, aduz: </font> </p><p><font>“</font><i><font>Tem-se suscitado a questão de saber se as acções executivas por dívidas de custas, multas e outros valores contados em processos criminais ou de contra-ordenação passaram ou não a inscrever-se na competência dos juízos de execução em funcionamento nas áreas englobadas no seu âmbito de jurisdição.</font></i> </p><p><i><font>Tendo em conta, além do mais, o disposto no art. 92.º do Código de Processo Civil, o que se prescreve nos arts. 491.º, n.º 2, e 510.º do Código de Processo Penal, e 89.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, parece não se excluir a solução afirmativa.</font></i> </p><p><i><font>Nesta perspectiva, em âmbito mais alargado da questão que já se suscitou, parece-nos que as execuções por custas, multas ou outros valores contados, não obstante alguma da sua tramitação constar do Código das Custas Judiciais, se inscrevem na competência dos juízos de execução do lugar em que tenha corrido o processo onde operou a notificação da respectiva conta ou liquidação, independentemente de ela ter operado em juízos de competência especializada ou específica ou mesmo em juízos de paz</font></i><font>” (p. 498).</font> </p><p><font>O mesmo autor, em anotação ao art. 118.º do CCJ, escreve: </font> </p><p><font>“</font><i><font>O tribunal competente para conhecer das referidas acções executivas é aquele que proferiu a decisão condenatória que constitua o respectivo título executivo, salvo se se tratar de circunscrição abrangida pelos juízos de execução (arts. 77.º, n.º 1, al. c), 102.º-A, 103.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro)</font></i><font>” (pp. 500/501).</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Procurando conjugar as diversas disposições legais acima referidas, parece poder concluir-se que a regra geral contida no art. 117.º, n.º 1, do CCJ (em vigor à data da instauração da presente execução por custas) é a de que a execução por dívida de custas corre por apenso ao processo em que teve lugar a notificação para pagamento, seguindo os termos do processo comum.</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Mas o art. 118.º, n.º 2, estabeleceu uma excepção a esta regra geral, que prevalece sobre ela em função da relação de especialidade.</font> <p><font>Assim, a execução por quaisquer quantias devidas no inquérito ou na instrução em processo penal (abrangem-se, pois, as custas – taxa de justiça e encargos) não corre por apenso ao processo em que se formou o título executivo.</font> </p><p><font>Diferentemente, a execução será instaurada autonomamente pelo MP, com base na certidão da liquidação que, para o efeito, a secção de processos lhe entregará.</font></p><div><br> <font>*</font></div><br> <font>Será, então, competente materialmente para processar a execução o tribunal que proferiu a decisão que constitui o título executivo (se tiver competência para executar a sua própria execução).</font><div><br> <font>*</font></div><br> <font>No caso, embora no âmbito do inquérito a correr termos no 5.º Juízo de Instrução Criminal, a condenação em custas foi proferida, em sede de recurso, pelo Tribunal Constitucional.</font><div><br> <font>*</font></div>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> </font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font> </font><font>I</font><font> – </font><br> <br> <br> <font> AA, Lª intentou, no Tribunal Judicial de Espinho, acção ordinária contra BB, Lª, pretendendo obter a sua condenação no pagamento de 138.849,48 €, correspondente ao preço não pago de fornecimentos de animais vivos e juros desde a citação.</font><br> <font> </font><br> <font> A R. contestou, pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção, pediu a condenação da A. no pagamento de 4.050,24 €, importância esta correspondente ao devido no acerto de contas entre ambas.</font><br> <font> </font><br> <font> Houve réplica por parte da A. e o processo seguiu a sua tramitação normal até julgamento, após o qual foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente e, por via disso, a condenar a R. no pagamento à A. de 127.840,97 € e juros, e a julgar improcedente a reconvenção.</font><br> <br> <font> A R., não conformada com o julgado, apelou para o Tribunal da Relação do Porto, pondo exclusivamente em causa a decisão sobre a matéria de facto.</font><br> <font> Esta instância, depois de apreciar o mérito da queixa da apelante, acabou por concluir que “face à improcedência da impugnação da matéria de facto, e como no recurso não se questiona a solução jurídica do pleito, resta julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida”.</font><br> <font> Ainda irresignada a R. pede revista do acórdão confirmatório.</font><br> <font> Em defesa da manutenção do aresto impugnado respondeu a recorrida.</font><br> <font> </font><font>II </font><font>– </font><br> <br> <font> Nos termos do disposto no nº 6 do art. 713º, </font><i><font>ex vi</font></i><font> art. 726º, ambos do CPC, limitamo-nos a dizer que os factos provados são apenas os que constam do acórdão recorrido.</font><br> <font> </font><font>III </font><font>– </font><br> <font> Nas extensas conclusões com que fechou a minuta de recurso, a recorrente colocou à nossa consideração três questões: a primeira tem a ver com alegada violação de norma substantiva de direito probatório, a segunda com o acerto do julgamento da matéria de facto, e a terceira com nulidade da decisão por pretensa omissão de pronúncia.</font><br> <br> <font> Debrucemos, pois, a nossa atenção para a análise do mérito das questões postas.</font><br> <br> <font> As duas primeiras questões assinaladas estão entre si umbilicalmente ligadas. Na verdade, a não ser aceite a tese de erro na aplicação de normas de direito probatório material por parte das instâncias resta-nos dizer da impossibilidade de qualquer espécie de crítica ao julgamento sobre o juízo probatório por elas firmado, atenta a específica competência deste STJ no que tange às matérias a ele submetidas a apreciação (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 721º, nº 2, do CPC).</font><br> <font> A nossa missão é, pois, ver se a questão colocada pela recorrente cai na alçada da previsão do nº 2 do art. 722º do diploma legal citado.</font><br> <br> <font> No recurso de apelação, a R. defendeu que os documentos de fls. 223-240, as cópias dos extractos de fls. 541-251 e o balanço da A. não podiam ser considerados por terem sido impugnados por si quer quanto ao conteúdo quer quanto à letra e assinaturas deles constantes.</font><br> <font> Agora insurge contra o facto de a Relação se ter pronunciado sobre a possibilidade de valoração dos documentos em causa, estribando-se, para tanto, no art. 366º do CC, tendo apenas reportado a sua decisão no facto de terem sido impugnados quanto à letra e assinatura, mas já não no que toca à impugnação do seu conteúdo, exactidão da reprodução mecânica e inexactidão das traduções.</font><br> <font> Segundo a recorrente esta omissão importa mesmo nulidade de decisão contemplada e sancionada pela al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC.</font><br> <font> Este é um argumento novo que não colhe, não pode colher, peso para alteração do rumo tomado pelo Tribunal da Relação a este respeito.</font><br> <font> Com efeito, esta limitou-se a dizer – e bem – que os documentos referidos são meramente particulares e, como tais, são de livre apreciação. Esta apreciação, como claramente resulta do art. 366º do CC, refere-se à globalidade do documento, o que significa que o juiz é livre na apreciação de tudo o que nele consta.</font><br> <font> Em reforço desta nossa posição socorremo-nos da autoridade de Pires de Lima e Antunes Varela: “os documentos escritos a que falte algum dos requisitos legais não são destituídos de todo o valor probatório. É o que acontece, por exemplo, com um documento não assinado ou com uma simples minuta. O tribunal não está inibido, em qualquer dos casos, de lhes atribuir algum valor. O que estes documentos não podem é satisfazer a exigência legal de forma” (</font><i><font>in</font></i><font> Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, pág. 324).</font><br> <font> O facto de a R., ora recorrente, ter impugnado tais documentos, não impossibilitou o tribunal de apreciar os mesmos no contexto global de toda a prova, dando as respostas adequadas aos vários quesitos formulados. As mesmas não poderão ser alteradas em função da crítica (infundada) da recorrente. </font><br> <font> Carece, pois, de razão a recorrente: não só não houve violação de disposição legal de direito probatório material com também não houve, a este respeito, qualquer omissão de pronúncia – a Relação disse tudo o que havia a dizer, que a apreciação dos documentos em causa caía na esfera da livre apreciação do juiz. </font><br> <font> E tomando a posição correcta, justificando a posição assumida face a tais documentos, não cometeu qualquer nulidade por omissão de pronúncia, como também lhe imputou a recorrente.</font><br> <font> Injusta, pois, a dupla crítica que foi dirigida ao aresto impugnado em relação aos pontos até aqui considerados.</font><br> <font> </font><br> <font> Mas não se ficou por aqui a crítica da recorrente.</font><br> <font> Segundo ela, foram violados os arts. 31º e 44º do C. Comercial.</font><br> <font> O primeiro destes preceitos legais refere-se aos livros indispensáveis a qualquer comerciante e à forma como os mesmos devem ser apresentados.</font><br> <font> O segundo artigo diz respeito à força probatória de tais documentos. Eles, em certa medida, têm força probatória plena. Desde logo, uma restrição importante (aqui não aplicável): só vale se ambas as partes forem comerciantes, como ficou assinalado no aresto impugnado.</font><br> <font> Mas, há também um ponto importante: para valerem com a tal força probatória, ou seja, no caso de ambas as partes serem comerciantes, necessário se torna que os mesmos estejam devidamente arrumados.</font><br> <font> Por escrita devidamente arrumada entende-se a que obedece às exigências estabelecidas na lei para o efeito de poder realizar-se plenamente o seu objectivo, ou seja, dar a conhecer as operações e a situação patrimonial dos comerciantes.</font><br> <font> Ora, o caso que nos é colocado é tão-somente este: terá o acórdão recorrido violado, por erro de aplicação, aqueles dois preceitos legais?</font><br> <font> A resposta afigura-se-nos simples.</font><br> <font> Importa, antes de mais, dizer da razão da força probatória de tais documentos.</font><br> <font> A este respeito o art. 33º do C. Comercial (redacção dada pelo art. 7º do D.-L. nº 252/96, de 3 de Dezembro) prescreve que é obrigatória a legalização dos livros dos comerciantes, inventários, balanços e diário, bem como a dos livros das actas da assembleia geral das sociedades.</font><br> <font> Esta “legalização” dos livros dos comerciantes era concretizada outrora pelas secretarias dos tribunais, mas, hoje em dia, tal tarefa cabe às Conservatórias do Registo Comercial (</font><i><font>vide</font></i><font> art. 112º, nº 1 do CRC).</font><br> <font> Posto isto, estamos em condições ideais para apreciar o mérito do segmento decisório da Relação referente a este ponto concreto.</font><br> <font> Pode ler-se no acórdão (</font><i><font>cfr</font></i><font>. fls. 664):</font><br> <font> “Os documentos em causa nos autos são cópias de facturas, de extractos de conta-corrente e do balanço da ré.</font><br> <font> As facturas não são livros de escrituração comercial e, portanto, não se lhes aplica o regime probatório do art. 44º do CCom, apesar de ambas as partes serem comerciantes.</font><br> <font> Aos extractos de conta-corrente e o balanço da ré, embora se possam ter como assentos lavrados em livros de escrituração comercial (art. 31º CCom) também não é possível aplicar o regime probatório do art. 44º do CCom porque se desconhece se estão ou não bem arrumados, o que é essencial para a definição daquele regime, como decorre do citado art. 44º”.</font><br> <font> Eis aqui explicada a razão de os ditos documentos não terem sido apreciados de acordo com o regime (excepcional) do art. 44º do C. Comercial.</font><br> <font> Não podendo tais documentos ser apreciados com a rigidez que é imposta pelo referido artigo 44º, fatalmente que a sua apreciação cai no regime (regra) do art. 366º do CC.</font><br> <font> Foi isso que foi feito – nenhuma violação houve por parte do acórdão recorrido de qualquer regra de direito probatório material, concretamente das normas invocadas pela recorrente. </font><br> <br> <font> Apreciadas estas questões – eventuais violações de normas de direito probatório material – que caem na alçada da competência deste Supremo Tribunal (</font><i><font>cfr</font></i><font>. nº 2 do art. 722º do CPC), resta-nos dizer que toda a crítica feita sobre o julgamento da matéria de facto é aqui inteiramente descabida, como claramente resulta dos arts. 721º e 712º, nº 6, do CPC.</font><br> <br> <font> Sobeja para apreciação a proclamada omissão de pronúncia sobre o abuso de direito.</font><br> <font> O dever imposto ao julgador pelo nº 2 do art. 660º do CPC está, na fase dos recursos, facilitado, como se sabe: são as conclusões que delimitam o objecto de recurso (</font><i><font>cfr</font></i><font>. arts. 684, nº 3 e 691º, nº 1 do CPC).</font><br> <font> As conclusões com que os recorrentes fecham as respectivas minutas de recurso destinam-se a indicar, de forma sintética, aos julgadores dos tribunais os fundamentos da discordância manifestada relativamente às decisões proferidas pelos tribunais inferiores.</font><br> <font> Ora, lendo e relendo as conclusões apresentadas pela ora recorrente à consideração do Tribunal da Relação do Porto (</font><i><font>cfr</font></i><font>. fls. 578 a 583) o que se pode dizer é que, na verdade, a mesma deixou escrito que, </font><i><font>inter alia</font></i><font>, foi violado o art. 334º do CC.</font><br> <font> Nada, mas nada, disse nem no corpo da alegação nem nas conclusões, sobre a razão da convocação de tal instituto a favor da consagração da sua tese.</font><br> <font> Nem uma palavra, pequena que fosse, a recorrente deixou escrita na peça apresentada à apreciação da Relação.</font><br> <font> Como é, pois, possível, falar em omissão de pronúncia?</font><br> <font> Não é possível.</font><br> <br> <font> Cai, dest’arte, por terra, na totalidade, a argumentação que a R..</font><br> <br> <font> </font><font>IV</font><font> – </font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, aos 05 de Junho de 2007</font><br> <br> <font>Urbano Dias (relator)</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Faria Antunes</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br> <font>“AA, SA”, em liquidação, com sede na Rua …, Lote …A B, em Lisboa, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinário, contra ”BB, Ldª”, com sede em ...., …, CC, DD, residentes em …, …, EE e FF, residentes em …, …, pedindo que, na sua procedência, os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à autora a quantia de 19408146$00, sendo 9690878$00, a título de capital, 968764$00, relativos à multa de 10%, e 8748504$00, a título de juros moratórios sobre a importância de 9690878$00, a que deverão acrescer os juros moratórios, vencidos e vincendos, até efectivo e integral cumprimento, às diversas taxas legais, sucessivamente, em vigor, e ainda a pagar os juros compensatórios, nos termos do disposto pelo artigo 829º-A n° 4, do Código Civil, alegando, para o efeito, em suma, que, até à sua entrada em liquidação, exerceu a actividade de administração de compras em grupo, no exercício da qual e no interesse de GG, negociou, por meio de um "contrato de participação", a inclusão deste, no grupo Hab-01, para que o mesmo adquirisse, mediante o pagamento de 150 mensalidades, um apartamento T3, sendo-lhe atribuída a respectiva participação com o n°127.</font><br> <font>Tendo sido contemplado com o apartamento, o referido participante GG, no uso de uma faculdade concedida pelo Regulamento, optou, com a anuência da autora, por transferir a sua posição contratual para a ré sociedade.</font><br> <font>Esta recebeu o bem pretendido, mas não tem vindo a cumprir as obrigações contratuais, apenas tendo pago, em relação às cento e cinquenta mensalidades devidas, as primeiras quarenta e duas, e ainda assim, apenas, parcialmente, não obstante ter sido interpelada, diversas vezes, para fazer o pagamento das demais, que perfazem a quantia de 9.690.870$00, a que acrescem os juros de mora contratuais que, à data da petição, ascendem à importância de 8.748.504$00 sobre cada mensalidade em atraso, e ainda a multa equivalente a 10% do valor das mensalidades em dívida.</font><br> <font>Na contestação, os réus impugnam a factualidade invocada pela autora, deduzindo, igualmente, a excepção da prescrição do capital e dos juros, anteriores a 24 de Dezembro de 1996, e a excepção de não cumprimento, com a consequente eficácia da compensação do contra-crédito da ré sociedade sobre o crédito da autora, resultante das prestações referentes às partes 147 e 148, que a mesma, também, subscreveu e, atempadamente, pagou, até ao mês de Janeiro de 1991, sem que lhe tivessem sido atribuídos os respectivos bens, facto do qual reclamou, pedindo a cessação dos contratos e as transferências dos pagamentos das referidas duas partes para a parte 127, dando-se por compensadas as contas, até ao limite do débito da ré sociedade, e sendo-lhe reembolsado o excedente, o que a autora aceitou, sendo, assim, legítima a recusa do incumprimento pela ré sociedade.</font><br> <font>Em sede de reconvenção, os réus pedem se declare compensado, à data de 10 de Abril de 1991, o débito da ré sociedade, na parte 127, com os pagamentos até, então, efectuados para as partes 147 e 148 [a] se condene a autora a restituir à ré, com base na compensação operada em 10 de Abril de 1991, a quantia de 2.316.443$00, com o contravalor de €11.554,37, e juros contados, à taxa legal [b] e, subsidiariamente, se condene a autora a restituir à ré sociedade reconvinte a quantia de 13.360.475$00, com o contravalor de 66.641,77€, acrescida de juros, à taxa legal para as operações comerciais, sobre a quantia de 5.689.192$00, a contar de 1 de Janeiro de 2002 e até integral reembolso, ordenando-se ainda a compensação com os créditos que esta ré for condenada a pagar à autora, alegando, para o efeito, e, em síntese, que a ré sociedade pagou, por conta das partes 127, 147 e 148, o total de 7.973.705$00, enquanto que o valor do bem atribuído à parte 127 é de 5.657.262$00, pelo que, quanto à diferença, deve operar a excepção da compensação, tendo ainda, em relação ao pedido subsidiário, alegado que, caso assim se não entenda, as quantias por si entregues quanto às partes 147 e 148 vencem juros de mora que contabiliza em 8.533.787$00, até 31 de Dezembro de 2001, num total de 14.222.979$00, a que se deve abater a quantia de 862.504$00, reembolsada em 29 de Abril de 1997.</font><br> <font>Na réplica, a autora diz que apenas aceitou a desistência das participações 147 e 148, e que tendo ocorrido a sua liquidação, com efeitos equivalentes à falência, em 8 de Fevereiro de 1995, não poderá a autora intentar acção ou execução ou prosseguir numa e noutra contra a sociedade em liquidação, por força do disposto no artigo 1°, § 2, do DL 30.689, de 27 de Agosto de 1940, então, aplicável, sendo certo que o crédito da ré sobre a autora só pode se reclamado, junto da comissão liquidatária, que, em face do mesmo, o verificará e graduará, não lhe sendo possível realizar qualquer reembolso, conforme dispõe o artigo 34º desse diploma, e ainda que a ré sociedade omite que já recebeu créditos, em rateio, na qualidade de credora da autora.</font><br> <font>A sentença declarou extinto o pedido reconvencional deduzido pelos réus contra a autora e, conhecendo das excepções da prescrição, julgou prescritas todas as mensalidades peticionadas e respectivos juros e absolveu os réus do pedido.</font><br> <font>Desta sentença, a autora e os réus interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação anulado a decisão recorrida, apenas, quanto ao pedido reconvencional, implicitamente, admitido e as matérias com ele conexas, que deveriam ser apreciadas, mantendo-se o mais, tendo julgado prescritos os juros de mora peticionados, desde 1 de Fevereiro de 1991 até 24 de Dezembro de 1996.</font><br> <font>No recurso de revista interposto pela autora, este Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão da Relação quanto ao pedido principal, na parte em que esta julgou extintas, pela prescrição, as mensalidades peticionadas pela autora, ordenando que os autos prosseguissem quanto ao conhecimento das demais questões relativas ao pedido da autora.</font><br> <font>No despacho saneador subsequente, decidiu-se julgar improcedente a excepção peremptória de não cumprimento deduzida pelos réus.</font><br> <font>A nova sentença</font><b><i><font> </font></i></b><font>julgou a acção, totalmente, procedente por provada, condenando os réus, solidariamente, a pagarem à autora a quantia de €48.337,90, acrescida de juros de mora, desde 24 de Dezembro de 1996, à taxa legal, mais juros, à taxa de 5% ano, desde a data do trânsito em julgado da sentença, julgando ainda improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus com a consequente absolvição da autora do mesmo pedido.</font><br> <font>Desta sentença, os réus interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação procedido à sua revogação quanto ao pedido reconvencional (alínea B do Ponto V da Decisão recorrida), julgando, parcialmente, procedente o pedido reconvencional deduzido, a título subsidiário, pelos réus, condenando a autora a restituir à ré sociedade a quantia de €24.075,51, sem acréscimo de juros de mora, reformando a decisão recorrida no sentido de a autora suportar as custas, em razão do decaimento, no montante equivalente ao valor da multa e de €968.764,00, ou seja, de €4.832,17, no mais mantendo a sentença recorrida.</font><br> <font>Deste acórdão da Relação de Lisboa, a mesma ré interpôs recurso de revista, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br> <font>1ª – Tendo a autora peticionado juros moratórios, desde o vencimento de cada prestação, os quais à data de interposição da acção expressou serem no montante de 8.748.544$00, e tendo sido declarados prescritos os juros vencidos até 24/12/96, deve a autora ser condenada em custas em relação ao montante dos juros peticionados e em que decaiu.</font><br> <font>2a - O montante correspondente ao decaimento nos juros pedidos, respeitantes às prestações em divida de 01/02/1991 até 24/12/1996, não é inferior a 20.000,00€.</font><br> <font>3a - O douto Acórdão que não levou em conta, quanto a custas, também o decaimento nos juros, não conhece de questões que devia conhecer, estando violados os artigos 668/1 - al. d) e 446/3, ambos do CPC.</font><br> <font>4a - Tendo os apelantes suscitado no recurso de apelação que o incumprimento não procedia de culpa sua, e havendo levado às conclusões essa alegação, impunha-se que o Tribunal recorrido das mesmas tomasse conhecimento.</font><br> <font>5a - Omitido esse conhecimento mostra-se violado o disposto no art° 668/1 - al. d) CPC.</font><br> <font>6a - Porque a presunção do art° 799/1 C. C. pode ser afastada, por diversas circunstâncias, impunha-se averiguar se as mesmas se mostram verificadas nos autos e não o tendo sido, crêem-se violados os art°s 798º e 799º, ambos do C. C.</font><br> <font>7a - Ao Supremo Tribunal é licita a interpretação de cláusulas contratuais, nos termos do art° 721 CPC.</font><br> <font>8ª - A equiparação da desistência à exclusão por incumprimento, para efeitos de reembolso ao desistente, constitui abuso, viola a boa fé e o equilibro contratual.</font><br> <font>9a - Ao equiparar os efeitos da desistência à exclusão por incumprimento, crêem-se incorrectamente interpretados e aplicados os artigos 236º e 239º, ambos do C. C.</font><br> <font>10ª - O disposto no art° 849 C. C. é supletivo, impondo-se a averiguação, no caso concreto, se ocorrem elementos que fundamentem diferente conclusão.</font><br> <font>11a - Estando provado que autora e ré eram, à data da declaração de compensação, reciprocamente devedor e credor, impõe-se julgar eficaz a compensação.</font><br> <font>12a - A aceitação da desistência, no caso concreto dos autos, tornou a desistente imediatamente credora, com a faculdade de exigir a satisfação do seu crédito.</font><br> <font>13a - Ao decidir que o crédito da sociedade recorrente não era exigível o douto Acórdão recorrido interpretou e aplicou, incorrectamente, cláusulas contratuais (vg. N° 54º, 45º, 59º e 60º do Regulamento) e o art° 847º do C. C.</font><br> <font>Nas suas contra-alegações, a autora conclui que o presente recurso não deve merecer provimento, mantendo-se o acórdão recorrido.</font><br> <font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br> <font>1. A autora exerceu, até à data da sua liquidação, em exclusivo e com fins lucrativos, a actividade de administração de compras em grupo.</font><br> <font>2. No exercício dessa actividade, a mesma levava a efeito, nos termos e nas condições contratuais, a organização de grupos de pessoas, interessadas em adquirir determinados bens, com a finalidade de lhes assegurar a sua aquisição mediante o pagamento de certo número de mensalidades.</font><br> <font>3. No exercício daquela sua actividade, a pedido e no interesse de GG, contratou, por meio de um contrato que denominaram de "contrato de participação", a inclusão deste, no grupo HAB – 01, para ele adquirir, mediante o pagamento de 150 mensalidades, um apartamento tipo T3, tendo-lhe sido atribuído o n°127 de participante no referido Grupo.</font><br> <font>4. O "contrato" em causa era regido por um "regulamento" que dele fazia parte integrante.</font><br> <font>5. GG tomou conhecimento das cláusulas daquele "regulamento" as quais aceitou.</font><br> <font>6. Da mensalidade atrás referida são componentes a mensalidade básica, que corresponde ao quociente da divisão do preço da venda ao público, junto dos respectivos fornecedores, devidamente actualizado, do bem objecto, pelo número de meses de duração do grupo, a taxa de administração e IVA, o fundo de reserva e o prémio de seguro de vida e caução.</font><br> <font>7. Posteriormente à assinatura do "contrato de participação", houve várias alterações ao preço do bem, circunstância essa que fez alterar o preço das mensalidades que o primeiro réu se obrigou a pagar.</font><br> <font>8. Acontece que GG foi contemplado nos termos do "regulamento".</font><br> <font>9. No uso de uma faculdade conferida pelo "regulamento", GG optou por transferir, com a anuência da autora, a sua posição no grupo, por cedência da respectiva posição contratual, para a primeira ré.</font><br> <font>10. A primeira ré recebeu o bem pretendido.</font><br> <font>11. Das 150 mensalidades contratuais, no âmbito da parte 127, a primeira ré não pagou a 43a à 150a. </font><br> <font>12. Os terceiro a quinto réus subscreveram o "termo fiança", pelo qual se constituíram fiadores e principais pagadores das responsabilidades e obrigações contraídas pela primeira ré, ao assinar o contrato, no qual prescindiram do benefício da excussão prévia.</font><br> <font>13. A primeira ré subscreveu, para além da parte 127, as partes 147 e 148, e, em todas elas, pagou, atempadamente, até ao mês de Janeiro de 1991, inclusive, as prestações devidas. </font><br> <font>14. Em 26 de Março de 1991, a primeira ré veio solicitar a "desistência" do grupo e a cessação do contrato e a transferência dos pagamentos efectuados, por conta das partes 147 e 148, para a parte 127, dando-se por compensadas as contas, até ao limite do débito da primeira ré, sendo-lhe reembolsado o excedente.</font><br> <font>15. Em 10 de Abril de 1991, a autora remeteu à primeira ré e esta recebeu a carta onde consta, para além do mais: "Damos por recebida a sua carta de 26 de Março do corrente ano, em que nos solicita o cancelamento da sua participação no Grupo e Parte acima referenciados. "</font><br> <font>16.</font><i><font> </font></i><font>Por carta datada de 10 de Outubro de 1991, a primeira ré voltou a solicitar da autora que desse</font><i><font> </font></i><font>por compensadas, tendo nela feito juntar o extracto da conta corrente de</font><i><font> </font></i><font>ambas. </font><br> <font>17.</font><i><font> </font></i><font>E perante a carta, datada de 27 de Novembro de 1991, da autora, que lhe exigia o pagamento,</font><i><font> </font></i><font>por conta da parte 127, a primeira ré voltou a solicitar, por carta datada de</font><i><font> </font></i><font>28 de Dezembro de 1991, tal compensação. </font><br> <font>18. Por conta da parte 147, a primeira ré pagou à autora a quantia de 2.844.596S00 (€14.188,79). </font><br> <font>19. Por conta da parte 148, a primeira ré pagou à autora a quantia de 2.844.596$00 (€ 14.188,79). </font><br> <font>20. Nas partes 147 e 148 não foi atribuída à primeira ré qualquer bem, quer por sorteio, quer por licitação. </font><br> <font>21. O bem atribuído à primeira ré, na parte 127, foi do valor de 5.657.262$00 ( €28.218,30).</font><br> <font>22. A autora procedeu á entrega à ré, em 9 de Julho de 1996, da quantia de 659.840$00 (€ 3.291,27).</font><br> <font>23. Em 21 de Março de 1997, a autora entregou à primeira ré a quantia de 202.664$00 (€1.010,88).</font><br> <font>24. Estes pagamentos foram efectuados por conta das participações n.°s 147 e 148.</font><br> <font>25. A autora instou a primeira ré, diversas vezes, para proceder ao pagamento das restantes 108 mensalidades, por conta da parte 127.</font><br> <font>26. As mensalidades que deveriam ter sido pagas, até 19 de Dezembro de 2001, bem como a diferença entre o valor das mensalidades liquidadas e as importâncias entregues pela primeira ré à autora, para pagamento dessas mensalidades, perfazem a importância de 9.690.878$00 (€48.337,90).</font><br> <font>27. Do "regulamento", parte integrante dos "contratos de participação", dos quais são partes autora e a primeira ré, constam as seguintes cláusulas: "45. O Participante, ainda não contemplado, que deixar de pagar duas mensalidades consecutivas, ficará sujeito à exclusão do Grupo independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial. Neste caso a Administração fica desde logo autorizada a substituir o participante excluído, o qual será reembolsado das quantias pagas ao Fundo Comum do seu Grupo, sem juros ou qualquer outra compensação ou indemnização, finda que seja a duração do Grupo, de acordo com as disponibilidades de Caixa e por rateio proporcional, deduzidas as parcelas da Taxa de Administração correspondentes até à data da oficialização da exclusão e, ainda, deduzidas as quantias pagas a título de Taxa de Inscrição e prémios de seguro relativos ao mesmo período.(...). 48. No caso de o Participante já contemplado, e a quem já tenha sido entregue o bem objecto, se atrasar no pagamento de uma ou mais mensalidades, para além das penalidades previstas neste Regulamento, ficará sujeito ao pagamento da multa de 10% e dos juros moratórios legais, bem como, ainda, ao pagamento da(s) mensalidade(s) em atraso pelo seu valor actualizado, podendo a Administradora resolver, de imediato, o Contrato de Participação, e, em consequência reter as quantias pagas pelo Participante inadimplente e reclamar o pagamento de todas as mensalidades vincendas, acrescidas de todas as actualizações que forem devidas nos termos do Contrato de Participação e deste Regulamento e que ocorreram até ao termo da existência do grupo. (...). 53. O participante ainda não contemplado, em dia com os seus pagamentos, que não pretenda continuar como integrante do respectivo Grupo, pode solicitar a sua desistência, em carta dirigida à Administradora. 54. O participante desistente será reembolsado das quantias pagas ao Fundo Comum nos termos do n° 45."</font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br> <font>I – A questão da nulidade pela omissão de conhecimento do decaimento da autora nos juros com reflexo nas custas a seu cargo.</font><br> <font>II – A questão da nulidade pela omissão de conhecimento da ausência de culpa dos réus no incumprimento.</font><br> <font>III – A questão da declaração de eficácia da compensação.</font><br> <font> I. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO</font><br> <font>Defendem os réus que o acórdão recorrido não conheceu a questão do decaimento da autora nos juros, com reflexo no montante das custas a pagar.</font><br> <font>O acórdão recorrido considera, a este propósito, que, tendo a autora decaído em parte do pedido, deverá suportar as custas respectivas, nos termos do disposto pelo artigo 446º, nº 2, do CPC.</font><br> <font>Assim sendo, tendo o acórdão da Relação considerado a questão do decaimento, em parte do pedido, no qual se inclui o capital e os juros reclamados, não ocorre a alegada omissão de pronunciamento, determinante da nulidade a que se reportam os artigos 668º, nº 1, d), 1ª parte, e 716º, nº 1, do CPC.</font><br> <font>Situação diferente consiste em saber se o acórdão recorrido equacionou, correctamente, a problemática do decaimento da autora no pedido, em toda a sua extensão, nomeadamente, no que contende com a parte relativa aos juros, mas tal importa antes com um eventual erro de julgamento, cuja análise se efectuará, de imediato.</font><br> <font>Efectivamente, no articulado inicial, a autora pediu a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de 19408146$00, equivalente a €96807,42, sendo 9690878$00, correspondente a €48337,90, a título de capital, 968764$00, equivalente a €4832,17, relativos à multa de 10%, e 8748504$00, correspondente a €43637,35, a título de juros moratórios sobre 9690878$00, equivalente a €48337,90, a que deverão acrescer os juros moratórios, vencidos e vincendos, até efectivo e integral cumprimento, às diversas taxas legais, sucessivamente, em vigor, e ainda a pagarem os juros compensatórios, nos termos do disposto pelo artigo 829-A, n° 4, do Código Civil (CC).</font><br> <font>Por seu turno, a sentença condenou os réus, neste particular, a pagarem à autora a quantia de €48.337,90, acrescida de juros de mora, desde 24 de Dezembro de 1996, à taxa legal, mais juros, à taxa de 5% ano, desde a data do trânsito em julgado da sentença.</font><br> <font>Finalmente, o acórdão recorrido condenou a autora a restituir à primeira ré a quantia de €24.075,51, sem acréscimo de juros de mora, reformando a decisão proferida em 1ª instância no sentido de a autora suportar as custas, em</font><br> <font>razão do decaimento, em montante equivalente ao valor da multa e de 968.764$00, ou seja, de €4.832,17, no mais mantendo a aludida sentença recorrida.</font><br> <font>Assim sendo, tendo a autora formulado o pedido de condenação dos réus no pagamento do quantitativo de €96807,42 e vindo a sentença proferida em 1ª instância a condenar os réus a pagarem aquela a quantia de €48.337,90, acrescida de juros de mora, desde 24 de Dezembro de 1996, enquanto que o acórdão recorrido condenou a autora a restituir à ré “BB, Ldª” a quantia de €24.075,51, sem acréscimo de juros de mora, reformando aquela decisão no sentido de a autora suportar as custas, em razão do decaimento, no montante equivalente ao valor da multa e de 968.764$00, ou seja, de €4.832,17, importa, consequentemente, para efeitos do cômputo do vencimento da autora, estabelecer a relação existente entre o montante do pedido bruto inicial e aquele em que os réus vieram a ser condenados pelo acórdão recorrido.</font><br> <font>Com efeito, a autora ficou vencida no diferencial existente entre o montante do pedido que formulou e o quantitativo do proveito que obteve, independentemente da decisão, já transitada, que julgou prescritos os juros de mora peticionados, desde 1 de Fevereiro de 1991 até 24 de Dezembro de 1996.</font><br> <font>O critério geral para a determinação do valor da acção quando pela mesma se pretende obter uma quantia certa em dinheiro, como acontece na hipótese «sub judice», reconduz-se ao valor da causa, por força do disposto pelo artigo 306º, nº 1, do CPC.</font><br> <font>Certo é que quando, como acessório do pedido principal, se pedirem, também, juros, já vencidos, na fixação do valor, atende-se aos interesses já vencidos, com base no estipulado pelo artigo 306º, nº 2, do CPC.</font><br> <font>Efectivamente, no articulado inicial, a autora, tendo pedido a condenação dos réus a pagarem a quantia de 19408146$00, equivalente a €96807,42, que incluiu a parcela de 8748504$00, equivalente a €43637,35, a título de juros moratórios, indicou como valor processual da acção, precisamente, o quantitativo de19408146$00, correspondente a €96807,42.</font><br> <font>Ora, sendo o valor da acção, necessariamente, igual ao valor do pedido, é em função da quantificação que a este foi dada pela autora que se aferirá, em caso de insucesso ou de vencimento parcial da acção, a proporção do respectivo decaimento, em conformidade com o disposto pelo artigo 446º, nºs 1 e 2, do CPC.</font><br> <font>É que se o valor dos juros vencidos, enquanto pedido acessório, acresce ao valor do capital, a autora, para efeitos do pedido, não adicionou os dois valores, razão pela qual não pode ser penalizada, em sede de custas, por um hipotético valor do pedido que não obteve expressão no valor da acção.</font><br> <font>Não obstante a autora ter peticionado juros moratórios, desde o vencimento de cada prestação, que, à data da propositura da acção, expressou no montante de 8.748.504$00, é irrelevante, para o cálculo do decaimento para efeitos de custas, com base na fundamentação acabada de expender, que tenham sido declarados prescritos os juros vencidos, no período temporal compreendido entre 1 de Fevereiro de 1991 e 24 de Dezembro de 1996.</font><br> <font>Invocam ainda os réus que o acórdão recorrido não conheceu da questão da alegada ausência de culpa no incumprimento, impondo-se averiguar da verificação das circunstâncias que permitem afastar a presunção a que aludem os artigos 799º, nº1 e 798º, ambos do CC.</font><br> <font>Porém, na sequência do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de folhas 242 e seguintes, que julgou extintas, pela prescrição, as mensalidades peticionadas pela autora e ordenou o prosseguimento do processo para conhecimento das demais questões, no despacho saneador subsequente, apreciou-se a alegação dos réus, segundo a qual, tendo a autora, desde meados do ano de 1990, deixado de atribuir bens, quer por sorteio, quer por licitação, incumprindo as obrigações contratuais a que estava adstrita, teria determinado a ré sociedade a não pagar as demais prestações.</font><br> <font>Tendo a autora cumprido as suas obrigações, ao atribuir o bem pretendido pela ré sociedade, esta não podia suspender o pagamento das mensalidades respeitantes à participação nº 127, ao abrigo da qual lhe foi atribuído o bem pretendido, com a alegação de que, nas participações nºs 147 e 148, a autora incumprira os termos contratuais, por não ter havido sorteios ou licitações para atribuição de bens, pelo que se decidiu julgar improcedente a «exceptio non adimpleti contractus» invocada pelos réus.</font><br> <font>E, tendo transitado em julgado a decisão sobre esta excepção, é insusceptível de voltar a ser apreciada, por sobre a mesma se ter formado caso julgado material, nos termos do preceituado pelos artigos 666º, nºs 1 e 3, 671º, nº 1 e 673º, todos do CPC. </font><br> <font>Não se verifica, portanto, a arguida causa de nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia da questão em análise, a que aludem os artigos 668º, nº 1, d), 1ª parte e 716º, nº 1, ambos do CPC, a qual, por já ter sido decidida, com trânsito em julgado, não é agora passível de nova apreciação, por se ter esgotado o poder jurisdicional do Tribunal quanto à matéria em causa.</font><br> <font> II. DA COMPENSAÇÃO</font><br> <font>Defendem, finalmente, os réus que sendo exigível o crédito da sociedade recorrente impõe-se julgar eficaz a compensação, até porque, à data da declaração de compensação, autora e ré sociedade, eram, reciprocamente, devedor e credor.</font><br> <font>Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que a autora celebrou com o réu GG um denominado "contrato de participação", com vista à aquisição, mediante o pagamento de 150 mensalidades, de um apartamento, tipo T3, a que foi atribuído o n°127 de participante, tendo o mesmo transferido, com a anuência da autora, a sua posição no grupo, por cedência da respectiva posição contratual, para a ré sociedade, que recebeu o bem pretendido, a que foi atribuído o valor de €28.218,30.</font><br> <font>A ré sociedade, no âmbito da aludida participação, não pagou à autora as mensalidades contratuais compreendidas entre a 43a e a 150ª, inclusive, ascendendo as suas responsabilidades, nesta parte, para com a autora, à importância de €48.337,90, ao contrário do que aconteceu com as partes 147 e 148 que subscreveu, em que pagou, atempadamente, a totalidade das prestações devidas, ou seja, a quantia de €14.188,79, por conta da parte 147, e a quantia de €14.188,79, por conta da parte 148, mas em que não foi contemplada.</font><br> <font>Em 26 de Março e a 10 de Outubro de 1991, a ré sociedade solicitou a "desistência" do grupo, a cessação do contrato e a transferência dos pagamentos efectuados, por conta das partes 147 e 148, para a parte 127, com a compensação das contas, até ao limite do seu débito, o que voltou a acontecer, em</font><i><font> </font></i><font>28 de Dezembro de 1991, sendo-lhe reembolsado o excedente, isto é, a quantia de €3.291,27, em 9 de Julho de 1996, e a quantia de €1.010,88, em 21 de Março de 1997, respectivamente.</font><br> <font>Faz parte do clausulado do aludido contrato, onde se inclui o texto do Regulamento, que se o participante, já contemplado, e a quem tenha sido entregue o bem objecto, se atrasar no pagamento de uma ou mais mensalidades, para além das penalidades previstas no Regulamento, fica sujeito ao pagamento da multa de 10% e dos juros moratórios legais, bem como, ainda, da(s) mensalidade(s) em atraso, pelo seu valor actualizado, podendo a Administração resolver, de imediato, o contrato de participação, e, em consequência, reter as quantias pagas pelo participante inadímplente e reclamar o pagamento de todas as mensalidades vincendas, acrescidas de todas as actualizações contratuais devidas, que ocorreram até ao termo da existência do grupo. </font><br> <font>Por seu turno, resulta, igualmente, do texto do mesmo contrato que o participante ainda não contemplado, em dia com os seus pagamentos, que não pretenda continuar como integrante do respectivo Grupo, pode solicitar a sua desistência, em carta dirigida à Administração, sendo reembolsado das quantias pagas ao Fundo Comum.</font><br> <font>Constitui pressuposto justificativo da compensação a reciprocidade dos créditos entre duas pessoas, isto é, que elas sejam, uma em relação à outra, credor e devedor, podendo, então, qualquer delas, livrar-se, total, ou, parcialmente, neste caso, se as duas dívidas não forem de igual montante, da sua obrigação, perante a obrigação do seu credor, “por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor”(1), verificados os restantes requisitos legais, ou seja, ser o seu crédito exigível, judicialmente, e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material [a] e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade [b], nos termos do estipulado pelo artigo 847º, nº s 1 e 2, do CC.</font><br> <font>A isto acresce que a compensação se efectiva, mediante declaração de uma das partes à outra, considerando-se extintos os créditos, desde o momento em que se tornaram compensáveis, ou seja, que se encontram numa situação de compensação, uma vez efectuada a respectiva declaração de compensação, em conformidade com o prescrito pelos artigos 848º, nº 1 e 854º, ambos do CC.</font><br> <font>Quer isto dizer que a declaração de compensação se configura como uma declaração receptícia, porque se torna eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida, nos termos do disposto pelos artigos 224º, nº 1 e 848º, nº 1, produzindo os efeitos da extinção do crédito, desde o momento da verificação dos requisitos exigidos por lei, e não a partir da data da declaração, atento o estipulado pelo artigo 854º, todos do CC.</font><br> <font>Assim sendo, tudo está em saber se, para além dos requisitos da reciprocidade dos créditos e da fungibilidade e homogeneidade das prestações, que se consideram verificados e sobre os quais existe consenso, ocorre ainda o controvertido pressuposto do instituto, que consiste na exigibilidade judicial do crédito do declarante, no momento da declaração de compensação, contra o qual não proceda, igualmente, excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.</font><br> <font>Efectivamente, a exigibilidade visa evitar que o compensante prive o devedor de um direito que a este assiste, até ao momento do cumprimento, isto é, até ao prazo da prestação, sob pena de, encontrando-se o prazo ainda em curso, se dever aguardar pela exigibilidade judicial desse direito. (2) </font><br> <font>Na verdade, para que o devedor goze da faculdade de se livrar da obrigação perante o seu credor, por compensação, importa que possa impor ao notificado, no momento da declaração compensatória, a realização coactiva do contra-crédito que se arroga contra este.</font><br> <font>Ora, não constitui obrigação, judicialmente, exigível, aquela que não dá lugar à acção de cumprimento e execução do património do devedor, a que alude o artigo 817º, do CC, como acontece, v. g., nas obrigações a termo quando o prazo ainda se não tenha vencido. (3)</font><br> <font>A exigibilidade determinante reporta-se ao crédito de quem pretende valer-se da compensação, o que já não acontece no caso de o devedor de obrigação não vencida, em que o prazo se encontra estabelecido em seu benefício, invocar a compensação com um crédito que tenha sobre o credor da obrigação vincenda. (3)</font><br> <font>Revertendo ao caso em exame, tendo-se demonstrado que a ré sociedade deixou de pagar as mensalidades contratuais compreendidas entre a 43a e a 150ª, inclusive, da parte n°127, em relação à qual já tinha sido contemplada com o respectivo bem, a Administração gozava da faculdade de resolver, de
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div></div><u><font>Relatório</font></u><br> <div></div><br> <font>Entre os aqui exequentes, </font><u><font>AA, BB, </font></u><font>(que accionam por si e na representação do seu filho menor) </font><u><font>CC , </font></u><font>e a executada </font><u><font>Companhia de Seguros DD S.A.</font></u><br> <font>correu termos acção declarativa de indemnização intentada pelos exequentes contra a executada, por via da qual pretendiam os A.A. ser ressarcidos dos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhes advieram em consequência de o A. CC ter sido atropelado, no passeio, por um veículo automóvel pertencente e conduzido por EE segurado da Ré.</font><br> <font>No decurso dessa acção, lavraram as partes transacção nos termos da qual, além do mais, que ora não interessa, a Ré aceitou a responsabilidade de indemnizar os A.A. por todos os outros danos, patrimoniais e não patrimoniais alegados na petição inicial, a serem fixados oportunamente, em execução de sentença, se, na altura em que for dada “alta” à vítima não for possível um acordo extra-judicial quanto ao valor a pagar por esses danos.</font><div></div><font>Tal transacção foi homologada por sentença já transitada, que condenou as partes nos precisos termos do transigido.</font><div></div><font>Na sequência, tendo o sinistrado exequente tido alta e não sendo possível chegar a acordo sobre a indemnização a arbitrar, vieram os A.A. na referida da acção, instaurar a presente execução de sentença, com prévia liquidação das indemnizações devidas, contra a ré, seguradora, ora executada.</font><div></div><font>Liquidaram assim as quantias indemnizatórias devidas:</font><br> <u><font>Danos sofridos pelos exequentes</font></u><br> <font>AA e </font><u><font>BB:</font></u><br> <font> - </font><u><font>358,56€,</font></u><font> correspondente a despesas com refeições, deslocações e com medicamentos.</font><br> <u><font>Danos sofridos pelo exequente</font></u><br> <u><font>CC:</font></u><br> <font>- </font><u><font>50.000.00 €</font></u><font> a título de danos não patrimoniais (dores, sofrimento, intervenções cirúrgicas, hospitalização, imobilização etc.),</font><br> <font>- 168.000.00€ a título de dano futuro decorrente da I.P.P. de 40%.</font><div></div><font>Citada a executada contestou a liquidação, limitando-se essencialmente a alegar desconhecimento da factualidade em que os exequentes alicerçam as indemnizações peticionadas.</font><div></div><font>Procedeu-se a julgamento e, lida a decisão sobre a matéria de facto, foi proferida sentença final que, julgando parcialmente procedente o incidente, liquidou as indemnizações devidas da forma seguinte:</font><br> <font>- </font><u><font>358,56€ para os exequentes AA</font></u><font> e </font><u><font>BB ; </font></u><br> <font>- </font><u><font>130.000.00€</font></u><font> para o exequente</font><u><font> CC</font></u><br> <u><font>(sendo 100.000€ </font></u><font>a</font><u><font> título de danos patrimoniais indirectos </font></u><font>e </font><u><font>30.000 </font></u><font>€ </font><u><font>a título </font></u><font>de danos não patrimoniais).</font><div></div><font>Inconformada recorreu a Ré seguradora, restringindo o recurso à indemnização de 100.000€ atribuída a título de danos patrimoniais indirectos, que entende não ser devida.</font><div></div><font>Recorreu também, subordinadamente, o exequente CC</font><div></div><font>Apreciadas as apelações, a Relação julgou improcedente a da executada e parcialmente procedente a do exequente, liquidando a indemnização devida a este em </font><u><font>160.000.00 </font></u><font>€ (sendo 120.000 € pelos danos patrimoniais indirectos calculados à data do acórdão e 40.000 € pelos danos não patrimoniais).</font><div></div><font>Novamente inconformada volta a recorrer a executada/seguradora, agora de revista e para este S.T.J.</font><div></div><u><font>Conclusões</font></u><div></div><font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><div><br> <u><font>Conclusão</font></u><br> <u><font>da</font></u><br> <u><font>Revista</font></u></div><br> <font>1-O dano decorrente da verificação de uma incapacidade permanente parcial é um dano tipicamente não patrimonial, só assumindo foros de dano patrimonial se e quando a incapacidade importar uma real e efectiva perda de capacidade de ganho do lesado.</font><br> <br> <font>2- Sempre que a incapacidade não seja realmente incapacitante no sentido de importar uma real perda da capacidade de ganho, os danos dela decorrentes, a existirem, consistem nos esforços suplementares que são exigidos ao lesado para manter a sua capacidade de ganho. </font><br> <br> <font>3- Estes esforços suplementares podem ser de vária ordem e passam, nomeadamente, por maiores esforços físicos, dores, necessidades de interrupção da actividade profissional, entre muitos outros abstractamente equacionáveis.</font><br> <br> <font>4- Mas não tendo estes esforços suplementares qualquer influência na capacidade de ganho do lesado e não importando, por conseguinte, quaisquer danos de natureza patrimonial, constituem eles danos de natureza exclusivamente não patrimonial, a indemnizar de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 496° do Código Civil.,</font><br> <br> <font>5- Conclui-se da matéria dada como provada que a incapacidade, pese embora limitativa ou mesmo impeditiva da prática de desporto, não afectou o seu rendimento escolar do recorrido, aluno com óptimo aproveitamento escolar, com perspectivas mais do que certas de frequentar um curso superior e, por consequência, ingressar no mercado de trabalho munido das correspondentes habilitações académicas e, pela lógica das coisas, exercer uma profissão de carácter eminentemente intelectual.</font><br> <br> <font>6- A luz da matéria de facto provada, aquela incapacidade não lhe acarretará nenhum dano de natureza patrimonial, pelo que a este título nada tem o recorrido a receber da recorrente.</font><br> <br> <font>Sem Prescindir,</font><br> <br> <font>7- Ainda que se venha a considerar - o que não se concede - que a incapacidade de que ficou portador determinou para o recorrido a verificação de um dano de natureza patrimonial, na vertente de dano fisiológico, sempre o montante indemnizatório a tal título fixado se afigura manifestamente exagerado e, ressalvando o muito e devido respeito por opinião contrária, contraditório até com a tese de que tal dano reveste natureza patrimonial, por assente em factualidade que releva para efeitos de compensação de dano de natureza não patrimonial.</font><br> <br> <font>8- Na verdade, resulta de fls 16 do douto acórdão recorrido que, na fixação do montante indemnizatório em causa, se lançou mão, para além do mais, da matéria de facto vertida nos pontos 10 a 29 da decisão, sendo que estes pontos traduzem, na sua maioria, factualidade que demonstra os incómodos, dores, angústias e frustrações sofridos e vivenciados pelo recorrido em consequência do acidente, isto é, factualidade que releva para efeitos de atribuição de indemnização ou compensação de danos de natureza não patrimonial.</font><br> <br> <font>9- Tudo ponderado e com base no recurso a critérios de equidade, por força do dano em causa, enquanto qualificado como dano patrimonial, deverá ser arbitrada ao recorrido indemnização de montante não superior a € 30.000,00,</font><br> <br> <font>10 - É patente, e a recorrente sabe que o é, que em consequência directa e necessária do acidente sobreveio para o recorrido um importante dano de natureza não patrimonial.</font><br> <br> <font>11- Considera a recorrente, no entanto, como mais adequado, justo e equilibrada o valor a tal título arbitrado na primeira instância (€ 30.000,00), para cuja fundamentação, data venia, aqui se remete, tanto mais que, à face da fundamentação vertida no douto acórdão recorrido para fixação dos montantes indemnizatórios, quer de natureza patrimonial, que de natureza não patrimonial, resulta, ao menos aparentemente, duplicação de parte dos montantes fixados, porquanto a mesma factualidade é utilizada como medida de quantificação de ambos - cfr. fls. 16 do douto acórdão ora recorrido. </font><br> <br> <font>12- No douto acórdão fez-se menos acertada interpretação dos factos e menos correcta aplicação da Lei, designadamente, do disposto nos art.°s 496°, 562° e 566°, todos do C.Civil.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>TERMOS EM QUE</font></b><font>, na procedência das conclusões do recurso da recorrente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, assim se fazendo</font><br> <br> <font> Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br> <br> <u><font>OS FACTOS</font></u><br> <font>Foram os seguintes os factos que as instâncias tiveram por provados.</font><div></div><font> Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:</font><div><font>1.°</font></div><font> Os exequentes propuseram a acção sumaríssima n.° 76/2000, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de Esc:559.532$00, e ainda no que se vier a liquidar em execução de sentença relativamente a despesas com deslocações, refeições, despesas médicas, medicamentos e material clínico para apoio e tratamento do requerente menor e ainda referente à IPP que ao CC viesse a ser fixada e ao dano moral sofrido até que fossem concluídas as intervenções de ortopedia e de plástica que o requerente carecia.</font><div><font>2.°</font></div><font>Exequentes e executada vieram a transigir, tendo a verba de Esc:559.532$00 sido reduzida para Esc:300.000$00 (quantia já paga), tendo a executada assumido a obrigação de indemnizar os exequentes por todos os outros danos peticionados que seriam fixados oportunamente em execução de sentença se na altura em que ao menor fosse dada alta não fosse possível chegar a um acordo quanto ao valor a pagar.</font><br> <div><font>3.°</font><br> </div><br> <font> A transacção foi homologada por sentença de 18 de Dezembro de 2000, transitada em julgado.</font><br> <div><font>4º</font></div><font> O menor CC já teve alta, mas não foi possível chegar a um acordo quanto ao valor indemnizatório.</font><br> <div><font>5.°</font></div><font> À data do acidente, o CC tinha cinco anos de idade.</font><div><font>6.°</font></div><font> Tendo em conta a sua idade e a gravidade dos ferimentos sofridos, o CC necessitou de acompanhamento diário enquanto esteve hospitalizado.</font><div><font>7º</font></div><font>Os exequentes (especialmente a exequente BB) fizeram constantes deslocações para o Hospital, tiveram de fazer refeições fora de casa, e tiveram de suportar despesas médicas e medicamentosas do filho.</font><div><font>8º</font></div><font>Já depois de terem proposto a acção judicial “supra” referida, no apoio ao filho, designadamente nas idas ao Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, para consultas de cirurgia plástica, gastaram:</font><br> <br> <font>a) Em refeições -€:155,15 (cento e cinquenta e cinco euros e quinze cêntimos);</font><br> <font>b) Em deslocações -€: 186,95 (cento e oitenta e seis euros e noventa e cinco euros);</font><br> <font>c) Em medicamentos - €: 16,46 (dezasseis euros e quarenta e cinco cêntimos).</font><br> <font> </font><div><font>9º</font></div><font> O menor CC foi vítima de acidente de viação quando, em 01 de Novembro de 1997, o segurado da executada, por grosseira imperícia, ao pretender travar a viatura que conduzia, carregou no pedal do acelerador, imprimindo súbita aceleração ao veículo que conduzia, galgando o passeio, foi colher o CC que aí se encontrava.</font><div><font>10.°</font></div><font> Em consequência do acidente, o CC sofreu esfacelo grave do pé direito com esmagamento do calcâneo e fractura da bacia.</font><div><font>11.°</font></div><font> O CC foi submetido, em 04 de Dezembro de 1997, na Urgência do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, a reparação cirúrgica do esfacelo, tendo sido posteriormente internado no Serviço de Ortopedia, onde foi sujeito a tratamento ortopédico e a cirurgia plástica.</font><div><br> <font>12.°</font></div><font> Teve alta hospitalar em 12 de Dezembro de 1997, tendo passado a ser seguido por Consulta Externa de Cirurgia Plástica.</font><div><font>13.°</font></div><font> Teve alta clínica dois anos após o acidente, com as sequelas que a seguir se descrevem:</font><br> <font> a) Cicatriz retráctil do calcanhar, atingindo a zona posterior e plantar do mesmo, que restringe a mobilidade do tornozelo (que se processa entre os 0 e os 30 graus de equino);</font><br> <font> b) Deformação do pé com planificação secundária e apoio deficiente com valgo do calcanhar;</font><br> <font> c) Cicatrizes na coxa e perna direitas.</font><div><font>14.°</font></div><font> Do acidente, resultou para o menor CC: „</font><br> <font> a) Quantum doloris considerável, quantificado no grau 5 numa escala de 1 a 7;</font><br> <font> b) Dano Estético de grau 6 na mesma escala;</font><br> <font> c) IPP de 40 % (quarenta por cento).</font><div><font>15.°</font></div><font> Em 13 de Abril de 2004, o menor CC apresentava, além do mais:</font><br> <font> a) No tornozelo direito, deformação do astrálago e do calcâneo e estreitamento moderado da entrelinha tíbio-astragaliana,</font><br> <font> b) Nos pés, alterações morfológicas e estruturais do astrálago e calcâneo direitos, com abaulamento superior do eixo do astrálago e irregularidades da face inferior do calcâneo, e densificação da superfície articular astralago-calcânea, sobretudo ao nível do calcâneo;</font><br> <font> c) No estudo métrico dos membros inferiores mostra dismetria por aumento de 8 mm do lado direito, sendo 4 mm à custa do fémur e 4 mm à custa da tíbia.</font><br> <div><font>16.°</font></div><font> Na sequência do acidente, o CC sofreu dores físicas muito intensas.</font><div><font>18.°</font></div><font> Teve de ser submetido a intervenções cirúrgicas.</font><div><font>19.°</font></div><font> O CC esteve muito tempo hospitalizado e imobilizado, sem poder andar.</font><div><font>20.°</font></div><font> Todos estes factos deprimiram-no e causaram-lhe medo.</font><br> <div><font>21.°</font></div><font> O CC tem consciência de que é um "aleijado", de que sofre um prejuízo anátomo-funcional.</font><div><font>22.°</font></div><font> O CC tem uma deformidade muito visível, que torna manifestamente inestético o seu pé direito. O CC não pode, designadamente, fazer um apoio completo nesse pé, e não pode usar calçado normal, sendo obrigado a calçar ténis de bota.</font><div><font>23.°</font></div><font> O dano físico de que padece impede-o de praticar desporto, de correr normalmente ou até andar como qualquer outra criança. Sentindo a sua limitação física, viu-se compungido a afastar-se das brincadeiras em que, antes do acidente, habitualmente participava, e é com enorme frustração emocional que vê os amigos inscreverem-se nas escolas de basquetebol, voleibol, patinagem ou de futebol e sentir que esse tipo de actividades lhe está vedado.</font><div><font>24.°</font></div><font> Por mais de uma vez, ouviu outras crianças comentarem depreciativamente o seu dano físico, chamando-lhe "coxo", o que afecta a sua auto-confiança, a sua auto-estima, o seu conforto pessoal, a sua alegria de viver e a sua capacidade para explorar várias possibilidades que a vida lhe oferece.</font><div><font>25.°</font></div><font> À medida que cresce, surge a vergonha do CC em exibir o pé direito, e tem vindo a ganhar complexos derivados desse desconforto físico.</font><div><font>26.°</font></div><font> O CC sente-se constrangido quando colocado em situações em que o seu dano físico é exibido ou tema de conversa.</font><div><font>27.°</font></div><font> O CC é hoje uma criança insegura, vivendo na permanente angústia de situações em que tem que exibir a perna e pé direitos, mostrando-se introvertido, vulnerável e instável psicológica e emocionalmente.</font><div><br> <font>28.°</font></div><font> À medida que for crescendo, o CC irá ter problemas de inserção social em outras vertentes, designadamente sexual.</font><br> <div><font>29.°</font></div><font> O CC ficou com uma deformação dos ossos do tarso e alteração da dinâmica na porção distal do membro inferior direito, o que, num jovem em crescimento, vai forçosamente afectar a coluna e as restantes articulações do referido membro. Além do que o previsível agravamento das disfunções actuais repercutir-se-á negativamente na operacionalidade do raquis e do membro inferior direito.</font><div><font>30.°</font></div><font> O CC é inteligente, desembaraçado, organizado, concentrado no que faz e trabalhador.</font><div><font>31.°</font></div><font> O CC tem sido um aluno aplicado, com óptimo aproveitamento escolar.</font><div><font>32.°</font></div><font> Os pais do CC têm condições económicas para lhe proporcionar a frequência de um curso superior.</font><div></div><b><u><font>Fundamentação</font></u></b><b><font>.</font></b><br> <font>Vê-se das conclusões que a </font><u><font>primeira questão </font></u><font>suscitada tem a ver com a qualificação jurídica do dano emergente da I.P.P. de 40% que afecta o menor sinistrado, entendendo a recorrente, como já defendera no recurso de apelação que, no caso, estaremos perante um dano tipicamente não patrimonial, visto que a incapacidade não importa uma real e efectiva perda da capacidade de ganho futuro, pois tal não se provou.</font><br> <font>Nesta perspectiva nada terá o lesado a receber como indemnização a título de danos patrimoniais.</font><div></div><font>Porém, a entender-se indemnizável a tal título, a referida I.P.P., seria adequada uma indemnização de montante não superior a 30.000€.</font><div></div><font>A </font><u><font>segunda questão</font></u><font> prende-se com a indemnização arbitrada a título de danos morais, que a 1ª instância fixou em 30.000€ mas que a Relação, na procedência parcial da apelação subordinada dos A.A., elevou para 40.000€.</font><br> <font>Por concordar com a indemnização fixada pela 1ª instância a ré não a questionou na sua apelação. </font><br> <font>Porém, face à sua elevação, pretende agora, em sede de revista, o regresso ao montante de 30.000€, que julga adequado.</font><div></div><font>Vejamos.</font><div><u><font>1ª Questão</font></u></div><font>A situação não é tão linear como pretende a recorrente.</font><br> <font>Estamos perante danos futuros previsíveis e por isso indemnizáveis.</font><br> <font>Mas esta categoria de danos tanto pode ter características próprias da modalidade dos danos patrimoniais, como da dos danos não patrimoniais ou morais e é mesmo frequente acontecer partilhar as características de uma e outra modalidade de danos, caso em que devem ser valorados em ambas as perspectivas, sem que isso implique duplicação.</font><br> <font>Como ensina A. Varela, estaremos perante os chamados </font><u><font>danos patrimoniais indirectos</font></u><font>, quando o dano atingindo embora valores ou interesses não patrimoniais, se reflete no património do lesado daí que possa concluir-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou interesses patrimoniais: “também a violação de direitos ou interesses não patrimoniais (como a saúde, a honra, o bom nome) se pode reflectir na perda de direitos ou na necessidade de despesas (que são um valor ou um encargo de carácter patrimonial)”.</font><br> <font>Cof. Das Obrig. em Geral – 6ª ed. – I. pag. 571, nota (1).</font><div></div><font>No caso concreto estamos perante uma I.P.P. de 40% sofrida por um menor de 5 anos, que o acompanhará durante toda a vida.</font><br> <font>Porém, não existem nos autos elementos que permitam concluir, mesmo em sede, conjectural e previsível, que tal incapacidade importará, no futuro, uma efectiva e real perda de ganho ao nível do desempenho profissional, muito menos na proporção da incapacidade fixada.</font><br> <font> Trata-se de facto, de lesões e, sequelas essencialmente ao nível do pé direito, envolvendo o calcanhar e tornozelo, sendo o menor um rapaz inteligente, com bom aproveitamento escolar e com todas as possibilidades de frequentar e obter um curso superior, o que lhe proporcionará a escolha de uma profissão de índole intelectual.</font><div></div><font>Seja como for, existe uma I.P.P. de 40% que, no caso, não se traduzirá numa incapacidade parcial para o trabalho mas antes </font><u><font>numa incapacidade parcial de natureza funcional ou fisiológica.</font></u><br> <font>Portanto, o que está em causa, não é propriamente uma perda efectiva de ganho futuro, mas, antes de mais, o maior esforço que o menor terá de desenvolver, uma vez no mercado de trabalho, seja qual for a profissão que venha a exercer (que neste momento é completamente imprevisível) para conseguir desempenho profissional idêntico ao de qualquer outra pessoa não afectada com aquela incapacidade.</font><br> <font>Ora, este </font><u><font>acréscimo significativo de esforço, </font></u><font>esta </font><u><font>maior penosidade na execução das tarefas profissionais que o esperam,</font></u><font> não </font><u><font>será compensado com qualquer acréscimo suplementar de retribuição pela prestação laboral desenvolvida ou pelo exercício da actividade profissional liberal, sendo exactamente essa perda de retribuição suplementar pelo maior esforço desenvolvido, </font></u><font>cuja causa radica nas sequelas da lesão, isto é, na incapacidade parcial permanente (no caso), </font><u><font>um dos prejuízos futuros e previsíveis que deve ser indemnizado.</font></u><br> <font>Acresce que não pode esquecer-se que a incapacidade funcional em causa pode repercutir-se, em termos de previsibilidade e normalidade, em </font><u><font>outros factores como a possível antecipação de reforma</font></u><font> com a inerente repercussão no seu montante, a </font><u><font>maior dificuldade de progressão na carreira</font></u><font> , a </font><u><font>necessidade de escolha de profissão mais adequada à incapacidade existente, </font></u><font>o que implicará, o afastamento de outras, porventura mais rentáveis ou pessoalmente mais apetecíveis, mas que envolveriam maior dificuldade de execução ou cujo exercício se torne mesmo impossível face à específica incapacidade funcional em causa (por ex. jamais o lesado poderá vir a exercer a profissão de futebolista, assim como muitos outros ligados ao desporto ou que exijam grandes esforços físicos).</font><br> <font>Trata-se, pois, de factores que, não estando relacionados directamente com a perda efectiva da capacidade de ganho futuro apontam, todavia, para prejuízos futuros previsíveis na esfera patrimonial da vítima.</font><br> <font>Como se diz no Ac. deste S.T.J. de 3/5/2005 – Revista 789/05- em que foi o relator o aqui 1º adjunto “...o dano funcional, gerando o inerente prejuízo funcional, repercute-se, a um tempo, na vida do lesado em geral e na vida do trabalho, aqui através das consequentes perdas de capacidade de ganho ou da efectiva redução de créditos, mas esta repercussão na área estritamente laboral não representa mais que uma parcela daquele dano ou prejuízo funcional.</font><br> <font>O lesado não pode ser reduzido à condição de um factor de produção, em redutora visão economicista do </font><u><font>homo faber,</font></u><font> erigindo-se a perda de ganho na função laboral em critério único da ressarcibilidade do dano” .</font><br> <font>“Releva, em síntese, a diminuição da capacidade de utilizar o corpo ou a sua utilização em termos deficientes e penosos.</font><br> <font>É, pois, esta incapacidade física para a execução de tarefas do círculo da vida não especificadamente associadas à actividade profissional que integra o dano futuro a indemnizar...”.</font><div></div><font>Concordamos, assim, com o acórdão recorrido, que os danos futuros decorrentes da I.P.P. de 40% de que ficou a padecer o menor sinistrado, devem ser indemnizados a </font><u><font>título de dano patrimonial indirecto, na referida modalidade de dano funcional.</font></u><div></div><font>Aliás, a qualificar o referido dano como dano moral ou não patrimonial não deixaria, por isso, de ser indemnizável com um valor autónomo do atribuído a título de danos não patrimoniais, visto que no cálculo dessa indemnização não entrou a referida I.P.P. de 40% em toda a sua incidência. (cof. sentença final).</font><div></div><font>Mas, será que é exagerada a indemnização de 120.000€ fixada pela Relação, como pretende a recorrente?</font><br> <font>A 1ª instância fixou essa indemnização em 100.000€ e pensamos que bem.</font><div></div><font>De acordo com a jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, no apuramento da indemnização devida em caso de danos futuros, podem utilizar-se fórmulas contabilísticas ou matemáticas, mas apenas como meio auxiliar, cujos resultados têm sempre de ser corrigidos face aos critérios de equidade e perante as circunstâncias concretas de cada caso.</font><br> <font>No caso concreto, há a considerar que estamos perante uma I.P.P. de 40%, mas que se traduz, como já se disse, não numa incapacidade parcial permanente para o trabalho, geradora de perda de ganho futuro, mas </font><u><font>numa incapacidade parcial funcional, </font></u><font>já suficientemente caracterizada.</font><br> <font>Considerando que o sinistrado tinha à data do acidente, apenas 5 anos de idade, que verá todo o resto da sua vida activa, designadamente no plano profissional, condicionada, pela referida I.P.P., que lhe exigirá muito mais esforço para o desempenho da actividade profissional que vier a abraçar, sendo certo que a própria escolha da via profissional a seguir, se mostra condicionada pela incapacidade funcional de que é portador, pensamos que, tudo ponderado, é equitativa a indemnização </font><u><font>de 100.000€ </font></u><font>fixada pela 1ª instância, não se justificando o acréscimo atribuído pelo acórdão recorrido.</font><div><br> <u><font>2ª Questão</font></u><br> <br> <u><font>Danos morais</font></u><br> </div><br> <font>Quanto aos danos não patrimoniais, fixou a 1ª instância a indemnização em 30.000€.</font><br> <font>Em sede de apelação do A., a Relação subiu tal indemnização para 40.000€.</font><div></div><font>Pretende agora a seguradora/recorrente a fixação da indemnização a este título nos 30.000€ atribuídos na 1ª instância.</font><div></div><font>Ora, considerando a gravidade das lesões sofridas pelo menor, a sua tenra idade à data do acidente, as dores e sofrimentos inerentes às lesões e aos necessários tratamentos, as sequelas das lesões, designadamente a angústia de se ver hospitalizado, imobilizado e depois deficiente para o resto da vida, os danos estéticos e psicológicos, e tudo o mais descrito nos pontos 5, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28 e 29, da matéria de facto provada, considerando ainda que o acidente decorreu de culpa exclusiva, grave e grosseira, do segurado da Ré, julga-se ajustada segundo critérios de equidade, a indemnização </font><u><font>de 40.000€ </font></u><font>fixada pela Relação, quantia que, por isso, aqui se fixa definitivamente a título de danos não patrimoniais ou morais.</font><div></div><u><font>Decisão</font></u><br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em julgar parcialmente procedente a revista da seguradora/ré e, consequentemente,</font><br> <font>- revoga-se o acórdão recorrido na parte em que elevou para 120.000€ a indemnização devida pelos danos patrimoniais futuros decorrentes da I.P.P. de 40%.</font><br> <font>- fixa-se essa indemnização </font><u><font>em 100.000€ .</font></u><br> <font>- No mais confirma-se o acórdão recorrido.</font><div></div><font>Custas por A.A. e Ré, na proporção do decaimento e vencimento (também nas instâncias).</font><div><br> <font>Lisboa,19 de Novembro 2009</font><br> </div><br> <b><font>Moreira Alves (Relator)</font></b><br> <b><font>Alves Velho</font></b><br> <b><font>Moreira Camilo</font></b><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font> </font></b><br> <b><u><font>Relatório</font></u></b><br> <font>*</font><br> <font>No tribunal Judicial da Comarca da Guarda,</font><br> <b><u><font>AA, SARL</font></u></b><font>,</font><br> <font>instaurou processo de injunção contra</font><br> <b><u><font>I... – Comércio de Leitões Assados Ld.ª</font></u></b><font>,</font><br> <font>para obter a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 124.927,00 € e juros de mora, no valor de 1.192,24 €, alegando que, no exercício do seu comércio vendeu à Ré diversas partidas de leitões cujo preço esta só parcialmente pagou (pagou 66.728,00€), encontrando-se em dívida a referida importância de </font><u><font>124.927,00€</font></u><font>.</font><br> <font>*</font><br> <font>A Ré deduziu oposição, alegando, no que aqui interessa, que não é devedora dos valores peticionados.</font><br> <font>De facto encomendou leitões à A., mas pagou-lhe todas as encomendas efectuadas e entregues, à excepção da última.</font><br> <font>E, não pagou esta última remessa de leitões porque a respectiva factura não correspondia ao fornecimento, designadamente, no que respeitava ao peso dos leitões e porque alguns deles estavam já fora do prazo de validade, motivo pelo qual os seus clientes os devolveram com os consequentes prejuízos que teve de suportar.</font><br> <font>Por isso, a Ré requereu a compensação dos respectivos créditos e deduziu pedido reconvencional, com base nos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegadamente sofreu devido à má qualidade dos leitões fornecidos pela A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a indemnização que vier a apurar-se em sede de execução de sentença.</font><br> <font>*</font><br> <font>Em consequência da oposição da Ré, a injunção foi convolada para acção declarativa de condenação, com processo ordinário.</font><br> <font>*</font><br> <font>A A. respondeu à oposição.</font><br> <font>*</font><br> <font>Posteriormente o juiz titular do processo convidou a A. a aperfeiçoar o articulado inicial (injunção), o que foi feito.</font><br> <font>*</font><br> <font>Elaborou-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória (que em sede de audiência de julgamento foi aditada de mais 2 quesitos).</font><br> <font>*</font><br> <font>Efectuado o julgamento e lida a decisão de facto foi proferida sentença final que julgou a acção parcialmente procedente condenando a Ré a pagar à A. a quantia de 114.927,00€, acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento.</font><br> <font>Quanto à reconvenção, julgou-a totalmente improcedente, absolvendo a A. do respectivo pedido.</font><br> <font>*</font><br> <font>Inconformada recorreu a Ré, de facto e de direito, impugnando as respostas dadas a diversos quesitos por os considerar mal julgados.</font><br> <font>A Relação, porém, apreciando a apelação e reapreciando a prova, manteve as respostas impugnados, julgando improcedente o recurso.</font><br> <font>*</font><br> <font>Novamente inconformada volta a recorrer a Ré, agora de revista e para este S.T.J..</font><br> <br> <b><u><font>Conclusões</font></u></b><br> <font>Concluiu a sua alegação com as seguintes conclusões:</font><br> <font>*</font><br> <b><u><font>Conclusões de Revista da Ré</font></u></b><br> <font>*</font><br> <font>A) De acordo com o disposto no artigo 668°, n° 1 al c), do C. Processo Civil, é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que se verifica no presente caso.</font><br> <font>B) Com efeito, a própria apelada reconhece que a apelante lhe pagou a quantia de Euros. 66.728,00, e que o restante da dívida havia sido pago mediante cheques.</font><br> <font>C) O Tribunal a quo concluiu que, nos presentes autos, resultou provado apenas o pagamento do montante que a autora reconhece que, de facto, se encontrava já pago, ou seja, do montante de € 66.728,00 (que já não é, sequer, por isso, peticionado nesta acção).</font><br> <font>D) Não obstante entende que a ré não logrou fazer prova de quaisquer outros pagamentos, designadamente efectuados em numerário, como por si alegado. (...)</font><br> <font>E) Pelo que existe notória contradição entre fundamentação, factos dados como provados e o que foi a decisão - artigo 668° n.° 1 al. c).</font><br> <font>F) Por outro lado, tendo a própria apelada alegado a entrega dos cheques, pela apelante, para pagamento da restante dívida, foi requerido, em sede de audiência de discussão e julgamento, pela recorrente, que a mesma viesse juntar os originais de tais cheques. O que a autora não cumpriu.</font><br> <font>G) Perante tal comportamento, deveria ter-se assistido a uma inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.° do Código Civil, para que remete o n.° 2 do artigo 519.° do Código de Processo Civil.</font><br> <font>H) Com efeito, dos autos, existe indicação precisa (é a própria recorrida que confessa que recebeu da recorrente todos os cheques) de que apelada tem em seu poder os cheques e por outro lado, apesar de notificada para o efeito, não os juntou, relegando para prova em sede de audiência de discussão e julgamento, a razão pela qual não o faria.</font><br> <font>I) Não existem no processo quaisquer elementos probatórios, seja testemunhal, seja documental que permitam chegar à conclusão que efectivamente está em dívida a quantia global de Euros. 114.927,00.</font><br> <font> J) E a própria recorrida que não sabe quais os montantes em dívida, ao apresentar, em juízo, duas acções para reclamar da R., o pagamento da mesma factura 4337, numa pedindo a quantia de Euros. 83.949,00 e, noutra, pedindo o pagamento da quantia de Euros. 93.949,00. Como poderá o Tribunal a quo valorar tais documentos, por si só, sem o recurso a outros meios [contabilísticos que permitam retirar tais conclusões?!</font><br> <font>K) A apelada foi convidada a apresentar elementos da sua contabilidade, de forma que sustentasse a sua própria alegação, dada a obrigação de existência de contabilidade organizada. Mas nada juntou.</font><br> <font>L) A apelada apenas poderia fundamentar a causa de pedir na falta de liquidez/pagamento dos títulos (cheques) emitidos como meio de pagamento legalmente admissível e não com fundamento nas facturas relativamente às quais, com a entrega dos cheques, deveriam ter emitidos os correspondentes recibos - artigo 29° e 36° do CIVA.</font><br> <font>M) Na decisão da matéria de facto, deve o Juiz analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que forem decisivos para a sua convicção (artigo 653° n.° 3 do C. Processo Civil), não equivalendo o princípio da liberdade de julgamento, prescrito no artigo 655° do mesmo diploma legal, a pura arbitrariedade da decisão.</font><br> <font>N) Assim, salvaguardando sempre o devido respeito, o douto acórdão, ora impugnado, não cumpre os deveres de Tribunal de Recurso, quer quanto à apreciação e análise da matéria de facto controvertida, quer também no que respeita à decisão de direito.</font><br> <font>O) No nosso modesto entendimento, e de acordo com o disposto no artigo 712.°, n.°2, do C.P.C., o Venerando Tribunal Recorrido podia ter alterado a matéria de facto, resultante do julgamento da Primeira Instância.</font><br> <font>P) De facto, não houve reapreciação das provas em que assentou a parte impugnada da decisão proferida pela Primeira Instância, tendo em atenção o conteúdo das alegações dos Recorrentes.</font><br> <font>Q) Salvo o devido respeito, o douto acórdão recorrido não observou, em toda a sua extensão, o encargo imposto pelo n.°2, do art. 712.°, do C. Processo Civil.</font><br> <font>R) Por isso, no caso em apreço, e salvo melhor opinião, o Altíssimo Supremo Tribunal de Justiça mantém o seu poder de censura do douto acórdão proferido, visto que o Venerando Tribunal a quo não agiu em conformidade com o disposto no art. 712.°, n.°2, do C. Processo Civil.</font><br> <font>S) Pelo que, o presente recurso de revista tem por fundamento a violação da lei, nos termos dos arts. 721.°, n.°2, e 722.°, n.°2, do C. Processo Civil.</font><br> <font>T) O douto acórdão violou as disposições legais acima enunciadas, nomeadamente, os artigos 342° do C. Civil, artigos 29°, 36° e 44° do CIVA, artigos 519° n.° 2, 529°, 653° n.° 2 e 3, 655°, 668° n.° 1 al. c) e 712° n.° 1 al. a) e b) do C. Processo Civil.</font><br> <font>Nestes termos e nos mais de direito deverão Vossas Excelências aceitar o presente recurso e pelos fundamentos expostos, deverá ser dado provimento ao presente recurso de revista, revogando-se o douro acórdão recorrido e absolvendo-se a recorrente do pedido, com as legais consequências.</font><br> <font>E, assim, Vossas Excelências, como sempre, farão, JUSTIÇA</font><br> <br> <font>Não foram oferecidas contra-alegações.</font><br> <font>*</font><br> <b><u><font>OS FACTOS</font></u></b><br> <font>Os factos fixados pela Relação foram os seguintes:</font><br> <font>*</font><br> <font>FACTOS PROVADOS</font><br> <font>» A autora é uma empresa que se dedica à actividade da criação e comércio de leitões (alínea A) dos Factos Assentes)</font><br> <font>» No comércio de tal actividade a autora foi contactada pela ré para lhe fornecer leitões da sua criação, o que sucedeu no mês de Outubro de 2005 e, fruto desse contacto, autora e ré estabeleceram entre si um contrato de fornecimento daquela a esta de leitões, e fornecimentos esses de acordo com a encomenda que a ré fizesse à autora (alínea B) dos Factos Assentes).</font><br> <font>» Fruto de tais relações comerciais, a autora enviou/remeteu à ré em 25/1/2005, 1727 leitões no valor de € 64.442,00, que esta recebeu e emitiu a correspondente factura 3904 (alínea C) dos Factos Assentes).</font><br> <font>» Igualmente fruto de tais relações comerciais, a autora enviou/remeteu à ré, em 22/12/2005, 756 leitões no valor de € 33.264,00 que esta recebeu e emitiu a correspondente factura 4253 (alínea D) dos Factos Assentes).</font><br> <font>» E finalmente fruto dessas mesmas relações comerciais entre autora e ré, aquela remeteu/enviou a esta, em 29/12/2005, pelo menos 1958 leitões, que esta recebeu e emitiu a factura n9 4337, mas nela indicando 2023 leitões (alínea E) dos Factos Assentes).</font><br> <font>» O fornecimento efectuado pela autora à ré foi inicialmente facturado pela autora à ré, através da factura n.º 4337, datada de 29/12/2005, onde indicou a quantidade de 2023 leitões e o valor de € 83 949,00 e depois de corrigida, por emissão de uma nova factura com o mesmo número 4337 com a mesma quantidade de leitões mas com o valor corrigido de € 93.949,00 (alínea F) dos Factos Assentes).</font><br> <font>» Dos fornecimentos feitos pela autora à ré esta pagou aquela pelo menos a importância de € 66.728,00 por meio de dois cheques que esta emitiu a favor daquela (alínea G) dos Factos Assentes).</font><br> <font>» O fornecimento efectuado pela ré, em 29/12/2005 e mencionado em E) foi de 2023 leitões, a que correspondeu o valor de € 83 949 (resposta ao facto 19 da base instrutória).</font><br> <font>» Para pagamento de fornecimentos efectuados pela autora à ré foram emitidos por esta cheques a favor daquela (resposta ao facto 2º da base instrutória).</font><br> <font>» Foram devolvidos na compensação do Banco de Portugal dois cheques, respectivamente nos montantes de € 10 714 e € 20 264, sendo o primeiro com a menção de "falta de provisão" e o segundo com a de "cheque revogado por justa causa" (resposta ao facto 6º da base instrutória.</font><br> <font>*</font><br> <br> <b><u><font>Fundamentação</font></u></b><br> <font>*</font><br> <font>Como se vê das conclusões, que essencialmente são a reprodução das oferecidas na apelação, sustenta a recorrente que o acórdão padece do vício de contradição entre os fundamentos e a decisão – (nulidade do Art. 668º n.º 1 c) do C.P.C.).</font><br> <font>Por outro lado, entende que ocorre a situação do Art. 344º n.º 2 do C.C. e n.º 2 do Art. 519º do C.P.C., pelo que deveria ter-se invertido o ónus da prova, competindo, por isso, à A. provar que a Ré não lhe pagou a parte do preço peticionada.</font><br> <font>Não tendo a A. efectuado essa prova, a acção teria de improceder.</font><br> <font>Finalmente, ao que parece, pretende a alteração das respostas dadas aos quesitos impugnadas em sede de apelação (redacção que a Relação manteve inalterada), defendendo que a Relação não reapreciou a prova em conformidade com o disposto no Art. 712 n.º 2 do C.P.C.</font><br> <font>*</font><br> <font>No essencial o acórdão recorrido já se pronunciou fundamentadamente sobre todas as questões suscitadas.</font><br> <font>Todavia, ainda que sumariamente não deixaremos aqui de, sobre as mesmas questões, tecer algumas considerações.</font><br> <font>*</font><br> <b><u><font>1ª Questão</font></u></b><br> <b><u><font>Nulidade</font></u></b><b><font> – Art. 668º n.º 1 c)</font></b><br> <font>*</font><br> <font>Quanto à nulidade da sentença (ou do acórdão que a confirmou) é evidente que inexiste.</font><br> <font>Aliás a alegação contida nas alíneas A, B, C, D e E, nem sequer tem qualquer sentido.</font><br> <font>*</font><br> <font>É evidente que a A. alegou e provou ter fornecido à Ré diversas quantidades de leitões por determinado preço, sendo que, do preço global, a Ré pagou já à A. 66.728€, quantia que, por isso mesmo, nem sequer está em causa nos autos.</font><br> <font>Mas alegou igualmente que embora lhe tenham sido entregues pela Ré cheques para pagamento da parte restante do preço, (que quantificou em 124.972 €), tais cheques foram devolvidos sem pagamento, pelo que está por liquidar essa parte da dívida (e não deve esquecer-se que era à Ré, que competia provar o pagamento, de acordo com as regras gerais sobre o ónus da prova).</font><br> <font>Ora, não se tendo provado que a Ré tenha liquidado à A. a quantia correspondente ao resto do preço, é óbvio que se impunha a condenação da Ré no respectivo pagamento, no montante que se provou.</font><br> <font>Onde está então a contradição alegada?</font><br> <font>A não ser na imaginação da recorrente, não se vê, de todo, qualquer contradição entre os fundamentos (de facto e de direito) e a decisão, sendo esta a consequência lógica da factualidade disponível e da aplicação do direito.</font><br> <font>*</font><br> <b><u><font>2ª Questão</font></u></b><br> <b><u><font>Inversão do ónus da prova</font></u></b><br> <font>No caso concreto estamos perante contratos de compra e venda celebrados entre a A. e a Ré, no âmbito dos quais aquela forneceu (vendeu) a esta, diversas quantidades de leitões por determinado preço, sendo que a Ré apenas pagou parte desse preço, estando em divida o restante.</font><br> <font>Isto consoante o alegado pela A.</font><br> <font>Porém, como é sabido, de acordo com as regras do ónus da prova (Art. 342 do C.C.) e como é jurisprudência e doutrina assentes, em situações contratuais como esta, compete à A. provar o contrato e afirmar o seu incumprimento, pertencendo à Ré devedora o ónus de provar o pagamento, como facto extintivo do direito invocado pela A..</font><br> <font>A propósito, não há-de esquecer-se que o preço corresponde à contrapartida da transmissão da propriedade da coisa, sendo certo que, em direito, o pagamento não se presume a não ser em casos expressamente previstos na lei (Art. 786º do C.C.) que aqui se não verificam.</font><br> <font>Por outro lado, sendo o pagamento efectuado através de cheque deve considerar-se que não sendo tal título moeda fiduciária, mas apenas um meio de pagamento diferido ou uma promessa de pagamento, só se verificará o pagamento do preço quando o tomador recebe do sacado a quantia titulada pelo cheque.</font><br> <font>Só nesse momento se verifica a satisfação do direito do credor a receber o preço acordado, como é óbvio.</font><br> <font>Daí que, alegando o credor que os cheques não obtiveram pagamento por qualquer razão, pertença ao devedor provar que pagou por outra via ou que, afinal, os cheques foram efectivamente pagos.</font><br> <font>*</font><br> <font>Mas, sendo esta a regra geral, há situações em que o ónus da prova do pagamento se inverte e uma delas (a que ora interessa considerar), ocorre quando a parte contrária impossibilitou culposamente a prova de determinado facto (no caso, a prova do pagamento), ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais (Art. 344º n.º 2 do C.C. e Art.519º n.º 2 do C.P.C.</font><br> <font>*</font><br> <font>Ora, alega a Ré que a A. foi notificada para juntar aos autos os originais dos cheques que alega ter recebido da A. e que não tiveram provisão ou foram recusados por outra razão, sendo certo que não cumpriu tal notificação, recusando colaborar com o tribunal na descoberta da verdade.</font><br> <font>Da mesma forma, não juntou aos autos os elementos da sua contabilidade que permitissem a prova do pagamento do preço peticionado, apesar de ter dito que o iria fazer.</font><br> <font>Assim, na opinião da Ré, esta recusa de colaboração implicaria a inversão do ónus da prova do pagamento e por isso, deveria ser a A. a provar que a Ré não pagou o preço dos leilões fornecidos, e porque não fez tal prova, a acção deveria improceder.</font><br> <font>*</font><br> <font>É por demais óbvio que não lhe assiste qualquer razão.</font><br> <font>*</font><br> <font>É certo que a Ré, em sede de audiência de julgamento (cof. acta de fls. 200 e seg.) requereu que a A. juntasse aos autos os originais dos cheques a que se refere na petição inicial corrigida.</font><br> <font>Ora, nessa mesma sessão de julgamento a A. juntou fotocópias de 3 desses cheques (frente e verso e outros documentos tendentes a demonstrar que tais títulos foram devolvidos sem pagamento) assim como juntou os originais dos outros 3 cheques referidos naquele articulado, do verso dos quais consta que não foram pagos.</font><br> <font>Na mesma altura a A. protestou fazer prova em audiência da razão pela qual não podia juntar os originais dos primeiros 3 cheques aludidos (e, como se vê da fundamentação da decisão de facto – fls. 360 – procurou justificar a impossibilidade dessa junção, ao que parece, por terem sido perdidos no escritório de anterior advogado, embora tal justificação não tenha merecido particular credibilidade).</font><br> <font>Quanto aos elementos contabilístico para prova da veracidade da factura n.º 4337, logo a A. alertou para a dificuldade de juntar aos autos tal documentação, pois que, tendo a sua contabilidade organizada em França, onde tem a sua sede, aí não existe obrigação legal de manter a relação das facturas emitidas e valores recebidos.</font><br> <font>Como se vê, não se comprometeu a A. a juntar aos autos tais elementos da contabilidade, mas sim a tentar tudo fazer para juntar tais documentos, no sentido de colaborar com a justiça na descoberta da verdade material.</font><br> <font>É certo que acabou por não juntar qualquer elemento da contabilidade da A., mas não está demonstrado que tal omissão tenha sido deliberada e muito menos culposa.</font><br> <font>Afigura-se-nos, assim, evidente que a situação descrita, que é a que resulta dos autos, está muito longe da recusa de colaboração com o tribunal (muito menos culposa) a que se refere o Art. 519º n.º 2 do C.P.C..</font><br> <font>E, por outro lado, não foi, seguramente, pela omissão da junção dos originais dos referidos 3 primeiros cheques (cujas fotocópias estão nos autos – frente e verso – constando do verso dos cheques em causa, o respectivo carimbo, a recusar o pagamento) ou dos elementos contabilísticos, que a Ré se viu impossibilitada, minimamente que fosse, de provar o alegado pagamento do preço peticionado, nem aliás, alguma vez tal referiu.</font><br> <font>A Ré limitou-se a impugnar (não que emitiu os cheques em questão) o conteúdo e verdade dos carimbos referentes à devolução dos títulos sem pagamento, porquanto do extracto bancário que entretanto juntou aos autos (cof. fls. 226) não consta a apresentação o pagamento e a devolução de tais cheques.</font><br> <font>A verdade é que nem podia constar, já que não se trata de qualquer extracto bancário, mas de uma simples “consulta de saldos e movimentos” de uma conta da Ré com o n.º 0046-0212 060- 00130, que é uma conta diferente daquelas sobre as quais foram sacados os cheques em causa como tudo resulta evidente dos próprios cheques ...</font><br> <font>Por outro lado, é também evidente que, quanto aos cheques, seria muito fácil à Ré provar que foram apresentados a pagamento e pagos (se o tivessem sido ...) bastando para o efeito solicitar ao banco o extracto das contas sobre as quais eles foram sacados, o que sempre estaria na disponibilidade da Ré, como titular dessas contas.</font><br> <font>De resto, a julgar pelos saldos da conta documentada pela Ré a fls. 226, se sobre ela fossem sacados os cheques em causa nos autos, seriam seguramente devolvidos por falta de provisão ...</font><br> <font>*</font><br> <font>Quanto a eventuais pagamentos em numerário, sempre a Ré haveria de possuir os respectivos recibos, além de poder provar tais pagamentos por via testemunhal, como, aliás, tentou fazer, a julgar pela fundamentação da decisão de facto.</font><br> <font>*</font><br> <font>Finalmente, no que se refere aos elementos contabilísticos da A., a razão porque a Ré solicitou a sua junção aos autos, foi apenas porque noutra acção e em relação à factura n.º 4337, a A. tinha pedido a importância de </font><u><font>83.949 €</font></u><font>, enquanto nestes autos, e a respeito da mesma factura, pede </font><u><font>93.948 €.</font></u><br> <font>Ora, neste caso, a resposta ao quesito 1º (não impugnada) foi, quanto a tal divergência de valores, favorável à Ré, já que se provou que o valor de tal factura era apenas de 83.949 € e não os 93.948 € alegados pela A..</font><br> <font>Portanto, a omissão da junção dos aludidos elementos contabilísticos, em nada prejudicou a Ré, antes pelo contrário.</font><br> <font>É, pois, evidentíssimo, que não se verificou qualquer recusa de colaboração da A. para com o tribunal, nem a A. impossibilitou culposamente (ou não) a Ré de provar os factos cujo ónus da prova lhe pertencia.</font><br> <font>E, não os tendo provado, é claro que a acção tinha de ser julgado contra ela, por não ter cumprido aquele ónus em relação aos factos indispensáveis à prova da excepção do pagamento alegado, pois que, como vimos, nenhuma razão existe que justificasse a inversão do ónus probatório, como pretende a Ré.</font><br> <font>*</font><br> <b><u><font>3ª Questão</font></u></b><br> <b><u><font>Alteração da matéria de facto impugnada</font></u></b><br> <font>Ao que resulta das alegações e conclusões, parece que a recorrente pretende que o S.T.J. altere a matéria de facto que impugnou em sede de apelação, e, portanto que se tenha por provada a matéria contida nos quesitos 3º, 4º, 5º, 6º, 6º A, 6º B, 7º, 8º, 9º,10º, 11º e 12º da base instrutória, já que a Relação podendo e devendo alterar essas respostas no sentido pretendido o não fez, violando o n.º 2 do Art. 712º do CPC, isto é, não reapreciou a prova como lhe tinha sido solicitado.</font><br> <font>*</font><br> <font>Mas, como vezes sem conta este Supremo Tribunal tem afirmado, com uniformidade total, embora, ao que parece, sem êxito, no que respeita à matéria de facto são muito limitados e excepcionais os poderes do S.T.J..</font><br> <font>Na verdade, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (Art. 722º n.º 2 do C.P.C.).</font><br> <font>O mesmo repete, por outras palavras o Art. 729º n.º 2, ao determinar que a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo no caso excepcional do n.º 2 do Art. 722º.</font><br> <font>*</font><br> <font>Acontece que, no caso concreto, nenhuma dessas situações excepcionais se verifica.</font><br> <font>Não existe, no processo, prova vinculada.</font><br> <font>Na verdade, todos os documentos juntos ao processo são documentos particulares da livre apreciação do julgador, tal como a prova testemunhal produzida, não se verificando, tão pouco, qualquer confissão.</font><br> <font>A recorrente, esquecendo que se está a dirigir a um tribunal de revista e não de instância, alega como se o estivesse a fazer perante a Relação, chegando ao ponto de chamar à colação diversas passagens de depoimentos gravados, para tentar mostrar o alegado erro de julgamento da matéria de facto impugnada.</font><br> <font>Certo, porém, é que em nada interessa a análise crítica da prova que a própria recorrente se permite fazer perante o S.T.J., visto que tal análise se encontra estribada em documentos particulares da livre apreciação do julgador e em depoimentos de testemunhas, e sendo assim, como é, não pode este Supremo Tribunal sindicar a matéria de facto que as instâncias fixaram.</font><br> <font>De qualquer modo, sempre se dirá, que ao contrário do afirmado pela recorrente, todos os elementos de prova referentes à matéria impugnada, foram reapreciados pela Relação, em sede de apelação, com todo o pormenor e mesmo exaustivamente como resulta da simples leitura, mesmo que apressada, do acórdão recorrido, tendo em conta os documentos pertinentes e o depoimento das testemunhas.</font><br> <font>Não ocorreu, portanto, violação do Art.º 712º n.º 2 do C.P.C..</font><br> <font>Aliás, como é sabido, das decisões proferidas pela Relação ao abrigo do disposto no Art. 712º n.º 1 a 5, não é admissível recurso para o S.T.J. (cof. n.º 6 do citado preceito).</font><br> <font>*</font><br> <font>Consequentemente, porque não estamos no domínio de prova vinculada, nem se verifica qualquer violação de normas de direito probatório material, não pode este S.T.J. sindicar a matéria de facto impugnada que a Relação fixou definitivamente.</font><br> <font>*</font><br> <font>Assim, perante o quadro factual disponível, tendo a A. provado os alegados fornecimentos de leitões, isto é, tendo provado a existência dos contratos de compra e venda celebrados com a Ré, competia a esta provar o pagamento do preço convencionado, o que não fez, razão porque tinha de ser condenada, como foi, nesse pagamento.</font><br> <font>*</font><br> <font>O acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura, improcedendo todas as conclusões da revista.</font><br> <font>*</font><br> <b><u><font>Decisão</font></u></b><br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em negar revista, confirmando-se o acórdão.</font><br> <font>*</font><br> <font>Custas pela recorrente.</font><br> <font>*</font><br> <font>Lisboa, 12/10/2010</font><br> <font>Moreira Alves (Relator)</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font> Moreira Camilo</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <font> </font><br> <div><br> <font>I - RELATÓRIO </font></div><br> <br> <font>1.1. Os Autores - </font><b><font>AA</font></b><font>, residente no ........, nº ….., em ......, freguesia …, Município ......, e a </font><b><font>Junta de Freguesia de Vila da Ponte</font></b><font> ( por intervenção principal) - instauraram ( 05/06/2017) </font><b><font>acção popular civil</font></b><font>, de espécie declarativa condenatória, sob forma de&nbsp; processo comum (artºs 52º, nº 3, da CRP, e Lei nº 83/95, de 31 de Agosto) contra os Réus:</font><br> <p><b><font>BB</font></b><br> </p><p><b><font>CC e marido DD</font></b><br> </p><p><b><font>EE e marido FF</font></b><br> </p><p><b><font>GG e mulher HH</font></b><br> </p><p><b><font>II e mulher JJ</font></b><font>.&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Alegaram, em resumo:</font><br> </p><p><font>O Autor é proprietário de um prédio urbano, de rés- do-chão e andar (sito em ……) que confronta lados sul e nascente, com o que designa por “Rua ......” ou “Largo de .....”.</font><br> </p><p><font>O acesso ao mesmo faz-se através do que designa por “largo .......”, com o qual confina pelos ditos lados sul e nascente), conhecido como “Largo de .....” e que constitui um prolongamento lateral da Rua ...... situada a nascente.</font><br> </p><p><font>Tal largo é confinado a sul por um prédio urbano dos réus; a norte por dois imóveis urbanos, um pertencente a KK e outro aos herdeiros de LL; e, pelo poente, com o referido imóvel do autor.</font><br> </p><p><font>Ele, há mais de sessenta anos, era também conhecido por “Largo da ........”. Pelo respectivo chão, acede-se (pessoas a pé, com veículos automóveis, máquinas e tractores agrícolas, e com animais) ao referido prédio do autor.</font><br> </p><p><font>É também utilizado pelos moradores de ...... e pelos cidadãos em geral para estacionamento de veículos automóveis, tractores agrícolas e alfaias. Tal uso é praticado pelos cidadãos que residem e que visitam a povoação de ......, sempre de forma pública - à vista de toda a gente –, ininterrupta – dia após dia, mês após mês, ano após ano –, e pacífica – sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse –, de boa-fé – convictos de que utilizam bem pertencente a todos os cidadãos, residentes e não moradores em ......, sem lesarem direitos de outrem –, em correspondência com o exercício do direito propriedade pública e, assim, também o autor adquiriu o direito de utilizar o largo ....... para livremente aceder ao seu prédio, nele estacionar veículos automóveis, tal como os demais cidadãos.</font><br> </p><p><font>Na “extremidade” sul do “Largo da Rua ......” existe um prédio urbano de que os réus são comproprietários (artigo …º, da Matriz). É composto por casa de habitação, de r/c e 1º andar, com um pátio interior, foi adquirido por sucessão mortis causa, há cerca de cinquenta e cinco anos, por partilha da herança de GG, marido da 1ª ré BB e pai dos demandados CC, EE, GG e II.</font><br> </p><p><font>Tal prédio, desde a sua construção, em data anterior à memória dos vivos, sempre confinou pelos lados norte e poente com a “Rua ...... (Rua ......)” </font><br> </p><p><font>O autor, por si e antecessores, no domínio do seu prédio, os moradores de ...... e os cidadãos em geral, ao longo de muitas gerações, sempre desde há mais de cem e duzentos anos até à actualidade vêm utilizando aquele “espaço da Rua ...... de ......”, à vista de toda a gente, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sem qualquer estorvo, turbação ou oposição de quem quer que fosse, convictos que utilizam bem do domínio público, acessível e ao dispor de todo e qualquer cidadão, sem lesarem direitos de outrem, todos eles tendo o direito de circular e estacionar nele.</font><br> </p><p><font>O prédio dos réus, fora dos seus muros, não tem qualquer parte descoberta. Aconteceu, porém, que, em 12-01-2015, os réus, ou alguém por eles mandatado, através de um requerimento Modelo 1 do IMI, alteraram, erradamente, na Matriz, as confrontações e a área daquele seu prédio, indicando como confinantes os quatro proprietários dos prédios que ladeiam a Norte e Poente o supra referido “largo .......”, pretendendo, assim, absorvê-lo e usurpar “coisa pública”, e, em 22-06-2016, promoveram o seu registo predial na Conservatória, incluindo – falsamente –, na sua superfície descoberta, área correspondente ao referido “espaço público” – que não é superior a 50m2.</font><br> </p><p><font>A ré BB, desde o Verão de 2014, vem afirmando que o referido “largo (público)” lhe pertence e interpelou alguns cidadãos que nele estacionaram, nomeadamente, em Julho de 2016, pretendeu que o filho do autor retirasse o seu veículo automóvel do largo, onde o estacionara.</font><br> </p><p><font>Em finais de Julho de 2016, os réus BB, EE, GG e DD, utilizando um tractor deste último, depositaram na referida “via pública (Largo de ….)” troncos de árvores, materiais que ali mantêm até hoje, ocupando o “espaço público” com carácter permanente, impedindo que os demais cidadãos dele façam uso e dificultando as manobras de entrada e saída, cargas e descargas nos prédios confinantes com o largo, nomeadamente no imóvel do autor.</font><br> </p><p><font>Os cidadãos da povoação de ......, sentindo-se lesados com a descrita conduta reuniram em assembleia (“couto”) duas vezes - em 19-10-2014 e em 28-07-2016, e declararam que o dito largo é “público” e que não aceitarão a pretensão de apossamento dos réus.</font><br> </p><p><font>O autor interpelou a Junta de Freguesia, a quem pertence a defesa do “património público do território desta autarquia” para que agisse em defesa do “bem comum”, sendo que a autarquia nada fez de concreto para defender aquele “logradouro público”. Uma vez que “as vias de comunicação integram o domínio público” e o aludido “largo” é “coisa” que se integra nesse domínio, ele é insusceptível de apropriação individual, pelo que devem ser removidos os materiais colocados e reposta a sua livre utilização por qualquer pessoa.</font><br> </p><p><font>Pediram cumulativamente:</font><br> </p><p><font>“…deverá a presente acção ser julgada procedente, por provada e </font><b><font>declarando-se a natureza pública do espaço conhecido por “Largo de ….”</font></b><font> [referido nos itens 5º, 6º, 7º e 8ºda p.i., ou seja, um largo com o qual confina o prédio urbano do autor pelos lados sul e nascente e através do qual lhe acede, que constitui prolongamento lateral da Rua ......],</font><br> </p><p><font>1. - Devem ser condenados os réus:</font><br> </p><p><font>a) – A reconhecerem que o referido logradouro é bem do domínio público e, consequentemente, o direito do Autor AA e os cidadãos em geral, de livremente circularem com pessoas a pé e com animais, com veículos de tracção animal ou automóveis, nomeadamente tractores agrícolas, e de estacionarem qualquer espécie de veículos, no largo lateral à Rua ...... da povoação de ......, conhecido por “Largo de .....”;</font><br> </p><p><font>b) – A retirarem do leito do espaço público referido na alínea anterior todos as materiais nele depositados, nomeadamente troncos de árvores, por forma a permitirem o seu uso livre e universal a qualquer cidadão;</font><br> </p><p><font>c) – A absterem-se de nele fazerem qualquer uso permanente e exclusivo que impeça ou obstaculize o estacionamento e a normal circulação de pessoas, animais e veículos naquele largo;</font><br> </p><p><font>d) – Em custas e condigna procuradoria;</font><br> </p><p><font>2. – Deve ser ordenada a rectificação da inscrição matricial (artigo …12 da matriz urbana da freguesia …) e da descrição do registo predial (nº…54-…) relativos ao prédio dos RR. identificados no artº 13 da p.i., no que concerne á área descoberta e às confrontações, como dito nos artigos 28 a 32º desse articulado”. </font><br> </p><p><font>1.2. Após audição do Ministério Público (artº 13º) – que não deduziu qualquer articulado –, foram efectuadas as citações (artº 15º, da referida Lei 83/95) dos réus e demais interessados. </font><br> </p><p><font>1.3. </font><b><font>A Junta de Freguesia de Vila da Ponte</font></b><font> apresentou requerimento, ao abrigo dos artºs 2º e 15º, nº 1, da citada Lei, manifestando vontade de intervir nos autos a título principal (artsº 311º e sgs, CPC) e para lhe serem aplicáveis as decisões neles proferidas, alegando ter interesse igual ao do autora, presentando-se a defender qu a parcela de terreno conhecida &nbsp;por “Largo de .....” é publica porque &nbsp;“vem sendo efectivamente utilizado pelo público em geral, no exercício, ou satisfação do interesse colectivo., </font><br> </p><p><font>1.4. Os Réus </font><b><font>EE</font></b><font> e marido</font><b><font> FF, contestaram, </font></b><font>defendendo-se, em síntese</font><br> </p><p><font>Aquilo que o autor chama “Largo .......” é uma “Eira” ( com 196,70 m2) &nbsp;que integra o imóvel que lhes pertence (artigo … da Matriz), em comum e foi herdado do falecido marido e pai dos demandados, que confronta do norte com a Rua ...... (“Rua .....”) e MM, do sul com outro prédio dos réus (herdeiros de GG), do nascente com a antiga Escola Primária e NN e do poente com KK, AA (autor) e OO, conforme levantamento topográfico junto e para que remetem.</font><br> </p><p><font>Os Réus utilizam tal “Eira” para colocarem os animais bovinos enquanto as crias se alimentavam com o leite das progenitoras (até há cerca de 30 anos, que tinham animais, por esta ser mais espaçosa que as cortes), para porem lenha a secar (para a lareira), alfaias e objectos agrícolas, materiais de construção (blocos, tijolos, cimento), betoneiras, carretas, etc., quando faziam obras no imóvel, tractores, carros de bois, e tudo o que entendiam.</font><br> </p><p><font>Tal uso é feito pelos réus, como antes o faziam os seus antecessores no domínio do dito imóvel, entrando e saindo livremente, retirando todas as utilidades pelo mesmo proporcionadas, zelando-o e vigiando-o, acedendo ao mesmo (quer à construção quer à eira), directamente da Rua ...... (Rua ......), com a qual confronta do norte, e desta ao imóvel, pagando a contribuição predial respectiva, agindo os réus, tal como antes deles já faziam os seus antecessores no domínio, em nome próprio e na qualidade, fé e ânimo de verdadeiros e exclusivos proprietários, tudo e sempre de forma pública – à vista e com conhecimento de toda a gente, incluindo o autor –, pacífica – sem estorvo nem oposição de quem quer que fosse -, contínua – dia após dia, ano após ano, e de boa-fé porque na convicção do exercício de um direito próprio (de propriedade) sem lesarem direitos nem interesses alheios, em correspondência com o direito real de propriedade dos réus (em comum e sem determinação de parte ou direito), sobre tal imóvel, pelo que, além de por aquisição derivada (sucessão mortis causa), os réus adquirira o identificado imóvel por via da aquisição originária (usucapião).</font><br> </p><p><font>Tal Eira integra o dito imóvel dos réus, o qual confina com a Rua ...... pelo respectivo lado norte. Desde toda a vida que a memória alcança, sempre há mais de 20, 30, 50, 60 e 80 anos, os réus e seus antecessores no domínio acederam desde aquela via pública ao seu imóvel (incluindo a eira), e do mesmo para tal via pública.</font><br> </p><p><font>A referida eira já constava no inventário por óbito da mãe de GG, falecido marido da ré BB, e avó paterna dos demais réus, a quem pertenceu, relacionada na verba 62, integrando o imóvel dos réus. Os pais de GG (a dita inventariada PP e QQ sogros da ré BB, eram conhecidos como “........”, e daí o nome de “Eira .......” por que tal eira era conhecida.</font><br> </p><p><font>A eira em causa é em terra batida, diferentemente da rua com a qual confronta (Rua ......), cujo piso é em paralelos. Se fosse “um prolongamento lateral da Rua ......”, quando a Junta de Freguesia/Câmara colocou paralelo na dita rua, também o tinha posto em tal área mas não o fez por ser privada.</font><br> </p><p><font>O imóvel do autor tem apenas servidão de passagem pelo prédio dos réus, para pessoas a pé, tractor, reboque e alfaias agrícolas, situando-se o leito de tal caminho na dita eira, em linha recta desde a Rua ...... até àquele imóvel.</font><br> </p><p><font>O imóvel do Autor confronta do norte com KK e com os réus (prédio em causa, considerando neste incluída a parte da eira), do sul com OO e os réus (prédio em causa, como referido), do nascente com os réus (prédio em causa, idem) e do poente com a rua/caminho, conforme levantamento topográfico. Era composto, antigamente, por uma velha construção de dimensão exígua (com apenas uma divisão no R/C e outra no 1º andar), e uma horta contígua, delimitada da referida eira dos réus por um velho muro em pedra e que há cerca de 26 anos, o autor demoliu totalmente tal construção e edificou outra de raiz, ocupando com ela, além da anterior área da velha construção (cerca de 20 m2), a dita horta, e também, com a esquina nordeste da mesma, uma pequena área da eira dos réus, e fez uma varanda voltada para a eira, tudo com consentimento dado pelo réu GG ao autor, que lho solicitou, por a parede da horta ser arredondada e torta e ele querer fazer uma parede recta e uma varanda na frente da casa (na altura dava-se muito bem com os réus), e, mais recentemente, há meia dúzia de anos, os réus consentiram também, dado o bom relacionamento pessoal, que o autor fizesse dois degraus no fundo da escada de acesso ao 1º andar do dito imóvel, com os quais ocupou outra pequena área da eira dos mesmos, tendo ainda os réus consentido, até meados de 2014, que o autor pusesse na dita eira, afastado da construção deles (em frente ao imóvel dele), algumas alfaias (arado, charrua) na época dos trabalhos agrícolas, e autorizado o demandante a fruir temporária (durante alguns anos) e gratuitamente, alguns terrenos deles, por o filho e o irmão do autor terem, durante vários anos e até meados de 2014, ajudado os réus em trabalhos agrícolas, nomeadamente no corte, carregamento e transporte de lenha para tal imóvel dos réus, que sempre a depositaram (a que ficava fora das cortes) na parte poente da Eira (“canto da lenha”), onde aqueles (filho e irmão do autor), sempre que ajudavam os réus, a punham por instruções destes e por saberem que a Eira é deles (“retribuindo” os réus tal ajuda, com os ditos consentimento, tolerância e comodato).</font><br> </p><p><font>Quando o autor fez as ditas obras de alargamento do seu prédio, já há mais de 20, 30 e 50 anos que os réus e seus antecessores no domínio punham todos os anos, troncos de madeira e outra lenha para a lareira (iam queimando e colocando lá outros) naquele local da eira, nunca o autor tendo dito, antes de meados de 2014, que aquele espaço é público, e não dos réus, estando tais troncos e lenha à vista de toda a gente, mormente do demandante, que por ali passa praticamente todos os dias desde há mais de 25 anos.</font><br> </p><p><font>Só em meados/2014, por a ré BB ter dito ao autor para deixar livres os terrenos que os réus lhe haviam emprestado, aquele, a esposa e o filho desentenderam-se com a mesma, o que originou uma queixa-crime contra eles e a partir daí, o autor e os familiares directos começaram a dizer que a eira é espaço público e a deixar alfaias e o carro ligeiro no meio da Eira dos réus e em frente à porta duma corte, agindo abusivamente porque já sem consentimento dos mesmos.</font><br> </p><p><font>Após esse conflito, em meados/2016, o autor deixou um arado em frente à porta de uma das cortes dos réus, impossibilitando-os com isso, de acederem com tractor com lenha à dita corte, para a meterem lá, como era costume, tendo-lhe os réus dito para o tirar. Como não o tirou, enviaram-lhe em 21/07/2016, carta registada, por ele recebida para retirar da eira, como já lhe tinham dito verbalmente, tudo o que lhe tinham consentido nela, o que o mesmo também não fez, respondendo-lhes que aquilo era público.</font><br> </p><p><font>Certo que, embora raras vezes, alguns dos amigo dos réus, nomeadamente quando os visitam, põem o carro na eira deles, mas fazem-no porque são amigos e com consentimento dos mesmos, e se alguém de outra aldeia for a um funeral a ...... e houver muita gente, se puser o carro na Eira dos réus durante meia ou uma&nbsp; hora que demore, os mesmos nada dizem, tolerando tal acto, que consideram de mera tolerância social, sendo certo que nunca alguém estacionou veículos na eira dos réus sem consentimento ou tolerância destes, sendo do conhecimento de toda a gente da aldeia de ......, que os réus sempre utilizaram diariamente (nos últimos 10 anos com menos frequência, dada a idade de ré, BB, que vive lá) tal imóvel, incluída a respectiva eira, pela qual acedem à Rua ...... e desta ao imóvel, pessoas a pé, animais bovinos e suínos, veículos ligeiros, tractor e reboque com produtos agrícolas e lenha para descarregar nas cortes e palheiros, alfaias agrícolas, etc., pelo que ninguém estaciona carros nem tractores na dita eira, nem os réus o consentiam, pois impossibilitar-lhe-ia a plena fruição do seu imóvel.</font><br> </p><p><font>Os (poucos) moradores da localidade (......) têm outros espaços próprios e públicos, não precisam daquele (eira) e são cada vez menos as pessoas de fora que lá vão.</font><br> </p><p><font>Só desde que as relações pessoais entre autor e réus se deterioraram é que aquele começou a dizer que o espaço é público e a ocupá-lo ostensivamente.</font><br> </p><p><font>Uma vez que era comum as descrições matriciais dos prédios, nomeadamente as confrontações e áreas serem incorrectas, o que os réus fizeram foi actualizar e corrigir as do seu com base num levantamento topográfico que mandaram realizar mas que respeitou a configuração e limites de toda a vida.</font><br> </p><p><font>Nunca a Junta de Freguesia tratou, convocou qualquer reunião sobre o assunto, nem teve qualquer actuação sobre o largo significativas de que considerava aquele espaço como público.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.5. Realizada </font><b><font>audiência de julgamento</font></b><font>, foi proferida (19/2/2020) </font><b><font>sentença ( fls. 404 e segs.)</font></b><font> que decidiu:</font><br> </p><p><font>“Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência:</font><br> </p><p><font>A) Declaro a natureza pública do espaço conhecido por “Largo de .....”, sito em ......, melhor descrito em 4.º, 5.º e 6.º dos factos provados.</font><br> </p><p><font>B) Condeno os Réus a reconhecer que referido largo é bem do domínio público e, consequentemente, o direito do Autor AA e os cidadãos em geral, de livremente circularem com pessoas a pé e com animais, com veículos de tracção animal ou automóveis, nomeadamente tractores agrícolas, e de estacionarem qualquer espécie de veículos, no largo lateral à Rua ...... da povoação ......, conhecido por “Largo de .....”;</font><br> </p><p><font>C) Condeno os RR. a retirarem do leito do espaço público referido na alínea anterior todos as materiais nele depositados, nomeadamente troncos de árvores, por forma a permitirem o seu uso livre e universal a qualquer cidadão.</font><br> </p><p><font>D) Condeno os RR. a absterem-se de nele fazerem qualquer uso permanente e exclusivo que impeça ou obstaculize o estacionamento e a normal circulação de pessoas, animais e veículos naquele largo;</font><br> </p><p><font>E) Determino a rectificação da inscrição matricial do artigo … da matriz urbana da freguesia de ………) e da descrição do registo predial (nº…54-………) relativos ao prédio dos RR., no que concerne á área descoberta e às confrontações, devendo passar a constar que o prédio dos Réus confronta com o largo ....... e devendo excluir-se do prédio dos Réus a área correspondente à do referido largo.”.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.6.- Inconformados, os </font><b><font>Réus EE e</font></b><font> </font><b><font>marido FF, recorreram de apelação</font></b><font> ( de facto e de direito) ( fls. 427 e ssegs.), argumentando, em síntese:</font><br> </p><p><font>Pretendem que se altere a matéria de facto e, além do mais, dar-se como provado que “O espaço a que o autor chama “Largo .......” é uma “Eira” dos réus que integra o respectivo imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia da …….. sob o artigo …12, descrito na Conservatória do Reg. Predial de ……. sob o nº …54 e registado a favor dos mesmos pela AP. 478” - artigo 1º da contestação (facto NP da alínea b);</font><br> </p><p><font>E que o espaço em causa nos autos faz parte do imóvel identificado no artigo 1º da contestação, que foi adquirido pelos réus há mais de 50 anos por sucessão hereditária de GG, marido da ré BB e pai dos réus II, CC, EE e GG ” – artigo 2º da contestação (facto NP al. c), bem como por usucapião.</font><br> </p><p><font>O autor tem apenas servidão de passagem pela eira dos réus, que o mesmo quer converter em espaço público para pôr lá o tractor, alfaias e o carro do filho, pois nunca ninguém da aldeia estacionou naquela Eira sem consentimento dos RR. ou por mera tolerância dos mesmos</font><br> </p><p><font>&nbsp;Ora, por um lado, constando da douta sentença que o espaço em discussão teve inicialmente origem privada, pois chegou a pertencer a RR, por morte do qual ficou para a família “…..”, e não resultando dos factos provados – nem dos factos 2 a 9 referidos pela Sra Juiz, nem de qualquer outro facto provado – qualquer tempo de posse relativamente ao espaço em causa por banda do autor, da comunidade de ...... e dos cidadãos em geral, falece o requisito da posse “desde tempos imemoriais”, exigível pelo citado Assento do STJ de 19/04/1989 para a qualificação de um determinado espaço como do domínio público, assim como falece também prova do tempo mínimo de posse (artigo 1296º do CC) para aquisição de tal espaço para o domínio público por via da usucapião, contrariamente ao decidido, o que acarreta a improcedência da acção.</font><br> </p><p><font>&nbsp;O autor não alegou a apropriação do espaço em causa por pessoa colectiva de direito público (v.g. a Junta de Freguesia), nem a sua afectação ao uso público por tal entidade, assim como não foi alegada a prática de qualquer acto de jurisdição administrativa sobre tal espaço, designadamente a realização de alguma obra, ou a sua conservação e/ou limpeza, pelo que, não se tendo provado (nem foram alegados) quaisquer actos de posse sobre o espaço em causa reportados à autarquia ou à Junta de Freguesia, dos quais se pudesse presumir pela sua apropriação por pessoa colectiva de direito público, sempre faltaria tal requisito para o espaço em discussão poder ser considerado bem do domínio público.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.7.A Interveniente Junta de Freguesia e o autor AA contra-alegaram (fls. 468 a 495 e fls. 497 a 541) no sentido da improcedência do recurso.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.8. A Relação de Guimarães</font><b><font>, por douto acórdão de 4/2/2021 ( fls. 551 e segs.), decidiu julgar procedente a apelação,&nbsp; revogar a sentença e absolver os Réus dos pedidos</font></b><font>.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.9. O </font><b><font>Autor AA e a Junta de Freguesia de Vila da Ponte recorreram</font></b><font> de </font><b><font>revista ( fls. 618 e segs.),</font></b><font> concluindo, em síntese:</font><br> </p><p><font>1)A primeira questão levantada pelo Tribunal da Relação …… prende-se com o facto de o Autor não ter alegado nem demonstrado que o espaço em discussão nos autos é público desde tempos imemoriais.</font><br> </p><p><font>2), o Autor alegou nos artigos 34.º e 35.º da sua Petição Inicial todos os factos essenciais para ser reconhecido o Direito invocado ao alegar que o espaço em questão nos autos é utilizado quer pelo Autor, quer pela população&nbsp; ......, quer pela generalidade das pessoas que se deslocava no local, há mais de cem e duzentos anos, tendo desta forma concretizado os factos essenciais para se verificar a imemoriabilidade do uso do dito espaço, na aceção que lhe é conferido pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/02/2012, disponível no site </font><a><font>www.dgsi.pt.</font></a><font> refere que o critério “tempos imemoriais” deve ser interpretado como “aquele que é tão antigo que o seu início se perdeu na memória dos homens”.</font><br> </p><p><font>3)&nbsp; Não existe dúvida nenhuma que um uso feito de um determinado local há mais de cem e duzentos anos é um uso que deve ser considerado como um uso feito desde de tempo imemoriais, isto porque, o uso do local em questão nos autos, pelo período de tempo alegado pelo Autor, é tão antigo que nenhuma pessoa viva consegue ter memória do seu início.</font><br> </p><p><font>4) Para fundamentar o facto do espaço em discussão nos autos não estar no uso direto e imediato do público desde tempos imemoriais, o Tribunal da Relação &nbsp;……. refere que o Autor alega no artigo 7.º da Petição Inicial que o espaço em discussão nos autos “há mais de sessenta anos também era conhecido por “Largo da Eira do RR”.</font><br> </p><p><font>5) Nunca em momento algum o Autor alegou que a propriedade do espaço em discussão nos autos era do referido RR. O Autor no artigo 7.º da Petição Inicial apenas identificou o espaço em crise nos autos identificando-o pelo nome que a população de ...... atribui ao local para identificar o mesmo, como aliás também fez no artigo 5.º do referido articulado, onde o Autor alegou que o referido espaço também era conhecido por “Largo de .....”.</font><br> </p><p><font>6) A prova produzida em sede de julgamento foi toda no sentido de que o espaço em discussão nos autos é público porque utilizado pelo público desde de tempo imemoriais, e é o que aliás resulta da matéria de facto dada como provado pelo Tribunal da Relação de …… nos pontos 8, 9 e 29.</font><br> </p><p><font>7) A ser verdade que alguma vez o espaço em discussão nos autos teve originariamente natureza particular por ter pertencido ao dito RR, que nem por mera hipótese se admite, há muito tempo que o mesmo terá deixado de ter esta natureza por renúncia ao direito de propriedade pelos “alegados herdeiros” do dito RR, que nunca praticaram qualquer tipo de ato de posse sobre o referido espaço.</font><br> </p><p><font>8) . A renúncia ao direito de propriedade é uma questão que não se encontra totalmente resolvida no direito positivo português, no entanto, a doutrina civilística tem vindo a defender que a renúncia ao Direito de propriedade é uma faculdade que se integra no conteúdo do Direito de propriedade previsto no artigo 1305.º do Código Civil, nomeadamente no direito de dispor do direito como perda absoluta, e doutrina-se que a renúncia ao direito de propriedade decorre do princípio da autonomia privada.</font><br> </p><p><font>9)Na renúncia ao Direito de propriedade cumpre distinguir o “abandono”, caracterizado como um comportamento negativo do proprietário que se desliga por completo e para sempre da coisa com a intenção de abdicar do Direito que sobre ele detém sem, no entanto, o atribuir a ninguém; e a “renúncia abdicativa”, que se caracteriza como uma declaração de vontade do proprietário que visa a extinção do Direito na sua esfera jurídica.</font><br> </p><p><font>10) &nbsp;No que diz respeito ao espaço em discussão nos autos, consta dos pontos 8, 9 e 29 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal da Relação ……., que o referido espaço era utilizado pela população ...... e pela generalidade das pessoas que por lá se deslocava, verificando-se, assim, um desinteresse total dos herdeiros quanto ao referido espaço, desinteresse esse que deve ser considerado como renúncia ao direito de propriedade por abandono total do espaço em discussão.</font><br> </p><p><font>11) E ao contrário do referido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação &nbsp;…… não é pelo facto da Junta de Freguesia não ter alegado qualquer ato praticado sobre o espaço em discussão que o referido espaço deixa de ter natureza pública, até porque tal inércia não corresponde à verdade, tendo sido dado como provados nos pontos 16 e 28 da matéria de facto provada a prática de actos administrativos pela Junta de Freguesia, como sejam a expedição de interpelações e a realização de duas assembleias do “Couto”.</font><br> </p><p><font>12) . O Acórdão de que se recorre padece da nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea c) do CPC, na medida em que se revela incoerente e incompatível no que à intervenção da Recorrente Junta de Freguesia concerne, pois não se alcança como por um lado dá como provada nos pontos 16 e 28 da matéria de facto a prática de atos de índole manifestamente administrativa, para vir depois concluir que não foi o espaço em discussão objeto de qualquer ato administrativo pela autarquia.</font><br> </p><p><font>13) O Acórdão do STJ de 19.04.1989, com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência, apenas refere que a natureza pública de um bem decorre do uso direto e imediato pelo público desde de tempos imemoriais, não exigindo que o bem tenha sido apropriado ou produzido por uma pessoa coletiva de direito público e que haja praticado atos de administração, jurisdição ou conservação!</font><br> </p><p><font>14) Analisando os pontos 16 e 28 da matéria de facto dada como provada, verifica-se que a Junta de Freguesia de Vila da Ponte, que é uma pessoa coletiva de direito público, praticou ato de administração sobre o referido espaço, por um lado quando procedeu à interpelação dos Réus no sentido de informar que o espaço em discussão nos autos é, desde tempo imemoriais, um espaço público, por outro lado quando organizou e dirigiu as reuniões nas quais se discutiu a propriedade do espaço em questão nos presentes autos.</font><br> </p><p><font>15) Por fim, o Douto Acórdão do Tribunal da Relação&nbsp; ……. entendeu não existir uma utilização geral e indiscriminada do local em discussão nos autos que confira ao local uma afetação à utilidade pública em geral para satisfazer interesses coletivos com relevo para a comunidade.</font><br> </p><p><font>16) Não se concorda, pois a jurisprudência tem defendido que a afetação à utilidade pública de um determinado bem está subordinada à satisfação de interesses colectivos de certo grau de relevância. Neste sentido decidiu Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 14/02/2012, disponível no site </font><a><font>www.dgsi.pt.</font></a><font> EO grau de relevância para determinar se um determinado bem está afeto ou não à utilidade pública deve ser analisado em função do local onde o bem se integra.</font><br> </p><p><font>17) &nbsp;O espaço em discussão nos autos, identificado nos pontos 4 e 5 da matéria de facto, dada como provada, está localizado na aldeia ......, situada no concelho&nbsp; ......, num meio rural, cuja economia local ainda depende muito do sector agrícola e em que grande parte da população ainda tem gado, alfaias agrícolas, etc…</font><br> </p><p><font>18) O espaço em discussão confina do lado norte com a Rua ......, que é a única Rua da aldeia, é uma rua bastante estreita, servindo utilidades coletivas diversificadas, satisfaz o interesse objetivo do trânsito e deslocação, mas também é utilizado para o desvio de gado, para desvio dos carros, para estacionamento de carro quando as pessoas se deslocam à aldeia para assistir a uma festa ou a um funeral, ou até quando vão visitar algum familiar, conforme se depreende dos pontos 8, 9 e 29 da matéria de facto dada como provada.</font><br> </p><p><font>19) Por isso, a utilidade do espaço em discussão nos autos não é uma utilidade que satisfaz apenas os interesses do Autor e dos Réus mas é sim uma utilidade que satisfaz de facto os interesses reais dos habitantes da aldeia&nbsp; ...... e da generalidade das pessoas que lá se desloca.</font><br> </p><p><font>20) O uso generalizado e comum do espaço em discussão nos autos quer pelos habitantes da aldeia ...... quer pelas pessoas que por lá se deslocam, ficou demonstrado de forma suficiente, para que se tenha por cumprido o ónus que incumbe ao Autor de provar a sua afetação à utilidade pública, já que revela uma utilização associada à satisfação das necessidades sociais e da vida económica dos habitantes da aldeia ..... e da generalidade das pessoas que por lá se desloca.</font><br> </p><p><font>21) &nbsp;Encontram-se assim preenchidos todos os requisitos para que seja declarada a natureza pública do espaço em discussão nos autos, isto é, verifica-se que o espaço em discussão nos a
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <p><font>“AA – Importação e Exportação, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra “BB Cabeleireiro Unipessoal, Limitada”, CC e DD.</font> </p><p><font>Pediu a resolução do contrato de subarrendamento celebrado entre a Autora e a Ré sociedade e a condenação desta a restituir o locado, livre e desocupado.</font> </p><p><font>Pediu ainda a condenação das Rés CC e DD a pagarem-lhe a quantia de 4462,50 euros de rendas vencidas, além das vincendas até à restituição.</font> </p><p><font>Alegou nuclearmente ser arrendatária de uma fracção que sublocou à 1.ª Ré para o exercício da actividade de cabeleireiro, manicure e pedicure, pela renda mensal de 750,00 euros, que não lhe vem sendo paga.</font> </p><p><font>A 1.ª Ré contestou alegando, em síntese, ter intentado acção contra a Autora pedindo a suspensão do pagamento das rendas até decisão sobre a obtenção da licença; arguiu a anulabilidade do subarrendamento por inexistência de licença para o exercício da actividade; e pediu a condenação da Ré a indemnizá-la por investimentos feitos e pela perda de clientela.</font> </p><p><font>Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada procedente e improcedente a condenação das Rés no pagamento da indemnização, excepto quanto a rendas vencidas de Dezembro de 2004 a Maio de 2005 e desde Novembro de 2005 até à restituição do locado.</font> </p><p><font>Apelou a 1.ª Ré tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado.</font> </p><p><font>Pede, agora, revista assim concluindo as suas alegações:</font><br> <font>-Na data da celebração do ajuizado contrato, não existia Licença de Utilização para os fins comerciais pretendidos do espaço em questão, exigida pelo art° 9° do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n°321/90, de 15 de Outubro (RAU). </font><br> <font>-Ora, o n° 1 do art° 9.º do RAU estabelece que só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestado pela licença de utilização, passada pela autoridade municipal competente, mediante vistoria realizada menos de oito anos antes da celebração do contrato. </font><br> <font>-Consagra, é certo, o n° 2 do art° 9° do RAU, a possibilidade de, quando as partes aleguem urgência na celebração do contrato, a licença de utilização pode ser substituída por documento comprovativo de a mesma ter sido requerida. </font><br> <font>-Ora por um lado, tal estipulação essencial, fixada imperativamente pela Lei para a celebração do contrato, não foi incluída no mesmo, o que determinava a respectiva nulidade. </font><br> <font>-Por outro lado, o n° 2 do art° 9° do RAU não derrogou o disposto no art° 8° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), o qual se mantém vigente, e que determina a exigência de tal Licença de Utilização, para fins comerciais de um locado, cominando a utilização, nomeadamente para fins comerciais, de um prédio não licenciado, com o despejo sumário dos inquilinos, a ordenar pela Câmara Municipal competente (art° 165°). </font><br> <font>-Mesmo que se entenda que tal disposição já não se mantém vigente, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a Ré nunca poderia correr um risco de continuar a permanecer no locado sem a Licença Municipal. </font><br> <font>-Tendo em consideração as divergências de conteúdo do subarrendamento com o contrato de arrendamento, e o facto de não existir Licença de Utilização, entendeu a Ré não existirem condições, quer de ordem negocial, quer de ordem jurídica para a manutenção do ajuizado subarrendamento. </font><br> <font>-Ainda relativamente a esta questão sublinha-se o facto de, apesar do ajuizado contrato ter sido celebrado em 2003, apenas em 2004, foi apresentado, na Câmara Municipal de Lisboa, o pedido de vistoria a que alude o n° 1 do art° 9° do RAU, facto que é, por si só, demonstrativo da falta de diligência (que impendia sobre a locadora). </font><br> <font>-Tendo em atenção os factos vertidos na petição inicial, verificou-se claramente o incumprimento definitivo, por parte da Autora, do ajuizado contrato. </font><br> <font>-Com fundamento no incumprimento verificado, a Ré pediu, em sede de reconvenção, a resolução do subarrendamento. </font><br> <font>-Dos factos referidos, julga-se à sociedade, não ser exigível à Ré o pagamento da renda. </font><br> <font>-A responsabilidade pela resolução do contrato por parte da Ré, deve-se, conforme se observou, e em exclusivo, à Autora. </font><br> <font>-O acórdão recorrido deve ser substituído por outro que julgue a acção improcedente, e procedente o pedido reconvencional. </font> </p><p><font>Não foram oferecidas contra alegações.</font> </p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><u><font>matéria de facto</font></u><font>:</font> </p><p><font>-A Ré instaurou contra a ora Autora uma acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que corre os seus termos na 17.ª Vara, 1.ª Secção deste tribunal sob o n° 1912/05 e em que pede a anulação do contrato de arrendamento em causa por impossibilidade legal do objecto, com restituição à aí Autora e aqui Ré de tudo quanto tenha sido prestado, a condenação da aí Ré a indemnizar a Autora por todos os prejuízos causados à ai Autora com a perda de clientela originada pela obrigação de abandonar o locado, indemnização a liquidar em execução de sentença e pelos investimentos pela mesma feitos no locado e a dispensa da Autora de pagar as rendas até decisão final ou até obtenção da licença por parte da aqui Autora e ali Ré, acção que em Novembro de 2005 aguardava o trânsito em julgado da deserção de um recurso, após o que seria aberta conclusão para os fins do art° 508-A ou 508-B do C. P. Civil, encontrando-se nesta data aberta conclusão nesse processo para despacho saneador ou marcação da audiência preliminar.</font><br> <font>-Na acção referida em 1 – a ora Autora – ali Ré – foi citada em 26 de Abril de 2005, tendo a acção dado entrada em juízo em 31 de Março de 2005. </font><br> <font>-Estes autos deram entrada em juízo em 13 de Abril de 2005, tendo a ora Ré sido citada em 21 de Abril de 2005. </font><br> <font>-Por acordo escrito datado de 26 de Fevereiro de 1990 AR e SA declararam ser donos e legítimos possuidores da cave, fracção B do prédio sito na Rua ..., n° 00, em Lisboa e que prometiam dar de arrendamento à ora Autora, contra o pagamento da quantia mensal de Esc. 300.000$00, a referida fracção, pelo prazo de seis meses, renováveis por iguais períodos, contando-se o seu início a partir de 1 de Junho de 1990, locado que se destinava exclusivamente à instalação de escritórios comerciais, lojas de roupa e similares, bem como confecções, serviços de informática, venda e assistência de computadores e prestação de serviços conexos com as actividades referidas, na condição dos restantes moradores não serem incomodados por horários anormais, ruídos ou cheiros impróprios de um prédio de habitação.</font><br> <font>-A renda referida em 4 – deveria ser paga na residência de um dos proprietários no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito. </font><br> <font>-Nos termos do acordo referido – os promitentes locadores autorizaram a promitente locatária a sublocar parcialmente a fracção em causa para os ramos referidos em 4.</font><br> <font>-Por acordo datado de 17 de Julho de 2003 a Autora declarou ser arrendatária do prédio referido – e que subarrendava à primeira Ré – para instalação exclusiva de salão de cabeleireiro, manicure e pedicure, não podendo a Ré dar-lhe outro uso nem sublocá-lo ou ceder a sua posição contratual sem autorização prévia, por escrito, da Autora – as salas 1 e 2 do referido prédio, pelo prazo de seis meses renováveis e contra o pagamento da quantia de 750 Euros mensais, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito no domicílio da Autora ou no lugar por esta indicado.</font><br> <font>-O acordo referido teve o seu início em 1 de Agosto de 2003 </font><br> <font>-Na data referida e no mesmo acordo a Ré declarou reconhecer que o locado realizava cabalmente o fim a que se destinava e que não lhe podia dar outro uso nem sublocá-lo ou ceder a sua posição, no todo ou em parte, sem autorização prévia por parte da Autora, por escrito.</font><br> <font>-Na data referida e pelo mesmo documento as segunda e terceira Rés declararam assumir, solidariamente com a Ré, a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas do referido acordo, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do locado, livre e devoluto de pessoas e bens e que as fianças acabadas de prestar subsistiriam ainda que houvesse alteração da renda então fixada e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos a que se refere o art° 655, n° 2 do C. Civil.</font><br> <font>-Na data referida as partes acordaram que a Ré não poderia fazer quaisquer obras de alteração do arrendado sem autorização prévia e por escrito da Autora nem levantar quaisquer benfeitorias pela mesma realizadas, ainda que autorizadamente nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção.</font><br> <font>-A Ré não pagou a renda vencida em 1 de Dezembro de 2004 nem as que se venceram posteriormente até 13 de Abril de 2005. </font><br> <font>-Em 23 de Setembro de 2005 a Ré efectuou um depósito autónomo na Caixa Geral de Depósitos no valor de 6.750 Euros.</font><br> <font>-Por carta datada de 12 de Julho de 2003 AR comunicou à Autora, por carta, autorizar a sublocação das salas 1 e 2 do prédio referido para ali ser instalado um salão de cabeleireiro, manicure e pedicure. </font><br> <font>-Em data não apurada de 2004 a Ré requereu à Câmara Municipal de Lisboa a emissão de uma licença de utilização específica para poder exercer a sua actividade. </font><br> <font>-Até Novembro de 2005 a licença em causa ainda não fora concedida </font><br> <font>-O espaço sublocado à Ré beneficia de uma licença de utilização composta de uma ocupação destinada a actividades terciárias com área superior a 100 metros quadrados.</font><br> <font>-A Ré, imediatamente após o acordo referido fez no locado as obras que entendeu e começou a exercer a sua actividade, mantendo-se explorar o estabelecimento comercial em causa até hoje.</font><br> <font>-A Autora e os promitentes locadores à mesma do espaço nunca se opuseram ao exercício, pela Ré, da sua actividade de cabeleireiro, manicure e pedicure no mesmo espaço. </font><br> <font>-Em 12 de Novembro de 2004 deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa um requerimento de AR de licenciamento de obras de alteração / legalização do espaço, ao abrigo do disposto no Dec. Lei n° 370/99 de 18 de Setembro, o qual corre seus termos sob o n° 1 907/EDJJ2004 para licenciamento do espaço para salão de cabeleireiro e clínica de estética. </font><br> <font>-Por carta do mandatário da Autora datada de 2 de Dezembro de 2004 foi comunicado ao mandatário da Ré que o proprietário do prédio procedera já em 8 de Novembro de 2004 ao pedido de licenciamento. </font><br> <font>-A Ré angariou clientela de cabeleireiro, manicure e pedicure no locado.</font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo.</font><br> <font>1- Objecto do recurso.</font><br> <font>2- Licença de utilização.</font><br> <font>3- Rendas.</font><br> <font>4- Conclusões.</font><br> <font>1 – Objecto do Recurso</font> </p><p><font>A ora Recorrente culminou a sua contestação pedindo a anulação do contrato “por impossibilidade legal do objecto” restituindo-se-lhe tudo o que prestou; a condenação da Autora a indemnizá-la pela perda de clientela e “investimentos feitos no locado”; dispensa do pagamento de rendas “até à decisão judicial, ou até à obtenção da respectiva licença.”</font> </p><p><font>Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa foi declarado resolvido o arrendamento; as Rés condenadas no pagamento de rendas; e julgados improcedentes os pedidos de “declaração de nulidade do contrato de arrendamento e de indemnização à Ré.</font> </p><p><font>Nas conclusões da apelação a Ré afirmou a nulidade do contrato de arrendamento dizendo ser lícito o não pagamento das rendas e culminando pedindo “que julgue procedente o pedido formulado pela Ré.”</font> </p><p><font>A Relação negou provimento ao recurso remetendo para a sentença, nos termos do n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Nas conclusões da revista, acima elencadas, a recorrente pede a “resolução do subarrendamento” por “incumprimento definitivo por parte da Autora”, afirma não lhe ser “exigível o pagamento da renda” e a final que se “julgue a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional.”</font> </p><p><font>Sendo o objecto do recurso limitado pelas conclusões da alegação, nos termos conjugados dos artigos 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, certo é que tais proposições sintéticas não podem consistir na mera afirmação da procedência do pedido da recorrente, antes contendo todo um raciocínio lógico-juridico a contrariar as razões adoptadas no aresto posto em crise, sempre com as especificações do n.º 2 do citado artigo 690.º.</font> </p><p><font>E se a recorrente assim procedeu quanto à invocação da nulidade do contrato e à não obrigação do pagamento de quaisquer quantias, a titulo de rendas, não alinhou quaisquer argumentos para contrariar o julgado no segmento indemnizatório pelos investimentos feitos e pela perda de clientela.</font> </p><p><font>E nem se diga que deveria ser proferida, nesta parte, o despacho aperfeiçoador a que se refere o n.º 4 do artigo 690.º da lei processual.</font> </p><p><font>É que, já na apelação a recorrente deixara aquele ponto sem controvérsia o que convence da sua não impugnação aceitando, assim, o decidido e limitando, tacitamente, e desde então, o âmbito do primeiro recurso.</font> </p><p><font>De outra banda, a afirmação final não reflecte o desenvolvido no corpo da alegação.</font> </p><p><font>Passar-se-ão a conhecer, apenas as questões correctamente suscitadas: nulidade do arrendamento por ausência de licença de utilização; não obrigação de pagamento das rendas vencidas.</font> </p><p><font>2 – Licença de utilização</font> </p><p><font>2.1 – Louvando-se no artigo 9.º do R.A.U. (Decreto-Lei n.º 321/90, de 15 de Outubro) a recorrente pugna pela nulidade do contrato por, aquando da sua celebração não existir “licença de utilização para os fins pretendidos do espaço em questão.”</font> </p><p><font>Invoca, ainda, o artigo 8.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.</font> </p><p><font>Mas não tem razão.</font> </p><p><font>O artigo 9.º do R.A.U tem, precisamente, a sua origem no artigo 8.º do RGEU (Decreto-Lei n.º 38382 de 7 de Agosto de 1951) e ainda nos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 329/81, de 4 de Dezembro (“Só poderão ser efectuadas escrituras de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal mediante a apresentação pelo locador de licença camarária donde conste ser essa a finalidade do imóvel ou que autorize a mudança de finalidade, se for outra, ou de certidão emitida pela repartição de finanças competente comprovativa de que foi declarado anteriormente o arrendamento do imóvel com essa finalidade, nos termos do artigo 116.º do Código da Contribuição Predial e do imposto sobre a indústria agrícola.”) e 2.º, n.º1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 13/86 de 23 de Janeiro (este, reportado aos arrendamentos para habitação), e é de aplicar aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992.</font> </p><p><font>A exigência da licença de utilização radica-se na necessidade de obrigar os proprietários dos imóveis (novos, reconstruídos ou alterados) ao cumprimento de todas as normas legais, quer relativas à construção, quer de segurança, salubridade ou estética.</font> </p><p><font>E é obrigatória para qualquer arrendamento, quer habitacional, quer para o exercício de actividade comercial, industrial, de profissão liberal ou de outra actividade, desde que licita, já que, e como nota o Conselheiro Aragão Seia (in “Arrendamento Urbano”, 7.ª ed, 508) “ é um requisito formal do contrato de arrendamento” e “destina-se a salvaguardar a posição jurídica do arrendatário, obviando a que este venha a encontrar-se sujeito a uma medida administrativa de despejo, quando o local arrendado não disponha de funcionalidade adequada ao seu uso.”</font> </p><p><font>Daí que o senhorio só possa outorgar o contrato se detiver uma licença de utilização para o fim pretendido com o arrendamento, com base em vistoria realizada há menos de oito anos.</font> </p><p><font>Essa vistoria poderá ser global – aquando da abertura do edifício – ou parcelar – para cada espaço a arrendar. (cf. Conselheiro Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento Urbano”, 2.ª ed, 338/9).</font> </p><p><font>Mas há sempre que proceder a um “distinguo” entre licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica (v.g., habitação, comércio, profissão liberal, etc.) e a licença de utilização para o exercício de qualquer “species” daquele “genus” (lar residencial, farmácia, consultório médico, etc.).</font> </p><p><font>Só a primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos (que,e v. g., vêm os espaços comuns frequentados por estranhos) e com a própria estrutura e configuração do edifício e suas acessibilidades.</font> </p><p><font>Já licenças – tantas vezes equivalentes a alvarás – para o exercício de certo ramo (que podem implicar a realização de obras internas, instalações de água e electricidade próprias e definição de áreas de compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a actividade específica.</font> </p><p><font>Assim decidiu este Supremo Tribunal (Acórdão de 13 de Dezembro de 2007 – 07 A 2766 – desta mesma conferência) ao dizer que “o senhorio tem a obrigação de assegurar o gozo da coisa ao locatário estando este obrigado ao pagamento da renda, como contrapartida, não cumprindo ao locador a obtenção de qualquer licença ou alvará. Se nada tiver sido convencionado em contrário, e tratando-se de arrendamento para exercício de restauração, é ao arrendatário que compete proceder às obras de adaptação, gestão de áreas, instalação de equipamentos e decoração para instalar o seu estabelecimento.”, entendimento que agora melhor se clarifica .</font> </p><p><font>Também o Acórdão de 31 de Março de 2004 – 04 A639 – assim julgou: “o sinalagma que à obrigação (do arrendatário) do pagamento de rendas corresponde é o da prestação (do senhorio) de entregar e assegurar o gozo do locado e não o de obtenção da licença.”. Este aresto foi tirado para arrendamento de pretérito do artigo 9.º do R.A.U. mas já não vigência do artigo 8.º R.G.E.U.</font> </p><p><font>2.2 – Aqui chegados, verifica-se resultar da matéria de facto assente pelas instâncias (resultante de admissão por acordo e do documento de fls. 150) que “o espaço sublocado à Ré beneficia de uma licença de utilização composta de uma ocupação destinada a actividades terciárias com área superior a 100 metros quadrados.</font> </p><p><font>É sabido que o sector terciário da economia compreende todas as actividades relacionadas com o comércio e a prestação de serviços.</font> </p><p><font>Engloba, para além do comércio tradicional, o comércio electrónico (ou informático) e, na prestação de serviços, desde a limpeza ao aconselhamento fiscal, incluindo a prestação de serviços quer a pessoas singulares quer a empresas.</font> </p><p><font>É um sector que não produz bens mas essencial numa sociedade capitalista desenvolvida. Proporciona às pessoas todos os produtos industriais e agrícolas para consumo e ocupação dos tempos de lazer.</font> </p><p><font>Contribui para o PIB de forma muito significativa, chegando aos 90% em certos países (v.g. Bélgica e Luxemburgo). Desenvolve-se, fundamentalmente, nos centros urbanos contribuindo, decisivamente, para o seu desenvolvimento.</font> </p><p><font>Fora de dúvida, pois, que a actividade de cabeleireiro (e conexas, como manicure, pedicure, etc.) se integra no sector terciário.</font> </p><p><font>Daí que o locado estivesse devidamente licenciado para, e na perspectiva de licença geral acima acenada, a instalação da actividade da recorrente.</font> </p><p><font>Mais não cumpria à recorrida na qualidade de locadora.</font> </p><p><font>2.3 – Mas mesmo que assim não se entendesse – o que só por mero raciocínio académico, e “ex abundantia”, se admite- nunca o contrato estaria ferido de nulidade.</font> </p><p><font>É que, a falta de licença de utilização imputável ao senhorio – na vigência do artigo 9.º do R.A.U – sujeitava-o a coima (n.º5) e permitia ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou, em alternativa, a realização de obras que permitam adequar a fracção à finalidade pretendida. (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2006 – P.º 1871/06 e, quanto à mudança de finalidade da fracção, salvo tratando-se de arrendamento habitacional, o Acórdão de 31 de Janeiro de 2007 – 06 A4649 – desta mesma conferência) o que demonstra que o objecto do negócio não seria, neste caso, impedido por norma imperativa por “contra legem” ou “in fraudem legis”.</font> </p><p><font>Improcedem, assim, as razões da recorrente.</font> </p><p><font>3 – Renda</font> </p><p><font>Outrossim, não tem a recorrente razão quando pretende exonerar-se do pagamento das rendas vencidas e vincendas, estas até à restituição do locado.</font> </p><p><font>Por um lado, o contrato não surge viciado de nulidade ou de causa de anulação.</font> </p><p><font>Mas ainda que fosse nulo – o que como acima se disse não se concede – sempre seriam devidas aquelas quantias.</font> </p><p><font>É esta a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal (cf., v.g, e entre muitos, os Acórdãos de 15 de Fevereiro de 2005 – P.º n.º 4401/04-6.ª – e de 6 de Abril de 2006 – 05B4346) que decide que se, na sequência de contrato de arrendamento nulo, se constituiu posse (ou detenção) do arrendado, sem pagamento, mas subsistindo a ocupação do imóvel, é devido o valor correspondente à utilização da coisa (a renda acordada).</font> </p><p><font>Sempre, em consequência, improcederia a argumentação da recorrente.</font> </p><p><font>4 – Conclusões</font> </p><p><font>Pode concluir-se que:</font><br> <font>a) As conclusões da alegação de recurso são proposições sintéticas a condensar o desenvolvido no corpo do texto não se podendo limitar a uma mera afirmação da procedência do pedido, antes devendo conter um raciocínio lógico-juridico com as especificações do n.º 2 do artigo 690.º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>b) O artigo 9.º do R.A.U aplica-se aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992 e não fulmina de nulidade o arrendamento de fracção não licenciado para a finalidade do contrato, antes,e se a falta de licença é da responsabilidade do senhorio, sancionando-o com coima e facultando ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou a realização de obras que, adequando o locado, permitam o licenciamento.</font><br> <font>c) A licença a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do RAU é a autorização genérica para o exercício de actividade inserível no sector económico pertinente, cumprindo ao inquilino a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício de actividade especifica que se propõe .</font><br> <font>d) Estando o prédio licenciado para o exercício de “actividades terciárias”, está cumprido o citado artigo 9.º do RAU se o senhorio o arrenda para instalação de um salão de cabeleireiro, devendo o inquilino obter licenças e alvarás típicas para aquela espécie de prestação de serviços.</font><br> <font>e) Sendo declarado nulo o arrendamento de espaço detido e fruído pelo arrendatário deve este, enquanto durar a ocupação, pagar o valor correspondente à utilização da coisa (normalmente equivalente à renda acordada).</font> </p><p><font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista</font><font>.</font><br> <font>Custas a cargo da Recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008</font> </p></font><p><font><font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font></p>
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VDKzu4YBgYBz1XKvAzLa
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <font> </font><b><font>1.</font></b><br> <font> T... P... e L... S... Lª intentou, no Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, acção ordinária contra M... Lª, pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização, englobando a mesma danos emergentes, no montante de € 57.959,88, e lucros cessantes de € 34.915,85, resultantes da impossibilidade de utilização do veículo 96-83-BE, desde 19 de Maio de 2001 e até Abril de 2002, de € 3.491,58, até à data da reparação do dano, correspondente ao valor do mesmo veículo, importâncias estas acrescidas de juros, à taxa legal, desde 28 de Novembro de 2001 e até efectivo e integral pagamento.</font><br> <font> Em síntese, alegou que, por via exclusiva da deficiente montagem dos pneus, os quais não eram próprios para eixos direccionais, mas sim para eixos de reboque, levada a cabo por funcionários da R., no âmbito do contrato que ambas celebraram, o seu veículo “sofreu” um acidente que lhe determinou os danos invocados.</font><br> <br> <font>A R. contestou, não só por via de excepção, arguindo a incompetência relativa do Tribunal, em razão do território, e a caducidade do direito invocada pela A., mas também por impugnação, terminando por pedir a sua total absolvição.</font><br> <br> <font>Na réplica, a A. contrariou a defesa excepcional arguida pela R..</font><br> <br> <font>Foi, entretanto, julgada procedente a excepção de incompetência, o que motivou a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca de Sesimbra.</font><br> <br> <font> Em sede de saneador, foi relegado para final o conhecimento da excepção da caducidade. Condensaram-se os factos, provados e controvertidos, e a acção seguiu a sua tramitação normal até julgamento. Findo este, foi proferida sentença, pelo Senhor Juiz de Círculo de Almada, a julgar a acção totalmente improcedente.</font><br> <br> <font> Inconformada, a A. apelou, então, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 15 de Janeiro do corrente ano, deu parcial provimento ao recurso e, como assim, condenou a R. a pagar a quantia de 1.104,16 €, acrescida de juros de mora desde a citação, e a que se apurar em liquidação, correspondente ao valor do veículo, à data do acidente, menos o dos salvados.</font><br> <br> <font>Foi a vez de a R. pedir revista do aresto proferido, o que fez a coberto das seguintes conclusões com que fechou a sua minuta:</font><br> <font>- Face aos elementos dos autos o Tribunal da Relação não poderia deixar de ter em conta o previsto no artigo 570º do Código Civil: “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultam, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.</font><br> <font>- Não obstante, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa vem dizer que a “a obrigação da Ré emergente do contrato não se esgotou na venda e montagem dos pneus da viatura. Sobre ela impendia também a obrigação de esclarecer a Autora sobre o tipo de pneus que deveriam ser colocados no veículo (...) deveres esse que não observou”. “Ao agir da forma descrita, a Ré cumpriu defeituosamente o contrato de prestação de serviços que celebrou com a Autora. Este comportamento não pode deixar de merecer juízo de censura, e infringe indiscutivelmente os deveres de diligência, lealdade e boa fé a que estava obrigada”.</font><br> <font>- Face à prova produzida e factos provados, bem como os que a A. não conseguiu provar, não restam dúvidas para se concluir que a R., ora recorrente, não violou as regras da boa fé, prevista no artigo 227º do Código Civil, pela inobservância dos deveres acessórios de conduta.</font><br> <font>- Segundo Almeida Costa, Obrigações, 3ª, 715, “segundo a boa fé, tanto a actuação do credor no exercício do seu crédito como a actividade do devedor no cumprimento da obrigação devem ser presididos pelos ditames da lealdade e da probidade. O conteúdo exacto do dever de boa fé terá de ser determinado em face das várias situações concretas” (</font><i><font>sic</font></i><font>).</font><br> <font>- Não se conforma a recorrente com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que agora vem determinar que ela tinha “a obrigação de esclarecer a Autora sobre o tipo de pneus que deveriam ser colocados no veículo”, quando a A. não provou, como visava, que tenha sido a R., através do seu gerente AA (...) quem aconselhou o modelo, marca e medida dos pneus em questão.</font><br> <font>- Como também, a A., não provou que fora este quem determinou a posição e forma como cada um dos pneus iria ser montado no veículo em causa.</font><br> <font>- Antes, porém, foi a A., com conhecimento sobre veículos, que escolheu o modelo, a marca e medida dos pneus e quem determinou a posição e forma como cada pneu devia ser montado no seu veículo.</font><br> <font>- A A. contribuiu para o resultado dos factos.</font><br> <font>- Ao decidir ao invés, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou o correcto entendimento dos supra mencionados preceitos legais.</font><br> <br> <font> A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do aresto censurado.</font><br> <br> <b><font>2.</font></b><br> <font> As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br> <font> 1- Encontra-se registada a favor a A., desde 04.04.2000, a propriedade do veículo automóvel pesado de mercadorias, marca Renault, modelo AE 380.26S60 6x2 (11CZA1), de matrícula ...-...-... .</font> <p><font>2 - A R. desenvolve a actividade social de comércio de pneus e acessórios para automóveis, fazendo ainda calibragens, montagens e vulcanizações.</font> </p><p><font>3 - A A. foi matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Sesimbra, em 17 de Fevereiro de 2000.</font> </p><p><font>4 - Os sócios gerentes da A., BB e CC, são irmãos.</font> </p><p><font>5 - Em meados de 1999, a R. vendeu a BB, enquanto sócio da A., dois pneus novos, com os seguintes modelos e referências:</font><br> <font>a) 385/65R22.5SP241 de marca DUNLOP, com o DOT DK3RILH208; e</font><br> <font>b) 385/65R22.5SP241 de marca DUNLOP, com o DOT DK3RILH288.</font><br> <font>6 - Os pneus foram montados por funcionários da R..</font><br> <font>7 - Tendo sido montados no veículo supra referido, nas seguintes posições:</font> </p><p><font>a) O referido na alínea a) do artigo 1°, no eixo direccional, na frente esquerda;</font> </p><p><font>b) O referido na alínea b) do artigo 1 no eixo direccional, na frente direita.</font><br> <font>8 - Em 19 de Maio de 2001, pelas 9 horas e 30 minutos, quando o veículo referido circulava em Espanha, na Estrada Nacional nº 433, no sentido Sevilha-Portugal, pela faixa da rodagem da direita atento o seu sentido de marcha, ao km 40,400, ocorreu uma rotura do pneu referido em 7), colocado no eixo dianteiro, frente esquerda.</font> </p><p><font>9 - O que levou à perda de controlo do veículo por parte do seu condutor e consequente despiste.</font> </p><p><font>10 - Tendo o mesmo atravessado transversalmente a estrada por onde circulava, em direcção à berma do lado esquerdo daquela via, atento o seu sentido de trânsito, saído da estrada, capotado e aí se imobilizado.</font> </p><p><font>11 - Foi efectuada uma inspecção ao referido pneu no Centro Técnico do fabricante “GoodYear”, no Luxemburgo.</font> </p><p><font>12 - E que concluiu que o pneu não apresentava qualquer defeito de fabrico.</font> </p><p><font>13 - A causa do rebentamento deveu-se à sua aplicação, por se tratar de um pneu próprio para eixos de reboque (traseiros/galera) e cuja montagem não era aconselhada em eixos direccionais.</font><br> <font>14 - E porque o pneu não estava de acordo com a recomendação do fabricante da viatura, que tinha de origem pneus 315/80R22.5.</font><br> <font>15 - A R. sabia que o pneu não era recomendado para rodar nos eixos direccionais da frente.</font><br> <font>16 - A A. tomou conhecimento desses factos, em data posterior a 16 de Novembro de 2001.</font> </p><p><font>17 - O pneu em causa tem uma garantia de bom estado de funcionamento de cinco anos prestada pelo fabricante Goodyear.</font><br> <font>18 - Pelo menos, em 28 de Novembro de 2001, foram denunciados à R..</font><br> <font>19 - Em consequência do despiste foram contratadas e pagas, pela A., duas gruas para levantar o veículo sinistrado.</font><br> <font>20 - No reboque do mesmo veículo para Portugal despendeu a quantia de € 1.104,16.</font> </p><p><font>21 - Os danos sofridos pelo veículo BE, designadamente a nível de chassis, mecânica e carroçaria são insusceptíveis de reparação.</font> </p><p><font>22 - O que impossibilita a recuperação do mesmo veículo.</font> </p><p><font>23 - O seu preço de aquisição foi de € 55.059,72.</font> </p><p><font>24 - Desde a data do sinistro que o veículo BE se encontra imobilizado e impossibilitado de efectuar quaisquer transportes.</font> </p><p><font>25 - A A. não adquiriu qualquer outro veículo para o substituir.</font> </p><p><font>26 - A actividade da sociedade A. remonta a inícios de 1997.</font> </p><p><font>27 - Funcionando, trabalhando e apresentando-se perante terceiros como se essa sociedade já existisse.</font> </p><p><font>28 – Quando, em 1999, BB se deslocou às instalações da R. para comprar os pneus em causa, fê-lo enquanto sócio da A..</font> </p><p><font>29 - E o referido veículo encontrava-se ao serviço da mesma sociedade.</font> </p><p><font> </font><b><font>3.</font></b> </p><p><font> </font><i><font>Quid iuris?</font></i> </p><p><font> Fundamentalmente está em causa saber se a R. deve ser responsabilizada pelos prejuízos sofridos pela A., em consequência directa do acidente, ocorrido no passado dia 19 de Maio de 2001, provocado pela rotura de um pneu.</font> </p><p><font> É que, como vimos, ficou provado que a causa do seu rebentamento se ficou a dever à sua aplicação, “por se tratar de um pneu próprio para eixos de reboque (traseiros/galera) e cuja montagem não era aconselhada em eixos direccionais” (ponto 13), certo que “o pneu não estava de acordo com a recomendação do fabricante da viatura” (ponto 14) e que “a R. sabia que o pneu não era recomendado para rodar nos eixos direccionais da frente” (ponto 15).</font> </p><p><font> As instâncias estiveram, basicamente, de acordo em relação à qualificação jurídica do contrato celebrado pelas partes.</font> </p><p><font> A 1ª instância colocou a resolução do problema em sede de cumprimento de contrato de prestação de serviços, acabando por isentar a R. de qualquer responsabilidade, considerando que “a prestação foi devidamente cumprida pela Ré, porquanto foi cumprida de acordo com as ordens da Autora”.</font> </p><p><font>A Relação, por outro lado, enfatizando a violação de deveres laterais correspondentes ao contrato de prestação de serviços, ponderou que sobre a R. impendia “a obrigação de esclarecer a Autora sobre o tipo de pneus que deveriam ser colocados no veículo, pois não podia ignorar ser importante para a segurança do veículo que este circulasse com os pneus adequados, e que também não deveria colocar no veículo um pneu não adequado” e daí que, revogando o julgado, tivesse sentenciado a condenação da R..</font> </p><p><font>Olhando para a matéria de facto dada como provada, o contrato ajuizado surge-nos como um contrato misto de compra e venda e de prestação de serviços, na variante de contratos combinados, através do qual as partes se obrigaram reciprocamente: a A. no pagamento do </font><i><font>pretium</font></i><font> fixado, a R. não só a transferir, para aquela, a propriedade dos pneus, como também a montá-los devidamente (</font><i><font>cfr</font></i><font>., sobre este ponto, </font><i><font>v.g</font></i><font>., Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, página 337 e seguintes, Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª edição, página 281 e seguintes, Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral (Refundido e Actualizado), página 469 e seguintes, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume I, páginas 196 a 200, Pedro Pais de Vasconcelos que, do ponto de vista tipológico, os classifica como contratos atípicos, Contratos Atípicos, 2ª edição, Colecção Teses, página 215 e seguintes).</font> </p><p><font>Ora bem.</font> </p><p><font>Se em relação ao primeiro momento do contrato (compra e venda) nada há a apontar à conduta das partes, direccionada para o seu cumprimento, já o mesmo não se poderá dizer no que tange à vertente de prestação de serviços perspectivada do lado da R., enquanto prestadora dos serviços contratados.</font> </p><p><font>Não que a obrigação principal daí derivada não tenha sido cumprida: foi, como é óbvio, com a montagem dos pneus previamente vendidos.</font> </p><p><font>Mas a difícil questão que se levanta é saber se, com o cumprimento dessa obrigação (principal), se extinguiu, de todo a responsabilidade da R. para com a A.. O que nos impele a interrogarmo-nos sobre se, para além daquele dever (principal) de montagem dos pneus, outros havia a onerá-la, e, no caso afirmativo, se os mesmos foram devidamente cumpridos ou, na hipótese negativa, quais as verdadeiras consequências.</font> </p><p><font>Ou seja, por outras palavras: se podemos e devemos responsabilizar a R. na justa medida em que a obrigação de montagem dos pneus não foi levada a cabo de forma satisfatória.</font> </p><p><font>É inegável que a R. cumpriu, no ponto que nos interessa, com a obrigação (principal) de montar os pneus na viatura.</font> </p><p><font>Mas será que os montou, de acordo com as boas regras, sendo essa também uma das obrigações assumidas perante a A.?</font> </p><p><font>É, precisamente, aqui que entra em jogo a apreciação do (in)cumprimento dos chamados deveres laterais.</font> </p><p><font>Antes de obtermos a resposta adequada, importa dar breve nota sobre a essência destes deveres ditos laterais ou acessórios que surgem, amiudadamente e cada vez mais, ao lado dos chamados deveres principais, no contexto da dogmática contratual.</font> </p><p><font>Como ensina Almeida e Costa, “numa compreensão globalizante da situação jurídica creditícia, apontam-se, ao lado dos deveres de prestação – tanto deveres principais de prestação, como deveres secundários –, os deveres laterais (…), além de direitos potestativos, sujeições, ónus jurídicos, expectativas, etc. Todos os referidos elementos se coligam em atenção a uma identidade de fim e constituem o conteúdo de uma relação de carácter unitário e funcional: a relação complexa em sentido amplo ou, nos contratos, relação contratual” (obra citada, página 63). </font> </p><p><font>Também Mota Pinto refere que “além dos deveres principais de prestação e dos direitos correspectivos, que definem o tipo da relação contratual, existem ou podem existir, também, deveres secundários de prestação”, cujas características se diversificam de modo a distinguir entre deveres secundários de prestação autónoma (trata-se de obrigações sucedâneas do dever primário de prestação) e os deveres secundários, acessórios da prestação principal, apelidados por Thiele de “deveres de prestação lateral ou auxiliar (que não têm autonomia em relação a esta última) (Cessão da Posição Contratual, página 337, e nota 1) </font> </p><p><font> </font><font>Outrossim, Carneiro da Frada, alerta para o facto de o contrato convocar “uma ordem normativa”, que o envolve, sujeitando os contraentes aos ditames da regra da boa fé por todo o seu período de vida e daí que, “ao lado dos deveres de prestar – sejam eles principais de prestação ou acessórios da prestação principal –, floresce na relação obrigacional complexa, um leque mais ou menos amplo de deveres que disciplinam o desenrolar da relação contratual, que podem designar-se deveres laterais ou simples deveres de conduta” (Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, pág. 443). </font><br> <font>Estes deveres laterais, para usar a terminologia de Esser, ou acessórios, como prefere chamar-lhes Pedro Pais de Vasconcelos (“o mais característico destes deveres não é a lateralidade em relação ao contrato, mas a acessoriedade em relação aos deveres principais dele emergentes”), não estão orientados para o interesse no cumprimento do dever principal da prestação, antes se caracterizam “por uma função auxiliar da realização positiva do</font><font> </font><font>fim do contratual e de protecção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes” (obra citada, página 404 e seguintes).</font><br> <font>Ainda segundo Carneiro da Frada, estes deveres laterais “não estão virados, pura e simplesmente, para o cumprimento do dever de prestar, antes visam a salvaguarda de outros interesses que devam, razoavelmente, ser tidos em conta pelas partes no decurso da sua relação” e “exprimem, na formulação de Larenz, a necessidade de tomar em consideração os interesses justificados da contraparte e de adoptar o comportamento que se espera de um parceiro negocial honesto e leal, e costumam fundamentar-se no princípio da boa fé” (Contrato e Deveres de Protecção, pág. 36 e ss.). </font><br> <font>Estas obrigações ditas laterais, como nota Menezes Cordeiro, surgem-nos como o resultado do comprometimento das partes e ligadas ao cumprimento das obrigações principais, com estas coenvolvidas, e, portanto, merecedoras da tutela do Direito, podendo surgir, assim, como tendo estado na base de todo o desenvolvimento negocial, quiçá determinando-o (Da Boa Fé, I, página 604).</font><br> <br> <font>Pedro Pais de Vasconcelos classifica estes deveres (acessórios, como prefere chamar-lhes) em deveres de protecção, de esclarecimento e de lealdade.</font><br> <font>Em relação aos primeiros, diz-nos que eles “vinculam as partes a evitar a ocorrência de danos, pessoais ou patrimoniais, para qualquer uma delas, no quadro da execução do contrato”, certo que “em caso de desrespeito dão lugar a responsabilidade civil por violação positiva do contrato” (obra citada, página 408).</font><br> <font>De acordo com a lição de Mota Pinto, estes deveres “caracterizam-se por uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de protecção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos dos danos concomitantes” e, citando Larenz, “identificam-se com os deveres de adoptar o comportamento que se pode esperar entre contraentes honrados e leais” (obra citada, páginas 339 e 340).</font><br> <font>António Pinto Monteiro alerta-nos para o facto de estes deveres acessórios, distintos dos deveres principais de prestação, serem, no entanto, “essenciais ao correcto processamento da relação obrigacional em que a prestação se integra” (Erro e Vinculação Negocial, páginas 44 e 45).</font> </p><p><font>Outrossim, Antunes Varela também nos avisa para o facto de a violação destes deveres poder dar azo não só à resolução do contrato, mas também obrigar à indemnização dos danos causados à outra parte (obra citada, página 129).</font> </p><p><font>Revertendo todos estes ensinamentos para o “nosso” caso, temos a dizer que à R., enquanto prestadora de serviços, incumbia não só a obrigação de montar os pneus vendidos, como, também e sobretudo, a obrigação de os colocar devidamente, em perfeita harmonia com as </font><i><font>legis artis</font></i><font> e com as instruções do fabricante. </font> </p><p><font>E, o que é que ficou, a este respeito, provado?</font> </p><p><font>Como já ficou dito, provou-se que a R., no âmbito da sua actividade comercial, se dedica também à montagem de pneus e seus acessórios, e, ainda, à sua calibragem e vulcanização (ponto 2), e que, por intermédio de seus funcionários, montou o pneu rebentado nas circunstâncias descritas e que não era o adequado para os eixos dianteiros, mas sim para eixos de reboque (resposta ao quesito 11º), não estava de acordo com a recomendação do fabricante da viatura (resposta ao quesito 12º), sabendo ela isso mesmo (resposta ao quesito 13º).</font> </p><p><font>Foi nesta actuação da R., ainda que por intermédio de seus funcionários, que radicou, em última análise, o acidente causador dos danos sofridos pela A.. </font> </p><p><font>Ao actuar como actuou, não montando os pneus como devia, infringindo as próprias recomendações do fabricante da viatura, desrespeitando a vocação dos mesmos (destinados não aos eixos dianteiros, mas aos eixos traseiros), não pode a R. deixar de ser censurada, precisamente porque violou os chamados deveres laterais ou acessórios a que, como prestadora de serviços, estava vinculada.</font> </p><p><font>Foi, pois, precisamente aqui, em relação a estes deveres laterais ou acessórios, que a R. pecou, não montando os pneus fornecidos à A. de acordo com as regras fornecidas pelo próprio fabricante e de modo a não causar danos, como acabou por causar, bem sabendo que o pneu rebentado, causador do acidente e dos prejuízos dele emergentes, não era recomendado para rodar nos eixos direccionais da frente.</font> </p><p><font>Isto mesmo foi, sabiamente, enfatizado no aresto recorrido: </font> </p><p><font>“A obrigação da Ré emergente do contrato não se esgotou na venda e montagem dos pneus na viatura. Sofre ela impendia também a obrigação de esclarecer a Autora sobre o tipo de pneus que deveriam ser colocar no veículo, pois não podia ignorar ser importante para a segurança do veículo que este circulasse com os pneus adequados, e também não deveria colocar no veículo um pneu inadequado. Estes são deveres acessórios de conduta que não observou.</font> </p><p><font> Com efeito:</font><br> <font> O pneu não estava de acordo com recomendação do fabricante, um aspecto que a Ré tinha a obrigação de verificar. Além disso, montou no eixo dianteiro um pneu que sabia que não era recomendado para rodar nos eixos direccionais da frente. </font><br> <font> Ao agir da forma descrita, a Ré cumpriu defeituosamente o contrato de prestação de serviços que celebrou com a Autora. </font><br> <font>Este comportamento não pode deixar de merecer um juízo de censura, e infringe indiscutivelmente os deveres de diligência, lealdade e boa fé a que estava obrigada”.</font><br> <font> </font><br> <font>Movemo-nos aqui, como é evidente, no âmbito da responsabilidade contratual, onde a culpa no cumprimento se presume do devedor: é a este que, nos termos do preceituado no artigo 799º, nº 1, do Código Civil, incumbe a prova de que “a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”.</font><br> <i><font>In casu</font></i><font>, não só a R. não ilidiu a presunção de culpa pelo incumprimento de todas as obrigações inerentes à celebração do contrato firmado com a A., como, pelo contrário, deixou que viesse à tona a factualidade a provar a sua efectiva culpa: não cumprindo devidamente com os deveres laterais atinentes à obrigação assumida de montar os pneus que vendeu à A., ou, dito de forma mais correcta, incumprindo-os, a R. acabou por cumprir defeituosamente o contrato misto a que se vinculou perante aquela, tornando-se, por isso, responsável pelos prejuízos que, como consequência directa e necessária, lhe causou com tais falhas.</font> </p><p><font>E nem o facto de os pneus terem sido montados por funcionários seus a isenta de responsabilidade, atento o disposto no artigo 800º, nº 1, do Código Civil.</font> </p><p><font>Em suma, a R., com a sua conduta, embora por intermédio de comissário, violou os assinalados deveres acessórios de protecção, devendo, por isso mesmo, ser responsabilizada pelos prejuízos que a A., directa e necessariamente, sofreu.</font> </p><p><font>Com efeito, a deficiente montagem dos pneus acabou por afectar a própria prestação devida.</font> </p><p><font>Como bem salienta Carneiro da Frada, aqui “o dano verifica-se não já em consequência da inobservância de meros deveres de conduta distintos dos deveres de prestar, mas sim porque foi o próprio objecto do contrato (a prestação deficiente) que se erigiu como elo de nexo causal que o produziu”, pelo que a reparação do prejuízo de integridade assim causado deve seguir as regras da responsabilidade contratual, sobretudo no que toca à presunção de culpa e à responsabilidade agravada do devedor por actos dos seus auxiliares (O Contrato e Deveres de Protecção, páginas 149 a 151). </font> </p><p><font> Em balde poderá a R., afirmar, como o fez no recurso, que não ficou provado ter sido ela a aconselhar o modelo, a marca e as medidas e, bem assim, a determinar a posição e a forma como cada pneu iria ser montado.</font> </p><p><font>É que defender isso é ignorar o que a lei dispõe em matéria de ónus de alegação e de prova – era a ela e só a ela que cumpria alegar os factos que pudessem afastar a ilação referida (artigo 799º, nº 1, do Código Civil): só o fazendo devidamente poderia defender, ora, a sua irresponsabilidade perante a A..</font> </p><p><font>Não o tendo feito, como, efectivamente, não o fez, e não tendo posto em posto em crise o </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório, apenas nos resta confirmar, pelo acerto, a douta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa.</font> </p><p><font>Não terminaremos, porém, sem deixar uma nótula que nos parece importante.</font> </p><p><font>Tem ela a ver com a asserção contida na 3ª conclusão da recorrente quando afirma que “não violou as regras da boa fé, prevista no artigo 227º do Código Civil, pela inobservância dos deveres acessórios de conduta”.</font> </p><p><font>A referência aos deveres acessórios de conduta surge, aos nossos olhos, deslocada, na medida em que a recorrente parece querer deslocar a sua responsabilidade para o âmbito da responsabilidade pré-contratual.</font> </p><p><font>Isso não só não nos parece correcto à luz da factualidade provada – o “pecado” da R. foi cometido em plena fase de execução do contrato (nos perfeitos limites da responsabilidade contratual) –, como impossível, do ponto de vista da incompatibilidade da natureza da responsabilidade pré-contratual com</font><i><font> ratio</font></i><font> de tais deveres.</font> </p><p><font>Como doutamente sublinha Paulo Mota Pinto, na responsabilidade pré-contratual, “o lesado deve ser colocado, nos termos do artigo 562º, na situação em que estaria se não tivesse sido violado o dever pré-contratual ou não tivesse sido criada (e/frustrada) a sua confiança, sendo, pois, hipotizável, segundo as regras gerais e consoante o curso hipotético dos acontecimentos, que a indemnização se refira quer ao interesse negativo quer ao interesse positivo”.</font> </p><p><font>Daí a conclusão lógica da exclusão “dos casos em que não está em causa a questão da existência, ou conteúdo, da vinculação negocial, mas antes o atentado a posições absolutamente protegidas do lesado”. É que – remata – “nessas hipóteses, de violação de «deveres de protecção» para conservação de bens pessoais ou patrimoniais, a lesão não se reporta, pelos seus efeitos, ao conteúdo da conclusão do contrato, apenas podendo estar em causa o «interesse na conservação» ou «interesse na integridade» – isto é, apenas um genérico «interesse negativo» (…), na não verificação do evento lesivo” (Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, Volume II, páginas 1191 a 1195 e 1463 e 1464).</font> </p><p><font>Em suma:</font> </p><p><font>1º - Ao montar, ainda que por intermédio de comissários, os pneus, previamente vendidos, sem olhar às suas características, sabendo perfeitamente que tal conduta era contrária às instruções de fabricante, a R. violou os deveres laterais de protecção.</font> </p><p><font>2º - A sua responsabilidade funda-se, pois, apenas e só no incumprimento defeituoso do contrato misto de compra e venda e de prestação de serviços que celebrou com a A. e encontra total apoio no prescrito no artigo 798º e 562º, ambos do Código Civil.</font> </p><p><font>3º - Nenhuma razão há, face ao que ficou demonstrado, para reduzir ou isentar a R. de responsabilidade pelas consequências do evento, ao contrário do que, por ela, foi aqui defendido.</font> </p><p><font>4º - A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao responsabilizar a R. nos termos expostos, não pode deixar de merecer a nossa concordância</font> </p><p><b><font>4.</font></b> </p><p><font>Em conformidade com o exposto, decide-se negar a pretendida revista, colocando o pagamento das custas devidas a cargo da recorrente.</font> </p><p><font> </font><b><font>§§§</font></b> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, aos 08 de Setembro de 2009</font> </p><p><font>Urbano Dias</font> </p><p><font>Paulo Sá</font> </p></font><p><font><font>Mário Cruz</font></font></p>
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4zK4u4YBgYBz1XKveDY3
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> <p><font>“U... – U... de A... de M..., CRL” intentou acção, com processo ordinário, contra “M... ­ S... de E... e T..., SA”, “G... – S... de N... G..., Limitada”, “J... N... Limitada”, “V... F..., AS, e “J... B... S..., AS”, sendo que, mais tarde, a 1.ª Ré requereu a intervenção principal provocada de AA e a Autora a de “J... B... S... AS”.</font> </p><p><font>Pediu a condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de 68.166,97 euros com juros a vencerem-se desde a citação.</font> </p><p><font>Alegou, nuclearmente, ter comprado à empresa norueguesa “J... E... AS” uma partida de bacalhau seco (2720 cartões de papelão, com o peso bruto de 70.720 Kg, a que correspondem três “bill of landing”; que a carga foi transportada por via marítima, desde a Noruega até Lisboa, sendo o navio pertença do armador AA, representado em Portugal pela Ré “G...”; que foi descarregada pela Ré “M...”; que as empresas de transporte e estiva não cuidaram de resguardar a carga, cuja parte (1330 cartões, num total de 34.580 kg) veio a ser destruída pela chuva intensa que caiu; que a mercadoria estava segurada na Ré “V...”; que, em consequência, a Autora sofreu os seguintes danos:</font> </p><p><font>- Esc. 6.938.500$00 – perda no valor comercial da mercadoria (quebra e desvio na sua qualidade e quantidade),</font> </p><p><font>- Esc. 2.427.751$00 – custo da operação de beneficiamento, ressecagem, reclassificação e reembalagem;</font> </p><p><font>- Esc. 800.000$00 – despesas efectuadas com o transporte, ida e volta, entre Braga e Aveiro (TBC – T... de B... e C..., Lda.);</font> </p><p><font>- Esc. 3.500.000$00 – falta do produto no local de venda durante 3 semanas e agravamento do respectivo preço de mercado;</font> </p><p><font>por cujo ressarcimento as Rés são solidariamente responsáveis.</font> </p><p><font>O Tribunal Marítimo de Lisboa julgou a acção parcialmente procedente e condenou, solidariamente, as Rés “J... B... S... AS”, “M...”, e “V...” a pagarem à Autora a quantia de 34.819, 87 euros, acrescida de juros vencidos desde as citações, absolvendo todas do mais pedido.</font> </p><p><font>Apelaram a Autora e a Ré “M...”, tendo a Relação de Lisboa, julgado improcedente o recurso da Autora.</font> </p><p><font>Mas deu parcial provimento ao recurso da Ré “M...” condenando-a apenas no pagamento à Autora de 13.927,94 euros, acrescidos de juros.</font> </p><p><font>A “U...” pede revista assim concluindo:</font><br> <font>- A presente revista abrange a parte do acórdão que julgou parcialmente procedente a apelação da Ré M... e que alterou o valor da indemnização desta à Autora U... de 34.81987€ para l3.927,948€. </font><br> <font>- Entendeu o acórdão recorrido que a Recorrente concorreu para a produção dos danos na mercadoria com culpa, em percentagem superior a 5%. </font><br> <font>- Os danos provocados na mercadoria não devem julgar-se como sendo de culpa concorrente da Recorrente em valor superior a 5%. </font><br> <font>Dado o estado em que os (1.330) cartões que estiveram à chuva no cais foram entregues à Recorrente, no estado de completamente molhados e com paletes a desfazer-se não se pode admitir que a culpa da Recorrente seja superior aos 5%. </font><br> <font>- A consequência directa da junção dos ditos 1330 cartões molhados aos restantes teve que ser a extensão da avaria aos 510 cartões que estavam secos no interior dos camiões. </font><br> <font>- Não assiste razão ao acórdão recorrido relativamente à concorrência de culpa decidida na apelação pois, a Ré M... não logrou provar que a Apelante tivesse actuado de forma culposa no acondicionamento conjunto dos 1.330 cartões molhados com os 510 cartões secos. </font><br> <font>- Era ónus da Ré M... provar que o acondicionamento conjunto feito pela Recorrente foi a causa directa da extensão da avaria aos 510 cartões secos – arts.798° e 799°,1 do Código Civil. </font><br> <font>- Essa prova não foi feita, sendo infundada a alteração da percentagem de culpa concorrente da Recorrente, uma vez que a mercadoria entregue pela R M... à Recorrente o foi completamente molhada e com paletes a desfazer-se (Facto provado N°33). </font><br> <font>- Atentas as circunstâncias da descarga (Factos provados n°s 18 a 22 e 25 a 27) e do estado da mercadoria quando da entrega (Factos provados n.ºs 32 e 33), o transporte para Braga (Factos provados n°s 28 a 31) em nada veio agravar a avaria de que a mercadoria já padecia e os danos com a extensão verificada. </font><br> <font>- Não houve prova sobre a medida em que as circunstâncias em que decorreu o transporte para Braga teriam agravado os danos verificados quando da entrega da mercadoria à Recorrente, pela R M... . </font><br> <font>- A culpa do lesado deve ser provada (arts.570° e 799°,1 do Código Civil). </font><br> <font>- Deve entender-se que a medida dessa culpa não foi provada em valor superior aos 5% determinados em 1.ª instância. </font> </p><p><font>Contra alegou a Recorrida “M...” concluindo:</font><br> <font>Como a própria Recorrente declara, o que pretende através deste recurso não é atacar a douta decisão que recaiu sobre a responsabilidade da Recorrida, mas a que julga ter recaído sobre a sua própria responsabilidade; </font><br> <font>Ora, o acórdão recorrido apenas determinou a medida da culpa da Recorrida, que fixou em 40% do total dos danos imputados às Rés pela sentença recorrida, sem ter aumentado a percentagem de responsabilidade imputada ao próprio lesado, aqui Recorrente, que se manteve; </font><br> <font>Acresce que, igualmente se manteve inalterada a sentença recorrida quanto às Rés V... F... e J... B... S... por, relativamente a estas, se ter formado caso julgado material; </font><br> <font>O presente recurso deve, assim, ser julgado findo por não poder ser conhecido o seu objecto ou em virtude do mesmo ser manifestamente infundado, nos termos, respectivamente, dos art.°s 704° e 705° do CPC (ex vi n.° 1 do art.° 724° do CPC); </font><br> <font>À cautela, caso assim não se entenda, sempre dirá a Recorrida que nenhuma razão assiste à Recorrente atenta a matéria que resultou provada, devendo, por isso, improceder o recurso interposto por não terem sido violadas pela douta decisão recorrida as norma jurídicas invocadas pela Recorrente como fundamento do presente recurso. </font> </p><p><font>A Relação deu por definitivamente assente a seguinte matéria de facto:</font><br> <font>1) A Autora U... – U... DE A... DE M..., C.R.L. comprou à empresa norueguesa J... E... AS uma partida de bacalhau seco salgado, acondicionada em 2.720 cartões, com o peso bruto de 70.720 kg (alínea A); </font><br> <font>2) Essa mercadoria foi embarcada e transportada pela Ré J... B... S... AS no navio H... entre Aalesund (Noruega) e Lisboa (alínea B); </font><br> <font>3) Em 3 de Abril de 1998, a propósito desse transporte, a R. J... B... emitiu os três conhecimentos de embarque cujas cópias constam a fls. 206, 207 e 208 dos autos e que se consideram aqui integralmente reproduzidos (Alínea C); </font><br> <font>4) A R. V... F... AS celebrou contrato de seguro com a J... E... AS com o clausulado que consta a fls. 378 dos autos – e no âmbito do qual emitiu os certificados de seguro cujas cópias constam a fls. 218, 219 e 220 dos autos </font><br> <font>(Alínea E); </font><br> <font>5) O navio H... pertence à Chamada AA (Alínea F); </font><br> <font>6) O navio H... transportava bacalhau seco destinado a diversos recebedores (Alínea G); </font><br> <font>7) A G... – S... DE N... G..., LDA era o agente de navegação que representava o navio em Portugal (Resposta ao artigo 10.º)</font><br> <font>8) O transporte marítimo dos autos foi acordado na condição free out (Resposta ao artigo 41.º); </font><br> <font>9) A Ré M... – S... DE E... E T..., S.A. foi a empresa de estiva que levou a cabo a operação de descarga da mercadoria do navio e a sua colocação sobre camiões da Autora (Alínea H); </font><br> <font>10) A Ré M... foi contratada pela Autora para levar a cabo a operação de descarga da mercadoria do navio e a sua colocação sobre camiões da Autora (Resposta ao artigo 27.°); </font><br> <font>11) A descarga da mercadoria foi efectuada sob a direcção, orientação e responsabilidade da Ré M... (Resposta ao artigo 42.°); </font><br> <font>12) A descarga iniciou-se, no porto de Lisboa, em 13 de Abril de 1998 (Alínea D)); </font><br> <font>13) No dia 14 de Abril de 1998, pelas 10 horas, faltavam ainda descarregar 1.330 cartões com 34.580 kg (Resposta ao artigo 1.°); </font><br> <font>14) Começou então a chover abundantemente (Resposta ao artigo 2.°); </font><br> <font>15) O porão do navio estava completamente aberto (Resposta ao artigo 3.°); </font><br> <font>16) A descarga prosseguiu apenas para o cais nas referidas condições (Resposta ao artigo 4.°); </font><br> <font>17) Alguns cartões saíram já molhados do navio (Resposta ao artigo 32.°); </font><br> <font>18) A Ré M... não dispunha de encerados para protecção da mercadoria descarregada para o cais (Alínea 1); </font><br> <font>19) Os trabalhadores da Ré M... largaram a operação de descarga cerca das 11.30 horas (Resposta ao artigo 5.°); </font><br> <font>20) Tendo ficado então a mercadoria descarregada para o cais desde as 10 horas à chuva sem qualquer protecção (Resposta ao artigo 6.°); </font><br> <font>21) E a restante mercadoria que ainda se encontrava no porão do navio ficou igualmente exposta à chuva sem qualquer protecção (Resposta ao artigo 7.°); </font><br> <font>22) Estiveram desde as 10 horas, no cais em questão, dois camiões, às ordens da Ré M..., PARA carregar e transportar a mercadoria referida em 13) (Resposta ao artigo 8.°); </font><br> <font>23) Depois das 11.30 horas, os funcionários da Autora contactaram o chefe de tráfego da G... (Resposta ao artigo 9.°); </font><br> <font>24) O chefe de tráfego da G... declinou qualquer responsabilidade pela operação de descarga e imputou-a totalmente à Ré M... (Q12). </font><br> <font>25) A descarga do navio só veio a ser retomada pelos trabalhadores da R. M... pelas 14 horas e prolongou-se até às 16 horas com a conclusão dos carregamentos nos camiões (Q 13). </font><br> <font>26) Choveu abundantemente entre as 10 horas e as 16 horas no local de descarga do navio e durante esse período tempo a mercadoria continuou exposta à chuva nas condições referidas em 20) e 21) (Resposta aos artigos 14.° e 15.º)</font><br> <font>27) Parte dos cartões de bacalhau seco transportado ficou à mercê da chuva e sem qualquer protecção até às 16 horas (Resposta ao artigo 44.°); </font><br> <font>28) Os camiões da Autora eram abertos (Resposta ao artigo 37.°); </font><br> <font>29) Só depois de carregados os camiões, é que os cartões foram cobertos com encerados dos próprios camiões, os quais deixavam a descoberto as partes laterais dos camiões e exposta à chuva parte dos cartões carregados (Resposta aos artigos 38.° e 39.°); </font><br> <font>30) Tendo essa mercadoria sido assim transportada à chuva de Lisboa para Braga até chegar aos armazéns da Autora (Resposta ao artigo 40.°); </font><br> <font>31) Depois de carregados em camiões abertos, os cartões de bacalhau seco continuaram a apanhar chuva durante o transporte até Braga (Q45). </font><br> <font>32) A Ré M... sabia que a carga era constituída por bacalhau salgado seco e que os cartões onde vinha embalado esse bacalhau não constituíam protecção bastante contra a acção da chuva (Resposta ao artigo 46.°); </font><br> <font>33) Em consequência da água da chuva, a mercadoria referida em 13) foi, em grande parte, entregue à Autora completamente molhada e com algumas paletes a desfazerem-se (Resposta ao artigo 16.°); </font><br> <font>34) Esses cartões molhados foram acondicionados juntamente com os cartões secos anteriormente descarregados, tendo ficado molhados 1840 cartões de bacalhau seco salgado na totalidade (Resposta ao artigo 17.°); </font><br> <font>35) Não se apurou quando e onde ocorreu esse acondicionamento conjunto dos cartões secos e molhados (Resposta ao artigo 17.°); </font><br> <font>36) Todo esse bacalhau ficou impróprio para consumo (Resposta ao artigo 18.º)</font><br> <font>37) O bacalhau assim molhado foi posteriormente submetido a uma operação de recuperação (ressecagem e requalificação) (Resposta ao artigo 19.°); </font><br> <font>38) Mas revelou-se impossível recuperar 4.500 kg desse bacalhau molhado (9,78%) (Resposta ao artigo 20.°); </font><br> <font>39) A Autora deixou de auferir a importância de 6.938.500$00 com a perda desse bacalhau (Resposta ao artigo 21.º); </font><br> <font>40) A recuperação do bacalhau custou 2.427.751$00 e foi suportada pela Autora (Resposta ao artigo 22.°); </font><br> <font>41) O transporte do bacalhau para efeito dessa recuperação custou Esc. 800.000$00 e foi suportado pela Autora (Resposta ao artigo 23.°). </font><br> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo, </font><br> <font>1- Recurso.</font><br> <font>2- Transporte de mercadorias por mar.</font><br> <font>3- Responsabilidade.</font><br> <font>4- Conclusões.</font><br> <b><font>1- Recurso</font></b> </p><p><font>A Recorrida suscita a questão prévia da não admissibilidade do recurso por se pretender atacar não a sua responsabilidade mas a da recorrente.</font> </p><p><font> E porque se manteve inalterada a condenação das Rés “V...” e “J...”, entende que o recurso é manifestamente infundado, para tal invocando os artigos 704.º e 705.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>De não acolher.</font> </p><p><font>A manifesta sem razão de um recurso prende-se com o seu mérito, imediato e ostensivo, que não com o que venha a resultar da análise e ulterior discussão da causa.</font> </p><p><font>Excluem-se,assim, situações em que para se lograr uma rejeição liminar do recurso tenha que, fazendo apelo ao silogismo judiciário, desenvolver-se todo um raciocínio argumentativo que se utilizaria em sede de conhecimento do mérito.</font> </p><p><font>A expressão “recurso manifestamente infundado” constante do artigo 705.º do Código de Processo Civil, tem um alcance equivalente ao da parte final da alínea c) do n.º 1 do artigo 474.º do Código de Processo Civil na sua primitiva redacção.</font> </p><p><font>Só o será, quando se situar fora de qualquer dúvida, por ser patente ou manifesta a sem razão do recorrente, evitando-se que subam aos tribunais superiores recursos manifestamente inúteis ou dilatórios.</font> </p><p><font>Terá de resultar “se uma avaliação sumária dos seus fundamentos permitir concluir inequivocamente pela sua não atendibilidade” não “havendo que averiguar se o recurso procede nem se exige um determinado grau de probabilidade dessa procedência, caso em que se estaria a entrar profundamente na apreciação do respectivo mérito (cf. Acórdãos TC 501/94 – DR II 1994 e 269/94, DR II, 18/6/94 e P.º 913/04 – 3.º - Ac. 673/07).</font> </p><p><font>“In casu”, não ocorre, em consequência, manifesta inviabilidade do recurso.</font> </p><p><b><font>2 – Transporte de mercadorias por mar</font></b> </p><p><font>Na 1.ª Instância os Réus foram condenados solidariamente no “quantum” indemnizatório.</font> </p><p><font>A Relação reapreciou a culpa de cada Réu – concluindo por ser maior a percentagem a imputar à Autora – mas considerando que as Rés “V...” e “J...” não recorreram – apenas reduziu, em conformidade, a condenação da Ré recorrente.</font> </p><p><font>Vejamos.</font> </p><p><font>Embora não tenha sido posta expressamente em causa a natureza solidária da responsabilidade de todos os Réus, são curiais algumas considerações sobre este preciso ponto.</font> </p><p><font>2.1- Movemo-nos no âmbito do transporte internacional de mercadorias por mar, regulado entre nós pela Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em matéria de conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas em 25 de Agosto de 1924 – aprovada por Adesão por Carta de 5 de Dezembro de 1931, publicada no “Diário do Governo2, I Série, de 2 de Junho de 1932 – e regulamentada pelo Decreto Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro. (cf. a propósito, Prof. Calvão da Silva in “Estudos de Direito Comercial”, 52/3).</font> </p><p><font>Com a entrada em vigor do Decreto n.º 37748 de 1 de Fevereiro de 1950, a citada convenção passou a ser aplicada a todos os conhecimentos de carga emitidos em território português, independentemente da nacionalidade dos contratantes.</font> </p><p><font>Tratando-se de contrato de transporte – ou, na conceptualização legal, a convenção pela qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço, ou retribuição pecuniária denominada frete, a (por si ou por terceiro) levar pessoas, ou bens, de um lugar para o outro – o transportador actua, tanto por si, como através de outras empresas, caso em que mantém a sua qualidade original e assume a qualidade de expedidar para com a empresa com quem depois ajustou o transporte (cf. artigos 367.º do Código Comercial e 1.º do Decreto Lei n.º 352/86 de 21 de Outubro).</font> </p><p><font>A intervenção de inúmeras pessoas, ou entidades, no processo de transporte marítimo (v.g. expedidor, transportador até ao embarque, carregador, armador, líder da tripulação, transitário, descarregador e destinatário) implica - nos casos de efectivar a responsabilidade extra contratual – a ponderação das regras do artigo 497.º do Código Civil, gorada que seja a verificação da fase em que ocorreu o evento lesivo.</font> </p><p><font>O mesmo não será se a responsabilidade é contratual.</font> </p><p><font>Antes porém, e como se trata de contrato formal, por solene, atenta a sua sujeição a escrito particular (conhecimento de embarque, ou conhecimento de carga; “bill of landing”, “connaissement”, “polizza di carico” ou “konossement”), documento emitido e entregue ao carregador, pelo transportador (artigo 1.º, b) da Convenção de Bruxelas) só aí teremos a demonstração da existência e do clausulado do contrato, comprovando a emissão e aceitação das declarações negociais.</font> </p><p><font>Daí que, e desde logo, os artigos 3.º e 4.º do Decreto-lei n.º 352/86, bem esclareçam e detalhem a importância do documento. (cf., v.g., os Acórdãos do STJ de 20 de Abril de 2006 – 06B628 – e de 18 de Dezembro de 2007 – 07 A2537 – este, desta conferência; cf., ainda, e a propósito, o Dr. Mário Raposo – “Sobre o Contrato de Transporte de Mercadorias por Mar” – BMJ 376-28; Prof. Calvão da Silva, in “Estudos de Direito Comercial” 52/3; Prof. Almeida Costa e Dr. Evaristo Mendes, apud “Transporte Marítimo. Conhecimento de Carga”, in “Direito e Justiça”, IX, I, 1995, 183 ss, em anotação ao Acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 1994 – CJ/STJ, II, 1994, I, 49).</font> </p><p><font>Debate-se saber se o contrato de expedição ou trânsito, é um mero contrato de prestação de serviços da exclusiva competência das empresas transitárias, reguladas pelo Decreto Lei n.º 255/99, de 7 de Julho, que substituiu o Decreto Lei n.º 43/83, de 25 de Janeiro.</font> </p><p><font>Dispõe aquele diploma, além do mais, sobre o licenciamento da actividade (artigos 2.º e seguintes), sendo que o seu artigo 15.º determina que “as empresas transitárias respondem perante o seu cliente pelo incumprimento das suas obrigações, bem como pelas obrigações contraídas por terceiros com quem hajam contratado, sem prejuízo do direito de regresso.”</font> </p><p><font>Mas já o Acórdão do STJ de 16 de Março de 2004 – P.º 77/04 – 1.ª – considerou que às empresas transportadoras não era vedada a celebração e a execução dos contratos de transporte.</font> </p><p><font>Nesta perspectiva, as empresas transitárias seriam meros organizadores da logística do transporte – que planeariam e organizariam com elaboração dos planos e formalidades de circulação – deixando o transporte para terceiros.</font> </p><p><font>Mas, na prática, as empresas transitárias, concluídas as formalidades de expedição ou de trânsito, passaram a exercer também a função de transportadores.</font> </p><p><font>À primeira, seguem-se as fases de deslocação da mercadoria até ao cais de embarque, a sua estiva no navio, o percurso deste em navegação, o desembarque e a entrega ao destinatário.</font> </p><p><font>Em qualquer destas fases podem ocorrer incidentes – ou acidentes – geradores de danos na carga.</font> </p><p><font>O Acórdão deste Supremo Tribunal, de 27 de Abril de 2006 – 06 B729 – julgou que “compete ao armador intervir na sua estiva e desestiva, na medida em que tais actividades interferem com a gestão náutica do navio. Ao afretador compete tudo o mais a que elas respeita. Estando o navio em fase de descarga das mercadorias, o seu apeamento para permitir a desestiva é da responsabilidade do afretador. O facto das entidades com quem o afretador contratou a descarga, terem agido com autonomia na gestão dos meios humanos e sob a supervisão das autoridades portuárias, não lhes retira a qualidade de comissárias do afretador, uma vez que aquelas autonomia e supervisão têm um carácter técnico e não retiram ao afretador o poder jurídico de supervisionar as referidas entidades, como é próprio do comitente.”</font> </p><p><font>Ora, de acordo com o n.º 2 do artigo 3.º da Convenção de Bruxelas, o representante do armador é o capitão do navio que, por isso, deve zelar pela correcção das operações de carga, estiva, armazenamento e descarga das mercadorias que transporta (até porque, uma má estiva pode fazer perigar a segurança da navegação, por deslocação da carga e desequilíbrio do navio e as operações de carga e descarga, se não cuidadas, podem causar danos na própria embarcação).</font> </p><p><font>E o artigo 9.º do Decreto-lei n.º 191/87, de 29 de Abril faz recair sobre o afretador as responsabilidades de carga e descarga.</font> </p><p><font>Já não está, apenas, em causa a segurança e navegabilidade, mas a integridade dos bens transportados e o estrito cumprimento, nessa fase, das regras do “bill of landing”.</font><br> <br> <b><font>3- Responsabilidade</font></b> </p><p><font>3.1- Como antes se referiu, as instâncias consideraram que os danos ocorreram durante as operações de descarga e no âmbito de um transporte marítimo de mercadorias.</font> </p><p><font>A 1.ª instância louvando-se no entendimento que cumpre ao transportador, sob pena de não exonerar a sua responsabilidade, o ónus de provar a sua diligencia até à entrega da carga, nos termos do artigo 4.º da Convenção de Bruxelas, condenou-o.</font> </p><p><font>Considerou, outrossim, responsáveis as Rés “V...”, na qualidade de seguradora e “M...”, como empresa de estiva, pelas operações de descarga, contratada directamente pela Autora para assegurar essa fase.</font> </p><p><font>Fixou a responsabilidade da Autora em 5% dos danos, enquanto a “M...” em 72,28%, sendo a restante do transportador e da seguradora.</font> </p><p><font>Afirmou ser solidária, embora atípica, a responsabilidade de todos.</font> </p><p><font>As Rés transportadora e seguradora não recorreram.</font> </p><p><font>Decidindo as apelações da Autora e da empresa de estiva, a Relação de Lisboa julgou a primeira improcedente mas parcialmente procedente esta, limitando a sua responsabilidade, em percentagem encontrada por recurso à equidade.</font> </p><p><font>Considera-se, assim, e desde já, intocada a decisão da 1.ª instância quanto às Rés transportadora e seguradora, condenadas no pagamento solidário de 34 819,87 euros.</font> </p><p><font>3.2- Seguros estamos que não pode falar-se, aqui, em solidariedade em sentido próprio, não só por não nos situarmos no âmbito da responsabilidade civil por facto ilícito, como por se perfilarem contratos distintos (de transporte, em relação aos réus já definitivamente condenados e de operação portuária – regulado pelo Decreto-lei n.º 298/93) celebrados entre a Autora, que já recebera a mercadoria, e a Ré estivadora (com quem foi contratada a descarga e o carregamento em transporte rodoviário até ao destino final) e, “last but not least”, por os danos se reportarem a momentos contratuais distintos.</font> </p><p><font>Recuperemos, para este último ponto, a matéria de facto pertinente:</font> </p><p><font>- A descarga foi efectuada sob a direcção e responsabilidade da “M...”;</font> </p><p><font>- Quando faltavam descarregar 34580 kgs começou a chover abundantemente, estando o porão do navio completamente aberto;</font> </p><p><font>- A descarga foi interrompida só prosseguindo mais tarde, tendo alguns cartões de carga saído molhados do navio;</font> </p><p><font>- A “M...” não protegeu a carga no cais com encerados, que ficou à chuva sem qualquer protecção;</font> </p><p><font>- Os camiões de transporte que recebiam a mercadoria no cais eram abertos e as caixas só foram cobertas com encerados dos camiões que não cobriam as partes laterais;</font> </p><p><font>- A carga esteve exposta à chuva no trajecto de Lisboa a Braga;</font> </p><p><font>- Como consequência foi, em grande parte, entregue à Autora completamente ou muito molhada, imprópria para consumo, nessa parte.</font> </p><p><font>Tudo ponderado (e não olvidando a actuação do capitão do navio ao manter os porões abertos, o que foi considerado ao apurar a responsabilidade dos não recorrentes), resta percentuar as culpas da Autora e da empresa de estiva.</font> </p><p><font>Não vemos razão para alterar a percentagem de culpa da “M...” em mais do que a apurada pela 1.ª instância, como bem decidiu a Relação.</font> </p><p><font>Mas já não se afigura correcto percentuar em 40%, “com recurso à equidade” a da apelante na consideração da sua culpa no acondicionamento e transporte conjunto de 1330 cartões molhados com 510 cartões secos.</font> </p><p><font>É que, ter-se-á olvidado que a alteração da resposta ao artigo 16.º da base instrutória (limitado às expressões “em grande parte” e “algumas paletes”) não permite, sem mais, concluir pelo agravamento dos danos com transporte terrestre, quando é certo que a carga já ficara exposta à chuva torrencial, quer nos porões, quer no cais e grande parte já fora entregue à Autora, completamente molhada e imprópria para consumo.</font> </p><p><font>Ademais, tratando-se de responsabilidade contratual, sempre valeria a presunção de culpa do transportador e da empresa de estiva, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil.</font> </p><p><font>Finalmente, admitindo poder perfilar-se uma situação de solidariedade atípica – nunca, sem mais, e como se disse, solidariedade própria por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual – teríamos sempre de nos socorrer dos princípios de apreciação da culpa aplicáveis à responsabilidade civil (também, “ex vi” do n.º 2 do citado artigo 799.º).</font> </p><p><font>Ora, foram vários factos que produziram conjunta e sucessivamente o dano, sendo os co-autores responsáveis pela sua integral reparação, pois cada co-actividade pode ter gerado toda a consequência (cf., a propósito, e ainda na vigência do Código Civil de 1867, artigo 2372.º, o Prof. Vaz Serra, in “Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual”, BMJ, 85-132, e Prof. Pereira Coelho, in “O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil”, 8, notas 5 e 9).</font> </p><p><font>E, nestes casos, não há lugar a duas ou mais pretensões distintas, “não há direito, por parte do lesado, a duas ou mais indemnizações, mas apenas a uma indemnização, embora com diversos fundamentos.” (apud, “Das Obrigações em Geral”, I, 10.ª Ed., 697, do Prof. Antunes Varela).</font> </p><p><font>E ao recordar o regime das obrigações solidárias, não pode olvidar-se o n.º 2 do citado artigo 497.º do Código Civil.</font> </p><p><font>Aí se estabelece que “a medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram” condiciona a existência quantitativa do direito de regresso, sem prejuízo da existência e uma presunção “tantum iuris” de igualdade de culpas. Entre os culpados é válido o critério do grau de culpa, dos resultados produzidos, no exercício do direito de regresso.</font> </p><p><font>Porém, quem o pretenda exercitar tem o ónus de ilidir a presunção de paridade de culpas, só assim logrando obter do condevedor a parte da responsabilidade comum.</font> </p><p><font>Não serão necessárias outras considerações para concluir pela bondade do julgado em 1.ª instância, procedendo assim as razões da recorrente.</font><br> <b><font>4- Conclusões </font></b> </p><p><font>Pode assim concluir-se que:</font><br> <font>a) O recurso só é manifestamente infundado se o seu demérito for imediata e ostensivamente patente, sem que para a emissão desse juízo tenha de se desenvolver um raciocínio lógico-argumentativo próximo do conhecimento de mérito.</font><br> <font>b) O transporte internacional de mercadorias por mar (Convenção Internacional para Unificação de Certas Regras em Matéria de Conhecimento de Carga, assinada em Bruxelas em 25/08/24 – aprovada por Adesão por Carta de 5/12/31 (DG,I, 2/6/32) – introduzida pelo DL n.º 37748 de 1/2/50 e regulamentada pelo DL n.º 352/86, de 21 de Outubro) é de natureza formal, sujeito a escrito particular (bill of landing, conhecimento de embarque ou conhecimento de carga).</font><br> <font>c) Tratando-se de contrato de transporte – ou, na conceptualização legal, a convenção pela qual alguém se obriga perante outrem, mediante um preço ou retribuição pecuniária denominada frete, a (por si ou por terceiros) levar pessoas, ou bens, de um lugar para outro – o transportador actua, tanto por si, como através de outras empresas, caso em que mantém a sua qualidade original e assume a qualidade de expedidor para com a empresa com quem depois ajustou o transporte (cf., artigo 367.º do Código Comercial e 1.º do Decreto-lei n.º 352/86 de 21 de Outubro).</font><br> <font>d) Sendo da específica competência das empresas transitárias, referida no artigo 1.º do DL 43/83, de 25 de Janeiro (depois substituído pelo DL 255/99, de 7 de Julho) os contratos de expedição ou trânsito, essa disposição legal não proibia aquelas empresas a celebração e execução de contratos de transporte, assumindo, com frequência, elas próprias, a realização, por si ou através de terceiros, do transporte pretendido por aquele, caso em que se estava perante um contrato de transporte, e não de contrato de expedição ou de trânsito.</font><br> <font>e) E o artigo 9.º do DL n.º 191/87, de 29 de Abril faz recair sobre o afretador as responsabilidades de carga e descarga. Já não está, apenas, em causa a segurança e navegabilidade, mas a integridade dos bens transportados e o estrito cumprimento, nessa fase, das regras do “bill of landing”.</font><br> <font>f) No âmbito da responsabilidade contratual não há solidariedade em sentido próprio que inexiste no transporte por mar por cumularem contratos distintos.</font><br> <font>g) Distintos de transporte e de operação portuária (regulado pelo DL n.º 298/93) celebrado entre o destinatário, que já recebera a mercadoria, e a estivadora (com quem foi contratada a descarga e o carregamento em transporte rodoviário até ao destino final) e, “last but not least”, por os danos se reportarem a momentos contratuais distintos.</font><br> <font>h) Tratando-se de responsabilidade contratual, sempre vale a presunção de culpa do transportador e da empresa de estiva, nos termos do n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil, embora com os princípios de apreciação do n.º 2 deste preceito.</font><br> <font>i) Ocorrendo situações de solidariedade atípica releva o artigo 497.º do Código Civil a abranger as situações de causalidade cumulativa (ou concausalidade) do facto ilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano.</font><br> <font>j) É, então, aplicável o regime geral das obrigações solidárias, sendo que a existência quantitativa do direito de regresso existe na medida das respectivas culpas e dos danos produzidos, sem prejuízo da presunção “tantum iuris” da igualdade de culpas.</font><br> <font>k) Porem, quem o pretenda exercitar tem o ónus de ilidir a presunção de paridade de culpas, só assim logrando obter do condevedor a parte da responsabilidade comum.</font> </p><p> </p><p><font>Nestes termos, </font><b><u><font>acordam conceder a revista</font></u></b><font>, revogando o Acórdão recorrido para manter o julgado na 1.ª instância.</font> </p><p><font>Custas a cargo do recorrido.</font> </p><p><font>Lisboa, 16 de Setembro de 2008</font> </p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font> </p><p><font>Moreira Alves</font> </p></font><p><font><font>Alves Velho</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <font> </font><b><font>1.</font></b><br> <b><font> Relatório</font></b><br> <font>AA intentou, no Tribunal Judicial de Esposende, acção ordinária contra BB, com vista a obter deste o pagamento de 29.03,04 € e juros desde a citação.</font><br> <font>Em suma, alegou incumprimento por parte do R. do contrato de empreitada que com ele celebrou, o que lhe acarretou diversos prejuízos.</font><br> <br> <font>O R. contestou, arguindo, por um lado, a caducidade do direito do A. e da acção e, por outro, impugnando parte da factualidade vertida na petição.</font><br> <br> <font>O processo seguiu a sua tramitação normal até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente por virtude de parcial verificação da arguida caducidade.</font><br> <br> <font>Apelou, então, o A. para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido a 25 de Janeiro de 2006, anulou o julgado com vista a ser ampliada a matéria de facto controvertida.</font><br> <br> <font>Após instrução da matéria de facto, que determinou a anulação do 1º julgamento, foi proferida nova sentença e, de novo, a acção foi julgada improcedente.</font><br> <br> <font> O A., inconformado, apelou outra vez para o Tribunal da Relação de Guimarães, mas sem êxito na justa medida em que o julgado foi inteiramente confirmado.</font><br> <br> <font>Por via disso, pede, ora, revista a coberto a seguinte síntese conclusiva:</font><br> <font>- Houve um julgamento implícito, inequívoco, no 1º acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.</font><br> <font>- Os fundamentos fixam o sentido e o alcance da decisão que delimitam o caso julgado.</font><br> <font>- A eficácia do caso julgado abrange os efeitos concretos que as partes tiveram em vista ao litigarem na acção.</font><br> <font>- A decisão do 1º acórdão, ao anular o julgamento, para ampliar a matéria de facto com a quantia paga ao R. pelo A., tinha o sentido e alcance de determinar a medida da indemnização a atribuir ao A. devido ao incumprimento do R..</font><br> <font>- Entre esses efeitos concretos inclui-se a pretensão indemnizatória do A..</font><br> <font> - A indemnização deve considerar:</font><br> <font>- As quantias que o A., ora recorrente, já satisfez para acabar a obra, as rendas suportadas pelo A., após a entrada em mora, danos não patrimoniais sofridos pelo A., as quantias que ainda terão que ser satisfeitas para a conclusão da obra.</font><br> <font>- Em matéria de recurso a eficácia do caso julgado é mais vasta do que se verifica em 1ª instância.</font><br> <font>- No mínimo há excepções que lhe conferem uma maior amplitude.</font><br> <font>- Entre os fundamentos de facto englobados no caso julgado, consta: “A obrigação do R. ... tinha prazo certo que não foi observado – 1 de Julho de 2000”.</font><br> <font>- Entre as excepções que são abrangidas pelo caso julgado, relativas à fundamentação jurídica, figuram as decisões definitivas proferidas pelos Tribunais Superiores, sobre o regime jurídico aplicável.</font><br> <font>- Deve ser considerada a impugnação da matéria de facto constante no 1º recurso de apelação.</font><br> <font>- O 1º acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães contém uma solução da questão de direito.</font><br> <font>- O acórdão ora recorrido procurou solucionar a questão de direito de uma forma totalmente oposta à do acórdão que transitou em julgado.</font><br> <font>- Pelo que violou o princípios de certeza e segurança do comércio jurídico que são os “pilares do edifício” num sistema jurídico.</font><br> <font>- E irrelevante o lapso verificado na notificação judicial avulsa, ao designar resolução do contrato, em vez de denúncia, que era o sentido pretendido, porque:</font><br> <font>- O sentido da declaração negocial foi perfeitamente entendido pelo destinatário, o R.;</font><br> <font>- A petição inicial e o que foi processado seguidamente utilizaram o termo devido, denúncia, e procedeu-se em conformidade;</font><br> <font>- Esta questão nunca foi suscitada até ao presente, nunca o R. a impugnou, nem os tribunais a levantaram, quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ;</font><br> <font>- Porque a qualificação jurídica dos factos pertence ao tribunal.</font><br> <font>- É falso o que consta no acórdão ora recorrido, em relação a não ter sido pedido a reparação dos efeitos da mora, porquanto foi pedido o pagamento das rendas suportadas pelo A. desde a entrada em mora/incumprimento – 1 de Julho de 2000.</font><br> <font>- Os danos não patrimoniais sofridos pelo A., cuja reparação foi pedida, têm um nexo de causalidade com o atraso na conclusão da obra, logo com a mora/incumprimento.</font><br> <font>- As quantias de que o A. já dispôs para concluir a obra, muito superiores ao previsto no contrato, e que foram pedidas, prendem-se com os aumentos verificados com o decorrer do tempo, logo com a mora/incumprimento.</font><br> <font>- O que o A, ainda teria que satisfazer, e já satisfez, embora não conste do processo, para concluir a obra, figurando apenas orçamentos solicitados, resulta da mora/incumprimento.</font><br> <font>- Por fim, as alegações produzidas, relativas à matéria de facto, permitem facilmente concluir a conversão da mora em incumprimento definitivo.</font><br> <font>- O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 497°, 498°, 671° e 668°, nº 1, alínea d), 2ª parte, do Código de Processo Civil.</font><br> <br> <font>Contra-alegou o R. em defesa da manutenção do aresto censurado e, prevendo a hipótese de procedência da revista do A., requereu, ao abrigo do disposto no artigo 684º, nº 3, do Código de Processo Civil, que fosse, então, conhecida a arguida excepção de caducidade por forma a acção ser julgada improcedente.</font><br> <br> <font>O A. não respondeu a esta pretensão do R..</font><br> <br> <b><font>2.</font></b><br> <b><font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font></b><br> <b><font>1-</font></b><font> Em Agosto de 1999, o A. celebrou com o R., um contrato para realização de trabalhos de carpintaria no prédio urbano do A., sito no Lote 00, no sítio da ..., no lugar de ...., da freguesia de Marinhas,</font><sub><font> </font></sub><font>do concelho de Esposende.</font><br> <b><font>2-</font></b><font> Não foram executados pelo R., pelo menos</font><sub><font> </font></sub><font>os trabalhos referentes aos móveis da cozinha, móveis da casa de banho e da porta de acesso ao sótão, trabalhos que estavam previstos no contrato referido em 1).</font><br> <b><font>3-</font></b><font> O A. juntou aos autos o documento de fls. 21 a 25 mencionando aquilo que considera não ter sido efectuado pelo R., ou efectuado de modo deficiente e que tem o seguinte teor: </font><br> <font>“- Cozinha: não existem quaisquer móveis de cozinha;</font><br> <font>- Escadas: as escadas estão feitas em madeira de carvalho, apresentando manchas em alguns degraus; não existe corrimão, nem balaústres ou grade em ferro, sob o corrimão, quer nas escadas, quer nos muretes do sótão, e do hall de entrada; os pilares são em madeira de freixo, há um degrau por acabar no 1º anda; a madeira não está tratada, falta verniz; há um pilar torcido, no sótão; </font><br> <font>- WC: não existem móveis de casa de banho;</font><br> <font>- Roupeiros e móvel de parede: o interior dos roupeiros é em madeira de eucalipto, folheado; a frente das gavetas deixa a descoberto a calha; as gavetas têm um tamanho inferior à profundidade dos roupeiros; o roupeiro do quarto de casal está por acabar; as portas dos roupeiros estão empenadas e apresentam manchas escuras, amarelas, nós, etc., não possuem ferragens, excepto as dobradiças, cujos parafusos estão com ferrugem; apresentam folgas exageradas; a madeira não tem verniz; móvel de parede só possui a frente, sem gavetas, vidros e ferragens, excepto dobradiças cujos parafusos estão com ferrugem; o interior está por fazer; no móvel de parede há uma porta com dobradiças de cor diferente;</font><br> <font>- Portas interiores: as portas estão empenadas, com manchas escuras e amarelas, nós, sem ferragens, nem vidros, excepto as dobradiças que têm os parafusos enferrujados; as portas que levam vidros não têm tafífes; as portas que têm almofada de madeira na parte superior, apresentam uma falha sobre a almofada, com mais de 1/2 cm que foi tapada com betume; não têm verniz;</font><br> <font>- Porta móvel: no vão da escada não existe porta;</font><br> <font>- Portas do sótão: as portas são em madeira de carvalho; as que têm almofada em madeira estão cheias de manchas; as portas que levam vidro, não têm vidro, nem ferragens, menos as dobradiças, cujos parafusos têm ferrugem; as que levam vidro não têm tafifes; possuem folgas exageradas; estão por tratar, falta-lhes o envernizamento;</font><br> <font>- Ombreiras: revestimento de madeira do vão da janelas do escritório tem uma falha até à soleira de mármore; as ombreiras dos lados do vão da escada, no r/c, têm forma diferente, não são iguais;</font><br> <font>- Tecto do sótão: não tem qualquer tratamento; há ripas de madeira de freixo e outras de castanho; as ripas têm tamanhos diferentes na largura e no comprimento; há falhas com demasiada dimensão para serem betumadas; </font><br> <font>- Pavimento: está por tratar; os rectângulos do “parquet” têm cores muito diferentes; há rectângulos com emendas; foi aplicado betume com uma largura indevida entre os rectângulos do “parquet”.</font><br> <b><font>4-</font></b><font> As deficiências referidas em 2) poderiam ser corrigidas e a obra acabada.</font><br> <b><font>5-</font></b><font> O A. denunciou o contrato nos termos da notificação judicial avulsa constante de fls. 78 e seguintes.</font><br> <b><font>6- </font></b><font>O A.</font><b><font> </font></b><font>pagou as seguintes despesas documentadas pelos recibos de fls. 59 a 62:</font><br> <font>- Em 6-10-2001, a importância de 130.000$00 à empresa “Bernardo Peixoto da</font><br> <font>Mota &amp; Fos Ldª”;</font><br> <font>- Em 5-9-2001, a importância de 300.000$00 à empresa de serralharia civil “José ....”;</font><br> <font>- Em 8-12-2001, a importância de 125.190$00 à empresa de carpintaria “José Maria .....”;</font><br> <font>- Em 31-12-2001, a importância de € 182,60 à empresa de ferragens “L... &amp; S... Lda.”;</font><br> <font>- Em 10-1-2002, a importância de € 86,63 à empresa de ferragens “L... &amp; S... Lda.”;</font><br> <font>- Em 5-2-2002, a importância de € 24,20 à empresa de ferragens “L... &amp; S... Lda.”;</font><br> <font>- Em 7-3-2002, a importância de € 7,80 à empresa de ferragens “L... &amp; S... Lda.”;</font><br> <font>- Em 27-6-2002, importância de € 5.119,43 à empresa de carpintaria “José Maria ...”.</font><br> <b><font>7-</font></b><font> E obteve os seguintes orçamentos:</font><br> <font>- Da empresa MOURAQUINEL – Restauro de Móveis, Lda., referente aos móveis do WC do 1º andar, WC maior do r/c e WC privativo do 1º andar, no valor de € 1.895,43;</font><br> <font>- Da “José Maria ...”, referente aos móveis de cozinha, no valor de 750.000$00;</font><br> <font>- Da “Mário ...”, referente a envernizamento de madeiras no valor de 600.000$00;</font><br> <font>- Da “Manuel ...”, referente a trabalhos de taqueiro, no montante de 263.250$00.</font><br> <b><font>8-</font></b><font> Do contrato referido em 1) faziam parte a construção de armários de cozinha, em madeira maciça, de carvalho, pelo preço € 174.58/35.000$00 o metro linear.</font><br> <b><font>9-</font></b><font> Sendo que a totalidade dos armários, frente, lados, costas, estrutura das gavetas, seria de madeira maciça, incluindo ferragens, à escolha de requerente, assim como o modelo.</font><br> <b><font>10-</font></b><font> E tendo-se ajustado para esses trabalhos o preço de 2643,63 €/530.000$00, correspondente a 15,30 metros.</font><br> <b><font>11-</font></b><font> Do contrato fazia ainda parte o revestimento dos lanços de escada, entre o r/c e o sótão em madeira de carvalho, com gradeamento em serralharia artística, à escolha do requerente, no lado exterior das escadas, assim como no murete de separação entre o hall e a sala, e na guarda do sótão.</font><br> <b><font>12-</font></b><font> Sendo o corrimão e pilares, em madeira de castanho, entre o sótão e o r/c, sobre o gradeamento das escadas e do murete entre o hall e a sala, no r/c.</font><br> <b><font>13-</font></b><font> E tendo-se ajustado para os trabalhos referidos em 10) e 11)</font><b><font> </font></b><font>o preço de € 1.995,19 </font><i><font>/</font></i><font>400.000$00.</font><br> <b><font>14-</font></b><font> E também fazia parte do acordo a construção pelo R. de três roupeiros (um em cada quarto) e um móvel, na sala junto ao quarto de casal, feitos na totalidade em madeira maciça de castanho, incluindo ferragens, à escolha do requerente, assim como o modelo envernizados e com vidros nas portas do móvel da sala, com excepção dos vitrais das portas superiores do móvel da sala.</font><br> <b><font>15- </font></b><font>Ajustando-se para esses trabalhos o preço de € 2.743,39.</font><br> <b><font>16-</font></b><font> Também fazia parte do acordo a construção pelo R de dez portas interiores, feitas na totalidade em madeira maciça de castanho, sendo duas envidraçadas na parte superior incluindo ferragens, à escolha do requerente, assim como o modelo, e verniz, uma porta móvel, com a respectiva ferragem, à entrada da arrecadação existente no vão da escada sita no r/c, respeitando o modelo das restantes portas, envernizada, igualmente em madeira maciça de castanho, no seu todo.</font><br> <b><font>17-</font></b><font> Tendo para isso sido ajustado o preço de € 2.244,59.</font><br> <b><font>18- </font></b><font>Assim como fazia também parte do acordo a construção pelo R. de seis porta interiores, feitas na totalidade em madeira maciça de castanho, com l, 25 m de altura respeitando o modelo das restantes, sendo quatro envidraçadas na parte superior, a colocar no sótão, incluindo ferragens, do mesmo modelo das demais.</font><br> <b><font>19-</font></b><font> Ajustando-se o preço de € 498,80.</font><br> <b><font>20-</font></b><font> Como também fazia parte do acordo o rodapé e ombreiras, em madeira de castanho e uma guarnição em castanho na junção do azulejo com a parede, em toda a habitação moldura em castanho ladeando a faixa de azulejo nos vãos das portas e janelas.</font><br> <b><font>21-</font></b><font> Pelo preço de € 249,40.</font><br> <b><font>22-</font></b><font> E também fazia parte do mesmo acordo o revestimento do tecto do sótão em ripas de madeira de freixo, com cerca de 7 cm de altura, colocadas na vertical, rematado na cumeeira com uma viga triangular na mesma madeira com cerca de 14 ou 15 cm de largura.</font><br> <b><font>23- </font></b><font>Pelo preço de € 1.346,75.</font><br> <b><font>24-</font></b><font> Do contrato fazia finalmente parte a aplicação pelo R no piso do 1º andar e do sótão (excepto num dos lados do sótão, destinado a arrumos) de “Lamparquet”, de madeira de carvalho.</font><br> <b><font>25-</font></b><font> Pelo preço de € 2.493.99.</font><br> <b><font>26- </font></b><font>O R não executou os armários de cozinha, o gradeamento em serralharia artística e os corrimões.</font><br> <b><font>27-</font></b><font> Deixou de trabalhar na obra meses antes de 16-9-2002.</font><br> <b><font>28- </font></b><font>Para acabar a obra o A. já gastou o montante a que se alude em 6).</font><br> <b><font>29- </font></b><font>O A. paga de renda mensal a quantia de € 239, 23.</font><br> <b><font>30-</font></b><font> Pois não tem casa., com a excepção de uma que versava o contrato indicado em 1.</font><br> <b><font>31-</font></b><font> O prazo inicialmente acordado para a conclusão das obras foi o de 01-07-2000.</font><br> <b><font>32- </font></b><font>Com a construção da moradia e a possibilidade de a habitar o A. poderia reunir e viver com os filhos que não têm casa com referência familiar, dado a exiguidade do apartamento arrendado.</font><br> <b><font>33- </font></b><font>Daí que a família não se possa reunir e conviver quer nos fins-de-semana que nas datas festivas.</font><br> <b><font>34-</font></b><font> O facto de não pode dispor da casa importou para o A. permanente estado de angústia.</font><br> <b><font>35-</font></b><font> O A sempre acompanhou os trabalhos de carpintaria efectuados pelo R., à medida que os mesmos iam sendo feitos.</font><br> <b><font>36-</font></b><font> O A nunca comunicou ao R. o teor do documento aludido em 3), da M.F.A., o qual não é uma peritagem.</font><br> <b><font>37-</font></b><font> Em Maio/Junho de 2001, o A. pediu ao R a chave da porta de entrada do prédio onde este último executava os trabalhos de carpintaria acordados, e nunca mais lha entregou.</font><br> <b><font>38-</font></b><font> Ficando deste modo o R impedido de entrar na obra a fim de acabar o trabalhos.</font><br> <br> <font> </font><b><font>3.</font></b><br> <b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br> <b><font> </font></b><font>Resulta com nitidez que o recorrente coloca o acento tónico da sua discordância no que entende ter havido ofensa ao julgado pela Relação de Guimarães, no seu acórdão anulatório.</font><br> <font> Com efeito, o mesmo entende que a Relação reconheceu implicitamente o direito a ser ressarcido pelo R., na medida em que determinou a anulação do julgamento proferido em 1ª instância com vista a poder ser determinado o montante exacto da indemnização devida.</font><br> <font> Ou seja, para o A.-recorrente a decisão da Relação de Guimarães teria de ser respeitada, atribuindo-se-lhe, portanto, a indemnização a que julga ter direito.</font><br> <br> <font> Já o R., usando da faculdade prevista no artigo 684º-A, nº 3, do Código de Processo Civil, prevendo a hipótese de sucesso do A., requereu que este Supremo Tribunal tomasse conhecimento da excepção da caducidade atempadamente aduzida, de molde a que a acção seja, na mesma, julgada improcedente.</font><br> <br> <font> Cumpre, como é óbvio, começar por apreciar o pedido do A..</font><br> <font> Importa, para tanto, fazer uma breve referência ao que foi decidido após a prolação do aresto anulatório.</font><br> <font> A Relação de Guimarães considerou, então, extemporânea a decisão da 1ª instância que julgou totalmente improcedente a acção pois que “para definir a responsabilidade do Réu pelos prejuízos causados há, no entanto, uma omissão essencial na matéria de facto enunciada, que respeita à importância recebida pelo Réu por conta do preço total da empreitada”, certo que “tal matéria, que não se encontra plenamente provada por documento, não constando da matéria assente, não foi igualmente levada à base instrutória, constituindo elemento indispensável à determinação da responsabilidade do R. pelo incumprimento do contrato”.</font><br> <font> Foi esta argumentação que motivou a anulação do julgamento, tendo como suporte legal o disposto no artigo 712º, nº 4, do Código de Processo Civil.</font><br> <font> Por mor dessa anulação, o julgamento repetiu-se. Mas o sentido da decisão não foi alterado. É que, por um lado, não se apurou matéria que permitisse concluir pela conversão da mora do R. em incumprimento definitivo e, por outro, “ficou demonstrado ter sido o A. quem impediu o R. de continuar a realização das obras entre ambos acordada, até à conclusão”, facto que “resulta não poder ser imputado a este último qualquer responsabilidade pelo incumprimento do contrato, não assistindo igualmente, …, ao A. o direito à indemnização que peticiona”.</font><br> <font> Não se quedou por aqui a decisão da 1ª instância: o juiz de Círculo teve o cuidado de finalizar a sentença, dizendo que “a presente decisão não contende ou confronta com o douto aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães”, já que “tendo-se aí decidido pela inexistência da caducidade, determinou-se o prosseguimento dos autos para conhecimento integral do pedido formulado pelo A.”, certo que “ao assim decidir, não determinou ou afirmou, …, a existência de responsabilidade contratual, por parte do R., pelos danos invocados pelo A., pois que, …, a intenção de tal aresto não poderia ser a de indemnizar danos que não obtiveram adesão de prova que os demonstrasse”.</font><br> <font> Perante o novo julgado, reagiu o A., não mostrando inconformismo perante o resultado da aplicação do Direito aos factos apurados, antes apenas e só invocando ofensa do caso julgado, concretamente o constante do acórdão anulatório referido proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães. </font><br> <font> E este Tribunal de recurso, perante a argumentação apresentada pelo A.-recorrente, não hesitou na recusa da consagração da tese que lhe foi apresentada, argumentando que o acórdão anulatório “o que se decidiu foi unicamente (…) anular o julgamento para o efeito da ampliação da matéria de facto, por se ter entendido que para definir a responsabilidade do réu seria necessário escrutinar o que foi pago ao réu por conta do preço total da empreitada”, considerando ter sido “esta a injunção do tribunal” e que “o tribunal de 1ª instância cumpriu o assim decidido”.</font><br> <font> E, na verdade, como já referido, o que foi determinante na anulação do julgado em 1ª mão pelo juiz de Círculo de Barcelos, foi a necessidade encontrada de definir a responsabilidade do R. pelos prejuízos causados.</font><br> <font> Desenhado, em traços gerais, o desenvolvimento da lide na parte que releva, importa, agora, debruçarmo-nos sobre o mérito da pretensão do A.-recorrente.</font><br> <font> Como ficou dito, não curou ele de criticar o mérito da segunda decisão proferida na 1ª instância, melhor dizendo, a aplicação ao Direito dos factos dados como provados, mas antes acentuar que não foi respeitado o caso julgado, crítica esta que não mereceu acolhimento por parte da Relação de Guimarães.</font><br> <font>Posta assim a questão, eis-nos a revisitar o instituto do caso julgado, sobretudo na problemática (difícil) da sua delimitação objectiva.</font><br> <font>Como sabemos, o caso julgado material pode ser configurado como excepção ou como autoridade: ali implica uma não decisão sobre nova acção e pressupõe uma total identidade entre as duas; aqui briga com a aceitação de uma acção anterior, decisão esta que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda acção, enquanto questão prejudicial.</font><br> <font>Como sublinha Mariana França Gouveia, “a autoridade do caso julgado pode dividir-se entre a autoridade da própria decisão final da acção e a autoridade das decisões intermédias ou dos fundamentos”, correspondendo a primeira ao pedido e a segunda à causa de pedir, certo que “consistindo a causa de pedir na fundamentação do pedido, …, a autoridade do caso julgado só pode relacionar-se com a causa de pedir que diz respeito a decisão sobre fundamentos” (A Causa de Pedir na Acção Declarativa, páginas 392 a 433, em especial 413).</font><br> <font>Ponto de difícil solução é, porém, saber ao certo o que é causa de pedir para efeito de relevância da autoridade do caso julgado. Problema que nos levaria a debater o que se considera instrumental e o que é essencial e que a Processualista citada dá conta da grande dificuldade que isso representa, concluindo que “a causa de pedir identifica-se com os factos essenciais, factos que são determinados e separados de todos os outros pela lei aplicável”, não sendo esta referência à norma suficiente, pois “os factos essenciais são os factos concretos, ou seja, temporal e espacialmente localizados”.</font><br> <font>Lebre de Freitas, ressalvados casos muito excepcionais, defende claramente que o caso julgado se forma apenas no âmbito da parte decisória, não extravasando para os fundamentos dela (assim, por exemplo, Revista da Ordem dos Advogados, nº 66, Dezembro 2006, página 1514).</font><br> <font>Para Miguel Teixeira de Sousa, “não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo” já que “o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”.</font><br> <font>Por tal razão, se justifica que os “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado”.</font><br> <font>Isto, por regra que comporta, naturalmente, excepções – </font><i><font>v.g.</font></i><font> casos de prejudicialidade entre objectos e as relações sinalagmáticas entre prestações.</font><br> <font>Este mesmo A., porém, não deixa de fazer notar que a fundamentação jurídica da decisão não forma caso julgado, mesmo quando os fundamentos de facto ficam englobados nesse caso julgado. Excepção a esta regra encontramo-la, por exemplo, nas previsões dos artigos 729º, nº 3 e 730º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil através das quais o Supremo, no caso de anulação com vista a ampliação da matéria de facto, fixa, desde logo, o regime jurídico aplicável ao caso, certo que as instâncias devem obediência plena a tal injunção por força do que está determinado no artigo 4º, nº 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Estudos Sobre O Novo Processo Civil, página 577 e seguintes).</font><br> <br> <font>O caso que o A.-recorrente trouxe à nossa consideração, pelo que ficou dito, não merece acolhimento.</font><br> <font>Na verdade, como ficou bem salientado no aresto sob censura, o acórdão anulatório nada decidiu sobre o mérito da questão, antes se limitou a ordenar a ampliação da matéria de facto, pensando no comando do artigo 511º, nº 1, do Código de Processo Civil, usando, para tanto, os poderes conferidos pelo artigo 712º, nº 4, do mesmo diploma adjectivo.</font><br> <font>Estes poderes conferidos à Relação, que, no fundo, nada mais representam do que a ideia que temos por certa de que a decisão da matéria de facto só transita quando passa o crivo final de apreciação por parte do Supremo, encontram paralelo, ao nível da 1ª instância no artigo 650º, nº 2, alínea f) e no Supremo no artigo 729º, nº 3, supra referido.</font><br> <font>Isto significa que a matéria de facto pode a todo o tempo ser ampliada, só que se tal acontecer por determinação do Supremo o regime jurídico pode, desde logo, ficar fixado se os elementos de facto forem suficientes para tal (</font><i><font>cfr</font></i><font>. artigo 730º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).</font><br> <font>Até por aqui, pela competência própria e excepcional do Supremo, se chega facilmente à conclusão de que a decisão anulatória da Relação não formou caso julgado em relação às considerações que lá foram tecidas. Só ganhou força de autoridade no que tange à determinação de anulação e ao fito em vista.</font><br> <font>É que a Relação não se debruçou sobre a </font><i><font>causa petendi</font></i><font> (nem no rigor dos termos o poderia fazer), antes se limitou a considerar uma pretensa solução plausível que a 1ª instância não tinha enxergado.</font><br> <font>Podemos, pois, dizer, afoitamente, que a razão não está, definitivamente, do lado do A.-recorrente.</font><br> <font>Posto de lado o argumento do caso julgado, há apenas que verificar e respeitar o julgado pela 1ª instância e confirmado pela Relação.</font><br> <font>Evidenciada a falta de razão do recorrente no que tange à alegada ofensa ao caso julgado, cai por terra toda a demais argumentação carreada pelo mesmo no que apelidou de conclusões com vista a obter o pretendido ganho de causa.</font><br> <font>Desnecessário e inútil, pois, qualquer outro comentário.</font><br> <br> <font>Dito isto, salta à vista a prejudicialidade de apreciação do pedido de ampliação feito pelo R. ao abrigo do disposto no artigo 684º-A, nº 3, do Código de Processo Civil, pelo que nos abstemos de qualquer pronúncia a este respeito, em obediência ao estatuído na parte final do nº 2 do artigo 660º do mesmo diploma legal.</font><br> <br> <b><font>4.</font></b><br> <b><font>Decisão</font></b><br> <font>Nega-se a revista e condena-se o A.-recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br> <br> <font>Lisboa, aos 03 de Fevereiro de 2009</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Mário Cruz</font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><font> </font><br> <font> </font><br> <br> <font> I – Nos Juízos Cíveis da Comarca de Aveiro, EDP D... – E..., S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra C... de Q..., Lda, pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 255.835,13, referente à energia e potência fornecida e não paga, e a quantia correspondente aos juros de mora vincendos, até integral pagamento.</font><br> <br> <font> Para fundamentar a sua pretensão, alega, em síntese, o seguinte:</font><br> <font> No exercício da sua actividade de distribuição e venda de energia, forneceu à Ré, desde Maio de 1983, energia eléctrica, através de rede de alta tensão, para as suas instalações fabris, onde existe um posto de transformação, no qual está instalada uma equipa de medida.</font><br> <font> A Ré solicitou a alteração da contagem dos consumos de energia de ciclo diário para ciclo semanal, alteração que a Autora efectuou em 03.08.2000.</font><br> <font> Por motivo de erro na introdução do factor de multiplicação no sistema informático de emissão de facturas, que foi definido como sendo 4 quando deveria ser 6, passou a ser facturada mensalmente a energia por valor inferior ao devido, o que só foi detectado em 21.07.2003, encontrando-se em débito o montante global de € 255.835,13.</font><br> <br> <font> Na sua contestação, a Ré impugnou parte dos factos articulados na petição, alegando, resumidamente, que a Autora lhe forneceu energia eléctrica em média tensão, nos termos contratuais, desconhecendo a Ré os mecanismos de medição que foram instalados e se ocorreu erro de facturação, tendo sempre pago as facturas que lhe foram apresentadas, sendo que o direito invocado sempre teria caducado ou prescrito, pelo que a acção deverá improceder.</font><br> <br> <font> Houve réplica.</font><br> <br> <font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual se decidiu julgar procedente a invocada excepção de caducidade, absolvendo-se a Ré do pedido formulado pela Autora.</font><br> <br> <font> Após apelação da Autora, foi, no Tribunal da Relação de Coimbra, proferido acórdão a negar provimento ao recurso.</font><br> <br> <font> Ainda inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br> <br> <font> A recorrente apresentou alegações e respectivas conclusões, pedindo a revogação da decisão recorrida.</font><br> <br> <font> Contra-alegou a recorrida, defendendo a confirmação do acórdão impugnado.</font><br> <br> <font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br> <br> <font> II – Ao abrigo do disposto no artigo 713º, nº 6, aqui aplicável por força do artigo 726º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), remete-se para a fundamentação de facto constante do acórdão recorrido, a qual se dá por reproduzida.</font><br> <br> <font> III – 1. A questão aqui a dirimir consiste em saber se ao caso presente se aplica o nº 2 ou o nº 3 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho (redacção anterior à Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro, então em vigor).</font><br> <br> <font> Isto é: apurar se, tendo havido erro (para menos) do prestador do serviço – a aqui recorrente – na contagem do consumo efectuado pelo beneficiário do mesmo – a aqui recorrida –, tem aquele direito a receber a diferença entre o preço cobrado e o valor que deveria ter sido cobrado, tendo em conta o facto de terem decorrido mais de seis meses após o pagamento efectuado.</font><br> <br> <font> Segundo o nº 1 do citado artigo, “O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.</font><br> <br> <font> Refere o nº 2 que “Se, por erro do prestador do serviço, foi paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses após aquele pagamento”.</font><br> <br> <font> Por seu lado, estabelece o nº 3 que “O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão”.</font><br> <br> <font> Assim, a resposta a dar à questão aqui em causa tem como pressuposto saber-se se – como pretende a recorrente – pode incluir-se no conceito amplo de alta tensão o fornecimento de energia eléctrica em média tensão.</font><br> <br> <font> O acórdão ora recorrido demonstra de forma exaustiva que, com a Lei nº 23/96, o legislador pretendeu proteger os pequenos e médios consumidores de energia eléctrica, aos quais corresponde habitualmente o fornecimento em pequena e média tensão, respectivamente, pelo que só quis excluir da aplicação do aludido prazo curto de seis meses de prescrição e de caducidade, quanto às situações de serviço de fornecimento de energia eléctrica, as situações do seu fornecimento em alta tensão.</font><br> <br> <font> Aliás, neste mesmo sentido aponta maioritariamente a jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., entre outros, os acórdãos de 06.01.2000 (Processo nº 738/99-7ª) e de 29.04.2004 (Processo nº 990/03-7ª)).</font><br> <br> <font> A corroborar esta tese, temos que a já referida Lei nº 12/2008, procedendo à alteração do citado artigo 10º, manteve precisamente o mesmo texto do nº 3 (agora no nº 5), isto é, continuou a prescrever que “O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão”.</font><br> <br> <font> Logo, e sabendo o legislador haver quem defenda que se deve considerar aí incluída a situação de fornecimento de energia eléctrica em média tensão, teria – para evitar diferentes interpretações – completado o texto com a referência à média tensão, se fosse sua intenção que aí se incluísse essa modalidade de fornecimento de energia eléctrica.</font><br> <br> <font> Não o tendo feito, só poderá inferir-se de tal atitude que a inaplicabilidade do aludido prazo curto de prescrição e caducidade só se reporta à alta tensão.</font><br> <br> <font> Na verdade, perante divergências jurisprudenciais no campo de interpretação e aplicação do artigo 10º da Lei nº 23/96, no tocante ao conceito de “alta tensão” e quanto à natureza e ao funcionamento do regime de caducidade e prescrição nele previsto, o legislador, optando por uma das posições jurisprudenciais e doutrinárias, quis pôr e pôs, retroactivamente, termo a tais divergências interpretativas. </font><br> <br> <font> Como refere o nº 1 do artigo 13º do Código Civil, “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza”.</font><br> <br> <font> Conclui-se, pois, que à natureza interpretativa dada pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro (ao que aqui interessa, mantida pela redacção dada pela Lei nº 24/2008, de 2 de Junho) ao artigo 10º da Lei nº 23/96, não escapa a norma do seu nº 3 (cfr., neste sentido, CALVÃO DA SILVA, “Serviços Públicos Essenciais (...)”, in RLJ, A 137º, nº 3948-179).</font><br> <font> </font><br> <font> 2. Posto isto, diremos que a proficiente fundamentação constante do acórdão recorrido justifica cabalmente a legalidade da solução encontrada para a questão aqui em equação (não se vislumbrando qualquer necessidade de mandar ampliar a matéria de facto, como defende a recorrente), fundamentação para que se remete, ao abrigo do disposto nos artigos 713º, nº 5, e 726º do CPC.</font><br> <br> <font> Não colhem, pois, as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso.</font><br> <br> <font> IV – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.</font><br> <br> <font> Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>Lisboa, 30 de Setembro de 2008</font><br> <br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <br> <font> </font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <br> <b><font>I – </font></b><font>No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel, </font><b><font>AA</font></b><font> e mulher </font><b><font>BB</font></b><font>, instauraram a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra </font><b><font>Empresa-A – CONSTRUÇÕES, L.DA</font></b><font>, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa entre ambos celebrado e que, por via disso, se condene a Ré a restituir-lhe, a título de sinal em dobro, a quantia de 31.424,26 Euros, acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo pagamento.</font><br> <br> <font>Alegam, para tanto, em síntese:</font><br> <br> <font>Terem celebrado com a Ré, em 05.06.2000, um contrato mediante o qual a Ré, na qualidade de promitente vendedora, se comprometeu a vender aos Autores, e estes prometeram comprar-lhe um apartamento T3, no edifício a levar a efeito em ..., freguesia de Parada de Todeia, Paredes, pelo preço de 15.750.000$00;</font><br> <br> <font>Em virtude de a R. não ter marcado, em tempo útil, data para a celebração da escritura pública respeitante ao contrato prometido, apesar de interpelada para o efeito, os AA. deixaram de poder beneficiar do crédito bonificado para aquisição de habitação própria e a demora na realização de tal acto revelou-se impeditiva da satisfação de necessidades prementes do seu agregado familiar, o que determinou tivessem perdido o interesse na celebração do referido contrato, o que deram a conhecer à Ré.</font><br> <br> <font>Citada regularmente, a R. apresentou contestação, impugnando parte da matéria alegada pelos Autores, e defendeu-se por excepção, alegando terem sido os AA. a colocarem-se na situação de incumprimento definitivo, o que motivou lhes tivesse comunicado a resolução do mencionado contrato-promessa.</font><br> <br> <br> <font>Na réplica, os Autores rejeitaram a procedência da matéria excepcional e mantiveram a sua posição inicial.</font><br> <br> <font>Convidou-se a Ré a concretizar a matéria que esta alegara em sede de contestação, convite este que ela acatou.</font><br> <br> <font>O processo prosseguiu termos com a elaboração do despacho saneador, no qual se aferiu a presença dos necessários pressupostos processuais, procedendo-se, depois, à organização da matéria de facto relevante para a decisão da causa, com selecção dos factos assentes e daqueles que então se mostravam controvertidos, tendo os AA. apresentado reclamação da selecção em causa, em parte atendida.</font><br> <br> <font>Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, proferindo-se decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de reclamações. </font><br> <br> <font>Foi proferida sentença, na qual foi a acção julgada procedente, e, em consequência, se condenou a ré nos pedidos formulados.</font><br> <br> <font>Inconformada, interpôs a R. recurso de apelação, que foi admitido. Os AA. contra-alegaram.</font><br> <br> <font>A Relação do Porto veio a proferir acórdão a julgar improcedente o recurso da R., assim confirmando a sentença recorrida. </font><br> <br> <font>De tal acórdão veio a R. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido. </font><br> <br> <font>A R. apresentou as suas alegações, que conclui pela revogação do acórdão, pugnando pela sua absolvição dos pedidos contra si formulados, tendo, para o efeito, suscitado as questões adiante individualizadas.</font><br> <br> <font>Não houve contra-alegações.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font><br> <br> <b><font>II – Fundamentação</font></b><br> <br> <font>A) De Facto</font><br> <br> <font>Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:</font><br> <br> <font>1. Autores e Ré celebraram entre si, em 05 de Junho de 2000, um contrato a que deram a designação de “contrato promessa de compra e venda”, conforme documento junto a fls. 8 e 9;</font><br> <font>2. Por este contrato, a Ré, na qualidade de promitente vendedora, comprometeu-se a vender aos Autores, e estes prometeram comprar, “pelo preço de esc. 15.750.000$00 (quinze milhões, setecentos e cinquenta mil escudos), um apartamento tipo T3, sito no ... andar, ..., fracção ‘....’, do ... Bloco, mais um lugar de garagem, com arrumos, no edifício a levar a efeito em ..., freguesia de Parada de Todeia, Paredes”;</font><br> <font>3. Em cumprimento do estipulado na al. A/ da cláusula segunda do referido contrato, os Autores entregaram à Ré a título de sinal e princípio de pagamento, em 05.07.2000, a quantia de esc. 3.150.000$00 (correspondente a 15.712,13 Euros), recorrendo, para o efeito à concessão de um empréstimo junto de uma instituição de crédito;</font><br> <font>4. Ficando a parte restante do preço, de Esc. 12.600.000$00 (correspondente a 62.848,54 Euros), de ser paga com a celebração da escritura de compra e venda;</font><br> <font>5. Ficando, também, estipulado que a Ré faria a entrega da fracção prometida aos Autores no prazo de 20 meses;</font><br> <font>6. Os Autores habitam com os dois filhos, um de 5 anos e outro de 3 meses, por mero favor, num quarto de familiares, sem o mínimo de condições;</font><br> <font>7. Para fazer face ao pagamento da quantia já entregue de Esc. 3.150.000$00, em 05.07.2000 os Autores contraíram um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos, pelo prazo de um ano, que se esgotou e sobre o qual a entidade bancária vem exigindo a sua liquidação;</font><br> <font>8. Conforme resulta do contrato celebrado entre as partes, a escritura pública de compra e venda seria marcada pela Ré que avisaria os Autores por carta registada com a antecedência de 8 dias do dia, hora e local onde a mesma se realizaria;</font><br> <font>9. Não foi estipulada qualquer data fixa para a realização da escritura;</font><br> <font>10. Os Autores enviaram à Ré a carta constante de fls. 12;</font><br> <font>11. Os Autores enviaram à Ré a notificação judicial avulsa junta a fls. 14 a 20 dos autos;</font><br> <font>12. Mediante carta com A/R datada e expedida de 18.09.2002, a Ré comunicou aos Autores a marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 30.09.2002, às 17 horas, no Cartório Notarial de Paredes, a qual não foi recepcionada em mão pelos Autores, mas deixado um aviso, conforme documentos das fls. 78 a 82;</font><br> <font>13. A esta comunicação responderam os Autores com a carta constante a fls. 83 e 84;</font><br> <font>14. A escritura pública não se realizou em virtude de no Cartório não se encontrarem quaisquer documentos para a elaboração da mesma, conforme certificado emitido pelo Cartório Notarial de Paredes, documento de fls. 85;15. Mediante carta com A/R datada e expedida de 10.10.2002, a Ré comunicou aos Autores a marcação de nova escritura pública de compra e venda para o dia 25.10.2002, às 16 horas, no Cartório Notarial de Paredes, solicitando aos Autores que procedessem à entrega de todos os documentos necessários até 3 dias antes, advertindo-os que consideraria resolvido o contrato no caso de não comparecerem ou de não entrega atempada dos documentos;</font><br> <font>16. Os Autores não compareceram no Cartório Notarial de Paredes nesse dia e hora, nem entregaram à Ré os documentos necessários para a realização da escritura, tendo apenas comparecido a Ré, como melhor consta do documento 14 (fls. 94) da contestação;</font><br> <font>17. Os Autores tinham contraído junto da “Caixa Geral de Depósitos” um empréstimo bancário, no regime bonificado, para fazer face ao pagamento da aquisição da fracção autónoma em causa;</font><br> <font>18. Os Autores enviaram à Ré a carta que consta dos autos a fls. 44 e 45 (doc. 27), com data de 23 de Setembro de 2002;</font><br> <font>19. Os Autores enviaram à Ré a carta que consta dos autos a fls. 95/96, com data de 21 de Outubro de 2002;</font><br> <font>21. Quando celebraram o contrato-promessa os Autores ficaram convencidos que a escritura seria celebrada quando terminasse o prazo de entrega referido na cláusula 5ª do contrato referido no ponto 1. supra;</font><br> <font>22. Em 14 e 28 de Setembro de 2002, a fracção prometida vender encontrava-se nas condições descritas nas fotografias juntas aos autos a fls. 24 a 43;</font><br> <font>23. Os Autores solicitaram à Ré que fosse introduzido na fracção um roupeiro embutido adicional e a colocação das fichas eléctricas em sítios diferentes do projectado;</font><br> <font>24. Antes de ser possível a instalação da luz e água a Ré podia garantir a mesma às fracções;</font><br> <font>25. Era possível colocar uma botija de gás na cozinha para o fogão funcionar.</font><br> <br> <font>B) De Direito</font><br> <br> <font>1. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso – art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 4, do CPC.</font><br> <br> <font>São três as questões em discussão no presente recurso, a saber:</font><br> <font>a) interpretação do contrato-promessa quanto à obrigação de marcação da escritura;</font><br> <font>b) a resolução do contrato com fundamento na perda do interesse dos AA;</font><br> <font>c) a resolução pela R. devida ao incumprimento dos AA.</font><br> <br> <font>2. Interpretação do contrato-promessa</font><br> <br> <font>Insurge-se a recorrente, em primeiro lugar, contra o entendimento perfilhado nas instâncias de que o contrato prometido tinha prazo certo para ser concretizado, ou seja, a celebração da respectiva escritura pública devia ocorrer no prazo de 20 meses, após a assinatura do contrato-promessa, cabendo o ónus da interpelação, para esse efeito, àquela, o que a mesma não cumpriu, assim entrando em mora.</font><br> <br> <font>Contra a tese defendida pela recorrente, as instâncias consideraram que o contrato e, designadamente, o teor das suas cláusulas 3.ª e 5.ª impunham a interpretação acolhida como “a interpretação possível e necessária”. </font><br> <br> <font>O acórdão recolhido transcreveu da sentença o seguinte segmento argumentativo:</font><br> <br> <font>“… não faria qualquer sentido que a Ré se tivesse obrigado a entregar aos Autores a fracção no prazo de vinte meses e que não assumisse igual obrigação para a celebração da escritura pública. É que, na cláusula 2.ª, al. B/I do contrato-promessa as partes estipulam que a restante parte do preço da fracção será pago à Ré com a celebração da escritura pública. Ora, não é razoável aceitar-se que a Ré se dispusesse a entregar a fracção aos Autores sem deles receberem grande parte do preço de aquisição dessa fracção. Acresce que as partes, na cláusula 2.ª, al. A/ do mesmo contrato referem que os Autores «pediram financiamento para a referida fracção» e, como se sabe, os bancos só libertam o dinheiro financiado uma vez celebrada a escritura pública que transmita a propriedade da aquisição financiada para o sujeito financiado, até porque, por via de regra, exigem a constituição de garantias hipotecárias sobre o bem financiado. Ora, reconhecendo os contraentes, através desta cláusula, que os Autores não dispõem de meios financeiros próprios para pagar à Ré o preço de aquisição da fracção, tendo de se socorrer de crédito bancário e não libertando os bancos, por via de regra, o capital financiado sem a celebração da escritura de compra e venda, não é razoável aceitar-se que a Ré se fosse obrigar perante os Autores a entregar-lhes a fracção no prazo de vinte meses e não assumisse igual obrigação em relação à celebração da escritura pública, admitindo que esta pudesse ser celebrada em data posterior, o que implicaria que ela Ré ficaria sem a fracção e sem a restante parte do preço...”</font><br> <br> <font>Aderindo desta forma a tal argumentação, a Relação sustenta, de seguida, que a referida interpretação colhe apoio no disposto nos arts. 236.º e 238.º, n.º 1, do Código Civil (diploma que, doravante, se deverá subentender como citado, quando nada se disser em contrário).</font><br> <br> <font>Terá, assim, que se aceitar que as partes quiseram fixar um prazo dento do qual devia ser celebrado o contrato prometido, cabendo o ónus da interpelação para esse efeito à Ré.</font><br> <br> <font>Entendemos que não merece censura este entendimento.</font><br> <br> <font>De facto, um declaratário normal, colocado na posição dos promitentes--compradores, ao ler o contrato, interpretá-lo-ia no sentido de que a ré, estava a fixar como prazo limite para a celebração da escritura a data fixada para a entrega, cabendo-lhe a ela o ónus da interpelação (art.º 236.º)</font><br> <br> <font>A declaração deve ser feita de molde a que um «declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante» os termos em que este se quer obrigar.</font><br> <br> <font>De acordo com a teoria da impressão do destinatário «o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante» (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, p.223).</font><br> <br> <font>A este entendimento não constitui obstáculo o que se deu como provado na resposta ao quesito 1.º</font><br> <br> <font>Cabe dizer, antes de passar adiante, que a resolução do contrato pode ter fundamento legal ou convencional (artigo 432.º, n.º 1).</font><br> <br> <font>O legislador configurou diversas situações em que consagrou expressamente o direito à resolução (a título de exemplo, artigos 270.º, 437.º, 891.º, 966.º, 1140.º, 1150.º e 2248.º). Entre elas se contam as de impossibilidade definitiva da prestação imputável ao devedor, no âmbito de contratos bilaterais. É o que resulta dos artigos 798.º e 801.º, n.º 2: o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação toma-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo certo que, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, face à impossibilidade do cumprimento pode, independentemente do direito à indemnização, resolver o contrato.</font><br> <br> <font>Situação diversa do não cumprimento definitivo é a mora do devedor que ocorre quando a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido, por causa imputável àquele (art.º 804.º, n.º 2). A mora, nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Não lhe confere o direito à resolução do contrato.</font><br> <br> <font>Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes: </font><br> <font>a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação;</font><br> <font>b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta;</font><br> <font>c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato.</font><br> <br> <font>Ou seja, a mora poderá converter-se em não cumprimento definitivo, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação (perda de interesse apreciada objectivamente) ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art.º 808.º, n.os 1 e 2). Nestes dois casos, a demora culposa no cumprimento da obrigação determinará, para o contraente faltoso, a obrigação de indemnizar os danos causados ao credor e confere a este o direito à resolução do negócio.</font><br> <br> <font>O regime geral das obrigações que brevemente se referiu é inteiramente aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento, quando tenha havido lugar à constituição de sinal.</font><br> <br> <font>Efectivamente, neste caso, quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, verificando-se o incumprimento definitivo da parte que recebeu o sinal, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que prestou (artigos 441.º e 442.º, n.º 2).</font><br> <br> <font>Atente-se em que só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no artigo 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato--promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos (neste sentido a jurisprudência, hoje já uniforme, dos nossos tribunais superiores – Acs. do STJ de 24.10.95, </font><i><font>CJSTJ, a</font></i><font>no III</font><i><font>,</font></i><font> tomo III, p. 78; de 27.11.97, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 471, p. 388; de 26.05.98, in </font><i><font>CJSTJ</font></i><font>, ano VI, tomo II, p. 100; de 8.02.00, </font><i><font>CJSTJ</font></i><font>, ano VIII, tomo I, p. 72; de 12.07.01, </font><i><font>CJSTJ,</font></i><font> ano IX, tomo III, p. 30 e Acs. do STJ de 22.11.2001, proc. 3306/01, 7.ª Secção, de 19.03.2002, proc. 03A200, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj</font></u><font>, de 15.10.2002, proc. 1160/02, 6.ª Secção, de 25.02.2003, proc. 03A200 e de 07.03.2006, ambos in </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj</font></u><font>.</font><br> <br> <font>A mora poderá também converter-se em incumprimento definitivo quando a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. Confere-se ao credor a possibilidade de impor à outra parte um prazo para cumprir, como meio de obter a realização efectiva da prestação a que tem direito ou de obter uma definição clara da situação de incumprimento que lhe permita exercitar os direitos que a lei confere ao contraente cumpridor perante o não cumprimento definitivo da obrigação que impende sobre a outra parte (designadamente o direito a resolver o contrato). Por outro lado, impondo-se ao credor a necessidade de proceder à interpelação admonitória do devedor para converter a mora em não cumprimento definitivo, tem o devedor a garantia de que o credor não pode desencadear contra ele nenhuma das sanções ou providências correspondentes ao incumprimento, enquanto lhe não der uma nova e derradeira possibilidade de cumprir a obrigação, pondo termo à sua negligência.</font><br> <br> <font>Para ANTUNES VARELA (</font><i><font>RLJ,</font></i><font> ano 128.º, p. 112 e ss.), a interpelação admonitória consagrada no art.º 808.º constitui uma ponte essencial de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento definitivo da obrigação.</font><br> <br> <font>A interpelação admonitória envolve os elementos da intimação para o cumprimento; da fixação de um termo peremptório para o cumprimento e da declaração de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não se verificar o cumprimento dentro do prazo fixado (ANTUNES VARELA, </font><i><font>idem</font></i><font>, p. 138 e ac. deste Tribunal de 31.03.2004, proc. 4465/03 da 2.ª Secção).</font><br> <br> <font>Deve, também, considerar-se que o prazo é razoável, se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar.</font><br> <br> <font>Tanto a mora como o não cumprimento definitivo poderão ter origem no decurso do prazo contratualmente fixado para a prestação, sem que esta se mostre cumprida.</font><br> <br> <font>Neste ponto, tem-se entendido que o prazo fixado em contrato-promessa para a celebração do contrato prometido tanto pode ser absoluto como relativo. Sendo absoluto (o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação de modo a que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor), decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa. Sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o simples direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória (veja-se, neste sentido, </font><b><font>Vaz Serra</font></b><font>, </font><i><font>RLJ</font></i><font>, ano 110.º, p. 327 e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>, vol. II, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 80).</font><br> <br> <font>A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato (entre outros, Ac. do STJ de 11/04/2000, in </font><i><font>CJSTJ,</font></i><font> ano VIII, tomo II, p. 32 e Ac. do STJ de 19/09/2002, in </font><u><font>www.dgsi.pt/jstj</font></u><font>.</font><br> <br> <font>Também, por esta via se deveria chegar ao entendimento de que a Ré não tinha cumprido a respectiva obrigação.</font><br> <br> <font>Mas, se se devesse entender que o contrato não fixava prazo para a realização da escritura, teríamos que concluir que os AA. podiam, como é reconhecido pela recorrente, interpelar a ré para a celebração do contrato prometido, num prazo razoável.</font><br> <br> <font>E, como bem se disse no acórdão recorrido, nada obrigava a que a interpelação tivesse de ser efectuada através do recurso ao processo especial do artigo 1456.º do Código de Processo Civil.</font><br> <br> <font>Pode fixar-se o vencimento da obrigação através de interpelação directa feita pela parte interessada à contraparte, neste caso pelos Autores à Ré, por ter sido ultrapassado em muito o período de 20 meses que no contrato--promessa havia sido estabelecido para a entrega da fracção objecto daquele – v., neste sentido, ANA PRATA, </font><i><font>O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil</font></i><font>, pp. 649 a 650.</font><br> <br> <font>Neste entendimento, é suficiente a notificação judicial avulsa que foi requerida pelos Autores e concretizada a 13.8.2002, por via da qual aqueles estabeleceram o prazo de 30 dias, durante o qual a Ré devia designar data para a realização da escritura.</font><br> <br> <font>Assim ficou fixado um prazo para o vencimento da obrigação decorrente da celebração do aludido contrato-promessa, devendo a Ré ter procedido às diligências necessárias para a realização da respectiva escritura, dentro do prazo fixado, que terminava em 13 de Setembro de 2002.</font><br> <br> <font>Não o tendo feito, constituiu-se em mora a partir dessa data, se não se acolhesse a tese defendida na sentença da 1.ª instância, da qual decorria que a Ré se colocou em mora, desde o termo do prazo de 20 meses, estabelecido no contrato, ou seja, desde 5.2.2002.</font><br> <br> <font>Nada, pois, a censurar relativamente à decisão recorrida, quanto à primeira questão suscitada.</font><br> <br> <font>3. A resolução do contrato com fundamento na perda do interesse dos AA.</font><br> <br> <font>Defende a Ré, também, que não se verificam os pressupostos indispensáveis para dar como válida a resolução do contrato-promessa por iniciativa dos Autores, com fundamento na base da perda de interesse na celebração do contrato prometido.</font><br> <br> <font>Como vimos, a mora poderá converter-se em incumprimento definitivo quando o credor perder o interesse que tinha na prestação. Esta perda de interesse deverá, por imposição legal, ser apreciada objectivamente, aferindo-se, por isso, em função da utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico onde tal apreciação se suscite), devendo mostrar-se justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas (</font><i><font>RLJ</font></i><font>, ano 118.º, p. 55 e ano 124.º, p. 95). Pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos do credor ou à perda infundada do interesse na prestação, atendendo-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação (e não ao valor da prestação determinado pelo credor), ou seja, à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, vol. II, 4.ª edição, com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 72).</font><br> <br> <font>O tribunal “a quo”, dando como verificada essa perda de interesse, assim também justificando o incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável à Ré e válida a resolução do mesmo, ponderou que aquela última não havia desencadeado em tempo útil a marcação da competente escritura, dessa forma inviabilizando a possibilidade dos Autores em recorrerem a “crédito bonificado” para aquisição da dita fracção, posto a respectiva candidatura estar dependente da celebração da escritura até ao final de Setembro de 2002, o que jamais poderia suceder por a fracção não se encontrar concluída quanto a acabamentos interiores, para além de ser premente a necessidade dos Autores em obterem habitação própria, dadas as condições precárias em que o seu agregado familiar se encontrava a viver.</font><br> <br> <font>Contesta a recorrente a verificação dessa perda de interesse, argumentando que a não realização da escritura até ao final de Setembro de 2002 apenas se ficou a dever à actuação dos Autores, que apenas em 25.9.02 procederam ao levantamento da carta registada com a/r que lhes havia remetido em 18.9.02, comunicando a realização da escritura para o dia 30.9.02, não se tendo a mesma concretizado por falta de apresentação de documentação da sua responsabilidade, a que acrescia o facto de naquela data (Setembro de 2002) a mencionada fracção se encontrar em condições de ser habitada, com a competente licença de habitabilidade já emitida.</font><br> <br> <font>Passemos a analisar este vertente do recurso, à luz da matéria de facto fixada e das considerações jurisprudenciais e doutrinais supra referidas, sobre a invocada perda de interesse.</font><br> <br> <font>Pôs-se em causa o circunstancialismo acima referido, tido como justificador pelo tribunal </font><i><font>“a quo”</font></i><font> da perda do interesse por parte dos Autores na celebração do negócio prometido — não marcação da escritura por parte da Ré em tempo útil, por forma a possibilitar aos Autores o recurso ao “crédito bonificado”; premência de habitação para acolher o agregado familiar dos Autores e ausência de condições de habitabilidade da aludida fracção, por ainda inacabada.</font><br> <br> <font>Através da argumentação da Ré pretende-se colocar em causa a eficácia da comunicação da parte dos Autores, reportada a 23.9.02, contendo a declaração da resolução do contrato-promessa, por a mesma lhe ter sido remetida, quando era já do seu conhecimento a data designada pela recorrente para a realização da escritura, por se dever reportar a 20.9.02 o momento em que chegou ao poder dos autores a comunicação da Ré de 18.9.02.</font><br> <br> <font>Estando em causa um declaração receptícia — carta remetida pela Ré aos Autores a comunicar a marcação da escritura para 30.9.02 — o declaratário fica vinculado logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, mesmo que não tome conhecimento dela, ou seja, o que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, por forma a estar em condições de, por actividade sua, conhecer o seu conteúdo (cit. art. 224 do CC) — v., a propósito, PIRES DE LIMA, </font><i><font>RLJ</font></i><font>, ano 102, pp. 141 a 144.</font><br> <br> <font>Porém, no acatamento desta doutrina (da recepção), que se não controverte, o que importa é dilucidar se, no caso em presença, o conhecimento da marcação da escritura se reporta a 19 ou 20 de Setembro de 2002, dando--se então como cumprido o encargo que impendia sobre a Ré, em obediência ao estipulado no dito contrato-promessa e tornando ineficaz a outra comunicação dos Autores de 23.9.02, a declarar resolvido esse mesmo contrato.</font><br> <br> <font>Não nos merece qualquer reparo o entendimento perfilhado na decisão recorrida que entendeu que, no circunstancialismo dado como provado, a entrada na esfera pessoal dos Autores da comunicação remetida pela Ré deve reportar-se à altura em que procederam ao levantamento na estação dos “CTT” da respectiva carta com a/r, (25.9.02), já que é nesse momento em que a correspondente declaração entra em seu poder, estando ao seu alcance conhecer o seu conteúdo.</font><br> <br> <font>Porém, mesmo que se defendesse que tal comunicação passou a estar ao alcance dos Autores a partir do momento em que os serviços de correio depositaram na sua residência o competente aviso – o que se rejeita, por ninguém estar obrigado a permanecer ininterruptamente em casa, nem o aviso postal é de per si suficiente para se saber o conteúdo da comunicação – nem assim poderia entender-se configurada uma situação de mora imputável àqueles, com a virtualidade de afastar o incumprimento definitivo do contrato-promessa da responsabilidade da Ré.</font><br> <br> <font>De facto, à dita fracção continuavam a faltar obras de acabamento, como decorre expressamente do teor da factualidade constante dos Pontos 21, 23 e 24 acima enunciados, não sendo exigível aos Autores que se disponibilizassem a celebrar aquele acto (escritura) sem que a dita habitação dispusesse desde logo de todas as condições correspondentes ao fim a que se destinava, para além de ser premente para os mesmos a disponibilidade dessa habitação, face às condições precárias em que se encontrava instalado o seu agregado familiar.</font><br> <br> <font>E tal não é contrariado pela invocação da Ré de que a aludida fracção dispunha já da competente licença de habitabilidade, já que se trata de realidade não demonstrada nos autos, face ao que é possível retirar do conjunto da respectiva documentação junta ao processo, como se afirma no acórdão recorrido com remissão para o «doc. de fls. 86 (licença emitida, onde não consta a fracção prometida vender — “AI”)», as «certidões prediais de fls. 258 a 264 e documentação de fls. 274 a 285 que não permite concluir que à fracção prometida vender corresponde a letra “AQ”, por efeito de correcção posterior à propriedade horizontal».</font><br> <br> <font>Consequentemente, bem se decidiu no acórdão recorrido ao manter o decidido na 1.ª instância, quanto à verificação da invocada perda do interesse negocial por parte dos autores.</font><br> <br> <font>4. A resolução pela R. devida ao incumprimento dos AA.</font><br> <br> <font>Atento o que acima se deixou dito, deixa de ter relevância a comunicação feita pela Ré, através da carta expedida em 10.10.02, a declarar resolvido o contrato-promessa, por inoperante diante da válida, eficaz e anterior comunicação resolutiva dos Autores.</font><br> <br> <font>Por conseguinte, também aqui falece a argumentação da recorrente, o que implica a total improcedência do recurso.</font><br> <br> <br> <b><font>III. –</font></b><font> Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto, confirmando-se, por isso, o acórdão recorrido.</font><br> <br> <font>Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008</font><br> <br> <font>Paulo Sá (Relator)</font><br> <font>Mário Cruz</font><br> <font>Garcia Calejo</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> <p><font> </font> </p><p><b><font>I – Sociedade Industrial de Confecções AA, S.A. </font></b><font>instaurou (27/12/2005), na Comarca de Castelo Branco, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra </font><b><font>BB- F...D...&amp;M..., L.da </font></b><font>e</font><b><font> CC, </font></b><font>na qual pediu a condenação dos Réus, a pagar-lhe:</font> </p><p><font>a) A quantia de € 57.500,22, sendo € 1.875,52 para ressarcimento de danos emergentes, € 43.124,70, de lucros cessantes e € 12.500,00, atribuídos a título de danos não patrimoniais;</font> </p><p><font>b) Os juros que, contados à taxa legal, se venham a vencer, desde a data da citação e até integral pagamento dos valores que a Autora tem direito a receber.</font> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>Alegou, para tanto e, em síntese:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora exerce como actividade principal a indústria e comércio de vestuário e acessórios de moda.</font> </p><p><font>No dia 2 de Janeiro de 2000, a Autora celebrou com os Réus um contrato de agência, pelo prazo de três anos, renovando-se automaticamente por sucessivos períodos de um ano, através do qual a BB-F..., D... &amp; M... se obrigou a prestar os seus serviços de venda dos artigos que a AA produza e comercialize, apenas através do seu actual sócio, CC.</font> </p><p><font>Convencionaram que a apresentação das colecções teria sempre de ser efectuada nas instalações próprias da Autora, devendo o agente, além do mais, apresentar-lhe o relatório de gestão de clientes, com a periodicidade, forma e conteúdo definido por ela, fazendo os relatórios parte integrante das funções do agente.</font> </p><p><font>Acordaram, ainda, que, sempre que houvesse necessidade de informar a Autora sobre qualquer irregularidade pontual relativa a qualquer cliente ou sobre o mercado, o Agente deveria usar a "Ficha de Anotação de Irregularidades" e informar a Autora de todas as reclamações recebidas dos clientes, bem como de todas as ocorrências de que tivesse conhecimento e que fossem susceptíveis de modificar a situação relatada nos relatórios e fichas mencionados no contrato.</font> </p><p><font>Tendo promovido uma reestruturação da sua actividade comercial e de implantação no mercado, entre Julho de 2000 e o final de 2004, a Autora permitiu que a apresentação das colecções pudesse ser realizada em show room dos Réus, havendo convencionado que, logo que a aludida reestruturação fosse terminada, a apresentação das colecções voltaria a realizar-se no show room da Autora.</font> </p><p><font>Após a conclusão dessa reestruturação, em finais de 2004, foi transmitido aos Réus a necessidade da apresentação das colecções no show room da AA, mas que eles recusaram e não compareceram ao local onde a Autora tinha colocado todo o material necessário à condigna recepção de todos os clientes na apresentação das colecções.</font> </p><p><font>Em consequência da atitude dos Réus, a Autora foi obrigada a fazer ela a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/06, no seu show room, a partir do dia 22 de Fevereiro, aos clientes dos Réus, tendo tido a necessidade de fazer deslocar o Sr. DD, chefe do departamento comercial, de Alcains para Lisboa, o que acarretou diversos custos.</font> </p><p><font>Por outro lado, teve a Autora de proceder a várias desmarcações de reuniões com clientes, efectuadas pelos Réus e posteriores remarcações, o que causou uma péssima imagem junto de todos os clientes, muitos dos quais, vieram a efectuar compras mais avultadas em colecções de outras empresas concorrentes, sofrendo a Autora uma diminuição de € 143.749,00 no valor da vendas, o que, em termos de lucro, se veio a reflectir na perda de € 43.124,70.</font> </p><p><font>Também, em 6 de Junho, ainda os Réus não tinham enviado a agenda da marcação com os clientes das datas de apresentação da colecção Primavera/Verão 2006 e desde o início do ano de 2005 que não recebeu dos Réus o relatório de visitas a clientes, nem os relatórios das vendas da estação Outono/Inverno 2005/06 e de outras ocorrências.</font> </p><p><font>Perante a actuação dos Réus, em 5 de Julho de 2005, a Autora comunicou aos Réus, por carta registada com aviso de recepção, a sua vontade de resolução unilateral do contrato, com efeitos imediatos e com fundamento no incumprimento.</font> </p><p><font>Acresce que os Réus violaram a obrigação de não concorrência, após a cessação do contrato, nos termos convencionados. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Citados regularmente, contestaram os Réus e deduziram reconvenção.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na contestação, invocaram não terem incumprido o contrato de agência, tendo sido antes a Autora quem não cumpriu, desde logo por ter admitido ao seu serviço um colaborador para o sector comercial que passou a actuar na área geográfica da Ré e em prejuízo desta.</font> </p><p><font>Por outro lado, a Ré solicitou, por diversas vezes, à Autora que lhe entregasse o material necessário para efectuar as apresentações, o que esta nunca fez.</font> </p><p><font>Em virtude da posição assumida pela Autora, os Réus foram obrigados a contactar directa e pessoalmente os seus clientes, que já tinham datas marcadas para a apresentação, comunicando-lhes que não o podiam fazer, o que obrigou a enorme dispêndio de tempo e desgaste psicológico do Réu.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Na reconvenção, alegaram que a Autora mantém em atraso o pagamento dos montantes relativos às facturas já recebidas dos respectivos clientes, entre Dezembro de 2002 e Maio de 2004, no montante global de € 5.596.82 e, bem assim, as facturas já recebidas dos respectivos clientes entre os meses de Junho e Dezembro de 2004, que ascende ao montante de € 400,25, suspeitando ainda que outros montantes ficaram por liquidar, pelo menos desde a celebração do contrato, datado de 2 de Janeiro de 2000, uma vez que todas as facturas, guias de remessa e demais documentos que permitirão apurar o valor de todas as comissões devidas aos Réus, estão em poder da Autora; tem ainda a Ré direito a reclamar da Autora todas as importâncias a apurar referentes às encomendas aceites e entregues aos seus clientes, até à data da resolução do contrato, montantes que a Ré está impedida de calcular; como a Autora resolveu unilateralmente o contrato de agência, mas sem justa causa, têm direito à indemnização de clientela.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Concluíram pela improcedência da acção e, em reconvenção, pediram a condenação da Autora a pagar-lhes:</font> </p><p><font>a) A quantia de € 5.997,07 correspondentes às comissões vencidas, já apuradas e não pagas, acrescida dos respectivos juros moratórios desde a data em que deveriam ser entregues até efectivo e integral pagamento;</font> </p><p><font>b) Todas as importâncias que se vierem a apurar em liquidação de sentença;</font> </p><p><font>c) A indemnização de clientela que se vier a apurar, de acordo com os princípios da equidade. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Replicou a Autora, contraditando a defesa por excepção e a reconvenção e treplicaram os Réus.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi elaborado o despacho saneador e procedeu-se à fixação dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação das partes.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus requereram prova pericial colegial, através de exame à escrita da Autora, com a finalidade de responder aos quesitos 65, 66, 67 e 68 da base instrutória.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora a opôs-se.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por despacho de 10 de Setembro de 2007, decidiu-se indeferir a requerida realização da prova pericial colegial à escrita da autora, por se considerar a mesma impertinente e dilatória, dado que a matéria indicada pela ré é passível de ser provada, quer testemunhal quer documentalmente, não se exigindo, para a percepção ou apreciação da matéria vertida nos artigos 65.º a 68.º da base instrutória, quaisquer conhecimentos especiais que o julgador não possua.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados, os Réus recorreram de agravo, com subida diferida.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A Autora contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Foi realizada audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, tendo o tribunal respondido à matéria constante da Base Instrutória, sem qualquer reclamação.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A final, foi proferida sentença que decidiu:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>a) Julgar improcedente a acção e absolver os Réus dos pedidos;</font> </p><p><font>b) Julgar improcedente a reconvenção e absolver a Autora do pedido reconvencional. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Inconformados, Autora e Réus apelaram, mas, sem qualquer êxito, uma vez que a Relação, não só julgou improcedentes as apelações e confirmou a sentença recorrida, como julgou não provido o agravo interposto pelos Réus.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>De tal acórdão vieram o a A. e os RR. interpor recurso de revista, recursos que foram admitidos.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A A. apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. O presente recurso vem interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na parte em que julgou improcedente o pedido da Autora;</font> </p><p><font>2. Atenta toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, em sede de audiência de julgamento merecia decisão diversa;</font> </p><p><font>3. A Autora e os Réus celebraram um contrato de agência, onde estes se obrigaram, entre outras coisas, a apresentar aos clientes e potenciais clientes as colecções, promover a venda dos artigos de vestuário e acessórios de moda masculina, produzidos e comercializados pela AA, visitar regularmente os clientes, recolher informação comercial do mercado e do cliente a fim de transmitir para os serviços comerciais da AA mediante o regular preenchimento do documento designado por Relatório de Gestão do Cliente;</font> </p><p><font>4. Nos termos da cláusula 14ª do contrato, ficou convencionado que a apresentação das colecções seria feita de acordo com as directrizes da AA e no local por esta indicado;</font> </p><p><font>5. Os Réus recusaram-se a apresentar a colecção Outono/Inverno 2005/2006 nos moldes definidos pela AA;</font> </p><p><font>6. Nesta sequência, a AA teve a necessidade de fazer deslocar o seu funcionário DD várias vezes a Lisboa para fazer a apresentação da colecção aos clientes que até à altura eram acompanhados pelos Réus, utilizou um veículo automóvel da empresa, tendo a AA suportado as despesas;</font> </p><p><font>7. De entre os clientes atribuídos aos Réus, o valor da facturação reportada à colecção de Outono/Inverno 2004/2005 e o valor do encomendado reportado à colecção de Outono/Inverno 2005/2006 houve uma variação, para menos, no montante de 143 749.00 €;</font> </p><p><font>8. A Autora, ora Recorrente AA tem uma margem de lucro média de 30%;</font> </p><p><font>9. Posteriormente, os Réus continuaram a não fazer o acompanhamento dos clientes, nem a apresentar os relatórios, nem a aparecer às reuniões agendadas com os agentes para analisar as vendas;</font> </p><p><font>10. Assim, depois de algumas considerações, conclui, e bem, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" que "no caso dos autos, em face de toda a factualidade dada como provada atinente à actuação dos réus, ter-se-á de concluir que a mesma é fundamento de resolução do contrato por parte da autora, como foi, por justa causa" </font><font>–</font><font> sublinhamos.</font> </p><p><font>11. Acrescentando a final que "dado o carácter relevante da obrigação contratual que a ré deixou de cumprir (apresentação da colecção sobredita no local e tempo indicados pela Autora), apesar de sucessivamente alertada e instada para o fazer, não se pode deixar de concluir, por estarmos perante uma violação grave e, naturalmente, culposa do contrato, por parte daquela que, dada a sua natureza, importa legítima quebra de confiança na autora e justifica que lhe deixe de ser exigível a manutenção do vínculo contratual" – sublinhamos.</font> </p><p><font>12. Estabelece o artigo 32º n.º 1 do Decreto Lei n.º 178/86 de 3/07 que "independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizada, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações".</font> </p><p><font>13. Ora, por sua vez, o artigo 799º do Código Civil começa por estabelecer que "o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor".</font> </p><p><font>14. 0 n.º 2 do artigo 801º diz que "tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato".</font> </p><p><font>Dos Danos emergentes</font> </p><p><font>15. Como supra se referiu, em consequência dos comportamentos dos Réus, viu-se a Autora AA na contingência de um momento para o outro fazer deslocar um seu funcionário de Castelo Branco para Lisboa para, primeiro, fazer a apresentação das colecções e, depois, fazer o acompanhamento dos clientes.</font> </p><p><font>16. Como disseram as testemunhas, tal funcionário tinha como normal local de trabalho as instalações da AA, em Castelo Branco, pelo que a sua deslocação para Lisboa acarretou necessariamente custos que não teriam sido tidos pela AA não fosse a violação grave e culposa do contrato por parte dos Réus.</font> </p><p><font>17. Esses custos, com deslocações, hotéis, restaurantes, etc, encontram-se devidamente documentados nos autos, apurando-se assim o valor de 498,62 €;</font> </p><p><font>18. De igual forma, quanto ao salário desse funcionário, é verdade que o mesmo seria sempre devido.</font> </p><p><font>19. Acontece que, em consequência do comportamento dos Réus, o mesmo deixou de fazer as suas normais funções.</font> </p><p><font>20. Parece óbvio que de harmonia com a teoria da diferença, não era igual para a AA, caso os Réus tivessem cumprido o contrato, o que não aconteceu.</font> </p><p><font>21. Essa diferença tem forçosamente de ser indemnizável, achando-se justo e equitativo que o prejuízo da AA seja aferido pelo valor do vencimento daquele funcionário, tendo em conta o número de dias em que o mesmo se deslocou a Lisboa para realizar os trabalhos que caberiam aos Réus.</font> </p><p><font>22- Devem, pois, os Réus indemnizar a Autora AA naquele montante de 1 875,52 €.</font> </p><p><font>Dos Lucros Cessantes</font> </p><p><font>23. A principal sanção estabelecida para o não cumprimento consiste na obrigação imposta ex lege ao devedor de indemnizar o prejuízo causado ao credor.</font> </p><p><font>24. Este prejuízo compreende tanto o dano emergente como o lucro cessante (artigo 564º do Código Civil) </font><font>–</font><font> todo o interesse contratual positivo, na hipótese de a obrigação provir de contrato </font><font>–</font><font> e é determinado em função dos danos concretamente sofridos pelo credor,</font> </p><p><font>25. Os Réus, ao contrário do que estavam obrigados, não fizeram a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/2006, que deveria ter ocorrido em Janeiro de 2005.</font> </p><p><font>26. Nessa colecção, a AA, tal como resultou provado, de entre os clientes atribuídos aos Réus, o valor da facturação reportada à colecção anterior e o valor do encomendado reportado a essa colecção Outono/Inverno 2005/2006 houve uma variação, para menos, no montante de € 143 479,00.</font> </p><p><font>27. Sendo o margem de lucro média da AA de 30% teve assim um prejuízo que se calculou de 43 124.70 € e que devem os Réus indemnizar.</font> </p><p><font>28. Como se disse no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26/01/2010, processo n.º 1593/04.9TVLSB.L1-1, em que foi relator o ILUSTRE JUIZ DESEMBARGADOR MANUEL MARQUES, "admite-se, todavia, que em casos excepcionais se podem ainda indemnizar os danos positivos se tal for exigido pela justa composição do litigio contratual – vide sobre esta problemática Brandão Proença, A Resolução Do Contrato No Direito Civil, 1982, pags. 199/214. "</font> </p><p><font>29. E mais à frente acrescenta "Já sustentada por Vaz Serra (BMJ 47,40), foi detalhadamente defendida, entre outros, por Batista Machado (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, 175), Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 208) e Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, 479). Brandão Proença admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos "quando assim for exigido pelos interesses em presença" (A Resolução do Contrato no Direito Civil, 196) e Galvão Teles afirma que se concebe todavia "que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias." (Direito das Obrigações, 7.ª ed, 463, nota de pé de página).</font> </p><p><font>30. Nos presentes autos, como já se referiu e de deu como provado, está em causa a violação grave dos Réus do contrato de agência, na medida em que deixaram de promover as vendas da Autora AA e posterior acompanhamento dos clientes.</font> </p><p><font>31. Em consequência dessa conduta provocaram diminuição nas vendas dos clientes que lhe estavam adstritos e consequentemente nos lucros da AA no que se refere à colecção de Outono/Inverno de 2005.</font> </p><p><font>32. Foram os Réus os únicos e principais responsáveis por essa diminuição nas vendas e perda de lucros, pelo é justo e equitativo que sejam os mesmos a responder por esses prejuízos.</font> </p><p><font>Dos Danos não patrimoniais</font> </p><p><font>33. Todas as testemunhas, cujos depoimentos se encontram supra transcritos, foram peremptórias a descrever a MÁ IMAGEM que o comportamento dos Réus deixou da AA junto dos seus clientes, que não estavam habituados.</font> </p><p><font>34. O marcar, desmarcar reuniões, as desculpas aos clientes, o esforço para não lavar roupa suja em público, a reorganização das tarefas atribuídas a outros vendedores, funcionários, originou sérios e graves transtornos à marca, à empresa, à sociedade, aos seus administradores, funcionários e colaboradores.</font> </p><p><font>35. Acresce ainda, a AA vem de um longo processo de reestruturação, com fortes investimentos na marca e prestígio AA.</font> </p><p><font>36. É uma empresa com mais de 400 trabalhadores, que de um momento para o outro se vê na situação de perder as vendas por uma birra de um vendedor.</font> </p><p><font>37. Se não há vendas não há lucros. Os Réus esqueceram-se de toda aquela organização empresarial, dos funcionários que também estão à espera das suas encomendas para poder trabalhar e consequentemente vender o produto e gerar lucro.</font> </p><p><font>Sem isso nada feito.</font> </p><p><font>38. Para além dos danos patrimoniais, é assim evidente que tais transtornos, arrelias e principalmente a má imagem deixada pelos Réus da AA juntos dos clientes devem ser indemnizados autonomamente aos danos patrimoniais, no montante de 12 500,00 €.</font> </p><p><font>Sem prescindir,</font> </p><p><font>39. É certo que se tem firmado na jurisprudência de que a responsabilidade por danos não patrimoniais também ocorre no âmbito do ilícito contratual, sendo também certo que a MÁ IMAGEM comercial da Autora AA deixada pelos Réus constitui um facto concreto.</font> </p><p><font>40. Acontece que, de acordo com uma corrente jurisprudencial "os prejuízos estritamente morais implicados na ofensa do bom nome e reputação apenas calham aos indivíduos e às pessoas morais, para os quais a dimensão ética é importante, independentemente do dinheiro que poderá valer, não às sociedades comerciais, pois a estas o bom nome e a reputação apenas interessam na justa medida da vantagem económica que deles podem tirar, apenas podendo produzir a ofensa do crédito e do bom nome, para as sociedades comerciais, quando muito, um dano patrimonial indirecto, isto é, o reflexo negativo que, na respectiva potencialidade de lucro, opera aquela ofensa".</font> </p><p><font>Ora,</font> </p><p><font>41. Mesmo a assim a entender-se, terá sempre a Autora AA direito a ser indemnizada, pois como se viu, o comportamento dos Réus, a MÁ IMAGEM que criaram da Autora com esse seu comportamento, fez com que a mesma perdesse no imediato, uma diminuição nas vendas e consequentemente nos lucros que se estipula numa quantia nunca inferior a 43 124,70 €.</font> </p><p><font>42. Por aqui, apesar de o ser com um fundamento diferente, sempre deverão os Réus ser condenados a pagar à AA aquela quantia.</font> </p><p><font>43. Ao assim decidir, violou o Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, entre outros, os artigos 515º, 655º, 659º do Código de Processo Civil, 432º e seguintes, 564º, 798º, 799º, 801º do Código Civil e 32º do Decreto Lei n.º 178/86 de 3 de Julho.</font> </p><p><font>44. Pelo que deve ser revogado e substituído por um outro que condene os Réus nas quantias peticionadas pela Autora, aqui Recorrente, AA.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Por sua vez, os RR. concluíram, do seguinte modo, o seu recurso:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. Não se verificou qualquer fundamento para a resolução do contrato de agência celebrado entre autora e réus. Nomeadamente, não podia a autora impor aos réus que passassem a apresentar as suas colecções no seu show room, até porque, tal resulta do teor do documento nº 2 junto com a petição inicial, do qual resulta a vontade expressa de ambas as partes, a necessidade de obtenção de consenso.</font> </p><p><font>2. A lei exige que a falta de cumprimento que justifica a resolução se revista de especial importância, quer pela gravidade, quer pelo carácter reiterado, o que não se verifica no caso sob apreciação e não tido em consideração no Acórdão recorrido.</font> </p><p><font>3. Estamos assim perante o incumprimento contratual imputável exclusivamente à Autora, pelo que, esta deverá indemnizar a parte não culposa, ou seja, os Réus.</font> </p><p><font>4. A resolução operada não se encontra fundamentada, sendo ilícita e ilegítima.</font> </p><p><font>5. Contrariamente ao que consta da sentença recorrida, estão verificados os requisitos para a determinação da indemnização de clientela que deve ser reconhecida aos Réus.</font> </p><p><font>6. Quanto ao exame pericial indeferido, também não se consegue encontrar fundamento válido para o efeito, ficando nitidamente prejudicada a descoberta da verdade e a realização da justiça.</font> </p><p><font>7. Estamos perante situação que justifica a repetição do julgamento nos termos do disposto nos artºs 722º, 729º e 730º do CPC.</font> </p><p><font>8. Deve a presente acção ser julgada totalmente improcedente e o pedido reconvencional procedente.</font> </p><p><font>9. O Acórdão recorrido faz errada interpretação e aplicação do disposto no DL. Nº 178/86 de 3/7, modificado pelo D.L. nº 118/93 de 13/4, em conformidade com a Directiva 86/053/CEE de 18 de Dezembro, nomeadamente no que respeita aos seus artºs 1º nº 1, artº 33º nº 1 e artº 34º.</font> </p><p><font>10. Bem assim, fez o acórdão recorrido errada interpretação do regime legal de produção de prova, nomeadamente o artº 578º do CPC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>A A. apresentou contra-alegação ao recurso dos RR, concluindo pela total improcedência deste recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font> </p><p><font> </font> </p><p><b><font>II – Fundamentação</font></b> </p><p><b><font> </font></b> </p><p><font>A) De Facto</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1. A Autora tem como actividade principal a indústria e comércio de vestuário e acessórios de moda (A).</font> </p><p><font>2. No dia 2 de Janeiro de 2000 foi celebrado entre a Autora e os Réus um acordo que denominaram "contrato de agência", segundo o qual os últimos se obrigaram a prestar à primeira os seus serviços de venda dos artigos que a AA produzisse ou comercializasse, em regime de exclusividade, obrigando-se a proporcionar-lhe o resultado do seu trabalho mediante uma contrapartida designada por comissão (B).</font> </p><p><font>3. Apesar de se ter realizado uma reunião entre a Autora e o segundo Réu, que esteve presente a título pessoal e em representação da 1ª Ré, a qual ocorreu na sede da Autora no dia 4 de Fevereiro, os Réus mantiveram as suas posições, o que motivou que lhes fosse endereçada uma nova carta ainda no mesmo dia de 04/02/2005 (B).</font> </p><p><font>4. Como resposta veio no entanto a Autora a receber uma carta datada de 18 de Janeiro de 2005 onde os Réus, acusando a recepção de uma circular informativa referente à apresentação das colecções, comunicaram à primeira a sua recusa em fazer a apresentação da colecção Outono/Inverno 2005/06 no show room que esta Autora preparara (C).</font> </p><p><font>5. E insistindo na apresentação em instalações próprias dos Réus (D).</font> </p><p><font>6. A autora, por carta datada de 20 de Dezembro de 2004, endereçada à primeira Ré, informou-a que a partir daquela data a apresentação de colecções, atendimento a clientes e sua domiciliação, deveria ser feita no show room da empresa, situado na Av. da R... n.º ..., ....º Esq., ... </font><font>–</font><font> ... Lisboa (E).</font> </p><p><font>7. A remuneração que a Autora se obrigou a pagar à Ré era de 3,5% + 05% sobre o valor das vendas por esta promovidas (F).</font> </p><p><font>8. Sendo que, a Autora assumiu a obrigação de entregar, pelo menos, 80% de todas as notas de encomenda, por si aceites e confirmadas (G).</font> </p><p><font>9. Além daquela remuneração, a Autora obrigou-se ainda a pagar à Ré um prémio por objectivos (H).</font> </p><p><font>10. A autora procedeu a uma reestruturação da sua actividade comercial e implantação do mercado e permitiu que a apresentação das colecções pudesse ser realizada no "show-room" dos réus, o que efectivamente aconteceu desde a estação Outono/Inverno 2000/2001 e a que antecedeu a de Outono/Inverno 2005/2006 (r.q. 1.º e 12.º)</font> </p><p><font>11. O contrato referido em 2. correspondeu à renovação da relação estabelecida entre autora e réus desde pelo menos, 1994 (r.q. 2.º).</font> </p><p><font>12. Tendo o mesmo sido assinado pelo Senhor CC a titulo pessoal e como sócio gerente da primeira Ré, qualidade que sempre manteve até à actualidade (r.q. 3.º).</font> </p><p><font>13. O contrato teve início em 2 de Janeiro de 2000 e foi celebrado por três anos, renovando-se automaticamente por sucessivos períodos de um ano (r.q. 4.º).</font> </p><p><font>14. Do contrato de agência constava ainda </font><font>–</font><font> na sua cláusula 3ª </font><font>–</font><font> que o agente ficava se obrigava, no mínimo, a:</font> </p><p><font>"Apresentar aos clientes e potenciais clientes da AA as colecções Primavera/Verão e Outono/ Inverno e promover a sua venda;</font> </p><p><font>Apresentar aos clientes e potenciais clientes da AA, com regularidade, os artigos de vestuário e acessórios de moda masculina, produzidos e comercializados pela AA, promovendo a sua venda;</font> </p><p><font>Visitar regularmente, os clientes e potenciais clientes com o objectivo de promover e desenvolver as vendas dos artigos produzidos e/ou comercializados pela AA bem como recolher informação comercial do mercado e do cliente a fim de a transmitir para os serviços comerciais centrais da AA mediante o regular preenchimento do documento designado por Relatório de Gestão do Cliente, de acordo com o disposto na cláusula décima sexta, do presente contrato; Informar os clientes e potenciais clientes dos preços e condições de venda dos artigos produzidos e/ou comercializados pela AA, em conformidade com as condições financeiras de venda estabelecidas por esta;</font> </p><p><font>Preencher as propostas de notas de encomenda, fazê-las assinar pelos clientes e remetê-las ou entregá-las à AA no prazo máximo de quatro dias;</font> </p><p><font>Respeitar e promover o bom-nome da AA e das marcas e produtos comercializados por esta, junto do mercado;</font> </p><p><font>Prestar informação regular à AA sobre o mercado e seriedade comercial, solvabilidade dos clientes, em conformidade com a cláusula décima sexta;</font> </p><p><font>Colaborar com a AA no esforço de cobrança junto dos clientes; Informar a AA sobre eventuais reclamações de clientes, em conformidade com o estipulado na cláusula décima sexta;</font> </p><p><font>Observar as condições de venda e pagamento que lhe são fornecidas pela AA;</font> </p><p><font>Solicitar amostras, dependendo a sua entrega de prévia análise e aceitação pela AA;</font> </p><p><font>Passar factura e/ou recibo de quitação de todas as importâncias pagas e postas à sua disposição pela AA, aquando do respectivo pagamento, sob pena de esta última lhe o recusar" (r.q. 5.º).</font> </p><p><font>15. No n.º 1 da cláusula 14.ª do contrato referido em 2. ficou convencionado que a apresentação das colecções, nos meses referidos no n.º 3 da cláusula 6.ª, "será sempre feita de acordo com as directrizes da AA e no local por esta indicado...devendo o agente participar directa e pessoalmente em tais eventos...", através do 2.º réu (r.q. 6.º).</font> </p><p><font>16. Por seu lado, de acordo com o disposto na cláusula 16.ª do contrato, o agente obrigou-se a apresentar à AA o Relatório de Gestão de Clientes, com a periodicidade, forma e conteúdo que for definido pela AA (r.q. 7.º).</font> </p><p><font>17. Tendo ainda ficado convencionado, nos números 2 da cláusula 16.ª, que os Relatórios de Gestão de Clientes eram parte integrante das funções do agente e constituíam tácito acordo entre as partes de que uma boa prática comercial passava, "pela realização, de visitas regulares a cada cliente....., à excepção dos períodos relativos à apresentação das colecções...." (r.q. 8.º).</font> </p><p><font>18. Constava do contrato, na cláusula 16.ª/3 que, sempre que houvesse necessidade de informar a AA sobre qualquer irregularidade pontual relativa a qualquer cliente ou sobre o mercado, o agente tinha ao seu dispor a "Ficha de Anotação de Irregularidades" (r.q. 9.º).</font> </p><p><font>19. Também que, independentemente do preenchimento deste documento, o Agente deveria informar a agora Autora de todas as reclamações recebidas dos clientes, também de todas as ocorrências de que tivesse conhecimento e que fossem susceptíveis de modificar a situação relatada nos relatórios e fichas mencionados no contrato (r.q.10.º).</font> </p><p><font>20. A autora exigia aos seus agentes que enviassem os aludidos relatórios com uma periodicidade mínima trimestral, o que era do conhecimento dos réus (r.q.11.º).</font> </p><p><font>21. Na mesma ocasião em que autora comunicou a alteração referida em 10. também comunicou que tal situação se manteria até que "se encontrassem reunidas as condições para se realizar a reestruturação das novas zonas comerciais..." (r.q. 13.º).</font> </p><p><font>22. Sendo que, com a aludida reestruturação, pretendeu a Autora melhorar e uniformizar a imagem de marca junto de todos os clientes, como forma de valorizar o produto e lutar de forma mais eficiente contra a concorrência no sector da confecção (r.q.14.º).</font> </p><p><font>23. A reestruturação ficou concluída em finais de 2004, pelo que, em reunião havida nas instalações da empresa com todos os vendedores da Autora na data de 29/11/2004, lhes foi transmitido a necessidade da apresentação das colecções no show room da AA (r.q. 15.º).</font> </p><p><font>24. Tendo assim tal decisão também sido transmitida aos agora réus, através da pessoa do Senhor CC, que se encontrava presente (r.q. 16.º).</font> </p><p><font>25. Tendo o 2.º réu manifestado reservas à decisão tomada pela empresa foi então decidido por parte da autora remeter-lhe uma comunicação escrita. (r.q. 17.º).</font> </p><p><font>26. Aproximando-se a data de apresentação das colecções sem que os réus dessem qualquer indício de pretender apresentar as colecções aos clientes, a autora solicitou aos Réus a marcação de uma reunião, sugerindo-lhe que estivesse presente o seu advogado (r.q. 18.º).</font> </p><p><font>27. Através de carta datada de 20/01/2005, a autora reiterou o pedido, feito aos réus, de reunião, já antes formulado, "a fim de tentar dirimir definitivamente
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <font>AA e BB intentaram acção, com processo ordinário, contra o Município de Loures pedindo a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda de um lote de terreno, celebrado entre CC e o Réu, alegando que o vendedor não era o único proprietário, sendo-o também a Autora.</font> <p><font>Pediram, ainda, a condenação do Réu a restituir o bem ao património dos Autores.</font> </p><p><font>Contestou o Réu, excepcionando a ilegitimidade dos Autores e alegando a convicção de o prédio ser pertença do vendedor.</font> </p><p><font>Em reconvenção pediu o seu reconhecimento como dono invocando aquisição por usucapião.</font> </p><p><font>No despacho saneador a excepção de ilegitimidade improcedeu.</font> </p><p><font>Na Comarca de Loures, a acção foi julgada procedente nos seguintes termos:</font> </p><p><font>- Declarada a nulidade da escritura pública de compra e venda, celebrada em 6 de Julho de 1984, relativa ao lote de terreno com a área de 15.202 m2, situada na freguesia de Santa Iria de Azóia, celebrada entre CC, como vendedor, e o Município de Loures, como comprador, por se tratar de venda de bem alheio;</font> </p><p><font>- Determinar a restituição aos Autores desse lote de terreno, por o mesmo ser integrante do prédio misto denominado Terra dos Canos, situado em Pirescoxe;</font> </p><p><font>- Absolver os Autores do pedido reconvencional.</font> </p><p><font>O Réu apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.</font> </p><p><font>Pede, agora, revista assim concluindo:</font> </p><p><font>1.ª Ao contrário do decidido pelo douto acórdão recorrido, tendo CC falecido em 1993 e não podendo fazer parte deste ou de qualquer outro processo e intervindo a A. mulher no processo ‘sub judice’ como herdeira daquele (encontrando-se nos autos a respectiva habilitação de herdeiros), então, têm os AA toda a legitimidade para restituir o preço do terreno. </font> </p><p><font>2.ª Aliás, tal restituição é imposta pelo art.° 289°, n. ° 1, do C. Civil, pelo que o douto acórdão recorrido violou o presente dispositivo legal. </font> </p><p><font>3.ª Para além da resposta (em sede da matéria de facto) a dar ao art.° 16 da base instrutória, o Recorrente alegou que existiam outros actos de posse desde Julho de 1984, onde se conta o próprio registo do terreno a favor do Município de Loures desde 16/07/1984, como, aliás, se encontra demonstrado nos autos, sendo que o próprio registo constitui, em si próprio, um acto de posse pública (atendendo à natureza do registo predial) e que foi pacífica ao longo de mais de quinze anos. </font> </p><p><font>4.ª Assim, o início da contagem de tempo para efeitos de usucapião ocorreu, ‘in casu’, desde Julho de 1984, e não, apenas, desde a demarcação do terreno de 1991, existindo uma verdadeira aquisição por usucapião. </font> </p><p><font>5.ª Ao não decidir assim, o douto acórdão recorrido violou as disposições legais que regulam a usucapião, designadamente, o art.° 1294°, do C. Civil. </font> </p><p><font>6.ª Aliás, a interpretação que o douto acórdão recorrido faz destas regras transplantadas para o caso em apreço, é inconstitucional, na medida em que colide e viola o direito de propriedade privada previsto no art.° 62°, da CRP. </font> </p><p><font>7.ª Caso assim não se entenda (o que não se concede), então, face à alegação de actos de posse desde 1984, no que se inclui o próprio registo do terreno a favor do Município de Loures, sempre ocorreria omissão de pronúncia geradora de nulidade, ‘ex vi’ o art.° 668°, n. ° 1, al. b), 1.ª parte, do CPC. </font> </p><p><font>8.ª Apesar de contraditada a testemunha DD e recebida a respectiva contradita com inquirição da própria testemunha, a verdade é que na decisão sobre a matéria de facto o tribunal de 1.ª instância não faz qualquer referência nem à contradita, nem à credibilidade da testemunha, tendo o douto acórdão recorrido decidido que o princípio da livre apreciação da prova prevalecia na presente questão. </font> </p><p><font>9.ª Porém, não é o princípio da livre apreciação da prova que está em causa, mas o facto de o tribunal de 1.ª instância ter ignorado completamente a contradita, não justificando a apreciação que faz da prova, pelo que, ao contrário do decidido pelo douto acórdão recorrido, verifica-se a nulidade prevista no art.° 668°, n. ° 1, al. d), 1.ª parte, do CPC. </font> </p><p><font>&nbsp;Não foram oferecidos contra alegações.</font> </p><p><font>As instâncias deram por provados as seguintes factos:</font> </p><p><font>- A Autora AA é filha de CC e de EE.</font> </p><p><font>- Os pais da Autora foram casados no regime da comunhão geral de bens, desde o dia 19.06.1938. </font> </p><p><font>- Por meio de escritura pública outorgada em 4 de Agosto de 1944, no Cartório Notarial de Loures, FF e mulher GG, HH e mulher II, JJ e mulher LL, MM, NN e mulher OO, PP, QQ e mulher RR, SS, TT, UU e mulher VV, XX, YY, ZZ e mulher AAA, BBB e mulher CCC, DDD e mulher EEE, e FFF, declararam vender a CC, e este declarou comprar, a propriedade rústica denominada ‘Terra dos Canos’, composta de terra de semeadura com oliveiras, situada no lugar de Pires-Coche, freguesia de Santa Iria de Azóia, concelho de Loures. </font> </p><p><font>- Em 15/01/1946 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Loures a transmissão do aludido prédio a favor do pai da Autora. </font> </p><p><font>- Em 26 de Julho de 1968, faleceu a mãe da Autora, EE, tendo-lhe sucedido a Autora como única herdeira, sem testamento, tendo esta procedido à habilitação de herdeiros em 16/05/95. </font> </p><p><font>- A mãe da Autora deixou como herança metade de um prédio misto, denominado Terra dos Canos, situado em Pirescoxe, com a área total de 22.478 m2, com inclusão de 305,36 m2 de parte urbana, inscrito na matriz sob os artigos 259 e 386 (anteriormente art. ° 66 secção B) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n. ° 833. </font> </p><p><font>- Em 05/02/1969, o pai da Autora, CC, casou em segundas núpcias no regime de separação de bens, com GGG, vindo a falecer em 17.03.1993. </font> </p><p><font>- O pai da Autora deixou como suas únicas herdeiras a sua mulher, GGG, e a Autora. </font> </p><p><font>- O pai da Autora, CC, desanexou do prédio identificado em 7. um lote de terreno com a área de 15.202 m2, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.° 13.476, fls. 53 B-46, ficha 634, da freguesia de Santa Iria de Azóia, inscrito na matriz predial urbana sob o art. 3112 da mesma freguesia, e vendeu-o ao Município de Loures, para equipamentos colectivos, pelo valor de Esc. 4.560.600$00 (quatro milhões quinhentos e sessenta mil e seiscentos escudos), o equivalente a € 22.748,18 (vinte e dois mil setecentos e quarenta e oito euros e dezoito cêntimos), por escritura pública celebrada em 06/07/1984 no Cartório Notarial do Município de Loures. </font> </p><p><font>- Só intervieram na celebração da escritura pública de compra e venda do prédio desanexado, com a área de 15.202 m2, o pai da Autora, CC, no estado de casado, em segundas núpcias e sob o regime da separação de bens, com GGG, e o Presidente da Câmara Municipal de Loures, HHH, em representação do Município, ora réu. </font> </p><p><font>- O R. registou a transmissão do lote de terreno referido em 9. a seu favor. </font> </p><p><font>- O pai da A. celebrou a escritura pública de compra e venda, referida em 9., sem o consentimento dos AA., que se encontravam ausentes na Austrália. </font> </p><p><font>- O pai da Autora recebeu o dinheiro, fazendo-o seu, sem dar conhecimento à Autora. </font> </p><p><font>- O Presidente da Câmara Municipal de Loures, HHH, conhecia a GGG, tendo travado conhecimento com o pai da Autora, em data posterior a 05/02/1969, sendo visita da casa deles. </font> </p><p><font>- O Presidente da Câmara Municipal de Loures, HHH, sabia que a mencionada GGG estava casada com o pai da Autora em segundas núpcias. </font> </p><p><font>- O Presidente da Câmara Municipal de Loures, HHH, sabia que a mãe da A. tinha falecido e deixado como herdeira a sua filha, ora A. </font> </p><p><font>- Sabia que o prédio identificado em 6, de onde foi desanexada a parcela que o Município adquiriu, era propriedade dos pais da Autora à data da morte da mãe dela. </font> </p><p><font>- O mesmo sabia que a Autora, filha do Sr. CC, também era proprietária do referido terreno por herança da falecida mãe. </font> </p><p><font>- À data da celebração da escritura de compra e venda, aquele sabia que a Autora se encontrava ausente de Portugal, e sem notícias, devido à ocupação do território de Timor pela Indonésia. </font> </p><p><font>- O Presidente da Câmara Municipal de Loures, HHH, antes da celebração do negócio da parcela de terreno identificada em 9., e da respectiva escritura pública, foi alertado dos factos atrás descritos. </font> </p><p><font>- Em momento posterior ao seu regresso a Portugal e à tomada de conhecimento da venda do lote referido em 9. ao Município de Loures, a Autora diligenciou junto deste, por carta junta a fls. 33 e 34, no sentido de se encontrar uma solução extra-judicial, sem contudo obter êxito. </font> </p><p><font>- O R. procedeu à demarcação do referido terreno, pela primeira vez no decurso do ano de 1991, e, no decurso do ano de 1996, deu início a obras de saneamento referentes à rede de esgotos e águas pluviais do Bairro do Alto do Convento, levadas a cabo pelos Serviços Municipalizados de Loures, que, em 1998, se mostravam já concluídas, com conhecimento de todos e sem oposição de ninguém. </font> </p><p><font>Tendo parte do terreno servido de estaleiro para as referidas obras. </font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font> O Recorrente limitou o objecto do recurso às seguintes questões: restituição do preço, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, a ser suportado também pela mulher do vendedor, entretanto, falecido; início da contagem do prazo da usucapião, com interpretação a contender com o disposto no artigo 62.º da Constituição da República; omissão de pronúncia quanto à eficácia do registo; fundamentação com ausência da referência à contradita da testemunha DD o que integraria também a referida nulidade.</font> </p><p><font>Passemos, então, ao conhecimento das questões acima elencadas, embora pela ordem que nos parece mais curial.</font> </p><p><font>1- Omissões de pronúncia.</font> </p><p><font>2- Usucapião.</font> </p><p><font>3- Restituição do preço.</font> </p><p><font>4- Inconstitucionalidade.</font> </p><p><font>5- Conclusões.</font> </p><p><font> </font><b><font>1. Omissões de pronúncia</font></b> </p><p><font>Os vícios de limite assacados à deliberação recorrida, na óptica do recorrente, seriam inseríveis na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 688.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Tal acontece quando o Tribunal incumpre o n.º 2 do artigo 660.º do mesmo diploma deixando por resolver as questões – ou alguma delas – que as partes tenham submetido à sua apreciação, com excepção das que considere prejudicadas pela solução de outras.</font> </p><p><font>Para a recorrente essas invalidades seriam duas.</font> </p><p><font>1.1-A primeira consistiria no silenciar da questão suscitada com “a alegação de actos de posse desde 1984, no que se inclui o próprio registo do terreno” a seu favor.</font> </p><p><font>Sem razão, porém.</font> </p><p><font>Na linha do julgado pela 1.ª instância, que exaustivamente analisou as consequências do registo, seus objectivos e finalidade, além de, em sede de matéria de facto, ter fixado uma data, para o inicio da posse, a Relação também reapreciou estas questões, “maxime”, e como ponto de partida, o facto (e ulterior resposta) vertido no artigo 16.º da Base Instrutória, sendo que, em consequência, não omitiu o conhecimento das questões que lhe foram submetidas.</font> </p><p><font>Note-se, outrossim, que na sua apelação, e para além do questionar aquele “terminus a quo”, a recorrente limitou-se a manifestar a sua discordância quanto à matéria de facto dada por assente e respectiva fundamentação. (cfr. fls. 481 a 484).</font> </p><p><font>Todas as outras questões suscitadas neste segmento por novas são de desconsiderar neste recurso que tem como escopo primeiro corrigir/alterar o já julgado pela Relação, que não reapreciar “ex novo” o que a essa instância não foi submetido.</font> </p><p><font>Inexiste a primeira omissão de pronúncia imputada ao Acórdão.</font> </p><p><font>1.2-A segunda consistiria em não ter sido referida (na decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância) a contradita e a inquirição de uma testemunha e que não tenha sido feita qualquer referência à sua credibilidade.</font> </p><p><font>Obviamente que, também neste caso, não se perfila omissão de pronúncia.</font> </p><p><font>Muito no limite, tratar-se-ia de falta, ou de insuficiência, de fundamentação da decisão de facto pela 1.ª instância.</font> </p><p><font>Mas, se tal acontecesse, a única consequência seria que a Relação, a requerimento da parte, determinasse que o primeiro julgador melhor fundamentasse, se tal fosse possível.</font> </p><p><font>É o que resulta do n.º 5 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Transcrevemos, a propósito, e com inteira adesão, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2006 – 06 A1994 – relatado pelo, ora, 2.º Adjunto, que assim considerou:</font> </p><p><font>“Tal disposição não encontra correspondência quando a Relação, por sua vez, reapreciando a matéria de facto não indique os fundamentos da alteração ou da manutenção do decidido pela 1.ª instância. </font> </p><p><font>Porém, a diferença de regimes compreende-se pela clara razão, já apontada, de que a Relação é chamada a controlar a decisão sobre a matéria de facto, reapreciando o julgado da Instância recorrida e substituindo-se-lhe na fixação do quadro factual, actividade em que reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, devendo atender aos elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão — art. 712°-2 CPC – donde a necessidade de conhecer esses fundamentos para se colocar em posição tão próxima quanto possível da do tribunal recorrido. </font> </p><p><font>O mesmo não sucede com o julgamento de reapreciação, ao abrigo do disposto no art. 712° em que a motivação já não se destina a qualquer controlo de tribunal superior (no caso o STJ), pela óbvia razão de a decisão que modifique ou mantenha a matéria de facto, em consequência da valoração de depoimentos ou outros elementos de prova sujeitos à livre apreciação, não poder ser objecto e recurso ou censura. </font> </p><p><font>É o que acontece, paralelamente, com as decisões da 1.ª instância de que não seja admissível recurso. Também neste caso da eventual ausência ou insuficiência de motivação da decisão de facto não decorrerão quaisquer consequências, por nunca ser caso de aplicação do art. 712°-3.” </font> </p><p><font>Também, e no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 2010 – 476/99. P.1. S.1 – desta Conferência, julgou-se que:</font> </p><p><font>“ A fundamentação das respostas aos quesitos — quer quanto aos provados, quer quanto aos que quedaram improvados — basta-se com uma explicação sucinta do “iter” lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada. </font> </p><p><font>O princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que, na fase da ponderação, decorra um processo lógico-racional que conduza a uma conclusão lógica, sensata e prudente. </font> </p><p><font>Só que esse processo, insondável e íntimo, não tem de ser transposto para a motivação, que se limita a elencar críticamente as provas consideradas credíveis, sendo que o meio e momento imediatos de reacção contra o incumprimento destes princípios é o do n.° 4 do artigo 653.° do Código de Processo Civil. (...)</font> </p><p><font>Porém, se vício surge alegado na Relação, será caso de aplicação do n°5 do artigo 712°, a consagrar a definitividade da decisão sobre a relevância da fundamentação das respostas. </font> </p><p><font>E se a Relação fixa os mesmos factos da 1.ª instância não tem de fundamentar a matéria de facto, pois o STJ não pode controlar a bondade dessa fixação.” </font> </p><p><font>Finalmente, também o Acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Julho de 2006 – 06 A1865 – de relato do, agora, 2.ª Adjunto, afirmou:</font> </p><p><font> “ A prova há de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação. Deve, ela, ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis e atendíveis (art. 515° CPC). </font> </p><p><font>Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação, deve o julgador indicar os fundamentos da sua convicção por forma a permitir o controlo da razoabilidade da decisão mediante a intervenção das mesmas regras da ciência, lógica e experiência, tudo tendente a dotá-la de força persuasiva e a convencer da bondade do acerto do decidido.” </font> </p><p><font>Tudo, porém, sem que deva exaurir, e deixar expostos, todos os incidentes, eventos processuais não anómalos, ou considerações sobre a “impressão” deixada por certa testemunha.</font> </p><p><b><font>2-Usucapião.</font></b> </p><p><font>Nesta parte, devida e correctamente apreciada no aresto recorrido, para cujos termos não nos repugna remeter (nº 5 do artigo713º CPC,&nbsp; na redacção aplicável) diremos apenas que não ficou demonstrado qualquer facto material que prove ter&nbsp; o Réu exercido actos de posse conducentes àquela forma originária de adquirir.</font> </p><p><font>Só por si o acto de registo é um acto jurídico, que não um acto material que consubstancie a posse por não preencher os requisitos dos artigos 1251ºe seguintes do Código Civil. </font> </p><p><font>&nbsp;Já quanto ao “terminus a quo” do respectivo prazo, deixámos acima dito ter havido suficiente. clara e correcta pronúncia.</font> </p><p><font>É que uma situação é a parte discordar do julgado e imputar-lhe erro, outra, bem diferente, é assacar-lhe vício gerador de invalidade.</font> </p><p><font>Este, notóriamente, não ocorreu e aquele não se vislumbra.</font> </p><p><font>&nbsp;A questão foi posta em sede de matéria de facto (alteração da resposta ao quesito 16.º) que a Relação definitivamente arrumou.</font> </p><p><b><font>3- Restituição do preço</font></b> </p><p><font>Como resulta do acervo conclusivo, o Réu refere que, tendo o CC falecido em 1993, e intervindo a Autora-mulher no processo, como sua herdeira (aliás, de acordo com documento constante dos autos) devem os Autores restituir o preço de acordo com o imposto pelo n.º 1 do artigo 289.º, do Código Civil.</font> </p><p><font>Consideremos, recordando. </font> </p><p><font>A acção foi intentada por AA e seu marido BB, pedindo a declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre CC – como vendedor – e o Réu – Município de Loures – como comprador – sob a alegação de se ter tratado de venda de coisa alheia já que o imóvel vendido era, também, pertença da Autora.</font> </p><p><font>O vendedor, que entretanto falecera, não foi parte na acção não tendo, em consequência, sido habilitados seus herdeiros para, em sua substituição, prosseguirem na lide.</font> </p><p><font>A Autora é filha do vendedor e intentou a acção apenas por si (e seu marido) não tendo demandado o vendedor mas, e apenas, o comprador.</font> </p><p><font>E embora se encontre nos autos uma certidão de habilitação de herdeiros, da qual consta como herdeira do vendedor sua viúva, esta não foi demandada, quer por si, quer como herdeira do CC que, insiste-se, nunca também fora demandado.</font> </p><p><font>Dispõe o n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil que “tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente.”</font> </p><p><font>É, pois, a invalidade a operar “ex tunc” e, segundo o Prof. Manuel de Andrade – apud “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 442 – tanto em relação às partes como em confronto de terceiros (“in rem” e não apenas “in personam”).</font> </p><p><font>E tendo o negócio sido cumprido a reposição é “in pristinum” para alcançar o “statu quo ante”, sendo de observar o disposto no artigo 290.º, que impõe a simultaneidade dos deveres recíprocos de restituição (cfr. os Profs. Rui de Alarcão, in “Invalidade dos Negócios Jurídicos” – BMJ 89-235 e 241, 242 e Vaz Serra (a propósito da similitude com a resolução do contrato) in BMJ – 68.</font> </p><p><font>As regras da inadimplência são aplicáveis a este princípio do cumprimento simultâneo.</font> </p><p><font>Mas tratando-se, “in casu”, de nulidade por venda de bens alheios, há que atentar no disposto no artigo 894.º do Código Civil que, “em certa medida”, afasta os princípios gerais do artigo 289º (cfr. Profs. Pires de Lima e A. Varela – “Código Civil Anotado”, II, 3.ª ed., 191).</font> </p><p><font>3.1 Duas questões podem pôr-se: se nos casos de invalidade em que, como aqui sucede, uma das partes a invoca e pede a restituição do que prestou, a reintegração no património do despendido pela parte contrária opera automaticamente ou é potestativa; e se, no caso de venda de coisa alheia em que o vendedor não está na lide de invalidade, terá o comprador direito a ali ser restituído.</font> </p><p><font>A esta segunda pergunta a resposta será, claramente, afirmativa.</font> </p><p><font>Só que, para lograr esse objectivo terá de provocar a intervenção principal como associado do demandante, nos termos dos artigos 325.º e seguintes da lei processual, não se tratando de intervenção acessória pois o vendedor sempre teria legitimidade para intervir como parte principal (n.º 1 do artigo 330.º do Código de Processo Civil).</font> </p><p><font>&nbsp;Mas não o tendo feito, não pode, nesta lide, obter a restituição do preço que pagou.</font> </p><p><font> De todo o modo, a questão da legitimidade dos Autores e de eventual preterição de litisconsórcio, foi definitivamente arrumada em despacho não impugnado e, portanto, com caso julgado formal.</font> </p><p><font>Fica, em consequência, prejudicada a análise das várias posições &nbsp;da doutrina onde os Profs. P. de Lima e A. Varela (ob. cit. II), Vaz Serra (RLJ 106.º - 26), Raul Ventura (ROA – 40-307), Menezes Leitão (“Direito das Obrigações”, III, 98) e o Dr. Carneiro da Frada (“Direito das Obrigações”, III, 52) surgem a defender que a nulidade só pode ser invocada pelos contraentes e Profs. Romano Martinez (ob.abaixo &nbsp;cit. 113) e Diogo Bartolo (ob. abaixo cit. IV – 401) insistindo, na linha do Prof. Galvão Telles – BMJ 83. 138) em poder ser invocada por qualquer interessado, tese adoptada pelo aresto ora sob escrutínio.</font> </p><p><font>3.2 Mas mesmo que assim não fosse entendido, sempre, e como acima se insinuou, teriam de conjugar-se as regras dos artigos 289.º, n.º 1 do Código Civil – norma geral para as situações de nulidade ou de anulabilidade do negócio jurídico – e 894.º do mesmo diploma – especifica para a nulidade da venda “a non domino” e reportada a situação em que o comprador procedeu de boa fé.</font> </p><p><font>Ou seja, e como ensinam os Profs. P. de Lima e A. Varela (ob. vol. cit, 192), “se o comprador tiver agido de má fé, isto é, com conhecimento de que a coisa era alheia, não pode, por argumento a contrário, pedir a restituição integral do preço.</font> </p><p><font>Apenas tem o direito de pedir, com base nos artigos 473.º e seguintes, aquilo com que o vendedor se locupletou.”</font> </p><p><font>Permitimo-nos discordar desta última conclusão, sabido que a restituição resultante da invalidade do negócio não se aplicam as regras do enriquecimento “uma vez que não se dá então uma atribuição patrimonial sem causa, mas sim uma nulidade ou anulabilidade, com as quais os efeitos do negócio se não produzem ou podem não se produzir” (Prof. Vaz Serra, in “Enriquecimento sem causa”, nota 34, BMJ 81).</font> </p><p><font>O que sucede é que a nulidade resultante da compra e venda de bens alheios integra uma invalidade atípica (ou nulidade mista). Isto porque, e por um lado, o vendedor não pode opor a invalidade ao comprador de boa fé (artigo 892.º do Código Civil) o que representa uma limitação ao regime regra do citado artigo 286.º (tal como o comprador de má fé não pode opô-lo ao vendedor de boa fé); de outra banda é sanável “ex vi” do artigo 895.º do Código Civil.</font> </p><p><font>E tal explica o regime de excepção daquele artigo 894.º, sendo sempre potestativa a restituição integral do preço que tem como pressuposto a alegação, e a prova, da boa fé do comprador.</font> </p><p><font>Boa fé que, aqui, é tomada no sentido psicológico (cf. Prof. Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações” (Parte Especial) – Contratos, 2.ª ed., 115, nota 3; cf., ainda, sobre o instituto, Dr. Nuno Oliveira – Contrato de Compra e Venda – Noções Fundamentais, 2007, e Dr. Diogo Bartolo, “Venda de bens alheios” in Estudos em Homenagem ao Prof. Galvão Telles).</font> </p><p><font>Ora, da matéria de facto provada, resultou que o representante do Réu que outorgou a escritura (o Presidente da Câmara Municipal de Loures) sabia que o prédio não era só do vendedor, mas também pertença da sua filha o que, em principio, afastaria a sua boa fé em sentido ético (cf., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Junho de 2008 – 08 A1736).</font> </p><p><font>&nbsp;Só que tal questão, não será de exaurir nesta lide pois a Ré não formulou o pedido de restituição de preço, e essa restituição é, como se disse, potestativa e não automática. no caso concreto.</font> </p><p><b><font>4 – Inconstitucionalidade</font></b> </p><p><font>Finalmente, o recorrente refere que a interpretação que o acórdão recorrido faz das “disposições legais que regulam a usucapião designadamente, o artigo 1294.º do Código Civil” é inconstitucional por violação do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa.</font> </p><p><font>Este preceito garante o direito à propriedade privada.</font> </p><p><font>Ora, não se alcança, nem o recorrente o explica no corpo da sua alegação, em que medida o artigo 1294.º do Código Civil, norma aplicada pelas instâncias, tal como os artigos 1287.º e 1268.º contendem com aquele artigo 62.º da lei fundamental.</font> </p><p><font>Não serão necessárias mais considerações para concluir pela não razão deste segmento recursório.</font> </p><p><b><font>5-Conclusões.</font></b> </p><p><font>Pode concluir-se que:</font> </p><p><font>a) Há omissão de pronúncia, com vício de limite previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, quando o Tribunal incumpre, quanto aos seus poderes (e deveres) de cognição, o disposto no n.º 2 do artigo 660.º do mesmo diploma.</font> </p><p><font>b) São de desconsiderar no recurso as questões suscitadas pela primeira vez na alegação e que não tenham sido submetidas ao juízo “a quo” por o Tribunal “ad quem” ter de se limitar a reapreciar e escrutinar o já julgado.</font> </p><p><font>c) Na fundamentação da sua convicção quanto aos factos, sujeitos à regra da livre apreciação, o julgador deve limitar-se a indicar os elementos que permitam convencer da bondade da sua razão de ciência, não tendo de exaurir, e deixar expostos, todos os eventos processuais não anómalos, nem tecer considerações sobre a “impressão” que lhe causou o depoimento de uma testemunha contraditada.</font> </p><p><font>d) Mas a única consequência de eventual omissão nessa área, seria a Relação, a requerimento da parte, determinar que a 1.ª Instância e se tal fosse possível, melhor fundamentasse, tudo nos termos do n.º 5 do artigo 712.º do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>e) A regra do n.º 1 do artigo 289.º do Código de Processo Civil, que impõe o efeito “ex tunc” da declaração de nulidade ou da anulação do negócio com restituição de tudo o que tiver sido prestado é inaplicável, tal qual, quando a nulidade ocorre por venda de coisa alheia.</font> </p><p><font>f) Então, vale o artigo 894.º do Código Civil que, nesta nulidade atípica (ou mista), exige a demonstração de boa fé do comprador para lograr a reposição “in pristinum”, a qual é, por consequência, potestativa.</font> </p><p><font>g) A boa fé é tomada em sentido psicológico ou ético.</font> </p><p><font>h) Se o bem vendido pertence a duas pessoas, só um o tendo alienado e acção foi proposta pelo outro comproprietário, apenas contra o comprador, este para pedir a restituição do preço, teria de provocar a intervenção principal do vendedor como associado à demandante.</font> </p><p><font> Nos termos expostos, acordam negar a revista.</font> </p><p><font>Custas pelo recorrente.</font> </p><p><font>Supremo Tribunal de Justiça, 14 de Setembro de 2010 </font> </p><p><font>Sebastião Póvoas (Relator)</font> </p><p><font>Moreira Alves</font> </p></font><p><font><font>Alves Velho</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br> <br> <font>I-</font><b><font> Relatório </font></b><br> <br> <b><font>AA</font></b><font> e marido </font><b><font>BB</font></b><font>, instauraram acção de reivindicação, com processo ordinário, </font><br> <b><i><u><font>contra </font></u></i></b><br> <b><font>1) CC</font></b><font> e esposa </font><b><font>DD</font></b><br> <font> e </font><br> <b><font>EE,</font></b><br> <b><i><u><font> pedindo: </font></u></i></b><br> <br> <font>a) a condenação dos RR., a reconhecerem a propriedade dos AA., sobre 1/3 dos prédios urbanos artigos 112, 430 e </font><b><font>366</font></b><font> e rústicos artigos 1044, 1057 e 1058 e sobre </font><b><font>1/6 do prédio rústico artigo 1286</font></b><font> ; </font><br> <font>b) a condenação dos RR., a entregar aos AA., as ditas fracções dos mesmos prédios ; </font><br> <font>c) a anulação de todas e quaisquer escrituras outorgadas entre os RR., e o cancelamento de todos os registos requeridos pelos mesmos referentes aos mencionados prédios . </font><br> <br> <font>Para o efeito, alegaram, em síntese, que a A. e um terceiro chamado FF são netos, enquanto os RR. CC e EE são bisnetos, de GG e de HH; </font><br> <font>Por morte de GG foram arrolados no seu inventário uma casa de habitação, uma terra de lavradio nas Barreiras, um olival na Adémia, uma terra de semeadura no Barreiro e um pinhal e mato no Galião; </font><br> <font>Esses bens foram partilhados pela viúva e pelas três filhas do casal, sendo que os bens da mãe da A foram herdados por esta através de inventário orfanológico; </font><br> <font>Porém, houve sonegação de bens no inventário por morte de GG: os artigos urbanos 112, 430 e </font><b><font>366</font></b><font> e os artigos rústicos 1044.º,1057 e 1058 e metade do 1286.º; </font><br> <font>E assim não chegou ao património da A. a parte da herança sonegada e que ora reclama relativamente a tais bens.</font><br> <br> <font>Regularmente citados, contestaram os RR., excepcionando a sua ilegitimidade, por estarem desacompanhados de FF, quando os AA., pedem a restituição de prédios também na posse deste. </font><br> <font>Mais invocaram a ineptidão da petição inicial, por existir falta de causa de pedir, por incompatibilidade entre um dos pedidos formulados e a causa de pedir e por existir contradição entre outro pedido e a causa de pedir. </font><br> <font>Em reconvenção, pediram: </font><br> <font>a) a declaração de que os RR. CC e esposa (II) são os legítimos e exclusivos donos e possuidores dos artigos prediais urbanos 112, </font><b><font>366</font></b><font> e 430, dos artigos prediais rústicos 1057 e 1058 e de </font><b><font>1/6 do artigo predial rústico 1286</font></b><font>, devendo os AA., ser condenados a tal reconhecer; </font><br> <font>b) a declaração de que a R. EE é legítima e exclusiva dona e possuidora, na proporção de </font><b><font>1/6, do artigo predial rústico 1286</font></b><font>, devendo os AA., ser condenados a tal reconhecer. </font><br> <font>Para tanto, invocaram a aquisição derivada de tais prédios, aliada à presunção derivada do registo relativamente a quatro deles (um dos quais o 366), e a aquisição originária através de usucapião. </font><br> <br> <font>Replicaram os AA., defendendo a legitimidade dos RR., mas requerendo a </font><b><font>intervenção provocada de FF</font></b><font>, pedindo a condenação deste</font><br> <font>- a entregar aos AA., 1/3 dos artigos prediais rústicos 1044, 864 e 3344 e </font><b><font>1/6 do artigo 1286 </font></b><font>(ou, em substituição, o equivalente em propriedades completas, ou, em substituição, o correspondente valor pecuniário) ou, quando assim se não entenda, o direito e acção sobre esses bens. </font><br> <font>Mais pugnaram pela improcedência da excepção de ineptidão da petição inicial e da reconvenção. </font><br> <font>Por último, deduziram um pedido subsidiário ao formulado em primeiro lugar na petição inicial: </font><br> <font>- o de condenação dos RR., a reconhecer o direito e acção dos AA., sobre a parte dos bens em questão ou o direito e acção sobre eles; </font><br> <font>- e pediram a condenação dos RR., em multa e indemnização, como litigantes de má fé. </font><br> <br> <font>Os RR., treplicaram, pugnando pelo indeferimento da alteração do pedido. </font><br> <br> <b><font>Foi admitido a intervir nos autos FF</font></b><font>, o qual, citado, alegou que os artigos matriciais 864 e 3344 foram adquiridos por compra e não herdados; que o artigo matricial 1044 nunca pertenceu às heranças adquiridas pelos AA; e que relativamente ao artigo matricial </font><b><font>1286</font></b><font>, a própria A., por escritura de 20 de Novembro de 1950, vendeu «quanto lhe pertence do prédio…». </font><br> <font>Invocou ainda a usucapião relativamente a todos os mencionados prédios. </font><br> <br> <font>Foi admitida a ampliação do pedido dos AA. (englobando o pedido subsidiário de lhes ser pago o valo equivalente ou reconhecido o direito e acção sobre os bens em causa), e proferido despacho saneador, que julgou improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial. </font><br> <font>Realizou-se audiência de discussão e julgamento. </font><br> <font>Foi proferida sentença nos seguintes termos: </font><br> <i><font>“Por todo o exposto, julgo totalmente improcedente a presente acção, pelo que, absolvo os RR. CC e mulher DD, e EE e o interveniente FF dos pedidos contra eles deduzidos pelos AA. </font></i><br> <i><font>Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional, pelo que, no mais os absolvendo, condeno os AA. AA e marido BB a reconhecer que os RR. CC e mulher DD são legítimos e exclusivos donos dos artigos prediais urbanos 112 e 430 e dos artigos prediais rústicos 1057 e 1058 da freguesia de Granja do Ulmeiro.”</font></i><br> <br> <font>AA. e RR. interpuseram recursos.</font><br> <font>A Relação veio no entanto a julgar totalmente improcedentes ambos os recursos, pelo que ficou confirmada a Sentença recorrida. </font><br> <br> <font> Inconformados os RR. quanto à parte cujo pedido havia decaído ( 366 urbano e 1/6 do 1286 rústico da freguesia de Granja do Ulmeiro quanto aos RR. CCe mulher II), e outro 1/6 do prédio rústico 1286 quanto à Ré-Reconvinte EE) pedem agora Revista.</font><br> <font>Apresentaram alegações.</font><br> <font>Os AA. contra-alegaram</font><br> <br> <font> …………………..</font><br> <br> <b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br> <br> <font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, vamos transcrever as conclusões alegacionais apresentadas pelos RR., no pedido de Revista que nos é dirigido, tendo em conta que é por elas que se delimitam as questões a apreciar.</font><br> <font>Foram elas as seguintes:</font><br> <br> <i><font>“1.ª Na presente acção os RR./Reconvintes CC e mulher deduziram reconvenção tendo nela formulado o pedido de que sejam declarados e reconhecidos os legítimos e exclusivos donos e possuidores, entre outros, do prédio urbano inscrito na respectiva matriz da freguesia de Granja de Ulmeiro sob o n.º 366 e de uma sexta parte (1/6) do prédio rústico inscrito na respectiva matriz da mesma freguesia sob o artigo 1286. </font></i><br> <i><font>2.ª Por seu lado, a Ré /Reconvinte EE pede, na mesma reconvenção, que seja declarada e reconhecida a legítima e exclusiva dona e possuidora de uma sexta-parte (1/6) do prédio rústico referido na conclusão anterior. </font></i><br> <i><font>3.ª O presente recurso vem interposto do acórdão da Relação de Coimbra que julgou totalmente improcedente o recurso dos RR/Reconvintes interposto da decisão proferida em primeira instância, confirmando-a também quanto a estes prédios, mantendo, desta forma, a absolvição dos AA./Reconvindos quanto aos pedidos referidos nas duas anteriores conclusões. </font></i><br> <i><font>4.ª O acórdão recorrido, quanto ao artigo urbano 366, baseou-se exclusivamente no ponto 36 dos factos provados, ou seja, na sentença transitada em julgado proferida em acção de impugnação judicial de justificação notarial (acção 128/01 do Tribunal da Comarca de Soure), proposta pelos ora AA. contra os ora RR. CC e mulher, na qual foi declarada a inexistência do direito de propriedade invocado pelos RR. relativamente a tal imóvel, tendo ocorrido caso julgado face ao disposto no art.º 671.°, n.º 1 do C.P.C .. </font></i><br> <i><font>5.ª Tratava-se, no caso daquela acção, de uma acção de simples apreciação negativa que não impede a propositura de acção de declaração positiva, passando o autor formal a ser réu material e o réu formal a ser autor material. </font></i><br> <i><font>6.ª Essa acção de declaração positiva mais não é do que a reconvenção deduzida nos presentes autos, conforme o disposto no art.º 274.° do C.P.C.. </font></i><br> <i><font>7.ª Na reconvenção os RR/Reconvintes alegaram e provaram os actos ou factos e requisitos da posse, os seus elementos (corpus e animus), conforme resulta dos pontos 19/3.° parágrafo, 22, 23, 28, 29 e 32 dos factos provados, tendo também provado o carácter pacífico da posse, nos termos alegados quanto ao artigo rústico 1286, pelo que, a decisão sobre a propriedade do artigo urbano 366 devia ter sido também no sentido da procedência, designadamente nos termos dos art.s 1251.° e 1287.° do Cód. Civil. </font></i><br> <i><font>8.ª O acórdão em recurso violou, quanto ao artigo urbano 366, designadamente, o disposto nos art.s 1251.°, 1263.º/al. a), 1287.° e 342.°/1 e 2, todos do Cód. Civil e os art.s 274.°; 497.°; 498.° e 671.°/1, do C.P.C.. </font></i><br> <i><font>9.ª Em relação ao artigo predial rústico 1286, refere o acórdão recorrido que os recorrentes não lograram provar o quesito 19.°, ou seja, que a posse sobre este imóvel foi obtida de forma pacífica, uma vez que não alegaram nem provaram que tenham usado de coacção ou outra violência, como era seu dever, nos termos do n.º 1 do art.º 342.° do C. Civil. </font></i><br> <i><font>10.ª A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2 do art.º 342.° do C.C.). </font></i><br> <i><font>11.ª Tratando-se, no caso da coacção ou outra violência, de actos ou factos impeditivos da aquisição de qualquer direito real definitivo, designadamente por usucapião, como é o caso presente, a alegação e prova desses actos ou factos compete àquele contra quem foi invocado o direito, ou seja, neste caso, aos AA./Reconvindos. </font></i><br> <i><font>12.ª Ora, não tendo os AA./Reconvindos alegado esses factos, como lhes competia, e, portanto, não constando provado que os RR./Reconvintes tenham usado de qualquer coacção ou outra forma de violência, ter-se-á de concluir que a sua posse, quanto a ambos os imóveis em apreço, foi adquirida de forma pacífica, pelo que, quanto a ambos, se encontra verificado também o animus da posse. </font></i><br> <i><font>13.ª Assim sendo, como nos parece, a decisão sobre a compropriedade dos recorrentes na proporção de duas sextas partes (2/6) do artigo rústico 1286, também devia ter sido no sentido procedência, nos termos do disposto nos artigos referidos na 7.ª conclusão. </font></i><br> <i><font>14.ª Quanto ao artigo rústico 1286 o acórdão recorrido violou, designadamente, o disposto nos art.s 1261.°, 341.°/1 e 2; 1251.° e 1287.°, todos do Cód. Civil. </font></i><br> <i><font>Termos em que, deve ser revogado o acórdão recorrido e consequentemente, a decisão proferida em primeira instância, por acórdão que acolha as conclusões tecidas, concedendo-se a revista, como é de JUSTIÇA!”</font></i><br> <br> <font> …………………….</font><br> <br> <font>Da leitura destas conclusões vemos que </font><b><i><u><font>as questões</font></u></i></b><font> suscitadas são as seguintes:</font><br> <br> <font>a) existência ou não de caso julgado quanto ao pedido ora formulado pelos RR. no tocante ao prédio sob o art. matricial n.º 366.º</font><br> <font>b) ónus de alegação e prova da existência de posse pacífica para efeitos de aquisição de propriedade por usucapião</font><br> <br> <font>…………………..</font><br> <br> <b><font>III. Fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>III.-A) Os factos</font></b><br> <br> <font>Foram considerados fixados na Relação como estando provados os factos seguintes (1)</font><font>:</font><br> <br> <i><font>“1. A A. é filha de MM, que faleceu em 9/10/45 (cfr. documento de fls. 655 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido). (A)</font></i><br> <i><font>2. Os RR. CC e EE são filhos de PP, por sua vez filha de BB. (B)</font></i><br> <i><font>3. O R. FF é filho de HH.(C) </font></i><br> <i><font>4. Por seu turno, LL, BB, já falecidas e que foram residentes em Granja do Ulmeiro, desta comarca, eram irmãs entre si, filhas de GG e de HH, também conhecida por MM, ambos já falecidos (ela em 1/2/47 – cfr. documento de fls. 656 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido) e que foram igualmente moradores em Granja do Ulmeiro.(D) </font></i><br> <i><font>5. HH, também conhecida como MM, era filha de QQ (falecido em 15/4/1881 – cfr. documento de fls. 651 e 652 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido) e RR (falecida em 26/6/1895 – cfr. documento de fls. 653 e 654 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido), e neta, pela via paterna, de SS. (E)</font></i><br> <i><font>6. Encontram-se juntas aos autos, a fls. 635 e ss, fotocópias certificadas, emitidas pelo arquivo da Universidade de Coimbra, referentes ao processo de inventário de menores, em que foi inventariado SS, referente ao ano de 1863, ali se podendo ler que foram relacionadas 48 verbas, incluindo móveis, 35 imóveis e bens semoventes, incluindo estes últimos juntas de bois, quatro éguas e uma burra. (F)</font></i><br> <i><font>7. Resulta igualmente dessas fotocópias que nesses autos foi proferida sentença homologatória de partilha, adjudicando aos cinco filhos do aludido SS os respectivos bens agrupados por «montes», sendo que QQ (bisavô da A. e do R. FF e trisavô dos RR. CC e EE) foram adjudicados os bens designados por «monte A» -melhor descritos a fls. 636 e ss, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais – e a TT os bens que integravam o «monte C» (dando-se igualmente por inteiramente reproduzido o vertido a fls. 636 e ss) .(G) </font></i><br> <i><font>8. Encontram-se juntas aos autos, a fls. 49 e ss, fotocópias de certidão emitida pelo arquivo da Universidade de Coimbra, de testamento mediante o qual este TT declarou constituir seu único e universal herdeiro o dito QQ.(I) </font></i><br> <i><font>9. Por morte de GG, ocorrida em 30/10/1911, correu seus termos neste Tribunal de Soure, o inventário nº 121/1911. Nesses autos foram relacionados os seguintes bens: </font></i><br> <i><font>nº 1 – Uma casa de habitação com curral e logradouros, com as seguintes confrontações : Norte – herdeiros de UU; Sul – JJ e outros; Nascente – VV; Poente – rua pública. </font></i><br> <i><font>nº 2 – Terra lavradia no sítios das Barreiras, com as seguintes confrontações : Norte – estrada pública; Sul – herdeiros de XX; Nascente – ZZ; Poente – Dr. AAA. </font></i><br> <i><font>nº 3 – Olival no sítio da Adémia, com as seguintes confrontações : Norte – herdeiros de BBB; Sul – CC e outros; Nascente – herdeiros de DDD; Poente – EEE. </font></i><br> <i><font>nº 4 – Terra de semeadura sita no Barreiro, com as seguintes confrontações : Norte – FFF; Sul – herdeiros de GGG; Nascente – HHH; Poente – Dr. AAA. </font></i><br> <i><font>nº 5 – Sorte de pinhal e mato no Galião, freguesia de Alfarelos, com as seguintes confrontações : Norte – III; Sul – FD. JJJ e outros; Nascente – herdeiros de GGG; Poente – LLL. (cfr. documento de fls. 660 a 679 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido).(J) </font></i><br> <i><font>10. Os bens descritos no ponto anterior foram adjudicados do seguinte modo: </font></i><br> <i><font>-à viúva e cabeça de casal : metade do nº 3, metade do nº 4 e o nº 5; </font></i><br> <i><font>-à filha DD : 1/3 do nº 1, 1/3 do nº 2, 1/6 do nº 3 e 1/6 do nº 4; </font></i><br> <i><font>-à filha BB : 1/3 do nº 1, 1/3 do nº 2, 1/6 do nº 3 e 1/6 do nº 4; </font></i><br> <i><font>-à filha HH : 1/3 do nº 1, 1/3 do nº 2, 1/6 do nº 3 e 1/6 do nº 4. </font></i><br> <i><font>11. Foram adjudicados à A., nos autos de inventário orfanológico, nº 77/1945, a que se procedeu por óbito de LL, os bens que a esta couberam no inventário nº 121/1911, referidos no ponto anterior (cfr. documento de fls. 680 a 684 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido). </font></i><br> <i><font>12. Por escritura de 16 de Janeiro de 1947, MM declarou vender o prédio denominado «mata do Galeão», à data artigo 5354 rústico da freguesia de Alfarelos, ora artigos 3344 e 864, a MMM, pelo preço de 3.000$00 e este declarou comprar tal terreno. (L)</font></i><br> <i><font>13. Em 26 de Março de 1947, mediante escritura pública, JJ e OO, pai do R. FF, compraram, respectivamente na proporção de 1/7 e 6/7 esse mesmo prédio denominado «mata do Galeão», inscrito à data na matriz predial rústica da freguesia de Alfarelos sob o artigo 5354, ora artigos 3344 e 864, a MMM por 2.500$00.(M)) </font></i><br> <i><font>14. A A. vendeu 1/6 do prédio denominado «terra do Barreiro», inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo </font></i><b><i><font>1286</font></i></b><i><font>, freguesia de Granja do Ulmeiro, a NNN, por escritura de 20 de Novembro de 1950, na qual se pode ler que a A. declarou vender «(…) quanto lhe pertence do prédio (…)» e que «(…) os restantes cinco sextos do prédio pertencem a OO e mulher, EE e CC (…)» .(N) </font></i><br> <i><font>15. Encontra-se junta aos autos fotocópia de escritura pública através da qual OO, por si e na qualidade de tutor da A. AA, declarou comprar a NN 1/6 do prédio referido no ponto 9, nº 3.(O) </font></i><br> <i><font>16. A A. instaurou os autos de inventário nº 82/79, que correram os seus termos neste Tribunal </font></i><font>(Soure</font><i><font>), em que foi inventariada MM, nos quais na sequência de ter sido declarado pelos mandatários das partes estarem de acordo em relegar para os meios comuns o litígio daqueles autos, foi proferido despacho que determinou a remessa das partes para os meios comuns (cfr. documento de fls. 657 a 659 cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido). (P)</font></i><br> <i><font>17. Mediante escritura pública, os RR. CC e mulher compraram uma pequena casa a XX e mulher, sita em Barreiro e com o artigo matricial 113.(Q) </font></i><br> <i><font>18. A A. tem um terreno de pinhal que há alguns anos adquiriu a OOO, por permuta de uma parcela de terreno sita na Adémia da Granja, com o artigo matricial 1289, negócio esse que se realizou mediante escritura pública. (R)</font></i><br> <i><font>19. Os RR. CC e mulher detêm os seguintes prédios, sitos na freguesia de Granja do Ulmeiro, concelho de Soure: </font></i><br> <i><font>-prédio urbano composto por casa de habitação e logradouro, com a área total de 204 m2, que confronta a Norte com inquilinos, Sul com serventia de inquilinos, e Nascente e Poente com herdeiros de JJ, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 112 e cuja aquisição a favor destes RR. se encontra inscrita no registo, estando o prédio ali descrito na ficha 00976/170500; </font></i><br> <i><font>-prédio urbano composto por casa de habitação, com a área total de 49 m2, que confronta a Norte com PPP e outro, Sul, Nascente e Poente com os RR. CC e mulher, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo </font></i><b><i><font>366</font></i></b><i><font>; </font></i><br> <i><font>-casa de arrumações, com a área de 35 m2, que confronta a Norte e Poente com herdeiros de JJ, Sul com QQQ, e Nascente com os RR. CC e mulher, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 430 e cuja aquisição a favor destes RR., se encontra inscrita no registo, estando o prédio ali descrito na ficha 01025/141100; </font></i><br> <i><font>-prédio rústico composto por pinhal e mato, sito no lugar da Charneca, com a área de 6.000 m2, que confronta a Norte e Sul com RRR, Nascente com Viscondessa de Maiorca e Poente com caminho de inquilinos, inscrito na matriz predial rústica sob os artigos 1057, 1058 e 1286 e cuja aquisição a favor destes RR., se encontra inscrita no registo, estando o prédio ali descrito na ficha 01026/141100 ; </font></i><br> <i><font>-1/6, de uma terra de semeadura com videiras, sita no lugar de Barreiro, com a área total de 3.205 m2, que confronta a Norte com FFF, Sul com herdeiros de NNN, Nascente com herdeiros de SSS e Poente com herdeiros de TTT, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo </font></i><b><i><font>1286</font></i></b><i><font>.(S) </font></i><br> <i><font>20. E a R. EE detém 1/6 do aludido prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo </font></i><b><i><font>1286</font></i></b><i><font>.(T) </font></i><br> <i><font>21. Mediante escritura pública de partilha por óbito de JJ, declararam os RR. CC, EE e FF e ainda UUU, esta última na qualidade de cônjuge sobrevivo de JJ, que havia sido casado em primeiras núpcias com VVV, que por tal escritura «autenticavam a partilha que fizeram dos bens do casal», sendo que ao R. CC coube metade dos prédios inscritos na matriz sob o artigo 112 e 430, referidos no ponto 17, e a restante metade desses prédios coube à R. EE. (U)</font></i><br> <i><font>22. Nos autos de inventário orfanológico que correram termos neste Tribunal </font></i><font>(Soure)</font><i><font> sob o nº 67/1947, a que se procedeu por óbito de PP e VVV, ao R. CC foi adjudicado o quinhão composto, além do mais, por metade indivisa dos prédios inscritos na matriz sob os artigos </font></i><b><i><font>366</font></i></b><i><font>, 430, 1057 e 1058 </font></i><b><i><font>e 1/6 do prédio inscrito na matriz sob o artigo 160 (ora artigo 1286),</font></i></b><i><font> melhor descritos no ponto 19, e a restante metade desses mesmos imóveis e 1/6 do ora artigo </font></i><b><i><font>1286</font></i></b><i><font> foi adjudicado à R. EE. (V)</font></i><br> <i><font>23. Mediante escritura pública, a R. EE declarou ceder em permuta a metade indivisa dos prédios referidos nos pontos 21 e 22.(X) </font></i><br> <i><font>24. Mediante a escritura pública referida no ponto 21, a UUU coube o usufruto dos imóveis inscritos na respectiva matriz sob os artigos 112 e 430, melhor identificados no ponto 19. (Z)</font></i><br> <i><font>25. UUU faleceu em 27/7/87, no estado de viúva de JJ (avô dos RR). (AA)</font></i><br> <i><font>26. No prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 112, referido no ponto 19, viveram os avós dos RR. CC e EE, bem como UUU, até ao seu decesso, ali comendo, dormindo e guardando os seus haveres pessoais, e os RR. CC e mulher continuam a usá-lo para guardar os seus pertences.(BB) </font></i><br> <i><font>27. E no prédio inscrito na matriz sob o artigo 430, os mesmos guardaram haveres seus, produtos e alfaias agrícolas, dando-lhe a utilização de casa de arrumações. (CC)</font></i><br> <i><font>28. Utilizaram o forno do prédio inscrito na matriz sob o artigo </font></i><b><i><font>366</font></i></b><i><font>, e aí guardaram produtos agrícolas, e nele viveu com o seu consentimento uma senhora de nome XXX. (DD)</font></i><br> <i><font>29. Como os prédios urbanos referidos no ponto 19 (nos quais se inclui o </font></i><b><i><font>366</font></i></b><i><font>), à excepção do inscrito na matriz sob o artigo 112, deixaram de ser usados, entraram em ruína, e os RR. CC e mulher, desde há anos, têm vindo a vigiar o local.(EE) </font></i><br> <i><font>30. Quanto ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo </font></i><b><i><font>1286,</font></i></b><i><font> mencionado no ponto 19, tem vindo a ser cultivado pelos RR., segundo as suas proporções, com produtos agrícolas. (FF)</font></i><br> <i><font>31. E nos prédios inscritos na matriz sob os artigos 1057 e 1058, têm vindo a cortar e vender eucaliptos. (GG)</font></i><br> <i><font>32. Os RR., vêm igualmente vigiando todos os prédios mencionados no ponto 19 </font></i><font>(</font><b><font>onde se incluem o 366 e o 1286</font></b><font>),</font><i><font> o que vêm fazendo à vista e toda a gente, desde há mais de 20 anos e sem qualquer hiato. (HH)</font></i><br> <i><font>33. Os ora AA., intentaram a acção sumária nº 94/79, que correu os seus termos neste Tribunal, contra OO, MMM e os ora RR. CC e FF, na qual peticionaram que fosse declarada a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados por escrituras públicas de 16/1/47 e 26/3/47, bem como o cancelamento dos respectivos registos e partilhas efectuadas. (JJ)</font></i><br> <i><font>34. Os AA., intentaram neste Tribunal a acção de processo especial nº 121-A/1911, de divisão de coisa comum, contra os RR. FF, CC, EE e DD, a qual foi contestada pelos RR. CC e DD que concluíram nos seguintes termos: </font></i><font>“Em relação aos prédios inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Granja do Ulmeiro sob os artigos 998, 999 e 1000, declarar-se os AA., os RR. CC e esposa DD e o R. FF proprietários, cada um, do prédio autónomo sobre o qual tem exercido todos os actos materiais de posse, sendo os RR. CC e esposa DD, proprietários do inscrito sob o artigo 1.000. Em relação aos prédios inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Granja do Ulmeiro sob os artigos 61, 62 e 499, em conformidade com o disposto no artigo 1053 do C.P.C., seguindo-se os ulteriores termos até final».(LL)</font><i><font> </font></i><br> <i><font>35. Os ora AA., intentaram igualmente neste Tribunal </font></i><font>(Soure)</font><i><font> a acção de processo especial nº 105-B/99, impugnação judicial de acto notarial, contra os ora RR. CC e DD, mediante a qual impugnaram a escritura pública de justificação notarial lavrada por aqueles RR., em 6/3/2001, que teve por objecto os prédios inscritos na matriz sob os artigos 111, </font></i><b><i><font>366</font></i></b><i><font> e 113, opondo-se os AA., à data, no que respeita ao artigo </font></i><b><i><font>366</font></i></b><i><font>, uma vez que alegavam que era falso o que os RR. fizeram constar de tal escritura no que respeita a esse imóvel, isto é, que esse prédio tinha chegado à sua posse por partilha verbal, feita por volta de 1966 e 1967, com os restantes herdeiros, por óbito de PP e VVV.(MM) </font></i><br> <i><font>36. </font></i><font>Propuseram ainda, neste Tribunal (Soure), a acção de processo especial nº 128/2001, impugnação judicial de acto notarial, contra os ora RR. CC e DD, sendo que nesses autos foi proferida </font><u><font>sentença, já transitada em julgado, que julgou a acção procedente, por provada, e declarou a inexistência do direito de propriedade invocado pelos RR., na escritura de justificação notarial lavrada em 6/3/2001, relativamente aos prédios inscritos na matriz sob os artigos 111, </font></u><b><u><font>366</font></u></b><u><font> e 113, ordenando, concomitantemente, o cancelamento dos registos feitos com base na aludida escritura. (NN)</font></u><br> <i><font>37. Desde a data da outorga da escritura pública referida no ponto 13 (26/3/47), esse OO, e depois dele o R. FF, passaram a explorar esse prédio, demarcando-o da parte de JJ na respectiva proporção, cultivando-o e fazendo seus os proveitos e perdas resultantes da exploração agrícola e silvícola.(OO) </font></i><br> <i><font>38. E, pelo menos, desde 1932 que aquele OO e, depois dele o R. FF, vêm explorando de igual modo o prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 1044. (PP)</font></i><br> <i><font>39. OO e, depois dele o R. FF, desde há mais de 50 anos e até aos nossos dias vêm explorando igualmente o prédio inscrito na matriz sob o artigo </font></i><b><i><font>1286 º</font></i></b><i><font>(QQ</font></i><b><i><font>) </font></i></b><i><font>, o que fazem de forma pacífica, sem hiatos, à vista de toda a gente. (RR)</font></i><br> <i><font>40. Encontra-se inscrito no registo a favor do R. FF 2/3 do imóvel correspondente ao artigo matricial </font></i><b><i><font>1286</font></i></b><i><font>, por herança de ZZZ e OO, prédio esse descrito na Conservatória do Registo Predial de Soure sob a ficha 00901/240599. (SS)</font></i><br> <i><font>41. Anteriormente ao casamento da filha VVV -avó dos RR-seus pais, GG e HH, prepararam-lhe para habitação uma casa, a qual aquela passou a habitar após o seu casamento com JJ. (1.º)</font></i><br> <i><font>42. A A. AA ocupou metade de uma casa, onde viveram sua avó e sua mãe.(2.º) </font></i><br> <i><font>43. O interveniente FF, que reside na Mealhada, quando se desloca a Granja do Ulmeiro, ocupa a outra metade dessa casa, onde viveram seus pais, ZZZ e OO.(3.º) </font></i><br> <i><font>44. O prédio identificado no ponto 9, nº 1 corresponde à casa referida nos pontos 42 e 43. (4.º)</font></i><br> <i><font>45. A A. não frequentou a escola, é analfabeta e desde tenra idade passou a trabalhar no cultivo do arroz, nos campos do Mondego. (9.º)</font></i><br> <i><font>46. Não foi feito inventário por morte da avó da A. (12.º) </font></i><br> <i><font>48. A A. apenas tem como terreno de pinhal o referido no ponto 18.” (17.º) </font></i><br> <br> <font> ………………………</font><br> <br> <b><font>III-B) Análise do recurso</font></b><br> <br> <b><font>III-B)-a) Da existência ou não de caso julgado quanto ao pedido ora formulado pelos RR. no tocante ao prédio sob o art. matricial n.º 366.º</font></b><br> <br> <font>No Tribunal de Soure, haviam intentado os AA. contra os ora RR. CC e DD a acção especial nº 128/2001, de impugnação judicial de escritura notarial</font><u><font> lavrada em 6/3/2001</font></u><font>, em cuja escritura os RR. se arrogavam como únicos titulares dos prédios inscritos na matriz, entre os quais o </font><b><font>366</font></b><font> urbano, da freguesia de Granja do Ulmeiro, por os haver adquirido por sucessão hereditária.</font><br> <font>A referida acção foi contestada.</font><br> <font>A final foi proferida </font><u><font>sentença, já transitada em julgado, que julgou a acção procedente, por provada, e declarou a inexistência do direito de propriedade invocado pelos RR., na referida escritura de justificação notarial, relativamente ao prédio aqui em causa, ordenando, concomitantemente, o cancelamento dos registos feitos com base na aludida escritura. (NN).</font></u><br> <br> <font>Vieram agora os AA., na presente acção, pedir a condenação dos RR., a reconhecer, designadamente:</font><br> <font>a) a propriedade deles AA., sobre 1/3 do prédio urbano </font><b><font>366</font></b><font>,</font><br> <font>b) a condenação dos RR., a entregar-lhes a dita fracção, </font><br> <font>c) o cancelamento de todos os registos requeridos pelos mesmos referentes aos mencionado prédio.</font><br> <font>d) subsidiariamente, o de condenação dos RR., a reconhecer o direito e acção dos AA., sobre a parte dos bens sonegados (entre os quais o do art. 366.º urbano) ou a quota parte do direito e acção sobre eles; </font><br> <font>e) - e a condenação dos RR., em multa e indemnização, como litigantes de má fé. </font><br> <br> <font>A estas pretensões dos AA. opõem-se os RR. contra-atacando com pedido reconvencional, em que pretendem precisamente o efeito oposto, ou seja, </font><br> <font>a) a declaração de que são eles os legítimos e exclusivos donos e possuidores, entre outros, do artigo predial urbano </font><b><font>366;</font></b><br> <font>b) devendo os AA., ser condenados a tal reconhecer; </font><br> <br> <b><font>A questão que se colocava era a de saber se poderiam agora os RR., em sede reconvencional, virem (re)discutir a titularidade exclusiva do prédio urbano n.º 366, depois de na acção de impugnação de escritura notarial (e registo subsequente realizado com base nele), haver sido declarada a inexistência desse direito.</font></b><br> <br> <b><font> </font></b><font>As instâncias decidiram que não, fundando-se na existência de caso julgado. </font><br> <font> Os RR. discordam do decidido, sustentando não existir identidade de pedido nem de causa de pedir .</font><br> <font> Os AA. sustentam o contrário, entendendo que não pode (re)discutir-se o que já foi objecto de julgamento, sendo num e noutro caso o pedido e a causa de pedir idênticos.</font><br> <br> <font>Vejamos:</font><br> <font> Há dois tipos de excepções que visam impedir a repetição de causas, em nome da segurança do direito:</font><br> <font>A litispendência e o caso julgado.- art. 497.º-1 do CPC.</font><br> <font>Requisitos de uma como da outra destas excepções, são a necessidade de nelas se conjugarem a identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir.</font><br> <font>Pois bem:</font><br> <font>Relativamente aos sujeitos, e no tocante ao art. urbano 366.º verificamos que, as partes desta acção e as da impugnação da justificação notarial da escri
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <br> <font> </font><br> <div><br> <font>I – RELATÓRIO</font></div><br> <br> <font> </font><br> <p><font>1.1.- </font><b><font>-AA</font></b><font> -instaurou ( 11/2/2008) </font><b><font>inventário </font></b><font>para a partilha da herança aberta </font><b><font>por óbito de BB,</font></b><font> falecido em .../9/2007.</font><br> </p><p><font>Deixou como herdeiros:</font><br> </p><p><font>O cônjuge AA e os filhos CC, DD, EE, FF, GG e HH.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.2. Em 7/6/2012 foi elaborado mapa da partilha ( fls. 621 a 624 ).</font><br> </p><p><font>Dele consta que a interessada AA recebe tornas dos interessados:</font><br> </p><p><font>DD- € 220.125.34</font><br> </p><p><font>EE e marido II - € 116.625,33</font><br> </p><p><font>HH - € 34.514,59.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.3.</font><b><font> Por sentença de 6/7/2012, transitada em julgado, foi homologado o mapa da partilha constante do mapa de fls. 621 a 624.</font></b><font> </font><br> </p><p><font>1.4. CC – instaurou ( em 30 de Agosto de 2013 ) </font><b><font>inventário para partilha da herança aberta por óbito do cônjuge supérstite, AA, falecida em ... de Setembro de 2012.</font></b><br> </p><p><font>Deixou como herdeiros:</font><br> </p><p><font>1.CC </font><br> </p><p><font>2. GG</font><br> </p><p><font>3. Em representação do filho pré-falecido FF, os netos JJ, KK </font><br> </p><p><font>LL</font><br> </p><p><font>4. DD</font><br> </p><p><font>EE </font><br> </p><p><font>HH </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.5. O interessado CC foi nomeado cabeça de casal e apresentou </font><b><font>relação de bens</font></b><font> ( fls. 741 e 742).</font><br> </p><p><font>Dela consta como direitos de crédito:</font><br> </p><p><font>Verba 1</font><br> </p><p><font>Direito de crédito relativo a tornas da inventariada, resultantes do inventario aberto por óbito do seu marido BB, de que são devedores os interessados DD e mulher, no valor de € 220.125,34.</font><br> </p><p><font>Verba 2</font><br> </p><p><font>Direito de crédito relativo a tornas da inventariada, resultantes do inventario aberto por óbito do seu marido BB, de que são devedores os interessados EE e marido no valor de € 116.625,33</font><br> </p><p><font>Verba 3</font><br> </p><p><font>Direito de crédito relativo a tornas da inventariada, resultantes do inventario aberto por óbito do seu marido BB, de que é devedor o interessado HH no valor de € 34.514,59</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.6. Os interessados DD, EE e HH deduziram (fls.782 e segs.) </font><b><font>incidente de reclamação contra a relação de bens requerendo a exclusão dos créditos relacionados sob as verbas 1, 2 e 3, alegando o pagamento dessas tornas.</font></b><br> </p><p><font>Para tanto, juntaram </font><b><font>três recibos</font></b><font> e indicaram testemunhas. </font><br> </p><p><font>1.7. O interessado e cabeça de casal CC respondeu ( fls. 800 e segs.) tendo, além do mais, impugnado o teor dos documentos (recibos), alegando que os interessados nunca pagaram o valor das tornas. </font><br> </p><p><font>1.8. Após a produção de prova, por </font><b><font>sentença de 20/11/2017 ( fls. 1204 a 1206) decidiu-se julgar procedente a reclamação determinando-se a exclusão</font></b><font> das verbas 1, 2 e 3 da relação de bens.</font><br> </p><p><font>Julgou provados os seguintes factos: </font><br> </p><p><font>A) A inventariada AA faleceu em ... .09.2012, no estado de viúva de BB, tendo os presentes autos sido instaurados por óbito deste.</font><br> </p><p><font>B) Em 06.12.2012 foi proferida sentença homologatória, já transitada em julgado, da partilha efectuada nos presentes autos de inventário por óbito de BB ocorrido em ... .09.2007.</font><br> </p><p><font>C) Nessa partilha os reclamantes ficaram obrigados a pagar tornas à então interessada AA, sendo o DD no valor de 220.125,34 €, a EE no valor de 116.625,33 € e HH no valor de 34.514,59 €.</font><br> </p><p><font>D) Os interessados procederam ao pagamento das tornas devidas à inventariada em vida dela.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.9.</font><b><font> Por sentença de 12/6/2019 decidiu-se homologar a partilha constante do mapa de 30/4/1019: ( fls. 1269 a 1272):</font></b><br> </p><p><font>“Nos presentes autos de inventário a que se procede por óbito de AA, ocorrido em ... .09.2012, homologo por sentença a partilha a que se procedeu, como se encontra no mapa de partilha datado de 04.03.21 (Ref. 04.03.21/fls. 1356 a 1360), em cuja conformidade adjudico os bens pelos respectivos interessados.</font><br> </p><p><font>Custas conforme o disposto no art. 1383º do CPC. Registe e notifique.”</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.10.</font><b><font> A Relação de Coimbra, por decisão singular de 7/11/2019 ( fls. 1308 e segs.), decidiu:</font></b><br> </p><p><font>“Determinar que o tribunal recorrido fundamente a sua convicção proferida sobre o facto D), ajuizando sobre os factos instrumentais alegados pelo Recorrente, nos termos do art.662 nº2 d) Código de Processo Civil, sendo necessário que faculte ao recorrente pedir esclarecimentos sobre tais factos aos depoentes DD, EE e HH”.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.11</font><b><font>. Realizou-se julgamento e foi proferida ( 27/2/2020) sentença( fls. 1320 e segs.) &nbsp;que decidiu:</font></b><br> </p><p><font>Julgar improcedente o incidente de reclamação à relação de bens e manter na relação de bens as verbas nºs 1, 2 e 3 ( direitos de crédito”).</font><br> </p><p><font>Julgou-se provado que:</font><br> </p><p><font>A) A inventariada AA faleceu em ... .09.2012, no estado de viúva de BB, tendo os presentes autos sido instaurados por óbito deste.</font><br> </p><p><font>&nbsp;B) Em 06.12.2012 foi proferida sentença homologatória, já transitada em julgado, da partilha efectuada nos presentes autos de inventário por óbito de BB ocorrido em ... .09.2007. </font><br> </p><p><font>C) Nessa partilha os reclamantes ficaram obrigados a pagar tornas à então interessada AA, sendo o DD no valor de 220.125,34 €, a EE no valor de 116.625,33 € e HH no valor de 34.514,59 €. </font><br> </p><p><font>Julgou-se </font><b><font>não provado</font></b><font> que:</font><br> </p><p><font>1. Os interessados procederam ao pagamento das tornas devidas à inventariada em vida dela. </font><br> </p><p><font>O tribunal justificou a decisão de facto da seguinte forma:</font><br> </p><p><i><font>“Para formar a sua convicção o tribunal fez uma análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em julgamento e documentos juntos aos autos. A matéria descrita de A) e C) resulta das peças processuais constantes dos autos, centrando-se o litígio na verificação do pagamento das tornas. O facto não provado resulta da insuficiência de prova quanto ao mesmo e da dúvida criada pela demais prova produzida. Não obstante o teor dos recibos reconhecidos notarialmente e datados de 04.05.12 juntos aos autos pelos reclamantes nos quais a inventariada declara ter recebido em mão as quantias devidas pelos reclamantes para pagamento das tornas que lhe são devidas no inventário do seu falecido marido (cfr. fls. 783 a 788), a verdade é que, conforme foi referido na Decisão proferida pelo Tribunal da Relação, os mesmos não fazem prova plena e são apreciados livremente (…)”.</font></i><br> </p><p><i><font>As testemunhas ouvidas não revelaram conhecimento directo ou indirecto acerca do pagamento das tornas.</font></i><br> </p><p><i><font>Ainda que a prova constituída pelos referidos recibos indicie o pagamento, a demais prova produzida, designadamente através das declarações dos reclamantes e dos documentos juntos aos autos, conjugada com as regras da experiência comum, contraia tal factualidade, tornando-a duvidosa.</font></i><br> </p><p><i><font>Assim, o requerimento de 07.05.12 (fls. 609 a 611) apresentado na pendência do inventário do cônjuge da ora inventariada através do qual os ora reclamantes pedem a prorrogação do prazo para proceder ao pagamento de tornas invocando necessidade de cumprir formalidades bancárias, tendo data muito próxima à dos recibos e sugerindo falta de liquidez, tornam duvidoso o declarado pagamento.</font></i><br> </p><p><i><font>Os interessados reclamantes, em depoimento de partes, mantiveram a alegação do pagamento das tornas, não prestando, contudo, esclarecimentos convincentes e totalmente coerentes entre si. Assim, enquanto DD e HH deram conta que os recibos foram feitos já depois de estar tudo pago e que a mãe, quando passou a residir alternadamente em casa dos seus filhos, ora reclamantes, não trazia consigo dinheiro algum, EE referiu o contrário, sendo que, quanto ao dinheiro, explicou que a mãe o guardava numa carteirinha preta e que o mesmo desapareceu no hospital. Todos os depoentes disseram desconhecer o paradeiro do dinheiro que alegaram ter pago à inventariada, quando a mesma, em momento coincidente ou muito próximo, estava aos seus cuidados. E, pese embora os valores em causa, nada fizeram para tentar descobrir o seu paradeiro, nem, aparentemente, estranharam o desaparecimento de cerca de 370.000 € em poucos meses, quando não há notícia que a inventariada tenha sido alvo de furto, roubo ou burla, e nem eles, nem qualquer testemunha conhecia à inventariada hábitos de prodigalidade, vícios, despesas extraordinárias ou dívidas que justificassem tal gasto.</font></i><br> </p><p><i><font>Por outro lado, não se afigura verosímil nem o pagamento em numerário de quantias da ordem da grandeza das que estão em questão nestes autos, nem a guarda avulsa de tais quantias em carteiras de senhora.</font></i><br> </p><p><i><font>Acresce que, os documentos juntos aos autos, designadamente declarações fiscais, não comprovam a capacidade financeira dos interessados para proceder ao pagamento das tornas sem recorrerem a empréstimos, o que também não tem suporte documental.</font></i><br> </p><p><i><font>Face à dúvida criada a respeito do pagamento indiciado pelos recibos juntos pelos interessados reclamantes, o Tribunal consignou tal factualidade como não provada nos termos do art. 346º do CC”.</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><font>1.12</font><b><font>. Por sentença de 14/6/2021 ( flsl 1367) decidiu-se homologar&nbsp; o mapa da partilha de 4/3/2021.</font></b><br> </p><p><font>“Nos presentes autos de inventário a que se procede por óbito de AA, ocorrido em ... .09.2012, homologo por sentença a partilha a que se procedeu, como se encontra no mapa de partilha datado de 04.03.21 (Ref. 04.03.21/fls. 1356 a 1360), em cuja conformidade adjudico os bens pelos respectivos interessados.</font><br> </p><p><font>Custas conforme o disposto no art. 1383º do CPC. Registe e notifique”</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><font>1.13. Os Reclamantes DD, HH e EE </font><b><font>recorreram de apelação. </font></b><br> </p><p><font>O Cabeça de Casal contra-alegou o recorreu subordinadamente da seguinte decisão:</font><br> </p><p><font>“Ref. 12.03.21: O requerido – que sejam pagos no processo de inventário, através de tornas os direitos de crédito relacionados sob as verbas nºs 1, 2, e 3 – não encontra respaldo na lei.</font><br> </p><p><font>Por outro lado, estando já depositadas as tornas devidas, não tem qualquer utilidade a elaboração de mapa informativo.</font><br> </p><p><font>Pelo exposto, indefere-se o requerido.” </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.14. </font><b><font>A Relação, por acórdão de 17/3/2022 ( fls. 1423 e segs.), &nbsp;decidiu:</font></b><br> </p><p><b><font>“Julga-se o recurso principal improcedente, confirmando-se a decisão recorrida relativa à manutenção das verbas 1 a 3 (direitos de crédito).</font></b><br> </p><p><b><font>Julga-se o recurso subordinado procedente e determina-se a feitura de novo mapa da partilha, para determinação do excesso nos quinhões dos aqui Recorridos, com a consequente lavra de mapa informativo com as tornas a pagar e a receber pelos respetivos interessados.</font></b><br> </p><p><font>Custas pelos Recorrentes principais (Recorridos no subordinado)”</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.15. Inconformados, os interessados reclamantes/DD, HH e EE </font><b><font>recorreram de revista</font></b><font>, com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>A) O presente recurso de revista tem por base o incidente de reclamação contra a relação de bens, sendo que, nesse incidente os ora recorrentes reclamavam do relacionamento entre os bens deixados pela inventariada AA das quantias que, no anterior inventário por óbito do respectivo cônjuge lhe caberiam a título de tornas, pois que (alegam os reclamantes) já lhe haviam pago essas tornas e apresentavam recibo comprovativo desse pagamento.</font><br> </p><p><font>B) A decisão singular do Tribunal da Relação ordenou a baixa do presente processo “para que Tribunal recorrido fundamente a sua convicção na decisão proferida sobre o facto D), ajuizando sobre os factos instrumentais alegados pelo recorrente, nos termos do art.662°, n° 2, d), do Código de Processo Civil, sendo necessário que faculte ao Recorrente pedir os esclarecimentos sobre tais factos aos depoentes DD, EE e HH”.</font><br> </p><p><font>C) Portanto, essa referida decisão singular não revogou a anterior decisão da matéria de facto, na qual se consignava que “D) Os interessados procederam ao pagamento das tornas devidas à inventariada em vida dela”, pelo que ao alterar a decisão da matéria de facto, o despacho pela segunda vez agora decidiu as reclamações, bem como o acórdão ora recorrido que o confirmou, violaram o caso julgado formal constituído por essa decisão em sede de matéria de facto.</font><br> </p><p><font>D) A decisão proferida por essa decisão singular manteve a decisão da primeira instância, apenas obrigando a mais detalhada fundamentação e à ponderação de factos instrumentais, mas não alterou a matéria de facto considerada provada anteriormente, pelo que se manteve como provado, o facto constante da al. D), ou seja, que “Os interessados procederam ao pagamento das tornas devidas à inventariada em vida dela”.</font><br> </p><p><font>E) Ao não considerar este caso julgado, que se forma apenas sobre a decisão proferida, o acórdão ora recorrido violou o caso julgado constituído nessa parte pela decisão singular anterior.</font><br> </p><p><font>F) Há que ampliar, porém, a matéria de facto, muito escassa, para que o problema seja colocado em toda a sua dimensão, pois no despacho que decidiu a reclamação, foram apenas considerados provados os seguintes factos:</font><br> </p><p><i><font>A) A inventariada AA faleceu em ... .09.2012, no estado de viúva de BB, tendo os presentes autos sido instaurados por óbito deste.</font></i><br> </p><p><i><font>B) Em 06.12.2012 foi proferida sentença homologatória, já transitada em julgado, da partilha efectuada nos presentes autos de inventário por óbito de BB ocorrido em ... .09.2007.</font></i><br> </p><p><i><font>C) Nessa partilha os reclamantes ficaram obrigados a pagar tornas à então interessada AA, sendo o DD no valor de 220.125,34 €, a EE no valor de 116.625,33 € e HH no valor de 34.514,59 €.</font></i><br> </p><p><font>G) É que existe a prova documental constituída pelos recibos emitidos pela falecida AA. e por outro lado, a prova produzida em sede de audiência.</font><br> </p><p><font>H) Nos recibos juntos em 3/7/2014 – referência CITIUS ... -, a falecida AA declara, em ... de Maio de 2012, em recibos emitidos que recebera as tornas que lhe eram devidas e, além disso, em tais recibos assinados a seu rogo, na presença do notário que atestou essa declaração, a falecida declara ainda dá quitação integral e sem reservas da importância recebida a todos e cada um dos pagadores.</font><br> </p><p><font>I) Juntos esses recibos aos presentes autos, não foram impugnados pelo cabeça-de-casal, pelo que se têm como verdadeiras as declarações prestadas, pelo que deveriam ser aditados mais 4 factos aos factos provados, a saber:</font><br> </p><p><font>E) Por recibo de 4 Maio de 2012, AA, cabeça-de-casal nos autos de Inventário (Herança) - Proc. nº. 46/08.0TBMIR -, os quais correram termos pelo Tribunal Judicial ..., declara “para todos os devidos e legais efeitos que recebeu em mão, do interessado DD e mulher MM, residentes na Avenida ..., ... ..., a quantia de € 220 125,34 (duzentos e vinte mil, cento e vinte e cinco euros e trinta e quatro cêntimos), para pagamento das tornas que lhe são devidas no inventário acima identificado, conforme mapa informativo rectificado”.</font><br> </p><p><font>F) Por recibo de 4 Maio de 2012, AA, cabeça-de-casal nos autos de Inventário (Herança) - Proc. nº. 46/08.0TBMIR -, os quais correram termos pelo Tribunal Judicial ..., declara “para todos os devidos e legais efeitos que recebeu em mão, da interessada EE e marido II, casada, residente na Av.ª ..., ... ..., a quantia de € 116 625,33 (cento e dezasseis mil, seiscentos e vinte e cinco euros e cinquenta e trinta e três cêntimos), para pagamento das tornas que lhe são devidas no inventário acima identificado, conforme mapa informativo rectificado”.</font><br> </p><p><font>G) Por recibo de 4 Maio de 2012, AA, cabeça-de-casal nos autos de Inventário (Herança) - Proc. nº. 46/08.0TBMIR -, os quais correram termos pelo Tribunal Judicial ..., declara “para todos os devidos e legais efeitos que recebeu em mão, do interessado HH, casado, residente na Rua ... ..., a quantia de € 34 514,59 (trinta e quatro mil, quinhentos e catorze euros e cinquenta e nove cêntimos), para pagamento das tornas que lhe são devidas no inventário acima identificado, conforme mapa informativo rectificado”.</font><br> </p><p><font>H) todos os recibos têm o reconhecimento da assinatura “a rogo de AA, cujo rogo foi dado na minha presença pela própria rogante, pessoa a quem li o documento e cuja identidade verifiquei pela exibição do seu Bilhete de Identidade n.º ... de 14/02/2008 emitido pelos Serviços de Identificação Civil de ..., a qual declarou não poder assinar e vai apor a sua impressão digital”.</font><br> </p><p><font>J) Os recibos juntos pelos ora recorrentes são documentos particulares, cuja assinatura está reconhecida notarialmente, pois a declarante não sabia assinar – facto que é reconhecido pelo cabeça-de-casal – e tendo a assinatura de ser feita a rogo, tinha de o ser de forma presencial no notário, pelo que ao presente caso é aplicada a doutrina que consta dos artigos 373º a 376º ainda do Cod. Civil.</font><br> </p><p><font>K) No caso dos autos, a assinatura a rogo da declarante e ora inventariada, AA, foi feita a seu rogo, por não saber assinar e o cabeça-de-casal expressamente declarou nas suas alegações, aliás, como já o fizera anteriormente, que reconhecia como verdadeiro o reconhecimento de assinatura feito no Cartório Notarial ..., pelo que, em momento algum, pôs em causa a sua regularidade formal, pelo que se não colocam problemas de falsidade.</font><br> </p><p><font>L) Atento o facto de o Supremo Tribunal ter de emitir a sua decisão sobre os factos materiais fixados pela Relação, deve o STJ ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação, a fim de ser ampliada a matéria de facto que possa servir de base suficientes para a decisão de direito. - Cfr. artºs. 682º., nº. 3 e 683º, nº 1., ambos do Cod. Proc. Civil.</font><br> </p><p><font>M) O acórdão recorrido considera que com base em diversos “factos” ditos instrumentais conclui pelo não pagamento das tornas, ou seja, verifica-se aqui o recurso a presunções judiciais, sem que constem da matéria de facto declarada como provada, os factos conhecidos de onde se inferem os factos desconhecidos, pelo que a declaração que não houve pagamento é uma conclusão não alicerçada em factos, sobretudo quando há recibos passados.</font><br> </p><p><font>N) É que foi concluído que não houve pagamentos, porque os filhos devedores das tornas declararam não saber o que a Mãe fez ao dinheiro, nada fizeram para descobrir o paradeiro do dinheiro, mas não se entende por que razão o haviam de fazer, nem que devessem controlar a mãe.</font><br> </p><p><font>O) Além disso, não havendo notícia de furto, roubo ou burla, e não se conhecendo à inventariada hábitos de prodigalidade, vícios, despesas extraordinárias ou dívidas que justificassem o gasto de quantia tão avultada, sendo certo que também não há notícia do contrário e os outros filhos que agora reclamam as quantias já pagas é que o deveriam ter feito, sendo que as declarações fiscais dizem respeito aos anos mais recentes, mas as poupanças são de anos, pelo que nada se pode concluir das mesmas.</font><br> </p><p><font>P) Nestas ditas presunções judiciais, não alicerçadas em factos concretos provados, mas com fundamento em verosimilhança, não podem considerar-se como instrumentais os factos com base nos quais, em completa ausência de prova, a decisão ora em recurso considerou existirem para dar como não provados os pagamentos que a credora afirmou terem sido pagos por recibos por si assinados a rogo com a sua concordância.</font><br> </p><p><font>Q) Sendo sindicável a correção do uso da prova por presunções judiciais, vis a vis a obtenção de um resultado harmónico com a verdade material - em termos de justeza e plausibilidade – como matéria de direito que indiscutivelmente é, deve poder ser sindicado em sede de recurso de revista.</font><br> </p><p><font>R) O acórdão recorrido pronuncia-se sobre o valor probatório dos recibos juntos – matéria de direito – sem que se tenha previamente admitido a sua existência – matéria de facto, pelo que tem que ser ordenada abaixa do processo para que o Supremo Tribunal possa, em sede de recurso de revista, pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas.</font><br> </p><p><font>S) É que, como já foi decidido pelo STJ, no seu acórdão de 14-5-2019, Proc. 930/12.7TBPVZ.P1.S1, cujo relator foi o Cons. Raimundo Queirós a confissão extrajudicial do pagamento de tomas exarada pelo confitente em documento autêntico (escritura pública de partilhas) feita ao respetivo credor, nos termos e para os efeitos dos n°s 1 e 2 do art° 358° do CC, terá força probatória plena e só pode ser destruída com base na falsidade do documento (art° 372º., nº.1 do Cod. Civil), pelo que, nesse caso «não tendo os autores provado a falsidade do documento, nem os elementos integradores da falta ou vício da vontade, a ação não poderia proceder».</font><br> </p><p><font>T) No caso de documentos particulares, com assinatura a rogo reconhecida presencialmente pelo notário, não sendo o confitente parte no processo em que a confissão do pagamento é feita, estamos perante uma confissão extrajudicial escrita, realizada por documento particular, a sua admissibilidade e valor probatório está sujeita às mesmas restrições da prova testemunhal – artº. 358º., nºs. 3 e 4 do Cod. Civil.</font><br> </p><p><font>U) Convém ter aqui presente que, nos termos do artº. 358º., nº. 2 do Cod. Civil, a confissão extrajudicial constante de documento particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a esses documentos e, se feita à parte contrária ou a quem a represente, assume força probatória plena</font><br> </p><p><font>V) Já LEBRE DE FREITAS, na sua obra Confissão no Direito Probatório (1990), págs. 327 e segs, entre as excepções ao princípio (regra) da eficácia subjetiva plena restrita ao confitente, admitia a eficácia da confissão perante o herdeiro do confitente, como sucede nos presentes autos.</font><br> </p><p><font>X) Conforme refere o Cons. Ferreira de Almeida, no seu Direito Processual Civil, vol. II, 2ª. Edição, pág. 307, “a prova da autoria do documento particular pode também ser estabelecida por reconhecimento presencial da assinatura, cujo termo constitui um verdadeiro documento autêntico, no qual o notário atesta que a assinatura é produzida na sua presença ou que o signatário está presente no ato, assim como a forma como verificou a sua identidade (artºs 153º., nº. 5 e 155º, nº. 2, do Código do Notariado). A impugnação da genuinidade de documento particular opera-se através do procedimento previsto nos artºs 444º. e 445º. (do Cod. Proc. Civil)”.</font><br> </p><p><font>Y) E acrescenta o mesmo autor que “Se estabelecida a autoria por reconhecimento presencial da assinatura, constante do respetivo termo de autenticação (artºs 153º, nº 5 e 155º, nº 2, do Cod. Notariado), constitui o documento particular um verdadeiro documento autêntico, desde que a atestação notarial preencha os «requisitos essenciais (de origem), ficando assim o documento particular dotado da mesma força probatória daquele provando plenamente a autoria do documento».</font><br> </p><p><font>Z) Os recibos juntos pelos ora recorrentes são documentos particulares, cuja assinatura está reconhecida notarialmente, pois a declarante não sabia assinar – facto que é reconhecido pelo cabeça-de-casal – e tendo a assinatura de ser feita a rogo, tinha de o ser de forma presencial no notário e nesse reconhecimento refere-se expressamente que o documento lhe foi lido e explicado à declarante, pelo que, ao presente caso, é aplicada a doutrina que consta dos artigos 373º a 376º ainda do Cod. Civil.</font><br> </p><p><font>AA) Os documentos juntos pelos ora recorrentes têm a sua autoria reconhecida nos termos do artº. 373º e 375º, ambos do Cod. Civil, pelo que fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, neste caso, a inventariada AA, pelo que, nos termos do normativo legal referido, está plenamente provado que a inventariada AA, “recebeu em mão” de cada um dos recorridos, identificado em cada recibo, as quantias aí referidas numericamente e por extenso, “para pagamento das tornas que lhe são devidas no inventário acima identificado, conforme mapa informativo rectificado”.</font><br> </p><p><font>BB) O nº. 2 do citado artº. 376º determina os limites da prova plena e que são, serem as declarações “contrárias aos interesses do declarante”.</font><br> </p><p><font>CC) Para poderem contrariar a referida prova plena das declarações contrárias aos interesses da inventariada, ou seja, que já recebera as quantias constantes dos recibos que provar “não ser verdadeiro o facto que dela for objecto”, conforme determina o artº. 347º do Cod. Civil, pois que, mesmo na presença do notário, onde a referida AA se deslocou ela deu o seu rogo à assinatura do recibo depois de o mesmo lhe ter sido lido e explicado, ou seja, a inventariada AA sabia e tinha consciência que já havia recebido o dinheiro das tornas.</font><br> </p><p><font>DD) A ausência de movimentos bancários, bem como a falta de declaração fiscal de rendimentos não tem sequer a virtualidade de abanar as declarações emitidas pela inventaria AA, pois é comum nas nossas aldeias as pessoas nem sequer depositarem muito dos dinheiros que vão recebendo das suas produções agrícolas ou piscatórias, como é o caso, que vão aforrando em casa, ao longo de anos.</font><br> </p><p><font>EE) Também em sede de revista, não pode deixar de censurar-se a forma como o acórdão recorrido, aliás na esteira da sentença de 1ª. instância lança mão de uma série de presunções judiciais, aparentemente razoáveis e plausíveis, mas todas sem qualquer suporte na realidade fáctica, pelo que deve ser revogado o acórdão ora recorrido, na parte em julgou improcedente a reclamação contra a relação de bens, por carecer de qualquer fundamento fáctico, nas presunções utilizadas.</font><br> </p><p><font>FF) Face ao exposto, nem sequer foi colocado em dúvida o pagamento das quantias de que os recibos são de quitação, pelo que também se não demonstrou que não sejam verdadeiras as declarações de recebimento feitas pela inventariada AA, nos recibos juntos pelos reclamantes e esse ónus cabia ao cabeça-de-casal, pois era ele que tinha de demonstrar que esses factos não eram verdadeiros, atenta a presunção legal de que tais factos se consideram provados na exacta medida em que eram contrários aos interesses da declarante, que assim via extinguir-se o seu crédito, sendo que essa presunção legal consta do nº. 2 do artº. 376º do Cod. Civil.</font><br> </p><p><font>GG) Aliás, é das regras da experiência (e é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico que o Supremo pode socorrer-se de presunções judiciais) que ninguém passa um recibo de quitação total, aceitando que seja assinado um documento, sem que tenha efectivamente recebido a quantia aí referida e que era devida, o que é uma presunção judicial ou natural, que os julgadores têm em consideração na formação da sua convicção, nos termos do artº. 351º. do Cod. Civil</font><br> </p><p><font>HH) Não se alcançando por qualquer outro meio de prova a certeza de que o pagamento foi ou não feito, nem se aceitando que os recibos emitidos por AA fazem prova plena das suas declarações, ficam a prevalecer esses recibos emitidos pela credora das tornas, nos quais refere as quantias pagas e o modo como lhe foram pagas, ainda que livremente apreciados.</font><br> </p><p><font>II) Por fim, a questão de saber se as partes podem acordar sobre os procedimentos processuais, como eventualmente, terá ocorrido nos presentes autos ou se nessa parte o acordo é inválido, pois existem normas próprias.</font><br> </p><p><font>JJ) O mapa informativo é um instrumento processual, cujos pressupostos constavam do artº. 1376º. do Cod. Proc. Civil aplicável, que é o que resulta da reforma de 1995, promovida pelo Dec. Lei nº. 392-A/95, de 12 de Dezembro, que, no seu nº. 1, determinava que “se a secretaria verificar, no acto da organização do mapa, que os bens doados, legados ou licitados excedem a quota do respectivo interessado, lançará no processo uma informação, sob a forma de mapa, indicando o montante do excesso” e, no caso dos presentes autos, as tornas a pagar não provêm de qualquer excesso de bens doados, legados ou licitados, mas de uma quantia que diz respeito a créditos supostamente não pagos de tornas em inventário anterior, pelo que não estava o escrivão obrigado a elaborar mapa informativo.</font><br> </p><p><font>KK) É que o mapa informativo tem em vista os procedimentos constantes dos artigos seguintes, ou seja, o artº. 1377º., no caso de licitação em verbas de valor superior à quota de cada interessado e o artº. 1378º., que abrange os casos de verbas doadas ou legadas que devam ser adjudicadas aos devedores de tornas e não se verifica, no caso dos autos, nenhuma das situações.</font><br> </p><p><font>LL) Face aos factos referidos que estão provados, não podendo o Supremo Tribunal alterar a decisão da matéria de facto, deve ordenar-se a baixa do processo para ampliação da matéria de facto, nos termos expostos, de modo a constituir base suficiente para a decisão de direito na questão da reclamação contra a relação de bens.</font><br> </p><p><font>MM) Além disso, deve também ser revogado o acórdão recorrido na parte em que ordenou a elaboração de mapa informativo, que ao caso não cabe, violando o disposto no artº. 1376º. do CPC aplicável aos presentes autos. </font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.16.- O interessado CC </font><b><font>contra-alegou</font></b><font>, com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>1. A presente Revista carece de qualquer razão legal ou moral, pelo que terá de improceder;</font><br> </p><p><font>2. A presente Revista não pode ser, pelo menos parcialmente, admitida sob pena de violação do nº 3 do art.º 671 do CPC, na parte concernente à impugnação da matéria de facto da reclamação à relação de bens, porquanto o Douto Acórdão do Tribunal da Relação, ora em crise, confirmou a decisão proferida na 1ª Instância, sem voto de vencido e com a mesma e exacta fundamentação, não estando em causa nenhuma das situações previstas no art.º 672º do mesmo diploma;</font><br> </p><p><font>3. Este Supremo Tribunal não pode também conhecer da questão do valor probatório dos alegados “recibos” porquanto sobre a mesma formou-se caso julgado formal nestes autos, uma vez que a mesma já foi apreciada e julgada na decisão sumária do Tribunal da Relação ... de 07.11.2019, esta, com que todos os intervenientes processuais se conformaram e da qual não recorreram, pelo que transitou em julgado; </font><br> </p><p><font>4. Inexiste qualquer fundamento que permita ou justifique qualquer censura ao Acórdão em crise, pelo que deve o mesmo ser mantido nos seus precisos termos;</font><br> </p><p><font>5. Em função do determinado pela decisão da Relação de 07.11.2019, era lícito e lógico que a primeira instância procedesse a uma reavaliação
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>A sociedade AA – Imobiliária , S. A. intentou a presente acção de reivindicação, com processo sumário, no 3º Juízo Cível de Oeiras, contra BB - Construções e Empreitadas , L.da, pedindo a condenação da Ré a:</font><br> <font>- Reconhecer o direito de propriedade sobre o prédio descrito no art.º l° da p.i., incluindo a parcela descrita nos arts.6° e 11° e graficamente identificada no documento n.º2;</font><br> <font>- Demolir o muro que construiu abusivamente dentro do prédio identificado no art.º lº;</font><br> <font>- Restituir à Autora a parcela com a área de 104,94 metros quadrados, identificados nos arts. 6° e 11°.</font><br> <font>Para tanto alegou, em resumo, ser dona de um lote de terreno para construção confinante com outro pertencente à ré, tendo esta construído um muro dentro dos limites do lote da autora e com cuja construção ocupou aquela parcela de terreno pertencente ao lote da autora.</font><br> <font>Citada a Ré veio contestar, por excepção, invocando a ilegitimidade da Ré, com fundamento em que o actual proprietário do Lote 00 – que autora alegou ser da ré -, não é esta, mas sim CC, que o adquiriu por compra a DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A.".</font><br> <font>Por impugnação, alega que o muro está dentro dos limites do lote 54, não ocupando qualquer espaço pertencente à Autora.</font><br> <font>Conclui pela procedência da excepção de ilegitimidade, com a absolvição da Ré da instância.</font><br> <font>A não se entender assim, conclui pela improcedência da acção, absolvendo­se a Ré do pedido.</font><br> <font>A Autora replicou, alegando que o esbulho descrito na p.i., com a construção do muro dentro do prédio da A . foi feito pela ré, sendo o CC filho do sócio gerente da ré.</font><br> <font>Deduziu, porém, incidente de intervenção principal provocada de CC , que é o proprietário actual do terreno que alega que este o utiliza com a ré.</font><br> <font>Veio a Autora alterar o pedido, pedindo que pela procedência da acção:</font><br> <font>- Seja reconhecido o direito de propriedade da Autora sobre o prédio descrito no art.º l ° da p.i., incluindo a parcela descrita nos arts.6° e 11 ° do mesmo articulado e graficamente identificada no documento n.º2 junto com a referida peça;</font><br> <font> - Sejam os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio referido no art.º l ° da petição inicial, incluindo a parcela referida na segunda parte da alínea anterior;</font><br> <font>- Sejam os Réus condenados a restituir à Autora a parcela com a área de 104,94 metros quadrados identificada nos arts.6° e 11 ° da petição inicial e consequentemente a demolir o muro abusivamente construído dentro da propriedade da Autora repondo o terreno na situação em que se encontrava antes da construção do mesmo;</font><br> <font>- Sejam os Réus condenados, caso não cumpram a obrigação de demolir o muro no prazo de oito dias sobre a trânsito em julgado da sentença condenatória, a pagar à Autora as despesas relativas à demolição do muro abusivamente construído dentro do prédio identificado no art.º l o da petição inicial e à reposição do terreno no estado em que se encontrava antes do esbulho, a liquidar em execução de sentença.</font><br> <br> <font>Foi admitida a intervenção principal do chamado CC e a alteração do pedido.</font><br> <font>Citado o chamado, veio contestar e deduzir pedido reconvencional. Alegou que as estremas dos prédios que originaram os lotes 8 e 54 foram delimitadas e verificadas amigavelmente e conforme o acordado pelos respectivos proprietários.</font><br> <font>A não se entender assim e em reconvenção, vem alegar ter adquirido o lote 54, à "DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A.", por escritura outorgada em 17 de Dezembro de 1997, tendo realizado na parcela de terreno reivindicada pela Autora, construções e obras, no valor de 12.000.000$00.</font><br> <font>A parcela de terreno reivindicada pela Autora, antes das obras e o eventual prejuízo resultante da desvalorização do restante terreno, tem um valor de 2.000.000$00, sendo o valor que as obras trouxeram à parcela de terreno em questão maior do que o valor que esta tinha antes das obras.</font><br> <font>Em consequência, a serem verdadeiros os factos alegados pelo Autor, o chamado teria direito a adquirir a propriedade da parcela de terreno objecto da acção, mediante o pagamento do valor desse terreno, por acessão imobiliária, já que estão verificados todos os requisitos para o efeito.</font><br> <font>Conclui pela improcedência da acção.</font><br> <font>Caso assim se não entenda, pede que:</font><br> <font>- Seja reconhecido ao chamado o direito de propriedade sobre a parcela de terreno identificada no art.º l da petição inicial e graficamente identificada no Doc. 2 junto com o articulado, mediante o pagamento do valor do terreno e reparação do prejuízo causado, no montante de 2.000.000$00;</font><br> <font>- O Tribunal fixe um prazo não inferior a quinze dias, para o reconvinte proceder à consignação em depósito da prestação devida, caso se prove que a parcela de terreno reivindicada pela Autora lhe pertence, e só após o trânsito em julgado da respectiva sentença.</font><br> <br> <font>A Autora deduziu réplica em que defende que tanto o Réu CC como as sociedades que o antecederam na propriedade do lote 54, sabiam bem que a parcela ora em disputa não lhes pertencia, tendo actuado com má-fé.</font><br> <font>Invoca ainda a inconstitucionalidade do art.1343° do Código Civil.</font><br> <font>Conclui pela procedência da acção, condenando-se os Réus no pedido e pela improcedência do pedido reconvencional, absolvendo-se a Autora do referido pedido, com as legais consequências.</font><br> <font>Pede ainda que se julgue inaplicável o art.1343° do Código Civil, por inconstitucionalidade, com as legais consequências.</font><br> <font>Se assim não for entendido, defende que o valor a pagar pelo Réu reconvinte seria de 8.358.000$00 e não de 2.000.000$00, como consta de pedido reconvencional.</font><br> <font>Foi mandada seguir a forma ordinária em face do valor da reconvenção.</font><br> <font>Proferido o despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pela Ré "BB-Construções e Empreitadas, L.da.”, foram fixados os factos assentes e elaborou-se a base instrutória, que foi objecto de reclamação, parcialmente deferida. </font><br> <font>No decurso da acção, veio EE- Imóveis e Serviços, S A ., deduzir incidente de habilitação de cessionário contra AA - Imobiliária, S.A, BB – Construções e Empreitadas, L.da e CC , alegando que a requerida AA vendeu o prédio dos autos a um tal FF, que, por sua vez, vendeu o mesmo prédio à requerente.</font><br> <font>Instruído o incidente, foi proferida decisão, julgando habilitada a adquirente do prédio EE- Imóveis e Serviços, S.A , para prosseguir como Autora na acção ordinária em causa.</font><br> <font>Após julgamento, foi decidida a matéria de facto, e proferida sentença que:</font><br> <font> A) Reconheceu o direito de propriedade da habilitada EE–Imóveis e Serviços, S.A., sobre o prédio urbano correspondente ao lote de terreno para construção, com a área de 1106 m2, denominado AA, lote 8, em Laveiras, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha no21201970715, incluindo a parcela descrita nos arts.6° e 11 ° da petição inicial e graficamente identificada no documento no2;</font><br> <font>B) Condenou o chamado CC a restituir à EE Imóveis e Serviços, S. A . a parcela com a área de 104,94 metros quadrados identificada nos arts.6° e 11° da petição inicial, absolvendo-o dos demais pedidos formulados.</font><br> <font>C) Condenar a Ré BB – Construções e Empreitadas L.da, a demolir o muro construído dentro da propriedade. da EE Imóveis e Serviços, S.A, atrás referida, no prazo de trinta (30) dias, repondo o terreno na situação em que se encontrava antes da construção do mesmo, absolvendo-o dos demais pedidos formulados.</font><br> <font>D) Julgar a reconvenção deduzida por CC improcedente, por não provada, absolvendo a habilitada EE– Imóveis e Serviços, S.A. do pedido reconvencional deduzido nos autos.</font><br> <font>Inconformados a ré e o interveniente interpuseram apelação que foi na Relação de Lisboa julgada improcedente. Também interpôs recurso subordinado a autora que não foi conhecido na Relação por se haver julgado prejudicado com a improcedência do recurso da ré e interveniente.</font><br> <font>Ainda inconformados vieram os apelantes interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado as conclusões seguintes: </font><br> <font>- O chamado CC só foi citado para esta acção em 1 de Fevereiro de 1998 e a DD não foi demandada.</font><br> <font>- O início da ocupação verificou-se em Janeiro de 1977.</font><br> <font>- Quando ocorreu o levantamento topográfico com vista à definição das estremas dos prédios, por existirem dúvidas, em Maio de 1997 e foi elaborado o relatório de pericia constante dos autos em oito de Novembro de 2001, já tinham decorrido mais de três meses após a referida ocupação.</font><br> <font>- A autora em Julho de 1998, ainda estava erradamente convencida que o lote 54 pertencia à BB, sendo certo que a DD adquiriu por compra à BB a propriedade e registou seu favor na 1ª Conservatória de Registo Predial de Oeiras essa aquisição em 13/02/1997.</font><br> <font>- O próprio Instituto Geográfico Português forneceu coordenadas diferentes para as definições das estremas dos prédios e certificou que existe margem para erro de cerca de 2,5 m.</font><br> <font>- No caso em apreço a questão da delimitação das estremas só ficou resolvida com o trânsito em julgado da presente acção, uma vez que ambas as partes, fundadamente estavam convencidas que lhes assistia a razão quanto à definição das estremas dos prédios.</font><br> <font>- A invasão que se verificou neste caso de parte do prédio da autora resulta de um equívoco e dificuldades de definição das estremas dos prédios, erro relativamente frequente neste tipo de loteamentos, sendo certo que existe sempre uma margem de erro, conforme certificou o Instituto Geográfico Português.</font><br> <font>- Este “desconhecer que o terreno era alheio” e equívocos quanto à delimitação da linha divisória não afasta a boa fé.</font><br> <font>- A autora não teve a vigilância necessária sobre o prédio que lhe pertencia, nem fez as diligências necessárias para averiguar a identidade do legítimo proprietário do lote contíguo, motivo pelo qual não deduziu oposição eficaz no momento oportuno por qualquer dos meios admitidos para a declaração negocial.</font><br> <font>- A ré BB não é proprietária nem possuidora do imóvel, não se vislumbrando como pode proceder à destruição de parte do muro, conforme foi condenado, sendo que o chamado foi absolvido deste pedido.</font><br> <font>- A sentença nada diz quanto à demolição da adega.</font><br> <font>- Verificam-se todos os requisitos para o chamado adquirir a propriedade por acessão, nos termos do disposto no nº 1 do art. 1343º do Cód. Civil da parcela de terreno ocupado, mediante o pagamento do respectivo valor.</font><br> <font>- O douto acórdão da Relação violou o correcto entendimento, nomeadamente, dos arts. 217º, 224º, 295º, 1340º, nº 4 e 1343º, nº 1 , todos do Cód. Civil e 653º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil.</font><br> <br> <font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br> <font>Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.</font><br> <font>Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recurso é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.</font><br> <font>Das conclusões dos aqui recorrentes se vê que estes, para conhecer neste recurso, levantam as seguintes questões:</font><br> <i><font>a) Verificam-se os requisitos legais previstos no art. 1343,º, nº 1 do Cód. Civil, para o recorrente CC adquirir por acessão, a propriedade da parcela de terreno aqui em discussão, nomeadamente, a boa fé e o decurso de três meses sem que a autora tenha deduzido oposição à obra de ocupação daquela parcela ?</font></i><br> <i><font>b) Não sendo a ré BB proprietária ou possuidora do imóvel, não se vislumbra como pode proceder à destruição de parte do muro em que foi condenado, dado que o chamado foi absolvido do mesmo pedido ?</font></i><br> <i><font>c) A sentença nada diz quanto à demolição da adega ?</font></i><br> <br> <font>Vejamos, antes de mais, os factos que as instâncias deram por provados e que são os seguintes:</font><br> <font>1. O prédio urbano correspondente ao lote de terreno para construção, com a área de II 06 m2, denominado AA. lote 8, em Laveiras, encontra-se descrito na 1 a Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha no2120/970715, e inscrito, com data de 16.6.93, a favor de "AA-Imobiliária, S.A.", por compra, com data de 6/3/03, a favor de FF por compra e com data de 31/03/03, a favor de EE-Imóveis e Serviços, S.A., também por compra.</font><br> <font>2. O prédio urbano denominado lote 54, sito em Quinta da ..., Paço de Arcos, com a área coberta de 203m2 e descoberta de 1099m2, encontra-se descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha n° 1529/900709, e inscrito, com data de 24.6.97, a favor de CC, por compra a "DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A." (cfr. certidão da C.RP. junta a fls. 75 a 79 dos autos, cujo teor aqui se reproduz integralmente );</font><br> <font>3. O prédio referido em B) mostra-se inscrito, com data de 13.2.97, a favor de "DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A." por compra a "BB-Construções e Empreitadas, L.da" (idem);</font><br> <font>4. Por escritura pública realizada em 17.12.1997, perante o Ajudante Principal do 1º Cartório Notaria1 de Lisboa, "DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A” disse que "vende" a CC e este declarou que "compra", entre outros, o prédio mencionado em 2., pelo preço de Esc. 25 500 000$00 ( cfr . certidão junta a fls. 90 a 110 dos autos, cujo teor aqui se reproduz integralmente );</font><br> <font>5. O lote referido em B) confronta com o lote referido em A) a Norte e a Nascente;</font><br> <font>6. "BB Construções e Empreitadas, L.da" encontra-se matriculada na 2ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Oeiras, sob o n° 06208/890720, e mostra inscrito como gerente e titular de uma quota de Esc. 750000$00 ".., c.c. ..."( cfr . certidão da 28 C.R.P. C. de Oeiras junta a fls. 144 a 148 dos autos, cujo teor aqui se reproduz integralmente );</font><br> <font>7. "DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A." encontra-se matriculada na 2ª Conservatória do Registo Predial e Comercial de Oeiras, sob o n° 11197/971112, desde 22.12.95 como "sociedade anónima" (cfr. certidão da 28 C.R.P .C. de Oeiras junta a fls. 149 a 157 dos autos, cujo teor aqui se reproduz integralmente );</font><br> <font>8. Mostra-se, antes da referida "transformação", inscrito como gerente e titular de uma quota de Esc. 10 000 000$00 (idem);</font><br> <font>9. Encontrando-se inscrito, desde 22.12.95, como subscritor de Esc. 500000$00 do capital respectivo, CC , e designado, como Presidente e Administrador Delegado do Conselho de Administração para o triénio 1995/1997, ... (idem);</font><br> <font>10. Encontra-se, ainda inscrito, com data de 8.1.97, como Administrador Delegado do Conselho de Administração até ao termo do triénio 1995/1997, CC (idem);</font><br> <font>11. E inscrito, com data de 2.6.98, "para o triénio 1998/2000", ... como Presidente do Conselho de Administração, e CC como vogal daquele Conselho (idem).</font><br> <font> 12. O Réu CC ocupa uma parcela a nascente do lote referido em A) dos "Factos Assentes", com a área de 104,94 m2.</font><br> <font>13. Sem autorização e contra a vontade da A.</font><br> <font>14. A Ré "BB-Construções e Empreitadas, Lda" construiu, no principio de 1997, um muro de vedação em volta do lote referido em B).</font><br> <font>15. O referido muro foi edificado na linha que segue o eixo norte/sul e que separa o terreno referido em 1. Supra, a norte e a nascente, do Lote descrito em B) supra, avançando cerca de 4 metros para poente.</font><br> <font>16. E ocupando uma faixa do lote referido em 1. dos "Factos Assentes" com o comprimento de 28m e a largura média de 4m.</font><br> <font>17. A AA Imobiliária, S.A. apenas tomou conhecimento do acima referido, em Março de 1997.</font><br> <font>18. E logo solicitou a demolição do muro e a reconstrução do mesmo sobre a linha divisória dos dois lotes.</font><br> <font>19. Em consequência do facto provado em 18., por acordo entre a AA-Imobiliária, S.A. e o sócio gerente da BB, L.da e sócio da DD­Construções e Empreitadas, L.da, , Silvino Freire, foi realizado um levantamento com vista à definição das estremas de ambos os prédios.</font><br> <font>20. Na parcela referida em 12., foi construída em 1997, parte de um muro e de uma adega.</font><br> <font>21. Na mesma parcela, foram realizadas, também em 1997, parte das infra-estruturas, com instalação de rede de gás, águas, electricidade e sistema de rega e arranjos exteriores com um espaço para o jardim.</font><br> <font>22. O valor das construções referidas em 20. e 21., é de 20.617,50 Euros.</font><br> <font>23. Existem construções no lote referido em 2.</font><br> <font>24. Aquando da edificação do muro de vedação referido no facto 14. foi construído um anexo com uma "pérgola"</font><br> <font>25. A construção do mencionado anexo e "pérgola" encontrava-se "a meio" em Maio de 1997.</font><br> <font>26. A edificação existente na parcela indicada no facto 12., foi realizada antes da aquisição do lote referido em 2.dos "Factos Assentes" pelo R. CC.</font><br> <font>27. O anexo construído na parcela constitui um corpo separado do edifício principal edificado no lote referido em 2. que constitui a habitação.</font><br> <font>28. A parcela de terreno referida no facto 12., tinha, antes das construções referidas, o valor de 10.475,00 Euros.</font><br> <font>29. O valor actual do terreno para construção no local, por m2, é de pelo menos 159,6 Euros</font><br> <font>30. O valor actual do terreno para construção no local, durante o ano de 1997 e meados de 1998, era de cerca de 99,75 Euros, o m2.</font><br> <font> 31. O índice de construção previsto para o loteamento do prédio referido em 1. dos "Factos Assentes" é de 0,40.</font><br> <font>32. Sendo "os afastamentos obrigatórios" de 5m laterais e de frente e 8m a tardoz.</font><br> <font> 33. A parcela mencionada situa-se a tardoz.</font><br> <font>34. O que reduz a possibilidade de construção na parcela restante.</font><br> <font>35. A desvalorização do terreno indicado em 1. dos Factos Assentes, resultante da perda da parcela indicada no facto 11., é de 10.495 Euros.</font><br> <font>36. Tanto a "DD-Construções e Investimentos Imobiliários, S.A.", como a "BB- Construções e Empreitadas, L.da" e o R CC sabiam que a parcela referida em 12., fazia parte do prédio referido em 1.</font><br> <font>37. Atento o referido em 9. e 11. dos "Factos Assentes", o R CC sabia que a A. reclamava como sua a parcela dos autos.</font><br> <font>38. Logo que concluíram o levantamento, em Maio de 1997, os topógrafos que a realizaram confirmaram à Autora e ao representante legal da "BB­ ­Construções e Empreitadas, L.da" e DD- Construções e Investimentos Imobiliários, S.A.", que a parcela em causa pertencia à Autora.</font><br> <br> <font>Vejamos então as questões acima elencadas como objecto deste recurso.</font><br> <font>a) Na primeira questão pretendem os recorrentes que se verificaram os requisitos legais de que depende a aquisição da propriedade da parcela em causa pelo recorrente CC, previstos no art. 1343º, nº 1 do Cód. Civil, consistentes em aquele haver agido de boa fé e em a autora não haver deduzido oposição no prazo de três meses a partir da ocupação da parcela.</font><br> <font>Esta pretensão já fora colocada da mesma forma no recurso de apelação e naquela foi rejeitada fundamentadamente, tal como fora não menos doutamente rejeitada na sentença de primeira instância.</font><br> <font>Daí que bastava a remessa para aquelas decisões para fundamentar a rejeição desta pretensão, ao abrigo do disposto no art. 713º, nº 5.</font><br> <font>Porém, sem a convicção de dizer nada de novo, iremos apontar sinteticamente os principais argumentos para a rejeição daquela pretensão.</font><br> <font>Tal como doutamente a sentença de primeira instância referiu, para a proceder a pretensão de aquisição da propriedade da parcela de terreno em causa pelo chamado CC por acessão, nos termos do art. 1343º, nº 1 do Cód. Civil, tem de verificar-se, entre outros, os requisitos:</font><br> <font>- Quando procede à construção de edifício em prédio próprio, o agente ocupa terreno alheio de boa fé;</font><br> <font>- Decurso de três meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário. </font><br> <font>Ora dos factos provados resulta que as obras de ocupação da parcela de terreno pertencente à autora em causa se iniciaram no princípio de 1997, tendo a aqui primitiva autora, então proprietária daquela parcela, sabido da realização da mesma obra em Março de 1997 e logo solicitou a demolição da mesma obra.</font><br> <font>Daqui resulta que a oposição da então proprietária do terreno ocupado se deu de imediato ao conhecimento da realização da obra - Março de 1997, tendo a obra começado em princípios de 1997.</font><br> <font>Por outro lado, dos mesmos factos provados resulta que tanto a ré BB – autora das obras iniciais “ocupantes” da parcela consistentes na construção do muro sobre aquela -, como a DD– primeira adquirente do prédio daquela ré – e, ainda, como o chamado CC – adquirente à DD do mesmo prédio, sabiam que a parcela em causa fazia parte do prédio da autora, sabendo também este último que a autora a reclamava como sua.</font><br> <font>Daqui se conclui obviamente a falta de verificação dos dois requisitos acima mencionados que condicionam a verificação da acessão, nos termos do art. 1343º, nº 1 citado.</font><br> <font>Soçobra, desta forma, este fundamento do recurso.</font><br> <br> <font>b) Nesta segunda questão defendem os recorrentes que não sendo já a BB dona do prédio – quererá dizer do prédio do chamado CC -, não se vislumbra como pode proceder à demolição do muro em que foi condenado, dado que o chamado CC foi deste pedido absolvido.</font><br> <font>Não se percebe bem o alcance desta pretensão.</font><br> <font>Se os recorrentes querem com isso dizer que a sentença de 1ª instância é contraditória no tocante à decisão e aos seus fundamentos, e como tal nula, nos termos da al. c) do nº 1 do art.668º, devemos dizer que tal matéria não é cognoscível neste recurso, pois devia ter sido tal nulidade arguida na apelação e não o foi – nº 3 do art. 668º -, não cabendo à revista conhecer desta causa de nulidade da sentença de 1ª instância – art. 722º, nº 1.</font><br> <font>Os recorrentes com aquela pretensão podem também querer atacar a decisão de mérito da sentença de 1ª instância, no sentido de que tendo o dono do prédio do prédio onde se realizaram as obras que se prolongaram para o prédio da autora sido absolvido do pedido de demolição do muro que ocupou o prédio da autora, ser impraticável a condenação da ré BB na demolição daquele muro - pretensão incompreensível por a demolição ordenada ter sido apenas do muro construído na parcela que se julgou pertencer ao lote da autora e não ao prédio do chamado</font><br> <font>Ora então, esta seria uma questão nova que devia ter sido colocada na apelação da decisão da 1ª instância e não tendo sido colocada, nessa parte, já não pode ser colocada na revista, já que a admissibilidade daquela condenação ficara já assente na decisão de 1ª instância.</font><br> <font>Com efeito, é opinião pacífica que os recursos, em princípio, visam apenas a reapreciação das questões já colocadas e decididas no tribunal inferior hierarquicamente, salvo as questões que sejam do conhecimento oficioso.</font><br> <font>Ora aquela condenação da primeira instância apenas foi impugnada no sentido de que se verificou a acessão por parte do chamado da parcela da autora ocupada pelos réus.</font><br> <font>Não se verificando, como vimos a acessão, não pode agora ser reapreciada a condenação da ré BB na demolição do muro.</font><br> <font>Soçobra, assim, este fundamento do recurso. </font><br> <br> <font>c) Finalmente resta a apreciação da questão consistente em a sentença nada haver dito sobre a demolição da adega.</font><br> <font>Também aqui não pode este recurso apreciar esta questão por se verificar os obstáculos referidos na apreciação da questão anterior.</font><br> <font>O levantamento desta questão poderia interessar se apreciada na vertente de ter a sentença de 1ª instância omitido o conhecimento de qualquer questão que lhe tenha sido submetida a apreciação, ao abrigo do disposto na primeira parte da al. d) do nº 1 do art. 668º.</font><br> <font>Mas tal arguição da nulidade deveria ter sido feita na apelação e não foi, pelo que não pode já aqui ser conhecida, até porque, como dissemos, tal matéria está subtraída ao conhecimento deste Supremo Tribunal – art. 722º, nº 1.</font><br> <font>De qualquer forma, também se não vê onde tal questão tenha sido submetida à apreciação do tribunal na 1ª instância e, além disso, a condenação decretada na reposição da parcela no estado anterior à construção do muro devidamente interpretada pode resolver a dúvida dos recorrentes.</font><br> <font>Daqui resulta a improcedência deste fundamento do recurso.</font><br> <br> <font>Pelo exposto, nega-se a revista pedida.</font><br> <font>Custas pelos recorrentes. </font><br> <br> <font>Lisboa, 01-03-2007</font><br> <br> <font>João Moreira Camilo ( Relator )</font><br> <font>Fernando Azevedo Ramos</font><br> <font>Manuel Silva Salazar.</font></font>
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9jLQu4YBgYBz1XKvpUHM
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>I</font><font> - </font><br> <br> <font>"AA" intentou, no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, acção ordinária contra Empresa-A, S.A pedindo a sua condenação no pagamento do montante das prestações vencidas e por ela pagas à Empresa-B, bem como no pagamento das prestações vincendas e juros.</font><br> <font>Para tanto, alegou que ela e o seu marido celebraram com a R. um seguro do ramo vida, vinculando-se esta por tal contrato a pagar à Empresa-B, por efeito de mútuo que esta concedera a si e seu marido, certa quantia em caso de morte ou invalidez permanente dos segurados, sendo que a ela (A.) sobreveio invalidez absoluta e definitiva.</font><br> <br> <font>Contestou a R., pugnando pela improcedência da acção, alegando, no essencial, que a A. não prestou, em questionário fornecido com vista à celebração do contrato de seguro, informações verdadeiras, pelo que o dito contrato é nulo.</font><br> <br> <font>A A.. replicou.</font><br> <br> <font>Seguiu-se o saneamento do processo e a selecção dos factos provados e destinados à produção de prova.</font><br> <font>Após julgamento, veio a ser proferida sentença a julgar a acção procedente e a condenar a R. no pedido.</font><br> <br> <font>No seguimento de apelação interposta pela R. para o Tribunal da Relação de Guimarães, a decisão da 1ª instância veio a ser anulada com vista à ampliação da matéria de facto.</font><br> <font>Concretizada esta, foi, de novo, proferida sentença a julgar procedente a acção.</font><br> <br> <font>Novamente apelou a R. e com êxito, já que a Relação de Guimarães, revogando a decisão da 1ª instância, julgou a acção improcedente e absolveu aquela do pedido. </font><br> <br> <font>Com esta decisão não se conformou a A., que recorreu para este STJ, pedindo revista e consequente condenação da R. no pedido que inicialmente formulou.</font><br> <font>Para tanto, juntou a respectiva minuta que fechou do seguinte modo:</font> <p><font>- Está em causa nos autos um contrato de seguro que, além de formal e facultativo, é de adesão, porquanto comporta um conjunto de cláusulas já previamente elaboradas e que proponentes e destinatários se limitam a subscrever ou aceitar. </font> </p><p><font>- As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.</font> </p><p><font>- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato, e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência. </font> </p><p><font>- O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. </font> </p><p><font>- "Cláusulas excluídas dos contratos singulares" que se consideram excluídas dos contratos singulares, entre outras, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5° (al. a)), e as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo (al. b)). </font> </p><p><font>- Resulta da Lei que cabe ao predisponente, dessas cláusulas, o ónus da prova de que houve comunicação integral e adequada das mesmas à outra parte.</font> </p><p><font> - Assim, e desde logo, teria a Recorrente de alegar e provar de que a matéria pela qual pretendia ver recusado o pagamento à Recorrida lhe foi dita e explicada. </font> </p><p><font>- A Recorrente não alegou que informou a Recorrida que se esta sofresse de alguma doença o seguro seria nulo.</font> </p><p><font>- Resulta da factualidade apurada que quando a Recorrida preencheu o questionário a, 18 de Setembro de 1999, desconhecia que padecia de epitrocleite em virtude de ter ficado demonstrado que só veio a ter conhecimento do carácter maligno em 27.02.02.</font> </p><p><font> - Resulta ainda provado que tais lesões, e só essas, impossibilitam a continuação da actividade profissional da Recorrida, acarretando-lhe uma incapacidade permanente de 85%, e que tais lesões são permanentes e irreversíveis e agravam-se com o decurso do tempo. </font> </p><p><font>- Resulta igualmente como provado que a Recorrente informou a Recorrida aquando a subscrição do contrato de seguro, que se esta não pudesse exercer a sua actividade laboral e não pudesse auferir rendimentos do seu trabalho, o capital seguro seria para liquidar a dívida à Empresa-B. </font> </p><p><font>- Deste modo cumpre concluir que a Recorrente não logrou fazer prova dos factos impeditivos ou extintivos do direito invocado e comprovado pela Recorrida.</font> </p><p><font>Em contra-alegações, a R. defendeu a manutenção do aresto impugnado, sem, no entanto, deixar de pedir, subsidiariamente, a improcedência da acção, tendo em conta as condições gerais e particulares da apólice, onde se descreve que estado de invalidez absoluta e definitiva será aquele que determina que a pessoa segura, "em consequência de doença susceptível de constatação médica, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais". Evidenciou, ainda, que a A.. não é portadora de um tal grau de invalidade definitiva e absoluta por doença e não tem necessidade de acompanhamento de uma terceira pessoa, como resulta da resposta negativa ao quesito 18º.</font> </p><p><font>II</font><font> - </font><br> <font>As instâncias deram como provados os seguintes factos:</font><br> <br> <font>1</font><font> - A A.. e o seu marido BB subscreveram com a R. um contrato de seguro denominado "Ramo Vida - Seguros de Grupo", titulado pela apólice n° 5.000.500.</font> </p><p><font>2</font><font> - A subscrição do referido contrato de seguro foi exigida à A. e ao seu marido pela Empresa-B em virtude de esta ter concedido aqueles, a 15.12.93, um mútuo no montante de 7 600 000$00, para aquisição de casa própria e permanente, hipotecando para o efeito à fracção adquirida pela A.. e seu marido, melhor identificada pela letra "B", a qual corresponde ao rés-do-chão direito, destinada a habitação, com uma garagem na cave, e uma divisão no sótão, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito no lugar da ....., freguesia de Meadela, do concelho de Viana do Castelo, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o n° 1258 da dita freguesia de Meadela, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo n° 2271, mútuo que aqueles se obrigavam a pagar no prazo de 25 anos a contar daquela data.</font> </p><p><font>3</font><font> - Pelo referido contrato de seguro, a R. garantia o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade ao beneficiário em caso de morte, invalidez total e permanente por acidente, invalidez absoluta e definitiva por doença ocorrida à pessoa segura.</font> </p><p><font>4</font><font> - As pessoas seguras no referido contrato eram a A. e o seu marido e o beneficiário, quer em caso de morte, quer em caso de invalidez, era a Empresa-B.</font> </p><p><font>5</font><font> - Aquando da subscrição do contrato de seguro, a R. informou a A. de que, se não pudesse exercer a sua actividade laboral e não pudesse auferir rendimentos do seu trabalho, o capital seguro seria para liquidar a dívida à Empresa-B.</font> </p><p><font>6</font><font> - A A.. apresenta limitação dos movimentos e dores no cotovelo esquerdo que irradiam para o braço e antebraço a partir de um ponto de origem situado na epitróclea daquele lado.</font> </p><p><font>7</font><font> - Aquelas dores surgem após os esforços e/ou os movimentos repetidos.</font> </p><p><font>8</font><font> - As lesões descritas em 6) e 7) acarretam para a A. uma incapacidade permanente de 85% e implicam que tenha de ser reclassificada profissionalmente. </font> </p><p><font>9</font><font> - A apólice do contrato de seguro referido em 1) foi subscrita em 15.09.99.</font> </p><p><font>10</font><font> - Em 18.09.99, a A. preencheu o questionário clínico junto a fls. 48, no qual declarou "não ter ocultado qualquer facto que possa influir na decisão que a Empresa-A deve tomar acerca do seguro proposto sobre a minha vida...".</font> </p><p><font>11</font><font> - No referido questionário, a A.. declarou ainda que o seu estado de saúde actual era perfeito, que não tinha consultado ultimamente nenhum médico, que não tinha baixas frequentes por doença e que não tomava nenhum medicamento regularmente.</font> </p><p><font>12</font><font> - Respondeu ainda negativamente a todas as questões que lhe foram feitas sobre antecedentes pessoais, nomeadamente sobre as perturbações e doenças ali mencionadas.</font><br> <font>13</font><font> - A A.. declarou ainda que naquele ano havia feito exames complementares de diagnóstico e que havia obtido bons resultados.</font> </p><p><font>14</font><font> - Em Janeiro de 2002, a A. detectou um nódulo na mama esquerda.</font> </p><p><font>15</font><font> - A A. marcou de imediato uma consulta no médico cirurgião Dr. CC.</font> </p><p><font>16</font><font> - Aquele médico suspeitou de malignidade e marcou uma cirurgia com urgência.</font> </p><p><font>17</font><font> - A qual veio a ocorrer a 27.02.02.</font> </p><p><font>18</font><font> - A A. foi informada de que o nódulo era maligno.</font> </p><p><font>19</font><font> - A A. foi submetida a segmentectomia de transição dos quadrantes superiores da mama esquerda mais esvaziamento axilar ganglionar hemilateral por carcinoma da mama esquerda.</font> </p><p><font>20</font><font> - O exame histiológico extemporâneo pós-operatório confirmou a existência de carcinoma invasor com 3 cm com margens de exerese cirúrgica sufinentes e superiores a 10 mm.</font> </p><p><font>21</font><font> - O exame imunohistopatológico definitivo confirmou a existência de carcinoma invasor (5.0.E) com 3 cm de maior diâmetro (T2) com gânglios metastizados dos 19 isolados do produto do esvaziamento ganglionar (N1), R.E. positivo, C-erb-B2 negativo.</font> </p><p><font>22</font><font> - A A.. efectuou quimioterapia mais radioterapia e hermonoterapia sequencial.</font> </p><p><font>23</font><font> - Como resultado dos tratamentos efectuados, a A. ficou a sofrer de rigidez da articulação da escápula umeral à esquerda e do membro superior à esquerda.</font> </p><p><font>24</font><font> - Aquelas lesões impossibilitam a continuação da actividade profissional da A..</font> </p><p><font>25</font><font> - E acarretam-lhe uma incapacidade permanente de 85%.</font> </p><p><font>26</font><font> - As referidas lesões são permanentes e irreversíveis e agravam-se com o decurso do tempo.</font> </p><p><font>27</font><font> - Em consequência daquelas lesões, a A. sente dores.</font> </p><p><font>28</font><font> - E mantém tratamentos diários.</font> </p><p><font>29</font><font> - A A. não aufere quaisquer rendimentos do seu trabalho.</font> </p><p><font>30</font><font> - A A. omitiu que tinha sido submetida a diversos tratamentos cirúrgicos, nomeadamente em Julho de 1999.</font> </p><p><font>31</font><font> - Omitiu que padecia de epitrocleite.</font> </p><p><font>32</font><font> - A doença e lesões referidas em 6), 7) e 8) são anteriores à celebração do contrato de seguro.</font> </p><p><font>III</font><font> - </font> </p><p><font>Quid iuris?</font> </p><p><font>Nas várias conclusões apresentadas a A.. (e nas quais se confunde as mais das vezes a sua situação de recorrente com a da R. que é aqui recorrida) defendeu a revogação do acórdão e a repristinação do julgado pelo Tribunal de 1ª instância, fazendo ênfase no facto de a R. não a ter informado das consequências derivadas de sofrer doença.</font> </p><p><font>Fez salientar, ainda, o facto (provado) de no momento em que preencheu o questionário, a 18 de Setembro de 1999, desconhecer que padecia de epitrocleite, só vindo a tomar conhecimento do seu carácter maligno em 27 de Fevereiro de 2002. </font> </p><p><font>Ora bem.</font> </p><p><font>É certo que a A.. prestou declarações inexactas ao responder falsamente ao questionário que a R. lhe apresentou antes da outorga do contrato. Isto é o suficiente para, como foi perfeitamente esclarecido no aresto impugnado, ser sancionado o comportamento da recorrente e o contrato ser declarado nulo, tendo em conta o preceituado no art. 429º do C. Comercial</font> </p><p><font>Em bom rigor, teremos de dizer que não estamos aqui perante um caso de nulidade de contrato, mas antes de um caso de mera anulabilidade, uma vez que os interesses em jogo apenas justificam esta sanção; com efeito, o regime severo da nulidade encontra apoio em motivos de interesse público, o que não é manifestamente o caso - </font><font>cfr</font><font>. sobre este ponto, Moitinho de Almeida, </font><font>in</font><font> Contrato de Seguro, pág. 61, José Vasques, </font><font>in</font><font> O Contrato de Seguro, pág. 379).</font> </p><p><font>Para este último A., o art. 429º do C. Comercial constitui "um afloramento do erro do vício da vontade" - "trata-se, assim, de situação em que a seguradora se decide a perseguir a função económico-social do negócio partindo de um conhecimento erróneo de uma previsão enganosa". Daí que - continua - essa declaração torne o negócio anulável, não se vendo razões para, tendo classificado a situação prevista no artigo 429º como erro de vício de vontade, lhe associar uma sanção diferente e mais grave que aquela que o legislador fixou quando tratou da figura nos seus contornos basilares".</font> </p><p><font>No entanto não são todas as inexactidões que conduzem ao vício referido, mas tão-somente aquelas que determinam a avaliação dos riscos por parte da seguradora: se esta soubesse de tais circunstâncias não teria certamente celebrado o contrato, ou teria celebrado o mesmo noutras condições.</font> </p><p><font>Esta consequência da nulidade (melhor: anulabilidade), prevista no preceito legal </font><font>supra</font><font> referido, está ancorada na previsibilidade de a Segurador não celebrar o contrato sabendo que o potencial segurado sofre de determinadas maleitas, ou até de o celebrar mas noutras condições, após a devida ponderação de riscos. </font> </p><p><font>E é nesta ordens de ideias que entra em cena a importância do chamado "questionário". Através dele, a seguradora indica ao potencial segurado as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco - são aquelas que determinam a celebração do contrato e as suas condições.</font> </p><p><font>Como se diz no acórdão impugnado, o elemento decisivo para a celebração do contrato é o questionário apresentado ao segurado, "na medida em que se presume não serem aí feitas perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato".</font> </p><p><font>Daí que seja irrelevante saber do nexo causal entre as declarações inexactas e o sinistro: independentemente de se saber se tal nexo se verifica ou não, o que pesa na apreciação da Seguradora é a base circunstancial necessária e decisiva à celebração do contrato nas condições pactuadas.</font> </p><p><font>A tal base, repete-se, não é, não pode ser, indiferente saber se o potencial segurado sofre desta ao daquela maleita - se tal fosse, de todo em todo irrelevante, não se compreenderia a função do questionário.</font> </p><p><font>Como escreve Moitinho de Almeida, "uma falsa declaração concernente ao risco pode influir na balança de ambas as prestações, levando à fixação de um prémio inferior ao que seria estabelecido conhecida a realidade, ou mesmo determinando a aceitação pelo segurador de um contrato que, de modo algum não aceitaria".</font> </p><p><font>E, mais à frente, acrescenta que "o questionário traduz-se numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado e não parece justo, assim, que possa redundar em prejuízo daquele" (</font><font>in</font><font> obra citada, pág. 73 e </font><font>ss</font><font>.). </font> </p><p><font>O que fica dito sobre a relevância da inexactidão das declarações colhidas através de questionário prévio ao potencial segurado vale tanto para os contratos celebrados e resultantes de negociações prévias, como também e sobretudo para os chamados contratos de adesão.</font> </p><p><font>Com efeito, é nestes que tem perfeita justificação a elaboração de questionário com vista à ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto.</font> </p><p><font>Dito isto, é tempo de concluir pela irrelevância do que vem defendido nas conclusões do recurso que à nossa consideração foi trazido, sem prejuízo do reparo de a recorrente ter aproveitado a oportunidade para suscitar "questões novas", avessas à nossa cognição por mor da finalidade dos recursos (apreciação do mérito das questões decididas pelo tribunal inferior e não decisão sobre "questões novas").</font> </p><p><font>Invocada a nulidade (mais correctamente, a anulabilidade do contrato firmado) e nada tendo a A., ora recorrente, objectado em relação à oportunidade de tal invocação, outra conclusão não pode ser tirada que não seja a da procedência da tese que a Seguradora trouxe a pretório: foi o que acertadamente fez o acórdão recorrido.</font> </p><p><font>Por mera cautela, a Seguradora lançou mão do preceituado no art. 684º, nº1, do CPC e pediu, subsidiariamente, a improcedência da acção.</font> </p><p><font>Atenta a falência da tese avançada pela recorrente-A., perde, naturalmente, todo o interesse a análise de tal pedido subsidiário por parte da Seguradora.</font> </p><p><font>IV</font><font> - </font> </p><p><font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, decide-se negar a revista da A. e julgar prejudicado o conhecimento do mérito da revista da R.</font> </p><p><font>Custas, aqui e nas instâncias, pela A.</font> </p></font><p><font><br> <font>Lisboa, 17 de Outubro de 2006</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Borges Soeiro</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br> <font> 1-1- No Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António a </font><b><font>Sociedade Turística AA S.A.</font></b><font>, com sede no Hotel AA, Avenida Infante D. Henrique, Monte Gordo, Vila Real de Santo António, propôs a presente acção com processo ordinário contra a </font><b><font>Câmara Municipal de Vila Real de Santo António</font></b><font>, sita na Praça..............em Vila Real de Santo António, </font><i><font>pedindo</font></i><font> se declarasse a manutenção do direito à reversão e consequente imposição à R. da construção de um parque de repouso ou recreio para uso dos frequentadores da estância balnear de Monte Gordo, como condição da doação que lhe foi feita em escritura de 28-05-1963, de uma parcela de terreno devidamente identificada nos autos.</font><br> <font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em 28.05.1963, BB e mulher, CC, e a Sociedade “CC, Lda” de que o primeiro era sócio gerente, na qualidade de proprietários, (na proporção de metade para a Sociedade e metade para BB e mulher), doaram à R., livre de ónus ou encargos, uma parcela de terreno (composta, no seu conjunto, por três parcelas) com a área total de 4.387,40 m2., devidamente identificada nos autos. A referida parcela de terreno, fora adquirida pelos doadores à R. (por meio de venda em hasta pública realizada em 06.01.1960, titulada por alvará dessa edilidade com o número 57, emitido em 16.01.1960, com as alterações constantes do averbamento de 02.03.1961), sendo que, das condições da venda em hasta pública, constava que “</font><i><font>parte do referido conjunto de terreno composto pelas três parcelas se encontrava destinado exclusivamente à construção “de um parque de repouso ou recreio para uso dos frequentadores da instância balnear de Monte Gordo” e dos utentes de um hotel que deveria ser construído noutra parcela do citado terreno”. </font></i><font>Em cumprimento com o estipulado nas condições da venda, na escritura pública de doação (de uma dessas parcelas de terreno) à R., ficou exarado que a referida doação ficaria dependente da verificação de dois eventos ou circunstâncias, a saber:</font><i><font>- “O terreno doado só poderá ser utilizado pela C. M. V. R. S.A. na construção de um Parque Municipal a levar a efeito em harmonia com o ante plano de urbanização de Monte Gordo”; </font></i><font>e “</font><i><font>A doação considerar-se-á sem efeito, revertendo para os doadores ou seus herdeiros ou representantes, não só o terreno objecto desta doação condicional, mas também as benfeitorias nele existentes, quer no caso de ao mesmo terreno ser dado, em qualquer tempo, destino diferente daquele que se estabelece na alínea anterior - entenda-se o número supra -, quer no caso de o projecto do Parque não estar concluído dentro do prazo de três anos a contar da data desta escritura, salvo se houver, num e noutro caso, acordo dos doadores quanto às alterações a efectuar”.</font></i><font> Não obstante a aceitação pela R. dos termos da doação impostos pelos doadores, que declarou (...), </font><i><font>que o terreno doado se destina à construção de um Parque Municipal, como acima se prevê e que tal parque estará concluído dentro do prazo de três anos a contar da data da presente escritura”</font></i><font>, a verdade é que, volvidos três anos, a R. não erigiu na parcela de terreno doada o competente Parque Municipal. Acresce que, no dia 24.10.1994, a escritura de doação que BB e mulher, CC e a Sociedade “CC, Lda”</font><i><font> </font></i><font>fizeram à Câmara Municipal foi alterada, sendo que, os únicos e legítimos herdeiros dos doadores acima identificados, DD e EE e a “Sociedade Turística AA, S.A.”, (anteriormente designada por Sociedade “CC Lda.”), declararam </font><i><font>“ que prescindiam do direito de reversão inerente naquela condição, pelo que pela presente escritura se considera alterada a escritura inicial, em conformidade com o desejo agora expresso, deixando assim de ficar condicionada a qualquer prazo para a realização do parque previsto’</font></i><font>”</font><i><font> (...) mantendo-se, em tudo o resto, o estipulado na escritura inicial”. </font></i><font>Em 27.01.1995, a R. Câmara permutou com a firma “Marmonte - Construtora Predial, Lda</font><i><font>.”,</font></i><font> (para efeitos de alargamento da via pública) uma área de 554,6 m2, que fazia parte do prédio objecto da doação identificada, permuta esta que foi autorizada pelos representantes dos doadores (na qualidade de herdeiros e únicos representantes dos mesmos), sendo porém certo que dessa Declaração/Autorização resultava que tal concordância </font><i><font>“ (...) era feita sem prejuízo do fim para que foi feita a doação em 28/05/1963, pelo que se mantém a condição de utilização do restante terreno exclusivamente para construção de um Parque Municipal a levar a efeito pela citada Câmara, sob pena de reversão para os herdeiros e representantes dos dadores do citado prédio, nos termos estipulados da aludida escritura de doação”.</font></i><font> Em 10.07.1995, a firma </font><i><font>“Larbrás - Empresa de Construção Civil, S.A,”,</font></i><font> solicitou à Câmara Municipal (à semelhança do que fizera a firma “</font><i><font>Marmonte”),</font></i><font> uma permuta de terrenos com a área de 297 m2, com destino a um parqueamento, ampliação das áreas de passeio, alinhamento e amplitude de arruamentos (sendo certo que a parcela de terreno a permutar fazia parte da parcela de terreno objecto da referida doação). Desta feita, (e sem que os representantes dos doadores fossem chamados a intervir, tal como sucedera com a permuta de terrenos antes referida), a permuta dos terrenos foi aprovada por meio da deliberação camarária de 15.02.00, notificada à A. em 15 de Maio de 2000, (proposta do Senhor Presidente referente à permuta de terrenos a celebrar entre a firma “Larbrás” e a R., aprovada por maioria, tendo sido deliberado: </font><i><font>“1) -A existência de interesse público na permuta de terrenos proposta pela firma “Larbrás”, por permitir o alargamento das Ruas 3 e Bartolomeu Perestrelo, com a possibilidade de criar estacionamentos públicos perpendiculares às vias referidas;</font></i><font> </font><i><font>2.) - Que fosse invocada a prescrição e a ilicitude das condições da doação do referido terreno;</font></i><font> </font><i><font>3.) - Que se aprovasse a permuta dos terrenos em causa)”.</font></i><font> Com tais fundamentos e ainda por a R. ter considerado a ocorrência da prescrição da condição aposta na doação (construção de um Parque Municipal), além disso, a natureza ilícita, desproporcional e contrária à lei e à ordem pública da cláusula de reversão não sujeita a prazo de cumprimento, não tendo sido a A. chamada a autorizar a permuta de 297 m2 da parcela, entre a R. e a empresa de construção </font><i><font>Larbrás</font></i><font>, após deliberação camarária de 15/02/2000, conclui a A. pela procedência da acção, no sentido de ser declarada a manutenção do direito à reversão das identificadas parcelas e a consequente imposição à R. da construção do parque, como condição da doação. </font> <p><font> A R. contestou alegando, em resumo, que o terreno doado em 28 de Maio de 1963, tinha sido adquirido, em hasta pública, por BB e pela Sociedade S...U...A... Limitada, à própria donatária Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, no dia 6 de Janeiro de 1960, sendo que, das parcelas arrematadas, uma delas era destinada única e exclusivamente à construção de um hotel e suas dependências (actualmente o Hotel AA) e a segunda parcela agora em causa, destinada a parque de repouso ou recreio para uso dos frequentadores do hotel. Que tendo sido emitido, em 2 de Março de 1961, o alvará nº 57 para titular essa venda, e onde constavam as condições de alienação, verificava-se, pelas mesmas, (para além do destino das parcelas), que “</font><i><font>o parque de recreio ou repouso podia ser utilizado pela Câmara Municipal para a realização de qualquer festa de beneficência ou outro fim de interesse municipal, uma vez em cada ano, sem que tenha de pagar qualquer aluguer, ficando porém a seu cargo todas as outras despesas, incluindo as derivadas de prejuízos causados aos proprietários durante a utilização”</font></i><font>. Assim, e ao contrário do que se alega no artigo 9° da petição inicial nos termos das condições de alienação, o parque de recreio e lazer não se destinava livremente para uso dos frequentadores da Estância Balnear, uma vez que era necessário os proprietários do hotel elaborarem um regulamento de admissão que nunca chegou a ser feito. Que, tendo os adquirentes da referida parcela, tomado conhecimento do anteplano de Urbanização de Monte Gordo, (conforme consta da planta existente na Câmara Municipal e anexa ao alvará no qual parte daquele terreno estava abrangido pela construção de um Parque Municipal), doaram à Câmara Municipal uma parcela de terreno com a área de 4.387,40 m2 a destacar das outras parcelas que adquiriram anteriormente à Câmara Municipal (para que fosse construído o parque Municipal), tendo transferido para a Câmara Municipal todo o domínio, direito, acção, posse e usufruição sobre a parcela de terreno doada, prestando a evicção. Mais consta nessa escritura de doação: “</font><i><font>A doação considerar-se-á sem efeito, revertendo, para os doadores ou seus herdeiros ou representantes, não só o terreno objecto desta doação condicional, mas também as benfeitorias nele existentes quer no caso de ao mesmo terreno ser dado em qualquer tempo, destino diferente daquele que se estabelece na alínea anterior, quer no caso de o projectado Parque não estar concluído no prazo de 3 anos a contar da data desta escritura, salvo se houver num ou noutro caso, acordo dos doadores, quanto às alterações a efectuar.”</font></i><font> Assim, e de acordo com o estipulado nos termos da referida condição, havia motivo por parte dos doadores de requererem a reversão do terreno desde o dia 29 de Maio de 1966. Não o tendo feito até 2 de Junho de 1987, e tendo começado a correr naquela data o prazo de prescrição do exercício do direito, tal direito prescreveu em 2 de Junho de 1987</font><b><font>,</font></b><font> completados 20 anos sobre a data em que o direito podia ser exercido. Além disso, o terreno em causa encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº 939/950109 a favor do Município de Vila Real de Santo António, sem qualquer cláusula de reversão a favor dos doadores, o que contraria o disposto no art. 940º nº3 do Código Civil, gozando a R. de presunção do direito de propriedade, nos termos do art. 7º do C. Registo Predial. Por outro lado, a A., Sociedade Turística AA, foi notificada da proposta aprovada por maioria na reunião de 16/02/2002, nos termos da qual a R., Câmara Municipal, deliberou invocar a prescrição e a ilicitude das condições da doação do terreno em causa, não sendo demais lembrar que, em 24 de Outubro de 1994, os herdeiros dos mencionados doadores BB e esposa tinham celebrado uma escritura de alteração de escritura de doação de 28 de Maio de 1963 na qual declararam</font><i><font> “que prescindem do direito de reversão inerente aquela condição, pelo que pela presente escritura se considera alterada, em conformidade com o desejo agora expresso, a escritura inicial, deixando assim de ficar a doação condicionada a qualquer prazo para realização do parque previsto,(…) em tudo o resto se mantendo o estipulado na escritura inicial”. </font></i><font>Os descendentes dos doadores não tinham qualquer legitimidade para celebrar a escritura de alteração da escritura de doação, sendo portanto tal escritura nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 270º e 960º nº 2 do Código Civil. No entanto, ainda que tal não se considere, é inadmissível um vínculo perpétuo, com fundamento em disposições da Lei reguladora das Cláusulas Contratuais Gerais. Assim, e porque a declaração de renúncia à reversão foi emitida mais de sete anos decorridos após a prescrição do direito, além de que a escritura de alteração da doação contém uma cláusula que representa um vínculo perpétuo, logo, ilegal e contrário à lei, além da presunção que lhe advém do registo a favor da R., conclui pela improcedência da acção.</font><br> <font> A A. replicou alegando no essencial e em síntese, que a invocação da prescrição do excercício do direito pela A. é absolutamente descabida e carece de fundamento, pela única razão de que a condição aposta na doação de 63 foi inteiramente aceite pela R., facto que, volvidos três anos sem que essa condição fosse cumprida, operou a transferência da propriedade da parcela de terreno para a esfera jurídica dos herdeiros e representantes dos doadores. Além disso, apesar de já haverem decorridos mais de 20 anos aquando da escritura de alteração, (o tal prazo que no entender da R. balizava o fim do direitos dos doadores a pedirem a reversão da parcela de terreno) é no mínimo estranho que a R. tenha concordado com a manutenção da obrigação da construção de um parque municipal aquando da celebração da escritura de alteração da doação, quando, na verdade, defende que o direito a exigir a reversão da parcela de terreno, onde o mesmo iria ser erigido, já havia prescrito. O que sucedeu na realidade – segundo alega - foi que, face à resolução do contrato operada pelo não cumprimento da prestação de construção do parque, os herdeiros e os doadores, mantiveram, na escritura de doação, a condição inicial, prescindindo tão só do prazo inicialmente fixado de 3 anos para a construção do mesmo. </font> </p><p><font> Conclui, assim, que, quanto à obrigação de construção de um parque municipal, esta se manteve inalterável, até porque esses mesmos termos foram aceites pela R. na referida escritura de alteração. Mais conclui pela não ocorrência de qualquer excepção ao não cumprimento da prestação, pela manutenção do direito à reversão e, reflexivamente, o direito à imposição à R. de construção do parque como condição da doação.</font><br> <font> </font><br> <font> Realizou-se a audiência preliminar, após o que se elaborou saneador-sentença onde, conhecendo-se do mérito dos autos, se julgou a acção improcedente com a absolvição da R. dos pedidos.</font><br> <font> Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 2-10-2008, julgado procedente o recurso revogando-se o despacho saneador sentença, julgando-se procedente a acção reconhecendo-se a subsistência na esfera jurídica da A. quer o direito potestativo à reversão da parcela, quer o direito de exigir da R. o cumprimento do encargo (construção do parque) mencionado na escritura de doação de 28-5-1963 e mantido na escritura de alteração de 24-10-1994.</font><br> <font> </font><br> <font> Irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.</font><br> <font> A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br> <font> 1ª- Enferma o Acórdão recorrido de um vício de nulidade, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, por manifesta contradição entre a sua decisão, no sentido do reconhecimento da subsistência, na esfera jurídica da Recorrida, quer do direito potestativo de reversão da parcela doada, quer do direito a exigir à R., ora Recorrente, a construção do parque municipal no terreno objecto de doação, e a resolução das questões que constituem fundamento e antecedente lógico daquela decisão. </font><br> <font> 2ª- Com efeito, não se descortina qual a articulação lógica entre a fundamentação do Acórdão Recorrido e a conclusão do Tribunal a quo no sentido da subsistência, na esfera jurídica da Recorrida, do direito à reversão da parcela doada, porquanto tal faculdade não se encontra admitida pelo Tribunal Recorrido em termos genéricos, ou com os fundamentos inicialmente previstos na escritura de doação primeiramente outorgada, para o efeito apenas admitindo o Tribunal Recorrido, enquanto fundamento da dita reversão, e em sede de fundamentação do Acórdão, o desrespeito do fim previsto para os terrenos doados – fundamento que, acrescente-se, não foi invocado pela Recorrida e, como tal, não deveria ter sido apreciado pelo Tribunal Recorrido, muito menos justificar qualquer decisão de procedência do recurso de apelação em consideração. </font><br> <font> 3ª- Não se justifica, por outro lado, do ponto de vista lógico justificativo, a decisão do Tribunal a quo com respeito à vinculação da ora Recorrente na construção do parque municipal, porquanto tal obrigação quedou, como bem reconheceu o Tribunal Recorrido em sede da fundamentação do Acórdão, desprovida de qualquer conteúdo útil e vinculativo na senda da celebração da escritura de alteração da doação, nos termos da qual prescindiram os herdeiros dos doadores do prazo de três anos inicialmente previsto para a obrigação de construção do dito parque, bem como da faculdade de reversão da doação com fundamento no incumprimento dessa mesma obrigação, assim se considerando a mesma revogada em conjunto e a propósito da revogação da cláusula de reversão que fundamentava, </font><br> <font> 4ª- Desta feita, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo, em consequência, mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que se afigura concretamente consonante com a própria argumentação aduzida pelo Tribunal Recorrido, que apenas por mero e manifesto lapso, e provavelmente em resultado das contradições várias de que padece a tese esgrimida pela ora Recorrida (e pelo Tribunal Recorrido tão bem identificadas), poderá ter determinado a procedência do recurso de apelação interposto pela Autora, ora Recorrida. </font><br> <font> 5ª- Ainda que se considere que o Tribunal Recorrido reconheceu a manutenção do direito de reversão da doação com base no fundamento que constitui a atribuição ao bem doado de destino diverso daquele estipulado na mesma escritura de doação, sempre deverá considerar-se que o Acórdão Recorrido padece de uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, porquanto tal fundamento não foi invocado nem sequer foi a sua ocorrência demonstrada nos autos, hipótese em que deverá igualmente ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo, em consequência, mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.</font><br> <font> 6ª- Atento o teor da escritura de alteração da doação datada de 24 de Outubro de 1994, resulta inequívoco concluir que os herdeiros não pretenderam, senão, excluir a cláusula de reversão que assessorava o negócio jurídico de doação, revogando-a in totum, e não prescindir tão-somente do prazo de três anos a que o exercício da dita reversão se encontrava condicionado – e que, aliás, à data da outorga da mencionada escritura de alteração da doação, já havia há muito decorrido. </font><br> <font> 7ª- Resulta igualmente evidente da análise da segunda escritura de doação que os representantes dos doadores renunciaram também à obrigação de construção do parque municipal propriamente dita, tal obrigação devendo considerar-se revogada em conjunto e a propósito da revogação da cláusula de reversão que fundamentava, porquanto tal obrigação e tal cláusula de reversão constituíam prerrogativa una e instrumental relativamente ao encargo modal que onera a doação em apreço – a obrigação de respeito da finalidade prevista para o objecto da doação.</font><br> <font> 8ª- Relativamente à faculdade de reversão da doação com fundamento no incumprimento da obrigação de respeito da finalidade estipulada para o bem doado, também a mesma se deverá considerar renunciada em decorrência do teor da segunda escritura de doação, mantendo-se o modo que onera a presente doação passível de sancionamento pelos herdeiros dos doadores nos termos do prescrito no artigo 965.º do Código Civil.</font><br> <font> 9ª- Com efeito, a natureza modal da doação em apreço determinou a previsão de uma cláusula de resolução para a hipótese de incumprimento de tal encargo, que se materializou na previsão de uma faculdade de reversão da doação operante mediante a subsunção e concomitante invocação de um dos dois fundamentos nela previstos, que não apresentam, contudo, qualquer singularidade, eficácia ou utilidade se considerados individualmente e de forma dissociada do referido encargo modal. </font><br> <font> 10ª- O teor da cláusula da segunda escritura de doação, no sentido de que as partes “prescindem do direito de reversão inerente naquela condição”, aponta nesse sentido, devendo considerar-se que a condição aí mencionada, não obstante a falta de rigorismo jurídico, mais não é que o encargo modal previsto na primeira escritura de doação, que se traduz na obrigação de respeito da finalidade prevista para o objecto da doação, ao serviço do qual se encontravam clausulados, quer a obrigação de a Recorrente proceder à construção do parque municipal (esta mais não constituindo que uma concretização, acessória e especifica, daquele encargo modal), quer os dois fundamentos previstos para a reversão da doação em apreço, expedientes que deverão considerar-se revogados pelas partes mediante a outorga da segunda escritura pública de doação, assim tendo sido revogado todo o clausulado na primeira escritura a propósito da faculdade de reversão da doação. </font><br> <font> 11ª- Tal entendimento resulta consequência linear da perscrutação do teor da escritura de doação outorgada em 24.10.1994, e da aplicação, para o efeito, dos critérios previstos nos artigos 236.º e 237.º do Código Civil, porquanto o interesse da Autora, ora Recorrida, na construção do parque sempre se afigurou manifestamente diminuto, sendo que a previsão do encargo modal onerando a doação em apreço sempre teve em vista a imposição, à beneficiária, ora Recorrente, da obrigação de construção do dito parque, no próprio interesse dos doadores, assim se desonerando de tal encargo sem deixar de adquirir a parcela destinada ao Hotel, cuja construção e exploração era o seu único interesse. </font><br> <font> 12ª- O direito à construção do parque municipal – e o consequente direito à reversão da doação com fundamento na violação de tal direito – não se enquadra em nenhuma das categorias de direitos enunciadas no nº 2 ou no nº 3 do artigo 298.º do Código Civil, nem se trata de um direito indisponível ou que a lei tenha declarado isento de prescrição, sempre restando proceder à aplicação da regra geral prevista no n.º 1 do artigo 298.º do Código Civil e, independentemente de quaisquer outras classificações possíveis desse mesmo direito, considerá-lo sujeito a prescrição, pelo seu não exercício, durante um determinado lapso de tempo legalmente estabelecido. </font><br> <font> 13ª- Por outro lado, o direito cuja prescrição ora se pretende ver reconhecida é o direito dos doadores – e, presentemente, dos seus representantes – à conclusão, no prazo de três anos, do projecto do parque municipal, que se traduz numa cláusula modal que onera a doação, vincula a donatária e mais não consubstancia que um verdadeiro direito subjectivo/obrigacional que, tal como bem refere o Tribunal Recorrido no entendimento por este explanada na p. 25 do Acórdão Recorrido e que ora se devolve à precedência, deverá considerar-se prescritível. </font><br> <font> 14ª- Em decorrência do prescrito na primeira parte do n.º 1 do artigo 297.º do Código Civil, resulta necessário considerar aplicável aos presentes autos o prazo de prescrição de vinte anos fixado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o novo Código Civil, procedendo à sua contagem desde o início da vigência deste diploma – dia 1 de Junho de 1967. </font><br> <font> 15ª- Destarte, e em virtude da combinação do vertido na 1.ª parte do n.º 1 do artigo 306.º, com o disposto nas alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, resulta evidente que a prescrição do direito dos doadores requererem a reversão da parcela de terreno objecto do negócio jurídico de doação se verificou às 24 horas do dia 2 de Junho de 1987, razão pela qual, e de acordo com o prescrito no artigo 304.º do Código Civil, a Ré, ora Recorrida, tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação em consideração, ou de se opor por qualquer modo ao exercício do direito correspectivo, considerando-se, assim, procedente a excepção peremptória extintiva de prescrição que presentemente se invoca. </font><br> <font> 16ª- O entendimento do Tribunal Recorrido, no sentido da subsistência da cláusula de reversão da doação, sem se encontrar, porém, o exercício da mesma constrangido a um qualquer prazo, determina a nulidade da mesma por violação do disposto na alínea j) do artigo 18.º e no artigo 12.º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, e no n.º 2 do artigo 2230.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 967.º do mesmo diploma legal. </font><br> <font> 17ª- Em conformidade com o vertido no ponto 5 da decisão do Tribunal de 1.ª Instância quanto à matéria de facto considerada como provada resulta mister concluir que o inadimplemento da construção do parque municipal não poderá ser imputável à ora Recorrente, tratando-se, assim, de um inadimplemento não culposo, porquanto a admissão do dito parque encontra-se condicionada à elaboração, pelos doadores – ou seus representantes - de um regulamento que deverá ser submetido à sanção da Câmara Municipal, o que determina a aplicabilidade do disposto no artigo 813.º do Código Civil e desonera a Recorrente de qualquer responsabilidade com respeito à construção do mencionado parque, que não a resultante de uma actuação dolosa que não se encontra por qualquer forma evidenciada nos presentes autos, assim inviabilizando a operatividade da cláusula de reversão da mencionada doação. </font><br> <font> 18ª- O Acórdão Recorrido violou, assim, de forma clamorosa, o disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, o disposto nos artigos 236.º, 237.º, 279.º alíneas b) e c), 297.º n.º 1, 298.º, 304.º, 306.º n.º 1, 813.º, 965.º, 966.º e no n.º 2 do artigo 2230.º do Código Civil, este último artigo aplicável ex vi do artigo 967.º do mesmo diploma legal, bem como o disposto na alínea j) do artigo 18.º e no artigo 12.º do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais.</font><br> <font> Nestes termos deverá ser proferido Acórdão que declare nulo o Acórdão Recorrido, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, por manifesta contradição entre a sua decisão e os seus fundamentos, assim se determinando a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo, em consequência, mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Subsidiariamente, deverá ser proferido Acórdão que declare nulo o Acórdão Recorrido, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, por manifesto excesso de pronúncia com respeito à apreciação do direito de reversão da doação com base no fundamento que constitui a atribuição ao bem doado de destino diverso daquele estipulado na mesma escritura de doação, assim se determinando a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sendo, em consequência, mantida a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Deverá ser proferido Acórdão que julgue integralmente procedente o presente recurso, sendo, em consequência, revogado o Acórdão Recorrido e considerada absolvida a R., ora Recorrente, de todos os pedidos formulados pela A., aqui Recorrida.</font><br> <font> </font><br> <font> A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.</font><br> <font> </font><br> <font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br> <font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br> <b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br> <font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br> <font> - Se ocorre a nulidade do acórdão nos termos do art. 668º nº 1 als. c) e d) do C.P.Civil.</font><br> <font> - Se se encontra extinta a cláusula de reversão em causa e a consequente obrigação da R. de proceder à construção do parque municipal.</font><br> <font> -Se o direito invocado pela A. se encontra prescrito.</font><br> <font> - Se a cláusula de reversão da doação constitui vínculo perpétuo e intemporal e, como tal, é inadmissível.</font><br> <font> - Se não poderá ser imputado à R. o não cumprimento da obrigação de construção do parque.</font><br> <font> </font><br> <font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:</font><br> <font> 1- Em 28.05.1963, BB e mulher, CC, e a Sociedade “CC, Lda” de que o primeiro era sócio gerente, na qualidade de proprietários, (na proporção de metade para a Sociedade e metade para BB e mulher), doaram à R. C.M.V.R.S.A., livre de ónus ou encargos, uma parcela de terreno com a área total de 4.387,40 m2. (Motivação: escritura de doação exarada em 28 de Maio de 1963, em VRSA, no notário privativo da Câmara Municipal, fls. 19 a 28 dos autos). </font><br> <font> 2- A parcela de terreno, sita em Monte Gordo, freguesia e concelho de VRSA, confronta a Norte com terrenos municipais e FF, a Sul com Estrada Municipal 511 entre Monte Gordo e VRSA (prolongamento da Avenida Infante D. Henrique) e BB, a Nascente com terrenos municipais e a Poente com BB, Rua Bartolomeu Perestrelo e FF (Motivação: escritura de doação exarada em 28 de Maio de 1963, em VRSA, no notário privativo da Câmara Municipal, fls. 19 a 28 dos autos). </font><br> <font> 3- Tal parcela constituía um todo que englobava três parcelas, A, B e C, (cujas confrontações e áreas se encontram devidamente descritas e identificadas na referida escritura, e que aqui se dão como integralmente reproduzidas) e fazia parte do prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de VRSA sob o nº 7671, a fls. 183 do Livro B nº 18 e encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia e concelho de VRSA sob o artigo 575 (Motivação: escritura de doação exarada em 28 de Maio de 1963, em VRSA, no notário privativo da Câmara Municipal, fls. 19 a 28 dos autos e certidão da Cons. Reg. Pred. VRSA de fls. 125 a 135). </font><br> <font> 4- A referida parcela de terreno, fora adquirida pelos doadores à R. C.M.V.R.S.A (por meio de venda em hasta pública realizada em 06.01.1960, titulada por alvará dessa edilidade com o número 57, emitido em 16.01.1960) – (Motivação: cópia de certidão passada pela Câmara Municipal de VRSA da Acta da reunião ordinária de 16 de Dezembro de 1959, fls. 87 a 91 e Alvará nº 57 emitido a 16/01/1960, fls 105 a 107). </font><br> <font> 5- Das condições da venda em hasta pública, constava que “parte do referido conjunto de terreno composto pelas três parcelas se encontrava destinado exclusivamente à construção “de um parque de repouso ou recreio para uso dos frequentadores do hotel, incluindo-se no número dos seus utentes os frequentadores da estância balnear de Monte Gordo, devendo a admissão do aludido parque ser condicionada por um regulamento elaborado pelos proprietários do hotel e que seria submetido à sanção da Câmara Municipal” (Motivação: escritura de doação exarada em 28 de Maio de 1963, em VRSA, no notário privativo da Câmara Municipal, maxime fls.24 e cópia de certidão da reunião ordinária da Câmara de 16/12/1959, condição terceira, fls. 89). </font><br> <font> 6- Previam ainda as condições de venda em hasta pública que, entre o lote de terreno destinado à construção do Hotel e o lote destinado ao parque de recreio, seria construída uma passagem subterrânea (Motivação: cópia de certidão da reunião ordinária da Câmara de 16/12/1959, condição terceira, alínea c) fls. 90). </font><br> <font> 7- Consta da escritura de doação referida em 1-: “os doadores transferem para a Câmara todo o domínio, direito, acção e posse e usufruição que têm tido sobre a parcela de terreno doada, prestando a evicção”. (…) - “O terreno doado só poderá ser utilizado pela C. M. V. R. S.A. na construção de um Parque Municipal a levar a efeito em harmonia com o ante plano de urbanização de Monte Gordo”, e “A doação considerar-se-á sem e
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>"A" e consorte B instauraram acção de despejo contra C - Sociedade de Empreendimentos Turísticos S.A., pedindo: </font><br> <font>- deverão ser declarados findos os contratos de arrendamento urbano 2 existentes nas fracções identificadas pelas letras "F - Sexto" e "E - Sexto", do prédio sito ao Caminho Velho da Ajuda, na freguesia de São Martinho, denominado "Apartamentos ...", na cidade do Funchal, por denúncia dos senhorios nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 69º do RAU; e </font><br> <font>- deverá a Ré ser condenada a entregar aos Autores, para o final da renovação dos contratos, as referidas fracções livres de pessoas e coisas com as legais consequências, mediante o pagamento da indemnização a que se refere o artigo 72º do R.A.U.; </font><br> <font>- ou, quando assim não se entenda, deverão os contratos de arrendamento serem declarados nulos, como consequência do abuso de direito factualmente descrito nesta petição; </font><br> <font>- ou, quando mesmo assim não se entenda, deverão ser modificados os contratos de arrendamento, sendo deste modo, aumentadas equitativamente as respectivas rendas para 333 euros mensais cada, por forma a ser restabelecido o equilíbrio entre Autores e Ré obtido através das condições que fundamentaram o contrato de arrendamento "sub judice".</font><br> <font>A R. contestou, pedindo a improcedência da acção, com a absolvição do pedido, e deduziu reconvenção, para o caso de ser condenada a entregar as fracções arrendadas, pedindo a condenação dos AA/reconvindos a pagar-lhe:</font><br> <font>- a indemnização prevista no artº 72º do RAU, correspondente a dois anos e meio de renda das duas fracções, no valor de 4.519,20 euros, e</font><br> <font>- a indemnização prevista no nº 3 do artº 120º do mesmo diploma, no valor de 92.000 euros, correspondente à quota-parte que cabe aos AA nas obras de conservação do edifício, suportadas pela ré.</font><br> <font>Os AA replicaram.</font><br> <font>Na 1ª instância foi proferida a final sentença em que se decidiu:</font><br> <font>- declarar-se a extinção, por denúncia do senhorio, do contrato de arrendamento, celebrado, em 30 de Janeiro de 1979, com a Ré "C - Sociedade de Empreendimentos Turisticos, S.A.", referente às fracções "F - Sexto" e "E - Sexto" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado "Edifício ...", localizado no Caminho Velho da Ajuda, freguesia de São Martinho, concelho do Funchal, inscrito na matriz predial sob o artigo 3010 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o nº 47196, a folhas 48 verso do livro B -130; </font><br> <font>- Condenar a aludida Ré no despejo das mencionadas fracções, decorridos que estejam três meses sobre o trânsito em julgado da sentença, mediante o pagamento de uma indemnização correspondente a dois anos e meio de renda à data do despejo;</font><br> <font>- Julgar o pedido reconvencional improcedente, dele absolvendo os Autores/reconvindos A e mulher, B.</font><br> <font>Inconformada, apelou a R. para a Relação de Lisboa, que alterando a sentença, decidiu julgar:</font><br> <font>- O arrendamento da fracção E (face à necessidade da filha Gina) validamente denunciado - denúncia que implicará um prazo de desocupação de dois anos contados do trânsito desse acórdão;</font><br> <font>- Improcedente o pedido de denúncia relativo ao arrendamento da fracção F.</font><br> <font>Inconformadas, recorrem agora ambas as partes de revista, fechando as respectivas minutas recursórias com as conclusões que a seguir se sintetizam:</font><br> <font>Conclusões dos AA:</font><br> <font>1ª - Ao decidir improcedente a denúncia relativamente ao "F-Sexto", e que o prazo de desocupação é de dois anos contados do seu trânsito em julgado, o acórdão fez incorrecta aplicação dos artºs 71º e 114º do RAU, e dos princípios consagrados nos artºs 65º, 44º e 62º da CRP;</font><br> <font>2ª - Os factos constitutivos do direito de denúncia para habitação dos descendentes em primeiro grau são apenas ser o senhorio proprietário dos prédios há mais de cinco anos, e não terem os descendentes, há mais de um ano, na respectiva localidade, casa própria ou arrendada que satisfaça as suas necessidades de habitação (artº 71º, a) e b) do RAU), factos que os AA provaram, não tendo que provar a necessidade de habitação dos filhos como requisito autónomo, por já resultar daqueles factos provados;</font><br> <font>3ª - Mas no caso de se julgar necessária a prova da necessidade da habitação como requisito autónomo da denúncia, o facto de o filho ser estudante e viver em casa de pessoas amigas, por favor, não afasta a necessidade da habitação, pois se trata de casa alheia onde vive em situação de favor ou tolerância, não tendo obrigação de viver nessa situação precária, fonte de desinteligência e mal estar;</font><br> <font>4ª - Carecendo o filho dos recorrentes de privacidade, comodidade e independência, de um espaço próprio e pessoal onde possa dormir, confeccionar e tomar as refeições, tratar das roupas, passar os tempos livres, estar só, receber e conviver com familiares e amigos;</font><br> <font>5ª - Sendo embora habitual os estudantes habitarem em quartos arrendados ou em repúblicas estudantis, não é menos verdade que assim é porque não têm alternativa; </font><br> <font>6ª - O direito fundamental à habitação previsto no nº 1 do artº 65º da CRP confere a todos o direito a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto que preserve a intimidade pessoal e a privacidade; </font><br> <font> 7ª - O direito à habitação, é um direito social, análogo aos direitos, liberdades e garantias, que reveste a natureza de um direito de defesa, oponível às entidades públicas e privadas - artºs 17º e 18º, nº 1 da CRP.</font><br> <font>8ª - O despejo de apenas uma das fracções para habitação dos dois filhos dos recorrentes, não resolve completamente o problema da necessidade de habitação, pois penas resolveria o problema de habitarem por favor em casa alheia, mantendo-se o problema dos dois irmãos, de sexo diferente, terem que partilhar o mesmo quarto;</font><br> <font>9ª - O senhorio pode pedir o despejo de duas casas, desde que uma só não chegue para a habitação da família, se não possuir outra que só por si satisfaça aquela necessidade; </font><br> <font>10ª - É do ponto de vista do senhorio que se avalia da existência do fundamento para a denúncia do contrato, não de quem tem maior necessidade do locado, devendo o interesse dos recorrentes superar o da recorrida; </font><br> <font>11ª - E a inquilina está garantida contra a demonstração fraudulenta dos requisitos da denúncia para habitação, porquanto, frustrada a efectiva habitação subsequente à denúncia, tem ela direito a indemnização e a reocupar o prédio, nos termos do artº 72º, nº 2 do RAU; </font><br> <font>12ª - No que concerne ao prazo para a desocupação do prédio, carece o acórdão de razão visto a recorrida não ter pedido em reconvenção a desocupação dos prédios nos termos do nº 2 do artº 114º do RAU - pelo que não podia a Relação condenar a recorrida a proceder à desocupação apenas decorridos dois anos sobre a decisão - e também porque, a ser aplicável o disposto no artigo 114º do RAU, a lei é expressa quanto ao início de contagem do referido prazo: "... o arrendatário só é obrigado a desocupar o prédio decorrido um ano após o termo do contrato ou da sua renovação", sendo irrelevante a data do trânsito em julgado da decisão definitiva da acção de despejo; </font><br> <font>13ª - A ré, nas alegações da apelação não sustentou que "os efeitos da denúncia só poderão valer para depois dos dois anos posteriores ao trânsito da decisão", mas sim que os efeitos da denúncia deveriam ser reportados a 1 de Janeiro de 2004, entendendo que só é obrigada a despejar as fracções decorridos dois anos sobre o termo do contrato, conforme pontos 26 e 27 das respectivas conclusões; </font><br> <font>14ª - Por tudo o exposto, deverá, como bem se decidiu na 1ª instância, ser declarada a denúncia também relativamente ao arrendamento do F-Sexto (face à necessidade do filho Paulo), e ser declarado que o despejo das duas fracções ocorrerá decorridos que sejam três meses sobre o trânsito em julgado, ou, se assim se não entender, decorridos dois anos a contar do termo do contrato ou da sua renovação, independentemente da data do trânsito em julgado da decisão. </font><br> <font> Conclusões da Ré:</font><br> <font>1ª - Relativamente à Fracção "E-Sexto" não existia à data da entrada da acção em juízo, nem existe agora uma necessidade da D, séria, efectiva, imprescindível e actual, do local arrendado;</font><br> <font>2ª - E mesmo que essa necessidade de habitação existisse, também não ficou demonstrado que a indicada fracção resolveria o problema de habitação da mesma e tal teria de ser demonstrado, sob pena de resultar inútil a imposição ao inquilino da caducidade do arrendamento por denúncia; </font><br> <font>3ª - No que respeita ao pedido reconvencional de indemnização de 500.000 euros, devia ter sido considerado provado que a recorrente gastou essa quantia, não "a título de investimentos" mas sim de obras de conservação ordinária do edifício para evitar a sua degradação - constando dos depoimentos das testemunhas o facto de dizerem respeito ao funcionamento dos elevadores, sistema de electricidade, canalização, pinturas exteriores e interiores - pelo que deveriam ter sido suportadas pelo senhorio, tendo a recorrente direito a indemnização correspondente ao seu reembolso;</font><br> <font>4ª - No caso do tribunal ter dúvidas sobre qual a parte do valor despendido correspondente à fracção "E-Sexto", sempre deveria ter condenado os recorridos ao seu pagamento - ressalvando a parte a que contratualmente a recorrente se tinha obrigado a suportar - relegando o apuramento dos valores concretos em causa para liquidação em execução de sentença.</font><br> <font>Contra-alegaram ambas as partes.</font><br> <font>Corridos os vistos.</font><br> <font>Decidindo.</font><br> <font>Questão prévia</font><br> <font>Nas contra-alegações dos AA, foi suscitada a questão da deserção do recurso da Ré, atento o artº 698º, nº 2 do CPC.</font><br> <font>Segundo os demandantes, a R. apresentou as alegações de recurso em 11.2.2005, quando o termo do prazo foi em 9.2.2005, acrescentando que a R. não pagou a multa devida nem a Secretaria a notificou para a pagar, nos termos do artº 145º do CPC.</font><br> <font>A questão prévia, porém, improcede.</font><br> <font>Com efeito, como se vê de fls. 288, 289 e 290, a Secretaria notificou a R./recorrente para pagar a multa de 667,50 euros, nos termos do artº 145º, nº 6 do CPC, e como a multa não foi paga, o Ex.mo Desembargador relator consignou no despacho de fls. 317 que a final se terá em conta o não pagamento da multa, o que está correcto, visto que, com a nova redacção do nº 6 do artº 145º do CPC (emprestada pelo artº 5º do DL 324/2003, de 27/12), o não pagamento da referida multa deixou de implicar a perda do direito de praticar o acto (no caso de alegar).</font><br> <font>Nos termos do artº 713º, nº 6, ex vi artº 726º do CPC, dá-se por reproduzida a matéria de facto tida por provada na 1ª instância, para a qual também a Relação remeteu.</font><br> <font>Como facilitação da abordagem, análise, discorrência e decisão das questões essenciais postas nas revistas, tratá-las-emos sem compartimentação estanque dos dois recursos. </font><br> <font>Resulta do nº 3 do artº 71º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo DL nº 321-B/90, de 15/10, que o direito de denúncia para habitação dos descendentes em 1º grau está sujeito à verificação cumulativa dos seguintes requisitos:</font><br> <font>- Ser o senhorio proprietário... do prédio há mais de cinco anos...;</font><br> <font>- Não terem os descendentes em 1º grau, há mais de um ano... na respectiva localidade... casa própria ou arrendada que satisfaça as suas necessidades de habitação.</font><br> <font>Sustentam os AA que lograram provar esses dois requisitos - o que a R. não contesta - devendo por isso ser julgado procedente o pedido de denúncia do contrato de arrendamento referente à fracção "F-Sexto", visto da prova daqueles dois requisitos já resultar a necessidade dessa habitação para o filho Paulo Jorge, não sendo a necessidade do arrendado para habitação dele um requisito autónomo a provar pelos autores, ao invés do que entendeu a Relação e defende a demandada.</font><br> <font>Falece porém razão aos AA, neste particular.</font><br> <font>Lê-se no artº 69º, nº 1, a) - subordinado à epígrafe "Casos de denúncia pelo senhorio" - que:</font><br> <font>«... o senhorio pode denunciar o contrato para o termo do prazo ou da sua renovação... quando necessite do prédio para... habitação... dos seus descendentes em 1º grau» (o negrito é da nossa autoria).</font><br> <font>Se o legislador se contentasse com os dois requisitos do artº 71º, não carecia de consignar na al. a) do artº 69º a exigência da necessidade (Quando necessite...).</font><br> <font>Apenas quando tal necessidade existir é que poderá porventura registar-se um "caso de denúncia pelo senhorio".</font><br> <font>Tem-se entendido maioritariamente que a necessidade do prédio para habitação deve ser alegada e provada pelo senhorio (artº 342º, nº 1 do CC), por ser um requisito autónomo que integra a causa de pedir na acção de denúncia do arrendamento para habitação própria (do senhorio ou dos filhos), sendo a causa de pedir complexa, por ser constituída pela necessidade do locado para habitação e pelos requisitos do artº 71º.</font><br> <font>Neste sentido foram já proferidas várias decisões pelo STJ, citando-se a título de exemplo os acórdãos de 22.11.95 (relator o Conselheiro Ramiro Vidigal) e de 6.7.2004 (relator o Conselheiro Araújo Barros), o primeiro apenas sumariado, e o segundo com sumário e texto integral, ambos em </font><font>www.dgsi.pt</font><font> (Processos 0871115 e 04B2064, respectivamente). </font><br> <font>A já real e efectiva, ou pelo menos iminente necessidade habitacional será mesmo a principal base ou o mais importante fundamento da denúncia do contrato de arrendamento para habitação.</font><br> <font>Constituindo a necessidade exigida pela al. a) do nº 1 do artº 69º do RAU um conceito abstracto, a preencher por factos materiais concretos, é uma questão de direito sindicável pelo STJ determinar se a matéria de facto cimentada nos autos foi pelas instâncias devidamente interpretada ao concluírem pelo preenchimento ou não da aludida necessidade habitacional.</font><br> <font>Como se disse, a necessidade das casas para habitação dos filhos - ou dos próprios senhorios - tem de ser iminente, ou actual, devendo neste caso ser real e efectiva, dentro de um critério objectivo, em função das condições de vida, interesses e carências sentidas, sob pena de, se assim não fosse, se poder transformar em mero pretexto para obter a desocupação.</font><br> <font>Como se expende no segundo aresto do STJ atrás citado, a necessidade de habitação tem que ser real, séria, actual ou futura, não eventual mas iminente, traduzida em razões ponderosas, não se confundindo com uma maior comodidade, ocorrendo quando o estado de carência seja objectivamente motivado por um condicionalismo que, segundo a experiência comum, determinaria a generalidade das pessoas que nela se encontrassem a precisar do arrendado para sua habitação. </font><br> <font>Ora, atentos estes princípios gerais, afigura-se dever ser sufragada a generalidade da fundamentação factual e jurídica, desenvolvida no acórdão em crise, quer relativamente à denúncia do contrato de arrendamento concernente à fracção "E-Sexto", para habitação da filha D, quer relativamente à não denúncia do contrato de arrendamento no que tange à fracção "F-Sexto", para habitação do filho Paulo Jorge.</font><br> <font>Quanto à filha D, a necessidade da fracção era iminente já à data da propositura da acção, tanto assim que, tendo terminado o curso volvido um curto espaço de tempo, retornou à Região Autónoma da Madeira, onde já trabalha, no Funchal.</font><br> <font>Qualquer pessoa que, como ela, tenha terminado os estudos, encontrado trabalho e namore, sente compreensivelmente o justo anseio de arranjar casa independente para morar, deixando de viver em casa de familiares, amigos, em lares, repúblicas de estudantes, casas universitárias, etc..</font><br> <font>Satisfazendo a fracção autónoma "E-Sexto" - apesar de ser um T0 - minimamente as actuais necessidades dela, pois é ainda solteira.</font><br> <font>Não se trata já, quanto a ela, de almejar maior comodidade, mas de obter uma situação habitacional que tenha correspondência condigna com a sua idade e estatuto pessoal e social, e sobretudo, o que é verdadeiramente importante, de a eximir de ter de compartilhar o mesmo quarto que o irmão ocupa, situação a que actualmente está comprovadamente sujeita e que é de todo desaconselhável, para não dizer, humilhante.</font><br> <font>Diferentemente, o filho dos AA, que pelos vistos continua a ser solteiro e estudante, está habituado desde há vários anos a ocupar um quarto, como a generalidade dos estudantes, buscando os pais com a denúncia do "F-Sexto" apenas maior comodidade para ele.</font><br> <font>Com efeito, provou-se apenas que foi viver para o Funchal, por motivos escolares, há cerca de 5 anos, tendo desde então vivido em quartos, passando em 2002 a viver num quarto cedido por pessoa amiga dos pais, que também habita na mesma casa juntamente com um seu filho, ignorando-se contudo em que circunstâncias tal cedência foi feita e se mantém, por exemplo se ocorreu e perdura por mero favor ou tolerância, ou se aconteceu e permanece por o dono da casa dever favores aos autores, se é uma cedência gratuita ou se tem alguma contrapartida, e qual, etc, etc..</font><br> <font>Assim, atendendo à escassez dos factos provados, a única situação verdadeiramente gravosa para o filho dos AA consiste na circunstância de actualmente partilhar, conjuntamente com a irmã D, o mesmo quarto, o que representa realmente uma grande desvantagem, que, todavia, cessará com a saída da D para ir habitar na fracção "E-Sexto", uma vez deixada livre e desocupada de pessoas e coisas pela ré.</font><br> <font>E nem se esgrima, para justificar a denúncia quanto ao "F-Sexto", com o direito constitucional - consagrado no artº 65º, nº 1 da CRP - a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.</font><br> <font>Com efeito, trata-se de um direito cuja satisfação não cabe nem aos senhorios nem aos inquilinos.</font><br> <font>O próprio Tribunal Constitucional já por várias vezes se pronunciou sobre tal direito, traçando-lhe umas fronteiras dentro das quais não tem guarida a interpretação que dele fazem os AA.</font><br> <font>Podem consultar-se, v.g., em </font><font>www.dgsi.pt</font><font>, os acórdãos de 1.4.92 (relator o Conselheiro Alves Correia - nº convencional ACTC00003196), de 8.4.92 (relator o Conselheiro Messias Bento - nº convencional ACTC00003216), e de 12.5.93 (relator o Conselheiro Ribeiro Mendes - nº convencional ACTC00004016), nos quais se entendeu, grosso modo, que o conteúdo do direito de habitação não pode ser determinado ao nível das opções constitucionais, antes pressupõe uma tarefa de concretização e de mediação do legislador ordinário, resultando dos nºs 2 a 4 daquele preceito da lei fundamental que é ao Estado que incumbem certas obrigações para assegurar o direito à habitação, nalguns casos com intervenção das autarquias locais, e que, seja qual for a natureza daquele direito, ele não confere ao cidadão um direito imediato a uma prestação efectiva, tendo como único sujeito passivo o Estado e as regiões autónomas e os municípios.</font><br> <font>Agora quanto à questão da impetrada indemnização da ré pelas obras que alegou ter feito e classificou como de reparações ordinárias (pedido reconvencional de indemnização no montante de 500.000 euros), a improcedência desse pedido não pode deixar de ser inteiramente aplaudida.</font><br> <font>Por um lado, ficou provado apenas que a ré procedeu a investimentos no hotel instalado no edifício do qual são partes as fracções autónomas arrendadas (não se sabendo ao certo se foram também feitas nessas duas fracções), e por outro lado ficou clausulado no contrato que não seriam permitidas obras sem consentimento dos senhorios - consentimento que a ré não comprovou - e que as obras não dariam lugar a indemnização, fosse qual fosse a natureza delas.</font><br> <font> Terá por conseguinte o acórdão de ser confirmado também nesta parte, mesmo porque é totalmente infundada a pretensão da alteração da matéria de facto pelo STJ, a este respeito, atento o regime instituído pelos artºs 729º, nº 2 e 722º, nº 2 do CPC, que restringem largamente os poderes do STJ em matéria de modificabilidade da decisão da matéria de facto. </font><br> <font>Finalmente, tendo-se concluído pelo acerto da denúncia do contrato de arrendamento no concernente à fracção "E-Sexto", para habitação da filha D, vejamos se os AA têm ou não razão na questão suscitada nas 12ª a 14ª conclusões recursórias (prazo para a desocupação do prédio).</font><br> <font>Respiga-se do artº 114º, nºs 1 e 2 do RAU que, cessando o contrato de arrendamento para comércio ou indústria por caducidade ou denúncia do senhorio, o prazo de desocupação, se o contrato tiver durado 10 ou mais anos, é de dois anos após o termo do contrato ou da sua renovação.</font><br> <font>Portanto, naquelas situações, o prazo para desocupação do prédio pelo ex-arrendatário inicia-se após o termo do contrato ou da sua renovação, sendo irrelevante a data do trânsito em julgado da decisão definitiva da acção de despejo.</font><br> <font>Neste mesmo sentido se pronunciou o STJ, no acórdão de 27.4.99, na CJSTJ, 1999, II, 70, por não se poder confundir "o termo do contrato ou da sua renovação" com o trânsito em julgado da decisão final da acção, sendo a solução preconizada, além de imposta pela letra da lei, a mais razoável, uma vez que impede o arrendatário de, através de expedientes dilatórios usados na acção judicial, provocar o diferimento do início do prazo para a desocupação do prédio.</font><br> <font>Descendo ao caso concreto, o arrendamento é de 30.1.79, com efeitos desde 1.1.79, pelo prazo de um ano renovável.</font><br> <font>A acção foi proposta em 8.10.2002.</font><br> <font>Como a denúncia tem de ser feita com a antecedência mínima de seis meses relativamente ao fim do prazo do contrato ou da sua renovação (artº 70º do RAU), não podia surtir efeito em 1.1.2003, mas apenas no termo da nova renovação, ou seja em 1.1.2004.</font><br> <font>Assim, deve contar-se o prazo de dois anos a partir de 1.1.2004, pelo que terá a desocupação da fracção "E-Sexto" de ser feita necessariamente pela ré até 1.1.2006, e não, como julgou a Relação, dois anos após o trânsito da decisão, devendo por isso o acórdão ser alterado nessa parte. </font><br> <font>Trata-se de uma espécie de moratória especial para desocupação do prédio, concedida ao arrendatário comercial ou industrial, como anota Antunes Varela, no Cód. Civil, vol. II, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 708.</font><br> <font>E, ao invés do que sustentam os AA, essa moratória não carecia de ser pedida pela R. na reconvenção, por se tratar de uma faculdade directamente resultante da lei.</font><br> <font>Termos em que acordam em, revogando parcialmente o acórdão recorrido:</font><br> <font> - negar a revista da ré, com custas por esta;</font><br> <font>- conceder parcialmente a revista dos autores, decidindo que a desocupação pela ré da fracção "E-Sexto", para habitação da filha dos autores D, terá de ocorrer o mais tardar até ao dia 01.01.2006, condenando ambas as partes nas custas deste recurso, na proporção de 8/10 pelos autores e de 2/10 pela ré.</font><br> <br> <font>Lisboa, 22 de Junho de 2005</font><br> <font>Faria Antunes,</font><br> <font>Moreira Alves,</font><br> <font>Alves Velho.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font> <p> </p><p><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b> </p><p> </p><p><font> </font><b><font>I. Relatório</font></b> </p><p><font> AAe mulher, BB, intentaram no Tribunal Judicial de Ponte de Lima, acção ordinária contra</font> </p><p><font> CC, pedindo que:</font> </p><p><font>- Fossem declarados proprietários do prédio descrito no artigo 1º da petição;</font> </p><p><font>- Fosse declarado que a estrema do prédio da R., descrito no artigo 10º da petição, sempre foi constituída através de um intervalo de metro e meio que separa as paredes nascentes e poente de ambos os prédios; e</font> </p><p><font>- Ao nível do 1º andar, na fachada poente, do seu prédio, possuem duas janelas que pendem sobre o prédio da R. há mais de 10, 20, 30, 40 e 50 anos; </font> </p><p><font>- “Possuem” o direito a uma servidão de vistas sobre o prédio da R.;</font> </p><p><font>- Se declare que foi a R. que, sem o seu prévio conhecimento e sem sua autorização e contra as suas vontades, efectuou as obras descritas nos artigos 25º a 31 da petição;</font> </p><p><font>- Por via disso, violou o direito à servidão de vistas, extinguindo-a, bem com o seu direito de propriedade;</font> </p><p><font>- Se condene a R. a reconhecer e a acatar os invocados direitos e a estrema divisória entre os referidos prédios;</font> </p><p><font>- Se condene a R. a demolir as obras efectuadas por forma a que possa manter a servidão de vistas;</font> </p><p><font>- Em alternativa, em caso de impossibilidade de demolição, a condenação da R. no pagamento da quantia que vier a ser fixada para compensar de alguma forma a desvalorização que provocou no seu prédio e danos morais e patrimoniais em virtude da sua conduta.</font> </p><p><font> A R. contestou, defendendo a improcedência da acção, impugnando parte da factualidade vertida na petição e defendendo que as obras foram realizadas a coberto de autorização municipal.</font> </p><p><font> Após saneamento, condensação e instrução, foi a acção julgada parcialmente procedente e, por tal via, foi “condenada” a R. a reconhecer que os AA. são os proprietários do prédio identificado no artigo 1º da petição.</font> </p><p><font>Mediante apelação dos AA., o Tribunal da Relação de Guimarães revogou a sentença da 1ª instância e “condenou” a R. não só no reconhecimento da existência da servidão de vistas a favor daqueles, por via da usucapião, como também na demolição das obras por esta realizadas na medida em que impeçam o exercício daquela servidão.</font> </p><p><font>Foi a vez de a R. se mostrar inconformada com a decisão proferida e, por via disso, pedir revista da mesma, a coberto da seguinte síntese conclusiva:</font> </p><p><font>- Os AA. interpuseram recurso da decisão do Tribunal de 1ª Instância, o qual – quer na fundamentação, quer principalmente nas respectivas conclusões –restringiram à matéria de facto. </font> </p><p><font>- Tendo os AA., então recorrentes, impugnado a decisão proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto deveriam, “obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição, quais os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” e porque as provas foram gravadas, incumbia-lhes ainda, sob pena de rejeição do recurso, “indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta” (art. 690º-A, nº 1, a) e b) e nº 2 CPC) – ou seja, o início e o termo de gravação do depoimento de cada testemunha (art. 522º-C, nº2 CPC). </font> </p><p><font>- Não tendo cumprido esses ónus, o Tribunal da Relação não só não pode alterar a matéria de facto fixada em 1ª instância, que se tem por assente, como ainda deveria ter rejeitado o recurso. </font> </p><p><font>- Como os AA., então recorrentes, não alegaram no seu recurso – nem na fundamentação, nem nas conclusões – matéria de direito, fosse defendendo a existência de uma eventual servidão de vistas em benefício do seu prédio, fosse contrariando a tese do abuso de direito levantada na sentença de que recorreram, o Tribunal da Relação não deveria ter apreciado tais matérias pois só podia servir-se dos factos articulados pelos recorrentes. </font> </p><p><font>- Defende-se, no acórdão recorrido, «a constituição de servidão de vistas, por usucapião, em benefício do prédio dos Autores». </font> </p><p><font>- Mas, a constituição de uma servidão de vistas só pode ocorrer quando existam “janelas, portas, varandas... em contravenção do disposto na lei” – ou seja se tiverem sido abertas a uma distância inferior a metro e meio do prédio vizinho. </font> </p><p><font>- Estando provado que ao nível do 1º andar a confrontação entre o prédio dos AA. e o prédio da R. era, primitivamente (antes da R. ter realizado obras), feita através de um intervalo de cerca de metro e meio, que separava a parede poente do prédio dos primeiros da parede nascente do prédio da segunda e que as janelas existentes na parede poente do prédio dos AA. estavam viradas para o prédio da R. e deitavam directamente para o espaço de um metro e meio existente entre as duas paredes – a do prédio dos AA. e a do prédio da R. – não se constituiu, por usucapião, servidão de vistas a favor do prédio dos primeiros sobre o prédio da segunda pois entre as referidas janelas (existentes na parede poente do prédio dos AA.) e o prédio vizinho (a parede nascente do prédio da R.) há, entre si, o intervalo de metro e meio. </font> </p><p><font>- Não existindo servidão de vistas a favor do prédio dos AA., também não havia razão para a R. invocar qualquer caso de extinção daquela servidão, contrariamente ao que se pugna no acórdão recorrido.</font> </p><p><font>- Não se pode concluir, como se faz no acórdão recorrido, que se os prédios em causa partilham a parede meeira é porque confinam directamente entre si, donde decorre que as janelas dos AA., entretanto tapadas em consequência das obras, deitavam directamente sobre o prédio da R. porque o que foi dado como provado foi que «ao nível do 1º andar, a confrontação entre o prédio dos AA. e o prédio da R. era primitivamente feita através de um intervalo de cerca de metro e meio, que separava a parede poente do prédio dos AA. da parede nascente do prédio da R.. </font> </p><p><font>- Pretende-se ainda no acórdão recorrido que «à Ré caberia contrapor o eventual conhecimento ou autorização dos autores e antepossuidores quanto à tapagem das janelas, bem como a expectativa em si criada quanto à perenidade dessa realidade, nomeadamente em função dos anos decorridos desde a execução das obras, todavia ilícitas» e «sobre isso, porém nem uma palavra foi alinhavada na contestação» e «daí que a tese do abuso do direito, atribuída aos Autores e perfilhada na decisão em crise, se baseie apenas em suposições e ilações e não nos factos provados – que quanto a esta matéria verdadeiramente não existem (nem foram alegados), o que inviabilizaria a sua inclusão na base instrutória». </font> </p><p><font>- Antes de mais, se à R. caberia contrapor o eventual conhecimento ou autorização dos AA. e antepossuidores, a estes caberia provar, já que o alegaram na petição inicial, que «todas as obras foram feitas sem o prévio conhecimento ou autorização dos donos do prédio, ora Autores, e contra a vontade destes» mas o Tribunal de 1ª instância deu isso como não provado. </font> </p><p><font>- Depois, a tese do abuso de direito aplicada na sentença da 1ª Instância não se baseia «apenas em suposições e ilações e não nos factos provados», pois resulta do processo que a presente acção deu entrada em 2004 e ficou provado – e é, portanto, matéria de facto assente – que «em 1984/1985, a R. realizou obras no seu prédio, reconstruindo e ampliando o 1º andar e acrescentando um 2º andar com terraço por cima». </font> </p><p><font>- Diz o acórdão recorrido que «é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que «o abuso do direito pressupõe um excesso ou desrespeito dos limites axiológicos ­materiais desse mesmo direito, traduzido na violação qualificada do princípio da confiança» e «tal situação poderá configurar-se quando o titular se deixa cair numa longa inércia, susceptível de criar na contraparte a convicção ou expectativa fundada de que esse direito não mais será exercido e que a sua posição jurídico-substantiva se encontra já consolidada, nela investindo, em conformidade, as suas expectativas e até ao seu capital» e mais que «a violação drástica do princípio da confiança, que a doutrina sintetiza na máxima </font><i><font>venire contra factum proprium, </font></i><font>ou seja, a conduta de alguém que contradiz o comportamento anteriormente assumido, criador de legítimas expectativas na contraparte». Mas considera que «o tempo decorrido entre a realização das obras e ampliação do prédio da Ré» – em 1984/1985, como ficou provado – e a propositura da presente acção pelos AA. que estima em quase 16 anos – mas que aconteceu em 2004 – e na objectiva inacção destes e antepossuidores, durante esse mesmo período» é muito pouco ( ... ) para que se possa concluir que o direito em causa foi exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça. </font> </p><p><font>- A modalidade do abuso direito aplicada na sentença do Tribunal de 1ª instância não é a </font><i><font>venire contra factum proprium </font></i><font>mas sim a </font><i><font>suppressio: </font></i><font>no </font><i><font>venire contra factum proprium </font></i><font>existem dois comportamentos contraditórios, inicialmente no sentido de não querer exercer o seu direito e depois no sentido de o exercer, enquanto que na </font><i><font>suppressio </font></i><font>«o titular do direito não o invoca durante bastante tempo, sem que se tenha preenchido o prazo de prescrição e observa simultaneamente um comportamento através do qual o devedor podia legitimamente concluir que o direito já não seria exercido».</font> </p><p><font>- A </font><i><font>suppressio </font></i><font>«deve ser reconduzida à tutela da confiança e da boa fé e funciona perante quatro elementos da tutela da confiança: a situação de confiança, a justificação, o investimento de confiança, a imputação da confiança ao titular. A diferenciação em face do </font><i><font>factum proprium </font></i><font>está na ausência de </font><i><font>factum: </font></i><font>apenas a abstenção. Haverá, então, que exigir um decurso significativo do tempo, acompanhado de outras circunstâncias – por exemplo, o conhecimento do direitos e a possibilidade de o exercer – para que se possa falar em confiança justificada de que ele não mais seria exercido». </font> </p><p><font>- O acórdão do STJ de 19/10/2000 enuncia, para o abuso de direito, além dos pressupostos do 1) decurso do tempo, 2) do comportamento do titular do direito como se o não tivesse ou não mais o quisesse exercer e 3) da previsão de confiança da contraparte de que o direito não mais será feito valer, um outro: 4) a desvantagem injusta – o exercício superveniente do direito acarreta para a outra parte uma desvantagem iníqua, condição que claramente se verifica neste caso. </font> </p><p><font>- </font><i><font>In casu, </font></i><font>além do longo período de abstenção por parte dos AA. e dos seus antepossuidores – os quase 20 anos que medeiam entre 1984/85, data da realização das obras pela R., e 2004, data da propositura da acção - e da publicidade das obras realizadas pela R. – com licença camarária publicada no livro do ano de 1984 –, não se pode negar o conhecimento e a possibilidade de exercer o direito por parte dos AA. e dos seus antecessores, uma vez que estes moram e sempre moraram no mesmo Largo onde se situa o prédio da R., sendo ainda certo que o Tribunal de 1ª instância deu como não provado que todas as obras tivessem sido feitas sem o prévio conhecimento e sem a autorização dos AA. e contra a vontade destes. </font> </p><p><font>- A que se pode juntar uma desvantagem injusta para a R., ora Recorrente pois o exercício do direito pelos AA. revela uma “conduta que clamorosamente ofende a justiça” e é uma “afronta ao sentimento jurídico dominante”. </font> </p><p><font>- E tanto assim é que os próprios AA., na petição inicial, antevêem a «impossibilidade da demolição» das obras realizadas pela R. e formulam, em alternativa, outro pedido: “que a Ré seja condenada a pagar aos Autores., uma quantia em dinheiro que vier a ser fixada em sentença para compensar, de alguma forma, a desvalorização que provocou no prédio dos Autores e danos morais e patrimoniais em virtude da sua conduta”. </font> </p><p><font>- Tendo revogado a sentença de 1ª instância o acórdão recorrido violou o artigo 334°, artigo 1360°, nº 2 e art. 1543°, todos do Código Civil e artigos 664°, 684° nº 3, art. 690º-A, nº1, als. A) e b) e nº 2, art. 522º-C, nº 2, todos do Código de Processo Civil.</font> </p><p><font>Os recorridos responderam em defesa da manutenção do aresto censurado.</font> </p><p><b><font>II. As instâncias deram como provada a seguinte factualidade:</font></b> </p><p><b><font>1.</font></b><font> Os AA. são legítimos e exclusivos donos e possuidores do prédio urbano composto de casa de rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, sito no Largo Dr. António de Magalhães, com os números de polícia 1 a 5, da freguesia e concelho de Ponte de Lima, descrito no Registo Predial sob o n.º 00491/Ponte de Lima e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 141º.</font><br> <b><font>2.</font></b><font> Tal prédio veio ao seu património por aquisição em partilha e doação de DD, titulada por escritura celebrada em 23.06.00, no Cartório Notarial de Ponte de Lima e exarada a fls. 9 a 11 do respectivo livro de notas para escrituras diversas nº 198-S.</font><br> <b><font>3.</font></b><font> Os AA., por si, desde a referida aquisição e em continuação dos seus antecessores, usam e detêm esse prédio desde há mais de 30 anos, continua e ininterruptamente, dele aproveitando todas as utilidades, dando-o de arrendamento, colhendo os seus frutos, pagando os correspondentes impostos, à vista, com o conhecimento e reconhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, como de se coisa sua se tratasse, na convicção de que são donos e exercem um direito próprio e legítimo.</font><br> <b><font>4.</font></b><font> A R. é dona e legítima possuidora do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão, primeiro e segundo andares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponte de Lima sob o nº 00009/070185, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 742º.</font><br> <b><font>5.</font></b><font> Esse prédio confronta pelo lado nascente com o prédio dos AA. supra identificado.</font><br> <b><font>6.</font></b><font> O prédio dos AA. é um edifício de três andares, situado, relativamente ao prédio da R., em plano ligeiramente mais elevado.</font><br> <b><font>7.</font></b><font> O prédio da R. é um edifício dos anos 60/70 que, no seu traçado original, apenas possuía rés-do-chão e um 1º andar semi-recuado.</font><br> <b><font>8.</font></b><font> A confrontação entre os dois prédios, ao nível do rés-do-chão, é feita através de paredes meeiras, que atravessam ambos os prédios no sentido norte – sul.</font><br> <b><font>9.</font></b><font> Ao nível do 1º andar, a confrontação era primitivamente feita através de um intervalo, de cerca de um metro e meio, que separava a parede poente do prédio dos AA. da parede nascente do prédio da R..</font><br> <b><font>10.</font></b><font> Ao nível do 1º andar, na parede nascente do prédio dos AA., existiam duas janelas viradas para o prédio da R., que tinham cerca de um metro de largura e cerca de metro e meio da altura, e cujo traçado ainda hoje é visível pelo interior do prédio dos AA..</font><br> <b><font>11.</font></b><font> Tais janelas já existiam no prédio dos AA. há mais de 30 anos, desde tempos imemoriais.</font><br> <b><font>12.</font></b><font> Os AA., por si e em continuação dos respectivos antecessores, sempre as utilizaram e delas se serviram, para descanso da vista, apreciação da paisagem e satisfação de necessidades próprias do uso de janelas, designadamente a elas se apoiando e nelas se debruçando, sempre na convicção de que exerciam um direito próprio e não lesavam interesses ou direito de outrem, utilização que fizeram à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição de ninguém, sobretudo da R..</font><br> <b><font>13.</font></b><font> Em 1984/1985, a R. realizou obras no seu prédio, reconstruindo e ampliando o 1.º andar e acrescentando um 2º andar com terraço por cima.</font><br> <b><font>14.</font></b><font> Com tais obras, a parede nascente do prédio da R., ao nível do 2º andar, ficou encostada à parede poente do prédio dos AA., ao nível do 1º andar deste.</font><br> <b><font>15.</font></b><font> Por via dessas obras, as duas janelas situadas na parede poente do 1º andar do prédio dos AA. ficaram tapadas por uma parede de tijolos.</font><br> <b><font>16.</font></b><font> A R. assentou os tijolos dessa parede sobre os parapeitos das referidas janelas.</font><br> <b><font>17.</font></b><font> As obras de reconstrução e ampliação do prédio da R. foram objecto de alvará de licença de construção por parte da Câmara Municipal de Ponte de Lima, de 7 de Maio de 1984.</font><br> <b><font>18.</font></b><font> A respectiva licença de obras foi concedida à R. a 12 de Maio de 1983.</font><br> <br> <b><font>III. </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br> <font>Das longas, complexas e confusas conclusões, retira-se a ideia de que a recorrente pretende centralizar a sua censura no facto de a Relação ter alterado a matéria de facto sem que os AA.-apelantes tenham respeitados os mecanismos legais que tal o permitem, concretamente as previsões dos artigos 690º-A, nºs 1 e 2 e 522-C, nº 2, do Código de Processo Civil, no que toca a violação de regras de natureza adjectiva, e ter violado a norma relativa ao abuso de direito (artigo 334º do Código Civil), como também as atinentes ao direito de propriedade, concretamente os artigos 1360º, nº 2, e 1543º do Código Civil.</font><br> <br> <font>A legitimidade da censura da R.-recorrente é assegurada pelo disposto no artigo 722º do Código de Processo Civil (sendo o recurso de revista, pode o recorrente invocar, além de violação de normas substantiva, a violação da lei de processo).</font><br> <br> <font>Antes de nos pronunciarmos sobre a bondade de tais críticas, vale a pena recordar o que efectivamente foi colocado no pretório pelas partes e constatarmos, no concreto, os diversos pontos de observação e de decisão que o mesmo foi merecendo por parte das instâncias.</font><br> <br> <font>Os AA., arvorando-se donos de um prédio contíguo ao da R. vieram invocar violação por parte desta, consubstanciada na feitura de uma parede contígua ao seu prédio, do seu direito a servidão de vistas com todas as consequências daí resultantes, nomeadamente ao nível da reposição do </font><i><font>statu quo</font></i><font> </font><i><font>ante</font></i><font> por parte da R. ou (em alternativa) na atribuição de uma indemnização não só por danos morais como também por danos patrimoniais.</font><br> <br> <font>O Tribunal de 1ª instância, no essencial, negou a pretensão dos AA., não sem que antes reconhecesse ter havido violação do seu direito de propriedade por parte dos RR. na justa medida em que aqueles “não abriram janelas para o prédio da R., mas sim para o espaço de metro e meio que as separava deste último”, o mesmo é dizer que considerou como sendo dos AA. o espaço aéreo que separava os dois prédios.</font><br> <font>Acabou, no entanto, por não consagrar a tese dos AA. porquanto entendeu que o longo tempo decorrido entre a realização do muro por parte da R. e a reacção dos AA. configura uma forma de abuso de direito, na modalidade de </font><i><font>suppressio</font></i><font>.</font><br> <br> <font>Já a Relação não teve o mesmo entendimento: convocou, em primeiro lugar, o artigo 1344º, nº 1, do Código Civil para dizer que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, e daí retirou a consequência de que, efectivamente, os AA. são donos de uma verdadeira servidão de vistas, com todas as consequências, nomeadamente, obrigando à demolição da parede levada a cabo pela R. e, num segundo momento, entendeu que a 1ª instância, ao basear a sua posição no abuso de direito, partiu de meras suposições despidas de qualquer suporte fáctico.</font><br> <br> <font>Ora bem.</font><br> <br> <font>Que dizer de tudo isto?</font><br> <font>Em primeiro lugar, que não vemos razão para a invocação de qualquer norma de direito adjectivo que contenda com a alteração da factualidade dada como provada. É que a Relação não alterou a matéria de facto que fôra dada como assente na 1ª instância nem tão-pouco isso lhe foi pedido pelos AA.-apelantes.</font><br> <font>Em segundo lugar, importa dizer que bem andou a Relação ao convocar o normativo supra referido e que impõe que a propriedade se estenda também ao espaço aéreo.</font><br> <font>Com isto, a Relação trouxe a discussão da causa para o verdadeiro terreno, qual seja o de saber se houve por parte dos AA. uma violação do direito da R., consolidado ao longo dos tempos, de tal modo que lhes permitiu a constituição de uma servidão de vistas.</font><br> <font>Definitivamente assente que a R. construi uma parede naquilo que era seu, resta-nos averiguar se, apesar disso, não houve violação do direito de servidão de vistas que, entretanto, se constituiu a favor dos AA..</font><br> <font>Estes, na verdade, violaram, por si ou por antepassados, a regra constante do artigo 1360º do Código Civil que impõe a construção de janelas que deitam para o prédio vizinho com respeito de uma distância de metro e meio.</font><br> <font>Esta violação, porém, prolongou-se no tempo, por mais de 50 anos, e permitiu que estes, nos termos dos artigos 1362º, nº 1 e 1547º, nº 1, do Código Civil, pudessem adquirir, por via do instituto da usucapião, servidão de vistas em relação às duas janelas que construíram ao nível do primeiro andar.</font><br> <br> <font>Mas, será que, não obstante o reconhecimento da realidade agora referida, haverá algum impedimento à sua efectiva concretização?</font><br> <font>Dito por outras palavras: há algo que impeça a R. de demolir a aludida parede?</font><br> <font>A 1ª instância respondeu a esta “angústia” com o abuso do direito invocando, para tanto, a modalidade de </font><i><font>suppressio</font></i><font>, um subtipo do “</font><i><font>venire</font></i><font>” e que traduz a ideia de comportamento contraditório do titular do direito que o vem exercer depois de uma prolongada abstenção. </font><br> <font>Esta situação pode, em determinadas circunstâncias, suscitar uma legítima e razoável expectativa de que o seu titular não o irá exercer e que renunciará, por certo, ao seu próprio direito. É esta expectativa que “é atendível quando a sua criação seja imputável ao titular do direito e resulte de uma situação de confiança que seja justificada e razoável” (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil – 2ª edição –, pág. 664).</font><br> <font>Como observa Menezes Cordeiro, “a s</font><i><font>uppressio</font></i><font>” é, no fundo, uma forma de tutela da confiança do beneficiário, perante a inacção do titular do direito”, certo que “teremos de compor um modelo de decisão, destinado a proteger a confiança de um beneficiário, com as proposições seguintes: não exercício prolongado, uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança, um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não exercente” (Tratado de Direito Civil Português – I – Parte Geral, Tomo IV, pág. 313 e ss., nomeadamente, 323 e 324).</font><br> <font>Estando fora de dúvida a legitimidade do conhecimento oficioso do instituto do abuso de direito, uma cousa é certa: só perante a factualidade alegada e provada é permitida conclusão de que a situação do caso concreto é abusiva. Fora disso, o juízo que se faça será sempre baseada em puras e inaceitáveis ilações e suposições.</font><br> <font>No caso presente, perante o decurso do tempo contado desde a realização da obra e a queixa dos AA. introduzida em juízo, nada mais temos que nos permita conduzir à figura do abuso do direito, seja em que modalidade for, concretamente na invocada “</font><i><font>suppressio</font></i><font>” pela 1ª instância, atento os ensinamentos colhidos e supra referenciados.</font><br> <br> <font>Nesta conformidade, apenas resta afirmar o acerto da decisão impugnada.</font> </p><p><font>Vale isto por dizer que a razão está do lado dos AA. quando defenderam a demolição da parede construída pela R. por a mesma ter violado a “sua” servidão de vistas, nada justificando o não reconhecimento do direito invocado, </font><i><font>maxime</font></i><font> o abuso de direito.</font> </p><p><b><font>IV.</font></b><b><font>Decisão</font></b> </p></font><p><font><font>Nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das custas respectivas.</font><br> <br> <font> </font><font>Lisboa, aos 10 de Julho de 2008</font><br> <font> </font><br> <font>Urbano Dias (relator)</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font>Mário Cruz</font></font></p>
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7jKmu4YBgYBz1XKv1yfV
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA-“M... – Sistemas de Informação, Lda.” deduziu contra BB-“C. S... – Veículos e Peças, Lda.” liquidação prévia a execução de sentença pedindo a liquidação do crédito da Requerente, pela privação de uso do veiculo desde 1/06/1998 até à presente data, no montante de 38.900,00€, ou outro que resulte da liquidação e, ainda na quantia mensal de 350,00€ desde 1/06/2007 até à entrega dos documentos da viatura matricula VG-...-..., modelo M..., devidamente averbados em nome da Requerente.</font><br> <font>Para liquidar a indemnização que lhe é devida, nos termos da decisão confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, a Requerente considerou o valor de aluguer de um veículo de substituição, por todo o período em que não pode usar o veículo que adquiriu à Requerida por esta não lhe ter entregue a necessária documentação.</font><br> <br> <font>A Requerida deduziu oposição à liquidação assim apurada, pois que a Requerente não celebrou qualquer contrato de aluguer de longa duração de veículo, não sendo esses os danos concretamente causados, como referido no acórdão do STJ, sendo que o atendimento da pretensão redundaria num enriquecimento injustificado da Requerente, que não sofreu os prejuízos que peticiona.</font><br> <br> <font>Na pendência do processo – em 25/11/2008 -, a Requerida procedeu à entrega os documentos da viatura em falta.</font><br> <br> <font> Julgada a causa, foi proferida sentença, em que foi decidido “</font><i><font>fixar em 18.875,00 euros o valor da indemnização a pagar pela requerida, BB-C. S..., Lda. à requerente, AA- M..., Lda</font></i><font>”.</font><br> <br> <font> A Requerida apelou, mas a Relação confirmou o sentenciado.</font><br> <br> <br> <font> A mesma Requerida interpõe agora recurso de revista para pedir a revogação da «sentença» recorrida, a coberto do que, apresentado sob a epígrafe “conclusões”, se transcreve:</font><br> <font>“</font><font>1ª - Se, como se refere, no douto Acórdão de 31 de Março de 2011, o dano consiste na privação de uso, sendo desnecessária qualquer prova, então, a decisão do Acórdão de 12 de Outubro de 2006 é, por, assim, dizer "letra morta"; </font><br> <font>2ª - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça refere danos concretamente causados e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa empenha-se em convencer -nos exactamente do oposto, ou seja, bastará a existência do dano em abstracto; </font><br> <font>3ª – 4ª - O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa contrariou precisamente o Acórdão proferido pelo Tribunal superior. </font><br> <font>5ª - Se o Acórdão de Outubro de 2006 tivesse querido a condenação da, agora, Recorrente em indemnização baseada em contrato de aluguer inexistente, então, poderia, desde logo, ter fixado o valor da indemnização. </font><br> <font>6ª - A Recorrida, AA-M..., não logrou provar a verificação de qualquer prejuízo concreto, em sede de liquidação de sentença. </font><br> <font>7ª - A inexistência de prova da amplitude do dano prejudica irremediavelmente o direito à indemnização. </font><br> <font>8ª - O Acórdão de 31 de Março não podia ter confirmado uma sentença que ao mesmo tempo que “dá de barato" o dano de privação de uso, fixando, inc1usivamente, uma indemnização elevadíssima face ao valor de aquisição da viatura, refere que, da prova pericial realizada não foi possível retirar desde quando é que a viatura se encontrava imobilizada. </font><br> <font>9ª - Impunha-se a produção de prova dos danos concretamente verificados. </font><br> <font>10ª - Não tendo a indemnização tomado por base o ressarcimento de prejuízos concretos, houve claramente uma violação das premissas fixadas pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, não podendo, por esse motivo, deixar de ser alterada. </font><br> <font>11ª – O Acórdão proferido em 31 de Março de 2011 não se pronunciou sobre o argumento invocado pela Recorrente - indemnização pela privação do uso de uma viatura com 18 anos - o qual fazia parte das conclusões das alegações e, em consequência, violou o disposto nos arts. 660° nº 2, 684° nº 3 e 690° do C.P.C. </font><br> <font>12ª - A condenação da, ora, Recorrente pelo Tribunal de Primeira Instância e pelo Tribunal da Relação de Lisboa não se fez com base nos contratos de aluguer de longa duração de viatura nova que a Requerente apresentou para efectuar a liquidação, o que se traduz, em certa medida, numa alteração da causa de pedir. </font><br> <font>13ª - O facto que serviu de base à liquidação viu-se assim modificado pela sentença recorrida e pelo Acórdão que a confirmou, sem que a Recorrente se tivesse pronunciado, o que se traduz numa violação do disposto nos arts. 273° e no do art. 3° do c.P.c. </font><br> <font>14ª - Verifica-se que existe contradição entre o direito aplicado pelo Acórdão de 31 de Março de 2011 e a matéria de facto assente (alínea J) indica da na sentença de 24 de Junho de 2010. </font><br> <font>15ª - O recurso à equidade no caso concreto, em sede de liquidação, não se afigura de todo correcto. </font><br> <font>16ª - Se no Acórdão de Outubro de 2006 estivesse prevista a condenação em indemnização que correspondesse a um contrato de aluguer não celebrado, então, não se justificaria, como já se disse, relegar a fixação da indemnização para execução de sentença. </font><br> <font>17ª – A sentença recorrida não se limitou a fixar o valor, foi mais longe e fixou, inclusivamente, o próprio critério subjacente à atribuição da indemnização, por sinal discordante com o "critério" presente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. </font><br> <font>18ª - A douta sentença extrapolou claramente os limites impostos ao incidente de liquidação, violando também o disposto no nº 3 do art. 5660 do C.C., pelo que andou mal o Acórdão recorrido ao aceitar como válido o recurso à equidade. </font><br> <font>19ª - O valor da indemnização não é justo porquanto foi a Recorrente condenada a pagar uma indemnização pela privação de uso de uma viatura com 18 anos. </font><br> <font>20ª - Uma viatura com 18 anos, que aos oito anos já tinha mais de 120 mil km, não poderia alegadamente servir de transporte dos gerentes da AA-M... e outros serviços da respectiva actividade comercial. </font><br> <font>21ª - A argumentação adoptada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa sobre o valor da indemnização e a não verificação do enriquecimento sem causa não pode colher. </font><br> <font>22ª - Alugar uma viatura como aquela que se encontra em questão nos presentes autos não é mais oneroso do que comprar essa mesma viatura. </font><br> <font>23ª - Se o Requerente tivesse efectivamente alugado uma viatura por valor superior, ou, estivesse demonstrado que o valor de aluguer de uma viatura equivalente à que se encontra em causa é superior, poder-se-ia entender o fundamento do valor fixado pelo tribunal. </font><br> <font>24ª - A sobrevalorização do dano de privação de uso revela a falta de equidade da sentença ora recorrida </font><br> <font>25ª - Se procedêssemos à colocação da, aqui, Recorrida na situação que existiria caso não tivesse ocorrido dano, verificaríamos que, não só o alegado lesado, AA-M..., é ressarcido como se coloca numa posição mais favorável à que tinha se o dano não tivesse existido, dado que recebe mais do que pagou pela viatura, tendo tido também o direito de a utilizar e de a comercializar (nem que seja como sucata). </font><br> <font>26ª - Estamos aqui, mais uma vez, perante uma situação de enriquecimento sem causa, verificando-se preenchidos todos os seus requisitos para a sua existência</font><font>”.</font><font> </font><br> <br> <font> </font><font>A Recorrida respondeu, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> </font><font>2. - As questões colocadas pelas conclusões da Recorrente reconduzem-se a saber:</font><br> <br> <font> - Se, relativamente ao dano de privação do uso, que a Recorrente foi condenada a indemnizar em montante a liquidar, se encontra provado o “dano”, requisito da obrigação de indemnização;</font><br> <br> <font> - Em caso afirmativo, qual o critério de determinação do montante da indemnização; </font><br> <br> <font> - Valoração do dano causado; e, </font><br> <font> - no seu âmbito, invocabilidade de alteração da causa de pedir e de enriquecimento sem causa.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <b><font> 3. - </font></b><font>A decisão impugnada assenta na factualidade que segue.</font><br> <br> <font>A) A sentença proferida pela 3.ª</font><b><font> </font></b><font>Secção da 6.ª</font><b><font> </font></b><font>Vara Cível de Lisboa, em 17 de Março de 2003, decidiu o seguinte:</font><br> <i><font>a) julgar totalmente improcedente o pedido principal e dele absolvera R.</font></i><br> <i><font>b) julgar parcialmente procedente o pedido subsidiário, e, em consequência condenar a BB-R. C. S... – Veículos e Peças, Lda. a entregar à A. o livrete e título de propriedade do veículo matrícula VG-...-..., com a transferência de propriedade a favor da A. e a pagar-lhe uma indemnização no valor de 3.000.000$00 (14.963,94 E), pelos prejuízos que lhe causou</font></i><font>.</font><br> <font>B) Da referida sentença a Ré, aqui Requerida, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa tendo o Acórdão de 19 de Janeiro de 2006 determinado o seguinte: "… </font><i><font>a R. tornou-se responsável pelo dano da privação do uso, pelo menos desde Junho/98 (data da próxima inspecção - facto D) até ao momento em que pôs à disposição da A. a documentação - podendo haver mora desta se se negou a fornecer o indispensável número de contribuinte a partir de certa altura. Isso tudo, ou seja a amplitude deste dano e da subsequente indemnização será apurado em execução de sentença.</font></i><br> <i><font>O valor do dano não pode, sem mais, ser medido pelo valor dispendido na compra de um carro de substituição, pois isso acabaria por poder constituir um enriquecimento sem causa para o A. O critério mais idóneo ainda poderá ser o do valor do aluguer de um carro de substituição – ou outro que se reputar mais adequado. De todo o modo, sendo certo o dano (a privação é, de si, necessariamente um dano - maior ou menor) é incerto o seu montante. Daí que deva apurar-se em liquidação de sentença: art. 661.° n.º 2 do C. P. C.</font></i><br> <i><font>Nesta medida o recurso procede.</font></i><br> <i><font>Altera-se, assim, a sentença para ficar a constar o seguinte: a indemnização terá o valor que se apurar em liquidação de sentença, tudo o mais se mantendo”.</font></i><br> <font>C) Deste Acórdão recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça ambas as Partes. Todavia, o recurso interposto pela Autora, ora Requerente, foi julgado deserto em virtude de não terem sido apresentadas alegações.</font><br> <font>E) No que concerne ao recurso apresentado pela BB-“C. S... – Veículos e Peças, S.A.” foi proferido Acórdão, em 12 de Outubro de 2006.</font><br> <font>O referido Acórdão concluiu nos seguintes termos: </font><i><font>". Nenhuma razão justificativa ou explicativa do cumprimento defeituoso a Ré conseguiu demonstrar. Logo, presuntivamente é culpada por tal cumprimento, em conformidade com o disposto no nº ° 1 do art. 799.º do C. Civil, tornando-se responsável pelo prejuízo causado à autora – art. 798 ° do C. Civil.</font></i><br> <i><font>E porque se verificam os demais pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da ré, o que nem sequer foi questionado e, como tal, não constitui objecto do presente recurso, não poderia deixar de ser condenada a ressarcir os danos concretamente causados à autora”</font></i><font>.</font><br> <font>F) Os valores despendidos com o aluguer de um carro de substituição, de acordo com uma simulação de ALD, efectuada pelo Banco Millennium BCP em 30/11/2006, para uma viatura no valor de 18.704,92 € e um período de 60 meses são os seguintes:</font><br> <font>G) Para a 1.ª</font><b><font> </font></b><font>renda do contrato o valor é de 542,37 € (quinhentos e quarenta e dois euros e trinta e sete cêntimos).</font><br> <font>H) Para as rendas desde a 2.ª</font><b><font> </font></b><font>até à 60.ª o valor é de 360,87 € (trezentos e sessenta euros e oitenta e sete cêntimos) cada.</font><br> <font>I) Desde Junho de 1998 até 30 de Maio de 2007, contabilizam-se 108 rendas, o que implica dois contratos de ALD, sendo 2 rendas de 542,37€ cada e 106 de 360,87€ cada.</font><br> <font>J) As rendas mensais do contrato de ALD consubstanciam a um tempo a contraprestação pelo gozo da viatura e a antecipação do pagamento do preço, tendo em vista a aquisição futura da viatura.</font><br> <font>L) A requerente não celebrou qualquer contrato de ALD para efeitos de substituir o VG-...-....</font><br> <font>M) Em 20 de Novembro de 2008 foram entregues pelo Il. Mandatário da requerida, BB-C. S..., os documentos da viatura M... B... 300 CE-24, com a matricula VG-...-... e o respectivo requerimento – declaração de averbamento da viatura em nome da requerente AA- M..., Lda.</font><br> <font>N) Por ofício de 25 de Novembro de 2008, foram os documentos referidos na alínea anterior remetidos ao Il. Mandatário da requerente.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - (In)existência da obrigação de indemnizar.</font><br> <br> <font> A Recorrente insiste na questão da inexistência do direito à indemnização reclamado pela Recorrida, a pretexto de o acórdão deste Supremo referir os “danos concretamente causados” e de esta não ter provado a verificação de qualquer prejuízo concreto, o que implica violação das premissas do acórdão do STJ.</font><br> <br> <font> No acórdão impugnado ponderou-se, em síntese, que está assente o dano, “causado com a impossibilidade de circulação do veículo”, pelo menos desde Junho de 1998, e que, embora não tenha sido “feita a prova dos danos concretos … a privação do uso causou à Requerente dano, como causa toda a privação da propriedade”, dano cujo montante, na impossibilidade de apurar valores concretos, deve ser aplicado o recurso à equidade, ainda que partindo do valor do aluguer de um veículo de substituição.</font><br> <br> <br> <font> Ao questionar, antes de mais, a inexistência da obrigação de indemnizar por limitada aos “danos concretamente causados”, a Recorrente, embora sem o referir expressamente, põe em causa a interpretação da decisão sobre o objecto da liquidação e a violação dos limites da condenação por não respeitar a exigência de «determinação dos danos em concreto sofridos».</font><br> <br> <font> Sem razão, porém.</font><br> <br> <font>O acórdão do Supremo limita-se a julgar verificados “os pressupostos da obrigação de indemnizar a cargo da Ré”, depois de ter reafirmado, na apreciação do objecto do recurso, o concurso dos requisitos ilicitude (cumprimento defeituoso) e culpa (presunção de culpa do devedor).</font><br> <font>Depois de fazer notar que verificarem-se os demais pressupostos da obrigação de indemnizar – para além dos referidos ilicitude e culpa -, «</font><i><font>o que nem sequer foi questionado e, como tal, não constitui objecto do presente recurso</font></i><font>», remata, efectivamente, com a declaração que, por isso, “não </font><u><font>poderia deixar de ser condenada </font></u><font>(sublinhado nosso) a ressarcir os danos concretamente causados à autora”</font><u><font> </font></u><font> </font><br> <br> <font>Ora, como expressamente se fez constar do aresto de revista, não fazia parte do objecto da revista a apreciação da verificação do “dano”, como pressuposto da obrigação de indemnizar, sendo que, como também nele se deixou dito, nem sequer foi questionada a obrigação de indemnizar por inverificação dos demais pressupostos, leia-se do cumprimento defeituoso culposo, donde que, por imperativo do disposto no n.º 4 do art. 684º CPC, o julgado pela Relação, uma vez confirmado o concurso dos requisitos efectivamente questionados, não poderia sair prejudicado.</font><br> <font>Assim, o sentido com que deve valer o segmento do acórdão em causa, será, como é bom de ver, o de reafirmar que confirmada a presença dos dois requisitos questionados, e não se levantando outras questões impeditivas da existência da obrigação de indemnizar, a condenação da Ré a ressarcir os danos que concretamente causou à autora não poderia deixar de ter lugar, nos termos em que o foi pela decisão então recorrida.</font><br> <font>É o que necessariamente resulta da circunstância de a questão da existência dos danos e respectiva avaliação não ser objecto do recurso e, consequentemente, de apreciação e eventual alteração pelo Tribunal de revista. </font><br> <font>Estava definitivamente assente a sua verificação, faltando apenas a valoração dos concretos prejuízos que foram causados e integram os danos – estes, insiste-se, enquanto supressão de uma vantagem económica tutelada pelo direito, concretizada na privação da utilização do veículo, já demonstrados -, mediante superação da incerteza sobre o seu montante, vale dizer, sobre o </font><i><font>quantum</font></i><font> da sua repercussão como desvantagem económica no património da Autora, como decidido, sem alteração pelo STJ, pela Relação.</font><br> <font> </font><br> <font>Consistiria, ela, na concreta determinação e fixação do valor do prejuízo sofrido pelo concreto lesado, no caso, o valor do prejuízo que concretamente a Recorrida - e não um qualquer lesado privado de um veículo idêntico (avaliação abstracta do dano patrimonial) - terá sofrido com a impossibilidade de utilização daquela também concreta viatura (avaliação concreta do dano).</font><br> <font>Em causa, portanto, a determinação em concreto prejuízo realmente sofrido pela Autora causado pela privação da utilização (dano real e concreto), em sede de liquidação ulterior (cfr., sobre o ponto, RUI DE ALARCÃO, “</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>”, 1983, 272/274).</font><br> <br> <font>Assim sendo, a Recorrida não tinha de provar quaisquer danos ou prejuízos concretos para obter indemnização, pois que o direito a esta estava já reconhecido, por reconhecidos todos os pressupostos da obrigação de indemnização, incluindo o dano.</font><br> <font>O que a Recorrida deveria demonstrar era o montante do efectivo ou concreto prejuízo sofrido por causa daquele dano real, que foi a privação do uso por determinado tempo, isto é, por exemplo, se procedeu ao aluguer de um veículo de substituição e qual o respectivo custo, se laçou mão de outros meios de transporte e correspondentes despesas, se, por impossibilidade de utilização da sua viatura, sofreu perdas e quais, etc., tudo em ordem a preencher, quando ao cálculo da indemnização concreta devida, a previsão das normas dos arts. 564º-1 e 566º-2, ambos do C. Civil, sob pena de o Tribunal, dispondo apenas dos factos consubstanciadores da existência dos danos, ter de lançar mão do critério subsidiário constante do n.º 3 deste art. 566º, ou seja, da equidade, fixando a indemnização dentro dos limites que a factualidade disponível equitativamente o permita.</font><br> <br> <font>Falhando, como, no caso, falhou, a prova – e antes disso a própria alegação – de elementos de facto sobre os concretos prejuízos sofridos pela Recorrida com a privação da viatura, por forma a permitir a utilização do critério acolhido pelo n.º 2 do art. 566º, mas subsistindo o dano indemnizável, restará o recurso à equidade, como fez o acórdão impugnado. </font><br> <font> </font><br> <font> Improcede, pois, a pretensão da Recorrente quanto à inexistência da obrigação de indemnizar.</font><br> <font> </font><br> <br> <br> <br> <font>4. 2. – Valoração do dano. Montante da indemnização. </font><br> <font>4. 2. 1. - Assente que a obrigação de indemnizar está definitivamente reconhecida desde o acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Outubro de 2006, nos termos decididos pelo acórdão da Relação de 19 de Janeiro do mesmo ano, a questão que poderá colocar-se nesta fase de liquidação prévia à execução do ali sentenciado é a do montante da indemnização. </font><br> <br> <font> Com efeito, como decidido, trata-se apenas de tornar líquido, avaliando concretamente, o valor do prejuízo sofrido pela Recorrida com a provação do uso da viatura. Nada mais!</font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 2. 2. - Assim sendo, resultam completamente destituídas de fundamento questões como a invocação de alteração da causa de pedir por o cálculo da indemnização ter sido efectuado com base na equidade e não no critério constante do articulado inicial apoiado no custo de um contrato de ALD de viatura idêntica nova ou como a do enriquecimento sem causa.</font><br> <br> <font> Como é por demais evidente, não está em discussão qualquer pedido relativo ao cumprimento ou incumprimento de um contrato de ALD, designadamente, a pretensão de pagamento do custo das prestações pecuniárias relativas a um contrato efectivamente celebrado, mas, tão só, a invocação de uma simulação dos custos de um contrato em que se pretenderia obter o gozo de um bem semelhante ao que foi objecto de privação, para efeito de utilização como critério de avaliação do dano.</font><br> <font> E sobre tudo isso, porque sobre o alegado no requerimento inicial, se pôde pronunciar, e pronunciou, a ora Recorrente. </font><br> <br> <font> A utilização do critério proposto ou de outro é questão que tem que ver com a aplicação do direito substantivo, em que o julgador é livre, desde que se mova dentro dos limites dos referidos arts. 564º e 5660.</font><br> <font> De resto, nesta matéria, em processo de liquidação, o juiz goza mesmo de poderes de indagação oficiosa quando considere os elementos fornecidos pelas partes insuficientes para fixar a quantia devida (art. 807º-3 CPC, na redacção aplicável).</font><br> <br> <font> Despropositada, pois, a alegada violação das normas do art. 3º e do n.º 3 do art. 273º CPC.</font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 2. 3. - Descabida, também, a invocação de enriquecimento sem causa.</font><br> <br> <font> Sobre este ponto, dir-se-á, tão só, que o enriquecimento sem causa, como fonte de obrigações, designadamente da obrigação de restituir, pressupõe a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de outrem, que não tenha causa justificativa – art. 473º C. Civil</font><br> <font> </font><br> <font> Ora, se se está a determinar o montante de uma indemnização devida pela reparação de um dano, vale dizer, a fixar o objecto da obrigação de indemnização, jamais poderá falar-se, como parece óbvio, de falta de causa para a atribuição da prestação indemnizatória.</font><br> <font> Poderá dizer-se que a quantia encontrada é excessiva e, por isso, além de deixar o lesado indemne, ainda o coloca numa situação de vantagem patrimonial.</font><br> <font> Só que, ao menos a nosso ver, uma tal situação nada tem que ver com o instituto do enriquecimento sem causa no sentido técnico-jurídico regulado no art. 473º e ss. C. Civil, podendo, a ocorrer, configurar um erro de julgamento sobre a fixação do valor da obrigação de indemnizar.</font><br> <br> <br> <br> <font> 4. 3. - Como se adiantou já, a Recorrida não demonstrou a existência de quaisquer específicos prejuízos sofridos com a privação do uso do automóvel que, como consta da decisão recorrida, destinava ao exercício da sua actividade comercial, utilização que lhe foi subtraída por mais de 10 anos.</font><br> <br> <font> Recorrendo a critérios de equidade, partindo do valor do custo do aluguer de um veículo novo idêntico, que seria de 300,00€/mês, e do fim a que se destinava a viatura, teve-se por equitativa uma verba de metade daquele valor, ou seja, de 150,00€ mensais.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> A Recorrente, certamente “esquecida” de que sob censura está o acórdão da Relação tece considerações sobre o “critério subjacente à atribuição da indemnização utilizado na sentença”, em extrapolação dos limites impostos ao incidente de liquidação, em violação do disposto no n.º 3 do art. 566º CC. </font><br> <br> <font> Confessa-se que não se percebe o sentido e objecto da impugnação, na medida em que não houve outro critério de fixação do valor do dano que não fosse o do recurso à equidade.</font><br> <font> De qualquer modo, situada a questão ao nível da sentença, e, consequentemente, fora de vício ou erro de julgamento do acórdão recorrido, que é o objecto do recurso, logo de apreciação precludida, nada haverá que conhecer. </font><br> <br> <br> <font> Relativamente ao valor atribuído, a recorrente esgrime com a idade do veículo – que tinha oito anos e mais de 120.000km -, recebendo agora mais do que pagou pela sua aquisição.</font><br> <br> <font> Antes de mais, dir-se-á que, apesar de se ignorar o custo de aquisição e quilometragem do veículo, tal não interfere com o critério de valoração do dano.</font><br> <br> <font> Com efeito, o que está em causa, e unicamente releva, é o valor económico das utilidades e comodidades que um veículo como aquele conferia ao respectivo dono e utilizador na finalidade a que o destinara, se pudesse continuar a utilizá-lo nas condições previstas em termos de normalidade.</font><br> <br> <font> Seja o veículo mais recente ou mais antigo, desde que o seu proprietário o usasse normalmente, e não se mostre que a vetustez, a quilometragem percorrida ou outros factores teriam impedido ou alterado a continuação desse uso normal, a privação do uso deverá ser compensada atendendo exclusivamente à desvantagem económica decorrente da privação dessa utilização normal que também normalmente o veículo se destinava a proporcionar e proporcionava, desconsiderando aqueles factores, apenas relevantes quando esteja em causa indemnização pelo valor da coisa (perda ou substituição). </font><br> <br> <font>Por isso se tem entendido que a indemnização por privação do uso, deve corresponder, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidades económicas, operando-se o ressarcimento, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade – art. 566º-3 cit..</font><br> <br> <br> <font>Ao assim agir, o acórdão recorrido decidiu em conformidade com a lei.</font><br> <br> <br> <font>O montante indemnizatório, situado em cerca de metade do que seria devido fazendo intervir no cálculo o custo do aluguer de um veículo novo, tendo presente que o veículo se destinava a utilização em actividade comercial, logo em actividade económica lucrativa, nada nos parece ter de excessivo, situando-se nos parâmetros do que a jurisprudência tem atribuído em casos semelhantes (vd. ac. STJ, de 03/05/2011, </font><i><font>proc. n.º </font></i><font>2618/06TBOVR.P1).</font><br> <br> <font> Mantém-se, pois, por justa e equitativa a indemnização que vem fixada, improcedendo todas as conclusões da revista.</font><br> <br> <br> <br> <br> <br> <font> 5. - Decisão:</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> </font><br> <font> - Negar a revista;</font><br> <br> <font> - Manter a decisão impugnada; e,</font><br> <br> <font> - Condenar a recorrente nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 23 Novembro 2011 </font><br> <br> <font> Alves Velho (relator)</font><br> <font> Paulo Sá</font><br> <font> Garcia Calejo</font><br> <br> <font> </font></font>
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CzLTu4YBgYBz1XKvtEW2
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>1. - "Empresa-A" intentou contra Empresa-B" acção declarativa condenatória pedindo que seja reconhecido o direito de resolução do contrato de prestação de serviços celebrado entre as Partes, por incumprimento das obrigações contratuais assumidas pela R., e esta condenada a pagar à A. a quantia de esc. 491 574 460$00, com juros de mora, à taxa de 12% ao ano, desde a data da citação.</font><br> <font>Fundamentando a pretensão, alegou a A., em síntese, que celebrou com a R. um contrato de beneficiação e requalificação de 750 mil garrafas de gás, que a R. se obrigou a entregar à A. entre 01/03/2000 e 31/12/2002, à razão de 25 000 garrafas por mês, mas, até 22 de Agosto, data em que comunicou a suspensão do contrato, apenas colocou à disposição desta 98 908 garrafas. Em 06/10/2000, a A. comunicou à R. estar a sofrer prejuízos com a injustificada suspensão do contrato e, em 08/11/2000, após a R. lhe ter comunicado que não pretendia anular o contrato, mas garantir a sua vigência e execução, e proposto uma reunião para 02 de Novembro, reunião que se não realizou por indisponibilidade da mesma R., resolveu-o, por ter perdido o interesse na prestação da R., face à sua conduta reveladora da intenção de não cumprir definitivamente a sua obrigação de entregar as 25 000 garrafas/mês.</font><br> <br> <font>Na contestação que ofereceu a R. afirmou sempre ter aceite ressarcir a A. pelos prejuízos sofridos com a suspensão do cumprimento do contrato, pelo período de dois meses, devendo a acção improceder para além de esc. 24 000 000$00 a que corresponde a obrigação de indemnização da Ré, nos termos contratuais. Com efeito, alegou, a A. aceitou a suspensão do contrato, não compareceu à reunião de 02 de Novembro, e ficcionou uma rescisão desajustada a essa concordância e sem fundamento factual, pois não perdera o interesse na prestação.</font><br> <br> <font>Na réplica, a A. manteve a sua posição inicial, que desenvolveu, e concluiu como na petição.</font><br> <br> <font>A final, na parcial procedência da acção, a R. foi condenada a pagar à A. a quantia de esc. 312 621 820$00, "a título de cláusula penal acordada" e juros moratórios, desde 26/9/01, à taxa supletiva legal para as operações civis, com fundamento na equivalência a um incumprimento definitivo da não reposição da execução do contrato.</font><br> <br> <font>A R. interpôs recurso de apelação que a A. pretendeu ver julgado deserto a pretexto do extemporâneo oferecimento das alegações, pois que não havia impugnação da matéria de facto a justificar a dilação do prazo normal.</font><br> <br> <font>Indeferida a arguição, a R. agravou.</font><br> <br> <font>A Relação, conhecendo no mesmo acórdão do agravo e da revista, negou provimento àquele e confirmou a sentença.</font><br> <br> <font>A R. pediu revista e a A. interpôs recurso subordinado.</font><br> <br> <font>No recurso de revista independente interposto a Ré insiste em que apenas poderá ser reconhecida a sua obrigação de pagar à Recorrida o montante 24 mil contos, relativo ao período em que incorreu em mora, com juros moratórios contados nos termos constantes da decisão impugnada:</font><br> <font>Para tanto, a Recorrente levou às conclusões:</font><br> <font>- A Recorrida não se opôs à suspensão contratual ocorrida em virtude de circunstâncias internas da Recorrente, apenas a informou dos prejuízos que estava a sofrer com a suspensão, manifestando a sua intenção de realizar uma reunião com vista ao esclarecimento destas questões;</font><br> <font>- Agendada a reunião para 02/11/00, a Recorrida enviou uma comunicação a manifestar a sua indisponibilidade para estar presente na mesma e a informar que brevemente proporia uma nova data para a reunião, demonstrando assim o seu assentimento à suspensão operada, bem como enunciando a sua cooperação e colaboração na resolução da questão e retoma do cumprimento do contrato;</font><br> <font>- Em 08/11/00, a Recorrida procedeu à resolução do contrato, actuando assim de má fé e em absoluto abuso de direito, consubstanciando a sua conduta um </font><font>venire contra factum proprium</font><font>, pois criara na Recorrente a expectativa de que a questão seria assim solucionada.</font><br> <font>- A suspensão contratual operada pela Recorrente consubstancia uma situação de mora;</font><br> <font>- Inexiste causa objectiva que justificasse a perda do interesse da Recorrida na prestação temporariamente em falta e, não tendo fixado prazo admonitório para o cumprimento, a resolução é destituída de fundamento e, portanto, não poderá produzir efeitos.</font><br> <font>- A Recorrente não admitiu a resolução do contrato e, em 13/11/00, manifestou a intenção de proceder à retoma do seu cumprimento, o que só não aconteceu porque a Recorrida recusou a prestação;</font><br> <font>- Ao manifestar essa intenção, a Recorrente purgou a sua mora, fazendo-a cessar nesse momento, e houve mesmo inversão da mora;</font><br> <font>- A indemnização peticionada deve ser reduzida a esc. 24 000 000$00, montante correspondente ao incumprimento temporário do contrato, o período compreendido entre a suspensão contratual e a purgação da mora.</font><br> <br> <font>A A.-Recorrida respondeu em defesa do julgado.</font><br> <br> <font>Por sua vez, no recurso subordinado a Autora insiste na pretensão de ver julgado deserto o recurso de apelação de que a Relação veio a conhecer e, mesmo que tal se não entendesse, sempre deveria manter-se a matéria de facto vertida no ponto 17, nos termos fixados na 1ª instância.</font><br> <font>Fá-lo ao abrigo da seguinte síntese conclusiva:</font><br> <font>- Quando a motivação (alegação) da apelação seja apresentada, não até ao 30º dia, mas dentro de 40 dias, basta que o juiz, apreciando a motivação, constate que o recorrente não impugnou a matéria de facto gravada, nos termos do art. 690º-A, para que considere a alegação intempestiva, e o recurso deserto;</font><br> <font>- Acresce, por outro lado, e sem conceder, que, ainda que se entendesse que a Apelante havia recorrido (regular e legalmente) da matéria de facto, a mesma não deveria ter merecido qualquer alteração quanto ao ponto n.º 17 (resposta ao quesito 2º) da sentença, mas uma mera rectificação de um erro manifesto, inexactidão ou lapso de escrita</font><br> <font> </font><br> <font>A Ré respondeu, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso subordinado ao abrigo dos seguintes fundamentos-conclusões:</font><br> <font>- Ao recurso subordinado aplica-se o regime previsto para a espécie do recurso em causa, referindo-se a subordinação;</font><br> <font>- O recurso interposto assume a espécie de agravo em 2ª instância e não estão verificadas as excepções previstas no n.º 3 do art. 754º CPC;</font><br> <font>- Mesmo que se considerasse o recurso admissível, as respectivas alegações são extemporâneas, na medida em que o prazo para a sua apresentação terminou em 10/10/05, conforme o disposto no art. 743º-1 CPC.</font><br> <br> <font>A Autora (Recorrente subordinada) pronunciou-se pela improcedência da questão prévia, alegando, em resumo, que o recurso subordinado está sujeito ao regime geral e comum, tal como o recurso principal, dependendo a opção por um ou por outro de um estado psicológico do recorrente e não de razões de natureza processual.</font><br> <br> <font>2. - O recurso subordinado e a questão prévia do conhecimento do respectivo objecto.</font><br> <br> <font>2. 1. - A admissibilidade ou não dos recursos, em geral, afere-se pelo respectivo objecto, com referência, naturalmente, ao objecto da decisão que através deles se impugna.</font><br> <font>Sempre que não haja norma especial a vedar a impugnabilidade de uma decisão, vigoram as normas vertidas nos arts. 678º e 679º CPC.</font><br> <font>Relativamente ao recurso subordinado, a lei expressamente remete a aferição dos respectivos critérios de admissão pelos de admissibilidade do recurso de que é dependente, embora não o faça depender da regra da sucumbência -art. 682º-5 CPC.</font><br> <font>Destina-se ele, contudo, como se colhe do disposto no n.º 1 do mesmo artigo, a possibilitar ao recorrente a obtenção da reforma da decisão na parte que lhe foi desfavorável, o que implica, para o tribunal </font><font>ad quem</font><font>, a reapreciação, na totalidade, da decisão sob censura (na parte desfavorável a cada um dos recorrentes), o que, por sua vez, tem como corolário lógico que o recurso subordinado tem sempre como pressuposto que o recorrente não tenha obtido total vencimento na decisão de que foi interposto recurso principal. Se o recorrente, totalmente vitorioso, pretende ver apreciado algum fundamento em que decaiu, prevenindo a necessidade dessa apreciação, o meio adequado é a ampliação do âmbito do recurso a que se alude no art. 684º-A, que não o recurso subordinado (cfr., sobre o ponto, AMÂNCIO FERREIRA, "</font><font>Manual dos Recursos em Processo Civil</font><font>", 4ª ed., 80 e ss.).</font><br> <br> <font>2. 2. - Nesta conformidade, pode avançar-se que o recurso subordinado aqui interposto pela Autora há-de ser ou não admissível consoante, à luz das regras enunciadas, o fosse ou não se interposto como recurso independente. </font><br> <br> <font>Pois bem:</font><br> <font>O recurso subordinado tem por objecto duas questões: - a da deserção da apelação e a da alteração efectuada à resposta ao quesito 2º, o ponto 17. da matéria de facto.</font><br> <font>Reportando-se ambas a violações da lei processual, a primeira cai na previsão do art. 698º-6 do CPC enquanto a segunda se situa ao nível do mau uso dos poderes que o art. 712º-1 e 2 concede à 2ª Instância em sede de modificação da matéria de facto. </font><br> <br> <font>A primeira refere-se à decisão proferida na apreciação do agravo, que se pretende revogada, enquanto a segunda incide com a decisão proferida no âmbito do recurso de apelação, em reapreciação da matéria de facto.</font><br> <font>Por isso, a questão prévia colocada apresenta, para cada uma das questões apreciação diversificada.</font><br> <br> <font>2. 3. - Assim, quanto à matéria da deserção do recurso, há que ter presente que a pretensão foi julgada improcedente por decisão da 1ª Instância, a qual foi impugnada através do pertinente recurso de agravo a que a Relação negou provimento.</font><br> <font>Estamos perante um recurso autónomo, relativamente ao de apelação, sendo que a decisão definitiva da matéria objecto do agravo era pressuposto do conhecimento da apelação. E, apesar de constarem do mesmo acórdão, as </font><font>duas decisões</font><font> nele se apresentam como independentes e cronologicamente ordenadas, precedendo a do agravo da apelação. </font><br> <font>Decerto que, se cada uma dessas decisões integrasse peças processuais separadas, conhecendo-se primeiro do agravo e só após a definitividade dessa decisão do objecto da apelação, ninguém pensaria em ressuscitar, em recurso que viesse a ser interposto do julgado na apelação, a matéria do agravo. E, apesar disso, a situação é, do ponto de vista processual, exactamente a mesma. </font><br> <br> <font>A Autora não era Recorrida no recurso de agravo, mas Recorrente. Se vencida nessa sede, como foi na totalidade, ou reagia autonomamente ou via a decisão consolidar-se, transitando em julgado; o que lhe estava vedado, desde logo, era reagir a esse decaimento total através de um recurso subordinado a outro, de revista sobre a apelação, que nada tem que ver com o agravo, nem há vencimentos parciais comuns à mesma decisão, como pressupõe o art. 682º CPC. </font><br> <font> </font><br> <font>Mesmo que assim não fosse, o recurso interposto, sendo de revista, está condicionado pelo concurso dos fundamentos previstos no art. 722º CPC, ou seja, e ao que aqui interessa, o recorrente pode alegar, além da violação da lei substantiva, a violação de lei do processo, quando desta for admissível recurso, nos termos do n.º 2 do art. 754º.</font><br> <font>Ora, no caso, tratar-se-ia de um recurso de agravo continuado cuja admissibilidade estaria necessariamente sujeita à alegação e verificação das hipóteses ressalvadas no segundo segmento do dito n.º 2 ou das situações excepcionadas no n.º 3 do mesmo art. 754º.</font><br> <font>Inadmissível a impugnação da decisão através de agravo, idêntico impedimento se ergue à sua inclusão em recurso de revista, independente ou subordinado.</font><br> <br> <font>2. 4. - Quanto à alteração operada na matéria de facto, a inpossibilidade de conhecimento do objecto do recurso assenta, como já se adiantou, em fundamentos diferentes.</font><br> <br> <font>Na verdade, como também já dito, tendo a A. obtido - apesar da modificação factual - total vencimento, pois pedira que fosse mantida a decisão (sentença) recorrida "nos seus exactos termos", também aqui não concorre o pressuposto essencial do recurso subordinado que é, nas palavras da lei (art. 682º-1), "ambas as partes ficarem vencidas". Indicado estaria, como também se fez notar, por ser o meio próprio e adequado, ampliar o objecto do recurso, prevenindo a necessidade de apreciação da questão (art. 684º-A, cit.).</font><br> <font> </font><br> <font>Acontece que, para além disso, não seria, de forma alguma, possível conhecer, também nessa parte do objecto do recurso.</font><br> <font>A discordância da Recorrente reconduz-se ao ataque à alteração dada à resposta ao quesito 2º efectuada pela Relação ao abrigo do art. 712º-1 e CPC, face aos registos dos depoimentos das testemunhas inquiridas a essa matéria.</font><br> <font>Em causa, pois, uma pretensão de reapreciação de provas, visando a censura do uso feito pela Relação dos poderes de alteração da matéria de facto que o art. 712º CPC lhe confere.</font><br> <br> <font>Na verdade, tudo se reconduz a que a Recorrente considera incorrectamente fixada e julgada pela 2ª Instância a matéria de facto, fundando a revista, nessa parte, em erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa, a revelar-se por erro na resposta àquele quesito (embora, depois, de forma pelo menos aparentemente contraditória, refira ter havido erro ou lapso de escrita a justificar a alteração).</font><br> <font> </font><br> <font>Não invoca a Recorrente violação de disposição legal impositiva de certo meio específico de prova para a existência de qualquer facto ou com especial força probatória, nem insuficiência ou contradição entre concretos pontos da matéria de facto fixada, susceptíveis de inviabilizarem a solução jurídica da causa, condições sempre exigidas nos arts. 722º-2 e 729º-2 e 3 e sem o concurso das quais o erro na apreciação das provas e na fixação da matéria de facto não pode ser objecto de recurso de revista. </font><br> <font> </font><br> <font>Está, pois, fora dos poderes de cognição deste Tribunal a valoração das provas, sua apreciação e alteração da matéria de facto, a não ser naqueles casos excepcionais, seja directa ou indirectamente, mediante a pretendida baixa do processo à Relação, apenas possível nos casos em que se mostre necessária a ampliação - sempre por omissão da apreciação e qualquer facto - ou existam contradições que inviabilizem a solução de direito, o que não ocorre, como, de resto, é jurisprudência uniforme.</font><br> <font>Quando não ocorra nenhuma das situações excepcionais referidas, o objecto do recurso de revista cinge-se à reapreciação das questões de direito consubstanciadas na interpretação e aplicação da lei substantiva, tal como se prevê no art. 721º CPC.</font><br> <br> <font>Este regime, conducente à impossibilidade de conhecimento do mérito de recursos em que, como o presente, se fundem em erro na apreciação e decisão da matéria de acto fixada pela Relação, tem, de resto, actualmente consagração expressa no art. 712º-6 CPC.</font><br> <br> <font>Consequentemente, pelas razões referidas, está vedada ao Supremo a intromissão na fixação dos factos, matéria da exclusiva competência das instâncias, e, vinculado à matéria de facto fixada pela Relação, carecendo de fundamento legal o pedido de reapreciação formulado.</font><br> <br> <font>Em conclusão, não se conhece, por inadmissibilidade, do objecto do recurso subordinado. </font><br> <font> </font><br> <font>3. - Recurso independente.</font><br> <br> <font>3. 1. - A questão central colocada no recurso consiste em saber se a Autora gozava do direito de resolução do contrato celebrado com a Ré e à indemnização, com fundamento em incumprimento definitivo e culposo desta (arts. 808º, 801º, 798º e 799º, todos do C. Civil).</font><br> <br> <font>3. 2. - Vem fixada a seguinte matéria de facto.</font><br> <br> <font>- Em Março de 2000, a A. celebrou com a R. um acordo escrito, de fls. 15 a 44, cujo objecto era a requalificação e beneficiação de garrafas de gás GPL, da R., nos seus precisos termos e clausulado;</font><br> <font>- No âmbito do referido contrato, a A. obrigava-se a realizar os trabalhos de lavagem e pintura, requalificação,, reparação como ou sem substituição da gola e do pé, podendo incluir o fornecimento destes;</font><br> <font>- A A. obrigou-se a beneficiar e/ou requalificar uma quantidade de 750 000 garrafas, até 31 de Dezembro de 2002;</font><br> <font>- Para esse efeito, a R. obrigou-se a colocar à disposição da A. - com excepção do período de férias da A. - uma quantidade mínima de 25 000 garrafas por mês;</font><br> <font>- Até 22/8/00, R. colocou à disposição da A. 98 908 garrafas para reparação ou requalificação;</font><br> <font>- A 22 de Agosto de 2000, a R. enviou à A., que recebeu, um </font><font>fax</font><font>, onde esta declara a suspensão do contrato "até informação em contrário";</font><br> <font>- A 06/10/00, a A. enviou à R., que recebeu, um </font><font>fax</font><font> no qual era referido que tinha sido obrigada a reestruturar a fábrica; executado despedimentos; a cancelar os contratos com empresas de transportes; tinha impossibilidade de atender aos custos de investimento de capitais realizados para poder executar o contrato; tinha prejuízos de danos produzidos relativamente às encomendas feitas aos fornecedores, que apresentaram reclamações;</font><br> <font>- A R. respondeu, em 18/10/00, informando que "a Empresa-B não pretende anular o contrato em vigor, mas tão só garantir a sua vigência e execução das quantidades contratadas - 750 000 garrafas";</font><br> <font>- A R. propôs a realização de uma reunião para 02/11/00, pelas 10 horas, para esclarecimento, nas instalações da «Galpenergia», que não se realizou;</font><br> <font>- Em resposta, a A. apenas enviou um </font><font>fax</font><font>, em 27/10/00, com o seguinte teor: «lamentamos ser-nos impossível estar presentes na reunião sugerida por V. Ex.as a 2-11 próximo; A breve prazo vos proporemos outra data para a dita entrevista»;</font><br> <font>- Em 08/11/00, a A. enviou um </font><font>telefax</font><font>, que a R. recebeu, rescindindo o contrato;</font><br> <font>- A A. enviou à R., que a recebeu em 27/11/00, a mesma comunicação, através de documento notarial;</font><br> <font>- A A. enviou à R., em 15 e 23 de Janeiro de 2001, cartas em que pedia indicação de data para representantes seus serem recebidos pelo presidente da R. a fim de «tratar das relações havidas entre a sua Empresa e Empresa-A», ao que a R. não respondeu; - Tendo em vista a satisfação das necessidades da R., a A. apetrechou a sua fábrica de equipamento e meios humanos adequados ao rigoroso cumprimento das suas obrigações;</font><br> <font>- (Por a R. não mandar garrafas) a A. ia acumulando prejuízos com a paralisação do seu equipamento especial e exclusivamente instalado par satisfazer as necessidades da A.; </font><br> <font>- A referida rescisão do contrato deveu-se ao facto de a A. continuar a acumular perdas e de a R., decorridos dois meses e meio depois da suspensão, continuar a não mandar garrafas nem ter manifestado a intenção de indemnizar a A. dessas perdas;</font><br> <font>- À luz do cumprimento que as Partes vinham fazendo do contrato, a R. não tinha qualquer razão para o fazer;</font><br> <font>- A situação (para a R.) foi determinada pela reestruturação do grupo empresarial de que faz parte;</font><br> <font>- Logo em Novembro de 2000 foram retomadas as actividades da R. relativamente a algumas outras empresas prestadoras de serviços, em situação análoga à da A.;</font><br> <font>- Na sequência da comunicação dita "rescisória" de 08/11/00, a R. reiterou, via </font><font>fax</font><font>, em 13/11/00, que iria retomar o processo de requalificação de garrafas de GPL, prevendo que até ao final do ano seriam enviadas 30 000 garrafas para requalificar;</font><br> <font>- Já é materialmente impossível - para a A. ou para qualquer outra fábrica da especialidade -, mesmo que a R. pretendesse começar a entregar garrafas, cumprir os prazos acordados e reciclar o número de garrafas acordado em falta.</font><br> <font>- O preço acordado para requalificação de cada garrafa foi de esc. 755$00; para o serviço de lavagem e pintura foi de esc. 480$15.</font><br> <font>- A R. aceita indemnizar a A. pelos prejuízos que esta terá sofrido com a suspensão temporária do contrato.</font><br> <br> <font>3. 3. - Como fundamento da pretensão resolutiva e da indemnização peticionada, a A. invoca o incumprimento do contrato de prestação de serviços, pela Ré, por esta ter suspendido injustificadamente a execução do contrato durante um mês e meio, deixando de lhe enviar as garrafas para reparação, o que levou a A., em 6/10/00, a dar-lhe conta dos prejuízos que estava ter, ao que a R. respondeu, em 18/10, com a declaração de pretender garantir a vigência e execução do contrato e com uma proposta de reunião entre as Partes para 2/11/00. Porque a R. aí não indicou data para a retoma do envio de garrafas, nem o fez até 8/11, apesar de a reunião se não ter efectuado - por a A. não ter comparecido (embora tenha falsamente alegado ter-se devido a indisponibilidade da R.), apesar de se ter proposto sugerir outra data -, a A. resolveu o contrato.</font><br> <font> </font><br> <font>Importa, então, saber se, perante este quadro, assistia à Recorrida o direito de resolução do contrato, direito que a recorrente lhe não reconhece.</font><br> <font>Com efeito, operando a resolução por mero efeito da declaração unilateral à outra parte, como é próprio das declarações de vontade receptícias - arts. 436º-1 e 224º-1 C. Civil -, ao controlo judiciário da existência de fundamento ou da regularidade do respectivo exercício só interessa o desenvolvimento das relações negociais até ao momento da produção do efeitos da declaração resolutiva.</font><br> <font>Destruído o contrato, há incumprimento definitivo. Então, só poderá interessar saber a qual dos contraentes é imputável esse incumprimento, o que depende da existência ou não de fundamento para a resolução. </font><br> <br> <font>O direito de resolução, enquanto destruição da relação contratual, quando não convencionado pelas partes, depende da verificação de um fundamento legal, correspondendo, nessa medida, ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432º-1 C. Civil.</font><br> <font>Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução, e suas consequências, obrigada a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.</font><br> <br> <font>Fundamento de resolução é, como previsto nos arts. 801º-2 e 802º-1 do mencionado diploma, a impossibilidade de cumprimento da prestação, geradora de incumprimento definitivo.</font><br> <font>O incumprimento definitivo pode verificar-se - além de outras situações que, por não invocadas e inaplicáveis, aqui não interessa considerar - por o credor, em consequência da mora da outra parte, ter perdido o interesse que tinha na prestação - art. 808º-1.</font><br> <font>A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade próprio do comum das pessoas» e a sua correspondência á «realidade das coisas» - art. 808º-2 (cfr. PESSOA JORGE, " </font><font>Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil</font><font>", p. 20, nota 3; GALVÃO TELLES, "</font><font>Obrigações</font><font>", 4ª ed., 235; Ac. STJ, de 21/5/98, BMJ, 477º-468).</font><br> <font>Quando tal não ocorra deve continuar a entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes - o interesse do credor mantém-se -apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em prazo razoavelmente fixado pelo credor, sob a cominação resolutiva (interpelação admonitória). </font><br> <br> <font>Pressuposto do direito à resolução é, em regra, o incumprimento da obrigação ou prestação principal do contrato.</font><br> <font>Quando não esteja em causa o cumprimento de uma única prestação ou da essencial, como acontece nos contratos duradouros, de execução continuada ou prestações periódicas, ou obrigações acessórias ou secundárias, haverá que averiguar, em concreto, qual a relevância da prestação incumprida na economia do contrato, sob o aspecto da sua aptidão e adequação para proporcionar ao credor os efeitos jurídicos e patrimoniais tidos em vista com a conclusão do negócio, tudo sem prejuízo de se manter presente que qualquer desvio do clausulado representa incumprimento cuja repercussão no </font><font>todo contratado</font><font> não pode deixar de se ter em conta. </font><br> <br> <font>Volvendo ao caso dos autos, deparamos com um contrato de natureza duradoura, cuja execução se previa desenvolver-se ao longo de mais de dois anos e meio e cerca de trinta prestações parcelares, das quais a R. incumpriu duas ou três, que podiam corresponder à quinta e sexta, mediante comunicação de que se tratava de suspensão do contrato e não da sua anulação, pois pretendia manter a sua vigência e execução total.</font><br> <font> </font><br> <font>Admitida a mora da Ré quanto ao cumprimento daquelas prestações parcelares - colocação das 25 000 garrafas/mês à disposição da A. -, importa valorar, segundo o critério objectivo legalmente consagrado, qual a sua relevância no interesse da A.-credora.</font><br> <br> <font>Ora, num juízo valorativo, estranho ao juízo mais ou menos subjectivo ou mais ou menos arbitrário do próprio credor, deparamo-nos, seguramente, com uma inexecução parcial e temporária que, quantitativamente, é inferior a um décimo do programa contratual estabelecido.</font><br> <font>Do ponto de vista qualitativo, ou seja, da importância da obrigação violada, a inexecução também se não apresenta com relevância diversa de qualquer outra prestação a efectuar em qualquer outro período de vigência do contrato.</font><br> <br> <font>A gravidade e importância dos incumprimentos, aferidas pela globalidade das prestações contratuais convencionadas, não assumem, quer quantitativa quer qualitativamente, significado relevante à luz do critério de objectividade legalmente acolhido, ou seja, quando valoradas por uma pessoa estranha aos juízos valorativos próprios do interesse subjectivo do credor.</font><br> <br> <font>Como faz notar BAPTISTA MACHADO ("</font><font>Pressupostos da Resolução por Incumprimento</font><font>", </font><font>in</font><font> "Obra Dispersa", 138), "diferentemente dos contratos de execução instantânea, os de execução continuada ou periódica criam uma relação contratual mais complexa que apresenta aspectos particulares no que se refere à valoração do inadimplemento para efeitos de resolução. (...) É que a particular natureza do contrato faz com que cada prestação, ou cada inadimplemento, não devam ser tomados isoladamente, mas, antes, com referência à relação contratual complexiva". Incumprida uma prestação, o credor terá normalmente interesse na seguintes, embora um certo inadimplemento, ainda que de menor importância, possa "legitimar a resolução se, pela natureza e circunstâncias de que se rodeou for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no exacto e fiel cumprimento das prestações subsequentes", perda de confiança que, pela sua origem ou circunstâncias, seja "de molde a justificar um justo receio quanto ao cumprimento futuro das obrigações contratuais. Aqui o inadimplemento tem a função ou o valor de um elemento </font><font>sintomático</font><font>".</font><br> <font>Não será, pois, qualquer mora que pode fundar o direito potestativo de resolução, mas aquela em que seja objectivamente detectável uma "consequência relativamente importante sobre a economia da relação" susceptível de integrar aquela perda de interesse, também à luz do princípio da boa fé e do «comportamento total dos contraentes» (BRANDÃO PROENÇA, " </font><font>A Resolução do Contrato no Direito Civil</font><font>", 143).</font><br> <br> <font>Confrontados estes critérios valorativos com a situação ajuizada, entende-se que o circunstancialismo que precedeu a declaração resolutiva emitida pela Autora não a justificava nem a pode legitimar.</font><br> <br> <font>Não estava em causa o incumprimento do contrato na sua globalidade, mas apenas uma suspensão temporária, facto que a A. bem conhecia, dadas as declarações da Ré no sentido da sua manutenção e execução total, ou seja, da própria recuperação das prestações em atraso.</font><br> <font>Menos compreensivelmente ainda, a Autora, que não se disponibilizou para participar de uma reunião destinada a ultrapassar a situação criada com a suspensão do contrato, e simultaneamente prometeu propor outra data, não só não o fez como, seis dias depois, resolveu o contrato. Trata-se, aqui, de um comportamento de todo contrário ao que anunciara, frustrante das expectativas da Ré, e claramente contrário aos princípios de lealdade negocial, da confiança e da boa fé.</font><br> <br> <font>Deste modo, inexistindo fundamento para o acto resolutivo exercitado pela A., não pode ver reconhecido, como peticiona, o direito de resolução do contrato invocado e, consequentemente, obter, a esse título, a indemnização que reclama.</font><br> <br> <font>4. - Decisão.</font><br> <br> <font>Em conformidade com quanto se deixou exposto, decide-se:</font><br> <font>- Não conhecer do objecto do recurso subordinado interposto pela Autora;</font><br> <font>- Conceder a revista pedida pela Ré e, em consequência, revogar o acórdão impugnado, absolvendo-a do pedido contra ela formulado; e,</font><br> <font>- Colocar todas as custas a cargo da Autora.</font><br> <br> <font>Lisboa, 4 de Abril de 2006</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Paulo Sá</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <br> <font> AA Ldª intentou acção ordinária contra BB Portugal Hotéis, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 829.257,88, sem prejuízo da quantia que se venha a apurar, relativa ao valor das coimas aplicadas pela Direcção Geral do Turismo e das que se vierem a apurar referentes ao artº 27º da p.i., bem como dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até pagamento.</font><br> <font> A ré contestou e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da autora apagar-lhe a quantia de € 294.905,58, acrescida de 12% de juros ao ano a partir da notificação da reconvenção.</font><br> <font> A autora replicou.</font><br> <font> Notificada dos despachos proferidos nas sessões da audiência de discussão e julgamento dos dias 10.2.2004 e 11.2.2004, em que se admitiu o depoimento das testemunhas CC e DD, interpôs a autora AA, Ldª recurso de agravo diferido.</font><br> <font> A sentença julgou parcialmente procedente a acção e a reconvenção, julgando compensados o crédito de € 40.564,04 da autora sobre a ré, condenando a autora /reconvinda a pagar à ré/reconvinte a quantia de € 104.585,56 (145.149,60-40.564,04), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a notificação da reconvenção até integral pagamento, absolvendo no demais as partes dos pedidos.</font><br> <font> As partes apelaram para a Relação do Porto, sendo a ré subordinadamente, tendo a Relação negado provimento ao agravo e alterado a sentença da seguinte forma:</font><br> <font>-- Contar-se-ão os juros de mora sobre o montante de cada uma das prestações regulares em dívida pela ré até ao dia da notificação da reconvenção à autora, onde pediu a compensação de créditos, sendo o total parcial levado depois à compensação;</font><br> <font>-- Contar-se-ão os juros de mora que incidem sobre o montante do custo dos pequenos-almoços de 99.11.01 desde esta data até à data da notificação do pedido reconvencional, total parcial levado também depois à compensação;</font><br> <font>-- Calcular-se-á em liquidação de sentença o montante das responsabilidades laborais da ré no que diz respeito aos pagamentos decorridos para a autora, mas que são contrapartida, em parte, de prestações de trabalho devidas a/e capitalizadas pela BB;</font><br> <font>-- Calcular-se-á também em execução de sentença o montante do arrendamento do gabinete interno, facultado ao administrador da autora, da responsabilidade desta para com a ré;</font><br> <font>-- Pagará a autora à ré 50% do preço global dos serviços hoteleiros prestados aos convidados e aos administradores da autora, com juros de mora desde a citação, se e só se exceder o limite compensatório; </font><br> <font>-- O jogo e a soma de todas estas quantias entra na compensação, tal como se disse para as primeiras.</font><br> <font>Novamente inconformadas, recorrem agora ambas as partes de revista. </font><br> <font> Alegando, a autora tirou as seguintes</font><br> <font>Conclusões: </font><br> <font> </font><u><font>Questão prévia</font></u><font>:</font><br> <br> <font> A recorrente AA Ldª agravou diferidamente dos despachos que, nas sessões da audiência de discussão e julgamento de 10.2.2004 e 11.2.2004, admitiram o depoimento das testemunhas CC e DD.</font><br> <font> Posteriormente apelou da sentença.</font><br> <font> Os agravos subiram com a apelação.</font><br> <font> A Relação negou provimento aos agravos.</font><br> <font> Impugna agora a AA uma vez mais a admissão dos referidos depoimentos, como testemunhas, a seu ver proibidos pelo artº artº 617º do CPC.</font><br> <font> Resulta do artº 722º, nº 1 do CPC que sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação de lei substantiva, a violação de lei do processo, </font><u><font>quando desta violação for admissível o recurso, nos termos do nº 2 do artigo 754º</font></u><font>, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.</font><br> <font> As decisões da 1ª instância que admitiram a depor aquelas duas testemunhas constituem decisões interlocutórias</font><br> <font> Determina o artº 754º, nº 2 que </font><u><font>não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre as decisões da primeira instância</font></u><font>, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme, dispositivo que se refere apenas às </font><u><font>decisões interlocutórias</font></u><font>, e não também às finais face ao disposto no nº 3 do mesmo artigo.</font><br> <font> Não se constatando no caso vertente as anteriores ressalvas, conclui-se que é inadmissível a revista quanto à decisão que negou provimento aos agravos, pelo que dela se não tomará conhecimento, nessa parte.</font><br> <br> <br> <font> </font><u><font>Revista da autora</font></u><font>.</font><br> <br> <font> Alegando ter havido deficiente conservação do estabelecimento hoteleiro, pela ré, pediu a autora a condenação daquela na indemnização parcelar de € 791.473,67, sem prejuízo doutros montantes que entretanto se venham a apurar.</font><br> <font> As instâncias desatenderam esse pedido, que a autora, mas sem razão, pretende ver satisfeito na revista.</font><br> <font> A sentença da 1ª instância escalpelizou esta questão por forma a merecer plena concordância.</font><br> <font> Haja em vista, mormente, que ré observou, na realização das obras a que se obrigara, as indicações que lhe foram dadas pela Comissão de Obras composta por um representante dela e por dois representantes da autora, a qual foi constituída para aplicar, gerir e administrar o investimento a fazer pela demandada, e fiscalizar a sua realização.</font><br> <font> A Comissão decidiu, no que concerne ao sistema de detecção e combate a incêndios, adjudicar apenas a pré-instalação dos projectos RIA e SADI.</font><br> <font> Para obter a certificação contra incêndios, teriam de ser feitas obras estruturais no edifício e substituir a cobertura do hotel, o que era da responsabilidade da autora, que não aceitou financiar a execução do projecto de segurança contra incêndios.</font><br> <font> Por outro lado, a Comissão, que tinha de estabelecer prioridades na aplicação da verba que a ré se obrigara a gastar, também não obrigou a substituir os elevadores tendo em vista a sua certificação, e estes foram objecto de assistência pela Efacec-Shindler, nada comprovando que não estivessem em bom estado aquando da devolução do Hotel à autora.</font><br> <font> A matéria de facto provada é suficientemente demonstrativa de que a ré buscou, dentro dos limites por que se responsabilizara, melhorar substancialmente as condições físicas do estabelecimento hoteleiro, o que é bem demonstrado até pelos resultados positivos de exploração que conseguiu alcançar.</font><br> <font> A ré obrigou-se a efectuar obras de conservação e beneficiação do Hotel, conforme preconizado pelas entidades oficiais para a manutenção da categoria de três estrelas, mas a obrigação de realizar essas obras não era ilimitada, tinha como limite máximo contratualmente fixado, o montante de 42.000.000$00, e a ré gastou em tais obras verba superior, pelo que cumpriu, não tendo o Hotel sido encerrado nem desclassificado, tendo sido recuperado pela autora, volvidos 20 anos, com a mesma inicial categoria de três estrelas.</font><br> <font>Pelo exposto, e remetendo para a mais detalhada fundamentação da sentença da 1ª instância, a fls. 1.279 a 1.290, não assiste razão à autora neste particular. </font><br> <font> Considerou-se na sentença da 1ª instância (fls. 1298 a 1302), não tendo siso alterado pela Relação, que a autora deve à ré a verba parcelar de € 54.794,37 euros, correspondente a 30% do que esta despendeu em bens duradouros adquiridos para o Hotel (ar condicionado, pré-instalação de sistema de detecção de incêndios e alcatifas).</font><br> <font> Essa responsabilização foi alicerçada na excepção contida na 23ª cláusula contratual (nº 36 dos factos provados), segundo a qual, no caso de não ser concedida qualquer verba a fundo perdido, a autora, no termo do contrato, pagaria à ré 30% do valor das aquisições que esta fizesse de bens duradouros, para o Hotel.</font><br> <font> O dinheiro gasto pela ré nos referidos bens ascendeu a 36.617.620$00 </font><i><font>(correspondendo 30% a 10.985.286$00, ou seja os acima referidos € 54.794,37)</font></i><font>, quantia aquela que integra a verba total de 47.308.488$00 gasta pela ré nos mencionados bens, e na recuperação de mobiliário dos quartos, aquisição de espelhos e apliques e em obras de construção civil.</font><br> <font> Tendo a ré pedido à autora, por carta de 21.6.1999, o pagamento da dita percentagem de 30% </font><i><font>(incluindo embora na categoria de bens duradouros os espelhos e apliques que adquiriu mas foram excluídos dessa categoria na sentença)</font></i><font>, falece razão à autora quanto às 31ª e 32ª conclusões recursórias.</font><br> <font> Insurge-se a autora também relativamente à qualificação como bens duradouros do ar condicionado, da pré-instalação do sistema de detecção de incêndios e das alcatifas.</font><br> <font> A Senhora Juíza da 1ª instância, sem que tal tenha sido censurado pela Relação, considerou aqueles bens como duradouros na medida em que, atendendo à específica actividade desenvolvida no Hotel, seria expectável que pudessem vir a ser utilizáveis pela autora, proprietária daquele estabelecimento, findo o contrato de cessão da exploração.</font><br> <font> Tal critério parece bem mais ajustado ao caso vertente, do que o pretendido pela ré/reconvinte </font><i><font>(que almejava abarcar na categoria de bens duradouros todos aqueles que a empresa utiliza na sua actividade operacional, que não se destinam a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano, contabilizáveis nas contas 42 da classe 4 do POC, de acordo com as notas explicativas deste constantes do anexo ao DL nº 410/89, de 21/11, que o aprovou)</font></i><font> e do que a autora avança nas conclusões da revista </font><i><font>(segundo o qual, se bem se entende, bens duradouros seriam os bens necessários a qualquer redesenho arquitectónico dos quartos e das zonas de estar).</font></i><br> <font> Como outro critério melhor do que o abraçado na sentença (e não posto em causa pela Relação), se não vislumbra oficiosamente, há que admiti-lo como acertado. </font><br> <font> Sustenta ainda a autora que a ré se obrigou a despender, “à sua própria custa”, a quantia de 42.000.000$00, pelo que quanto a esse montante não tem a ré direito a qualquer reembolso, só podendo ser calculados os falados 30% sobre o valor do investimento em bens duradouros que excedesse tal montante, por ser o único “</font><i><font>sentido que um declaratário normal, colocado na posição de real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante” </font></i><font>(artº 236º do CC). </font><i><font> </font></i><br> <font> Vejamos.</font><br> <font> Da 23ª cláusula contratual </font><i><font>(alteração de 30.10.1989, constante de fls. 37 a 45)</font></i><font>, resulta, substancialmente, para o que agora importa, que:</font><br> <font> I) A ré se obrigou a efectuar obras de conservação e beneficiação do Hotel, nomeadamente modernizar quartos, zonas públicas e de serviços, conforme preconizado pelas entidades oficiais para manutenção da categoria de três estrelas;</font><br> <font> II) A ré obrigou-se a despender, nessas obras, à sua própria custa, 42.000.000$00;</font><br> <font> III) Para além dessa quantia seriam ainda aplicadas nas mesmas obras, as verbas que fossem obtidas a fundo perdido e que a ré obrigatoriamente pediria;</font><br> <font> IV) No termo do contrato de cessão de exploração o investimento efectuado ficaria a pertencer à autora, dona do Hotel, sem a ré ter direito a indemnização, e direito de retenção, excepto quanto ao investido em bens duradouros, pelos quais a autora se obrigou a pagar à ré 30% sobre a diferença que resultasse da dedução da verba obtida a fundo perdido respeitante ao investimento, ao valor da aquisição da totalidade dos bens duradouros, ou </font><u><font>30%</font></u><font> </font><u><font>sobre o valor global de aquisição dos bens duradouros</font></u><font>, caso não fosse concedida qualquer verba a fundo perdido;</font><br> <font> Não tendo a ré obtido qualquer verba a fundo perdido, entenderam as instâncias que a autora é devedora à ré </font><u><font>de 30% do valor global de aquisição dos bens duradouros</font></u><font> (consoante o segmento final de IV)), o que se afigura correcto, não obstante constar da mesma cláusula 23ª ter-se a ré vinculado a despender nas obras, à sua própria custa, 42.000.000$00 (conforme II) supra).</font><br> <font> Com efeito, a cláusula 23ª, globalmente considerada, contém, aos olhos de um declaratário normal, dois tempos diferentes.</font><br> <font> Numa primeira fase, a ré feria as obras com dinheiro que porventura lograsse obter a fundo perdido, e com dinheiro seu.</font><br> <font> Depois receberia da autora os falados 30% relativos ao investimento em bens duradouros, nos moldes referidos.</font><br> <font> Constituindo matéria de direito, sindicável pelo Supremo, determinar se na interpretação das declarações negociais foram observados os critérios legais impostos pelos artºs 236º e 238º do Código Civil, para efeito da definição do sentido que há-de vincular as partes, face aos factos concretamente averiguados pelas instâncias (acs. do STJ, de 3.11.94, BMJ 441/346, de 28.11.96, BMJ 461/390 e de 6.4.2000, CJSTJ 2000, II, 26), conclui-se que as instâncias não inobservaram o disposto nos artºs 236º, nº 1 e 238º, nº 1 do Código Civil, não merecendo censura o resultado interpretativo a que chegaram, no que tange a esta questão. </font><br> <font> Impugna também a autora a condenação a pagar à ré a quantia de € 5.569,58 relativa aos géneros alimentares que ficaram no Hotel quando foi entregue àquela.</font><br> <font> Provou-se que a autora manifestou interesse em adquirir os géneros alimentares que estavam em </font><i><font>stok</font></i><font> no dia 31.10.99, e que esse </font><i><font>stok </font></i><font>foi inventariado e valorizado, dando as instâncias por reproduzidos (a Relação em nota de roda-pé) os documentos de fls. 373 e 374 a 383. </font><br> <font> A autora não nega ter-se aproveitado desses géneros alimentares, limitando-se </font><i><font>grosso modo</font></i><font> a dizer que não chegou a ser fixado o preço respectivo, pois não resultou provada a sua aceitação da valorização unilateral deles pela ré.</font><br> <font> Como se vê dos aludidos documentos, a ré inventariou e fixou o valor de tais bens, o que tudo comunicou à autora.</font><br> <font> De acordo com o artº 234º do Código Civil, quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta. </font><br> <font> Não se provado que a autora fez na altura qualquer observação sobre o teor de tal inventário, limitando-se a consumir aqueles bens, essa conduta, reforçada pelo anterior empenhamento em ficar com tais bens (nítido acto de apropriação), é bem reveladora de que aceitou para si os aludidos bens, com a valorização constante do inventário.</font><br> <font> Nada a alterar, pois, quanto a esta parte.</font><br> <font> Contesta ainda a autora a condenação, proferida na Relação, a pagar à ré a quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente ao “arrendamento” do gabinete, no Hotel, facultado ao seu sócio gerente, e a pagar € 50.865,09 dos consumos nele efectuados pelos administradores e convidados da demandante, com juros de mora desde a citação.</font><br> <font> Provou-se que o gerente da autora ocupou um pequeno gabinete no Hotel, que a autora não pagou qualquer quantia por essa ocupação, que 50% dos consumos de restaurante e bar efectuados pelos gerentes da autora e convidados totalizam € 50.865,09, e que a ré enviou à autora a carta de 12.10.92, pedindo a satisfação da renda mensal de 150.000$00, referente à ocupação do escritório (actualizável anualmente pela taxa de inflação do INE desde Janeiro de 1990), e o pagamento de 50% dos montantes referentes aos consumos e serviços hoteleiros proporcionados aos gerentes pela ré.</font><br> <font> Na 1ª instância a reconvenção improcedeu nessa parte, por a Senhora Juíza não ter atribuído eficácia probatória à carta atrás referida e ter considerado que recaía sobre a ré/reconvinte o ónus da prova, não tendo ela logrado demonstrar a existência de qualquer acordo entre as partes relativamente ao pagamento de uma quantia em dinheiro pela utilização do escritório e ao pagamento de 50% dos consumos que a autora fizesse no Hotel.</font><br> <font> Ao invés, entendeu a Relação, quanto ao gabinete, que : </font><i><font>«… trata-se de uma relação comercial paritária, que supõe portanto a prática de um acto comercial presumivelmente não gratuito, em face do desígnio do lucro dos intervenientes e beneficiários. Não ter sido estipulado o preço não é argumento de monta contrário, porque a lei remete supletivamente para o preço do mercado… nada obsta à operatividade do esquema da liquidação, porque o preço do mercado pode ser conferido por dados estatísticos legais…».</font></i><br> <i><font> </font></i><font>E quanto aos 50% dos gastos no Hotel pelos representantes da autora e seus convidados, expendeu que </font><i><font>«… do modelo de relacionamento mercantil pode retirar-se outrossim… ter havido um contrato de prestação de serviços hoteleiros, com desconto de 50% do preço: nada o infirma, perante o dado incontornável do benefício material percebido e a carência de prova da gratuitidade, que competia à autora</font></i><br> <i><font> </font></i><font>Sucede que nos quesitos 67º a 70º se indagava, respectivamente, se desde o início do contrato de cessão de exploração a autora e a ré tinham acordado que os consumos daquela no Hotel teriam um desconto de 50%, se após a revisão do contrato em 1989 a ré avisou a autora de que a partir daí passaria a pagar os serviços que lhe fossem prestados, com o desconto de 50% acordado, fixando-se para o espaço do Hotel utilizado como escritório pelo sócio gerente da autora uma renda de esc. 150.000$00 mensais, actualizável anualmente de acordo com a taxa de inflação, e se isso mesmo a ré confirmou à autora por carta de 12.10.1992 que lhe entregou no dia seguinte por protocolo, informando-a dos descontos nos serviços de restaurante, bar e alojamento e da renda mensal da área do Hotel utilizado pelo Sr. António Maria Lopes, e, ainda, que os montantes dos consumos e serviços seriam levados à conta da autora.</font><br> <font> Como se vê de fls. 1207, foi dada a esses quatro quesitos a resposta conjunta e restritiva de estar provado apenas que a ré enviou à autora carta de 12.10.92, que lhe foi entregue por protocolo, junta a fls. 391, cujo conteúdo foi em tal resposta dado como reproduzido. </font><br> <font> Tendo a resposta àqueles quatro quesitos sido restritiva, nos moldes mencionados, sustenta a autora que ficou provado a utilização do escritório e os mencionados consumos eram gratuitos, entendimento que porém se não se pode subscrever, porquanto, como tem decidido este STJ, da resposta negativa aos quesitos não se pode concluir pela prova do contrário que neles se perguntava.</font><br> <font> De resto os quesitos foram até mal formulados, porquanto não era sobre a ré que impendia o ónus da prova da onerosidade, mas sobre a autora o ónus da prova da gratuitidade, que não cumpriu. </font><br> <font> À ré/reconvinte apenas competia provar a utilização do gabinete pelo gerente da autora, e os consumos dos representantes e convidados desta.</font><br> <font> Na verdade, o artº 344º, nº 1 do Código Civil textua que se inverte o ónus da prova quando haja presunção legal.</font><br> <font> Tratando-se de um Hotel cedido pela autora à ré, para exploração lucrativa por esta, sem ter havido qualquer reserva, pela autora, do escritório e de serviços hoteleiros, era suposto dever ser remunerada a utilização do escritório e os consumos pelos representantes da autora e seus convidados, a menos que a autora provasse a gratuitidade, tendo os contratos de prestação de serviço ficado formados quando mais não fosse após a recepção pela autora da carta em referência e seguida da continuação da utilização do escritório e dos pedidos dos consumos, o que denota a aceitação das condições comunicadas pela ré na carta, consubstanciando seguramente uma declaração tácita de aceitação, não receptícia, no sentido do artº 224º, nº 1, 2ª alternativa, suficiente para a conclusão do negócio.</font><br> <font> Trata-se de uma situação em que o tráfico jurídico negocial dispensa a declaração da aceitação da proposta ao proponente, sendo aplicável a excepção contida no artº 234º do Código Civil, segundo o qual, quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensável a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta.</font><br> <font> Deve portanto concluir-se, como concluiu a Relação, que a autora deve pagar à ré uma importância pela ocupação do escritório, a liquidar em execução de sentença, bem como 50% dos consumos, estes na quantia já fixada de € 50.865,09. </font><br> <font> Improcede, por conseguinte, em toda a linha, a revista interposta pela autora.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><u><font>Agora quanto à revista subordinada</font></u><font>.</font><br> <font> A autora, considerando que a ré teve os trabalhadores do Hotel ao seu serviço até lho devolver em 31.10.1999, pediu a condenação desta, além do mais, a pagar-lhe € 65.486,62, que desembolsou, referentes a proporcionais relativos aos 10 primeiros meses de 1999, de subsídios de trabalho nocturno, subsídios de Natal, férias e subsídios de férias, alimentação em férias, e encargos patronais para a Segurança Social.</font><br> <font> A sentença da 1ª instância julgou este pedido parcelar totalmente improcedente, mas a Relação condenou a ré a pagar à autora a quantia que se liquidar em execução de sentença relativamente às responsabilidades laborais da ré no que diz respeito aos pagamentos feitos pela autora «mas que são contrapartida, em parte, de prestações de trabalho devidas a/e capitalizadas» pela ré.</font><br> <font> A Relação louvou-se para tanto em que </font><i><font>«… a R. é responsável pela parte correspondente à contrapartida de esforço e génio dos empregados que estes lhe proporcionaram (não estão feitas as contas, mas que são possíveis, isolando um módulo unitário de cálculo, por exemplo, o dia ou o mês de trabalho; portanto, neste particular, liquidação decisória)».</font></i><br> <i><font> </font></i><font>É esta decisão, divergente da sentença da 1ª instância, que a ré impugna no recurso subordinado.</font><br> <font> A razão está porém do lado da Relação.</font><br> <font> No parágrafo segundo da cláusula décima do ajuizado contrato de cessão de exploração de estabelecimento de hotelaria, celebrado pelas partes em 7.11.1979 </font><i><font>(cláusula aquela não alterada pelas escrituras de 24.2.82 e de 30.10.89)</font></i><font> estipularam as partes o seguinte:</font><br> <font> </font><i><font>«Serão da inteira e única responsabilidade da cessionária, durante a vigência deste contrato todos os encargos resultantes da exploração, nomeadamente, </font></i><b><i><font>despesas com o pessoal</font></i></b><i><font>, incluindo ordenados, retroactivos, subsídios de férias e de natal, previdência, fundo de desemprego, quotizações sindicais e </font></i><b><i><font>eventuais indemnizações em caso de despedimento, mesmo que estas</font></i></b><i><font> só venham a tornar-se exigíveis depois da resolução ou caducidade deste contrato» </font></i><font>(os negritos são da nossa lavra)</font><i><font>.</font></i><br> <font> </font><font>A Senhora Juíza da 1ª instância considerou não haver lugar ao pagamento de proporcionais relativamente ao subsídio de trabalho nocturno, por ser devido integrado na respectiva remuneração mensal, de acordo com o artº 30º do DL 409/71, de 27/9, aplicável ao tempo, e a autora não ter alegado que não foi pago pela ré durante o período de exploração do Hotel.</font><br> <font> Quanto às restantes responsabilidades laborais da ré peticionadas pela autora, expendeu a Senhora Juíza, interpretando o sobredito parágrafo segundo da cláusula décima, que elas não são devidas pela ré por só se terem vencido depois de terminado o contrato de cessão de exploração, só sendo devidas pela ré as dívidas tornadas exigíveis após aquele termo se fossem a relativas a indemnizações por despedimento.</font><br> <font> A Senhora Juíza decidiu dessa maneira por entender que o segmento do parágrafo segundo </font><b><font>“</font></b><b><i><font>mesmo que estas”… </font></i></b><font>se reporta ao segmento </font><b><font>“</font></b><b><i><font>eventuais indemnizações em caso de despedimento”.</font></i></b><br> <b><i><font> </font></i></b><font>Todavia, não é essa a interpretação que normativamente deverá vincular as partes nos termos dos artºs 236º, nº 1 e 238º, nº 1 do Código Civil, dispositivos legais que realmente se afigura terem sido violados na 1ª instância.</font><br> <font> Com efeito, para um declaratário normalmente diligente e sagaz, colocado na posição da autora declaratária, o segmento </font><b><i><font>“mesmo que estas”</font></i></b><font> refere-se, não ao segmento indicado na sentença, mas ao segmento </font><b><i><font>“despesas com pessoal”</font></i></b><font>, acima processado também em negrito.</font><br> <font>Ou seja, por acordo de vontades vinculador, as partes decidiram, em escritura pública, que seria da inteira e única responsabilidade da ré, durante a vigência do contrato, todos os encargos resultantes da exploração, nomeadamente as </font><u><font>despesas com o pessoal</font></u><font> (“incluindo ordenados, retroactivos, subsídios de férias e de natal, previdência, fundo de desemprego, quotizações sindicais e eventuais indemnizações em caso de despedimento”) </font><u><font>mesmo que estas</font></u><font> (as despesas com o pessoal) só viessem a tornar-se exigíveis depois da resolução ou caducidade do contrato.</font><br> <font>É esta a interpretação que um </font><i><font>bonus pater famílias </font></i><font>faria se colocado na real posição da autora declaratária, sendo a mais razoável face ao teor do texto integral da cláusula décima em referência, a que conduz a um maior equilíbrio das prestações, e a que melhor se quadra com o texto do citado parágrafo segundo mormente tendo em consideração que entre os dois segmentos que a Senhora Juíza quis unir umbilicalmente existe uma vírgula que afasta a interpretação adoptada na 1ª instância. </font><br> <font> </font><b><i><font> </font></i></b><font> Finalmente, embora o subsídio de trabalho nocturno deva ser incluído no vencimento, como se diz na sentença, a autora teve de o pagar, sinal de que a ré o não pagou (nem ela diz que o pagou), como era sua obrigação, fazendo portanto a autora jus a receber da ré os respectivos proporcionais peticionados, relativos aos primeiros dez meses de 1999.</font><br> <font>Naufragam, portanto, igualmente, as conclusões da revista subordinada.</font><br> <font> Termos em que acordam em </font><b><font>não tomar conhecimento do agravo</font></b><font>, com custas pela autora agravante, e em </font><b><font>negar ambas as revistas</font></b><font>, condenando cada uma das recorrentes nas custas do respectivo recurso.</font><br> <font> </font><br> <br> <font>Lisboa, 12-09-2006</font><br> <br> <font>Faria Antunes (Relator)</font><br> <font>Sebastião Povoas</font><br> <font>Moreira Alves</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - AA instaurou acção declarativa, para efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra “BB, S.A.”, reclamando o pagamento de indemnização no montante de 49.241,00 euros, quantia que representa a soma dos danos sofridos em acidente de viação, cuja responsabilidade se deve ao condutor do veículo segurado da Ré, nomeadamente o valor da viatura que ficou inutilizada, despesas com a sua guarda na oficina de reparação, bem como prejuízos e danos não patrimoniais pela privação do respectivo uso, tudo acrescido de juros legais a contar da citação.</font><br> <br> <font>A Ré, contestou impugnando a versão do acidente, no sentido de imputar a origem do mesmo ao próprio Autor, e, em qualquer caso, a obrigação de satisfazer qualquer indemnização para além da correspondente ao valor do veículo do A., deduzido o valor dos salvados.</font><br> <br> <font>Percorrida a normal tramitação foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor uma indemnização que se fixa em 33.146,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.</font><br> <br> <font> A Relação confirmou o sentenciado.</font><br> <br> <br> <font>A Ré pede agora revista, insistindo na improcedência da pretensão do A. quanto ao pagamento dos custos de aparcamento e indemnização pela privação do uso ou redução desta, por contribuição do A. para o seu agravamento, ao abrigo da seguinte argumentação, em síntese conclusiva:</font><br> <font>1.º (…);</font><br> <font>2.º - Desde logo, veja-se que houve aceitação de ambas as partes no sentido da inviabilidade da reparação (facto comunicado ao autor que não o pôs em causa).</font><br> <font>3.º - A peritagem da Ré tem como objectivo a fixação dos danos e permitir ao lesado fazer tudo aquilo que se propõe fazer.</font><br> <font>4.ª - É certo que a Ré nada disponibiliza a título indemnizatório, mas sabendo o lesado que a indemnização lhe será atribuída a título de perda total (caso se apure a responsabilidade), poderá dispor da viatura como bem entender.</font><br> <font>5.ª - Porque é que o lesado tinha que manter o carro na oficina, sabendo e concordando com a sua inviabilidade de reparação? E como imputar à recorrente esse pagamento relativo ao aparcamento numa oficina após lesante e lesado concordarem na impossibilidade de reparação da viatura? A função da peritagem consiste em permitir a fixação dos danos, previamente à fixação da responsabilidade.</font><br> <font>6.ª - Ora, este prejuízo não tem que ser suportado pela recorrida, na medida em que, face à perda total, de imediato comunicou ao autor, pelo que não pode este peticionar uma indemnização decorrente do aparcamento a partir do momento em que tomou conhecimento da inviabilidade da reparação.</font><br> <font>7.ª - Ou seja, a matéria respeitante às despesas com o aparcamento também ficará prejudicada, pois tais despesas não podem ser imputadas à ora recorrente, pelo menos a partir do momento em que o autor tomou conhecimento e aceitou a inviabilidade da reparação.</font><br> <font>8.ª - Diga-se ainda que do facto provado não se pode extrair o prejuízo do autor. Vejamos: está provado que a manutenção do veículo automóvel nessa oficina importa para o autor o pagamento diário da quantia de € 2,00, a título de armazenamento do veículo. Ou seja, nada se provou quanto ao pagamento nem quanto ao prejuízo patrimonial efectivo do autor, pelo que o pedido, também por este ponto de vista, terá que improceder.</font><br> <font>9.ª - Nestes termos, o acórdão em crise violou o nº 3 e nº 1 do artigo 566º do Código Civil.</font><br> <font>10.ª - Acontece que o demandante não logrou provar qualquer prejuízo material efectivo, no que respeita ao dano respeitante à privação do veículo.</font><br> <font>11.ª (…);</font><br> <font>12.ª - O recurso à equidade não pode sobrepor-se às regras do ónus da prova, porque, não se provando qualquer prejuízo e atribuindo-se uma indemnização por recurso à equidade, pode dar-se um enriquecimento sem causa, visto que a paralisação dum veículo, só por si, pode não acarretar qualquer prejuízo;</font><br> <font>13.ª - Só perante a alegação e prova da factualidade pertinente seria possível concluir ou não pela justeza, ou seja, pela verificação de um verdadeiro dano, como consequência adequada do acidente.</font><br> <font>14.ª - A mera privação do uso de um veículo automóvel, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.</font><br> <br> <font>Sem conceder,</font><br> <font>15.ª - Impõe-se ao lesado que, com diligência, proponha acção para ser decidido se a seguradora se encontra obrigada a indemnizá-lo, a fim de não contribuir para o agravamento dos danos resultantes da paralisação do veículo, fundamento de redução da indemnização.</font><br> <font>16.ª - Ora, o autor intentou a acção quase três anos após o sinistro, sabendo, sem dúvida, da dilação que causava no período de imobilização do veículo, com o inerente agravamento dos danos.</font><br> <font>17.ª - Neste contexto, também não poderá deixar de ter-se em conta que o autor também contribuiu para o agravamento dos danos que da paralisação possam ter advindo, havendo de situar-se o seu comportamento no âmbito do art.º 570.º do C. Civil, fundamento da eventual redução da indemnização que lhe possa ser atribuída.</font><br> <font>18.ª – O acórdão recorrido violou, assim, nessa parte o estatuído nos arts. 562º e ss. e 342º e ss. do Código Civil;</font><br> <font>19.ª - A matéria respeitante ás despesas com o aparcamento também ficará prejudicada, pois tais despesas não podem ser imputadas à ora recorrente, pois a recorrida tomou logo conhecimento da inviabilidade da reparação.</font><br> <br> <font>O Recorrido respondeu em apoio do julgado.</font><br> <br> <br> <font> 2. - Voltam a colocar-se, tal como o foram perante a Relação, as seguintes </font><b><font>questões</font></b><font>:</font><br> <br> <font>A. 1. – Se, comunicado pela Seguradora ao lesado que a indemnização lhe será atribuída a título de perda total (caso se apure a responsabilidade), poderá este dispor da viatura sinistrada, não podendo ser imputadas à Seguradora as despesas com o aparcamento do veículo posteriores àquela comunicação;</font><br> <font>A. 2. - Se, no caso, perante os factos provados, o Autor demonstrou ter direito à reclamação dessas despesas.</font><br> <font> B. - Se a factualidade provada é suficiente para atribuição de indemnização a título de privação do uso do veículo; </font><br> <font>C. – Se, no caso de se entender haver lugar ao pagamento das despesas e indemnização referidos, devem reduzir-se os respectivos montantes, considerando o agravamento dos danos da paralisação resultante do protelamento na instauração da acção.</font><br> <br> <font>3. - Da </font><b><font>factualidade</font></b><font> assente, importa considerar, por pertinente e relevante para apreciação do objecto do recurso, a que segue.</font><br> <br> <font>1. No dia 2 de Abril de 2004, o veículo automóvel de marca Opel Corsa de matrícula 00-00-00 circulava pela estrada (…), tendo sofrido um acidente de viação.</font><br> <font>8. Os danos sofridos pelo veículo 00-00-00 foram de tal gravidade que o mesmo ficou totalmente insusceptível de ser utilizado, não se mostrando também económica e funcionalmente viável a sua reparação.</font><br> <font>9. A perda total do veículo 00-00-00 determinou para o ora autor um prejuízo patrimonial efectivo do mesmo montante.</font><br> <font>10. A ré enviou ao autor, em 4 de Junho de 2004, a carta junta a fls. 74, informando que a reparação do veículo era antieconómica, atento o seu valor venal e o custo da reparação e o valor dos salvados.</font><br> <font>24. Este veículo 00-00-00, da marca Opel, modelo Corsa Sport Van 17 CDti, encontrava-se, à data do acidente, em estado de novo, pois havia sido adquirido nesse estado, em 13/03/2004, ou seja, há menos de um mês em relação à data do acidente.</font><br> <font>25. O valor de aquisição de um veículo de características iguais ao veículo sinistrado é de montante igual a, pelo menos, 21.000,00 euros.</font><br> <font>26. O autor procedeu ao transporte do veículo para a oficina de CC, sita na Rua ..................., n.º ....., da freguesia de Ribeirão, com o objectivo de proceder à reparação do mesmo.</font><br> <font>27. Após a vistoria do veículo sinistrado, a ré concluiu que o mesmo apresentava danos que tornava anti-económica a sua reparação, pelo que enviou uma carta ao aqui autor, em 04 de Junho de 2004, junta a fls. 74 dos autos, encontrando-se ainda o dito veículo na oficina de reparação. Nessa carta a Ré depois de declarar ter apurado “</font><i><font>como Valor Venal €16 000,00</font></i><font>”, acrescentou: “</font><i><font>Nestas circunstâncias, será com base na diferença entre o Valor Venal e o Valor do veículo com danos, cuja melhor proposta para sua aquisição obtida até ao momento se cifra em €6100, que iremos regularizar os danos deste sinistro, depois de concluída a instrução do processo e caso seja a responsabilidade imputada ao condutor do veículo que garantimos. </font></i><br> <i><font>Ficamos a aguardar as notícias de V. Exas., com vista a acerto de valores e respectiva autorização para posterior levantamento do veículo, a fim de evitar aumento de custos que conforme compreenderá não poderão ser imputados a esta Seguradora</font></i><font>”.</font><i><font> </font></i><font> </font><br> <font>28. A manutenção do veículo automóvel nessa oficina importa para o ora autor o pagamento diário da quantia de € 2,00 (dois euros) a título de armazenamento do veículo.</font><br> <font>29. Por virtude do mesmo acidente, o autor encontra-se privado do uso de veículo automóvel para as suas deslocações e do seu agregado familiar, desde a data de ocorrência do acidente (02/04/2004) até à presente data.</font><br> <font>30. A privação diária do uso do veículo automóvel acarretou para o autor e sua família alguns transtornos e incómodos.</font><br> <font>32. A ré avaliou o veículo sinistrado, em termos comerciais, em 16.000,00 euros e o valor médio dos salvados em 6.100,00 euros.</font><br> <br> <font> 4. Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. – Do objecto do recurso.</font><br> <br> <font> Não se discute já, neste processo, estar a Ré, ora Recorrente, obrigada a reparar os danos causados ao Autor em consequência do acidente de viação, ocorrido em 2 de Abril de 2004.</font><br> <font> Inquestionável, também, já antes da instauração da acção, estar arredada a reconstituição natural, como forma principal de indemnização do lesado, para valer, como aceite pelas Partes, na sua forma subsidiária, a restauração por equivalente, mediante o pagamento pela Seguradora do valor venal da viatura acidentada levando em conta o valor dos respectivos salvados.</font><br> <br> <font> A medida da indemnização em dinheiro deve reflectir a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que existiria nessa data se não fossem os danos – art. 566º-2 C. Civil.</font><br> <br> <font> A obrigação indemnizatória abrange todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, no caso, todos os danos que tiveram como causa - juridicamente adequada - o acidente, impendendo sobre o lesante o dever de reparar o prejuízo causado assim como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do evento danoso, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, segundo um juízo de normalidade – arts. 563º e 564º-1 e 2.</font><br> <br> <font> Definitivamente arrumada, porque fora do objecto de impugnação, a questão do prejuízo directa e imediatamente causado, mediante a atribuição, como indemnização por equivalente, do valor de um veículo novo (21.000,00€), como o era o do Recorrido por ocasião do acidente, sobram apenas os danos ou prejuízos reclamados pelo Autor como despesas efectuadas e benefícios perdidos em consequência da inutilização do veículo, determinante da declaração da sua “perda total”.</font><br> <br> <font> Num e noutro caso, estamos perante consequências do acidente com repercussão económica no património do lesado, ora como despesas directamente conexionadas com o dano, ora privação de um rendimento ou vantagem que a utilização da viatura deixou de proporcionar e de poder oferecer ao respectivo dono.</font><br> <br> <font> O A. peticionou e obteve a condenação da Ré no pagamento e 2.146,00€, correspondente a 2,00€ diários devidos pelo armazenamento do veículo sinistrado na oficina para onde foi removido para reparação e onde foi vistoriado, à qual a Ré não deu sem efeito a ordem de reparação.</font><br> <font> A Relação fundamenta o deferimento da pretensão do Autor no facto de ser à Ré, responsável pelo pagamento ao A. do valor venal do veículo, que cabia dar destino aos “salvados” e, por isso, só a esta serem imputáveis as despesas com a respectiva guarda enquanto não tomar a iniciativa de lhes dar destino</font><br> <br> <font> No tocante ao dano da privação do uso do veículo, pediu o A. 16.095,00€, com referência a 15,00€/dia, desde a data do acidente até à instauração da acção, mas viu as Instâncias atribuírem-lhe, considerando todo o período de privação, com recurso à equidade, a quantia de 10.000,00€. </font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> Contra ambas as soluções se insurge a Recorrente.</font><br> <font> Sustenta, por um lado, não lhe serem imputáveis as despesas de armazenamento da viatura sinistrada a partir do momento em que o Autor tomou conhecimento e aceitou a inviabilidade da reparação, no seguimento da fixação dos danos pela peritagem, e, por outro, não estarem provados prejuízos relevantes pela não utilização do veículo, sendo que, de qualquer modo, o Autor causou o agravamento do dano ao intentar a acção quase três anos após o sinistro.</font><br> <br> <font> Equacionados os termos em que se colocam as questões, importa, então, sobre elas emitir pronúncia.</font><br> <br> <br> <font> 4. 2. - Da responsabilidade pelo pagamento das despesas com o aparcamento.</font><br> <font> </font><br> <font> Antes de mais, recorde-se o quadro factual envolvente contributivo para a solução do problema.</font><br> <br> <font> Após o acidente, o veículo sinistrado foi removido pelo Autor para uma oficina, com o objectivo de se proceder à sua reparação, mas, após vistoria, a Ré concluiu pela inviabilidade económica e funcional da reparação e consequente perda total e, em 4 de Junho de 2004, disso deu conhecimento ao A., por carta, comunicando-lhe que “</font><i><font>Após vistoria aos danos (…) apuramos</font></i><font> </font><i><font>como Valor Venal €16 000,00</font></i><font>. </font><br> <i><font>Nestas circunstâncias, será com base na diferença entre o Valor Venal e o Valor do veículo com danos, cuja melhor proposta para sua aquisição obtida até ao momento se cifra em €6100, que iremos regularizar os danos deste sinistro, depois de concluída a instrução do processo e caso seja a responsabilidade imputada ao condutor do veículo que garantimos. </font></i><br> <i><font>Ficamos a aguardar as notícias de V. Exas., com vista a acerto de valores e respectiva autorização para posterior levantamento do veículo, a fim de evitar aumento de custos que conforme compreenderá não poderão ser imputados a esta Seguradora</font></i><font>”.</font><br> <font> A carta não obteve resposta alguma do Autor, até que, em 28/3/2007, com pedido de citação prévia, instaurou a acção reclamando o valor de aquisição de um veículo novo (21.000,00 euros), pretensão fundada na dita inviabilidade da reparação.</font><br> <br> <font> Alegou o Autor, </font><u><font>mas não provou</font></u><font>, que a Ré ordenara (inicialmente) a reparação, não obstante a mesma se mostrar inviável e que “como tal” procedeu ao transporte da viatura para a oficina, com o objectivo de proceder à reparação, e ainda que, apesar da perda de interesse subsequente à vistoria, a Ré não deu sem efeito a ordem de reparação (arts. 16º a 19º da p.i. e respostas aos pontos com os mesmos números da base instrutória).</font><br> <br> <font> Temos, deste modo, que o A. fez apoiar a sua pretensão na indemonstrada versão de a Ré ter começado por não aceitar a inviabilidade da reparação e ter ordenado a sua realização, em razão do que o veículo foi levado para a oficina, só depois, com a vistoria, tendo perdido o interesse na reparação, mas não a ter dado sem efeito. </font><br> <br> <font> Fosse este o quadro factual provado e não se suscitariam certamente dúvidas sobre o devedor do valor das despesas, a Ré.</font><br> <font> Com efeito, configurar-se-ia um contrato de prestação de serviço, pelo menos na modalidade de depósito, cabendo ao depositante pagar a retribuição devida e reembolsar o depositário das despesas com a conservação da coisa – arts. 1155º, 1199, a) e b) e 1186º, todos do C. Civil.</font><br> <font> E, mesmo que assim se não entendesse, satisfeito o pagamento pelo A., sempre se estaria perante despesas efectuadas com vista à reparação, vale dizer, consequências do evento danoso destinadas a assegurar os trâmites conducentes à reparação, em ordem à reconstituição (natural) da situação que existiria se não fosse o evento danoso (arts. 562º e 563º cit.).</font><br> <br> <br> <font> Acontece, porém, que, como notado, nada ficou provado sobre a alegada intervenção da Ré no transporte do veículo e seu armazenamento na oficina, na finalidade de tais actuações e, sobretudo, que tivesse dado qualquer ordem de reparação que lhe competisse depois remover.</font><br> <font> Provado ficou, sim, que a Ré, com o assentimento do Autor, considerou haver perda total do veículo, e apresentou-lhe uma proposta de valoração dos danos – 16.000,00€, correspondendo 6.100,00€ ao valor dos salvados – para a qual pediu resposta</font><i><font> </font></i><font>“com vista a acerto de valores e respectiva autorização para posterior levantamento do veículo, a fim de evitar aumento de custos que conforme compreenderá não poderão ser imputados a esta Seguradora”, discutindo-se depois a questão da responsabilidade.</font><br> <font> </font><br> <font> Ora, estando as Partes acordadas, desde a comunicação do resultado da vistoria, na inviabilidade da reparação, com perda total, o direito do Autor transferiu-se para a indemnização por equivalente, isto é, o recebimento de uma quantia em dinheiro apta para a aquisição de um veículo idêntico ao sinistrado, no caso novo, ficando a Ré com os salvados pelo valor da avaliação, ou de quantia correspondente à diferença entre o mesmo valor do veículo antes do acidente e o dito valor dos salvados, no caso de lhe não interessar entregá-los à Seguradora.</font><br> <font> É este, de resto, o conteúdo da proposta formulada na carta a que o Autor não respondeu, aceitando-a ou propondo valores diferentes para o veiculo e para os seus salvados e quanto a estes declarando ainda se pretendia ficar com eles ou entregá-los à Ré.</font><br> <br> <font> Nem poderia ser de outra maneira:</font><br> <font> As Seguradoras gozam do direito, legalmente reconhecido, de deduzir ao montante da indemnização devida o valor dos salvados, embora seja prática corrente, designadamente no ramo automóvel, as Companhias de Seguros adquirirem as viaturas sinistradas para as quais, por via da sua actividade, facilmente encontram no mercado propostas de compra.</font><br> <font> Assim, dispõe-se no § 2º do art. 439º C. Comercial, que “o segurado não tem direito de abandonar ao segurador os objectos salvos do sinistro, e o valor destes não será incluído na indemnização devida pelo segurador”.</font><br> <font> Pode, pois, concluir-se que, estando apenas em causa a fixação do valor da viatura, dos seus salvados e da determinação do destino destes, perante a falta de resposta à sua proposta não poderia a Ré tomar posse dos salvados ou fazê-los seus, antes mantendo o Autor a sua propriedade e guarda enquanto não declarasse aceitar que a Seguradora se tornasse sua proprietária pelo preço proposto ou por outro a acordar entre ambos.</font><br> <font> </font><br> <font>Não se percebe mesmo o silêncio do Autor se não pretendia ficar com os salvados, como parece que não pretendia, tanto mais que intentou a acção pedindo o valor de um carro novo, certo como é que, perante tal comportamento – exigir apenas o valor do veículo antes do acidente -, lhe seria indiferente o valor que a Ré obteria pelo veículo sinistrado. </font><br> <font> </font><br> <font> Consequentemente, após a comunicação de perda total e inviabilidade da reparação, o armazenamento da viatura sinistrada deixou de encontrar justificação no facto danoso; - se nada havia a reparar, nada havia que guardar ou conservar para esse efeito.</font><br> <font> </font><br> <font> Não a podendo abandonar (art. 439º, § 2º, cit.), o Autor só tinha de a entregar à Ré ou responder-lhe que, como era seu direito, que pretendia ficar com ela, acertando, neste caso, um valor, para efeito de ulterior cálculo da dedução a fazer ao valor da indemnização (viatura em estado novo). </font><br> <font> O que não pode é pretender o valor do carro novo, remeter-se ao silêncio sobre os salvados - que lhe pertencem -, e seu destino e, mantendo o mesmo silêncio, vir exigir, em tardia acção, o pagamento de despesas com armazenamento.</font><br> <font> Pagando as despesas a que deu causa, o Autor cumpre uma obrigação própria, com suporte na lei.</font><br> <br> <br> <font> Acresce que, não sendo o lesado obrigado a adoptar condutas destinadas à protecção de interesses do lesante ou da sua seguradora, não lho impondo, designadamente, o princípio da boa fé, já, como no caso sucede, a omissão de colaboração, consubstanciada na falta de uma resposta destinada a fixar os danos, verificada na conduta do Autor se mostra incompatível com princípios gerais de direito, como a regra da boa fé e a adopção de deveres de cooperação ou cuidado, ao menos enquanto comportamento adequado a não contribuir para o agravamento do dano, abertas que estavam as negociações contratuais tendentes a resolver a relação indemnizatória. </font><br> <br> <font> De notar ainda que, embora aqui inaplicável, no art. 34º-1-b) do DL n.º 291/2007, de 21/8 (Regime do Seguro Obrigatório), aliás mantendo o que já constava do art. 20º-D do DL n.º 522/85 (redacção do DL n.º 23/2006), estabelece como obrigação do segurado “tomar as medidas ao seu alcance no sentido de evitar ou limitar as consequências do sinistro”, “sob pena de responder por perdas e danosa responsabilidade por perdas e danos”. </font><br> <br> <br> <font> Nesta conformidade, entende-se que o direito ao pagamento das despesas de armazenamento não pode deixar de ter como limite temporal uma data em que razoavelmente deveria ter sido respondida a proposta da Ré, no sentido, sempre revelado pelo comportamento do Autor, de para ela transferir a propriedade dos salvados.</font><br> <br> <font> Aceitando que tal, porque devido em termos de normalidade, aconteceria num prazo de 10 a 15 dias, o pagamento das despesas de guarda só colhe justificação entre a data do acidente e meados de Junho de 2004, ou seja, durante dois meses e meio ou 75 dias.</font><br> <br> <font> A obrigação da Ré, fundada na obrigação de indemnizar, queda-se, assim, limitada ao montante de 150 euros (75x2,00€). </font><br> <br> <font> 4. 3. - Da indemnização por privação do uso.</font><br> <br> <font> 4. 3. 1. - Tendo, nesta sede, alegado que, desde a data do acidente, teve de recorrer a táxis e outros transportes alternativos para a sua deslocação e de seu agregado familiar, não provou o Autor mais que ter ficado e “encontra(r)-se privado do uso do veículo para as suas deslocações e do seu agregado familiar, desde a data da ocorrência do acidente até à presente data”.</font><br> <br> <font> A Recorrente sustenta, como se disse, que não estando demonstrado um prejuízo material efectivo, não há dano indemnizável.</font><br> <font>Apoia-se na tese segundo a qual a indemnização depende da efectiva demonstração de um dano concreto, exigindo-se do lesado provar a situação hipotética em que se encontraria se não fosse o acto ou facto determinante da privação do uso da coisa, isto é, haveria sempre de provar-se qual teria sido a concreta situação de vantagem económica (provento ou não perda) que saiu frustrada.</font><br> <font> Diversamente, sustentam outros, com é sabido, que a simples privação do uso, ou, talvez melhor, a privação da possibilidade de uso de um bem, constitui, só por si, dano indemnizável, independentemente da utilização ou não, durante o período da privação.</font><br> <font> No acórdão impugnado, parecendo aderir-se a esta última posição, manteve-se a indemnização fixada na 1ª Instância também a pretexto de que estava provada a privação do uso do veículo, além de transtornos e incómodos, e, assim, um prejuízo efectivo decorrente da paralisação.</font><br> <br> <br> <font> Em matéria de ressarcibilidade da privação do uso, tem-se pronunciado esta Conferência no sentido de não ser de exigir, nos termos aludidos, a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), mas também que a mesma não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito.</font><br> <font> </font><br> <font> Assim, sustentando essa posição, para cuja alteração não se encontram razões atendíveis, escreveu-se, por exemplo, no acórdão de 02/06/2009 – proc.1583/1999.S1 deste mesmo relator:</font><br> <font>A privação do gozo de uma coisa pelo titular do respectivo direito constitui seguramente um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que impede o respectivo proprietário de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza – arts. 483º-1 e 1305º C. Civil.</font><br> <font>Pensa-se, porém, que a questão da ressarcibilidade da “privação do uso” não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa.</font><br> <font> Na verdade, uma coisa é a privação do uso e outra, que conceptualmente não coincide necessariamente, será a privação da possibilidade de uso.</font><br> <font> Uma pessoa só se encontra realmente privada do uso de alguma coisa, sofrendo com isso prejuízo, se realmente a pretender usar e a utilizasse caso não fosse a impossibilidade de dela dispor. Não pretendendo fazê-lo, apesar de também o não poder, está-se perante a mera privação da possibilidade de uso, sem repercussão económica, que, só por si, não revela qualquer dano patrimonial indemnizável. </font><br> <font>É que bem pode acontecer que alguém seja titular de um bem, móvel ou imóvel, e apesar de privado da possibilidade de o usar durante certo tempo, não sofra com isso qualquer lesão por não se propor aproveitar das respectivas vantagens ou utilidades, como pode suceder com o dono de um automóvel que o não utiliza ou utiliza em circunstâncias que uma certa indisponibilidade não afecta, ou com o proprietário de um terreno que lhe não dá qualquer utilização.</font><br> <br> <font> Bastará, no entanto, que a realidade processual mostre que o lesado usaria normalmente a coisa, para que o dano exista e a indemnização seja devida.</font><br> <font> </font><br> <font> Por isso se tem entendido que não basta a simples privação, em si mesma, sendo necessário ainda que se alegue e prove a frustração de um propósito de proceder à utilização da coisa, demonstrando o lesado que a pretenderia usar, dela retirando utilidades que a mesma normalmente lhe proporcionaria, não fora a privação dela pela actuação ilícita de outrem, o lesante (ac. de 9/12/2008, proc. 3401/08, desta Secção).</font><br> <br> <font> Como se ponderou em recente acórdão em que o ora relator interveio como 1º adjunto (ac. de 26/5/2009 – proc. n.º 531/09-1), “quando a privação do uso recaia sobre um automóvel, bastará que resulte dos autos que o seu proprietário o usaria normalmente (o que na generalidade das situações concretas constituirá um facto notório ou poderá resultar de presunções naturais a retirar da factualidade provada) para que possa exigir-se ao lesante uma indemnização a esse título, que corresponderá, regra geral, ao custo do aluguer de uma viatura de idênticas características, mesmo que o lesado não tenha recorrido ao aluguer de um veículo de substituição, uma vez que bem pode acontecer que não tenha disponibilidades económicas para isso, sem que tal signifique que não sofreu danos ou prejuízos pela privação do uso do seu veículo. </font><br> <font>Não necessita, por isso, de provar directa e concretamente prejuízos efectivos, como, por exemplo, que deixou de fazer esta ou aquela viagem de negócios ou de lazer, que teve de utilizar outros meios de transporte (táxi, transportes públicos, etc.) com o custo correspondente.</font><br> <font>Tudo isso estará abrangido pela privação do uso do veículo a ressarcir nos termos referidos ou, em última análise, se necessário, segundo critérios de equidade, sem prejuízo de se poder, evidentemente, alegar e provar outros danos emergentes ou lucros cessantes”. </font><br> <br> <font> No mesmo sentido, corroborando o entendimento proposto, aponta agora a lei (arts. 20º-J e 42º-2 dos já invocados Decretos-Lei 522/85 e 291/2007), ao dispor que “no caso de perda total do veículo” fica a seguradora obrigada a fornecer ao lesado um veículo de substituição, obrigação que (só) “cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização”.</font><br> <font> </font><br> <font> Delineados os contornos do critério que entendemos dever presidir à atribuição da indemnização e sua determinação, bem pode concluir-se que concorrem os pressupostos factuais dessa atribuição, com recurso à equidade, como se fez na decisão impugnada.</font><br> <font> </font><br> <font> Com efeito, aí se teve por adquirido, em sede factual, que o Autor ficou e se mantém privado da utilização da viatura, desde a data do acidente, para as suas deslocações e da sua família, com os inerente transtornos, vale dizer, tê-la-ia usado em suas deslocações se dela pudesse dispor, sem que a Ré tivesse posto à sua disposição viatura de substituição ou a verba necessária à aquisição de viatura para substituir a inutilizada.</font><br> <font> </font><br> <font>Devida, pois, a indemnização cujo direito a atribuição a Recorrente contesta, mas cujo montante (de 10.000 euros, partindo de um valor de 10€/dia), não põe em causa. </font><br> <font> </font><i><font> </font></i><font> </font><br> <br> <font> 4. 3. 2. - Questiona a Recorrente, sim, a atribuição daquele montante indemnizatório por inteiro, defendendo a sua redução, em atenção à demora na propositura da acção e inerente agravamento do dano.</font><br> <br> <font> Pensa-se que, quanto a este ponto, lhe assiste razão.</font><br> <br> <font> O Autor, desde sempre conhecedor da posição da Ré quanto à recusa de aceitação da imputação da responsabilidade pela produção dos danos ao condutor seu segurado, e da substituição da restauração natural pela sua conversão em indemnização em dinheiro, dispunha, ao que se sabe, desde Junho de 2004, de todos os elementos para instaurar a acção destinada a convencer a Ré da responsabilidade do seu segurado</font><br> <font> Apesar disso, fê-lo apenas em 28 de Março de 2007, lançando mesmo mão do pedido de citação prévia a fim de evitar a prescrição do direito à indemnização.</font><br> <font> Reclamou e obteve indemnização pela privação do uso da viatura fixada em relação a todo esse período, sendo efectivamente certo que a privação do uso só cessa quando recebida a acordada e reconhecida indemnização por equivalente.</font><br> <br> <br> <font> Ora, perante o circunstancialismo que os autos reflectem, não pode deixar de considerar-se que o A. sabia ou, pelo menos, tinha obrigação de saber que do protelamento da instauração da acção resultava o agravamento dos custos de privação em termos proporcionais ao tempo que em que se dilataria a decisão da questão litigiosa da responsabilidade.</font><br> <br> <font> E,
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ADK7u4YBgYBz1XKvKjlj
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><font> </font><br> <font> </font><br> <br> <font> I – No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Famalicão, AA – Reboques e Estação de Serviço, Lda, em acção com processo sumário (a seguir os termos do processo ordinário, atenta a reconvenção) intentada contra BB – Viagens e Turismo, Lda, pediu que, com a procedência da acção, seja a Ré condenada:</font><br> <font> - A pagar à Autora a quantia de € 9.131,44, acrescida dos juros que, entretanto, se vencerem, contabilizados sobre o valor em dívida de € 8.808,44 e até integral e efectivo pagamento;</font><br> <font> - A pagar à Autora a quantia diária de € 25,00, a título de recolhas, que deverá ser contada até efectivo levantamento do veículo pela Ré.</font><br> <br> <font> Para fundamentar a sua pretensão, alega que a Ré é devedora da quantia cujo pagamento reclama em virtude de serviços que lhe prestou.</font><br> <br> <font> Na sua contestação, a Ré pugnou pela improcedência da acção e, em sede de reconvenção, na hipótese de procedência da acção, pediu a condenação da Autora a pagar a Ré, a título de indemnização pelos prejuízos causados, a importância de € 20.700,00. </font><br> <br> <font> Houve resposta, após o que foi determinado que a acção seguisse os termos do processo ordinário.</font><br> <br> <font> A final, foi proferida sentença, em que se decidiu:</font><br> <font> </font><br> <font>“ – Condeno a ré a pagar à autora a quantia de € 308,44, acrescida de juros de mora vencidos desde a data de vencimento da factura, e vincendos até integral pagamento.</font><br> <font> - Absolvo a ré do restante pedido contra si deduzido.</font><br> <font> - Condeno a autora a pagar à ré a quantia de € 8.160,00.</font><br> <font> - Absolvo a autora do restante pedido reconvencional contra si deduzido”.</font><br> <br> <font> Após apelação da Autora, foi, no Tribunal da Relação do Porto, proferido acórdão – que confirmou anterior decisão singular – a decidir que “a sentença recorrida vai reformada para integrar, tal como foi dito no despacho reclamado, uma verba indemnizatória composta pelo preço de recolha e guarda de 00-00-MF, a partir de 04.05.06, à razão de € 25,00/dia; e de relegar para liquidação o </font><i><font>quantum</font></i><font> de ressarcimento correspondente aos lucros cessantes de </font><i><font>BB</font></i><font>, por não ter podido utilizar a viatura no período compreendido entre 03.12.30 e 04.05.06”.</font><br> <br> <font> Inconformadas com tal decisão, dela vieram Autora e Ré interpor recurso de revista, tendo ambos os recursos sido admitidos.</font><br> <br> <font> As recorrentes apresentaram alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br> <br> <font> AUTORA:</font><br> <font> </font><br> <font>1ª – Analisados os factos dados como provados, facilmente se constata que a autora pretendeu entregar o veículo transportado à ré e que o mesmo só não foi entregue porque o seu motorista, no local, se recusou a pagar o valor do serviço efectivamente prestado – cfr. facto provado nº 20.</font><br> <font>2ª – O que a autora exigiu à ré foi o cumprimento simultâneo, ou seja, propôs a entrega do veículo e ao mesmo tempo a ré teria de lhe pagar o preço do transporte.</font><br> <font>3ª – Caso o motorista da ré cumprisse a sua obrigação do pagamento do serviço até aí prestado, interrompido pela chegada do reboque da assistência em viagem, o veículo sinistrado ser-lhe-ia entregue.</font><br> <font>4ª – Não houve assim uma recusa da entrega do veículo, mas a exigência de que tal entrega fosse acompanhada do pagamento do serviço de transporte até aí efectuado.</font><br> <font>5ª – Pelo que poderia a autora lançar mão da excepção de não cumprimento do contrato, dado que a autora tinha a faculdade de recusar, como recusou, a sua prestação de entrega do veículo à ré, enquanto esta não cumprisse com a sua obrigação de pagamento.</font><br> <font>6ª – A ré não cumpriu com a sua obrigação de pagamento inerente ao contrato dos autos no próprio dia 23/12/03, nem posteriormente, como reconhecido na sentença recorrida.</font><br> <font>7ª – Ora, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor – art. 798º CC –, sendo indemnizáveis todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 562º CC. </font><br> <font>8ª – Ao não cumprir com a obrigação de pagamento do transporte, a ré tornou-se responsável pelo prejuízo que a autora suportou e ainda está a suportar derivados dos custos com a guarda e cuidado do veículo da ré em parque fechado da autora, há mais de três anos.</font><br> <font>9ª – Efectivamente, a factura foi emitida pela autora passados 137 dias da prestação do serviço, mas tal não legitima a conclusão de que o pagamento foi solicitado pela autora à ré nesta data. Aliás,</font><br> <font>10ª – Se assim fosse, haveria contradição entre a matéria de facto provada, pois que resultou provado no pt. 20 dos factos provados que “…/… a autora assim agiu, uma vez que o motorista da ré se recusou a proceder ao pagamento do serviço entretanto prestado”.</font><br> <font>11ª – O contrato de transporte cumpre-se com a entrega e o transportador não é obrigado a fazer tal entrega, enquanto o destinatário não cumprir com tudo aquilo a que for obrigado – cfr. art. 390º Ccom..</font><br> <font>12ª – O quadro factual apurado nos autos comporta elementos que permitam considerar que a autora pretendeu entregar o veículo à ré, que apenas não lhe foi entregue porque esta recusou-se a pagar o transporte até aí efectuado, pelo que incumpriu o contrato celebrado com a ré, e, por força deste incumprimento, tornou-se responsável pelos prejuízos que causou e está a causar à autora derivados da guarda e cuidado do veículo em parque fechado da autora. Aliás,</font><br> <font>13ª – Sendo tal contrato bilateral e verificando-se uma situação de cumprimento simultâneo das obrigações, a entrega do veículo contra o pagamento do transporte, a autora tinha a faculdade de recusar, como recusou, a sua prestação enquanto a ré não cumprisse com a sua obrigação de pagamento.</font><br> <font>14ª – Devendo o acórdão dos autos, no que diz respeito à acção, ser substituído por um outro que condene a recorrida no pagamento das quantias peticionadas pela recorrente, acrescidas dos juros legais.</font><br> <font>15ª – Do mesmo passo, impõe-se concluir, como consequência de todas as considerações anteriores, que a recorrida, ao não cumprir a sua obrigação de pagamento, tem por consequência inelutável, que ela tenha decaído em todos os direitos que resultavam desse incumprimento, inexistindo fundamento legal para a condenação da recorrente no montante em que foi condenada.</font><br> <font>16ª – A sentença (?) recorrida, entre outros, violou o disposto nos arts. 428º, 755º, 1, al. a), 562º, 795º e 798º, todos do Código Civil e arts. 363º a 390º do Código Comercial.</font><br> <br> <font> Pede, assim, a revogação do acórdão recorrido, sendo o mesmo substituído por outro que condene a recorrida no pagamento das quantias peticionadas e absolva a recorrente do pedido reconvencional deduzido pela recorrida.</font><br> <br> <font> RÉ:</font><br> <font> </font><br> <font> 1ª – O direito de retenção consagrado no art. 754º e nº 1 do art. 755º do Cód. Civil não colhe nos autos, pois a requerida em 20-12-2003 não era credora da requerente.</font><br> <font> 2ª – Por outro lado, os prejuízos diários de € 60,00, em resultado da impossibilidade de utilização do seu veículo automóvel, são, nos termos dos arts. 483º e 499º a 510º do Cód. Civil, conjugados com o art. 562º do mesmo diploma, responsabilidade exclusiva da requerida, desde 20-12-2003 até à presente data.</font><br> <font> 3ª – Ao decidir de forma diversa, o douto acórdão da Relação violou o correcto entendimento dos preceitos citados.</font><br> <font> </font><br> <font>Pede, em consequência, a revogação do acórdão, devendo ser a recorrida condenada no pagamento da quantia peticionada em sede de reconvenção deduzida pela recorrente.</font><br> <br> <font>Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br> <br> <font>II – Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:</font><br> <font>1. A Autora dedica-se à actividade de serviços de reboque e estação de serviço.</font><br> <font> 2. A Ré é uma sociedade cuja principal actividade é a realização de viagens e turismo, entre outras, no âmbito do seu objecto.</font><br> <font> 3. Para esse fim, possui várias viaturas que afecta ao desenvolvimento da sua actividade.</font><br> <font> 4. Em 20.12.2003, à Autora foi solicitado que efectuasse serviço de reboque de um veículo pesado, marca FIAT, modelo DUCATO, matrícula 00-00-MF, propriedade da Ré, e que se encontrava sinistrado em Santo Tirso (auto-estrada A3), tendo sido tal solicitação feita pela Brisa, de acordo com um pedido efectuado pelo condutor da viatura da Ré.</font><br> <font> 5. Instantes passados, após a chegada da Autora ao local onde se encontrava a viatura da Ré, avariada, chegou o reboque da assistência em viagem desta.</font><br> <font> 6. Tal reboque visava transportar a viatura avariada para a oficina, em Ribeira de Pena, e foi requisitado pela Ré à sua companhia de seguros.</font><br> <font> 7. O motorista da Ré manifestou que era sua vontade que o reboque da assistência em viagem, serviço que é proporcionado pela sua seguradora, transportasse de imediato a viatura avariada para Ribeira de Pena.</font><br> <font> 8. Porém, a Autora opôs-se e levou, sem o consentimento do motorista, contra a vontade deste, a viatura para as instalações daquela, e a Autora assim agiu, uma vez que o motorista da Ré se recusou a proceder ao pagamento do serviço entretanto prestado.</font><br> <font> 9. O veículo sinistrado foi rebocado para as instalações da Autora e aí foi recolhido, onde se encontra à presente data.</font><br> <font> 10. Tal serviço de reboque prestado pela Autora à Ré foi liquidado pelo preço de € 308,44, incluindo IVA, conforme resulta da cópia da factura nº 121034 de 06.05.2004.</font><br> <font> 11. O pagamento deveria ter sido efectuado na respectiva data de emissão da factura, em 06.05.2004.</font><br> <font> 12. A Ré, por diversas vezes e modos, foi alertada pela Autora para de imediato proceder ao pagamento do preço do serviço de reboque e do preço do parqueamento sob pena de lhe ser debitado o preço do parque até levantamento do veículo.</font><br> <font> 13. A Ré ignorou por completo as comunicações da Autora para o efeito. </font><br> <font>14. Sucede que desde o dia da prestação do serviço de reboque que a Autora vem procedendo à guarda e cuidado do referido veículo da Ré.</font><br> <font> 15. Tal viatura está guardada em parque fechado nas instalações da Autora.</font><br> <font> 16. Pela recolha da referida viatura, de acordo com a tabela da ANTRAN em vigor, a Autora pode debitar a taxa diária de € 25,00 pela guarda e cuidado do veículo nas suas instalações.</font><br> <font> 17. Desde o dia 20.12.2003 e até à presente data, já decorreram 340 dias, conforme resulta das notas de contabilidade emitidas pela Autora em 30.04.2004, 31.05.2004, 30.06.2004, 31.07.2004 e 31.08.2004, com os nºs 109, 112, 114, 118 e 121.</font><br> <font> 18. A Autora está a debitar à Ré, a título de recolha do veículo que lhe pertence, a taxa diária de € 25,00, pelo que o montante de recolhas se liquida até à presente data por € 8.500,00.</font><br> <font> 19. Com a atitude da Autora, a Ré viu-se privada de utilizar a viatura referida nestes autos desde o dia 20 de Dezembro de 2003 até à presente data.</font><br> <font> 20. Com tal comportamento, a Autora tem vindo a acarretar à Ré inúmeros contratempos, resultantes da falta de uma viatura, que diariamente circulava nas estradas, ao serviço desta.</font><br> <font> 21. Viu-se, assim, de repente, a Ré confrontada com a inexistência de um elemento fundamental de trabalho para o desenvolvimento da sua actividade comercial, por privação desta viatura, contra a sua vontade.</font><br> <font> 22. Resultando para a Ré um prejuízo que se computa, até à presente data, num montante nunca inferior a € 20.700,00 (vinte mil e setecentos euros), atenta uma média diária de € 60,00 (sessenta euros).</font><br> <br> <font> III – 1. Na sentença proferida na 1ª instância, depois de se concluir que a Autora tem direito a receber da Ré a quantia de € 308,44, correspondente ao serviço de reboque, acrescida de juros legais desde o vencimento da factura e até integral pagamento, e de se fazer alusão ao conceito do direito de retenção, escreveu-se:</font><br> <font> </font><br> <font>“No caso dos autos, desde logo resulta que não se mostram preenchidos os requisitos de que depende o direito de retenção, por não se apresentar a autora, na altura, credora da ré, e isto porque a factura referente ao pagamento do serviço prestado apenas foi emitida em 06/05/2004, sendo que o pagamento deveria ter sido efectuado na respectiva data de emissão da factura, em 06/05/2004. Assim, o direito de retenção não podia ser exercido pela autora antes do vencimento da obrigação, ou seja, antes de 06 de Maio de 2004, uma vez que não se verificava nenhuma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.</font><br> <font> Mas mesmo que se entendesse que a autora podia exercer o direito de retenção do veículo em causa, nunca poderia ela vir exigir à ré o pagamento das despesas resultantes do exercício desse seu direito. Com efeito, o parqueamento do veículo da ré nas suas instalações apenas resultaria do facto de a autora pretender exercer o direito de retenção sobre o veículo em causa, cabendo-lhe a ela suportar as despesas daí advenientes, uma vez que o exercício desse direito, desde que verificados os pressupostos de que depende, está na sua absoluta disponibilidade. Ou seja, a autora pode ou não reter o bem em causa, mas retendo-o terá de suportar as despesas dessa retenção, que apenas da sua vontade resultou. De facto, o direito de retenção, como acima já se referiu, tem uma função coercitiva, sendo um meio de pressão sobre o devedor para o determinar a pagar as despesas feitas por causa da coisa legitimamente retida. Mas não se pode pretender que o devedor, para além de ficar privado da coisa, ainda suporte as despesas que o credor entende ter para reter a coisa em causa, nomeadamente como ocorre no caso dos autos, em que, sendo a dívida da ré pelos serviços prestados pela autora de € 308,44, pretende agora a autora que a ré suporte a quantia de mais de € 10.000,00 de parqueamento do veículo, para exercício do direito de retenção.</font><br> <font> Face ao que fica exposto, o restante peticionado pela autora será improcedente”.</font><br> <font> </font><br> <font>2. Já quanto ao pedido reconvencional da Ré de condenação da Autora a pagar-lhe, a título de indemnização pelos prejuízos causados com a privação do uso do veículo em causa, a importância de € 20.700,00, pode ler-se, a dado passo, na referida sentença:</font><br> <font> </font><br> <font>“Ora, no caso dos autos temos que, desde 20 de Dezembro de 2003 (data da realização do reboque) até 6 de Maio de 2004 (data do vencimento da factura, e a partir da qual a autora legitimamente retém o veículo), o que perfaz um total de 136 dias, a ré se viu privada do uso do veículo em causa, tendo um prejuízo diário de € 60,00, no montante total de € 8.160,00, que a autora lhe deverá pagar.</font><br> <font> Já quanto aos restantes dias, a partir de 6 de Maio de 2004, a autora não poderá ser condenada no pagamento dos prejuízos resultantes para a ré pela falta do veículo, uma vez que nessa data se tornou credora da ré, pelo que, a partir daí, legitimamente exerce o seu direito de retenção sobre o veículo em causa”.</font><br> <br> <font> 3. O acórdão recorrido, por sua vez, entendeu que, a partir da data da factura do serviço de reboque (06.05.2004), a Autora tem direito a uma verba indemnizatória do preço da recolha e guarda da viatura, à razão de € 25,00 diários, e que deverá ficar relegado para liquidação o montante indemnizatório correspondente à perda de rendimento concreto da Ré por não ter podido utilizar a viatura durante os 136 dias que vão desde 30.12.2003 (data do reboque) até 06.05.2004 (data do vencimento da factura).</font><br> <br> <font> IV – 1. Face à interligação entre eles existente, vamos apreciar simultaneamente ambos os recursos.</font><br> <br> <font> Desde já, diremos não compreender que, não tendo a Ré recorrido da sentença da 1ª instância, que, além do mais, condenou a Autora a pagar-lhe a quantia de € 8.160,00, venha ela agora, no seu recurso de revista, pedir que a Autora seja condenada a pagar-lhe a quantia peticionada em sede de reconvenção, ou seja, “a importância de € 20.700”.</font><br> <br> <font> É que, nessa parte, a Ré conformou-se com tal decisão, pelo que não pode agora pretender quantia superior à então fixada, sendo certo que esse segmento da sentença só não transitou em julgado devido ao facto de a Autora ter interposto recurso da sentença, questionando, além do mais, essa sua condenação. </font><br> <br> <font>2. Ao contrário do que pretende a Autora, para justificar o invocado direito de retenção, não estamos aqui perante um contrato de transporte.</font><br> <font> </font><br> <font> Na verdade, estamos manifestamente perante um contrato de prestação de serviço, definido no artigo 1154º do Código Civil como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.</font><br> <br> <font> Logo, não se pode chamar aqui à colação o artigo 390º do Código Comercial, respeitante ao direito de retenção do transportador relativamente aos objectos transportados.</font><br> <br> <font> 3. Analisemos o comportamento da Autora.</font><br> <br> <font> - Em 20.12.2003, à Autora foi solicitado que efectuasse serviço de reboque de um veículo pesado, marca FIAT, modelo DUCATO, matrícula 00-00-MF, propriedade da Ré, e que se encontrava sinistrado em Santo Tirso (auto-estrada A3), tendo sido tal solicitação feita pela Brisa, de acordo com um pedido efectuado pelo condutor da viatura da Ré.</font><br> <font> - Instantes passados, após a chegada da Autora ao local onde se encontrava a viatura da Ré, avariada, chegou o reboque da assistência em viagem desta.</font><br> <font> - Tal reboque visava transportar a viatura avariada para a oficina, em Ribeira de Pena, e foi requisitado pela Ré à sua companhia de seguros.</font><br> <font> - O motorista da Ré manifestou que era sua vontade que o reboque da assistência em viagem, serviço que é proporcionado pela sua seguradora, transportasse de imediato a viatura avariada para Ribeira de Pena.</font><br> <font> - Porém, a Autora opôs-se e levou, sem o consentimento do motorista, contra a vontade deste, a viatura para as instalações daquela, e a Autora assim agiu, uma vez que o motorista da Ré se recusou a proceder ao pagamento do serviço entretanto prestado.</font><br> <font> - O veículo sinistrado foi rebocado para as instalações da Autora e aí foi recolhido, onde se encontra à presente data.</font><br> <font> </font><br> <font> Estamos perante uma actuação ilícita da Autora.</font><br> <br> <font> Desde logo, há que acentuar que, estando-se perante a encomenda de um serviço que surgiu de forma inesperada – uma avaria de uma viatura que circulava na auto-estrada –, é completamente despropositado que, face à desnecessidade de rebocar tal viatura, dado que à Ré interessava mais, por razões óbvias, que o respectivo reboque fosse efectuado pelo reboque da assistência em viagem da viatura, que a levaria logo à oficina onde iria ser reparada, em Ribeira de Pena, a Autora levasse a viatura para as suas instalações, sem o consentimento e contra a vontade do seu motorista, só porque este se recusasse a proceder ao pagamento do serviço entretanto prestado.</font><br> <font> </font><br> <font>Ignora-se se o motorista (simples funcionário da Ré) estaria em condições de proceder logo ao pagamento do preço desse serviço.</font><br> <font> </font><br> <font>A Autora deveria depois emitir a factura correspondente ao serviço prestado – como o veio a fazer mais tarde – e remetê-la à Ré, solicitando o pagamento desse serviço.</font><br> <font> </font><br> <font>Perante uma situação imprevista como aquela, não poderemos considerar que estamos perante o caso previsto no artigo 428º do Código Civil, referente à inexistência de prazos diferentes para o cumprimento das obrigações em contratos bilaterais e à excepção de não cumprimento do contrato, como defende a Autora.</font><br> <br> <font> Aliás, se as instalações da Autora, em vez de se situarem na zona de Vila Nova de Famalicão, fossem em outro local muito distante do local da avaria do veículo (no Algarve, por exemplo), certamente a Autora teria da mesma forma levado a viatura para as suas instalações.</font><br> <br> <font> Daqui decorre, sem margem para dúvidas, que estamos perante um comportamento ilícito da Autora, a qual colocou a viatura fora da disponibilidade da Ré, sua proprietária, contra a sua vontade.</font><br> <br> <font> De qualquer forma, é sintomático que a Autora tem o direito de reclamar o pagamento dos serviços que prestou, ou seja, o valor constante da factura que, em 06.05.2004, remeteu à Ré – € 308,44 – acrescido de juros de mora desde a data do vencimento da factura até integral pagamento, como se entendeu nas instâncias e aqui não é posto em causa.</font><br> <br> <font> 4. Terá a Autora direito a receber a quantia de € 25,00/dia, a partir de 06.05.2004, pela recolha e guarda da viatura, como se entendeu no acórdão recorrido, com fundamento no direito de retenção, a partir do prazo de vencimento da factura respeitante ao serviço de reboque?</font><br> <br> <font> Afigura-se-nos que não, considerando-se acertada a decisão da 1ª instância, que não concedeu tal direito, com os fundamentos já acima expostos e com os quais concordamos inteiramente.</font><br> <br> <font> 5. Resta-nos apreciar se à Ré/reconvinte assiste o direito de receber da Autora a quantia de € 8.160,00, respeitante ao período de 20.12.2003 a 06.05.2004 em que se viu privada do veículo em causa – montante em que a Autora foi condenada na sentença proferida na 1ª instância.</font><br> <br> <font> Entendeu a Relação que o valor de € 60,00 tido em conta como média diária das perdas por não utilização da viatura sonegada pela Autora “se trata de um valor meramente conclusivo” e, por conseguinte, não tem aquela característica de dado ou de facto-matéria para o cálculo.</font><br> <br> <font> Daí que tenha decidido relegar para liquidação o </font><i><font>quantum</font></i><font> de ressarcimento correspondente aos lucros cessantes da Ré, por não ter podido utilizar a viatura no referido período.</font><br> <br> <font> Também não compreendemos esta posição da Relação, face aos factos dados como provados.</font><br> <br> <font> Efectivamente, o tribunal deu como provado que o prejuízo médio diário da Ré se computa em € 60,00.</font><br> <br> <font> Logo, bem andou a 1ª instância ao considerar tal montante para a condenação da Autora/reconvinda, a título de ressarcimento dos prejuízos sofridos pela Ré/reconvinte. </font><br> <font> </font><br> <font> 6. Resulta do exposto que não colhem as conclusões da Autora e procedem parcialmente as conclusões da Ré, tendentes ao provimento dos respectivos recursos.</font><br> <br> <font> Deverá, assim, revogar-se o acórdão recorrido, fazendo prevalecer a bem elaborada sentença da 1ª instância.</font><br> <br> <font> V – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista da Autora e em conceder parcialmente a revista da Ré e, em consequência, revogando-se o acórdão recorrido, decide-se fazer subsistir a sentença proferida na 1ª instância.</font><br> <br> <font> Custas do recurso da Autora a cargo desta, o mesmo sucedendo na 2ª instância, sendo as do recurso da Ré por esta e pela Autora, na proporção do respectivo decaimento.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 01 de Abril de 2008</font><br> <br> <font>Moreira Camilo (relator)</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá </font><br> <font> </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br> <br> <b><font>I. Relatório</font></b><br> <br> <font>AA e esposa BB intentaram no 3º Juízo do Tribunal da Comarca de Tomar uma acção declarativa com processo ordinário </font><br> <b><i><u><font>contra </font></u></i></b><br> <font>a JUNTA DE FREGUESIA DE ..., com sede na Rua ...., nº 20, Tomar, </font><br> <b><i><u><font>pedindo </font></u></i></b><br> <font>- que esta fosse condenada a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre uma certa parcela de terreno, bem como a desocupar tal espaço, retirando os pertences aí abusivamente colocados, e ainda a pagar-lhes a indemnização de € 7.500,00.</font><br> <font> Para o efeito, alegaram a ofensa do direito de propriedade que haviam adquirido legitimamente através de escritura de compra e venda à anterior proprietária CC, que a recebera através de adjudicação em partilhas, e beneficiando da usucapião;</font><br> <font>Refere ainda que a Ré se recusa a entregar-lhes a parcela em causa, apesar de esta não ter título nenhum que legitime essa ocupação, pois apenas a foi ocupando por mera tolerância da vendedora, não gozando portanto de posse em nome próprio.</font><br> <br> <font>Contestou aquela Ré, impugnando no essencial a factualidade vertida na petição inicial, além de contrapor que a propriedade da parcela lhe adveio por doação dos anteproprietários; de todo a maneira, que, desde a dita doação, vem praticando no imóvel, de modo pública e pacífico, e na convicção de ser legítima dona, os respectivos actos de posse, pelo que se consumou a originária aquisição por via usucapitiva. </font><br> <font>Em sede reconvencional, pede o reconhecimento desse seu direito ou, assim não se entendendo, a condenação dos AA. no pagamento de € 100.000,00 pelas benfeitorias entretanto realizadas no imóvel, assim como na condenação como litigantes de má fé. </font><br> <font> </font><br> <font>Os AA. replicaram, aduzindo que a doação invocada pela Ré é nula em razão da forma, porque meramente verbal; adversando a falta de pacificidade dos actos materiais da Ré sobre o terreno, mantiveram o pedido inicial, pugnando pela improcedência da reconvenção.</font><br> <br> <b><i><font>A acção veio a ser julgada totalmente improcedente por não provada, sendo por isso absolvida a Ré da totalidade do peticionado; e a reconvenção foi julgada procedente por provada, condenando-se os AA. a reconhecer que a Ré é dona e legítima proprietária da parcela identificada sob o nº 3 do art.º 137 Pn. </font></i></b><br> <b><i><font>Mais foram os AA. condenados, como litigantes de má-fé, na multa de € 500.</font></i></b><br> <br> <font>Inconformados, apelaram os AA. </font><br> <font> A Relação lavrou aresto onde concluiu pela forma seguinte:</font><br> <b><i><font>“ Pelo exposto:</font></i></b><br> <b><i><font>Julgando a apelação procedente, revogam em parte a sentença, julgando a reconvenção também não provada e improcedente, absolvendo os AA. de todo o pedido reconvencional, e não os condenando como litigantes de má-fé.</font></i></b><br> <b><i><font>Custas pela apelada.”</font></i></b><br> <br> <font> Recorrem agora ambas as partes, pedindo Revista.</font><br> <br> <font> …………………..</font><br> <br> <b><font>II. Âmbito dos recursos</font></b><br> <br> <font>Os recursos destinam-se a analisar “as questões” que os recorrentes coloquem nas suas alegações recursais, em sede de “conclusões”, e com cuja solução não se conformem.- arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC.</font><br> <font>Não podem no entanto serem questões novas, a menos que as mesmas se imponham pelo dever de conhecimento oficioso.</font><br> <br> <font>Para um correcto e completo enquadramento e para um mais fácil controle do que está em discussão em cada um dos recursos, vamos então passar a transcrever as “conclusões” apresentadas por cada um dos recorrentes nas suas alegações de recurso.</font><br> <font>Assim:</font><br> <br> <u><font>II-A)- Conclusões alegacionais dos AA.:</font></u><br> <br> <i><font>“1) Ao contrário do doutamente decidido os ora recorrentes concluíram no ponto X das conclusões das suas alegações do recurso de apelação que “Pelo menos depois de 1998 o Autor dizia ser dono de tal parcela (3/137pn) pois a mesma estava em seu nome nas finanças". </font></i><br> <i><font>2) No ponto XII também concluíram que “A acção de reivindicação de propriedade dos recorrentes funda-se em título aquisitivo, título que é o contrato de compra e venda especificado no probatório, aceite pelas duas instâncias. </font></i><br> <i><font>3) Os recorrentes impetraram na apelação a substituição da sentença da 1.• instância por douto acórdão que decrete a procedência da acção, com reconhecimento do direito de propriedade dos recorrentes sobre a parcela e condenação da ré a desocupar e entregar a parcela, bem como em indemnização pela ocupação, a apurar em execução de sentença, o que o douto acórdão omitiu. </font></i><br> <i><font>4) Omissão que viola o regime da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.°, aplicável ex vi do artigo 716.°, n. ° 1, ambos do Código de Processo Civil, pelo que o douto acórdão é parcialmente nulo, na medida em que deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar: </font></i><br> <i><font>- os pedidos reivindicatório e indemnizatório dos apelantes, vício que pode e deve ser suprido na presente revista. </font></i><br> <i><font>5) Com a improcedência da reconvenção, os factos provados implicam o reconhecimento da propriedade dos recorrentes, a qual se tem como mero efeito do contrato de compra e venda, nos termos do disposto no artigo 879.°, alínea a) do Código Civil Português, pois “A compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito». 6) O direito de propriedade dos recorrentes é um efeito natural do factualismo provado nas instâncias, visto que "O proprietário é, por inerência, um legítimo possuidor da coisa, ou seja, tem a aptidão natural para exercer a posse em relação à coisa dela objecto, com ostensiva evidenciação do corpus e do animus": </font></i><br> <i><font>7) A recorrida não logrou provar a sua posse e aquisição prescritiva sobre a parcela reivindicada pelos recorrentes, pelo que são eles os titulares do direito, por mero efeito da compra e venda, bastando impetrar, como impetraram, a condenação no reconhecimento desse direito. </font></i><br> <i><font>8) Pela ocupação ilícita da parcela, desde 1998, data provada em que o autor se arroga seu dono, deve a apelada (sic) ser condenada em indemnização compensatória, a liquidar em execução de sentença, ou segundo juízo de equidade.</font></i><br> <i><font>Assim se fará boa Justiça”</font></i><br> <br> <i><font> …………………</font></i><br> <br> <font>II-B) .</font><u><font>Conclusões alegacionais da Ré:</font></u><br> <br> <i><font>“a) - A posse da Ré devia ter sido qualificada de boa fé e, em consequência, julgar-se procedente o pedido reconvencional por ela deduzido </font></i><br> <i><font>b) - Mas mesmo que se considerasse que a posse da Ré era de má fé, mesmo assim, atenta a interpretação possível para a factualidade provada sobre o início da posse, deveria ter-se considerado que tal posse se manteve durante, pelo menos, vinte anos. </font></i><br> <i><font>c) - As obras realizadas pela Ré na parcela, para o caso de procedência da acção dos A.A. deviam ser qualificadas como benfeitorias e, em consequência, condenar-se os A.A. a pagarem à Ré o valor dessas benfeitorias relativas à parcela em disputa, a liquidar em execução de sentença. </font></i><br> <i><font>d) - O esclarecimento da vendedora do prédio aos A.A., CC, no acto da escritura, de que o prédio apenas lhe pertencia até à estrada, tinha expressão na escritura da qual constava o registo do prédio na Conservatória com o limite a poente nessa estrada, o que deixou totalmente fora dele a parcela doada verbalmente à Ré, pelo que os R.R. ao reivindicarem a propriedade de tal parcela, não podiam ignorar que a Ré não lha havia vendido, isto é, não podiam desconhecer tal declaração nem descrição registral, litigando, por isso, com manifesta má-fé e, por isso, se devendo manter a respectiva condenação conforme à sentença proferida na 1.ª instância. </font></i><br> <i><font>e) - Não decidindo assim, violou o acórdão recorrido os seguintes normativos legais:</font></i><br> <i><font>- Em relação à matéria vertida na al. a) destas conclusões, o art° 1.260 n.º 1 do C.Civil; </font></i><br> <i><font>- Em relação à al. b) o art° 1.296 do C.C.; </font></i><br> <i><font>- Em relação à al. c) os art°s 216 n.ºs 1 e 1.273 n.º 1 do C.Civil; </font></i><br> <i><font>- E, finalmente em relação à al. d) os art°s 216 n.º 1 e 1.273 n° 1 do mesmo Código.”</font></i><br> <br> <font> ………………………</font><br> <br> <font>Em face das “conclusões” apresentadas vemos que </font><b><font>as questões sobre as quais os recorrentes pretendem que nos pronunciemos são as seguintes</font></b><font>:</font><br> <br> <font>a) </font><u><font>Na Revista dos AA.:</font></u><br> <font>- nulidade parcial do Acórdão por omissão de pronúncia;</font><br> <font>- efeitos do contrato de compra e venda perante a inexistência de usucapião favorável à Ré.</font><br> <font>b) </font><u><font>Na revista da Ré:</font></u><br> <font>- posse desta, como de boa fé;</font><br> <font>- aquisição por usucapião, mesmo que eventualmente classificada a posse como de má fé;</font><br> <font>- direito a benfeitorias em caso de procedência da acção</font><br> <font>- litigância de má fé dos AA..</font><br> <br> <font> …………………..</font><br> <br> <b><font>III. Fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>III-A) Os factos</font></b><br> <br> <font>Foram considerados assentes e/ou provados nas instâncias os factos seguintes:</font><br> <br> <i><font>“A) Por escritura pública, no dia 11.10.1995, CC declarou vender a AA, e este aceitou comprar, pelo valor de Esc. 2.500.000$00, o prédio rústico composto de terra de horta com pinheiros e sobreiros, com 4.560 m.2, situado em Carvalhos de Figueiredo, freguesia de S. ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 1.639, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 137, Secção N. </font></i><br> <i><font>B) De acordo com o descritivo da caderneta predial, o prédio referido em A) é composto de três parcelas, todas da classe U, uma com 0,1480; outra com 0,2480 e a terceira com 0,0600 hectares - o que perfaz o total da área do imóvel, de 0,4560 hectares - denominando-se respectivamente 1/137 H, 2/137 Pn e 3/137 Pn.</font></i><br> <i><font>C) O prédio referido em A) é atravessado a poente por Estrada Municipal, o que provoca a separação física da parcela denominada 3/137 Pn das restantes, constituindo prédio independente, com a área de cerca de 615 m2. </font></i><br> <i><font>D) O prédio referido em A) encontra-se descrito como prédio urbano "Casal ...", Carvalhos de Figueiredo – Moradia composta de cave e r/chão 138,40 m2 – logradouro – 4.421,60 m2, artigo omisso, a favor de AA, casado com BB, na comunhão de adquiridos, por compra a CC ou CC de Almeida, por usucapião em divisão de coisa comum com os ex-comproprietários – Adriano ... e mulher Maria ..., José ... e mulher Maria ... ou Maria ... e Rogério ..., solteiro, maior. </font></i><br> <i><font>E) Por escritura pública de 09.05.1988, CC ou CC de Almeida, Rogério .., Adriano ... e mulher Maria ..., José ... e mulher Maria ... ou Maria ..., declararam doar à Ré e esta declarou aceitar, na pessoa do seu presidente José ..., lote de terreno, destinado a equipamento social (mini-parque infantil), com a área de 280 m2, sito em Carvalhos de Figueiredo, São ..., designado por lote três A, a destacar do prédio rústico inscrito na respectiva matriz sob o artigo 809, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o número 60.926, a folhas 90, verso, do Livro B – 154. </font></i><br> <i><font>F) Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Tomar, freguesia de S. ..., sob o n.º 00682/00000000, o prédio rústico "Carvalhos de Figueiredo", ao qual já correspondeu o artigo matricial 809 e posteriormente os artigos matriciais 124, 125, 126, 127, 135, 136 e 137, secção N, sendo desanexados do mesmo prédio os seguintes números: </font></i><br> <i><font>- 01039/220791; </font></i><br> <i><font>- 01250/301292; </font></i><br> <i><font>- 01639/290895; </font></i><br> <i><font>- 01656/071195; </font></i><br> <i><font>- 01674/160196; </font></i><br> <i><font>- 2834 e 2835. </font></i><br> <i><font>H) Por escritura pública de justificação e compra de 04.04.1991, Rogério .., Adriano ... e mulher Maria ..., José ... e mulher Maria ... ou Maria..., Rosa ..., por si e como procuradora de CC ou CC de Almeida, declararam ser donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio referido em G), exercendo CC a posse sobre a fracção correspondente a terra de horta, com pinheiros e sobreiros, com 4.560 m2, a confrontar do norte com Rogério ..., sul Francisco ..., do nascente caminho de ferro e poente estrada, inscrita na matriz cadastral em nome dela, sob o artigo 137, secção N, possuindo tal fracção distinta do mesmo prédio há mais de vinte anos, sem a menor oposição de quem quer que seja, desde o seu início, sendo a posse pacífica e de boa fé pois não foi adquirida nem exercida por meios violentos e ignorando se, com o seu exercício, prejudicaram direito de outrem. Mais declararam que tal posse, revelada por actos materiais característicos, como, por exemplo, o cultivo da terra e o pagamento de contribuições e impostos, foi sempre exercida sem interrupção e ostensivamente, com conhecimento de toda a gente, sendo por isso ainda, uma posse contínua e pública. </font></i><br> <i><font>I) CC de Almeida adquiriu o prédio referido em A) de antecessores que o usavam e cultivavam há mais de 20 anos, à vista de toda a comunidade vizinha, agindo perante ela como verdadeiros donos, como tal sendo reconhecidos por todos. </font></i><br> <i><font>J) O mesmo sucedendo com CC e os AA. excepto (quanto a estes) quanto à parcela 3/137 Pn. </font></i><br> <i><font>L) A Junta de Freguesia de S. ... colocou materiais ligados à reparação das estradas e caminhos da zona, na parcela 3/137 Pn, como sejam britas, alcatrão, areias, madeiras, carros de mão, máquinas e outros objectos e alfaias ligados a esse tipo de trabalhos. </font></i><br> <i><font>M) Mantendo-se tal situação em 11.10.1995. </font></i><br> <i><font>N) Pelo menos depois de 1998 o A. dizia ser dono de tal parcela (3/137 Pn) pois a mesma estava em seu nome nas Finanças. </font></i><br> <i><font>O) Em 2003 o então Presidente da Junta, em face da descrição constante da caderneta predial do prédio referido em A) pediu ao A que doasse tal parcela, a fim de formalizar a actuação da Ré sobre a mesma. </font></i><br> <i><font>P) A Junta de Freguesia recusa entregar o terreno aos AA..</font></i><br> <i><font>Q) A Ré não paga qualquer contrapartida pela utilização da parcela referida.</font></i><br> <i><font>R) Cerca do ano de 1986 CC doou verbalmente à Ré a parcela identificada com o nº 3, art. 137, secção N.</font></i><br> <i><font>S) A parcela 3 do art.° 136° tinha a área de 280 m2 e confrontava de Norte e Nascente com a estrada municipal, do Sul com Henrique ... e do poente com caminho vicinal. </font></i><br> <i><font>T) E a parcela 3 do art.º 137° tinha a área de 615 m2, confrontando a Norte com a parcela 3 do art.° 136º da R. e do Nascente com a mesma estrada municipal. </font></i><br> <i><font>U) Pelo menos desde 1986 que a Ré utiliza as parcela 3/137 e 3/136, levando a cabo a sua terraplanagem. </font></i><br> <i><font>V) Construindo na parcela 3 do art.° 137° um estaleiro para materiais e máquinas que utiliza. </font></i><br> <i><font>X) Vedando com um muro as duas parcelas, depositando em ambas materiais de construção. </font></i><br> <i><font>Z) E construindo na parcela 3 do art.° 136° um parque infantil. </font></i><br> <i><font>AA) De forma continuada, a vista de toda a gente, sem oposição de ninguém c na convicção de ser a verdadeira dona de ambas as parcelas.</font></i><br> <i><font>AB) Aquando da escritura referida em A), CC esclareceu os Autores que o prédio objecto do negócio apenas lhe pertencia até à estrada pois a referida parcela 3( do 137) havia sido por ela doada à Junta de Freguesia. </font></i><br> <i><font>AC) Aquando da outorga da escritura referida em A) na parcela referida já o armazém se encontrava em construção. </font></i><br> <i><font>AD) As obras levadas a cabo em ambas as parcelas têm o valor de 17.650€ (dezassete mil seiscentos e cinquenta euros). “</font></i><br> <br> <font> ………………………</font><br> <font> </font><br> <b><font>III-B) O Direito</font></b><br> <br> <font>Refere o Acórdão recorrido que </font><i><font>“Os recorrentes encerram a sua peça alegatória com um enunciado conclusivo em que essencialmente levantam as seguintes questões, delimitadoras do objecto da acção nos termos dos art.ºs 684, nº 3 e 690, nº 1 do CPC:</font></i><br> <i><font>1º - A característica de má-fé da posse exercida pela Ré sobre a parcela;</font></i><br> <i><font>2º - A insuficiência do lapso temporal da posse da Ré com vista à usucapião;</font></i><br> <i><font>3º - A condenação dos AA. como litigantes de má-fé.”</font></i><br> <br> <font>E escreveu-se a seguir:</font><br> <br> <b><i><font>“Importa notar que os AA. não suscitam qualquer questão concernente aos fundamentos da acção propriamente dita, objecto da sentença de improcedência, confinando-se a atacar a tese jurídica que levou à procedência da reconvenção no aresto sob recurso.”</font></i></b><br> <br> <font>Mostram-se os ora recorrentes AA. inconformados com tal afirmação, dizendo que esta não tem apoio factual, pois que também haviam incluído nas conclusões das alegações de recurso para a Relação o seu inconformismo perante a improcedência da acção, explicitando que terminaram precisamente as suas alegações de recurso nos termos seguintes:</font><br> <i><font>“Deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente, revogando-se a douta sentença recorrrida, que deve ser substituída por douto acórdão que decrete a procedência da acção, com reconhecimento do direito de propriedade dos recorrentes sobre a parcela, improcedência da reconvenção e condenação da Ré a desocupar e entregar a parcela, bem como em indemnização pela ocupação, a apurar em execução de sentença.”</font></i><br> <br> <font>Uma vez que os AA. atacam no seu recurso a nulidade parcial do Acórdão por omissão de pronúncia quanto ao direito de propriedade dos AA. assente no título aquisitivo de que dispõem (escritura de compra e venda do prédio onde se insere a parcela em causa), vamos começar precisamente por aí, para determinarmos se essa nulidade se verifica.</font><br> <font>Pois bem: </font><br> <font>As conclusões embora delimitem o âmbito do recurso, são apenas uma síntese do que no corpo das alegações foi suscitado, pelo que não dispensam que se analise e enquadre o factualismo e as considerações que levaram a tal conclusão. </font><br> <font>Basta ler a última das conclusões das alegações de recurso para se ter de reconhecer que os AA. também pretendiam que o Tribunal da Relação se pronunciasse sobre o seu direito de propriedade fundado no </font><u><font>título aquisitivo da compra e venda, ressaltando do corpo alegacional que esse pedido de reconhecimento aquisitivo se mostrava fundado na escritura de compra e venda que celebraram em 11 de Outubro de 1995 com CC, precisamente a mesma pessoa que, em 1986, declarara doar à Ré, ainda que verbalmente, a parcela 3/137 Pn.</font></u><br> <font>Assim, não podemos deixar de considerar que era necessário entender que essa questão também tinha sido colocada.</font><br> <font>Houve assim omissão de pronúncia quanto a essa questão, pelo que o Acórdão proferido se encontra eivado de nulidade. – art. 668.º-1-d) do CPC.</font><br> <br> <font>Em princípio, terá de ser sanada pelo próprio Tribunal recorrido, dado o disposto nos arts. 726.º e 715.º-1 do CPC. e o facto de não se enquadrar em nenhuma das referidas no art. 731.º (fundamentos em oposição com a decisão, condenação em quantia superior ou em objecto diverso do pedido e conhecimento de questões de que o tribunal não podia tomar conhecimento).</font><br> <font>No entanto, só a final será possível avaliar da necessidade da remessa ao Tribunal da Relação para a reforma do Acórdão, porque se a solução que vier a ser dada ao recurso da Ré for favorável a esta – e que assenta numa forma de aquisição originária (usucapião) - , fica notoriamente prejudicada a pretensão dos AA., dada a absoluta impossibilidade de ambas as partes serem reconhecidas como proprietárias da mesma parcela do imóvel em disputa. </font><br> <br> <font>Deixamos por isso, para final, a decisão a respeito da necessidade ou não de ter de se remeter os autos à 2.ª instância.</font><br> <br> <font>Pois bem:</font><br> <br> <font>A usucapião constitui uma forma de aquisição originária, tal como a ocupação, a acessão, a expropriação ou a aquisição em processo de natureza executiva. </font><br> <font>É a partir de uma das formas de aquisição originária que se desenvolvem os demais títulos de aquisição derivada (compra e venda, doação, legado, troca)</font><br> <br> <font>Qualquer dessas formas aquisitivas pode no entanto ser objecto de diversas vicissitudes quanto aos sujeitos como quanto ao objecto.</font><br> <font> </font><br> <font>Nessa linha, diz-nos o art. 1287.º do CC. que </font><i><font>“A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião.”</font></i><br> <br> <font>Para que haja usucapião é necessário, antes de mais, que haja “posse”.</font><br> <font>Esta traduz-se no poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. – art. 1251.º do CC.</font><br> <font>A posse decompõe-se em dois elementos: o </font><i><font>“corpus”</font></i><font> (actos materiais praticados sobre a coisa com o exercício de certos poderes sobre ela) e o </font><i><font>“animus”</font></i><font> (intenção de quem pratica esses actos materiais actuar como titular do direito real correspondente a esses actos).</font><font> (1)</font><font> </font><br> <font>Para ser relevante como forma aquisitiva tem no entanto a posse que ser exercida de forma pública (exercida à vista de toda a gente) e pacífica (sem oposição de quem quer que seja).</font><br> <font>Só depois intervirá o factor tempo, que variará conforme essa posse seja exercida com título ou sem título, com registo ou sem registo, de boa ou má fé.</font><br> <br> <font>Pois bem:</font><br> <br> <font>No caso em presença, discute-se a propriedade sobre um parcela de um imóvel (a parcela 3/137 Pn).</font><br> <font>Quer os AA. quer a Ré dizem tê-la adquirida da anterior dona, CC, que, em 1986, já era dona e possuidora do imóvel há mais de 20 anos.</font><br> <font>Por volta de 1986, essa parcela fora doada verbalmente pela CC à Junta de Freguesia Ré-reconvinte, que desde essa data a passou a utilizar, praticando nela terraplanagens, construiu um estaleiro de máquinas e nela deposita materiais de construção e, juntamente com outra parcela (a 3/136), que entretanto também doou à Junta de freguesia através de escritura pública celebrada em 1998.05.09, a vedou com um muro.</font><br> <font>Face ao disposto no n.º 1 do art. 1259.º a posse titulada tem de ter origem num facto jurídico em abstracto idóneo para provocar a aquisição do próprio direito real, que pode ser inválido substancialmente, mas não formalmente.</font><font> (2)</font><br> <font>Como a doação não obedeceu ao requisito formal de escritura pública, a posse que passou a ser exercida sobre essa parcela pela Junta de Freguesia, tem de considerar-se uma </font><u><font>posse não titulada</font></u><font>, pois que sendo embora a doação um modo legítimo de adquirir o direito real em abstracto, falta-lhe o requisito formal para que o referido contrato se pudesse considerar válido. (arts. 947.º e 1259.º-1 do CC.)</font><br> <font>Como se tratava de posse não titulada, consagra a lei em defesa do comércio jurídico e da paz social, que a posse do transmissário </font><i><font>se presuma de má fé</font></i><font>.- art. 1260.º-2 do CC.</font><br> <font>Trata-se, no entanto, de uma </font><i><font>presunção “juris tantum</font></i><font>”, pelo que pode o possuidor ilidi-la, mediante a prova que desconhecia que ao assumi-la não estava a lesar o direito de outrem.- arts. 342.º-2 e 350.º do CC.</font><br> <font>E sendo assim, se for obtida a referida ilisão, há que aplicar ao caso o disposto no art. 1260.º-1 do CC, que lhe atribui a natureza de boa fé:</font><br> <i><font> “A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem.”</font></i><br> <font>Ora:</font><br> <font>Como a transmissão para a Ré da posse sobre essa parcela ocorreu em 1986, quando a referida CC era indiscutivelmente dona e única possuidora da mesma, e não havia ecos de quem quer que fosse que se reclamasse com direitos sobre a mesma (designadamente os AA. que só a partir de 1995.10.11 se arrogam ter adquirido por escritura pública de compra e venda o prédio onde tal parcela se situa), temos de concluir que foi ilidida a presunção estabelecida no art. 1260.º-2 do CC., passando assim a caracterizar-se a posse da Ré como sendo </font><u><font>de boa fé</font></u><font>.</font><br> <font>Como refere Soares do Nascimento</font><font> (3)</font><font>, no comentário ao Ac. deste Supremo Tribunal de 2005.11.22, releva o facto de os cedentes da posse serem os legítimos donos no momento da cedência e terem entregue voluntariamente a coisa à nova possuidora.</font><br> <font>E é de notável relevância o facto de estar provado que aquando da escritura da venda do prédio onde se insere na respectiva descrição a parcela 3A/137 ter sido esclarecido aos AA., pela referida CC, que ao prédio objecto do negócio não pertencia a referida parcela 3A, que fora doada à Junta de Freguesia, pelo que, se alguma dúvida existisse, ela ficaria desde logo dissipada quanto à boa fé com que a Ré ocupava e possuía a parcela em causa. </font><br> <font>Não estaria de má fé, por outro lado, quem no momento da aquisição da posse ignorasse a existência de direito que supostamente pudesse estar a lesar, desde que não tivesse qualquer obrigação de o conhecer.</font><br> <font>Pelo que fica completamente posta de lado qualquer hipótese de se pretender imputar à Junta de Freguesia que a posse sobre a parcela 3/137 estivesse a ser exercida de má fé.</font><br> <font>Convém dizer que a posse que a Ré Junta de Freguesia vinha exercendo era feita à vista de toda a gente, realizando actos materiais nela como terraplanagem, vedação, nela construindo e fazendo depósitos de materiais, o que significa que essa posse era exercida</font><u><font> publicamente</font></u><font>.- art. 1262.º do CC.</font><br> <font>E também há que referir que ela foi adquirida sem violência, pelo que se tem de considerar a posse como sendo exercida de forma </font><u><font>pacífica</font></u><font>. – art. 1261.º</font><br> <br> <font>Dito isto, há que ter em conta o disposto no art. 1296.º do CC. que diz o seguinte: </font><br> <i><font>“Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé.”</font></i><br> <font>Ora, </font><br> <font>A citação da Ré para a acção veio a ocorrer em 2002.11.05, o que significa que entre “cerca de 1986”- ano da doação verbal à Ré da parcela 3/137Pn que lhe transmitiu a posse do imóvel e a citação desta para a acção - Novembro de 2002 – vieram a ocorrer mais de quinze anos, tempo por isso mais que suficiente para, nos termos do artigo citado, a Ré poder usucapir. </font><br> <font>De tudo o que foi dito vem a resultar que deveria a Relação considerar que a Ré havia adquirido a parcela por usucapião.</font><br> <br> <font>Aqui chegados, temos de voltar à questão colocada pelos AA.:</font><br> <br> <font>Havendo aquisição da propriedade por parte da Ré - assente no instituto de usucapião - , nenhuma necessidade há que se faça baixar o processo à Relação para que esta aprecie a questão da omissão de pronúncia (a respeito do valor da aquisição do direito de propriedade dos AA. através da escritura de compra e venda, sobre a parcela possuída pela Junta de Freguesia.), dada a relação de prejudicialidade que passou a existir. </font><br> <font>E assim sendo, nenhum outro desfecho podem ter os recursos senão a negação da Revista dos AA. e a concessão da Revista da Ré.</font><br> <br> <font> …………………….</font><br> <u><font>Quanto à condenação dos AA. como litigantes de má fé, pedida pela Ré na sua Revista,</font></u><font> temos apenas de dizer o seguinte:</font><br> <font> </font><br> <font>Os AA. foram condenados como litigantes de má fé na primeira instância, a pedido da Ré. </font><br> <font>Mas a Relação já veio a absolvê-los.</font><br> <font>O recurso da litigância de má fé só é admissível num grau.- art. 456.º-3 do CPC</font><br> <font>Assim, não há recurso do segmento do Acórdão atinente a essa matéria.</font><br> <br> <br> <b><font>IV. Decisão.</font></b><br> <br> <b><i><font>Na negação da Revista dos AA. e no provimento da Revista da Ré, revoga-se o Acórdão recorrido e repõe-se a decisão da primeira instância</font></i></b><i><font>, excepto no tocante à condenação dos AA. como litigantes de má fé (cuja decisão, alterada pela Relação, não pode ser objecto do recurso).</font></i><br> <b><i><font>Custas pelos AA.</font></i></b><br> <br> <font> </font><i><font>Lisboa, 19 de Março de 2009</font></i><br> <br> <br> <font> Mário Cruz ( relator)</font><br> <font> Garcia Calejo </font><br> <font> Sebastião Póvoas</font><br> <br> <br> <br> <font>________________________________</font><br> <font>(1) Álvaro Moreira/Carlos Fraga, Direitos Reais, pg. 180, .segundo as prelecções do Prof. Dr. Mota Pinto ao 4.º ano jurídico de 1970/71. </font><br> <font>(2) Mota Pinto, Direitos Reais, 1971, 278; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 673; Penha Gonçalves, Direitos Reais, 2.ª ed. 1993, pgs. 263 e 265; Paulo Sobral Soares do Nascimento, Cadernos de Direito Privado, n.º 21, pg. 45 e ss..</font><br> <font>(3) Paulo Sobral Soares do Nascimento, Cadernos de Direito Privado, n.º 21, Acessão da posse e posse não titulada …, pg. 46</font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <b><font>I – </font></b><font>No Tribunal da Comarca de Lisboa (3.ª Vara Cível) veio</font><b><font> E... – C... E... de N..., F... e I..., L.da </font></b><font>intentar acção declarativa de condenação, em processo comum, sob a forma ordinária, contra a</font><b><font> Câmara Municipal de A... </font></b><font>(deve entender-se como dirigida contra o</font><b><font> Município de A...</font></b><font>, que é a autarquia)</font><font> </font><font>pedindo a condenação da Ré, no pagamento à Autora da quantia de 3.257.690$00, acrescida da quantia que se vier a liquidar na acção, nos termos do art. 471.º, n.º 2, 2ª parte, ou que se vier a liquidar em execução de sentença, nos termos do art. 661.º, n.º 2, do CPC, acrescida de juros moratórios à taxa legal, contados a partir dos 60 dias seguintes à entrada nos cofres da autarquia, dos montantes recebidos da CEE.</font><br> <br> <font>Alega, para tanto e em síntese:</font><br> <br> <font>Em 19 de Agosto de 1986 celebrou com a R. um contrato de prestação de serviços, nos termos do qual se comprometeu a elaborar um “Plano de Desenvolvimento, abrangendo a área do Município de A...”, destinado a ser apresentado à Comunidade Económica Europeia, para efeito de eventual financiamento a fundo perdido de investimentos contemplados por esse plano.</font><br> <font>Para esse efeito, a R. obrigou-se a fornecer, no prazo de 15 dias, vários elementos necessários à elaboração do “Plano de Desenvolvimento”, nomeadamente o plano de actividades e orçamento para 1986, as linhas de orientação e prioridades a que deveria obedecer o plano e os critérios metodológicos definidos pela Comissão de Coordenação da Região Norte ou pelo agrupamento de Concelhos de Entre Douro e Vouga.</font><br> <font>Como remuneração dos serviços previstos no contrato, a R. pagaria 1.000.000$00, em duas prestações de igual valor, e 3% sobre o valor global dos financiamentos feitos pela CEE (FEDER, FEOGA e Fundo Social), respeitantes a propostas de investimentos constantes do “Plano de Desenvolvimento”, a pagar em 60 dias contados da entrada desses financiamentos nos cofres da Câmara Municipal.</font><br> <font>Ficou ainda estabelecido que, na retribuição relativa à percentagem de 3% sobre o valor global dos investimento, seriam contabilizados e descontados os 1.000.000$00, mas se os financiamentos pagos pela CEE fossem de valor inferior a esse montante, então a A. não seria obrigada a repor os 1.000.000$00 que já havia recebido.</font><br> <font>Ora, a A. elaborou o “Plano de Desenvolvimento” previsto no contrato, com base nos elementos inicialmente fornecidos pela R. </font><br> <font>No entanto, a Câmara Municipal não cumpriu o contrato integralmente, porque não forneceu à A., nem procuração ou credencial para efeitos de acompanhamento do Plano junto das entidades competentes, nem forneceu os planos de actividades e orçamentos relativos aos anos seguintes, para efeitos de eventuais correcções e ajustamentos a introduzir no plano inicial.</font><br> <font>Por outro lado, a R. somente pagou à A. os 1.000.000$00 previstos a título de retribuição inicial, não tendo pago até à data os 3% sobre o valor dos financiamentos efectivamente recebidos da CEE, nem informou a A. dos valores assim recebidos.</font><br> <font>Desde logo, relativamente a 7 projectos, que a A. identificou, veio a mesma a saber que a R. já recebeu financiamentos do FEDER no valor de 141.923.000$00, tendo a A. direito à retribuição de 4.257.690$00, correspondente a 3% desses financiamentos, a que há a deduzir os 1.000.000$00 já recebidos antecipadamente.</font><br> <font>Mas, haverá outros financiamentos que a R. recebeu e que a A. desconhece ainda e, por isso, deverá a R. ser condenada no que se vier a apurar em execução de sentença.</font><br> <br> <font>Citada regularmente a R. contestou, dizendo em síntese que o documento que a autora apresentou à R., pouco mais era que a transcrição dos planos de actividades, linhas de orientação e prioridade da CMA, não tendo a suportá-lo qualquer estudo, pelo que devido a tais deficiências a CMA não aprovou o plano, por considerá-lo incoerente.</font><br> <br> <font>A A. apresentou réplica.</font><br> <br> <font>A acção prosseguiu os seus posteriores termos, tendo sido proferido despacho saneador, com especificação dos factos assentes e da base instrutória, da qual não houve reclamações.</font><br> <br> <font>Finda a produção de prova, foi respondido aos quesitos, por decisão de que não houve reclamações.</font><br> <br> <font>De seguida, foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a R. do pedido contra si formulado.</font><br> <br> <font>Desta sentença recorreu a A., tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de fls. 351 a 359, decidido anular a sentença e determinar que se procedesse a novo julgamento que deveria decidir as contradições verificadas na matéria de facto, nomeadamente na resposta aos quesitos 1.º e 8.º.</font><br> <br> <font>Tendo os autos regressado à 1.ª instância, foi ordenada a repetição do julgamento quanto aos quesitos sobre os quais havia sido detectada a contradição, tendo-se designado data para julgamento, o qual decorreu com observância das formalidades legais.</font><br> <br> <font>No decurso da audiência, a A. veio ampliar o pedido, concretizando o mesmo na parte em que o havia feito em termos genéricos, pois entretanto já teriam sido aprovados outros projectos de financiamento pela CEE atribuídos à R., pelo que concluiu pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 67.748,09, a acrescer ao pedido inicialmente formulado na petição inicial.</font><br> <br> <font>A ampliação do pedido foi admitida e finda a produção da prova, foram respondidos aos mencionados quesitos, por decisão de que não houve reclamação das partes.</font><br> <br> <font>Foi proferida sentença, em que se julgou a acção improcedente e se absolveu a R. do pedido.</font><br> <br> <font>Inconformada, recorreu a autora, recurso que foi admitido como apelação. </font><br> <br> <font>A Relação de Lisboa veio a proferir acórdão no qual julgou procedente o recurso de apelação interposto, revogou a sentença recorrida e em sua substituição, condenou a R. no pagamento à autora da quantia de 79.035,23 euros (setenta e nove mil e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos), valor esse acrescido de juros de mora à taxa legal, contado a partir de 60 dias da data de entrada dos montantes relativos aos financiamentos aprovados, nos cofres da R., até integral pagamento.</font><br> <br> <font>De tal acórdão veio a ré a interpor recurso de revista, recurso que foi admitido.</font><br> <br> <font>A R. apresentou as suas alegações, formulando, em síntese, as seguintes conclusões:</font><br> <br> <font>I – Cometeu o Tribunal da Relação um erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ao não ter tido em conta a prova decorrente de um documento autêntico, violando o disposto no art.º 371 do C. Civil.</font><br> <font>II – Violou também o disposto no art.º 342 do C. Civil, no tocante à repartição do ónus de prova.</font><br> <font>III – Considerou, erradamente, sempre salvo melhor opinião, aplicável ao caso o n.º 2 do art.º 1170.º do C. Civil.</font><br> <font>IV – Quando deveria ter aplicado os arts 1170.º, n.º 1 e 1172.º do C. Civil.</font><br> <br> <font>A A. apresentou contra-alegação ao recurso da R., concluindo pela total improcedência deste recurso.</font><br> <br> <font>Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. </font><br> <br> <b><font>II – Fundamentação</font></b><br> <br> <font>A) De Facto</font><br> <br> <font>Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos que a Relação manteve:</font><br> <br> <font>1) A A. dedica-se à prestação de serviços a empresas, designadamente à consultadoria em matéria de estudos, projectos, investimentos, financiamentos, orientação e formação profissionais – (Al. A) da Especificação);</font><br> <font>2) No exercício da sua actividade celebrou com a Câmara Municipal de A..., em 19 de Agosto de 1986, contrato de prestação de serviços, conforme documento junto sob o n.º 1 de fls. 9 a 12 o qual se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos – (Al. B) da Especificação);</font><br> <font>3) Nos termos desse contrato, comprometeu-se a A. para com a R. a elaborar um Plano de Desenvolvimento, abrangendo a área do Município de A... – (Al. C) da Especificação);</font><br> <font>4) Tal plano destinava-se a ser apresentado à Comunidade Económica Europeia para efeito de eventual financiamento a fundo perdido de investimentos contemplados pelo referido plano, por parte da Comunidade, através dos instrumentos financeiros adequados – (Al. D) da Especificação);</font><br> <font>5) Obrigou-se ainda a A. ao acompanhamento, na sua componente técnica e processual, da apreciação do Plano junto das entidades competentes, compreendendo o preenchimento dos formulários e a resposta aos questionários exigidos – (Al. E) da Especificação);</font><br> <font>6) A prestação de serviços seria efectuada em colaboração com a Câmara Municipal de A..., e segundo as orientações de natureza económica, financeira e técnica por aquela traçados – (Al. F) da Especificação);</font><br> <font>7) Para a prestação de serviços supra identificados, a R. obrigou-se a entregar à A., no prazo de 15 dias contados a partir da data do visto do referido contrato pelo tribunal de Contas, os seguintes documentos e elementos:</font><br> <font>– Plano de actividades e orçamento para 1986 e outros elementos de que disponha e sejam necessários à elaboração do Plano;</font><br> <font>– Linhas de orientação e prioridades a que deve obedecer a feitura do Plano, designadamente opções de investimento, objectivos e enquadramento económico e social;</font><br> <font>– Os critérios metodológicos definidos pela Comissão de Coordenação da Região Norte ou pelo Agrupamento de Concelhos Entre Douro e Vouga – (Al. G) da Especificação );</font><br> <font>8) Obrigou-se também a R. a entregar à A., no prazo de 15 dias contados da data da aprovação do plano inicial, procuração ou credencial para efeitos de acompanhamento do mencionado plano junto das entidades competentes – (Al. H) da Especificação);</font><br> <font>9) Ainda se obrigou a R. a entregar à A. os planos de actividades e orçamentos relativos aos anos seguintes, para efeitos de eventuais ajustamentos ou correcções a introduzir no plano adicional, devendo tais elementos ser entregues no prazo de 15 dias contados, em cada ano, a partir da data da aprovação pela Assembleia Municipal, dos respectivos planos e orçamentos – (Al. I) da Especificação);</font><br> <font>10) Comprometeu-se ainda a R. a dar conhecimento à A., por carta registada com A/R, das propostas de investimento contempladas pelo Plano de Desenvolvimento apresentadas às entidades competentes para o financiamento, nos 15 dias seguintes à apreciação da candidatura pelas entidades competentes – (Al. J) da Especificação);</font><br> <font>11) Como remuneração pelos serviços prestados no contrato, a R. pagaria à A., as seguintes quantias:</font><br> <font>–1.000.000$00 em duas prestações de igual valor;</font><br> <font>– 3% sobre o valor global dos financiamentos feitos pela CEE, respeitantes a propostas de investimentos constantes do Plano de Desenvolvimento, a pagar no prazo de 60 dias contados da entrada dos montantes nos cofres da R.;</font><br> <font>– à percentagem de 3% seria descontada a quantia de 1.000.000$00, sendo que no caso de não se atingir este valor com a aplicação da percentagem de 3% a A. não ficaria obrigada a repor aquela quantia – (Al. K) da Especificação);</font><br> <font>12) As quantias referidas supra ficariam sujeitas ao pagamento dos juros legais em caso de eventual atraso no seu pagamento por parte da R. – (Al. L) da Especificação);</font><br> <font>13) A R. informaria a A., mediante carta registada com A/R, no prazo de 15 dias, da data de entrada nos cofres da R. da quantia referida em 11) – (Al. M) da Especificação);</font><br> <font>14) A A. elaborou um Plano de Desenvolvimento e enviou-o à R., que o recebeu – (Al. N) da Especificação);</font><br> <font>15) A R. não forneceu à A., nem procuração ou a credencial referidas em 8), nem forneceu os planos de actividades e orçamentos referidos em 9) – (Al. O) da Especificação);</font><br> <font>16) Das quantias referidas em 11) a R. apenas pagou a quantia de 1.000.000$00 – (Al. P) da Especificação);</font><br> <font>17) A R. não informou a A. da entrada nos seus cofres dos montantes relativos a financiamentos efectuados pela CEE, nem pagou a percentagem de 3% sobre tais quantias – (Al. Q) da Especificação);</font><br> <font>18) Foram aprovados e financiados pela CEE os seguintes projectos, que são referenciados no “Plano de Desenvolvimento” elaborado pela A., junto de fls 43 a 140, tendo a R. recebido pelo menos os seguintes financiamentos através do FEDER:</font><br> <font>– 85/N/051/001 – E.M. ligação Provizense – Sr.ª da Laje – 11.735.000$00;</font><br> <font>– 85/N/051/002 – E.M. ligação Espiunca – Vila Viçosa – 9.845.000$00;</font><br> <font>– 85/N/051/003 – C. Lig. E.M. 506-2 – Aldeia Mausores – 2.º Troço –6.593.000$00;</font><br> <font>– 87/N/003/001 – Rede Esg. e ETAR – 55.000.000$00;</font><br> <font>– 89/N/019/001 – E.M. Ligação Porto Escuros – Granja – 17.500.000$00;</font><br> <font>– 89/N/019/002 – Pav. Rodovia Belide – S. Marcos –11.850.000$00;</font><br> <font>– 89/N/019/003 – C.M. 1195 – ligação Covelas e S. Lázaro – 29.650.000$00;</font><br> <font>– Construção de troço a Mansores – 18.612.453$00;</font><br> <font>– Mercado Municipal de Arouca – 2ª Fase – 40.021.623$00;</font><br> <font>– Mercado Municipal de Arouca –1ª Fase – 21.308.950$00;</font><br> <font>– Const. Arruamentos – 24.348.999$00;</font><br> <font>– Abastecimento de água – 72.225.933$00;</font><br> <font>– Saneamento básico de Arouca – 1ª fase –39.602.250$00;</font><br> <font>– Saneamento básico de Arouca – 2ª fase – 38.943.385$00;</font><br> <font>– Preservação e divulgação de património natural e cultural – 9.123.940$00;</font><br> <font>– Construção do edifício de apoio ao parque de campismo – 4.500.000$00;</font><br> <font>– Melhoria dos acessos a Bustelo e Adaufe – 7.935.000$00;</font><br> <font>– Melhoria dos acessos a Rio de Frades – 2.250.000$00;</font><br> <font>– Abastecimento de água a Castanheira – 3.058.000$00;</font><br> <font>– Abastecimento de água à aldeia de Cando – 2.355.000$00;</font><br> <font>– Projectos aprovados ao abrigo do Reg. 3829/85 (PEDAP) – 71.506.360$00;</font><br> <font>– Projectos aprovados ao abrigo do PAMAF – 46.486.486$00;</font><br> <font>– Projectos de Formação Profissional aprovados e financiados pelo Fundo Social Europeu 17.050.345$00 – (Resposta ao quesito 1º);</font><br> <font>19) A R. recebeu financiamentos da CEE num total de 561.251.724$00, correspondente a € 2.799.511,80 – (Resposta ao quesito 2º);</font><br> <font>20) A A. enviou à R. as cartas reproduzidas a fls 15 e 18, cujo teor se dá por reproduzido – (Resposta ao quesito 3º);</font><br> <font>21) A R. solicitou à A. esclarecimentos e alterações ao plano – (Resposta ao quesito 6º);</font><br> <font>22) Para obtenção dos financiamentos referidos em 18) não fez a A. qualquer diligência, nem foi utilizado o seu plano – (Resposta ao quesito 8º);</font><br> <font>23) A R. comunicou à A. pelo ofício n.º 121 de 14/1/1992, que se considerava desonerada do pagamento pretendido – (Resposta ao quesito 11º);</font><br> <font>24) A A. enviou à R. a carta reproduzida a fls 20 a 22, cujo teor se dá por transcrito – (Resposta ao quesito 12º).</font><br> <br> <font>B) De Direito</font><br> <br> <b><font>1. </font></b><font>Como se sabe, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões das alegações do recorrente (artigos 690.º, n.os 1 e 684.º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil), importando decidir as questões nelas colocadas e bem assim as que forem de conhecimento oficioso, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada às outras (n.º 2 do art. 660.º do Cód. Proc. Civil). </font><br> <br> <font>A recorrente suscita duas questões: </font><br> <font>a) erro na apreciação das provas;</font><br> <font>b) errada aplicação das normas dos artigos 342.º e nº 2 do artigo 1170.º do Código Civil</font><br> <br> <b><font>2.</font></b><font> Primeira questão: o erro na apreciação da prova </font><br> <br> <font>No recurso para a Relação não foi impugnada a matéria de facto. A Relação não conheceu, por isso, da matéria de facto fixada na 1.ª instância, dando-a por definitivamente adquirida.</font><br> <br> <font>Como já se disse, o recurso destina-se a reapreciar questões suscitadas na decisão anterior ou que sejam de conhecimento oficioso, mas não a conhecer </font><i><font>ex novo</font></i><font> de questões não suscitadas ou que não sejam de conhecimento oficioso. </font><br> <br> <font>A valorização do documento junto na audiência de 16 de Março de 2007 não foi impugnada por qualquer das partes e ao mesmo não se lhe pode atribuir um valor decisivo de prova, insusceptível de ser destruído pelo das demais.</font><br> <br> <font>Não se verifica, por isso, a única situação em que a Relação podia e devia alterar a matéria de facto (artigo 712.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil).</font><br> <br> <font>Daí decorre não se verificar sequer a situação em que o STJ podia censurar o não uso pela Relação dos poderes de alteração da matéria de facto.</font><br> <br> <font>O Supremo Tribunal de Justiça só pode conhecer do juízo de prova sobre a matéria de facto formado pela Relação, quando esta deu como provado um facto sem a produção da prova considerada indispensável, por força da lei, para demonstrar a sua existência, ou quando ocorrer desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico de origem interna ou de origem externa.</font><br> <br> <font>Por isso excede o âmbito do recurso de revista o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos materiais da causa, isto é, a decisão da matéria de facto baseada nos meios de prova produzidos que sejam livremente apreciáveis pelo julgador.</font><br> <br> <font>Ora, de facto, as instâncias apreciaram as provas nos termos do artigo 655.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não ocorrendo, no caso vertente, nenhuma situação de prova vinculada que tenha sido desrespeitada.</font><br> <br> <font>Não se trata, com efeito, de discordância por virtude de se ter dado como provado algum facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou desrespeitado as normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos no nosso ordenamento jurídico.</font><br> <br> <font>Assim, não se configura situação em que a reapreciação da prova possa ser levada a cabo por este tribunal.</font><br> <br> <b><font>3.</font></b><font> A aplicação da lei substantiva</font><font> </font><br> <br> <font>Antes de mais e relativamente à norma do artigo 342.º do Código Civil (doravante será este o diploma a que nos estaremos a referir se nada se disser em contrário), sempre se dirá que melhor caberia na questão anterior.</font><br> <br> <font>De todo o modo, sempre afirmaremos não ocorrer qualquer desrespeito do citado normativo, não sendo certo que se tenha provado que a Ré aprovou o plano elaborado pela A. </font><br> <br> <font>Embora na decisão de primeira instância se tenha afirmado que a R. não aprovou o plano da A., certo é, como se diz na decisão recorrida, que os quesitos 4.º e 5.º foram dados como não provados.</font><br> <br> <font>O que não permite tirar qualquer ilação sobre a sua aprovação: a resposta de não provado não significa que se provou o contrário. </font><br> <br> <font>É, por isso, ilegítimo sustentar que se provou que o plano foi ou não foi aprovado.</font><br> <br> <font>E se não se pode partir dessas premissas, não é lícito concluir-se pela violação da regra do ónus da prova.</font><br> <br> <font>As instâncias sustentaram, no que não divergem as partes, que o contrato celebrado se deve classificar como de prestação de serviços.</font><br> <br> <font>O art. 1154.º define como «prestação de serviços» o contrato em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.</font><br> <br> <font>A lei prevê expressamente como modalidades deste contrato, o «mandato», o «depósito» e a «empreitada» (art.º 1155.º).</font><br> <br> <font>Também não há razão para divergir de que situação configurada nos autos, como se diz no acórdão recorrido, não se integra em nenhuma das modalidades típicas de contrato de «prestação de serviço» prevista na lei, pelo que sendo abrangida pela previsão geral do art. 1154.º teremos que concluir que se está perante um «contrato de prestação de serviços inominado», com retribuição.</font><br> <br> <font>Ao referido contrato são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras do contrato de mandato (art.º 3.º do Código Comercial e art.º 1156.º).</font><br> <br> <font>A obrigação decorrente do referido contrato para a recorrida era a de prestar ponto por ponto o serviço convencionado e para a recorrente a de proceder ao pagamento do preço correspondente (artigos 406.º, n.º 1, 762.º, n.º 1 e 1154.º ).</font><br> <br> <font>Ora, a A. no âmbito do contrato celebrado com R. obrigou-se a «elaborar um Plano de Desenvolvimento de acordo com as instruções desta, com destino a ser apresentado à CEE, para efeitos de financiamento, e ainda a acompanhar, na sua componente técnica e processual a sua apreciação, compreendendo o preenchimento de formulários e resposta a questionários exigidos (2, 3, 4, 5, 6). Era esta a prestação a que se obrigara. Nos termos do art. 406.º, o contrato deve ser pontualmente cumprido e só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.</font><br> <br> <font>Atento o factualismo assente, temos que a A. elaborou o «Plano de Desenvolvimento» a que se obrigara e entregou-o à R. que o recebeu, nada tendo dito, além de solicitar esclarecimentos e alterações, que de acordo com o factualismo assente, e atento o ónus da prova (que recaía nesta parte sobre a R.) se terão que considerar satisfeitos (os esclarecimentos e alterações), daí decorrendo que, quanto a esta prestação, se verifica o cumprimento, nos termos exigidos por lei (art. 406.º e 762.º).</font><br> <br> <font>Bem se entendeu igualmente que, não tendo a R. logrado fazer prova de que o Plano não fora aprovado nem estaria em condições de o ser, se deve ter por perfeito o cumprimento por parte da A..</font><br> <br> <font>É verdade que a A. não chegou a realizar a sua restante prestação, relativa ao acompanhamento técnico.</font><br> <br> <font>Porém, como resultou demonstrado, tal só aconteceu por a R. não ter cumprido com as suas obrigações de que dependia o referido acompanhamento técnico, tendo só, quando havia já projectos com financiamento aprovado, comunicado à A. que «se considerava desonerada do pagamento pretendido». </font><br> <br> <font>Tais factos evidenciam «incumprimento por parte da R.» do contrato celebrado.</font><br> <br> <font>Entendeu o tribunal de 1.ª instância que tal comunicação preenchia os requisitos da faculdade de «revogação» do contrato, prevista no art. 1170.º.</font><br> <br> <font>Dispõe-se no art. 1170.º que «o mandato é livremente revogável por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário». Só assim não será (n.º 2 do mesmo preceito) se «o mandato tiver sido conferido também no interesse do mandatário ou de terceiro», salvo ocorrendo «justa causa».</font><br> <br> <font>Como referem PIRES DE LIMA e A. VARELA (</font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, vol. II, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, p. 809.) «a figura da revogação não corresponde à de resolução do contrato... A revogação, neste caso, limita-se a fazer </font><i><font>cessar</font></i><font> o mandato, com eficácia </font><i><font>ex nunc</font></i><font> aproximando-se bastante, nesse aspecto da denúncia... São pois inatacáveis os actos já celebrados pelo mandatário. Imputam-se ao mandante os efeitos resultantes da actividade já exercida...». Quanto à forma de exercer tal faculdade (revogação) referem ainda os mesmos autores: «Em princípio, ao lado dos casos de revogação tácita, como os previstos nos art. 1171.º e 1179.º, o mandato pode ser revogado por qualquer das formas de declaração negocial admitidas no Código (…), sem prejuízo da inadmissibilidade da prova da revogação por testemunhas, se o mandato tiver sido outorgado por documento autêntico ou particular...» (obra citada, p. 811).</font><br> <br> <font>É também como denúncia e não como verdadeira revogação que MENEZES LEITÃO trata a revogação do mandato (</font><i><font>Direito das Obrigações</font></i><font>, vol II, 4.ª edição, p. 102, nota n.º 204 e 106.</font><br> <br> <font>Entendeu a Relação, e bem a nosso ver, que a considerar-se o “ofício datado de 14.01.92, como significando a «revogação» do contrato celebrado, e não havendo qualquer outra comunicação anterior, nem tendo sido invocada a revogação tácita, com fundamento em se ter designado outra pessoa (ou entidade) para substituir a apelante — art. 1171.º, – nunca seriam afectados os efeitos já produzidos, nem se teria </font><i><font>ipso facto</font></i><font> por excluído o dever de indemnizar (art. 1172.º).” </font><br> <br> <font>Da parte da A. verificava-se, até então, a disponibilidade para fazer o acompanhamento técnico a que se obrigou, perante as entidades que iriam aprovar ou não o financiamento pedido.</font><br> <br> <font>Desconhece-se se nessa ocasião, a prestação da A. ainda era possível, por o acompanhamento técnico e processual não se ter ainda completado.</font><br> <br> <font>Mas, ainda que se concluísse pela impossibilidade superveniente da prestação, sempre seria a R. a responder pelo facto, como se tivesse faltado culposamente ao cumprimento da obrigação, conforme dispõe o art. 801.º, n.º 1.</font><br> <br> <font>Já tinha sido assinalado no primeiro acórdão da Relação proferido nestes autos que a A. fez prova do que lhe competia.</font><br> <br> <font>Já não assim a R. a quem cabia provar que a falta de cumprimento não procedia de culpa sua (n.º 1 do art. 799.º), “isto é, que foi diligente, que se esforçou por cumprir, que usou daquelas cautelas e zelo que, em face das circunstâncias do caso, empregaria um bom pai de família, Ou, pelo menos, que não foi negligente, que não se absteve de tais cautelas e zelo, que não omitiu os esforços exigíveis, os que também não omitiria uma pessoa normalmente diligente (GALVÃO TELLES, </font><i><font>Obrigações</font></i><font>, 3ª, 310)”.</font><br> <br> <font>Voltando a analisar os efeitos decorrentes da revogação, temos por boa a tese da distinção substancial entre resolução e revogação.</font><br> <br> <font>Como já se viu acima, citando PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (obra citada, p.809) a figura da revogação não corresponde à da resolução do contrato pelo que é “inaplicável à revogação, designadamente a disposição do art. 433...”.</font><br> <br> <font>O facto de a lei prever a faculdade de nos contratos da natureza dos agora em apreço, qualquer das partes poder exercer o direito de «revogação», não afasta a aplicação do regime geral dos contratos, nomeadamente o direito à sua resolução por incumprimento definitivo. A diferença é que para resolução com fundamento em incumprimento, o dever de indemnizar, tem subjacente a «ilicitude», enquanto que a «revogação» ao abrigo do disposto no art. 1170.º, não carece da verificação desse pressuposto, sendo um dos casos em que o dever de indemnizar, pode assentar na prática de facto lícito (Neste sentido, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra citada, vol. II, p. 811).</font><br> <br> <font>A «revogação» prevista no art. 1170.º, não carece de forma, podendo mesmo ser tácita. Basta que a intenção de não manutenção do contrato, chegue ao conhecimento do outro outorgante, por qualquer forma, produzindo desde então efeitos. </font><br> <br> <font>Nesta perspectiva, a carta da R. de 14 de Janeiro de 2002 é inequívoca quanto à manifestação de não querer a manutenção da prestação de serviços da A.</font><br> <br> <font>Assim, deverá entender-se que a partir dessa data a R. exerceu validamente a faculdade de «revogação» prevista no art.º 1170.º.</font><br> <br> <font>Disse-se no acórdão recorrido e não se vê que exista qualquer fundamento para discordar, não existir no caso vertente qualquer interesse do mandatário ou de terceiro, a justificar a aplicação do n.º 2 do citado normativo.</font><br> <br> <font>A responsabilidade pela revogação unilateral do mandato não se enquadra na responsabilidade contratual, porque não resulta do contrato de mandato, que se extingue quando revogado; nem se enquadra na responsabilidade extra-contratual porque, sendo consequência da consagração de uma regra de livre revogabilidade não é possível fazê-la corresponder a uma conduta violadora de direitos, ou de qualquer norma destinada à tutela de interesses alheios, e nem tão pouco ao abuso de direito, fora dos casos em que este se verifique (ADELAIDE MENEZES LEITÃO, “Revogação Unilateral do Mandato, Pós-Eficácia e Responsabilidade pela Confiança” em </font><i><font>Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles</font></i><font>, vol. I, Almedina, Coimbra, pp. 333 e 334).</font><br> <br> <font>Por isso, a doutrina tradicional tem entendido que a obrigação de indemnizar em consequência da revogação unilateral do mandato é uma indemnização por factos lícitos, como já se deixou dito acima.</font><br> <br> <font>ADELAIDE MENEZES LEITÃO (estudo citado, p. 334) defende que a responsabilidade pela revogação do mandato se deve enquadrar na chamada responsabilidade pela confiança, que constitui uma terceira via, intercalada entre a responsabilidade obrigacional e a delitual.</font><br> <br> <font>Apesar das críticas que possam ser feitas à responsabilidade pela confiança, atendendo ao carácter difuso do conceito e à sua ambiguidade, entende aquela autora que, analisando as diversas alíneas do art.º 1172.º, se chega à conclusão de que a tutela da confiança é o fim da própria norma, ou seja, aquele preceito apresenta-se como uma disposição legal específica da tutela da confiança que assegura a solução justa pelo próprio </font><i><font>ius strictum</font></i><font>. </font><br> <br> <font>Surgindo a tutela da confiança como </font><i><font>ratio</font></i><font> da previsão normativa, a confiança não se limita a um mero factor psicológico do agente que confia e, deste modo, deixa de ter o dom da ubiquidade, para operar numa tutela delimitada por normativos típicos (estudo citado, p. 345).</font><br> <br> <font>Em termos gerais, – art. 1172.º — “[a] parte que revogar o contrato deve indemnizar a outra do prejuízo que esta sofrer:</font><br> <font>a) Se assim tiver sido convencionado;</font><br> <font>b) Se tiver sido estipulada a irrevogabilidade ou tiver havido renúncia ao direito de revogação;</font><br> <font>c) Se a revogação proceder do mandante e versar sobre contrato oneroso, sempre que o mandato tenha sido conferido por certo tempo ou para determinado assunto ou que o mandante o revogue sem a antecedência conveniente;</font><br> <font>d) (…).</font><br> <br> <font>Verificada uma daquelas circunstâncias, a obrigação de indemnizar só pode ser afastada quando ocorra justa causa para a revogação, pois que seria intolerável que a parte que pela sua conduta deu causa à revogação obtivesse indemnização por alegados prejuízos (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, obra citada, vol. II, p. 814).</font><br> <br> <font>A lei não define justa causa de revogação do mandato, cujo conteúdo poderá ser apreciado livremente pelo tribunal.</font><br> <br> <font>Será uma justa causa qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual (BAPTISTA MACHADO, </font><i><font>Pressupostos da Resolução por Incumprimento</font></i><font>, 1979, p. 21).</font><br> <br> <font>No caso em apreço não se provou qualquer justa causa para o não cumprimento do contrato por parte da Ré.</font><br> <br> <font>O que nos remete para a aplicação do disposto no citado artigo 1172.º</font><br> <br> <font>A al. c) deste normativo contempla o caso de o autor da revogação ser o mandante e de o mandato ser oneroso e de se verificar uma destas duas
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>I.</font><font> </font><font>AA intentou contra a </font><font>BB, S.A. </font><font>acção declarativa de condenação com processo comum, sob a forma ordinária, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 213.169,07 € de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.</font><br> <br> <font>Para tanto alega, em síntese:</font><br> <br> <font>No dia 14 de Março de 2001, pelas 0 h e 30 m, no Largo ... em Coimbra, o condutor do veículo de passageiros segurado da Ré não respeitou um sinal que indicava que deveria dar passagem aos peões que atravessavam e avançou, vindo a colher o autor que atravessava a via, projectando-o a uma distância superior a 27 metros, causando-lhe lesões graves.</font><br> <br> <font>Regularmente citada, contestou a R., alegando a prescrição da acção, por terem decorrido mais de 3 anos, desde a data do acidente até à propositura da acção. Alega, também, que o autor atravessou a via de forma imprevista, estando o sinal de semáforo existente no local com a luz verde para o condutor segurado, o qual avistou a menos de 10 m o autor, não lhe sendo possível parar antes da colisão; que o autor atravessou fora das passadeiras existentes no local, a menos de 50 m, e usava roupas escuras que dificultavam a sua visualização pelos condutores. </font><br> <br> <font>Proferido despacho saneador, no qual foi conhecida a invocada excepção da prescrição, que foi considerada improcedente e se organizou a matéria assente e a base instrutória, não tendo havido reclamações.</font><br> <br> <font>Agendado e realizado julgamento, com observância do formalismo legal, respondeu-se à matéria de facto, sem que tivesse havido reclamações.</font><br> <br> <font>A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo-a do demais peticionado, condenou a seguradora Companhia de Seguros BB, S.A no pagamento ao autor AA, das seguintes quantias monetárias:</font><br> <font>a) de 150.000 €, a título de danos patrimoniais apurados e futuros;</font><br> <font>b) de 35.000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial;</font><br> <font>c) os juros de mora, vencidos desde a data da citação para contestação, à taxa legal vigente.</font><br> <br> <font>Recorreram, de apelação, o A. e a Ré, tendo a Relação de Coimbra julgado parcialmente procedente os recursos apresentados e, em consequência:</font><br> <br> <font>a) Condenou a R., Real Companhia de Seguros, SA., a satisfazer ao A., AA, a título de indemnização por danos materiais (que acrescerá aos €3.169,07 de despesas indicadas na Sentença a fls. 337 v.º) a quantia de €125.000,00 (cento e vinte cinco mil euros);</font><br> <font>B) Condenou a mesma R. a satisfazer ao mesmo A., por referência às despesas (futuras) indicadas no item 2.4.1. deste Acórdão, nos termos do artigo 661.º, n.º 2, do CPC, o que vier a ser liquidado;</font><br> <font>C) E, no mais, confirmou a Sentença apelada.</font><br> <br> <font>Desta decisão recorre, de novo, o A., de revista, para este STJ e também a R., recursos que foram admitidos.</font><br> <br> <font>A Ré conclui as suas alegações do seguinte modo:</font><br> <br> <font>1ª. – Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido fez uma deficiente determinação dos factos provados, inadequada ponderação da prova produzida e consequente aplicação do direito, uma vez que a prova produzida nos autos impunha a improcedência da acção.</font><br> <font>2.ª – Não há duvidas que, ao não proceder à travessia da via pelas passadeiras existentes a menos de 50 metros do local onde o autor iniciou o atravessamento – uma a cerca de 10 metros e outra a cerca de 28 metros – o autor violou o n.º 3 da citada disposição legal, colocando em risco a sua segurança, uma vez que as passadeiras implantadas na via para a travessia de peões visam permitir uma travessia mais segura, já que, concomitantemente à sua existência, a lei estabelece regras de limitação à circulação das viaturas automóveis em aproximação às mesmas – vide art.º 103.º do Código da Estrada ao tempo em vigor. </font><br> <font>3.ª – E também teremos que relevar ainda o facto de ser de noite, o que diminui a visibilidade para quem circula na via…</font><br> <font>4.ª – Pensamos que destes factos se terá que concluir que o acidente não teria ocorrido se a travessia tivesse sido concretizada numa das passadeiras aí existentes e a tanto destinadas, ou seja, entendemos que desta violação “</font><i><font>tout court”</font></i><font> resulta estabelecido o nexo de causalidade adequado entre o facto e o dano – cfr. art.º 483.º do Código Civil. </font><br> <font>5.ª – Parece, pois, que só à própria vítima se pode atribuir a culpa na eclosão do sinistro, porquanto este se verificou tão só como resultado ou consequência adequada da sua conduta negligente, inconsiderada e violadora do disposto no art. 101º, nº 1, do Código da Estrada. </font><br> <font>6.ª – Se o demandante tivesse tomado estas cautelas, não iniciaria a travessia da via. E competia-lhe provar que poderia ter atravessado a via sem perigo de colisão. </font><br> <font>7.ª – Se se entender que esta conduta do condutor seguro contribuiu também para a ocorrência do presente sinistro, o que só por mera cautela se concede, então poderá haver lugar a uma repartição de culpas, sendo que se deve estabelecer uma maior percentagem para o peão, sempre na ordem de 80% para o peão e 20% para o condutor do veículo seguro. </font><br> <font>8.ª – Ao não decidir assim, o Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> violou o disposto nos artigos 3.º; 101.º e 103 todos do Código da Estrada; artigos 659.º, n.º 3, e 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. </font><br> <font>9.ª – Quanto à determinação do montante indemnizatório relativo aos danos patrimoniais entendemos que a indemnização apenas pode ser fixada segundo critérios de </font><i><font>equidade</font></i><font> e </font><i><font>normalidade</font></i><font>, sendo impossível pretender alcançar um valor que espelhe exactamente o dano sofrido. </font><br> <font>10.ª – No caso, há que atender à incapacidade temporária total, no que respeita às tarefas da vida corrente e à incapacidade especial para o exercício da actividade, a graduação do "</font><i><font>quantum doloris</font></i><font>", o prejuízo estético e o desgosto de se ver na situação em que se encontra; é certo que o autor viu a sua saúde afectada de forma grave, teve dores, sofrimento que ainda se mantém e irá permanecer no futuro, das sequelas, que se poderão traduzir num aumento da incapacidade permanente geral, acarretando desde já alguma apreensão com as naturais repercussões a nível psicológico.</font><br> <font>11ª – Todos estes danos merecem a tutela do direito e num critério equitativo é ajustada a importância de € 20.000,00 a atribuir ao autor, revogando-se desse modo a sentença recorrida. Isto sem ter de considerar o supra alegado quanto à responsabilidade pelo presente sinistro.</font><br> <font>12.ª – Ao não os interpretar da forma acima assinalada, o tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> violou, entre outros, os art.ºs 496.º e 562.º do Código Civil. </font><br> <font>13.ª - Quanto aos danos patrimoniais futuros, dispõe o artigo 564.º, n.º 2 do C.C. que "na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior".</font><br> <font>14.ª – No presente caso, haverá que ter em conta o grau de incapacidade que o autor ficou a padecer – 25% mais 5% a título de dano futuro; o salário que auferia à data, a progressão da carreira profissional comprometida pela progressão de incapacidade, com ganhos de produtividade e evoluções salariais, como era expectado pelo autor, o seu rebate profissional em consequências das lesões; tempo provável de vida activa até atingir os 65 anos de idade; a inflação anual.</font><br> <font>15.ª – Este ponto ganha acuidade quando é certo que estamos perante um dano patrimonial e que pode divisar-se a possibilidade de o lesado auferir rendimentos em profissões alternativas e, destarte, em concreto, não ocorrer qualquer perda de aquisição de rendimento.</font><br> <font>16.ª – Sucede que o lesado continuou a exercer a sua actividade profissional embora, como se refere no Relatório do Gabinete Médico Legal, “as sequelas exigem esforços acrescidos no exercício profissional específico do examinado”.</font><br> <font>17.ª – Ora, o lesado não está impedido de continuar a exercer a sua profissão, antes pelo contrário, continua a exercer a sua actividade, embora, também é justo dizer, com algumas limitações. Mas essas limitações são de carácter físico, o que não impede a progressão na carreira. </font><br> <font>18.ª – Ora, o tribunal não pode ignorar que </font><u><font>o nível de rendimento do lesado não foi afectado</font></u><font>. </font><br> <font>19.ª – De qualquer forma, o Tribunal não pode atender de imediato à consideração do dano futuro correspondente ao provável agravamento das lesões – 5%. </font><br> <font>20.ª – De facto, e como diz no referido Relatório Médico, este tipo de valoração corresponde ao agravamento das sequelas que com elevada probabilidade se irá registar e que pode traduzir-se num aumento da IPP. Quer isto dizer que este agravamento não é actual, podendo ou não relevar-se no futuro.</font><br> <font>21.ª – Como bem se refere no acórdão recorrido: … Todavia, tenha-se presente que a circunstância da incapacidade laboral acarretar, ou não, como efeito directo, uma diminuição mensurável da remuneração, não deixa de constituir um elemento relevante, que, como tal, deve ser pesquisado e atendido na determinação do </font><i><font>quantum</font></i><font> indemnizatório. Sublinha-se, porém, e trata-se de um aspecto relevante na presente situação, que a não existência desse efeito concreto não exclui a consideração indemnizatória de uma incapacidade parcial permanente percentualmente expressa. E não exclui, sublinha-se também, que a indemnização neste caso possa ter como ponto de referência um cálculo assente nas três variáveis mencionadas no início deste item.</font><br> <font>22.ª – E em outro passo, continua: A constatação de que o A. mantém (retomou), não obstante uma significativa modificação pejorativa, a prestação do mesmo trabalho anterior ao acidente (era e é professor) com o nível remuneratório que lhe corresponderia independentemente desse evento, constitui um factor fundamental na ponderação do montante indemnizatório a conceder, abrindo um campo particularmente adequado a uma ponderação equitativa do montante a conceder.</font><br> <font>23.ª – No presente caso, e considerando todas as vertentes alegadas, temos para nós que, em termos de equidade, é ajustada a importância de € 50.000,00 a atribuir ao autor/recorrido, sem prejuízo do que se alegou quanto à matéria da responsabilidade civil.</font><br> <font>24.ª – A não se considerar assim, estaríamos a provocar um enriquecimento ilegítimo e sem qualquer tipo de fundamento no património do lesado. </font><br> <font>25.ª – A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 483.º, 562.º e 564.º, n.º 2, todos do Código Civil.</font><br> <br> <font>E o A. remata o seu recurso da seguinte forma:</font><br> <br> <font>1. O douto acórdão do TRC considerou que, não obstante o A. ter tido uma significativa modificação pejorativa, manteve a prestação do mesmo trabalho anterior ao acidente com o nível remuneratório que lhe corresponderia independentemente desse evento, pelo que considerou ajustado o montante de 125.000,00 €, em função da ponderação das concretas incidências do caso</font><br> <font>2. Salvo o devido respeito, tal entendimento não colhe a concordância do recorrente.</font><br> <font>3. Considerando que o recorrente ficou afectado por uma incapacidade permanente geral de 25% + 5% de dano futuro, no total de 30%, a indemnização a fixar terá de tomar em conta o tempo de vida provável do recorrente (75 anos) e não apenas o limite da sua actividade profissional.</font><br> <font>4.A afectação do ponto de vista funcional, na envolvência do que vem sendo designado por dano biológico, determinante de consequências negativas a nível da sua actividade geral, justifica a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial.</font><br> <font>5. A incapacidade funcional ou “dano fisiológico” numa perspectiva sistémica da teoria geral da indemnização, implica a ressarcibilidade, enquanto dano patrimonial futuro.</font><br> <font>6. Tal indemnização, por dano patrimonial futuro, deve ser arbitrada na quantia de 225.000,00€, atendendo ao salário anual do recorrente à data do acidente (38.086,00€), a IPP de 30%, o tempo provável de vida (75 anos), a progressão e aumento salarial e a inflação.</font><br> <font>7. Decidindo como decidiu violou o Tribunal “a quo”, entre outros, o comando dos artºs. 562º e 566º do Código Civil.</font><br> <br> <font>O A. apresentou ainda contralegações ao recurso da Ré, pugnando pela sua improcedência.</font><br> <br> <font>II.</font><font> Fundamentação</font><br> <br> <font>De Facto</font><br> <br> <font>II.A.</font><font> São os seguintes os factos dados como provados, face ao oportunamente especificado e ao resultado do julgamento: </font><br> <br> <font>1) No dia 14 de Março de 2001, cerca das 0h.30m., no Largo ...., em Coimbra, o A. foi atropelado pelo veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-FU.</font><br> <font>2) O local do acidente desenha-se em extensa recta, com mais de 500 metros de comprimento.</font><br> <font>3) A via destinada ao trânsito que seguia no sentido Estação Nova – Avenida da Lousã mede 10,26 metros de largura.</font><br> <font>4) Nesse dia hora e local, o A. atravessava a via da esquerda para a direita, atento o sentido Estação Nova – Avenida da Lousã, acompanhado por CC.</font><br> <font>5) No âmbito da sua actividade, a ora Ré celebrou, com DD, um contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice n.º 90/000000, em que este transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária de um veículo automóvel de matricula 00-00-FU.</font><br> <font>6) Trata-se de um seguro de responsabilidade civil obrigatório contra terceiros regulado no Dec. Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, em que o segurado havia transferido a sua responsabilidade infortunística emergente de acidente de viação causados a terceiros para a ré Real, sendo que a responsabilidade civil se encontrava limitada a € 750.000,00.</font><br> <font>7) No local o trânsito era regulado por semáforos que se encontravam em funcionamento.</font><br> <font>8) Neste lado, os veículos encontravam-se parados a aguardar que o sinal vermelho passasse a sinal verde para reiniciarem a marcha.</font><br> <font>9) Quando o A. concluía a travessia da via e estava prestes a alcançar o passeio do lado direito, foi colhido pelo veículo 00-00-FU.</font><br> <font>10) Este era conduzido por DD e circulava no sentido Estação Nova – Avenida da Lousã.</font><br> <font>11) O condutor do FU imprimia ao veículo velocidade superior a 50 km/h.</font><br> <font>12) Sem atender aos outros veículos parados a aguardarem o sinal verde nem aos dois peões que concluíam a travessia da via, o condutor do FU foi colher o A. com a parte da frente do lado direito do veículo, projectando-o para a frente a uma distância superior a 27 metros, aí caindo no solo, completamente desamparado.</font><br> <font>13) No local do sinistro existem duas passadeiras especialmente sinalizadas para que os peões efectuem o atravessamento da via.</font><br> <font>14) Uma a cerca de 10 metros e outra a cerca de 28 metros.</font><br> <font>15) Era de noite.</font><br> <font>16) Por causa do acidente o A. teve perda de conhecimento que só recuperou no Serviço de Urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra para onde foi transportado de ambulância logo após o atropelamento.</font><br> <font>17) O A. apresentava as seguintes lesões:</font><br> <font>– fractura diafisária do fémur direito;</font><br> <font>– fractura do 1/3 proximal do úmero direito;</font><br> <font>– fractura estilóide radial à esquerda.</font><br> <font>18) No referido Serviço de Urgência foram-lhe efectuadas redução das fracturas e imobilização gessada a nível do úmero direito; tala gessada à esquerda e tracção percutânea com 5kg para a fractura do fémur direito.</font><br> <font>19) A A. ficou internado no Serviço de Ortopedia 6B de onde teve alta 27 dias depois.</font><br> <font>20) Em 19 de Março de 2001 foi submetido a intervenção cirúrgica, tendo-se procedido a redução da fractura do fémur direito e encavilhamento com cavilha AO 13/400, aparafusado distal e proximal.</font><br> <font>21) As restantes fracturas foram entretanto tratadas conservadoramente mediante imobilização com gesso braqui-palmar à direita e punho gessado à esquerda.</font><br> <font>22) O A. manteve-se internado nos HUC até 9 de Abril de 2001.</font><br> <font>23) O A. regressou a casa com os membros engessados e com a seguinte orientação terapêutica a prosseguir:</font><br> <font>– deambular em descarga com apoio de canadianas;</font><br> <font>– iniciar programa de reabilitação;</font><br> <font>– ser observado em consulta externa do serviço de ortopedia.</font><br> <font>24) O A. permaneceu cerca de um mês em repouso no domicílio, deslocando--se com a ajuda de cadeira de rodas.</font><br> <font>25) O A. foi observado na consulta externa do serviço de ortopedia dos H.U.C. em 27 de Abril de 2001, referindo dores a nível do fémur.</font><br> <font>26) Os exames radiológicos realizados apresentavam fractura do fémur com calo ósseo em formação; fractura do úmero sem calo ósseo visível; fractura do punho esquerdo com calo ósseo visível.</font><br> <font>27) Nessa data, foi-lhe retirada a imobilização gessada do punho esquerdo, mantendo o gesso no membro superior direito cerca de 3 meses.</font><br> <font>28) O A. foi observado em consulta externa daquele serviço em 25 de Maio, 22 de Junho, 20 de Julho, 21 de Setembro e 17 de Dezembro de 2001.</font><br> <font>29) O A. iniciou programa de reabilitação em 3 de Maio de 2001, tendo sido observado nesta data no Serviço de Medicina Física e Reabilitação dos HUC.</font><br> <font>30) O A. apresentava limitação dolorosa do punho esquerdo, com diminuição da flexão/extensão e supinação e ainda diminuição da força muscular; diminuição da força muscular à flexão/extensão dos dedos da mão direita por ferida incisa no terceiro dedo, atrofia muscular marcada do quadricípte, com diminuição da força muscular à extensão do joelho.</font><br> <font>31) Todos os dias úteis, durante mais de um ano, o A. frequentou as sessões de fisioterapia no ginásio na sala de terapia ocupacional e na piscina dos HUC.</font><br> <font>32) O A. foi observado em 7 consultas de fisioterapia.</font><br> <font>33) Em 23 de Maio de 2002, data da última consulta, o A. mostrava-se independente nas actividades da vida diária mas apresentava limitação articular do ombro direito com abdução activa de 160º, elevação anterior de 150º, rotação interna com retropulsão até D8 (D6 no ombro contralateral) e a rotação externa estava bastante limitada (20º sendo a contralateral de 60º).</font><br> <font>34) Após a alta hospitalar – 23 de Maio de 2002 – o A. inicia programa de consolidação e continuação da recuperação no Centro de Medicina Física e Reabilitação do Cidral a conselho dos Serviços de Ortopedia e da Medicina Física dos HUC.</font><br> <font>35) Tal programa, onde se mantém até hoje, consiste em hidroginástica, com acompanhamento médico e terapêutico realizado três vezes por semana.</font><br> <font>36) Em consequência do acidente, o A. apresenta actualmente:</font><br> <font>– dores e limitação moderada nas mobilidades do punho esquerdo;</font><br> <font>– dores e limitação acentuada nas mobilidades do ombro direito (leva com dificuldade a mão à cabeça e costas);</font><br> <font>– amiatrofia ligeira da região deltoideia;</font><br> <font>– cansaço no ombro;</font><br> <font>– amiatrofia da coxa direita de 1,5cm;</font><br> <font>– dores na coxa e joelho direito;</font><br> <font>– limitação das mobilidades do joelho direito nos últimos graus de flexão;</font><br> <font>– cicatriz de características operatórias, nacarada, medindo 6 centímetros de comprimento por 1 centímetro de largura.</font><br> <font>37) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 23/5/2002.</font><br> <font>38) O período de incapacidade temporária geral fixável em 90 dias, a que deverá ser acrescido um período de 30 dias para eventual extracção do material de osteossíntese que ainda mantém.</font><br> <font>39) O período de incapacidade temporária geral parcial fixável em 345 dias.</font><br> <font>40) O período de incapacidade temporária profissional total fixável em 108 dias a que deverá ser acrescido um período de 30 dias para eventual extracção do material de osteossintese que ainda mantém.</font><br> <font>41) Período de incapacidade temporária profissional parcial fixável em 327 dias.</font><br> <font>42) O A., por causa do acidente, é portador de sequelas anatomo-funcionais que se traduzem por uma incapacidade permanente geral parcial fixável em 25% .</font><br> <font>43) O autor sofrerá no futuro um agravamento das sequelas que se traduzirá numa incapacidade permanente geral de 5%.</font><br> <font>44) O A. é professor do ensino secundário e apresenta dificuldades em elevar o braço direito e em escrever no quadro na sala de aulas, dificuldade em fazer todos os movimentos com o pulso esquerdo, sente dores na perna e braço direitos, o que lhe limita acentuadamente a sua vida profissional.</font><br> <font>45) O A. dispendeu 14,96€ numa muleta axilar, 12,05€ num panal para colocação do braço direito, 11,66€ em pomada analgésica.</font><br> <font>46) Em sessões de fisioterapia no ginásio, na sala de terapia ocupacional e piscina dos HUC gastou 209,57€.</font><br> <font>47) Em taxas moderadoras das consultas de ortopedia e fisioterapia o A. despendeu 81,58€.</font><br> <font>48) Nas sessões de hidroginástica o A. gastou até à data o valor de 249,25€.</font><br> <font>49) Em duas consultas na Clínica do Cidral despendeu o A. 150,00€, sendo que enviou para a ADSE os respectivos recibos, reclamando da Ré a quantia que aquela instituição não vai suportar, ou seja, 90,00€.</font><br> <font>50) No transporte em veículo próprio que o A. teve de utilizar para ir às consultas e à fisioterapia por um período superior a um ano dispendeu o A. quantia que se estima em 2.500,00€.</font><br> <font>51) O A. esteve internado nos HUC cerca de um mês, de 14 de Março a 9 de Abril de 2001.</font><br> <font>52) Sofreu fortes dores com os traumatismos físicos causados pelo veículo seguro na Ré, pela tracção ao membro inferior direito e pela intervenção cirúrgica a que foi submetido, </font><i><font>quantum doloris</font></i><font> qualificável de 6/7 na escala médico-legal.</font><br> <font>53) Sentiu a solidão hospitalar e o forte abalo dos membros superiores engessados.</font><br> <font>54) A partir de 9 de Abril de 2001 esteve em total repouso domiciliário durante um mês e nesse período passou a maior parte do tempo em cadeira de rodas pela dificuldade que sentia em deslocar-se com muletas, dada a imobilização do braço e ombro direitos.</font><br> <font>55) Durante esse período necessitou de apoio permanente da sua mulher (a qual teve grande dificuldade em conciliar o seu trabalho e a assistência ao marido), uma vez que o A. não conseguia realizar tarefas básicas como levantar-se da cama, vestir-se, tomar banho, fazer a sua higiene, alimentar-se, usar a casa de banho, deslocar-se na sua própria casa.</font><br> <font>56) Passado este mês o A. começou a andar com muleta, apoiando apenas o braço esquerdo, dado que o direito e respectivo ombro continuavam imobilizados.</font><br> <font>57) O A. continuou a socorrer-se do apoio da mulher, facto que muito o deprimia, pois sabia o incómodo que lhe causava.</font><br> <font>58) Este apoio consistia nas pequenas deslocações que começou a fazer a pé (curtos passeios na rua para desenvolver a marcha) e de carro.</font><br> <font>59) No período referido no artigo antecedente, o A. frequentou diariamente, entre as 10 horas e as 12 horas, os serviços de medicina física e reabilitação dos HUC, nomeadamente, o ginásio (para marcha, corrida e equilíbrio) a sala de terapia ocupacional (para a recuperação do pulso esquerdo, a mobilidade do braço e ombro direitos, a coordenação de movimentos e a piscina (conforme supra alegado) tendo sido acompanhado neste processo de recuperação por 3 fisioterapeutas e uma terapeuta ocupacional.</font><br> <font>60) Durante o período em que fez fisioterapia (que ultrapassou um ano) foi sempre ajudado pela sua mulher que, diariamente, o foi levar e buscar de carro ao hospital, uma vez que as suas limitações físicas o impediam de conduzir.</font><br> <font>61) O mesmo se passou em termos de situação profissional, na medida em que de 1 de Julho de 2001 a Junho de 2002, foi a sua mulher que, diariamente, o levou e o foi buscar ao serviço, sito na Rua ,,...., em Coimbra.</font><br> <font>62) Esta dependência fez o A. sentir-se profundamente diminuído e incapacitado.</font><br> <font>63) O A. só pôde retomar a condução em Junho de 2002.</font><br> <font>64) Além das consultas de fisioterapia, o A. frequentou as consultas externas no serviço de ortopedia dos HUC e teve de sujeitar-se a imensos exames e outros meios auxiliares de diagnóstico.</font><br> <font>65) Desde 23 de Maio de 2002 até à data, o A. é obrigado a frequentar 3 vezes por semana o programa de hidroginástica no centro de reabilitação física do Cidral.</font><br> <font>66) Na altura do acidente, o A. exercia funções de Chefia – Coordenador da Área Educativa de Coimbra – na Direcção Regional de Educação do Centro.</font><br> <font>67) Durante cerca de 3 meses esteve totalmente incapacitado para o trabalho, o que o impossibilitou de participar em várias reuniões importantes o que lhe causou tristeza e um sentimento de impotência e inutilidade.</font><br> <font>68) O A. retomou, de forma muito limitada, as suas funções em Julho de 2001.</font><br> <font>69) Para articular a sua actividade profissional com a fisioterapia, que fez todos os dias úteis, o A. viu-se obrigado a compensar diariamente o serviço, o que sistematicamente implicou a prestação de horas de trabalho suplementar sem qualquer contrapartida, facto que muito o desanimou.</font><br> <font>70) Actualmente, para além das dificuldades alegadas, o A. apresenta dificuldades na execução de certos movimentos, o que o impossibilita de nadar crawl e costas, modalidades de natação que praticava antes do acidente.</font><br> <font>71) O A. sente grandes dores na perna direita, após caminhadas de manutenção ou outras.</font><br> <font>72) De manhã, acorda com dores na perna e braços direitos.</font><br> <font>73) O A. também sente dores na mesma perna e braço em resultado de alterações climáticas.</font><br> <font>74) O A. apresenta as cicatrizes e vestígios cicatriciais nos membros lesionados e que lhe demandam dano estético qualificável 3/7 no escalonamento do Instituto de Medicina Legal.</font><br> <font>75) Até sofrer o acidente, foi sempre uma pessoa saudável e fisicamente capaz.</font><br> <br> <font>II.B.</font><font> De Direito</font><br> <br> <font>Suscitam os recorrentes as seguintes questões:</font><br> <br> <font>R – a) culpas exclusivas do peão no acidente ou</font><br> <font> b) repartição das culpas na proporção de 20% para o condutor do veículo e 80% para o peão;</font><br> <font> c) indemnização pelos danos patrimoniais não superior a 20.000 €;</font><br> <font> d) não ponderação nos danos futuros da provável incapacidade de 5%;</font><br> <font> e) indemnização pelos referidos danos não superior a 125.000 €.</font><br> <font>A.– indemnização pelos danos futuros fixada em 225.000 €.</font><br> <br> <font>II.B.1.</font><font> As duas primeiras questões suscitadas pela seguradora foram já devidamente apreciadas pelo acórdão recorrido</font><br> <br> <font>Funda-as a recorrente no facto do A. no momento do atropelamento, estar a atravessar a via fora das (duas) passadeiras existentes a menos de 50 metros do local desse atropelamento. </font><br> <br> <font>O autor fundou o seu pedido na responsabilidade civil por factos ilícitos.</font><br> <br> <font>Sobre a obrigação de indemnizar impõem-se algumas considerações prévias. </font><br> <br> <font>Para o surgimento da responsabilidade civil devem verificar-se determinados pressupostos. </font><br> <br> <font>Segundo o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, são elementos constitutivos da responsabilidade civil: o facto; a imputação do facto ao lesante; o dano; a ilicitude; o nexo de causalidade entre o facto e o dano. </font><br> <br> <font>É necessário, desde logo, que haja um facto voluntário do agente (…), que o facto do agente seja ilícito (…), que haja um nexo de imputação do facto ao lesante (…), e que, à violação do direito subjectivo ou da lei, sobrevenha um dano (...) Por último, exige a lei que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima" (ANTUNES VARELA, </font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>, vol. I, 9.ª edição, Almedina, Coimbra, pp. 543-544; idem, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, 4.ª edição, revista e actualizada, com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, volume I, p. 471).</font><br> <br> <font>Facto voluntário significa, aqui, “um facto dominável ou controlável pela vontade" (ANTUNES VARELA, ob. cit., p. 545).</font><br> <br> <font>A ilicitude pode revestir duas modalidades. Pode traduzir-se na violação do direito subjectivo de outrem quando reprovada pela ordem jurídica, e pode consistir também na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.</font><br> <br> <font>Assim acontece, por exemplo, com as normas que tutelando certos interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger determinados interesses particulares: (…) se um automobilista viola as regras de trânsito e, com isso, provoca um acidente, além de sofrer a cominação de uma multa ou uma sanção de outro tipo, terá de indemnizar os danos a que der causa" (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit. p. 472).</font><br> <br> <font>O dano pode ser patrimonial ou não patrimonial, conforme seja ou não susceptível de avaliação pecuniária.</font><br> <br> <font>Dentro do dano patrimonial cabe não só o dano emergente (</font><i><font>damnum emergens</font></i><font>), como o lucro cessante (</font><i><font>lucrum cessans</font></i><font>). O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas a que ainda não tinha direito à data da lesão” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., p. 475).</font><br> <br> <font>A este propósito, expressa-se assim a lei: "O dano indemnizável compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil.</font><br> <br> <font>O n.º 2 deste artigo 564.º prevê que, na fixação da indemnização, o tribunal possa atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis e, se não forem determináveis, que sejam fixados em decisão ulterior.</font><br> <br> <font>Estes danos futuros tanto podem representar danos emergentes como lucros cessantes (neste sentido, cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>Código Civil Anotado</font></i><font>, citado, p. 580, citando Prof. VAZ SERRA, “Obrigação de Indemnização, </font><i><font>BMJ</font></i><font> n.º 84, p.12, nota 12).</font><br> <font> </font><br> <font>Um dos casos mais frequentes em que o tribunal tem de atender aos danos futuros é aquele em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo a sua capacidade laboral” (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, </font><i><font>idem, ibidem</font></i><font>).</font><br> <br> <font>No que respeita ao nexo de causalidade que deve existir entre o facto e o dano, refere a lei que "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão” (artigo 563.º do Código Civil). </font><br> <br> <font>O Supremo Tribunal de Justiça tem
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9zK1u4YBgYBz1XKvBTM0
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> <p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>1. </font></b><font>Pedro Miguel […] e Ana Maria […] &nbsp;demandaram P. […] S.A. pedindo a sua condenação no pagamento de 278.443,24€ acrescido de juros legais que se vencerem até efectivo pagamento bem como na sanção pecuniária compulsória de 100€ por cada dia de atraso no pagamento da quantia em dívida.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>2. </font></b><font>Os AA outorgaram no dia 30-10-2001 com a ré contrato-promessa de compra e venda de moradia a implantar no lote de terreno integrando loteamento correspondente ao empreendimento turístico denominado “P...V... Sports Residence”.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>3. </font></b><font>O preço acordado para a compra e venda foi de 227.736,16€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>4. </font></b><font>Os AA pagaram, a título de sinal, quantias sucessivas, importando o montante total de 139.078,24€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>5. </font></b><font>De acordo com o estipulado (cláusula quarta) a escritura de compra e venda seria celebrada até ao termo de 30 meses após a assinatura do contrato-promessa, ou seja, até ao dia 30-4-2004, conferindo-se em caso de incumprimento aos promitentes compradores a faculdade de interpelar a promitente vendedora para proceder à marcação da respectiva escritura no prazo de 180 dias, podendo aqueles, se esta não fosse efectuada, resolver então o contrato, exigindo o valor do sinal dobrado (cláusula sexta/5).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>6. </font></b><font>Estipulado foi ainda na mesma cláusula sexta/6 que se “ considera incumprimento para o efeito do número anterior, a não realização da escritura de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à promitente vendedora, no prazo de 45 meses a contar da data da assinatura do presente contrato-promessa de compra e venda”, ou seja, até ao dia 30-7-2005.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>7. </font></b><font>Ora a ré não procedeu à marcação da escritura e, por isso, decorridos os referidos 45 meses, entrou em incumprimento definitivo.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>8. </font></b><font>Os AA por carta de 10-1-2006 procederam então à resolução do contrato-promessa de compra e venda, notificando a ré para lhes pagar a quantia de 275.645,00€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>9. </font></b><font>A acção foi julgada procedente por decisão da 4ª Vara Cível de Lisboa, confirmada pelo acórdão, ora recorrido, do Tribunal da Relação, nos seguintes termos:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>- Condenou-se a ré a pagar ao A. a quantia de 278.156,48€ (duzentos e setenta e oito mil e cento e cinquenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos) acrescida&nbsp; de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data da interpelação até efectivo pagamento, absolvendo-a do demais pedido</font> </p><p><font>- Absolveram-se os AA do pedido reconvencional.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Pedido reconvencional que se traduziu</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>a) no pedido principal de condenação do A. marido reconvindo a celebrar a escritura de compra e venda, assim adquirindo a propriedade da moradia que prometeu comprar e a, nesse momento, pagar à ré o remanescente do preço que é a quantia de 91.094,46€ visto que não foi por culpa imputável à ré que o contrato-promessa não foi outorgado até àquela data, mas por responsabilidade da câmara municipal de Palmela por atraso no alvará de construção e também da empreiteira à qual a ré adjudicou a construção das moradias). Ora, de acordo com a referida cláusula sexta/6 o incumprimento da vendedora só ocorria se resultasse de “ causa imputável exclusivamente à promitente vendedora”, não sendo, portanto invocável fundadamente pelos AA a violação desta cláusula</font> </p><p><font>b)&nbsp; no pedido subsidiário de declaração de nulidade do contrato-promessa por força do disposto no artigo 47.º/10 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho</font> </p><p><font>c) no pedido subsidiário, duplo grau de subsidiariedade, de redução equitativa do correspondente ao dobro do sinal, sendo a ré condenada apenas na devolução&nbsp; do montante do sinal e reforços, acrescido dos juros legais, ou, no máximo, no valor do mesmo sinal acrescido de mais alguma, não muito elevada, percentagem desse sinal, a determinar de acordo com o prudente arbítrio do Tribunal.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>10. </font></b><font>Nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a ré sustenta que o contrato-promessa de compra e venda é nulo, de acordo com o disposto no artigo 46.º/10 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei nºs 305/99, de 6 de Agosto e 55/2002, de 11 de Março, pois nele não se faz menção ao depósito na então Direcção-Geral de Turismo do título constitutivo do empreendimento turístico no qual se encontra situada a moradia objecto do contrato-promessa de compra e venda.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>11. </font></b><font>Para a recorrente, a arguição de tal nulidade não configura um abuso do direito na modalidade de </font><i><font>venire contra factum proprium</font></i><font>, como se decidiu, uma vez que tal modalidade de abuso pressupõe a desconformidade de uma actuação com uma posição anteriormente assumida; nunca a ré declarou, ou deu a entender, que não iria alegar a nulidade do contrato-promessa de compra e venda, não sendo aplicável o estipulado no artigo 410.º/3 do Código Civil pois isso traduzir-se-ia na aplicação analógica de tal norma que, por ser de natureza excepcional, não comporta recurso à analogia, sendo certo que, com o artigo 410.º/3 do Código Civil, se visa proteger os promitentes compradores e com o mencionado artigo do Decreto-Lei n.º 167/97 se visa o controlo prévio, pela Administração Pública, da qualidade urbanística e turística dos empreendimentos turísticos, nulidade que resulta de omissão imputável a ambos os contraentes, não existindo fundamento para a aplicação da modalidade de abuso do direito, tratando-se de inalegabilidades formais.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>12. </font></b><font>Sustenta ainda a recorrente que os AA não procederam à transformação da mora em incumprimento definitivo, recorrendo, para tal, aos mecanismos previstos no artigo 808.º/1 do Código Civil, não ocorrendo incumprimento definitivo pela ultrapassagem do prazo de 45 meses previsto na cláusula sexta do contrato-promessa de compra e venda, pois as partes sujeitaram a aplicação de tal cláusula ao facto de a não celebração da escritura pública de compra e venda se dever a causas exclusivamente imputáveis à ré, verificando-se que os atrasos na obra são da responsabilidade da câmara municipal e do empreiteiro.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>13. </font></b><font>Na minuta das contra-alegações, os AA referem que a recorrente, quer na sua contestação, quer nas alegações ora apresentadas, se limitou a referir que o contrato-promessa objecto dos presentes autos é relativo à compra e venda de uma coisa imóvel integrada num empreendimento turístico, nada mais alegando designadamente que, quando o contrato-promessa foi outorgado, se estava perante um empreendimento turístico nos termos definidos no artigo 1.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho e não perante uma mera designação como tal de uma comum urbanização.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>14. </font></b><font>Salientam ainda os AA que jamais a recorrente, nos presentes autos, demonstrou que a urbanização em causa foi submetida a procedimento de licenciamento adequado à sua classificação como empreendimento turístico e licenciada enquanto tal, o que basta para inquinar toda a argumentação expendida com base no Decreto-Lei n.º 167/97 e conduz à improcedência da invocada nulidade do aludido contrato-promessa</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>15. </font></b><font>Concluem os recorridos o seguinte quanto a esta questão:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>1. A</font><font> recorrente jamais provou ou sequer alegou nos presentes autos factos que efectivamente permitam concluir que o imóvel objecto do contrato-promessa outorgado integra o conceito jurídico de “fracção imobiliária de uma urbanização que, por sua vez, integra o conceito jurídico de “ empreendimento turístico”</font> </p><p><font>2. Mas mesmo que se considere que o fez, jamais provou ou sequer alegou que à data de outorga do contrato, dia 30 de Outubro de 2001, os pressupostos para que estivesse obrigada a requerer o título constitutivo da composição do empreendimento e a mencioná-los nos contratos que outorgasse estivessem preenchidos o que, aliás, nem o poderia ter feito, porque efectivamente, à data de 30 de Outubro de 2001, a recorrente não era titular de licença de utilização turística do empreendimento ou da respectiva licença de construção.</font> </p><p><font>Por outro lado, o abuso do direito é manifesto considerando que, ao longo de quase cinco anos de execução do contrato-promessa, a recorrente sempre actuou como se o contrato fosse perfeitamente válido e como se fosse pelas suas regras que as partes iriam regular a relação contratual firmada, recebendo a recorrente sucessivas quantias a título de sinal, criando uma confiança e expectativa sólidas; nem sequer quando os recorridos iniciaram os contactos com a recorrente no sentido de a entrega da moradia se estar a atrasar foi mencionada a questão da eventual nulidade do contrato, questão que igualmente não foi apontada quando os recorridos, em 10 de Janeiro de 2006,&nbsp; enviaram à recorrente carta de resolução do contrato-&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; -promessa. Só com a contestação a questão veio a ser suscitada, depois de os recorridos recorrerem ao Tribunal para ver satisfeitos os seus direitos, tudo isto evidenciando abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil).</font> </p><p><font>A finalidade do aludido preceito - artigo 47.º/10 do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho - é a de evitar que&nbsp; as partes outorguem contratos referentes a um empreendimento turístico cuja classificação como tal ainda não seja certa e, na eventualidade de ser recusada pela Direcção-Geral do Turismo, tornar impossível o cumprimento do contrato, situação completamente afastada actualmente.</font> </p><p><font>Quanto ao incumprimento do contrato-promessa, é ele imputável exclusivamente ao promitente-vendedor que é responsável pelos actos das pessoas que utiliza para o cumprimento das suas obrigações, tal o caso do empreiteiro a quem adjudicou a obra; no que respeita aos supostos actos e omissões da câmara municipal de Palmela e conservatória do registo predial nada resulta dos elementos dos autos, pois o alvará para construção foi emitido em 27 de Junho de 2003 quando ainda faltavam dois anos para o termo dos 45 meses, tempo mais do que suficiente para se proceder à construção da moradia, sendo certo que os promitentes compradores não se relacionaram com tais entidades.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>16. </font></b><font>Factos provados:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>1- A. marido e ré celebraram no dia 30 de Outubro de 2001 um contrato que denominaram&nbsp; contrato-promessa de compra e venda (doc. de fls. 17 a 25).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>2- Nos termos do aludido contrato, a ré prometeu vender ao A. marido&nbsp; e este prometeu comprar, livre de quaisquer ónus, hipotecas ou quaisquer encargos e totalmente acabada, uma moradia correspondente ao projecto do tipo B2, conforme planta anexa ao contrato (anexo I) e com os acabamentos e equipamentos constantes&nbsp; do anexo II do contrato, anexos esses que fazem parte integrante do contrato.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>3- A moradia prometida vender seria implantada no lote de terreno, propriedade da ré, para construção de uma moradia designada por lote n.º 34-22 com área de 442,10m2, sito na Quinta da S..., freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela, que integra o processo de loteamento L.272000, aprovado pela câmara municipal de Palmela, correspondente ao empreendimento turístico denominado “P...V... Sports Residence”.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>4- O preço acordado foi de 227.736,16€ (cf. cláusula 2:ª, alínea a) do doc. n.º 1).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>5- O preço acordado seria pago nos termos e condições previstas&nbsp; na cláusula terceira do contrato-promessa.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>6- Na data de assinatura do contrato-promessa, ou seja, no dia 30-10-2001, e em cumprimento da alínea a) da cláusula terceira do citado contrato, os AA pagaram à ré, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 22.773,62€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>7- No dia 6 de Fevereiro de 2002, em cumprimento da alínea b)&nbsp; da cláusula terceira do contrato-promessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço de sinal, a quantia de 11.386,81€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>8- No dia 8-5-2002, em cumprimento&nbsp; da cláusula terceira do contrato-promessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço do sinal, a quantia de 22.773,62€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>9- No dia 31-7-2002, em cumprimento da alínea d)&nbsp; da cláusula terceira do contrato-promessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço do sinal, a quantia de 11.386,81€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>10- No dia 7-11-2002, em cumprimento da alínea e) da cláusula terceira do contrato-promessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço do sinal, a quantia de 22.773,62€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>11- No dia 7-2-2003, em cumprimento da alínea f) da cláusula terceira do contrato-pormessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço do sinal, a quantia de&nbsp; 11.386,81€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>12- No dia 28-10-2003, em cumprimento da alínea h) da cláusula terceira do contrato-promessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço do sinal, a quantia de 12.642,53€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>13- No dia 1-3-2004, em cumprimento da alínea i) da cláusula terceira&nbsp; do contrato-promessa, os AA pagaram à ré, a título de reforço do sinal, a quantia de 11.386,81€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>14- Os AA pagaram à ré, e esta recebeu, a título de sinal, a quantia de 139.078,24€.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>15- Os AA pagaram ainda à ré a quantia de 1.180,80€ a título de nota de encomenda n.º122 respeitante a acabamentos solicitados na moradia prometida adquirir.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>16- Nos termos da cláusula quarta do contrato-promessa a escritura pública de compra e venda seria celebrada&nbsp; em dia e hora e cartório notarial a designar pela ré, promitente-vendedora, até ao termo de 30 meses após a assinatura&nbsp; do contrato celebrado, ou&nbsp; seja, até ao dia 30-4-2004.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>17- A ré obrigou-se a avisar o A. marido da marcação da escritura por carta registada, com aviso de recepção, com a antecedência mínima de oito dias.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>18- A ré não procedeu à marcação da escritura pública de compra e venda no prazo estipulado na cláusula quarta do contrato-promessa, ou seja, até ao dia 30-4-2004.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>19- Estipularam os AA e a ré que o incumprimento definitivo pela ré, traduzido na não tradição&nbsp; de pleno direito da fracção prometida vender a favor dos AA, conferia ao A. o direito de resolver o contrato e exigir da ré a restituição em dobro de todas as importâncias entregues ao abrigo do contrato-promessa nomeadamente às de título de sinal e sucessivos reforços de sinal.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>20- Estipularam ainda, AA e ré, que ocorreria incumprimento definitivo por parte da ré se a escritura pública de compra e venda se não realizasse por causa imputável exclusivamente à ré, no prazo de 45 meses a contar da assinatura do contrato-promessa, ou seja, até 30 de Julho de 2005.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>21- A ré, ao invés do que se obrigara a fazer, não procedeu, até 30-7-2005, à marcação da escritura pública de compra e venda.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>22- Os AA enviaram à ré a carta registada com aviso de recepção&nbsp; que constitui o doc. n.º11 a fls. 45 ( carta cujo assunto é o seguinte: resolução do contrato-promessa&nbsp; de compra e venda; interpelação para pagamento, lote 34-22 , sito na Quinta da S..., Quinta do Anjo, empreendimento turístico denominado “P...V... Sports Residence”.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>23- A ré recebeu a carta enviada pelos AA, não tendo até à data procedido a qualquer pagamento.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>24- Através da carta, datada de 10-1-2006 (doc. n.º11 a fls. 45), os AA procederam à resolução do contrato-promessa celebrado com a ré fundamentando tal decisão no patente incumprimento definitivo da Pelicano, SA e notificaram a ré para lhes pagar a quantia de 275.645€</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>Apreciando:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>17. </font></b><font>As questões suscitadas nos presentes autos são as seguintes:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>1ª- O contrato-promessa outorgado no dia 30-10-2001 é nulo porque o título constitutivo da composição do empreendimento que deve ser depositado na Direcção-Geral de Turismo não está mencionado no contrato-promessa de compra e venda?</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>2ª - Não houve incumprimento definitivo da promitente vendedora porque a promitente vendedora não se encontrava numa situação de incumprimento definitivo do contrato-promessa uma vez que o promitente comprador não procedeu à interpelação admonitória a que alude o artigo 808.º do Código Civil?</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>18. </font></b><font>Atentemos nos seguintes factos:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>- O contrato-promessa foi outorgado no dia 30-10-2001.</font> </p><p><font>- Do contrato-promessa consta que a promitente vendedora é dona de um lote de terreno para construção de uma moradia […] que integra o processo de loteamento&nbsp; aprovado pela câmara municipal de Palmela correspondente ao empreendimento turístico denominado “P...V... Sports Residence”.</font> </p><p><font>- A ré requereu a emissão do alvará de autorização de construção para o lote em causa no dia 15-5-2003 ( doc. de fls. 25 do apenso conforme alegado pela ré no artigo 50.º da contestação).</font> </p><p><font>- O alvará de autorização para construção&nbsp; foi emitido pela câmara municipal de Palmela em 27-6-2003&nbsp; (doc. n.º 6 a fls.27 do apenso conforme alegado pela ré no artigo 51.º da contestação).</font> </p><p><font>- O título constitutivo do aldeamento turístico P...V... foi depositado na Direcção-Geral de Turismo em 17-11-2004 (doc. n.º 7 do apenso conforme alegado pela ré no artigo 122.º da contestação).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>19. </font></b><font>A ré sustentou, na contestação, que não é aplicável no caso&nbsp; o artigo 46.º/10 do Decreto-lei n.º 167/97, de 4 de Julho que aprova o regime jurídico da instalação e do funcionamento dos empreendimentos turísticos porque “ o contrato-promessa […] é muito anterior à elaboração e ao depósito do título constitutivo do aldeamento turístico, razão pela qual ele não foi mencionado naquele documento”.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>20. </font></b><font>Mais tarde, designadamente nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal, a ré sustenta que estamos face a um contrato-promessa nulo, não sendo aplicável por analogia, não permitida no caso, o regime do artigo 410.º/3 do Código Civil que restringe ao promitente comprador, que a não tenha culposamente causado, a invocação de nulidade, não sendo invocável o abuso do direito, tratando-se de nulidades absolutas. Sustenta ainda que o mencionado Decreto-Lei prossegue interesses colectivos de controlo, pela Administração, da qualidade urbanística e turística dos empreendimentos turísticos, objectivo diverso daquele que é prosseguido pelo artigo 410.º/3&nbsp; do Código Civil em que se visa exclusivamente proteger o promitente comprador.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>21. </font></b><font>Verifica-se que no contrato-promessa outorgado se faz referência a empreendimento turístico, o que permite argumentar que o contrato-promessa tinha por objecto um imóvel integrado num conjunto turístico, não podendo, por isso, o promitente comprador invocar desconhecimento do facto nem tão pouco ignorância da lei, atento o disposto no artigo 6.º do Código Civil.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>22. </font></b><font>Ora, tratando-se de um contrato nulo, o Tribunal pode conhecer da nulidade oficiosamente (artigos 285.º e 286.º do Código Civil) e, assim sendo, pouco importa o que o promitente comprador entendeu a este respeito porque a nulidade não pode deixar de ser conhecida e declarada.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>23. </font></b><font>E, tratando-se de nulidade absoluta, salienta ainda o recorrente, o abuso do direito é ininvocável por se dever seguir o princípio da inalegabilidade das nulidades formais.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>24. </font></b><font>Argumentar-se-á contra isto, e foi&nbsp; esse o caminho percorrido nas instâncias, que o reconhecimento dessa nulidade importa um manifesto abuso do direito porque foi causada pelo promitente vendedor que se aproveitou do contrato-promessa, recebendo as quantias a título de sinal e de reforço do sinal, criando a confiança na validade do contrato para agora, anos volvidos, pretender aproveitar-se dessa nulidade para se livrar da sanção do pagamento do sinal em dobro por incumprimento definitivo que é da sua inteira responsabilidade.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>25. </font></b><font>Dir-se-á então que ao promitente vendedor vale a pena&nbsp; outorgar contratos-promessa de compra e venda nulos pois, em caso de incumprimento que lhe seja imputável, a declaração de nulidade beneficiá-lo-á e, ainda que não haja incumprimento, poderá sempre invocá-la, chamando a atenção para a omissão da referida formalidade prescrita na lei, livrando-se inclusivamente do risco de outorgar contratos definitivos pelo preço estipulado num momento em que comercialmente lhe advém vantagem. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>26. </font></b><font>Tudo afinal se reconduz a ponderar quem pode tirar proveito de uma ilegalidade, ponderação em que entram em jogo factores extra-jurídicos aos quais o direito seria indiferente, pois estas são as consequências sempre possíveis decorrentes de nulidade substantiva. O interesse da lei é o de não permitir que um contrato possa ser tratado como válido quando a opção legal foi a da sua invalidade, sendo irrelevante que essa situação possa trazer, fora dos limites consagrados na própria lei, algum proveito a qualquer das partes nele envolvidas. </font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>27. </font></b><font>Esta visão das coisas não tem merecido acolhimento.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>28. </font></b><font>Assim, e sem se pôr em causa que o artigo 289.º do Código Civil constitui um obstáculo a que, por via do reconhecimento do excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, se obtenham os efeitos procurados pelo acto nulo, reconhece-se que “ o exercício&nbsp; de um direito que implique a alegação de nulidade formal pode ser abusivo, incorrendo o titular exercente, em abuso, “ em previsões de indemnização ou outras, consoante os efeitos práticos a ponderar” (Menezes Cordeiro, </font><i><font>Da Boa Fé no Direito Civil</font></i><font>, 1997, pág. 795). Defende-se que “ não podem, à face do direito português, manter-se, por via directa da boa fé, os efeitos falhadamente procurados pelo acto nulo”, mas sustenta-se que “ quando uma situação de invalidade seja considerada de origem censurável por, na sua génese, ter havido uma actuação contrária a regras jurídicas, incluindo a própria boa fé, altura em que ocorre a </font><i><font>culpa in contrahendo</font></i><font>, podem, com facilidade, constituir-se os pressupostos da responsabilidade civil: o dano - e não a sua imputação - tomaria corpo aquando da alegação da nulidade ou do seu próprio reconhecimento, por ofício, pelo tribunal. Tem, então, cabimento o arbitrar uma indemnização em espécie - artigo 562.º e 566.º/1 </font><i><font>a contrario</font></i><font> - que, procurando reconstituir&nbsp; a situação a que se teria chegado se não tivesse havido prevaricação, corresponda, materialmente, ao cumprimento do contrato nulo, mediante a contraprestação acordada, devida&nbsp; agora a título de compensação necessária para evitar enriquecimentos indevidos. Em termos de mera descrição, o tribunal, embora adstrito às regras plenas da nulidade, tem a possibilidade de, a título indemnizatório, determinar o acatamento do contrato. As obrigações derivadas têm ,no entanto, origem na situação de responsabilidade civil e não no contrato viciado, assumindo, por isso, natureza legal. O seu regime, no que não tenha sido inflectido pela sentença condenatória, pauta-se pelo do contrato fracassado, pois essa é a medida exacta do dano a ressarcir” (</font><i><font>loc cit</font></i><font>, pág. 796).</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>29. </font></b><font>A violação das regras de boa fé, de forma manifesta, expressão legal que há-de sempre assentar em factos evidenciados nos autos, levará o julgador à atribuição de um valor ressarcitório que corresponderá àquele que a própria lei (ou as próprias partes, quando for o caso) considerou como o valor sancionatório adequado salvo se existirem razões para a sua redução equitativa, situando-se sempre o Tribunal num plano de qualificação (artigo 664.º do C.P.C.) e de oficiosidade porque é ainda o reconhecimento da situação abusiva que fundamenta uma atribuição indemnizatória.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>30. </font></b><font>A jurisprudência deste Tribunal vem acentuando que em situações excepcionais, designadamente quando não esteja em causa, na previsão legal, a defesa do interesse público, possa o abuso do direito implicar que os efeitos visados pelo negócio nulo não sejam proscritos, reconduzindo-os, assim aos próprios termos negociais; este entendimento justifica-se, por exemplo, quando o negócio foi cumprido pelas próprias partes, como se válido fosse, durante largo período de tempo, não existindo razão para destruir efeitos já produzidos e obstar inclusivamente à produção de efeitos sequenciais, tudo traduzindo expressão da tutela da confiança:&nbsp; ver Ac. do S.T.J. de 18-12-2003 (Pinto Monteiro) revista n.º 2990/03,&nbsp; Ac. do S.T.J. de 2-11-2004 (Azevedo Ramos) revista n.º 3311/2004, Ac. do S.T.J. de 30-5-2006 (Fernandes Magalhães) revista n.º 1267/2006,&nbsp; Ac. do S.T.J. de 29-4-2008 (João Camilo) revista n.º 978/2008, Ac. do S.T.J. de 9-9-2008 (Fonseca Ramos) (P. 2123/2008), Ac. do S.T.J. de 11-9-2008 (Mota Miranda) revista n.º 2019/2008.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>31. </font></b><font>O Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho&nbsp; instituiu um regime que procura assegurar e defender a&nbsp; qualidade da oferta turística. Esse diploma, tal como consta do respectivo preâmbulo,&nbsp; torna o promotor o primeiro responsável pelo cumprimento das regras respeitantes aos empreendimentos, “pois esse cumprimento só será avaliado para efeitos de classificação e não da entrada em funcionamento do empreendimento”.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>32. </font></b><font>Os empreendimentos turísticos, de acordo com o artigo 1.º /1 desse diploma, “ são os estabelecimentos que se destinam a prestar&nbsp; serviços de alojamento temporário, restauração ou animação de turistas, dispondo para o seu funcionamento de um adequado conjunto de estruturas, equipamentos e serviços complementares”.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>33. </font></b><font>Os empreendimentos turísticos conforme artigo 1.º/2,&nbsp; podem ser integrados num dos seguintes tipos:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>a) Estabelecimentos hoteleiros</font> </p><p><font>b) Meios complementares de alojamento turístico</font> </p><p><font>c) Parques de campismo públicos</font> </p><p><font>d) Conjuntos turísticos</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>34. </font></b><font>No contrato-promessa referencia-se efectivamente que o lote de terreno para construção de moradia integra um processo de loteamento que corresponde a um empreendimento turístico, mas dele não consta, nem resulta dos autos, que outra informação tivesse sido fornecida ao promitente comprador, associando designadamente o contrato-promessa ao mencionado diploma ou indicando que a moradia se insere num conjunto turístico, o que obrigaria, por força do disposto no artigo 6.º do mencionado DL 167/1997, sob a epígrafe, “ conjuntos turísticos” a declarar que&nbsp; a moradia fazia parte de um espaço demarcado, com instalações funcionalmente interdependentes, integrando ainda, para além de estabelecimentos hoteleiros&nbsp; e/ou alojamento turístico destinado a proporcionar, mediante remuneração, alojamento temporário, estabelecimentos de restauração e de bebidas e, pelo menos um estabelecimento, iniciativa, projecto ou actividade declarados com interesse para o turismo.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>35. </font></b><font>Por isso, afigura-se abusivo e excessivo querer extrair daquela singela referência a ideia de que, quando foi outorgado o contrato-promessa, o promitente comprador e porventura o próprio promitente vendedor, mas muito particularmente o primeiro, tinham em vista o empreendimento turístico a que alude o mencionado diploma, não se podendo excluir que só num momento ulterior é que tal finalidade ficou definida até porque é omisso quanto à finalidade do empreendimento o alvará de construção que foi emitido em 27-6-2003.</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><b><font>36. </font></b><font>O artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 167/97, de 4 de Julho na sua versão original, aplicável ao caso, prescreve no n.º 2, 3, 4 e 8 o seguinte:</font> </p><p><font>&nbsp;</font> </p><p><font>2- A entidade titular&nbsp; da licença de utilização turística do empreendimento ou, se essa ainda não tiver sido emitida, da licença de construção deve elaborar um título constitutivo da composição do empreendimento no qual são especificados obrigatoriamente:</font> </p><p><font>a) As várias fracções imobiliárias que o integram, por forma que fiquem perfeitamente individualizadas</font> </p><p><font>b) O valor relativo de cada fracção imobiliária, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do empreendimento, nos termos a estabelecer em regulamento</font> </p><p><font>c) a menção do fim a que se destina cada uma das fracções imobiliárias;</font> </p><p><font>d)&nbsp; A identificação das instalações e equipamentos comuns do empreendimento;</font> </p><p><font>e) A indicação dos serviços de utilização de uso comum;</font> </p><p><font>f) A indicação das instalações, equipamentos e serviços de exploração turística;</font> </p><p><font>g) As infra-estruturas urbanísticas e a referência ao respectivo contrato de urbanização, quando for caso disso;</font> </p><p><font>h) Os meios de resolução dos conflitos de interesses.</font> </p><p><font>3- Do título previsto no número anterior deve ainda fazer parte um regulamento de administração do empreendimento relativo, designadamente, à conservação e à fruição das instalações e equipamentos comuns.</font> </p><p><font>4- O título previsto no n.º2 deve ser depositado na Direcção-Geral de Turismo antes da celebração de qualquer contrato de transmissão , ou contrato-promessa de transmissão, das fracções imobiliárias que integram o empreendimento.</font> </p><p><font>8- A existência de título depositado nos termos do n.º4 deve ser obrigatoriamente mencionada&nbsp; nos contratos de transmissão , ou nos contratos-&nbsp;promessa de transmissão, sob qualquer forma, de direitos relativos às fracções imobiliárias que integram o empreendimento, sob pena de nulidade dos mesmos</fon
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. "A" e B instauraram no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos acção declarativa de condenação com processo sumário contra o C, com Delegação no Porto, na Rua Júlio Dinis nº ....andar, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de seis milhões de escudos (Esc. 6.000.000$00) a título de indemnização pelos danos sofridos pelo seu pai D, falecido em consequência do acidente de viação a que os autos se referem, quantia essa acrescida dos juros vincendos, a contar da data da citação, à taxa legal, acrescida da quantia de Esc. 375.000$00, a título de despesas que suportaram com o seu funeral, além de uma quantia de Esc. 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), para cada um dos autores, a título de indemnização pelos danos morais que eles próprios sofreram com a morte do pai, quantia essa a acrescer de juros, à taxa legal, desde a citação.</font><br> <font>Para fundamentar tal pedido alegaram os autores que o referido D, de quem são únicos herdeiros, foi atropelado mortalmente por um veículo cujo condutor se pôs em fuga, não sendo identificado, o qual foi o único responsável pela ocorrência deste acidente. Pretendem a indemnização pelos danos sofridos pela vítima e por si próprios.</font><br> <br> <font>O Réu C, contestou arguindo a prescrição do direito que os autores pretendem exercer, por terem decorrido mais de três anos desde a data do acidente. Em qualquer caso, alegou desconhecer as consequências, digo alegou desconhecer as circunstâncias do acidente descrito pelos autores.</font><br> <br> <font>Em sede de audiência de julgamento os autores reduziram o pedido no que respeita às despesas de funeral, para 732,23 Euros e aumentaram-no no que respeita aos danos sofridos pelo falecido D, para a quantia de 40.000 Euros.</font><br> <br> <font>Finalmente foi proferida a sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o Réu C, a pagar aos Autores as quantias de 732,23 Euros, a título de indemnização pelas despesas de funeral que suportaram, a pagar a cada um deles a quantia de cinco mil Euros (€ 5.000) a título de indemnização pelos danos morais próprios e a pagar-lhes e conjunto, a quantia de dezanove mil Euros (€ 19.000) a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima.</font><br> <font>E mais se decidiu na mesma sentença que a estes valores de 5.000, 5.000 e 19.000 Euros, num total de 29.000 Euros acrescerão juros a contar à taxa anual de sete por cento (7%), desde a data da citação, até integral pagamento.</font><br> <font>No mais foi a acção julgada não provada e improcedente, absolvendo-se o réu no pedido contra si formulado.</font><br> <font> </font><br> <font>Inconformados com esta sentença dela vieram recorrer os Autores A e B, para o Tribunal da Relação do Porto, tendo este Tribunal Superior decidido, revogar em parte a decisão recorrida, condenando o Réu C a pagar aos Autores as quantias de 732,23 Euros, a título de indemnização pelas despesas de funeral que suportaram, e a pagar a cada um dos Autores a quantia de cinco mil Euros (€ 5.000) a título de indemnização pelos danos morais próprios e a pagar-lhes, em conjunto, a quantia de trinta e seis mil Euros (€ 36.000) a título de indemnização pelos danos morais sofridos pela vítima.</font><br> <br> <font>A esses valores de 5.000 Euros., 5.000 Euros e 36.000 Euros, num total de 46.000 Euros, acresceriam juros à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento.</font><br> <font>Inconformado com o assim decidido, o C veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua alegação pela seguinte forma:</font><br> <br> <font>1ª - O presente recurso funda-se na fixação do valor indemnizatório fixado para o dano morte no montante de € 35.000,00, revogando assim a decisão de 1ª instância que fixou o valor em € 18.000,00;</font><br> <font>2ª - A jurisprudência tem vindo a avaliar o dano socorrendo-se, nomeadamente do critério proposto por E, aflora trêspontos de vista, a saber: vida na função normal que desempenha na vida e na sociedade, vida no papel excepcional que desempenha na sociedade e vida sem qualquer função específica na sociedade mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte.</font><br> <font>3ª - Ora, deveria o Tribunal recorrido ter presente que a vítima, tinha à data do acidente 80 anos, nada constando sobre a actividade profissional do lesado, os seus projectos de futuro, sendo que se presume estar reformado e sem filhos e pessoas a seu cargo.</font><br> <font>4ª - Ora, pode considerar-se que a situação presente na normalidade do acontecer, não se assinalando especificações e predicados fora do normal.</font><br> <font>5ª - E como refere na sentença de 1ª instância: Se é certo que não pode daí concluir-se que a sua própria vida valia, para a vítima, menos do que a vida vale para uma pessoa de 30 anos, o que é igualmente certo é que, em atenção a essa idade, era seguramente condicionada por ela a perspectiva de vida da vítima, bem como em condições de normalidade, condicionadas eram as utilidades e prazeres que a continuação da vida lhe proporcionariam.</font><br> <font>6ª - Ora, o Tribunal recorrido deveria decidir com recurso à equidade e atender a um critério lapidar: a esperança de vida da vítima mortal que no caso particular era muito ténue e contingente.</font><br> <font>7ª - E é com apelo a esta justiça do caso concreto que se interpõe o presente recurso, pugnando-se pela fixação do valor fixado e 1ª instância: € 18.000,00.</font><br> <font>8ª - Decidindo-se de outra forma, a douta sentença violou, neste particular, designadamente, os art.s 496º, nº 2, 562º e nº 3 do 496º, 566º e 570º, todos do Código Civil.</font><br> <br> <font>Nas contra alegações, os recorridos defendem a manutenção do julgado.</font><br> <br> <font>Forma colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Decidindo.</font><br> <font> </font><br> <font>2. Foi considerada como provada, pelas instâncias, a seguinte factualidade:</font><br> <br> <font>1- Os Autores são filhos de D.</font><br> <font>2- "D" faleceu às 12 horas e 15 minutos do dia 9 de Janeiro de 1996.</font><br> <font>3- "D" à data da sua morte tinha oitenta (80) anos.</font><br> <font>4- No dia 9 de Janeiro de 1996, pelas 6 horas e 20 minutos, na Rua Monte da Mina um veículo de cor vermelha, cuja marca ou matrícula não se consegui anotar, mas que circulava no sobredito arruamento, no sento Senhora da Hora - São Mamede de Infesta, atropelou D, que acabava de atravessar a referida rua, da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do veículo.</font><br> <font>5- Chovia, estando o piso escorregadio.</font><br> <font>6- O local onde o peão foi atropelado era uma recta.</font><br> <font>7- O peão foi dali transportado pela ambulância dos Bombeiros Voluntários de São Mamede de Infesta para o Hospital de São João, onde, em consequência directa das lesões determinadas pelo acidente veio a falecer.</font><br> <font>8- O condutor do veículo atropelante conduziu o mesmo por forma que não evitou embater com ele no peão.</font><br> <font>9- O condutor do veículo poderia avistar o D pelo menos a vinte metros</font><br> <font>10- O "D" já se encontrava praticamente na berma direita atento o sentido do veículo atropelante ali tendo sido colhido.</font><br> <font>11- Em resultado do atropelamento, o peão, D, sofreu várias lesões traumáticas. Tendo sido objecto de várias intervenções cirúrgicas. O sinistrado esteve em coma. O "D" veio a falecer em consequência das lesões resultantes do atropelamento.</font><br> <font>12- A morte não foi instantânea, já que a vítima veio falecer pelas 12 horas e 15 minutos do dia 9 de Janeiro de 1996.</font><br> <font>13- O "D" sofreu dores em razão das lesões que lhe foram provocadas.</font><br> <font>14- Os autores, filhos do falecido, mantinham com o seu pai um bom relacionamento, caracterizado por grande ternura, de bom entendimento.</font><br> <font>15- Sofreram fortemente com o atropelamento, mais particularmente com as consequências do mesmo, ou seja, com o desaparecimento do D, que para eles significou um forte abalo.</font><br> <font>16- Os Autores custearam o funeral do seu pai, no que gastaram Esc. 146.800$00.</font><br> <br> <font>3. - Análise do objecto -</font><br> <br> <font>É sabido que a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto representem corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal "ad quem" possa ou deva conhecer ex offício.</font><br> <font>De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal "a quo", além de que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito - de todas as "questões" suscitadas com relevância para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.</font><br> <br> <font>Posto isto, vejamos.</font><br> <font>Verifica-se, pois, que a revista ora em apreço se encontra extremamente circunscrita, já que radica tão só no montante indemnizatório fixado aos recorridos para o dano morte no montante de € 35.000.00, fixado à vítima, seu pai, que à data da morte tinha 80 anos de idade.</font><br> <font>O recorrente sufraga-se, fundamentalmente na sentença proferida em 1ª Instância, onde se exarou que.</font><br> <font>"Se é certo que não pode daí concluir-se que a sua própria vida valia, para a vítima, menos do que a vida vale para uma pessoa de 30 anos, o que é igualmente certo é que, em atenção a essa idade, era seguramente condicionada por ela a perspectiva de vida da vítima, bem como em condições de normalidade, condicionadas eram as utilidades e prazeres que a continuação da vida lhe proporcionariam".</font><br> <br> <font>Determina o art. 496º, nº 1, do C. Civil que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Estabelecendo o nº 3 do mesmo preceito que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.</font><br> <br> <font>Pode, por isso, dizer-se que "a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada: por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente" (1).</font><br> <br> <font>Mas, além desse carácter sancionatório - que de modo especial releva in casu atenta a culpa exclusiva do lesante - o objectivo da reparação dos danos morais é o de proporcionar ao lesado, através do recurso à equidade, "uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter prazeres ou distracções - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem a sua dor: não consiste num "pretium doloris", mas antes numa "compensatio doloris".</font><br> <font>E, sobretudo, na fixação do montante dos danos patrimoniais - entendia esta indemnização como compensação destinada a facultar aos lesados uma importância em dinheiro apta a proporcionar-lhes alegrias e satisfações que lhes façam esquecer ou mitigar o sofrimento físico e moral provocado pelo acidente (sofrimento passado, presente e futuro) - deve o julgador recorrer à equidade, tendo em atenção os critérios normativos constantes do art. 494º do C.Civil.</font><br> <br> <font>Em suma, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art.s 496º, nº 3, e 494º acima citados).</font><br> <font>Sendo certo que, "quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal.</font><br> <font>Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo... A equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um elemento essencial da juricidade. ...A equidade é, pois a expressão da justiça num dado caso concreto (2)".</font><br> <br> <font>Segundo Mota Pinto, (3) os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis; não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um "preço de dor" ou um "preço de sangue", mas de proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem ideal.</font><br> <font>Resulta, assim, que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento do normativo legal que o manda julgar e harmonia com a equidade, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu (4).</font><br> <br> <font>Nesta linha, se compreende que a actividade do juiz no julgamento à luz da equidade, não obstante se veja enformada por uma importante componente subjectiva, não se reconduza ao puro arbítrio.</font><br> <font>Terá, também, de atentar aos valores indemnizatórios que a jurisprudência vai fixando, nomeadamente o S.T.J., como é por demais natural.</font><br> <br> <font>Como ponderar, então, os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, pai dos recorridos, nomeadamente, no que ora nos importa o dano "morte" que a Relação do Porto computou em € 35.000,00?</font><br> <font>Será que a idade da vítima (80 anos) é significativa ou particularmente significativa no seu cálculo?</font><br> <br> <font>Antes, é de salientar, no entanto, que se vem considerando que o direito à vida é um direito de personalidade (art.71º nº1 do C. Civil) cuja violação ilícita não pode deixar de dar lugar à obrigação de indemnizar, nos termos do art. 483º nº 1 do mesmo Código. A obrigação nasce no momento em que o agente inicia a prática do acto ilícito, integrando-se o respectivo direito, desde logo, no património da vítima e assim se transmitindo aos herdeiros a titularidade da indemnização (5).</font><br> <font>Não é a morte, em si, como resultado, que gera a obrigação; é, na fórmula do art. 483º nº 1 do C.Civil, a acção ou omissão que virá a ter como consequência a morte, através de todo o processo que a ela conduz, desde que a acção ou omissão seja reconhecida como ilícita.</font><br> <font>Nesta senda, uma conclusão retirada pelo recorrente pode, desde já, ser refutada - a idade da vítima, no caso por ter 80 anos, - não pode conduzir a que o cômputo da respectiva indemnização seja inferior ao encontrado, no caso da mesma vítima ser mais jovem.</font><br> <font>Afigura-se-nos que assim não é porquanto a idade da vítima, embora possa integrar a previsão constante da expressão "demais circunstâncias", a que se referem os artigos 496º nº 3 e 494º do C.Civil, e assim ser mais um factor de que se suportará o juiz a julgar segundo a equidade, não se revela, em si, de decisiva relevância.</font><br> <br> <font>Com efeito, estamos perante uma agressão à vida, qualquer que ela seja, em manifesta violação do direito de personalidade consubstanciado no art. 71º nº1 do mesmo Código, em que a idade releva, apenas e tão somente para se formular um juízo relativo à expectativa de vida, realidade, no entanto, estranha ao tema que nos ocupa.</font><br> <font>Nesta linha, se constata que não procede a revista.</font><br> <br> <font>De igual forma, o montante indemnizatório pelo dano "morte" a que chegou a Relação do Porto - € 35.000,00 - encontra-se, dentro das balizas da jurisprudência que vem sendo sustentada por este Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de danos não patrimoniais no sentido de considerar que a indemnização, ou a compensação, deverá constituir um "lenitivo" para os danos suportados, não devendo, portanto ser "miserabilista" (6); deve ser significativa e equilibrada, sem cair nos extremos - "a sua expressão não deve nem pode ser meramente simbólica, mas também não deve nem pode representar negócio" (7).</font><br> <font>Não merece, consequentemente censura o Acórdão recorrido.</font><br> <br> <font>4. Nestes termos, acordam, no Supremo Tribunal de Justiça, em não conceder a revista, confirmando-se o Acórdão recorrido.</font><br> <font>Custas pelo recorrente.</font><br> <br> <font>Lisboa, 7 de Fevereiro de 2006</font><br> <font>Borges Soeiro</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Faria Antunes</font><br> <font>------------------------------------------</font><br> <font>(1) Ac. do S.T.J. de 29.4.2004 (Relator Conselheiro Araújo Barros), in "http:/www.dgsi.pt/jstj., que seguiremos muito de perto.</font><br> <font>(2) Citado Ac. deste Supremo de 29.4.2004.</font><br> <font>(3) In, "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª ed., pag.115.</font><br> <font>(4) Ac. do S.T.J. de 8.6.1999, in "B.M.J" 488º, pag.323.</font><br> <font>(5) Vide, Antunes Varela, in "Das Obrigações, em geral", 3ª ed., vol.I, pag.504.</font><br> <font>(6) Vide, Ac. do S.T.J. de 25.6.2002, in "C: J./S.T.J". 2002, Tomo II, pag. 128.</font><br> <font>(7) Vide, Ac. do S.T.J. de 20.9.2005, in Revista nº 2366/05 - 1ª Secção (Sumários de Acórdãos, pag. 41).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><div><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <font>A) No tribunal de Família e Menores de ..., AA, intentou acção com processo ordinário contra BB, pedindo que fosse proferida sentença equivalente ao negócio de doação.</font><br> <br> <font>Alega que o Réu prometeu a CC doar a quem esta indicasse metade de um prédio urbano, tendo CC indicado a Autora como a beneficiária dessa doação. Como o Réu se recusa agora a efectuar a doação prometida, a Autora pede que o tribunal profira sentença equivalente ao respectivo negócio de doação. </font><br> <br> <font>B) Contestou o Ré afirmando que ião é admissível a execução específica do negócio prometido e que não teve conhecimento da indicação da Autora como beneficiária da promessa, nem da marcação da respectiva escritura e conclui pedindo a improcedência da acção. </font><br> <br> <font>A acção veio a ser julgada improcedente.</font><br> <br> <font>C) Inconformada com tal decisão dela apelou a Autora, mas sem êxito.</font><br> <br> <font>Recorre agora de Revista, concluindo assim:</font><br> <br> <font>a) O art. 949° nº 1 do Código Civil, invocado pelo douto aresto recorrido no sentido de não considerar válida a promessa de doação assumida pelo Réu, tão somente proíbe que alguém atribua, por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário; </font><br> <br> <font>b) Sendo o mandato o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outrem (art. 1157° do Código Civil) e não intervindo no documento da alínea B) dos factos assentes, a pessoa a quem o Réu conferiu a possibilidade de indicar a pessoa do donatário, a hipótese dos autos não cai na previsão do art. 949° nº 1 do Código Civil; </font><br> <br> <font>c) O referido documento apenas consiste numa promessa unilateral de doação através da qual o Réu confere a outrem a possibilidade de nomear o respectivo beneficiário, o que tem acolhimento nos art°s 452° e seguintes do Código Civil; </font><br> <br> <font>d) E nada obsta à exequibilidade específica de promessa de doação em que o próprio autor da promessa declarou e aceitou expressamente tal possibilidade, como sucedeu in casu; </font><br> <br> <font>e) Deverá, pois, ter-se como válida a obrigação assumida pelo R, no documento da alínea B) dos FA e a possibilidade da respectiva execução específica, imputando-se, consequentemente, ao douto acórdão recorrido, a violação, por erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art°s 280°, 411°, 452°, 830°, 940° nº 1, 949° e 1157° do ÇC, que se espera sejam interpretados e aplicados nos termos aqui propugnados. </font><br> <br> <font>Nas suas contra – alegações o Réu defende que a Revista deve ser negada.</font><br> <br> <font> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. </font><br> <br> <font>D) Os Factos:</font><br> <br> <font>- Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante apresentação nº. 112, datada de 9 de Setembro de 2002 a aquisição a favor de DD, ora Réu, por partilha em consequência de divórcio, do prédio urbano sito no lote 40 da Rua .... (antiga Rua ... em ..., freguesia de São Domingos de Rana, descrito naquela Conservatória sob o nº 02724/021288 e inscrita na matriz predial urbana da referida freguesia sob o arC 7840 (alínea S dos factos assentes).</font><br> <br> <font>II – Por documento escrito denominado "Promessa unilateral de doação" e datado de 6 de Setembro de 2002, o Réu declarou prometer doar a quem for indicado por CC um meio do prédio identificado em I (alínea B dos factos assentes).</font><br> <br> <font>Ill – No documento aludido em II consta:</font><br> <br> <font>"Esta promessa só se torna eficaz decorridos que sejam 12 meses sobe a presente data.</font><br> <font>Indicado que seja o beneficiário da prometida doação ser-lhe-á licito, em caso de não outorga da respectiva escritura, recorrer á execução específica da presente promessa" (alínea C dos factos assentes).</font><br> <br> <font>IV - CC enviou ao Réu em 5-9-2003 uma carta registada com aviso de recepção que este recebeu em data posterior, com o seguinte conteúdo:</font><br> <font>"Nos termos e para os efeitos da promessa unilateral de doação por si subscrita em 6 de Setembro de 2002, indico-lhe que a doação de --12da moradia sita no lote 40 da Rua ... (antes Rua...), em ..., S. Domingos de Rana, descrito na 1 ° Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº 02724/021288, deverá ser feita a AA, residente no .... Santa Cruz das Flores.</font><br> <font>Os actos de formalização da doação ficarão a cargo do Advogado Sr. Dr. ..., que oportunamente lhe dará conhecimento do local, dia e hora fixados para a escritura pública" (resposta aos quesitos 1° e 2°).</font><br> <font>V – Em 16 de Outubro de 2003, a Autora requereu a notificação judicial avulsa do R. no sentido de lhe dar conhecimento da data, hora e local designados para a escritura (5 de Novembro de 2003, ás 17 horas, no 1 ° Cartório Notarial de Cascais), e por forma a que ele comparecesse no 1 ° Cartório Notarial de Cascais a fim de a outorgar (resposta ao quesito 3°).</font><br> <br> <font>VI - Foi tentada a notificação com hora certa referida em V na morada constante do documento referido II) que é a residência dos pais do Réu, a qual não foi efectuada devido ao Réu não se encontrar presente na hora designada apesar da sua mãe o ter avisado dessa marcação (resposta ao quesito 4°).</font><br> <br> <font>VII – Em 3-11-2003, o mandatário da Autora enviou ao Réu uma carta registada com aviso de recepção que este recebeu, com o seguinte teor, além do mais:</font><br> <br> <font>“... Visando evitar litígios judiciais, entendeu-se marcar nova data para a escritura -20 de Novembro pf, às 17 horas, no referido Cartório –, pelo que pela presente, aviso V.ªExª da referida marcação, devendo no acto declarar que se encontra assegurado o pagamento da dívida hipotecária supra aludida, devendo confirmar-me até ao dia 17 de Novembro p.f. pelas 17 horas, por carta ou telecópia, se comparecerá no dia designado, sem o que o respectivo silêncio será interpretado como recusa de comparência, com as consequências daí decorrentes " (resposta aos quesitos 5° a 8°).</font><br> <font>VIII – Em 19-11-2003, o Réu remeteu ao mandatário da Autora um fax com o seguinte conteúdo:</font><br> <br> <font>"Recebi a sua carta enviada a 3-11-2003 onde refere as preocupações da sua cliente quanto à feitura de uma escritura de promessa de doação da parte que lhe couber após a venda da moradia sita em ......</font><br> <font>Ora como depreendo da sua carta uma ameaça velada de pressão e como na minha boa fé não encontro razões para tal procedimento, é minha opinião não fazer, neste momento, qualquer tipo de escritura ou outros actos, pois que o melhor mesmo será não levantar muitas ondas... " (resposta ao quesito 9°).</font><br> <br> <font>IX – Em consequência do Réu e CC terem simulado a partilha do único bem imóvel que integrava o seu património comum resultante do casamento entretanto dissolvido por divórcio, adjudicando-o ao Réu na totalidade sem contrapartida para evitarem a sua penhora por credores de CC, foi lavrado o documento referido em II) como forma de obrigar o Réu a posteriormente restituir a esta ou a pessoa da confiança desta o direito a metade do referido imóvel de que ela era titular (resposta ao quesito 10°).</font><br> <br> <font>X – O Réu não compareceu no 1 ° Cartório Notarial de Cascais no dia 5 de Novembro de 2003, às 17 horas (alínea D dos factos assentes).</font><br> <br> <font>E) Decidindo:</font><br> <br> <font>Das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o âmbito da sua apreciação, resultam duas questões a resolver, por um lado a de saber se a promessa unilateral de doação para pessoa a nomear é válida e a segunda é a de saber se sendo a mesma válida é possível a execução específica da mesma. Aliás é este o pedido que a Autora formula.</font><br> <font>As decisões das Instâncias são no sentido de que a promessa de doação é nula. Essa nulidade resultaria do facto de a pessoa do donatário vir a ser determinada por outrem que não o doador.</font><br> <font>Partem pois do disposto no Artigo 947 do Código Civil que:</font><br> <br> <font> 1. A doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública.</font><br> <br> <font>2. A doação de coisas móveis não depende de formalidade alguma externa, quando acompanhada de tradição da coisa doada; não sendo acompanhada de tradição da coisa, só pode ser feita por escrito.</font><br> <br> <font>Tem-se discutido na doutrina a admissibilidade do contrato-promessa de doação. Para alguns autores, não seria este um negócio admissível em virtude de, por um lado se pôr em causa o requisito de espontaneidade, que se considera dever presidir à doação e, por outro lado, a ser admissível negócio, ele valeria logo como doação (cf. art. 954. ° c)), não sendo consequentemente, uma verdadeiro contrato-promessa, além de que a promessa de doação poderia pôr em causa a proibição da doação de bens futuro (art. 942).</font><br> <font>A Doutrina tem sido no sentido de que é possível e válida a promessa de doação – cf. Eridano de Abreu, “Da doação de direitos obrigacionais” em Dir 84 (1952), pp. 217-235 (226 e ss.), Vaz Serra “Anotação Ac. STJ 18/5/1976” na RLJ 110 (1977), pp. 207-208 e 211-214, e BMJ 76; Antunes Varel, “Anotação Ac. 16/7/1981”, em RLJ 116 (1983), pp. 30-32 e 57-64 (61 e ss,) Das Obrigações em Geral Vol I 4ª Edição pág 275 e Pires de Lima/Antunes Varela Código Civil Anotado em anotação oa art. 940. °, n.° 9, p. 240. Pronuncia-se também, embora com hesitação, em sentido afirmativo, Ana Prata «O contrato-promessa e o seu regime civil», Coimbra, Almedina, 1995, pp. 305 e ss. (315)</font><br> <font>Na Jurisprudência pode confrontar-se os Acórdão publicados no BMJ 361/ 515 e </font><br> <font>J.R., Ano 13,pág. 537 e C.J., Ano XX, tomo 5, pág. 131.(entre outros)</font><br> <font>Pela validade do contrato promessa de doação pronunciaram-se os Acórdãos de 410/01 da 6ª Secção em que foi Relator o Conselheiro Afonso de Melo; e 407/01 da 1ª Secção em que foi Relator o Conselheiro Pinto Monteiro; BMJ 309/283, este comentado por Antunes Varela na RLJ ano 116 página 61 e seguintes onde se afirma:</font><br> <font>«Que, sendo uma atribuição solvendi causa “o contrato prometido não representa uma segunda doação, mas não pode deixar de ser considerado uma disposição (ou atribuição) gratuita feita pelo disponente a favor do beneficiário, visto ser efectuado sem nenhum correspectivo ou contraprestação por parte deste”. Mas, “o facto de o contrato prometido (…) não constituir em si mesmo uma doação (por falta do espírito de liberalidade, próprio da disposição donandi causa), não impede que ele integre uma doação, visto que a sua causa (a relação jurídica subjacente) está no contrato-promessa marcada por esse espírito de liberalidade’’. </font><br> <font>Podemos assim concluir que é válida a promessa de doação.</font><br> <font>Mas uma coisa é a validade da doação e outra é a de saber se a mesma é passível de execução específica, como determina o Artigo 830 do Código Civil.</font><br> <font>Efectivamente no sentido da não execução específica da promessa de doação válida é unânime a Doutrina e a Jurisprudência, argumentando-se que « a sua natureza justifica que as partes conservem a possibilidade de desistir do contrato definitivo até à celebração deste, embora incorrendo em responsabilidade pelo incumprimento do contrato promessa» —- M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 279; ver também o que escreveu na RLJ, ano 118, págs. 24 e Seg. No mesmo sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pág. 286. Pode pois também concluir-se que a natureza da obrigação assumida pelo promitente opõe se pela sua á natureza á execução específica.</font><br> <font>Se o contrato promessa dos autos fosse válido, nunca o pedido formulado pela Autora poderia proceder, uma vez que se pede que seja proferida sentença que produza os efeitos do contrato prometido ou seja, pede-se a execução específica do contrato.</font><br> <br> <font>No caso em apreço a promessa de doação tem uma nuance que tem que ser analisada, da mesma não consta o nome do donatário, atribuindo-se a uma pessoa a possibilidade de a vir a indicar.</font><br> <font>Prescreve o Artigo 949 do Código Civil que:</font><br> <br> <font>1. Não é permitido atribuir a outrem, por mandato, a faculdade de designar a pessoa do donatário ou determinar o objecto da doação salvo nos casos previstos no n.º 2 do artigo 2182. ° </font><br> <br> <font>2. Os representantes legais dos incapazes não podem fazer doações em nome destes. </font><br> <br> <font>«Repugna á natureza pessoal da doação e ao espírito de liberalidade que a caracteriza, que a determinação do donatário seja confiada a um terceiro, assim como o requisito do animus donandi justifica em princípio a nulidade da cláusula que remeta a um terceiro a determinação do objecto da doação.» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.II, pág. 271 (3ª ed.).</font><br> <font>No caso dos autos essa incumbência foi atribuída a terceiros, pelo que a promessa de doação tem que se considerar nula e de nenhum efeito.</font><br> <font>E nem se argumente, como faz a recorrente que face ao disposto no Artigo 452 do Código Civil tal é permitido.</font><br> <font>Efectivamente esse preceito afirma:</font><br> <br> <font>1. Ao celebrar o contrato, pode uma das partes reservar o direito de nomear um terceiro que adquira os assuma as obrigações provenientes desse contrato.</font><br> <font>Mas logo de seguida, o seu n.º 2 refere que:</font><br> <font>2, A reserva de nomeação não é possível nos casos era que não é admitida a representação ou é indispensável a determinação dos contraentes. </font><br> <font>Anotando este número dois – Código Civil Anotado pág 434 Pires de Lima/ Antunes Varela – ensinam que «Nos termos do n° 2 deste artigo, não é possível a reserva de nomeação, se desde logo se deve conhecer o contraente ou se não é admitida a representação. Não é por exemplo, de admitir a reserva no contrato de doação pelo menos em relação ao donatário. Este há-de ser desde logo conhecido sob pena de não ter sentido a liberalidade».</font><br> <font>Ao contrário do que afirma a recorrente, a doação é nula, como bem defenderam as Instâncias, porquanto a pessoa do donatário tem que ser conhecida e por outro lado a lei proíbe a reserva de nomeação, entre outros nos casos em que é indispensável a determinação dos contraentes. Ora na doação que a pessoa do doador quer a pessoa do donatário têm que estar determinadas, com se deixou explicado e dito.</font><br> <br> <font>F) Face ao exposto acorda-se em negar a Revista.</font><br> <font> Custas pela recorrente.</font><br> <br> <font> Lisboa, 21 de Novembro 2006</font><br> <br> <font>Ribeiro de Almeida (Relator)</font><br> <font>Nuno Cameira</font><br> <font>Sousa Leite</font><br> </font>
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FDLRu4YBgYBz1XKvt0N7
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <font> AA BANK ..., BB, SA e CC, SA, requereram procedimento cautelar contra DD LDA, pedindo, ao abrigo dos artºs 15º e segs. do DL nº 54/75, de 12/2, a imediata apreensão e entrega dos automóveis que indicaram, e respectivos documentos, respectivamente às 2ª e 3ª requerentes, e que se nomeie a 1ª requerente fiel depositária de tais veículos.</font><br> <font> Alegaram que as 2ª e 3ª requerentes venderam à requerida os aludidos veículos, a prestações e com reserva de propriedade a favor destas até estarem pagas as prestações dos financiamentos para o efeito feitos pela 1ª recorrente, tendo a requerida deixado de pagar as prestações dos financiamentos, não obstante ter sido interpelada para pôr fim à mora, incumprindo assim os contratos de financiamento.</font><br> <font> Na 1ª instância a 1ª requerente foi julgada parte ilegítima – </font><i><font>com absolvição da requerida da instância quanto ao respectivo pedido</font></i><font> – por não ser titular da inscrição da reserva de propriedade dos veículos, e a pretensão das demais requerentes foi julgada improcedente por não serem partes nos contratos de financiamento, e as reservas de propriedade garantirem apenas o cumprimento das obrigações resultantes destes contratos, de que a providência cautelar é dependência.</font><br> <font> As requerentes recorreram de agravo para a Relação de Lisboa, que confirmou o decidido.</font><br> <font> Novamente inconformadas, interpuseram recurso de agravo em 2ª instância, dizendo no requerimento de interposição haver contradição entre o acórdão recorrido e os acórdãos da Relação de Lisboa, datados de 18.1.1999, 13.2.2003 e 20.10.2005.</font><br> <font>Alegando, concluíram:</font><br> <font>A. As Agravantes BB, SA e CC, SA, venderam e a Agravante AA BANK ... financiou a Agravada, com reserva de propriedade e a prestações, os veículos automóveis de marca Ford, modelo Focus, com a matrícula 00-00-00 e de marca Ford, modelo Transit 190, com a matrícula 00-00-00, financiamentos esses, pelos montantes de € 26.585,40 e € 16.832,40, formalizados nos Contratos de Financiamento para Aquisição a Crédito celebrados entre a Agravante AA BANK ... e a Agravada, juntos sob os doc. 1 e 5 ao requerimento inicial da providência cautelar.</font><br> <font>Urge decidir, colhidos que foram já os vistos legais.</font><br> <font> Os factos a atender são os indiciariamente considerados provados no acórdão recorrido, para os quais se remete nos termos dos artºs 713º, nº 6, </font><i><font>ex vi </font></i><font>artºs 749º e 762º, nº 1 do CPC.</font><br> <font> Perante esse circunstancialismo, concordou a Relação inteiramente com a decisão da 1ª instância e respectiva fundamentação (i) de que a 1ª requerente é parte ilegítima por não ser titular da inscrição da reserva de propriedade dos veículos, (ii) e de que a pretensão das demais requerentes improcede por não serem partes nos contratos de financiamento e as reservas de propriedade garantirem apenas o cumprimento das obrigações resultantes destes contratos, de que o procedimento cautelar é dependência.</font><br> <font> Segundo a Relação (com um voto de vencido), a 1ª requerente, entidade financiadora das aquisições dos carros a crédito, não tem direito a recorrer à providência cautelar de apreensão dos veículos, prevista pelo DL nº 54/75, de 12/2, apesar do incumprimento contratual dos contratos de financiamento, pela devedora (a requerida), por não ter inscrita a seu favor a reserva de propriedade sobre os veículos adquiridos por esta última, e, também segundo a Relação, as vendedoras (as 2ª e 3ª requerentes) com reserva de propriedade sobre os veículos vendidos à requerida e titulares do respectivo registo não podem requerer a dita providência cautelar por terem a totalidade dos créditos respeitantes a tais vendas satisfeitos.</font><br> <font> Vejamos.</font><br> <font>A requerida comprou um veículo automóvel à 2ª requerente, e outro à 3ª requerente, tendo estas recebido os respectivos preços, na íntegra, mediante a entrega dos respectivos quantitativos que a 1ª requerente fez ao abrigo dos contratos de financiamento para aquisição a crédito (nos termos do DL nº 359/91, de 21/9) celebrados com a requerida.</font><br> <font> Para garantia do pagamento desses financiamentos, pela compradora (a requerida), as alienações foram feitas com reserva de propriedade a favor das vendedoras (2ª e 3ª requerentes), até que a requerida liquidasse a totalidade das prestações dos financiamentos contraídos junto da 1ª requerente, reserva essa que as vendedoras registaram.</font><br> <font> Mercê da reserva da propriedade, as vendas não operaram a transferência imediata do direito de propriedade para a requerida.</font><br> <font> Ficou ajustado o efeito diferido da transferência do direito de propriedade, dependendo tal transferência, não do pagamento do preço às vendedoras (pois estas receberam-no integralmente), mas da verificação da condição suspensiva do pagamento integral, pela requerida, dos financiamentos que lhe foram concedidos pela 1ª requerente, condição suspensiva lícita à luz do segmento final do nº 1 do artº 409º da lei substantiva. </font><br> <font> Na verdade, não obstante as vendedoras terem recebido a totalidade do preço da venda dos veículos automóveis, nada obstava à reserva da propriedade visto o artº 409º, nº 1 do CC dizer que </font><i><font>«Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte </font></i><i><u><font>ou até à verificação de qualquer outro evento</font></u></i><i><font>…»</font></i><font> (sublinhado nosso).</font><br> <font> Ora, como reza o nº 1 artº 15º do DL nº 54/75, de 12/2, </font><i><font>«…não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, o titular dos respectivos registos pode requerer em juízo a apreensão do veículo e dos documentos…».</font></i><br> <i><font> </font></i><font>Portanto, a requerida não cumpriu a obrigação de pagar as prestações dos contratos de financiamento, vencendo-se imediata e automaticamente todas as prestações em dívida, e dado que não cumpriu as obrigações que originaram a reserva de propriedade, podem as 2ª e 3ª requerentes pedir, como pediram, a apreensão dos veículos e respectivos documentos </font><i><font>(cláusula C dos contratos de financiamento e artºs 781º e 934º do CC e 15º, nº 1 do DL 54/75).</font></i><br> <i><font> </font></i><font>A circunstância de as vendedoras terem já recebido o preço integral das vendas não impede que tal pedido seja deferido, tanto mais que a requerida se vinculou a não levantar obstáculos à actuação das requerentes vendedoras, </font><u><font>ainda que actuando estas no interesse da financiadora</font></u><font> </font><i><font>(clásusula A. das condições gerais dos contratos).</font></i><br> <font>As 2ª e 3ª requerentes reúnem todos os requisitos para o exercício de que depende a concessão da providência cautelar requerida, pois: (i) têm reservada a seu favor a propriedade dos veículos até à data em que forem pagas todas as prestações à 1ª requerente; (ii) a requerida deixou de pagar as referidas prestações, sendo o montante das prestações vencidas e não pagas superior à oitava parte do preço; (iii) a requerida foi interpelada para pôr termo à mora no prazo de oito dias, razoável para o efeito, o que não fez.</font><br> <font>Nem o citado artº 15º, nº 1 exige que se achem confundidas na mesma esfera jurídica a posição do credor e a de reservatário, podendo aplicar-se para satisfação de um crédito de terceiro que não o do reservatário.</font><br> <font>Não sendo as 2ª e 3ª requerentes credoras da requerida, não constitui todavia qualquer óbice a circunstância de na parte inicial do nº 1 do artº 18º do DL nº 54/75 se dizer que dentro de quinze dias a contar da data da apreensão, o credor deve promover a venda do veículo apreendido…</font><br> <font>Como titulares do registo de reserva de propriedade, terão apenas de cumprir a 2ª parte desse dispositivo legal, ou seja, de propor acção de resolução dos contratos de alienação, dentro do prazo de quinze dias a contar da data da apreensão.</font><br> <font> O que o artº 18º em referência exige é que a requerida não tenha cumprido as obrigações que originaram a reserva de propriedade, e essa exigência mostra-se satisfeita.</font><br> <font>Tendo as 2ª e 3ª requerentes interesse em que a 1ª requerente possa cobrar o montante financiado, uma vez que a subsistência de crédito mal parado poderá ter repercussão negativa no âmbito de futuras propostas de financiamento para aquisição por terceiros de carros que as 2ª e 3ª requerentes tenham para venda.</font><br> <font>Já no concernente à 1ª requerente, não sendo titular dos registos de reserva de propriedade, não pode pedir a apreensão dos veículos e respectivos documentos, porquanto o artº 15º, nº 1, em referência, reserva essa faculdade aos titulares desse registo.</font><br> <font>Concorda-se por conseguinte com o entendimento das instâncias, neste particular.</font><br> <font>Uma derradeira nota, antes de concluir.</font><br> <font>Absolvida a requerida da instância neste procedimento cautelar, no que tange à pretensão deduzida pela 1ª requerente, isso não significa que esta requerente não possa intervir depois na acção principal de que o procedimento cautelar é dependência, coligadamente com as demais requerentes ao abrigo do artº 30º, nº 2 do CPC, visando cobrar os créditos resultantes dos contratos de financiamento.</font><br> <font>Note-se que entre a 1ª requerente, a requerida e as restantes requerentes, foi estabelecido um relacionamento triangular, traduzido na aquisição pela requerida de carros das duas últimas requerentes, mediante financiamentos da 1ª requerente.</font><br> <font>E pode sustentar-se </font><i><font>(na esteira de Inocêncio Galvão Telles, no Manual dos Contratos em Geral, Reprint, LEX, 3ª edição, 1965, págs. 397 e seg.)</font></i><font> que o financiamento pela 1ª requerente e a venda dos carros pelas demais requerentes configurou uma união de contratos com dependência unilateral dos contratos de compra e venda relativamente aos contratos de financiamento, por as partes terem querido a pluralidade de contratos como um todo, como um conjunto económico, dependendo a validade e vigência das alienações dos articulados veículos automóveis da validade e vigência dos contratos de financiamento, atenta a intrínseca relação económica existente, pelo que, a extinguirem-se os contratos de financiamento, extinguem-se também os de compra e venda.</font><br> <font> Por isso, a coligação das três requerentes na possível futura acção será porventura possível ao abrigo do referido artº 30º, nº 2 do CPC, possibilitando se decrete a resolução dos contratos de financiamento e, consequentemente, dos contratos de compra e venda, a contento das três requerentes da presente providência cautelar, cumprindo o direito, por essa forma, as necessidades práticas da vida, seu verdadeiro escopo. </font><br> <font>Termos em que, atento ainda o comando do artº 16º, nº 1 do DL nº 54/75, de 12/2, acordam em </font><font>conceder parcial provimento ao agravo,</font><font> revogando em parte o acórdão recorrido, ordenando a imediata apreensão e entrega do automóvel Ford, modelo Focus GHI, matrícula 00-00-00 e veículo Ford, modelo Transit 190, matrícula 00-00-00, e respectivos documentos, através das autoridades policiais competentes, respectivamente às 2ª e 3ª requerentes, nomeando-se a 1ª requerente, representada por uma das pessoas indicadas no requerimento inicial, como fiel depositária de tais veículos.</font><br> <font>Custas pelas agravantes, vencidas na medida do decaimento quanto à decisão recorrida relativa à 1ª requerente, na proporção de metade. </font><br> <font> </font><br> <font>Lisboa , 12-09-2006</font><br> <br> <font>Faria Antunes (Relator)</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font></font>
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EjK-u4YBgYBz1XKvbjth
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> <br> <font>... - Comércio de Madeiras e seus Derivados, Ldª propôs acção ordinária contra a Companhia de Seguros F...M..., S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 24.349,94, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. </font><br> <font>Alegou danos patrimoniais decorrentes do acidente de viação que descreveu e se traduziu num choque entre vários veículos, um dos quais o veículo matrícula ...-...-RZ, conduzido por AA e na altura propriedade da C... - Banco de Crédito ao Consumo, S.A. com quem a A. tinha celebrado o contrato de locação financeira documentado nos autos. </font><br> <font>Mais alegou a A. que, em 7 de Abril de 2004, usou o direito de compra do referido veículo tendo-a a locadora sub-rogado em todos os direitos que tivesse sobre a ré resultantes do sinistro em discussão nos autos. </font><br> <font>Aduziu, ainda, que à data do acidente se encontrava em vigor o contrato de seguro do ramo automóvel que celebrara com a ré, titulado pela apólice nº ..., pelo qual transferira para esta a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do referido veículo, incluindo danos próprios, existindo franquia contratual (à data 803,06 €) em conformidade com o que consta do doc. de fls. 11-12.</font><br> <font>Sustentou, por fim, que em consequência do acidente, o referido veículo, que tinha o valor venal de 40.135 €, sofreu estragos tendo os salvados o valor de 15.000 €. </font><br> <font>Na contestação a ré, além de se defender por impugnação, invocou como causa de exclusão da obrigação de pagamento, que o condutor do veículo conduzia sob influência do álcool razão pela qual se recusou a submeter-se, de imediato, a exame de pesquisa de álcool no sangue, tendo, devido a tal recusa injustificada, impedido a fiscalização quanto ao cumprimento da obrigação de não condução sob influência do álcool. </font><br> <font>Houve réplica.</font><br> <font>A final foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção invocada pela ré e a acção procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de 24.349,94 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.</font><br> <font>Discordando, a ré apelou para a Relação do Porto, que revogou a sentença, absolvendo-a do pedido.</font><br> <font>Recorre agora a autora de revista, concluindo:</font><br> <font>1º- O contrato de seguro em causa nestes autos está titulado na apólice nº ..., foi celebrado entre a A. e a R. e respeita a danos próprios do veiculo seguro;</font><br> <font>2º- O problema que se discute neste processo é um problema de responsabilidade por alegada falta de cumprimento do contrato, por parte da ré, que se nega a indemnizar os danos sofridos pela viatura RZ no acidente ocorrido em 22/06/2002;</font><br> <font>3º- A ré excepcionou, como justificativo do seu inadimplemento que o respectivo condutor conduzia o RZ sob a influência do álcool o que foi causal do sinistro, em virtude deste se negar a submeter-se ao respectivo teste, o que realmente aconteceu;</font><br> <font>4º- O acórdão recorrido, considerando que a recusa do condutor do RZ a submeter-se ao teste do álcool representa uma violação dos deveres da boa fé, de cooperação que devem presidir e emanam ao contrato de seguro, fez incorrer o condutor "segurado" (?) no artº 344º nº 2 do CC considerando a inversão do ónus da prova em combinação com a clausula 37ª nº 1 al. e) do contrato de seguro e com o artº 516º do CPC como prova de que ele conduzia com álcool;</font><br> <font>5º- Tal decisão assentou, porém, num erro, porquanto o condutor do RZ não é o segurado ou tomador do contrato de seguro em causa, não estando por isso vinculado a qualquer obrigação do contrato de seguro que apenas obriga as partes nela intervenientes;</font><br> <font>6º- Por isso a julgada inversão do ónus da prova é ilegal e viola o artº 342º do CC por errada aplicação do artº 344º nº 2 do mesmo diploma legal;</font><br> <font>7º- Não estando provado nos autos que o condutor do RZ conduzisse influenciado por álcool, nem que este se tenha negado a fazer o teste por ter ingerido álcool, não pode ser equiparada tal atitude à condução sob a influência do álcool;</font><br> <font>8º- Não estando também provado qualquer facto donde possa concluir-se que a A. violou qualquer preceito legal ou dever contratual que sobre si impendesse, nomeadamente interferindo na recusa do condutor do RZ, um terceiro não parte no contrato de seguro, e a quem este não obriga,</font><br> <font>9º- Não se verifica a causa de exclusão do dever de indemnizar invocada pela ré que deve ser condenada a pagar à A. os danos resultantes do acidente dos autos que se acham comprovados;</font><br> <font>10º- O acórdão recorrido violou os artºs 342º do CC todos, aqueles em que se funda a presente acção, tendo aplicado erradamente o artº 344º nº 2 do CC e 516º do CPC, devendo ser revogado, confirmando-se a decisão da 1ª instância.</font><br> <font>Contra - alegou a recorrida F...M..., S.A., pedindo a confirmação do acórdão recorrido.</font><br> <font>Com os vistos, cumpre decidir.</font><br> <font>São os seguintes os factos considerados provados pela Relação:</font><br> <i><font>1. No dia 24 de Junho de 2002, pelas 4 h 10m, na Rua do Amial, no Porto, ocorreu um choque que envolveu os seguintes veículos:</font></i><br> <i><font>- o veículo ligeiro de passageiro, de matrícula ...-... -RZ, propriedade da aqui autora, na altura conduzido por AA;</font></i><br> <i><font>- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula...-...-16, propriedade de BB e na altura conduzido pelo mesmo;</font></i><br> <i><font>- o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CX-...-..., propriedade e na altura conduzido por CC;</font></i><br> <i><font>- e o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...-...-PG, propriedade de DD (A));</font></i><br> <i><font>2. No dia e hora referidos o RZ circulava na Rua da Telheira, no sentido poente - nascente a uma velocidade de não mais de 50 Km/h (B) e 1º e 2º);</font></i><br> <i><font>3. Na altura, a cerca de 100 m do cruzamento com a Rua do Amial, estava colocado na Rua da Telheira, do lado direito, atento o sentido poente -nascente, um sinal de sentido proibido por motivo de obras (C));</font></i><br> <i><font>4. O condutor do RZ passou esse sinal sem dele se aperceber (D));</font></i><br> <i><font>5. Depois de passar o referido sinal, o condutor do RZ seguiu em direcção à Rua do Amial, a velocidade não superior a 50 Km/h (6º);</font></i><br> <i><font>6. Após, deu-se o embate entre os veículos RZ e XH (E) e 5º e 8º);</font></i><br> <i><font>7. Em consequência deste embate o RZ foi projectado contra o PG que se encontrava estacionado do lado direito da Rua Coronel Almeida Valente, atento o sentido nascente - poente (F));</font></i><br> <i><font>8. À data do acidente o valor venal do RZ era de 40.153 € (G));</font></i><br> <i><font>9. Em consequência do acidente o RZ ficou danificado, tendo o mesmo, após o acidente, o valor de 15.000 € (H));</font></i><br> <i><font>10.O agente da PSP que se deslocou ao local do acidente pretendeu submeter o condutor do RZ ao exame da pesquisa de álcool no sangue (I));</font></i><br> <i><font>11.Tal condutor recusou-se a submeter-se ao referido teste, mesmo depois de advertido das consequências legais da sua recusa (J));</font></i><br> <i><font>12.Acabou por ser julgado pelo crime de desobediência no processo nº 207/03.6TPRT da Pequena Instância Criminal do Porto e condenado conforme sentença de que se encontra junta certidão a fls. 33 a 40, cujo teor se dá por reproduzido (K));</font></i><br> <i><font>13.Entre a autora e a C... foi celebrado em 6 de Julho de 2001 o contrato de locação financeira documentado a fls. 6, cujo teor se dá por reproduzido, tendo por objecto o veículo matrícula ...-...-RZ (L));</font></i><br> <i><font>14.Em 7 de Abril de 2004 a autora usou do seu direito de compra antecipada do veículo objecto do referido contrato, tendo-a a locadora sub-rogado em todos os direitos emergentes do mesmo, nomeadamente nos direitos que tenha sobre a ré resultantes do sinistro em discussão nestes autos - doc. de fls. 7 a 10 ( M));</font></i><br> <i><font>15.Dá-se aqui por integralmente reproduzida a declaração junta a fls. 11-12, de 6/7/2001, onde a ré declara que celebrou com a autora um contrato de seguro do ramo automóvel, relativamente ao veículo ligeiro de passageiros marca Mercedes Benz modelo C 220 CDI Station Wagon, de Julho de 2001, com a matrícula ...-...-­RZ, titulado pela apólice nº ... pelo qual esta transferiu para si a responsabilidade civil pelos danos emergentes da circulação do referido veículo, incluindo a de danos próprios no veículo seguro em consequência de choque ou colisão, pelo valor de 57.361,75 €, com a franquia de 1.147,23 € (N));</font></i><br> <i><font>16.Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as condições gerais da apólice juntas a fls. 23 a 32 (O)).</font></i><br> <i><font>Quid iuris?</font></i><br> <font>Ficou provado que o agente da PSP que se deslocou ao local do sinistro pretendeu submeter o condutor do RZ ao exame de pesquisa de álcool no sangue, e que este se recusou a submeter-se a esse teste mesmo depois de advertido das consequências legais da recusa, acabando por ser julgado pelo crime de desobediência e por ser condenado.</font><br> <font>Concluiu a Relação que em consequência dessa conduta a recorrida ficou impossibilitada de provar a alegada condução sob o efeito do álcool por parte daquele condutor, no sentido de tal estado anómalo ter sido causal do acidente.</font><br> <font>E acrescentou a Relação que, impendendo sobre a recorrida o ónus de provar que o condutor estava sob o efeito do álcool no momento do acidente e que este estado foi causal da ocorrência do mesmo, em ordem a excluir a responsabilidade perante o tomador do seguro </font><i><font>(artº 37º, nº 1, e) das Condições Gerais da Apólice),</font></i><font> devido ao descrito circunstancialismo se deu a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº 2 do CC, passando a recair sobre o segurado o encargo de fazer a demonstração de que a condução não estava a ser feita sob influência do álcool, prova que não realizou, tendo por isso de concluir-se, face ao artº 516º do CPC, que essa não prova equivale à admissão processual de que o condutor conduzia sob influência do álcool, o que conduz à exclusão da responsabilidade contratual da recorrida nos termos daquela condição geral, da qual resulta ficarem excluídos da responsabilidade da seguradora os sinistros em que o condutor conduza sob influência do álcool. </font><br> <font>Daí que a Relação tenha julgado a acção improcedente, absolvendo a recorrida do pedido. </font><br> <font>Conclui porém a autora/recorrente que a decisão assentou num erro, por o condutor do RZ não ser o segurado ou tomador do contrato de seguro, não estando por isso vinculado a qualquer obrigação imposta por tal contrato, o qual apenas obrigava as partes, não se verificando consequentemente a inversão do ónus da prova, e, não estando provado que o condutor do RZ conduzia influenciado pelo álcool, nem que se negou a fazer o teste por ter ingerido álcool, não pode a atitude dele ser equiparada à condução sob a influência do álcool, inverificando-se consequentemente a invocada causa de exclusão do dever de indemnizar.</font><br> <font>O recurso não merece provimento.</font><br> <font>Na verdade, provou-se que o veículo ...-...-RZ era conduzido por AA.</font><br> <font>Ora, a procuração que a autora/recorrente juntou aos autos a favor do seu Advogado, a fls. 14, foi outorgada pelos sócios gerentes, um dos quais justamente o referido condutor, que, como se respiga também da proposta do ajuizado contrato de seguro, a fls. 85 vº, foi quem, em 6.7.2001, a assinou na qualidade de gerente da autora/recorrente, assinatura e qualidade que esta não impugnou aquando da junção aos autos desse documento pela recorrida.</font><br> <font>Nesta conformidade, não se pode dizer que o AA, condutor do RZ na altura do sinistro, é um terceiro estranho ao contrato de seguro, para daí concluir que não estava obrigado a proceder de boa fé, a colaborar sujeitando-se a fazer o teste da alcoolémia.</font><br> <font>Era sócio-gerente da autora à data da celebração do contrato de seguro, à data do ajuizado sinistro estradal, e à data da propositura da demanda.</font><br> <font>Fazia e faz parte do órgão de administração e representação da autora/recorrente (artº 252º, nº 1 do CSC), era elemento da própria sociedade, através do qual esta se manifestava (e manifesta), actuava (e actua), devendo praticar os actos necessários ou convenientes para a realização do objecto social (artº 259º do CSC), e os actos por ele praticados em nome da sociedade, dentro dos poderes que a lei confere, vinculavam-na para com terceiros (artº 260º, nº 1 do CSC).</font><br> <font>Ele interveio na formação do contrato de seguro, na indicada qualidade, e tem interesse na coisa segura, pertença da autora, da qual era e é sócio - gerente </font><i><font>(como se constata ainda do documento de fls. 9, por ele também assinado na referida qualidade, com a assinatura notarialmente reconhecida em 8.4.2004).</font></i><br> <font>Encontrava-se por conseguinte vinculado, à data do acidente, a proceder de boa fé para com a recorrida/seguradora, tendo violado o artº 762º, nº 2 do CC, incumprindo o dever acessório de cooperação ao impedir a fiscalização do cumprimento da obrigação contratual de não conduzir sob a influência do álcool.</font><br> <font>Recaindo em princípio sobre a recorrida, para ver a sua responsabilidade afastada, a obrigação de provar que aquele condutor conduzia sob a influência do álcool, a verdade é que, face à recusa do referido condutor em se submeter ao aludido exame, ficou impedida de efectuar essa prova.</font><br> <font>Por isso, bem ajuizou a Relação ao considerar que se deu a inversão do ónus da prova, nos termos do nº 2 do artº 344º do CC, e que, como a prova negativa do facto não foi feita pela recorrente, isso permite concluir, face ao artº 516º do CPC, que o condutor do veículo seguro conduzia sob a influência do álcool, o que conduz à exclusão da responsabilidade da recorrida.</font><br> <font> Tudo visto e ponderado, acordam em </font><b><font>negar a revista</font></b><font>, condenando a recorrente nas custas.</font><br> <br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Novembro de 2007</font><br> <br> <font>Faria Antunes (Relator)</font><br> <font>Moreira AlveS</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <br> <font> </font></font>
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EjK8u4YBgYBz1XKv5Tpn
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1</font><font> – </font><br> <font>AA intentou no Tribunal de Família e Menores de Coimbra acção especial de divórcio litigioso contra sua mulher, BB, com fundamento no disposto na al. b) do art. 1781º do CC (separação de facto por mais de um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro).</font><br> <font>2</font><font> – </font><br> <font>Ainda antes da tentativa de conciliação, a R. deu conhecimento ao Tribunal de Coimbra da pendência de uma outra acção de divórcio por si intentada contra o R. seu marido e pendente no Tribunal Judicial de Viseu, pedindo, por tal facto, que fosse declarada extinta a lide por inutilidade superveniente.</font><br> <font>O A. opôs-se a tal pretensão, mas a mesma foi deferida por despacho proferido pelo Mº Juiz constante de fls. 62.</font><br> <font>Não conformado com tal decisão, o A. agravou, mas sem êxito na medida em que o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou na íntegra o julgado.</font><br> <font>3</font><font> – </font><br> <font>Ainda inconformado, o A. agravou para este STJ fundamentando a sua pretensão não só no facto de a decisão em crise pôr termo ao processo (</font><i><font>cfr</font></i><font>. art. 754º, nº 3 e 734º, nº 1, al. a) do CPC) e ainda em oposição da decisão com acórdão proferido neste STJ (</font><i><font>cfr</font></i><font>. 2ª parte do nº 2 do art. 754º do CPC).</font><br> <font>O recurso acabou por ser admitido com base no 1º argumento invocado (</font><i><font>cfr</font></i><font>. 142).</font><br> <font>O agravante apresentou a respectiva minuta que fechou com a seguinte síntese conclusiva:</font><br> <font>1. Impugna o recorrente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 25 de Setembro de 2007, que confirmou a decisão recorrida ­despacho de fls. 62, datado de 07.02.2007, proferido pelo Mº Juiz do 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra – a qual julgou extinta a instância com fundamento em impossibilidade da lide, nos termos do art. 287°, alínea e) do C.P.C., por considerar verificada a oposição ao decretamento do divórcio prevista na al. b) do art. 1781° do CC. </font><br> <font>2. O recorrente instaurou, em 8.09.2006, no 1º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, a acção de Divórcio nº 735/06.4TMCBR, na qual foi proferido o despacho confirmado pelo acórdão ora recorrido, aí figurando o recorrente como A. e a recorrida como R. e que tem como causa de pedir a separação de facto existente entre os cônjuges há mais de um ano (materialidade subsumível na alínea b) do art. 1781° do CC). </font><br> <font>3. Posteriormente, em 20.11.2006, veio a recorrida instaurar nova acção de divórcio litigioso acção que, com o nº 4687/06.2TBVIS, corre os seus termos no 1° Juízo Cível de Viseu figurando aí o ora recorrente como R. e tendo como causa de pedir a violação culposa dos deveres conjugais por parte deste. </font><br> <font>4. Sucede que, na acção instaurada pelo ora recorrente, veio a recorrida, em 6.12.2006, declarar opor-se a que seja decretado o divórcio. </font><br> <font>5. Ora, ao recorrente afigura-se presente no caso concreto, sem qualquer dúvida, o requisito da alínea b), </font><i><font>in fine</font></i><font>, do art. 1781° do Código Civil, uma vez que não se pode entender existir oposição da recorrida ao divórcio se também ela, no entretanto, pediu o divórcio numa nova acção por si instaurada! </font><br> <font>6. A única forma de a recorrida deduzir oposição ao decretamento do divórcio pedido na acção instaurada pelo recorrente seria a de vir alegar (e posteriormente provar) não se verificar a separação de facto por um ano por aquele invocada ou alegar não ser sua vontade pôr termo à relação conjugal, o que não se verificou no caso </font><i><font>sub judice</font></i><font>, na medida em que ela, por um lado, não colocou em causa a verificação da separação de facto por um ano e, por outro lado, ela própria instaurou acção de divórcio litigioso contra o ora recorrente, assim demonstrando inequivocamente também pretender o decretamento do divórcio. </font><br> <font>7. Nas duas acções de divórcio litigioso que se encontram pendentes ­uma instaurada previamente pelo recorrente e outra instaurada pela recorrida ­ambos os cônjuges formularam o pedido de dissolução do seu casamento. </font><br> <font>8. O requisito de falta de oposição deve entender-se como significando que o cônjuge requerido não se opõe à dissolução do casamento, não pretendendo manter o vínculo conjugal. </font><br> <font>9. Não faz sentido algum a recorrida, por um lado, instaurar acção de divórcio litigioso e, por outro lado, vir deduzir oposição à acção de divórcio previamente instaurada pelo recorrente como se não pretendesse a dissolução do vínculo conjugal! </font><br> <font>10. Tal entendimento é sufragado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.03.2007 (</font><i><font>in</font></i><font> www.dgsi.pt) onde se pode ler: </font><i><font>A modalidade curta da separação de facto (alínea h) do artigo 17810 CC) exige um acordo tácito do demandado que consiste na não oposição ao divórcio. Tal satisfaz-se com o cônjuge faltoso ter pedido também o divórcio, apenas divergindo na imputação da culpa.</font></i><br> <font>11. Ambos os cônjuges, recorrente e recorrida, querem divorciar-se, pondo termo a uma relação irremediavelmente comprometida. </font><br> <font>12. Ao instaurar a referida acção de divórcio litigioso contra o ora recorrente, manifestou a recorrida, inequivocamente, ser seu propósito divorciar-se daquele, razão pela qual não podia depois a recorrida vir opor-se ao divórcio previamente pedido pelo recorrente, sob pena de contrariamente ao entendimento sufragado no douto acórdão recorrido incorrer em abuso de direito, na modalidade de </font><i><font>venire contra factum proprium </font></i><font>(art. 334° do CC). </font><br> <font>13. Por outro lado, também não colhe o argumento de que, embora a recorrida tenha proposto acção de divórcio, é legítima a sua oposição ao divórcio pedido pelo recorrente, por a mesma pretender ver imputada a culpa a este e requerer indemnização, uma vez que, na acção previamente instaurada pelo recorrente, a recorrida poderia ter deduzido pedido reconvencional nesse sentido (</font><i><font>cfr</font></i><font>. arts. 1782°, nº 2 e 1792°, nº 1 do CC). </font><br> <font>14. Assim, o acórdão recorrido fez errada interpretação e aplicação do direito, nomeadamente da norma contida na alínea b) do artigo 1781º do CC, a qual deve ser interpretada no sentido de que a oposição deve entender-se como significando que o cônjuge requerido não aceita a dissolução do casamento por pretender manter o vínculo conjugal. </font><br> <font>15. Pelo exposto, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em sua consequência, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos (acção de Divórcio Litigioso nº 735/06.4TMCBR do 1° Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra) com vista à declaração do divórcio entre recorrente e recorrida com fundamento na separação de facto por um ano (art. 1781°, ai. b) do CC), por se entender que não existe oposição da recorrida, uma vez que esta, ao instaurar acção de divórcio litigioso contra o recorrente, manifestou inequivocamente ser seu propósito divorciar-se daquele e que, por tal razão, ao vir depois opor-se ao divórcio previamente pedido pelo recorrente, incorreu em abuso de direito, na modalidade de </font><i><font>venire contra factum proprium. </font></i><br> <font> </font><font>A recorrida respondeu em defesa do acórdão censurado.</font><br> <br> <font>4</font><font> – </font><br> <font>Cumpre decidir.</font><br> <font>A verdadeira questão que é colocada à nossa consideração é tão-somente esta: saber se instaurada de uma acção de divórcio com base no disposto na al. b) do art. 1781º do CC deve a mesma ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide pelo facto de a R. ter, entretanto, intentado uma outra acção de divórcio com fundamento diferente.</font><br> <font>Ora bem.</font><br> <font>A al. b) do art. 1781º do CC permite que o divórcio seja decretado com base na separação de facto por um ano se o divórcio for requerido por um dos cônjuges sem a oposição do outro.</font><br> <font>Ora, o certo é que o simples facto de a R.-agravada ter instaurado uma outra acção com vista à obtenção do divórcio permite tirar a conclusão de que está de acordo com o aqui A. recorrente quanto ao objectivo, </font><i><font>id est</font></i><font>, com a destruição do vínculo contratual que os une por enquanto.</font><br> <font>A mesma interpretação teria de ser dada caso a R., em vez de intentar num tribunal diferente uma outra acção, viesse a esta acção defendendo-se por via reconvencional, pugnando pelo decretamento do divórcio fosse qual fosse o motivo justificativo.</font><br> <font>Com isto queremos dizer que a notícia que a R. trouxe a estes autos terá de ser interpretada neste sentido, único possível, de que ela está efectivamente de acordo com o divórcio (nesta linha, </font><i><font>vide</font></i><font> o acórdão citado pelo agravante, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas).</font><br> <font>Se o motivo invocado pelo A. separação por um ano corresponde ou não à verdade é cousa que depende da instrução que vier a ser feita face à posição que a R. vier a tomar perante a petição inicial.</font><br> <font>Posto de lado este requisito, de natureza puramente objectiva, dependente de prova a cargo do A., a R. só poderia opor-se ao divórcio com fundamento no preceito legal invocado (art. 1781º, al. b) do CC) se, por qualquer forma, manifestasse intenção de continuação de vida em comum, o que significaria o mesmo que discordância com a posição do A. em relação à relação contratual que os une.</font><br> <font>Ao intentar em Viseu uma outra acção de divórcio, sem dúvida que manifestou a concordância com o objectivo, sendo contudo diferentes as causas.</font><br> <font>Dest’arte, nada justifica que seja decretada a extinção da instância: o A., por força até da posição da R., passou a ter a sua vida processual mais facilitada na medida em que, para almejar o objectivo que persegue, apenas tem de provar que a separação dura há um ano.</font><br> <font>Temos, desta forma, que dar inteira razão ao recorrente no que diz respeito à primeira questão colocada nas conclusões da sua minuta.</font><br> <font>Tudo o mais aí invocado, nomeadamente no que tange à aplicação do instituto do abuso de direito, fica, naturalmente, prejudicado.</font><br> <font>Não há motivo algum que justifique a extinção da instância, pelo que se impõe a continuação da lide em conformidade com a tramitação normal.</font><br> <br> <font>5</font><font> –</font><br> <font>Em conformidade com o exposto e sem necessidade de qualquer outra consideração, dá-se provimento ao agravo e revoga-se a decisão posta em crise.</font><br> <font>Custas pela agravada.</font><br> <br> <font> Lisboa, aos 15 de Janeiro de 2008</font><br> <font> Urbano Dias (relator)</font><br> <font> Paulo Sá</font><br> <font> Mário Cruz</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>I- Relatório</font></b><font>:</font><br> <font> 1-1- </font><b><font>R...G..., Gestão e Exploração de Franquias, SA,</font></b><font> com sede na ..., Lisboa, intentou a presente acção com processo ordinário contra </font><b><font>P... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda.</font></b><font>, com sede na ..., Porto e </font><font>AA, com domicílio na ...., Porto, </font><i><font>pedindo</font></i><font> a condenação solidária dos RR., a pagar-lhe a quantia de € 5.188,75, sendo € 4.995,00 devidos a título de «royalties» e de contribuições para o FNP, relativos aos meses de Maio, Junho e Julho de 2006 e € 193,75 devidos a título de juros de mora vencidos, a que acrescerão os juros de mora vincendos até ao integral e efectivo pagamento, o valor correspondente aos royalties e contribuições para o FNP, apurado nos termos do estipulado na cláusula 18 B do contrato de franquia, a quantia de € 66.000,00, acrescida de IVA, a título de indemnização por lucros cessantes, o valor contratualmente determinado de € 5.000,00, referente a custos e honorários com os advogados.</font><br> <font> Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com a 1ª R., em 1 de Março de 2005, um contrato de franquia de mediação imobiliária C..., mediante o qual a 1ª R. ficou com o direito de explorar uma franquia integrada no “Sistema C...”, pagando, como contrapartida, royalties mensais e uma contribuição mensal para o FNP, sendo que o pagamento das quantias devidas no âmbito deste contrato, foi garantido, em nome individual, pelo 2º R.. Ela, A., cumpriu integralmente as suas obrigações de franquiadora, o mesmo não acontecendo com a 1ª R. que, a partir de Julho de 2006, deixou de enviar os reportes mensais a ela, A., e em, Agosto de 2005, utilizou indevidamente a marca C... em publicidade, o que aconteceu, de novo, em Março de 2006, apesar de advertida pela A. para não o fazer. Em 6 de Julho de 2006, após troca de correspondência e reuniões, a R. informa a A. que nada lhe pagará e que considera extinto o contrato. Após o termo do contrato, a R. manteve a sua actividade na mediação imobiliária, sob uma outra designação, mas aproveitando os meios e conhecimentos adquiridos com a A. e continuando a servir-se de meios figurativos que compõem a imagem do sistema C... e sobre os quais a A. possui direitos exclusivos para Portugal. A resolução operada pela R. não tem fundamento válido que a justifique, sendo que à data em que a mesma operou, já se encontrava em incumprimento reiterado do contrato, por falta dos reportes mensais e pagamento de royalties e contribuições para o FNP. Face ao comportamento da R., manifesta o seu desinteresse na manutenção da relação contratual, não abdicando de receber as quantias a que, contratualmente, tem direito e que vem peticionar na presente acção.</font><br> <font> </font><font>Os RR. contestaram, alegando, em suma, que foi a A. e não a 1ª R. que incumpriu o contrato entre ambas celebrado, designadamente por não ter conseguido implantar a “rede” no país, nem prestar assistência ou qualquer apoio aos franquiados, de acordo com os objectivos traçados, publicitados e garantidos ao R. e que acabaram por nunca ser cumpridos. A A. não lhes explicitou o sentido e alcance das obrigações que iam assumir, nem cumpriu o seu dever de informação de modo a permitir uma vinculação negocial consciente e esclarecida, pelo que grande parte das cláusulas do contrato estão inquinadas de nulidade. A A. não cumpriu as suas obrigações de franquiadora, facto que a R. foi, sistematicamente, denunciando ao longo da duração do contrato e, perante o incumprimento definitivo e culposo das obrigações por parte da A., procedeu à resolução do contrato, em 6 de Julho de 2006, não lhe sendo exigível que continuasse a efectuar pagamentos sem qualquer contrapartida, e assistindo-lhe o direito a ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu e que não teria sofrido se não houvesse celebrado o contrato de franquia, devendo a A. restituir as quantias que recebeu a título de “direito de entrada” (22.500,00 € acrescido de IVA) e de royalties e FNP (16.500,00 € + IVA), bem como pagar-lhe a quantia de € 43.000,00 que a R. gastou na realização de obras para a instalação da agência e a verba de € 1.530,00 que gastou em cursos de formação, devendo ainda a A. pagar, nos termos do contrato, a quantia de 5.000,00 € referente a custas e honorários com o advogado.</font><br> <font> </font><font>Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção, </font><i><font>pedindo</font></i><font>, em </font><u><font>reconvenção</font></u><font>, que a A. seja condenada a pagar à R. a quantia de 88.530,00 €, acrescida de IVA e juros, à taxa legal, desde a notificação até pagamento.</font><br> <font> </font><font>A A. respondeu, sustentando o já alegado na petição inicial, impugnando a matéria da reconvenção e concluindo pela procedência da acção e pela improcedência da reconvenção, </font><i><font>pedindo</font></i><font> ainda que os RR. sejam condenados como litigantes de má fé, por terem adulterado ostensivamente a verdade dos factos.</font><br> <font> </font><font>Os RR. responderam, pronunciando-se pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé contra eles formulado.</font><br> <br> <font> O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.</font><br> <font> Nesta julgou-se a acção improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, absolvendo-se os RR. do pedido, condenando-se a A. a pagar à 1ª R., a quantia de € 45.530,00, acrescida de IVA e juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da notificação da reconvenção à A. até efectivo e integral pagamento.</font><br> <font> </font><br> <font> 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí julgado parcialmente procedente o recurso e, revogando-se a sentença recorrida, julgou-se totalmente improcedente a reconvenção (absolvendo a A. dos pedidos contra ela formulados) e, julgou-se a acção parcialmente procedente, condenando-se os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de 3.330,00 € (três mil, trezentos e trinta euros), correspondente aos royalties e contribuição para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho, de 2006, acrescida de juros de mora, nos termos peticionados, desde a data do respectivo vencimento e em conformidade com a cláusula 8.B. e 9.B. do contrato, condenando-se ainda os RR. a pagar à A. a quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), a título de despesas com honorários de advogado e absolvendo-se os RR. dos demais pedidos que contra eles haviam sido formulados. </font><br> <br> <font> 1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. e a A., esta subordinadamente, para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.</font><br> <font> </font><br> <font> Os recorrentes RR. alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:</font><br> <font> </font><font>1ª- O douto acórdão recorrido, ressalvado o devido respeito, procedeu a uma erra­da subsunção fáctico-jurídica e a uma errada interpretação e aplicação da lei. </font><br> <font> 2a- Atendendo à factualidade dada como provada, ressalta à evidência que a A. incumpriu de forma grave e reiterada as obrigações a que contratualmente estava adstrita. </font><br> <font> 3ª- Tal incumprimento, pela sua gravidade e/ou reiteração, legitimou a recorrente a resolver o contrato com fundamento na alínea a) do art. 30º do Decreto-lei nº 178/86, como doutamente se decidiu em 1a instância. </font><br> <font> 4a- Tendo sido resolvido o contrato com fundamento no incumprimento das obriga­ções da A, à R., ora Recorrente, assiste o direito de ser indemnizada, pelo inte­resse contratual negativo, de modo a ser colocada na situação em que estaria se não tivesse negociado e ajustado o contrato que foi incumprido pelo deve­dor. </font><br> <font> 5a- A resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da recorrida, confere-lhe o direito de ser indemnizada, indemnização que deverá ser calculada com base nas regras gerais, constantes dos art. 562º e segs. do C.C .. </font><br> <font> 6a- Sendo que a indemnização corresponde ao valor global dos pagamentos efec­tuados pela recorrente a título de direito de entrada e royalties, bem como, as despesas que teve de suportar para ser ressarcida, e cujo valor global ascende a € 45.530,00, nos termos constantes da douta decisão condenatória proferida em 1a instância. </font><br> <font> 7a- Ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido, a tal não obsta o disposto no art. 434° nº 2 do C.C .. Com efeito, </font><br> <font> 8ª- O douto acórdão recorrido interpretou tal preceito atendendo, exclusivamente, ao seu elemento literal, não atendendo à "ratio" do mesmo. </font><br> <font> 9ª- É certo que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações efectuadas. Porém, </font><br> <font> 10ª - A recorrida tendo incumprido as obrigações a que estava adstrita, de forma grave e reiterada, terá de indemnizar a recorrente pelo interesse contratual negativo. E, </font><br> <font> 11ª- Calculando-se a indemnização nos termos gerais (art. 562º e segs. do C.C) não pode a recorrida deixar de ter de pagar à recorrente as quantias que esta lhe pagou e as despesas que teve de suportar, nos precisos termos que constam da douta decisão de 1ª instância, e que corresponde ao prejuízo sofrido. </font><br> <font> 12a- Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão recorrido violou, além de outros, o disposto nos arts. 406°, 562° e ss. do C.C., art. 30°, al. a), do D.L. 178/86 e art. 434°, nº 2, do C.C., os quais deverão ser interpretados nos termos predi­tos. </font><br> <font> 13a- Deverá, por isso, ser revogado o douto acórdão recorrido, absolvendo-se a recorrente do pagamento da quantia de € 3.580,00 em que foi condenada, bem como, julgar parcialmente procedente a reconvenção e condenar a reconvinda a pagar à recorrente a quantia de € 45.530,00, acrescida de IVA e juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da notificação da recon­venção à A., até efectivo e integral pagamento. </font><br> <br> <font> A recorrente subordinada, a A., alegou também, tendo concluído:</font><br> <font> </font><font>1ª - No que se refere à execução do contrato de franquia junto aos autos, entendeu o douto Acórdão recorrido que </font><i><font>"a Autora cumpriu, no essencial, aquelas que eram as suas obrigações contratuais e que estão definidas, no contrato, em termos genéricos. Poderá eventualmente ter cumprido mal ou em termos deficientes, mas o certo é que a matéria de facto não permite essa conclusão" </font></i><font>(Pág. 72 do Acórdão). </font><br> <font> 2ª - O mesmo Acórdão recorrido concluiu que </font><i><font>"a Ré não tem direito à restituição das quantias que pagou a título de "direito de entrada", "royalties", contribuições para o FNP e cursos de formação, estando, pelo contrário, obrigada a pagar à Autora as prestações devidas e contratualmente fixadas, até à data da resolução, na medida em que, repete-se, </font></i><i><u><font>não ficou provada a existência de qualquer incumprimento contratual relevante, por parte da Autora</font></u></i><u><font>"</font></u><font>. (pág. 79 do Acórdão, sublinhado nosso). </font><br> <font> 3ª- De acordo com o ponto 65 dos factos provados e alínea Z da matéria assente, em 6 de Julho de 2006, a 1ª Ré, ora Recorrida, enviou um fax à Autora, ora Recorrente, informando </font><u><font>que nada pagaria a esta e que considerava o contrato extinto. </font></u><br> <font> 4ª- Resulta expressamente dos pontos 67 e 68 dos factos provados que, </font><u><font>à data daquela resolução</font></u><font> efectuada pela 1ª Ré, ora Recorrida, encontravam-se em dívida os royalties e as contribuições para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho de 2006, no valor de € 2.120,00 e de € 1.210,00, respectivamente (resposta ao ponto 24° da Base Instrutória), a que acrescia o valor relativo ao mês de Julho de 2006, num total de € 4.995,00 (resposta ao ponto 25° da Base Instrutória). </font><br> <font> 5ª - Conforme reconhecido pelo douto Acórdão recorrido, nos trechos acima transcritos, naquela mesma data não existia qualquer incumprimento contratual da Autora, ora Recorrente, pelo que não detinha a 1ª Ré, ora Recorrida, </font><u><font>qualquer direito que justificasse a excepção de não cumprimento do contrato</font></u><font> e das obrigações por si livremente assumidas. </font><br> <font> 6ª- Estava, por isso, a 1ª Ré, impedida, naquela data, por </font><u><font>inverificação de legitimidade resolutiva,</font></u><font> de resolver o contrato de franquia dos autos, facto que, por si só e inevitavelmente, toma esta resolução totalmente ilícita. </font><br> <font> 7ª- Com efeito, só o contraente fiel (o que cumpriu ou se oferece para cumprir) tem legitimidade resolutiva, ou seja, só ele pode resolver o contrato com base no incumprimento da contraparte, como emerge dos arts. 801 ° n° 2 e 802° n° 1 do CC. e nunca o contraente faltoso, sendo ilegítima ou ilegal a resolução declarada pelo próprio inadimplente (Ac. do STJ, 21/5/98, BMJ, 477°-460). </font><br> <font> 8ª- Acresce que, ao incumprir diversas das suas obrigações de Franquiada, nomeadamente a de pagamento mensal dos </font><i><font>"royalties" </font></i><font>e das contribuições devidas para o FNP, e ao pretender resolver o contrato celebrado quando se encontrava em situação de reiterado incumprimento, a 1ª Ré, ora Recorrida, </font><u><font>rompeu, definitivamente, a relação de confiança que o contrato de </font></u><i><u><font>franchising </font></u></i><u><font>pressupõe como básica e essencial. </font></u><br> <font> 9ª- Daí que, apesar de ilícita e ilegítima, porque formalizada em situação de injustificado incumprimento contratual, a resolução materializada pela 1ª Ré, ora Recorrida, tenha sido aceite pela Autora, ora Recorrente, consentindo esta na consequente extinção dos efeitos do contrato de franquia anteriormente celebrado, comunicando aos ora Recorridos que não tinha qualquer interesse na manutenção da relação contratual, mas que não abdicaria, porém, de receber todas as quantias a que, nos termos do contrato e da lei, teria indiscutível direito. </font><br> <font> 10ª- Foi, por isso, </font><i><font>a perda justificada de confiança no cumprimento futuro do contrato e a perda de interesse na continuação da relação contratual que legitimaram a aceitação da resolução </font></i><font>pela Autora, ora Recorrente (v. Acórdão do STJ, datado de 29 de Abril de 2003, disponível para consulta em </font><u><font>www.dgsi.pt)</font></u><font>.</font><br> <font> 11ª- Todavia, em consequência da ilicitude da referida resolução, devem ser aplicados à presente situação os procedimentos a observar durante e após a cessação do contrato de franquia (Cláusulas 8, 9 e 18), os direitos adicionais em caso de incumprimento contratual estabelecidos para a hipótese da cessação antecipada promovida pelo Franquiado (Cláusula 19), e o reembolso integral de todas as despesas com honorários e despesas de advogado (Cláusula 20). </font><br> <font> 12ª- E, consequentemente, devem ser os Recorridos obrigados, solidariamente, a pagar à ora Recorrente a quantia global de € 4.995,00 devidos a título de </font><i><font>"royalties" </font></i><font>e de contribuições para o FNP, relativos aos meses de Maio, Junho e Julho de 2006, a que acrescerão ainda os juros de mora vincendos até ao integral e efectivo pagamento da dívida; o valor correspondente aos </font><i><font>royalties </font></i><font>e contribuições para a o FNP, apurado, em sede de liquidação de sentença, nos termos do estipulado na Cláusula 18 B do contrato de franquia; a quantia de € 64.500,00, acrescida de IVA, a título de indemnização por lucros cessantes, calculada de acordo com o estipulado na Cláusula 19 A do contrato de franquia e o valor contratualmente determinado de € 5.000,00 referente a custos e honorários dos Advogados, de acordo com a Cláusula 20 do contrato de franquia. </font><br> <font> 13ª - Ao não ter assim decidido, o Acórdão recorrido violou os artigos 406°, 428° e 432° do Código Civil. </font><br> <font> </font><br> <font> Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela improcedência das posições assumidas pelas partes contrárias.</font><br> <font> Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: </font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br> <b><font> </font></b><font>2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil). </font><br> <font> Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:</font><br> <font> </font><u><font> Quanto ao recurso dos RR.:</font></u><br> <font> - Se a A. incumpriu de forma grave e reiterada as obrigações a que contratualmente estava adstrita. </font><br> <font> - Se a resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da recor­rida lhe confere o direito de ser indemnizada nos termos dos arts. 562º e segs. do C.Civil. </font><br> <font> </font><font>- Se o acórdão recorrido interpretou incorrectamente o disposto no art. 434° nº 2 do C. Civil.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><u><font>Quanto ao recurso subordinado da A.:</font></u><br> <font> -Se foi ilegítima ou ilegal a resolução do contrato declarada pela 1ª R.. - Se em consequência da ilicitude da resolução, devem ser aplicados os procedimentos a observar durante e após a cessação do contrato de franquia (Cláusulas 8, 9 e 18), os direitos adicionais em caso de incumprimento contratual estabelecidos para a hipótese da cessação antecipada promovida pelo Franquiado (Cláusula 19), e o reembolso integral de todas as despesas com honorários e despesas de advogado (Cláusula 20). </font><br> <font> </font><br> <font> 2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto (após as alterações efectuadas na Relação):</font><br> <font> </font><font>1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à gestão e exploração de franquias – alínea A) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>2. No exercício das actividades compreendidas no seu objecto social, a A. celebrou, em 17 de Março de 2004, com a «C...G...S..., Inc.», um contrato através do qual adquiriu o direito exclusivo de licenciar o uso de certas denominações comerciais, marcas comerciais e marcas de serviço, incluindo a denominação «C...», bem como o «Sistema C...» em todo o território de Portugal, tendo-se tornado detentora exclusiva dos direitos sobre o sistema de franquia «C...», para todo o território português – resposta ao ponto 1º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>3. O sistema C... era totalmente desconhecido e inexistente em Portugal, pelo que coube à A. iniciá-lo e estabelecê-lo, sendo hoje o Sistema de Franquia C... integrado por 43 unidades franquiadas (franquiados) e 53 escritórios (agências de mediação) em Portugal – resposta ao ponto 2º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>4. Em 13 de Dezembro de 2004, o 2º R. submeteu à A. uma proposta de candidatura à exploração de uma unidade franquiada C... – alínea B) da matéria assente.</font><br> <font> 5. Na ficha de candidatura à concessão de uma franquia C..., o R. declarou estar interessado em aderir ao sistema C... por acreditar no projecto e nos termos em que estava a ser desenvolvido e por se tratar de uma área com a qual estava ligado e que tinha acompanhado nos últimos anos – respostas aos pontos 3º e 4º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>6. Apesar de subscrita em nome individual, esta proposta visava, uma vez obtida a necessária licença de mediação imobiliária junto do Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI), a posterior celebração de um contrato de franquia entre a A. e a 1ª R., da qual o 2º R. é sócio e gerente – alínea C) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>7. O 2º R. assumiu o compromisso de diligenciar pela constituição da 1ª R. e pela obtenção da Licença AMI no prazo de 20 dias – alínea D) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>8. A A. forneceu ao 2º R. cópia da minuta do contrato que deveria ser celebrado com a A., para que o R. pudesse analisar as respectivas cláusulas durante o prazo de 20 dias – alínea E) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>9. A A., previamente à assinatura do contrato, facultou aos RR. cópia da minuta do contrato para que pudessem ser analisadas as respectivas cláusulas – resposta ao ponto 5º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>10. Em 1 de Março de 2005, a A. e a 1ª R. celebraram o «Contrato de Franquia de Mediação Imobiliária C...», que se encontra junto a fls. 44 a 97 dos autos e que aqui se dá por reproduzido – alínea F) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>11. Para o pagamento dos valores contratualmente estipulados, a franquiada autorizou a realização de um débito bancário mensal a favor da franquiadora, de montante idêntico ao das facturas que por esta viessem a ser emitidas, tendo por base o rendimento bruto mensal e o correspondente montante de «royalties» e de contribuição para o FNP, por aquela devidos – alínea G) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>12. O pagamento das quantias devidas no âmbito do contrato foi garantido, em nome individual, pelo sócio da franquiada, AA – aqui 2º R. – que, assim, se tornou garante das obrigações assumidas pela 1ª R. no âmbito do contrato de franquia, renunciando ao benefício da excussão prévia – alínea H) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>13. Em Junho de 2005, a 1ª R. instalou a agência de mediação imobiliária no local autorizado e passou a desenvolver a sua actividade utilizando as marcas e o «know-how» do sistema C... – resposta ao ponto 6º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>14. A A. definiu o «layout» e decoração (externa e interna) da loja da 1ª R. e determinou os materiais e equipamentos que nela deveriam ser instalados – resposta ao ponto 8º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>15. Facultou o acesso dos RR. a diversas ferramentas de gestão e a várias funcionalidades e facilidades próprias de uma agência de mediação imobiliária integrada no sistema de franquia C..., nomeadamente, software I...P.../C..., sistema de gestão de imagens das montras (hardware e software), página personalizada da empresa e dos seus colaboradores no portal C..., software de reporte C... (Pacote de abertura) – resposta ao ponto 9º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>16. A A. facultou aos RR. o acesso aos seus sistemas de «intranet» e de correio electrónico e promoveu a interconexão entre os «sites» da A. e da 1ª R, fornecendo-lhes, para esse efeito, diverso «software» e respectiva informação técnica e apoio - resposta ao ponto 10º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>17. A A. franqueou à R. o acesso a currículos de potenciais candidatos a angariadores imobiliários – resposta ao ponto 11º da Base Instrutória.</font><br> <font> 18. A A. implementou e comunicou à 1ª Ré, através de circulares, algumas regras relativas a negócios partilhados e referências, utilização de mediadores externos à rede, estrutura e partilha de comissões e traje dos colaboradores – respostas aos pontos 12º e 13º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>19. Indicaram-se-lhe os fornecedores de equipamentos, materiais e serviços que haviam sido aprovados pelo franquiador e as parcerias externas à rede que poderiam ser aproveitadas para o desenvolvimento da actividade – resposta ao ponto 14º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>20. Foram-lhe dados a conhecer o organigrama dos colaboradores da A. e os respectivos contactos, funções e áreas de actuação – resposta ao ponto 15º da Base Instrutória.</font><br> <font> 21. Foi proporcionado aos RR. o acesso a publicidade no E..., a custos mais reduzidos, por via de um protocolo que a A. celebrou com o E... em benefício dos franquiados pertencentes à rede – resposta ao ponto 16º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>22. A A. sempre convidou os RR. para participar em todos os eventos e encontros que foi organizando para promover um melhor conhecimento recíproco e estimular o espírito de grupo entre todos os franquiados – resposta ao ponto 18º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>23. Tal como os convidou para participarem em sessões de trabalho com o responsável máximo do sistema C... a nível europeu, sessões essas que incidiram sobre os princípios básicos de gestão de uma mediadora imobiliária e sobre o aproveitamento de sinergias do trabalho em rede – resposta ao ponto 19º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>24. A A. disponibilizou à 1ª R., periódica e regularmente, durante a execução do contrato, cursos e acções de formação nas mais diversas áreas, leccionados por formadores com credenciais específicas, alguns deles ministrados por professores universitários ao abrigo de protocolo que estabeleceu com a Universidade Lusíada – alínea I) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>25. A A. desenvolveu campanhas publicitárias a nível nacional, gerando, para a 1ª R. contactos de potenciais vendedores/compradores ou senhorios/arrendatários de imóveis – alínea J) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>26. A A. procedeu à elaboração de um «Business Plan», através do qual, partindo dos dados oficiais dos censos do INE e da Câmara Municipal do Porto, gizou os objectivos de vendas da 1ª R. ao longo do 2º semestre de 2005, designando o consultor de gestão, Eng. A...C..., a fim de apoiar e acompanhar a 1ª R. na prossecução dos objectivos definidos para a sua actividade de mediação imobiliária – alínea K) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>27. A 1ª R. foi convidada para uma primeira reunião de análise do «Business Plan», que teve lugar no dia 7 de Julho de 2005 – alínea L) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>28. Até ao dia 2 de Junho de 2005, a 1ª R. ainda não tinha enviado os reportes mensais referentes ao mês de Maio – resposta ao ponto 20º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>29. A R. elaborava e enviava os “reportes” nos mesmos termos em que o faziam as outras agências – resposta ao ponto 55º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>30. Os “reportes”, nos termos elaborados pela R. (e demais franquiados) foram preconizados e aceites pela A. – resposta ao ponto 56º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>31. Mesmo sendo elaborados nos termos referidos, em caso de necessidade, as folhas sempre foram corrigidas nos termos solicitados – resposta ao ponto 57º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>32. A 1ª R. apenas reportou, desde 1 de Março de 2005, a realização de quatro transacções com clientes – alínea P) da matéria assente</font><br> <font> </font><font>33. Entre os meses de Julho de 2005 e Janeiro de 2006, apesar de a 1ª R. ter comunicado à A. a angariação de vários novos clientes, declarou sempre não ter registado qualquer transacção realizada em consequência da sua actividade de mediação imobiliária – alínea N) da matéria assente.</font><br> <font> </font><font>34. Das 150 lojas previstas até ao final de 2006, a A. apenas conseguiu abrir 53 – resposta ao ponto 29º da Base Instrutória.</font><br> <font> 35. A A. publicitou e transmitiu aos potenciais franquiados o seu objectivo de abrir 150 lojas até ao final de 2006 e esse facto – que acabou por não se concretizar – teve influência na decisão do R. de se candidatar à celebração do contrato – resposta ao ponto 31º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>36. A A. facultou à R. pouca assistência – resposta ao ponto 38º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>37. Em Abril de 2006, o R. comunicou à A. a dificuldade ou impossibilidade de estabelecer contacto com os seus escritórios e a desactualização da intranet (facto que, em resposta, foi reconhecido pela A. que igualmente prometeu ir resolver a situação); em Janeiro de 2006, o R., a propósito dos critérios de colocação de imóveis nos sites das Agências C..., sugeria que, no regime de excepção a esses critérios, fossem incluídas também as agências que estão “sozinhas” há tanto tempo, de forma atirar proveito do tão falado “efeito de rede” e, por e-mail de 03/02/2006, o R., aceitando a existência de alguma vantagem pelo facto de estar sozinho no Porto, chamava novamente a atenção da A. para a ausência do efeito de rede que, associada ao desconhecimento da marca no Porto e à falta de divulgação, poderia ter um efeito exponencial – resposta ao ponto 42º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>38. Pelo menos dois dos cursos e acções de formação a que se refere a alínea I) da matéria de facto assente, foram cancelados por falta de formadores – resposta ao ponto 43º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>39. A R. frequentou, a expensas suas, os cursos e o seu legal representante (o R., AA) detinha o primeiro lugar em horas de formação – resposta ao ponto 44º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>40. Na intranet, o conteúdo estava desactualizado – resposta ao ponto 46º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>41. Também os organigramas, além de terem sido entregues tardiamente, estavam desactualizados devido à permanente entrada e saída de pessoas – resposta ao ponto 47º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>42. A maioria dos contactos fornecidos e referidos na alínea J) da matéria de facto assente, estavam fora da área territorial de actuação da primeira R. – resposta ao ponto 48º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>43. O «business plan», referido na alínea K) da matéria de facto, corresponde a uma previsão do negócio e da facturação para o 2º semestre de 2005, previsão essa que foi calculada com base em dados estatísticos do INE Censos 2001, Câmara Municipal do Porto e IMOPPI – resposta ao ponto 50º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>44. O consultor de gestão referido na alínea K) da matéria de facto assente, não trouxe qualquer contributo válido, nenhum saber, para a agência da ora R. – resposta ao ponto 54º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>45. O fracasso que se constatou, à semelhança de outras agências, radicou na ausência de um investimento publicitário maior, que a A. prometeu e não cumpriu, na falta de apoio, na inexistência de rede e técnicas de venda e “marketing” realmente inovadoras – resposta ao ponto 62º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>46. Todos esses factos foram explicitados à A. pelo R., fazendo notar a falta de notoriedade, a falta de outras agências no Porto, a falta de meios da A. para implementar um plano geral de acções de apoio – resposta ao ponto 63º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>47. Além das campanhas mencionadas na alínea J), A. não efectuou, como prometeu, outras campanhas de grande dimensão e modernidade associadas a parcerias e patrocínios originais, para promover a notoriedade da marca “C...” – resposta ao ponto 65º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>48. Pelo menos na Região Norte, designadamente, no Porto, a marca não tinha notoriedade – resposta ao ponto 66º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>49. A A. não forneceu informação contínua da evolução do mercado imobiliário – resposta ao ponto 67º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>50. Não forneceu, de modo permanente e com precisão e devidamente actualizados, dados estatísticos do sector imobiliário – resposta ao ponto 68º da Base Instrutória.</font><br> <font> </font><font>51. A A. não comunicou aos franquiados métodos e técnicas de mediação imobiliária, de vendas e de promoção que fossem diferentes e inovadoras relativamente às praticadas pelas demais agências imobiliárias e não dispunha de pessoal qualificado para assegurar um apoio efectivo aos franquiados, na área da gest
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><font> Nº 486</font><br> <br> <font>I – No Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, Caixa Geral de Depósitos, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra AA e mulher, BB, pediu que, com a procedência da acção, sejam os Réus solidariamente condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado e, como tal, a entregá-lo à Autora completamente livre e devoluto de pessoas e bens, e ainda a pagarem a título de indemnização por danos, em alternativa, a quantia de € 24.641,17 calculada até 01.09.2006</font><i><font> </font></i><font>e, a contar desta data, a importância correspondente à remuneração do capital investido na aquisição, às taxas de juro praticadas pela Autora nos empréstimos para habitação própria, até entrega efectiva do imóvel e a liquidar em execução de sentença, e à taxa de juro legal a contar da entrega do imóvel, sobre o montante indemnizatório fixado, até efectivo pagamento, ou, ainda, a quantia de € 26.354,60 até à mesma data, referente ao valor da renda fixada para o imóvel à data da arrematação e a uma taxa de capitalização no primeiro ano de 8%, com actualizações anuais a liquidar em execução de sentença, ou ainda na quantia de € 16,659,92, acrescendo juros de mora à taxa legal contados desde a data da aquisição (20 de Novembro de 1997) até 1 de Setembro de 2006</font><i><font>, </font></i><font>e vincendos à mesma taxa até integral pagamento. </font><br> <font> </font><br> <font>Para tanto e em síntese, alegou ter adquirido o imóvel em questão por arrematação em hasta pública no dia 20.11.1997, sendo que desde então os Réus, apesar de interpelados para tanto, não restituíram o bem à Autora, ali se mantendo ilicitamente e contra a sua vontade. </font><br> <br> <font>Os Réus, regularmente citados, não contestaram. </font><br> <br> <font>Seguiu-se a tramitação regulada no artigo 484º do Código de Processo Civil (CPC), após o que se proferiu sentença, que julgou parcialmente procedente, por provada, a acção e condenou os Réus a: </font><br> <font>“a) Reconhecerem a Caixa Geral de Depósitos S.A. como legítima dona e proprietária do prédio urbano sito na Rua de nº, freguesia da Relva, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº 000000000 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 919;</font><br> <font>b) Entregar-lhe o referido imóvel livre e devoluto de pessoas e bens; </font><br> <font>c) Pagar uma indemnização à autora, a liquidar em execução de sentença, a calcular desde a data de citação dos RR até efectiva entrega do imóvel, com base no seu valor locativo”.</font><br> <br> <font>Após recurso da Autora, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.</font><br> <br> <font>Ainda inconformada, veio a Autora interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br> <br> <font>A recorrente apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br> <font>a) A acção de reivindicação intentada pela recorrente e a que se reporta o presente recurso não foi contestada e, por isso, os factos constantes da petição inicial têm de considerar-se admitidos por acordo (artº 490º, nº 2, do Código de Processo Civil).</font><br> <font>b) Entre os factos alegados na petição inicial e considerados admitidos por acordo nos termos da disposição legal citada, consta o valor da renda do imóvel na data da adjudicação com as sucessivas alterações. Por isso,</font><br> <font>c) O processo continha todos os elementos necessários à fixação da indemnização pela privação do uso.</font><br> <font>d) Consta do auto de arrematação junto com a petição inicial o despacho de adjudicação proferido por ocasião daquela. Por isso,</font><br> <font>e) Mostra-se provado por documento que a transmissão do direito de propriedade do imóvel reivindicado se operou na data da arrematação do mesmo.</font><br> <font>f) Mostra-se ainda provado porque alegado e consta do referido auto que os Réus na acção de reivindicação foram os executados no processo em que o imóvel foi adjudicado.</font><br> <font>g) Os recorridos tinham obrigação de efectuar a entrega do imóvel na data da arrematação, por deixarem de ter título que legitimasse a sua ocupação.</font><br> <font>h) Os recorridos, com a ocupação intitulada e contra a vontade da recorrente do imóvel, constituíram-se na obrigação de indemnizar pela privação do uso desde a data da aquisição.</font><br> <font>i) Dado tratar-se de indemnização por acto ilícito, a mora não depende de interpelação, nos termos da alínea b) do nº 2 do artº 805º do Código Civil.</font><br> <font>j) O douto acórdão recorrido violou os artºs 490º, nº 2, e 661º, nº 2, do Código de Processo Civil e 805º, nºs 1 e 2, al. b), do Código Civil.</font><br> <br> <font>Pede, assim, que, com a procedência da revista, se revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que condene os recorridos a pagar à recorrente a indemnização correspondente às rendas liquidadas na petição inicial desde a data da arrematação e adjudicação do imóvel até à sua entrega à recorrente.</font><br> <font> </font><br> <font> Não foram apresentadas contra-alegações.</font><br> <font> </font><br> <font>Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. </font><br> <br> <font> II – Considerando o teor dos documentos juntos aos autos e a confissão resultante da não contestação, as instâncias deram como provada a seguinte factualidade: </font><br> <font>1. A Autora é dona do prédio urbano sito na Rua de .......nº..., freguesia da Relva, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº </font><i><font>.............. </font></i><font>e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 919. </font><br> <font>2. A Autora adquiriu o referido imóvel por arrematação em hasta pública no dia 20 de Novembro de 1997 no processo de execução n° 558/95 que correu termos no 2° Juízo do Tribunal Judicial de Ponta Delgada, movido contra os Réus pela Caixa Geral de Depósitos. </font><br> <font>3. Após a aquisição, a Autora pretendeu entrar na posse efectiva do imóvel, o que não conseguiu por estar ocupado pelos Réus. </font><br> <font>4. Os Réus ocupam o imóvel desde 20 de Novembro de 1997, data da venda, sem o consentimento da Autora. </font><br> <font>5. Apesar de interpelados para entregar o imóvel à Autora, os Réus não o fizeram. </font><br> <font>6. A Caixa Geral de Depósitos despendeu na aquisição do imóvel a importância de 6.500.000$00 (na moeda actualmente em curso, € 32.421,86). </font><br> <br> <font> III – 1. As questões suscitadas na presente revista são as seguintes: </font><br> <br> <font> - Saber se deverá relegar-se para liquidação ulterior, por falta de elementos, a fixação do montante da indemnização a pagar pelos Réus à Autora, nos termos do disposto no artigo 661º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC);</font><br> <font> - Averiguar se a data do início do facto lesivo do direito da Autora coincide no tempo com a data da aquisição do imóvel sem que os Réus lho hajam entregue livre e devoluto, sendo desnecessária interpelação para o efeito, ou se deverá, para o efeito, considerar-se a data da citação do Réus.</font><br> <br> <font> 2. Quanto ao 1º ponto, as instâncias estão de acordo no sentido de que o critério para fixação da indemnização seja o valor do uso do imóvel, considerando-se como tal o seu valor locativo, o qual foi um dos critérios aludidos, em alternatividade, pela Autora na sua petição inicial.</font><br> <br> <font> A recorrente não impugna o critério usado na fixação da indemnização peticionada, mas apenas que o seu </font><i><font>quantum </font></i><font>seja relegado para ulterior fixação.</font><br> <br> <font> Para justificar a sua posição, concordante com a da 1ª instância, escreveu-se no acórdão recorrido:</font><br> <font>“Com efeito, a matéria de facto apurada é manifestamente insuficiente para suportar tal desiderato. </font><br> <font>Deles consta apenas a descrição predial da fracção, nem sequer a sua tipologia, área de inserção ou antiguidade ou o valor que a Autora pagou pela sua aquisição. </font><br> <font>Nada também está assente acerca das rendas potenciais de andares equivalentes, no local, ou outro qualquer elemento que materialize economicamente o predito valor locativo da fracção, base de cálculo da indemnização que não motivou discordância por banda da apelante. </font><br> <font>Ora, é apodíctico que a Autora limitou-se na petição a invocar a impossibilidade de dispor e exercer o seu direito de propriedade sobre o imóvel desde que o adquiriu, em virtude de os Réus nele permanecerem sem título, não alegando, contudo, qualquer elemento susceptível de surpreender o valor locativo do imóvel, donde não poderemos, desde já, proceder à quantificação do dano – indemnização, mesmo que por recurso à equidade, faculdade prevista no art° 566, nº 3 do CCivil. </font><br> <font>Assim sendo, o Sr. Juiz fez correcta aplicação do instrumento estabelecido no art° 661, nº 2 do CPC, que na impossibilidade de liquidar na acção declarativa o valor da condenação permite a sua liquidação na fase processual de execução de sentença”.</font><br> <br> <font>3. Numa situação como a dos presentes autos, o valor da renda do imóvel não é mais do que um elemento de valoração e cálculo do dano, não o próprio dano.</font><br> <br> <font>O pedido não tem como pressuposto a perda de quaisquer rendas que o imóvel pudesse produzir por eventualmente poder estar destinada ao mercado de arrendamento.</font><br> <br> <font>O dano consubstancia-se, assim, na privação do gozo da coisa pela respectiva proprietária.</font><br> <font>O valor locativo (renda) é apenas um elemento de cálculo desse dano, correspondente aos frutos civis que a coisa é susceptível de produzir (artigo 212º, nº 2, do Código Civil).</font><br> <br> <font>Tudo isto decorre do disposto nos artigos 1305º e 1271º do mesmo Código.</font><br> <br> <font>Na verdade, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição – aproveitamento dos frutos materiais e jurídicos – e disposição das coisas que lhe pertencem, respondendo o possuidor de má fé perante aquele pelo valor dos frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido.</font><br> <br> <font>Mostra-se, pois, legalmente estabelecido o critério indemnizatório do facto ilícito cometido pelo possuidor de má fé, por remissão para o valor dos frutos que a coisa podia produzir, de harmonia com o que, em termos gerais, se prescreve nos preceitos referentes à responsabilidade por factos ilícitos e à obrigação de indemnização (cfr. artigos 483º a 498º e 563º e 564º, nº 1, do Código Civil).</font><br> <br> <font>Infere-se, assim, que não é necessário que o lesado alegue e demonstre quais os concretos fins ou utilidades que visava com o bem, assim como os reflexos que isso teve no seu património.</font><br> <br> <font>Assim, tendo a aqui recorrente direito a ser indemnizada pela privação do imóvel em causa, tendo – reportando-se ao documento de fls. 18 – indicado os sucessivos valores das rendas mensais que o imóvel podia dar de rendimento, sendo de € 283,66 aquando da propositura da acção, e não tendo tal factualidade sido impugnada, deverá atender-se a esses valores na fixação da indemnização a arbitrar, caso se entenda que a Autora tem direito a ser indemnizada desde a data da arrematação e da adjudicação do prédio, ou ao apontado valor de € 283,66, na hipótese de se considerar que a indemnização deverá ser atribuída apenas a partir da citação.</font><br> <br> <font>Assim sendo, não se vislumbram razões para relegar para liquidação ulterior o montante da indemnização, como fizeram as instâncias. </font><br> <br> <font>4. No que toca à fixação da citação como momento do início do dano, pode ler-se no acórdão recorrido: </font><br> <font>“Neste ponto, explicita a douta sentença que a Autora não tendo concretizado a data da interpelação aos Réus, deverá funcionar a regra residual da mora a partir do conhecimento da acção e da ofensa do alegado direito no acto da respectiva citação.</font><i><font> </font></i><br> <font>Está provado com interesse para a matéria, por confissão, que:"Apesar de interpelados para entregar o imóvel à Autora os RR não o fizeram".</font><br> <font>Além do mais, sabemos que a arrematação teve lugar no dia 20 de Novembro de 1997. </font><br> <font>Note-se, porém, que na venda executiva (falando ainda na anterior versão do CPC), no dia da venda é aceite a proposta, arrematada a fracção pela interessada, mas não é imediata a sua investidura no direito, dependendo, designadamente, do depósito do preço, do eventual não exercício do direito de remissão por terceiro, ou até a concessão excepcional de prazo para desocupação do local em caso de habitação com pessoas doentes ou situações afins. </font><br> <font>Finalmente apenas a decisão judicial de adjudicação do bem ao arrematante legitima o adquirente a inscrever na conservatória e a seu favor o direito e a exercer as demais prerrogativas inerentes. </font><br> <font>Tais elementos não constam dos autos para poder avaliar em concreto e de modo distinto a fixação no tempo do referido dano. </font><br> <font>Do que se extrai que não é sustentável no caso fazer coincidir a data da arrematação necessariamente com o início da privação da disponibilidade da fracção pela Autora. Por seu turno, a interpelação que é alegada pela Autora para saírem e confessada pelos Réus, não está datada, pelo que não pode a recorrente pretender que se fixe aleatoriamente o momento do incumprimento/mora dos Réus. </font><br> <font>Aqui chegados, cremos ser de acompanhar o decidido na sentença, ou seja, aplicando a regra geral estabelecida no art° 805, nº 1 do CCivil, da qual se conclui que a mora se constitui a partir do momento da interpelação judicial ou extrajudicial para cumprir. </font><br> <font>Sequencialmente, não estando provado quando a Autora interpelou os RR para saírem e desocuparem a fracção, resta-nos a mora pela interpelação judicial, que no caso de responsabilidade por facto ilícito está em mora desde a citação, tal como preceitua o art° 805, nº 3 do CCivil”. </font><br> <br> <font> 5. Refere a recorrente que, tendo adquirido o prédio reivindicado por arrematação em hasta pública em processo executivo instaurado contra os Réus e constando do próprio auto de arrematação o despacho de adjudicação na mesma data proferido, não pode deixar de se considerar que aqueles tinham a obrigação da entrega imediata do imóvel à recorrente sem dependência de qualquer interpelação por parte desta, pelo que, não o tendo entregue de imediato, ocupando-o ilegitimamente sem qualquer título, contra a vontade da recorrente, constituíram-se na obrigação de indemnizar esta pela privação do uso desde a data da aquisição, porque desde tal data se verifica a sua actuação ilícita.</font><br> <font> Diz ainda que só uma leitura menos atenta do auto de arrematação permite concluir que não constam dos autos os elementos que permitam determinar a transferência do direito para a recorrente, porque da certidão do auto de arrematação junta com a petição inicial consta precisamente que “Neste acto o arrematante requereu a dispensa do depósito do preço, visto ser a própria exequente, e como tal credora por maior quantia, e não haver créditos graduados antes dela, tendo a Mmª Juiz deferido o requerido pela exequente e adjudicado o referido imóvel, com dispensa do pagamento da sisa nos termos do artº 11º e 20º do Código da Sisa”.</font><br> <font> Acrescenta também que se lhe afigura não ser aplicável ao caso o nº 1 do artigo 805º do Código Civil a que o acórdão recorrido faz apelo, pois que o que nos autos se reclama é a indemnização pelo facto ilícito consistente na ocupação intitulada e contra a vontade da recorrente do prédio por esta adquirido, impedindo-a de o fruir e de retirar dele todas as utilidades, designadamente o arrendamento e a percepção das rendas respectivas, sendo que é o próprio artigo 805º que, na alínea a) do nº 2, afasta a aplicação da regra de que o devedor só incorre em mora após a interpelação ao estabelecer que há mora independentemente de interpelação quando “a obrigação provier de facto ilícito”.</font><br> <br> <font> 6. Assiste razão à recorrente quando refere que a adjudicação do prédio foi logo feita no acto da arrematação, pois que, não havendo lugar ao depósito do preço, por ser a exequente a arrematante, e ao pagamento da sisa, por não ser devida, foi de imediato passado o título de arrematação (cfr. artigo 905º do CPC, na redacção anterior à Reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 180/96, de 25 de Setembro).</font><br> <font> </font><br> <font>Sendo assim, e tendo em conta o disposto no artigo 913º, c), do CPC (redacção então aplicável), não há aqui que aludir a um eventual direito de remição, como faz o acórdão recorrido.</font><br> <br> <font> De qualquer forma, entendemos que, não tendo os então executados, por razões que se desconhecem, procedido voluntariamente à entrega do imóvel à nova proprietária (a exequente, Autora nos presentes autos), deveria esta interpelá-los para tal entrega e, perante uma eventual recusa, intentar a competente acção de execução para entrega de coisa certa, dado ser titular de um título executivo – a decisão de adjudicação (cfr. artigos 46º, nº 1, a), e 928º e seguintes do CPC).</font><br> <font> A aqui recorrente preferiu aguardar vários anos e, depois, intentar a presente acção de reivindicação, apesar de estar munida de um título que, a ser executado, facilmente lhe permitiria tomar posse do imóvel em causa.</font><br> <br> <font> Logo, e não se sabendo a(s) data(s) da interpelação – pois a recorrente não o referiu na sua petição inicial –, bem andaram as instâncias em considerar como data do início do direito à indemnização o dia da citação dos Réus para a presente acção.</font><br> <br> <font> 7. Decorre, assim, do exposto que colhem apenas parcialmente as conclusões da recorrente.</font><br> <br> <font> Deverão, pois, os Réus ser condenados a pagar à Autora a quantia mensal de € 283,66, a partir da citação e até à efectiva entrega do imóvel.</font><br> <br> <font> IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, em consequência, decide-se alterar o acórdão recorrido, confirmativo da sentença proferida na 1ª instância, no sentido da condenação dos Réus a pagar à Autora a quantia mensal de € 283,66, a título de indemnização, em vez de remeter para ulterior liquidação tal indemnização, mantendo-se, no demais, a decisão recorrida.</font><br> <br> <font> Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora e dos Réus, na proporção de, respectivamente, 2/5 e 3/5.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 23 de Setembro de 2008</font><br> <br> <font>Moreira Camilo (Relator)</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <font> </font><br> <font> </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font> <p><font> </font> </p><p><font>1. - O “Banco AA, S. A.”, propôs acção declarativa contra BB e mulher, CC, DD, EE, FF e GG, pedindo que fossem declaradas ineficazes em relação à Autora as doações efectuadas pelos Réus BB e mulher em favor dos demais réus, ordenando-se a restituição dos prédios doados na medida do interesse da A., de modo a poder este executá-los no património dos obrigados à restituição, para satisfação integral do seu crédito.</font> </p><p><font>Para o efeito, alegou, sumariamente, que intentou contra os Réus BB e mulher e contra “HH - …, Lda.”, de que aqueles são sócios e ele gerente, execução para pagamento de quantia certa, baseada em livrança, emitida em 9/4/2001, com vencimento em 29/12/2003, subscEE pela referida sociedade e avalisada pelos ditos Réus, em “garantia” de um crédito de conta corrente. Efectuada a penhora, verificou-se que os bens imóveis por ela abrangidos tinham sido doados aos demais Réus, filhos dos primeiros e com eles conviventes, em 27/9/2002, todos sabendo que nem a “HH” nem os RR. BB e mulher dispunham de outros bens ou rendimentos suficientes para garantirem o pagamento do crédito. &nbsp;</font> </p><p><font>&nbsp;Contestando e pugnando pela improcedência da pretensão da autora, os Réus alegaram, em síntese, que na altura da celebração do contrato de abertura de crédito a livrança foi entregue à A. em branco e foi preenchida em data posterior a 3/10/2003, pelo que, à data da escritura de doação, 27/8/2002, não existia qualquer crédito vencido, ou sequer qualquer crédito, relativamente à “HH” ou aos RR., seus avalistas. Além disso, à data da escritura de doação a “HH” tinha uma situação económica estável e estava financeiramente saudável, só começando a ter dificuldades em meados de 2003, e os RR. doadores tinham outros prédios, não tendo havido qualquer má fé ou conluio, mas apenas uma sucessão de infortúnios, causados por elevados débitos à “HH”. </font> </p><p><font>A final foi proferida sentença em que se julgou totalmente procedente a acção e se declaram ineficazes, em relação à Autora, as doações em causa.</font> </p><p><font>Os Réus apelaram, mas a Relação confirmou o sentenciado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Os mesmos Réus interpõem agora recurso de revista.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Nele pedem a revogação do acórdão e insistem na improcedência da acção, para o que argumentam nas conclusões (cujo conteúdo útil se transcreve) da respectiva alegação:</font> </p><p><font>A. No presente recurso de Revista importa submeter ao veredicto deste Supremo Tribunal, as conclusões e os pontos, nomeadamente os seguintes: </font><a></a><font>a actuação dos recorrentes BB e esposa, enquanto sócios da HH e como doadores; a relevância da data de preenchimento da livrança e vencimento do crédito do recorrido Banco; a relevância de existência de património de valor suficiente à data da doação em causa nos autos e durante que período de tempo.</font> </p><p><font>B. Os RR. BB e mulher, contrariamente ao afirmado nas decisões de 1ª e 2ª Instância, nomeadamente na segunda, não actuaram dolosamente em nenhuma das duas seguintes situações: nem o fizeram enquanto gerentes da Sociedade HH, nem no período de 200212003, nem no período que a este se sucedeu de maiores dificuldades, como não fizeram também com a celebração do acto impugnado; </font> </p><p><font>C. Durante o ano de 2002, a sociedade HH tinha uma situação estável, trabalhava regularmente, tinha obras em curso, mantendo relações do seu comércio e actividade com pelo menos duas grandes empresas da construção civil: a Amigável e a JJ, conforme resulta das respostas à matéria de facto contida nos itens da decisão recorrida designados pelas letras: rr; ss; tt; uu; vv; e xx; </font> </p><p><font>D. E não escondeu nada ao Banco A., este é que, como vieram os RR. a saber mais tarde, tinha já conhecimento da dificil situação económica e financeira da empresa JJ, Lda., principal cliente da HH, e não alertou os gerentes desta desse facto, conforme resulta claramente do contexto da matéria alegada pelos RR. e da considerada provada nos itens o, p, 11; aliás, o Banco recorrido conhecia as instalações da HH que visitou várias vezes, e acompanhou a vida comercial desta sociedade. Como é possível concluir que os RR. esconderam as dificuldades?!</font> </p><p><font>E. Os recorrentes sabem que o quesito 28° da B.I. teve resposta negativa, mas dessa resposta negativa não resulta que tenha ficado provado o contrário; ora para efeitos de se considerar a existência de ocultação intencional e dolosa de uma situação, que não existia importa extrair conclusões diversas dos documentos que constam dos autos, os quais embora não tenham sido na opinião do julgador suficientes para a resposta positiva a essa matéria do n° 28 do BI não deixam de ser relevantes, nomeadamente as interpelações verbais e até escEE à sociedade JJ (doc. 7 do requerimento de prova); cópia da queixa crime apresentada nos serviços do M. P. do Tribunal de Ovar (doc. 10 e 11) e notificação do Tribunal de Santa Maria da Feira de que não existem bens da sociedade devedora Amigável e que esta desapareceu sem deixar rasto; </font> </p><p><font>F. Os RR. BB e mulher enquanto gerentes da sociedade HH não agiram com dolo, nem ocultaram a situação das suas dificuldades económicas dessa sociedade porque essas só surgiram em 2003; </font> </p><p><font>G. O A., aqui recorrido, na petição inicial, alegou que a actuação dos RR. BB e mulher na condução dos negócios da empresa em 2002 lhe foi habilidosamente escondida por eles, mas não alegou que o acto impugnado (doação) foi praticado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito de crédito do A., como efectivamente foi;</font> </p><p><font>H. Diz o Acórdão recorrido que o dolo dos RR BB e esposa se constituiu no início de 2002, quando de facto essa situação se não verificou, não tendo havido qualquer actuação dolosa que se tenha iniciado no princípio de 2002 por parte dos doadores: </font> </p><p><font>I. Sem contar com os artigos 614 (casa antiga com a valor tributável de 206,86€) e prédio dos art. 3043 e 3044 (terreno rústico de pinhal com o valor tributável de 31,55€) conforme consta da escritura de doação junta com a petição inicial, os recorrentes BB e mulher tinham os artigos 3727 (lote 12) adquirido pelo valor de 4.500.000$00 (22.445€) à data de 23 de Março de 2000; e o art. 2774-0 fracção autónoma adquirido por 69.831,71€, e que à data da doação tinham valor real consideravelmente superior; </font> </p><p><font>J. Quem como os recorridos BB e esposa deixa a casa velha por não ter condições, compra um apartamento novo em 20 de Março de 2002 por valor muito superior a 70.000€ e, após férias de 2002, inicia a construção, a cargo da JJ, da sua vivenda no lote que lhe pertencia, não está a agir com dolo; estão a adquirir, a investir confiados no trabalho e no futuro; quem compra em Março, antes da doação, um apartamento com as características descEEs da escritura, quem inicia e continua a construção de vivenda na altura em que pratica o acto impugnado não age de certeza absoluta com má fé, com dolo, ou qualquer outra habilidade; </font> </p><p><font>K. Não se verificando a circunstância de actuação dolosa dos recorrentes e não se verificando também, na opinião dos mesmos, que o crédito do A. seja anterior ao acto impugnado, deveria ter a acção improcedido, o que se pretende através do presente Recurso de Revista; </font> </p><p><font>L. Com interesse e relevância para a decisão da questão da anterioridade do crédito do A. em relação ao acto impugnado ficou provada a matéria de facto da alínea K (renovação do contrato); F (denúncia do contrato em 08/07/2003); M (montante do débito à data, de 48.882,22€); e ainda os itens da decisão recorrida que se indicam: item r (emissão da livrança em 09.04.2001); s (abertura nessa altura de um crédito em conta corrente); </font> </p><p><font>M. O contrato em causa foi denunciado em 08/07/2003, com indicação de pagamento para 03/10/2003 e a livrança que, em 09/04/2001, foi entregue em branco, somente foi preenchida depois desta data de 03/10/2003, conforme consta expressamente da resposta ao quesito 22 da BI - item kk da decisão recorrida; </font> </p><p><font>N. Nestas circunstâncias, não se pode concluir que o direito de crédito cambiário se constitui no momento da sua emissão e entrega em branco ao A. em 09/04/2001, antes pelo contrário, apenas com o vencimento é que tal crédito passa a existir; devendo ser considerado que o crédito é posterior à escritura de doação, não se verificando pois o pressuposto no art° 610º alínea a) do e.e., tal como já foi decidido pelo S.T.J. - Acórdão de 12/07/2005; </font> </p><p><font>O. Por não ter havido "conhecimento prévio consumado no início de 2002, nem actuação dolosa dos RR. BB e mulher importa equacionar e apreciar esta questão da anterioridade que, conforme ficou atrás exposto, os recorrentes entendem não se verificar e, por isso, também consideram não estar verificada a condição da alínea a) do art. 6100 do C.C. de que depende o êxito da impugnação pauliana; </font> </p><p><font>P. Não é, na altura da entrega da livrança em branco, em 09/04/2001, que se considera existir subscrição; a subscrição deste título verifica-se com a denúncia do contrato, vencimento do saldo credor a favor do banco A. e preenchimento daquela livrança; </font> </p><p><font>Q. Ora, o contrato foi denunciado em 08/07/2003, com indicação de pagamento para 03/10/2003, tendo sido completado o preenchimento da livrança depois desta altura, com data de vencimento para 2003/12/29;&nbsp;</font> </p><p><font>R. O douto Acórdão recorrido também julgou verificada a condição da impugnação que consta do art° 610º alínea b), do Código Civil, considerando para chegar a tal decisão, entre outros argumentos que: o lote 12 e a fracção O são irrelevâncias e que os prédios objecto da doação eram os únicos bens conhecidos dos RR. e que foram estes e apenas estes que serviram de apoio creditício e que podiam garantir e assegurar a cobrança do crédito do autor; os recorrentes não concordam em absoluto: </font> </p><p><font>S. Com efeito, havia e houve, havia outros bens de que o Banco recorrido também tinha e teve sempre conhecimento e na existência de todos eles é que se baseou e justificou o apoio creditício, conforme, aliás, consta expressamente do documento junto pelo A. ora recorrido na sua réplica de fls. 115, onde consta a existência de outros imóveis conhecidos do Banco; </font> </p><p><font>T. Os artigos 614 e 3043 e 3044 objecto da doação não eram os únicos bens conhecidos do A.; havia outros e este bem sabia que podia executar e podia tê-lo feito e, contrariamente ao referido no Acórdão recorrido o lote 12 e a fracção autónoma "O" não são irrelevâncias; são bens que, pelos preços de aquisição, somam valor superior a 90.000€, e cujo valor venal real e efectivo era muitíssimo superior; note-se, em comparação, que os bens objecto da doação são constituídos por uma casa antiga (art. 6144) em mau estado de conservação, com o valor tributável de 206.86€, e um terreno rústico, com valor patrimonial de 3 1.55€;</font> </p><p><font>&nbsp;U. O Banco, com todos os recursos, materiais, humanos e técnicos de que dispõe e como entidade conhecedora das realidades sociais que são o dia a dia das instituições de crédito deveria ter sido mais lesto; os RR. comunicaram ao Banco A. a situação de dificuldade da sociedade HH; o Banco tomou disso conhecimento, denunciou a conta corrente; fixou prazo de pagamento; preencheu a livrança e depois aguardou cerca de 2 anos e meio para requerer a execução; </font> </p><p><font>V. Neste contexto, entendem os recorrentes que não se verifica a condição constante do art. 610, b) do Código Civil.</font> </p><p><font>X. Está nos documentos que à data da doação e nos tempos que se lhe seguiram os RR. BB e mulher CC possuíam no seu património o lote 12 identificado e a fracção autónoma designada pela letra O já identificada, que só foi alienada em 17 de Novembro de 2004; </font> </p><p><font>Y. A situação patrimonial que, no caso concreto, determina a não verificação da condição da alínea b) do art. 610° não é, ao contrário da conclusão contida no Acórdão recorrido cingida ao momento da doação, ao seu dia, à semana ou mês seguintes, ela manteve-se longos meses quer em relação a um quer em relação ao outro dos imóveis. </font> </p><p><font>A decisão constante do Acórdão recorrido violou as normas constantes dos artigos 75, 76 e 77 da LULL e do art. 610° do Código Civil, devendo ser revogada. </font> </p><p><font> </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; A Recorrida apresentou resposta em apoio do julgado, cuja confirmação, a concluir, peticionou.</font> </p><p> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 2. - Do conteúdo das conclusões dos Recorrentes, e nos termos por eles próprios enunciados, a </font><b><font>questão </font></b><font>proposta para apreciação e decisão é a do concurso dos requisitos gerais de procedência da impugnação pauliana, concretizada nas </font><b><font>sub-questões</font></b><font> da verificação dos seguintes pressupostos:</font> </p><p><font>&nbsp;- Actuação dolosa dos Réus doadores; </font> </p><p><font>- Anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnado - relevância da data de preenchimento da livrança e vencimento do crédito do recorrido Banco; e,</font> </p><p><font>- Impossibilidade, para o credor, de satisfação do seu crédito - relevância de existência de património de valor suficiente à data da doação em causa nos autos e posteriormente.</font> </p><p><font>3. - Após as alterações introduzidas pela Relação, o </font><b><font>quadro</font></b><font> </font><b><font>factual</font></b><font> a considerar ficou constituído como segue: </font> </p><p><font>a) Por força das fusões, por incorporação, os direitos e obrigações das sociedades incorporadas transmitiram-se para a instituição bancária agora demandante, nos termos do disposto no art. 112 do Código das Sociedades Comerciais – alínea A) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>b) Em 3/2/2006 o autor intentou contra os réus BB e mulher e HH, …, Lda., de que aqueles são quotistas e ele gerente, execução para pagamento de quantia certa, no valor inicial de 54.608,01€, distribuída sob o nº 2560/06.3YYPRT à 3ª Secção do 2º Juízo de Execução do Porto –doc. 1 – alínea B) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>c) Baseada em livrança no valor de 10.070.991 escudos, equivalente a 50.233,89€, com vencimento designado para 29/12/2003, subscEE pela referida sociedade e avalisada pelos réus BB e mulher, ascendendo o inerente crédito exequendo, em 20 do corrente, a 57.671,03€ – docs. 2 e 3 – alínea C) da Matéria de Facto Assente. </font> </p><p><font>d) No respectivo requerimento inicial foram nomeados à penhora, para além de outros bens, os dois imóveis seguintes: 1 – Prédio urbano: casa de um pavimento, logradouro e quintal, sito no lugar de Santo António, freguesia de Grijó, deste concelho, descrito na 2ª CR Predial de VN Gaia na ficha 03163/081100 e inscrito no art. 614 da respectiva matriz predial; 2 – Prédio rústico: terreno a pinhal, sito no lugar de Lagos, freguesia de Grijó, igualmente deste concelho, descrito na 2ª CR Predial de VN Gaia na ficha 03188/150101 e inscrito nos arts. 3043 e 3044 da respectiva matriz predial – alínea D) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>e) Visto pertencerem a esses réus, que os haviam registado em seu favor, o primeiro por ap. 09/091172 e 53/081100 (G-1 e G-2) e o segundo por ap. 18/150101 (G-1) – alínea E) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>f) Todavia, o registo de penhora sobre esses dois imóveis veio a ser lavrado provisório por natureza, ao abrigo do art. 92, 2, a), do CR Predial, conforme ap. 80/100706 (F-1). Em virtude dos citados prédios se encontrarem registados em favor dos réus DD, EE, FF e GG por ap. 05/090902 (G-3 e 2), conforme certidões que se dão por reproduzidas – docs. 4 e 5 – alínea F) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>g) Nessa esteira, tendo requerido se desse cumprimento do disposto no art. 119, 1, do CR Predial, os titulares inscritos vieram declarar que os ditos “prédios são efectivamente propriedade sua” – doc. 6. Pelo que o Magistrado que conduz o processo executivo remeteu “os interessados para os meios comuns” – doc. 7 – alínea G) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>h) Com efeito, como só então e por essa via se apercebeu, esses prédios haviam sido doados pelos réus BB e mulher aos demais réus por escritura pública outorgada em 27/8/2002, no Cartório Notarial de Espinho – doc. 8 – alínea H) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>i) Os réus DD, EE, FF e GG são descendentes dos réus BB e mulher e todos vivem na residência ante-indicada em comunhão de mesa e habitação – docs. 9 a 13 – alínea I) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>j) Dispondo, a título de “garantias”, como é usual nestas circunstâncias, de “aval dos vossos sócios”, precisamente os réus BB e mulher, “que será aposto”, como foi, em “livrança em branco”, subscrita pelos firmantes previstos, “acompanhada de carta nos termos usuais neste Banco”, permitindo-se, se necessário, como no caso foi, o seu ulterior preenchimento – doc. 16 – alínea J) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>k) Ora, este crédito era “válido até” 3 de Outubro seguinte e considerava-se “automaticamente renovado por períodos de 6 meses”, a não ser que fosse oportunamente denunciado por “qualquer das partes” em presença – alínea K) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>l) Faculdade essa que o banco mutuante se viu forçado a utilizar em 8/7/2003, conforme correspondência que dirigiu à HH – doc. 17 – alínea L) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>m) Sendo certo que a respectiva “conta crédito” apresentava então um saldo em “nosso favor” de 48.882,22€, que a devedora não satisfez voluntariamente, apesar das facilidades nesse sentido concedidas – doc. 18 – alínea M) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>n) Acresce que as quotas que um e outro possuem no capital social da HH, no valor nominal de 12.469,95€ cada uma e que se encontram penhoradas no processo executivo identificado, pouco valem actualmente, atendendo à profunda crise que a HH atravessa há sensivelmente cinco anos e de que não dá sinais de efectiva recuperação. Em termos puramente nominais o seu valor está longe de ser suficiente para satisfazer a dívida exequenda da HH e dos seus avalistas, visto corresponder a menos de 50% do respectivo montante – alínea N) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>o) A HH é ainda devedora de duas letras de câmbio, do seu saque e endosso e aceite de terceiros, ambas dadas à execução pelo Banco AA, no valor inicial de 1.601,63€ e de 2.447,73€ e não solvidas até à data – docs. 23 e 24 – alínea O) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>p) Bem como de duas outras, no valor de capital de 8.130€, desta vez do saque e endosso da aludida AM e aceite do próprio réu BB, igualmente em fase executiva, num e noutro caso também sem recuperação à vista – doc. 25 – alínea P) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>q) No decurso do processo executivo que contra eles pende nos Juízos de Execução do Porto apenas foi possível penhorar à sociedade diverso equipamento fabril, de valor insignificante, para mais já com penhora anterior, em favor de congénere, que inteiramente o absorve – doc. 26 – alínea Q) da Matéria de Facto Assente.</font> </p><p><font>r) A livrança referida em C) foi emitida em 9/4/2001 – artigo 1 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>s) A livrança ajuizada titulou um crédito em conta-corrente, de 10.000.000 de escudos, concedido pelo autor à HH em 9/4/2001, destinado a financiar o seu giro mercantil e por esta integral e efectivamente utilizado – docs. 14 e 15 – artigo 2 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>t) O incumprimento da conta crédito (al. m)) ficou a dever-se à situação difícil em que a sociedade já se encontrava, pelo menos desde o início de 2002, e de que não recuperou depois – artigo 3 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>u) Que, habilidosa e intencionalmente, ocultou ao autor durante mais de um ano – artigo 4 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>v) Apenas lhe deu conta do que efectivamente se passava em meados de 2003, por correspondência de 30 de Maio e de 3/7/2003, que igualmente acompanha esta – docs. 19 e 20 – artigo 5 da Base Instrutória. </font> </p><p><font>w) Os réus BB e mulher, únicos sócios da HH, cabendo ao cônjuge varão a sua gestão diária, logo conhecedores directos da apontada situação, sabiam perfeitamente que a HH não dispunha, nem tinha perspectivas de a curto prazo conseguir obter, os recursos financeiros necessários à regularização da dívida contraída perante o autor – doc. 21 – artigo 6 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>x) Que, para mais, era avultada perante a pequena dimensão da sociedade devedora e a escassez, cada vez mais notória, dos seus recursos e dos meios que conseguia libertar – artigo 7 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>y) Por outro lado, os bens ante-identificados, cuja existência e titularidade em seu favor o casal comunicara ao autor aquando do início do seu relacionamento comercial, atribuindo-lhes na altura um valor superior a 50.000.000 de escudos, sempre serviram de suporte/garantia do apoio creditício que foi concedendo à HH – artigo 8 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>z) E que, de outro modo, seguramente não teria concedido, ou pelo menos seria seriamente restringido – artigo 9 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>aa) Pelo que sabiam, também de antemão, como pessoas maduras e experientes que são, que esses imóveis, que, a par de outro, integravam o seu acervo imobiliário, em caso de incumprimento seriam mais cedo ou mais tarde nomeados à penhora pelo autor para obter a satisfação do seu apontado crédito – artigo 10 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>bb) Tanto mais que um terceiro imóvel (lote para construção) que igualmente possuíam, na freguesia de Grijó deste concelho, encontrava-se já severamente onerado por duas hipotecas em favor de particulares – artigo 11 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>cc) Acabando recentemente por ser dado em pagamento ao beneficiário da primeira, deixando assim também de integrar o património, dessa índole, dos réus BB e mulher – doc. 22 – artigo 12 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>dd) O recheio da residência dos réus BB e mulher foi acautelado com base em “declaração de comodato” em favor dos filhos – resposta ao artigo 13 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>ee) Doutro passo, nada mais lhes é conhecido, bem como à co-executada – artigo 14 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>ff) A HH já não possuía à data da apontada doação, nem tão pouco presentemente dispõe, de bens e/ou rendimentos suficientes para garantirem o pagamento do invocado crédito do autor – artigo 15 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>gg) O mesmo sucedendo, pelas razões apontadas, com os réus BB e mulher, seus quotistas e gestores – artigo 16 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>hh) Os imóveis por si então doados aos filhos eram os únicos bens conhecidos aos réus BB e mulher, que sempre basearam/justificaram o apoio creditício concedido à empresa e que podiam garantir e assegurar a cobrança do crédito do autor – artigo 17 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>ii) Válido até 3/10/2001 e renovável por períodos de seis meses – por referência à alínea s) – artigo 19 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>jj) Na altura da celebração do contrato identificado em 18 da Base Instrutória (alínea s)), os réus BB e mulher entregaram ao autor uma livrança em branco, conforme consta da cláusula 7ª do sobredito contrato – artigo 21 da Base Instrutória. </font> </p><p><font>kk) A livrança foi entregue em branco ao autor na data da assinatura do contrato de abertura de crédito, mas preenchida posteriormente a 3/10/2003 – artigo 22 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>ll) As responsabilidades tituladas por letras da sociedade JJ, Lda. por letras o autor continuava a aceitar descontar na conta da HH – artigo 24 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>mm) A gerência da filial do autor visitou as instalações várias vezes e sempre acompanhou a vida da sociedade HH – artigo 25 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>nn) Os avalistas e aqui réus BB e mulher possuíam no seu património imobiliário, pelo menos os seguintes bens:</font> </p><p><font>Prédio urbano, sito no Lugar de Santo António, Grijó, VN de Gaia (art. 614 urbano e registado sob o nº 3163) (doado na referida escritura); </font> </p><p><font>Prédio rústico de pinhal, sito nos Lagos, Grijó, VN de Gaia (art. 3043 e 3044, registado sob o nº 3188) (doado na referida escritura); </font> </p><p><font>O lote nº …, sito na Rua …, a confrontar do Norte com …, do Sul com a estrada, do Nascente com … e do Poente com o lote nº …, inscrito na matriz urbana de Grijó sob o nº … e registado sob o nº …; </font> </p><p><font>Fracção autónoma designada pela letra “O”, na Rua de …, …, rés-do-chão direito, Grijó, VN de Gaia, inscrita na matriz sob o art. 3959 e registada sob o nº 2774-O de Grijó – artigo 29 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>&nbsp;oo) Em Março de 2000, os réus BB e mulher adquiriram dois lotes, o nº 5 e o nº 12, este identificado do artigo anterior – artigo 30 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>pp) Os RR. optaram por vender o lote nº 5 com esse objectivo, o que acabaram por concretizar em meados de Dezembro de 2000 – artigo 33 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>qq) Os réus BB e mulher adquiriram a fracção indicada na alínea nn) indicada em quarto lugar, onde passaram a residir com o seu agregado familiar – artigo 35 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>rr) A construção da moradia foi adjudicada à sociedade JJ, Lda., empresa que simultaneamente era cliente da HH e para quem esta prestava serviços e empreitadas da arte de serralharia – artigo 36 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>ss) A sociedade HH deixou de pagar letras que tinha aceite para pagamento de diversas obras de serralharia que a HH tinha executado para a II, em valor não apurado – resposta ao artigo 44 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>tt) Foram ainda devolvidos à HH cheques que não lograram cobertura, em valor não apurado – resposta ao artigo 45 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>uu) Os gerentes tentaram a obtenção do pagamento quando descobriram que a JJ, Lda. tinha acumulado passivo – resposta ao artigo 46 da Base Instrutória. </font> </p><p><font>vv) Também a firma JJ, Limitada, de Rio Meão, Santa Maria da Feira, não pagou as letras que aceitou, tendo as mesmas sido debitadas à HH pelo banco que as descontou – artigo 47 da Base Instrutória.</font> </p><p><font>xx) A HH instaurou o processo judicial 1006/03.YXLSB – resposta ao artigo 48 da Base Instrutória”</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. - Mérito do recurso.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 1. – Delimitação do objecto do recurso.</font> </p><p><font>Como mencionado ao enunciar as sub-questões a apreciar na revista, em causa está apenas a verificação dos denominados requisitos gerais substantivos da impugnação, pois que, sendo de natureza gratuita o acto impugnado, desinteressa considerar o pressuposto má fé, específico da impugnação do acto oneroso (art. 612º-1 e 2 C. Civil). </font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; São, pois, pressupostos com pertinência relativamente à procedência da pretensão aqui em causa os previstos no art. 610º do C. Civil, a saber:</font> </p><p><font>- que haja diminuição da garantia patrimonial do credor, em termos de resultar do acto a impossibilidade total de satisfação do crédito ou o agravamento dessa impossibilidade (al. b) do preceito; </font> </p><p><font>- que o crédito seja anterior ao acto; ou, </font> </p><p><font>- que, sendo o crédito posterior ao acto, ter este sido dolosamente realizado com a finalidade de impedir a satisfação do direito do futuro credor.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp; Os Recorrentes colocaram em primeiro lugar a questão da apreciação da sua actuação, insurgindo-se contra a respectiva qualificação como dolosa.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Ora, porque não está em causa a impugnação de acto oneroso, a actuação dos Recorrentes alienantes só pode apresentar relevância se se estiver perante “crédito posterior” ao acto impugnado, vale dizer, à disposição dos bens por contrato de doação.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Deste modo, a lógica da apreciação e decisão impõe que se aprecie em primeiro lugar a questão da anterioridade do crédito e só depois, se for caso disso, a natureza do comportamento dos Recorrentes (art. 660º CPC).</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 2. - Anterioridade do crédito relativamente ao acto impugnado.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 4. 2. 1. - Os Recorrentes fazem assentar a sua tese da inverificação do pressuposto a circunstância de terem subscrito e entregue ao Banco Recorrido a livrança, em branco, em Abril de 2001, a qual só foi preenchida após 3 de Outubro de 2003, sendo que só com o vencimento do título (ocorrido em 29-12-2003) o crédito passa a existir.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; No acórdão recorrido, admitido que a dívida foi liquidada em 08/7/2003 e o respectivo pagamento exigido em 03/10/2003, ao que se seguiu a finalização do preenchimento da livrança, entendeu-se que a responsabilidade dos ora RR., BB e mulher, “já existia, na condição de avalistas da “HH”, condição essa que tinham deixado exarada na livrança em branco e no respectivo pacto de preenchimento”.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; &nbsp;&nbsp;&nbsp; Não se dissente desse entendimento.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Como dá conta a matéria de facto, a livrança foi emitida e entregue pelos RR. à A., na data da assinatura de um contrato de abertura de crédito em conta-corrente e para titular esse crédito concedido pela A. à “HH, Lda.”, e por esta efectivamente utilizado, válido até 03/10/2001.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Do mesmo contrato, assinado pelos RR. em representação da “HH”, consta a condição 7 que prevê como garantia o aval dos sócios aposto em livrança em branco, acompanhada de carta nos termos usuais, em anexo, carta essa que constitui o pacto de preenchimento da livrança subscrita pela “HH”, representada pelos RR. - os seus únicos sócios sendo ambos conhecedores directos da respectiva situação económica -, e por estes, enquanto avalistas do título de caução, mediante o qual ficou o “Banco autorizado a acabar de a preencher, fixando-lhe o vencimento e indicando, como montante, tudo quanto constitua crédito do Banco, logo que deixemos de cumprir alguma obrigação caucionada”.</font> </p><p><font>Decorre dos elementos descritos, entre outros que as Partes trouxeram ao processo, que a relação entre elas, que acabou por dar origem ao litígio, configura uma actuação frequente no relacionamento entre empresas comerciais e a Banca: - celebram-se, para financiamento das primeiras, contratos de abertura de crédito em conta corrente, e, para garantia de cumprimento da obrigação do respectivo pagamento, recorre-se a livranças subscritas pela beneficiária desses financiamentos e avalizadas pelos seus sócios ou por terceiros, que oferecem, assim, uma garantia de ordem pessoal. Trata-se da denominada “conta corrente caucionada”, por garantida através de livrança-caução.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; No caso, tal garantia pessoal foi dada pelos ora Recorrentes, mediante a aposição das suas assinaturas, como avalistas, em livrança em branco, livrança que ficou na posse do Banco recorrido, que, por sua vez, ficou com a faculdade de a acabar de preencher pelo valor constante do seu crédito ao tempo de qualquer incumprimento da obrigação caucionada, fixando-lhe a data do vencimento.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&n
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - AA intentou contra o Estado Português acção declarativa condenatória pedindo que se reconhecesse que o despacho judicial que decretou a prisão preventiva do aqui Autor após a sua detenção, em 21 de Julho de 1999, é manifestamente ilegal, o que lhe confere direito a indemnização pelos danos sofridos com a privação da liberdade, condenando-se o Réu no pagamento: </font><br> <font> - “ da quantia total de 562.739,20 €, a título de danos patrimoniais;</font><br> <font> - a quantia de 8.409,87 €, a título da compensação que, com equidade, pague ao autor a desvalorização efectivamente sofrida pela viatura Nissan Patrol tendo em atenção os quilómetros percorridos (e o facto de não ser legal e legítima a apreensão efectuada, porque destituída de fundamento e não justificada, aliás à semelhança das outras viaturas); </font><br> <font> - a quantia de 748.196,85 €, a título de danos morais;</font><br> <font> - (...) dos montantes pagos pelo A. a título de juros pela quantia de seiscentos e cinquenta mil contos que constituíam responsabilidades e endividamento bancário que o autor assumiu a título individual, a liquidar em sede execução de sentença.”</font><br> <br> <font>Fundamentando as suas pretensões, o A. alegou, em síntese que foi detido, em 21 de Julho de 1999, pela Policia Judiciária (PJ), a fim de ser presente ao Juiz de Instrução Criminal no Tribunal Judicial de Sintra, para primeiro interrogatório judicial, por o mesmo estar indiciado na prática de um crime de tráfico estupefacientes, tendo-lhe sido aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, após aquele interrogatório.</font><br> <font>Acontece, porém, que tal despacho é ilegal por destituído de fundamentos fácticos e jurídicos, pois não existiam no processo provas susceptíveis de incriminar o ora A., além da invocada transcrição de umas inválidas escutas telefónicas efectuadas no Brasil, invalidade que era do conhecimento da Mma. Juíza do TIC ao tempo em que proferiu o despacho.</font><br> <br> <b><font>O </font></b><font>Réu Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou. </font><br> <font>Sustentou que, ao contrário do que é referido na petição, o despacho que decretou a prisão preventiva do ora Autor é uma decisão legal e a medida foi decretada com a necessária ponderação, mediante prova indiciária suficiente, não integrada apenas pelas escutas, não constituindo de modo algum um erro grosseiro, razão pela qual deve improceder a acção.</font><br> <br> <font>No despacho saneador julgou-se a acção improcedente, com a absolvição do pedido do Estado Português, decisão que a Relação confirmou.</font><br> <br> <br> <font>O Autor interpôs recurso de revista, como tal recebido, mas que, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho do relator, foi mandado seguir como agravo.</font><br> <br> <font>Pretende o Autor que se revogue a decisão recorrida, a substituir por outra em que: </font><br> <font>“a) apreciada a prova documental existente nos autos, considere procedentes, por provados, os factos que fundamentam os pedidos formulados pelo A./recorrente nas als. a), b), c) e d) da sua petição inicial e ordene que se proceda à marcação de nova audiência preliminar para selecção da matéria de facto nos termos, conjugados, dos arts. 508°-A e 511° do C.P.Civil, para discussão dos pedidos constantes das als. e), f), g) e h), seguindo-se os ulteriores trâmites processuais; </font><br> <font> ou, se assim, não se entender, revogar-se a decisão recorrida, </font><br> <font>b) ordenando-se que se proceda à marcação de nova audiência preliminar para selecção da matéria de facto levando-se em linha de conta os factos supra alegados nos parágrafos 8, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 23, 24, 25 e 26, nos termos, conjugados, dos arts. 508°-A e 511º do C. P. Civil, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais”. </font><br> <font>Para tanto, argumentou nas conclusões da alegação, cujo conteúdo se transcreve:</font><br> <br> <font>[…]</font><br> <font> </font><br> <font>2. – A </font><b><font>questão </font></b><font>a conhecer é a de averiguar, considerando as pretensões ou pedidos formulados pelo Autor-recorrente, se se encontra articulada ou alegada matéria de facto que não tenha sido considerada na decisão recorrida, sendo relevante para apreciação e solução jurídica daquelas pretensões. </font><br> <br> <br> <font>3. - As Instâncias consideraram provados os </font><b><font>elementos</font></b><font> </font><b><font>de</font></b><font> </font><b><font>facto</font></b><font> que seguem:</font><br> <br> <font>[…]</font><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso:</font><br> <br> <font>4. 1. - Como se antecipou no despacho que rejeitou o prosseguimento do recurso como revista e o admitiu na espécie de agravo, este Tribunal Supremo, com poderes de cognição centrados na matéria de direito, isto é, actuando como tribunal de revista, tem, também no recurso de agravo, esses poderes limitados relativamente à apreciação da matéria de facto nos mesmos termos em que o conhecimento dessa matéria lhe está vedada no âmbito do recurso de revista – art. 755º-2.</font><br> <br> <font> Na verdade, como é sabido, a regra é que, com ressalva dos casos excepcionais legalmente previstos, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito (art. 26º LOFTJ).</font><br> <font>Nessa conformidade, como tribunal de revista, regra é também que o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue adequado (art. 729º-1 C. P. C.).</font><br> <font>Excepcionalmente, deve apreciar o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa cometido pela Relação se houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova (arts. 722º-2 e 729º-2 do mesmo Código).</font><br> <br> <font>Assim, o STJ só poderá sindicar o conhecimento da matéria de facto fixada pela Relação quando esta considerar como provado um facto sem produção da prova por força da lei indispensável para demonstrar a sua existência ou se houver desrespeito das normas reguladoras da força probatória dos meios de prova admitidos na lei, numa palavra se ocorrer violação de normas de direito probatório material, o que, como também antes verificado e afirmado - a propósito da rejeição do recurso como revista -, não vem invocado. </font><br> <br> <font>Porque assim é, e porque a averiguação e fixação da matéria de facto é da tarefa da exclusiva competência das instâncias, na qual o STJ não pode imiscuir-se (arts. 722º e 729º CPC), veda o n.º 6 do art. 712º o recurso para este Tribunal das decisões “atinentes a matéria de facto” previstas no artigo (cfr. relatório do DL n.º 375-A/99, de 20/9).</font><br> <font>Trata-se de preceito que, no âmbito do respectivo campo de aplicação, designadamente, como é o caso, no tocante a valoração e fixação da matéria de facto a coberto do art. 712º, impede absolutamente o recurso para o Supremo, o que, de resto, bem se compreende à luz do princípio de que este é um Tribunal de revista que só conhece, em princípio de matéria de direito, conhecendo de matéria de facto apenas, como dito, sob o ponto de vista da observância das regras de direito probatório material (arts. 722º e 729º cit.).</font><br> <br> <font>4. 2. - Reiterando o que no aludido despacho do relator ficou definido, o que está – porque só isso pode estar - verdadeiramente em causa neste recurso é a questão de saber se era possível proferir decisão sobre o mérito da causa no despacho saneador, correspondendo a matéria de facto seleccionada para essa decisão ao critério legal, critério que há-de ser, segundo se crê, o vertido no art. 511º-1 CPC, ou seja, a consideração, na fundamentação de facto da decisão, da </font><i><font>matéria de facto relevante, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito</font></i><font>.</font><br> <br> <font>Com efeito, tendo por certo constituir o juízo de insuficiência factual para conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, em princípio, questão de facto que, enquanto tal, cabe na competência reservada das instâncias, já a selecção da matéria relevante e necessária à boa apreciação e decisão da lide extravasa o campo da pura matéria de facto, implicando a utilização de critérios jurídicos tendentes a averiguar se os factos, ou determinados factos, integram a previsão de certas normas jurídicas, à luz da relação entre a causa de pedir e o pedido.</font><br> <font>É que, como, então, se escreveu e agora se mantém, não havendo aqui lugar a qualquer “margem de indeterminação a resolver pelo recurso a critérios de oportunidade” na avaliação do concurso dos elementos necessários à aplicação do art. 510º-1-b), “do que se trata sempre é como deve aplicar-se o direito (…), questões em que pode entrar qualquer margem de discricionariedade”. (ANSELMO DE CASTRO, “</font><i><font>Lições de Processo Civil</font></i><font>”, III, 1966, 405; vd. ac. STJ, de 22/01/92, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 413º-390), donde que, assim postas as coisas, perante uma verdadeira questão de direito.</font><br> <br> <br> <font>O critério a utilizar em ordem a ajuizar sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito da causa, sem necessidade de mais provas, como previsto no referido art. 510º-b) há-de, pois, traduzir-se na qualificação jurídica do pedido e dos factos articulados, mormente dos que integram a causa de pedir, ficcionando como provada toda essa factualidade e fazendo repercutir as possíveis qualificações jurídicas por ela comportadas nas pretensões formuladas, na respectiva relação de causa e efeito.</font><br> <font>Assim, a selecção da matéria relevante e necessária à boa apreciação e decisão da lide, será toda a alegada que contribua para a integração das normas jurídicas susceptíveis de suportarem a procedência do pedido ou, sendo caso disso, de excepção.</font><br> <br> <font>Dito de outro modo, o processo prossegue, com a selecção da matéria de facto controvertida, para prova da que relevar para a decisão de mérito atendendo às várias soluções que a questão comporte, se e quando o apuramento, averiguação e fixação da matéria de facto relevante dependa de produção de prova.</font><br> <font> </font><br> <font>Quando tal não suceda, ou porque toda a matéria de facto articulada é inapta para produzir o efeito jurídico pretendido, como sucede nos casos de manifesta improcedência, ou quando a matéria controvertida é inidónea para modificar o efeito jurídico da que já se encontre definitivamente adquirida, por provada, então o julgador deve conhecer imediatamente dos pedidos, pois que não faria qualquer sentido submeter à prova factos que, a virem a provar-se, sempre irrelevariam na apreciação e solução jurídica do pedido formulado.</font><br> <font>Se a prova, ou não, dos factos articulados se revela indiferente relativamente a qualquer das soluções plausíveis, então também será indiferente que eles se mantenham controvertidos, impondo-se a apreciação imediata do mérito.</font><br> <font> Para tanto, como já se adiantou, deverá o julgador, na fundamentação de facto da sentença, ficcionar esses factos como provados, demonstrando, no silogismo judiciário decisório, a sua inaptidão ou inidoneidade para produzirem o efeito jurídico reclamado.</font><br> <br> <br> <font>4. 3. - Implicando essa actividade, como dito, a utilização de critérios jurídicos consistirão estes, desde logo, em convocar, definindo-os, os fundamentos jurídicos (conceitos e qualificações) do direito accionado.</font><br> <br> <font>Nesta acção, estão em causa os conceitos de “prisão preventiva manifestamente ilegal” e de “prisão preventiva injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia”, constantes dos nºs 1 e 2 do art. 225º do CPP, para efeitos de indemnização por danos sofridos com a privação da liberdade.</font><br> <br> <font>Trata-se, no primeiro caso, de situações em que a prisão tem origem em decisão cuja ilegalidade seja manifestamente notória, ou seja, evidente ou inequívoca, objectivamente evidenciada pela situação fáctico-jurídica em presença. </font><br> <font>No segundo caso, não se estando já perante uma medida ilegal, a mesma vem a revelar-se injustificada por erro grosseiro na valoração dos respectivos pressupostos de facto. Há um erro de facto, incidente sobre os pressupostos de facto, que não sobre fundamentos de direito. Aqui estamos perante uma privação de liberdade com cobertura legal, apenas revelando o erro que incidir sobre a factualidade que o julgador considerou para fundamentar a decisão, erro que, note-se, sempre terá de configurar-se como grosseiro ou indesculpável, isto é, aquele que um julgador dotado de normal capacidade e experiência tinha obrigação de não cometer (cfr. sobre o tema, o ac. deste Tribunal de 22/01/08 - proc. 07A2381, em que intervieram, como adjuntos, o aqui Relator e o 1º Adjunto).</font><br> <br> <br> <font>4. 4. - Aqui chegados, tendo sempre presente a assinalada limitação dos poderes de cognição deste Tribunal, resta averiguar se as Instâncias, na sobredita tarefa de subsunção aos conceitos acolhidos pelo art. 225º C.P.P., utilizaram toda a factualidade útil posta à sua disposição nos articulados, </font><i><font>maxime </font></i><font>na petição inicial, vale dizer se, além da factualidade seleccionada e considerada, há outros factos que, provados, deveriam ser incluídos entre os que foram dados como assentes, ou se há outros factos articulados que, embora controvertidos, devessem ser chamados a intervir após sujeição ao crivo da prova, isto é, se foram desconsiderados factos que, por serem relevantes para o preenchimento dos conceitos legais mencionados, deveriam figurar em base instrutória (art. 511º-1). </font><br> <font> </font><br> <font>De coisa diferente desta última hipótese não trata, de resto, o art. 729º-3 CPC ao facultar excepcionalmente ao Supremo a devolução do processo às Instâncias para ampliação da matéria de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão jurídica do pleito, desde que, obviamente, a factualidade relevante omitida tenha sido alegada no momento e local processualmente adequados.</font><br> <br> <br> <font>4. 4. 1. - O Recorrente repõe, neste recurso, as pretensões e argumentação que colocou perante a Relação no recurso de apelação.</font><br> <br> <font>Já se afirmou que a fixação da matéria de facto é, em princípio, da exclusiva competência das Instâncias e não vem invocada violação de qualquer norma de direito probatório material à sombra da qual devam ter-se por adquiridos ou serem eliminados factos havidos como assentes na decisão recorrida, todos eles extraídos de documentos juntos ao processo, os quais, por sua vez, são constituídos por peças processuais integrantes de processos criminais.</font><br> <br> <br> <font>4. 4. 2. - Apreciando, agora, mais especificamente:</font><br> <br> <font>4. 4. 2. 1. - O Recorrente continua a sustentar que os factos 13. a 23. não só não foram especificadamente alegados pelo Réu como não são verdadeiros, não tendo suporte factual.</font><br> <br> <font>Respondeu a Relação tratar-se de declarações escritas prestadas no Inquérito criminal, com relevância para a decisão.</font><br> <br> <font>Importa desde já dizer, muito claramente, que, como o R. bem sabe, a matéria constante dos pontos de facto em causa corresponde ao depoimento de BB e não, como em consequência de lapso ou erro de escrita se lê, de CC.</font><br> <font>Tal lapso ou erro material apresenta-se ostensivo, como resulta do simples confronto do transcrito nesses pontos com o que consta do ponto 24., quanto à identificação das testemunhas e, se necessário fosse, dos documentos de onde foram extraídos (fls. 66 a 71 – doc. 2).</font><br> <font>Consequentemente, deve operar-se a pertinente rectificação, que se impõe ao abrigo do disposto nos arts. 249º do C. Civil e 667º CPC..</font><br> <font>Assim, no ponto 13., onde está escrito CC passa a constar BB, o autor das declarações àquele atribuídas.</font><br> <br> <font>É efectivamente verdade que o R. não verteu na contestação o conteúdo dos depoimentos transcritos na matéria de facto seleccionada.</font><br> <font>Porém, para eles remeteu no art. 17º da contestação onde, impugnando os arts. 16º e 17º da p.i., escreveu que nos “relatos efectuados pelos agentes da PJ (…) havia a referência a factos concretos e outros elementos de prova circunstanciais (…) conforme documento que se junta sob o n.º 2”.</font><br> <font>Ao assim proceder, o R. remeteu o exacto teor do facto alegado para um documento que apenas lhe completava ou concretizava o conteúdo, dispensando a sua reprodução no texto.</font><br> <font>Ora, quando tal sucede, o reenvio para o documento não tem outro alcance que não seja a de, do mesmo passo, concretizar e integrar o facto alegado, dispensando uma transcrição claramente desprovida de utilidade.</font><br> <font>Deve, pois, tal matéria considerar-se integrada na descrição dos factos, tal como se tivesse sido expressamente ou materialmente reproduzida (cfr. ac. desta Conferência de 15/01/08 – proc. 4325/07-1).</font><br> <font> </font><br> <br> <font>4. 4. 2. 2. - Insurge-se o Recorrente contra a manutenção dos factos 24, 25 e 27 a coberto da sofismática argumentação que não poderia o agente BB confirmar declarações do agente CC que este não prestou.</font><br> <br> <font>Como se disse já, tudo decorre de uma troca de nomes dos agentes a que se pretendia aludir estando agora (neste ponto) em causa as declarações de DD, aludido no ponto 13..</font><br> <br> <font>Mais uma vez, como relativamente às declarações anteriormente referidas deve ter-se por rectificado o nome, e apenas isso, do autor do depoimento.</font><br> <br> <font>De notar, a terminar, que posição do Recorrente, neste ponto como no anterior, roça mesmo a má fé. </font><br> <font> </font><br> <br> <font>4. 4. 2. 3. - Quanto à pretendida eliminação dos pontos 39., 40. e 41. – transcrição do despacho de pronúncia - , vale integralmente o invocado quanto aos pontos 13. a 23.: trata-se, tão só, da concretização ou demonstração do alegado no art. 24º da contestação, dado por integrado através do documento n.º 4.</font><br> <br> <font>Acresce que, se considerada útil ou relevante a matéria constante do documento – questão que, pelas razões supra expostas, escapa à apreciação neste recurso -, sempre o princípio da aquisição processual acolhido no art. 515º CPC, imporia a sua consideração pelo Tribunal, independentemente da Parte que a trouxe ao processo.</font><br> <br> <font>Não colhe, mais uma vez, a pretensão do Recorrente.</font><br> <br> <br> <font>4. 4. 2. 4. - A acusação formulada nas conclusões 16ª e 17ª acaba por integrar uma arguição de omissão de pronúncia não devidamente formalizada, mas que integraria o vício previsto no art. 668º-1-d) CPC.</font><br> <font> </font><br> <font>Ora, a matéria em causa – aditamento dos factos documentados identificados nas conclusões 10. a 20 da apelação – foi devidamente apreciada, de modo fundamentado, e decidida no ponto 3.5 do acórdão recorrido.</font><br> <font>Aí se concluiu e decidiu que ora se estava perante matéria já incluída no acervo dos factos assentes, ora perante matéria de natureza conclusiva que, por isso, não é matéria de facto.</font><br> <font>Não ocorre, pois, nulidade alguma.</font><br> <br> <font>Depois, apesar de não se apontar, ao menos fundamentadamente, erro de julgamento, certo é que, mais uma vez, o juízo que se questiona, puramente sobre matéria de facto, é da exclusiva competência das Instâncias.</font><br> <br> <br> <font>4. 4. 2. 5. - A matéria vertida na conclusão 18ª, para além da novidade - esquecendo, de todo, que nos recursos se reapreciam questões colocadas para decisão ao tribunal recorrido (arts. 676º-1, 684º-2 e 690º-1, todos do CPC) -, carece de autonomia relativamente à anterior, encontrando-se prejudicada pela solução dada, isto é, se os factos reclamados já constam dos seleccionados ou não são factos, mas meras conclusões ou juízos de valor, nada haverá a quesitar.</font><br> <font>Acresce que o conteúdo da quesitação proposta não encontra correspondência nos articulados, tudo com alegação (de sinal contrário ao das perguntas indigitadas) e prova extraída de documentos.</font><br> <br> <br> <font>4. 4. 2. 6. – No tocante ao factos dos artigos 11º a 14º, 16º, 35º, 36º, 40º a 43º, 45º, 46º, 49º e 58º da petição inicial e nos artigos 32º e 34º da contestação, cuja inclusão em base instrutória o Autor reclama, entendeu a Relação:</font><br> <font>- Quando aos três primeiros e aos dois últimos da petição, que se trata de “meras considerações, em que o A. se limita a formular perguntas de natureza puramente retórica, exprimir dúvidas e conclusões de natureza pessoal”, sendo os últimos também referências sempre feitas em termos conclusivos, com juízos de natureza subjectiva (49), ou matéria já inserida nos factos assentes (58º);</font><br> <font> - Quanto aos restantes artigos da petição inicial, que “o que está em causa não é saber se a Juíza “</font><i><font>tinha conhecimento ou não dos quadros jurídico-constitucionais (português e brasileiro)</font></i><font>”, mas sim se os pressupostos legais para decretar a prisão preventiva estavam ou não, naquela data preenchidos”.</font><br> <font>(…) O que releva para a decisão a proferir é aferir se estão não preenchidos os pressupostos legais da prisão preventiva determinada pela referida Magistrada Judicial tendo em conta os elementos fácticos inseridos no âmbito do processo criminal em causa.</font><br> <font>Trata-se, sobretudo, de matéria de direito. E reconduz-se à questão de saber se existiu por parte do Juiz “a quo” que decretou a prisão preventiva um erro manifesto, grosseiro, na avaliação jurídica da questão. Por conseguinte, não se vislumbra passível de integração na base instrutória, pois não se está perante factos mas sim perante meras conclusões.</font><br> <font>Acresce que, saber se o Magistrado Judicial que proferiu a decisão devia ter conhecimento de determinados elementos constantes do inquérito ou do próprio direito aplicável não constitui matéria de facto mas sim de direito, e a aplicação e interpretação do direito constitui já o cerne da apreciação do fundo e mérito da causa.</font><br> <font>Logo, não se está, </font><i><font>in casu, </font></i><font>perante matéria passível de ser levada à base instrutória”.</font><br> <font> - Finalmente, quanto à matéria da contestação, entendeu-se que não assumindo “conteúdo quesitável na versão apresentada pelo Autor – sobre o conhecimento da Juíza dos alegados vícios das escutas -, não é agora, que tais afirmações de teor conclusivo são rebatidas pelo Réu, que se vai alterar a visão dada.”</font><br> <font> </font><br> <font> O entendimento sufragado no acórdão impugnado, parcialmente transcrito, não diverge do que em tese geral se deixou explanado nesta peça sobre a factualidade a considerar e a levar, sendo caso disso, à base instrutória.</font><br> <br> <font> Continuando a concordar-se com o que decidiram as Instâncias, o que no caso acontece é que, para o almejado preenchimento dos conceitos de “prisão preventiva manifestamente ilegal” e/ou de “erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto” inexistem factos controvertidos e relevantes susceptíveis de serem levados a um questionário para sobre eles ser produzida prova que, confirmando-os, se revelasse útil para a decisão de direito.</font><br> <br> <font> Assim, e no que poderia interessar, sempre se reafirma que, de toda a referida matéria – coisa diferente de factualidade, no conceito jurídico de facto/matéria de facto –, expurgada de juízos valorativos e outras considerações subjectivas e conclusões, resta a multi-repetida afirmação que os factos alegados – e tidos como provados - eram do conhecimento da Mma. Juíza que proferiu a decisão de prisão preventiva.</font><br> <font> Ora esse facto apresenta-se, ele mesmo, como pressuposto de autoria e avaliação da ilegalidade e do erro. </font><br> <font>Conhecesse ou não o juiz os elementos do processo e os demais factos que deveria conhecer, o que importa é saber, apenas, se, segundo o aludido critério de normalidade, os devia conhecer e ponderar, aí residindo a negligência geradora do erro.</font><br> <font> Logo, relevante não é saber que matérias, designadamente de direito, como é o caso, conhecia ou não conhecia realmente o julgador, mas, antes e tão só, de que elementos de facto podia dispor e como, de posse deles, decidiu, questão cuja resposta se não vai encontrar no seguimento da quesitação do conhecimento alegado no articulado acerca dos invocados vícios processuais das escutas, porque o precede.</font><br> <font> </font><br> <font> Consequentemente, também nesta parte não merece censura a decisão impugnada.</font><br> <br> <br> <font>4. 5. - Improcedem, pelas razões expostas, todas as conclusões do recurso e, em consequência, os pedidos de prosseguimento do processo, com selecção de matéria de facto e elaboração de base instrutória, que as encerram.</font><br> <br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Termos em que se acorda em:</font><br> <br> <font> - Negar provimento ao recurso;</font><br> <font> - Manter a decisão impugnada; e,</font><br> <font> Condenar o Recorrente nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010 </font><br> <br> <font> Alves Velho (Relator)</font><br> <font> Moreira Camilo</font><br> <font> Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> Acordão no Supremo Tribunal de Justiça</font><div><br> <br> </div><br> <font>Relatório</font><br> <br> <br> <font>Neste processo de execução para julgamento de quantia certa, instaurado em 8/7/93, em que é exequente,</font><br> <font>AA – gabinete de Estudos Técnicos, S.A.,</font><br> <font>e executada</font><br> <font>BB – Empreendimentos Turísticos S.A..,</font><br> <font>foram penhorados diversos imóveis, entre os quais (únicos que aqui interessa considerar) o Lote de terreno para construção urbana nº00 e o Lote nº 00, situados em ..., freguesia de Vau, Óbidos, o 1º descrito sob o nº 00122/290487 e o 2º sob o nº 00126/290487, na Conservatória do Reg. Pred. de Óbidos.</font><div></div><font>Em 18/3/98 (antes da venda judicial), CC e marido DD, vieram à execução lavrar protesto pela reivindicação dos referidos prédios, em virtude de terem proposto acção ordinária, nos termos do Art.º 910 do C.P.C. contra a exequente, a fim de provarem que os lotes penhorados lhe pertencem em exclusivo, devendo, em consequência ser-lhes restituídos.</font><div></div><font>Entretanto e após diversas e complicadas vicissitudes, os referidos lotes acabaram por serem vendidos (venda judicial na modalidade de propostas em carta fechada) a EE, tendo a venda sido precedida da legal publicidade, incluindo a informação do aludido protesto e da pendência da acção de reivindicação.</font><br> <br> <font>Depositado o respectivo preço, por despacho de fls. 296, foi ordenado o cancelamento das inscrições registrais nos termos do Art.º 888 do C.P.C. e 824 nº2 e 3 do C.C. e ordenada a passagem da respectiva certidão, após trânsito.</font><br> <font>No mesmo despacho, adjudicaram-se os lotes em causa ao arrematante/comprador, EE (fls. 296).</font><br> <br> <font>Da parte deste despacho que ordenou o cancelamento das inscrições, foi inerposto recurso de agravo pelos autores do acima referido Protesto, (fls. 301 e sg.), que foi admitido (fls. 456).</font><div></div><font>Posteriormente foi emitida certidão do despacho que ordenou o cancelamento das inscrições registrais, despacho que veio, depois, a ser declarado nulo (despacho de fls. 405 e sgs.).</font><div></div><font>A fls. 609 e seg. e 641 e seg. os mencionados CC e marido DD vieram aos autos dar notícia de que obtiveram vencimento (com trânsito em julgado) na acção de reivindicação acima referida, que assim os reconheceu como os únicos proprietários dos prédios em causa, requerendo em consequência, que no processo executivo se declare nula a venda executiva que incidiu sobre os lotes em lide.</font><br> <br> <font>Sobre o assim requerido, recaiu o despacho de fls. 811/819, que decidiu... “Assim, face a todo o exposto, e ao abrigo do disposto no .......... 909 nº1 d) do C.P.C. declaro a ineficácia da venda judicial dos lotes de terreno descritos na Conservatória do Registo Predial de Óbidos sob os nº 00122 e 00126 da Freguesia de Vau.</font><br> <br> <font>No mesmo despacho declarou-se, sem reacção, a inutilidade do agravo acima referido (que, por isso, não foi apreciado).</font><br> <br> <font>Mas, desse despacho e no que se refere à declaração da ineficácia das ditas vendas, veio agravar a exequente AA, recurso que veio a ser admitido (fls. 825, 830 e 876).</font><br> <div></div><br> <font>Também as reivindicantes CC e marido recorreram desse despacho, em ........... subordinadamente (fls. 860 e 876).</font><br> <br> <font>Posteriormente, por requerimento de fls. 833/834, vieram aqueles CC e marido, requerer que o Tribunal ordene o cancelamento da inscrição G2 – registo da aquisição a favor do comprador EE da venda judicial dos lotes em questão, venda essa que o Tribunal de execução já declarara ineficaz.</font><div></div><font>Por despacho de fls. 838, foi indeferida tal pretensão.</font><br> <br> <font>Desse despacho de indeferimento recorreram os interessados CC e marido, recurso que foi admitido como de agravo (fls. 845 e 876).</font><br> <br> <font>Temos, portanto 3 agravos (sendo um subordinado) que a Relação apreciou, tendo decidido pela improcedência do agravo da exequente AA e do agravo subordinado a este.</font><br> <font>Julgou, porém, procedente o agravo de fls. 838, intentado do despacho de fls. 833/834, acima referido e consequentemente, revogou esse despacho, tendo em sua substituição decidido “ declarar que fica sem efeito o registo de aquisição a favor do comprador EE, da venda judicial dos lotes de terreno descritos na Conservatória do Registo Predial de Óbidos, sob os números 00122 e 00126 da freguesia de vau, ordenando, consequentemente, o cancelamento da inscrição G2 incidente sobre as descrições, números 00122 e 00126 da freguesia de Vau (registo da aquisição a favor do comprador EE, da venda judicial dos lotes de terreno descritos na Conservatória do Registo Predial de Óbidos, sob os números 00122 e 00126 da freguesia de Vau).</font><div></div><font>É deste douto acórdão, que inconformada veio a exequente agravar, agora para este S.T.J., na parte em que negou provimento ao agravo por si intentado do despacho que declarou a ineficácia da aludida venda judicial e na parte em que concedeu provimento ao agrave dos interessados CC e marido e em consequência declarou sem efeito o registo de aquisição a favor do comprador EE e ordemou, consequentemente o respectivo cancelamento.</font><br> <div></div><br> <font>Conclusão</font><br> <br> <font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões:</font><br> <font>Conclusão do Recurso </font><div><font>1°.</font></div><font>Nesta acção executiva em que são partes principais a ora agravante e a executadá BB - Empreendimentos Turísticos, S.A., foram penhorados em 1992 dois lotes de terreno descritos na Conservatória do Registo Predial de Óbidos, sob os nOs. 00122 e 00126 da Freguesia do Vau. </font><div><font>2º</font></div><font>Em 1993 os interessados CC e marido deduziram embargos de terceiro para levantamento dos arrestos que foram julgados improcedentes e posteriormente intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha contra a exequente, ora agravante, acção de reivindicação de propriedade relativa aos dois lotes de terreno, por os terem comprado, através de escritura pública de compra e venda datada de 11.09.1987, à executada BB - Empreendimentos Turísticos, S.A., mas não efectuaram o respectivo registo de aquisição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Óbidos. </font><div><font>3º</font></div><font>Na pendência desta acção de reivindicação, foram, em 2001, os dois lotes de terreno adjudicados a um terceiro, através de venda judicial nesta execução, tendo sido registada, definitivamente, na Conservatória do Registo Predial de Óbidos ta] aquisição e cancelados todos os restantes registos que então incidiam sobre os imóveis, em conformidade com o disposto no art.º 824°., n°, 2 do Código Civil. </font><div><font>4°.</font></div><font>À data em que os dois lotes de terreno foram vendidos e adjudicados neste processo executivo ainda não tinha sido proferida qualquer decisão - Sentença ou Acórdão - pelas instâncias e pelo Supremo Tribunal de Justiça, na acção de reivindicação de propriedade intentada pelos interessados CC e marido. </font><div><font>5°.</font></div><font>Os interessados CC e marido obtiveram vencimento na acção de reivindicação proposta contra a ora agravante, tendo sido decidido e reconhecido o seu direito de propriedade, apenas quanto ao fundamento relativo à aquisição derivada do contrato de compra e venda titulado pela escritura de 11 .09.1987. </font><div><font>6°.</font></div><font>Os interessados CC e marido não Impugnaram o despacho de adjudicação proferido nestes autos a favor de um terceiro comprador. </font><div><font>7°.</font></div><font>A questão em apreciação é, pois, a de apurar quais os efeitos da decisão proferida nos autos de acção de reivindicação proposta pelos interessados CC e marido, relativamente aos dois lotes de terreno objecto de venda judicial nesta execução. </font><div><font>8°.</font></div><font>As Instâncias decidiram declarar a ineficácia da venda judicial dos dois lotes de terreno, por entenderem que o confronto de posições jurídicas dá-se entre os adquirentes do direito de propriedade sem registo - os interessados CC e marido - e a exequente, ora agravante, com registo de penhora e não de aquisição. </font><br> <font>Porém, não é esta a situação espelhada nos autos e no registo e no registo predial, porquanto: </font><div><font>9°.</font></div><font>O registo de penhora a favor da ora agravante foi cancelado no seguimento da venda e adjudicação judicial a um terceiro comprador, assim como foram cancelados todos os restantes registos. </font><br> <font>Este terceiro comprador, não sendo parte principal nesta acção executiva é também interessado na decisão proferida, atento o disposto no art°. 680°., n°. 2 do C.P. Civil e em igualdade de circunstâncias com os interessados CC e marido. </font><br> <div><font>10º</font></div><font>Até ao cancelamento. dos registos que incidiam sobre os dois imóveis, em cumprimento do disposto no art°. 824°. n°. 2 do C. Civil, a inscrição da aquisição (G-1) a favor dos interessados CCe marido é ineficaz em relação à exequente, a recorrente, uma vez que o seu registo foi efectuado depois do registo de penhora, atento o disposto no art°. 819°. do C. Civil. </font><br> <font>Não podem, pois, ser cancelados registos que já nâo têm existência legal. </font><br> <div><font>11°.</font></div><font>O confronto de posições jurídicas dá-se, pois, entre os adquirentes do direito de propriedade, sem registo - os interessados CC e marido e o comprador com registo de aquisição inscrito,. feito através de uma venda em execução. </font><div><font>12°.</font></div><font>Porque a venda foi feita aos interessados CC e marido não foi inscrito nos registos, o conflito com a aquisição posterior, através de venda e adjudicação nesta execução, feita ao interessado comprador, deve ser resolvido a favor da venda executiva: em conformidade com o Acórdão do SIJ, publicado na CJ, Ano VII TomoII - 1999, fls. 164 a 168, de 07 de Julho de 1999, uma vez as duas vendas têm o mesmo transmitente e quer os interessados CCe marido quer o comprador na venda executiva, são terceiros para efeitos do art°. 5°., n°, 4 do Código do Registo Predial, por ambas serem aquisições derivadas. </font><div><font>13°.</font></div><font>Deve, pois, concluir-se que da decisão relativa à propriedade dos dois lotes de terreno, proferida na acção de reivindicação não resulta a ineficácia da venda judicial, devendo esta ser mantida e considerada válida e eficaz, assim como deve ser mantido o registo de aquisição a favor do comprador na venda judicial. </font><div><font>14°.</font></div><font>As Instâncias ao decidirem declarar a ineficácia da venda judicial dos dois lotes de terreno e declarado sem efeito o registo de aquisição a favor do comprador em venda judicial EE dos dois lotes de terreno, ordenando, consequentemente o cancelamento da inscrição G-2 incidente sobre as descrições nºs. 00122 e 00126 da Freguesia do Vau - Óbidos, erraram na aplicação do disposto nos art°s. 819°., 824°., nº2 do Código Civil, 888°. do C. P. Civil e 5°., n°. 4 do Código do Registo Predial, pelo que deve ser dado provimento ao presente agravo e revogar-se o douto Acórdão recorrido, com todas as legais consequências. </font><br> <font>Assim confiadamente se espera ver julgado corno é de </font><br> <font>JUSTIÇA </font><br> <div></div><br> <font>Contra-alegaram os recorridos, suscitando a questão prévia da não admissibilidade do recurso.</font><br> <br> <br> <b><font>OS FACTOS </font></b><br> <br> <font>Para além do processado resumido no antecedente relatório, a matéria de facto a considerar é a seguinte:</font><br> <br> <font>Em 18.03.1998, os interessados apresentaram o protesto a que alude o disposto no art.º 910º do C.P.C. e cujo termo se encontra a fls. 71 dos autos: onde fizeram constar que haviam proposto a acção ordinária 129/97 a correr termos no Tribunal de Circulo de Caldas da Rainha, mediante a qual pretendiam provar e ver julgado que os bens descritos no auto de arresto) an. 1283 e 1284 urbanos da freguesia do Vau, concelho de Obidos) são sua propriedade exclusiva) .devendo-lhes ser restituídos.. </font><br> <font>Tal protesto ficou consignado quer nos editais afixados) cuja cópia se encontra a fls. 267 e 268, quer nos anúncios que publicitaram a venda) conforme fls. 273. </font><br> <font>Em 23.01.2001) procedeu-se à diligência de abertura de propostas relativas aos urbanos mencionados no ponto anterior tendo-se aceite a subscrita por EE) pelo valor de 2 500 000$00 para cada prédio) tudo conforme consta do auto de fls. 280. </font><br> <font>Por despacho de fls. 296) datado de 28.03.2001: foi ordenado o cancelamento das inscrições registrais que então incidiam sobre os prédios em questão e foram adjudicados a EE esses imóveis. </font><br> <font>Afls.302 foi interposto recurso do despacho a que se alude no ponto anterior, no que concerne à parte que ordenou o cancelamento das inscrições </font><br> <font>Encontra-se junto aos autos; a fls. 646 cópia certificada da sentença proferida na acção de processo ordinário no 207/1999 do 2° Juízo do Tribunal Judicial de Caldas da Rainha, em que são A.A. CC e Ré AA - Gabinete de Estudos Técnicos) S.A.) na qual se condenou a ré a reconhecer que os A.A. são os únicos proprietários dos artigos urbanos 1283 3 1284 da freguesia do Vau, concelho de Óbidos, por os ter adquirido por compra datada de 11.09.1987 e ainda por os ter adquirido por usucapião, bem como a abster-se de qualquer acto que perturbe a passe e direito de propriedade dos mencionados artigos urbanos; ordenando-se o levantamento das penhoras e o cancelamento dos respectivos registos. </font><br> <font>Encontra-se junto aos autos a fls. 662 o Ac. de TRL. de 26.11.2002, proferido no âmbito do recurso interposto da sentença a que se refere a ponta anterior; no qual se decidiu julgar improcedente a apelação e; em consequência, confirmar a sentença recorrida, mas no que respeita ao reconhecimento ao direito de propriedade dos A.A. apenas quanto ao fundamento relativo à aquisição derivada do contrato de compra e venda titulado pela escritura de 11.9.1987. </font><br> <font>Encontra-se junto aos autos, a fls. 677, o Ac. do STJ de 12.06.2003, proferido no âmbito do recurso interposto do aresto mencionado no ponta anterior, no qual se decidiu negar provimento ao agravo e à revista. </font><br> <font>Fundamentação.</font><div><br> </div><br> <font>Questão Prévia.</font><br> <div></div><br> <font>Como se vê das alegações o objecto do agravo abrange quer a decisão da Relação que confirmou o despacho que declarou a ineficácia da venda judicial em lide (e portanto negou provimento ao agravo interposto pela ora recorrente), quer a decisão que, no provimento do agravo dos ora recorridos, declarou ficar sem efeito o registo de aquisição da venda judicial dos lotes em causa a favor do adquirente EE .</font><br> <font>Ora, entendem os ora recorridos que o 1º segmento do agravo não é susceptível de recurso para o S.T.J. face ao disposto no Art.º 754º nº2 e 3 do C.P.C., e quanto ao 2º segmento, não tem a recorrente legitimidade para impugnar a decisão da Relação por não ser ela a prejudicada.</font><br> <font>Tal legitimidade pertenceria, apenas, ao arrematante/ comprador.</font><div><br> </div><br> <font>Acontece que não lhe assiste razão.</font><br> <font>Por isso, no despacho prévio do relator se disse, nada obstar ao conhecimento do objecto do recurso, remetendo para o acórdão a melhor justificação dessa decisão.</font><div></div><font>É certo que, face à redacção do Art.º 754 do C.P.C. introduzido pela reforma de 95 ( D.L. 329-A/95 de 12/12) ............. como perante a actual, conferida pelo D.L. 375-A/99 de 20/9, não seria, de facto, admissível o agravo continuado ora em apreço (em relação a qualquer dos segmentos referidos pelos recorridos) visto não se verificarem quaisquer das situações excepcionais previstas no nº 2 e 3 do preceito (o acórdão recorrido não tem qualquer voto de vencido, não existe oposição de acórdãos e a decisão limitou-se a decidir um incidente processual, sem autonomia, no âmbito da execução, sem pôr termo ao processo executivo que poderá prosseguir com a eventual penhora de outros bens. Também não ocorre qualquer das situações a que se referem os nº2 e 3 do Art.º 678 do C.P.C.).</font><br> <font>porém a redacção do nº2 do preceito emergente do D.L. 329-A/95 não tem aplicação aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, como determina o Art.º 25 nº1 do citado diploma, assim como a actual redacção se aplica apenas aos processos novos e não aos pendentes (Art.º 8 nº1 do D.L. 375-A/99), daí que, tendo a presente execução sido instaurada em 1993 lhe seja aplicável a redacção do preceito a essa data em vigor. Ora, face a essa redacção, atento o valor processual, era admissível o recurso de agravo continuado para o S.T.J.</font><br> <font>Mas, sendo admissível o agravo continuado, como é, e tendo a recorrente manifesta legitimidade para recorrer da decisão que negou provimento ao seu próprio agravo (1º segmento do presente agravo), não pode deixar de ter legitimidade quanto à decisão que deu provimento ao agravo dos ora recorridos (2º segmento), visto que as matérias a que se referem os 2 agravos se encontram de tal modo ligados entre si, que não faria sentido admitir que o ora recorrente pudesse reagir quanto à decisão do 1º e o não pudesse fazer em relação à decisão do 2º.</font><br> <font>A ser assim, poderia verificar-se a situação contraditória e absurda de vir a ser revogada a decisão que julgou ineficaz a venda judicial, considerando-a, então válida e operante, mantendo-se, todavia, a decisão que deu sem efeito o registo da aquisição e mandou cancelar a respectiva inscrição registral pois, em relação a esta decisão a exequente/agravante não teria legitimidade para recorrer).</font><br> <font>É óbvio que a exequente tem manifesto interesse em impugnar qualquer das aludidas decisões dado a ligação lógica entre as matérias a que elas dizem respeito (a questão da subsistência do registo de aquisição é consequência lógica do que se decidir sobre a ineficácia da venda judicial).</font><br> <br> <font>Quanto ao mérito do agravo.</font><br> <br> <font>Como se sabe, foi proferida decisão em acção ordinária de reivindicação, proposta pelos aqui recorridos contra a aqui recorrente (antes da venda judicial e na sequência de protesto pela reivindicação), que reconhece os recorridos como os únicos proprietários dos lotes em causa, por os terem adquirido por compra (escritura de 11/9/1987) e, em consequência, ordenou o levantamento dos penhores e o cancelamento dos respectivos registos.</font><br> <font>Tal decisão transitou em julgado.</font><div></div><font>Porém, por um lado, os recorridos não dispõem de registo anterior ao registo dos penhores e por outro, os lotes foram vendidos na execução e adjudicados ao comprador antes da decisão na mencionada acção de reivindicação, encontrando-se registada a aquisição emergente da venda judicial em nome do adquirente, registo efectuado antes do registo dos recorridos.</font><div></div><font>Portanto a questão colocada no recurso é a de saber se a decisão proferida na acção de reivindicação podia ou não ter determinado a ineficácia da venda judicial, entendendo a recorrente que não podia, daí que, na sua opinião, tal venda permanece plemanente válida e eficaz, não podendo a decisão proferida na acção de reivindicação ser oposta, quer à exequente, quer ao adquirente.</font><br> <br> <font>Ora, as questões suscitadas foram tratadas com todo o promenor e boa fundamentação pelo acórdão recorrida.</font><br> <font>Assim, uma vez que se concorda inteiramente, quer com essa fundamentação quer com a respectiva decisão, não vamos repetir a argumentação exposta no acórdão, para o qual se remete nos termos do Art.º 713 nº5 do C.P.C.</font><br> <br> <font>Salienta-se, no entanto, que as questões suscitadas no recurso se encontram mal equacionados porquanto o recorrente não considera um facto essencial demonstrado nos autos e que, só por si, atento o quadro factual em presença, condiciona a solução a dar ao caso concreto.</font><br> <font>É que, como resultou provado, antes da venda judicial os recorridos lavraram protesto pela reivindicação dos lotes penhorados e intentaram a competente acção de reivindicação contra o exequente, nela obtendo vencimento, isto é, o reconhecimento de que são os únicos proprietários dos lotes em causa.</font><br> <font>Ora, era contra a exequente que a acção de reivindicação tinha de ser intentada no caso concreto, pois foi ela que arrestou os prédios e requereu posteriormente a conversão do arresto em penhora, o que equivale à nomeação à penhora daqueles prédios. É que tal conduta da exequente implica a afirmação de que os bens pertenccem à executada.</font><br> <font>Portanto como ensina Alberto dos Reis (Proc. Ex. – II – 465)...” O litígio vem, afinal travar-se entre o exequente, que atribui ao executado a propriedade dos bens e o reivindicante, que se propõe demonstrar ser ele o proprietário.</font><br> <font>Aliás, a acção não podia ser intentado contra o adquirente, pois é anterior à venda judicial.</font><br> <font>Porém, a não intervenção do adquirente não impede que a decisão de procedência proferida na acção de reivindicação produza efeitos contra ele, já que, como ensina o citado mestre a sentença proferida a favor do reivindicante na acção proposta contra o exequente constitui caso julgado contra o comprador (ob. cit).</font><div></div><font>Assim, tendo sido lavrado protesto pela reivindicação, do qual o arrematante teve pleno conhecimento, e tudo na acção de reivindicação sido proferida sentença a reconhecer os reivindicantes como os legítimos proprietários dos lotes em questão e portanto, que esses lotes, à data da penhora já não pertenciam à executada, é claro que a venda judicial fica sem efeito como resulta directa e expressamente do disposto no Art.º 909 do C.P.C., na redacção anterior à reforma de 95, que é aqui aplicável (de resto seria idêntica a solução face à actual redacção do preceito).</font><br> <br> <font>E não será o facto de o adquirente ter logrado registar a aquisição judicial a seu favor que terá a virtualidade de alterar a solução, tanto mais que o adquirente, conhecedor do protesto e da pendência da acção reivindicatória ao proceder ao registo agiu de má-fé (dado o referido conhecimento prévio da situação controvertida dos prédios).</font><br> <font>A questão é, pois, muito diversa da que foi tratada no Ac. do S.T.J. de 7/7/99 referido pela agravante, como bem se explica no acórdão recorrido. Aí não se colocava qualquer questão relacionada com a eficácia de venda executiva, como acontece no caso concreto.</font><br> <font>Sendo a acção de reivindicação sido contra o exequente, antes da venda e tendo ocorrido protesto pela reivindicação, parece claro que a eficácia da venda judicial ficou, à partida, condicionada pela sorte da acção de reivindicação.</font><br> <font>Por outro lado deve notar-se que, quer o protesto, quer a acção, não suspendem a acção executiva, que, por isso, apesar deles, continua a ser normalmente processada.</font><br> <font>Deste modo, chegado a fase da venda dos bens penhorados, essa venda terá de realizar-se normalmente, nada impedindo que o adquirente de bens imóveis diligencie pelo respectivo registo da aquisição, apesar de não haver ainda decisão na acção de reivindicação em curso.</font><br> <font> Certo é, ..........., que a aquisição da propriedade do bem vendido na execução fica dependente da sorte da acção de reivindicação por força do regime estabelecido para “protesto pela reivindicação, sob pena de tal protesto não produzir qualquer resultado útil.</font><br> <font>Na verdade a ser como pretende a recorrente o disposto no Art.º 909º do C.P.C. ficaria esvaziado de sentido, defraudando-se assim a lei.</font><div></div><font>Por conseguinte decidido com trânsito em julgado que os lotes são propriedade dos recorridos, que, oportunamente protestaram, no processo executivo, pela reivindicação deles, e ordenado o levantamento das penhoras e o cancelamento dos respectivos registos, a solução é declarar a ineficácia da venda como resulta directamente da lei.</font><br> <font>E, cancelada a penhora e respectivos registos e declarada ineficaz a venda executiva é também claro que não pode subsistir o registo da aquisição a favor do comprador, que deve ser tido sem efeito, ordenando-se o cancelamento da respectiva inscrição matricial como se decidiu, fundamentalmente no acórdão recorrido.</font><br> <br> <font>Improcedem assim as conclusões do agravo.</font><br> <div></div><br> <font>Decisão</font><br> <br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em negar provimento ao agravo, e consequentemente em confirmar o acórdão recorrido.</font><br> <div></div><br> <font>Custas pela agravante.</font><br> <br> <font>Lisboa, 14/11/2006</font><br> <br> <font>Moreira Alves (relator)</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Camilo Moreira Camilo</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></i></b><br> <br> <b><font>I. Relatório</font></b><br> <br> <font>O </font><b><font>Banco Empresa-A</font></b><font>, sucessor por incorporação do Banco ...., instaurou em 5 de Dezembro de 2006 </font><br> <font>contra</font><br> <font>1) </font><b><font>Banco Empresa-B</font></b><font>, agora designado por </font><b><font>Banco ..., S. A;</font></b><br> <font>2)</font><b><font> AA</font></b><font> e </font><b><font>BB</font></b><font>, que também usa .... e </font><br> <font>3) </font><b><font>CC</font></b><font>, </font><br> <font>acção declarativa (acção n.º 9574-D/1994, por apenso à execução 9574-A/1994</font><br> <font>pedindo </font><br> <font>- a anulação da venda realizada em processo executivo (que fora movido pelo 1.º R. contra os 2.ºs RR. e Empresa-C, Ld.ª), sobre o direito que em comum e sem determinação de parte ou direito a executada BB, detinha sobre três imóveis, então identificados, devendo ser dada sem efeito a venda e ordenando-se ao Exequente a devolução dos valores recebidos nos termos da alínea c) do n. ° 1 do artigo 909° e do n.º 1 do artigo 908° do Código de Processo Civil.</font><br> <font> </font><br> <font>Para o efeito alegou que o 1.º R. não deu cumprimento ao art. 871.º do CPC que o obrigava a pedir a sustação da execução em virtude de haver penhora mais antiga a incidir sobre os bens que integravam aquele direito.</font><br> <br> <font>O pedido foi liminarmente indeferido, levando em conta o M.º Juiz duas ordens de razões:</font><br> <font>Considerou, por um lado, que a acção de anulação da venda apenas pode ser instaurada pelo adquirente, como resulta do disposto no artigo 908° do CPC, pelo que a A. será parte ilegítima; e, por outro lado, que eventuais irregularidades ou nulidades cometidas deveriam ter sido tempestivamente arguidas no próprio processo executivo de que estes autos são apenso – pelo que, a existirem, e perante a não reclamação atempada, já as mesmas se teriam de considerar sanadas. (artigos 201° e 153° CPC). </font><br> <br> <font>Inconformado, agravou o Autor.</font><br> <font>A Relação, no entanto, negou provimento ao recurso (com um voto de vencido).</font><br> <br> <font>Continuando inconformado, volta o A. a recorrer, apresentando alegações que fez concluir da forma seguinte: </font><br> <i><font>“1.ª - O Banco recorrente é parte legítima para propor a acção de nulidade por a mesma poder ser proposta a qualquer tempo por qualquer interessado, sendo que o interesse do Banco é manifesto por ter registada penhora sobre o direito vendido; </font></i><br> <i><font>2.ª - O direito sobre o imóvel penhorado foi vendido sem que se tenha procedido ao seu registo na C.R.Predial respectiva, a que estava obrigado, nos termos do Art°. 862° n° 1 e 863°, ambos do C.P.Civil: </font></i><br> <i><font>- N°. 1 do Art°. 862 do C.P.Civil - Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo .... (sublinhado do recorrente) </font></i><br> <i><font>- Art°. 863° - É subsidiariamente aplicável à penhora de direitos o disposto nas subsecções anteriores para a penhora das coisas imóveis e das coisas móveis. </font></i><br> <i><font>3.ª - Estão sujeitos a registo, nos termos da al. n) do n.º 1 do Art°. 2° do C.R. Predial - A penhora, o arresto, a apreensão em processo de falência e o arrolamento, bem como quaisquer outros actos ou providências que afectem a livre disposição de bens. </font></i><br> <i><font>4.ª - Ainda nos termos do n° 1 do Art° 5° do C.R.Predial- Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo, sendo que a penhora sobre direitos a bens indivisos sobre imóveis são registáveis, como o recorrente registou, e deverá prevalecer a ordem dos registos.</font></i><br> <i><font>5.ª - Para além de que, efectuada a penhora e nomeado fiel depositário o direito nomeado não estava na disponibilidade do executado não podendo ser vendido, por estar já penhorado noutro processo e na posse do referido fiel depositário, nos termos do Art°. 840° do C.P.Civil; </font></i><br> <i><font>6.ª -Havendo registo de penhora mais antiga a incidir sobre o direito penhorado deveria ter-se procedido à sustação da execução onde a penhora era mais recente, nos termos do Art°. 871° do C.P.Civil, o que não foi feito, sendo os créditos reclamados no processo onde a penhora era mais antiga; </font></i><br> <i><font>7.ª - A venda do direito com penhora registada anteriormente sobre tal direito, não deveria ter sido efectuada, nos termos das supra citadas disposições legais, sem violação da disposições legais referidas; </font></i><br> <i><font>8.ª - Nos termos dos Art°s. 1°, 2° e 6° do Código do Registo Predial, o direito penhorado e registado não poderia ter sido vendido noutro processo que não aquele em que a penhora era mais antiga, por ordem de registo, o que não aconteceu; </font></i><br> <i><font>9.ª - Mais ainda quando o direito penhorado estava obrigado a registo na C.R.Predial e estava já na posse do fiel depositário à ordem doutro Juízo, Secção e Processo, considerando-se tal venda como venda de bens alheios. </font></i><br> <i><font>10.ª - Ao não ser considerado parte legítima para propor a acção de anulação da venda, quando tinha penhora anterior, registada e em fase de venda, foram violadas as disposições legais supra referidas, nomeadamente os Art°s. 1°, 2° e 6° do C.Registo Predial, os Art°s. 871°, 862° , 863° e 840°, todos do C.P.Civil e Art°s. 280° e 286°, ambos do C. Civil. </font></i><br> <i><font>11.ª - A nulidade é invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, tendo a declaração da mesma efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado, não sendo reconhecidos os direitos de terceiro se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio - Art°s. 289° n.º 1 e 291, n.º 2, ambos do C. Civil. </font></i><br> <i><font>Termos em que deve o douto Acórdão ora em recurso ser revogado, considerando-se o Banco recorrente parte legítima para a acção, ordenando-se o prosseguimento desta, com a citação dos RR. nos termos requeridos, por violação das disposições legais referidas na Conclusão 10.ª “ </font></i><br> <br> <font>A Recorrida contra-alegou.</font><br> <br> <b><font>II. Âmbito do recurso e fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>II-A) Âmbito</font></b><br> <br> <font>Resulta do disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 que deve ser nas conclusões das alegações de recurso que o recorrente delimita as questões que pretende ver apreciadas.</font><br> <font>Lendo com atenção as conclusões atrás transcritas nas alegações de recurso respectivas, é-nos dado concluir que as questões que importa apreciar são as seguintes:</font><br> <font>a) legitimidade do Banco recorrente </font><br> <font>b) registo de penhora</font><br> <font>c) nulidades processuais</font><br> <br> <b><font>II-B) Fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>II-B)-a) Os factos</font></b><br> <br> <font>Com relevância para a apreciação das questões colocadas importa ter em consideração os seguintes factos, já considerados pela Relação, e que foram alegados na petição inicial e na contestação: </font><br> <br> <i><font>“1 ° - O Banco Empresa-A propôs, em Abril de 1994, acção executiva contra AA, BB e outros</font></i><font> (1)”</font><i><font>, para lhe ser paga a quantia de 8.959.100$00, correspondentes actualmente a € 44.687,80. </font></i><br> <i><font>2.º- A execução corre termos pela 2.ª Secção da 15.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, com o n.º de </font></i><i><u><font>Processo 471/1994.</font></u></i><i><font> </font></i><br> <i><font>3° - Na fase de nomeação de bens à penhora, o Banco Autor veio nomear à penhora, por seu requerimento de 20 de Novembro de 1997, o direito que em comum e sem determinação de parte ou direito a executada BB detinha nos prédios seguintes, identificados como: </font></i><br> <i><font>a) - Rústico - ..., inscrito na matriz sob o artigo 7°, Secção EE, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob a ficha n.º 02258, da Freguesia de Monchique; </font></i><br> <i><font>b) - Misto - Picota, inscrito na matriz sob os artigos urbanos 889 e 2907 e rústico 38 da Secção CG, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique sob a ficha 02257, da Freguesia de Monchique; </font></i><br> <i><font>c) - Rústico - Picota, inscrito na matriz sob o artigo 36 da Secção CG, descrito na Conservatória do Registo Predial de Monchique, sob a ficha n.º 02256, da Freguesia de Monchique. </font></i><br> <i><font>4° - No mesmo requerimento, foi requerida a notificação dos comproprietários inscritos, nos termos e para efeitos do artigo 862° do Código de Processo Civil, tendo os mesmos sido notificados da penhora do direito, em Fevereiro de 1998. </font></i><br> <i><font>5° - O ali Exequente, aqui Autor, viria a registar a penhora do direito da executada BB sobre os referidos bens na Conservatória do Registo Predial de Monchique pelas G-l-Ap. 02/980219, que ficou registada provisoriamente por natureza sobre todos os bens e que vieram a ser convertidas pela Ap. 01/000120. </font></i><br> <i><font>6° - Em 17 de Janeiro de 2003, veio o Autor a ser notificado (no processo executivo 471/94), para (se pronunciar sobre) a modalidade da venda e o valor base dos bens, tendo sido designado os dias 20/05, 10/10, 12/11 e 12/12/2003, para venda do direito, conforme anúncios publicados. </font></i><br> <font>7.º (por facilidade de compreensão lógica, encontra-se a sua transcrição a seguir ao n.º 24.º.</font><br> <font> </font><br> <font>Entretanto,</font><br> <br> <i><font>8° - Em 12 de Fevereiro de 1998, o Banco Empresa-B intentou contra AA e BB, Acção Executiva com processo ordinário, tendo por título executivo sentença proferida no </font></i><i><u><font>processo 9574/1994</font></u></i><i><font> que correu os seus termos na 1.ª Secção da 2.ª Vara Cível de Lisboa. </font></i><font>(processo 9574-A/94</font><i><font>)</font></i><br> <i><font>9° - A Execução tem o valor de 16.756.703$00, equivalendo a € 83.582,08. </font></i><br> <i><font>10° - Foi nomeado à penhora na mencionada Execução o direito e acção, que a Executada BB e marido possuíam na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE.</font></i><br> <i><font>11 ° - Existiam ainda seis contitulares do referido direito, cuja notificação foi requerida nos termos do artigo 862° do Código de Processo Civil. </font></i><br> <i><font>12° - Tendo o Banco Empresa-B sido notificado de que DD, uma das contitulares do direito nomeado à penhora, falecera e que os herdeiros da mesma eram os restantes contitulares, já identificados na execução, veio o Banco Empresa-B requerer, em 19 de Outubro de 1998, que a requerida penhora do direito e acção que a Executada BB possuía na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de EE, incidisse também sobre o direito e acção que a Executada BB possuía na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD. </font></i><br> <i><font>13° - O Banco Empresa-B foi notificado em 28 de Maio de 1999 de que se encontrava devidamente efectuada a penhora do direito. </font></i><br> <i><font>14° - Por requerimento datado de 8 de Julho de 1999, requereu o Banco Empresa-B o prosseguimento dos autos, dando-se cumprimento ao disposto no artigo 864° do Código de Processo Civil.</font></i><br> <i><font>15° - Os anúncios para citação dos credores desconhecidos dos Executados foram publicados no Jornal "Correio da Manhã", nas edições de 29 e 30 de Outubro de 1999. </font></i><br> <i><font>16° - O Ministério Público reclamou créditos em representação da Fazenda Nacional, sendo a reclamação julgada extinta por impossibilidade originária da lide. </font></i><br> <i><font>17° - O Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, também reclamou, sendo a respectiva reclamação de créditos rejeitada liminarmente. </font></i><br> <i><font>18° - Em 11 de Fevereiro de 2000, requereu o Banco Empresa-B a venda por negociação particular dos direitos penhorados. </font></i><br> <i><font>19° - Em 19 de Fevereiro de 2002, o actual mandatário do Banco Empresa-B juntou aos autos substabelecimento a seu favor. </font></i><br> <i><font>20° - Em 17/09/2002, foi o Banco Empresa-B notificado de que o perito indicado pelo Tribunal tinha avaliado o direito e acção, penhorados à Executada BB, no valor de € 44.800,00 (quarenta e quatro mil e oitocentos euros). </font></i><br> <i><font>21 ° - Foi o Agravado informado, por notificação de 23/09/2004, de que o encarregado de venda do direito e acção penhorados tinha (apenas) uma proposta de aquisição no montante de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros). </font></i><br> <i><font>22° - Tendo aceite que o direito e acção penhorados fossem vendidos pelo referido valor. </font></i><br> <i><font>23° - O depósito autónomo no valor de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros) foi efectuado em 13/01/05. </font></i><br> <i><font>24° - Cabendo ao Banco Empresa-B, por liquidação do julgado, a quantia de € 28.852,18 (vinte e oito mil oitocentos e cinquenta e dois euros e dezoito cêntimos), sendo o remanescente (dos 38.000,00) destinado ao pagamento de custas. </font></i><br> <font>Transcreve-se agora o n.º 7 da matéria considerada como relevante pela Relação, pela razão que, no lugar próprio já tivemos oportunidade de explicar:</font><br> <i><font>7° Em 25 de Julho de 2006, foi o Autor notificado no </font></i><i><u><font>Processo executivo 471/94 </font></u></i><u><font>(em que era Exequente o aqui A.)</font></u><font>,</font><i><font> na pessoa do seu mandatário, de um oficio enviado pela 2.ª Vara – 1.ª Secção – processo 9574-A/94</font></i><i><u><font>,</font></u></i><font> [(de que estes autos (9574-D são apenso)], </font><i><font>informando que o direito (penhorado na execução 471/94, em que era exequente o aqui A.) já tinha sido vendido no referido processo 9574-A/94, por negociação particular, por 38.000,00 €, não constando desses autos qualquer certidão de ónus ou encargos. </font></i><br> <br> <b><font>II-B)-b) O Direito</font></b><br> <br> <font>Como já foi referido, em 5 de Dezembro de 2006 o Banco Empresa-A</font><font> (2) </font><font>(ora agravante), veio intentar contra o Banco Empresa-B, agora Banco ....(ora agravado) e outros, acção declarativa para anulação da venda, nos termos da alínea c) do n. ° 1 do artigo 909° e do n.º 1 do artigo 908° do Código de Processo Civil, com o fundamento de que sobre o direito penhorado e vendido recaía já penhora anterior (registada) efectuada em acção executiva na qual era Exequente o Banco Empresa-A.</font><br> <br> <font>Lendo no entanto o art 908.º do CPC ( redacção actual e já vigente em 2006, e que fora dada pelo DL n.º 38/2003), constatamos, porém, que este artigo se refere à </font><u><font>anulação da venda por parte do comprador</font></u><font>, </font><u><font>no próprio processo de execução</font></u><font>, (sublinhado nosso).</font><br> <font>Como estamos aqui perante pedido de anulação da venda por parte de terceiro, é notório que este artigo não tem aplicação ao caso em presença </font><br> <font> </font><br> <font>O art. 909.º-1 do CPC, por sua vez, refere que, </font><u><font>além do caso previsto no art. 908.º, ou seja, anulação</font></u><font> </font><u><font>a requerimento do comprador</font></u><font> (sublinhado nosso), a venda só fica sem efeito quando:</font><br> <font>a) for anulada ou revogada a sentença que se executou ou se a oposição à execução ou à penhora for julgada procedente, salvo quando sendo parcial a revogação ou a procedência, a subsistência da venda for compatível com a decisão tomada;</font><br> <font>b) se toda a execução for anulada por falta ou nulidade de citação do executado, que tenha sido revel, salvo o disposto no n.º 3 do art. 921.º;</font><font> (3) </font><i><font>” </font></i><br> <font>c) se for anulado o acto da venda, nos termos do art. 201.º;</font><font> (4)</font><br> <font>d) se a coisa vendida não pertencia ao executado e foi reivindicada pelo dono.</font><br> <br> <font>Não se verificando que a situação aqui em presença se encaixe em qualquer das previsões indicadas no art. 909.º-1, a) e b) (pois que não se trata de anulação ou revogação da sentença que se executou ou da que julgou procedente oposição à execução ou à penhora no seio do processo executivo, nem de nulidade ou falta de citação do executado…), fica excluída a aplicabilidade das duas primeiras alíneas. </font><br> <br> <font>Haverá que apreciar, então, se a situação aqui enunciada pode enquadrar-se perante as alíneas seguintes.</font><br> <br> <font>Ora, ressalta desde logo que também não se encaixa na alínea d), pois que não se dá o caso de “a coisa vendida não pertencer ao executado e não ter sido reivindicada pelo dono”, já que o facto de um bem ter sido penhorado nem por isso deixa de ser pertença de quem é seu titular, apesar de dele não poder dispor enquanto essa situação se mantiver.</font><br> <br> <font>Resta então para apreciação, o caso da alínea c).</font><br> <br> <font>Mas será que se verifica essa previsão?</font><br> <br> <font>Vejamos:</font><br> <br> <font>É preciso tomar em consideração, neste caso, que à data da penhora se aplicava o CPC na redacção anterior à que lhe veio a ser dada pelo DL 38/2003, de 08/03, que hoje vigora, e que era, à altura, a decorrente da reforma de 1995/96.</font><br> <font>De acordo com o disposto no art. 862.º -1 do CPC na redacção então vigente, “Se a penhora tiver por objecto o direito a bens indivisos, a diligência </font><i><font>consiste unicamente</font></i><font> (sublinhado nosso) na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do tribunal da execução.”</font><br> <font>Assim, verificando-se que a penhora incidia sobre o direito da 2.ª executada sobre a sua quota hereditária sem determinação de parte ou direito, foram cumpridas todas as formalidades exigidas para a penhora, porque foram notificados o fiel depositário e os contitulares, nos termos então legalmente exigidos.</font><font> (5) </font><br> <br> <font>Uma vez efectuada a penhora e notificados os contitulares do direito penhorado, não se impunha a junção de certidão dos direitos, ónus ou encargos inscritos</font><font> (6)</font><font>, seguindo-se o cumprimento das citações previstas no art. 864.º do CPC., que então eram apenas as do:</font><br> <font>a) cônjuge do executado, quando a penhora tivesse recaído sobre bens imóveis que este não pudesse alienar livremente, ou quando o exequente requeresse a citação, nos termos do art. 825.º;</font><br> <font>b) credores com garantia real, relativamente aos bens penhorados;</font><br> <font>c) entidades referidas nas leis fiscais com vista à defesa dos possíveis direitos da Fazenda Nacional;</font><br> <font>d) e credores desconhecidos.</font><br> <br> <font>Tendo em conta que não resultava dos autos ser o aqui A. credor conhecido com garantia real sobre os bens penhorados, a sua citação não tinha que ser pessoal, devendo no entanto fazer-se por editais e anúncios, como preceituado então no n.º 2, in fine do mesmo artigo.</font><br> <font>E foi o que aconteceu.</font><br> <br> <font>Como no entanto não veio o aqui A. a reclamar o seu crédito ou a dar conhecimento da existência de penhora mais antiga, no prazo estipulado na citação edital, seguiram os autos os seus normais termos em ordem à respectiva venda.( na execução 9574-A/94).</font><br> <font>E assim, face aos elementos então disponíveis, não pode fazer-se censura ao rumo que nesse Tribunal a execução veio irregularmente a tomar. </font><br> <font> </font><br> <font>Há no entanto que considerar o A. parte legítima para a acção de anulação, uma vez que sendo ele credor (ainda que desconhecido na execução 9574-A/94, como iremos ver), a lei lhe reconhece direitos, pois que de outro modo, se assim não fosse, não os mandaria citar.( art. 864.º-1-d) do CPC).</font><br> <font>Entende-se, portanto, que neste aspecto, o Acórdão recorrido não decidiu bem a questão da legitimidade processual para a acção de anulação da venda. </font><br> <br> <font>Situação diferente é a relativa ao outro fundamento para o indeferimento da acção de anulação, que leva a supor ser atribuível ao próprio tribunal a irregularidade cometida de não sustação da execução 9574-A/94 para prosseguir a execução na 471/94, atento o disposto no art. 871.º do CPC, por haver neste penhora mais antiga.</font><br> <font>Quanto a este fundamento, há efectivamente a referir que não consta que os 2.ºs Executados, os demais contitulares ou o fiel depositário, sabendo que existia penhora mais antiga, tivessem vindo a dar conhecimento desse facto, nem está provado que o 1.º e 3.º executados conhecessem essa situação.</font><br> <font>A sustação poderia ter tido lugar se porventura alguém tivesse vindo alertar para o facto de existir penhora mais antiga sobre o mesmo direito, o que não aconteceu antes da venda.</font><br> <font>A falta de registo, por não ser exigível, não é aqui pedra angular. </font><br> <br> <font>Tendo em conta que o desconhecimento da existência de penhora anterior veio inviabilizar que fosse sustada a execução 9574-A/94, a questão que se coloca agora é a de saber se será ainda possível ao A. obter a anulação da venda.</font><br> <br> <font>Entendemos que não.</font><br> <br> <font>Apesar de o A. alegar só ter tido conhecimento dessa venda quando em 25 de Julho de 2006 - ao querer levar por diante a venda do direito penhorado na execução por si instaurada (471/94) - foi informado pelo Tribunal do processo 9574-A/94 que o direito em causa já tinha sido vendido por negociação particular, por 38.000,00 €, o que é facto é que fora o aqui A. citado editalmente para esta execução, não havendo irregularidade a imputar quanto a essa forma de citação, como atrás já dito.</font><br> <font>Assim, não se impondo a ele a citação pessoal por não estar abrangido nas três primeiras alíneas do n.º 1 do art. 864.º, não pode imputar-se nulidade de citação para a execução 9574-A/94, pelo simples facto – repete-se - de a citação ter sido feita pela forma legalmente exigida - citação por via edital.</font><br> <br> <font>Acontece, é certo, que se fosse do conhecimento do Tribunal que havia penhora mais antiga sobre o mesmo direito, o Tribunal teria sustada a execução 9574-A/94, deixando a aqui 1.ª Ré de ser a entidade promotora da condução do processo e, por essa via, ter vindo a beneficiar irregularmente, como veio, do produto da venda do bem em prejuízo da satisfação do crédito do A.</font><br> <font> </font><br> <font>A não sustação constituiu, portanto, uma nulidade por poder influir, como efectivamente influiu, na decisão da causa, neste caso a satisfação do crédito do 1.º R.- art. 201.º do CPC., em prejuízo do A.</font><br> <font>Há no entanto que considerar sanada essa nulidade, porque nos termos do art. 205.º não foi ela arguida tempestivamente.</font><br> <font>Com efeito, apesar de o aqui A. ter tido conhecimento da venda em 2006.07.25, não veio no prazo de dez dias argui-la, o que fez com que permaneçam intocáveis, nesse processo executivo, os actos subsequentes, designadamente o acto da venda- arts. 153.º, 201.º e 205.º do CPC. </font><br> <font>E assim sendo, não pode lançar-se âncora do art. 201.º do CPC, para o qual remete o art. 909.º-1-c), tendo em vista a anulação da venda, com base na não sustação da execução.</font><br> <br> <font>Há no entanto que tomar em consideração – e isso é que se revela substantivamente importante - que foi indevidamente vendido um bem onerado, sem que o pudesse ser.</font><br> <font>A não sustação da execução (apesar da irregularidade processual sanada), não sendo susceptível de anular a venda efectuada no caso em presença, dá no entanto ao credor prejudicado o direito de ser ressarcido dos benefícios que outros credores tenham indevidamente beneficiado do produto da venda em prejuízo dele, nos casos em que não deveriam ou devessem sê-lo.</font><br> <font>Não pode contudo o Tribunal, muito menos o Tribunal de recurso extravasar o pedido feito na petição inicial da acção de anulação ao abrigo dos arts. 908.º e 909.º do CPC, fazendo desde logo uma adequação formal do pedido alterando este.</font><br> <br> <font>Assim sendo, o pedido de anulação da venda não pode proceder.</font><br> <br> <font>Desta forma, embora por razões não inteiramente concordantes com as invocadas no Acórdão recorrido, concluímos que não há censura a fazer-lhe na decisão que tomou ao manter o despacho da primeira instância que indeferira liminarmente a petição.</font><br> <br> <b><font>III. Decisão</font></b><br> <br> <b><i><font>Em face do exposto, nega-se provimento ao agravo..</font></i></b><br> <b><i><font>Custas pelo Agravante.</font></i></b><br> <br> <font>Lisboa, 5 de Junho de 2008</font><br> <font>Mário Cruz (Relator)</font><br> <font>Garcia Calejo</font><br> <font>Mário Mendes</font><br> <i><font>-------------------------------------------------------------</font></i><br> <font>(1) Na presente acção de anulação é apenas referida a sociedade “Empresa-C, Ldaª”</font><br> <font> (2) Que incorporara o Banco Empresa-A.</font><br> <font>(3) “Art. 921.º(anulação da execução, por falta ou nulidade de citação do executado):</font><br> <i><font> (…) 3- A reclamação pode ser feita mesmo depois de finda a execução; se, porém, a partir da venda tiver decorrido já o tempo necessário para a usucapião, o executado ficará apenas com o direito de exigir do exequente, no caso de dolo ou má fé deste, a indemnização do prejuízo sofrido, se esse direito não tiver prescrito entretanto.” </font></i><br> <font>(4)) “Art. 201.º(Regras gerais sobre a nulidade dos actos):</font><br> <i><font>1. Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.</font></i><br> <i><font>2. Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente. A nulidade de uma parte de um acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.</font></i><br> <i><font>3. Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostra idóneo.”</font></i><br> <font>(5) Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume I1I, 37l</font><br> <font>(6) Eurico Lopes Cardoso, Manual de Acção Executiva, 3.ª ed., pg. 487. </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - Por apenso à acção executiva para pagamento de quantia certa que “Banque PSA Finance, S.A.” moveu a “Auto .... Casal de Cambra; Lda., AA e BB – o último, entretanto, falecido, mas representado por aquela AA e pelos também habilitados CC, DD e EE -, apresentaram-se a reclamar créditos a “Caixa Geral de Depósitos, S.A.” e FF, este com base em arresto registado sobre direitos de que fazem parte bens penhorados, pedindo que a graduação aguardasse a obtenção do título, para o que se encontrava pendente a respectiva acção declarativa condenatória contra a herança indivisa do Executado BB. </font><br> <br> <font> A graduação foi declarada suspensa, em 27/11/2007, relativamente a um imóvel penhorado, abrangido pelo arresto, aguardando a prolação de sentença exequível na acção n.º 1191/02, da Vara Mista de Setúbal.</font><br> <br> <font> Em 31/01/2008, a Reclamante “CGD” juntou aos autos de reclamação de créditos uma certidão, extraída do processo n.º 1192/02, dando notícia de que nessa acção “não foi requerida qualquer intervenção da Caixa Geral de Depósitos, nos termos do art. 825º do CPC, em cumprimento do disposto no art. 869º, n.º 5 do mesmo Código”, requerendo a revogação do despacho de suspensão, por caducidade, e que fosse proferida a sentença de graduação de créditos.</font><br> <br> <font> No seguimento dessa pretensão, julgou-se verificada a caducidade do requerimento de suspensão e cessada a ordenada suspensão.</font><br> <br> <font>Mediante impugnação do Reclamante FF, a Relação revogou o decidido, com fundamento em ilegitimidade da Requerente.</font><br> <br> <br> <font> Interpõe agora recurso a reclamante “Caixa Geral de Depósitos”, visando a reposição da decisão da 1ª Instância.</font><br> <br> <font> Do que arruma como “conclusões” (expurgadas de citações, interrogações e repetições), pode extrair-se a seguinte síntese útil:</font><br> <br> <font> a. - No art. 869º-4 do CPC apenas se diz que os efeitos do requerimento para sustação caducam se o exequente provar o incumprimento das obrigações do requerente, o que não significa que o credor reclamante não possa, também, fazer essa prova; </font><br> <font> b. - Não é, pois, de considerar o nº 2, mas sim o nº 1 do art. 9° do CC, sendo que a interpretação da letra do artigo 869°, nº 4, do CPC, na redacção constante do DL n° 329-A/95, de 12.12, para negar a legitimidade do credor reclamante, está em oposição directa com a unidade do ordenamento jurídico, que, à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, confere àquele todos os direitos processuais necessários à defesa do seu direito, nomeadamente, no âmbito do apenso de reclamação de créditos, onde todos os credores com garantia real estão em pé de igualdade; </font><br> <font> c. - A interpretação do disposto no art. 869°, nº 4, do CPC, perfilhada pelo douto acórdão recorrido, é, pois, manifestamente, inconstitucional, por violação do disposto no art.º 20° da Lei Fundamental; </font><br> <font> d. - À luz de tal preceito, terá forçosamente de se entender que, no âmbito do apenso de reclamações de créditos, o credor reclamante pode suscitar, como parte principal, todas as questões pertinentes à decisão definitiva sobre a verificação e graduação de créditos;</font><br> <font> e. - Por outro lado, a interpretação do acórdão recorrido premeia a inércia do recorrido: como ao credor reclamante está vedado suscitar a caducidade, nos termos do art. 869°, nº 4, do CPC, pode aquele perfeitamente não o chamar e assim obter uma decisão proferida sem que este tenha tido hipótese de exercer o contraditório e produzir prova. </font><br> <br> <font> O Agravado apresentou resposta, em defesa do julgado.</font><br> <br> <br> <font> 2. - A questão única a dirimir consiste em saber se os credores reclamantes, que sejam “credores interessados”, gozam de legitimidade para accionar a caducidade da suspensão da graduação de créditos, nos mesmos termos que a lei expressamente a reconhece ao exequente, quando o reclamante que aguarda a formação de título exequível não provoque a sua intervenção na acção. </font><br> <br> <br> <font> 3. - Os elementos de facto a considerar são os já descritos no relatório desta peça.</font><br> <font> </font><br> <font>Dão-se aqui por reproduzidos.</font><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. - No acórdão impugnado negou-se à ora Agravante legitimidade para promover a cessação da suspensão da graduação de créditos, diferida com fundamento na pendência de acção para obtenção de título exequível.</font><br> <font> Entendeu-se que tal é prerrogativa exclusiva do exequente, como claramente resulta da letra da lei, não sendo caso de interpretação extensiva ou analógica.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> A norma aplicanda – n.º 4 do art. 869º CPC, na redacção anterior à Reforma de 2003 - dispõe que os efeitos do requerimento de suspensão da graduação – efectuado pelo credor que não esteja munido de título exequível relativamente aos bens penhorados abrangidos pela sua garantia -, “</font><i><font>caducam, porém, se (…) o exequente provar que não se observou o disposto no n.º 2, que a acção foi julgada improcedente ou que esteve parada durante 30 dias por negligência do autor, depois do requerimento a que este artigo se refere</font></i><font>”.</font><br> <font> No referido n.º 2, que contempla o regime não observado no caso sob apreciação, estabelece-se que “</font><i><font>se a acção estiver pendente à data do requerimento, o requerente provocará, nos termos dos artigos 325º e seguintes, a intervenção principal do exequente e dos credores interessados; se for posterior ao requerimento, a acção deve ser proposta, não só contra o executado, mas também contra o exequente e credores interessados</font></i><font>”.</font><br> <br> <i><font> </font></i><br> <font> 4. 2. - A questão é de interpretação da transcrita norma do n.º 4 do art. 869º, designadamente se deve interpretar-se extensivamente, de modo a equiparar ao exequente os “credores interessados” a que alude o n.º 2 do preceito, reconhecendo-lhes idênticos poderes processuais.</font><br> <br> <font>Em sede de interpretação, a lei processual não estabelece quaisquer regras especiais, ensinando a doutrina e seguindo a jurisprudência o entendimento que valem as regras e princípios gerais emanados das normas do art. 9º do C. Civil.</font><br> <br> <font>Deve, na interpretação das normas, presumir-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, sabendo exprimir o seu pensamento em termos adequados, tendo presente estar-se perante um ramo de direito público instrumental em que vigoram princípios como os da legalidade das formas processuais e de que o processo tem como objectivo e, como tal, deve tender sempre à obtenção de uma decisão de fundo. </font><br> <br> <font>Os princípios gerais do processo que enformam o elemento sistemático não podem deixar de pesar na interpretação dos preceitos que dele fazem parte.</font><br> <br> <br> <font> 4. 3. - O preceituado no art. 869º, ao que aqui interessa, não sofreu alterações após a Reforma de 1967, sendo que, antes desta, o credor com privilégio sobre bens penhorados beneficiava da sustação da execução quanto a esses bens, logo que demonstrada a pendência da acção, só prosseguindo a execução depois do julgamento desta por sentença com força executiva.</font><br> <font> Previa, então, a lei que o exequente pudesse requerer o seguimento da execução se a acção estivesse parada, por negligência do autor, durante mais de vinte dias (§ 1º do art. 869º). </font><br> <br> <font>Assim, no regime do Código de 67, o requerimento de suspensão por acção pendente deixou de obstar à verificação dos créditos e à venda ou adjudicação dos bens na execução, prosseguindo os respectivos processos, determinando apenas a suspensão da graduação de créditos abrangidos pela garantia até ao julgamento da acção.</font><br> <br> <font>Do mesmo passo, estabeleceu-se a regra do litisconsórcio necessário passivo, impondo ao reclamante a instauração da acção em que se formará o título, não só contra o executado, mas também contra o exequente e os credores interessados ou, estando a mesma já pendente, que requeira a intervenção principal na mesma do exequente e dos credores interessados.</font><br> <br> <font>Por credores interessados devem entender-se os que para verificação e graduação dos créditos intervêm no concurso, por gozarem de garantia sobre os mesmos bens (cfr. ac. STJ, de 13/02/90, </font><i><font>BMJ</font></i><font> 394º-422).</font><br> <br> <font>Assim, no caso, é indiscutível, e já vem aceite, que a Reclamante “CGD” tem a qualidade de “credor interessado”.</font><br> <br> <br> <br> <font>4. 4. - Ao omitir a sua intervenção na acção pendente, o ora Agravado preteriu o referido litisconsórcio necessário.</font><br> <br> <font>Embora a omissão de tal ónus não seja causa de ilegitimidade na acção onde deveria ter sido assegurada a intervenção, com a consequência típica de obstar ao conhecimento do mérito da causa – arts. 28º-1, 494º-e) e 493º-2, todos do CPC -, pensamos não se poder pôr em causa que a preterição, porque expressamente imposta, não pode deixar de impedir a produção do efeito útil prosseguido pela norma que o estipula, obstando, por isso, à formação do título exequível com os pressupostos de reconhecimento que a mesma lei tem como idóneos para a verificação do crédito e sua admissão directa à graduação.</font><br> <br> <font>Deste modo, incumprido o litisconsórcio, o Reclamante não obtém o título exequível exigido para, finda a suspensão, ser admitido à graduação.</font><br> <font>E jamais o poderá obter, pois que a eventual impugnação do seu crédito não ocorre, com os demais, no processo de reclamação e verificação, nos termos previstos, nos n.ºs 2 e 3 do art. 866º, antes tendo a sua sede de discussão na acção declarativa, onde têm de ser chamados o exequente e os credores interessados.</font><br> <br> <font>O crédito do Agravado, cujo reconhecimento tem lugar na acção com intervenção dos credores com ele concorrentes, não está em condições de ser admitido à graduação porque a preterição do litisconsórcio necessário tem como consequência a caducidade de “todos os efeitos do requerimento” de suspensão para obtenção do título e diferimento da graduação (nºs 4 e 1 do artigo).</font><br> <br> <br> <font>4. 5. - Ao impor a intervenção de exequente e credores interessados na acção, o legislador considera existir nisso a realização de um interesse justificado ou fundado no processo e no seu objecto, nele participando e discutindo efectivamente a existência dos respectivos direitos, sendo certo que retirar ao credor interessado a possibilidade de intervir na acção equivale a subtrair-lhe o direito de impugnação que a lei a todos pretende assegurar, colocando-o na posição de “facto consumado”, como se escreve no citado acórdão, perante a apresentação da sentença proferida na acção.</font><br> <font> Estabelecem-se, pois, relações jurídicas entre os vários credores, com a categoria de partes principais, configurando cada reclamação de crédito uma verdadeira “</font><i><font>acção</font></i><font> </font><i><font>de</font></i><font> </font><i><font>dívida</font></i><font> proposta pelo reclamante contra o executado e </font><i><font>contra os ouros credores</font></i><font>” (A. DOS REIS, “</font><i><font>Processo de Execução</font></i><font>”, II, 962).</font><br> <br> <font>Acresce que, como se pondera no mesmo aresto, “a necessidade da presença dos credores verificados na acção proposta pelos recorrentes fundamenta-se ainda na fiscalização de intenções, nomeadamente, na possível verificação de conluio entre o executado e os autores da acção, com reflexo em possível retardamento de pendência da mesma e de procedência do credito ou créditos em crise”.</font><br> <font> </font><br> <br> <font>4. 6. - Além da referida intervenção, como parte principal, relativamente a créditos que incidam sobre bens que garantam o seu próprio crédito, quer no apenso de reclamação de créditos, nos termos do citado art. 866º-2 e 3, quer na acção para formação de título de graduação diferida (art. 869º-2), o credor reclamante “cujo crédito esteja vencido e haja sido liminarmente admitido (…) pode requerer, até ao trânsito da sentença que declare extinta a execução, o seu prosseguimento para efectiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito” fazendo prosseguir a execução “quanto aos bens sobre que incida a garantia real invocada pelo requerente, que assumirá a posição de exequente” – art. 920º-2 e 3 CPC. </font><br> <br> <font>Daí que, diferentemente do que sucedia antes da Reforma de 96 (DL n.º 329-A/95), em que só o credor com o crédito já graduado, e quanto a bens não vendidos, poderia requerer o prosseguimento da execução para pagamento do seu crédito, agora se reconheça a possibilidade de assumir a posição de exequente ao credor, bastando que o seu crédito tenha sido admitido liminarmente. </font><br> <br> <font>Com efeito, apesar da posição e direitos dos credores reclamantes, como partes, nos termos e com o conteúdo assinalados, certo é que, no regime vigente antes da Reforma de 96, exequente e executado tinham a disponibilidade exclusiva da relação processual executiva, que podiam modificar ou extinguir à revelia dos credores reclamantes, excepto no caso de haver já sentença de graduação de créditos (arts. 899º-1 e 920º-2).</font><br> <br> <br> <font> Assim, no regime aqui aplicável, o credor reclamante com reclamação admitida, como acontece com a Agravante, poderia em caso de extinção da execução, por qualquer razão, requerer o respectivo prosseguimento, assumindo a posição de exequente.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> 4. 7. - Às relações jurídicas de carácter processual entre os credores correspondem, embora reflexamente, direitos substantivos ou materiais que têm por objecto justamente a tutela e cobrança dos créditos de cada um segundo a preferência concedida pelas respectivas garantias, direitos que a lei reconhece através do direito de impugnação recíproca dos créditos e do direito a vê-los verificados, graduados e pagos, mesmo que o exequente deixe extinguir a acção executiva ou lhe ponha termo.</font><br> <br> <font> Numa palavra, o credor reclamante com crédito liminarmente admitido surge equiparado ao exequente, cuja posição pode sempre assumir desde que este deixe extinguir a execução.</font><br> <br> <br> <font> A tutela efectiva do conteúdo desse direito e dos interesses que lhe estão subjacentes – defesa e cobrança dos créditos em função das respectivas garantias e fiscalização da actuação das partes, nomeadamente -, conduzem, ao menos a nosso ver, ao entendimento segundo o qual a faculdade concedida ao “exequente” de provar a inobservância do n.º 2 do art. 869º e, em consequência requerer a caducidade da suspensão da graduação de créditos, o tem de ser também aos “credores interessados”, ou seja, aos credores reclamantes cujo direito possa ser prejudicado pela verificação e graduação do crédito do requerente do diferimento. </font><br> <br> <br> <font> A solução afigura-se-nos, pelo menos no regime legal aplicável ao caso sob apreciação, como a que melhor se harmoniza com o conjunto normativo que rege o concurso de credores, com especial relevo, como assinalado, para o estatuto reconhecido ao credor reclamante admitido – </font><i><font>elemento</font></i><font> </font><i><font>sistemático</font></i><font> – e com os interesses tutelados com a consagração do litisconsórcio necessário na acção para a qual está deslocado o contraditório a que alude o art. 866º, também enunciados – </font><i><font>elemento</font></i><font> </font><i><font>racional</font></i><font> </font><i><font>ou</font></i><font> </font><i><font>teleológico</font></i><font> – tudo sem ofensa, crê-se, da </font><i><font>função</font></i><font> </font><i><font>negativa</font></i><font> da letra da lei (eliminatória dos sentidos sem qualquer apoio), pois que a circunstância de se aludir apenas ao “exequente” não consente, só por si, a eliminação da integração no conceito dos sujeitos processuais a quem a mesma lei reconhece uma posição assimilável – art. 9º-1 e 2 C. Civil.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> Por isso, acompanha-se SALVADOR DA COSTA (“</font><i><font>O Concurso de Credores</font></i><font>”, 3ª ed., 269), na afirmação que “embora a lei só refira a prova pelo exequente dos aludidos fundamentos, não exclui que os credores reclamantes afectados pelo requerimento de suspensão possam requerer o termo desta e produzir a prova mencionada, decorrendo esta solução de nisso terem interesse e de a lei lhes garantir o estatuto de parte principal na acção executiva e, consequentemente, no concurso de credores”. (No mesmo sentido se pronuncia AMÂNCIO FERREIRA (“</font><i><font>Curso de Processo de Execução</font></i><font>”, 6ª ed., 290) e parece ser também o admitido por LEBRE DE FREITAS/J. REDINHA/RUI PINTO (“</font><i><font>CPC, Anotado</font></i><font>”, 3º vol., 523)).</font><br> <br> <br> <font> 4. 8. - A resposta á questão inicialmente enunciada vai, pois, no sentido afirmativo, ou seja, de que os credores reclamantes, que sejam “credores interessados” para os fins previstos no n.º 2 do art. 869º CPC, gozam de legitimidade para requerer a caducidade da suspensão da graduação de créditos, nos mesmos termos que a lei a reconhece ao exequente, quando o reclamante que aguarda a formação de título exequível não provoque a sua intervenção na acção. </font><br> <i><font> </font></i><br> <font> </font><br> <br> <font> 5. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em: </font><br> <font> - Conceder provimento ao agravo;</font><br> <font> - Revogar o acórdão impugnado, ficando a subsistir o decidido na 1ª Instância; e,</font><br> <font> - Condenar o Recorrido nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 16 Junho 2009 </font><br> <br> <br> <font>Alves Velho (relator)</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font> </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>AA intentou acção com processo ordinário contra “P... – Construções, Limitada”, pedindo a anulação de deliberações sociais tomadas pela Ré.</font><br> <br> <font>Após a contestação, foi proferido despacho a declarar sem efeito todos os actos praticados pelo Mandatário da Ré, e, por considerar a existência de má fé processual, determinada a notificação do Autor, nos termos e para os efeitos dos nºs 1 e 2 do CPC.</font><br> <br> <font>Desse despacho foi interposto recurso de agravo.</font><br> <br> <font>Foi proferido saneador-sentença julgando a acção procedente.</font><br> <br> <font>A Relação de Lisboa negou provimento ao agravo e não tomou conhecimento da apelação.</font><br> <br> <font>A Ré veio, de seguida “arguir nulidades processuais, ocorridas no Tribunal a quo”, já que o despacho da 1ª Instância que notificou para suprir a irregularidade do mandato e ratificar o processado não lhe foi notificado mas, apenas, à Ilustre Advogada, tal como o despacho que declarou sem efeito os actos praticados pela Mandatária.</font><br> <br> <font>Outrossim, o saneador sentença foi notificado, nos mesmos termos.</font><br> <br> <font>Pede, em conclusão, se “conheça a nulidade processual invocada, decretando-se e anulando-se todos os termos que nos autos são subsequentes ao despacho de fls. 732 a 735 mandando-se baixar os autos ao 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa para prosseguirem com a notificação da ora Requerente do mencionado despacho” ou, subsidiariamente, que se mandem baixar os autos para que a 1ª Instância </font><br> <font>conheça da nulidade na sequência de requerimento que, agora, também lhe dirige.</font><br> <font>O Mº Relator indeferiu o requerido.</font><br> <font>A Conferencia, chamada em sede de reclamação, nos termos do nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, manteve o decidido.</font><br> <font>É neste Acórdão confirmatório que agrava a Ré, formulando, prolixas e exaustivas conclusões, das quais relevam as seguintes:</font><br> <br> <font>- Em 25 de Maio de 2000, na continuação da Audiência Preliminar a decorrer no Tribunal de Comércio de Lisboa, no âmbito da acção entrada nesse Tribunal em 2 de Novembro de 1999, movida por AA contra a ora Recorrente, foi suscitada, pelo Mandatário do Autor, a irregularidade do mandato da Exma. Senhora Dra. BB, tendo o Senhor Juiz “a quo” relegado o conhecimento dessa questão para momento posterior.</font><br> <br> <font>- Sobre tal questão, veio o Juiz “a quo” em 19 de Junho de 2000, pronunciar-se sobre tal questão, concluindo conforme referido no ponto 8 das Alegações.</font><br> <br> <font>- O despacho de fls. 732 a 735 foi notificada apenas à Exma. Sr.ª Dr.ª BB, não o tendo sido, porém, notificado à ora Recorrente. Por conseguinte, veio em 22 de Setembro de 2000, o Senhor Juiz “a quo” dar sem efeito todos os actos praticados pela ilustre mandatária subscritora das respectivas peças processuais, conforme despachos constantes de fls. 736 conforme melhor descrito no ponto 12 das Alegações supra.</font><br> <br> <font>- O referido despacho de fls. 736, não obstante referir “notifiquem-se as partes desse despacho” (cf. ponto 12 das Alegações) foi notificado apenas à Exma. Senhora Dr.ª. BB.</font><br> <br> <font>- Em 9 de Abril de 2001 foi proferida a sentença constante dos autos, lavrada a fls. 760 a 781, na qual, foi decidido que existia irregularidades no mandato, com a cominação de ter sido dada sem efeito a defesa da Ré, sentença que só foi notificada à Dr.ª BB.</font><br> <br> <font>- Em sede de Recurso da dita Sentença interposto pela ora Recorrente, veio o Tribunal da Relação de Lisboa a proferir decisão que negou provimento ao Recurso de Agravo e, em consequência e porque o Recurso de Apelação havia sido interposto por quem, no seu entender, não tinha procuração válida para o fazer, i.e, pela Dr.ª BB, deliberou não tomar conhecimento do aludido recurso.</font><br> <br> <font>- Só a advogada da recorrente e não a própria parte, foi notificada em 14.05.02 do teor do dito Acórdão da Relação de Lisboa.</font><br> <br> <font>- Não existe assim, margem para dúvidas quanto à inexistência de notificação da recorrente (parte) para suprir a irregularidade do mandato e ratificar o processado.</font><br> <br> <font>- Em 16/05/02 a dita advogada remeteu por fax à ora recorrente cópia do Acórdão da Relação de Lisboa, proferido em 09/05/02.</font><br> <font>Resulta pois, evidente que só depois de 16/05/02 e após consulta do processo junto ao Tribunal da Relação de Lisboa efectuada pela ora recorrente é que a mesma pode constatar e tomar conhecimento do despacho de fls. 732 a 735 proferido pelo tribunal “a quo”, no qual se ordenava a notificação da ora recorrente para “em 10 dias suprir a irregularidade apontada e ratificar o processado com a cominação prevista no referido artigo 40º, nº 2 parte final do CPC.”</font><br> <br> <font>- No caso vertente, e em face do disposto no artigo 201º nº 2 do CPC perante a omissão ocorrida, impõe-se que sejam anulados todos os termos subsequentes ao despacho de fls. 732 a 735, porquanto, nenhum dos termos a ele subsequentes é independente.</font><br> <br> <font>- Cumpre referir, no entanto, que mesmo após o momento em que foi proferido o despacho de fls. 736, as notificações destinadas à ora recorrente continuaram a ser dirigidas apenas à Dr.ª BB, aí se incluindo o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa datado de 9/5/92.</font><br> <br> <font>- O Acórdão sub judice viola ou erra na aplicação das normas processuais contidas nos artigos 201º, 205º, 253º nº 2, 265º-A e 700º nº 1 f) todos do CPC e está inquinado do vicio de omissão de pronuncia previsto no artigo 668º nº1 d) do CPC, em conjunção com o disposto no artigo 660º nº 2 do mesmo diploma, também denegando justiça.</font><br> <br> <font>- Por outro lado, o Acórdão recorrido, com manifesta violação dos artigos 668º nº1 d), em conjugação com o artigo 660º nº 2 do CPC, não se pronunciou sobre a totalidade do pedido formulado pela ora recorrente, i.e., mandando baixar os autos ao tribunal de 1ª instância – 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa – de onde consta o requerimento apresentado, para que o Mº Juiz de 1ª Instância pudesse tomar conhecimento do mesmo.</font><br> <br> <font>Contra alegou a recorrida para concluir:</font><br> <br> <font>- A minuta de agravo apresentada não tem manifesto cabimento nos termos dos artigos 677º, 754º nº 2 e “a contrario” artigo 755º do CPC;</font><br> <br> <font>- Não tem fundamento, no estado do processo, sem denegação de justiça. A pretensão de violação dos artigos 668º nº1 d), 660º nº2, 201º nºs 1 e 2, 205º, 253º nºs 2 e 3, 265º-A, 701º nº 1 f) e 704º do CPC, no caso do processo, nem tem relevância ou aplicação a doutrina e jurisprudência;</font><br> <br> <font>- A minuta de agravo apresentada constitui violação do princípio da boa fé processual, artigos 266º A e 456º a 459º do CPC, que é causa jurídica da condenação solidária numa indemnização não inferior a duas taxas de justiça do processo;</font><br> <br> <font>- A aplicação do artigo 720º do CPC – defesa contra as demoras abusivas – será causa processual para a declaração de transito em julgado da parte II do Douto Acórdão da conferencia confirmatório da primeira instância de fls. 760 a 781 e de fls. 1360/61.</font><br> <br> <font>O Autor agrava do mesmo Acórdão, por considerar que lhe é desfavorável a parte onde se escreve: “Assim, e decidindo, a conferencia confirma o despacho proferido de fls. 1360/61, considerando que não compete a este tribunal conhecer da reclamação apresentada e, por conseguinte, competirá ao tribunal de 1ª instância verificar se foi tempestivamente apresentada e, sendo-o, se deve ou não deve ser deferida e, a ser deferida, quais os actos subsequentes que devem ser anulados.”</font><br> <br> <font>E conclui a sua alegação:</font><br> <br> <font>- O Acórdão impugnado faz interpretação errada e aplicação do artigo 205º do CPC, ao reservar, ilicitamente – do duplo ponto de vista substantivo e processual – competência abstracta da 1ª instância no caso concreto dos autos;</font><br> <br> <font>- Ao agir deste modo prejudica ilicitamente o ora agravante porque, para além da demora excessiva do andamento do processo na segunda instância, não toma em consideração o necessário juízo de indeferimento da matéria repetida da reclamação da parte agravada;</font><br> <br> <font>- O Acórdão impugnado viola por não aplicação as disposições do artigo 20º nº 4 da Constituição vigente, artigo 6º nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e os artigos 2º e 266º nº1 do CPC;</font><br> <br> <font>- É uma realidade incontornável a falta de razão da parte agravada no caso concreto dos autos e não deveria ser estimulada, como se faz no Acórdão impugnado, em prejuízo manifesto da obrigação constitucional da obtenção em prazo razoável de uma decisão justa.</font><br> <br> <font>Contra alegou a ré em defesa do julgado.</font><br> <br> <font>Colhe-se dos autos a seguinte matéria de facto, que releva para a decisão:</font><br> <br> <font>- Em 2 de Novembro de 1999 deu entrada no Tribunal de Comércio de Lisboa, acção intentada por AA contra “P...- Construções, Limitada”, pedindo a anulação de deliberações sociais.</font><br> <br> <font>- A ré foi citada na pessoa do seu sócio gerente CC.</font><br> <br> <font>- No dia 18 de Janeiro de 2000, deu entrada contestação subscrita pela Advogada Dr.ª BB.</font><br> <br> <font>- Em 25 de Maio de 2000, na continuação da Audiência Preliminar, foi suscitada pelo Mandatário do Autor a irregularidade do mandato da Dr.ª BB, tendo o Juiz “a quo” relegado o conhecimento dessa questão para momento posterior.</font><br> <br> <font>- Em 19 de Junho de 2000, veio o tribunal pronunciar-se sobre tal questão, concluindo o seguinte: “Ora, verificando-se que à data da outorga dos poderes forenses à Ilustre Advogada, já tinha sido requerida a suspensão da deliberação que nomeou mandatário da Ré o Sr. DD, tal situação constitui irregularidade do mandato da mesma conferido, nos termos do nº1 do artigo 40º do CPC.</font><br> <br> <font>Por essa razão, enquanto a referida irregularidade não se mostrar suprida, a situação cai na previsão da parte final do nº 2 do artigo 40º do mesmo Código. Assim notifique-se a ré “P..., Lda.” para, em 10 dias, suprir a irregularidade apontada e ratificar o processado, com a cominação prevista no referido artigo 40º nº 2, parte final, do CPC. Notifique.”</font><br> <br> <font>- Na cota de fls. 735, lê-se: “Notificação 20/06/00, por carta registada aos mandatários das partes, do despacho que antecede, tendo enviado à da ré cópia de fls. 698 a 731.”</font><br> <br> <font>- O despacho de fls. 732 a 735 foi notificado à Dr.ª BB.</font><br> <br> <font>- Em 22 de Setembro de 2000, o Juiz “a quo” proferiu o seguinte despacho, a fls. 736: “Tendo em consideração o teor do despacho de fls. 732 e seguintes, e uma vez que não foi regularizado todo o processado, dou sem efeito todos os actos praticados pela ilustre mandatária subscritora das respectivas peças processuais – artigo 40º nº 2, 2ª parte, do CPC. Custas pela mandatária.”</font><br> <font>Atendendo a que, pelo menos a partir do conhecimento do despacho do Sr. Conservador de Vila do Bispo, de 28/8/99, e do parecer do Conselho Técnico da Direcção Geral dos Registos e do Notariado, de 28/01/2000, no tocante à sua representação, a requerida agiu com culpa, é licito concluir que a prática dos actos processuais a que deu causa, constituem má fé processual.</font><br> <font>Tal facto, nos termos do citado artigo 40º, acarreta para a mesma a condenação na indemnização dos prejuízos a que der causa.</font><br> <font>Assim notifiquem-se as partes deste despacho, sendo o requerente para, em 10 dias, indicar e justificar os prejuízos sofridos e fornecer quaisquer outros elementos para a fixação da indemnização – artigo 457º nºs 1 e 2 do CPC.”</font><br> <br> <font>- Na cota de fls. 736, lê-se:</font><br> <font>“Notificação: 00.09.25 (23 e 24 Sábado e Domingo) por carta registada aos mandatários das partes do despacho que antecede”.</font><br> <br> <font>- O despacho de fls. 735 foi à Dr.ª BB.</font><br> <br> <font>- Na sentença (fls. 760-781) disse-se, designadamente: “Foi designada audiência preliminar, tendo nela sido suscitada pelo autor a falta de procuração outorgada em nome da Senhora Advogada, BB.</font><br> <br> <font>A fls. 732 e seguintes, no seguimento desta questão, foi decidido que existia irregularidade no mandato e, em consequência, ordenado que fosse suprida a apontada irregularidade e ratificado o processado.</font><br> <font>Nada tendo sido feito a este propósito, a fls. 736 foram dados sem efeito todos os actos processuais praticados pela mandatária subscritora das respectivas peças processuais.” (fls. 761)</font><br> <font>“Face à irregularidade do mandato, ficou sem efeito a defesa da requerida, importando tal confissão dos factos alegado pelo Autor (cf., nesse sentido, Palma Carlos, Código de Processo Civil Anotado, pág. 162)” (fls. 762).</font><br> <font>“Pelo exposto, julgo procedente por provada a acção e, em consequência, declaro anuladas as deliberações tomadas nas Assembleias de 23 de Abril de 1999 e de 20 de Agosto de 1999.</font><br> <font>De acordo com o disposto nos artigos 456º e 457º do CPC, condeno a Ré, P...-Construçoes, Lda., como litigante de má fé, na multa de 10 UC e em indemnização, a favor do autor em 650.000$00, a suportar pelos sócios CC e Marques dos Reis – artigo 458º do CPC.</font><br> <font>Custas pela Ré, a suportar, igualmente, pelos dois sócios intervenientes, CC e Marques dos Reis.</font><br> <font>Registe e notifique.” (fls. 781).</font><br> <br> <font>- Na cota de fls. 783, lê-se:</font><br> <font>“Notificação: 01.04.17, por carta registada aos mandatários das partes, da sentença que antecede, tendo ainda enviado ao mandatário do autor cópia de fls. 738 e á mandatária da ré cópias de fls. 739 a 758.”</font><br> <br> <font>- A sentença proferida nos autos foi notificada à Dr.ª BB.</font><br> <br> <font>- A ré concluiu assim as alegações do agravo que interpôs do despacho referente ao mandato, dizendo nuclearmente:</font><br> <br> <font>- A decisão recorrida, ao considerar que a ora agravante não se encontra regularmente representada em juízo através de procuração forense emitida por DD e por CC, conforme a que consta dos autos, ignora por completo a lei – artigo 397º nº 3 do CPC – e deixa de conhecer ou dar relevo a factos e questões que devia apreciar e que, a serem tomados em consideração, conforme se impor, deveriam conduzir a uma decisão de sentido totalmente diverso.</font><br> <br> <font>Com efeito, </font><br> <br> <font>- Ao considerar-se que DD não tem poderes para, conjuntamente com outro gerente, obrigar a ora agravada, a decisão sob censura não toma em consideração que DD foi nomeado gerente da ora agravante em Assembleia Geral regularmente convocada e realizada a 23 de Abril de 1999 e que, muito embora o ora agravado e então requerente haja interposto Providencia Cautelar destinada a obter a suspensão da execução da dita deliberação social, o que é facto é que,</font><br> <br> <font>- A decisão judicial que julgou tal providência cautelar – que foi proferida no âmbito do Pº nº 430/99, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial do Seixal – indeferiu totalmente a providência requerida.</font><br> <br> <font>- O facto de o então requerente e ora recorrido haver interposto recurso da dita decisão, não impede que as deliberações sociais tomadas na A.G. de 23 de Abril de 1999 sejam exequíveis, porquanto, o artigo 397º nº 3 do CPC, ao estatuir que: “A partir da citação, e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada.”, não exige o trânsito em julgado da decisão que incidiu, em 1ª instância, sobre o pedido de suspensão requerido em sede de Providência Cautelar.</font><br> <br> <font>Na verdade, </font><br> <br> <font>- O teor do estatuído no nº 3 do artigo 397º do CPC, é claro e inequívoco: para que as deliberações sociais objecto de providência (totalmente indeferida) sejam exequíveis, basta-se a lei com a decisão em 1ª instância do pedido de suspensão.</font><br> <br> <font>Assim, </font><br> <br> <font>- A recorrente em plena legitimidade para se fazer representar em juízo ou fora dele pelos gerentes CC e DD.</font><br> <br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Conhecendo,</font><br> <br> <font>1- Agravo do Autor.</font><br> <font>2- Agravo da Ré.</font><br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>1- Agravo do Autor.</font><br> <br> <font>Antes do mais, dir-se-á qual a interpretação o douto Acórdão recorrido, no segmento impugnado pelo Autor.</font><br> <font>Vejamos, </font><br> <font>Trata-se de Acórdão a decidir reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 700º do CPC.</font><br> <font>Que veio a afirmar-se confirmatório do despacho do Exmo. Relator.</font><br> <font>Este disse “não tomar conhecimento” da arguição de nulidade, “uma vez que a questão que levanta é uma questão completamente nova, que não foi aflorada na decisão sob recurso nem tão pouco nas alegações de recurso que oportunamente apresentou.”</font><br> <font>Mas o Acórdão recorrido diz “confirmar” aquele despacho, “considerando que não compete a este tribunal conhecer da reclamação apresentada e, por conseguinte, competirá ao tribunal de 1ª instância, verificar” se a nulidade foi arguida em tempo e se deve ser acolhida e quais os actos a anular.</font><br> <font>Isto é, enquanto o despacho reclamado se limita a não conhecer o requerido por o entender fora do âmbito recursório, a conferência assim o entende mas determina que seja a 1ª instância a conhecê-lo.</font><br> <font>Crê-se que a interpretação possível – e terá sido a que o recorrente/autor apreendeu; que não a recorrente/ré que aceitava a solução, que, aliás, propôs em alternativa – é considerar que o Acórdão decidiu que a arguição da nulidade deve ser conhecida no Juízo recorrido.</font><br> <font>Assim sendo, não tem razão.</font><br> <font>Foi arguida uma nulidade do processo, que a verificar-se se inseriria no regime do artigo 201º do CPC.</font><br> <font>O prazo para a sua arguição é o do nº1 do artigo 205º (aqui, e nos termos pedidos, com o “terminus a quo” na notificação do acto processual, se presumindo-se que só então tomou conhecimento da nulidade).</font><br> <font>Ora, foi alegado pela requerente que só tomou conhecimento da nulidade aquando da notificação do Acórdão da Relação, isto é, quando o processo estava já em fase de recurso.</font><br> <font>Daí que, e nos termos do nº 3 do citado artigo 205º a arguição pudesse ser feita naquele tribunal superior.</font><br> <font>Ora sendo aí arguida é nessa sede que deve ser conhecida não devendo os autos baixarem à 1ª instância para esse efeito.</font><br> <font>É que, a nulidade, a proceder, implicaria a anulação de todos os termos subsequentes que do acto viciado dependessem “absolutamente”.</font><br> <br> <font>Aqui, tratando-se de acto impeditivo da defesa, seria anulado o processado posterior e, naturalmente, o Acórdão final.</font><br> <font>Tratar-se-ia de nulidade secundária a afectar a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, independentemente da bondade ou regularidade de cada um desses actos quando analisados “per si”, ou seja, desinseridos da marcha processual.</font><br> <font>A proceder a arguição o Acórdão seria afectado não por um vicio próprio – intrínseco ou estrutural – mas como consequência da sua inserção num desenrolar de actos ligados entre si e como peça de uma cadeia integral, que é o processo, já que os actos processuais não são valorados em si mesmo mas na medida em que influem na finalidade comum do processo (cf. o Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2006 – 06 A1090 – desta conferência).</font><br> <font>Nessa medida, sempre será o tribunal onde o vício é, tempestivamente, arguido o competente para dele conhecer, retroagindo-se os efeitos da eventual declaração de nulidade ao momento da comissão do vício.</font><br> <font>Já o Prof. Alberto dos Reis ensinava que “quando se dê este caso (arguição de nulidades somente quando o processo já se encontra na 2ª instância ou perante o STJ) a nulidade é julgada directamente pelo tribunal de recurso, posto que se tenha verificado durante a pendência do processo na 1ª instância”. E tendo o processo subido “em recurso antes de expirar o prazo para arguição, claro que feita a arguição perante o tribunal superior, é este que conhece da nulidade” (in “Comentário ao Código de Processo Civil”, 2º, 1945 – 513)</font><br> <font>Destarte, procede a argumentação do recorrente quanto à parte do Acórdão em que remete para a 1ª instância o conhecimento da arguição.</font><br> <br> <font>2- Agravo da Ré.</font><br> <br> <font>Trata-se, agora de impugnar o Acórdão por não ter conhecido na nulidade arguida.</font><br> <font>Na sequência do que acima foi decidido, cumpriria à Relação ponderar previamente a tempestividade da arguição de nulidade para, depois, declarar o seu mérito ou demérito.</font><br> <font>Não pode este Supremo Tribunal julgar da bondade do requerimento pois a função dos recursos não é criar decisões novas mas, e apenas, reponderar o decidido pelas instâncias, já que estes visam a revisão da legalidade da decisão recorrida.</font><br> <br> <font>Deve, em consequência, a Relação pronunciar-se sobre o requerimento, “maxime” ponderando os seguintes pontos:</font><br> <font>- como questão prévia, se a arguição de nulidade é tempestiva, considerando os critérios do artigo 205º nº 1 da lei adjectiva;</font><br> <font>- de seguida, se o artigo 40º do Código de Processo Civil impõe a notificação pessoal do mandante, à semelhança do que acontece no regime do artigo 39º ou se, as situações aí previstas, por normalmente se reconduzirem a aspectos técnico-jurídicos, sendo os interesses, no limite, acautelados pelo nº 2, “in fine”, se bastam com a notificação ao mandatário;</font><br> <font>- a final, e se concluindo pela necessidade de notificação pessoal do mandante, se o vício teve influência na decisão da causa.</font><br> <br> <font>Acolhem-se, assim, algumas, mas decisivas conclusões do recorrente.</font><br> <br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>De concluir que:</font><br> <br> <font>a) Tendo a nulidade a que se refere o artigo 201º do Código de Processo Civil sido arguida perante a Relação, é este Tribunal Superior que a deve conhecer, se a sua procedência implicar a anulação de actos seus, por ter sido afectada a cadeia teleológica que liga todos os actos do processo, independentemente do vício que a origina ter sido praticado na 1ª instância.</font><br> <font>b) Se a Relação deixou de conhecer o mérito da arguição, não pode o STJ fazê-lo sob pena de incumprir o escopo primeiro dos recursos que apenas se destinam a reponderar o já julgado pelo juízo “a quo”.</font><br> <br> <font>Nos termos expostos, </font><font>acordam dar provimento aos agravos, </font><font>determinando que a Relação – se possível com os mesmos Mºs Desembargadores – conheça, se a considerar tempestiva, da arguição de nulidade.</font><br> <br> <font>Não se vislumbra qualquer má fé, quer instrumental quer substancial.</font><br> <br> <font>Custas, a final.</font><br> <font> </font><br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Abril de 2007</font><br> <br> <font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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FzLMu4YBgYBz1XKvYj5t
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça </font><br> <br> <font>AA propôs acção ordinária contra BB, CC e marido DD, EE e marido FF, e GG e mulher HH, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de haver para si o prédio vendido pela primeira e pelos segundos e terceiros réus aos quartos réus, pelo exercício da preferência que lhe assiste, pelo preço de € 47.385,00.</font><br> <font>Alegou que é arrendatária de uma parte do imóvel e que lhe foi negado o exercício do direito de preferência da compra e venda do mesmo, uma vez que, tendo pedido esclarecimentos sobre a comunicação do projecto de negócio, por entender que não continha os seus elementos essenciais, foi entretanto realizada a respectiva escritura de compra e venda entre a primeira, os segundos e os terceiros réus, como vendedores, e os quartos réus, como compradores. </font><br> <font>Os réus contestaram invocando a ilegitimidade da autora, quer para a causa, quer para o exercício do direito de preferência, por, à data da comunicação do projecto de negócio, dirigido ao seu sogro II, não ser ela a titular do arrendamento, mas sim aquele. Invocaram também a caducidade do direito de acção e defenderam-se por impugnação, de facto e de direito. Deduziram ainda pedido reconvencional, para o caso de procedência da acção, de restituição dos valores que já aplicaram no prédio objecto do litígio. </font><br> <font>A Autora replicou impugnando a matéria das excepções e contestando o pedido reconvencional.</font><br> <font>Foi admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, decidindo-se pela improcedência da excepção de ilegitimidade da autora e relegando-se para final a apreciação da questão da caducidade do respectivo direito. </font><br> <font>A final foi proferida sentença julgando improcedente a acção e absolvendo os réus do pedido.</font><br> <font>Inconformada, interpôs a A. recurso de apelação para a Relação de Lisboa, tendo os RR recorrido também para ela, mas subordinadamente.</font><br> <font>A Relação confirmou a sentença, e a A. recorre agora de revista, concluindo </font><i><font>(reeditando no essencial o conclusório do recurso para a 2ª instância)</font></i><font>:</font><br> <font>1º- Alegou no artº 16º da petição inicial que JJ, mulher do primitivo arrendatário, faleceu em 15.10.1989, protestando juntar a respectiva certidão de óbito;</font><br> <font>2º- Por lapso, a referida certidão não chegou a ser junta aos autos;</font><br> <font>3º- O Tribunal </font><i><font>a quo</font></i><font> não chegou a fazer uso do poder que lhe confere o disposto nos artºs 266º e seguintes do CPC, ordenando a sua junção aos autos, imediatamente antes da prolação da decisão, a despeito de a autora ter protestado fazê-lo;</font><br> <font>4º- A referida certidão de óbito torna-se indispensável à discussão e decisão da causa, uma vez que é imprescindível a prova da transmissão do arrendamento, nos termos do artº 85º do RAU, da mencionada JJ para a esfera jurídica e patrimonial de seu filho LL, falecido marido da ora recorrente;</font><br> <font>5a Como decorre da jurisprudência dominante, podia a Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artº 712º do CPC, determinar a anulação do julgamento para a ampliação da matéria de facto;</font><br> <font>6º- O espírito da doutrina em apreço tem por subjacente a boa administração da justiça;</font><br> <font>7º- Como dos autos não consta o elemento probatório decisivo para essa boa administração da justiça, podia e devia a Relação, nos termos do disposto no artº 712º, nº4 do CPC, ter determinado a ampliação da matéria de facto, ordenando a elaboração de um novo quesito sobre a matéria contida no artº 16º da petição inicial;</font><br> <font>8º- Assim não tendo sucedido, pode agora o Supremo Tribunal mandar baixar o processo à Relação, a fim de a decisão de facto ser ampliada (ac. do STJ de 17.2.1994, no BMJ 434, pág. 534), nos termos que vêm sendo equacionados e peticionados, devendo ordenar-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto.</font><br> <font>Contra-alegaram os RR, em apoio do decidido.</font><br> <font>Após os vistos, importa decidir.</font><br> <font>A Relação deu como provados os seguintes factos:</font><br> <i><font>1 - A primeira, os segundos e os terceiros réus eram proprietários do prédio descrito na Terceira Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 433, da freguesia da Ajuda, que tem a sua aquisição registada a favor dos respectivos réus pela inscrição G - três e que é constituído por:</font></i><br> <i><font> A) casa de cave, rés-do-chão e águas furtadas, para habitação, sita na Rua Augusto Gomes Ferreira nº 12, em Lisboa, freguesia da Ajuda, em cuja matriz está inscrita sob o artigo 317º, com o valor patrimonial de 18.386,40 € e </font></i><br> <i><font>B) casa de cave e rés-do-chão, para habitação com quintal, com serventia pelo nº 18 da referida Rua, sita na Rua Augusto Gomes Ferreira nº 14 e 16, em Lisboa, freguesia da Ajuda, em cuja matriz está inscrita sob o artigo 316º, com o valor patrimonial de 5.451,93 €;</font></i><br> <i><font>2 - A primeira, os segundos e os terceiros réus venderam aos quartos réus o prédio referido no artigo anterior por escritura pública celebrada a 4 de Novembro de 2002, no 12º Cartório Notarial de Lisboa, pelo preço global de 47.385 €;</font></i><br> <i><font>3 - O nº 12 do referido prédio é constituído por casa de cave, rés-do-chão e águas furtadas, para habitação e inscrito na matriz predial urbana sob o nº 317, freguesia da Ajuda, com o valor patrimonial de 18.386,40 €;</font></i><br> <i><font>4 - O nº 14 e 16 do referido prédio é constituído por casa de cave e rés-do­-chão, para habitação, com quintal, com serventia pelo nº 18 da referida Rua Augusto Gomes Ferreira, em Lisboa, freguesia da Ajuda cuja matriz está inscrita sob o nº 316 com o valor patrimonial de 5.451,93 €;</font></i><br> <i><font>5 - A primeira, os segundos e os terceiros réus venderam aos quartos réus a casa identificada em 1-A), pelo preço de 23.692,50 €, que está inscrito na matriz sob o artigo 317, da freguesia da Ajuda, e a casa identificada em 1-B), pelo preço de 23.692,50 €, que está inscrito na matriz sob o artigo 316, da freguesia da Ajuda;</font></i><br> <i><font>6 - Os arrendatários iniciais do prédio sito no nº 16 eram II e mulher, sogros da autora;</font></i><br> <i><font>7 - LL, filho de II, casou com a autora em 2 de Setembro de 1965;</font></i><br> <i><font>8 - O sogro da autora, II, faleceu em 11 de Agosto de 1967, facto que foi comunicado aos "senhorios" da altura;</font></i><br> <i><font>9 - O marido da autora faleceu em 14 de Novembro de 2002, facto que foi comunicado aos actuais "senhorios", através do seu mandatário, enviando a respectiva certidão de óbito;</font></i><br> <i><font>10 - A primeira e os segundos réus enviaram a II uma carta datada de 22 de Outubro de 2002, que continha, além do mais, o seguinte:</font></i><br> <i><font>"Assunto: Compra e venda dos prédios sito na Rua Augusto Gomes Ferreira, 12 e Rua Augusto Gomes Ferreira, nºs 14 e 16 em Lisboa. </font></i><br> <i><font>Exmo. Senhor</font></i><br> <i><font>Serve a presente para indagar de V. Exa. se pretende exercer o direito de preferência a que alude o artº 47º do RAU.</font></i><br> <i><font>Em conformidade com o disposto no nº 1 do artº 1458º do Código de Processo Civil especifico o seguinte:</font></i><br> <i><font>1 - Preço: 47.385,80 euros = 9.500.000$00.</font></i><br> <i><font>2 - Pagamento: os vendedores recebem a totalidade do preço no acto da escritura pública definitiva, por cheque visado.</font></i><br> <i><font>3 - Escritura: será efectuada no prazo de quinze dias no 12º Cartório Notarial de Lisboa, (Rua de S. Julião, nº 62-1º Esq. em Lisboa).</font></i><br> <i><font>4 - Despesas: serão de conta do comprador as despesas com sisa (se houver lugar), escritura e registos.</font></i><br> <i><font>5 - Comprador: GG, residente na Rua Tenente Ferreira Durão, 68-3º em Lisboa.</font></i><br> <i><font>6 - Os prédios são vendidos livres de quaisquer ónus ou encargos e no preciso estado em que se encontram e em conjunto, ficando, desde já, esclarecido, que não se equacionará a venda de um deles desacompanhado da venda do outro. A resposta a esta carta é dirigida ao Dr. MM, advogado, Rua da Prata, nº 291-2º Dtº 1100-418 Lisboa";</font></i><br> <i><font>11 - A autora e o marido receberam a referida carta, e em resposta enviaram uma carta (ao Sr. Advogado, como pedido) com data de 3.11.2002, que continha, além do mais, o seguinte:</font></i><br> <i><font>"Assunto: Compra e venda dos prédios sito na Rua Augusto Gomes Ferreira, 12 e Rua Augusto Gomes Ferreira, nºs 14 e 16 em Lisboa.</font></i><br> <i><font>Exmos. Senhores,</font></i><br> <i><font>Tendo-me sido dado o direito de preferência nos termos do artigo 47º da RAU, na compra e venda dos prédios indicados em epígrafe, venho exercer o direito de preferência do prédio sito na Rua Augusto Gomes Ferreira, 16 em Lisboa, que vos trago arrendado, solicitando que me seja indicado o preço do mesmo, já que o valor indicado - 47.385,80 Euros - é referente ao preço da globalidade dos três prédios, tal como V.Exas referem na epígrafe da vossa carta. Deste modo, aguardo que na volta do correio, me indiquem o valor do preço exacto do prédio sobre o qual tenho o direito de preferência que exerço";</font></i><br> <i><font>12 - A autora e o marido, após o casamento em 2.9.1965, sempre viveram com II e mulher, pais deste último;</font></i><br> <i><font>13 - A autora passou a viver na companhia dos sogros até à presente data;</font></i><br> <i><font>14 - A autora, após o falecimento dos sogros, ia pessoalmente pagar a "renda";</font></i><br> <i><font>15 - O óbito do marido da autora foi comunicado através das cartas de fls. 83-84 e 85-88;</font></i><br> <i><font>16 - A primeira, os segundos e os terceiros réus não mudaram o nome do titular dos recibos de "renda";</font></i><br> <i><font>17 - A primeira, os segundos e os terceiros réus autorizavam verbalmente a autora e o seu marido para realizarem obras na casa; </font></i><br> <i><font>18 - A autora e o marido esperavam uma resposta à carta datada de 3.11.2002, constante de fls. 24;</font></i><br> <i><font>19 - Em 23.5.2003 a autora teve conhecimento do teor da escritura pública outorgada pelos réus;</font></i><br> <i><font>20 - Parte das águas furtadas do prédio nº 12 da Rua Augusto Gomes Ferreira está situada por cima dos rés-do-chãos com entrada pelo nº 14 da mesma artéria;</font></i><br> <i><font>21 - A entrada para a cave do nº 16 faz-se através do nº 18 e a entrada para a cave do nº 14 faz-se através do nº 12;</font></i><br> <i><font>22 - Pelo nº 18 da Rua Augusto Gomes Ferreira faz-se o acesso ao quintal do prédio com entrada pelo nº 16 e também pelo nº 18 se faz um acesso ao prédio contíguo, com os nºs 20 e 22 da mesma artéria;</font></i><br> <i><font>23 - Ninguém se apresentou interessado em comprar os prédios isoladamente, devido às características físicas dos mesmos;</font></i><br> <i><font>24 - Os prédios estiveram mais de uma década no mercado para venda;</font></i><br> <i><font>25 - A entrada para a casa da autora faz-se através do nº 16, com exclusão de qualquer outro inquilino;</font></i><br> <i><font>26 - A entrada através do nº 16 é uma entrada privativa;</font></i><br> <i><font>27 - O nº 14 do mesmo prédio só dá acesso ao respectivo inquilino, sendo que as caves, situadas por baixo do nº 16, bem como o logradouro, têm entrada por um outro prédio, que é o nº 18 de polícia e que não faz parte dos imóveis vendidos;</font></i><br> <i><font>28 - Foi atribuído um valor a cada prédio com artigo matricial distinto;</font></i><br> <i><font>29 - As rendas eram pagas habitualmente na Associação Lisbonense de Proprietários;</font></i><br> <i><font>30 - O andar em questão, após algumas obras de modernização, poderá ser dado de "arrendamento" por um valor mensal de € 750.</font></i><br> <i><font> </font></i><u><font>Questão prévia</font></u><br> <font>O fundamento específico do recurso de revista é a violação da lei substantiva </font><i><font>(que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável)</font></i><font>, podendo acessoriamente alegar-se alguma das nulidades previstas nos artºs 668º e 716º (artº 721º, nº 2 do CPC).</font><br> <font>Sendo o recurso de revista o próprio, pode o recorrente alegar, além da violação da lei substantiva, a violação da lei do processo, quando desta violação for admissível o recurso, nos termos do nº 2 do artigo 754º, de modo a interpor do mesmo acórdão um só recurso (artº 722º, nº 1 do CPC).</font><br> <font>O recorrente indica como violados pelo acórdão recorrido os artºs 266º e segs. e 712º, nº 4 do CPC.</font><br> <font>Aponta portanto apenas a violação de normas de direito adjectivo, pelo que, sendo fundamento do agravo interposto na 2ª instância a violação ou errada aplicação da lei do processo (artº 755º, nº 1, b) do CPC), o recurso não é de revista mas de agravo, pois a impugnação através da revista pressupõe não só que a decisão recorrida tenha conhecido do mérito da causa (artº 721º, nº 1 do CPC), mas também que se funde em infracção a regra de direito substantivo (nº 2 do mesmo normativo).</font><br> <font>Vindo apenas alegada a violação da lei do processo, porque se não indica a violação de qualquer norma substantiva, há lugar a recurso de agravo e não a recurso de revista, já que este último se delimita simultaneamente pelo objecto e pelos fundamentos </font><i><font>(cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, págs. 165, 166, 252 e 253).</font></i><br> <font>A final se determinará, pois, a alteração da espécie do recurso, de revista para agravo interposto na 2ª instância.</font><br> <font> ***</font><br> <font>A autora/recorrente alegou, no item 16º petição inicial, o óbito da sogra JJ, que segundo ela ocorreu em 15.10.1989, protestando juntar a respectiva certidão de óbito.</font><br> <font>Não requereu porém essa junção até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento e as instâncias também não ordenaram a requisição e junção de tal documento.</font><br> <font>Entende a recorrente que a Relação devia ter ordenado a ampliação da matéria de facto com o aditamento de um quesito contendo a matéria articulada no referido item 16º do petitório, para se provar o óbito da sogra e a transmissão do direito arrendamento nos termos do artº 85º do RAU.</font><br> <font>Não o tendo a Relação decidido desse modo, sustenta a recorrente que o acórdão em crise infringiu os artºs 266º e segs. e 712º, nº 4 do CPC, pelo que entende dever o Supremo ordenar a baixa dos autos à Relação, para a pretendida ampliação da matéria de facto.</font><br> <font>Ora, é pacífica a jurisprudência do Supremo no sentido da insindicabilidade do não uso pela Relação dos poderes que em exclusivo lhe são conferidos pelo artº 712º do CPC.</font><br> <font>Pode no entanto o Supremo anular o julgamento e ordenar a baixa do processo quando – </font><i><font>ao decidir do fundo ou mérito da acção</font></i><font> – entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito (artº 729º, nº 3 do CPC).</font><br> <font>Tal dispositivo legal não é porém aplicável </font><i><font>in casu.</font></i><br> <font>Desde logo, a matéria vertida no artº 16º do petitório nunca poderia ser aditada à base instrutória.</font><br> <font>Com efeito, o registo civil é obrigatório e tem por objecto – além do mais – o óbito. Salvo disposição legal em contrário, os factos sujeitos a registo obrigatório só podem ser invocados depois de registados, a prova resultante do registo civil quanto aos factos que a ele estão obrigatoriamente sujeitos não pode ser ilidida por qualquer outra – </font><i><font>a não ser nas acções de estado e nas acções de registo</font></i><font> – e a prova dos factos sujeitos a registo só pode ser feita pelos meios previstos no Código de Registo Civil (artºs 1º, nº 1, j), 2º, 3º, nº 1, e 4º do Código de Registo Civil).</font><br> <font>Não podem ser quesitados os factos que só por documento podem ser provados. O óbito da sogra da recorrente e mulher do falecido primitivo arrendatário só podia ser provado com a junção da respectiva certidão de óbito </font><i><font>(sendo por isso de postergar o substantivo masculino plural “sogros”, constante do ponto 14 da matéria de facto dada como provada, devendo ser substituído pelo substantivo masculino singular “sogro”).</font></i><br> <font>Nos termos do artº 523º do CPC, a recorrente podia juntar a certidão até ao encerramento da discussão na 1ª instância </font><i><font>(embora com multa, excepto se provasse que a não pôde oferecer com o articulado)</font></i><font>, e seria atendida na sentença, atento o disposto no artº 659º, nº 3 da lei adjectiva.</font><br> <font>O tribunal da 1ª instância não ordenou oficiosamente a requisição e junção da certidão de óbito, mas a recorrente também não lhe comunicou qualquer dificuldade na obtenção dela, não impetrou ao Juiz titular do processo auxílio no sentido de se removerem quaisquer obstáculos impeditivos da obtenção de tal documento probatório.</font><br> <font>O nº 4 do artº 266º do CPC </font><i><font>(atinente à cooperação em sentido formal – cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais, à Luz do Código Revisto, págs. 152 e seg.)</font></i><font> determina que o juiz </font><u><font>deve</font></u><font>, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo </font><u><font>sempre que</font></u><font> </font><u><font>alguma das partes </font></u><i><u><font>alegue justificadamente</font></u></i><u><font> </font></u><i><u><font>dificuldade séria</font></u></i><u><font> em obter documento… </font></u><font>que condicione o… cumprimento de ónus… processual.</font><br> <font>Obtemperar-se-á, porventura, que se o Supremo anular o julgamento e ordenar a baixa do processo para a Relação juntar ou mandar juntar a certidão de óbito em falta, e posteriormente de novo ser julgada a causa, tal redundará na ampliação da matéria de facto, sendo por isso aplicável o nº 3 do artº 729º do CPC.</font><br> <font>Não se crê todavia que o reenvio do processo nos termos desse dispositivo legal seja aqui aplicável.</font><br> <font>É que o normativo em referência não é aplicável a requerimento das partes, mas </font><i><font>ex officio judicis</font></i><font> pelo STJ quando, ao julgar do fundo ou mérito da causa – </font><i><font>o que não está a suceder aqui</font></i><font>… – chega à conclusão de que há matéria de facto articulada, controvertida e de grande importância para a decisão jurídica da causa.</font><br> <font>Se a decisão de direito não for impugnada em via de revista – </font><i><font>como sucede no caso presente</font></i><font>… – não é</font><i><font> </font></i><font>admissível às partes recorrer de agravo com a finalidade</font><i><font> </font></i><font>de promover o reenvio do processo ao tribunal recorrido, nos termos do artº 729º, nº 3.</font><br> <font>O STJ só pode/deve aplicar esse comando, oficiosamente, quando, ao julgar do fundo ou mérito da causa – </font><i><font>o que, repisa-se, aqui não sucede…</font></i><font> – chega à conclusão de que há matéria de facto articulada, controvertida e de grande relevância, carecida de investigação em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.</font><br> <font>No caso vertente, o recurso limita-se a aspectos processuais e não substanciais, não ataca propriamente a decisão de fundo, pois a recorrente não pretende que a acção proceda desde já a seu favor mas tão-só que se anule o julgamento e se proceda a um novo julgamento, após a ampliação da matéria de facto.</font><br> <font>Não é destarte legalmente viável anular o julgamento e mandar ampliar a matéria de facto quer com o aditamento de novo quesito com a matéria do item 16º da peça inicial </font><i><font>(o qual sempre seria ilegal, como já se justificou)</font></i><font> quer com a junção da certidão de óbito em falta.</font><br> <font>Certidão essa que a recorrente bem podia ter junto atempadamente, até porque, segundo alegou, vivia com a sogra e indicou no processo a data do óbito dela, pelo que, não tendo junto tal certidão, </font><i><font>sibi imputat</font></i><font>, não devendo os recursos, salvo o devido respeito, servir para suprir as falhas ou esquecimentos das partes</font><i><font>.</font></i><br> <font>Termos em que acordam em:</font><br> <font>- Determinar a baixa do processo à distribuição, para alteração da espécie de revista para a de agravo em 2ª instância;</font><br> <font>- </font><b><font>Negar provimento ao agravo</font></b><font>, condenando a agravante nas custas.</font><br> <font> </font><br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Abril de 2007</font><br> <br> <font>Faria Antunes (relator)</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font> </font></font>
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QzK0u4YBgYBz1XKvJTM8
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,</font><br> <br> <font> </font><b><font>I- Relatório:</font></b><br> <font> </font><br> <font> 1-1- </font><b><font>AA, S.A., </font></b><font>promoveu a expropriação litigiosa por utilidade pública respeitante à </font><u><font>parcela</font></u><font> que denominou de </font><u><font>nº 101</font></u><font>, com a área total de 209.146 m2, correspondente à totalidade da área de três prédios propriedade da </font><b><font>BB, Lda.</font></b><font>, denominados “Codilhão Pequeno” ou “Condilhão Pequeno”, “Codilhão Grande” ou “Condilhão Grande” e “Canas” descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob os nºs 01792, 01788 e 01277, e inscritos na matriz sob os arts. 1889, 1890 e 1891, respectivamente.</font><br> <font> A requerente juntou vários documentos entre os quais o auto de vistoria </font><i><font>ad perpetuam rei memoriam </font></i><font>(fls. 115 a 125), o despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de autorização de posse administrativa (fls. 129 a 131), o auto de posse administrativa (fls. 132), o relatório de arbitragem (fls. 135 a 145) e o acórdão arbitral (fls. 133 e 134), no qual o valor da parcela foi fixado, por unanimidade, em 74.246.830$00.</font><br> <font> Por despacho de fls. 315 e 315-v. (rectificado, conforme ordenado a fls. 1612/1614) foi adjudicada ao Estado Português a referida parcela, ao abrigo do art. 50º nº 4, do C. Exp. de 1991.</font><br> <font> A BB, Lda. agravou do despacho de adjudicação (fls. 324) recurso que foi recebido por despacho de fls. 812 a 814, sendo-lhe atribuído regime de subida diferida, com efeito meramente devolutivo. </font><br> <font> A fls. 1113 e 1114, foi proferido despacho de sustentação desse agravo.</font><br> <font> A Relação, no acórdão recorrido, negou provimento ao agravo, apreciando duas questões. A primeira, se o tribunal deveria ter ordenado a notificação da expropriada antes de proferir o despacho de adjudicação da propriedade do imóvel identificado nos autos e a segunda se tal despacho de adjudicação não seria admissível, por faltar a declaração de utilidade pública da expropriação da referida parcela (págs. 2180 a 2190).</font><br> <font> Quer a AA (fls. 326 a 341), quer a BB (fls. 489 a 535) recorreram da decisão arbitral. </font><br> <font> Proferida sentença, que fixou a indemnização devida em 557.259,67€, ambas as partes dela apelaram, embora a BB apenas subordinadamente.</font><br> <font> A Relação decidiu atender à apelação da expropriante AA, considerando que a 1ª instância não tinha fundamento bastante para dissentir da opinião maioritária dos peritos. Mais decidiu julgar improcedente a apelação subordinada. Fixou, assim, o montante da indemnização em 278.217,74€.</font><br> <font> </font><br> <font> 1-2- Inconformada com o acórdão da Relação, a BB interpôs recurso de revista, que foi admitido, por despacho de fls. 2709 a 2713, admissão, porém, circunscrita apenas às questões suscitadas nas conclusões 1ª a 23ª (atinentes ao despacho de adjudicação da propriedade)</font><font> (1)</font><br> <font>.</font><br> <font> Nessas conclusões, constantes de fls. 2414 a 2422, a recorrente argumenta que:</font><br> <font> </font><font>1ª - Para o correcto julgamento dos factos e averiguação do direito que lhes é aplicável torna-se indispensável considerar que o instituto jurídico acolhido no art. 3º/2 e regulado nos arts. 53º e 55.º do CE/91 radica salvaguardar o direito do proprietário a uma justa indemnização, por isso, não sendo possível compensar a perda de uma unidade económica, afectada por DUP de expropriação, com a indemnização da depreciação da parte restante (art. 28.º do CE/91), nem com obras adequadas (art. 54º n.º 1 do CE/91), o proprietário tem o direito a que, calculado o valor da totalidade unitária e o da parcela objecto de DUP (conforme art. 55.º n.º 1 CE/91), lhe seja pago o respectivo montante, sendo o da parte não objecto de DUP pago pela expropriante ou por titulares do direito de preferência (art. 53º nº 6 do CE/91) – razões pelas quais se diz que o art. 3.º/2 não trata de uma expropriação mas de uma venda coactiva.</font><br> <font> 2ª- A AA, no requerimento inicial, bem como de forma mais expressa na contra-alegação do agravo, sustentou que a causa desta expropriação residia na circunstância de, estando obrigada a expropriar a totalidade das Salinas do Samouco, pela Base 73º do Segundo Contrato de Concessão (invocado logo à cabeça do seu req. Inicial), anterior Base LXVIII, aprovada pelo Dec. Lei 168/94, de 15.6, «antes da expropriante lançar mão do cumprimento de tal obrigação, a expropriada antecipou-se e requereu a expropriação da totalidade dos terrenos da sua propriedade que se encontravam inseridos em tal zona (Salinas do Samouco)”.</font><br> <font> 3ª- Assim, tanto a AA como o Mº Juiz da 1ª instância, este, mesmo no despacho em que, já após a alegação da agravante, deu nova fundamentação à decisão recorrida, invocaram o art. 3.º/2 não no sentido de que os prédios expropriados fossem – factualmente – parte sobrante de alguma das várias parcelas objecto da DUP/95 – do MOPTC 6-XII/95, DR II S., Supl. N.º 68, de 21.3.1995, onde se declarou a necessidade de expropriar por causa da construção do viaduto da actual ponte Vasco da Gama, mas no sentido de que caberia, também, naquele preceito, a expropriação litigiosa de três prédios, não objecto de DUP, mas já destinados a expropriação, por se situarem em zona (Salinas do Samouco), assim indicada no Contrato de Concessão, desde que a proprietária, antecipando-se ao cumprimento das respectivas obrigações da concessionária, houvesse pedido a expropriação de todos os prédios dessa zona.</font><br> <font> 4ª- Assim, a questão que as partes traziam ao julgamento do agravo – definido pelo objecto e conclusões da alegação da ora recorrente – reforçada pela própria alegação da agravante, bem como pelo teor da sua carta doc. 3 do req. inicial, consiste, afinal, em saber-se se, existindo já antes, desde o Contrato de Concessão estabelecido pelo DL 168/94, de 15.6, a obrigação de expropriar estes três prédios, o pedido de 20.7.1995 da proprietária dispensa a DUP, ao abrigo do art. 3.º/1 do CE/91.</font><br> <font> 5ª - Porém, a decisão ora recorrida não considerou os termos e factos que as partes e a 1.ª instância traziam ao objecto do agravo, pois veio a dar, implicitamente, como provado, um facto novo, e uma nova causa de pedir ou de legitimar o processo de expropriação, não invocados pelas partes nem pela 1ª instância, segundo os quais, julga os prédios deste processo como a parte sobrante de uma unidade de exploração semimecanizada de sal, «instalada nos imóveis abrangidos pela DUP e ainda nos adjacentes, por ela não abrangidos, numa área global de 158,0240 ha» (p. 10/11 do Acórdão).</font><br> <font> 6ª- Tal factualidade não estava alegada pelas partes, não era a causa do processo de expropriação, não vinha debatida nem foi objecto da decisão agravada, pelo que, qualquer que fosse o juízo sobre a sua veracidade, face ao disposto nos arts. 66º, 712.º, combinados com o art. 3º e art. 3º-A do CPC, nunca poderia ser tomada em conta, como foi, e de forma nuclear à aplicação do direito.</font><br> <font> 7ª- Ao proceder assim o Acórdão expressa o sentido normativo do disposto nos arts. 664º e 712º do CPC, segundo o qual pode dar como provado e atender a um facto e causa de pedir não alegados pelas partes, no sentido de sustentar e viabilizar a pretensão de uma delas. Ora, tal sentido viola os deveres de isenção, imparcialidade, e respeito pelo contraditório, de arts. 3º, 3º-A do CPC e o disposto em art. 20º nºs 1 e 4 da CRP, enquanto direito à justiça e a um processo equitativo.</font><br> <font> 8ª- Por outro lado, sob o elenco dos factos que julgou, o Acórdão coloca nos seus nºs 2 e 3, não a factualidade constante no teor das respectivas cartas ali referenciadas, mas a interpretação que faz de um dos seus possíveis sentidos, aliás, viciada logo pela alteração que fez do objecto do agravo e com o novo facto que acrescentou, acabado de referir, violando assim, o disposto em arts. 511º/1, 646º/4, e 659º/3 do CPC.</font><br> <font> 9ª - Com efeito, a carta doc. 3 do req. inicial, da AA, ao referir-se ao «total das parcelas de V. propriedade sitas na área das Salinas do Samouco a que se refere a Base LXVIII das Bases de Concessão (…) indo-se desencadear os mecanismos de expropriação» e solicitando «uma reunião com V. Exas. em data a acordar, com vista a dar conta do prosseguimento a seguir», evidencia tratar-se de um documento a exigir interpretação do sentido da vontade ali expressa, sentido esse a efectuar-se, naturalmente e desde logo, de acordo com o teor da Base LXVIII ali referida por duas vezes como implicada, ou seja, a “totalidade” aqui expressa reporta-se ao conjunto Salinas do Samouco, e não a uma “totalidade” pressuposta pelo art. 3º/2 do CE/91 como a soma de uma parte objecto de DUP com a sua parte sobrante.</font><br> <font> 10ª- Assim, nesta parte, o Acórdão, quanto aos factos dados como n.ºs 2 e 3 do julgamento do agravo viola o disposto em arts. 511º, 646º nº 4, 659º n.º 3 do CPC, o que deve ser corrigido, por ser erro procedimental, ordenando-se o simples julgamento dos factos e eliminando-se dali aquelas interpretações, as quais, para além de erradas, não constituem factos mas juízos de valor.</font><br> <font> 11ª- Ainda no tocante à matéria de facto, o julgamento em causa ignorou um aspecto que vinha pressuposto em discussão, tanto pelas partes como pela 1ª instância, como de essencial consideração para o efeito de se aplicar ao caso o direito mais exacto – e que é a existência das regras no Contrato de Concessão, nos termos das quais todos os prédios das Salinas do Samouco deveriam ser expropriados pela AA, para o fim público de protecção ambiental, mediante prévia DUP de expropriação (Bases LXVIII e XXVII, bem como Cláusulas 73 e 30 do 2.º Contrato).</font><br> <font> 12ª- Na verdade, é imprescindível à garantia de uma livre e imparcial aplicação do direito que o Julgador conheça não só os factos que sustentam a tese de uma das partes, como os factos em que a contraparte se apoia – sendo certo que, no caso, ambas as partes se referiram à existência, como um facto de incontornável apreciação, da Base LXVIII (ou Base 73 no Segundo Contrato de Concessão, invocado logo à cabeça no req. inicial da AA).</font><br> <font> 13ª - Porém, tratando-se de factos enquanto regras legais existentes e relativas ao Contrato de Concessão, publicadas em Diário da República, o seu conhecimento é forçoso, por este Supremo Tribunal, pois constituem objecto do agravo.</font><br> <font> 14ª - Assim, a possibilidade de sucesso da decisão da 1ª instância, na sua segunda fundamentação, bem como na tese da AA e na sustentação do Acórdão recorrido, reside em averiguar-se se o disposto no art. 3º/2 abrange, também, a expropriação litigiosa de três prédios não objecto de DUP de expropriação, incluídos na área das Salinas do Samouco, que por força da Base LXVIII, disposta no Dec.Lei 168/94 de 15.06, eram já à data da carta (de 20.7.1995) objecto da obrigação de expropriar, com o fim de protecção ambiental ali indicado – não obstante não se efectuar neste processo a avaliação da totalidade da parte sobrante mas apenas de três dos seus prédios.</font><br> <font> 15ª- Ora, do ponto de vista substancial, da sua avaliação/indemnização, e no plano do seu iter processual, os presentes autos mostram total independência, quer quanto às duas unidades económicas que a expropriada alegou na sua carta dita «pedido de expropriação total», quer quanto aos processos de expropriação das parcelas descritas na DUP de expropriação do MOPTC de 27.2.1995 – factualidade essencial uma vez que, à luz do CE/91, a expropriação total caracteriza-se por constituir um procedimento conjunto à expropriação da parcela objecto de DUP, na qual, tanto na arbitragem como no processo, quer na sua fase administrativa quer judicial, é considerado o valor da unidade económico-produtiva do património, como uma globalidade, face ao disposto em art. 55º do CE/91.</font><br> <font> 16ª- A decisão de expropriar que a AA expressamente tomou na carta de 29.9.95, e o que afinal, pretende expressar com estes autos – e os demais que iniciou: um processo por imóvel, desgarrado da unidade económica – representam, assim, não mais do que o mero cumprimento do seu dever contratual, disposto na Base LXVIII, mencionada na sua referida carta. Mas defeituoso cumprimento.</font><br> <font> 17ª- Pois, este procedimento não podia ser efectuado, litigiosamente, sem a DUP da expropriação destes três prédios, uma vez que, desde logo, isso mesmo resulta das Bases XXVII, e Cláusula 30 do Contrato de Concessão.</font><br> <font> 18ª- Ora, o procedimento da recorrida, concretizado nestes autos e nos inúmeros processos de expropriação de cada um dos imóveis, partes componentes das unidades económicas, da expropriação peticionada pela recorrente, representa uma inqualificável prepotência abusiva e roubadora do valor económico das unidades patrimoniais globais que subjazem ao invocado pedido de expropriação e à ratio legis do art. 3º nº 2 do CE/91 – pois, como é óbvio, a expropriação singular e autónoma de cada parcela não permite, como estes autos demonstram, a avaliação e valorização da perda das unidades económicas referidas no pedido da expropriante, qualquer que seja a interpretação que a este se dê.</font><br> <font> 19ª - Contudo, face ao disposto no art. 62º nº 2 da CRP e art. 1º do protocolo n.º 1 da CEDH, a expropriação litigiosa só pode eliminar o direito de propriedade nas condições previstas na lei, razão pela qual a doutrina e jurisprudência são unânimes em considerar que, por força deste princípio de legalidade, só através de DUP de expropriação individualizada pode ocorrer a desapropriação coactiva da propriedade.</font><br> <font> 20ª - De acordo com aquele mesmo princípio, não pode interpretar-se o teor do art. 10.º/2 do CE/91 no sentido de se entender que, existindo já quanto aos três prédios da SPS as obrigações constantes na Base LXVIII (cláusula 73 do 2º Contrato de Concessão), um pedido de reconhecimento do direito a ser expropriada, este possa substituir, para dar causa ao processo litigioso, a DUP ali prevista.</font><br> <font> 21ª - De resto, com tal carta, a proprietária não se antecipou a praticar qualquer acto ou dever que competisse à expropriante, nem a substitui em alguma daquelas suas obrigações expropriantes – uma vez que, nestas, a expropriante actuaria sempre e somente em nome e interesse do Estado, e portanto, impossível de ser nisso substituída por particulares não dotados dos poderes públicos que só a Concessão outorgou àquela.</font><br> <font> 22ª - O âmbito do art. 3º/2, constitucionalmente interpretado, não vai ao ponto de abranger a situação em que se inicia procedimento expropriativo de três prédios, em processo e avaliação totalmente autónomos do processo expropriativo relativo a uma parcela objecto de DUP, aquele com um prévio fim público (ambiental) radicalmente diferente do enunciado nesta DUP, e sem que, por causa desse procedimento expropriativo de prédio a prédio por processo, se possa tomar em conta a avaliação da globalidade da unidade económica, como é pressuposto radicalmente no preceito e assegurado pelo que se estabelece no art. 44.º n.º 1 do CE/91.</font><br> <font> 23ª- Tal sentido, porque permite, afinal, a desfragmentação da unidade económica e perda da justa indemnização da globalidade, tidas como causas da expropriação, origina a perda da valorização do conjunto, violando-se, assim, para além do princípio da legalidade quanto às condições da expropriação, também o próprio princípio da indemnização justa (como muita sábia e argutamente assinalado no Acórdão da R.L., 7.ª Sec., Proc. 10.605/06) – razões pelas quais, e em última análise, face ao dever de interpretação do direito ordinário em conformidade com a Constituição, tem de revogar-se o Acórdão, anulando todo o processado, por falta de declaração de utilidade pública de expropriação dos três prédios em causa, como os preceitos legais acima referidos e o Contrato de Concessão assim estabelecem.</font><br> <br> <font> Contra-alegando, a expropriante pronunciou-se pela improcedência do recurso, formulando, no tocante à matéria objecto do presente recurso, as seguintes conclusões (cfr. fls. 2499 a 2503):</font><br> <font> </font><font>1ª - A expropriação em causa nos presentes autos decorreu de pedido de expropriação total da aqui recorrente, apresentado em 20.7.1995, cfr. comunicação e documentos de fls. 11 a 95 dos autos, no seguimento de declaração de utilidade pública de expropriação de outras parcelas de sua propriedade - 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2 - contida no despacho MOPTC 6-XII/95.</font><br> <font> 2ª- Na citada comunicação a expropriada-recorrente fundou o seu pedido de expropriação total no facto de a expropriação parcelar em causa, prejudicar as unidades económicas a que estavam afectos diversos prédios de que era titular e que identificou no doc. 20 que apensou à referida carta.</font><br> <font> 3ª- Tal pedido de expropriação total foi aceite pela aqui recorrida por carta de 29.9.1995 (fls. 95 dos autos).</font><br> <font> 4ª- No seguimento da referida aceitação foram organizados pela expropriante diversos processos de expropriação – entre eles o da presente parcela -, e sobre eles impendeu a autorização de posse administrativa emitida no Despacho SEOP n.º 2928-A/97 de 27.6.1997.</font><br> <font> 5ª- A recorrente ao por em causa os referidos procedimentos expropriativos e, ao interpor o presente recurso no qual clama pela invalidade da expropriação, por entender que ao caso cabia emissão de despacho declarativo de expropriação por utilidade pública, adopta conduta m manifesto abuso de direito, consubstanciada num “</font><i><font>venire contra factum próprio</font></i><font>e”, face à contradição de tal comportamento com o anteriormente adoptado, cfr. se demonstrou nas conclusões precedentes.</font><br> <font> 6ª - Releva para efeito da expropriação total, o disposto no artigo 3º do CE, n.º 2, que confere direito ao expropriado de requerer aquela expropriação se a parte restante do prédio não assegurar os mesmos cómodos – respectiva alínea a) - ou se os cómodos apresentados pela parte restante não tiverem interesse económico determinado objectivamente – alínea b).</font><br> <font> 7ª - Foi precisamente por a aqui recorrente ter reconhecido a perda de interesse económico que aceitou efectuar a expropriação total em causa, pelo que não caberá à instância judicial, seja ela qual for, a averiguação de tais pressupostos.</font><br> <font> 8ª - Se assim não fosse, ou seja, não houvesse a aceitação em causa, impunha-se, então, a apreciação de tal pedido no Tribunal da Comarca competente, nos termos previstos no artigo 53º do CE/91.</font><br> <font> 9ª - Improcede tudo quanto exposto e requerido pela recorrente no § 2º das suas alegações – “Da causa do processo expropriativo” – desde logo porque a expropriação prevista no artigo 3º do CE/91 e tramitação prevista nos artigos 53º a 55º daquele CE, não impõem a emissão de declaração de utilidade pública de expropriação.</font><br> <font> 10ª- Do mesmo modo, é inaplicável ao caso o disposto no n.º 1 do artigo 55º, por apenas ser aplicável aos casos previstos no n.º 3 do artigo 53º, ou seja, quando a apreciação do pedido de expropriação total ocorre perante o Tribunal da Comarca.</font><br> <font> 11ª - Pelo que a decisão aqui em recurso não violou tal disposição pois não tinha que efectuar avaliação nos termos previstos no citado normativo.</font><br> <font> 12ª - A indemnização fixada à recorrente naquele aresto, foi calculada no estrito respeito pelas disposições legais aplicáveis – artigos 22º e 26º do CE/91 – compreendendo quantitativo que versa sobre a totalidade da área dos prédios compreendidos na parcela 101 dos presentes autos.</font><br> <font> 13ª- Tal indemnização está em conformidade com o relatório maioritário dos Srs. Peritos que efectuaram a avaliação prevista no n.º 2 do artigo 59º do CE/91, e não enferma de ilegalidade por não contemplar a apelidada “utilidade económica” nos termos defendidos pela recorrente no § 2º das suas alegações.</font><br> <font> 14ª - A referida indemnização, contrariamente, ao que também defende a recorrente, não poderia ter sido efectuada nos termos do artigo 28º do CE pois que no caso não estamos perante expropriação parcelar de prédio.</font><br> <font> 15ª- Os artigos 3º e 53º do CE/91 não impõem que em caso de expropriação total deve ser emitida declaração de utilidade pública, já que esta não é uma expropriação coactiva, mas sim um instituto que é estabelecido no “interesse do expropriado”, ao contrário do que defende a recorrente.</font><br> <font> 16ª - Não assiste, igualmente razão à recorrente, quando afirma que tal declaração de utilidade pública era obrigatória face ao disposto nas Bases XXVII e LXVIII das Bases da Concessão contidas na Lei n.º 168/94 de 15 de Junho, e correspectivas cláusulas 73.2 e 32.1 do Segundo Contrato de Concessão.</font><br> <font> 17ª- Tais Bases e cláusulas contratuais versam sobre a obrigatoriedade da aqui recorrida, enquanto concessionária, expropriar os prédios situados na zona das Salinas do Samouco e definem a competência do MOPTC para a emissão das declarações de utilidade pública de expropriação dos bens necessários à construção da nova travessia.</font><br> <font> 18ª - De tais Bases e cláusulas resulta que a concessionária esteja impedida de aceitar pedidos de expropriação total e, no que ao caso dos autos interessa, se assim não fosse não teria sido emitido pela Tutela o Despacho SEOP n.º 2928-A/97 de 27.6.1997, que autorizou a aqui recorrida a tomar posse administrativa dos prédios abrangidos pelo pedido de expropriação total da recorrente.</font><br> <font> 19ª- O Acórdão recorrido não contém qualquer juízo “jurídico-conclusivo” nos “factos 2” e “3” no elenco que constitui a matéria julgada provada. Tais factos limitam-se a reproduzir a carta-pedido de expropriação total da expropriada-recorrente e a comunicação de aceitação de tal pedido pela expropriante-recorrente, porquanto tais factos estão provados por documentos, cfr. artigo 659º, n.º 3 do CPC, não tendo aplicação ao caso os artigos 511º e 646º do CPC que a recorrente invocou e, mesmo que tivessem, não teriam sido violados.</font><br> <font> 20ª- Do mesmo modo, improcede a alegação da recorrente de que o aresto em crise aditou, quando não lhe era permitido pelos artigos 3º, 3º-A, 712º e 664º do CPC e 20º da CRP, um “facto novo” com o texto que aquela transcreve na alínea c) do ponto 11 da pág. 17 das suas alegações.</font><br> <font> 21ª - O que consta do Acórdão – págs. 10, in fine, e 11 – é uma reprodução do que consta do pedido de expropriação total de fls. 11 e seguintes, que constitui prova atendível nos termos do disposto no artigo 515º do CPC.</font><br> <br> <font> Tudo visto cumpre apreciar e decidir</font><br> <font> </font><br> <font> </font><b><font>II- Fundamentação:</font></b><br> <font> 2-1- Vêm provados das instâncias os seguintes factos</font><font>(2)</font><br> <font>:</font><br> <font> 1. Por despacho MOPTC 6-XII/95 publicado no D.R. II Série, n.º 68, de 21-03-95,</font><font>(3)</font><br> <font> foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas relativas à “</font><i><font>nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa</font></i><font>”, “</font><i><font>viaduto sul</font></i><font>”, identificadas pelos nºs 11.1, 11.2, 12.1, 12.2, 12.3, 13.1 e 13.2.</font><font>(4).</font><br> <font> 2. Os prédios a que se referem estes autos - denominados “Canas, “Codilhão Pequeno” ou “Condilhão Pequeno” e “Condilhão Grande” ou “Condilhão Grande” - integram a parcela denominada n.º 101</font><font>(5) </font><font>, que tem a área total de 209.146 m2 e corresponde à totalidade da área dos seguintes prédios:</font><br> <font> - “Codilhão Pequeno” ou “Condilhão Pequeno”, com a área de 27.256 m2, que confronta a norte, sul e poente com a BB, Lda., e a nascente com o Esteiro da Hidráulica</font><font> (6)</font><font>, sito na freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha n.º 01792, antigo n.º 13.139, a fls. 59 do Livro B-36, e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 1889;</font><br> <font> - “Codilhão Grande” ou “Condilhão Grande”, com a área de 47.710 m2, que confronta a norte, sul e poente com BB, Lda., e nascente com o Esteiro da Hidráulica, sito na freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha n.º 01788, antigo n.º 13.140, a fls. 59-v. do Livro B-36, e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 1890;</font><br> <font> - “Canas”, com a área de 134.180 m2, que confronta a norte com o rio do Samouco, a sul com a marinha “Codilhão Grande” da BB, Lda., e a poente com os terrenos do Dr. Feijão, sito na freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha n.º 01277, antigo n.º 3323</font><font> (7)</font><br> <font>, a fls. 93 do Livro B-9, e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 1891.</font><br> <font> 3. Por carta remetida à AA em 20-07-1995 a BB (S.P.S.) requereu que a expropriação abarcasse a totalidade dos prédios, sua propriedade, que nela referiu, sitos nas denominadas “Salinas do Samouco (fls. 11 a 94 destes autos)</font><font> (8).</font><br> <font> 4. A AA aceitou tal pedido de expropriação total, o que comunicou à S.P.S. através de carta datada de 29-09-1995 (fls. 95 dos autos).</font><br> <font> 5. Entre os prédios cuja expropriação foi requerida pela S.P.S. constam os que constituem o que a AA denominou de “parcela n.º 101”, com a área total de 209.146 m2, supra identificados no relatório.</font><br> <font> 6. Em 14-05-1997 a AA requereu ao Sr. Ministro do Equipamento, Planeamento e Administração do Território autorização para tomar posse administrativa daqueles (referidos em 3 e 5) e de outros prédios (fls. 126 a 128 dos autos).</font><br> <font> 7. Por despacho SEOP n.º 2928-A/97, de 27-06-1997, publicado no D.R., II Série, n.º 148, de 30-06-1997</font><font> (9)</font><font>, a AA foi autorizada a tomar posse administrativa daqueles e de outros prédios (fls. 129 a 131 dos autos).</font><br> <font> 8. Em 07-10-1997 foi elaborado auto de vistoria</font><i><font> ad perpetuam rei memoriam</font></i><font> da aludida parcela n.º 101 (fls. 115 a 125 do processo).</font><br> <font> 10. A S.P.S. fez-se representar na vistoria </font><i><font>ad perpetuam rei memoriam</font></i><font>, no âmbito da qual apresentou quesitos.</font><br> <font> 11. Em 20-10-1997 a AA tomou posse administrativa da aludida parcela n.º 101 (fls. 132 do processo).</font><br> <font> 11. Em 06-07-1998 foi lavrado o acórdão de arbitragem para fixação da indemnização devida à S.P.S. pela expropriação da aludida parcela (fls. 133 a 145 dos autos).</font><br> <font> 12. Em 19-05-1999 a AA depositou na C.G.D., à ordem do Juiz de Direito da comarca do Montijo, a quantia de Esc. 74.246.830$00, correspondente à referida indemnização arbitrada a favor da S.P.S..</font><br> <font> 13. Em 02-07-1999 a AA remeteu ao Tribunal Judicial da Comarca do Montijo o processo de expropriação litigiosa relativo à referida parcela n.º 101.</font><br> <font> 14. A S.P.S. não foi notificada da entrada do processo de expropriação no tribunal antes de ser proferido o despacho que em 28-07-1999 adjudicou a propriedade da parcela n.º 101 ao Estado Português.</font><br> <font> </font><br> <font> Face às conclusões acima mencionadas é a seguinte a questão a apreciar e decidir:</font><br> <font> - Se, atenta a inexistência da declaração da utilidade pública da respectiva expropriação, poderia ter sido adjudicada ao Estado a propriedade da parcela nº 101, com a área total de 209.146 m2, e que corresponde à totalidade da área dos seguintes prédios: - “Codilhão Pequeno” ou “Condilhão Pequeno”, com a área de 27.256 m2, sito na freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha n.º 01792, antigo n.º 13.139, a fls. 59 do Livro B-36, e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 1889; “Codilhão Grande” ou “Condilhão Grande”, com a área de 47.710 m2, sito na freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha n.º 01788, antigo n.º 13.140, a fls. 59-v. do Livro B-36, e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 1890; e “Canas”, com a área de 134.180 m2, sito na freguesia e concelho de Alcochete, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob a ficha n.º 01277, antigo n.º 3323, a fls. 93 do Livro B-9, e inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º 1891.</font><br> <font> 2-2- Como ponto prévio convém esclarecer que será à luz do Código das Expropriações de 1991 (aprovado pelo DL n.º 438/91, de 09-11)</font><font> (10)</font><br> <font>, vigente à data do despacho de adjudicação (datado de 28-07-1999), que se apreciará da legalidade do mesmo, uma vez que a utilidade pública da expropriação das parcelas relativas à “nova travessia rodoviária sobre o Tejo em Lisboa”, “viaduto sul”, foi declarada por despacho MOPTC 6-XII/95, publicado no DR II Série, n.º 68, Suplemento, de 21-03-1995, ainda na vigência do referido Código. </font><br> <font> Com efeito, a propósito da aplicação da lei no tempo em matéria de expropriações, o STJ tem entendido, de forma reiterada que, no tocante ao direito substantivo (incluindo a fixação do montante da justa indemnização), será aplicável à expropriação por utilidade pública, a lei vigente à data do acto expropriativo, ou seja, a vigente aquando da publicação da declaração de utilidade pública no Diário da República (art. 12º, nº 1, do CC). Já no que toca ao direito adjectivo (mormente a admissibilidade de recursos), vale o princípio da aplicação imediata da nova lei</font><font> </font><font>(11)</font><font>.</font><br> <font> Da análise da matéria de facto resulta que a única Declaração de Utilidade Pública (DUP) invocada nos autos é precisamente a que consta do despacho MOPTC 6-XII/95, do Senhor Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, publicado no D. R. II Série, n.º 68 (Suplemento), de 21-03-1995. Embora aí estejam referidos alguns prédios da recorrente (as parcelas 11.1, 12.1. 12.2, 12.3 e 13.1), nenhum deles integra a parcela em apreço nos autos. Os prédios que a integram apenas são referidos no despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas n.º 2928-A/97 de 27-06-1997, publicado no DR II Série, n.º 148/97 (Suplemento), através do qual a recorrida AA foi autorizada a tomar posse administrativa de várias parcelas de terrenos discriminadas em mapa em anexo, situadas na área das Salinas do Samouco, propriedade da recorrente.</font><br> <font> De salientar que a Relação verificou a existência de manifesto lapso no despacho de adjudicação, quando conclui que “</font><i><font>não foi sequer declarada a utilidade pública da expropriação de parte dos prédios objecto deste autos</font></i><font>”, sendo que antes se refere que “</font><i><font>a requerente foi investida na qualidade de entidade expropriante de todos os imóveis necessários à referida obra pública, nos termos do despacho n.º 2928-A/97 de 27/06 de sua Excelência o Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado na 2.ª Série do D.R. n.º 148/97 de 30/06, que declarou a expropriação por utilidade pública, com carácter de urgência, das parcelas pertencentes à BB, Lda., necessárias à recuperação da área das Salinas do Samouco</font></i><font>”, explicando-se que o aludido despacho nº 2928-A/97 não declarou a utilidade pública de expropriação de quaisquer prédios, mas tão só </font><u><font>autorizou a AA a tomar posse administrativa dos prédios</font></u><font> a que se reporta este processo, além de outros prédios.</font><br> <font> Não restando qualquer dúvida quanto à inexistência de uma DUP que abranja a parcela objecto do presente processo expropriativo, a questão que cabe apreciar é a de saber se a mesma se impunha no caso.</font><br> <font> O DL nº 168/94, de 15 de Julho, que aprovou as bases da concessão da concepção, do projecto, da construção, do financiamento, da exploração e da manutenção da nova travessia do rio Tejo, previa, na Base XXVI do Anexo I</font><font> (12)</font><br> <font>, que competiria à concessionária, como entidade expropriante actuando em nome do concedente, realizar as expropriações dos imóveis ne
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font> Acordam o Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - AA e BB instauraram acção especial de falência, ao abrigo do DL nº 132/93, de 23.04, alterado pelo DL nº 315/98, de 20.10 (adiante designado por C.P.E.R.E.F), contra CC e DD, casados entre si, pedindo que fosse declarada a falência dos Requeridos, para o que alegaram terem créditos sobre estes, que não lograram cobrar, apesar das acções executivas que lhes moveram, e que os Requeridos alienaram todo o seu património conhecido e têm elevados débitos à Banca e ao Fisco, estando impossibilitados de cumprir a generalidade das suas obrigações.</font><br> <font> </font><br> <font>Foi deduzida oposição à falência por parte dos Requeridos e por parte de “EE – Sociedade Abastecedora de Madeiras, S.A.”.</font><br> <br> <font>Proferido despacho de prosseguimento dos autos como acção de falência, teve lugar a audiência de julgamento e foi emitida sentença julgando a acção improcedente e indeferindo o pedido de declaração dos Requeridos em estado de falência.</font><br> <br> <font>Mediante apelação dos Requerentes, a Relação revogou aquela decisão e reconheceu a situação de falência.</font><br> <br> <br> <font>Os Requeridos pedem revista pugnando pela revogação do acórdão e improcedência do pedido de falência.</font><br> <br> <font>Para tanto, argumentam nos termos constantes das conclusões que se transcrevem:</font><br> <i><font>“1. A insolvência é definida no CPEREF, como o estado jurídico da empresa que se encontra factualmente impossibilitada de suportar, com todos os seus elementos de activo, a dívida que perante si for exigível (cfr. art. 3.°/1 do CPEREF), conceito que o art. 27.°/1 do mesmo diploma acolhe e que diz aplicável ao devedor que não seja titular de uma entidade empresarial, seja este o caso dos Autos. </font></i><br> <i><font>2. Não se verificam os requisitos legais para a operatividade da presunção legal de insolvência (Iuris Tantum) do art. 8.°/1, aI. a) do CPEREF, de onde o Tribunal da Relação de Coimbra se alavanca para entender os requeridos por insolventes, pelo que incorreu o Tribunal em Erro no Julgamento em Matéria de Direito e em violação do citado art. 8.°/1, al. a) do CPEREF ao decidir em sentido contrário.</font></i><br> <i><font>3. O crédito de que se arrogam os requerentes, embora expressivo quando objectivamente considerado, encontra-se enquadrado por activos mobiliários e imobiliários de valor dantescamente superior, não existindo, ainda, qualquer outra circunstância presente na matéria provada que conduzisse à conclusão por forma minimamente sólida que a mora no pagamento se liga a uma situação de insolvabilidade. </font></i><br> <i><font>4. A exposição rigorosa da situação patrimonial dos requeridos permite ao julgador, também a este Supremo Tribunal de Justiça, concluir pela solvabilidade dos requeridos, com base na mera leitura da Sentença em Matéria de Facto associada às mais elementares operações aritméticas e aos normativos legais aplicáveis, pelo que, ainda que operasse a presunção do art. 8.°/1, al. a) do CPEREF (que não é o caso), sempre a solvabilidade dos recorrentes seria conclusão insofismável. </font></i><br> <i><font>5. Considerando os Factos Provados e os documentos autênticos juntos aos autos, as dívidas dos requeridos totalizam o valor de 3.289.533,53 Euros, todos eles créditos decorrentes de AVAIS prestados pelos requeridos em favor de sociedades que celebraram negócios com os terceiros/reclamantes e com os requerentes. </font></i><br> <i><font>6. Parte das dívidas encontram-se garantidas por direitos reais sobre coisas pertencentes a universos patrimoniais titulados por diversos sujeitos, mormente pelas sociedades que se assumem como devedoras principais nas dívidas subjacentes aos AVAIS prestados pelos requeridos. </font></i><br> <i><font>7. Tendo os respectivos credores aceite determinados bens como garantia real do cumprimento, é de presumir que os mesmos possuem valia pecuniária bastante para suportar o valor dos créditos garantidos, pois que a Lei processual civil até impõe que a execução só possa prosseguir contra outros bens depois de excutidos aqueles e quando, comprovadamente, se constante que, afinal, não serviam o pagamento integral do crédito. </font></i><br> <i><font>8. O valor das garantias prestadas que acobertam as dívidas ascende a 1.901.132,00 Euros, pelo que, excutidas estas, o património geral dos requeridos apenas teria de suportar o montante de 1.388.402,00 Euros a título de garantia geral das obrigações. </font></i><br> <i><font>9. O conjunto de elementos patrimoniais titulados genericamente pelos recorridos tem o valor, atribuído pelo Tribunal em decisão sobre matéria de facto, de 1.763.915,00 Euros, razão por que não se assoma qualquer espectro de insolvência (art. 3.°/1 do CPEREF) inviabilidade económica (art. 1.°/2, primeira parte do CPEREF) ou de irrecuperabilidade financeira (art. 1.°/2, segunda parte do CPEREF). </font></i><br> <i><font>10. Sendo as dívidas dos requeridos, todas elas, fundadas em AVAIS, o pagamento (espontâneo ou coercivo) de qualquer uma delas fará nascer um direito dos requeridos sobre o devedor principal de montante igual ao crédito satisfeito (art. 32.°, § 3 da LULL). </font></i><br> <i><font>11. O direito sub-rogatório emergente do pagamento da dívida pelo avalista é penhorável (cfr. art. 856.°/1 do Código de Processo Civil) podendo qualquer terceiro credor convocá-lo para satisfação do seu crédito, promovendo os termos da execução contra o devedor principal quando este não cumpra espontaneamente (cfr. art. 860.°/1 e 3 do Código de Processo Civil). </font></i><br> <i><font>12. Com a execução e/ou pagamento de qualquer um dos créditos elencados na matéria de facto sobre os requeridos, não se verificaria a diminuição do património dos recorridos, mas tão-só a modificação dos elementos que o constituem, pelo nascimento de um crédito sobre a devedora principal (LUSOMETAIS, SA, MADEILENA, Lda., SUINEX, Lda. e ELEV A, SA) de igual valor. </font></i><br> <i><font>13. Não existe notícia de as sociedades devedoras principais (LUSOMETAIS, SA, MADEILENA, Lda., SUINEX, Lda. e ELEVA, SA) se encontrarem insolventes, razão por que pode o Tribunal presumir (presunção judicial) que estas sociedades se encontram em condição de suportar todos os seus compromissos vencidos, incluindo os créditos avalizados ou os direitos de regresso que decorram do pagamento desses créditos pelos avalistas. </font></i><br> <i><font>14. Os requerentes promoveram execução contra os requeridos, tendo penhorado bens suficientes para cobrir o valor do seu crédito, promovendo o processo de falência, não porque se apercebessem de uma situação de insuficiência patrimonial (ao contrário, estando comprovado na execução que as penhoras realizadas eram bastantes) mas porque, tão-somente, se enfadaram e aborreceram de esperar pelos regulares trâmites executivos. </font></i><br> <i><font>15. Os requeridos não se encontram em situação de insolvência, de inviabilidade económica ou de irrecuperabilidade financeira, o que mesmo foi defendido pela credora EE, Lda. de forma enérgica, mau-grado a posição assumida pelos requerentes. </font></i><br> <i><font>16. O Tribunal recorrido incorreu em violação, entre outros que acima se enunciam, do disposto nos arts. 3.°/1, 27.°/1, 1.°/1, 2 e 3 e 27.°, todos do CPEREF, e no consequente ERRO NO JULGAMENTO EM MATÉRIA DE DIREITO”. </font></i><br> <br> <font>Os Recorridos responderam defendendo a manutenção do julgado.</font><br> <br> <br> <font> 2. - A questão única a decidir, como, de resto, vem colocada nas conclusões da revista, centra-se na qualificação, ou não, da situação dos Recorrentes como de insolvência, para efeito de declaração de falência, questão a apreciar, como vem assente, à luz do regime legal estabelecido no Dec.-Lei n.º 132/93, de 23/04 e alterações que lhe foram introduzidas (DL. 157/97, de 24/06, 315/98, de 20/10, 323/2001, de 17/12 e 38/2003, de 08/03).</font><br> <br> <br> <font> </font><br> <font>3. - Vem definitivamente assente a factualidade que segue:</font><br> <br> <font> 1. Em Janeiro de 1999, os requerentes declararam vender aos requeridos, que declararam comprar-lhes, participações sociais, tendo o preço desse acordo sido titulado por letras de câmbio aceites por “Eleva – Indústria de Comercialização de Madeiras, S.A.”, sociedade de que são sócios os ora requeridos, e que as avalizaram, e que não foram pagas nas respectivas datas de vencimento.</font><br> <font>2. Consequentemente, e sob o nº 520/00, o requerente BB intentou, pela 3ª Vara Cível, 1ª Secção, do Porto, uma execução contra “Eleva – Indústria de Comercialização de Madeiras, S.A.” e os ora requeridos, com vista a obter o pagamento da quantia de 42.478.417$00 (contravalor em euros de € 211.881,45), correspondente ao capital em dívida e juros vencidos, bem como os juros vincendos.</font><br> <font>3. Nessa execução foram deduzidos, por todos os executados, embargos, alegando incerteza, inexigibilidade da obrigação exequenda e inexequibilidade dos títulos dados à execução.</font><br> <font>4. Nesses embargos, foi proferida sentença que os julgou improcedentes e que foi confirmada por acórdão proferido pela Relação do Porto em 06.05.2003, transitado em julgado em 22.05.2003.</font><br> <font>5. Sob o nº 463/2001, corre temos no Tribunal Judicial da Sertã, uma execução em que o requerente AA demanda “Eleva – Indústria de Comercialização de Madeiras, S.A.” e os ora requeridos, com vista a obter o pagamento da quantia de € 137.527,94 de capital, acrescida de juros.</font><br> <font>6. Nessa execução foram deduzidos, por todos os executados, embargos, alegando incerteza, inexigibilidade da obrigação exequenda e inexequibilidade dos títulos dados à execução.</font><br> <font>7. Nesses embargos, foi proferida sentença que os julgou improcedentes e que foi confirmada por acórdão proferido pela Relação de Coimbra em 13.05.2003, transitado em julgado em 29.05.2003.</font><br> <font>8. Nas sobreditas execuções, os requerentes, na sequência de desconformidade entre as áreas da matriz e as do Registo Predial, não conseguiram rapidamente registar as penhoras, e viram ainda os requeridos levantar incidente de avaliação dos bens penhorados, onde atribuíam aos bens nomeados à penhora e descritos sob os números 540º e 543º da freguesia de Leiria, o valor de 374.098,42 €, os quais depois foram vendidos apenas por 54.031,79 €, isto é, por 14,5% do valor atribuído.</font><br> <font>9. Uma vez ordenada a penhora do prédio misto descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº ------, onde os requeridos habitam (sito em Moinho do Vento, Gândara dos Olivais, composto por uma casa de habitação, rés do chão, 1º andar, logradouro e terreno anexo de semeadura, regadio e sequeiro com oliveiras, pinhal e sobreiros), constatou-se que, sobre ele, os requeridos haviam constituído e registado duas hipotecas a favor do Banco Totta &amp; Açores, S.A., até aos montantes máximos de € 418.990,24 e € 625.492,57.</font><br> <font>10. Tais hipotecas foram registadas em 01.03.2002, antes do registo da penhora, e para garantia de financiamentos feitos ou a fazer à sociedade familiar dos requeridos denominada “Madeilena - Madeiras, Ld.ª”, com sede em Marrazes, Leiria.</font><br> <font>11. Os requeridos, em 1 de Agosto de 1997, outorgaram procuração irrevogável a favor do Banco Espírito Santo, conferindo a este poderes especiais para, sobre o mesmo prédio, requerer actos de registo de hipoteca para garantia de responsabilidades assumidas ou a assumir perante o mandatário até ao valor de 72.500.000$00.</font><br> <font>12. Durante o ano de 2002 os requeridos alienaram os seus bens imóveis, cuja localização, inscrição na matriz e descrição predial são as seguintes: </font><br> <font>- Na Freguesia de Souto da Carpalhosa: seis prédios rústicos inscritos na matriz nos artigos 15.533º, 17.271º, 15.586º, 15.419º, 15.498º, 15.527º com uma área total de 18.350 m2 e descritos na Conservatória do Registo Predial respectivamente, sob os nº 4.813, 4.814, 4.811, 4.812, 4.809 e 4.810.</font><br> <font>- Na freguesia de Leiria: duas parcelas de terreno para construção, Lote ....., inscrito na matriz urbana no artigo....... e Lote ....Inscrito no artigo 2.847º.</font><br> <font>- Prédio rústico com 561.250 m2, sito na Freguesia da Chamusca inscrito no artigo Um e descrito no Registo Predial sob o número 122 Secção Y. </font><br> <font>13. O requerido, como gerente, aufere o vencimento que retira da “Luso-Metais-Alumínios, Ldª”, com sede em Gândara dos Olivais, Marrazes, Leiria, no montante de 748,20€ /mês; a requerida, como funcionária pública, professora do ensino básico, tem um vencimento mensal da ordem dos 750.00 Euros.</font><br> <font>14. A quota do requerido na sociedade onde os requeridos são sócios e gerentes, mais precisamente, na “Madeilena - Madeiras, Ldª”, tal como a sua quota na “Luso-Metais-Alumínios, Ldª”, foram penhoradas em execução movida pelo fornecedor de madeira “EE-Sociedade Abastecedora de Madeiras, Ldª” (Exec. Ord. nº 179/2002 da 1ª secção da Vara Mista e Juízos Criminais de Coimbra).</font><br> <font>15. O requerido é o principal accionista e Presidente do Conselho de Administração da “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, SA”, sociedade maioritariamente detentora de participações sociais da “Sotima, S.A.”.</font><br> <font>16. E é Presidente do Conselho de Administração da “Sotima -Sociedade de Transformação Industrial de Madeiras, SA”, com sede em Proença-a-Nova, e que se encontra actualmente paralisada.</font><br> <font>17. A oponente “EE – Sociedade Abastecedora de Madeiras, SA”, alegou ser credora dos requeridos em € 795.837,00 e que tem emitida a seu favor uma garantia bancária no valor máximo de 40.000.000$00 (contravalor em euros de € 199.519,16);</font><br> <font>18. “Banco Espírito Santo, S.A.”, “Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A.”, e “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, justificaram e reclamaram créditos sobre os requeridos, respectivamente, nos montantes de cerca de € 853.763,96, € 292.497,29 e € 998.026,28. </font><br> <font>19. O crédito justificado pela “Companhia Geral do Crédito Predial Português, S.A.”, advém de contratos de mútuo celebrados com a sociedade “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, S.A.”, onde os requeridos assumiram a posição de fiadores, renunciando ao benefício de excussão prévia.</font><br> <font>20. O crédito justificado pela “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, resulta de contratos de mútuo celebrados com a sociedade “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, S.A.”, onde os requeridos assumiram a posição de avalistas.</font><br> <font>21. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, do prédio urbano sito em Gândara dos Olivais, Travessa das Flores, composto de casa de rés-do-chão amplo para garagem e arrumos e primeiro andar para habitação e logradouros, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2274 e descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº............ da freguesia de Marrazes.</font><br> <font>22. Sob o prédio referido no número anterior encontra-se inscrita, desde 15.10.2001, uma hipoteca a favor do “Banco Espírito Santo, S.A.”, com vista a garantir o capital máximo de € 411.089,28.</font><br> <font>23. Encontra-se inscrita a favor dos requeridos a aquisição, por compra, da fracção denominada pelas letras “......”, correspondente ao....andar, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e estacionamento, do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1535 e descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº ............. da freguesia do Lumiar.</font><br> <font>24. Sob o prédio referido no número anterior encontra-se inscrita, desde 02.10.2001, uma hipoteca a favor do “Banco Espírito Santo, S.A.”, com vista a garantir o capital máximo de € 411.089,28.</font><br> <font>25. O prédio misto descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº ......., onde os requeridos habitam (sito em Moinho do Vento, Gândara dos Olivais, composto por uma casa de habitação, rés do chão, 1º andar, logradouro e terreno anexo de semeadura, regadio e sequeiro com oliveiras, pinhal e sobreiros), tem o valor de € 795.840,00.</font><br> <font>26. A sociedade “Eleva - Indústria e Comercialização de Madeiras, S.A.”, é detentora de uma linha de revestimento a papel melamínico, que se encontra nas instalações da “Sotima, S.A.”, em Proença-a-Nova, e que tem o valor de € 550.000,00.</font><br> <font>27. No imóvel supra referido sob o nº 22, existe recheio no valor de € 150.000,00.</font><br> <font>28. O imóvel que se encontra descrito sob o nº ..... da freguesia de Marrazes (prédio urbano sito em Gândara dos Olivais, Travessa das Flores, composto de casa de rés-do-chão amplo para garagem e arrumos e primeiro andar para habitação e logradouros) tem um valor real de € 118.075,00.</font><br> <font>28. A fracção autónoma denominada pelas letras “AQ” do prédio descrito na 7ª CRP de Lisboa sob o nº ........... (correspondente ao 10º andar, com 4 assoalhadas, cozinha, 2 casas de banho e estacionamento) tem um valor de € 150.000,00. </font><br> <font>29. A “Madeilena – Madeiras, Lda.” continua a exercer a sua actividade, mantendo 12 trabalhadores ao seu serviço.</font><br> <font>30. Ao proporem a presente acção, os requerentes tinham conhecimento da existência de alguns dos bens supra referidos e que a pendência desta acção desacreditou os requeridos perante terceiros e condicionou a sua actividade comercial e industrial.</font><br> <br> <br> <font> 4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 4. 1. 1. - Como se deixou enunciado, o objecto do recurso cinge-se a saber se, com base no quadro factual descrito, devem os Recorrentes ser considerados em situação de insolvência.</font><br> <br> <font> A insistência na referência à identificação do </font><i><font>thema decidendum</font></i><font> encontra justificação na circunstância de na 1ª Instância, apesar de se ter declarado (na sentença) ser “evidente que os bens livres e desembaraçados não cobrem (…) a quantia de que são credores os Requerentes”, reconhecendo-se, logo no despacho de prosseguimento da acção, a situação de insolvência, ter recusado a declaração de falência a pretexto da existência de “viabilidade dos requeridos e, no que tange aos requerentes, existe a possibilidade de ressarcirem os seus créditos”.</font><br> <br> <font> No acórdão impugnado ficou claramente afirmado o entendimento de que o devedor que não sendo titular de empresa, se encontre em estado de insolvência, só pode evitar a declaração de falência se apresentar, até à sentença, a concordata particular a que se refere o art. 240º e ss. do CPEREF, pois que não pode beneficiar do processo de recuperação. É a doutrina do art. 27º-1 do mesmo Diploma que, crê-se, não pode sofrer contestação.</font><br> <br> <font> Porque assim é, o requisito negativo acolhido no n.º 2 do art. 1º do CPEREF – “</font><i><font>só dever ser decretada a falência da empresa insolvente quando ela se mostre economicamente inviável ou se não considere possível, em face das circunstâncias, a sua recuperação financeira</font></i><font>” – não acresce, no caso de devedor não titular de empresa, ao pressuposto positivo da constatação da </font><i><font>situação de insolvência</font></i><font> exigido pelo n.º 1 do preceito como requisito comum a todas as declarações de estado falimentar.</font><br> <font> Por isso e para isso, manda o n.º 2 do art. 27º referido aplicar os artigos anteriores “com as devidas adaptações”, desde logo as necessariamente decorrentes do regime do seu n.º 1.</font><br> <br> <br> <font> 4. 1. 2. - A questão, agora, já não tem que ver com a pretendida “viabilidade dos Requeridos”, como defendido na apelação pelos ora Recorrentes, que, reconhecendo, ao que parece, a insolvência, escreveram mesmo nas conclusões das suas contra-alegações o seguinte: </font><br> <font>“3. A situação de insolvência foi declarada pelo Tribunal de Leiria por despacho de fls. 573 e a sentença de que se recorre não negou que os requeridos estivessem numa situação de Insolvência (art. 3º/1 CPEREF), mas sim que não se verificava a situação de </font><i><font>Falência</font></i><font> (art. 1º/2), por ter concluído que “</font><i><font>por ora, existe viabilidade dos requeridos</font></i><font>”.</font><br> <font>4. Os recorrentes baralham e confundem os dois conceitos, que tratam como se fossem sinónimos, pugnando pela revogação da sentença tão-só com base na </font><i><font>insolvabilidade</font></i><font> que entendem vertida nos factos provados.</font><br> <font>5. O recurso não apresenta qualquer questão que infirmasse a decisão recorrida, já que o Tribunal “a quo” tomou por pressuposto a insolvabilidade dos recorridos, antes decretada, pelo que o objecto do recurso encontra-se deslocado do caso sub judice (…)”. </font><br> <br> <font> E, efectivamente, no despacho de prosseguimento da acção (art. 25º do CPEREF), como se faz notar no acórdão recorrido, ficou consignado:</font><br> <i><font>“Na verdade, julgo estar sumariamente verificada a impossibilidade dos requeridos cumprirem pontualmente a generalidade das suas obrigações, assim como que os mesmos, por vários meios, se terão colocado em situação que os impossibilita de cumprir pontualmente as suas obrigações, estando em situação de insolvência, isto porque, atento o montante da dívida aos requerentes, vencida há mais de um ano, o montante elevado do passivo total dos requeridos na data presente, a quase inexistência de activo, os poucos rendimentos mensais que auferem, só pode evidenciar a situação de insolvência.”</font></i><br> <i><font> </font></i><br> <font> Uma vez que, apesar do declarado estado de insolvência, não foi logo decretada a falência, restava aos Requeridos, que também não impugnaram o despacho, na audiência de julgamento, infirmar o respectivo conteúdo, ou seja, a declaração judicial da verificação do único requisito da declaração de falência, o que não fizeram.</font><br> <br> <br> <font> 4. 2. 1. - A Relação apreciou, de mérito, a questão da insolvência, e os Requeridos, dando o antes aceite por não aceite e o dito por não dito, como do transcrito trecho das suas contra-alegações do recurso de apelação se retira, apresentam-se a agora discutir o decidido quanto à verificação do pressuposto cujo concurso nunca antes puseram em causa.</font><br> <br> <br> <font> Adianta-se que sem razão o fazem.</font><br> <br> <font> A situação de insolvência surge definida ou caracterizada no nº 1 do artigo 3º do CPEREF como aquela em que o devedor (empresa ou pessoa não titular de empresa) se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações em virtude de o seu activo disponível ser insuficiente para satisfazer o seu passivo exigível.</font><br> <br> <font>Entre os dos factos-índice da situação de insolvência do devedor, prevê a lei a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (artigo 8º, nº 1, al. a) do CPEREF).</font><br> <br> <font>Assim, averiguar se a situação do devedor requerido é ou não de insolvência há-de revelar-se a partir de um juízo de valor jurídico sobre os factos provados, subsumindo-os aos mencionados pressupostos legais.</font><br> <br> <font> Passa ele, também, como escrevem os próprios Recorrentes, por um juízo/conclusão de a situação do devedor ser efectivamente deficitária, em razão de “não comportar, de todo, a possibilidade de as dívidas serem cobradas” pelas forças do seu património existente, tudo entendido, note-se, em termos de solvabilidade, que não apenas de liquidez. </font><br> <br> <font> Um tal juízo, a extrair dos factos provados, há-de corresponder, naturalmente, ao preenchimento do quadro de um dos factos-índice enunciados no art. 8º-1, a partir dos quais a lei faz presumir o estado falimentar.</font><br> <font> Daí que, como também é natural, os pressupostos de verificação daqueles factos-índice, no caso o da al. a), se reportem ao montante ou valor das obrigações incumpridas e às circunstâncias ou razões desse incumprimento, conceito aberto onde cabe a ponderação de elementos como os valores do activo e do passivo, garantias, tempo do vencimento das dívidas e tudo o mais que convier à revelação da impossibilidade de satisfazer pontualmente a generalidade das obrigações.</font><br> <br> <font> Demonstrados os factos-índice ou presuntivos aplicáveis, mais não exige a lei para a declaração de falência.</font><br> <font> Confrontado com tal demonstração, ao devedor só resta um meio de evitar o reconhecimento da falência – ilidir a força presuntiva dos factos eleitos como índices, provando a solvabilidade ou, sendo caso disso, a viabilidade.</font><br> <font> </font><br> <font>Como, a este propósito, se escreveu no ac. deste Supremo de 2/10/2003 (proc. 03B2585) citando o ac. STJ de 2-7-98, in CJSTJ, ano VI, Tomo II, pág. 157 e ss.,"provando-se algum dos factos referidos nas alíneas do n° 1 (do art. 8º) cria-se uma situação presuntiva que põe termo ao ónus probatório do requerente. Quer dizer: este tem de provar algum daqueles factos reveladores da situação de insolvência. Então, o requerido, porque pretende impedir a emergência do direito invocado pelo requerente, terá que provar a inexistência de fundamentos (...) para o decretamento da falência".</font><br> <br> <br> <font> 4. 2. 2. - Isto posto, vejamos o circunstancialismo factual definitivamente adquirido no processo.</font><br> <br> <font> Os Recorrentes são devedores dos Recorridos de 349.409,09 € e juros, quantia cuja cobrança coerciva saiu gorada em acções executivas instauradas em 2000 e 2001, após a nomeação de bens à penhora, subsistindo o incumprimento.</font><br> <font> Além disso, os Recorrentes estão constituídos devedores: - à Sociedade “Abstena, SA”, 795.837,00€; à CGD, 998.062,28€; à CGCPP, 292.497,29€; à BES, 853.763,96€, resultando a dívida à Caixa Geral de Depósitos de avales e a do Crédito Predial de fiança, com renúncia a excussão prévia.</font><br> <font> O passivo ascende aos pacificamente admitidos 3 289 533,53€.</font><br> <br> <font> O activo, por sua vez, surge constituído por três imóveis, com os valores de 795.840.00€, 118.075,00€ e 150.000,00€, o recheio do primeiro deles, no valor de 150.000,00€, e os salários dos Requeridos, cada um de cerca de 750,00€ mensais.</font><br> <font> Fica-se o valor do património por 1 213 915,00€.</font><br> <br> <font> Sobre o primeiro dos imóveis incidem duas hipotecas a favor do Banco Totta, nos montantes de 418.990,24€ e 625.492,57€, sendo certo que esta instituição bancária não justificou os respectivos créditos, os quais, por isso, não surgem entre o passivo considerado.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>4. 2. 3. - Ora, perante o sintetizado quadro fáctico, temos por imperioso concluir que o activo dos Requeridos, ora Recorrentes, está bem longe de ser líquido e, sobretudo, muito distante da solvabilidade. </font><br> <br> <font>E, face aos expedientes processuais e actos que a matéria de facto dá notícia de terem sido praticados na pendência das acções executivas, tudo associado ao incumprimento, que se mantém, e aos ónus reais que recaem sobre o activo patrimonial, nenhuma censura merece a conclusão retirada pelas instâncias no sentido de ser a falta de solvabilidade causa de impedimento de satisfação pontual das respectivas obrigações, situação abundantemente justificativa do decretamento da falência.</font><br> <br> <font>Incumbindo-lhes, como dito, provar que não apenas dispunha de activo suficiente para liquidar o passivo ou capacidade económica para cumprir, com regularidade e pontualidade, as suas obrigações, demonstrando a titularidade de património activo líquido e crédito suficientes para saldarem o seu passivo, os Requeridos não o fizeram, mantendo-se de pé, como ponto adquirido, que o passivo, mesmo desprezando os juros, representa quase o triplo do activo, sem contar também com a afectação do prédio de maior valor a garantia de débitos não considerados no processo.</font><br> <font> </font><br> <font> A situação de insolvência e, consequentemente, de falência afigura-se-nos, pois, de indiscutível reconhecimento.</font><br> <br> <br> <font>4. 2. 4. - Resta fazer, a terminar, três referências, que, perante o conteúdo das alegações dos Recorrentes, se impõem.</font><br> <br> <br> <font>4. 2. 4. 1. - A primeira, tem que ver com a desconsideração do montante de 550.000,00€ relativo ao valor da linha de revestimento de papel, já que, não se trata de bens dos Requeridos, mas, como expressamente refere o julgador da 1ª Instância (nota 4 da sentença), de bens de terceiro, certamente da “Eleva, SA”.</font><br> <br> <br> <font>4. 2. 4. 2. - Depois, ainda quanto à matéria relativa ao activo, passivo e sua imputação, para deixar dito que nada autoriza, como fazem os Recorrentes, somar o valor das garantias reais e subtraí-los aos valor global do passivo, a pretexto de se dever presumir que se os credores as aceitaram é porque possuem forças bastantes para suportar o valor assegurado pelas hipotecas.</font><br> <font>Não só não há qualquer presunção com tal conteúdo, já que as garantias especiais das obrigações, como a hipoteca, estabelecendo preferências de pagamento pelo valor dos bens onerados, não limitam, em circunstância alguma, a cobrança do valor total do crédito a que estão afectas ao valor dos bens dados em garantia, como, esteja o crédito garantido ou não, por ele responde todo o património do devedor, como garantia comum dos credores – arts. 686º, 601º e 817º C. Civil.</font><br> <font>O cotejo tem de fazer-se, incontornavelmente, entre os valores do activo e os do passivo, no respectivo conjunto.</font><br> <br> <font>Por outro lado, a norma do art. 835º-1 CPC, de resto em sintonia com a do art. 697º C. Civil, em nada interfere com a regra da responsabilidade de todo o património do devedor, nem concede ao devedor com garantia real prestada o direito a ver excutidos esses bens antes de penhorados outros, porquanto se limita a reconhecer ao executado o direito a opor-se à penhora sobre outros bens do seu património antes de reconhecida a insuficiência dos dados em garantia do crédito exequendo.</font><br> <br> <font>Numa palavra, não há fundamento para a pretendida separação de dívidas e patrimónios em função das garantias que lhes estão afectas.</font><br> <br> <br> <font>4. 2. 4. 3. - Finalmente, o argumento extraído de algumas das dívidas, por terem como fonte avais, assumirem carácter secundário ou acessório, donde que quando pagas pelos Requeridos, nascerá um crédito sobre a devedora principal, não representando uma diminuição do património, mas uma modificação dos elementos que o compõem, por via do direito de sub-rogação (art. 32º-§ 3º LULL).</font><br> <br> <font>Assim poderá acontecer, efectivamente.</font><br> <font>Não se põe em causa que, se, e quando, os Recorrentes pagassem, a divida de que são avalistas – segundo a matéria de facto a da CGD – ficariam sub-rogados nos respectivos direitos cambiários contra o avalizado e as pessoas para com ele obrigados em virtude da relação cambiária. É o que resulta da norma citada.</font><br> <br> <font>Só que, como é pressuposto da acção sub-rogatória referida, primeiro é preciso que o avalista pague.</font><br> <font>Enquanto não o fizer a sua obrigação para com o portador do título, constituída no momento da dação do aval, enquanto dívida cambiária, mantém-se de pleno como obrigação principal e solidária com as dos demais obrigados.</font><br> <br> <font>Com efeito, o aval é, segundo o conceito vertido no art. 30º da LULL, o acto pelo qual um terceiro ou um signatário duma letra (ou livrança) garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores, a pessoa a favor de quem é dado.</font><br> <font>Constitui um acto cambiário que encerra uma obrigação – literal e abstracta - independente e autónoma de honrar o título, ainda que só caucione outro co-subscritor do mesmo - princípio da independência do aval (art. 32º §§ 1º e 2º).</font><br> <br> <font>Como é entendimento corrente, a responsabilidade do avalista não é subsidiária da do avalizado, mas solidária, pelo que o avalista não goza do benefício da excussão prévia.</font><br> <font>Na verdade, embora sendo, nos dizeres da lei, o dador do aval responsável "da mesma maneira" que a pessoa por ele afiançada (§ 1º cit.), a obrigação do avalista e a do avalizado, não estão
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça</font></b> <p><font>AA e BB intentaram acção, com processo ordinário, contra o Dr. CC, Advogado.</font> </p><p><font>Pediram a condenação do Réu a pagar-lhes o total de 45.498,98 euros, sendo 40.498,98 a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, pelos benefícios que deixaram de obter, e 5.000,00 euros pelos danos não patrimoniais – tudo resultante da responsabilidade contratual do Réu – quantias acrescidas de juros contados da citação.</font> </p><p><font>No Circulo Judicial de Penafiel, a acção foi julgada parcialmente procedente e o Réu condenado a pagar aos Autores a quantia de 23.498,80 euros, com juros, sendo 20.000,00 euros pelo dano patrimonial, 3000,00 euros pelo dano não patrimonial, e 498,80 euros para reembolso das despesas de provisão adiantadas.</font> </p><p><font>O Réu apelou para a Relação do Porto que confirmou o julgado e entendeu ter ficado prejudicada a apreciação do agravo interposto pelos apelados.</font> </p><p><font>Inconformado, pede agora revista.</font> </p><p><font>Assim concluiu as suas alegações:</font><br> <i><font>1ª: Todo o quesitório da p.i. assentou, no mínimo, em factos fantasiosos.</font></i><br> <i><font>2ª: À testemunha/procurador DD foi dada imerecida e indevida credibilidade. </font></i><br> <i><font>3ª: O seu depoimento, se foi formalmente legal, o que não se aceita, foi, no mínimo, imoral. </font></i><br> <i><font>4ª: O modus operandi do Recorrente é exactamente o contrário do conteúdo do petitório, do consequente quesitório e do ‘amén’ sempre pronto do procurador/testemunha DD na Audiência de Julgamento – ás vezes, este antecipava-se mesmo às perguntas do advogado e outras vezes dizia mais, muito mais do que o que lhe era perguntado. </font></i><br> <i><font>5ª: A dita testemunha era falsa. </font></i><br> <i><font>6ª: Não houve nenhuma falha do advogado: </font></i><br> <i><font>- nem na fase pré-judicial – v. g. na carta de interpelação – Doc. nº 4, fls. 14; </font></i><br> <i><font>- nem na fase judicial – v.g. a P.I. e a Réplica estavam bem elaboradas, salvo a devida imodéstia; O Rol de Testemunhas e os Preparos foram pagos dentro dos prazos; o advogado não faltou a nenhuma diligência para que foi chamado; o advogado não foi inábil na inquirição das testemunhas, nem nos pedidos de esclarecimento das testemunhas da parte contrária; nem apresentou o Requerimento de Interposição de recurso fora do prazo. </font></i><br> <i><font>7ª: O Recorrente apenas não comunicou ao procurador DD que não iria apresentar as a1egações aliás, ad vanum, quer dizer, inúteis. </font></i><br> <i><font>8ª: Ser revogada a condenação do Recorrente no pagamento aos Recorridos de € 498,80 – quantia que havia sido entregue àquele – por estar amplamente demonstrado nos autos – e o que é notório ião precisa ser demonstrado – que o advogado era credor do cliente e não o contrário – vide doc. n.º 1 (registo escrito dos diferentes actos) e doc. n° 3, fls. 3 a 7 (Nota Despesas e Honorários). </font></i><br> <i><font>9ª: Ser revogada a condenação do Recorrente a indemnizar os Recorridos em € 20.000,00 por danos patrimoniais, porque era improvável que o recurso obtivesse provimento, acrescendo que não se verifica, in casu, o nexo de causalidade entre o facto e os invocados danos, como demonstrado foi supra, pois não se verifica o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano, porque os Recorridos não tiveram qualquer dano, por ser improvável que a Relação não confirmasse a decisão do tribunal colectivo ‘a quo’. </font></i><br> <i><font>10ª: Do mesmo modo deve ser revogada a condenação do Recorrente a indemnizar os Recorridos no valor de € 3.000,00 por danos não patrimoniais, porque estes nenhum dano moral tiveram, como demonstrado foi supra, na medida em que os Recorridos não tiveram nenhum desconforto, pois um dia antes de virem ao advogado já tinham decidido estabelecer-se na Suíça, e não tinham expectativas objectivamente atendíveis, que viessem a ser inesperada e imprevisivelmente frustradas, por não lhes ter sido dada garantia de que ganhariam a acção, que não foi ganha por culpa exclusiva deles. </font></i><br> <i><font>11ª: No caso concreto, os Recorridos não sofreram nenhum dano. </font></i><br> <i><font>12ª: Porque ‘(..) é indispensável que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil(..)’ – Das Obrigações em Geral, de João de Matos Antunes Varela, Vol. I – 3ª edição, pag. 417 e 418. </font></i><br> <i><font>13ª: A responsabilidade (civil) pressupõe ‘(...) a) O facto; b) A ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano (o negrito nosso); e e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.’ - obra citada, pag. 418. </font></i><br> <i><font>14ª: ‘(..)Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém.’ – obra citada, pag.492. </font></i><br> <i><font>15ª: ‘A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artº 3º do Código Civil. </font></i><br> <i><font>16ª: O Recorrente agiu sempre no interesse dos seus então clientes, desde o início e até à finita causa. </font></i><br> <i><font>17ª: O Recorrente procedeu sempre segundo a sua consciência e as leges artis. </font></i><br> <i><font>Data vénia, continua o Recorrente a entender que houve violação dos art° 3°-A do Código de Processo Civil; e artº 483º, 562º, 563º, 798º e 487, todos do Código Civil. </font></i> </p><p><font>Contra alegaram os recorridos em defesa do julgado.</font> </p><p><font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><b><font>matéria de facto</font></b><font>:</font><br> <font>1) O Réu é Advogado e tem escritório aberto ao público na Av. …, n.º …, Edifício …, …, Freguesia de …, Comarca de Penafiel.</font><br> <font>2) O sogro do Autor dirigiu-se ao Réu, em representação dos Autores, para uma consulta, em Dezembro de 1997. </font><br> <font>3) Na data referida em 2), DD informou o Réu de que havia celebrado um acordo escrito, em 10 de Fevereiro de 1994, do qual constavam os seguintes dizeres </font><br> <i><font>“PRIMEIRO OUTORGANTE: Eng. EE (...) SEGUNDOS OUTORGANTES – AA (..) e esposa D. BB (...). </font></i><br> <i><font>PRIMEIRA: O PRIMEIRO OUTORGANTE irá construir um edifício destinado a habitações e comércio, no lugar de Aveleda, freguesia de Pinheiro, concelho de Penafiel. </font></i><br> <i><font>SEGUNDA: Tal edifício será construído em duas fases correspondendo a cada fase um bloco, devendo a primeira das quais terminar até 1996.01.31 e a segunda até 1997.08.31. </font></i><br> <i><font>TERCEIRA: Pelo presente contrato o PRIMEIRO OUTORGANTE promete vender e os SEGUNDOS prometem comprar uma fracção autónoma correspondente a uma loja destinada ao exercício do comércio, no rés-do-chão do bloco a construir na 2ª fase (…). </font></i><br> <i><font>QUARTA: O preço global desta venda é de Esc. 8.600.000$00 (oito milhões e seiscentos mil escudos), que o da seguinte forma: A) Esc. 4.000.000$00 (quatro de escudos) na data da assinatura do presente promessa, de que o PRIMEIRO OUTORGANTE dá a correspondente quitação, e que vai a título de princípio de pagamento. </font></i><br> <i><font>(…)</font></i><br> <i><font>QUINTA: A escritura definitiva de compra e venda deverá ser celebrada nos três meses seguintes ao da data estipulada para o termo da 2ª fase, referida na cláusula 2ª, salvo caso de força maior, e em cartório a designar pelo PRIMEIRO OUTORGANTE, obrigando-se, desde já, este a comunicar aos SEGUNDOS, com a antecedência mínima de oito dias, por carta registada com aviso de recepção, a data, hora e local da referida escritura (...). </font></i><br> <font>4) O Autor requereu ao Réu que intentasse a respectiva acção judicial. </font><br> <font>5) O Autor solicitou ao Réu que preparasse toda a documentação necessária à concretização do entendimento técnico a conferir à situação. </font><br> <font>6) O Réu endereçou, no dia 30 de Dezembro de 1997, ao Engenheiro EE, uma carta a resolver o acordo mencionado em 3), com o seguinte teor:</font><br> <i><font> “Mandatou-me o m/constituinte, Sr. AA, de Lajes, Paredes, Penafiel, emigrante na Suiça, para lhe comunicar o seguinte: Considerando que por contrato-promessa de Compra Venda, assinado em 10 de Fevereiro de 1994, ficou convencionado que o Sr. outorgaria a escritura definitiva, referente à fracção autónoma escrita na cláusula 3ª e planta anexa até 1997.10.31. </font></i><br> <i><font>(...) </font></i><br> <i><font>Porém, considerando que mau grado já estarmos no fim de Dezembro de 1997, as obras ainda se encontram exactamente como estavam há um ano atrás; e considerando que já passaram 2 meses sobre a data em que seria outorgada a escritura definitiva e que as obras ainda estão longe de estar concluídas; </font></i><br> <i><font>(...) </font></i><br> <i><font>E como o Sr. sabe, o m/constituinte pretendia instalar aí um negócio de Café Bar, e pretendia regressar a Portugal, com a mulher, explorando ele esse negócio e a mulher dedicando-se à enfermagem. Porém, devido a esse protelamento injustificado na conclusão das obras na loja, o meu constituinte decidiu por se estabelecer lá na Suíça como industrial de pintura da construção civil, empregando a sua mulher como enfermeira num Hospital, abandonado assim ambos o projecto de regressarem ao País. </font></i><br> <i><font>Razão por que perderam por completo todo o interesse na prestação do promitente vendedor daquela loja, isto é, na entrega da fracção prometida pelo contrato sub júdice. </font></i><br> <i><font>Pelo ut supra exposto, considera resolvido o referido contrato-promessa, ficando Vª Exª interpelado para a restituição do sinal prestado em dobro, bem assim da obrigação do pagamento dos respectivos juros de mora a partir desta data”. </font></i><br> <font>7) Em 20 de Fevereiro de 1998, o Réu comunicou ao Engenheiro EE que os Autores no iriam comparecer à outorga da escritura de compra e venda. </font><br> <font>8) O Réu intentou uma acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, que deu entrada no Tribunal Judicial de Penafiel em 5 de Fevereiro de 1998, contra o Engenheiro EE e mulher FF, que correu termos junto do 2° Juízo daquele Tribunal sob o nº 308/99. </font><br> <font>9) Por sentença datada de 6 de Dezembro de 2001 foi a acção julgada improcedente por não provada, e, em consequência, os Réus mencionados em 8) foram absolvidos do pedido. </font><br> <font>10) Na sentença mencionada em 9) foi ainda julgada procedente, por provada, a reconvenção apresentada pelos Réus, tendo sido por isso decretada a resolução do acordo referido em 3) e reconhecido àqueles o direito de fazer sua a quantia de esc. 4.000.00$00. </font><br> <font>11) O Autor pretendia interpor recurso da sentença proferida. </font><br> <font>12) Os Autores entregaram ao Réu a quantia de esc. 100.000$00. </font><br> <font>13) O Réu apresentou em juízo o requerimento de interposição de recurso em 18 de Dezembro de 2001. </font><br> <font>14) O recurso veio a ser admitido por despacho de 21 de Dezembro, tendo o Réu sido notificado do mesmo em 6 de Janeiro de 2002. </font><br> <font>15) O Réu não apresentou as alegações do recurso referido em 14). </font><br> <font>16) O recurso mencionado em 14) veio a ser julgado deserto e, em consequência, os Autores foram condenados no pagamento de 1 UC através de despacho de 21 de Fevereiro de 2002. </font><br> <font>17) O Réu enviou ao Autor carta registada datada de 5 de Março de 2002, onde dizia “ (...) Seria bom, contudo – para afastar qualquer dúvida – que o Senhor AA consultasse outro advogado, que estudasse o processo, para não ser apenas eu a dizer-lhe que a Resposta aos Quesitos está consentânea com o que se passou na Audiência de discussão e julgamento e que a Sentença não podia ser outra (...) quanto ao Recurso, esse advogado constatará que eu não tinha a mínima hipótese e que só iria trazer-lhe mais despesas, e que ainda se arriscaria a pagar multa como litigante de má-fé”. </font><br> <font>18) Por o Réu não ter apresentado as alegações de recurso o Autor desencadeou um processo disciplinar no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados. </font><br> <font>19) O Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados aplicou ao Réu uma pena de censura. </font><br> <font>20) O Autor foi instruído pelo Réu a resolver o acordo escrito mencionado em 3), de forma a receber a quantia pecuniária que tinha prestado em dobro. </font><br> <font>21) O Réu comunicou ao Autor a sua intenção de interpor recurso, uma vez que entendia que havia motivos jurídicos e de facto para que a sentença fosse revogada pelo Tribunal Superior e os Autores pudessem receber todo o pedido formulado na petição inicial. </font><br> <font>22) O Réu solicitou a entrega da quantia referida em 12º a título de provisão para o recurso. </font><br> <font>23) O Autor enviou ao Réu, em 13 de Dezembro de 2001, um fax com o seguinte teor “Senhor Doutor, venho por intermédio deste fax pedir-lhe que não se esqueça de abrir o processo, para fazermos recurso. Como já tínhamos falado pelo telefone, esta sentença que nos foi dada dia 11 de Dezembro de 2001 não é normal, pois nos parece haver muitos mal-entendidos (...)”. </font><br> <font>24) O comportamento do Réu provocou nos Autores um desconforto geral. </font><br> <font>25) O Réu sabia que era intenção dos Autores regressarem a Portugal e instalarem na fracção identificada em 3) o seu estabelecimento comercial. </font> </p><p><font>Foram colhidos os vistos.</font> </p><p><font>Conhecendo,</font><br> <font>1- Mandato forense.</font><br> <font>2- Obrigações de meios e de resultado.</font><br> <font>3- Responsabilidade.</font><br> <font>4- Perda de chance</font><br> <font>5- Dano não patrimonial.</font><br> <font>6- Conclusões.</font><br> <b><font>1- Mandato forense</font></b> </p><p><font>A questão nuclear consiste em saber se o Advogado que decide não praticar um acto judicial que previamente acordara com o seu mandante, sem que antes lhe dê conhecimento desse propósito, incorre em responsabilidade e, na afirmativa, de que tipo e quais as consequências.</font> </p><p><font>Antes, porém, afiguram-se curiais algumas considerações sobre o conceito e estrutura do mandato forense.</font> </p><p><font>Seguiremos os princípios constantes do anterior Estatuto da Ordem dos Advogados (Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, com as alterações da Lei n.º 6/86, de 23 de Março, Decreto-Lei n.º 119/86 de 28 de Maio, 325/88, de 23 de Setembro e Leis n.ºs 33/94, de 6 de Setembro, 30-E/2000, de 20 de Dezembro e 80/2001, de 20 de Julho) por ser o vigente aquando dos factos que se discutem nesta lide (actualmente seria a Lei n.º 15/2005, de 16 de Janeiro).</font><br> <font>1.1. Trata-se de um mandato, genericamente definido no artigo 1157.º do Código Civil e, como tal, a ser conferido, em regra, por contrato entre a parte e o seu patrono, sendo, contudo, formalizado através de uma procuração (no sentido de documento donde consta esse mandato).</font> </p><p><font>Trata-se de um mandato com representação, envolvendo o consentimento do mandatário.</font> </p><p><font> A propósito ensinava o Prof. Castro Mendes que “o contrato de mandato é um contrato livremente celebrado por mandante e mandatário. Se se fala, por vezes, na função social da advocacia (como forma típica de profissão de mandatário judicial), isso não quer em nossa opinião traduzir-se (…) na construção segundo a qual a parte aborda o advogado como funcionário, tendo direito à colaboração deste e à prestação dos seus serviços.” (in “Direito Processual Civil”, I, 1968, 466).</font> </p><p><font>O mandato judicial pode ser conferido por uma das duas vias do artigo 35.º do Código de Processo Civil (instrumento público ou documento particular, nos termos do Código do Notariado ou de legislação especial; por declaração da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo).</font> </p><p><font>Mas se o patrocínio é urgente, pode ser exercido como gestão de negócios (artigo 41.º) ou por nomeação oficiosa (artigos 43.º e 44.º).</font> </p><p><font>Sempre representa, apenas, um contrato de mandato, que não de prestação de serviço, muito embora tenha natureza de modalidade deste. Isto apesar do legislador o ter eleito como matriz das prestações de serviço não reguladas especialmente na lei substantiva.</font> </p><p><font>Enfim, o mandatário forense não é um típico prestador de serviços, já que a sua acção se limita à prática de actos jurídicos, por conta e em nome do mandante.</font><br> <font>1.2. O patrocínio judiciário é de interesse e ordem públicas já que assegura às partes a assistência de um técnico qualificado assegurando que os seus direitos sejam defendidos com o maior rigor jurídico, tornando a justiça mais credível e garantindo ao Estado que os litigantes surjam perante si com rigor e seriedade.</font> </p><p><font>É que, e como explica o Prof. A. Varela, “os litigantes não são, do ponto de vista dos seus próprios interesses, as pessoas mais indicadas para orientarem o processo. O conflito de interesses aguça, sem dúvida, o engenho das pessoas e estimula a sua combatividade; mas as paixões geradas pela luta em juízo privam as partes da serenidade de espírito indispensável à defesa mais eficaz da sua posição na lide. Por outro lado, faltam ao comum das partes a experiência e os conhecimentos técnicos necessários à exacta valoração das razões que lhes assistem em face do direito aplicável. Só entre os profissionais do foro, com o saber, a experiências e as regras deontológicas próprias do mandato judicial se podem encontrar os colaboradores da administração da justiça que a função jurisdicional requer.” (in “Manual de Processo Civil”, 1984, 180/181).</font> </p><p><font>Nunca é demais realçar o importante papel da advocacia como elemento essencial à administração da justiça (artigo 208.º da Constituição da República) – cf. Prof. Avelãs Nunes – “Advocacia, que fazer?”, 65; Bastonário Dr. António Marinho e Pinto – “A Ordem dos Advogados deve ser um baluarte da cidadania.”, in “Advocacia”, 76; e a insistir na dificuldade da profissão, refere o Dr. Amadeu Teles Marques, in “Ser-se Advogado”, 55: “Para além do estudo minucioso e aturado das leis, o que exige qualidades de trabalho, de reflexão e de empenho, permanentes e quotidianas, e da capacidade de transmitir, com clareza, oportunidade e convicção, o resultado desse conhecimento, o que determina o continuado aperfeiçoamento dos meios e técnicas de todas as formas de comunicação, o advogado tem de reunir em si outros requisitos.”</font> </p><p><font>É na ponderação da importância deste tipo de mandato, das dificuldades e especificidades do seu exercício que o legislador elencou com mais detalhe e rigor os deveres do mandatário para com o mandante e a doutrina se confronta com a relação obrigacional dele resultante e com as consequências do respectivo incumprimento.</font> </p><p><b><font>2- Obrigações de meios e de resultado.</font></b> </p><p><font>2.1 No mandato comum as obrigações do mandatário vêm elencadas no artigo 1161.º do Código Civil, sendo fundamentalmente os deveres de praticar os actos jurídicos acordados; de informar o mandante sempre que para tal seja solicitado; de prestar contas e de restituir o que lhe foi entregue em execução ou no exercício e não despendeu no cumprimento do contrato.</font> </p><p><font>Mas o mandatário forense tem um elenco de deveres mais alargado sendo alguns resultantes do exercício de uma actividade de interesse público (deveres para com a Ordem dos Advogados, para com a sociedade, para com os Colegas e Magistrados e para com o Estado, na sua vertente de administração da Justiça) e, enumerados nos artigos 83.º e 84.º do diploma que dissemos aplicar (artigos 92.º a 102.º do actual Estatuto), os deveres “para com o cliente.”</font> </p><p><font>E dentre estes faremos ressaltar - por serem os que mais relevam “in casu” – os das alíneas c), d) e j) do n.º 1 do artigo 83.º.</font> </p><p><font>Ou sejam, e respectivamente:</font> </p><p><font>“c) Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar, sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas”; d) Estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando, para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e actividade; j) Não abandonar o patrocínio do constituinte ou o acompanhamento das questões que lhe estão cometidas sem motivo justificado.” (cf., no essencial, as alíneas a), b) e e) do artigo 95.º do E.O.A de 2005).</font> </p><p><font> Do incumprimento destes deveres pode, e para além da responsabilidade disciplinar, resultar responsabilidade civil e, até, em situações limitadíssimas, e com acentuado elemento subjectivo, a responsabilidade criminal.</font> </p><p><font>2.2 Deixemos, por um momento, este aspecto para nos debruçarmos sobre o tipo de obrigação ínsita no contrato de mandato forense.</font> </p><p><font>Tradicionalmente, a doutrina faz o “distinguo” entre obrigações de meios, obrigações de resultado e obrigações de garantia (cf. o detalhe do Prof. Gomes da Silva in “O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar”, I, 363 e ss; Prof. Vaz Serra – “Impossibilidade superveniente por causa não imputável ao devedor e desaparecimento do interesse do credor”, BMJ – 46-20 e Prof. Manuel de Andrade, com o Prof. Rui de Alarcão, “Teoria Geral das Obrigações”, 2.ª ed., 51 e 411 ss).</font> </p><p><font>O Dr. Ricardo Lucas Ribeiro (in “Obrigações de Meios e Obrigações de Resultado”, 2010, 19) define “as obrigações de resultado como sendo aquelas, em virtude das quais o devedor fica adstrito, em benefício do credor, à produção de um certo efeito útil, que actua satisfatoriamente o interesse creditório final ou primário, isto é, o interesse que em último termo o credor se propõe alcançar”; já nas obrigações de meios “o devedor se obriga apenas a desenvolver uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (realização do interesse primário do credor) mas sem assegurar que o mesmo se produza.”</font> </p><p><font>É certo que a diligência no exercício de uma actividade direccionada é, em si mesma um resultado, daí haver quem apode este último tipo de “obrigações de diligência” muito embora a diligência seja, afinal, exigível no cumprimento de qualquer obrigação.</font> </p><p><font>Prefere-se a terminologia clássica pois mesmo na obrigação de meios, a prudência (ou diligência) sendo, embora, comum a toda a relação obrigacional, mais não representa do que o mínimo exigível pelo credor para alcançar qualquer objectivo correcto e legal.</font> </p><p><font>Isto é, a distinção entre meio e resultado tem apenas a ver com o efeito final alcançado com a conclusão do negócio.</font> </p><p><font>Se o credor busca um técnico (ou um perito) que ponha a sua arte (ou engenho) para alcançar certo objectivo mas não o possa garantir (garantindo apenas que tudo fará para o conseguir) a obrigação será de meios.</font> </p><p><font>Se, contudo, o mesmo credor acorda com o técnico (ou perito) que lhe obtenha determinado efeito e este lho garante “ab initio” (e se mostra em condições de o obter) a obrigação será de resultado.</font> </p><p><font>Mas, insiste-se, em ambas o devedor terá de usar da sua máxima diligência e rigor (“the best of his ability”) quando, tratando-se de um profissional, o mandato exija conhecimentos técnicos da sua especialidade.</font> </p><p><font>Sendo, v.g., um advogado ou um médico não basta a diligência do homem médio ( a aferir no cotejo com o comportamento “de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”, para utilizar a terminologia do n.º 2 do artigo 487.º do Código Civil) como comportamento padrão ficcionado pela lei.</font> </p><p><font>É que aqui a culpa é apreciada “in abstracto” (“bonus pater famílias” ou “reasonable man”) apelando-se para o paradigma de conduta que teria uma pessoa medianamente cuidadosa.</font> </p><p><font>Se, porém, ainda que fora da apreciação “in concreto”, o que está em causa é a conduta de um profissional de certa arte, a diligencia exigível terá de encontrar-se no modo como se investigou, actualizou, adequou e aplicou os conhecimentos da sua especialidade.</font> </p><p><font>Ora, tal exige um muito maior rigor do que se espera do cidadão médio.</font> </p><p><font>Quando este recorre ao médico ou ao advogado procura que ao seu serviço - e no estudo, diagnóstico ou prognose do seu caso – esteja um especialista que investiu intelectualmente na respectiva ciência e seja dotado de conhecimentos inacessíveis ao comum das pessoas e enquadrados por uma moldura de regras deontológicas – deveres acessórios – que o resguardam de certa leviandade.</font> </p><p><font>Por tudo isso, como se referiu, a diligência neste tipo de obrigações é acrescida e potenciada e, sendo embora uma obrigação de meios, estará na fronteira da de resultados.</font> </p><p><font>Não se olvide, finalmente, que o advogado goza de autonomia técnica que lhe confere uma margem de liberdade de actuação por vezes não perfeitamente compatível, com o espartilho contratual puro.</font> </p><p><font>Vejamos de seguida onde enquadrar a responsabilidade civil do advogado: se contratual se extracontratual.</font><br> <b><font>3- Responsabilidade</font></b> </p><p><font>3.1. Delineámos acima a dogmática do mandato forense e bosquejàmos o tipo de obrigação que gera.</font> </p><p><font>Podemos concluir que não se trata de um contrato de trabalho mas um contrato de mandato forense com as especificidades já explanadas.</font> </p><p><font>O incumprimento do contrato – ainda que pelo desrespeito pelos deveres acessórios que a deontologia impõe – gera, em princípio, responsabilidade contratual.</font> </p><p><font>No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2006 – 06 A2723 – desta mesma Conferência, conclui-se poderem coexistir ambos os tipos de responsabilidade (contratual e aquiliana) – “mesmo para com o cliente, dependendo do facto ilícito se traduzir no incumprimento de cláusula (ou dever) do mandato forense ou se tratar de violação de outro dever, ou preceito legal, não integrado precisamente no contrato de mandato. (cf., Dr. L.P. Moitinho de Almeida, 2.ª ed., 13). Mas só uma pode ser invocada.”</font> </p><p><font>Refere o autor citado que “se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advém do exercício de certo mandato (ou outro) que firmou com o constituinte, tacitamente ou mediante procuração, incorre em responsabilidade civil contratual; se o advogado praticou acto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, já a sua responsabilidade civil para com o mesmo constituinte é extracontratual ou aquiliana. Em grande parte dos casos, porém, a responsabilidade civil do advogado para com o cliente é, simultaneamente, contratual e extra contratual.” (ob. loc. cit.).</font> </p><p><font>Para o Dr. António Arnaud (in “Iniciação à Advocacia”, 113 ss) a responsabilidade civil do advogado não se pode radicar no contrato de mandato não sendo, em consequência, contratual.”</font> </p><p><font>Mas Yeves Avril (in “La responsabilité de l’ avocat”, n.º 3, 2) faz o “distinguo” entre a responsabilidade para com os clientes – sempre contratual – e para com terceiros – só extra contratual.</font> </p><p><font>No campo da responsabilidade médica – que tem importantes pontos de similitude com a do advogado – o Conselheiro Doutor Álvaro Rodrigues escreve no seu brilhante estudo “Reflexões em Torno da Responsabilidade Civil dos Médicos” (apud “Direito e Justiça” – XIV.2000.3 – Separata, 197): “No caso concreto da responsabilidade médica, não temos dúvidas em afirmar, que se estabelece uma relação contratual, entre o médico no seu consultório e o doente que o procura, a não prestação dos cuidados médicos ou um tratamento deficiente do lesado integra o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso por parte do médico. E, mesmo nos casos em que ocorre um dano, aparentemente, estranho à relação contratual (por parecer não decorrente da própria prestação debitória) como é o caso de uma lesão vascular ou secção de um nervo importante produzida por imperícia ou desatenção do cirurgião ou o clássico exemplo da queimadura provocada inadvertidamente pelo radiologista, só ocorrerá responsabilidade contratual, por violação dos deveres laterais, independentemente do dever primário da prestação (violação essa que desencadeia responsabilidade contratual).”</font> </p><p><font>Se na área médica não podemos deixar de concordar a questão não será tão líquida no exercício da advocacia.</font> </p><p><font>É certo que ambos os profissionais são procurados, e com eles se celebram contratos, (à excepção, nos médicos que exercem em, e na dependência laboral, de clínicas ou outro tipo de estabelecimento de saúde ou de advogados que, nos mesmos termos, exercem a sua actividade agindo não como mandatários por si mas sendo essa qualidade a da entidade que os emprega. Estes casos, melhor se enquadram na responsabilidade contratual da entidade que fornece o serviço ou actividade tendo os respectivos profissionais o tratamento de meros comissários nos termos do artigo 500.º do Código Civil, sem prejuízo de se tratar de responsabilidade extra contratual se a entidade que fornece o serviço for pública, o que não acontece na advocacia).</font> </p><p><font>Mas o que é normal na advocacia é o mandato forense ser conferido pessoalmente a um (ou vários) profissionais ainda que internamente organizados em sociedades de advogados.</font> </p><p><font>Por isso, e como regra, a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do, especifica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos), no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres – ou normas legais – não precisamente contratuais.</font> </p><p><font>Já a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extra contratual.</font> </p><p><font>Por vezes, o mesmo facto ilícito pode integrar os dois tipos de responsabilidade (cf., em abono deste entendimento, os Profs. Rui de Alarcão, in “Direito das Obrigações”, 1983, 210 e Miguel Teixeira de Sousa, apud “Concurso de Títulos de Aquisição de Prestação”, 1988, 136; mas em sentido contrário, e no domínio da lei anterior, o Dr. Jaime Gouveia, “Responsabilidade Contratual”, 1933, 227 e ss e agora o Prof. Almeida Costa).</font> </p><p><font>Porém, só uma delas pode ser invocada como causa de pedir ou se considerar-se estar-se perante uma situação de concurso aparente de normas a situação contratual consome a extra contratual (ob. cit – 455 e ss.).</font> </p><p><font>3.2 Apenas viemos tão longe nestas considerações pois no caso da responsabilidade do mandatário forense que, aqui, se julga é muito importante o “distinguo” entre os dois tipos de responsabilidade.</font> </p><p><font>É que, e para além da presunção de culpa consagrada para a responsabilidade contratual (n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil) em contraposição à necessidade da sua alegação e prova na responsabilidade aquiliana (n.º 1 do artigo 487.º), põe-se a questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais nos casos de responsabilidade contratual.</font> </p><p><font>Assim, quem segue na linha do Prof. A. Varela defende que esses danos não são indemnizáveis nesta sede. (“até porque, de outro modo, se introduziria no capitulo da responsabilidade contratual um factor de séria perturbação da certeza e da segurança do comércio jurídico.” – “Das Obrigações em Geral”, 7.ª ed., II, 106, RLJ – 123-253 e com o Prof. Pires de Lima, “Código Civil Anotado” – I, 501 – anot. 8 ao artigo 496.</font> </p><p><font>Porém, aderimos ao defendido pelo Prof. Almeida Costa – “Direito das Obrigações”, 6.ª ed., 505 – a admitir a compensação dos danos não patrimoniais nos casos de responsabilidade contratual.</font> </p><p><font>Este insigne Mestre está acompanhado pelos Profs. Vaz Serra – “Reparação do dano não patrimonial”, BMJ 83-102 ss e RLJ 108-222, ao anotar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 1974 e Galvão Telles – “Direito das Obrigações”, 383.</font> </p><p><font>Mais detalhadamente, o Prof. A. Pinto Monteiro – in “Sobre a reparação dos danos morais”, apud “Revista Portuguesa do Dano Corporal”, Set. 1992, n.º 1, 1.º, 17 ss., escreve que ocorrendo a violação il
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font><div><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></div><br> <font>A) Na 14ª Vara Cível de Lisboa, A Administração do AA intentou acção de condenação com processo ordinário contra BB, SA., CC e DD S.A., pedindo a sua condenação a feitura de obras. </font><br> <font>A final veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, não tendo atendido á invocada excepção de caducidade invocada, condenando-se as Rés a procederem á reparação das obras enunciadas.</font><br> <font>As Rés recorreram, tendo a Relação de Lisboa decidido pela procedência da excepção de caducidade.</font><br> <br> <font>B) Recorre de Revista a Autora que, alegando formula estas conclusões:</font><br> <br> <font>1ª - Não procede, salvo o devido respeito, a argumentação dos Senhores Juízes Desembargadores, que considera procedente a excepção de caducidade do direito da acção dos ora Recorrentes.</font><br> <font>2ª - Atenta a matéria de facto dada como provada, e atendo-nos à questão de que o acórdão sob recurso conheceu, impunha-se a confirmação da sentença de Primeira Instância que condenou parcialmente os R.R. no pedido.</font><br> <font>3ª - A entrega da Administração das partes comuns a uma Administração independente não faz só por si caducar o direito de acção, no caso de esta não encontrar defeitos de construção em tal momenta, e de, consequentemente, os não denunciar, por óbvia impossibilidade do objecto.</font><br> <font>4ª - Se é de aplaudir a Jurisprudência que entende que os Condóminos que adquirem as suas fracções antes da existência de uma Administração independente, não devem ver precludir o seu direito de denúncia dos defeitos e de exigência da sua reparação quanto ás partes comuns, tal doutrina não pode ser aplicável no sentido de que os Condóminos que adquiriram as suas fracções em momento posterior ao da recepção do prédio pela Administração, e que viram surgir os defeitos em momento posterior à aquisição da fracção, estarão impedidos de, através da Administração, denunciar os defeitos supervenientes e exigir a sua reparação nos prazos legais.</font><br> <font>5ª - Tendo a Administração recebido o prédio em Outubro de 1993, sem que se verificasse qualquer defeito nas partes comuns, é relevante para a aplicação ao caso dos autos dos arts.° 916° e 1225° do Código Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, o facto de ter havido condóminos que adquiriram a sua fracção em Junho de 1995 e Julho de 1996.</font><br> <font>6ª - Os únicos factos provados quanto à data da conclusão da obra são o de que a licença de habitação foi emitida em 17 de Maio de 1994 e de que as telas finais foram entregues à Administração em Junho de 1994, pelo que nem sequer é seguro que a obra estivesse concluída na data da entrega das partes comuns à Administração.</font><br> <font>7ª - Seja como for, os defeitos que foram denunciados e que os Recorridos foram condenados a reparar pela sentença de Primeira Instância, verificaram-se dentro do prazo de garantia de 5 anos e foram denunciados de foi agia praticamente imediata à sua ocorrência visível, nos anos de 1996 e 1997.</font><br> <font>8ª - Como poderia um Condómino, que adquiriu a sua fracção em Julho de 1996, fazer valer o seu direito à reparação de defeitos das partes comuns do prédio, surgidos depois da compra, senão através da sua denúncia, representado pela Administração?</font><br> <font>9ª - Mesmo que se tratasse de condómino que tivesse adquirido a sua fracção em momento anterior à entrada em vigor da nova lei, a regra do n° 2 do art.° 12° do Côdigo Civil, 2a parte, imporia, no caso dos autos, a aplicabilidade da lei nova, desde que se verificassem, no plano dos factos, os pressupostos legais, como é o caso.</font><br> <font>10ª - Ao considerar caducado o direito de acção da Recorrida, apenas com os fundamentos que apreciou, o acórdão sob recurso violou desde logo o preceito citado na conclusão 9ª, mas também os arts.° 331°, nº 2, 916°, 917° e 1225° do Código Civil, pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, deve ser revogado por este Supremo Tribunal, com a consequente repristinação da sentença de Primeira Instancia.</font><br> <font>11ª - Não entrou o acórdão sob recurso na apreciação de outras questões relativas à matéria da pretensa caducidade do direito da acção dos ora Recorrentes, nem apreciou, por a considerar irrelevante no contexto da decisão, a problemática atinente à consideração pelo Tribunal de Primeira Instancia de uma parte da matéria de facto dada como provada.</font><br> <font>12ª - A ora Recorrente, tendo tido necessidade de abordar tais questões em sede de contra-alegações na apelação, reformula de seguida aquilo que, no essencial constitui a parte das conclusões que então formulou. Assim,</font><br> <font>13ª - Não é obviamente correcta a afirmação dos ora Recorridos de que o Juiz só pode servir-se dos factos constantes da Base Instrutória para fundamentar a sentença.</font><br> <font>14ª - Por um lado, o Juiz há-de servir-se também dos factos que constam da Matéria Assente, bem como daqueles que, nos termos do art. 264° C.P.C., resultem da instrução e decisão da causa, verificadas que sejam certas circunstâncias.</font><br> <font>15ª - Também o nº 3 do art. 659° do C.P.C. é explícito no sentido de que, na fundamentação da sentença, o Juiz, para além dos factos que o tribunal colectivo deu como provados (os que constam da Base Instrutória), deve considerar os factos admitidos por acordo, os provados por documentos (mesmo que juntos na audiência) e os admitidos por confissão reduzida a escrito.</font><br> <font>16ª - Dos 3 factos considerados pelo Tribunal, para além dos constantes da Base Instrutória e da Matéria Assente, na fundamentação da sentença, um foi retirado de um documento junto pelos ora Recorridos, e dois foram retirados de documentos juntos pela ora Recorrente.</font><br> <font>17ª - Da mesma forma que se parte do princípio que os ora Recorridos não juntaram documento para provar factos inúteis à decisão do processo, também é legítimo esperar que os mesmos tenham em igual conta os factos provados por documentos juntos pela Recorrente!...</font><br> <font>18ª- Quanto aos documentos juntos pela ora Recorrente, foi expressamente alegado que se destinavam a provar factos no âmbito da invocada excepção de caducidade, consubstanciando-se em duas escrituras públicas de aquisição de duas fracções dos prédios do Condomínio.</font><br> <font>19ª - Os ora Recorridos foram ouvidos, no acto de junção, considerando tais documentos, no plano do direito – em discordância com a ora Recorrente e com o Tribunal de Primeira Instância –, irrelevantes para a decisão da causa, sendo que, quanto aos factos que dos mesmos constavam, os ora Recorridos entenderam nada objectar, certamente por entenderem que, em face do disposto no art. 371° do Código Civil, os factos se encontravam provados, como, aliás, o Tribunal veio a considerar.</font><br> <font>20ª - Houve, por consequência, por parte dos ora Recorridos pleno exercício do contraditório, nos termos que entenderam fazê-lo, o que não significa que tenham tido possibilidade de pôr validamente em causa os factos constantes dos documentos e a sua relevância jurídica.</font><br> <font>21ª - Em face dos factos provados por tais documentos, o Tribunal de Primeira Instância concluiu, e bem, a nosso ver, que ao caso dos autos são aplicáveis as normas do Código Civil sobre compra e venda de imóveis, de acordo com a redacção do Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro.</font><br> <font>22ª - Num outro plano, tendo os defeitos da construção sub judice se revelado após as compras ao CC de fracções em 1995 e 1996, é tempestiva a sua denúncia, se realizada nos prazos previstos na nova Lei, e aproveita a todo o Condomínio, no que respeita às partes comuns dos prédios.</font><br> <font>23ª - Os defeitos denunciados ao ora Recorrido CC a partir do último trimestre de 1996, e durante larga parte de 1997, foram sendo sucessivamente reconhecidos como existentes, e a sua reparação (muitas vezes deficiente)foi sendo efectuada, a expensas e sob a responsabilidade do vendedor , com o reconhecimento expresso e implícito de que se tratava de defeitos de construção.</font><br> <font>24ª - Tal reconhecimento ocorreu mesmo, na prática, em relação a problemas que o ora Recorrido CC considerou de manutenção, sendo tal irrelevante do ponto de vista da responsabilidade pela sua reparação e da sua natureza, se a prova produzida nos autos, nomeadamente a prova pericial, é claríssima no sentido de que se trata de defeitos de construção ou de defeitos de reparação de deficiências de construção.</font><br> <font>25ª - Não deram como provada os autos a estranha tese dos ora Recorridos de que as reparações foram feitas essencialmente por cortesia e estratégia comercial, embora não excluísse estas motivações, num plano secundário, atentas as muitas obras pertencentes ao grupo económico dos ora Recorridos que decorriam próximas, e a necessidade de demonstrar seriedade por parte dos vendedores nos prédios já construídos...</font><br> <font>26ª- Digamos que, neste plano, se pode dizer que a Recorrente foi beneficiada por uma circunstância que, a não existir, provavelmente não teria levado aos reconhecimentos ocorridos e ao gasto de dezenas de milhares de contos, antes do recurso ao Tribunal...</font><br> <font>27ª - As obras que os ora Recorridos foram condenados a executar são todas em partes comuns, e relativas a defeitos de construção, na generalidade decorrentes de problemas em que houvera anteriormente intervenção daqueles.</font><br> <font>28ª - Em Novembro de 1997, ainda os Recorridos procediam a reparações nos edifícios, pelo que não era exigível nem sequer razoável que a ora Recorrente exigisse judicialmente a reparação dos defeitos enquanto decorriam as reparações.</font><br> <font>Nas suas contra-alegações as recorridas entendem ser de negar a revista.</font><br> <br> <font> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir</font><br> <br> <font>C) Os Factos:</font><br> <br> <font>1 - A R. BB era proprietária dos seguintes prédios:</font><br> <br> <font>A) Prédio urbano designado por lote C4 (Lote C Quatro), sito no AA, ..., Telheiras, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, constituído por um lote de terreno para construção com a área de mil e sessenta e sete metros quadrados e meio, descrito na 7.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ..... – freguesia do Lumiar, à data omisso na matriz;</font><br> <br> <font>B) Prédio urbano designado por lote C5 (C cinco), sito no AA, Quinta de ...., Telheiras, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrito na 7.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 000 da freguesia do Lumiar, à data omisso na matriz;</font><br> <br> <font>C) Prédio urbano designado por lote C3 (C três), sito no AA, Quinta de ..., Telheiras, freguesia do Lumiar, descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ..., freguesia do Lumiar, à data omisso na matriz;</font><br> <br> <font>D) Prédio urbano designado por lote C2 (C dois), sito no AA, Quinta de ..., Telheiras, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrito na 7.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º ...., freguesia do Lumiar, à data omisso na matriz;</font><br> <br> <font>E) Prédio urbano designado por lote C 1 (C um), sito no Parque do Príncipes, Quinta de ..., Telheiras, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, descrito na 7.a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º 000, freguesia do Lumiar, à data omisso na matriz.</font><br> <font>2 - Por escrituras de compra e venda celebradas em 9.08.90 e 21.11.90 a R. BB vendeu ao R. CC os prédios identificados em 1).</font><br> <font>3 - Por contratos de empreitada celebrados, em 9.08.90 e em 4.12.90, entre a R. BB e o consórcio de "A. EE – Indústria e Comércio, S.A." e "FF, S.A.", foi acordada a construção dos edifícios referentes à urbanização denominada AA, que foram edificados nos lotes C1, C2, C3, C4 e C5, bem como fornecimento dos materiais necessários e construção das zonas comuns da urbanização.</font><br> <font>4 - Nos termos dos contratos de empreitada a R. BB é dona da obra objecto da empreitada.</font><br> <font>5 - Para a construção dos edifícios foi emitida pela Câmara Municipal de Lisboa a licença de construção n.º 000 constante do processo 3705 que corresponde à obra 62207, 62208 e segs, com validade até 30 de Março de 1992.</font><br> <font>6 - A validade da licença de construção veio a ser prorrogada pela licença 2081/91 e pela licença 2526/96, findando o prazo em 30 de Março de 1994.</font><br> <font>7 - A licença de utilização, constante do processo 337/PGU/94, foi emitida sob o n.º 192 em 17 de Maio de 1994.</font><br> <font>8 - Os edifícios construídos nos lotes foram submetidos ao regime de propriedade horizontal por escritura de 6 de Julho de 1992.</font><br> <font>9 - O Réu CC, na qualidade de único proprietário de todas as fracções autónomas que constituíam o condomínio, nomeou-se administrador do condomínio.</font><br> <font>10 - O Réu CC, através da "DD, S.A." vendeu todas as fracções autónomas da Urbanização AA.</font><br> <font>11 - Em 12 de Outubro de 1993, o Réu CC procedeu à entrega das partes comuns do imóvel construído nos lotes C1, C2, C3, C4 e C5, à A. – doc. n.º 13.</font><br> <font>13 - O ponto n.º1 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos realizada a 12/Out /93 consistiu em "Nomear uma Comissão de Condóminos para exercer as funções de Administração do Condomínio até ao final do ano de 1993" – doc. n.º 13.</font><br> <font>14 - Foi então nomeada uma comissão, composta por cinco membros, sendo apenas um deles – GG – representante do Réu CC.</font><br> <font>15 - A partir dessa data, a administração do condomínio passou a ser exercida por essa comissão.</font><br> <font>16 - Em reunião de assembleia-geral de condóminos de 5/Jan. /94, GG, enquanto representante do R. CC pediu a sua demissão de membro da comissão de condomínio – docs. n.º 13-B.</font><br> <font>17 - Em 29/Junho/94 o R. CC enviou à administração do condomínio, as telas finais – docs nºs. 13-C e 13-D.</font><br> <font>18 -Em 13.10.96 o empreiteiro II, apresentou ao Réu CC uma proposta / orçamento para a realização de obras nos edifícios C1 a C5 (doc. n.º 15 D)).</font><br> <font>19 - Da proposta o Réu CC adjudicou em 26.09.96 a realização de obras só no lote C4, para impermeabilização e tratamento do terraço de cobertura do Lote C4, àquela empresa (doc. n.º 15 A), B) e C)), tendo obtido por parte da empresa um termo de garantia pelos trabalhos efectuados nos Lotes C3 e C4 (doc. n.º 15 H) e I)).</font><br> <font>20 - Posteriormente a 26.09.96, o Réu CC realizou várias reparações nos lotes C1 a C5 (doc. n.° 15 G)).</font><br> <font>21 - A Autora, em 30.07.97 e em 02.07.97 por notificação judicial avulsa, notificou respectivamente a R. BB e o R. CC – (docs. n.°s 23 e 24).</font><br> <font>22 - A Autora, em 23.01.97, requereu à Câmara Municipal de Lisboa, a realização de uma vistoria aos Lotes C 1 a C5 bem como a passagem da respectiva certidão do auto de vistoria (docs. n°s. 21 e 22).</font><br> <font>23 - O Réu CC, em carta de 5-3-97 (doe. junto com a petição sob o n.º 19. ° e com a contestação sob o n.º15), referiu: "Não nos considerando responsáveis pelo descolamento de pedras de forro ao nível do 1 ° piso, estamos no entanto na disposição de proceder a urna vistoria completa ao nível do referido piso e mandarmos executar a reposição e/ou melhor fixação das pedras que descolaram ou estarão em vias disso".</font><br> <font>24 - Em 24.06.97, a Autora fez distribuir a acção especial de fixação judicial de prazo nos termos dos artigos 1456 ° e 1457° do Código de Processo Civil, contra a Ré BB, o Réu CC e a DD, nos termos constantes do doc n.º 25, cujos termos se encontravam a correr na 15.a Vara, 2.a Secção do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, tendo entretanto sido proferido acórdão, datado de 20-6-2002, cf. fls. 1126 e ss., de acordo com o qual se concluiu que a obrigação que o A. pretende ver realizada não cabe na previsão do art 1456° do C.P.C., para além de que sempre estaria prejudicada pelo facto de não estar em causa o desacordo na fixação do prazo, mas antes a vontade expressa do devedor de não realizar a prestação, seja em que prazo for, pelo que os recorrentes BB e DD foram absolvidos do pedido.</font><br> <font>25 - O Réu CC procedeu a reparações nos lotes.</font><br> <font>26 – Os lotes apresentam as seguintes características:</font><br> <font>-zonas de paredes revestidas a pedras apresentando manchas de humidade e de coloração diferente, encontrando-se algumas partidas, lascadas ou rachadas;</font><br> <font>-pedras de forro com vestígios de intervenção recente (aparafusadas, enquanto que as iniciais eram somente coladas), mostrando-se ocas na argamassa que serviu de cola;</font><br> <font>-zonas de paredes de alvenaria com manchas de humidade;</font><br> <font>-existência de grelhas de ventilação em alumínio anodizado à cor cinza, posteriormente anodizados de verde, com tintas empoladas e em falta;</font><br> <font>-muretes de floreiras com assentamentos diferenciados, a par de pavimentos e degraus desnivelados, junto a paredes periféricas do edifício;</font><br> <font>-tectos metálicos falsos, com chapas deslocadas e em falta, com oxidação e tintas empoladas;</font><br> <font>-no estacionamento em caves, tectos e paredes com vestígios de escorrências, junto às paredes periféricas e nas paredes do negativo da piscina; escorrências de tubos e uniões, algumas perto das caixas de derivação e de outros dispositivos eléctricos. (edifício C4), gerador na 3.a cave do edifício Cl, assente ao piso, sem conduta para a evacuação de fumos de escape;</font><br> <font>-nas zonas de lazer, sala polivalente com zonas de tecto falso e paredes periféricas manchadas, com tintas empoladas e em falta, squash com zonas de tecto e parede periférica manchadas;</font><br> <font>-manchas de humidade em paredes junto às caixas de estores e tectos falsos metálicos exteriores;</font><br> <font>27 - O Réu CC efectuou reparações no condomínio e assumiu a responsabilidade por reparações por estas advirem de problemas de construção.</font><br> <font>28 – Os trabalhos realizados pelo Réu CC foram-no também por cortesia e razões comerciais.</font><br> <font>29 - A Autora recebeu a coisa vendida sem formular qualquer reserva.</font><br> <font>30 – A pedra calcária vai adquirindo diferentes tonalidades ao longo dos anos por acção dos agentes atmosféricos e da poluição aérea e necessita da manutenção.</font><br> <font>31 - As floreiras e pavimentos não estão situados na zona do condomínio, mas no domínio público.</font><br> <font>32 – O R. CC mandou executar os trabalhos referidos a fls. 508 e 509.</font><br> <font>33 – A EDP apenas ligou os ramais entre os edifícios C 1 e C5 depois de verificar a conclusão dos mesmos.</font><br> <font>34 – As juntas de dilatação forma reparadas pelo consórcio empreiteiro.</font><br> <font>35 – Os ramais de ligação do gás foram realizados pela empresa Gás de Portugal – GDP.</font><br> <font>36 – Faz parte da conservação das fachadas a respectiva pintura periódica.</font><br> <font>37 – Teve lugar a protecção de alguns remates com esferas asfálticas.</font><br> <font>38 – A fracção autónoma designada pela letra I, correspondente ao 3° andar – F, do lote C1 do empreendimento AA foi vendida pelo Réu "CC" a HH por escritura pública de 8-6-1995 (doc. de fls. 1143 e ss.).</font><br> <font>39 - A fracção autónoma designada pelas letras CR, correspondente ao 6° andar – C, do lote C3 do empreendimento AA foi permutada entre o R. "CC" e JJ e LL por escritura pública de 24-7-1996 (doc. de fls. 1148 e ss.).</font><br> <br> <font>D) Decidindo:</font><br> <br> <font>Sendo certo que o objecto do recurso, é definido pelo teor das alegações do recorrente – Artigo 684 n.º 3 e 690 n.º 1 do Código Processo Civil – a questão que importa decidir traduz-se em saber, em primeira linha, se o direito da Autora estava ou não caduco quando os Réus foram accionados.</font><br> <font>Caducidade é uma figura especial que actua quando determinado direito, devendo ser exercido dentro de certo prazo, o não seja (Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979-791). </font><br> <font>Prescreve o Artigo 329 do Código Civil que o prazo começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.</font><br> <font>Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo (Artigo 331 n.º 1 do Código Civil).</font><br> <font>Admite a lei – n.º 2 do citado preceito – que sendo o direito disponível, a caducidade, quer legal, quer convencional, possa ser impedida pelo reconhecimento do direito feito por aqueles contra quem o mesmo poderia fazer-se valer. Vaz Serra, Prescrição e Caducidade, no BMJ, 107 pág. 232 afirma que esse reconhecimento «seja tal que tenha o mesmo efeito que teria a prática do acto sujeito a caducidade. Assim, se se tratar de prazo da proposição de uma acção judicial deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido».</font><br> <font>O mesmo vem a afirmar na RLJ Ano 107 pág. 24: «A caducidade é estabelecida com o fim de, dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se estabelecer determinada situação jurídica; por isso, o reconhecimento impeditivo da caducidade tem deter o mesmo efeito de tornar certa a situação». </font><br> <font>Pires de Lima /Antunes Varela, em anotação ao n.º 2 do citado preceito (Código Civil Anotado I Vol. pág. 295) defende o mesmo princípio que consta do Estudo do Anteprojecto de Vaz Serra ao afirmarem: «o simples reconhecimento do direito, antes do termo da caducidade, contra quem deve ser exercido, não tem relevância se através desse reconhecimento, se não produzir o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do acto a que a lei ou uma convenção atribuam efeito impeditivo. Só nos casos em que o reconhecimento assuma o mesmo valor do acto normalmente impeditivo é que deixará de verificar-se a caducidade.»</font><br> <font>Destas afirmações doutrinais desde logo resulta que o reconhecimento impeditivo da caducidade tem de ser anterior ao termo da caducidade.</font><br> <font>A Jurisprudência é numerosa nesse mesmo sentido ( por todos Acórdão do STJ, BMJ 303/191).</font><br> <br> <font>Isto posto.</font><br> <font>O período legal da garantia dos imóveis vendidos ou não por quem os construiu, encontra-se previsto na empreitada – art. 1225 do Código Civil – e na compra e venda de bens defeituosos – art. 916 do Código Civil –. </font><br> <font>O art. 1225 confere um prazo de 5 anos, durante o qual o construtor é responsável por eventuais defeitos da sua obra. </font><br> <font>O art. 916, sem distinguir móveis ou imóveis, fixa o prazo de 6 meses para a garantia pela compra e venda de bens defeituosos. </font><br> <font>Surge então o Decreto-Lei 267/94 de 25 de Outubro que, com o intuito de reformular o regime da propriedade horizontal, altera as referidas normas, acrescentando-lhes, respectivamente, o nº 3 e os nºs 3 e 4.</font><br> <font>O novo nº 3 do art. 916 vem estabelecer que, se a coisa vendida for um imóvel, o prazo de garantia passará a ser de 5 anos, e a denúncia do defeito deverá ocorrer dentro de 1 ano a contar do seu conhecimento.</font><br> <font>Por sua vez os nºs 3 e 4 do art. 1225 vêm alargar o período de 5 anos á eliminação dos defeitos por parte do construtor, e atribuir responsabilidade, dentro do mesmo prazo, ao vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.</font><br> <font>O Decreto-Lei 267/94 iniciou a sua vigência no dia 1 de Janeiro de 1995. Assim, só as aquisições efectuadas a partir de daquela data beneficiariam do novo prazo de garantia, alcançando-se assim uma resposta legal á questão em apreço.</font><br> <font>Perfilaram-se na Jurisprudência três correntes diferentes sobre esta mesma problemática.</font><br> <font>Para uma, como a lei civil não refere expressamente o prazo da caducidade para o exercício do direito de reparação previsto no art. 914, tal lacuna deve ser suprida pela aplicação extensiva do art. 917 (todos os Artigos serão de Código Civil quando não for feita indicação em contrário), afastando-se qualquer aplicação das normas referentes ao contrato de empreitada.</font><br> <font>Para outra, entendendo que não se aplicariam, nem as disposições da venda de coisa defeituosa, nem da empreitada, pelo que o prazo de caducidade seria o do art. 309.</font><br> <font>Ainda se vislumbra uma terceira via que radica na aplicação do art. 1225.</font><br> <font>A jurisprudência maioritária está orientada no sentido da primeira posição referenciada — BMJ 292/357; 298/300; 307/257 -, sendo certo que, no sentido da segunda perspectiva se pode confrontar os Acórdão publicados no BMJ 293/252; e Actualidade Jurídica 15/16 pág. 20 e na da terceira os publicados nos BMJ 326/472.</font><br> <font>As três correntes tiveram os seus defensores na Doutrina, sendo que Pires de Lima e Antunes Varela opinam no sentido da aplicação do art. 917, o que se pode comprovar pela leitura da anotação a este artigo no Código Civil Anotado e Mota Pinto e Calvão da Silva em o Direito, 121/292.</font><br> <font>Para Vaz Serra — Empreitada — BMJ 146/107 e 108, a aplicabilidade do disposto no art. 1225 era a que se impunha a casos como os dos autos. Por último Moitinho de Almeida no estudo intitulado — Caducidade — Venda de Coisa Defeituosa — Portugal Judiciário ano V nº 53 pronunciou-se no sentido da aplicabilidade do art. 309.</font><br> <font>O Assento 2/97 uniformizou a jurisprudência no sentido de que: « a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei 267/94, de 25 de Outubro, estava sujeito á caducidade nos termos previstos no art. 917 do Código Civil ».</font><br> <font>No caso dos autos não se deve aplicar o disposto no art. 1225, o recorrentes não celebrou qualquer contrato de empreitada com o recorrido, pelo que está afastada a aplicação do disposto no referido normativo.</font><br> <font>Outra questão que vem posta no presente recurso é a de que não se aplicariam os prazos, uma vez que a recorrida teria aceite os defeitos apontados, o que como se vê da factualidade provada não aconteceu, mas mesmo que se entendesse nesse sentido sempre o teria feito depois de ter caducado o direito.</font><br> <font>Ora prescreve o art. 916 nº 1 que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, no prazo de 30 dias e dentro dos seis meses, excepto se este houver usado dolo. Como refere Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado V.II/159 da 1a Edição, « para o exercício dos direitos de reparação ou substituição da coisa, não estabelece a lei, no caso de dolo, qualquer prazo. Está esse direito, sujeito ás regras gerais da prescrição».</font><br> <font>Não vem invocado o dolo.</font><br> <font>A Ré CC vendeu todas as fracções que submetidas ao regime da propriedade horizontal foram as partes comuns entregues em 12 de Outubro de 1993, data a partir da qual foi nomeada uma comissão para exercer as funções de administração do condomínio.</font><br> <font>Quando os dois andares a que se refere a recorrente foram vendidos nada foi referido á recorrida por parte da recorrente, nem pelos próprios compradores que não aparecem como parte neste processo.</font><br> <font>Não se verificando qualquer facto que seja impeditivo da caducidade, como se deixou já firmado acima, – os Réus não reconheceram quaisquer defeitos – e uma vez que, como também se deixou expresso a caducidade traduz uma extinção do direito, os defeitos não foram apontados aos vendedores em prazo.</font><br> <font>O edifício foi entregue em 1993 e a acção intentada em 1998, pelo que é evidente a caducidade do direito a que a Autora se arroga.</font><br> <font>Nada há que apontar ao acórdão recorrido em termos de fundamentação da decisão que é a correcta.</font><br> <br> <font>E) Face ao exposto acorda-se em negar a Revista.</font><br> <font> </font><br> <font> Custas pelo recorrente Autor.</font><br> <br> <font>Lisboa, 14 de Novembro 2006</font><br> <br> <font>Ribeiro de Almeida (Relator)</font><br> <font>Nuno Cameira</font><br> <font>Sousa Leite</font><br> </font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>Relatório</font><br> <br> <font>Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, </font><br> <font>AA,</font><br> <font>Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra</font><br> <font>BB Resort Turístico de Luxo, S.A., alegando em resumo:</font><br> <font>- O A. celebrou com a Ré um contrato de empreitada por via do qual a Ré se obrigou a construir uma moradia para o A. mediante o preço de 115.000.000$00 + IVA.</font><br> <font>- A Ré construiu tal moradia, mas a mesma apresentava defeitos de construção, que o A. denunciou à Ré.</font><br> <font>- Apesar das reparações efectuados pela Ré, a moradia continuou a apresentar defeitos.</font><br> <font>- veio, entretanto, o A. a apurar que a causa desses defeitos é a deficiente concepção e execução do projecto da moradia.</font><br> <font>- Tais defeitos não podem ser eliminadas.</font><br> <font>- Impõe-se, por isso, a demolição da moradia e a construção de outra.</font><br> <font>- A Ré, porém não deu o seu acordo à demolição, pelo que o A. deu o contrato de empreitada como resolvido,</font><br> <font>- o que tudo provocou incómodos e despesas para o A. que devem ser ressarcidos.</font><br> <br> <font>Pede, então, que seja julgada justificada a resolução do contrato de empreitada celebrado entre o A. e a Ré em 12/11/94 e, consequentemente, que a Ré seja condenada:</font><br> <font>- a pagar ao A. a quantia de 573.618,00 € correspondente ao preço do edifício construído pela Ré, mas que tem de ser demolido, acrescida do valor que o mesmo edifício custaria em 2002, que estima em 246.655,00 € (o acréscimo);</font><br> <font>- a indemnizar o A. dos custos da demolição, que calcula em 150.000€;</font><br> <font>- a indemnizar o A. pelos incómodos inerentes, designadamente pela perda de repouso sofridos, em quantia que computa em 60.000 €;</font><br> <font>- a indemnizar o A. pela deterioração dos objectos decorativos que se encontram no edifício a demolir, bem como pelas despesas de armazenamento dos que não se deteriorarem, em quantia que computa em 30.000 €, e,</font><br> <font>- a indemnizar o A. pelo tempo que ficará privado da moradia, em 12.500 € mensais, num total de 150.000 €.</font><br> <br> <font>Citada a Ré contestou, pugnando pela improcedência da acção. Para o caso de procedência, deduziu pedido reconvencional (que aqui não interessa considerar)</font><div></div><font>Houve réplica e tréplica.</font><div></div><font>Foi proferido despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória.</font><div></div><font>Procedeu-se a julgamento e, fixada a matéria de facto, foi proferida sentença final que julgando a acção parcialmente procedente (e improcedente a reconvenção) decidiu:</font><br> <font>“ Condeno a Ré a pagar ao A. e esposa (que entretanto veio intervir nos autos), em conjunto, as quantias que vierem a ser apuradas, em incidente de liquidação, correspondentes:</font><br> <font>- aos danos não patrimoniais (incómodos) sofridos pelo A. e mulher;</font><br> <font>- (às) necessárias à reparação das anomalias detectadas e descritas ou necessária à demolição e reconstrução de moradia igual à construída pela Ré, se este montante não for superior àquele;</font><br> <font>- aos danos correspondentes à privação da moradia durante o período de tempo necessário à reparação ou demolição e reconstrução;</font><br> <font>- ao custo de armazenamento dos objectos da casa.</font><br> <font>No mais julgo a acção improcedente, absolvendo a Ré do respectivo pedido.</font><br> <font>Julgo improcedente a excepção de caducidade e as pretensões invocados pela Ré, do que absolvo o A.”.</font><div></div><font>Inconformada recorreu a Ré e também o A., este subordinadamente.</font><div></div><font>Apreciando as apelações, a Relação julgou-os parcialmente procedentes e consequentemente:</font><br> <font>- revogou a sentença recorrida;</font><br> <font>- julgou justificada a resolução do contrato relativo à construção da moradia celebrado entre o A. e a Ré, e</font><br> <font>- condenou a Ré a pagar ao A. e mulher, em conjunto, as quantias seguintes:</font><br> <font>a) 573.618,00 €, correspondente ao preço pago pelo A.</font><br> <font>b) a correspondente aos custos com a demolição da moradia e transporte a vazadouro dos materiais decorrentes daquela, que se vier a apurar em incidente de liquidação até ao valor de 150.000,00 €.</font><br> <font>c) 15.000 €, correspondente à indemnização pelos danos não patrimoniais.</font><div></div><font>Novamente inconformados voltam a recorrer a Ré e o A., este subordinadamente, agora de revista e para este S.T.J..</font><br> <br> <font>Conclusões</font><div></div><font>Apresentadas tempestivas alegações formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><div><br> <font>Conclusões da Revista subordinada do Autor</font></div><br> <font>- CONCLUSÕES.</font><br> <br> <font>1. Recorrida/Ré e Recorrente/Autor ajustaram o preço da empreitada para construção da moradia do Autor por Esc: 115.000.000$00 em 1994.</font><br> <font>2. O Recorrente/Autor pagou aquele preço em 1994.</font><br> <font>3. Desde a celebração do contrato até à data presente, vão decorridos 14 anos.</font><br> <font>4. Os preços no consumidor, desde 1994 até Agosto de 2008, sofreram um aumento de 44,4 %.</font><br> <font>5. Objectivamente, e para o cidadão normal, era imprevisível que passados 14 anos após a adjudicação da construção de uma vivenda, a mesma não estivesse concluída sem defeitos, ou não estivesse reembolsado das quantias pagas.</font><br> <font>6. Um cidadão normal não incluiria nos riscos do negócio uma delonga de 14 anos na resolução de questões relativas à construção de uma moradia.</font><br> <font>7. A construção da moradia devia ser concluída no prazo de um ano, ou seja 11.12.95.</font><br> <font>8. A restituição do preço pago há 14 anos, sem qualquer actualização, ofende as regras da equidade e não se inclui nos riscos próprios do negócio.</font><br> <font>9. A actualização das obrigações pecuniárias é possível ao abrigo do art.° 551° do C. Civil, com recurso à alteração das circunstâncias em que as partes celebraram o contrato, nos termos do art.° 437° do C. Civil.</font><br> <font>10. O Recorrente/Autor, peticionou na Petição Inicial e na Apelação o pagamento de indemnização correspondente ao preço actual da construção da vivenda que é de €: 828.304,39.</font><br> <font>11. O recurso objecto da presente revista, ao não actualizar o valor da empreitada violou os artigos 551° e 437° ambos do C. Civil.</font><br> <font> Assim, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se o acórdão recorrido no sentido da Recorrida/Ré ser condenada a pagar ao Recorrente/Autor a quantia de Esc: 115.000.000$00 (Cento e quinze milhões de escudos) a que corresponde a quantia de €: 573.618,00 (Quinhentos e setenta e três mil seiscentos e dezoito euros), actualizada de acordo com o aumento dos preços no consumidor, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística, desde 1994 até 2008, o que corresponde a 44,4%, ou seja €: 828.304,39 (Oitocentos e vinte e oito mil trezentos e quatro Euros e trinta e nove cêntimos).</font><div><br> <font>Contra-alegou a Ré, defendendo a improcedência da revista subordinada do A.</font><br> <br> <font>Conclusões da Revista da Ré</font></div><br> <font>VI. CONCLUSÕES:</font><br> <font>A. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Recorrido nos termos do qual foram julgadas parcialmente procedentes as apelações, revogando-se a sentença recorrida e, consequentemente, julgada justificada a resolução do contrato relativo à construção de moradia celebrado entre autor e ré e condena-se a ré a pagar ao autor e mulher, em conjunto, as quantias seguintes:</font><br> <br> <font> a) € 573.618,00 correspondente ao preço pago pelo autor,</font><br> <font> b) Correspondente aos custos com a demolição da moradia e transporte a vazadouro dos materiais decorrentes daquela, que se vier a apurarem incidente de liquidação até ao valor de € 150.000,00;</font><div><font>c) € 15.000,00, correspondente à indemnização por danos não patrimoniais." </font></div><br> <font>B. Considera a ora Recorrente que, ressalvando sempre o devido respeito, tal decisão aplica mal o Direito aos factos e configura uma clara violação daquela que é a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça e que é também a melhor doutrina;</font><br> <br> <font>C. E o iter legal previsto no artigo 1221° do Código Civil é claro: quando uma obra apresenta defeitos, cabe ao dono da obra exigir a sua reparação, ou não sendo esta possível, a construção de uma obra nova.</font><br> <br> <font>D. Nada disso foi feito pelo Recorrido, que, partindo do pressuposto (indemonstrado) de que tais defeitos seriam irreparáveis, avançou directa e ilicitamente para a resolução do contrato e demolição da obra sem ter dado à ora Recorrente a possibilidade de proceder à eliminação dos defeitos ou de realização de nova construção.</font><br> <br> <font>E. Dispõe o n° 1 do artigo 1222° do Código Civil que "não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina </font><br> <br> <font>F.A existência de defeitos importa, para o empreiteiro, uma modificação objectiva do conteúdo das respectivas obrigações traduzidas no dever de reparar os mesmos, ou, tal não sendo possível, de realizar nova construção, pelo que a resolução do contrato, pressupõe que o empreiteiro tenha sido previamente compelido a cumprir tais deveres.</font><br> <br> <font>G. Assim, só quando o empreiteiro não tenha procedido às reparações ou à realização de nova construção, ou estas não sejam possíveis, poderá o dono da obra proceder à resolução do contrato. </font><br> <br> <font>H. Mas tal não basta para que o dono da obra possa resolver o contrato. É ainda necessário que este tenha perdido o seu interesse no cumprimento, tal como objectivamente apreciado. E neste contexto, o legislador é particularmente exigente ao delimitar como critério objectivo da perda do interesse que os defeitos tornem a obra inadequada ao fim a que se destina.</font><br> <br> <font>I. E a verdade é que nos presentes autos, nenhum desses requisitos se mostra verificado.</font><br> <br> <font>J. Por um lado, não só não ficou provado que tais defeitos não eram irreparáveis, como, ao invés, ficou provado que "o Autor tinha e tem conhecimento que as deficiências da moradia poderão ser objecto de reparação" (Cfr. alínea aaaaaaaaaaaa) que corresponde à resposta ao quesito 268°).</font><br> <br> <font>K. Ficou ainda provado em termos genéricos que, apesar de tal reparabilidade, o cumprimento das normas relativas ao cálculo anti-sísmico teria impacto na estética ou arquitectura da moradia. No entanto, inexiste qualquer matéria nos autos que permita ao Tribunal aferir qual o âmbito e extensão de tal impacto, de modo a que ficasse excluída a sua reparabilidade e, muito menos, a possibilidade de satisfação do interesse do Autor, ora Recorrido, pela realização de nova construção;</font><br> <br> <font>L. Por outro lado, ainda que assim não fosse, o que não se concede e que por mera exigência de exaustão de patrocínio se cogita, não podia o Tribunal considerar justificada a resolução de contrato operada pelo Recorrido;</font><br> <br> <font>M. E assim é porque o mesmo nem sequer deu à ora Recorrente a possibilidade de proceder à realização de nova construção, nem, muito menos, concedeu à mesma qualquer prazo (razoável ou não) para o efeito.</font><br> <br> <font>N. Na verdade, aquele limitou-se a notificar a ora Recorrente dando conhecimento da irreparabilidade dos defeitos, fazendo, para tal, referência a um estudo pelo mesmo encomendado que sustentava a irreparabilidade dos defeitos por si apontados e para no prazo de 10 dias assumir a obrigação de proceder à realização de nova construção, sob pena de, findo esse prazo, se considerar automaticamente resolvido o contrato de empreitada;</font><br> <br> <font>O. Não só tal prazo não se pode considerar razoável para que a ora Recorrente se pudesse ter pronunciado, como, do mesmo modo, o Recorrido nem sequer se dignou a dar conhecimento do referido relatório à ora Recorrente de modo a que esta se pudesse pronunciar quanto aos fundamentos por aquele invocados, como aliás, resulta da alínea zz) da matéria provada;</font><br> <br> <font>P. E a lei é clara ao estabelecer que a resolução do dissenso quanto à reparabilidade dos defeitos e à existência de um dever de realizar nova construção não se encontra na esfera de disponibilidade do dono da obra, mas sim, em primeira linha, ao empreiteiro e, caso o dissenso persista, ao Tribunal, estando proibido ao dono da obra qualquer forma de autotutela dos seus direitos, ressalvados os casos de estado necessidade ou de acção directa, previstos na lei.</font><br> <font> </font><br> <font>Q. Em nenhum momento, porém, o Autor alegou - e muito menos provou – estarem verificados os requisitos de que depende qualquer intervenção urgente e directa na obra.</font><br> <br> <font>R. Mas ainda que assim não fosse, a verdade é que, em qualquer caso, tal situação jamais fundamentaria qualquer direito de resolução do contrato por parte do Autor. Na verdade, o exercício de qualquer direito de acção directa, representaria uma substituição do mesmo nos deveres contratuais (de conteúdo positivo) da ora Recorrente e, como tal, pressuporia sempre a manutenção em vigor do contrato de empreitada.</font><br> <br> <font>S. Deste modo, pela imediata demolição e realização de nova obra directamente pelo Autor, o mesmo não só visou alcançar ilicitamente uma forma de autotutela não consentida por lei, como, outrossim, impossibilitou o cumprimento de qualquer dever de realização de nova construção por parte da ora Recorrente;</font><br> <br> <font>T. Por último, o Autor nunca alegou ou demonstrou ter perdido o seu interesse na realização da prestação a cargo da ora Recorrente. Pelo contrário, tal interesse mostra-se evidente em todo o seu comportamento patenteado nos presentes autos, desde o momento em que notifica a ora Recorrente para aceitar a obrigação de realização de nova construção até ao seu comportamento posterior à resolução ilícita do contrato por si extrajudicialmente operada;</font><br> <br> <font>U. E em prova disso mesmo, resulta claro que ainda que tal interesse não pudesse ter sido assegurado pela eliminação dos defeitos - o que, de todo o modo, não se acha provado nos presentes autos - dúvidas não existem de que o mesmo seria sempre assegurado pela realização de uma nova construção, a expensas da ora Recorrente;</font><br> <br> <font>V. Termos em que deveria o Acórdão ora recorrido ter julgado injustificada a resolução extrajudicial do contrato operada pelo Autor, ora Recorrido;</font><br> <br> <font>W. Mas ainda que assim se não entenda, o que por mera exigência de exaustão de patrocínio se cogita, ainda assim, o juízo sobre a justificação da resolução do contrato por parte do Autor, poderia ter como consequência a condenação da ora Recorrente à devolução do preço pago por força do contrato de empreitada.</font><br> <br> <font>X. Dispõe o artigo 434°, n° 1 do Código Civil que "a resolução do contrato tem efeito retroactivo, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução".</font><br> <br> <font>Y. A retroactividade tem por efeito e finalidade obrigar as partes a restituírem o que houverem recebido por força da execução do contrato.</font><br> <br> <font>Z. Ora, na situação dos presentes autos, a verdade é que o Autor, ora Recorrido, não está em condições de restituir à ora Recorrente o que recebeu por força da execução da empreitada.</font><br> <br> <font>AA. Resulta, por isso, claro que a resolução do contrato contraria essa mesma finalidade, não podendo ao mesmo ser atribuída eficácia retroactiva.</font><br> <br> <font>BB. A tutela da posição do dono da obra visando a reconstituição da situação em que estaria não fora a celebração do contrato teria que ter lugar, exclusivamente, pela via do mecanismo da indemnização.</font><br> <font> </font><br> <font>CC. E para tal, seria necessário que tais danos tivessem sido especificados, provados e quantificados, o que, em qualquer caso, não se verificou nos presentes autos.</font><br> <br> <font> Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, se requer seja a douta decisão recorrida revogada, por ilegalmente fundada, e, em consequência, substituída por outra que declare a ilicitude da resolução do contrato pelo Autor, ora Recorrido, com a consequente absolvição da ora Recorrente de todo o por aquele peticionado.</font><div></div><font>Contra-alegou o A., pugnando pela improcedência da revista da Ré.</font><br> <br> <font>Fundamentação</font><br> <br> <font>Como é sabido, as conclusões delimitam o objecto dos recursos pelo que o Tribunal ad quem apenas das questões nelas suscitadas se pode ocupar.</font><br> <font>Ora, como se vê das conclusões da revista, do A., a única questão colocada é a de ver actualizada a quantia de 573.618,00 € que a Ré foi condenada a pagar-lhe, tendo em conta o aumento dos preços no consumidor segundo os cálculos do Instituto Nacional de Estatística, desde 1994 até 2008.</font><br> <br> <font>Na revista da Ré suscitam-se duas questões (essencialmente):</font><br> <font>A primeira consiste em saber se foi correcta ou não a decisão recorrida ao julgar justificada a resolução do contrato de empreitada, efectuada unilateralmente pelo A.</font><br> <font>É que, entende a recorrente, perante o circunstancialismo provado, o A. não tinha esse direito.</font><br> <font>A segunda questão traduz-se em saber se, a julgar-se válida tal resolução, haveria que condenar a Ré a restituir o preço pago pelo A., defendendo a recorrente que, nessa hipótese, a tutela da posição do dono da obra (ou seja do A.) visando a reconstituição da situação em que estaria não fora a celebração do contrato, teria de ter lugar, exclusivamente pela via do mecanismo da indemnização.</font><br> <br> <font>Por uma questão de ordem lógica iremos começar por apreciar a revista da Ré.</font><br> <br> <font>1ª Questão</font><br> <font>Vejamos então se ao A. assistia o direito de resolver o contrato que o acórdão recorrido lhe reconheceu.</font><br> <br> <font>Não oferece dúvida que o A. e a Ré celebraram, em 12/11/94, um contrato de empreitada por via do qual a Ré se obrigou a construir para o A. uma moradia, mediante o preço de 115.000.000$00, que o A. efectivamente, pagou.</font><br> <font>Sabemos também que a Ré construiu efectivamente a moradia e que a entregou ao A.</font><br> <font>Fê-lo, porém, com defeitos que o A. foi denunciando à Ré e que esta sempre assumiu e, por diversas vezes reparou, embora sem os eliminar definitivamente, visto que as fissuras, infiltração e manchas voltavam a surgir.</font><br> <font>Assim, dado o ressurgimento das referidas anomalias o A. resolveu solicitar um estudo aprofundado, versando sobre o próprio projecto, construção e materiais à Universidade do Algarve, que, na sequência, elaborou o relatório junto aos autos (fls. 72 a 162).</font><br> <br> <font>De posse do referido relatório o A. remeteu à Ré a carta de 13/5/2002 (fls. 164) onde concluía que a eliminação dos defeitos é impossível. Daí que, na sua perspectiva, só existisse uma solução que era a demolição da moradia e a construção de outra, tudo a custos da Ré.</font><br> <font>Refere, finalmente, que se essa proposta (de demolição e construção de obra nova) não for aceite pela Ré no prazo de 10 dias, deverá a Ré considerar resolvido o contrato de empreitada a partir do termo do prazo (10 dias).</font><br> <font>Em resposta à carta do A. remeteu-lhe a Ré a carta de 21/5/2002 (fls. 165) na qual, além do mais, solicita que lhe seja enviada cópia do relatório do estudo em que se fundamentou o A. afim de poder tomar posição sobre a matéria;</font><br> <font>O A., porém, não disponibilizou à Ré a cópia do referido relatório (do qual a Ré só tomou conhecimento com a citação para esta acção), tendo por unilateralmente resolvido o contrato de empreitada celebrado com a Ré.</font><br> <br> <font>Portanto, estamos, sem dúvida, perante um contrato de empreitada celebrado entre o A. e a Ré.</font><br> <font>Assim, como se vê do disposto nos Arts. 1207 e 1208 do C.C., o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato, visto que se encontra adstrito a uma obrigação de resultado.</font><br> <font>Como observa Menezes Cordeiro (Direito das Obrigações – 3º vol. – 527 – estudo da autoria de Pedro Romano Martinez), “na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra foi realizada com deformidades ou com vícios. As deformidades são as discordâncias com o plano convencionado... Os vícios são as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato, designadamente, por violação de regras especiais de segurança”.</font><br> <font>Por conseguinte, detectado o defeito pelo dono da obra e denunciado dentro dos prazos legais, o empreiteiro é responsável por todos aqueles, relativos à execução da empreitada ou relativos à qualidade dos materiais aplicados (se não forem fornecidos pelo dono da obra), podendo o dono exigir a sua eliminação, ou, no caso de não poderem ser eliminadas, nova construção, salvo se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito (Art. 1921 do C.C.).</font><br> <br> <font>Não sendo eliminados os defeitos ou construída nova obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina (Art. 1222 do C.C.), tudo sem prejuízo de exigir cumulativamente uma indemnização nos termos gerais (Art. 1223 do C.C.).</font><div></div><font>Notar-se-á que, como é doutrina e jurisprudência assente, o exercício dos direitos conferidos ao dono da obra pelos Arts. 1221 e 1222, não podem ser exercidos arbitrariamente, nem existe entre eles uma relação de alternatividade.</font><br> <font>Existe, sim, uma sequência de prioridades que o dono da obra terá de respeitar.</font><br> <font>Portanto, em 1º lugar, detectado o defeito, terá de exigir ao empreiteiro a sua eliminação se tal for possível.</font><br> <font>Não o sendo, exigirá a construção de nova obra, e só no caso de o empreiteiro se constituir em mora relativamente a qualquer das referidas exigências é que o dono da obra, e então, já consoante melhor lhe convenha, pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato (neste caso, só se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina).</font><br> <font>Como a respeito ensinam A. Varela e P. Lima (C.C. Anotado) “Os direitos de redução do preço e de resolução do contrato não são atribuídos, em alternativa, com os de eliminação dos defeitos ou reconstrução da obra, conferidos no artigo anterior. ... O artigo 1222, na verdade, torna o exercício daqueles dois direitos dependente do facto de não terem sido eliminados os defeitos ou construída de novo a obra. Dá-se, portanto, ao empreiteiro a possibilidade de, querendo, manter o contrato pelo preço estipulado, eliminando os defeitos da obra ou construindo outra de novo; só na hipótese de ele não fazer nem uma coisa nem outra se abre a possibilidade de redução do preço ou de resolução do contrato.”</font><div></div><font>Por outro lado, deverá igualmente ter-se presente que o Art. 1221 não atribui ao dono da obra o direito de se substituir ao empreiteiro (por si ou por intermédio de 3º) na eliminação dos defeitos ou na reconstrução da obra à custa do empreiteiro.</font><br> <font>Como referem os citados professores (C.C. anotado) “O regime aplicável é ... o do Art. 828, que aliás é o mais razoável, na medida em que salvaguarda legítimos interesses do empreiteiro sem prejudicar o direito fundamental do dono da obra. Só em execução se pode pedir que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor. A lei supõe uma condenação prévia do empreiteiro, na sequência da qual o dono pode exigir a eliminação do defeito ou a nova construção por terceiro, à custa do devedor, ou a indemnização pelos danos sofridos.”</font><br> <font>Só assim não será quando se trata de corrigir defeitos (ou proceder à reconstrução da obra) que, pela sua urgência justifique a acção directa (auto-tutela) do dono da obra como tem sido aceite pelo jurisprudência (por todos cof. Ac. da R. P. de 22/2/96 – Col./J. 1996 – 1º - 203/208).</font><br> <font>Na doutrina cof. Pedro R. Martinez – o cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada).</font><br> <br> <font>Regressando ao caso concreto, não há nenhuma dúvida que a Ré executou a empreitada de forma defeituosa. De facto, para além de diversas anomalias menores (fissuras fendas, infiltração de água e manchas), provenientes de deficiências/omissões de projecto ou deficiências na execução da obra, que o A. não se cansou de denunciar, mas que a Ré, apesar de os ter sucessivamente reparado, não logrou eliminar completamente, o edifício apresentava anomalias estruturais importantes com implicações preocupantes na segurança da moradia.</font><br> <font>Por ex., alguns pilares nem tinham a segurança regulamentar, nomeadamente no que se refere à tensão instalada no solo, tanto para as combinações gravíticas como para as sísmicas.</font><br> <font>Designadamente, a acção sísmica não foi sequer considerada, o que comprometia a segurança do prédio, particularmente perante movimentos sísmicos moderados ou fortes de modo que não era aconselhável a ocupação da moradia (cof. entre outras, as respostas aos quesitos 13, 14, 18, 19, 37, 61, 65, 67, 121, 123, 206, 207 ...).</font><br> <br> <font>A questão que então se coloca é a de saber se perante o quadro factual em causa podia o A. resolver o contrato de empreitada, como resolveu, e demolir, ele próprio, a moradia construída pela Ré e vir depois, exigir desta a restituição do preço da empreitada, acrescido do custo da demolição.</font><br> <br> <font>A Relação considerou justificada a resolução do contrato levada a cabo unilateralmente pelo A., mas, salvo sempre o devido respeito, cremos ter sido incorrecta tal decisão, face aos factos provados e ao regime legal aplicável.</font><br> <br> <font>Como claramente resulta dos autos não foram os pequenos defeitos aparentes ou visíveis, logo detectados à medida que iam surgindo (fissuras, infiltrações, manchas ...) que determinaram o A. à resolução do contrato e à demolição da moradia.</font><br> <font>O que motivou decisivamente a conduta do A. foi o posterior conhecimento das deficiências estruturais que viciavam a moradia, com implicações na sua segurança, sobretudo perante a ocorrência de sismos, conhecimento esse que resultou do relatório do estudo que o A. encomendou à Universidade do Algarve (cof. relatório de fls. 72-162).</font><br> <font>Ora, perante essa nova realidade, partiu o A. do princípio de que os defeitos da obra não podiam ser eliminadas, não restando outra solução que não fosse a demolição da moradia e a construção de outra nova, isenta dos alegados vícios.</font><br> <font>Consequentemente, em vez de exigir da Ré/empreiteira a eliminação dos defeitos em causa nos termos do Art. 1221 n.º 1 do C.C., o A. remeteu à Ré a carta de 13/5/2002, dando-lhe conhecimento da sua convicção da irreparabilidade dos defeitos da moradia (embora sem fundamentar essa sua convicção a não ser que resultou da análise do relatório técnico relativo à patologia construtiva e avaliação da segurança estrutural da moradia, relatório que não disponibilizou à Ré, apesar de esta o ter solicitado a fim de tomar posição definitiva sobre o assunto), propondo-lhe a demolição da moradia e a construção de outra que não enferme dos mesmos vícios, tudo a custos da Ré, concedendo-lhe o prazo de 10 dias para aceitar a proposta, sob pena de (não a aceitando) ter por resolvido o contrato findo o dito prazo.</font><br> <br> <font>Quer dizer, partindo da referida conclusão (impossibilidade da eliminação dos defeitos) o A. passou logo a exigir da Ré nova construção nos termos do disposto no Art. 1222 n.º 1 do C.C..</font><br> <br> <font>Ora, era errada, desde logo, a premissa em que se baseou o A., porquanto, como aliás ele bem sabia (cof. resposta ao quesito 268), todos os defeitos detectados, incluindo os mais importantes, relativos à segurança das estruturas, podiam ser objecto de reparação, como se provou (cof. respostas aos quesitos 18, 19, 214, 219).</font><br> <br> <font>Sendo assim, perante a notícia dos defeitos de natureza estrutural e outros ligados à segurança sísmica, vícios ocultos de que o A. só teve conhecimento após ter analisado o relatório do estudo que mandou efectuar, impunha-lhe a lei que interpelasse a Ré, não para proceder a nova construção, mas para reparar os vícios fundamentais detectados, tudo em conformidade com o disposto no Art. 1221 n.º 1 do C.C..</font><br> <font>Pertenceria, então, à Ré, a opção por eliminar esses defeitos, ou construir nova moradia, já que, por qualquer destas vias ficaria satisfeito o interesse do A. (credor).</font><br> <font>O direito do A. de exigir nova construção só surgiria se a Ré, ela própria, a não construísse, ou não reparasse os defeitos, como inicialmente se referiu.</font><div></div><font>Dir-se-á, como parece ter sido o raciocínio do acórdão recorrido que, estando também provado que a correcção dos defeitos ou das anomalias estruturais ligados à segurança da moradia implicavam alteração estéticas e na arquitectura, teria de considerar-se não elimináveis os referidos defeitos, ou nas palavras do acórdão, ficava excluída a eliminação dos defeitos.</font><br> <font>Mas, para ser assim, teria sido essencial que ficassem determinadas e provadas quais as concretas alterações estéticas e arquitectónicas que a correcção das anomalias necessariamente implicariam.</font><br> <font>Dizer-se que as soluções construtivas propostas para a correcção dos defeitos tinham impacto negativo na arquitectura ou implicavam alterações estéticas, não passa de meras conclusões não assentes na concreta factualidade que as legitimaria.</font><br> <font>Por isso, só perante o conhecimento concreto das alterações referidas poderia aquilatar-se da relevância ou irrelevância delas para o efeito de, segundo os princípios da boa-fé e do bom senso, se ter por elimináveis ou não elimináveis os defeitos em causa.</font><br> <font>É que, embora deva atender-se ao interesse do dono da obra, quando se trata de ter por corrigíveis ou não os defeitos da obra, tal interesse não pode ser considerado de forma absolutamente subjectiva ou de forma arbitrária.</font><br> <font>Há que ponderar a medida em que, objectivamente, a correcção dos defeitos interfere com o plano contratual ou com a adequação da obra ao fim a que se destina. Assim, sem tal precisão fáctica, não nos parece possível concluir, com a necessária segurança, pela relevância das alterações em causa, por manifesta falta de base factual que deveria ter sido carreada para o processo pelo A., a quem competia provar que, por causa dessas alterações estéticas e ou arquitectónicos, seria de se ter por não elimináveis os defeitos estruturais da obra, sendo certo que o A. nada alegou nesse sentido, partindo antes da afirmação peremptória, que não provou, que os defeitos não podiam ser reparados, afirmação que, aliás, sabia não corresponder à realidade, como se provou.</font><br> <font>Portanto, não estando provado, no caso concreto, serem incorrigíveis os defeitos comprovadamente existentes (qualquer deles), teria o A. de interpelar a Ré para os corrigir, em conformidade com o regime legal da empreitada acima explicitado.</font><br> <font>Não foi, porém, esse o caminho adoptado pelo A. que, apesar de saber que os defeitos em causa podiam ser corrigidos (como se provou), remeteu à Ré a carta de 13/5/2002 (doc. de fls. 164) propondo-lhe a demolição da moradia e a construção de uma nova com a justificação de que não eram elimináveis os defeitos estruturais detectados, e descritos no relatório técnico que encomendou à Universidade do Algarve.</font><br> <font>Trata-se, de resto, de uma proposta que não admite negociação ou contraditório, uma vez que o A. concedeu apenas 10 dias à Ré para a aceitar sob pena de se ter o contrato por resolvido.</font><br> <f
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <br> <font>1. - "Empresa-A" intentou contra AA e BB acção declarativa, pedindo a condenação solidária destes no pagamento à A. da quantia de € 30 696,68, acrescidos de juros moratórios sobre o capital de € 27 681,23 desde 27/2/03, saldo devedor da conta D.O. n.º 86887848 resultante de movimentos a débito e a crédito efectuados pelos RR., através de cheques sacados sobre a mesma.</font><br> <br> <font>Contestou apenas a R. mulher que, para concluir pela improcedência da acção, impugnou tudo o articulado pela Autora e acrescentou ser divorciada e antes separada de facto do co-Réu desde Agosto de 1999, sem que, desde então, tenha efectuado movimentos da conta ou beneficiado dos montantes nela creditados pela A..</font><br> <br> <font>A final a Ré foi absolvida do pedido contra ela formulado, decisão que a Relação confirmou.</font><br> <br> <font>O Banco Autor pede ainda revista, insistindo na condenação da Ré na totalidade do pedido.</font><br> <font>Para tanto, verte nas conclusões:</font><br> <font>1 - Resulta provado que a Ré/Recorrida manifestou vontade em ser titular de "conta solidária" no Banco Recorrente; que quis intervir naquela conta bancária e que a mesma conta em 17 de Outubro de 1997 sofreu uma alteração na titularidade deixando de ser conta-ordenado;</font><br> <font>2 - A conta solidária com cláusula de saque a descoberto prova que tal responsabilidade foi assumida por ambos os depositantes, pelo que está também a Ré obrigada a regularizar o descoberto originado pelo débito em conta;</font><br> <font>3 - Carece de sentido lógico a interpretação do documento de fls. 6, conforme está plasmada na sentença, pois resulta do seu teor conjugado com fls. 7 que na data dos débitos que deram origem ao saldo devedor a conta n.º 86887848 já não era utilizada como "conta ordenado";</font><br> <font>4 - Constando dos autos, no documento n.º 34, junto em 11/10/04, que autoriza o "saque a descoberto", não impugnado pela Recorrida, e mostrando-se devedor o saldo da conta identificado nos autos, funciona o regime da solidariedade passiva, podendo o Banco Recorrente exigir de qualquer dos titulares o saldo em dívida;</font><br> <font>5 - O facto de ter ficado provado que a Ré tentou desvincular-se da conta, o que não conseguiu, apenas afirma que esta conhecia a dívida e sabia que poderia ser responsabilizada por via da sua titularidade.</font><br> <br> <font>A Recorrida não apresentou resposta.</font><br> <br> <font>2. - Como das transcritas conclusões decorre, a questão que se coloca é a de saber se a Ré-recorrida, contitular da conta solidária aberta no Banco Recorrente, é responsável pelo pagamento do saldo devedor dessa conta à data do seu encerramento pelo Banco.</font><br> <br> <font>3. - Vem assente a seguinte factualidade:</font><br> <font> </font><br> <font>1 - A A. é uma instituição de crédito que exerce a actividade bancária.</font><br> <font>2 - Os RR. celebraram casamento entre si, casamento que foi dissolvido por sentença de divórcio transitada em julgado em 7-5-2001.</font><br> <font>3 - Os RR. apuseram as respectivas assinaturas no doc. de que se mostra junta cópia a fls. 6, denominado Nova Conta Ordenado em que assinaladamente se lê que a Nova Conta Ordenado é uma conta de depósito à ordem onde o cliente domicilia a retribuição mensal e outras provenientes do seu trabalho e que permite o acesso preferencial a determinados produtos e serviços bancários e que ao titular da Nova Conta Ordenado será automaticamente atribuído, após o primeiro crédito de ordenado:</font><br> <font>a) um limite de crédito para o cartão Visa Nova Rede equivalente a um ordenado;</font><br> <font>b) a possibilidade de antecipar o seu ordenado a partir do dia 15 de cada mês, ou o dia útil anterior, nas condições praticadas pelo Banco em situações similares.</font><br> <font>4 - Os RR. solicitaram ao A., ao que esta acedeu, que se procedesse à alteração da titularidade da conta, por forma a que o R. passasse a figurar como primeiro titular.</font><br> <font>5 - No exercício da sua actividade a A., através da Nova Rede, aceitou abrir conta bancária de depósitos à ordem em nome de ambos os RR. figurando ambos como titulares no contrato a que foi atribuído o n.º 86887848.</font><br> <font>6 - Através da conta n.º 86887848 o R. realizou movimentos de crédito e de débito, que deram origem a um saldo devedor de € 21 436, 05, que em 1-9-2002 se fixou em € 27 681, 23, constituindo este montante um financiamento ao R..</font><br> <font>7 - Os RR. não procederam ao pagamento da quantia de € 27 681, 23.</font><br> <font>8 - Os RR. estão separados de facto desde Setembro de 1999.</font><br> <font>9 - Com a abertura da conta a R. acordou que poderia ser concedido a cada titular da conta crédito equivalente a um ordenado.</font><br> <font>10 - Desde que os RR. estão separados de facto a R. deixou de movimentar aquela conta ou de assinar qualquer cheque da mesma e deixou de aceder aos saldos bancários que eram e continuam a ser enviados para a morada do R. AA.</font><br> <font>11 - A A. financiou a aquisição de casa própria pelos RR., ficando a dívida garantida por hipoteca sobre a casa.</font><br> <font>12 - O financiamento de € 27 681, 23 foi apenas feito a favor de AA e para seu uso pessoal.</font><br> <font>13 - A R. tentou desvincular-se da qualidade de titular da conta, o que não conseguiu.</font><br> <font>14 - Na abertura da conta n.º 86887848 a R. apenas teve conhecimento e acordou quanto o teor dos docs. de fls. 6 e 7.</font><br> <br> <font>4. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font>4. 1. - Embora não invoque o preceituado na parte final do n.º 2 do art. 722º CPC nem os preceitos de direito substantivo probatório ao abrigo dos quais o documento n.º 34, junto em 11/10/05, goza de "força probatória que só por si implica decisão diversa, na medida em que dele "consta que autoriza o saque a descoberto" - limitando-se a aludir, como violado a este propósito, o art. 669º-2-b) CPC, preceito que se refere aos pressupostos de reforma da decisão -, certo é que a Recorrente sustenta dever ter-se como assente que, por não impugnado, do conteúdo do documento em causa resulta demonstrado ter a R. autorizado o "saque a descoberto", infirmando, assim, a resposta ao quesito 5º - ponto n.º 9 da matéria de facto - e o juízo das instâncias segundo o qual " a A. não logrou demonstrar que haja acordado com a R. para além disso [que poderia ser concedido a cada titular da conta crédito equivalente a um ordenado], quer oralmente, quer por escrito".</font><br> <br> <font>O documento em causa é uma fotocópia de um texto impresso de "CONDIÇÕES GERAIS DE DEPÓSITO" junta pela A. mediante notificação do Tribunal, a solicitação da R. na fase de instrução para prova dos quesitos 2º a 12º.</font><br> <font>Trata-se, pois, de um repositório de cláusulas gerais, não assinado pelas Partes nem referenciado como integrante ou respeitante ao concreto contrato de depósito bancário em questão.</font><br> <br> <font>Acresce que, indagado através do quesitado no ponto 12º da base instrutória, se a Ré apenas teve conhecimento e acordou quanto ao teor dos documentos de fls. 6 e 7 - "Nova conta Ordenado" e alteração do 1º titular da mesma - a resposta foi afirmativa, isto é, o julgador da matéria de facto afastou da aplicabilidade ao contrato dos autos as condições gerais que constituem o dito documento n.º 34.</font><br> <br> <font>Nesta conformidade, porque se está perante documento de natureza particular que, por não reconhecido pela R. nem demonstrado estar integrado no clausulado ou no desenvolvimento do programa contratual, isto é, desprovido dos requisitos exigidos no art. 374º C. Civil, carece de força probatória plena (art. 376º), com a consequente inclusão nos meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal (art. 366º).</font><br> <font>Daí que não se vislumbre obstáculo a que o texto do documento junto não tenha sido considerado na decisão recorrida nem a que não se mostre reflectido na matéria de facto emergente das respostas à base instrutória.</font><br> <font> </font><br> <font>Fica, assim, claro, no tocante ao conteúdo da conclusão 5ª (n.º 4 supra), que o clausulado do aí invocado documento n.º 34 - com ou sem o alcance que a Recorrente dele retira - não pode ser considerado, designadamente em termos de interferência com o quadro fáctico que vem fixado.</font><br> <br> <font>4. 2. 1. - Pretende a Recorrente ver a Ré responsabilizada pelo pagamento do saldo do descoberto da conta a pretexto de ser titular dessa "conta solidária", conta que, sustenta, com cláusula de saque a descoberto, deixou de ser "conta-ordenado" em 17/10/97, por ter sofrido alteração na titularidade.</font><br> <br> <font>A conta bancária diz-se solidária quando pode ser movimentada por qualquer dos respectivos titulares, indistinta ou isoladamente, devendo o banco só uma vez a soma devida ao credor solidário que lho exija, ou seja, quando qualquer dos credores (depositantes ou titulares) tem a faculdade de exigir, por si só, a totalidade da quantia depositada e a prestação assim efectuada libera o devedor (banco) para com todos eles (cfr. arts. 512º C. Civ.). Qualquer dos titulares pode só por si realizar as várias operações de movimentação (vd. CALVÃO DA SILVA, "Direito Bancário", 345; PAULA P. CAMANHO, "Do Contrato de Depósito Bancário", 131.</font><br> <font>Esta modalidade de depósito, cujo regime, destinado a facilitar a movimentação da conta (exigência do crédito ao banco devedor, que não obtém facilitação no pagamento da dívida), protege exclusivamente os titulares da respectiva conta, titulares que são, note-se, credores solidários do banco, situando-nos no campo da solidariedade activa.</font><br> <br> <font>Diz-se que há "descoberto em conta" ou "facilidades de caixa" quando numa conta corrente subjacente a uma conta o banco admita um saldo negativo para o respectivo titular.</font><br> <font>O descoberto, prática bancária que, na falta de disciplina própria, é tratado como um mútuo mercantil, pode ter por base um contrato prévio, advir de lançamentos de movimentos ou despesas a que o banqueiro esteja obrigado ou, ainda, por contemporização ou tolerância visando facilitar, por períodos curtos, a tesouraria de certos clientes em razão da consideração ou confiança que lhe mereçam (cfr. MENEZES CORDEIRO, "Manual de Direito Bancário", 541). </font><br> <br> <font>4. 2. 2. - As Partes celebraram um contrato de depósito à ordem, em 3/3/93, a que corresponde a "conta solidária" de que é contitular a Recorrida.</font><br> <font>Essa conta, denominada "Nova Conta Ordenado", permitia aos seus titulares, ao que agora releva, um limite de crédito para o cartão Visa Nova Rede equivalente a um ordenado e nela realizou o outro contitular movimentos que deram origem a um saldo devedor que veio a fixar-se em € 27 681,23 em 1/9/02, sendo que a R. deixou de movimentar a conta desde Setembro de 1999.</font><br> <br> <font>Como se deixou já referido, a abertura de uma conta solidária significa apenas que se quis facilitar a sua movimentação por qualquer dos titulares sem intervenção dos outros. Estabelece-se, sem dúvida, uma relação de solidariedade activa.</font><br> <br> <font>Crê-se, porém, que da convenção desse regime de solidariedade não poderá, sem mais, concluir-se também pelo estabelecimento do regime de solidariedade passiva, pois que, para tanto, haveria de poder formular-se um juízo afirmativo da vontade dos contitulares da conta se responsabilizarem também pelos seus saldos negativos decorrentes de movimentos efectuados pelos outros contitulares. </font><br> <font>Efectivamente, como escreve Paula Camanho (ob. cit., 245, nota 757), "o grau de confiança existente entre eles [contitulares] resume-se à movimentação do saldo da conta, e não respeita a uma movimentação para além daquele". E continua: "E tal será ainda mais notório nos casos em que não exista uma convenção de "sacar a descoberto". Parece-nos, deste modo, que, em princípio, não existirá qualquer solidariedade passiva em tais casos. Para que esta possa, eventualmente, existir é necessária uma cláusula no contrato de depósito que a estabeleça, ou então, e tal hipótese não é totalmente líquida, que se convencione, no momento da abertura da conta a possibilidade de "sacar a descoberto" e, neste caso, talvez se possa retirar, tacitamente, uma vontade de os contitulares se obrigarem por saldos negativos de tal conta, ainda que tais descobertos sejam criados por outro dos co-depositantes".</font><br> <br> <font>Numa palavra, da mera titularidade de uma conta solidária não emerge para o contitular a responsabilidade pelo descoberto, pois que daquela solidariedade activa não pode, sem mais, deduzir-se a sujeição dos contitulares ao regime da solidariedade passiva. Tem de demonstrar-se que as partes quiseram, expressa ou tacitamente, submeter a responsabilidade pelos passivos da conta ao regime das obrigações solidárias, aceitando a posição de mutuários relativamente ao descoberto concedido.</font><br> <br> <font>4. 2. 3. - A Autora não só não provou, como alegara, que a Ré participou dos movimentos de que resultou o saldo negativo, tendo ficado provado que tal se deveu à actuação do outro contitular, ex-marido da Ré, como, diferentemente do que afirma neste recurso, alegou ou está demonstrada a existência de qualquer cláusula de saque a descoberto ou de previsão da sua ocorrência.</font><br> <br> <font>Elucidativas, quanto ao ponto, as respostas aos já mencionados quesitos 5º e 12º. Com efeito, perguntado aí se "com a abertura da conta acordou a Ré que poderia ser concedido a qualquer dos titulares crédito até 27 681,23, desde que efectuados os movimentos com vista a tal fim" ou se "na abertura da conta a Ré apenas teve conhecimento e acordou quanto ao teor dos documentos de fls. 6 [abertura da Nova Conta Ordenado] 7 da petição inicial [inversão da ordem dos titulares]", as respostas foram que "com a abertura da conta a R. acordou que poderia ser concedido a cada titular da conta crédito equivalente a um ordenado" e que apenas acordou nisso e na alteração dos titulares. Nenhum pacto sobre o descoberto ou a possibilidade de este vir a ser concedido.</font><br> <br> <font>Igualmente infundada se apresenta, à luz da mesma matéria de facto, a agora sustentada alteração da natureza da conta para "depósito à ordem normal", por força da invocada alteração de titularidade, em 17/10/97. </font><br> <font>Nem tal foi alegado a integrar a causa de pedir ou fundamentando a pretensão, nem a A. fornece razões que expliquem ou justifiquem a mutação que vem invocar.</font><br> <br> <font>De qualquer modo, tal alteração careceria sempre de idoneidade para induzir a responsabilidade da Recorrida permanecendo, como permaneceu a ausência de qualquer pacto relativo à admissibilidade de descoberto, designadamente no excedente ao montante de um ordenado mensal.</font><br> <br> <font>Resta dizer, para terminar, que, não tendo a Ré movimentado a conta desde Setembro de 1999 não faz sentido, ao menos quanto a ela, fazer assentar a concessão do descoberto em qualquer relação de confiança no cliente motivada pela superação de eventuais dificuldades momentâneas de fundos de maneio, nem havia uma prática de "factos concludentes" que justificassem reciprocamente a provisão da conta e a manutenção do progressivo saldo devedor. </font><br> <br> <font>5. - Decisão.</font><br> <br> <font>De harmonia com o que se deixou exposto, decide-se:</font><br> <font>- Negar a revista;</font><br> <font>- Confirmar o acórdão impugnado; e,</font><br> <font>- Condenar a Recorrente nas custas.</font><br> <br> <font>Lisboa, 14 de Fevereiro de 2006</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <br> <font> </font><b><font>I.</font></b><br> <b><font> Relatório</font></b><br> <b><font> </font></b><font>AA intentou, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, acção ordinária contra </font><br> <font> BB,</font><br> <font>com vista a obter a sua condenação na realização de obras consideradas urgentes na habitação de que é arrendatária e a R. senhoria.</font><br> <font> </font><br> <font> A R. contestou, impugnando, por um lado, parte da factualidade vertida na petição e, por outro, excepcionando, com a invocação do abuso do direito, por parte da A., na medida em que, enquanto fiduciária do locado, não é responsável pelas reparações de natureza extraordinária, ou seja, daquelas que no ano em que forem necessárias excedam 2/3 do rendimento líquido desse mesmo ano, certo que o pedido formulado pela A., tendo em conta o montante das despesas a suportar, avaliadas entre 196.350 e 183.974 €, e o montante da renda percebida consubstancia um caso abrangido na previsão do instituto convocado.</font><br> <br> <font> Na réplica, a A. contrariou a versão da R., defendendo mesmo que a posição desta constitui, essa sim, um abuso de direito.</font><br> <font> Após o saneamento e condensação, a acção seguiu a tramitação normal até julgamento e, findo este, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente.</font><br> <br> <font> Mediante apelação da A., o Tribunal da Relação de Lisboa manteve o julgado.</font><br> <br> <font> Continuando irresignada, pede, ora, revista do aresto ali proferido, a coberto do mesmo quadro conclusivo que apresentou na apelação e que é o seguinte: </font><br> <font>- Ao longo da duração do contrato o locador é obrigado a manter o locado nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração, assegurando assim ao inquilino o gozo da coisa para os fins a que se destina. </font><br> <font>- O elevado custo das obras é culpa exclusiva da requerida, dado que estas obras não se devem a qualquer</font><i><font> </font></i><font>facto fortuito, mas tão só ao facto de se tratar de um prédio centenário onde aquela, há mais de quarenta anos, não tem feito quaisquer obras de conservação, estando a isso obrigada por força da sua posição contratual de senhoria. </font><br> <font>- A proporcionalidade entre o valor das obras e o valor das rendas só é exigível quando o valor</font><i><font> </font></i><font>das obras não é consequência directa de qualquer comportamento omissivo dos deveres contratuais por parte do senhorio. </font><br> <font>- Não se pode estabelecer uma relação de proporcionalidade entre o valor da renda anual de uma fracção e o valor das obras respeitantes a todo o prédio e não efectuadas durante várias décadas. </font><br> <br> <font> Respondeu a recorrida em defesa da manutenção do aresto impugnado.</font><br> <br> <font> </font><b><font>II.</font></b><br> <b><font> Das instâncias vem provada a seguinte factualidade:</font></b><br> <font>- A 01 de Julho de 1947, foi celebrado o contrato que se encontra a fls. 9-9vº, nos termos do qual CC cedeu a DD o gozo temporário do imóvel sito no rés-do-chão do nº 16 da Rua ..., mediante o pagamento de uma renda. </font><br> <font>- A A. é a actual inquilina do referido rés-do-chão. </font><br> <font>- Desde há quarenta e cinco anos nunca a R. fez quaisquer obras de conservação do telhado, algerozes e prumadas de águas pluviais. </font><br> <font>- O imóvel é antigo e com o passar dos anos sem obras de conservação, sobretudo no telhado, tem vindo a degradar-se. </font><br> <font>- Actualmente as paredes e os tectos do locado em causa nos autos apresentam infiltrações e humidade. </font><br> <font>- A A. avisou a R. quando o algeroz referido no artigo 3° se partiu. </font><br> <font>- A R. não substituiu o algeroz. </font><br> <font>- A A. fez uma exposição à Câmara Municipal de Lisboa e ao delegado de Saúde da Sub-região de Saúde de Lisboa sobre o estado de conservação no locado em causa nos autos. </font><br> <font>- A Autoridade de Saúde constatou uma situação de insalubridade. </font><br> <font>- Em 11/02/04, a A. deu entrada a requerimento para Notificação Judicial Avulsa da R. para que esta iniciasse, em 30 dias, obras urgentes no imóvel, incluindo a substituição do algeroz. </font><br> <font>- Essa notificação foi tentada no domicílio convencionado entre A. e R. para tratar de todos os assuntos relacionados com o locado. </font><br> <font>- A notificação da R. frustrou-se. </font><br> <font>- A degradação do imóvel, as infiltrações e humidades no locado têm vindo a causar à A. inúmeros incómodos </font><br> <font>- A A. teme pela sua vida e integridade física. </font><br> <font>- Em 19/12/1959, Isaura .... fez o testamento cuja certidão se encontra a fls. 34 seguintes. </font><br> <font>- Nesse testamento consta “ (…) deixa a BB (…) livre de todo e qualquer ónus e encargo, o usufruto de dois prédios urbanos que possui em Lisboa, um na rua de ... e outro na rua do Passadiço (…). (…) deixa ao Asilo António Feliciano de Castilho a nua propriedade do seu prédio sito na rua de ... em Lisboa e à (…) Sociedade Protectora dos Animais o seu outro prédio sito na rua do Passadiço ficará depois da morte</font><i><font> </font></i><font>da</font><i><font> </font></i><font>BB o a quem o deixa em propriedade plena com o encargo hipotecário que o onera e na condição de o transmitir à referida Sociedade Protectora dos Animais”.</font><br> <font>- A</font><i><font> </font></i><font>R. recebe da A. uma renda mensal de € 14,03. </font><br> <font>- A</font><i><font> </font></i><font>solicitação da R., Niveláge, Lda. elaborou, em 20.12.2004, o relatório que se encontra a fls. 39, respeitante ao imóvel sito na Rua do Passadiço, nºs 112, 114 e 116, em Lisboa. </font><br> <font>- Do relatório referido na alínea anterior consta “na sequência da visita ao local nomeadamente do imóvel acima mencionado depois de devidamente inspeccionado, chegamos à seguinte conclusão</font><i><font>: </font></i><br> <font>O imóvel não tem condições de habitabilidade nomeadamente em segurança. </font><br> <font>As infiltrações de água da chuva podem causar uma derrocada, o telhado pode vir a abater-se sobre o piso inferior com graves consequências, em nosso entender só obras profundas puderam resolver a situação. </font><br> <font>Queremos lembrar que estamos perante um imóvel com mais de cento e cinquenta anos, que tem vindo a sofrer algumas reparações nomeadamente no telhado, pois as telhas já não são as de origem, e as reparações feitas em tela de alumínio já não são suficientes para evitar infiltrações devido ao envelhecimento do prédio. </font><br> <font>Assim sendo torna-se necessário realizar as seguintes obras: </font><br> <font>1º Remodelar todo o telhado, removendo todo o existente, telhas velhas e madeira podre, substituindo por telhas novas e a madeira por uma madre em viga de betão, sendo as pernas em vigas tipo premolde, e vigotas de betão para apoio das telhas, fabricadas para o efeito. </font><br> <font>2° Para que a nova estrutura possa ser executada terá que ser reforçada a estrutura de alvenaria existente, nomeadamente os lenteis, fazer algeroz e prumadas, águas fluviais todas novas. </font><br> <font>3° Reforçar todo o piso do primeiro andar pois está em risco de ruir, assim como o tecto do mesmo, e bem assim outros trabalhos de isolamento, conforme orçamento que juntamos. </font><br> <font>Nota: Para que se proceda às obras é necessário que todo o prédio esteja devoluto”. </font><br> <font>- Para a execução das obras descritas nesse relatório a R. obteve um orçamento da Niveláge, Sociedade de Construções Lda., no valor de € 196.350,00, e outro, da Sofremo Lda., no valor de € 183.974,00. </font><br> <font>- A A. é titular do direito de arrendamento desde data que não foi possível apurar.</font><br> <font>- Em data não apurada o algeroz partiu-se. </font><br> <font>- As infiltrações e humidades do locado dos autos agravaram-se desde que o algeroz se partiu. </font><br> <font>- A quebra do algeroz impede o correcto escoamento das águas residuais do telhado. </font><br> <font>- As águas passaram a cair directamente sobre uma das janelas da A.. </font><br> <font>- Quando chove a água cai em enxurrada directamente sobre a janela da A..</font><br> <font>- A A., pelo menos uma vez, alertou a R. para o crescente estado de degradação do imóvel. </font><br> <font>- A A., pelo menos uma vez, alertou a R. para a necessidade de realização de obras urgentes ao nível do telhado. </font><br> <font>- Nunca foram tomadas iniciativas para pôr cobro à degradação do imóvel. </font><br> <font>- Na sequência das exposições referidas, os Bombeiros Sapadores de Lisboa efectuaram uma vistoria ao imóvel. </font><br> <font>- Os bombeiros taparam com um plástico uma das janelas da A.. </font><br> <font>- Para evitar que as águas residuais continuassem a desaguar directamente para o interior da sua habitação. </font><br> <font>- A A. tem problemas de saúde. </font><br> <font>- Essa humidade tem vindo a contribuir para a crescente deterioração do recheio da casa em que a A. habita. </font><br> <font>- A A. não tem capacidade económica para realizar, pelos seus próprios meios, as obras necessárias para preservar o imóvel. </font><br> <font>- Depois de 27.11.2004, a R. mandou um técnico ao prédio para verificar o estado do mesmo. </font><br> <font>- O primeiro andar do prédio esteve sem ser habitado de forma permanente pelo respectivo inquilino pelo menos durante dois anos. </font><br> <font>- A reparação ou reconstrução do prédio dos autos é economicamente inviável.</font><br> <font>- Na sequência de uma reclamação a R. terá visitado o locado. </font><br> <br> <font> </font><b><font>III – </font></b><br> <b><font> </font></b><b><i><font>Quid iuris?</font></i></b><br> <b><font> </font></b><font>O que verdadeiramente está em causa no presente recurso é saber se a Relação de Lisboa, confirmando o julgado em 1ª instância, decidiu bem, ao configurar a conduta da A., aqui recorrente, como abusiva do direito.</font><br> <font> A recorrente não se conforma com o julgado nas instâncias e reafirma o seu direito de ver a R. condenada à realização das obras reclamadas, malgrado o incomensurável custo das mesmas, em comparação da renda mensal que paga, já que à A., aqui recorrida, enquanto senhoria, cabe assegurar, na plenitude, o gozo do locado, certo que o elevado custo das obras é, no seu entender, da inteira responsabilidade dela, dado que as mesmas não se devem a qualquer facto fortuito, mas antes ao facto de se tratar de casa centenária e não terem sido feitas obras de conservação há mais de 40 anos, defendendo, ainda, que o argumento da proporcionalidade entre o valor das obras e o valor das rendas só tem razão de ser quando o valor daquelas não é consequência directa de qualquer comportamento omissivo dos deveres contratuais do senhorio.</font><br> <br> <font>A decisão decretada pela 1ª instância, convocando a figura do abuso do direito, tal como está gizado no artigo 334º do Código Civil, acabou por concluir que as reivindicações da A., enquanto inquilina, nas circunstâncias assinaladas, excedem os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do direito, e recusou dar guarida às suas pretensões.</font><br> <br> <font>A Relação de Lisboa, navegando nas mesmíssimas águas da 1ª instância, respondendo às questões contidas nas conclusões (como dito, iguais às que fecharam a minuta da revista), acabou por concluir, apoiada em larga soma de citações doutrinais, que “a pretensão da Recorrente, por não ser um exercício moderado, equilibrado, lógico e racional do seu direito, constitui um abuso do direito e, como tal, tornou-a ilegítima e equivalente à falta de direito, tornando a oposição legítima feita a uma tal pretensão”, recusando, dessa forma, à apelante a reparação pretendida.</font><br> <br> <font> Afigura-se-nos que a conclusão a que as instâncias chegaram está certa.</font><br> <font> Vejamos.</font><br> <font> É bem certo que o artigo 334º do Código Civil define o abuso do direito, dizendo que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito”.</font><br> <font> Este dispositivo legal vale o que vale: nada ou quase nada.</font><br> <font> Este “quase nada” é justificável por Castanheira Neves quando considera como não despicienda a consagração legal do abuso do direito e até conveniente “para evitar farisaicos escrúpulos, já que haverá sempre radicais positivistas-legalistas entre nós, e assim é possível combater com as suas próprias armas (Questão de Facto e Questão de Direito ou o Problema Metodológico da Juridicidade, página 529, nota 54).</font><br> <font> Segundo este mui ilustre Mestre a adequada compreensão do abuso do direito só se atinge com a mutação da forma como se compreende o próprio direito subjectivo.</font><br> <font>Para tanto, parte da ideia de que o direito subjectivo é “uma intenção normativa que apenas subsiste na sua validade jurídica enquanto cumpre concretamente o fundamento axiológico-normativo que a constitui”, ou seja, o direito subjectivo deixa de ser uma estrutura formal para ser encarado “com uma função normativa, teleológico-materialmente fundada”, havendo abuso de direito quando “um comportamento tenha a aparência de licitude jurídica – … – e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício”.</font><br> <font> Desta forma, “o abuso de direito configura-se como uma contradição entre dois pólos que entretecem o direito subjectivo”: a sua estrutura formal reconhecida pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que integra esse mesmo direito e lhe confere materialidade devem estar em conformidade, certo que quando esta não é detectada, ocorre abuso de direito (obra citada, páginas 523 a 524). </font><br> <br> <font> Esta visão é (com) partilhada por Mafalda Miranda Barbosa, sua discípula natural, que nos faz notar que “o direito subjectivo, enquanto expediente reconhecido pelo ordenamento aos diversos sujeitos, não pode ser entendido como uma mera forma, como um expediente formal despido de quaisquer valorações materiais. O direito subjectivo é conformado com uma dimensão axiológico-normativa que faz com que ele, em concreto, seja um direito subjectivo e se integre no ordenamento jurídico concretamente desenhado” ou, dito de outra forma, como uma forma de exercício da liberdade humana, o que “implica não só a delimitação de uma esfera de acção, mas igualmente uma série de deveres, desde que se entenda a liberdade em sentido positivo, geradora de responsabilidade e de deveres de solidariedade” (Liberdade vs. Responsabilidade – A precaução como fundamentação da imputação delitual?, páginas 317 e 318).</font><br> <font> Por isso, comungando das mesmas ideias, diremos que não temos que ficar presos, amarrados, ao que está prescrito no citado artigo 334º, antes nos cumpre, e sempre, procurar detectar se o exercício formal de um direito se mostra desconforme com a teologia desse mesmo direito. Se a resposta for positiva, então sim, há abuso do direito.</font><br> <font> E, de igual modo, perfilhamos as suas ideias quando, ao revisitar o aludido preceito legal, defende que “o que está em causa no abuso do direito não é a intenção de prejudicar terceiros, ou a desconformidade com a moral, mas sim a dissonância entre a estrutura formal do direito que se invoca e a intencionalidade normativa desse mesmo direito”. </font><br> <font> Com efeito, e no que diz respeito à boa fé, ter-se-á de dizer que “ela sustenta todo o mundo contratual, modelando a conduta dos contraentes, sindicando-a e chancelando-a de lícita ou ilícita”: “naquelas situações em que se coloca um problema relativo à boa fé e aos deveres que ela faz emergir não faz sentido recorrer ao abuso do direito”.</font><br> <font> No que aos bons costumes diz respeito, cumpre dizer que “não sendo pacífico o entendimento sobre o verdadeiro alcance do conceito, tem-se generalizado a opinião segundo a qual, …, a cláusula geral dos bons costumes apenas pode ser preenchida ou concretizada por referência ao sentido ético dominante na sociedade”, e, nessa medida, apenas faz sentido a referência aos bons costumes (como, aliás, à boa fé) “se virmos neles a manifestação de princípios normativos e se distinguirmos claramente moral e ética”.</font><br> <font> Como assim – continua – “implicando a sindicância do exercício de uma posição subjectiva activa com base nos bons costumes, o abuso do direito não pode redundar numa forma de limitação do direito por referência à moral dominante”.</font><br> <font> Desta forma, “só faz sentido a referência à boa fé e aos bons costumes se virmos neles a manifestação de princípios normativos e se distinguirmos claramente moral e ética” </font><br> <font> É com estas cautelas e com estas reservas que devemos interpretar o artigo 334º do Código Civil, “sem que isso nos impeça de ir mais além”, pois “perante a mobilização em concreto de um direito, teremos de indagar sempre, por referência aos princípios normativos em que se funda, se aquele exercício os contraria ou não” (ainda obra citada, páginas 323 a 326).</font><br> <br> <font>Isto posto, é altura de analisarmos, com a atenção que a situação merece, o que está em causa.</font><br> <font>Antes, porém e necessariamente, teremos de convocar os dispositivos normativos que iremos confrontar com a realidade factual apurada.</font><br> <font>Sem dúvida alguma, estamos aqui perante um contrato de arrendamento, no qual a A. figura como inquilina e a R. como senhoria.</font><br> <font> Prescreve o artigo 1022º do Código Civil que “a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”.</font><br> <font>O contrato de locação é um contrato sinalagmático na medida em com a sua celebração nascem obrigações para ambas as partes, unida uma à outra por um vínculo de reciprocidade.</font><br> <font> Da celebração do contrato de locação nascem obrigações que se encontram unidas umas às outras por vínculos de reciprocidade ou interdependência.</font><br> <font> O chamado sinalagma funcional, ou seja, o vínculo que liga as partes durante toda a execução do contrato, aponta essencialmente para a ideia de que as obrigações têm de ser cumpridas simultaneamente e, “ainda para o pensamento de que todo o acidente ocorrido na vida de uma delas repercute necessariamente no ciclo vital da outra” (Antunes Varela, Direito das Obrigações em geral, Vol. I – 8ª edição – página 395 e seguintes).</font><br> <font> “O sinalagma liga as prestações e contraprestações ou os efeitos obrigacionais ou reais que, no mesmo negócio, são a causa jurídica e fundamento uns dos outros. No caso dos negócios sinalagmáticos a prestação ou a atribuição patrimonial de uma das partes constitui a razão de ser e o fundamento jurídico da sua contraprestação ou a atribuição patrimonial correspectiva, em termos tais que a falta de uma tem como consequência que a outra não seja exigível ou, se tiver sido já prestada, deva ser restituída” (Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil – 5ª edição – página 445).</font><br> <font> No caso particular da locação, a obrigação de pagar a renda, imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa ao locatário (Antunes Varela, obra citada, página 396).</font><br> <font> “A obrigação de pagar a renda, imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa ao locatário” – Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, – 4ª edição –, pág. 406.</font><br> <font> Isto é, à obrigação do inquilino de pagar a renda do senhorio corresponde a obrigação deste de proporcionar àquele o gozo temporário da coisa.</font><br> <font> Pereira Coelho considera que “ «o programa de prestação» do senhorio reconduz-se a este núcleo fundamental: o senhorio deve proporcionar ao inquilino o gozo do prédio no âmbito e para os fins do contrato”, não podendo praticar actos que impeçam ou diminuam esse gozo (Arrendamento – 1984 – páginas 124 e 125).</font><br> <font> A reciprocidade, nos contrato bilaterais ou sinalagmáticos só existe, com efeito, em relação às obrigações típicas ou específicas (Inocêncio Galvão Teles, Manual dos Contratos em Geral – Refundido e Actualizado – página 486).</font><br> <font> Assim, no contrato de locação a reciprocidade de obrigações estabelece-se entre o pagamento da renda por parte do inquilino e a obrigação de proporcionar o gozo da coisa por parte do locatário: a falta de pagamento de renda só tem justificação no caso de não ser proporcionado o gozo da coisa locada.</font><br> <font> É também o sinalagma que obriga o senhorio a assegurar ao locador o gozo da coisa locada para os fins a que a coisa se destina (artigo 1031º, alínea b), do Código Civil), realizando as obras necessárias à prossecução do fim a que a mesma foi destinada.</font><br> <br> <font> Perante esta caracterização do contrato de locação, cujos efeitos se traduzem, por um lado, no surgir um direito de crédito (e de uma correspondente obrigação) ao pagamento periódico de uma soma em dinheiro, e por outro lado, não mais do que a transferência do direito de propriedade sobre a coisa, mas o surgir de outro direito de crédito (e de uma correspondente obrigação), tendo como objecto a possibilidade de usar (e a obrigação de deixar usar) a coisa, que, portanto, não muda de proprietário, a pergunta que se nos coloca, com todo o afinco, é a de saber se a pretensão da A. consubstanciada na realização de obras de grande monta desequilibra, atenta a exiguidade da renda mensal que presta, a operação económica que lhe subjaz.</font><br> <font> A resolução deste problema não se coloca ao nível do controle da licitude, mas antes como controlo da funcionalidade, ou seja, em averiguar se a tutela do interesse privado de um contraente contra o interesse privado do outro contraente, tendo em mira a não alteração do equilíbrio originário, ou, então, de respeitar o sentido que a operação devia ter razoavelmente para as partes, numa lógica não de conflito, mas de substancial garantia da autonomia privada.</font><br> <font> E este papel cabe, indubitavelmente, ao próprio ordenamento, qual seja o de verificar se é justo e razoável pretender que um contraente cumpra os seus compromissos contratuais, mesmo na presença de circunstâncias que perturbem, em seu prejuízo, o equilíbrio económico da operação (sobre este ponto, </font><i><font>vide</font></i><font> Enzo Roppo, O Contrato, páginas 211 a 226).</font><br> <font> </font><br> <font> Não restam dúvidas, pelo que ficou dito, que ao senhorio cabe assegurar ao inquilino o gozo da coisa locada. Sinalagmáticamente cabe ao inquilino a obrigação de pagamento atempado da respectiva renda. </font><br> <font> Assim, como regra e como princípio, ninguém põe em causa que o inquilino pode exigir do seu senhorio a realização de obras, sob pena de, não as fazendo, o gozo da coisa sair prejudicado, desequilibrando-se, assim, a operação económica que está subjacente ao contrato firmado entre ambos.</font><br> <br> <font> É, pois, a este nível, ao nível da funcionalidade do contrato, que se deve colocar a questão de saber se a pretensão da A. constitui ou não uma forma de abuso de direito.</font><br> <br> <font> Não restam dúvidas, não podem restar, que uma situação como a que temos </font><i><font>sub examine</font></i><font> representa um autêntico abuso de direito.</font><br> <font> Com efeito, pretender, como a A.-recorrente pretende, que a R.-recorrida, enquanto senhoria, realize obras no locado, cujo montante global anda na volta dos 183.970 €, quando a renda mensal que paga é de somente 14,08 € surge, à luz do que deixamos referido, como uma forma de abuso de direito.</font><br> <font> Nesta perspectiva, a jurisprudência hodierna tem vindo a considerar como configurando abuso do direito a exigência, por parte de inquilinos, de realização de obras nos locados à custa dos senhorios, em desproporção com as rendas praticadas, considerando mesmo que tais casos surgem como verdadeiras expropriações por utilidade particular, sem garantia de pagamento de justa indemnização (</font><i><font>vide</font></i><font>, a este respeito, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, </font><i><font>in</font></i><font> Arrendamento Urbano, 2ª edição, páginas 88 e 89).</font><br> <font> Na mesma linha de argumentação, com apoio em abundantes citações de outros tantos arestos proferidos neste Supremo Tribunal de Justiça, e num caso algo semelhante ao presente, pode ler-se o recente Acórdão deste mesmo Tribunal, de 20 de Janeiro do corrente ano, relatado pelo Conselheiro Salazar Casanova, no qual foi decidido que constitui abuso do direito o pedido de condenação do senhorio, que aufere uma renda de 39,99 €, na realização de obras no locado cujo montante ascende a 54.342,42 €. </font><br> <br> <font> Torna-se patente o desequilíbrio do programa contratual do contrato que as partes firmaram, a tal ponto que ousamos dizer que, se isso fosse consentido, o contrato de locação só o continuaria a sê-lo do ponto de vista formal, já que, em substância, representaria a tal expropriação por utilidade particular, sem justa indemnização, a que, há pouco, aludimos.</font><br> <font> Mais ainda do que uma expropriação por utilidade particular, o caso revestiria a forma de um autêntico confisco, na justa medida em que, como salienta a recorrida nas suas contra-alegações, seriam necessários 1092 anos de rendas para que as obras de beneficiação fossem pagas.</font><br> <font> Admitir esta situação, nada mais representaria do que uma negação pura e simples do direito do proprietário (no caso do direito da fiduciária) a perceber os frutos da sua propriedade, sendo certo que o artigo 62º da Constituição garante a todos o direito de propriedade privada.</font><br> <font> É precisamente aqui que entra em jogo a tal desconformidade entre a estrutura formal do direito subjectivo reconhecido pelo ordenamento jurídico e o fundamento normativo que o informa: detectada a mesma, está encontrado o abuso.</font><br> <font> Por isso mesmo, o Mestre diz que “o abuso de direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjectivos, pelo que, no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular que são ultrapassados” (obra citada, página 526, nota 46).</font><br> <font> É perante situações como esta que somos obrigados a apelar ao Direito, procurando compreender o seu modo-de-ser, enquanto realidade imanente, e não como mero corpo normativo escrito.</font><br> <font> Na verdade, o </font><i><font>ius</font></i><font>, enquanto realidade normativa ilimitadamente mais ampla do que a </font><i><font>lex</font></i><font>, compreende-se por referência às categorias de direito objectivo e de direito subjectivo, ambas dimensões constitutivas da Pessoa.</font><br> <font> Para Pinto Bronze, “o direito subjectivo traduz o reconhecimento do automatizante </font><i><font>suum</font></i><font> de cada pessoa, e o direito objectivo desvela a responsabilizante vinculação de todas elas ao </font><i><font>commune</font></i><font>, que é o horizonte de emergência e condição de advento da personalidade. A mais ou menos acentuada hipertrofia de qualquer delas gera sempre uma prática... mais ou menos desequilibrada. Assim, a sobressaliência do direito subjectivo corresponde à predominante afirmação do indivíduo e ao correlativo apagamento da comunidade, e a do direito objectivo a uma relação de sentido inverso entre aquele e esta. No limite, teremos, na primeira hipótese, a anomia anárquica, e, na segunda, o totalitarismo opressor”.</font><br> <font> E conclui, ensinando que, “com a absolutização do direito subjectivo, a comunidade corre, mais ou menos subtilmente, o sério risco de vir a ser dilacerada (...) </font><u><font>por pretensões injustificadamente obstinadas, por processos intencionalmente fraudulentos e por intoleráveis manipulações deliberadamente realizadas nas diversas posições jurídicas</font></u><font> – numa palavra, </font><u><font>por uma prática sistemática de abusos do direito</font></u><font>” (Lições de Introdução ao Direito, páginas 546 e 547).</font><br> <font> </font><br> <font> Aqui chegados, repetindo a ideia que já deixamos expressa, não podemos de, mais uma vez, censurar a pretensão da A.-recorrente ao pretender, de uma forma “injustificadamente obstinada” pretender, a todo o custo, fazer prevalecer o seu direito subjectivo, “absolutizando-o”, a ponto de constituir um autêntico abuso do direito, na modalidade de </font><i><font>exceptio doli</font></i><font>, tradutor de desonestidade na pretensão</font><br> <font>de obrigar a R. a realizar as ditas obras, numa violação do </font><i><font>honeste agere(</font></i><font>desprezando ou ignorando os </font><i><font>iuris praecepta</font></i><font>: </font><i><font>honeste vivere</font></i><font>, </font><i><font>alterum non laedere</font></i><font>, </font><i><font>suum cuique tribuere</font></i><font>, consagrados no Digesto, 1,1,10,1), “no dever de agir como pessoa séria e honesta, como uma pessoa de bem”, (Pedro Pais de Vasconcelos, obra citada, página 272).</font><br> <font> </font><br> <font> Qual a consequência a tirar?</font><br> <font> Fernando Augusto Cunha e Sá advoga que “a sanção do acto abusivo é variável e deve ser determinada, consequentemente, caso a caso” (Abuso do Direito, página 647).</font><br> <font> Jorge Manuel Coutinho de Abreu, depois de concluir que o abuso de direito é uma forma de antijuridicidade ou ilicitude, defende que “as consequências do comportamento abusivo têm de ser as mesmas de qualquer actuação sem direito, de todo o acto (ou omissão) ilícito” (Do Abuso de Direito, página76).</font><br> <font> Para Antunes Varela, apurada a existência do abuso, os efeitos do exercício irregular do direito serão os correspondentes à forma de actuação do titular” (Das Obrigações em geral, Volume I, 9ª edição, página 566).</font><br> <font> Pedro Pais de Vasconcelos defende, de igual modo, que “as consequências jurídicas do abuso do direito não se limitam à denegação da pretensão abusiva, à invalidade do acto abusivo e à responsabilidade civil dele emergente”, já que pode haver outras consequências, e aplaude a orientação jurisprudencial que entende que, “sempre que a lei não determine a consequência jurídica do abuso, caberá ao tribunal fixá-la” (Teoria Geral do Direito Civil, 5ª edição, página 277).</font><br> <font> Nesta conformidade, para além dos casos em que, de forma expressa, se prevê a consequência do uso abusivo do direito, caberá ao julgador retirar as consequências ou sanções adequadas, em concreto, da constatação da excepção, ou seja, deverá inflectir ou contrariar a pretensão daquele que procura usar o direito de uma forma abusiva, não reconhecendo o direito invocado.</font><br> <br> <font> Finalmente, e concluindo, diremos que a pretensão da A. em fazer valer o seu direito subjectivo a ver reparado o locado de molde a obrigar a R. a fazer obras no montante referido de cerca de 183.974 €, quando a renda mensal paga é de somente de 14,03 €, a ser consagrada, representaria um uso abusivo do direito.</font><br> <font> Não o consentiremos, em respeito absoluto pela ideia de Direito que honramos e cumprimos na nossa missão quotidiana.</font><br> <font> Recusámo-la, pura e simplesmente.</font><br> <font> No fundo, exercitamos a lição de Baptista Machado: “o juiz tem de decidir primeiro a questão de saber se o direito invocado existe ou não e só no caso de concluir pela sua existência (não o inverso) lhe é lícito apreciar o exercício abusivo do mesmo direito (Resolução do Contrato de Arrendamento Comercial, Colectânea de Jurisprudência, Ano IX, Tomo II, página 17).</font><br> <br> <font> Vale isto por dizer que as instâncias decidiram bem, em conformidade com o Direito, não merecendo as críticas que a recorrente, sucessivamente, lhes dirigiu.</font><br> <br> <font> </font><b><font>IV.</font></b><br> <b><font> Decisão</font></b><br> <font> Nega-se a revista e condena-se a recorrente no pagamento das respectivas custas.</font><br> <br> <font> Lisboa,
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:<br> I- Em processo de expropriação por utilidade pública, os expropriados A.. e B.., herdeiros habilitados de C.., interpuseram o presente recurso de agravo do acórdãoda Relação, de fls. 482, onde se manteve o despacho de fls.<br> 472, que havia indeferido um requerimento dos mesmos expropriados para ser submetido à conferência um outro despacho do relator que não admitiu um recurso por eles interposto.<br> Pretendem os recorrentes a revogação daquele acórdão, com base nas seguintes conclusões:<br> - o acórdão recorrido levantou uma mera e implícita questão de incompetência relativa, sobre a qual não se pronunciou nem daí tirou a necessária ilação, pelo que é nulo, nos termos dos artigos 668 n. 1 alínea d), 109 n. 2 e 494 n. 1 alínea f) do Código de Processo Civil;<br> - ele impediu o direito à reclamação, interpretando formalmente o disposto nos artigos 700 n. 3 e 688 do cit.<br> Código, e com violação do artigo 18 da Constituição, pelo que tais normas, com esse sentido restritivo, são inconstitucionais.<br> O recorrido, o Ministério Público, pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.<br> II- Situação de facto:<br> Da sentença que fixou a indemnização devida aos expropriados, estes interpuseram recurso de apelação e com ele subiu um recurso de agravo também por eles interposto de despacho proferido no decurso do processo.<br> A Relação negou provimento aos dois recursos e os expropriados interpuseram recurso do respectivo acórdão para este tribunal ou, a entender-se não ser ele admissível, para o Tribunal Constitucional.<br> Admitido recurso de revista para o Supremo, este decidiu não tomar dele conhecimento, por não ser admissível.<br> O processo baixou então à 1. instância, onde se ordenou a sua remessa à conta, e, avisados desta, os expropriados recorreram desse despacho, dizendo que "só por lapso podia ter sido proferido..., pois ainda não foi apreciada a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional..., questão que ainda está por deliberar" (fls. 437).<br> Admitido aquele recurso na 1. instância, o recorrido, o Ministério Público, suscitou na contra-alegação a questão prévia da sua inadmissibilidade (fls. 446).<br> Submetida essa questão à conferência, a Relação julgou-a procedente, não admitindo o recurso por respeitar a despacho de mero expediente (fls. 453 e seguinte).<br> Os expropriados interpuseram recurso de agravo desse acórdão (fls. 456) mas o relator não o admitiu com o fundamento de, em processo de expropriação, não haver recurso para o Supremo das decisões da Relação (fls. 464).<br> Vieram então os expropriados, em requerimento dirigido aos "Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação", solicitar que "sobre o despacho recaia acórdão" a admitir o recurso, nos termos do artigo 700 n. 3 do Código de Processo Civil (fls. 467).<br> Ouvida a parte contrária, o relator proferiu despacho de indeferimento daquele requerimento, por dever ter antes sido apresentada reclamação para o presidente do tribunal superior (fls. 472).<br> Os expropriados requereram, novamente, que o assunto fosse submetido à conferência, tendo sido proferido o acórdão recorrido, que manteve o despacho do relator.<br> III- Quanto ao mérito do recurso:<br> Em face do disposto nos artigos 700 n. 3 e 688 do Código de Processo Civil, é evidente que do despacho do relator, que não admite o recurso interposto da Relação para o Supremo, não cabe reclamação para a conferência, destinada<br> à reapreciação desse despacho, prevista no primeiro daqueles artigos, mas antes a reclamação prevista no artigo 688.<br> Os recorrentes não discutem sequer esse ponto, sustentando porém que, apresentada a reclamação prevista no artigo 700 n. 3, ela pode ser aproveitada, porque se trata de mera "questão de incompetência relativa" ou de meras razões de forma despiciendas", e, sem prejuízo da subsistência de alguma dúvida, entende-se que lhes assiste razão, embora por fundamentos não coincidentes com os invocados nas conclusões da alegação.<br> O formalismo processual não tem carácter rígido ou absoluto, podendo as irregularidades cometidas ser objecto, em princípio, das necessárias correcções ou adaptações, salvo nos casos em que a lei determine o contrário.<br> Isso decorre de diversas normas do Código de Processo Civil, como os artigos 199 e 474 n. 3 (que mandam seguir, sempre que possível, a forma de processo adequada), 201 n. 1 (sobre o alcance das irregularidades dos actos processuais) e 477 (relativo a certas deficiências da petição inicial e onde se prevê o convite ao autor para completar ou corrigir esse articulado).<br> Trata-se de princípios de ordem geral e que por isso devem ter-se como aplicáveis aos simples incidentes ou a qualquer requerimento formulado no decurso do processo.<br> No caso presente, a reclamação do despacho do relator, que não admitiu o recurso, deveria ser "dirigida ao presidente do tribunal superior", expor "as razões que justificam a admissão ... do recurso" e indicar "as peças do processo de que se pretende certidão, ou seja, os elementos necessários à sua apreciação (cit. artigo 688), mas foi antes dirigida aos "Juízes Desembargadores..." e não se fez a indicação daquelas "peças", tendo-se limitado a expor as referidas razões e a requerer que sobre o despacho recaia acórdão a admitir o recurso.<br> Ora, a divergência quanto ao destinatário da reclamação constitui simples irregularidade formal, susceptível de rectificação oficiosa ou de convite à parte para o fazer, com base nos princípios acima apontados, e, quanto à falta de indicação das "peças", também a omissão pode ser suprida através desse convite ou pelo próprio tribunal, no momento previsto na parte final do n. 3 do cit. artigo 688, uma vez que, proferido acórdão a manter o despacho reclamado, nele se pode/deve "mandar juntar certidão" das peças julgadas necessárias.<br> Em hipótese idêntica, embora de sentido inverso (apresentação da reclamação prevista no artigo 688, em lugar da do artigo 700 n. 3), se decidiu já que aquela "pode e deve ... ser entendida como pretensão deduzida ao abrigo do n. 3 do artigo 700" (acórdão do S.T.A. de 25 de Novembro de 1973, no Bol. 235, pág. 332).<br> Assim, e em conclusão, a indevida formulação da reclamação prevista no artigo 700 n. 3 do Código de Processo Civil, por ser caso da prevista no artigo 688 do mesmo Código, traduz-se em simples irregularidade processual que pode e deve ser objecto de rectificação por algum dos meios aludidos nos artigos 193 ou 477 n. 1 do citado Código.<br> Pelo exposto:<br> Concede-se provimento ao recurso.<br> Revoga-se o acórdão recorrido, devendo o despacho do relator, de folhas 472, ser substituído por outro em que se ordene a rectificação da reclamação de fls. 467 por algum dos meios acima apontados.<br> Sem custas, por isenção do recorrido, o Ministério Público (artigo 3 n. 1 alínea c) do Código Custas).<br> Lisboa, 26 de Novembro de 1996.<br> Martins da Costa,<br> Machado Soares,<br> Pais de Sousa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: </font><br> <font> </font><br> <br> <font>I – No Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras, AA Comercial, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra a Câmara Municipal de Oeiras (depreende-se que se pretendeu demandar o Município de Oeiras), pediu que, com a procedência da acção:</font><br> <font>“a) Seja a Ré condenada a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o imóvel acima descrito;</font><br> <font> b) Seja a R. condenada a restituir à A. a posse desse mesmo imóvel, no estado em que antes das construções se encontrava, demolindo a suas expensas todas as construções que efectuou ou mandou efectuar;</font><br> <font> c) Seja a R. condenada no pagamento de justa indemnização pelos prejuízos sofridos correspondentes à correcção monetária do valor do terreno de 1994 até 2002, montante a apurar em execução de sentença, acrescido de juros de mora legais desde a data da citação até integral e efectivo pagamento”.</font><br> <br> <font> Contestou a Ré, pugnando pela improcedência da acção.</font><br> <br> <font> Houve réplica.</font><br> <br> <font> A final, foi proferida sentença, segundo a qual a acção foi julgada parcialmente procedente e provada e se decidiu:</font><br> <font>“A) Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio rústico que consta de terra de cultura arvense de sequeiro, com a área de 11.780 m2, denominado “Terra da Fonte de Maio”, na freguesia de Paço de Arcos, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 4.722, a fls. 190 v. do livro B-15, e inscrito na matriz sob a parcela 1 do artº 183º- secção 46-47, da freguesia de Paço de Arcos, a confrontar do Nascente com Estrada Nacional de Paço de Arcos ao Cacém, do Poente com Regueira, do Sul com casas e do Norte com Fábrica de Freire Gravador.</font><br> <font> B) Condenar a Ré a restituir à Autora a posse desse mesmo imóvel, na área de 6.639 m2, no estado em que antes das construções se encontrava, demolindo a expensas suas todas as construções que efectuou ou mandou efectuar nessa parte.</font><br> <font> C) Condenar a Ré no pagamento da justa indemnização pelos prejuízos sofridos correspondentes à correcção monetária do valor do terreno, na área de 6.639 m2, de 1994, até 2002, em montante a apurar em liquidação ulterior”.</font><br> <br> <font> Após recurso da Ré, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão a julgar improcedente a apelação e a confirmar a sentença recorrida.</font><br> <br> <font> Ainda inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido.</font><br> <br> <font> O recorrente (consideramos que se trata do Município de Oeiras, entidade que goza de personalidade jurídica e capacidade judiciária, e não da Câmara Municipal de Oeiras, órgão executivo daquele) apresentou alegações, formulando as seguintes conclusões:</font><br> <font> 1ª – O presente recurso de revista cingir-se-á por força do enquadramento legal a que se submete – não podendo voltar a apreciar, como pretendia e se justificaria, as questões relativas à matéria de facto – a discutir a questão jurídica da aquisição da propriedade onde se encontra construído o Viaduto de Paço de Arcos pela via da figura jurídica da usucapião.</font><br> <font> 2ª – Na verdade, andou mal o douto acórdão recorrido ao ignorar o critério legal previsto no art. 514º, nº 2, do CPC, relativo aos factos notórios, para poder, como devia, considerar verificados os requisitos da posse pública, pacífica e de boa fé por parte do ora recorrente da parcela de terreno onde o viaduto de Paço de Arcos foi construído.</font><br> <font> 3ª – Essa posse manteve-se desde 1975 de forma continuada, como se deduz da emissão do Alvará de Loteamento nº 9/75, do seu conteúdo e da respectiva planta, sem que a recorrida a ela se opusesse, mesmo após o início da construção do viaduto em 1986, construção essa realizada justamente em terreno cedido à edilidade no quadro do referido alvará de loteamento.</font><br> <font> 4ª – Verificam-se assim por parte do recorrente, nos termos do art. 1287º do CC,, os requisitos da usucapião de bens imóveis como fundamento de aquisição de parte da propriedade, com a área de 6.639 m2, do prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 4722 e inscrito sob a parcela 1 do art. 183 – secção 46-47.</font><br> <font> 5ª – Acessoriamente, alega-se a nulidade do acórdão recorrido (art. 668º, nº 1, d), do CPC), dado que, vinculando-se o tribunal de recurso a apreciar as questões suscitadas em sede de conclusões da minuta de alegações, e não mais do que estas, vincula-se igualmente e com maior relevância a ter que as apreciar todas e não apenas algumas.</font><br> <font> 6ª – Acontece, porém, que o douto acórdão em recurso ignora por completo a argumentação do ora recorrente acerca do valor e enquadramento jurídico dos factos notórios (art. 514º, nº 2, do CPC) no contexto da afirmação da figura da usucapião como forma de alicerçar a propriedade que o recorrente sustenta ser sua.</font><br> <font> 7ª – Nada sobre esta questão se adita, em sentido positivo ou negativo, sendo insofismável que, pelo menos nessa parte, a douta sentença (?) em recurso deixa de pronunciar-se sobre questões que necessariamente devia analisar, assim se frustrando o direito fundamental ao duplo grau de jurisdição.</font><br> <br> <font> Contra-alegou a recorrida, defendendo a confirmação da decisão impugnada.</font><br> <br> <font> Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.</font><br> <br> <font> II – No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:</font><br> <font>1. Pela apresentação nº 36, de 23.11.1978, mostra-se inscrita a favor da Autora a aquisição, por arrematação de 06.10.1976, nos autos de execução de sentença com o nº 7154-A da 1ª Secção da 1ª Vara Cível do Tribunal de Lisboa, em que figuravam como exequente a aqui Autora e como executados JJ e mulher, ML, do prédio rústico que consta de terra de cultura arvense de sequeiro, com a área de 11.780 m2, denominado “Terra da Fonte de Maio”, na freguesia de Paço de Arcos, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 4.722, a fls. 190 v. do livro B – 15 e inscrito na matriz sob a parcela 1 do art. 183º - secção 46-47, da freguesia de Paço de Arcos, a confrontar do Nascente com Estrada Nacional de Paço de Arcos ao Cacém, do Poente com Regueira, do Sul com casas e do Norte com Fábrica de Freire Gravador.</font><br> <font> 2. Sob o art. 183º - secção 46-47, da matriz rústica da freguesia de Paço de Arcos, mostrava-se inscrito o prédio denominado “Terra da Fonte de Maio e Loba”, com a área de 7,2980 ha, sendo tal artigo matricial sido suprimido por ter o prédio sido totalmente incluído na área urbana.</font><br> <font> 3. Com data de 26.08.1975, foi outorgada escritura pública de doação perante o notário privativo e chefe da secretaria municipal da Ré, na qual intervieram como primeiros outorgantes JJ e mulher ML e como segundo outorgante AS, na qualidade de vice-presidente da Comissão Administrativa do Concelho de Oeiras e em sua representação, ali tendo os primeiros declarado que eram donos e possuidores por legítimos títulos dos prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o nº 3.235, a fls. 69 v. do livro B – 11, denominado “Terra do Poço”, freguesia de Paço de Arcos, inscrito na matriz sob o artigo 172º, secção 46-53, e sob o nº 4.714, a fls. 181 do livro B – 15, denominado “Loba”, freguesia de Paço de Arcos, inscrito na matriz sob o art. 183º, secção 46-47, e que desses prédios destacavam e doavam à Ré duas parcelas, uma identificada pela letra A, a destacar da descrição predial nº 3.235, a fls. 69 v. do livro B – 11, confrontando do Norte com Fábrica de Freire Gravador, do Sul com os doadores, do Nascente com Estrada Nacional 249 – 3 e do Poente com Regueira, com a área de 6.400 m2, destinada a equipamentos urbanos, e a outra pela letra B, a destacar da descrição predial nº 4.714, a fls. 181 do livro B – 15, que no seu todo confrontava do Norte com AR e JC, do Sul com VV e CA, do Poente com Estrada Nacional 249 – 3 e do Nascente com Herdeiros de Centeno, com a área de 4.715 m2, destinada a uma escola, mais tendo o segundo outorgante declarado que em conformidade com a deliberação tomada pela Comissão Administrativa do Concelho de Oeiras, em reunião de 13.08.1975, aceitava tal doação, tudo nos termos que melhor constam do teor do documento de fls. 70 a 75, que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br> <font> 4. Na sequência de aprovação por deliberação da Comissão Administrativa do Concelho de Oeiras, foi emitido em 08.08.1975, a favor de JJ o alvará de loteamento nº 9/75, ficando a emissão do mesmo e das respectivas licenças condicionada à outorga da escritura pública acima referida.</font><br> <font> 5. Na freguesia de Paço de Arcos, mostra-se construído, desde Junho de 1991, pela Ré, um viaduto rodoviário, uma estrada de acesso ao viaduto que liga com a Avª António Bernardo Cabral de Macedo e uma passagem pedonal, afectos ao uso público.</font><br> <font> 6. Com data de 26.04.1994, a Autora enviou à Câmara Municipal de Oeiras, que a recebeu, a carta com o teor que consta de fls. 34 e que aqui se dá por integralmente reproduzido, pela qual solicitava informação sobre quais as possibilidades de utilização e viabilidade de ocupação do prédio referido em A) (supra 1.), mais indicando que se tratava do seu mais significativo e valioso património.</font><br> <font> 7. Em 10.07.1998, a Autora propôs contra a Ré, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, uma acção para reconhecimento do direito legítimo, prevista no artigo 69º, nº 2, do Decreto-Lei nº 267/85, de 16.07, ali pedindo que lhe fosse reconhecido o direito de ver demolido o viaduto alegadamente construído no prédio referido em A) (supra 1.), por iniciativa da Ré e a expensas desta.</font><br> <font> 8. Por sentença de 12.05.2000, já transitada em julgado, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou procedente a excepção suscitada pela Ré e, em consequência, declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objecto daquela acção.</font><br> <font> 9. Parte do viaduto, parte das ruas de acesso ao mesmo lado nascente e parte da passagem pedonal situam-se no prédio referido em A) (supra 1.) numa área de 6.639 m2.</font><br> <font> 10. Em 1994, os terrenos com capacidade construtiva eram vendidos, no concelho de Oeiras, pelo preço de cerca de 7.000.000$00 o fogo.</font><br> <font> 11. Em 1994, o prédio referido em A) (supra 1.) tinha capacidade para 50 apartamentos.</font><br> <font> 12. Devido à construção referida em E) (supra 5.), em 1994 tornou-se impossível à Autora vender o prédio referido em A) (supra 1.), como era sua vontade.</font><br> <br> <font> III – 1. Lendo as confusas alegações e respectivas conclusões apresentadas pelo recorrente, teremos, desde logo, de tirar a ilação de que o recorrente ainda não se apercebeu de que o que ficou provado nos autos é que a Câmara Municipal de Oeiras construiu um viaduto, ruas de acesso ao mesmo e uma passagem pedonal ocupando, com parte de tais construções, uma área de 6639 m2 de um terreno pertencente à Autora, sem qualquer autorização desta e sem ter, previamente, enveredado pelo regular procedimento de expropriação por utilidade pública.</font><br> <br> <font> Certamente, terá sido por qualquer lapso dos seus serviços administrativos, cujos responsáveis terão admitido que estavam apenas a ocupar um terreno que fora doado ao Município por JJ e mulher ML (com contrapartidas para estes, como decorre da matéria de facto provada).</font><br> <br> <font> Provando-se, como se provou, tal ocupação indevida, poderia dizer-se que só restava à autarquia, neste processo, provar que adquiriu o terreno alheio, onde parte dessas construções foram implantadas, por usucapião.</font><br> <br> <font> Só que não logrou provar os factos que alegou e que poderiam ser conducentes a tal aquisição originária do direito de propriedade, como inequivocamente resulta das respostas negativas dadas aos quesitos 5º, 8º, 9º e 10º da base instrutória.</font><br> <br> <font> Faz agora o recorrente alusão a factos notórios e ao artigo 514º, nº 1, do CPC (por lapso, até refere o nº 2).</font><br> <br> <font> Segundo tal normativo legal, “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.</font><br> <br> <font> Querer provar os requisitos da posse, com vista à aquisição do direito de propriedade por usucapião, pela existência de “factos notórios” (nem sequer teriam de ser alegados, portanto) é, no mínimo, insólito.</font><br> <br> <font> Logo, não tinha o acórdão recorrido de se pronunciar sobre esta “argumentação” – não se trata, pois, de uma questão –, pelo que não padece o mesmo do vício da nulidade, ao contrário do que pretende o recorrente, aludindo à do artigo 668º, nº 1, d), 1ª parte, do CPC (aplicável à Relação por força do artigo 716º).</font><br> <br> <font> 2. No entanto, o problema que aqui há que equacionar – e que as instâncias desprezaram – é bem diferente.</font><br> <br> <font> As instâncias reconheceram o direito de propriedade da Autora sobre o prédio reivindicado, obrigando o Réu (Município de Oeiras) a restituir-lhe a posse do mesmo, no que respeita à área de 6.639 m2, no estado em que, antes das construções que aquele ali levou a efeito, se encontrava, demolindo estas a suas expensas, para além de o condenarem no pagamento da indemnização que se vier a liquidar em correspondência com os prejuízos alegadamente sofridos pela Autora.</font><br> <br> <font> Resulta claramente da factualidade dada como provada que o Município de Oeiras invadiu a propriedade da Autora, nela “implantando”, numa extensão de 6.639 m2, parte de um viaduto rodoviário, parte das ruas de acesso ao mesmo do lado nascente e parte da passagem pedonal, sendo certo que tanto o viaduto, como a estrada que lhe dá acesso e a passagem pedonal, estão construídos desde Junho de 1991.</font><br> <br> <font> Assim sendo, a parte reivindicada pela Autora, como sendo sua propriedade, passou a integrar o domínio público.</font><br> <font> Coloca-se, pois, a questão de saber se, não obstante isso, poderemos dar o caso como consumado, abrindo caminho para a “legalização” da expropriação de facto que ocorreu.</font><br> <br> <font> Apesar da dificuldade que a questão envolve, propendemos para dar ao caso uma solução afirmativa.</font><br> <font> </font><br> <font> Segundo o nº 1 do artigo 202º do Código Civil, “Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas”.</font><br> <font> </font><br> <font>“Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objecto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insusceptíveis de apropriação individual” – nº 2 do mesmo artigo.</font><br> <br> <font> Como refere Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, pág. 881, são coisas públicas ou do domínio público “as coisas submetidas por lei ao domínio de uma pessoa colectiva de direito público e subtraídas ao comércio jurídico privado em razão da sua principal utilidade colectiva”. </font><br> <br> <font> Ainda segundo este Professor, a atribuição do carácter dominial depende dos seguintes requisitos: existência de um preceito legal que inclua toda a classe de coisas na categoria do domínio público, declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe e afectação dessa coisa à utilidade pública.</font><br> <br> <font>A afectação nem sempre consubstancia um acto administrativo, podendo reconduzir-se a um mero facto ou a uma prática consentida pela Administração, reveladora da intenção de consagrar a coisa pública ao uso público.</font><br> <br> <font>Com a alteração de 1989, a Constituição da República Portuguesa passou a elencar as coisas que pertencem ao domínio público, estando, entre elas, as estradas (cfr. artigo 84º, nº 1, d)).</font><br> <br> <font>Do mesmo modo, o Decreto-Lei nº 477/80, de 15 de Outubro, considera como fazendo parte do domínio público as estradas com os seus acessórios e obras de arte (artigo 4º, nº 1, alínea h)).</font><br> <br> <font>À primeira vista, parece que o Direito não devia dar cobertura a situações como a da “expropriação de facto” a que os autos se reportam.</font><br> <font>Perante um acto ilícito da Administração, poderia impor-se, pura e simplesmente, a restituição da parcela ocupada.</font><br> <br> <font>No entanto, isso seria esquecer que a propriedade desempenha também um fim social e que, nesta ordem de ideias, voltando à primeira forma, a Autarquia, mais dia, menos dia, acabaria por usar os meios expropriatórios ao seu alcance (caso, evidentemente, não lograsse o mesmo </font><i><font>desideratum</font></i><font> pela via negocial) para acabar por realizar o que está feito.</font><br> <br> <font>Seria tudo uma perda de tempo…</font><br> <br> <font>De qualquer modo, perante uma situação, como esta, de facto consumado, em que a parcela passou a integrar o domínio público, a estar fora do comércio jurídico, não vislumbramos como é possível a sua subtracção a este estatuto por via de uma acção de reivindicação.</font><br> <br> <font>Temos, assim, que a solução a dar ao caso passa pelo reconhecimento desta realidade, o que vale por dizer que passa pela convocação do instituto da responsabilidade civil por actos ilícitos, tirando-se daí todas as consequências.</font><br> <br> <font>Dizendo isto, estamos a fazer a ponte para o segundo problema, que é o da indemnização.</font><br> <br> <font>É ponto assente que, por via do acto da Administração do Município de Oeiras, a Autora se viu definitivamente privada de parte da sua parcela.</font><br> <br> <font>Se aceitamos a conversão do acto da Autarquia num puro acto expropriativo, muito embora à revelia das regras próprias, temos também de admitir, sob pena de grave injustiça e de consagração do confisco, que a Autora em direito a uma indemnização.</font><br> <br> <font>Esta, porém, terá de assentar nos pressupostos que determinam a expropriação (cfr. artigo 23º do Código das Expropriações) e não, como no caso presente, partindo do princípio de que a parcela ocupada voltava ao domínio da Autora e que os prejuízos desta derivavam apenas da “ocupação ilegítima”.</font><br> <br> <font>A justa indemnização só se alcançará, não nos moldes propostos, de puro cálculo baseado na ocupação indevida, mas sim na base da perda definitiva da coisa e tendo por critérios os apontados nos artigos 23º e seguintes do Código das Expropriações.</font><br> <br> <font>3. Posto isto, diremos que o acórdão recorrido – que confirmou a sentença proferida na 1ª instância – terá de ser revogado, embora com fundamentação totalmente diversa da apresentada pelo recorrente.</font><br> <br> <font>IV – Nos termos expostos, acorda-se em conceder a revista e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, decide-se julgar improcedente, por não provada, a acção, por fundamentos completamente distintos dos apresentados pelo Réu/recorrente, com a consequente absolvição deste do pedido.</font><br> <br> <font> Custas, aqui e nas instâncias, a cargo da Autora, aqui recorrida.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>Lisboa, 24 de Junho de 2008</font><br> <br> <font>Moreira Camilo (Relator)</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Paulo Sá</font><br> <br> <font> </font></font>
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YjLMu4YBgYBz1XKvqj6I
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font> 1. - AA e outros, todos seus irmãos, propuseram contra BB e mulher, CC, acção declarativa pedindo que fosse declarada a incapacidade sucessória de DD, por indignidade, e afastado da sucessão à herança da falecida EE e filho, FF, condenando-se os réus a reconhecerem a dita indignidade do seu filho.</font><br> <font> </font><br> <font>Alegaram os Autores que são, com EE, filhos de GG e HH, bem como tios de FF, filho daquela EE. No dia 26.07.04, EE e o seu filho FF faleceram, em consequência de disparos de caçadeira, da autoria de seu marido e pai, DD, que, por sua vez era filho dos Réus. Relativamente a estes factos correu termos processo de Inquérito, o referido DD foi detido e foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, processo que foi arquivado por causa da morte do arguido, em 17.11.04, quando este se encontrava detido no Estabelecimento Prisional, o qual só não foi condenado porque se suicidou. </font><br> <font> </font><br> <font>Contestaram os Réus, peticionando a total improcedência do pedido, com fundamento no facto de que não chegou a ser proferida decisão condenatória no processo de Inquérito instaurado ao referido DD, estando os Autores a emitir um juízo de prognose póstuma ao vaticinar a condenação do mesmo.</font><br> <br> <font> A acção foi julgada improcedente no despacho saneador, decisão que a Relação confirmou.</font><br> <br> <font> Os Autores pedem ainda revista, pedindo a revogação do acórdão e insistindo na procedência da acção, a coberto das seguintes conclusões:</font><br> <font> 1 - Baseando-se numa interpretação meramente literal dos dispositivos das als. a), b), c) e d) do art. 2034.º C. Civil, o Tribunal considerou que a inexistência de condenação pelo crime de homicídio constitui impedimento à declaração de indignidade, para efeitos sucessórios;</font><br> <font> 2 - A interpretação do citado normativo não toma em conta, desde logo, que nas als. c) e d) do art. 2034º podem caber actuações que não se integram num tipo legal de crime;</font><br> <font> 3 - Casos com as circunstâncias e especificidades da situação subjudice, que, obviamente, não poderiam ser integralmente previstas, merecem a tutela do direito, com recurso à analogia, ou, pelo menos, à interpretação extensiva da norma a al. a) do art. 2034º;</font><br> <font> 4 - O entendimento do acórdão recorrido, nos termos do qual o procedimento criminal por falecimento do agente inviabiliza automaticamente a declaração de indignidade deste para efeitos sucessórios, representa uma violação do direito a uma efectiva tutela jurisdicional, consagrado no art. 20.º da Constituição da República;</font><br> <font> 5 - A interpretação perfilhada pelo Tribunal recorrido não toma em devida conta os princípios vertidos nos arts. 9º, 10º e 11º do C. Civil. </font><br> <font> </font><br> <font>2. - Vem provado o seguinte conjunto fáctico:</font><br> <font> </font><br> <font>- Os Autores são irmãos e tios de II, respectivamente;</font><br> <font>- Aquela foi mulher de JJ, que foi pai de FF;</font><br> <font>- EE e FF morreram no dia 26.07.04;</font><br> <font>- JJ morreu no dia 17.11.04; </font><br> <font>- Pela morte de II foi indiciado JJ, tendo corrido termos o processo de Inquérito n.º …… GBPRD cujo arquivamento foi ordenado por ser legalmente inadmissível o procedimento criminal fruto da morte do arguido.</font><br> <br> <font>3. Mérito do recurso.</font><br> <br> <font>3. 1. - A questão que se coloca consiste em saber se pode haver lugar à declaração de indignidade sucessória do herdeiro indiciado por homicídio do autor da herança, independentemente de condenação em processo penal, como prevê a al. a) do art. 2034.º C. Civil, designadamente em caso de extinção do procedimento criminal por morte do agente, devendo, para tanto, recorrer-se a interpretação analógica ou extensiva do preceito.</font><br> <font> Sendo negativa a resposta, questiona-se ainda se um tal juízo de inviabilização da declaração de indignidade viola o direito constitucional a uma efectiva tutela jurisdicional – art. 20.º CR. </font><br> <br> <font> 3. 2. - As causas de incapacidade sucessória por indignidade encontram-se enunciadas no art. 2034º C. Civil.</font><br> <font> </font><br> <font>Depois de, no art. 2033º, estabelecer os princípios gerais da capacidade sucessória, o legislador aponta as causas de incapacidade por referência aos actos ilícitos geradores da indignidade que faz assentar em circunstâncias “de raiz puramente </font><i><font>subjectiva</font></i><font>, traduzida numa atitude de repúdio da lei pelos factos graves cometidos por alguém contra o autor da herança, seu cônjuge ou familiares mis próximos” (P. DE LIMA e A. VARELA, “</font><i><font>C. Civil, Anotado”</font></i><font>, VI, 37).</font><br> <br> <font> Assim, prevê a al. a) mencionado art. 2034º que carece de capacidade sucessória, por motivo de indignidade, o condenado como autor ou cúmplice de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra o autor da sucessão ou contra o seu cônjuge, ascendente, descendente, adoptante ou adoptado. </font><br> <br> <font> A lei exige claramente a condenação do indigno, como autor ou cúmplice da prática dos factos, em sentença penal, resultando afastada a possibilidade de prova do ilícito constitutivo do crime em acção cível (cfr., nesse sentido, </font><i><font>ob. cit.</font></i><font>, pg. 38 e R. CAPELO DE SOUSA, “</font><i><font>Lições de Direito das Sucessões, </font></i><font>I, 3.ª ed., 257).</font><br> <font> Como se escreveu no acórdão deste Supremo de 23/7/74 (</font><i><font>BMJ</font></i><font> 239-225), “a falta dessa capacidade (sucessória)» por motivo de indignidade», nem é mero efeito da prática do crime e homicídio contra o autor da herança – pois o art. 2034 – a) C. Civil, tal como o previgente art. 1782.º do Código de Seabra, só a recusa, como acentuava DIAS FERREIRA (</font><i><font>C. Civil Anotado, </font></i><font>2.ª ed., vol. 3º, 296), a quem por ele tenha sido condenado «por sentença com trânsito em julgado» (…) sendo antes, conforme observa o Prof. O. ASCENSÃO (“</font><i><font>As Actuais Coordenadas do Instituto da Indignidade Sucessória</font></i><font>”, pg. 8, Separata dos anos 100.º e 101. de “</font><i><font>O DIREIT</font></i><font>O”) «consequência autónoma no plano civil» da respectiva condenação”.</font><br> <br> <font> Que assim é, colhe-se também da concretização do regime e requisitos dos factos de natureza criminosa previstos nas als. a) e b) do art. 2034.º.</font><br> <font> Com efeito, logo no art. 2035.º se estabelece que a </font><i><font>condenação</font></i><font> a que se referem as als. a) e b) do art. anterior pode ser posterior à abertura da sucessão, mas só o crime anterior releva para o efeito, do mesmo passo que quanto às causas previstas nas mesmas alíneas a lei toma como indexante do prazo de caducidade da acção de declaração de indignidade a data da condenação pelo crime que a determina.</font><br> <font>Já relativamente às causas previstas nas als. c) e d) do preceito, não necessariamente de natureza criminosa, o prazo de caducidade se conta do conhecimento de cada uma dessas causas, assim ficando estabelecido mais um traço de distinção entre os factos ilícitos cujo reconhecimento e relevância dependem de condenação penal e os que podem ser conhecidos em acção cível.</font><br> <br> <font>3. 3. - Sustentam os Recorrentes que, não tendo o legislador previsto o falecimento do herdeiro homicida antes de proferida a sentença condenatória definitiva, há que resolver a situação recorrendo à analogia ou a interpretação extensiva da al. a) do art. 2034.º.</font><br> <br> <font>3. 3. 1. - De harmonia com o disposto no art. 10.º-1 C. Civil, deve o julgador aplicar aos casos omissos as normas que directamente disponham para casos análogos.</font><br> <font>A analogia existe, como do n.º 2 do preceito se colhe, quando no caso omisso concorram as mesmas razões justificativas da solução encontrada pela lei, isto é, quando “o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro” – BAPTISTA MACHADO (“</font><i><font>Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador</font></i><font>”, 202) – justificando-se o recurso à analogia por razões de coerência do sistema e de justiça relativa, tudo postulado pelo princípio da igualdade e pela certeza do direito.</font><br> <br> <font>De notar, como referem P. DE LIMA e A. VARELA (ob. cit., I, 4ª ed., 59), que “a analogia das situações mede-se em função das </font><i><font>razões justificativas </font></i><font>da solução fixada na lei, e não por obediência à mera </font><i><font>semelhança formal</font></i><font> das situações”.</font><br> <br> <font>Ora, a situação que se apresenta não constitui, a nosso ver, um caso omisso, um caso que sendo relevante, não constitui objecto de disposição legal.</font><br> <br> <font>Diferentemente, o caso é objecto de previsão e regulamentação justamente na al. a) da norma que se pretende ver aplicada por analogia.</font><br> <br> <font>O que acontece é que para além da previsão do facto ilícito gerador do efeito jurídico, a mesma norma exige um outro requisito, de natureza exógena e processual, que consiste na verificação e declaração definitiva do facto e sancionamento do agente pelo tribunal materialmente competente. </font><br> <font> Não se pode falar de incompletude ou falha de previsão que deva ser integrada, no sentido de que a lei não contém uma resposta á questão jurídica. A lei contempla a situação de comissão de homicídio contra o autor da herança, mas condiciona a eleição do acto criminoso a causa de declaração de indignidade à condenação penal transitada.</font><br> <br> <font>E, como já se adiantou, tal sucede porque, certamente atendendo às razões subjectivas que sustentam o repúdio da lei pelos factos de natureza criminosa que, pela sua gravidade, elegeu à categoria de determinantes da indignidade, manteve deliberadamente a exigência de condenação penal que vinha do direito anterior, dispensando-a quanto aos factos que enuncia nas als. c) e d) do artigo, atendendo à sua diferente natureza.</font><br> <br> <font>A tal não será certamente estranho o princípio, com consagração constitucional – art. 32º-2 CR – da presunção de inocência, desde logo na sua vertente de dever considerar-se inocente quem não foi ainda julgado culpado por sentença transitada em julgado, mesmo sem curar aqui de questões que podem prender-se, por exemplo, com a imputabilidade do agente, o que não é indiferente face à opção pela natureza não objectiva das causas de indignidade. </font><br> <br> <font>A gravidade da declaração de indignidade e dos factos que o legislador seleccionou como suas possíveis causas, bem como os requisitos de que as fez depender, conduzem-nos, ainda, ao entendimento que devem considerar-se taxativas as causas de incapacidade sucessória enunciadas no art. 2034º.</font><br> <br> <font>3. 3. 2. - Do referido pode já deduzir-se que também se entende não ser caso de, por interpretação extensiva, incluir a situação dos autos na previsão da norma da alínea a) – arts. 9.º e 11.º C. Civil.</font><br> <br> <font>Decerto que à razão de ser da lei, enquanto norma de fixação da causa de indignidade, não repugnaria a abrangência de casos como o ajuizado, demonstrado que fosse facto ilícito criminoso.</font><br> <font>Porém, como já se viu, nem a letra nem o espírito da lei comportam o entendimento de que a mesma diga mesmo do que aquilo que pretendia dizer</font><br> <br> <font>Não se trata, mais uma vez, de a lei contemplar uma situação, estabelecendo o respectivo regime jurídico, deixando de fora situações que, pelos mesmos ou mais fortes motivos (argumentos </font><i><font>a pari </font></i><font>e </font><i><font>a fortiori)</font></i><font>, haveriam de ser abrangidas pela mesma lei. </font><br> <font> A situação está contemplada, mas tem a respectiva relevância condicionada a certos requisitos de reconhecimento e eficácia.</font><br> <br> <font> 3. 3. 5. - Concluindo, dir-se-á que nada autoriza, por via de recurso à analogia ou a interpretação extensiva, aplicar a norma do art. 2034º-a) do C. Civil a casos em que o autor (indiciado) do facto criminoso não foi pela respectiva prática condenado por sentença penal.</font><br> <br> <font> 3. 4. - Finalmente, os Recorrentes sustentam que o entendimento segundo o qual a extinção do procedimento criminal por morte do agente inviabiliza a declaração de indignidade deste para efeitos sucessórios representa uma violação do direito a uma efectiva tutela jurisdicional, consagrado no art. 20º CR.</font><br> <font> Em vão se procuram, nas alegações, as razões da afirmação, pois que nada mais se acrescenta ao conteúdo da conclusão.</font><br> <br> <font> Nestas circunstâncias, nada mais haverá a dizer que vendo os Recorrentes, como viram, apreciado e definido o direito que invocaram em conformidade com a interpretação que o Tribunal, por aplicação da lei e do direito, teve como adequada, com respeito pelas normas processuais, designadamente assegurando o contraditório e a igualdade das partes, também em sede de recurso, não se vislumbra a violação do mencionado preceito constitucional ou de qualquer princípio nele contido.</font><br> <br> <font> 5. – Decisão.</font><br> <br> <font>Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:</font><br> <font> - Negar a revista;</font><br> <font>- Confirmar a decisão impugnada; e, </font><br> <font>- Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 27 Março 2007 </font><br> <br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Moreira Camilo</font><br> <font>Urbano Dias </font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - "AA" intentou, em 23/2/2000, acção declarativa contra BB, CC, DD e respectivos cônjuges, pedindo que fosse judicialmente reconhecida como filha de EE, irmão dos RR., falecido em 20 de Dezembro de 1999. </font><br> <font>Para além da factualidade tendente a demonstrar o vínculo biológico, a A. alegou que o EE a reconhecia e sempre a tratou como sua filha e como tal era também considerada pela generalidade dos seus conterrâneos.</font><br> <br> <font>Arguida a excepção da caducidade, a sentença julgou-a verificada, decisão que a Relação revogou, julgando a acção procedente.</font><br> <br> <br> <font>Interpuseram, então, recurso de revista os RR. DD e marido que, defendendo a reposição da decisão da 1ª Instância, levaram às conclusões:</font><br> <font>- Os factos provados não permitem a conclusão de que houve reputação e tratamento como filha por parte do investigado, para efeitos do disposto no n.º 4 do art. 1817º do C. Civil;</font><br> <font>- Esta norma não é inconstitucional;</font><br> <font>- Pelo contrário, a interpretação dos nº.s 1 e 4 do art. 1817º segundo a qual não há qualquer prazo para a propositura da acção numa situação como a dos autos em que a acção foi proposta mais de 20 anos desde a maioridade e já após o falecimento do investigado e o conhecimento da sua herança, sem que tenha alguma vez existido tratamento como filha, viola os arts. 25º, 26º, 27º e 13º da Constituição da República;</font><br> <font>- Caso se viesse a decidir que a presente acção não está sujeita a qualquer prazo de caducidade, sempre se imporia decidir, face à factualidade assente, circunstancialismo e motivação que esta na base da sua instauração, que o exercício deste direito é manifestamente abusivo por violação da boa fé, bons costumes e fim social desse direito - art. 334º C. Civil. </font><br> <br> <font>A Recorrida respondeu, pugnando pela confirmação do acórdão.</font><br> <br> <font>2. - Como resulta do conteúdo das conclusões do recurso, as </font><font>questões</font><font> a apreciar são as seguintes:</font><br> <font> </font><br> <font>- Se a Autora beneficia da "posse de estado" de filha do investigado;</font><br> <font>- Se, em caso negativo, se encontra extinto, por caducidade, o direito da Autora, conforme o disposto nos n.ºs 4 e 1 do art. 181º C. Civil ou se deve ser recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação dessas normas;</font><br> <font>- Se, neste último caso - de não se reconhecer a caducidade -, há abuso de direito no exercício do direito de investigar. </font><br> <br> <font>3. - Vem assente em sede de </font><font>matéria de facto</font><font>:</font><br> <font> </font><br> <font>1. Em 17.11.61 nasceu na freguesia de Oliveira do Mondego, concelho de Penacova, a autora AA.</font><br> <font>2. O nascimento foi registado em 18.12.61, na Conservatória do Registo Civil de Penacova apenas como filha de FF, solteira, não tendo sido feita menção à respectiva paternidade.</font><br> <font>3. Em 22.12.43 nasceu na freguesia de Oliveira do Mondego, concelho de Penacova, GG, filha de FF e como tal foi registado o seu nascimento, não tendo sido feita menção à respectiva paternidade.</font><br> <font>4. Em 28.5.46 nasceu na Freguesia-B, concelho de Penacova, HH, filho de FF e como tal foi registado o seu nascimento não tendo sido feita menção à respectiva paternidade.</font><br> <font>5. Em 30.5.54 nasceu na freguesia de Oliveira do Mondego, concelho de Penacova, II, filho de FF e como tal foi registado o seu nascimento não tendo sido feita menção à respectiva paternidade.</font><br> <font>6. Aquando da concepção e nascimento da autora, a sua mãe trabalhava em casa de JJ, mãe de EE, BB e CC, servindo como criada e trabalhadora rural.</font><br> <font>7. A sua mãe era uma pessoa simples, pobre e séria, que nunca frequentou a escola.</font><br> <font>8. No Inverno de 1960/1961, o EE regressou a Cunhedo tendo mantido, por diversas vezes, relações sexuais com FF durante a sua permanência em Portugal.</font><br> <font>9. Desse relacionamento nasceu a ora autora.</font><br> <font>10. Tal facto era e é do conhecimento geral da população de Cunhedo.</font><br> <font>11. E o EE nunca o negou.</font><br> <font>12. Até aos seis anos de idade a autora frequentou a casa de JJ, mãe de EE.</font><br> <font>13. Em criança brincava com os filhos dos irmãos do EE.</font><br> <font>14. O EE reconheceu e assumiu perante o seu irmão BB a paternidade da autora.</font><br> <font>15. Em conversas com pessoas mais chegadas reconhecia que era pai da autora.</font><br> <font>16. No início do mês de Dezembro de 1999, o EE ficou acamado.</font><br> <font>17. Faleceu em 20.12.99.</font><br> <font>18. A autora tentou visitar o referido EE, enquanto ele esteve acamado, o que não conseguiu por ter sido impedida pela ré DD, que sempre se opôs.</font><br> <font>19. A autora sempre foi e ainda é hoje reputada como filha de EE, por toda a população de Cunhedo.</font><br> <font>20. Ao longo da sua vida, a mãe da autora manteve relações sexuais com outros homens.</font><br> <font>21. A autora pronunciou a palavra pai em relação ao EE, em voz alta, no dia do funeral deste.</font><br> <font> </font><br> <font>4. - Mérito do recurso.</font><br> <font> </font><br> <font>4. 1. - </font><font>Posse</font><font> </font><font>de</font><font> </font><font>estado</font><font> e </font><font>caducidade</font><font>.</font><br> <br> <font>A acção de investigação da paternidade de que ora se cuida apresentou--se apoiada em presunção legal e paternidade - a posse de estado a que se refere a al. a) do art. 1871º C. Civil.</font><br> <br> <font>Diferentemente do que sucede com as acções "lançadas a céu aberto", apenas baseadas na paternidade biológica, relativamente às quais a lei estabelece que só podem ser propostas durante a menoridade do investigante ou nos dois anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, fixando-se, assim, um prazo geral de caducidade, quando, entre outras situações que agora não interessa considerar, a acção se funde naquela presunção, a mesma lei admite um regime especial de caducidade, de sorte que, se o investigante for tratado como filho pelo pretenso pai, a acção pode ser proposta dentro de um ano a contar da data em que cessar o tratamento - arts. 187º e 1817º-1 e 4 C. Civil. </font><br> <br> <font>Resulta, deste modo, que, existindo tratamento como filho, a acção pode ser proposta para além do prazo geral estipulado no n.º 1 do preceito citado, contando-se o seu termo inicial da cessação do tratamento, caia ou não fora dos limites fixados no prazo-regra.</font><br> <font>Para poder beneficiar desse alargamento do prazo, terá o autor de demonstrar o tratamento como filho, como consta da hipótese das normas substantivas que conferem o direito.</font><br> <br> <font>Diz-se haver "posse de estado" quando, cumulativamente, se mostre que uma pessoa é reputada como filho pelo pretenso pai, que goza do tratamento como filho e ainda que como tal é reputada pelo público (</font><font>nomen, tractatus </font><font>e </font><font>fama)</font><font>. </font><br> <br> <font>A reputação como filho consiste na convicção que o pai tem de que determinada pessoa é seu filho. É um elemento de natureza subjectiva.</font><br> <font>O tratamento como filho, de natureza comportamental, traduz-se na adopção de uma actuação que, no contexto social em que ambos estão inseridos, é própria das relações que é habitual existirem entre pai e filho, abrangendo e revelando-se um leque de manifestações que podem ir do carinho e amparo moral e social à assistência material, passando pelas mais variadas atitudes de natureza económica, de protecção e de afectividade. </font><br> <font>Finalmente, a reputação pelo público, significa que o círculo de pessoas que conhecem pai e filho consideram aquele pai deste (cfr., por todos, acs. deste STJ, de 12/11/02 e 12/12/02, ambos disponíveis em </font><font>ITIJ</font><font>).</font><br> <br> <font>Ora, os factos provados não dão notícia de qualquer relacionamento entre a Autora e o EE donde possa concluir-se pelo preenchimento do conceito jurídico de "tratamento" e, consequentemente, do requisito.</font><br> <font>Não reflectem, eles, mesmo perante a parcimónia do a propósito alegado, nenhuma preocupação de auxílio, nenhum gesto afectivo, nem sequer qualquer apoio económico, fosse na infância, na juventude ou na idade adulta da Autora.</font><br> <font>Numa palavra, não há tratamento da A. como filha pelo investigado.</font><br> <br> <font>Deste modo, indemonstrado o pressuposto de que depende a aplicação da norma especial de alargamento do prazo de propositura da acção - n.º 4 do art. 1817º -, não pode a A. beneficiar desse prazo.</font><br> <br> <font>Restaria o prazo-regra ou geral. </font><br> <font>Porém, tendo a A. nascido em 1961, logo com 38 anos de idade aquando da instauração da acção, também à luz da norma do n.º 1 do mesmo preceito, cujos prazos se encontram há muito esgotados, o direito da Autora se encontrará extinto, por caducidade, tal como se decidiu na 1ª Instância.</font><br> <br> <font>4. 2. - </font><font>Caducidade </font><font>e </font><font>inconstitucionalidade</font><font>.</font><br> <br> <font>Acontece, porém, que, entretanto, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do n.º 1 do art. 1817º C. Civil, "na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos arts. 26º, n.º 1, 36º, n.º 1, e 18º, n.º 2, da CRP" - Ac. do T. C. n.º 23/2006, de 10/01/06.</font><br> <br> <font>Se bem interpretamos, a declaração de inconstitucionalidade, não contendo nem prevendo qualquer restrição nem aludindo a cláusulas de salvaguarda, elimina completamente a norma no que respeita à subsistência do termo estabelecido no prazo-regra para o exercício do direito de investigar.</font><br> <font>É esse também o sentido que se colhe da "declaração de voto" nele proferida.</font><br> <br> <font>E, assim sendo, perante o acolhimento da ideia da inconstitucionalidade de qualquer prazo, assente na da imprescritibilidade do direito de investigar, essencialmente fundada na "diminuição do alcance do </font><font>conteúdo essencial</font><font> dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família" e na desproporcionalidade de restrições, afigura-se-nos que não podem deixar de estar abrangidas pela mesma declaração de inconstitucionalidade as normas que, como a do n.º 4, se limitam a alargar prazos em razão do concurso de pressupostos que a norma geral dispensa.</font><br> <br> <font>Por um lado, a extinção do direito, por caducidade, verifica-se porque, não concorrendo o pressuposto especial, o prazo da norma geral está exaurido, ou seja, o direito caduca porque a acção não foi instaurada no prazo-regra, devendo sê-lo, já que não ocorria o especial condicionalismo que permitia o benefício de um prazo também especial. Em última análise, caída a relação de especialidade, é sempre o prazo-regra que está em causa e é à luz do seu regime que a caducidade é declarada.</font><br> <font>Por outro lado, não se encontram razões que aconselhem ou sugiram a desaplicação da fundamentação do Acórdão à norma do n.º 4 do art. 1817º, cujo conteúdo, perante os termos da declaração de inconstitucionalidade, fica por ela consumido. Quem se baseou um fundamento mais forte, como a posse de estado, cujos elementos não conseguiu demonstrar, total ou parcialmente, não deve ficar numa situação mais gravosa que outrem que nada invocou.</font><br> <br> <font>Consequentemente, ante a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, impõe-se, no termos do art. 204º da CRP, recusar a aplicação dos preceitos dos n.ºs 1 e 4 do C. Civil ao caso ajuizado, na medida em que, indirecta ou directamente, estabelecem o prazo de caducidade de dois anos para a caducidade do direito de investigar.</font><br> <br> <font>4. 3. - </font><font>Abuso de direito</font><font>.</font><br> <br> <font>Demonstrada à saciedade e admitida sem controvérsia a paternidade biológica e afastada a caducidade, a acção estará em condições de proceder, com o inerente reconhecimento da paternidade da Autora.</font><br> <font> </font><br> <font>Ao Recorrentes suscitam, porém, a questão-excepção do abuso de direito, a pretexto de que o exercício do direito de acção, face à factualidade assente, é violador dos bons costumes, da boa fé e do fim social desse direito.</font><br> <br> <font>Não concretizam os Recorrentes em que factos, de entre os assentes para que remetem, deve apoiar-se o juízo de violação do princípio da boa fé, dos bons costumes ou do fim social do reconhecimento da paternidade, nos termos acolhidos pelo art. 334º C. Civil e de modo a que o direito exercitado mereça ser paralisado.</font><br> <br> <font>O instituto do abuso de direito, verdadeira «válvula de segurança» para impedir ou paralisar situações de grave injustiça, que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuridicidade cujas consequências não devem ser diferentes das de qualquer facto ilícito.</font><br> <font>O ordenamento jurídico, ao colher esses conceitos moderadores, compromete-se a assegurar a confiança nas condutas e comportamentos das pessoas responsáveis e imputáveis, objectivamente apreciados, «ilegitimando» os que com eles não se conformem.</font><br> <br> <font>Ora, restrições ao direito de investigar, com fixação de prazos limitativos, como as assentes em razões atinentes à "segurança jurídica dos pretensos pais e seus herdeiros" e às "finalidades puramente egoísticas", permitindo «caças à fortuna», correspondem justamente àquelas que o Acórdão 23/2006 - transcrevendo a quase totalidade da fundamentação anteriormente vertida no Ac. n.º 486/2004 (</font><font>DR</font><font>, 18/02/05, II Série) - rebateu exaustivamente, sobre todas fazendo prevalecer os mencionados direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família, embora sem arredar, de todo, que "o argumento da segurança possa eventualmente justificar </font><font>um</font><font> </font><font>prazo</font><font> de caducidade".</font><br> <br> <font>Se, como parece, os Recorrentes pretendem sustentar que a Recorrente se move por interesses exclusiva ou predominantemente patrimoniais, visado a herança do falecido EE, certo é que, ao menos a nosso ver, não o mostram os factos provados, totalmente omissos a tal respeito, nem os autos fornecem outros elementos que apoiem seguramente a tese. </font><br> <font> </font><br> <font>Não vislumbramos, em suma, razões que, por via do art. 334º C. Civil, legitimem a exclusão do direito de investigar.</font><br> <br> <font>5. - Decisão.</font><br> <br> <font>Em conformidade com o exposto, </font><font>decide</font><font>-</font><font>se</font><font>:</font><br> <font>- Negar a revista pedida pelos Réus-recorrentes;</font><br> <font>- Manter, embora por fundamentos diferentes, a decisão impugnada; e, </font><br> <font>- Condenar os Recorrentes nas custas.</font><br> <br> <font> </font><br> <font>Lisboa, 14 de Dezembro de 2006 </font><br> <font> </font><br> <font>Alves Velho </font><br> <font>Faria Antunes </font><br> <font>Sebastião Póvoas</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - AA intentou acção executiva para prestação de facto, servindo de título executivo sentença homologatória de transacção celebrada entre as Partes, contra BB, CC, DD e Câmara Municipal de .../Município de ..., optando pela indemnização pelo prejuízo resultante da falta de cumprimento, que liquidou em 15.353,00€.</font><br> <font> </font><br> <font>O Executado DD deduziu oposição à execução, alegando que, como acordado na transacção, incumbia à Câmara Municipal fornecer atempadamente e no local, todos os materiais necessários e imprescindíveis para a construção do muro, incumbindo-lhe também facultar os serviços de máquinas e outros que se revelassem necessários para tal construção, o que não sucedeu, apesar das insistências feitas junto da Câmara. Porque só depois de o material se encontrar no local e de serem abertas as fundações com o equipamento da mesma Câmara poderia ter início a construção do muro, o que não foi disponibilizado nem efectuado, tornou-se impossível ao Oponente-executado cumprir a sua prestação.</font><br> <br> <font>A Exequente contestou impugnando a invocada impossibilidade de cumprimento. </font><br> <font> </font><br> <font>A final a oposição improcedeu na totalidade, decisão que a Relação revogou, absolvendo o Oponente do pedido formulado na acção executiva. </font><br> <br> <br> <font>A Exequente pede agora revista, visando a revogação do acórdão e o prosseguimento da execução, ao abrigo da seguinte síntese conclusiva:</font><br> <font>a. - O Recorrido – e os demais obrigados – nada edificaram em cumprimento do clausulado na transacção homologada por sentença;</font><br> <font>b. - Nenhuma diligência ou solicitação demonstraram ter efectuado junto da CMP no sentido de esta fornecer ou disponibilizar os materiais necessários à sua construção ou os serviços de máquinas ou mesmo de a substituírem nessa posição;</font><br> <font>c. - A obrigação exequenda não ficou dependente ou condicionada à prestação de terceiros,</font><br> <font>d. - O Recorrido podia e devia, querendo, fazer executar, no tempo fixado, o muro, através da exigência da colocação dos materiais e meios da CMP, a que também estava adstrita, ou em sua substituição, não sendo ónus da Recorrente;</font><br> <font>- Foram violados os arts. 397º, 398º, 405º-1, 562º, 601º e 807º C. Civil e os arts. 802º e 933º CPC.</font><br> <br> <font>O Recorrido não ofereceu resposta.</font><br> <br> <br> <br> <font> 2. - Vem definitivamente fixada a </font><b><font>factualidade</font></b><font> seguinte:</font><br> <br> <font>1. Por transacção judicial formalizada no âmbito da Acção Ordinária nº 442/99 - 3.° Juízo, homologada por sentença já transitada em julgado, BB, CC e DD, obrigaram-se “</font><i><font>solidariamente, a edificar um muro de sustentação e apoio a terras do prédio da Autora</font></i><font>”, ora Exequente, respeitando a linha divisória dos prédios determinada e assinalada por uma linha vermelha tirada dos pontos indicados sob os nºs 1, 2, 3 e 4, representados no levantamento topográfico elaborado pelos Serviços Técnicos da Câmara Municipal de ..., a fls. 70 dos autos de Acção Ordinária nº 442/99; </font><br> <font> 2. Na referida transacção, a Câmara Municipal de ... obrigou-se “</font><i><font>a fornecer atempadamente e no local todos os materiais necessários e imprescindíveis para a construção do muro em causa, e bem assim dos serviços de máquina e dos meios necessários para aquele efeito</font></i><font>”; </font><br> <font> 3. Na aludida transacção, o muro então a edificar teria “</font><i><font>a sua conclusão até ao dia 30.09.2003</font></i><font>”; </font><br> <font> 4. O executado DD não procedeu à construção do muro de sustentação e apoio de terras; </font><br> <font> 5. Só depois da Câmara Municipal disponibilizar o equipamento e o material e este se encontrar no local da obra seria possível ao oponente iniciar a construção da obra; </font><br> <font> 6. Também só depois das fundações estarem abertas é que a construção do muro poderia ter o seu início; </font><br> <font> 7. A Câmara Municipal de ... nunca disponibilizou qualquer máquina ou equipamento para que se procedesse à abertura de fundações e ao transporte de terras; </font><br> <font> 8. Para se averiguar das quantidades, materiais e equipamentos necessários para a construção do muro bastariam os elementos e os dados recolhidos nos autos e no terreno por técnicos de todos os executados.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> 3. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font> 3. 1. - A questão que se coloca é a de saber se o não cumprimento da prestação a que o Oponente-executado se vinculou no contrato de transacção não lhe é imputável, sendo-o, antes, à Câmara Municipal que, por não fornecer os materiais e serviço de máquinas tornou impossível o cumprimento da prestação pelo Oponente.</font><br> <br> <font> No acórdão impugnado considerou-se que se constituíram duas relações jurídicas distintas perante a Exequente, sendo que a prestação do Oponente não pode ser ainda exigida enquanto não tiver lugar a disponibilização daquilo a que se obrigou a Câmara, por si ou pela Exequente em sua substituição.</font><br> <br> <font> Diferentemente, na sentença da 1ª Instância, julgou-se que o facto de o Executado não ter procedido à construção do muro só não lhe seria imputável se tal omissão se tivesse ficado a dever à falta de cumprimento da obrigação que incumbia à Câmara, o que não logrou provar.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> </font><br> <font> 3. 2. - O fundamento invocado na oposição foi, como referido, a impossibilidade da prestação do Oponente devida ao incumprimento prévio do também Executado Município, que, por sua vez, não satisfez a sua prestação de fornecimento dos materiais e dos serviços de máquina.</font><br> <font> Verificar-se-ia, assim, a extinção da obrigação do aqui Executado, que se teria tornado impossível por causa imputável à omissão do Co-Executado Município.</font><br> <font> Impossibilidade superveniente, pois, por causa não imputável ao devedor – art. 790º-1 C. Civil</font><br> <br> <br> <font> Como resulta do pactuado entre as Partes, o Oponente e o Executado BB obrigaram-se a edificar o muro para cuja construção a também Executada Câmara Municipal se obrigou a fornecer os materiais necessários e os serviços de máquina, fixando-se para a conclusão da obra a data de 30 de Setembro de 2003.</font><br> <br> <font> Declara-se no art. 762º C. Civil que “o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado”.</font><br> <font> Corresponde à actuação do devedor, no exercício do dever de prestar, de satisfação do interesse do credor.</font><br> <font> O cumprimento, enquanto realização pontual da prestação pelo devedor, constitui o modo natural de extinção das obrigações.</font><br> <br> <font> No caso, não pode questionar-se o incumprimento da prestação, pois que nenhuma obra foi feita em execução da edificação do muro que a prestação dos Executados e a satisfação do interesse da Exequente impunham.</font><br> <br> <font> </font><br> <font> A obrigação tinha prazo certo, conforme clausulado, prazo esse há muito vencido.</font><br> <font>A prestação não ficou subordinada à verificação de qualquer condição cuja prova de verificação impendesse sobre o Exequente-credor, para que a execução se tornasse possível – arts. 804º-1 C. P. C. e 270º C. Civil.</font><br> <font> A obrigação exequenda é, pois, face ao disposto nos art. 805º.2-a) e 817º C. Civil, exigível.</font><br> <font> </font><br> <font> </font><br> <br> <font> 3. 3. - Como é entendimento generalizado, prestação torna-se impossível quando, “por qualquer circunstância (legal, natural ou humana), </font><i><font>o comportamento exigível do devedor</font></i><font>, segundo o conteúdo da obrigação, </font><i><font>se torna inviável</font></i><font>, sendo a impossibilidade </font><i><font>objectiva </font></i><font>quando a realização da prestação não possa ser efectuada por ninguém e meramente </font><i><font>subjectiva </font></i><font>quando apenas o devedor a não pode executar (A. VARELA, “</font><i><font>Das Obrigações em Geral</font></i><font>”, II, 6ª ed., 67).</font><br> <font> Pacificamente aceite, também, face à norma do art. 791º C. Civil [a impossibilidade relativa à pessoa do devedor importa igualmente a extinção da obrigação, se o devedor, no cumprimento desta, não puder fazer-se substituir por terceiro], que, tendo a prestação natureza fungível, ou seja, podendo o devedor ser substituído por terceiro, só a impossibilidade objectiva constitui causa de extinção da obrigação.</font><br> <br> <br> <font> Convocando a concreta situação ajuizada, cremos ninguém pôr em dúvida a fungibilidade da prestação a que se vinculou o Oponente, bem como os demais Executados.</font><br> <font> O que está em causa é, seguramente, a edificação do muro com as características fixadas; - Consistindo a prestação na produção desse específico resultado pela conjugação de meios dos vários obrigados, por isso vinculados aos inerentes deveres de colaboração e cooperação que a boa fé no cumprimento da obrigação postula, só a impossibilidade objectiva poderia extinguir o vínculo jurídico estabelecido.</font><br> <br> <font> Ora, a matéria de facto provada não só não dá conta de impossibilidade objectiva de realização da prestação como nem sequer reflecte a realização de qualquer diligência do Oponente no sentido do suprimento ou de superação da alegada inércia dos demais Co-obrigados, nomeadamente da Câmara Municipal. </font><br> <br> <br> <font> 3. 4. - De notar, ainda, com relevo para a solução da questão, que aquele vínculo plural configura, a nosso ver, do lado passivo uma obrigação conjunta e indivisível. </font><br> <font> </font><br> <font> Com efeito, apesar de competir a diferentes devedores a realização de parte da prestação comum, consistindo esta, como consiste, na edificação do muro, não se vê como pudesse ou devesse a Exequente-credora exigir a cada um dos Executados-devedores uma fracção dessa prestação, satisfazendo desse modo, ainda que parcialmente, o seu interesse. Parece, pois, que de nada valeria àquela obter da Câmara a colocação dos materiais e das máquinas no local se simultânea e subsequentemente o Oponente não executasse as tarefas que lhe incumbiam no prosseguimento do objectivo comum. </font><br> <br> <font> O facto positivo objecto da prestação devida à Exequente não se apresenta, pela sua própria natureza, como divisível, apesar das distintas prestações dos devedores no concurso para a produção do resultado a prestar. </font><br> <br> <font>Não concorrem, efectivamente, os requisitos de divisibilidade exigidos pelo art. 534º C. Civil – possibilidade de repartição da prestação debitória em fracções qualitativamente iguais ou proporcionais entre si em relação ao todo ou ao seu valor – sem os quais a obrigação é indivisível.</font><br> <br> <font> Por isso se entende que, conforme expressamente se estabelece no art. 535º-1 do citado diploma, só de todos os devedores poderia a ora Exequente exigir o cumprimento da obrigação, independentemente das condições de que cada um disponha para a realização da prestação devida (cfr. A. VARELA, </font><i><font>Ob. cit.</font></i><font>, I, 9ª ed., 838).</font><br> <br> <font> </font><br> <font> Restará acrescentar que, no caso, a indivisibilidade da prestação exibe uma imagem com particular nitidez. </font><br> <br> <font>Referimo-nos à circunstância de a prestação de facto a que o(s) Executado(s) se obrigara(m) ter sido, perante a situação de incumprimento, logo convertida em prestação pecuniária indemnizatória do dano sofrido com a não realização da obra - como, em alternativa à execução específica, embora por outrem, como permite o art. 933º-1 CPC -, sendo certo que o Executado-recorrido, na oposição que deduziu, não só não impugnou o montante unitário da indemnização, como não suscitou qualquer problema relativamente à divisibilidade e/ou a valores das partes da prestação que poderiam caber a cada um dos devedores, nomeadamente ao próprio Oponente.</font><br> <br> <font> Ora, não se vê como pudesse agora o Tribunal determinar a parte ou quota do valor da prestação peticionada correspondente à responsabilidade indemnizatória/compensatória do Oponente, já que do todo, como se viu, não pode ele liberar-se.</font><br> <font> </font><br> <br> <font> Também por esta via emerge afastada a pretendida exoneração do Executado-oponente.</font><br> <br> <br> <font> 3. 5. - Conclui-se, como corolário do que se deixou expendido, que a obrigação exequenda não só, por vencida, é exigível, como, pela sua natureza de obrigação indivisível e fungível, se mantém em termos de poder ser imposto ao Oponente o respectivo cumprimento, designadamente por não ocorrer, como causa de extinção, a invocada impossibilidade de cumprimento.</font><br> <br> <br> <br> <font> 4. - Decisão.</font><br> <br> <font> Em conformidade com o exposto, acorda-se em:</font><br> <font> - Conceder a revista;</font><br> <font> - Revogar o acórdão impugnado;</font><br> <font> - Repor o sentenciado na 1ª Instância que, julgando improcedente a oposição à execução, ordenou o prosseguimento da acção executiva contra o Oponente, e,</font><br> <font> - Condenar o Recorrido nas custas.</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, 14 Julho 2009 </font><br> <font> </font><br> <font> Alves Velho (relator)</font><br> <font> Moreira Camilo</font><br> <font> Urbano Dias</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><font> (1)</font><font>:</font><br> <br> <font>AA e esposa, BB, residentes na Rua da V..., nº ..., A..., Stª Maria da Feira, propuseram a presente acção declarativa, com processo comum, que, posteriormente, assumiu a forma ordinária, contra a Freguesia de Arrifana, com sede na Av.a do Corgo, Arrifana, Stª Maria da Feira, pedindo que, na sua procedência, seja declarado que os autores são os proprietários do prédio, abaixo-identificado, e a ré condenada a entregar ou restituir-lhes, imediatamente, o tracto de terreno, posicionado a Sul, do aludido prédio, e que a ré ora ocupa, alegando, para tanto, e, em síntese, que, em 1977, compraram a CC, por contrato verbal, o prédio em causa, e, desde então, que agem sobre o mesmo como se fossem seus donos, aí praticando diversos actos agrícolas, fruindo todas as suas utilidades, sem oposição ou violência, continuamente, à vista de toda a gente, e ignorando que lesavam ou estavam a lesar direitos de outrem, pelo que o adquiriram por usucapião, que invocam.</font><br> <font> Em 2002, os autores entregaram uma parte do terreno de tal prédio, gratuitamente, à ré, pelo período de três meses e para que esta aí depositasse materiais de construção, prazo esse que, posteriormente, prorrogaram, por mais três meses, a pedido da ré, e acederam a que esta procedesse à vedação do prédio, a Poente, com um muro e um portão, para melhor protecção dos materiais. </font><br> <font> Decorrido o prazo da prorrogação, a ré não entregou, voluntariamente, aquele terreno, pelo que os autores a interpelaram, por diversas vezes, para o efeito, mas sem êxito. </font><br> <font>Na contestação, a ré conclui no sentido da improcedência da acção, mas caso tal não suceda, em sede reconvencional, pediu que os autores fossem condenados a pagar-lhe a quantia de €4.780,00, ou outra que se apurar, em sede de julgamento, acrescida de juros, à taxa legal, desde a notificação até integral pagamento, invocando, para o efeito, que os autores apenas cultivam, cerca de 1/4 do prédio em causa, nunca o tendo adquirido, a quem quer que fosse, e nunca tendo estado na sua posse.</font><br> <font>Este prédio encontrava-se, há mais de 20 e 30 anos, coberto de silvas e votado a um total abandono, sendo o autor marido quem, em 1996, informando que não sabia quem era o dono do terreno e porque tinha a sua casa de habitação perto do mesmo, pediu que a ré procedesse à sua limpeza, para que não fosse ocupado por ciganos, solicitando ainda à ré autorização para cultivar uma pequena área do prédio. </font><br> <font> Depois da ré ter procedido à limpeza do terreno, os autores passaram a cultivar, cerca de ¼ do mesmo, para fins domésticos.</font><br> <font>Assim, apesar de interpelada pelos autores para entregar o terreno em causa, a ré recusou, por os não reconhecer como seus proprietários.</font><br> <font>De todo o modo, caso a acção venha a ser julgada procedente, deverão os autores ser condenados a pagar à ré a quantia por esta despendida com a realização das obras de vedação ou se tal não se entender, na medida da valorização que as mesmas trouxeram ao aludido prédio, valor esse que deverá ser quantificado num mínimo de €4.780,00. </font><br> <font> É verdade que a ré procedeu à vedação do prédio, construindo um muro em blocos, encimado por rede, e instalou um portão, por onde passavam e continuam a passar as suas viaturas, que aí são aparcadas, vindo ainda a utilizar o terreno, ao longo de alguns anos, para depósito de materiais utilizados nas obras que a autarquia leva a efeito na área da sua jurisdição. </font><br> <font>Na réplica, os autores reafirmam, em suma, o alegado na petição inicial, impugnando ainda os valores invocados pela ré, em sede de reconvenção, por exagerados, assim como as características do muro, por desconhecimento, terminando com o pedido da improcedência da reconvenção.</font><br> <font>A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente, e, em consequência, absolveu a ré do pedido deduzido pelos autores e julgou extinta a instância reconvencional, por inutilidade superveniente da lide.</font><br> <font>Desta sentença, os autores interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, e, em consequência, julgou a acção procedente, por provada, e, por via disso, declarou que os autores são proprietários do prédio, identificado no artigo 1º da petição inicial, condenando a ré a entregar/restituir, imediatamente, aos autores o tracto de terreno, posicionado a sul desse prédio, e que ocupa, e o pedido reconvencional improcedente, por não provado, e, em consequência, absolveu os autores do mesmo.</font><br> <font>Do acórdão da Relação do Porto, interpôs a ré, agora, por seu turno, recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, julgando-se a acção improcedente, como foi decidido em 1ª instância, mas, na hipótese meramente académica de tal se não entender, cautelarmente, deverá ser revogado o acórdão, na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional, substituindo-se tal decisão por outra que condene os recorridos a pagar à recorrente a importância pedida, a título de benfeitorias, com base no disposto nos artigos 473º e 474º, do Código Civil, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br> <font>1ª – Os recorridos, em audiência de julgamento em 1ª instância, não lograram provar que a prática dos actos referidos no nº 2 da base instrutória, fosse levada a cabo na convicção de o fazerem na convicção do exercício dum direito correspondente ao de propriedade;</font><br> <font>2ª - E alegaram tal facto na petição (artº 5 -</font><i><font> </font></i><font>da mesma peça processual);</font><br> <font>3ª - Não lograram provar, embora tivessem alegado, que a prática de tais actos fosse levada a cabo," continuamente (sem interrupção no tempo ou até reiteradamente, com exclusão de outrem (resposta negativa ao nº 3 da base instrutória);</font><br> <font>4ª - Contrariamente, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, mesmo não considerando a fundamentação apoiada nas testemunhas da ré, o M. Juiz de 1ª Instância, escreve em relação ao depoimento da testemunha, DD, testemunha dos recorridos, que "O A. jamais assumiu ser proprietário do terreno em causa, dizendo-lhe apenas que precisava do terreno para cultivar, a quando da sua ocupação pela R.;</font><br> <font>5ª - Também a testemunha dos autores, EE, vizinha do autor há mais de quarenta anos, e conhecedora também do local diz expressamente que "os AA. lhe referiram que a proprietária do terreno, D. CC os deixou cultivar gratuitamente o terreno e ainda que o A. lhe disse que se o terreno fosse vendido, teria preferência".</font><br> <font>6ª - Entende a recorrente que, logo por estas razões - já não considerando o depoimento das testemunhas da ré que, sobre tal, foram claros, de que os recorridos não se consideravam donos do terreno, pensando que, também com base em tal decisão e fundamentação, que elidiu , só com as testemunhas dos recorridos, a presunção júris tantum estabelecida no nº 2 do artº 1252º do Cod. Civ., até não falando dos depoimentos das testemunhas por si arroladas;</font><br> <font>7ª - Ainda, como se escreve na douta sentença de 1ª instância, a recorrente, também foi solicitada pelo recorrido marido em 1966, para prevenir a ocupação do terreno pelos ciganos que nas imediações acampam, para proceder à vedação do trato de terreno referido em C). Ora um pedido deste estilo não é compatível, como resulta do senso comum, com uma invocada qualidade de proprietário do terreno em causa,</font><br> <font>8ª - Também por esta razão julga a recorrente ter elidido a presunção júris tantum e, consequentemente não lhe deverá ser aplicável o acórdão uniformizador deste Venerando Tribunal, publicado no DR, II série, de 24/06/96, que fundamenta a decisão do Tribunal da Relação;</font><br> <font>9ª - Tal interpretação e situação foi consagrada no acórdão deste Venerando Tribunal datado de 19/02/1998 in CJ do STJ, 1998, tomo 1, pag. 96 e segs.</font><br> <font>Assim, ao revogar a sentença proferida pelo M. Juiz de 1ª instância, o Tribunal da Relação fez errada aplicação ao caso do disposto nos artigos 1252º, nº 2, al. a) e b), 1253º, 1263 al. a) do nº 1 e 1287º todos do Cod. Civ.</font><br> <font>10ª - Igualmente, no caso da não esperada improcedência do presente recurso, entende também que andou mal o Tribunal da Relação do Porto, ao denegar procedência ao pedido reconvencional já que está a beneficiar, ao arrepio da lei, a ausência de prova do contrato de comodato, sendo que o mesmo foi invocado pelos recorridos;</font><br> <font>11ª - Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação veio permitir que os recorridos se enriqueçam injustificadamente à custa da recorrente, pois, paradoxalmente, se aqueles tivessem logrado provar a existência dum contrato de comodato, cuja existência alegaram, no caso dos autos, dadas as respostas à matéria de facto, teriam de reembolsar a recorrente na medida do que a mesma despendeu ou do que enriqueceu os autores, situação que parece contrariar os mais elementares princípios que subjazem às situações em análise;</font><br> <font>12ª - Estar-se-ia perante uma situação de enriquecimento injustificado dos recorridos à custa da recorrente, situação que não é permitida nos termos dos artºs 473º e 474º do Cod. Civ.</font><br> <font>Nas suas contra-alegações, os autores sustentam que o douto acórdão deve ser confirmado, porquanto não é aceitável trazer, nesta fase e pela forma tentada, opiniões sobre o que as testemunhas disseram, como disseram e ou deixaram de dizer [1], as conclusões subscritas pela ré não abalam a decisão proferida pelo Tribunal de 2a Instância [2], devendo manter-se a decisão da Relação do Porto sobre o pedido reconvencional, por, além de justa, reflectir, na íntegra, o espírito e a letra do Código Civil [3].</font><br> <font>O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:</font><br> <font>1. O prédio rústico, composto por terreno de cultura, com a área de 790 m2, sito na Rua da V..., freguesia de A..., concelho de Santa Maria da Feira, a confrontar do Norte com tanque público e Rua R... S... I..., do Sul com Eng.º FF, do Nascente com Edifício P... e do Poente com Rua da V... (caminho da f...), não se encontra inscrito na matriz, mas foi participada a sua omissão, em 24-11-2005 –</font><i><font> </font></i><font>A).</font><br> <font>2. Os autores têm a sua habitação a poucas dezenas de metros desse terreno - B). </font><br> <font>3. Num tracto de terreno, posicionado a Sul do prédio descrito em 1., na parte em que este não tinha qualquer protecção, a ré construiu um muro, encimado por rede, e instalou um portão - C).</font><br> <font>4. A ré ocupa tal tracto de terreno, aí depositando materiais utilizados nas obras e aparcando viaturas - D).</font><br> <font>5. Os autores interpelaram a ré para proceder à entrega do aludido tracto de terreno, tendo esta recusado a sua entrega - E). </font><br> <font>6. Desde 1977, que os autores vão arando, plantando produtos hortícolas, semeando e colhendo o semeado e plantado, e ocupando com objectos seus o prédio, mencionado em 1. - 2º. </font><br> <font>7. À vista de toda a gente e, mormente, das pessoas residentes nas proximidades de tal prédio - 4º.</font><br> <font>8. Sempre sem oposição ou violência de quem quer que fosse – 5º. </font><br> <font>9. Em 1996, para prevenir a ocupação pelos ciganos, que, frequentemente, acampam nas imediações, o autor marido solicitou à ré a vedação do tracto, referido em 3. – 10º. </font><br> <font>10. O muro, aludido em 3., está construído em blocos de betão com 20 cm de espessura, com uma altura variável entre 2 e 1,20 metros, com fundações em betão, com pilares de travamento e com uma área aproximada de 70 m2, cujo custo é de €3.000,00 – 11º. </font><br> <font>11. A mencionada rede é plastificada, com a malha de 50x13x10, tendo a mesma 1 metro de altura, numa extensão de 30 metros, e 1,5 metros, numa extensão de 20 metros – 12º. </font><br> <font>12. Sendo o referido portão de ferro de correr, em rede electrosoldada, com o comprimento de 5,80 metros e a altura de 2 metros – 13º. </font><br> <font>13. O custo da rede e do portão ascendem, no global, a €1.780,00 – 14º. </font><br> <font>14. A construção do muro, a colocação da rede e a implantação do portão de ferro melhorou o terreno, aumentando o seu valor – 15º.</font><br> <font>15. O muro e o portão foram colocados para permitirem e impedirem o acesso ao terreno – 16º. </font><br> <font>16. Se forem levantados, o muro, o portão e a rede perdem, totalmente, o seu valor – 17º. </font><br> <font>17. A construção do muro, a colocação da rede e a implantação do portão foram levados a cabo pela ré, com conhecimento dos autores e a pedido do autor – 18º.</font><i><font> </font></i><br> <font> *</font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font><br> <font>I – A questão da posse boa para a usucapião. </font><br> <font>II – A questão do enriquecimento injustificado dos autores, à custa da ré, pelas despesas por esta realizadas. </font><br> <br> <font> I. DA POSSE BOA PARA A USUCAPIÃO </font><br> <font> </font><br> <font>Defende a ré, no essencial relevante das suas conclusões de revista, que os autores não lograram provar que a prática dos actos de posse fosse levada a cabo na convicção de o fazerem no exercício de um direito correspondente ao de propriedade, e bem assim como que a prática de tais actos fosse realizada "continuamente (sem interrupção no tempo ou até reiteradamente, com exclusão de outrem (resposta negativa ao nº 3 da base instrutória), e que, portanto, elidiu a presunção «juris tantum» estabelecida no artigo 1252º, nº 2, do Código Civil”.</font><br> <font>Efectuando uma síntese da factualidade que ficou consagrada, importa reter, neste particular, que os autores, desde 1977, vão arando, plantando produtos hortícolas, semeando e colhendo o semeado e plantado, ocupando com objectos seus o prédio rústico controvertido, à vista de toda a gente e, mormente, das pessoas residentes nas suas proximidades, sempre sem oposição ou violência de quem quer que seja, sendo certo que, em 1996, para prevenir a ocupação pelos ciganos, que, frequentemente, acampam nas imediações, a solicitação do autor marido, a ré procedeu à vedação de um tracto de terreno, posicionado a Sul do aludido prédio, na parte em que este não tinha qualquer protecção, construindo um muro, encimado por rede, e instalando um portão, ocupando-o, desde então, e nele depositando materiais utilizados nas obras e aparcando viaturas, contra a vontade dos autores, que a interpelaram, sem sucesso, para proceder à entrega do aludido tracto de terreno.</font><br> <font>Por seu turno, não se provou, por tal haver merecido resposta negativa, que os mencionados actos de posse tenham sido praticados pelos autores, “continuamente” e “na convicção de que são donos desse mesmo prédio”. </font><br> <font>O pedido formulado na presente acção de reivindicação tem como fundamento o instituto da usucapião, que se traduz, nos termos do preceituado pelo artigo 1287º, do Código Civil (CC), na faculdade concedida ao possuidor de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua actuação, salvo disposição em contrário, através da posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida durante certo lapso de tempo.</font><br> <font>A posse do direito é, assim, um dos requisitos estruturais da usucapião, que funciona como condição «sine qua non» da prescrição aquisitiva, sendo o outro o decurso de certo lapso de tempo da duração da posse do direito.</font><br> <font>Efectivamente, através da estrutura dos direitos reais tipificados, consegue-se alcançar a ordenação dominial definitiva, que é uma ordenação tão concreta quanto possível, a qual, para que se torne completa, ou seja, para que não deixe lacunas na regulamentação dos bens, a fim de evitar que se criem situações de dúvida sobre a existência, espécie e títulos de domínio, impõe o recurso ao sistema da ordenação dominial provisória, que tem subjacente a posse.</font><br> <font>A posse é, assim, um poder de facto sobre a coisa, juridicamente relevante, quando falham os mecanismos normais da ordenação definitiva dos bens, ou seja, um vínculo de ordenação dos bens não ordenados</font><font>(2)</font><font>.</font><br> <font> O artigo 1251º, do CC, define a posse como “…o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”.</font><br> <font>Esta função integradora da posse, destinada a proteger a situação de facto em que se traduz de outras situações de facto e contra pretensões de direito não devidamente comprovadas, alcança-se através dos mecanismos da tutela possessória, dominados pelo princípio da preferência material do possuidor.</font><br> <font>Assim, estipula o artigo 1252º, nº 2, do CC, que “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto…”, e isto porque a posse, para além de um sinal, é, também, um bem, na medida em que garante o interesse objectivo da paz pública, mais do que o interesse subjectivo do possuidor</font><font>(3)</font><font>.</font><br> <font>Resulta ainda do preceituado pelos artigos 1251º e 1253º, do CC, que o legislador nacional acolheu a corrente subjectivista da posse, isto é, a posse que é exercida em termos de proprietário, que está integrada por dois elementos estruturais, e que exige a presença do «corpus» ou elemento material, que se objectiva como o exercício actual ou potencial de um poder de facto sobre a coisa, enquanto apreensão material da mesma, e do «animus possidendi» ou elemento psicológico, que se traduz na intenção de o agente se comportar como titular do direito real correspondente aos actos praticados</font><font> (4)</font><font>.</font><br> <font>Com base na conjugação destes dois elementos da posse que decorrem da adesão à corrente subjectivista, é possível distinguir a posse ou «ius possessionis» da mera detenção ou «ius detentionis». </font><br> <font>E, assim, a posse é formal quando não é expressão de um direito real anterior, quer porque não existe, quer porque existindo se abstrai dele, ou causal, quando não tem autonomia, isto é, se baseia numa causa anterior.</font><br> <font>Ao invés, a posse precária ou mera detenção pode repartir-se em posse em nome alheio, de natureza causal, isto é, a situação dos “representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, de todos os que possuem em nome de outrem” [artigo 1253º, b), do CC] ou não causal, ou seja, a situação dos “que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito” [artigo 1253º, a) do CC]</font><font> (5)</font><font>, e posse simples, sem «animus», isto é, a situação daqueles “que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito” [artigo 1253º, b), do CC].</font><br> <font>Porém, traduzindo-se o «corpus» no exercício de poderes de detenção ou fruição, com ocupação da coisa, na hipótese de se tratar de imóvel, não se exige um permanente contacto físico com a mesma, bastando que esta esteja, virtualmente, no âmbito do poder de facto do possuidor ou que este dela recolha as vantagens económicas correspondentes, designadamente, proceda à colheita dos frutos</font><font> (6)</font><font>.</font><br> <font>Mas, se a posse exige que a coisa se encontre no domínio empírico do seu titular, na sua zona de efectiva disponibilidade, não impõe que seja contínua, porquanto não se perde a posse por suspensões momentâneas, podendo até acontecer que a própria lógica das coisas imponha interrupções na posse</font><font> (7)</font><font>.</font><br> <font>De todo o modo, a posse não se limita a um contacto fugaz ou passageiro com a coisa, sendo necessário uma ligação estável, ainda que não permanente ou contínua, dependendo o modo de utilização do bem da própria natureza das coisas.</font><br> <font>A prática reiterada dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, como requisito imposto pelo artigo 1263º, a), do CC, para a aquisição originária da posse, não se basta, por via de regra, com um acto único, sendo essencial que, embora variáveis de caso para caso, os actos que a suportam se dirijam ao estabelecimento de uma duração duradoura com a coisa</font><font> (8)</font><font>.</font><br> <font>Para que se verifique o «corpus» que consubstancia a posse de um direito de propriedade é desnecessária a manutenção inalterável de uma forma de exploração dada ao prédio, ao longo de todo o prazo legal da usucapião, porquanto o que interessa é que durante todo esse período de tempo se tenham praticado actos de posse correspondentes ao direito de propriedade, qualquer que seja a intensidade do aproveitamento efectuado mediante tais actos</font><font> (9)</font><font>.</font><br> <font>Revertendo ao caso dos autos, registe-se que o poder dos autores sobre o prédio rústico analisado, corporiza-se na pratica de actos materiais de arar, plantar produtos hortícolas, semear e colher o semeado e plantado e ocupar o mesmo com objectos seus, enquanto manifestação de uma acção correspondente ao exercício do direito de propriedade, atento o disposto pelo artigo 1251º, do CC, isto é, traduz uma situação de posse.</font><br> <font>E quem está na posse da coisa, na generalidade das situações, goza da presunção da titularidade do direito correspondente, excepto se existir a favor de outrem presunção fundada em registo anterior ao início da posse, nos termos do preceituado pelo artigo 1268º, nº 1, do CC, razão pela qual se lhe não exige, desde logo, uma actividade probatória dirigida à demonstração do seu direito de propriedade sobre ela, sendo suficiente a prova da posse.</font><br> <font>Efectivamente, considerando a dificuldade em demonstrar o «animus» e a consequente posse, em nome próprio, ressalvada a situação em que haja coincidência com a prova do direito aparente, consagrou-se uma presunção de posse, em nome próprio, por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa – «corpus» -, razão pela qual, quando seja necessário o «corpus» e o «animus», em caso de dúvida, o exercício daquele faz presumir a existência deste, com base no disposto pelo artigo 1252º, nº 2, do CC</font><font>(10)</font><font>.</font><br> <font>É, portanto, a outra missão da posse, para além da garantia da tutela possessória, isto é, a de constituir presunção da titularidade do direito e, consequentemente, pela via da usucapião, conduzir a uma autêntica dominialidade. </font><br> <font>Por isso, a posse é um direito real provisório, porquanto os seus efeitos são independentes da circunstância de se saber quem é o titular do direito real sobre a coisa que está na esfera do possuidor, pelo que só actua, enquanto não for, definitivamente, apurado quem é o autêntico titular do direito real sobre o bem, e “cessa, não havendo, anteriormente, usucapião, perante a acção de reivindicação”</font><font> (11)</font><font>.</font><br> <font>Quer isto dizer, portanto, que à pessoa que retém ou frui uma coisa basta provar a posse, a qual, se for uma posse de ano e dia, ou seja, uma posse superior a um ano, nada mais se impõe que seja averiguado, nos termos do disposto pelo artigo 1278º, nº 2, do CC, não sendo, consequentemente, a contraparte admitida sequer a provar que tem melhor posse</font><font> (12)</font><font>.</font><br> <font>De facto, os autores demonstraram que, sem embargo de não disporem de qualquer registo de inscrição do prédio, a seu favor, encontram-se na sua retenção e fruição, enquanto que ré, por seu turno, não provou a respectiva inscrição dominial, na sua titularidade, muito embora esteja a ocupar parte do aludido prédio rústico, contra a vontade dos autores, que a interpelaram, sem sucesso, para proceder à sua entrega</font><font> (13)</font><font>.</font><br> <font>E a posse, como já se disse, caracteriza-se pelo poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, atento o estipulado pelo artigo 1251º, adquirindo-se, originariamente, como é a situação que aqui interessa considerar, porquanto surgiu na esfera do possuidor, sem ser transmitida pelo anterior possuidor, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito, como resulta do preceituado pelo artigo 1263º, a), ambos do CC.</font><br> <font>Esta aquisição originária da posse, a que se reporta o artigo 1263º, a), do CC, acabada de considerar, exige como seus requisitos, essencialmente, constitutivos, a pratica reiterada, a publicidade e o consenso público.</font><br> <font>A pratica reiterada, não se bastando, em princípio, com o cometimento de um acto isolado, exige um contacto estável, mas não reclama, como já se disse, uma ligação permanente ou contínua, podendo a sua manutenção revestir uma intensidade inferior à que é exigida para a sua constituição</font><font> (14)</font><font>, referindo-se a reiteração mais à intensidade do que à duração dos actos possessórios</font><font> (15)</font><font>.</font><br> <font>Na verdade, sempre que alguém cultiva um prédio rústico e colhe os seus frutos pratica actos suficientes para adquirir a posse dele, procedendo como o verdadeiro proprietário.</font><br> <font>A publicidade contende com o conhecimento ou cognoscibilidade da situação pelos interessados, conforme resulta do estipulado pelo artigo 1262º, do CC, enquanto que o consenso público significa que esses actos traduzem o exercício do direito real correspondente.</font><br> <font>E todos estes pressupostos fácticos, como já se referiu, estão demonstrados nos autos.</font><br> <font>Por outro lado, na aquisição originária da posse, importa ainda considerar, em conformidade com o disposto pelo artigo 1257º, nº 1, do CC, que esta se mantém enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, presumindo-se que continua nos mesmos termos que a caracterizavam no seu início, sem necessidade de prova da posse ulterior, como se refere no respectivo nº 2, conservando-se enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito, de tal modo que este possa renovar, querendo, a sua actuação material sobre ela, só deixando de existir o «corpus», extinguindo-se a posse, quando o poder de gozo não é exercido</font><font>(16)</font><font>.</font><br> <font>Ora, sendo certo que a aquisição originária da posse, a que alude o artigo 1263º, a), em complemento do disposto pelo artigo 1251º, ambos do CC, exige, de igual modo, o «corpus» e o «animus possidendi», a prova deste último elemento psicológico pode resultar de uma presunção, isto é, o exercício do «corpus» faz presumir a existência do «animus possidendi»</font><font> (17)</font><font>.</font><br> <font>E os factos que ficaram provados nas instâncias, e outros, em princípio, não podem ser objecto do conhecimento por este Supremo Tribunal de Justiça, atento o disposto pelos artigos 722º, nº 2 e 729º, nºs 2 e 3, do CPC, cujas excepções não ocorrem, nem a fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto podem ser utilizados para demonstrar eventuais insuficiências da factualidade que ficou consagrada, ou até seriam irrelevantes para esse efeito, não permitindo considerar ilidida a presunção da titularidade do direito, a que alude o artigo 1268º, nº 1, do CC, sendo certo, como já se disse, que a ré não demonstrou a existência, a favor de outrem, de presunção fundada em registo anterior ao início da posse.</font><br> <font>Efectivamente,</font><b><font> </font></b><font>«podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa»</font><font> (18)</font><font>.</font><br> <font>Na verdade, a ré não demonstrou, como lhe competia, que os autores, enquanto detentores, não são possuidores, já que se arrogavam a essa posse, por força do preceituado pelo artigo 350º, nº 1, do CC, sendo certo que estes, por terem a seu favor a presunção legal, estavam dispensados de provar o facto a que ela conduz. </font><br> <font>Deste modo, mostram-se preenchidos os requisitos do «corpus» mas, também, do «animus possidendi», por parte dos autores, quer no momento da aquisição da posse, como na ocasião da sua conservação, em conformidade com o que se dispõe no artigo 1257º, do CC.</font><br> <font> E porque a aludida posse decorreu pelo tempo necessário à aquisição do imóvel por usucapião, não pode a acção deixar de proceder, tal como julgou a Relação.</font><br> <br> <b><font> </font></b><font>II. DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA</font><br> </font><p><font><font>Sustenta, igualmente, a ré que o pedido reconvencional deve proceder, porquanto</font><font> os autores estão a ser beneficiados, ao arrepio da lei, pela ausência de prova do contrato de comodato, que os mesmos invocaram, permitindo o seu enriquecimento injustificado, à custa da ré.</font><br> <font>Ficou provado, neste particular, com interesse relevante para a decisão da questão em apreço que, n</font><font>um tracto de terreno do prédio rústico em discussão, na parte em que este não tinha qualquer protecção, a ré construiu um muro, em blocos de betão, com 20 cm de espessura, com uma altura variável entre 1,20 e 2 metros, com fundações em betão, com pilares de travamento e com uma área aproximada de 70 m2, cujo custo é de € 3.000,00. </font><br> <font>O aludido muro foi encimado por rede plastificada, com a malha de 50x13x10, tendo a mesma 1 metro de altura, numa extensão de 30 metros, e 1,5 metros, numa extensão de 20 metros. </font><br> <font>Nesse local, a ré instalou um portão de ferro de correr, em rede electro-soldada, com o comprimento de 5,80 metros e a altura de 2 metros.</font><br> <font> O custo da rede e do portão ascendeu a €1.780,00, sendo certo que a construção do muro, a colocação da rede e a implantação do portão de ferro melhoraram o terreno, aumentando o seu valor, tendo o muro e o portão sido colocados para permitirem e impedirem o acesso ao terreno.</font><br> <font>A isto acresce que a construção do muro, a colocação da rede e a implantação do portão de ferro foram levados a cabo pela ré, a pedido do autor, sendo certo que se forem levantados perdem, totalmente, o seu valor.</font><br> <font>Por outro lado, a ré ocupa o aludido trato de terreno, nele depositando os materiais utilizados nas obras e aparcando as viaturas, recusando-se a entregá-lo aos autores, que a interpelaram para o efeito.</font><br> <font>Efectivamente, como já se disse, os autores encontram-se na retenção e fruição do aludido prédio rústico, enquanto que ré, por seu turno, está a ocupar parte do mesmo, contra a vontade daqueles, que a interpelaram, sem sucesso, para proceder à sua entrega.</font><br> <font>Assim sendo, trata-se de uma situação de posse em nome alheio, contemplada pelo artigo 1253º, c), do CC, equivalente à de comodatário, mas cujo título em concreto não ficou demonstrado, sendo certo que o próprio comodatário de um prédio é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé, atento o estipulado pelo artigo 1138º, nº 1, do CC.</font><br> <font>Estabelecendo o artigo 216, n°1, do CC, o conceito de benfeitorias, como sendo “todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”, distingue, nos respectivos nºs 2 e 3, a noção de benfeitorias necessárias, como sendo aquelas “que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa”, de benfeitorias úteis, como aquelas” que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor”, e de benfeitorias voluptuárias como as “que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentand
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>"Empresa-A", intentou acção, com processo ordinário, contra AA, pedindo a sua condenação a ver perdidos para a Autora a quantia de 34 400 000$00 entregue a titulo de sinal ou, subsidiariamente, a modificação do preço de venda, de 38 000 000$00 para 42 943 000$00.</font><br> <br> <font>O Réu contestou e deduziu pedido reconvencional de reconhecimento do seu crédito de 7 371 000$00, a execução especifica do contrato prometido e a substituição de materiais usados nos acabamentos da fracção ou, subsidiariamente, a condenação da autora a pagar-lhe a diferença de custo desses materiais.</font><br> <br> <font>Posteriormente, a Autora ampliou o pedido para condenação do Réu a pagar-lhe 69000,00 euros pela ocupação da fracção, 1500,00 euros mensais a esse título e 7156,36 euros de despesas de condomínio, seguros e contribuições.</font><br> <br> <font>No Tribunal de Circulo de Cascais o Réu foi absolvido do pedido e declarada a execução específica do contrato promessa. A Autora foi absolvida dos demais pedidos reconvencionais.</font><br> <br> <font>Apelaram a Autora e o Réu.</font><br> <br> <font>A Relação de Lisboa confirmou a sentença recorrida.</font><br> <br> <font>Pedem agora revista.</font><br> <br> <font>Conclui a Autora:</font><br> <br> <font>- Face à prova produzida o Réu demonstrou e expressou inequivocamente a vontade de não celebrar o contrato prometido se não ocorressem determinados eventos como a diminuição do preço e a reparação de deficiências da fracção;</font><br> <br> <font>- Não ocorreu qualquer impossibilidade temporária de cumprimento pelo Réu;</font><br> <br> <font>- Houve, sim, recusa, o que tornou desnecessária a interpelação e a fixação de outro prazo;</font><br> <br> <font>- A tradição só se operava com o pagamento da última prestação a coincidir com a escritura;</font><br> <br> <font>- Só que, independentemente de não ter ocorrido a escritura prometida, o Réu apropriou-se da dita fracção, com a por si operada mudança de fechadura da fracção ocorrida em Março de 2001, à revelia e com a oposição da autora recorrente;</font><br> <br> <font>- Passando a partir do dito dia 31 de Março de 2001 a A. a estar impedida do seu normal e legitimo acesso à fracção dos autos;</font><br> <br> <font>- Passou o recorrido a comportar-se, a actuar e a agir como se proprietário da fracção fosse, independentemente de não ter titulo ou qualquer razão contratual para o fazer, dela usufruindo, titulando em seu nome, com base no contrato promessa celebrado, os contratos de água e luz, e nela recebendo amigos, correspondência e dormindo, em suma, na mesma tendo instalada a sua residência habitual, o que resulta do articulado de ampliação o pedido e da contestação ao mesmo.</font><br> <br> <font>- Não se pode aceitar a pretensa licitude do comportamento com a dita mudança de fechadura, no pressuposto que tal actuação que visou garantir a disponibilidade que lhe havia sido autorizada, devendo ao invés considerar-se na disponibilidade da recorrente vedar o acesso do recorrido à fracção, designadamente considerando-se a demais factualidade.</font><br> <br> <font>- Por outro lado, é agora manifesto que, ao contrário do referido pelo recorrido, a mudança das fechaduras, não teve como desiderato possibilitar que o mesmo levasse a cabo trabalhos que entendia serem da responsabilidade da Apelante - cf. artigos 55º a 59º da sua contestação - tese que como vimos foi acolhida aquando da decisão pelo tribunal, mas em perfeita contradição com a responsabilidade da realização das obras, que eram dele Recorrido e às quais era a Recorrente estranha.</font><br> <br> <font>- Nada justificava a acção directa, para a mudança de fechadura, nem o recorrido em momento algum a alegou, sendo a mudança de fechadura e a subsequente ocupação do imóvel consubstanciando manifestamente comportamentos ilícitos de que emerge a responsabilidade civil.</font><br> <br> <font>- Não questionou o recorrido o valor dos pedidos efectuados em sede de ampliação, não tendo impugnado a quantificação e especificação dos mesmos, se escusando ao pagamento face ao que entendia ser da responsabilidade da apelante face ao por si invocado (pretenso) incumprimento contratual desta.</font><br> <br> <font>- Não pode o recorrido deixar de ser condenado a pagar à recorrente todas as despesas concretizadas, descriminadas e avaliadas aquando da ampliação do pedido, para a qual se remete na integra, que sempre até hoje foram suportados por esta, desde Março de 2001 a Janeiro de 2005, as quais se cifraram em 7.150,36 euros, acrescidas do valor de 69.000 euros reclamada aquando da ampliação do pedido, a título de ocupação, face à utilidade económica da mesma, a que há a acrescer a quantia mensal de 1500 euros, a computar até à entrega efectiva da fracção à ora recorrente livre de pessoas e bens ou ao trânsito em julgado da decisão.</font><br> <br> <font>- A decisão recorrida violou os artigos 804º e 483º do Código Civil.</font><br> <br> <font>O réu recorrente concluiu as suas alegações:</font><br> <br> <font>- É absolutamente incongruente a resposta dada ao nº 69 da Base Instrutória com a natureza das deficiências julgadas provadas nos pontos 4º, 5º, 7º a 10º, 16º, 24º, 29º a 31º, 53º a 55º.</font><br> <br> <font>- São deficiências que não se reportam, nem podiam ter origem na alteração à lista de acabamentos proposta pelo réu e aceite pela autora;</font><br> <br> <font>- Como pode uma alteração à lista de acabamentos de uma fracção autónoma em construção gerar manchas de humidade no tecto junto à janela, manchas de humidade no chão e paredes do hall de entrada, manchas de humidade na parede da sala, rodapé e aduelas das portas inchados e torcidos, manchas de humidade na soleira da porta da varanda, deficiências na colocação e isolamento de janelas...</font><br> <br> <font>- Danos como os que acabam de se referir só podem ser provocados por deficiências na estrutura do prédio e não por simples alterações à lista de acabamentos.</font><br> <br> <font>- Dada a natureza dos danos, a resposta dada pelo tribunal ao ponto nº69 da BI, onde se pode ler "As deficiências aqui dadas como provadas ocorreram ou foram provocadas pela realização de obras onde ocorreram as alterações referidas em U) e discriminadas na carta mencionada em V)", não poderia deixar de ser diferente.</font><br> <br> <font>- Alterações de pavimentação, revestimento, alterações das portas e janelas e pintura das mesmas, alterações na instalação eléctrica geral (cf. alínea V) da matéria assente) não são - mesmo em abstracto - aptas a provocar infiltrações, humidades...</font><br> <br> <font>- A decisão assumida pelo tribunal de 1ª instância e confirmada pelo tribunal da Relação é incoerente. Os padrões de normalidade e de lógica que estão subjacentes ao princípio da verdade material - que há-de sempre nortear qualquer decisão sobre a matéria de facto - imporiam decisão oposta.</font><br> <br> <font>- Se danos houve que, em tese, poderiam ser provocados pelas alterações à lista de acabamentos levadas a cabo por iniciativa do Réu, aqui recorrente, outros houve que só podem ter tido origem em defeitos estruturais de que a obra sempre padeceria independentemente das referidas alterações.</font><br> <br> <font>- O princípio da livre apreciação das provas e da imediação (no que respeita ao juiz de julgamento) hão-de ter sempre como limite o princípio da busca da verdade material. Se a decisão revela a incongruência que acaba de ser apontada, este último há-de necessariamente prevalecer.</font><br> <br> <font>- Assim, e nos termos e para os efeitos do artigo 729º do CPC, deve ser ordenada a alteração da matéria de facto de modo a tornar coerentes as premissas de que o tribunal partiu para firmar a sua convicção com a própria decisão agora confirmada pelo tribunal da Relação, alterando-se o que vem mencionado na decisão sobre a matéria de facto quanto ao ponto nº 69 da BI.</font><br> <br> <font>- Tendo em consideração a factualidade que efectivamente resultou demonstrada da audiência de discussão e julgamento e que, resolvida a incoerência acima mencionada, o tribunal há-de reconhecer, conclui-se claramente que o acórdão deveria ter declarado, em primeiro lugar, a existência de um contrato de empreitada uno celebrado entre a ora recorrida e o empreiteiro por esta contratado.</font><br> <br> <font>- As obras levadas a cabo a pedido do ora recorrente não foram mais do que as alterações que qualquer pessoa que compra um apartamento em construção pode implementar se, para tanto, obtiver o acordo do construtor.</font><br> <br> <font>- Tais alterações não operam modificações ao nível dos sujeitos contratuais da empreitada.</font><br> <br> <font>- A não comparência do réu/reconvinte à escritura de compra e venda nas datas designadas pela autora/reconvinda foi claramente motivada pelos relevantes defeitos que a obra tinha e que impediam que o apartamento viesse sequer a ser habitado.</font><br> <br> <font>- As alterações levadas a cabo por iniciativa do promitente-comprador em caso algum seriam de molde a provocar, pelo menos, os danos referentes a infiltrações e humidades. Estas não podem deixar de ser reflexo de defeitos de estrutura da obra (v.g. falta de isolamento).</font><br> <br> <font>- O dono da obra não deixou de ser a Empresa-A, que autorizou as obras de alteração nos termos em que resultou provado.</font><br> <br> <font>- O empreiteiro deste "pretenso" novo contrato de empreitada é exactamente o mesmo empreiteiro que realizou a obra em nome e por conta da aqui recorrida.</font><br> <br> <font>- O facto de a ora recorrente ter pago os novos materiais que pretendeu introduzir no apartamento e o facto de este ter custeado o excesso de mão de obra que a colocação dos novos materiais implicou não desvirtua a caracterização do contrato de empreitada, em que não deixaram de figurar como únicas partes o dono da obra (Empresa-A) e o empreiteiro (BB).</font><br> <br> <font>- Que sentido faz que a Empresa-A se tenha colocado à margem das obras de alteração a decorrer no apartamento se era a própria a única dona e legitima proprietária da fracção em causa.</font><br> <br> <font>- O promitente-comprador não é, nem nunca foi, o dono da obra a levar a cabo na fracção. Só assim se explica que, caso a fracção, por qualquer motivo, não viesse a ser - como até à data não foi - alienada, a Empresa-A tivesse de se conformar com as obras de alteração introduzidas por outrem que não ela própria enquanto proprietária.</font><br> <br> <font>- O consentimento dado pela aqui recorrida à realização das obras de alteração é um aspecto que aponta decisivamente no sentido a conclusão de que o contrato de empreitada só existiu um: aquele que foi celebrado entre a aqui recorrida e o empreiteiro por si contratado.</font><br> <br> <font>- Não podia a decisão do tribunal ter sido outra que não a de concluir no sentido da legitimidade da excepção de não cumprimento invocada pelo ora recorrente para justificar a sua não comparência à escritura marcada e, em consequência disso, condenar a ora recorrida no pagamento do valor da factura da sociedade que procedeu à reparação das deficiências da obra.</font><br> <br> <font>- Tendo o tribunal concluído que a referida sociedade, além de reparar as deficiências de que padecia a fracção, também levou a cabo outras obras por conta do promitente comprador, aqui recorrente, não poderia o mesmo demitir-se de decidir pela condenação (artigo 661º nº2 do CPC) - pelo menos em parte - da sociedade aqui recorrida.</font><br> <br> <font>- Por todas as razoes que se encontram acima expostas, não fez o tribunal a quo a melhor apreciação da matéria de facto, não tendo daí igualmente retirado as competentes consequências jurídicas, designadamente no que respeita aos preceitos vertidos nos artigos 428º e 1207º do CC, artigo 653º nº2, artigo 661º nº2 do CPC.</font><br> <br> <font>Contra alegou a revista da Autora opinando pela manutenção do Acórdão nessa parte.</font><br> <br> <font>A Relação deu por provada a seguinte </font><font>matéria de facto:</font><br> <br> <font>- Por documento escrito denominado "Contrato promessa de compra e venda" e datado de 3 de Julho de 1998, a A. declarou prometer vender e o R. prometeu comprar a fracção autónoma descrita sob o nº 05501/150492-AL, a qual faz parte do prédio urbano, sito na Avenida de Sabóia, lugar de Monte do Estoril, freguesia de Cascais, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais na ficha nº 05501/150492 (alínea a) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- De acordo com a cláusula 4ª do contrato promessa acima aludido, a escritura de compra e venda deveria ser outorgada logo que "se encontrem efectuados os pagamentos referidos nas alíneas a) a g) da cláusula anterior e se encontre reunida toda a documentação para o efeito necessária (...) o que se prevê possa ocorrer no máximo até 31/01/2000" (alínea b) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- No mesmo contrato previa-se ainda, na cláusula 5ª, que "a promitente vendedora poderá, por justificação apresentada por escrito, dirigida aos promitentes-compradores prorrogar o prazo até 30/04/2000" (alínea c) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- Os prazos acima referidos não foram cumpridos (alínea d) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- O adiamento dos prazos para a celebração das escrituras públicas foi objecto do consentimento dos promitentes-compradores, consentimento esse que também foi prestado pelo ora R. (alínea e) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- Mediante carta registada com aviso de recepção, datada de 27 de Abril de 2000, a A. prestou esclarecimentos sobre a evolução dos trabalhos de construção e dos procedimentos administrativos relativos ao Edifício "... Monte Estoril", sendo que grande parte dos primeiros estavam necessariamente dependentes dos segundos (alínea f) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- Na referida missiva dizia-se que "o projecto de construção inicialmente aprovado pela Câmara Municipal de Cascais sofreu diversas alterações, a maioria das quais solicitadas pelos promitentes-compradores (alínea g) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- A A. acedeu a essas alterações (alínea h) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- Relativamente aos atrasos decorrentes do pedido de alterações, dispunha-se na referida carta, após um sucinto relato cronológico dos contactos havidos com a CM de Cascais, que "até ao momento, e não obstante diversos contactos com os serviços da CMC, ainda não obtivemos a aprovação do projecto de alterações. Sem esta aprovação, estamos impossibilitados de pedir a vistoria e, consequentemente, solicitar a propriedade horizontal e a licença de habitação", o que foi aceite pelos promitentes-compradores (alíneas i) e j) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- Mais se dizia na referida carta que "todavia, e porque estamos dependentes da aprovação do projecto de alterações pela CMC para, a partir daí, tratarmos da propriedade horizontal e da licença de habitação, é nos difícil, neste momento, informar com algum rigor a data a partir da qual poderá ser celebrada a escritura", avançando como data eventual principio de Agosto, a qual estava sujeita à data da aprovação do projecto de alterações e a da vistoria (alínea l) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- A lista de acabamentos constante do anexo I ao contrato de promessa de 3 de Julho de 1999 e os acabamentos que vieram a ser concretizados na fracção objecto do referido contrato são de natureza diversa, não estando previstos no contrato-promessa (alínea m) dos factos assentes).</font><br> <br> <font>- Por não estarem previstos no disposto no contrato promessa, ficaram a cargo do R., nomeadamente no tocante à obtenção dos necessários meios para os realizar (alínea n)).</font><br> <br> <font>- Em 5 de Dezembro de 2000 a A. notificou o R., mediante cara registada com aviso de recepção, para que este comparecesse no Cartório Notarial sito na Rua do Salitre, nº 62, 2º, pelas 1730, no dia 20 de Dezembro de 2000, não tendo o R. comparecido, nem a A. obtido nenhuma resposta nem qualquer justificação, por parte daquele, acerca deste comportamento (alíneas o) e p)).</font><br> <br> <font>- A A. enviou nova carta registada com aviso de recepção, datada de 4 de Janeiro de 2001, na qual se exigia a comparência do R. no mesmo Cartório Notarial referido na primeira notificação, no dia 31 de Janeiro de 2001, não tendo o R. comparecido ou contactado a A. (alíneas q) e r)).</font><br> <br> <font>- No dia 5 de Fevereiro de 2001, a A. recebeu uma carta do Réu datada de 31 de Janeiro do mesmo ano, na qual o R. informa que "vem informar V. Exas da não comparência à escritura com data designada para o dia 31 de Janeiro de 2001, invocando como motivo a violação do considerando 4º, nº2, segunda parte, quando estipula que "as referidas fracções serão vendidas totalmente acabadas" (alínea s)).</font><br> <br> <font>- Em tal cláusula refere-se que "as fracções autónomas (...) serão vendidas totalmente acabadas, conforme descriminado na memória de acabamentos que será rubricada pelas partes e fará parte integrante do presente contrato, com o Anexo I" (alínea t))</font><br> <br> <font>- A fracção autónoma dos autos foi alterada por duas vezes, uma vez, pela introdução de alterações ao projecto original, que levaram à assunção, pelo Réu, de uma lista de acabamentos diferente da acordada, e que, por essa razão, ficaria a seu cargo, na sua quase totalidade, e uma segunda, pelo aditamento de um quarto, sob ordens do R., à respectiva fracção, que não vinha previsto nas plantas anexas ao contrato promessa de 3 de Julho (alínea u)).</font><br> <br> <font>- O empreiteiro da obra em causa enviou à A. uma carta, datada de 12 de Março de 2001, na qual respondia à carta do R. de 31 de Janeiro de 2001, que foi facultada pela A. ao empreiteiro de maneira a que este pudesse esclarecer o alcance e veracidade das queixas daquele, e onde afirmava que: "depois de analisado o seu conteúdo, cumpre-nos comunicar que todas as reclamações enumeradas resultam de alterações substanciais feitas na obra, a pedido do promitente-comprador e que nós aceitámos fazer, a suas expensas, designadamente:</font><br> <font>- Alteração da casa de banho incluindo canalizações, esgotos e respiradouros dos mesmos, revestimento de paredes e chão, deslocação da porta, louças, torneiras, bancada, etc.</font><br> <font>- Substituição de todos os pavimentos.</font><br> <font>- Alteração da escada de acesso ao piso superior e zona envolvente.</font><br> <font>- Alteração dos roupeiros de todos os quartos.</font><br> <font>- Construção de um quarto que não existia e que foi acrescentado à fracção.</font><br> <font>- Alteração de todas as portas e pinturas das mesmas.</font><br> <font>- Alteração da montagem das janelas da fachada norte.</font><br> <font>- Modificação da cozinha incluindo revestimento de paredes e chão, canalizações e esgotos, móveis e bancadas.</font><br> <font>- Alteração da instalação eléctrica geral.</font><br> <font>Todas estas alterações provocaram, obviamente, atrasos na obra, especialmente pela demora na entrega dos revestimentos da casa de banho, encomendados directamente pelo promitente comprador e dos quais fomos obrigados a pagar uma parte para não atrasar ainda mais a entrega. Neste momento o promitente-comprador está em falta de pagamento para connosco, há já quatro meses, de escudos 2.253.000$00" (alínea v))</font><br> <br> <font>- O quarto que não existia corresponde ao aproveitamento, ordenado pelo R., de uma divisão, contígua a um dos quartos da fracção (na sua concepção original) que estava destinada a ser a "sala das máquinas" dos elevadores do edifício (alínea x)).</font><br> <br> <font>- Após as duas recusas do R. em celebrar a escritura de compra e venda e o recebimento da carta de 31 de Janeiro de 2001, a A. no âmbito dos seus poderes de legitima proprietária da fracção, e tendo entendido que o R. manifestara, definitivamente, a vontade de não respeitar o disposto no contrato de promessa de 3 de Julho, deu ordens para que, a partir de 24 de Março de 2001, não mais se entregassem as chaves ao R. (alínea z)).</font><br> <br> <font>- No dia 31 de Março de 2001, o R procedeu à troca de fechadura da fracção dos autos (alínea AA)).</font><br> <br> <font>- O R. ainda não procedeu ao pagamento da totalidade do preço da fracção em causa, encontrando-se por liquidar a quantia de Esc. 8.600.000$00 (alínea BB)).</font><br> <br> <font>- Tanto em 20 de Dezembro de 2000, como em 31 de Janeiro de 2001, a fracção AL padecia das deficiências consideradas provadas neste processo (resposta ao quesito 2º).</font><br> <br> <font>- Foi a existência dessas deficiências que motivou a não comparência do Réu nas duas datas para que foi interpelado para realizar a escritura (resposta ao quesito 3º).</font><br> <br> <font>- No corredor e hall da entrada da fracção AL a caixa do contador da electricidade estava desnivelada e por rematar e o tecto junto à janela apresentava manchas de humidade (resposta ao quesito 4º e acordo das partes relativo ao quesito 5º).</font><br> <br> <font>- Junto à janela existente no hall de entrada existiam manchas de humidade no chão e paredes (resposta aos quesitos 7º e 8º)</font><br> <br> <font>- Na sala, a parede que dá para a varanda e a parede-meia com a cozinha apresentavam manchas de humidade, o rodapé e as aduelas das portas, junto ao chão, apresentavam-se inchados e torcidos, como efeito de absorção de humidade (respostas aos quesitos 9º e 10º).</font><br> <br> <font>- Na cozinha o lava louça e a respectiva torneira não se encontravam instalados (acordo das partes relativo ao quesito 19º).</font><br> <br> <font>- A soleira da porta da varanda apresentava manchas de humidade (acordo das partes relativo ao quesito 24º).</font><br> <br> <font>- No corredor do piso superior, o corrimão encontrava-se amolgado em diversos locais, com marcas de marteladas (acordo das partes relativo ao quesito 27º).</font><br> <br> <font>- As marcas dos parafusos embutidos nas madeiras do mesmo corrimão encontravam-se por disfarçar (acordo das partes relativo ao quesito 28º).</font><br> <br> <font>- A janela situada no mesmo corredor estava deficientemente colocada, e carecia de ser endireitada, isolada e rebocada, existindo manchas de humidade em redor da janela, que careciam de ser eliminadas, e impunham a consequente pintura (acordo das partes relativo ao quesito 29º e 30º).</font><br> <br> <font>- No corredor do piso superior o remate do chão junto à porta do quarto estava deficientemente feito, não se localizando debaixo da respectiva porta (resposta ao quesito 31º).</font><br> <br> <font>- Na casa de banho, não havia sido colocado o espelho, as torneiras estavam por colocar, o bidé não estava assentado, não estavam colocadas as tampas do bidé e da sanita, o armário da bancada não estava montado, e a banheira estava por encastrar e por livro ao esgoto (acordo das partes relativo aos quesitos 33º a 37º e resposta ao quesito 42º).</font><br> <br> <font>- O soalho do quarto secundário junto à parede da janela apresentava sinais de infiltrações de água (resposta ao quesito 53º).</font><br> <br> <font>- O pavimento deste quarto estava desnivelado em relação ao do corredor (resposta ao quesito 54º).</font><br> <br> <font>- A moldura da janela deste quarto carecia de isolamento eficaz, e a consequente estucagem e pintura (resposta ao quesito 55º).</font><br> <br> <font>- As deficiências dadas como provadas foram denunciadas pelo réu ao empreiteiro BB (resposta ao quesito 58º).</font><br> <br> <font>- A autora não corrigiu nenhuma das deficiências aqui dadas como provadas (resposta ao quesito 64º).</font><br> <br> <font>- Alguns dos materiais dos acabamentos da fracção AL foram fornecidos pelo Réu no âmbito das alterações promovidas por este na construção da referida fracção (resposta ao quesito 59º).</font><br> <br> <font>- O réu contratou os serviços da Empresa-B, que além do mais efectuou obras de reparação das deficiências aqui dadas como provadas (resposta ao quesito 65º).</font><br> <br> <font>- Esta obra foi concluída em Outubro de 2001, tendo o Réu despendido na correcção daquelas deficiências montante não apurado (resp. ao quesito 66º).</font><br> <br> <font>- As deficiências aqui dadas como provadas ocorreram ou foram provocadas pela realização de obras onde ocorreram as alterações referidas anteriormente e descriminadas em carta anteriormente mencionada (resp. quesito 69º - a sentença refere por lapso 68º).</font><br> <br> <font>- O réu pediu à autora para efectuar as alterações referidas na carta acima mencionada na construção da fracção AL (resposta ao quesito 1º).</font><br> <br> <font>- As alterações referidas e descriminadas na carta mencionada foram efectuadas com o consentimento da Autora, mediante acordo celebrado entre o Réu e BB, construtor do prédio em causa, nos termos do qual este se obrigou a fornecer alguns materiais e a pagar-lhe o excesso do valor do trabalho e materiais resultante da realização dessas alterações (resposta ao quesito 68º - a sentença refere por lapso 69º).</font><br> <br> <font>- O réu pagou a BB quantias de valor não apurado no âmbito do acordo anteriormente referido (resposta ao quesito 60º).</font><br> <br> <font>- A ligação da área destinada à casa das máquinas de um ascensor à fracção dos autos foi feita a expensas do Réu (resposta ao quesito 61º).</font><br> <br> <font>- O aproveitamento anteriormente referido foi autorizado pela Autora (resp. ao quesito 62º).</font><br> <br> <font>- Do preço acordado no contrato anteriormente referido o réu já pagou à autora 34.400.000$00 (acordo das partes nos articulados).</font><br> <br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Conhecendo, </font><br> <br> <font>1- Recurso da Autora.</font><br> <font>2- Recurso dos Réus.</font><br> <br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <font>1- Recurso da Autora.</font><br> <br> <font>No seu pedido de revista a Autora tem dois únicos pontos:</font><br> <font>- Recusa de cumprimento do contrato-promessa pelo Réu;</font><br> <font>- Indemnização pela indevida ocupação da fracção.</font><br> <br> <font>1.A - Incumprimento do contrato-promessa.</font><br> <br> <font>A recorrente imputa ao Réu-recorrido o incumprimento do contrato-promessa.</font><br> <font>Mas tal não resulta do elenco dos factos assentes como bem concluíram as instâncias.</font><br> <br> <font>1.A.1 - Sabido é que o contrato-promessa pode vir a padecer de mora ou de incumprimento. Aquela situação - também apodada de incumprimento transitório - traduz-se no mero atraso da prestação, retardamento que não dando, embora, causa à aplicação do nº2 do artigo 442º do Código Civil, pode lesar o promitente pontual, ao qual é facultada a possibilidade de pedir a reparação desse dano.</font><br> <font>O artigo 432º do CC prevê a resolução do contrato com base na lei ou em convenção.</font><br> <font>O incumprimento definitivo causal dessa resolução tem de resultar de uma situação factica inequívoca.</font><br> <font>São elas a declaração antecipada de não cumprir, o termo essencial, a cláusula resolutiva expressa e a perda do interesse na prestação.</font><br> <font>A impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor (artigo 801º nº2 do CC) é equiparada ao incumprimento por conversão de mora, quando o credor perca o interesse na prestação ou o devedor a não realize dentro do prazo razoável que, para o efeito, o credor lhe tenha fixado.</font><br> <font>Não se abordará a convenção para resolução por irrelevar "in casu", apenas se referindo valer qualquer fundamento que caiba no âmbito da autonomia da vontade.</font><br> <font>A recusa de cumprimento (ou "riffuto di adimpiere") é o incumprimento típico.</font><br> <font>Mas tem de ser expressa por "uma declaração absoluta e inequívoca" de "repudiar o contrato". (cf. Dr. Brandão Proença, in "Do incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral", 91 e "inter alia" os Acórdãos do STJ de 7/3/91 - BMJ 405-456, de 28/3/2006 - Pº 327/06-1ª e de 18 de Abril de 2006 - Pº 844/06).</font><br> <br> <font>Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido.</font><br> <font>Ainda assim, certa doutrina entende ser necessária uma interpelação admonitória da parte do promitente fiel (cf. Doutor Pessoa Jorge - "Direito das Obrigações", 296-298) o que se pensa ser desnecessário (na esteira do ensinado pelos Profs. Galvão Telles - "Direito das Obrigações", 5ª ed., 224-225 - e Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 6ª ed., 921) já que a declaração inequívoca e peremptória da intenção de não cumprir equivale à interpelação antecipada.</font><br> <font>Neste sentido vem julgando este STJ (Acórdãos de 15 de Março de 1983 - BMJ 325-561, de 15 de Fevereiro de 1990 - Act. Jur. 2ª -6-10 e de 7 de Janeiro de 1993 - C.J./STJ I-1,15 - "inter alia") e assim será face a toda a dogmática da recusa antecipada.</font><br> <font>Mas, o que o direito da "common law" chama de "anticipatory breach of contract" ou "repudiation of a contract" terá de ser expresso - e nunca é demais repeti-lo, por forma a entender-se ser "a clear and absolute refusal to perform" e que "the party is unwilling".</font><br> <font>Não pode, por outro lado, interpretar-se como recusa o atraso na prestação, ainda que reiterado.</font><br> <font>Por um lado se não for expressamente clausulado, aquando da celebração do contrato (ou tal resulte da própria natureza ou modalidade da prestação) por forma explícita, clara e inequívoca um termo essencial, não pode falar-se em prazo fatal.</font><br> <font>E todo o prazo assim não considerado terá de ser transformado pela via da fixação cominatória (cf. Prof. Galvão Telles, in "O Direito", 120-587 e Prof. Antunes Varela - RLJ 128-138 - que refere "uma ponte obrigatória de passagem para o não cumprimento (definitivo) da obrigação") de um prazo razoável, agora sim de natureza peremptória.</font><br> <font>Esse prazo é fixado na interpelação admonitória translativa da mora em incumprimento.</font><br> <br> <font>1.A.2 - Concluído este ponto, verifica-se que os factos não permitem concluir que o prazo de celebração da escritura de compra e venda tivesse a natureza de prazo fatal, sendo que a não assumiu na sequência das prorrogações, já que a Autora não fez a interpelação admonitória, com fixação de um prazo limite a ser tido como termo essencial.</font><br> <font>Não operou, assim, a conversão de mora em incumprimento, não podendo resolver o contrato com esse fundamento (o que, aliás, reconhece no ponto 3 - "in fine" - das suas conclusões, por entender ter havido recusa de cumprimento).</font><br> <br> <br> <font>Só que, ainda da matéria de facto, não resulta que o réu tivesse, expressa, clara e inequivocamente, declarado o propósito (e a vontade) de não cumprir.</font><br> <font>Incorreu, sim, em mora não se prestando (transitoriamente e sob a invocação de razões que entendeu válidas) à celebração do contrato.</font><br> <font>Mas tal não basta para caracterizar a acenada "repudiation".</font><br> <font>Assim, a Autora devia ter lançado mão da faculdade de fixação de um prazo razoável de cumprimento, podendo até marcar a escritura para aquela data e, no acto dessa fixação, determinar a cominação da resolução (automática) do contrato (interpelação cominatória) - cf. por mera curiosidade doutrinária, o Prof. Baptista Machado - "Pressupostos da Resolução por Incumprimento", BFDC, 1979, 43 a defender a nulidade da cláusula que, "ab initio" confira o direito de resolução como efeito da não realização da prestação dentro do novo prazo estabelecido, com o fundamento em que tal "asseguraria ao credor uma posição de privilégio, pois, por força dele, poderia ainda exigir o cumprimento depois do prazo, ao passo que o devedor, decorrido este, já não poderia purgar a mora."; em sentido oposto, o Prof. A. Varela, in "Das Obrigações em Geral" II, 111.</font><br> <font>O contrato promessa manteve-se, pois, erecto.</font><br> <font>Aliás, a Autora ao não impugnar, clara e directamente, o segmento decisório que deu procedência à execução especifica - e se não se entender que tal estava implícito no seu pedido de revista - aceitou a inocorrência do inadimplemento definitivo, já que este afastaria o regime do artigo 808º CC.</font><br> <font>É que a execução específica tem lugar quando não há incumprimento definitivo - (Adere-se, assim, ao expendido no Acórdão do STJ de 15/2/1990 - in Ac. Jur. 2ª-nº6-10 - "constitui um contra-
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><u><font>Relatório</font></u></b><div><font>*</font></div><font>No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa,</font><br> <font>AA,</font><br> <font>intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra,</font><br> <b><u><font>... S.A.</font></u></b><br> <font>pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização total de </font><b><u><font>262.750,00 €</font></u></b><font> acrescidos de juros, por incumprimento do contrato subscrito pelas partes, documentado nos autos a fls. 59 e seg., que aqui se dá por reproduzido.</font><br> <font>Mais precisamente pede as seguintes indemnizações parciais:</font><br> <font>12.750,00€, pelos danos que o incumprimento do contrato lhe causou, nomeadamente o por si despendido na gravação do seu álbum, que, por não ter sido divulgado devidamente, conforme o contrato celebrado com a R. e no plano de promoção, não surtiu os efeitos que lhe haviam sido prometidos;</font><br> <font>- € 100.000,00, de compensação pelos danos não patrimoniais causados pelo incumprimento do contrato que a vinculava a R., bem como pelo facto de ter sido desperdiçada a fase de mediatismo por que a A. passava do início das negociações contratuais;</font><br> <font>- € 20.000,00, pelas alterações físicas que o tratamento medicamentoso psiquiátrico trouxe à A;</font><br> <font>- € 60.000,00 pela paragem de um ano na sua carreira escolar devida ao encargo da sua recuperação, valor este que engloba a componente patrimonial, correspondente aos gastos tidos com a compra de livros, deslocações para a faculdade, horas de estudo perdidas, e uma componente não patrimonial, correspondente ao agravar do quadro depressivo em que a A. se encontrava, reforçando ainda mais a ideia de ausência de perspectivas de futuro; e</font><br> <font>- € 70.000,00, pelas falsas expectativas que a Ré criou na mente da A., aproveitando-se da sua inexperiência, tendo-a abandonado à sua sorte desde início, mas não sem antes a ter convencido a uma série de despesas que acabaram por só beneficiar a Ré e que deixaram sequelas ao nível da falta de confiança em todas as pessoas que a rodeiam e na sociedade em geral, por ter deixado a A. amargurada com a vida e lhe ter causado uma diminuição substancial da alegria de viver.</font><br> <font>A R. contestou, aceitando a participação da A. no programa "Os ídolos" e a assinatura do contrato em causa nos autos, mas impugnando toda a demais matéria carreada para os autos pela A., designadamente, os contornos da negociação, negando os incumprimentos que lhe são assacados, bem como a doença da A. e os danos que daí advieram e excepcionou o abuso de direito da A., quando promove a resolução do contrato, pedindo a sua condenação como litigante de má fé, uma vez que a mesma apenas pretende o seu enriquecimento à custa da R., deduzindo pretensão para a qual bem sabe que não tem fundamento. </font><br> <font>A A replicou, respondendo à excepção do abuso de direito e, quanto à litigância de má fé suscitada pela R., impugnando toda matéria alegada pela R e peticionando a sua improcedência. </font><br> <font>Prosseguindo os autos os seus trâmites, foi proferido despacho saneador, especificada a matéria assente e elaborada a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida sentença, julgando a acção parcialmente, procedente, por provada e em consequência, condenou a Ré a pagar à A: - - a título de danos patrimoniais, a quantia de € 22.011,25, com juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font><br> <font>- a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 12.500,00, com juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.</font><br> <font>Quanto à litigância de má-fé absolveu a A..</font><div><font>*</font></div><font>Inconformadas recorreram, quer a A. quer a Ré (esta de facto e de direito), mas sem êxito, visto que a Relação julgou improcedentes as apelações, confirmando a sentença recorrida.</font><div><font>*</font></div><font>Novamente inconformada volta a recorrer a Ré, tendo a A. recorrido subordinadamente, agora de revista e para este S.T.J..</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Conclusões</font></u></b><font>.</font><br> <font>Apresentadas tempestivas alegações formularam as recorrentes as seguintes conclusões:</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Conclusões da revista da Ré</font></u></b><font>.</font><div><font>*</font></div><font>1. Não resultou provado nos autos que as partes negociaram condições contratuais que não ficaram reflectidas no contrato entre ambas celebrado em 04.08.2004.</font><br> <font>2. A Recorrente nenhuma obrigação assumiu perante a Recorrida que não esteja prevista no citado contrato.</font><br> <font>3. Com excepção da apresentação tempestiva dos resultados de vendas do CD e do pagamento dos respectivos </font><i><font>royalties,</font></i><font> a Recorrente cumpriu todas as obrigações a que se vinculou perante a Recorrida.</font><br> <font>4. A Recorrente nenhuma obrigação assumiu quanto a prazos de gravação do CD, tendo-se limitado a aconselhar à Recorrida a empresa I..., tendo aquela livremente contratado com esta os termos e condições, designadamente, prazos, para a gravação do CD.</font><br> <font>5. A referência ao aval dado pela Recorrente foi apenas no sentido de reconhecer à I..., competência para a tarefa em questão e não no sentido jurídico do termo.</font><br> <font>6. O prazo de lançamento do CD era uma incumbência da Recorrente, tendo este sido lançado para o mercado em Novembro de 2004 com inteira concordância da Recorrida.</font><br> <font>7. O atraso no cumprimento dos prazos de gravação do CD é da exclusiva responsabilidade da I... a quem a Recorrida deveria ter pedido responsabilidades se entendesse que tais atrasos a prejudicavam.</font><br> <font>8. Desde Novembro de 2004 até à propositura da acção objecto deste recurso, ou seja, durante cerca de três anos a Recorrida aceitou pacificamente, sem reparo ou objecção, o atraso na gravação do CD, inculcando na Recorrente a ideia de que nenhum juízo de censura sobre ela impendia quanto a esta matéria.</font><br> <font>9. Ao vir reclamar indemnização por danos, em função da data de lançamento do disco, após estar cerca de três anos sem emitir um único juízo de reprovação junto da Recorrente sobre essa data, incorre a Recorrida em situação de abuso de direito, na modalidade de "venire contra factum proprium". </font><br> <font>10. Do contrato celebrado entre as partes, com data de 04 de Agosto de 2004, resulta a obrigação para a Recorrida de participar nas actividades promocionais para venda do CD, mas não resulta para esta o direito de exigir à Recorrente a promoção da sua carreira artística.</font><br> <font>11. A conduta assumida pela Recorrida ao não expressar, até ao momento da resolução do contrato, qualquer reparo ou crítica sobre as prestações da Recorrente, e o facto de ter contratado duas entidades para promover a sua carreira artística, demonstram à evidência que nenhuma expectativa de promoção de carreira da Recorrida foi criada ou obrigação de igual natureza assumida por parte da Recorrente.</font><br> <font>12. A Recorrente, não obstante não estar obrigada a isso, diligenciou pela realização da festa de lançamento do CD, propondo a Recorrida um local para a sua efectivação.</font><br> <font>13. A Recorrida recusou o local proposto sem demonstrar que o mesmo era inapto para o efeito pretendido, comprometendo-se a indicar alternativas o que acabou por não fazer.</font><br> <font>14. Admitindo, por mera hipótese de raciocínio, sem conceder, que constituía dever contratual para a Recorrente marcar a festa de lançamento do CD, tal marcação só não se verificou por facto exclusivamente imputável à Recorrida, pelo que nenhum juízo de censura deve impender sobre a Recorrente.</font><br> <font>15. Apesar da vasta campanha promocional desenvolvida a favor do CD, com recurso a meios de comunicação social, que incluíram um programa televisivo de grande audiência, não se logrou cativar o interesse do público para adquirir o CD em apreço.</font><br> <font>16. Nenhuma acção ou omissão podem ser imputadas à Recorrente para o insucesso de vendas do CD, sendo certo que esta nunca assumiu perante a Recorrida a obrigação de quaisquer resultados de vendas.</font><br> <font>17. O estado depressivo que atingiu a Recorrida, cujo grau de dramatização foi notório, tem por base única e exclusivamente os sonhos, ilusões e expectativas criadas pela própria Recorrida, seus pais, irmã e amigos, que se convenceram erroneamente, sem culpa da Recorrente, que a Recorrida tinha suficiente talento para singrar no difícil mundo artístico da música. </font><br> <font>18. Alias, é essa convicção que explica a participação da Recorrida num programa com as características de um concurso televisivo como os "ídolos". </font><br> <font>19. Inexiste nexo de causalidade entre a conduta da Recorrente e os invocados danos não patrimoniais da Recorrida.</font><br> <font>20. O incumprimento contratual em que incorreu a Recorrente, acima descrito, não é susceptível de provocar os danos invocados pela Recorrida, de acordo com a teoria da causalidade adequada que o nosso Código Civil consagrou no seu artigo 563.°.</font><br> <font>21. Por outro lado, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, nas obras atrás citadas, em sede de responsabilidade pré contratual não há lugar a indemnização por danos não patrimoniais.</font><br> <font>22. Apesar de a Recorrida ter assumido o pagamento da quantia de € 12.750,00, para custear a produção do CD em causa, a Recorrente entregou-lhe 1075 unidades do CD, cujo preço unitário de venda ao público, como ficou demonstrado, era no mínimo, de € 10,00, pelo que, em rigor a Recorrida, por esta via, acabou por receber a quantia de € 10.750,00 como compensação pelos custos de produção do CD.</font><br> <font> 23. Não se poderia ter fixado uma indemnização de €2.500,00 referente a livros, propinas e deslocações para a faculdade, através do recurso à equidade.</font><br> <font>24. Esses alegados danos eram susceptíveis de averiguação, nomeadamente, através dos documentos que, aliás, a Recorrida tentou juntar aos autos ao arrepio das regras processuais, pelo que o recurso à equidade para a fixação desta indemnização é manifestamente ilegal, por violação do artigo 566.°, n.° 3, do C.C..</font><br> <font>25. Admitindo, por mera hipótese de raciocínio, sem conceder, que há lugar a indemnização da Recorrida por danos morais, essa indemnização deve ser fixada em valor substancialmente inferior àquele que foi mantido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pois, a tutela de sonhos e fantasias não vale mais do que a vida humana!</font><br> <font>26. A indemnização a atribuir, por danos não patrimoniais, destina-se a reparar, de forma simbólica, prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, pelo que o montante fixado peca por exagerado.</font><br> <font>27. O Venerando Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu, não absolvendo na integra a Recorrente do pedido formulado pela Apelada, violou, designadamente, as normas jurídicas contidas nos artigos 405.°, 496.°, 563.°, 566.°, 798.°, 799.° e 804.°, todos do Código Civil.</font><br> <font>Termos em que, com o douto e imprescindível suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogado o Acórdão recorrido e a sentença de 1ª instância, julgando-se totalmente improcedente a acção, com legal determinação de custas, como , é de JUSTIÇA.</font><div><font>*</font></div><b><u><font>Conclusões da revista subordinada da A.</font></u></b><div><font>*</font></div><font>1. Salvo respeito por opinião diversa, é entendimento da Recorrente que o douto Tribunal a quo não deu cabal cumprimento ao disposto nos artigos 496° e 562° a 566° do Código Civil, no momento em que procedeu à fixação do </font><i><font>quantum indemnizatorium</font></i><font> devido pela Recorrida à Recorrente, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.</font><br> <font>2. Dispõe os artigos 562° e seguintes do Código Civil que quem "estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação."</font><br> <font>3. O dever de indemnizar compreende, não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.</font><br> <font>4.Ora, sabendo-se não ser fácil nem preciso o juízo de equidade, em especial no que toca à determinação de montantes indemnizatórios de natureza não patrimonial, crê a Recorrente/Autora, que, face à gravidade dos danos sofridos, à sua intensidade e à quase certa irreversibilidade da situação em que ficou após a consumação dos mesmos, o </font><i><font>quantum indemnizatorium</font></i><font> merecia uma maior expressividade.</font><br> <font>5. Atenta, em particular, a factualidade vertida em 1º, 2º, 3º, 5º, 62°, 64°, 70°,71°, 76°, 81º, 85°, 68°, 87°, 88°, 89°, 90°, 91°, 92°, 93°, 96° , entende a Recorrente ter ficado patente a gravidade, extensão e intensidade dos danos por si sofridos, os quais são resultado directo do comportamento da Recorrida/Ré e fundamento suficiente para o deferimento do recurso ora proposto.</font><br> <font>6. No que respeita aos danos patrimoniais, entende a Recorrente/Autora que a Recorrida/Ré deverá ser condenada no valor de Eur. 100.000,00 por conta da perda e não aproveitamento do mediatismo adquirido pela Recorrente/Autora com a transmissão da sua imagem e dos talentos vocais no programa "Os ídolos", com transmissão no horário nobre da SIC, e ainda o ressarcimento pelo esforço que a Recorrente/Autora, caso queira relançar a sua carreira musical, terá que despender para readquirir o seu mediatismo.</font><br> <font>7. O mediatismo no lançamento de uma carreira artística e musical tem especificidades e particularidades, que não se verificam noutras carreiras profissionais.</font><br> <font>8. Não pode ser visto, no mesmo patamar de importância para a carreira futura, o mediatismo obtido por um médico, um advogado ou um juiz no início da sua vida profissional, e o mediatismo obtido por uma cantora, que alcança reconhecimento a nível nacional por via de um programa de televisão, visto semanalmente durante cerca de três meses no horário nobre.</font><br> <font>9. A participação da Recorrente/Autora no programa "ídolos" granjeou-lhe simpatias, publicidade gratuita, notoriedade e fãs, transformando-a, aos olhos de muitos espectadores, num verdadeiro ídolo.</font><br> <font>10. Programas televisivos como o "ídolos" colocam os seus participantes em posição mais vantajosa ante os demais artistas que, sem a máquina mediática que uma tal produção envolve, procuram pela primeira vez dirigir-se ao mercado.</font><br> <font>11. Conforme referido na sentença proferida no âmbito dos presentes autos, a participação da Recorrente/Autora no mencionado programa significava uma vantagem de 10% quando comparada com quem não participou neste tipo de programas.</font><br> <font>12. Tanto assim que a Recorrida, consciente da particular visibilidade que a Recorrente/Autora obteve com a sua participação no programa ídolos, lhe sugeriu que suportasse os custos da imediata produção do seu CD, a fim de aproveitar esse mediatismo.</font><br> <font>13. Em termos do peso relativo para a carreira futura, o mediatismo da artista musical tem uma intensidade superior, de efeito mais instantâneo, que tem que ser aproveitado de imediato e em toda a sua extensão, para que possa resultar em dividendos económicos, os quais ainda que, muitas vezes de curto prazo, têm porém uma elevada dimensão económica/pecuniária - por exemplo, o lançamento de um disco que em duas semanas se torna disco de platina, vendendo milhares de exemplares, ou a participação num concerto musical, que garante uma contrapartida pecuniária de dezenas de milhares de euros, numa só tarde ou noite.</font><br> <font>14. Mais do que uma rampa de lançamento de uma carreira profissional, o mediatismo alcançado por uma artista musical representa, a mais das vezes, o fruto de um grande esforço criativo, de um percurso de perseverança e dedicação sofrida, que deve ser aproveitado ao máximo no momento em que surge, e de onde - se devidamente aproveitado - nascem, não raras vezes, benefícios económicos avultados.</font><br> <font>15. Aliás, é esta espécie de explosão de sucesso num determinado momento histórico-temporal - coroando um caminho árduo de pequenas e sucessivas conquistas - que constitui a justa recompensa do esforço do artista, e lhe proporciona, no futuro imediato, o conforto económico necessário para se poder dedicar em exclusivo à criação artística e ao desenvolvimento da sua carreira profissional.</font><br> <font>16. A Recorrente/Autora desde tenra idade que iniciou a aprendizagem musical.</font><br> <font>17. A Recorrente/Autora desde muito cedo aprendeu a tocar instrumentos (violino, guitarra), desenvolveu em escolas de música os seus dotes vocais, compôs e gravou temas originais, apresentou-os em pequenos concertos, tendo inclusivamente gravado músicas da sua autoria.</font><br> <font>18. Para a Recorrente/Autora a participação no programa "os ídolos" representou o trampolim para passar do anonimato para o estrelato, para ser conhecida e para ver reconhecidas as suas qualidades vocais no meio musical, a nível nacional.</font><br> <font>19. E foi esse mediatismo, alcançado a muito custo e com sacrifício pessoal e familiar, pela Recorrente/Autora, que foi desperdiçado pela Recorrida/Ré, </font><br> <font>20. Que, injustificadamente se demitiu de todas as responsabilidades e compromissos assumidos para com a Recorrente, designadamente o de aproveitar o momento único (e quiçá irrepetível), então, vivido.</font><br> <font>21. A frustração do direito aos ganhos, que a Recorrente adquiriu com a sua participação no programa ídolos, deveu-se única e exclusivamente ao comportamento negligente da Recorrida.</font><br> <font>22. A negligência, inabilidade e falta de interesse da Recorrida não só impediram a Recorrente de aproveitar e realizar os proveitos do momento em que vivia, como também impediram que o seu status de estrela se mantivesse e a sua carreira se desenvolvesse, com perda dos benefícios económicos que lhe seriam inerentes.</font><br> <font>23. São conhecidos na praça os cachet médios praticados pelos artistas musicais e a sua natureza variável, em função do estádio da sua carreira e da sua popularidade.</font><br> <font>24. Em média, poder-se-á considerar que um artista que atinja um volume de vendas de 20.000,00 exemplares de um CD, vendido ao público a um preço médio de 15,00 € por CD, poderá ter um retorno de cerca de 45.000,00 €, considerando uma remuneração equivalente a 15% do valor das vendas.</font><br> <font>25. Por outro lado, a participação em concertos musicais, permitem ao artista médio auferir, por cada participação, entre 5.000,00 € e 10.000,00 € de honorários, sendo perfeitamente viável que um artista no auge da exposição pública e mediática, possa facilmente realizar pequenos concertos em vários pontos do País, ao longo de dois/três meses, que lhe permitam ganhar cerca de 50.000,00 €.</font><br> <font>26. Acresce que, para além destes honorários, é fácil admitir que outras compensações pecuniárias por participações em eventos sociais, culturais, em entrevistas e sessões de autógrafos, poderão facilmente atingir o valor de 5.000,00 €, durante o mesmo período de dois/três meses de promoção e divulgação do álbum musical.</font><br> <font>27. A quantia de Eur. 100.000,00 peticionada é, por conseguinte, um valor médio aceitável, justo, equilibrado e equitativo, e por esses motivos proporcional aos danos patrimoniais sofridos pela Recorrente, que resultaram da demonstrada perda e não aproveitamento do mediatismo adquirido pela participação no programa "Os ídolos", e do esforço adicional que a mesma terá de despender para readquirir o seu mediatismo, e retomar a sua carreira.</font><br> <font>28. Sendo de sublinhar que tal trajecto jamais voltará a ser um trajecto virgem e imaculado.</font><br> <font>29. Mesmo que algum dia - conforme se espera - a Recorrente/Autora venha a reconstituir a sua carreira, no que lhe será exigido um ânimo excepcional e uma força de vontade extraordinária, sempre será assombrada por este episódio, não só no que às relações pessoais concerne, mas também pela história do "fracasso" comercial do seu primeiro CD -qual verdadeira incapacidade artística permanente.</font><br> <font>30. A título de danos não patrimoniais peticionou a Recorrente/Autora - pedido esse que mantém na íntegra - que a Recorrida/Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de Eur. 20.000,00 pelo facto de a A., para poder recuperar da depressão, ter efectuado tratamento terapêutico com anti-depressivos, tranquilizantes e indutores de sono, o que produziu alterações irreversíveis no seu organismo; e ainda a quantia de Eur. 70.000,00, adveniente da ausência de futuro para a A., jovem a quem foi prometida uma carreira musical que não se concretizou pelo desinteresse da R., que a partir de Outubro de 2005 não mais contactou a A., e que apenas convenceu a A. a custear uma série de despesas que beneficiaram apenas a R., jogo que deixou sequelas ao nível da falta de confiança em todas as pessoas que rodeiam a A., tendo ficado com a personalidade alterada, amargurada, sem alegria de viver.</font><br> <font>31. As "(...) expectativas criadas pela A., que o tribunal considera [devendo tal juízo ser mantido] legítimas, face ao talento que lhe foi reconhecido no programa ídolos e onde saiu como quarta finalista e ao talento e mediatismo que a R. lhe reconheceu ao contactá-la no dia a seguir à sua saída dos ídolos, o sofrimento que a mesma padeceu em consequência do incumprimento contratual da R, são danos relevantes que carecem de tutela jurídica, por não se considerar meros incómodos e contrariedades, sendo a R. por eles responsável, nos termos dos artigos 496° e 798°, ambos do CC".</font><br> <font>32. Demonstrada que ficou a grave depressão vivida pela Recorrente/Autora, que com dezoito anos de idade, perdeu a confiança nas pessoas e a alegria de viver, não se concorda, por se afigurar insuficiente, e por isso pouco equitativa a fixação no valor de Eur. 12.500,00 a compensação por danos não patrimoniais sofridos.</font><br> <font>33. Os danos não patrimoniais serão indemnizáveis quando, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não devendo a sua fixação pautar-se por critérios miserabilistas.</font><br> <font> 34.Como resultado directo do comportamento da Recorrida, a Recorrente/Autora entrou num estado depressivo, tendo de recorrer, para tratamento dessa doença, a ajuda médica.</font><br> <font>35. A Recorrente/Autora foi submetida a tratamentos médicos agressivos, com medicação forte e cujos efeitos são permanentes, o que lhe causou perturbações no organismo, o que lhe causou alterações físicas e fragilidade emocional durante todo o período em que esteve submetida a tratamento.</font><br> <font>36. A Recorrente sofreu, como nunca antes sucedera em toda a sua vida.</font><br> <font>37. Sofrimento que, na idade em que ocorreu - a Recorrente tinha apenas 18 anos -, jamais voltará a esquecer e que verdadeiramente ainda não desapareceu.</font><br> <font>38. A Recorrente confiou nas promessas que lhe foram sendo feitas pela Recorrida, para no final ver, sem razão ou explicação, tais promessas quebradas.</font><br> <font>39.Diz a Recorrida que a tutela de sonhos e fantasias não vale mais do que vida humana.</font><br> <font>40.Olvida-se, porém, que não se tratam de meros sonhos ou fantasias; tratam-se, isso sim, de justas expectativas que a que a própria Recorrida deu azo e que, apenas por incúria e falta de interesse seu se não verificaram.</font><br> <font>41. Considerá-lo de outro modo, será desculpar e desresponsabilizar a Recorrida pela situação que conscientemente criou, jogando com os projectos de futuro de uma jovem inexperiente.</font><br> <font>42. Como refere Antunes Varela, " a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado a conduta do agente." </font><font> in Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª Edição</font><br> <font>43. Assim, deverá ser considerada a compensação do sofrimento sofrido pela Recorrente/Autora, e que segundo um juízo de equidade que pondere a idade da Recorrente, a intensidade da sua dor e a exposição pública a que estava sujeita no momento dos tratamentos, não poderá deixar de ser fixado em valor não inferior a Eur. 20.000,00.</font><br> <font>44. Antes de contratar com a Recorrida/Ré, a Recorrente tinha um futuro repleto de projectos e oportunidades.</font><br> <font>45. A Recorrente exalava alegria, empenho e uma firme e consciente confiança em si e nas suas qualidades musicais.</font><br> <font>46. À Recorrente, no momento em que atingiu o mediatismo e o reconhecimento público das suas qualidades, nunca o futuro pareceu tão promissor.</font><br> <font>47. O comportamento da Recorrida deixou-a sem confiança em si mesma e no seu talento.</font><br> <font>48. A Recorrente/Autora deixou-se cair na amargura, na angústia, num processo contínuo de perda de auto-estima, perdendo a sua alegria natural.</font><br> <font>49. A Recorrente perdeu definitivamente a segurança e confiança absoluta e inquestionável que tinha nos seus talentos vocais.</font><br> <font>50. E é esta alegria, e é esta confiança que nunca poderão voltar a ser reconstituídas.</font><br> <font>51. As sequelas sofridas pela Recorrente devem, por isso, ser compensadas em quantia que adequadamente sirva para propiciar alegrias e satisfações que lhe façam esquecer e mitigar o sofrimento moral que lhe foi provocado pela conduta da Recorrida, quer o sofrimento passado, quer o presente e o futuro, devendo tal compensação ter a expressão pecuniária de Eur. 70.000,00.</font><br> <font>52. A definição concreta do </font><i><font>quantum indemnizatorium</font></i><font> atribuível a danos de natureza não patrimonial há-de radicar, em instância derradeira, no princípio da salvaguarda da dignidade humana.</font><br> <font>53. O qual vem concretizado em critérios, identificados na nossa jurisprudência, de procura de compensação do lesado, proporcionando-lhe uma contrapartida pecuniária capaz de minimizar - e no limite esbater - a dor resultante dos danos que sofreu.</font><br> <font>54. É, por isso, convicção da aqui Recorrente que, atenta a gravidade e intensidade dos danos morais sofridos, deverá a mesma ser globalmente compensada em quantia não inferior a Eur. 90.000,00, conforme foi peticionado na petição inicial.</font><br> <font> Assim,</font><br> <font>55. Proferindo uma decisão que, dando provimento ao recurso da Recorrente/Autora, confirme o por si pugnado na sua petição inicial, estarão V. Exas., a dar corpo ao princípio da tutela jurisdicional efectiva plasmado na nossa Lei Fundamental, pois que, dando plena aplicação ao vertido na lei civil, mormente nos artigos 562° a 566° e 496° do Código Civil, tal decisão será, inevitavelmente, Justa.</font><br> <font>Nestes termos e nos mais de direito que vossas excelências doutamente suprirão se requer que seja concedido provimento ao recurso da recorrente/autora, por só assim se poder fazer sã e inteira Justiça!</font><div></div><b><u><font>Os Factos</font></u></b><div><font>*</font></div><font>A 1ª instância fixou a seguinte factualidade, que a Relação manteve inalterada, apesar de alguns pontos de facto terem sido impugnados pela Ré na sua apelação.</font><div><font>*</font></div><font>1º- A A. participou no programa televisivo denominado "ídolos", com transmissão no horário nobre do canal SIC. (facto A) dos factos assentes).</font><br> <font>2º- No programa ídolos, a A. adquiriu a alcunha de "...", nome pelo qual ficou conhecida, (facto B) dos factos assentes).</font><br> <font>3º- A A. manteve a sua permanência no referido programa televisivo até ao final do ano de 2003, tendo abandonado o programa "ídolos" a 19-12-2003. (facto C) dos factos assentes).</font><br> <font>4º- A R. é uma sociedade comercial que tem como objecto a produção, edição, comercialização, importação e exportação de discos, fitas magnetofónicas e outros suportes de som e imagem, inventados ou por inventar e tem como administradores BB; CC e DD - (facto D) dos factos assentes).</font><br> <font>5º- A 20-12-2003, a A. foi contactada telefonicamente por um funcionário do departamento comercial da R., de nome EE, logo após a participação da A. no programa "ídolos" (facto E) dos factos assentes).</font><br> <font>6º- No início de Janeiro de 2004, a A. foi novamente contactada por via telefónica por um funcionário do departamento comercial da R. (facto F) dos factos assentes).</font><br> <font>7º- Esse telefonema teve por base o envio pela A. de uma "maquete" para a sede da R. que continha dois temas de terceiros autores cantadas pela A. e dois temas da autoria da A. (facto G) dos factos assentes).</font><br> <font>8º- Após vários posteriores contactos, foi marcada uma reunião entre a A. e o representante da R., de nome EE, (facto H) dos factos assentes).</font><br> <font>9º- Essa reunião teve lugar em Lisboa, na data de 27-01-2004, nas instalações de R., tendo a A. sido acompanhada pelos seus pais (facto I) dos factos assentes).</font><br> <font>10° - A referida reunião foi precedida da gravação de uma "maquete" com 3 temas da A. nos estúdios da R., na N.... (facto J) dos factos assentes).</font><br> <font>11º - Após algum tempo sem notícias da R., esta marcou uma outra reunião na cidade de Lisboa com a A. para a data de 29-06-2004. (facto K) dos factos assentes).</font><br> <font>12º - A essa reunião compareceram EE e FF, como representantes da R., bem como a A. e seus pais. (facto L) dos factos assentes).</font><br> <font>13° - O primeiro orçamento apresentado à A., datado de 28-06-2004, era identificado como sendo de GG - de uma empresa de Lisboa para a gravação do álbum da A., com o valor para uma produção total do álbum de € 12.900 (facto M) dos factos assentes).</font><br> <font>14° - O segundo orçamento, datado de 29-06-2004 e elaborado por HH, pertencente à empresa I... da cidade do Porto, apresentava o valor de € 12.750, ao qual acresceria I.V.A. à taxa de 19% - (facto N) dos factos assentes). </font><br> <font>15° - Confrontada pela R. com ambos os orçamentos, foi a A. aconselhada pela R. a optar por aquele que advinha da empresa I..., porque apresentava um preço inferior ao preço apresentado no primeiro orçamento e a I... é uma empresa sediada no Porto, mais próxima da residência da A., (facto O) dos factos assentes).</font><br> <font>16° - E porque, para além da M...A... e da pré-produção áudio, este orçamento incluiria também a realização de um videoclip, de um website, de uma aplicação multimédia para incluir no CD, de Cover concept, bem como uma sessão de fotografias, (facto P) do factos assentes).</font><br> <font>17° - No dia 30-06-2004, a A. foi contactada por correio electrónico enviado por FF, representante da R., com a informação de que um dos sócios da empresa I..., de nome HH, iria entrar em contacto para marcar uma reunião com o propósito de acertar os pormenores relativos ao orçamento e início dos trabalhos -(facto Q) do factos assentes).</font><br> <font>18º - O sócio da empresa I... que reuniu com a A., de nome HH é conhecido por ser o vocalista de uma banda musical de nome "Blunder", banda esta pertencente ao catálogo de artistas da R. - (facto R) do factos assentes).</font><br> <font>19º - O videoclip da A. não foi produzido pela empresa I..., mas antes pele empresa Play, da qual era sócio II, o baixista daquela mesma banda "Blunder", pertencente ao catálogo de artistas da R. - (facto S) do factos assentes).</font><br> <font>20° - Foram acordados entre a A. e HH da empresa I..., sempre com o aval da R., uma série de prazos para a realização dos trabalhos contratados, bem como o caderno de encargos que lhe estava associado, designadamente:</font><br> <font>Prazos acordados: - Vídeo clip - 4 semanas</font><br> <font>- Website - 3 semanas</font><br> <font>- Aplicação Multimédia - 2 semanas</font><br> <font>- Cover concept - 2 semanas</font
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vTKxu4YBgYBz1XKvPzC7
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br> <br> <br> <br> <font> “AA – Sociedade de Revestimentos, Ldª” propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra “BB, AB”, e “BB – Produtos Internacionais, SA”, pedindo que, na sua procedência, as rés sejam condenadas a pagar à autora a quantia global de €694.461,40, acrescida de juros, desde a citação até efectivo e integral cumprimento, bem como as despesas tidas por força do presente processo, a liquidar em execução de sentença, alegando, para tanto, e, em síntese, que celebrou com a ré “BB, AB” um contrato de distribuição, nos termos do qual se obrigou a assegurar a comercialização, em seu nome e por sua conta, de todos os produtos, marca BB, do catálogo comercial</font><i><font> </font></i><font>da referida ré, obrigando-se esta, por seu turno, a vender-lhe os referidos produtos, em exclusivo, para que a autora os revendesse.</font><br> <font>Este contrato tinha a duração, até 31 de Dezembro e 1999, considerando-se, automaticamente, renovado, por sucessivos períodos de cinco anos, caso nenhuma das partes o denunciasse, mediante comunicação escrita, com uma antecedência mínima de seis meses sobre o termo do respectivo período.</font><br> <font>A autora foi responsável pela colocação dos produtos, objecto do contrato, no mercado português, bem como pela construção da imagem da marca, tendo, para o efeito, levado a cabo um esforço e investimento para fazer prospecção de mercado, seleccionar e angariar clientes, divulgar e promover os produtos, tendo feito, igualmente, avultados investimentos publicitários, dando como resulta­do que a marca BB</font><i><font> </font></i><font>passou a gozar de óptima reputação no mercado nacional, sendo líder de mercado de revestimentos vinílicos para pavimen­tos.</font><br> <font>No início de 2000, a autora foi informada que a ré “BB, AB” pretendia criar uma filial em Portugal, tendo a ré “BB, SA”, a partir de 2000, passado a intermediar as relações comerciais entre a autora e aquela ré e assumido, expressamente, todos os deveres e obrigações desta, não obstante a ré “BB, SA” sempre ter reconhecido a autora como distribuidora exclusiva dos produtos BB</font><i><font>.</font></i><br> <font>A criação desta filial em Portugal fazia parte da estratégia da ré “BB, AB” para iniciar vendas directas em Portugal, afastando a autora da rede de distribuidores BB,</font><i><font> </font></i><font>retirando-lhe gamas de produtos e não lhe atribuindo novas gamas, entretanto, introduzidas e acabando mesmo por lhe retirar a possibilidade de revenda de todos os produtos, o que determinou uma descida acentuada nas vendas da autora, tendo perdido um número significativo de clientela.</font><br> <font>Em 6 de Agosto de 2004, a autora enviou às rés cartas registadas, com aviso de recepção, notificando-as para deixarem de proceder a vendas directas ou através de tercei­ros que não a autora, e como estas não tivessem acatado a notificação, a autora resolveu, com justa causa, o contrato de distribuição, por carta registada datada de 9 de Setembro de 2004.</font><br> <font>As rés continuaram a beneficiar da clientela angariada pela autora, razão pela qual esta tem direito à atribuição de uma indemnização por clientela, para além da indemnização por incumprimento contratual, quantificando aquela, em €176.467,40, e esta, em €518.000,00, respectivamente.</font><br> <font>Na contestação, as rés alegam que foi a ré “BB, AB” quem pôs fim ao contrato de distribuição, e não a autora, através de uma comunicação, datada de 11 de Junho de 1999, em que dava a conhecer a esta que punha termo ao contrato, a partir de 31 de Dezembro de 1999.</font><br> <font>Não obstante a cessação do contrato de distribuição, a ré “BB, SA” acedeu em encetar um novo e diverso ciclo de relacionamento comercial com a autora, tendo-lhe garantido a exclusividade de determinados artigos que anunciou, mas, apenas, para o ano de 2000, e o mesmo acontecendo, nos anos de 2001 e 2002, sendo certo que, tão-só, no termo do período de 2003, aquela comunicou à autora que não mais lhe garantia a exclusividade de quaisquer produtos.</font><br> <font>Na réplica, a autora conclui como na petição inicial.</font><br> <font>A sentença julgou a acção improcedente, por não provada, e, em consequência, absolveu as rés do pedido.</font><br> <font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, revogou a sentença e condenou a ré “BB, AB” no pagamento à autora da quantia de €25.000,00 e a ré “BB, SA” no pagamento à autora da quantia de €20.000,00, ambas com juros de mora, desde a citação e até ao cum­primento.</font><br> <font> Do acórdão da Relação de Lisboa, a mesma autora e as rés interpuseram recurso de revista, terminando a primeira as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que condene as rés no pagamento de €683301,00, acrescido de juros de mora, contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br> <font>1ª – O presente recurso vem interposto do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu (i) julgar parcialmente procedente a apelação da recorrente e, em consequência, condenar a 1.a R. e a 2.a R. a pagar à recorrente, a título de indemnização de clientela, os montantes de, respectivamente €25.000,00 e €20.000,00, ambos acrescidos de juros de mora desde a citação, até integral cumprimento e (ii) manter a sentença proferida pela 1a Instância na parte em que julgou improcedente o pedido de condenação das RR. recorridas no pagamento à A. recorrente de uma indemnização decorrente do incumprimento contratual por parte daquelas.</font><br> <font>2ª - A recorrente não se conforma com o montante fixado para as indemnizações de clientela a pagar pelas recorridas, discordando, por outro lado, da decisão proferida no que tange à improcedência do pedido de indemnização por incumprimento contratual.</font><br> <font>3ª - Após concluir pela extinção do contrato celebrado entre a recorrente a 1.a recorrida, em 31.12.1999 - na sequência de denúncia efectuada pela última – a Veneranda Relação de Lisboa considera ser "ilegítima a invocação de um direito de indemnização reportada à violação de um contrato que se encontrava extinto".</font><br> <font>4ª </font><i><font>- </font></i><font>Contudo, e não obstante ter resultado provado que a 1a recorrida pôs termo ao contrato celebrado com a recorrente em 1995, também resultou provado que o relacionamento comercial entre as partes se manteve muito para além de tal resolução contratual, pelo menos até 2003.</font><br> <font>5ª - As partes protelaram, por um extenso período temporal, o fim da relação comercial que entre si existia.</font><br> <font>6ª - Quanto a este aspecto, a Veneranda Relação de Lisboa considerou que "a distribuição de produtos que a A. fez, a partir de 1.10.2000 até 2003 inclusive (...) deixou de ter por referência a 1a R., passando a ser reportada à 2.aR.".</font><br> <font>7ª - Sempre guardado o devido respeito, também resultou da matéria de facto dada como provada, a confusão, na mesma entidade, da 1.a e da 2ª R., designadamente no que se refere ao relacionamento comercial estabelecido entre as mesmas e a recorrente.</font><br> <font>8ª - Com efeito, decorre da alínea O) da matéria assente (cfr. § 30 do douto Acórdão recorrido) que, até 2003, ambas</font><b><font> </font></b><font>as recorridas forneceram à recorrente uma gama de produtos BB - a gama Óptima.</font><br> <font>9ª - Por outro lado, ficou provado que a 1.a ré detém uma participação maioritária no capital social da 2.a ré, o que mais contribui para que convirjam os interesses de ambas e para que, perante terceiros, a sua actuação e imagem profissional se confundam.</font><br> <font>10ª - Assim, as relações comerciais entre as partes mantiveram-se pelo menos até 2003, com a especificidade de a 1.a ré ter retirado à recorrente várias das gamas de produtos por si inicialmente comercializados.</font><br> <font>11ª - Tem aqui total aplicação o art.° 27.° n.° 2 do D.L. n.° 178/86, de 3 de Julho, alterado pelo D.L. 188/93, de 13 de Abril (doravante Lei do Contrato de Agência), o qual dispõe o seguinte: "Considera-se transformado em contrato de agência por tempo indeterminado o contrato por prazo determinado cujo conteúdo continue a ser executado pelas partes, não obstante o decurso do respectivo prazo".</font><br> <font>12ª - Ficou demonstrada a existência de uma relação contratual duradoura, inicialmente desenvolvida entre a recorrente e a 1.a ré, e posteriormente, assegurada mais directamente pela 2.a ré, mas sempre com a participação da 1.a ré.</font><br> <font>13ª - Por tal razão, a autora continuou a promover os produtos BB nos anos subsequentes a 1999, sem que tenha questionado a intervenção de uma nova empresa - a 2.a ré (é em todo o caso falso que a autora não tenha questionado a quebra da exclusividade absoluta na distribuição de tais produtos, facto que, de resto, constituiu justa causa para a resolução contratual que veio a operar em 2004).</font><br> <font>14ª - Concluindo, o contrato celebrado entre a autora e a 1.a ré foi renovado e transformado em contrato por tempo indeterminado, até ser resolvido pela recorrente, com justa causa, apenas em Setembro de 2004, tal como decorre da demais factualidade dada como provada nos autos.</font><br> <font>15ª - Dos factos dados como provados pelas instâncias anteriores, resulta que a 1.a ré violou tal contrato porquanto (i) vendeu milhares de m2 dos produtos objecto do mesmo (o catálogo comercial dos seus produtos, actualizado) à 2.a ré (cfr. § 26 do Relatório), (ii) em 2002 impediu a autora de vender 3 das gamas de produtos que compunham o denominado catálogo comercial (cfr. § 27 do relatório) e (iii) em 2003 apenas lhe forneceu 1 gama de produtos, impedindo-a de vender as restantes (cfr. § 30 do relatório), apesar de esta se manter revendedora exclusiva de determinadas colecções BB em Portugal.</font><br> <font>16ª - Pelo que é devida à recorrente a indemnização por incumprimento contratual peticionada nos autos e julgada improcedente pela Veneranda Relação de Lisboa.</font><br> <font>17ª - E caso se considere (como se entende no douto Acórdão recorrido), que a partir de 2002 se estabeleceu uma relação contratual entre a recorrente e a recorrida 2a ré, deverá do mesmo modo entender-se que a recorrente terá de ser ressarcida pelos prejuízos sofridos e descritos nos autos.</font><br> <font>18ª - O contrato de concessão vigente entre a recorrente e a recorrida 2.a ré encontraria o seu suporte material não apenas no modus operandi</font><i><font> </font></i><font>das partes, mas ainda na correspondência.</font><br> <font>19ª - Por outro lado, ficou igualmente provado que, em 30 de Setembro de 2003, a recorrida 2.a ré remeteu à recorrente uma carta informando que a partir do final desse ano deixaria de haver "produtos BB da comercialização exclusiva pela Revicil".</font><br> <font>20ª</font><i><font> - </font></i><font>Da referida carta resulta que até ao final daquele período a recorrente deteria exclusividade na venda, ao menos, de algum produto.</font><br> <font>21ª - Por outro lado, a 2.a ré continuou a deixar que a recorrente vendesse produtos BB, ainda que em condições violadoras dos mais elementares princípios de boa-fé, dando corpo ao já referido n° 2 do artigo 27° da Lei do Contrato de Agência.</font><br> <font>22ª - O contrato existente entre as partes vigorou até ser resolvido, com justa causa, pela recorrente, em 10.09.2004.</font><br> <font>23ª - A 2.a ré, apesar de ter reconhecido e dado o seu acordo à atribuição à recorrente da comercialização em exclusivo de 7 gamas de produtos BB entre 2000 e 2002 (inclusive), (i) em 2002, retirou-lhe 3 das 7 mencionadas gamas, impedindo-a de as comercializar (cfr. § 27 do Relatório); (ii) a partir de 2004, passou a vender a terceiros os produtos do catálogo comercial da BB a preços mais vantajosos do que aqueles que praticavam com a recorrente e, consequentemente, os clientes da recorrente que lhe compravam produtos BB passaram a fazê-lo à si própria o que, salvo o devido respeito pelo diversamente explanado no douto Acórdão de que se recorre, consubstancia uma clara violação das regras e ditames da boa fé contratual (cfr. § 35 e § 36 do Relatório).</font><br> <font>24ª - Em suma, os comportamentos das recorridas deram causa à resolução contratual levada a cabo pela recorrente, sendo-lhe pois consequentemente devida uma indemnização, calculada nos termos do artigo 564.° do Código Civil.</font><br> <font>25ª - Assim, deverá revogar-se o douto Acórdão recorrido na parte em que julgou improcedente o pedido de indemnização devido por incumprimento contratual, e substitui-lo por outro que condene as Rrecorridas, no pagamento à recorrente, da referida indemnização.</font><br> <font>26ª - Nos presentes autos, a recorrente peticionou ainda a condenação das recorridas no pagamento da quantia de €176.467,40 a título de indemnização de clientela.</font><br> <font>27ª - A aplicação analógica da indemnização de clientela ao contrato de concessão é acolhida na nossa doutrina e jurisprudência, e consta do preâmbulo do Decreto-Lei que regula o contrato de agência, como orientação genérica a seguir pelo aplicador do Direito.</font><br> <font>28ª - A Sentença proferida pelo ilustre Tribunal de 1 a instância, como o douto Acórdão de que ora se recorre, são também profícuos na citação de doutrina e jurisprudência consonantes com a aplicação do regime do contrato de agência ao contrato de concessão comercial e, como se defende no último, com a aplicação analógica do regime da indemnização de clientela ao contrato de concessão.</font><br> <font>29ª - A indemnização de clientela é devida, independentemente da forma pela qual o contrato cessou, desde que tal não tenha acontecido por razões imputáveis ao agente (cfr. art.° 33° n° 3 do DL do contrato de agência).</font><br> <font>30ª - Assim, quer o contrato tenha cessado por iniciativa das recorridas, pelo decurso do prazo, quer ainda o mesmo tenha sido resolvido pela recorrente com justa causa, como foi acima demonstrado, esta indemnização é aplicável ao caso concreto.</font><br> <font>31ª - O nº 3 da cláusula 12. do Contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida 1.a ré, o qual dispõe que "Cessando o presente contrato por força do disposto nos números anteriores, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização ou compensação, salvo na exacta medida em que se encontrem por liquidar quaisquer quantias decorrentes da execução do contrato"</font><i><font> </font></i><font>é nulo.</font><br> <font>32ª - Com efeito, o artigo 809.° do Código Civil dispõe que "É nula a cláusula pela qual o credor renúncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n° 2 do artigo 800º.</font><br> <font>33ª -Um dos direitos consignados nas divisões anteriores do Código, é precisamente, o direito à indemnização, o qual não poderá, por conseguinte, ser renunciado antecipadamente.</font><br> <font>34ª - O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa entende, igualmente, que a referida Cláusula contratual se encontra ferida de nulidade.</font><br> <font>35ª - Os Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa entenderam ainda encontrarem-se verificados os requisitos de que depende a atribuição da indemnização de clientela à recorrente, o que - não é demais relembrar - não havia sido posto em causa na sentença proferida pelo ilustre Tribunal de 1.a instância.</font><br> <font>36ª - A indemnização de clientela não depende de prova, por parte do "agente" ou, in casu,</font><i><font> </font></i><font>por parte do concessionário, dos danos por si eventualmente sofridos.</font><br> <font>37ª - Bem pelo contrário, o que a lei tem em conta são os benefícios do principal, após a cessação do contrato, decorrentes da acção do agente, pretendendo distribuí-los de forma "equitativa".</font><br> <font>38ª - À luz do regime previsto na Lei do Contrato de Agência, o Venerando Tribunal da Relação considerou que (i) que a recorrente angariou novos clientes para as recorridas, (ii) e que as recorridas vieram a beneficiar consideravelmente da actividade desenvolvida pela recorrente.</font><br> <font>39ª - O n°1 do art.° 33.° daquele diploma legal dispõe que, "o agente tem direito, após a cessação do contrato, a uma indemnização de clientela desde que se encontrem preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:</font><br> <font> a) O agente tenha angariado novos clientes para a outra parte ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente;</font><br> <font>b) A outra parte venha a beneficiar consideravelmente, após a cessação do contrato, da actividade desenvolvida pelo agente;</font><br> <font>c) O agente deixe de receber qualquer retribuição por contratos negociados ou concluídos, após a cessação do contrato, com os clientes referidos na alínea a)."</font><br> <font>40ª - Invocando factualidade dada como assente nos autos, a Veneranda Relação de Lisboa concluiu que a reputação da marca BB no mercado português se ficou a dever, "em parte substancial, ao trabalho de divulgação e promoção levado a cabo pela A. e à qualidade dos serviços que foi prestando na venda e acompanhamento de obras".</font><br> <font>41ª - O que se reflectiu no crescimento gradual e ao longo dos anos, do volume de vendas dos produtos da 1.a ré a qual, acrescenta aquele Tribunal, após 31.12.1999 "continuou a beneficiar da carteira de cliente angariados pela A", entendimento que não merece qualquer reparo.</font><br> <font>42ª - Porém, a recorrente discorda da interpretação do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao momento de cessação do contrato de concessão comercial celebrado com a 1.a recorrida em 1995.</font><br> <font>43ª - Com efeito, no entender da recorrente, o aludido contrato vigorou entre as partes até ser resolvido por si com justa causa, até Setembro de 2004, com a especificidade de, a partir de 2000, a referida relação contratual ter sido feita mais directamente com a 2.a recorrida, mas sempre com a participação da 1.a recorrida.</font><br> <font>44ª - De um modo geral, a decisão de condenação da 2.a recorrida no pagamento de uma indemnização de clientela à recorrente assentou nos mesmos pressupostos tácticos invocados pela recorrente nas alegações que apresentou no âmbito do recurso interposto da sentença proferida pelo ilustre Tribunal de 1.a instância, (cfr. resposta aos factos 19, 20, 23, 26, 27 e 28 da BI).</font><br> <font>45ª - Contudo, a recorrente discorda de que após 1.1.2000 tenha vigorado um "novo" contrato entre si e a 2ª recorrida.</font><br> <font>46ª - Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se impunha concluir que a 2.a ré - que como a Veneranda Relação bem salienta, não só integra o grupo societário dominado pela 1.a ré como é maioritariamente participada por esta - beneficiou da clientela que a autora angariou desde 1995 e não apenas da clientela angariada desde 2000! (cfr. resposta ao ponto 26 da BI / §40 do Relatório).</font><br> <font>47ª - Ora, quanto a este aspecto, e sempre guardado o devido respeito, o douto Acórdão revela algumas incongruências.</font><br> <font>48ª - Assim, se por um lado aí se refere que "uma grande parte dos clientes a quem a 2 a R. vendeu os produtos foi angariada através de acções de promoção levadas a cabo pela A., sendo natural que tenha continuado a beneficiar dessa actividade de angariação e de promoção" e "a imagem de marca que foi criada e de que a 2 a R. pôde beneficiar foi construída ao longo de todo o período em que a A. exerceu funções de concessionária dos produtos (§ 41.), envolvendo o 1o período, até 1999, mas avançando também pelo período subsequente, até 2003", (sublinhados nossos).</font><br> <font>49ª - Também se diz que a 2.a ré "acabou por beneficiar da clientela que a autora continuou a angariar naquele período, embora o relevo da actividade exercida nesta segunda fase seja claramente inferior ao que se verificou em relação à primeira parte", sendo que, para efeitos de cálculo da indemnização a atribuir à recorrente, a Veneranda Relação acaba por atender à actividade de angariação de clientela levada a cabo pela recorrente após 2000 o que, como é bom de ver, não foi obviamente nem tão forte nem tão incisiva como a que se impôs e efectivamente se praticou nos primeiros anos da relação contratual estabelecida com a BB (sublinhados nossos).</font><br> <font>50ª - Se a respeito de uma indemnização contratual se poderia admitir a análise dos comportamentos de cada uma das recorridas, isoladamente, já quanto à indemnização de clientela isso não pode suceder.</font><br> <font>51ª - O trabalho de divulgação e promoção da marca posto em prática pela recorrente beneficiou todo o Grupo BB;</font><br> <font>52ª - A 2.a ré, enquanto sociedade daquele Grupo, gozou da referida actividade de angariação no seu todo, e não apenas a partir do momento em que foi constituída, passando a operar no mercado.</font><br> <font>53ª - Em suma, nos presentes autos, demonstrou-se à saciedade não só que a recorrente angariou a esmagadora maioria dos clientes dos produtos vendidos pelas recorridas (cujo número era bastante elevado) como que estes clientes passaram a adquirir os referidos produtos à recorrida 2.a ré.</font><br> <font>54ª - Donde se pode concluir que as duas beneficiaram consideravelmente da sua actividade, estando pois preenchidos os requisitos constantes das alíneas a) e b) do artigo 33.° da Lei do Contrato de Agência, como bem se defende no douto Acórdão recorrido.</font><br> <font>55ª - Por último, no que diz respeito à alínea c) do mencionado art. 33°, tem sido entendimento da nossa jurisprudência que o mesmo não é aplicável ao contrato de concessão, já que, ao contrário do agente, o concessionário não aufere qualquer remuneração.</font><br> <font>56ª - Para cálculo da indemnização devida à recorrente, a Veneranda Relação decide (ainda que no seu discurso revele alguma hesitação quando à decisão assim tomada) apreciar separadamente a actuação da autora no que respeita a cada uma das rés e encontrar para cada uma delas o valor de indemnização ajustado.</font><br> <font>57ª - A recorrente não concorda com esta forma de cálculo de indemnização na medida em que (i) entre si e a recorrida 2.a ré não foi celebrado nenhum contrato diverso do celebrado entre aquela e a recorrida 1a ré, e (ii) tanto a 1a ré como a 2ª ré beneficiaram da actuação da recorrente, o que reforça a ideia de que o arbitramento da indemnização de clientela devia ser feito por referência a ambas.</font><br> <font>58ª - O art.° 34.° do DL da Lei do Contrato de Agência dispõe que "A indemnização de clientela é fixada em termos equitativos, mas não pode exceder um valor equivalente a uma indemnização anual calculada a partir da média anual das remunerações recebidas pelo agente durante os últimos 5 anos (...)".</font><br> <font>59ª - Como refere Menezes Leitão, "Há uma dificuldade consistente no facto de o concessionário não perder uma remuneração específica em relação aos clientes, mas a ela deve ser equiparada a margem de lucro relativa à revenda dos produtos adquiridos ao concedente".</font><br> <font>60ª - No ponto 6.6., o Venerando Tribunal da Relação começa por discorrer sobre a querela "lucro bruto vs lucro líquido", nunca suscitada nos autos pelas recorridas.</font><br> <font>61ª - A recorrente entende que, nesta matéria, o Tribunal da Relação de Lisboa exorbitou claramente os seus poderes de cognição e pronúncia.</font><br> <font>62ª - Com efeito, ficou provado nos autos que: "A média de lucro da A. na revenda dos produtos BB nos anos de 1999 a 2003 foi de cerca de 28%." (cfr. § 44 do Relatório).</font><br> <font>63ª - </font><i><font>A </font></i><font>sentença proferida em primeira instância, não chegou a tecer qualquer comentário quanto à natureza do lucro aqui mencionado.</font><br> <font>64ª - Esta questão é clarificada pela recorrente nas alegações do recurso que interpôs de tal sentença, apenas para efeitos de elucidação do modo como havia de ser calculada a indemnização de clientela que, efectivamente, lhe era devida.</font><br> <font>65ª - Do mesmo modo, as recorridas nunca puseram em crise que aquele lucro fosse, efectivamente, o lucro líquido auferido pela recorrente.</font><br> <i><font>66ª - </font></i><font>Assim e salvo o devido respeito, parece à recorrente que o Venerando Tribunal da Relação se pronunciou para além do que lhe era permitido, sendo o douto Acórdão referido nulo, por via do disposto na alínea d) do n.°1 do artigo 668.°.</font><br> <font>67ª - Devendo os Excelentíssimos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça suprir tal nulidade e, para efeitos de cálculo da indemnização peticionada, atender a uma margem de lucro de 28%, assim modificando a decisão proferida, nos termos e para os efeitos do que se acha disposto no n.°1 do artigo 731.° do Código de Processo Civil.</font><br> <font>68ª - E caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá considerar-se que a margem inicialmente indicada pela recorrente se reporta ao lucro líquido.</font><br> <font>69ª - No entender daquele ilustre Tribunal, o qual contudo e salvo o devido respeito não parece oferecer fundamentação idónea para tal entendimento, a margem de 28% indicada pela recorrente "não se trata verdadeiramente de uma margem de lucro líquido, antes da margem de comercialização, correspondente ao diferencial entre o preço de venda aos clientes da A. e o preço que lhes foi facturado pelas RR.".</font><br> <font>70ª -</font><i><font> </font></i><font>Para justificação de tal conclusão, o Venerando Tribunal da Relação remete, numa primeira linha, para o artigo 108.° da petição inicial o qual, recorde-se, refere o seguinte: "A margem de lucro da A. foi, nos referidos anos, de 28%, pelo que obteve a seguinte remuneração pela sua actividade distribuidora da R. (...)".</font><br> <font>71ª -</font><i><font> </font></i><font>Não se entendendo como, face à redacção de tal artigo, pôde o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa concluir que foi da remuneração aí referida que "saíram as despesas atinentes ao exercício da actividade, quer em meios humanos (orgânica, promotores, vendedores, comissões, etc), quer materiais (veículos, comunicações, publicidade, promoções, etc.).</font><br> <font>72ª -</font><i><font> </font></i><font>Adiante, no mesmo ponto do douto Acórdão de que se recorre, a Veneranda Relação de Lisboa faz alusão ao depoimento da testemunha António Correia Girão e aos documentos juntos na audiência de julgamento de 3.10.1997, sob fls. 712 a 719., de acordo com os quais teria ficado claro que o mencionado depoimento se reportava à margem de comercialização. Porque razão? Ficou por esclarecer…</font><br> <font>73ª - Finalmente, o douto Acórdão recorrido remete para a resposta negativa dada ao facto 30 da Base Instrutória, onde se refere, nomeadamente, que "o lucro com a venda de produtos não pode ser dissociado de despesas (...)". Contudo, a verdade é que o ilustre Tribunal de 1a instância não chega a tomar uma posição clara quanto à classificação do lucro invocado pela recorrente, pelo que, uma vez mais e guardado o devido respeito, é substancialmente inconsistente o fundamento do Venerando Tribunal da Relação.</font><br> <font>74ª - Assim, deverá concluir-se que a margem de lucro indicada pela recorrente, corresponde ao lucro líquido (médio) da actividade da recorrente e não ao lucro bruto de tal actividade sob pena de não fazer qualquer sentido a sua alegação.</font><br> <font>75ª - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2006, defende que "Se o autor, para efeitos do cálculo da indemnização que peticiona, fala apenas em lucro, tem de entender-se que se refere ao lucro líquido, competindo ao réu excepcionar os custos que diminuiriam tal lucro (...) Contudo, se a autora, invocou apenas o lucro, não referindo que é o líquido, tem de se entender que é a ele que está a aludir, tendo em conta que o pedido deve ser interpretado no contexto da causa de pedir e esta está ligada ao dito conceito de "remuneração". Pelo que a decisão sobre a matéria de facto, quando fixa o montante do "lucro" da autora deve ser entendida também como se reportando ao lucro líquido." E acrescenta: competia à ré provar a inexactidão da quantia em causa. Não pode vir agora dizer, como faz, que há falta de factos. O que acontece é que não cumpriu o ónus de provar o contrário".</font><br> <font>76ª - No caso em apreço, as recorridas não suscitaram nem provaram que o lucro a que a recorrente se referia não era o líquido, pelo que, em todo o caso, será de considerar que a margem de 28% corresponde ao lucro médio, o que equivale à sua conformação com o valor peticionado.</font><br> <font>77ª - No douto Acórdão de 18.05.2004 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, refere-se que "Porque a R. nada alegou que permita levar o Tribunal a considerar que o valor da indemnização resultante da aplicação do critério objectivo peca por ser excessivo, nada obsta a que, em concreto, o mesmo seja aceite, sendo determinado com base na marejem de comercialização destinada à A. e na média das vendas correspondentes aos anos de 1992 a 1996 (5 anos)." (destaque e sublinhados nossos)</font><br> <font>78ª - Assim, ainda que o lucro indicado pela recorrente fosse o bruto, i.e., a margem de comercialização, o que não se concede e por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre a indemnização de clientela deveria ser calculada com base nessa margem.</font><br> <font>79ª - Por outro lado, a jurisprudência tem vindo a admitir que, no contrato de concessão, o conceito de "remuneração"</font><i><font> </font></i><font>(que se indica, nomeadamente, no artigo 34.° da Lei do Contrato de Agência), tem por base o lucro bruto.</font><br> <font>80ª - Assim, quer por conformismo por parte das recorridas quanto ao montante peticionado, quer por força do entendimento jurisprudencial quanto ao conceito de remuneração no contrato de concessão, ainda que a margem invocada pela recorrente correspondesse efectivamente ao lucro bruto, sempre a mesma deveria ser atendida para efeitos de cálculo da indemnização.</font><br> <font>81ª - Não pode aceitar-se é que o Tribunal, invocando razões de razoabilidade e equidade, altere aquela margem de 28% para 10%!</font><br> <font>82ª - Logrou provar-se que entre 1999 e 2003, a margem de lucro média da recorrente na revenda dos produtos era de 28%, e tendo ficado igualmente provado que a recorrente atingiu os seguintes volumes de vendas de produtos BB: 1999 -€768.149,00; 2000-€644.020,00; 2001-€680.335,00; 2002-€722.111,40; e 2003-€292.571,67.</font><br> <font>83ª - Pelo que a média anual das remunerações (ou, melhor, da margem de lucro da recorrente) recebidas nos últimos cinco anos com a venda dos produtos objecto do contrato dos autos, para efeitos de determinação do limite máximo da indemnização de clientela a que tem direito, ascende ao montante de €176.467,40, o que se configura ser uma justa indemnização.</font><br> <font>84ª - Contudo, no entender da Veneranda Relação de Lisboa, foram celebrados dois contratos e não apenas um.</font><br> <font>85ª - Mesmo nesse pressuposto, a indemnização arbitrada não deveria ter sido inferior à peticionada.</font><br> <font>86ª - O Tribunal da Relação de Lisboa, na falta de informação sobre o volume de vendas nos anos anteriores a 1999 (data em que no seu entender teria cessado o contrato celebrado entre a recorrente e a 1.a recorrida), considera para efeitos de cálculo de indemnização, num valor médio de €500.000,00.</font><br> <font>87ª - Tomando também em linha de conta aquele valor, e atendendo à referida taxa de lucro de 28% - e não já à de 10% que de modo algum se aceita - chegamos a um valor de €140.000,00, muito superior ao indicado pelo Tribunal, de € 50.000,00.</font><br> <font>88ª - No que respeita à 2.a ré, o Venerando Tribunal da Relação refere ter existido "um menor envolvimento da A. na promoção dos produtos, já que a redução das gamas em exclusividade desviava naturalmente uma parte da clientela para as gamas comercializadas directamente pela 2.a R. ou por outras empresas que porventura foram contratadas".</font><br> <font>89ª - Quanto ao primeiro dos fundamentos do Tribunal da Relação reitera-se o que acima se deixou exposto no que respeita à impossibilidade de dissociação das duas recorridas e ao trabalho de angariação de c
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font> </font><b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font></b><br> <br> <font> </font><b><font>1</font></b><font> – Construções AA Lª intentou acção ordinária contra BB Lª com vista a obter dela o pagamento de 9.280,00 € e juros, para além do que se viesse a liquidar inerente aos prejuízos sofridos, tendo por base 30,00 € diários desde 01 de Setembro de 2003 até à data em que estiverem realizadas as infra-estruturas do loteamento sito no lugar do Alto ..., freguesia de Darque, Viana do Castelo, e as mesmas devidamente recepcionadas pela Câmara Municipal de Viana do Castelo.</font><br> <br> <font> </font><b><font>2</font></b><font> – A R. contestou, imputando a responsabilidade pela não efectivação das infra-estruturas a Calves S. A., anterior proprietária dos lotes adquiridos, razão pela qual requereu a sua intervenção como parte acessória.</font><br> <br> <font> </font><b><font>3</font></b><font> – Admitido o incidente, veio a chamada a contestar, defendendo a total improcedência dos pedidos.</font><br> <br> <font> </font><b><font>4</font></b><font> – Após julgamento, foi a R. condenada no pagamento à A. de 4.380,00 € e juros, para além do que se vier a liquidar relativamente a todos os prejuízos por esta suportados em consequência da falta de infra-estruturas de saneamento, rede de água e electricidade nos lotes por ela adquiridos, contadas desde a data em que se mostrem concluídas as moradias edificadas nesses lotes e até à data em que essas infra estruturas se mostrem efectivadas.</font><br> <br> <font> </font><b><font>5</font></b><font> – Inconformadas, apelaram A. e interveninente para o Tribunal da Relação de Guimarães.</font><br> <font> Esta viu rejeitado o seu recurso com fundamento na falta de legitimidade para recorrer e aquela não teve êxito na sua pretensão.</font><br> <br> <b><font> 6</font></b><font> – Não conformada com a decisão da Conferência que decidiu não conhecer do mérito do recurso por si interposto, a interveniente agravou a coberto das seguintes conclusões:</font><br> <font>- O despacho recorrido não deve manter-se, pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso </font><i><font>sub judice</font></i><font> das normas e princípios jurídicos competentes. </font><br> <font>- A recorrente ocupa a posição processual de chamada, pelo que, em virtude dessa qualidade, passou a gozar dos mesmos direitos e a estar sujeita aos mesmos deveres da parte principal assistida, neste caso a R./recorrida. </font><br> <font>- O efeito principal do incidente de intervenção acessória provocada consiste na possibilidade de a parte principal fazer com que a sua eventual condenação o seja em conjunto com a do chamado, ficando aquela munida de uma decisão contra este que lhe permite exigir, no âmbito das relações internas, a responsabilidade que compete ao chamado. </font><br> <font>- A recorrente assumiu, desde logo, posição activa no presente processo, pois apresentou contestação, por meio da qual impugnou os factos e defendeu-se ainda por excepção; já na fase da instrução e julgamento requereu a junção e produção de diversos meios de prova. </font><br> <font>- Constituindo a sentença, uma vez transitada em julgado, caso julgado material, com força obrigatória dentro e fora do processo e mostrando-se a recorrente incluída no âmbito do mesmo, semelhante circunstância impedirá que se possa definir de forma diferente o direito concreto aplicável à relação material litigada, nomeadamente no que respeita às questões de que depende o direito de regresso. </font><br> <font>- O artigo 680º, nº 2, do Código de Processo Civil estende a legitimidade para recorrer às pessoas prejudicadas pela decisão, mesmo que não sejam partes ou partes acessórias. </font><br> <font> - É manifesto que a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância é susceptível de causar prejuízo directo, sério, real e efectivo à recorrente, na medida em que lhe impõe responsabilidades e diminui o seu património. </font><br> <font>- O prejuízo da recorrente é directo e imediato pois resulta directa e expressamente da sentença proferida, a qual estende, sem mais, a responsabilidade imputada à recorrida BB, Lda, à recorrente. </font><br> <font>- A sentença assim proferida, já produz efeito útil em relação à recorrente, porquanto reconheceu e atribuiu-lhe expressamente a responsabilidade, questão que, não sendo admitido o recurso interposto, ficará definitivamente decidida e constituirá caso julgado e que, em ulterior acção de regresso, já não poderá ser negada ou contestada! </font><br> <font>- É notória a desvantagem certa e concreta que impende da decisão sobre a recorrente e, nessa medida, o prejuízo da recorrente é também actual e positivo. </font><br> <font>- Não se aceita, pois, que a recorrente mantenha a mesma posição e situação jurídica que tinha antes deste processo. </font><br> <font>- O despacho recorrido violou as disposições dos artigos 332°, nº 4, 671º, 673° e 680º, nº 2, do Código de Processo Civil, porquanto as mesmas não foram aplicadas e interpretadas com o sentido versado nas considerações anteriores. </font><br> <br> <font> A A. não apresentou contra-alegações.</font><br> <br> <font> </font><b><font>7</font></b><font> – </font><i><font>Quid iuris?</font></i><br> <font> A recorrente coloca-nos apenas a seguinte questão: terá o interveninente acessório legitimidade para recorrer da decisão desfavorável para a parte principal?</font><br> <font> É o que vamos ver.</font><br> <font>Prescreve o art. 330º do Código de Processo Civil:</font><br> <font> “1 – O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que careça de legitimidade para intervir como parte principal.</font><br> <font>2 – A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento”.</font><br> <font>Comentando este preceito, Lopes do Rêgo diz o seguinte:</font><br> <font> “Na base de tal configuração está a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexo com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal”.</font><br> <font> Mas, sendo tal a ideia - continua o mesmo A. - “não deve ser tratado como parte principal”, o seu papel e estatuto reconduzem-se, pois, ao de auxiliar na defesa, visando com a sua actuação processual – não obstar à própria condenação, reconhecidamente impossível – mas produzir a improcedência da pretensão que o autor deduziu no confronto do réu-chamante” (</font><i><font>in</font></i><font> Comentários ao Código de Processo Civil, página 252 e ss.).</font><br> <font>A este propósito, Lebre de Freitas sublinha que, com o Decreto-Lei nº 329-A/95, “das três situações processuais a que o chamamento à autoria podia conduzir (litisconsórcio impróprio, substituição processual, assistência), apenas a assistência, agora designada intervenção acessória, passou a ter lugar”(</font><i><font>in</font></i><font> Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, página 583).</font><br> <font>Para Salvador da Costa, “esta solução legal é inspirada, face ao interesse indirecto ou reflexo, na improcedência da pretensão ao autor, pela ideia de a posição processual que deve corresponder ao titular de uma acção de regresso, meramente conexa com a relação jurídica material controvertida objecto da causa principal, é a de mero auxiliar na defesa, em termos de acautelamento da eventualidade da hipótese de no futuro contra ele ser intentada, por quem foi réu na acção anterior, acção de regresso para efectivação do respectivo direito”.</font><br> <font> E, não deixa de fazer notar que “o fundamento básico da intervenção acessória provocada é a acção de regresso da titularidade do réu contra terceiro, destinada a permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda”, sendo certo que “o chamado não influencia a relação jurídica processual desenvolvida entre o autor e o chamante” e, daí que “nela não pode haver sentença de condenação” (</font><i><font>in</font></i><font> Os Incidentes da Instância – 3ª edição -, pág. 127 e ss.).</font><br> <font>Ou seja, hoje em dia, o interveniente acessório tem a posição de assistente, tal como era regulada a mesma nos artigos 335º e seguintes do Código de Processo Civil de 1967.</font><br> <font> Ora, a respeito da posição jurídica do assistente na acção, Lopes Cardoso disse, de forma bem clara, que o mesmo não podia ser condenado ou absolvido, sendo-lhe até lícito abandonar a causa em qualquer altura.</font><br> <font> Mas, acentuou, que “o simples facto de ser admitido a assistir, vincula-o, porém, a tal decisão, não porque este forme caso julgado pleno contra ele …, mas no sentido de que o assistente, em nova acção onde tenha a posição de parte principal, fica obrigado a aceitá-la como prova plena dos factos que a sentença estabeleceu, e como caso julgado relativamente ao direito que definiu” (</font><i><font>in</font></i><font> Manual dos Incidentes da Instância em Processo Civil 2ª edição -, página 115 – consideração esta tecida no âmbito de aplicação do Código de Processo Civil de 1939, mas mas que mantém perfeita actualidade, atento o disposto no artigo 341º aplicável ao caso </font><i><font>sub iudice</font></i><font> </font><i><font>ex vi</font></i><font> nº 4 do artigo 332º).</font><br> <font> Também Alberto dos Reis acentua esta mesma ideia – “quem é condenado na acção é a parte principal; o tribunal condena o assistido, se este decair, mas não condena o assistente” (</font><i><font>in</font></i><font> Código de Processo Civil anotado, Volume I – 3ª edição -, página 478. Também esta referência é feita em relação ao Código de Processo Civil de 1939, mas permanece válida nos dias de hoje pelas mesmas razões supra referidas).</font><br> <font>De tudo o exposto, resulta de forma bem clara que o interveniente acessório não pode nunca ser condenado na acção para a qual apenas foi chamado a intervir como mero auxiliar.</font><br> <font> Daí que, em perfeita consonância com o que foi referido, o nº 4 do artigo 332º do Código de Processo Civil preceitue que “a sentença proferida constitui caso julgado quando o chamado, nos termos previstos no artigo 341º, relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização”.</font><br> <font> A </font><i><font>ratio</font></i><font> de toda esta orientação legislativa é, outra vez, explicada por Lebre de Freitas, em comentário, ao preceito legal acabado de referir. </font><br> <font> Lê-se na obra citada deste A.:</font><br> <font> “No regime do anterior chamamento à autoria, constituía-se sempre caso julgado contra o primitivo réu, mesmo que ele se excluísse da causas”, mas “diversamente se passam as coisas num regime em que ao chamado só é consentido intervir acessoriamente”, sendo certo que o mesmo é impedido de contrariar de forma cabal e plena a pretensão que se discute como principal, impedindo-o de fazer uso de meios processuais que podiam influir na decisão final ou tomar, no uso de um meio processual, uma orientação diversa que igualmente podia influenciar a decisão”.</font><br> <font> Daí que “a produção de caso julgado perante o chamado à intervenção acessória pode, portanto, não se produzir, como se produzia sempre perante o chamado à autoria. Mas, quando se produz, o seu alcance continua a ser o mesmo, tendo em conta que a função de um incidente e de outro é a mesma: tornar indiscutíveis, no confronto do chamado, os pressupostos do direito à indemnização, a fazer valer em acção posterior, que respeitem à existência e ao conteúdo do direito do autor” (</font><i><font>in</font></i><font> obra citada, página 590).</font><br> <font> Por isso mesmo, proclama Mariana França Gouveia que “a declaração de que o dever de indemnizar existe é um pressuposto da acção de regresso e esse pressuposto fica assente, o mesmo é dizer, tem força de caso julgado” e daí que “a decisão sobre a culpa da ré tem força de caso julgado, ou seja, não pode mais ser discutida entre as partes” (Cadernos de Direito Privado, nº 10, pág. 47).</font><br> <font>Salvador da Costa, alinhando nestas mesmas ideias, não deixa, contudo, de ir um pouco mais longe ao defender que, embora o chamado passe a ser considerado assistente (nº 1 do artigo 322º do Código de Processo Civil), “não se vê motivo plausível para que não se lhe aplique a regra da responsabilidade de pagamento de custas”.</font><br> <font> E concretiza:</font><br> <font> “Assim, no caso de o réu chamante ficar vencido na causa e de o chamado haver intervindo, este último torna-se responsável por uma quota parte nas custas a cargo do primeiro, até um décimo, na proporção da actividade por ele desenvolvida”.</font><br> <font> E justifica:</font><br> <font> “Este incidente permite que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo”, ..., “ele fica vinculado a aceitar a sentença respectiva como prova plena dos factos nela estabelecidos relativamente ao direito definido e no que concerne às questões de que a acção de regresso dependa” (obra citada, páginas 138 e 139) (ideia esta que acabou de ser consagrada na nova redacção do artigo 452º do Código de Processo Civil, a entrar em vigor no dia 01 de Setembro de 2008, </font><i><font>ut</font></i><font> artigo 26º do Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro)..</font><br> <br> <font> Esclarecida a posição do chamado a intervir acessoriamente, nos termos do supra citado artigo 330º, é altura de nos interrogarmos sobre a legitimidade do mesmo para, só por si, recorrer da decisão que foi desfavorável para a parte que o fez intervir.</font><br> <font> Vimos já que a razão última da sua intervenção foi a possibilidade de ser demandado pelo R. em acção de regresso e, de tal modo, que a sentença proferida constitui caso julgado “relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento”.</font><br> <font> A resposta a esta </font><i><font>vexata quaestio</font></i><font> tem de ser encontrada no quadro que nos é traçado pelo nº 2 do artigo 680º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>É evidente que ele tem todo o interesse em não ver vingadas as pretensões do autor da acção. Se isso acontecer, definitivamente ele fica em paz jurídica na medida em que deixa de haver motivo para ser demandado pelo réu, o mesmo é dizer que deixa de haver motivo para que este possa exercer direito de regresso.</font><br> <font> A este respeito, Ribeiro Mendes assinala que “no caso de o assistente se limitar a auxiliar a parte principal actuante e não revel, então só tem legitimidade para interpor recurso de decisões que o prejudiquem de forma directa e efectiva, nos termos do nº 2 do artigo 680º, como se tratasse de um qualquer terceiro” (</font><i><font>in</font></i><font> Recursos em Processo Civil, página 164).</font><br> <font> Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes faz notar que “quanto aos assistentes, a quem é atribuída a qualidade de partes acessórias, a legitimidade para recorrer deve buscar-se através do prejuízo directo e efectivo emanado da decisão”, certo que “a legitimidade para recorrer depende da resposta afirmativa à questão colocada acerca da existência de prejuízo directo e efectivo decorrente da decisão” (</font><i><font>in</font></i><font> Recursos em Processo Civil – Novo Regime -, página 63 e 64).</font><br> <font>Miguel Teixeira de Sousa faz notar o critério material pelo qual se afere a legitimidade de terceiro para recorrer: “este sujeito tem de ser alguém que seja directa e efectivamente prejudicado pela decisão, isto é, que seja abrangido pelo caso julgado de uma decisão que lhe seja desfavorável por afectar os seus direitos e interesses”, acrescentando, ainda, que “o afirmado quanto à intervenção de um terceiro que assume a posição de recorrente vale igualmente para a parte acessória que recorre da decisão (artº 680, nº 2, </font><i><font>in fine</font></i><font>)” (</font><i><font>in</font></i><font> Estudos Sobre O Novo Processo Civil, página 506 e 507).</font><br> <font>Igualmente Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes sublinham que “as partes acessórias podem interpor recurso das decisões que os prejudiquem «directa e efectivamente»” (</font><i><font>in</font></i><font> Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, página 21).</font><br> <font>Amâncio Fereira afirma a este respeito: </font><br> <font> “Só têm legitimidade para recorrer os terceiros que sofram um prejuízo actual e positivo com a decisão que predendam impugnar” (</font><i><font>in</font></i><font> Manual dos Recursos em Processo Civil – 4ª edição -, pág. 128).</font><br> <font> Alberto dos Reis, analisando o sentido da expressão “prejuízo directo” salienta que é fora de dúvida que está excluído o prejuízo indirecto ou reflexo, mas “deve ter-se como certo que o prejuízo há-de ser actual e positivo”, não sendo suficiente o prejuízo eventual, incerto e longínquo” (</font><i><font>in</font></i><font> Código de Processo Civil anotado, Volume V, pág. 272).</font><br> <font> Ora bem.</font><br> <font> Perante isto, a resposta última a dar à questão que nos preocupa passa pela que vier a ser dada a esta outra: tem o interveniente interesse directo e efectivo na não condenação da parte que provocou a sua intervenção?</font><br> <font> Como já ficou assinalado, a posição do interveniente acessório não é a de um simples expectador desinteressado com a sorte da lide, tão-pouco de um mero auxiliar do réu, com intuitos filantrópicos ou outros, mas antes a de contribuir para a descoberta da verdade, interessado confesso na não condenação deste último, certo que a mesma a ele se poderá impor em sede de direito de regresso no caso de vencimento da posição do autor nos limites assinalados.</font><br> <font> Repetindo a ideia lançada de Lebre de Freitas, o seu papel “é o de produzir a improcedência da pretensão que o autor deduziu no confronto do réu-chamante” e pela razão simples de que com ela também ele fica totalmente livre de responsabilidade, isento de qualquer obrigação de indemnizar.</font><br> <font> Sendo isto assim, como efectivamente é, não podemos deixar de reconhecer que o interveniente acessório, no caso a recorrente, tem todo o interesse em ver a R., requerente do seu chamamento, absolvida do pedido que foi formulado pela A., o mesmo é dizer que, à luz dos ensinamentos colhidos e, nomeadamente, tendo em conta o estatuído no nº 2 do artigo 680º do Código de Processo Civil, que ela tem legitimidade para recorrer da decisão da 1ª Instância que condenou a R. nos precisos termos supra referidos.</font><br> <font> É que, como ficou dito e redito, da eventual sorte da lide, depende ser ela chamada a contas pela R. em via do direito de regresso.</font><br> <font> Evidente que a sua legitimidade se circunscreve às questões que tenha repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, </font><i><font>ut</font></i><font> nº 2 do artigo 330º do Código de Processo Civil.</font><br> <br> <font> </font><b><font>8</font></b><font> – </font><i><font>A bene placito </font></i><font>com o exposto, concede-se provimento ao agravo, revogando, desta sorte, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães na parte em que decidiu não conhecer do recurso de apelação da aqui recorrente.</font><br> <font> Transitada esta decisão, baixem os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães com vista à apreciação do mérito da apelação interposta pela aqui agravante.</font><br> <font> Sem custas (artigo 2º, nº 1, alínea g) do Código das Custas Judiciais).</font><br> <br> <br> <font> Lisboa, aos 17 de Abril de 2008</font><br> <font> Urbano Dias (relator)</font><br> <font> Paulo Sá</font><br> <font> Mário Cruz</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <b><i><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font></i></b><br> <br> <b><font>I. Relatório</font></b><br> <br> <b><font>1. </font></b><font>AA intentou execução para pagamento de quantia certa </font><br> <font>contra </font><br> <b><font>2. BB e CC, Lda.</font></b><br> <font>- destinado à cobrança de € 20.620,45 (correspondentes a €17.600,00 de capital e €3.020,00 de juros) apresentando como título executivo, o cheque certificado a fls. 140/141.</font><br> <br> <font>O Executado BB deduziu oposição à execução, nos termos do artigo 813º do Código de Processo Civil (CPC), invocando ter sido rasurada no cheque pelo Exequente a data de emissão (estando emendado o último algarismo do ano, sendo que, face à sua data real - que refere ser a de 2002.12.20 ( e não 2003.12.20)- , a apresentação a pagamento em 2003.12.29 ocorreu para além do prazo do artigo 29º da Lei Uniforme Relativa ao Cheque (LURC) (1) , pelo que o cheque estaria prescrito.</font><br> <font>Acrescentou ainda que tal cheque nem como documento particular assinado pelo devedor poderia valer como título executivo, já que na petição executiva não vinha indicado o negócio causal.</font><br> <font> Na contestação o Exequente negou ter rasurado o cheque, reafirmando “[…] que recebeu o cheque do Executado tal como dela consta, já com o último algarismo do ano emendado de 2002 para 2003, e que a obrigação exigida e constante do mesmo é a obrigação cartular” (fls. 22), acrescentando, porém, que, mesmo que assim não fosse, valeria tal cheque como documento particular, nos termos do artigo 46º, nº 1, alínea c) do CPC.</font><br> <br> <font> Saneado, condensado e instruído o processo seguiu ele para julgamento, vindo a ser proferida Sentença que julgou procedente os embargos, declarando extinta a execução por ausência de título executivo. </font><br> <font>Para o efeito considerou inexequível o cheque, quer como título cambiário, quer como documento particular revestido das características indicadas no artigo 46º, nº 1, alínea c) do CPC.</font><br> <br> <font>Inconformado com o assim decidido, interpôs o Exequente a fls. 100 recurso de apelação (admitido a fls. 102), </font><br> <br> <font> Os Executados/Apelados não apresentaram contra-alegações.</font><br> <br> <font>A Relação de Coimbra veio a julgar improcedente a apelação, confirmando a Sentença recorrida.</font><br> <br> <font>O Exequente continuou inconformado, vindo a pedir Revista.</font><br> <br> <font>O recurso foi admitido</font><br> <font>Apresentou alegações para este Tribunal.</font><br> <font>Não houve contra-alegações.</font><br> <br> <font> ………………………</font><br> <br> <b><font>II. Âmbito do recurso</font></b><br> <font>Tendo em conta o disposto nos arts. 684.º-3 e 690.º-1 do CPC, são as conclusões apresentadas pelo recorrente nas alegações de recurso a sede própria para o recorrente definir o âmbito do recurso, concretizando as questões que pretende ver tratadas e condensando nelas as suas razões ou argumentos.</font><br> <font>Daí que tenha relevância especial deixar aqui transcritas tais conclusões:</font><br> <br> <i><font>1ª - Está já pacificamente aceite que o legislador, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n.º 329-A/95 de 12/12, ao alargar o leque dos documentos que poderiam constituir títulos executivos, não pretendeu deles afastar os cheques, nem ali estabeleceu qualquer ressalva para o caso de, apresentado a pagamento um cheque para além do prazo previsto na Lei Uniforme dos Cheques, este não possa valer como título executivo - vg. Ac. da RL, de 22.04.1999, in BMJ, 486°,359; Ac. da RP, de 29.04.1999, in BMJ, 486°, 365.</font></i><br> <i><font>2.ª O cheque dado à execução como título executivo, é documento particular, que está assinado pela devedora (ou seja, por quem legalmente a representa) e contém em si o reconhecimento de uma dívida pecuniária de montante determinado (</font></i><i><u><font>o que também não é negado pelo Executado</font></u></i><i><font>), daí que </font></i><i><u><font>o cheque em questão é considerado à luz da lei título executivo</font></u></i><i><font>.</font></i><br> <i><font>3ª - Os únicos requisitos que a Lei exige para que um documento particular possa valer como título executivo são apenas os que constam do preceito legal em causa (46°, n.º1, al. c) do Cód. Proc. Civil) e mais nenhum - e esses, indubitavelmente (e voltando ao caso dos autos) resultam da simples emissão de um cheque - Cfr. Ac. do TRC, proc. 754/02, de 30.04.02; Ac. do STJ, proc. 0481457, de 20.05.04; Ac. do TRC, proc. 1570/04, de 22.06.04; Ac. do STJ, proc. 058270, de 03.03.05; Ac. do STJ, proc. 0484692, de 03.03.05, todos pesquisado em </font></i><i><u><font>www.dgsi.pt</font></u></i><br> <i><font>4ª - Na sua função normal de meio de pagamento (embora diferido), a emissão de um cheque configura o reconhecimento da obrigação de pagamento, que, a par da assinatura do devedor, a al. c) do art°. 46° do Cód. Proc. Civil estabelece como condição de exequibilidade dos documentos particulares - daí que os cheques que, por não observados os art°s 29° e 40° da LUC ou prescrita a acção cambiária, não possam produzir efeitos cambiários, tendo ficado sem valor enquanto títulos de crédito, possam ser invocados como quirógrafos, isto é, como títulos particulares da dívida que lhes deu origem. </font></i><br> <i><font>5.ª Prescrita a acção cambiária correspondente, e, por conseguinte, sem a especial protecção que a Lei concede a esses títulos de crédito, nem por isso os cheques deixam de constituir quirógrafos das dívidas tituladas por esse modo, isto é, de ser documentos particulares, dotados, nos termos dos art°s 373° a 376° Cód. Civil, de valor probatório contra o seu signatário, demonstrativo da obrigação de pagamento do montante determinado dele constante - vg. Neste sentido, Ac. do ST J, de 19.12.2006. </font></i><br> <i><font>6ª - Não há sequer necessidade, mesmo no caso do título de crédito não mencionar a causa da relação jurídica subjacente, de o exequente - ... - alegar tal causa no requerimento executivo, até porque, nos termos do art° 458° do C. Civil, o credor está dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário (a fazer pelo devedor). A eventual inexistência da obrigação causal poderá ser fundamento de oposição à execução, mas não toma, em nossa opinião, o título inexequível - Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.06.2007, no âmbito da Apelação 22/06.8 TSSVV - A C.1 da 1.ª Secção: </font></i><br> <i><font>7ª - Não cabia ao Exequente alegar a relação subjacente à emissão dos cheques, relação essa cuja existência a simples emissão do cheque faz presumir. Ao invés, era ao Executado que cabia invocar factos que permitissem demonstrar a ausência de qualquer relação fundamental, o que este, manifestamente, não fez ... E também nada resulta dos autos, nem sequer foi alegado pelo Executado, que invalidasse ou afaste a presunção de dívida imanente ao cheque dado à execução. </font></i><br> <i><font>8a - Ao decidir nos termos da douta Sentença em recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra violou o disposto no art°. 46°, n.º 1 al. c) do Cód. Proc. Civil, do qual fez uma incorrecta interpretação e aplicação.”</font></i><br> <br> <font>Da leitura destas conclusões vemos que há apenas uma </font><b><font>questão a tratar:</font></b><br> <font> Saber se o cheque apresentado a pagamento tem força executiva</font><br> <font> </font><br> <b><font>III. Fundamentação</font></b><br> <br> <b><font>III-A) Os factos</font></b><br> <br> <font>Foram considerados como assentes e/ou provados nas instâncias os factos seguintes:</font><br> <font>a) O Exequente apresentou à execução o cheque que consta de fls. 15 daqueles autos, no valor de € 17.600,00, em numerário e por extenso, à ordem do Exequente e subscrito pelo Executado, dele constando como data de emissão o dia 20 de Dezembro de 2003, sendo que este último dígito foi escrito no mesmo local onde antes constava o n.º 2.</font><br> <font>b) Apresentado a pagamento em 2003.12.29 aquele cheque foi devolvido com a declaração de cheque revogado-extravio.</font><br> <font>c) O cheque aludido em a) foi entregue à Exequente com a data de 2002.12.20.</font><br> <br> <b><font>III-B) Análise do recurso:</font></b><br> <br> <font>Refere-nos o art. 46.º-1-d) do CPC. que à execução podem servir de base os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.</font><br> <font>A LUC (Leio Uniforme relativa ao Cheque) atribuiu força executiva ao cheque quando este seja apresentado a pagamento no prazo de oito dias, começando a contar-se esse prazo a partir do dia indicado no cheque como data de emissão. (art. 29.º - I e IV), devendo toda a acção que venha a ser instaurada vir a ocorrer no prazo de seis meses contados do termo do prazo para a sua apresentação, sob pena de prescrição (art. 52.º)</font><br> <font>Tendo em conta que foi considerado provado que o cheque foi emitido em 2002.12.20 e só apresentado a pagamento em 2003.12.29, dúvidas não podem restar, portanto, que estamos na presença de um cheque prescrito.</font><br> <font>Um cheque prescrito deixa de valer como título cambiário, perdendo as características que a autonomia, abstracção e literalidade lhe conferiam..</font><br> <font>Falece assim qualquer razão a argumentação de que possa ainda valer como título executivo ao abrigo do disposto no art. 46.º-1-d) do CPC.</font><br> <br> <font>E também não pode valer, in casu, a argumentação de que possa ele constituir título executivo ao abrigo do art. 46.º-1-c) do CPC, ou seja, como mero quirógrafo, documento assinado pelo devedor, que importe o reconhecimento de constituição de obrigações pecuniárias (…) porque perdendo aquelas características dos títulos cambiários – autonomia, literalidade, abstracção - nada no título indica a relação fundamental ou causal da emissão do próprio cheque (como documento), por forma que o executado possa conhecer essa causa em ordem a uma conveniente defesa, sendo certo ainda, por outro lado, que o Exequente não fez qualquer menção no pedido executivo a esse respeito.</font><br> <font>Ora, estando-se nesta hipótese fora da relação cambiária – já que o cheque prescrito deixou de valer como tal – e entrando-se na valoração dos documentos assinados pelo devedor para valerem como títulos executivos onde esteja constituída ou reconhecida uma obrigação pecuniária, tem o apresentante do referido cheque/documento de indicar essa causa na petição, no caso de ela não constar dele, sob pena de o demandado executado correr o risco de não saber ou não poder defender-se convenientemente. (2) </font><br> <font>Mesmo assim, será sempre necessário ter em atenção que a simples menção da causa ou fundamento na petição não é suficiente se para a respectiva validade da obrigação for exigida forma especial, isto é, se o negócio em causa tiver natureza formal, o que se compreende perfeitamente, porque a observância da forma especial é condição sine qua non da validade do negócio.</font><br> <font> </font><br> <font>Não deixamos de reconhecer que a posição aqui sustentada é o resultado da evolução de sucessivas tomadas de posição jurisprudenciais a este respeito, após a reforma de 1995 (3).</font><br> <font>A tese do recorrente, no entanto, corresponde ainda à posição primitiva, recolhendo hoje muito poucos adeptos, estando por isso praticamente abandonada.</font><br> <font>Ao invés, a posição sustentada nas instâncias é a apresentada hoje pela doutrina como sendo aquela que deve seguir-se, revelando-se por isso como a mais consistente (4) </font><br> <font>Os Acórdãos mais recentes deste Tribunal têm vindo nessa linha, confirmando essa posição como a mais sustentável face à “ratio legis” e aos interesses em conflito:</font><br> <font>Manteve os cheques, letras, livranças e extracto de facturas como títulos executivos nos precisos termos em que as respectivas leis reguladoras lhos continuavam a permitir; e alargou-lhes a validade executiva como documento quirógrafo desde que nele invocada ou na petição executiva a relação causal, a menos que se para a relação causal fosse exigida qualquer formalidade especial ali não observada – o que de resto é uma observação também válida para os outros documentos, estando nessa situação em absoluta igualdade com os outros documentos em que se constituam ou reconheçam obrigações pecuniárias . </font><br> <font>Em face do exposto, constatamos que foi feita correcta interpretação e aplicação do Direito, nenhuma censura tendo a dirigir ao Acórdão recorrido..</font><br> <font>A Revista terá de ser negada.</font><br> <font> ………………………..</font><br> <br> <font>IV. Decisão</font><br> <br> <i><font>Na negação da Revista confirma-se o douto Acórdão recorrido.</font></i><br> <i><font>Custas pelo recorrente.</font></i><br> <font> Lisboa, 4 de Dezembro de 2007</font><br> <br> <font>Mário Cruz (Relator)</font><br> <font>Garcia Calejo</font><br> <font>Faria Antunes</font><br> <font>______________________</font><br> <font>(1) “O cheque pagável no país onde foi passado deve ser apresentado a pagamento no prazo de oito dias”.</font><br> <font>(2) A indicação da causa ou relação fundamental não pode ter já lugar na contestação à oposição dos embargos porque esse tipo de processo não admite mais articulados.</font><br> <font>(3) Cfr. AC do STJ 06A736 , de 2006.04.04, onde está muito bem explicada essa evolução.(João Camilo, Fernandes Magalhães e Azevedo Ramos) .</font><br> <font>(4) Cfr. José Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva -à luz do Cód. Rev., 2.ª ed., pg. 54; Miguel Teixeira de Sousa, “A Acção Executiva Singular”, pg. 69; Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução, 3.ª ed., revista e actualizada, pg.33, enunciados no Ac. deste Tribunal 06B163, de 2006.03.02 (Pereira da Silva, Rodrigues dos Santos e Moitinho de Almeida.).</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA</font><a><u><sup><font>[1]</font></sup></u></a><font>:</font> <ul><br> <font> </font> <p><font> “AA”, sociedade seguradora, com sede em ......, 68-72 ..... ....., Alemanha, propôs a presente acção declarativa, com processo comum, sob a forma ordinária, contra “BB, Lda.”, com sede em ......, ......, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a indemnização, cujo valor provisório liquidou em € 81,869,82, relativa a todos os prejuízos causados pelo “roubo” de equipamento ocorrido no trajecto do transporte do mesmo entre ...... e ......, de que tinha sido encarregue de fazer e era titulado pela CMR ....., indemnização essa a que deveriam acrescer juros, à taxa de 5% ao ano, nos termos do artigo 27º, nº 1, da Convenção CMR, requerendo, ainda, que fosse deferida a intervenção principal provocada da “COMPANHIA de SEGUROS EE, SA”, alegando, para o efeito, e, em síntese, que a sociedade portuguesa “CC, S.A.” (CC, S.A.), que faz parte do grupo DD, denominado, actualmente, "DD Security Sistems - Sistemas de Segurança”, vendeu à sociedade, também, do grupo DD, "DD Security Sistems BV", sediada em ......, Holanda, equipamento de videovigilância, que discrimina, no valor total de €659.819,00, equipamento esse que, no dia 27 de Julho de 2004, foi carregado, em ......, com destino a ......, na Holanda, para entrega à compradora, num semi-reboque da ré, que se encarregou de fazer o transporte, no exercício da sua actividade comercial, sendo certo que a totalidade da mercadoria não chegou ao destino, em virtude do referido semi-reboque da ré, que foi estacionado, em local inseguro, pelo respectivo motorista, não ter sido fechado com cadeado ou mediante uma fechadura na porta traseira daquele veículo, vindo a ser alvo de um “roubo”, perto de Paris, tendo, por isso, a sociedade vendedora creditado à compradora o valor da mercadoria desaparecida, ou seja, a quantia de €92.214,00.</font> </p><p><font>Ora, sendo a autora seguradora de todas as companhias e filiais do grupo "DD" e estando o roubo em causa coberto pela respectiva apólice, assumiu a responsabilidade pelo sinistro, perante a expedidora da mercadoria, a já referida "DD Security Sistems - Sistemas de Segurança, S.A.", e foi por ela subrogada em todos os direitos que a mesma tem sobre a ré.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; Acontece que, parte dessa mercadoria “roubada”, acabou por ser encontrada, em França, e, na sequência, transportada para ......, apurando um perito que efectuou a vistoria serem os danos e valores em causa do total de €79.644,22, valor este que pode vir a ser inferior, se, entretanto, ocorrer a recuperação de alguma dessa mercadoria.</font> </p><p><font>A ré participou o sucedido à respectiva seguradora, a aludida “Companhia de Seguros EE, SA”, sem que esta, contudo, tenha assumido qualquer responsabilidade pelos prejuízos causados. </font> </p><p><font>Na contestação, a ré conclui com o pedido da sua absolvição da instância, ou, no caso de improcedência da arguida ilegitimidade, da sua absolvição do pedido formulado, invocando, para tanto, que, para além da sua ilegitimidade, por força da transferência da sua responsabilidade para a sua seguradora, as circunstâncias em que ocorreu o “roubo” da mercadoria em causa negam a existência de qualquer menor cuidado do seu motorista, isentando-a de responsabilidade pelos prejuízos resultantes daquela perda, entendendo verificar-se a previsão do artigo 17º, nº 2, da Convenção CMR, acrescendo a isso que, de todo o modo, nunca poderia vir a ser condenada no montante peticionado, atento o limite indemnizatório que decorre do artigo 23º, nº 3, da mesma Convenção.</font> </p><p><font>A “Companhia de Seguros EE, SA”, cuja intervenção principal provocada foi deferida, contestou a acção, através da qual, além do mais, defendeu não se verificar qualquer das hipóteses legais que habilitassem a peticionar a sua intervenção, sustentou que, face ao constante dos autos, era, efectivamente, previsível que o furto da mercadoria tivesse ocorrido, donde estar excluída, pelas condições gerais da apólice, a sua responsabilidade, sendo certo que, acrescentou, além de não poder funcionar a sub-rogação, por nem sequer vir alegado pela autora ter ocorrido o pagamento da quantia reclamada, a indemnização sempre estaria limitada, nos termos do art.º 23º, nº 3, da Convenção CMR.</font> </p><p><font>Na réplica, a autora sustenta a improcedência das excepções deduzidas e, alegando já haver liquidado o valor apurado de € 60.503,40, insistiu que a acção deve ser julgada procedente, conforme o peticionado.</font> </p><p><font>No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção da ilegitimidade passiva da ré.</font> </p><p><font>Na audiência de discussão e julgamento, a autora, na sequência da decisão que foi proferida sobre a matéria de facto, ofereceu a sua alegação, nos termos do art.º 657º do CPC, terminando com o pedido de que, na procedência da acção, a ré fosse condenada a indemnizá-la «…de todos os prejuízos causados pelo roubo da mercadoria, nomeadamente o valor de €60.503,40 referente à indemnização dos danos até agora liquidados, acrescido dos juros à taxa de 5% ao ano desde a data da entrada da Petição Inicial em Juízo até integral pagamento - Artigo 27.º da Convenção CMR, bem como o valor de € 1.604,11 pago à FF…».</font> </p><p><font>A sentença julgou a acção, totalmente, improcedente, e, em consequência, absolveu quer a ré, quer a chamada, do reembolso à autora dos montantes por esta peticionados.</font> </p><p><font>Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.</font> </p><p><font>Do acórdão da Relação de Coimbra, a autora interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido de que seja ordenada a remessa dos autos ao douto Tribunal da Relação de Coimbra para apreciação das respostas dadas aos Quesitos 2.°, 3.°, 4.°, 20.° e 32.° da Base Instrutória [a], mas, sem prescindir, que, ao abrigo do artigo 732.° - A do C. P. C. o julgamento do recurso se faça com a intervenção do plenário das secções cíveis para assegurar a uniformidade da jurisprudência [b], devendo ser revogada a douta sentença, por errada aplicação dos artigos 17.° n.°2 e18.° da Convenção CMR, condenando-se a ré no pedido [c], formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:</font> </p><p><font>I) - A censura por esse Venerando Tribunal da decisão da Relação de Coimbra quanto à reapreciação das respostas dadas à Matéria de Facto</font> </p><p><font>1ª</font><b><font> </font></b><font>- Ao douto Tribunal da Relação de Coimbra incumbia ao abrigo dos poderes conferidos pelo Artigo 712.° do C. P. C. aferir se as respostas aos Quesitos 2.°, 3.°, 4.°, 20.° e 32.° da Base Instrutória, cuja reapreciação foi requerida, face à prova documental, matéria de facto assente e prova testemunhal referida pela Recorrente.</font><br> <font>2ª – As respostas negativas dadas à matéria dos quesitos 2º, 3º, 4º e 32º e a resposta positiva dada ao Quesito 20.° da Base Instrutória não têm suporte nos depoimentos das testemunhas da BB e são contrariadas pela prova documental junta aos autos e pelo depoimento do Perito GG e da testemunha HH.</font><br> <font>3ª - O Tribunal é livre na apreciação da prova, mas não pode livremente dar como não provados, factos confirmados por documentos não impugnados e pela prova testemunhal.</font><br> <font>4ª - Face à matéria de Facto Assente nas Alíneas G), H), L) e P) dos Factos Assentes, à prova documental (auto da polícia de fls. 18, relatório da FF de fls. 23 a 34 e o relatório preliminar do perito GG junto aos autos a 08/02/2008) bem como ao depoimento da testemunha GG acima transcrito que foi claro e isento, no entender da Recorrente por si só levariam a que o douto Tribunal recorrido ao abrigo do disposto no n.° 1 alíneas a) e b) do Artigo 712.° do C. P. C. desse:</font> </p><p><font>- como provada quanto à matéria do Quesito 2.° da Base Instrutória que a Ré não teve o cuidado de vigiar a carga durante o período de transporte;</font><br> <font>- como provada a matéria do Quesito 3.° da Base Instrutória, ou seja que o camião foi estacionado num parque da área de serviço Des Marnières afastado da auto-estrada e da zona iluminada da área de serviço;</font><br> <font>- como provada a matéria do Quesito 4.° da Base Instrutória, ou seja que esse parque não é vigiado por quaisquer autoridades públicas ou serviços particulares;</font> </p><p><font>- dado uma resposta restritiva à matéria do Quesito 20.° da Base Instrutória ou seja que o local em questão destinava-se a viaturas pesadas e o veículo da Ré encontrava-se onde outros veículos pesados e ligeiros se encontravam estacionados com o mesmo objectivo. Quanto a este Quesito 20.° o Tribunal não deveria ter dado como provado que o veículo se encontrava em zona adequada para a pernoita e dentro de local seguro.</font> </p><p><font>5ª - A resposta negativa dada à matéria do Quesito 32.° da Base Instrutória é claramente contrariada pela prova documental junta aos autos, prova essa que não foi posta em causa pelos depoimentos das testemunhas ouvidas.</font> </p><p><font>6ª - O recibo de quitação junto aos autos e os depoimentos das testemunhas GG e HH acima transcritos, no entender da Recorrente por si só levariam a que o Tribunal recorrido ao abrigo dos poderes conferidos n.° 1 alíneas a) e b) do Artigo 712.° do C. P. C. desse como provada a matéria do Quesito 32.° da Base Instrutória.</font> </p><p><font>7ª - Ao abrigo do Artigo 722.° n.° 2 e 712.° n.° 1 alíneas a) e b) do C. P. C. solicita-se se ordene ao douto Tribunal da 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância a reapreciação das respostas dadas aos Quesitos 2.°, 3.°, 4.°, 20.° e 32.° da Base Instrutória.</font> </p><p><font>II) - Da apreciação e censura do douto Acórdão recorrido que confirmou a decisão da 1." Instância</font> </p><p><font>8ª - Como transportadora a Ré assumiu entre outras:</font><br> <font>- a obrigação de transportar a mercadoria (27 paletes e 1 caixa) por sua conta e responsabilidade das instalações da DD Security em ......, até às instalações DD Security Systems BV, em ...... na Holanda.</font><br> <font>- exercer o dever de custódia, guardando e conservando a mercadoria desde a sua recepção em ...... até às instalações da DD Security em ...... na Holanda, como faria um </font><i><font>bónus pater familias.</font></i><br> <font>9ª - O transportador tem o dever de controlar e vigiar a mercadoria para que não ocorra o seu extravio, desde que recebe a carga até à sua entrega ao destinatário.</font><br> <font>10ª - A Ré é responsável pela mercadoria furtada, recaindo sobre a mesma a presunção de culpa pelo incumprimento do contrato nos termos do Artigo 799.° n.° 1 do Código Civil.</font><br> <font>11ª - A Ré BB não cumpriu as obrigações que assumiu como transportador.</font><br> <font>12ª - O desaparecimento da mercadoria ocorreu durante o transporte - Alínea I) dos Factos Assentes - enquanto o motorista dormia - Alínea M) dos Factos Assentes.</font><br> <font>13ª - Esse desaparecimento ocorreu, por culpa da Ré que estacionou um veículo revestido com uma simples lona carregado com câmaras e material de vídeo durante uma noite num estacionamento perto de uma área de serviço de uma auto-estrada sem viqilância permanente.</font><br> <font>14ª - A Ré, através do seu motorista, como se demonstrou (vide confissão do próprio motorista) não teve qualquer cuidado de vigiar a carga no período em que o seu motorista; tinha que descansar por viajar sozinho.</font><br> <font>15ª - Ao agir assim, sem tomar quaisquer cuidados de vigilância e guarda da mercadoria a</font><i><font> </font></i><font>Ré não podia excluir a possibilidade do furto da mercadoria, sendo previsível que a falta de vigilância do motorista foi determinante para a concretização do roubo.</font><br> <font>16ª - O motorista da Ré agiu pois com falta de diligência e até com dolo eventual, pois sabia que era possível o roubo e mesmo assim não vigiou a carga como o próprio confessou entre as 01:00 horas e as 08:00 horas.</font><br> <font>17ª - O roubo de mercadoria transportada num camião de lona e abandonado durante a noite não é um caso fortuito ou inevitável, como parecem fazer crer as instâncias anteriores.</font><br> <font>18ª - O douto Acórdão da Relação de Coimbra ora recorrido subscreve sobre a mesrma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação posição completamente oposta à do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/01/1989 e douto Acórdão da Relação de Lisboa de 15/05/2001 acima referidos.</font><br> <font>19ª - O douto Acórdão recorrido ao manter a sentença da 1.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância julgando a acção improcedente, por entender que o transportador não é responsável porque o roubo da mercadoria foi fortuito não podendo ser evitado não ponderou devidamente a situação concreta e interpretou erradamente o disposto no Artigo 17.° n.° 2 da Convenção CMR violando o disposto nos Artigos 17.°, 18.° e 29.° da mesma Convenção.</font><br> <font>Nas contra-alegações, que apenas a interveniente “Companhia de Seguros EE, S.A.” apresentou, concluiu no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.</font><br> <font> &nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; *</font> </p><p><font> Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font> </p><p><font>As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:</font> </p><p><font>I – A questão da alteração da decisão sobre a matéria de facto.</font> </p><p><font>II – A questão da culpa da ré transportadora no desaparecimento da mercadoria. </font> </p><p><font>I. DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO</font> </p><p><font>Entende a autora, desde logo, que este Supremo Tribunal de Justiça deve, ao abrigo do preceituado pelos artigos 722.°, n.° 2 e 712.°, n.° 1, a) e b), do C.PC, ordenar ao Tribunal da 2.</font><sup><font>a</font></sup><font> instância a reapreciação das respostas dadas aos quesitos 2.°, 3.°, 4.°, 20.° e 32.° da base instrutória, por existir prova nos autos, designadamente, face à matéria de facto assentes nas alíneas G), H), L) e P) da «especificação», à prova documental - auto da polícia de folhas 18, relatório da FF de folhas 23 a 34 e relatório preliminar do perito GG, junto aos autos a 8 de Fevereiro de 2008, bem como ao depoimento da testemunha GG, que impõe respostas diversas aos aludidos pontos da base instrutória.</font> </p><p><font>Tem sido, repetidamente, afirmado que o Supremo Tribunal de Justiça aplica, definitivamente, o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo ser objecto de recurso de revista a alteração da decisão por este proferida quanto à matéria de facto, ainda que exista erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, quando o STJ entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou, finalmente, quando considere que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729º, nºs 1, 2 e 3 e 722º, nº 2, do CPC.</font> </p><p><font>Com efeito, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir de prova testemunhal extratada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 712º, do CPC.</font> </p><p><font>Sustenta a autora que a não valoração dos factos assentes nas alíneas G), H), L) e P) da «especificação», a prova documental que constitui o auto da polícia de folhas 18, o relatório da FF de folhas 23 a 34 e o relatório preliminar do perito GG, junto aos autos a 8 de Fevereiro de 2008, e bem assim como o depoimento da testemunha GG, impunham respostas diversas aos pontos 2.°, 3.°, 4.°, 20.° e 32.°, da base instrutória, o constituiria, subentenda-se, violação de um meio probatório vinculado ou legal, nos termos do disposto pelo artigo 722º, nº 2, do CPC.</font> </p><p><font>Contudo, não ocorre no caso em apreço a situação excepcional em que a decisão proferida pela relação pode ser alterada pelo STJ, pressuposta pelos artigos 729º, nº 2 e 722º, nº 2, do CPC, isto é, de uma hipótese de prova vinculada ou legal.</font> </p><p><font>Como assim, o acórdão recorrido decidiu a causa dando como provados ou como não demonstrados certos factos e, para reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, como é pressuposto de um segundo julgamento da matéria de facto, a Relação procedeu à audição da prova pessoal gravada e à análise do teor dos documentos existentes nos autos, examinando as provas e motivando a decisão, adquirindo os elementos de convicção probatória, de acordo com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 655º, nºs 1 e 2, do CPC, que combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal.</font> </p><p><font>Assim sendo, este STJ aceita que se devem considerar demonstrados os seguintes factos consagrados pelo Tribunal da Relação, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do CPC, mas que reproduz:</font> </p><p><font>1. A sociedade portuguesa "CC, S.A." faz parte do grupo DD, denominando-se actualmente "DD Security Sistems -Sistemas de Segurança, SA" - A).</font> </p><p><font>2. Pelas facturas 30400814, 30400816 e 30400818, a referida sociedade vendeu a outra sociedade do grupo DD, na Holanda, denominada "DD Security Sistems BV", em ......, na Holanda, o equipamento de vídeo vigilância (câmaras. monitores. gravadores e cabos de ligação), das marcas DD e Philips, que está discriminado nas respectivas facturas, pelo preço global de € 659.819,00 – B.</font> </p><p><font>3. A referida mercadoria foi embarcada, em ......, no dia 27 de Julho de 2004, no atrelado nº X-XXXXX, rebocado pelo camião tractor, matrícula XX-XX-XX, pertencente à aqui ré "BB - Transportes Internacionais, Lda", que a deveria transportar e entregar à compradora "DD Security Sistems BV", em ......, na Holanda - C).</font> </p><p><font>4. A mercadoria seguiu em 28 embalagens (Packages), sendo 27 paletes e 1 caixa - D).</font> </p><p><font>5. A ré transportadora emitiu, então, o CMR nº ..... A, datado de 27 de Julho de 2004, cuja cópia consta a fls. 16 dos autos e no qual consta que o peso bruto da carga é de 5.241,40 Kg – E).</font> </p><p><font>6. A ré dedica-se ao transporte internacional de mercadorias - F).</font> </p><p><font>7. A totalidade da mercadoria não chegou ao seu destino, tendo sido feita a seguinte reserva aquando da chegada ao destinatário, na Holanda: "Este camião foi roubado. À primeira vista vejo que faltam monitores, câmaras. Logo que sejam abertas as paletes será feito um relatório completo" – G).</font> </p><p><font>8. A própria ré comunicou aos serviços da "DD", em ......, a existência do referido roubo, tendo sido recebido, em 29 de Julho de 2004, por esta, em ......, o e-mail cuja cópia consta a fls. 17, dos autos, tendo ainda sido acompanhado de uma cópia do relatório da polícia de St. Arnoult-en-Yvelines, em que se dá conta de que o camião foi assaltado num parque em Paris (cujo conteúdo consta da cópia do documento que constitui fls. 18 dos autos) - H).</font> </p><p><font>9. O roubo da mercadoria ocorreu durante o transporte - I).</font> </p><p><font>10. Uma vez que a mercadoria chegou com faltas à Holanda, a "CC, SA", creditou à "DD" de ......, na Holanda, o valor de €92.214,00, como sendo o valor da mercadoria desaparecida - J).</font> </p><p><font>11. De acordo com a informação prestada à polícia francesa pelo motorista do camião, Sr. II, o mesmo estacionou o camião, na área de serviço "des marniéres", situada na auto-estrada A10 da comuna de Veirville, perto de Paris, onde ocorreu o assalto, entre as 01h e as 08h, do dia ...-...-...., tendo a participação sido feita às 10:00 horas desse mesmo dia - L).</font> </p><p><font>12. O motorista declarou à polícia que o roubo ocorreu enquanto dormia na cabina do camião - M).</font> </p><p><font>13. Posteriormente ao roubo, a própria polícia francesa encontrou, no local, escondida nas proximidades da área de serviço, uma parte da mercadoria, alguma dela já danificada - N).</font> </p><p><font>14. Também, posteriormente, a polícia francesa do Tribunal de Chartres veio a saber que a polícia de Passau, na Alemanha, tinha apreendido a dois romenos, também um conjunto de câmaras e material vídeo que supostamente poderia estará relacionada com o roubo dos autos – O).</font> </p><p><font>15. A mercadoria encontrada em França foi examinada pelos peritos da "FF", que a autora mandatou para esse efeito, tendo elaborado o relatório cuja cópia consta a fls. 23 a 34 dos autos - P).</font> </p><p><font>16. Tendo o custo dessa vistoria, no valor de €1.071.89, sido suportado pela autora - Q).</font> </p><p><font>17. A expedidora da mercadoria pagou à transitária "JJ, Lda. ", o frete deste transporte, no valor de €1.153.71 - R).</font> </p><p><font>18. Antes do sinistro, a ré já havia transferido a sua responsabilidade civil relativa ao transporte das mercadorias referidas nos autos para a "Companhia de Seguros EE, SA", através da apólice nº ..../............ (v. doc. de fls.206) - S).</font> </p><p><font>19. A ré participou o sinistro à sua seguradora "Companhia de Seguros EE, S.A.", aqui chamada - T).</font> </p><p><font>20. A autora é seguradora de todas as companhias e filiais do grupo "DD", por apólice de seguro de transporte, com o nº ..../............-.... (v. Doc. 13, junto com a p.i.) - U).</font> </p><p><font>21. O roubo de que tratam os presentes autos está coberto pela respectiva apólice e a autora assumiu a responsabilidade pelo sinistro perante a expedidora da mercadoria, a já referida "DD Security Sistems - Sistemas de Segurança, S.A.", e foi por ela subrogada em todos os direitos que a mesma tem sobre a ré (v. Doc. 14, junto com a p.i.) - V).</font> </p><p><font>22. O roubo, referido na al.I), ocorreu porque o ladrão ou ladrões entraram na parte traseira do camião e retiraram o material em falta - 1º.</font> </p><p><font>23. A mercadoria que foi possível recuperar em França foi seguidamente transportada para ...... e aí de novo vistoriada pela firma KK, cujo relatório se encontra a fls. 39 e segs dos autos - 7º.</font> </p><p><font>24. O perito apurou os seguintes danos e valores:</font> </p><p><font>- Mercadoria em falta: € 75.298.00:</font> </p><p><font>- Reparação da mercadoria: € 2.496,22:</font> </p><p><font>- Transporte de regresso: € 850.00:</font> </p><p><font>- Inspecção e peritagem: € 1.000.00.</font> </p><p><font>- Total: € 79.644,22 - 8º.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 25. À data em que foi elaborada a presente petição inicial ainda não era conhecido o relatório da vistoria feita à mercadoria recuperada pela polícia alemã que recentemente chegou a Portugal - 9º.</font> </p><p><font>&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; 26. Os assaltantes rasgaram a tela/lona do reboque do camião, numa extensão de cerca de 1,35 m, como acto preliminar do roubo da mercadoria referenciada na participação - 11º.</font> </p><p><font>27. O reboque em questão não tinha que levar chave porque não tem de a possuir - 12º.</font> </p><p><font>28. A porta é fechada por um loquete e um cabo tir -13º.</font> </p><p><font>29. E tal equipamento encontrava-se, devidamente, colocado e fechado - 14º.</font> </p><p><font>30. Aliás, nem no CMR em causa, junto aos autos com a PI, sob documento número 5, é mencionada a falta de tal loquete ou cabo tir. - 15º.</font> </p><p><font>31. Apesar das transcritas declarações do motorista, II, exarando-se que o reboque assaltado não tinha chave, este domina mal a língua francesa, não se tendo sabido expressar, convenientemente, perante o agente policial - 17º.</font> </p><p><font>32. O motorista teve de parar na referida estação, já que estava no limite dos tempos de condução, legalmente, admissíveis e porque necessitava de descansar, em face de um dia longo de trabalho - 18º.</font> </p><p><font>33. Procurou um local adequado e aí pernoitou - 19º.</font> </p><p><font>34. O local em questão destinava-se a viaturas pesadas e o veículo encontrava-se em zona adequada para a pernoita e dentro de local seguro, onde outros veículos pesados e ligeiros se encontravam estacionados com o mesmo objectivo - 20º.</font> </p><p><font>35. Local esse com boa iluminação e frequentado - 21º.</font> </p><p><font>36. Próximo do local há um posto policial onde o motorista se deslocou para fazer a participação do assalto - 22º.</font> </p><p><font>37. O peso da mercadoria furtada era de 694,27 Kg - 23º.</font> </p><p><font>38. Parte da mercadoria foi recuperada não só no local como na Alemanha e, parte dela, depois de vistoriada, foi reparada de modo a ser aproveitada - 24º.</font> </p><p><font>39. No relatório final elaborado pela firma "KK - Peritagens e Avaliações Unipessoal, Lda", o perito apurou os seguintes danos e valores: a) Mercadoria desaparecida: €52.323,00 - 25º.</font> </p><p><font>40. b) Reparação da mercadoria: €5.065,70 - 26º.</font> </p><p><font>41. c) Transporte de regresso: € 1.356,00 - 27º.</font> </p><p><font>42. d) O custo do pessoal necessário à realização da peritagem foi de €448,70 - 28º.</font> </p><p><font>43. e) O Custo das peritagens e avaliação pelo perito foi de €1.310,00 - 29º.</font> </p><p><font>44. Face ao relatório da "KK" a autora liquidou já, no passado dia .... de ............ de ......., ao seu segurado "DD Security Systems-Sistemas de Segurança, S.A." o montante de € 60.503,40 - 30º.</font> </p><p><font>45. Da mercadoria transportada, há produtos que, entretanto, se tornaram obsoletos, em virtude da evolução tecnológica e incompatibilidades de sistemas com o actualmente comercializado - 31º.</font> </p><p><font>46. O referido no relatório final elaborado pela firma "KK", conclui que o valor desse prejuízo totaliza o montante de €38.827,50 - 32º.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>II. DA CULPA DA RÉ TRANSPORTADORA NO DESAPARECIMENTO DA MERCADORIA </font> </p><p><font> </font><br> <font>II. 1. Diz a autora, neste particular, que o acórdão recorrido, ao manter a sentença da 1.</font><sup><font>a </font></sup><font>instância que julgou a acção improcedente, por entender que o transportador não é responsável, em virtude de o roubo da mercadoria ter sido fortuito, sem poder ser evitado, não ponderou, devidamente, a situação concreta e interpretou, erradamente, o disposto no artigo 17°, n° 2, violando o prescrito nos artigos 17°, 18° e 29°, todos da Convenção CMR.</font><br> <font>Como fundamento do pedido que formula conta a ré, a autora invoca um contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada, associado ao instituto da subrogação, por pagamento que efectuou, em primeira linha, ao seu segurado, a empresa expedidora "DD Security Systems-Sistemas de Segurança, SA",&nbsp; no montante de €60.503,40 , por danos da inteira e exclusiva responsabilidade da ré.</font><br> <font>A propósito da responsabilidade do transportador, na parte que interessa à decisão da presente revista, em conformidade com a causa de pedir invocada pelo autor, dispõe o artigo 17º, nº 1, da Convenção CMR</font><a><u><sup><font>[2]</font></sup></u></a><font>, que ”o transportador é responsável pela perda total ou parcial, ou pela avaria que se produzir entre o momento do carregamento da mercadoria e o da entrega,…”, competindo-lhe, nos termos do artigo 18º, nº 1 “fazer prova de que a perda,… teve por causa um dos factos previstos no artigo 17°, parágrafo 2º”, ou seja, de acordo com o respectivo nº 4, “fica desobrigado desta responsabilidade se a perda,… teve por causa uma falta do interessado, uma ordem deste que não resulte de falta do transportador, um vício próprio da mercadoria, ou circunstâncias que o transportador não podia evitar e a cujas consequências não podia obviar” [nº 2], ficando “isento da sua responsabilidade quando a perda ou…resultar dos riscos particulares inerentes a um ou mais dos factos seguintes: uso de veículos abertos e não cobertos com encerado, quando este uso foi ajustado de maneira expressa e mencionado na declaração de expedição [a]; falta ou defeito da embalagem quanto às mercadorias que, pela sua natureza, estão sujeitas a perdas ou avarias quando não estão embaladas ou são mal embaladas [b]; manutenção, carga, arrumação ou descarga da mercadoria pelo expedidor ou pelo destinatário ou por pessoas que actuem por conta do expedidor ou do destinatário [c]; natureza de certas mercadorias, sujeitas, por causas inerentes a essa própria natureza, quer a perda total ou parcial, quer a avaria, especialmente&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; por&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; fractura,&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; ferrugem,&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; deterioração&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; interna&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; e espontânea,&nbsp;&nbsp; secagem,&nbsp;&nbsp; derramamento,&nbsp;&nbsp; quebra&nbsp;&nbsp; normal&nbsp;&nbsp; ou&nbsp;&nbsp; acção&nbsp;&nbsp; de bicharia e dos roedores [d]; insuficiência ou imperfeição das marcas ou dos números dos volumes [e] e transporte de animais vivos [f] {nº 4, do artigo 17º} .</font><br> <br> <font>Efectivamente, preceitua ainda o arttigo 18º, nº 2, do.. que só ”quando o transportador provar que a perda ou…, tendo em conta as circunstâncias de facto, resultou de um ou mais dos riscos particulares previstos no artigo 17°, parágrafo 4º, haverá presunção de que aquela resultou destes. O interessado poderá, no entanto, provar que o prejuízo não teve por causa total ou parcial um desses riscos”.</font><br> <font>II. 2. Para a realização do transporte de um equipamento de vídeo vigilância (câmaras, monitores, gravadores e cabos de ligação), das marcas DD e Philips, discriminado nas respectivas facturas, pelo preço global de €659.819,00, que a sociedade portuguesa "DD Security Sistems -Sistemas de Segurança, SA" vendeu a outra sociedade do grupo DD, na Holanda, denominada "DD Security Sistems BV", aquela contactou o agente transitário "JJ, Lda. " que, por seu turno, contratou a ré "BB - Transportes Internacionais, Lda", que procedeu ao seu carregamento, no dia 27 de Julho de 2004, a fim de a mercadoria ser transportada, desde ...... a ......, na Holanda, onde deveria ser entregue à compradora "DD Security Sistems BV".</font> </p><p><font>A mercadoria seguiu num atrelado, rebocado pelo camião tractor, pertencente à ré, que se dedica ao transporte internacional de mercadorias, mas a totalidade da carga não chegou ao seu destino, conforme reserva do destinatário, aquando da chegada, em virtude de “o camião ter sido roubado, tendo o camião sido assaltado num parque de estacionamento, na área de serviço «des marniéres», situada na auto-estrada A10 da comuna de Veirville, perto de Paris, entre as 01h e as 08h, do dia ....-....-........, durante o transporte, quando o motorista dormia na cabina do camião”.</font> </p><p><font>O motorista teve de parar, na referida estação, já que estava no limite do tempo de condução, legalmente, admissível e porque necessitava de descansar, em face de um dia longo de trabalho, sendo o local dotado de boa iluminação e frequentado, situado em zona adequada para a pernoita, destinado a vi
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hTLLu4YBgYBz1XKv0T13
1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>AA intentou acção, com processo ordinário, contra “Banco ..., SA, Sociedade Aberta”, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 43.767,26 euros a titulo de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais do Réu, assim efectivando a sua responsabilidade extra contratual.</font><br> <br> <font>O Tribunal Judicial da Comarca da Amadora julgou a acção improcedente, designadamente por verificada a excepção da prescrição, e absolveu o Réu do pedido.</font><br> <br> <font>O Autor apelou para a Relação de Lisboa que confirmou o julgado.</font><br> <br> <font>Pede, agora, revista, assim concluindo:</font><br> <br> <font>- O Acórdão recorrido violou designadamente, as normas dos artigos 498º e 323º do C Civil e 493º do C. P. Civil.</font><br> <br> <font>- Ao violar tais preceitos legais, relativamente à aplicação e interpretação de tais normas jurídicas, o Tribunal da Relação, não fez correcta aplicação dos mesmos.</font><br> <br> <font>- Igualmente, o Tribunal da Relação não usou as faculdades enumeradas no artigo 712º do CPC, pelo que, também a referida norma jurídica não foi correctamente aplicada, pois que, devia ter alterado a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, violando, assim, por erro de apreciação da prova produzida, interpretação e aplicação do disposto no citado artigo 712º do CPC.</font><br> <br> <font>- O douto Acórdão recorrido refere que “Para conhecimento desta questão impunha-se ao Apelante que, nos termos dos artigos 712º e 690º A do CPC indicasse os pontos concretos da matéria de facto que pretendia ver alterados, por referencia aos também concretos meios de prova constante dos autos e/ou objecto de depoimento em audiência de julgamento gravada, ónus que não cumpriu.”</font><br> <br> <font>- Acontece que, o recorrente no artigo 9º das conclusões das alegações apresentadas no Tribunal da Relação, referiu que “o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não valorou toda a prova produzida, nos autos e tirou conclusões consentâneas com a referida prova, verificando-se contradições entre os elementos constantes dos autos, a prova produzida em audiência de julgamento matéria dada como provada, verificando-se assim, erro de apreciação da matéria de facto e não apreciação da prova documental, violando assim, designadamente, as disposições constantes no artigo 712º do CPC.</font><br> <br> <font>- O Acórdão recorrido também não fez correcta aplicação do direito, no que diz respeito à excepção da prescrição.</font><br> <br> <font>Contra alegou o Réu em defesa do julgado, afirmando:</font><br> <br> <font>- Ao Supremo Tribunal de Justiça não incumbe por lei alterar a matéria de facto dada como provada, a apreciação das provas não é matéria de revista, não lhe cabendo pronunciar se houve erro de julgamento, que manifestamente não houve. Ao STJ cabe decidir de direito;</font><br> <br> <font>- No que respeita à verificação da excepção peremptória da prescrição do direito à indemnização por factos ocorridos entre Março de 1999 e Agosto de 2000, é manifesto que se verifica a prescrição, porquanto o recorrente em Agosto de 2000 conhecia no todo o contexto que a situação encerrava e só em Janeiro de 2004 é que distribuiu a acção.</font><br> <br> <font>- A douta sentença de 1ª instância, bem como o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, estão conforme e de acordo com a Lei, sendo manifesto que inexiste qualquer violação dos artigos 323º, 498º do CC ou artigos 493º e 721º do CPC.</font><br> <br> <font>As instâncias deram por assente a seguinte </font><u><font>matéria de facto</font></u><font>:</font><br> <br> <font>- O Autor era co-titular da conta nº ..., conjuntamente com BB, na dependência da Buraca, do Banco ....</font><br> <br> <font>- Igualmente era co-titular da conta nº ..., conjuntamente com CC, administradora do prédio sito no Lg. Borges Carneiro nº ..., Buraca.</font><br> <br> <font>- A conta nº ... correspondia à conta do condomínio do prédio sito no Lg. Borges Carneiro nº ....</font><br> <br> <font>- Em Março de 1999 o Autor e a co titular da conta, BB, apresentaram na dependência da Buraca do ... uma proposta de crédito para realização de obras na casa do Autor.</font><br> <br> <font>- Em 16/3/99, o Autor contactou telefonicamente o Réu, dependência da Buraca, para obter informações sobre a aprovação do empréstimo solicitado.</font><br> <br> <font>- Nessa data foi o Autor informado que o empréstimo não podia ser concedido e que devia dirigir-se aquele balcão, pois pretendiam comunicar-lhe uma situação muito grave.</font><br> <br> <font>- De imediato o Autor e a co-titular da conta, BB, dirigiram-se ao citado balcão onde lhes foi comunicado que o empréstimo não era concedido em virtude de o autor se encontrar em situação perante a qual este não lhe poderia ser concedido.</font><br> <br> <font>- Perante a estranheza e espanto do Autor o empregado de balcão, Sr. DD, informou o Autor de que este tinha muitas letras protestadas, cujo valor excedia 17.739.263$00.</font><br> <br> <font>- O Autor disse ao Sr. DD que só poderia haver engano, pois nem sequer sabia o que era uma letra, pois nunca tinha assinado nenhuma.</font><br> <br> <font>- De seguida o Sr. DD entregou ao Autor uma relação, a qual mencionava o nome de AA, onde constavam 22 letras no valor de 17.739.263$00.</font><br> <br> <font>- Face a tal situação, o Autor disse ao Sr. DD que tal era impossível, ao que o Sr. DD insistiu e disse que a informação dada era absolutamente verdadeiras e que não tinham qualquer dúvida que a divida era do Autor.</font><br> <br> <font>- Na sequência do que lhe foi dito, o Autor sentiu-se mal tendo tido necessidade imediata de se sentar.</font><br> <br> <font>- Perante aquelas circunstâncias o Sr. DD disse ao Autor que fosse contactar as sociedades das quais forneceu relação para esclarecerem o que se passava.</font><br> <br> <font>- A sociedade ... Materiais de Construção, depois de se ter apercebido que deveria haver um lapso, tanto mais que conheciam o próprio devedor e constataram que não era o Autor, prestou-se a fornecer todos os elementos necessários para que o assunto fosse esclarecido.</font><br> <br> <font>- Forneceram cópia do instrumento de protesto de uma letra na qual consta o contribuinte fiscal 800 995 643.</font><br> <br> <font>- Tal número de contribuinte não corresponde ao do Autor.</font><br> <br> <font>- O Autor, em 25/3/99 deslocou-se novamente à dependência da Buraca, para saber se tinham feito alguma diligencia para esclarecer a verdade, tendo estes se limitado a confirmar as informações dadas através de carta, onde consta “lamentamos informar que após análise detalhada não foi possível considerá-la favorável.”</font><br> <br> <font>- O Autor remeteu em 31/3/99 fax para o Banco de Portugal no Porto, a solicitar informação relativa ao registo ou não de letras protestadas em seu nome, tendo obtido a seguinte informação “não se encontra registado em seu nome qualquer protesto relacionado com títulos de crédito.”</font><br> <br> <font>- O Autor dirigiu carta à administração da Ré em 27/4/99, conforme doc. de fls. 18 que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br> <br> <font>- O Réu respondeu à referida carta através de missiva de 10/05/99, conforme doc de fls. 19 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- Em 20/5/99 o Autor remeteu ao Réu nova carta para tentar esclarecer toda a situação, conforme doc. de fls. 21 e ss que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- Através de carta de 16/8/99 veio o réu responder conforme doc de fls. 23 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- O Autor remeteu ao Réu em 29/12/99 carta, conforme doc. de fls. 24 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- O Réu respondeu por carta datada de 7/1/2000, conforme doc. de fls. 25 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- Em 13/1/2000 o Autor remeteu carta ao Réu, conforme doc. de fls. 27 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- O Autor recebeu carta do Réu em 25/1/2000, conforme doc. de fls. 28 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- Em 3/2/2000 o Autor remeteu carta ao Réu conforme doc. de fls. 30, que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- O Autor recebeu carta do Réu datada de 9/3/2000, conforme doc. de fls. 31 que aqui se dá por integralmente reproduzido.</font><br> <br> <font>- Em 19/7/2000 o Autor remeteu ao Réu a carta constante de fls. 33 que aqui se dá por integralmente reproduzida.</font><br> <br> <font>- Na sequência de todo este processo, o Autor teve um grande desgaste psíquico e como é uma pessoa doente deixou que tudo tivesse ficado parado e aceitou o pedido de desculpas do Réu.</font><br> <br> <font>- No dia 13/1/2003, quando o Autor se encontrava em casa na companhia da sua mulher e cunhada, foi surpreendido pelo Sr. G..., marido da administradora do prédio sito no Lg. Borges Carneiro nº..., que lhe bateu à porta e sem mais lhe disse “você tirou 50% do saldo da conta do condomínio”.</font><br> <br> <font>- O Autor sem saber o que se passava disse que não tinha procedido ao levantamento de qualquer quantia.</font><br> <br> <font>- O Autor de imediato dirigiu-se à dependência da Buraca do Réu a fim de esclarecer o que se passava.</font><br> <br> <font>- Aí foi informado pelo empregado Sr. DD que tinha sido retirado das contas de que era titular €507,58 e €206,07, por ordem do Tribunal da Figueira da Foz – ... Juízo, Pº nº ....</font><br> <br> <font>- Tendo-se gerado alguma discussão já que o autor não se conformou com tais afirmações, tendo a empregada do Réu, de nome C..., vindo junto do seu colega dizer “o que é que quer, a informação que lhe estamos a dar está correctíssima”.</font><br> <br> <font>- O Autor disse ao Sr. DD que não era possível haver qualquer processo contra ele e que deveria tratar-se de mais um engano.</font><br> <br> <font>- Ao que o Sr. DD respondeu que desta vez não havia qualquer engano.</font><br> <br> <font>- Perante a recusa da dependência da Buraca em falar com o advogado do Autor, este dirigiu-se em 14/1/2003 àquela dependência, tendo falado com o Sr. DD que lhe disse que para falar com a gerência só com marcação, tendo no entanto, perante a insistência do mandatário do Autor, comparecido o sub gerente EE, a quem foi exposta toda a situação e fornecidas cópias das cartas recebidas anteriormente onde constava ter havido erro na identidade do autor.</font><br> <br> <font>- Em 18/1/2003 o Autor, através do seu mandatário, telefonou para o Réu com vista a obter mais informações acerca do assunto, tendo-lhe sido dito que nada podiam fazer.</font><br> <br> <font>- Em 22/1/03 o Autor dirigiu-se ao Tribunal da Figueira da Foz, para consulta do processo.</font><br> <br> <font>- No processo constavam vários documentos remetidos pelo Tribunal a vários bancos para penhora de contas de AA e mulher FF.</font><br> <br> <font>- Entre eles encontravam-se ofícios à CGD onde o Autor e a sua mulher GG detêm conta de crédito à habitação.</font><br> <br> <font>- As entidades bancárias a que o referido tribunal remeteu documentação enviaram informação ao Tribunal onde constava que AA e FF não tinham conta nesses respectivos bancos.</font><br> <br> <font>- O mandatário do autor elaborou um requerimento dirigido ao Tribunal da Figueira da Foz, conforme doc. de fls. 43 a 48 que aqui se dão por integralmente reproduzidas.</font><br> <br> <font>- Em 27/2/2003 foi proferido o despacho de fls. 50 que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se lê “resulta dos autos evidente confusão entre o real executado com o referido requerente, pois têm o mesmo nome…”</font><br> <br> <font>- Após a recepção deste despacho do Tribunal da Figueira da Foz, o Autor deslocou-se à dependência da Buraca do Réu, tendo falado com o sub gerente – EE – tendo-lhe fornecido cópia do citado despacho, tendo este informado que iria proceder à regularização das contas.</font><br> <br> <font>- O Autor esteve mais de 15 dias sem o dinheiro estar desbloqueado.</font><br> <br> <font>- Quando em Março de 1999 o Autor solicitou junto ao Réu um empréstimo de 700.000$00, o mesmo destinava-se a efectuar pequenas obras de conservação na sua casa, com vista a um maior conforto seu e da sua mulher, pois ambos são pessoas doentes.</font><br> <br> <font>- O valor das obras pedidas em 1999 é actualmente de €12.000,00</font><br> <br> <font>- Por oficio de 22/11/2002, do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, 3º Juízo, o gerente do Banco ... SA foi notificado “de que nos termos do disposto no artigo 861º A do CPC ficam penhorados à ordem deste Tribunal e processo os saldos das contas de depósito à ordem e a prazo, nomeadamente as contas nº ... e ... de que sejam titulares o executado AA, estado civil: desconhecido; identificação fiscal: 112787720; domicilio Rua José Estevão, ..., Eixo, 3800 Aveiro (…)”</font><br> <br> <font>- Na sequência do referido em 7 a 11, o Sr. DD disse ao Autor “vocês pensam que enganam os Bancos, mas nós sabemos bem como isso é”.</font><br> <br> <font>- Tendo o Sr. DD dito igualmente ao Autor que era por isso que o empréstimo não era concedido.</font><br> <br> <font>- O Autor ficou extremamente abalado e afectado perante o que lhe estava a ser comunicado.</font><br> <br> <font>- Na sequência do referido em 13), o Sr. DD reafirmou ao Autor que o empréstimo não lhe era concedido enquanto não pagasse a quantia em dívida.</font><br> <br> <font>- Após o referido em 14) e 15), o Autor deslocou-se novamente à dependência do Réu na Buraca explicando o que se passava tendo-lhe sido dito “não queremos saber mais nada”, “o Sr. deve o dinheiro e ainda quer mais empréstimos”.</font><br> <br> <font>- Mais disseram que “se quiser vá tratar disso ao Banco de Portugal, porque da nossa parte não fazemos mais nada, pois não há nenhum engano, é mesmo o Sr. que deve”.</font><br> <br> <font>- Na sequência do referido em 35), o Autor sentiu-se envergonhado perante o que estava a ser dito.</font><br> <br> <font>- Alguns dias após o referido em 39), o Autor dirigiu-se ao balcão da Buraca do Réu, sendo-lhe dadas as mesmas respostas “é você que deve o dinheiro”, “e ainda vem para aqui reclamar”, “temos aqui todas as provas que o Sr. deve dinheiro e que por isso tem que lhe ser feita a penhora”.</font><br> <br> <font>- Perante tal humilhação, o Autor ligou para o seu mandatário, chocado a chorar, num estado de completo desespero.</font><br> <br> <font>- O Autor teve que se deslocar ao Banco de Portugal onde gastou a quantia de €15,00.</font><br> <br> <font>- Em deslocação ao Tribunal da Figueira da foz e ao escritório do mandatário do Réu, no referido processo, gastou €155,25.</font><br> <br> <font>- Aquando da deslocação ao Tribunal da Figueira da Foz despendeu em refeições a quantia de €25,00.</font><br> <br> <font>- Em deslocações ao balcão da Buraca do Réu e ao escritório do seu mandatário despendeu a quantia de €60,00.</font><br> <br> <font>- Em telefonemas para o Banco de Portugal e para o Tribunal da Figueira da Foz despendeu €12,00.</font><br> <br> <font>- O Autor teve muitos dias que não saiu de casa pois sentia vergonha das expressões que lhe foram dirigidas pelo Réu.</font><br> <br> <font>- Os funcionários do Réu colaboraram com o Autor no sentido deste poder esclarecer a situação que o envolvia, habilitando-o com elementos, tudo num quadro de recato e confidencialidade.</font><br> <br> <br> <font>Foram colhidos os vistos.</font><br> <br> <font>Conhecendo, </font><br> <br> <font>1- Alteração da matéria de facto.</font><br> <font>2- Prescrição.</font><br> <font>3- Conclusões.</font><br> <br> <br> <font>1- Alteração da matéria de facto.</font><br> <br> <font>No primeiro segmento da alegação recursória, o Autor insurge-se contra o Acórdão por este não ter procedido à alteração da matéria de facto, não usando as faculdades do artigo 712º do Código de Processo Civil.</font><br> <font>Sem razão, porém.</font><br> <br> <font>1.1- Como julgou este STJ, em igual conferência (Acórdão de 18 de Abril de 2006 – 06 A871) “cumpre ás instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1ª instância. </font><br> <br> <font>O STJ, e salvo situações de excepção legalmente previstas só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais, só é sindicável se foi aceite um facto sem a produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.”</font><br> <br> <font>Este principio resulta do artigo 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – aprovada pela Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro – sendo que a intervenção do STJ restringe-se à averiguação da observância das regras de direito probatório material, artigo 722º nº 2 do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, artigo 729º nº 3.</font><br> <br> <font>Mas a ampliação da matéria de facto pressupõe que o facto a inserir de novo tenha sido alegado pelas partes, no momento e em sede adequados.</font><br> <font>Terá de considerar-se ter havido, aquando da fixação da base instrutória, preterição de “matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito”, nos precisos termos do nº 1 do artigo 511º do diploma adjectivo.</font><br> <br> <font>Ora, “in casu”, a Relação ao fixar a matéria de facto não incumpriu o citado nº 2 do artigo 722º (dando como assente um facto sem a produção de prova legalmente indispensáveis ou infringindo as normas reguladoras da força probatória de determinado meio de prova), nem o Autor tal refere precisamente. </font><br> <br> <font>Outrossim, este Supremo Tribunal não pode exercer qualquer censura por a Relação não ter feito uso dos poderes de alteração ou anulação da decisão da 1ª instância em matéria de facto.</font><br> <font>É por isso que a decisão que exerça esses poderes é irrecorrível, “ex vi” do nº 6 daquele preceito.</font><br> <br> <font>1.2- Recorde-se, ainda, que a garantia daquele “duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca pode envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais, erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.” (in preâmbulo do Decreto Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro).</font><br> <br> <font>A decisão da 1ª instância pode ser alterada pela Relação se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada nos termos do artigo 690º A do CPC, a decisão proferida com base neles.</font><br> <br> <font>A acção foi intentada em 2004.</font><br> <font>É lhe aplicável a redacção do artigo 690º A do Código de Processo Civil, introduzido pelo Decreto-lei nº 183/2000, de 18 de Agosto (artigo 8º).</font><br> <font>Na redacção anterior (Decreto-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro) o nº 2 exigia ao recorrente, “sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”.</font><br> <font>Actualmente, cumpre, apenas, ao recorrente “indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 522º C”.</font><br> <font>E o nº5 do mesmo preceito impõe à Relação a audição ou visualização dos depoimentos indicados, “excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas, para tanto contratadas pelo tribunal.”</font><br> <br> <font>Escreveu-se no Acórdão do STJ de 6 de Julho de 2006 – 06 A1838 – desta mesma conferência:</font><br> <font>“Mas também incumbe ao impugnante da matéria de facto indicar os “concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”.</font><br> <font>O nº1 do artigo 712º do diploma adjectivo dispõe a possibilidade de alteração, pela Relação, da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, se do processo constarem todos os elementos que serviram de base à decisão ou se, tendo ocorrido a gravação, tiver havido impugnação de acordo com o citado artigo 690º A.</font><br> <font>Como refere o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Novembro de 2005 (Pº 3153/05 – 1ª) “foi intenção do legislador, aliás expressamente confessada no relatório do Decreto-Lei nº 39/95, criar um duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, embora temperada pelo ónus imposto ao recorrente de delimitação concreta do objecto do recurso e da respectiva fundamentação, a fim de evitar a impugnação genérica da decisão de facto no seu todo.”</font><br> <br> <font>E assim é porque – embora a Relação forme a sua própria convicção dentro do princípio da livre apreciação das provas nos mesmos termos do Tribunal “a quo” – a ausência da imediação do contacto directo com a prova, a não suficiência, para percepção de detalhes e características idiossincráticas das testemunhas (o que releva para estribar convicções), de sistemas de gravação, não permitem uma perfeita documentação do ocorrido na 1ª instância.</font><br> <font>Será uma actividade difícil e penosa, passar várias horas a ouvir gravações, tentando identificar e reconhecer vozes dos depoentes e de outros intervenientes, relacioná-las com o que consta da acta e cotejá-las com as motivações, tantas vezes sem o necessário apuro técnico.</font><br> <font>Por isso é que o 2º grau de jurisdição em matéria de facto deve ser visto com cautela buscando interpretações rigorosas – embora não necessariamente restritivas – dos preceitos que o regulamentam.</font><br> <font>A exigência da alínea a) do nº 1 do artigo 690º A do Código de Processo Civil – e deixemos a da alínea b), por já acima abordada – destina-se precisamente a balizar, com rigor, a área de reapreciação, evitando uma reprodução integral de toda a prova, com as escolhas atrás acenadas.</font><br> <font>A importância dessa especificação é tal que o legislador fulmina a sua ausência com a rejeição do recurso.”</font><br> <br> <font>Ora o recorrente não cumpriu esse ónus não indicando, com precisão os pontos de facto que pretendia ver reapreciados pela Relação.</font><br> <font>Nem se diga que pode reportar-se, genericamente, a “todos os factos”, como refere o Autor.</font><br> <font>Esse entendimento esvaziaria de sentido o nº 1 do citado artigo 690º A que impõe não só a referência (“obrigatoriamente”) aos “concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados” (a) como aos “concretos meios probatórios” (…) “sobre os pontos da matéria de facto impugnada” (b).</font><br> <br> <font>1.3- Finalmente, não tem este Tribunal razoes para, oficiosamente, lançar mão do nº 3 do artigo 729º da lei processual.</font><br> <font>Trata-se de medida de excepção só utilizável quando ao conhecer do mérito – a questão de direito – concluir que existem contradições essenciais em pontos de facto que vão comprometer a decisão final, ou quando não foram considerados factos alegados pelas partes, ou, finalmente, quando foi desconsiderada matéria de conhecimento oficioso.</font><br> <br> <font>Só se concluindo que, sem eliminação dessas contradições, ou sem o alargamento da matéria de facto, a solução final está comprometida, é que se faz apelo a essa faculdade. (cf., no mesmo sentido, e v.g, o Acórdão do STJ – também desta conferência – de 30 de Maio de 2006 – Pº 1440/06-1ª).</font><br> <font>Incensurável, em consequência, o Acórdão recorrido na parte em que se pronunciou sobre a matéria de facto.</font><br> <br> <font>2- Prescrição</font><br> <br> <font>Também não merece reparo a decisão recorrida quando acolheu a prescrição do direito peticionado.</font><br> <font>O Autor vem efectivar a responsabilidade aquiliana do Réu por factos ilícitos ocorridos entre Março de 1999 e Agosto de 2000.</font><br> <font>Logo conheceu as consequências (danos) que alega ter sofrido, sendo que até recebeu uma carta e aceitou pedido de desculpas do Réu em Julho de 2000.</font><br> <font>A acção deu entrada em Juízo em Janeiro de 2004.</font><br> <font>O prazo da prescrição do direito à indemnização (que, aqui, é de três anos, nos termos do nº 1 do artigo 498º do Código Civil) já tinha decorrido.</font><br> <font>E como bem nota a Relação os factos verificados após Agosto de 2000 não integrariam ilícito gerador de responsabilidade extra contratual já que se traduziram no acatamento, pelo Réu, de decisão judicial determinativa de penhora de conta bancária, sendo que o erro na identificação do depositante – executado só poderia ser imputado ao Tribunal.</font><br> <br> <font>3- Conclusões</font><br> <br> <font>Resta concluir que:</font><br> <br> <font>a) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 712º do CPC é incensurável pelo STJ sendo a respectiva decisão irrecorrível.</font><br> <font>b) O STJ é essencialmente um Tribunal de revista, vocacionado para a uniformização de jurisprudência.</font><br> <font>c) O uso da faculdade do nº 3 do artigo 729º do CPC é excepcional e dela só pode lançar-se mão se se concluir pela existência de contradições essenciais, desconsideração do alegado pelas partes ou matéria de conhecimento oficioso, tudo em pontos de facto, sem cuja eliminação, consideração ou esclarecimento fique comprometida a decisão final.</font><br> <font>d) A redacção do artigo 690º A do CPC introduzida pelo Decreto-Lei nº 183/2000 de 18 de Agosto, dispensa o recorrente, que impugna a matéria de facto, de proceder à transcrição das passagens da gravação em que se funda, mas impõe-lhe a indicação dos pontos concretos da matéria de facto que considera incorrectamente julgada que deve constar da alegação, nos termos do nº 1, alínea a) do artigo 690º A do CPC, sob pena de rejeição do pedido de reapreciação.</font><br> <br> <font>Nos termos expostos, </font><font>acordam negar a revista.</font><br> <br> <font>Custas pelo recorrente.</font><br> <br> <font>Sebastião Póvoas (relator)</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>Alves Velho</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <br> <font>1. - "AA" intentou contra Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Nacional de Pensões acção declarativa para pedir o reconhecimento da titularidade das prestações por morte de BB.</font><br> <font>Alegou ser solteiro, mas ter vivido em união de facto, desde 1946, com a BB, que não deixou bens, união de que existem duas filhas. Que estas não têm rendimentos que lhes permitam prestar assistência ao A., que também não tem pais vivos ou irmãos.</font><br> <br> <font>O Réu contestou, impugnando por desconhecimento a factualidade alegada.</font><br> <br> <font>Posteriormente, o A. rectificou o alegado na petição inicial, juntando prova da existência de dois irmãos, que disse viverem da reforma, com bastantes dificuldades económicas.</font><br> <br> <font>A acção foi julgada procedente, decisão que a Relação confirmou.</font><br> <br> <font>O ISSS pede ainda revista, insistindo na revogação do decidido.</font><br> <font>Para tanto, no essencial, conclui:</font><br> <font>- O Recorrido não alegou, nem provou que não tem ascendentes e irmãos que possuam recursos económicos para o auxiliarem;</font><br> <font>- Também não alegou, nem provou a inexistência ou insuficiência de bens na herança do "de cujus";</font><br> <font>- Quem invoca um direito em juízo tem de fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, quer os factos sejam positivos quer negativos.</font><br> <font>Não tendo ficado provada a impossibilidade de os familiares obrigados a alimentos - ascendentes e irmãos - nos termos das als. c) e d) do art. 2009º C. Civil de suprirem a necessidade de alimentos do A. e que a herança inexista ou seja insuficiente, a acção tinha de improceder.</font><br> <br> <font>O Recorrido apresentou resposta. </font><br> <br> <font>2. - Questão prévia. Objecto do recurso.</font><br> <br> <font>O acórdão recorrido apreciou o mérito da acção apenas em sede de resolução da questão do ónus da prova do requisito impossibilidade de obtenção de alimentos por parte dos familiares referidos nas als. a) a d) do art. 2009º C. Civil, tendo confirmado a sentença com fundamento em que caberia ao R. provar que tais parentes existem e que se encontram em conduções de prestar alimentos ao A., como factos impeditivos do direito deste.</font><br> <font>Foi também essa, e apenas essa, a questão suscitada na apelação, como claramente mostram as respectivas alegações e conclusões.</font><br> <br> <font>Apesar disso, o Recorrente suscita agora a questão da prova de um outro pressuposto, que será da inexistência ou insuficiência de bens na herança do falecido.</font><br> <br> <font>Ora, como é sabido, o nosso sistema jurídico adoptou, em sede de recursos, o modelo de revisão ou de reponderação, o que se traduz em que, como regra, o tribunal de recurso não pode pronunciar-se sobre matéria não alegada perante o tribunal recorrido ou sobre pedidos não formulados perante ele. </font><br> <font>Na verdade, como estabelece o art. 676º-1 CPC, os recursos são meios de impugnação das decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, sendo, há muito, jurisprudência constante que os recursos se destinam à reapreciação de questões anteriormente submetidas à apreciação do tribunal inferior e não à criação de decisões sobre matéria nova (cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", 395; AMÂNCIO FERREIRA, "Manual dos Recursos...", 138).</font><br> <font>Ressalvadas ficam as questões de conhecimento oficioso, designadamente as relativas a direitos indisponíveis.</font><br> <br> <font>A questão ora colocada apresenta-se, assim, como questão nova, não abrangida pela excepção da oficiosidade de conhecimento.</font><br> <br> <font>Está, consequentemente, vedada neste recurso a apreciação do respectivo objecto.</font><br> <br> <font>3. - Mérito do recurso.</font><br> <br> <font>3. 1. - O objecto do recurso resulta, como antes decidido, limitado à questão das consequências da alegada falta de alegação e prova, pelo Autor, de não ter ascendentes ou irmãos que o possam auxiliar. </font><br> <font>3. 2. - Em sede de matéria de facto o que releva é justamente a ausência, entre os factos provados, de qualquer alusão a ascendentes do Autor, bem como à situação e capacidade económica dos irmãos do mesmo Autor.</font><br> <font> </font><br> <font>No mais, apesar da irrelevância para a apreciação do objecto do recurso, dão-se por reproduzidos os factos tidos como provados pelas Instâncias.</font><br> <br> <font>3. 3. - Antes de mais importa deixar duas notas destinadas a corrigir imprecisões na posição do Recorrente e clarificar a situação tal como a reflectem os autos:</font><br> <font>- A primeira, quanto aos ascendentes, para referir que o A. alegou que "não tem pais vivos - o A. tem 85 anos de idade", matéria que foi desconsiderada no despacho de condensação e na sentença. Alegada, como está, a matéria, sem pronúncia das Instâncias sobre a mesma, nada impediria este Tribunal de, ao abrigo da faculdade excepcionalmente admitida no art. 729º-3 CPC, ordenasse a respectiva apreciação, ampliando a base de facto para aplicação do direito;</font><br> <font>- A segunda, no tocante aos colaterais, para dizer que o A., tendo inicialmente alegado não ter irmãos, veio corrigir essa afirmação já na fase de instrução, declarando ter dois, cujas certidões de registo de nascimento juntou, dando conta que esses irmãos "vivem das respectivas pensões de reforma, com bastantes dificuldades económicas, sendo que um deles está acamado". Designada, depois, data para julgamento não foi feito uso do poder-dever previsto no art. 650º-2-f) CPC, com referência ao n.º 3 do seu art. 264º e, na sentença, considerou-se apenas a existência dos dois irmãos, factos documentalmente provados que, no acórdão, a Relação omite. Também aqui poderia ser caso de lançar mão da possibilidade prevista no dito art. 729º-3 se não se erguesse, desde logo, o incontornável obstáculo de transcrita alegação do A. ser de natureza genérica e conclusiva, desprovida da inclusão de factos materiais e concretos susceptíveis de integrarem um juízo de impossibilidade de prestação de alimentos por parte dos ditos irmãos do A..</font><br> <br> <font>Fica, pois, avançado que, apesar do que adiante se decidirá sobre o requisito, natureza dos factos que o preenchem e respectiva prova, não há condições para ampliação da matéria de facto, que falta, quanto ao dever de prestação de alimentos pelos irmãos, o que arreda a possibilidade também quanto aos ascendentes, por a tornar inútil.</font><br> <br> <font>3. 4. - A considerar, assim e apenas, para efeitos de conhecimento do mérito do recurso, que não está demonstrado que os irmãos do Autor não têm possibilidades de lhe prestarem alimentos. </font><br> <br> <font>A regulamentação jurídica do direito às prestações por morte de beneficiários do regime geral da segurança social das pessoas que se encontrem na situação de união de facto está contida, ao que aqui releva, nos arts. 8º do DL n.º 322/90, de 18/10; art. 3º do Dec.-Reg. 1/94, de 18/1 e art. 6º da Lei n.º 7/2001, de 11/5.</font><br> <br> <font>Segundo este último preceito, beneficia do direito às prestações, na eventualidade de morte do beneficiário, "quem reunir as condições constantes do art. 2020º do Código Civil", ou seja, quem, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas à dos cônjuges, se não puder obter os alimentos de que necessita das pessoas mencionadas nas als. a) a d) do art. 2009º. </font><br> <font>Requisitos da atribuição das prestações de sobrevivência serão, então:</font><br> <font>- Que o companheiro do requerente tenha falecido no estado de solteiro, divorciado ou separado de pessoas e bens;</font><br> <font>- Que a união, em condições análogas às dos cônjuges, tenha perdurado por mais de dois anos;</font><br> <font>- Que o Autor tenha necessidade de alimentos; e,</font><br> <font>- Que os não possa obter do seu cônjuge ou ex-cônjuge, ou de descendentes, ou ascendentes ou de seus irmãos. </font><br> <font> </font><br> <font>Esta impossibilidade de prestação de alimentos pelos familiares elencados no art. 2009º, nomeadamente pelos irmãos, apresenta-se, assim, como um pressuposto ou condição substantiva da titularidade do direito às prestações a par das demais cumulativamente exigidas pelo art. 2020º-1, não configurando, a nosso ver, qualquer excepção, nomeadamente na modalidade de facto impeditivo, relativamente aos requisitos enunciados no primeiro segmento do preceito.</font><br> <font>Não se trata de um contra-facto que venha paralisar a eficácia do direito, obstando à sua válida constituição ou exercitabilidade, ou que, em momento posterior, lhe altere ou suprima os efeitos. Trata-se, antes, de facto que, por integrar os elementos constitutivos do direito impede o seu próprio nascimento, obstando não apenas à validade da sua constituição ou exercício, mas à sua formação e existência. </font><br> <br> <font>Todos e cada um dos requisitos substantivos referidos são elementos constitutivos do direito invocado pelo Autor, a demonstrar através dos factos que preenchem cada uma das condições estabelecidas no artigo, sejam eles positivos ou negativos - art. 342º-1 C. Civil.</font><br> <br> <font>De resto, se dúvidas houvesse quanto à natureza dos factos, sempre haveriam de ser considerados como constitutivos, sendo que a eventual dificuldade de prova de factos negativos não autoriza a inversão do respectivo ónus, que a lei limita aos casos em que ela mesma o determina - - arts. 342º-3 e 344º C. Civil.</font><br> <br> <font>Conclui-se, pois, que impendia sobre o Autor o ónus de alegar e provar que se encontra nas condições exigidas pelo art. 2020º, entre as quais a de que não pode obter alimentos dos irmãos (cfr., neste sentido, entre muitos, os acs. deste STJ de 18/11/04, de 31/5/05 e de 22/6/05 disponíveis no ITIJ , de 8/11/05-proc. 3068/05-1 e de 14/2/06-proc. 4345/05-1).</font><br> <br> <font>Não demonstrado o requisito de direito substantivo e, como dito supra, não havendo alegação factual que permita a ampliação da base fáctica, a pretensão do Autor-recorrido não pode proceder. </font><br> <font>Procedem, nestes termos, em parte, as conclusões do Recorrente.</font><br> <br> <font>4. - Decisão.</font><br> <br> <font>Pelo exposto, decide-se:</font><br> <font>- Conceder a revista; </font><br> <font>- Revogar a decisão impugnada;</font><br> <font>- Julgar a acção improcedente e absolver o Réu Instituto de Solidariedade e Segurança Social/Centro Nacional de Pensões do pedido contra ele formulado pelo Autor AA; e,</font><br> <font>- Condenar o A. nas custas, sem prejuízo do benefício que lhe foi concedido.</font><br> <br> <br> <font>Lisboa, 6 de Julho de 2006</font><br> <font>Alves Velho</font><br> <font>Urbano Dias</font><br> <font>Moreira Camilo (votei a decisão, tendo em conta o incumprimento por parte do autor.)</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>I – RELATÓRIO</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.1.- A Requerente -</font><b><font>AA</font></b><font> - instaurou, em Cartório Notarial, inventário para partilha por divórcio, com forma de processo especial, contra o Requerido - </font><b><font>BB.</font></b><br> </p><p><font>Na relação de bens relacionou, além de outras, a </font><b><font>verba nº1:</font></b><br> </p><p><font>“ Direito de crédito resultante da benfeitoria consistente na edificação realizada pelo casal em parcela de terreno doada à Requerente esposa, de um edifício composto por casa de habitação de rés-do-chã e andar com área coberta de 110 m2 e ainda um anexo com 20 m2, implantado no prédio sito no Lugar ..., União de freguesias ..., concelho ..., o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...08 e inscrito ma Matriz predial urbana sob o nº ...66, com valor patrimonial de € 58.510,00, sendo o valor atribuído a tal crédito de € 60.000,00”.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.2. O Requerido </font><b><font>reclamou contra a relação de bens</font></b><font>, alegando, em síntese:</font><br> </p><p><font>O bem imóvel edificado em terreno da Requerente é um bem comum, por força do art.1726 nº1 CC, e como tal deve ser relacionado, pois o valor da edificação é superior a € 150.000,00, ao passo que a parcela de terreno doada tem o valor de € 2.493,99.</font><br> </p><p><font>Pediu a exclusão da verba nº1 e em substituição deve ser relacionado o prédio urbano, inscrito na matriz sob artigo ...6.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.3. – A Requerente AA respondeu reiterando tratar-se de um crédito de benfeitorias, como o Requerido reconheceu na relação de bens junta ao divórcio por mútuo consentimento.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.4.- </font><b><font>Por sentença de 13/10/2021, decidiu-se:</font></b><br> </p><p><font>“ (…)</font><br> </p><p><i><font>Vejamos agora os pontos 1 e 2 supra transcritos. </font></i><br> </p><p><i><font>Tem-se como assente nos autos que o terreno no qual foi construída a casa foi doado à interessada AA – cfr. Certidão de registo predial, ap. ...0 de 1992/10/08. </font></i><br> </p><p><i><font>Também se tem como assente que no aludido terreno não se encontrava edificada qualquer construção e que foram os interessados nesta partilha que construíram uma casa de habitação de ... e andar, com área coberta de 110m², e ainda, um anexo de 20m². </font></i><br> </p><p><i><font>Ora, a interessada entende que deve ser relacionado como bem comum um direito de crédito resultante de uma benfeitoria sobre o imóvel. </font></i><br> </p><p><i><font>O cabeça-de-casal defende que deve ser relacionado como bem comum todo o imóvel sendo bem próprio da interessada apenas o valor do terreno. </font></i><br> </p><p><i><font>Antes de mais diga-se que não resulta compreensível o valor de € 59.387,65 atribuído pelo cabeça-de-casal a essa verba quando é o próprio cabeça-de-casal que refere na resposta à reclamação que “as edificações têm um valor superior a € 160.000,00”. </font></i><br> </p><p><i><font>Oportunamente nos ocuparemos deste tema. </font></i><br> </p><p><i><font>A presente questão tem sido muito debatida nos tribunais superiores. Da análise que fizemos às decisões existentes resulta que a maioria da jurisprudência tem entendido que as situações iguais à que nos ocupa nestes autos devem ser tratadas como benfeitorias devendo esse valor ser relacionado como direito de crédito e bem comum no património a partilhar e mantendo-se o imóvel como bem próprio do interessado (que era já titular do terreno). </font></i><br> </p><p><i><font>Não ignoramos que existem algumas decisões recentes dos tribunais de 2º grau que têm vindo a defender que essas benfeitorias realizadas por ambos os cônjuges acarretam a incorporação do imóvel no património a partilhar, como bem comum. Exemplo disso são os arestos citados pelo cabeça-de-casal na resposta à reclamação. </font></i><br> </p><p><i><font>Como exemplos do entendimento maioritário temos as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Évora, acórdão de 09.11.2017, acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra datados de 20.04.2016 e 20.06.2017, acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 09.01.2006 e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 30.04.2019, todos disponíveis em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>. </font></i><br> </p><p><i><font>Com especial interesse para o caso concreto temos ainda o recentíssimo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 06.05.2021, disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, do qual iremos transcrever algumas partes particularmente úteis: </font></i><br> </p><p><i><font>“(…) discute-se se a construção/ampliação de uma casa pelos cônjuges, na vigência do seu casamento, celebrado no regime de comunhão de adquiridos, em prédio (urbano) doado a um dos seus membros, constitui uma benfeitoria (útil), a ser relacionada, como tal, no inventário instaurado na sequência do divórcio para partilha dos bens comuns do ex-casal. </font></i><br> </p><p><i><font>Foi este o entendimento perfilhado na 1ª instância que, afastando a verificação dos requisitos da acessão industrial imobiliária, considerou que o valor da construção (e das ampliações) de uma casa pelos cônjuges, nas circunstâncias acima descritas, devia ser relacionado, como benfeitoria, no processo de inventário. </font></i><br> </p><p><i><font>Divergindo desta orientação, o Tribunal da Relação, sem excluir o recurso ao instituto da acessão, convocou as normas do Direito de Família, mormente as constantes dos arts. 1724º e 1726º, nº 1, do CC e considerou que “da incorporação de um edifício no terreno, e do indiscutível maior valor dele em face deste, nasce uma unidade predial que deve ser tida como bem comum, sem prejuízo da compensação patrimonial (…)”. </font></i><br> </p><p><i><font>Vejamos, então. </font></i><br> </p><p><i><font>Começaremos por analisar os pressupostos do instituto da acessão industrial imobiliária, para, como se irá demonstrar, concluir pela sua inverificação, no caso em apreço. </font></i><br> </p><p><i><font>Segundo o art. 1325º, do CC “dá-se a acessão, quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia”. </font></i><br> </p><p><i><font>Por sua vez, estabelece-se no art. 1326º, do CC que a acessão é natural “quando resulta exclusivamente das forças da natureza”; e “industrial, “quando, por facto do homem, se confundem objetos pertencentes a diversos donos (...).” </font></i><br> </p><p><i><font>Trata-se de um título de aquisição do direito de propriedade, traduzindo uma derrogação do princípio geral consagrado na expressão latina “superficies solo cedit”. </font></i><br> </p><p><i><font>Para que se verifique a acessão, exige-se, antes de mais, que se esteja perante um simples possuidor que, nessa qualidade, não tenha vinculação jurídica especial com alguém, sendo antes titular de um direito a que corresponde a chamada obrigação passiva universal, própria dos direitos reais, já que nenhum interesse se perfila, no lado passivo da relação jurídica de posse que justifique a inaplicabilidade do regime da acessão. </font></i><br> </p><p><i><font>O regime da acessão só será, portanto, chamado à colação quando o interventor seja juridicamente estranho ao prédio, isto é, sempre que, a ele, não esteja ligado em consequência de qualquer relação jurídica. </font></i><br> </p><p><i><font>Sucede que, no caso vertente, o que se apurou é que no prédio (urbano) doado a um dos membros do casal, no caso à ora ré, o qual reveste a natureza de bem próprio dela, face ao regime de bens do seu casamento (cf. arts. 1717º, 1721º e 1722º, al. b), do CC), os então cônjuges edificaram uma nova casa para morar que, mais tarde, vieram a ampliar (cf. pontos 5, al. a), 6 e 8, da matéria de facto provada). </font></i><br> </p><p><i><font>Sendo assim, não se pode considerar o autor (à data cônjuge marido) um estranho relativamente ao prédio onde foi construída a casa, uma vez que, tendo a obra sido realizada por ambos os cônjuges, não era, dada a sua relação familiar com a ré (cf. art. 1576º CC), um terceiro em relação ao prédio. </font></i><br> </p><p><i><font>Por outro lado, realizadas as obras em prédio (urbano) do cônjuge mulher, não houve inovação em solo ou terreno alheio, como a acessão pressupõe, mas tão somente valorização de prédio já existente, por ambos os cônjuges, em razão do seu casamento. </font></i><br> </p><p><i><font>Por conseguinte, inverificados, no caso concreto, os pressupostos da acessão, no tocante a uma ficcionada aquisição em comum da propriedade do edificado, afigura-se-nos que o regime a aplicar há-se ser encontrado à luz do instituto das benfeitorias, que, na definição legal (art. 216º, do CC), são todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. </font></i><br> </p><p><i><font>Contra esta solução não se invoque o disposto no art. 1726º, do CC, em que se dispõe que os bens adquiridos com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações, pois como se decidiu no ac. deste STJ de 16/2/2016, Revista nº 3036/11.2TBVCT.G1.S1, (Relator Cons. Júlio Gomes), não publicado, “o que a norma prevê é apenas a aquisição e não a situação diversa da construção no terreno de um dos cônjuges. E, em segundo lugar, ela (está a referir-se à aplicação da norma do art. 1726º, do CC) conduz à alteração do estatuto de um bem que era próprio e que passa a ser comum, o que suscita algumas interrogações quanto à sua compatibilidade com o princípio da imutabilidade do regime de bens e, sobretudo, com aquela ratio que entendemos ser subjacente ao não funcionamento entre cônjuges da usucapião ou da acessão industrial imobiliária. Um cônjuge deve poder anuir na aplicação de bens comuns, por exemplo, para a conservação ou para a ampliação de um prédio próprio que seja, por hipótese, a casa de morada de família, sem se expor ao risco de assim perder a propriedade exclusiva do bem, deixando de ser próprio (o que seria reintroduzir por esta via algo de muito próximo nos seus resultados da acessão industrial).”. </font></i><br> </p><p><i><font>Dito isto. </font></i><br> </p><p><i><font>Como resulta do art. 216º, nº 3, do CC, as benfeitorias classificam-se em necessárias (as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa); úteis (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor) e voluptuárias (as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante). </font></i><br> </p><p><i><font>No caso em discussão, as obras de construção realizadas pelos cônjuges no prédio urbano doado à ré, à luz do critério legal plasmado no art. 216º, devem ser qualificadas como benfeitorias úteis, pois configuram despesas que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, aumentam o valor objetivo do bem. </font></i><br> </p><p><i><font>Por sua vez, provou-se que as obras foram realizadas com recurso a empréstimos bancários, suportados por ambos (cf. ponto 9, da matéria de facto). </font></i><br> </p><p><i><font>De todo o modo, mesmo que assim não fosse, não estando demonstrado que as obras tivessem sido «feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges», nos termos previstos no art. 1723º, al. c), do CC, caso em que poderiam conservar a qualidade de bens próprios, o seu valor sempre seria de considerar (presuntivamente) comum, em conformidade com o disposto no art. 1733º, nº 2, do CC, aplicável por analogia ao regime de comunhão de adquiridos, tanto mais que se está perante norma imperativa. </font></i><br> </p><p><i><font>Por conseguinte, atenta a factualidade apurada, tendo cessado as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges por divórcio (cf. arts. 1688º, 1788º e 1789º, do CC), deverá proceder-se à relacionação do valor das obras realizadas (€114.600,00), como benfeitorias, no inventário instaurado para partilha dos bens, por forma a que se opere a compensação devida ao património comum. </font></i><br> </p><p><i><font>Tal solução corresponde “à preocupação básica do nosso direito de obstar ao enriquecimento sem causa”, já que impede que um dos cônjuges fique beneficiado no momento da partilha e, por outro lado, assenta num princípio básico do direito patrimonial da família que encontra expressão em várias normas (cf. arts. 1697º, 1722º, nº 2, 1726º, 1727º e 1728º, todos do CC). </font></i><br> </p><p><i><font>Em sentido concordante com o que vimos defendendo, se pronunciaram os acórdãos deste Supremo Tribunal, proferidos em 17.9.2009, na Revista nº 1130/04.5TBABF, da 7ª secção, em 10.9.2009, na revista nº 713.05.0TBAVR.C1.S1, da 7ª secção, em 3.2.2009, na Revista nº 3240/08, da 6ª secção e em 13.2.2014, na Revista nº 1007/03.1TBSCR.L2.S1, da 2ª secção, não publicados, em que, em casos semelhantes ao presente, se afastou expressamente o regime da acessão, considerando, antes, que se estaria em presença de uma benfeitoria. </font></i><br> </p><p><i><font>Mais recentemente, esta mesma orientação foi reafirmada por este Supremo Tribunal, no acórdão de 30.4.2019, na revista nº 5967/17.7T8CBR.S1, disponível em </font></i><i><font>www.dgsi.pt</font></i><i><font>, e de que foi Relator o Cons. Ilídio Sacarrão Martins, que também subscreve o presente aresto. </font></i><br> </p><p><i><font>Todos os arestos referidos se debruçaram sobre a questão agora trazida à apreciação deste Supremo Tribunal, pelo que esta corrente jurisprudencial não poderia deixar de ser por nós especialmente ponderada, designadamente por força do disposto no art. 8º, nº 3, do CC, segundo o qual “nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”. </font></i><br> </p><p><i><font>Infere-se, portanto, desta decisão, que o tribunal de 1º instância tinha considerado como benfeitoria as obras realizadas no imóvel, decisão que foi revogada pelo Tribunal da Relação e que veio, por sua vez, a ser revogada pelo Supremo Tribunal de Justiça (restaurando a decisão da primeira instância). </font></i><br> </p><p><i><font>A nossa posição vai de encontro ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, pelos exactos fundamentos ali expostos. </font></i><br> </p><p><i><font>Destarte, no caso concreto, a relação de bens deverá ser alterada, de modo a que a edificação da moradia construída no sobredito imóvel, realizada que foi pelos interessados na pendência do casamento, integra benfeitoria, que constitui um direito de crédito que é comum do extinto casal que deverá ser objecto de avaliação, relacionado e partilhado. </font></i><br> </p><div><br> <i><font>*</font></i></div><br> <br> <i><font>Vejamos agora a questão do valor dessa benfeitoria: </font></i><br> <p><i><font>Face à confissão operada pelo cabeça-de-casal na resposta à reclamação da relação de bens e considerando que o inventário deve almejar a justa composição dos quinhões e uma justiça material do caso concreto, decido atribuir a direito de crédito relativo à benfeitoria o valor de € 160.000,00. </font></i><br> </p><div><br> <i><font>*</font></i></div><br> <br> <i><font>Notifique. </font></i><br> <p><i><font>Após trânsito concedo o prazo de 10 dias para que o cabeça-de-casal apresente nova relação de bens devidamente rectificada em conformidade com todos os pontos elencados neste despacho.”.</font></i><br> </p><p><i><font> </font></i><br> </p><p><font>1.5. - O Requerido recorreu de apelação e a</font><b><font> Relação, por acórdão de 31/3/2022, decidiu julgar procedente a apelação e revogar a sentença.</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>1.6. A interessada CC </font><b><font>recorreu de revista</font></b><font>, com as seguintes conclusões:</font><br> </p><p><font>1) No douto acórdão recorrido é expresso o entendimento que o valor da construção de um prédio urbano realizada por ambos os cônjuges, na vigência do seu casamento, celebrado no regime de bens de adquiridos, em imóvel pertencente a um só deles, deve ser relacionado, caso o seu valor se mostre superior, como bem comum. </font><br> </p><p><font>2) Este acórdão está em oposição nomeadamente pelo Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, transitado em julgado em 15/07/2021 -proferido âmbito do processo n.º 2124/15.0T8LRA.C1. S1, ficou decidido: </font><br> </p><p><font>“O valor da construção de um prédio urbano realizada por ambos os cônjuges, na vigência do seu casamento, celebrado no regime de bens de adquiridos, em imóvel pertencente a um só deles, deve ser relacionado, no inventário subsequente ao divórcio, como benfeitoria, por forma a que se opere a compensação devida ao património comum (...).</font><br> </p><p><font>3) Na lógica do Acórdão recorrido, pelo contrário, sufragou-se o entendimento contrário, ou seja, de que o imóvel construído no prédio rústico doado à Recorrente, antes do casamento, terá de ser relacionado como bem comum, caso o seu valor se mostre superior ao valor do terreno e o valor do terreno, relacionado como crédito sobre o património comum do casal. </font><br> </p><p><font>4) É assim patente a contradição entre os Acórdãos sub judice sobre a mesma questão fundamental de direito, o que justifica o presente recurso de revista e também não restam dúvidas que os Acórdãos foram proferidos no âmbito da mesma da mesma legislação. </font><br> </p><p><font>5) Demonstram os autos, que a Recorrente adquiriu por doação dos senhores seus Pais, aos 18.05.1992, o terreno para construção, sito no Lugar ..., União de freguesias ..., concelho .... </font><br> </p><p><font>6) O descrito prédio foi doado exclusivamente à Recorrente, tendo a mesma sido casada com o Recorrido no regime de Comunhão de Adquiridos, é facto assente que aquele terreno é um bem próprio desta, de acordo com o disposto no art.º 1722º, nº1, al. b) do Código Civil. </font><br> </p><p><font>7) No caso “sub judice” estamos perante um prédio urbano destinado à habitação que resultou da incorporação de um edifício em terreno que constitui bem próprio de um dos cônjuges. </font><br> </p><p><font>8) Desta forma, e atendendo ao supra exposto relativamente à absorção do direito de propriedade de tudo o que nele for integrado, não existem dúvidas que o conjunto composto pelo terreno e o imóvel mantém a natureza de bem próprio da Recorrente. </font><br> </p><p><font>9) Salvo o devido respeito, bem andou o Tribunal da 1.ª Instância, ao qualificar a construção do imóvel no terreno doado à Recorrente como uma benfeitoria útil, na medida em que obras de construção realizadas pelo extinto casal no terreno doado à mesma, configuraram despesas que aumentaram o valor objetivo do bem. </font><br> </p><p><font>10) Por conseguinte em obediência a tal entendimento, considera a Recorrente que o douto Acórdão recorrido, opera uma errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 8º nº 3, 216º, 1722º, 1724º, 1726º e 1733º, n.º2 do Código Civil e por conseguinte não poderá manter-se na ordem jurídica. Impõe-se assim a questão “sub judice” seja apreciada, atenta a sua relevância geral em sede de realização da justiça e particular em sede de eficaz realização dos direitos subjectivos de modo a assegurar uma melhor aplicação do direito</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>O Requerido contra-alegou, no sentido da improcedência do recurso.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>II - FUNDAMENTAÇÃO</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>2.1. – </font><b><font>O objecto do recurso</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>A questão submetida a revista, delimitada pelas conclusões, &nbsp;consiste em saber se, no processo de inventário posterior ao divórcio, a edificação de um imóvel composto por casa de habitação de ... e andar com área coberta de 110 m2 e ainda um anexo com 20 m2, realizada por AA e BB, casados no regime de comunhão de adquiridos, em parcela de terreno doada à Requerente esposa, sito no Lugar ..., União de freguesias ..., concelho ..., deve ser relacionada como crédito de benfeitorias ( tese da sentença da 1ª instância) ou como bem comum ( tese da Relação ).</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><font>2.2.- </font><b><font>O</font></b><font> </font><b><font>problema da edificação de uma habitação por ambos os cônjuges, casados em regime de comunhão de bens adquiridos, em terreno próprio de um deles.</font></b><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>As relações patrimoniais entre os cônjuges cessam com a dissolução do casamento, designadamente através do divórcio (arts.1788 e 1795-A do CC), produzindo-se, neste caso, os seus efeitos entre eles a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, retroagindo-se à data da propositura da acção ( arts.1688 e 1789 nº1 do CC ).</font><br> </p><p><font>Cessadas as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal ( art.1689 do CC ), e sendo esta judicial, através do processo especial de inventário.</font><br> </p><p><font>Na partilha, cada cônjuge receberá os seus bens próprios e a sua meação nos bens comuns, conferindo previamente o que dever a este património. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes ( art.1689 nº2 do CC ). Não havendo património comum suficiente para o pagamento das dívidas comunicáveis, poderão estas ser pagas pelo produto dos bens próprios de cada um dos cônjuges, consoante o regime de bens ( art.1695 do CC ).</font><br> </p><p><font>Na liquidação do passivo entram ainda as dívidas dos cônjuges entre si, as quais são pagas pela meação do cônjuge devedor no património comum, mas na ausência ou insuficiência de bens comuns respondem os bens próprios de cada um deles ( art.1689 nº3 do CC ).</font><br> </p><p><font>Na vigência da relação matrimonial os cônjuges tornam-se devedores entre si, através da transferência de valores entre os patrimónios – o património comum e os dois patrimónios próprios. Nestes casos, surge o chamado “ crédito de compensação” a favor do cônjuge que pagou a mais que a sua parte sobre o outro, mas cuja exigibilidade a lei difere para a partilha.</font><br> </p><p><font>A razão de ser deste diferimento prende-se essencialmente com o propósito de se evitarem desentendimentos ou perturbações conjugais e a exigibilidade imediata implicaria atribuir ao cônjuge credor um meio fácil ( a ameaça de cobrança ) de tutelar economicamente a actividade do cônjuge devedor, como justificou Braga da Cruz no seu anteprojecto ( Capacidade Patrimonial dos Cônjuges, BMJ nº69, pág.413 e segs. ), ou, noutra perspectiva, a não exigibilidade imediata radica na própria natureza jurídica da comunhão.</font><br> </p><p><font>Por outro lado, compreende-se a opção legislativa no sentido do crédito de compensação incidir, não sobre o património comum, mas sobre o outro cônjuge ( devedor ), pois de outra forma haveria o risco do cônjuge credor não lograr o pagamento se não houvesse pura e simplesmente património comum ou se este fosse insuficiente.</font><br> </p><p><font>A Requerente reclamou do Requerido um crédito de benfeitorias, com a alegação de que na pendência do matrimónio ambos os cônjuges construíram em terreno que é bem próprio dela.</font><br> </p><p><font>Coloca-se, portanto, a questão de saber como solucionar no âmbito da partilha o </font><font>problema da edificação de uma habitação por ambos os cônjuges, casados em regime de comunhão de bens adquiridos, em terreno próprio de um deles.</font><br> </p><p><font>A distinção entre benfeitorias e acessão tem sido objecto de larga controvérsia doutrinária e jurisprudencial.</font><br> </p><p><font>No Código Civil de 1966, perfilaram-se dois critérios de distinção entre as benfeitorias e acessão - o subjectivo e o objectivo.</font><br> </p><p><font>Para o “critério subjectivo”, a distinção arranca da existência ou inexistência de uma relação jurídica que vincule a pessoa à coisa beneficiada, e daí que a benfeitoria consista num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um terceiro que não tem qualquer contacto jurídico com a coisa. Assim, são benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo possuidor, pelo locatário, comodatário, usufrutuário, e acessão os melhoramentos realizados por um terceiro, não ligado juridicamente, podendo ser um simples detentor ocasional ( P. Lima/A.Varela , Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., pág.163 )</font><br> </p><p><font>Segundo o “critério objectivo”, a distinção funda-se na finalidade e no regime de ambos os institutos, sendo a benfeitoria uma despesa para a conservação ou o melhoramento da coisa, que não é alterada na sua substância, e que dá lugar a um direito de levantamento ou um direito de crédito contra o dono da coisa benfeitorizada, pressupondo a acessão a união e incorporação de uma coisa com outra pertencente a proprietário diverso, atribuindo a lei, em determinadas condições, ao autor da acessão o direito de propriedade. Assim, a distinção é objectiva, por ser independente da posição jurídica da pessoa que faz a obra, mas antes da natureza desta, havendo acessão quando se trate de construção nova e benfeitoria se é melhorada uma já existente ( cf, Vaz Serra, RLJ ano 108, pág.266).</font><br> </p><p><b><font> </font></b><br> </p><p><font>As implicações da edificação pelos cônjuges em terreno pertencente apenas a um deles, como nos dá conta a sentença da 1ª instância na abundante referência jurisprudencial, tem sido problemática, podendo sintetizar-se, no essencial, em duas orientações:</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>a) Uma, no sentido de que se trata de um bem comum do casal, em regime de comunhão de adquiridos, por aplicação do art. 1726 nº1 CC.</font><br> </p><p><font>Neste sentido, Rita Lobo Xavier, sobre o tema “construção de uma casa sobre terreno próprio de um dos cônjuges casados em regime de comunhão de adquiridos”, em síntese da argumentação, conclui: “Do meu ponto de vista, nada obsta a que a casa construída por ambos os cônjuges em terreno próprio de um deles, com utilização de valores comuns, seja considerada um bem “adquirido” em parte com bens próprios e em parte com bens comuns. E que por aplicação da regra prevista no nº1 do artigo 1726 se considere que ingressou no património comum. A atribuição patrimonial que favoreceu a comunhão faz nascer um direito de compensação no património próprio do cônjuge proprietário do terreno, exigível no momento da dissolução e partilha da comunhão ( artigo 1726 nº1)”( ( “ Das Relações entre o Direito Comum e o Direito Matrimonial – A propósito das atribuições patrimoniais entre cônjuges”, Comemorações dos 35 Anos do Código Civil, vol. I, pág.487 e segs). Segue esta orientação alguma jurisprudência (cf., por ex., Ac RC de 12/10/2020 ( Teresa Albuquerque), Ac RG de 30/6/2022 ( José Dias), em www dgsi.,pt).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>b) Outra, que a concebe como benfeitoria e, não como acessão, porque a qualidade de cônjuge não se reconduz à noção de terceiro. </font><br> </p><p><font>No regime da comunhão de bens adquiridos fazem parte da comunhão “os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei”( art.1724 b) CC ).</font><br> </p><p><font>Na verdade, seguindo o critério subjectivo, não parece que a situação se ancore no instituto da acessão, e também não se pode sustentar que a “família,” constituída pelo casamento, seja uma entidade distinta dos cônjuges, com personalidade própria, de modo a considerá-la terceiro para efeitos de acessão.</font><br> </p><p><font>Presumem-se comuns as benfeitorias efectuadas pelo cônjuge em prédio pertencente ao outro, quando realizadas na pendência do casamento e sob o regime de comunhão de adquiridos, tendo em conta a aplicação analógica do art.1733 nº2 CC e por força do disposto no art.1723 c) CC, pois na ausência de menção em documento da proveniência do dinheiro, o bem não pode ser exceptuado da comunhão.</font><br> </p><p><font>Nesta perspectiva, a edificação insere-se na titularidade do proprietário do terreno, por força do princípio dos direitos reais da especialização ou individualização, dando lugar a um crédito de compensação.</font><br> </p><p><font>Tem sido esta a orientação prevalecente na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, - e que aqui se acolhe - no sentido de que “ o valor da construção de um prédio urbano realizada por ambos os cônjuges, na vigência do seu casamento, celebrado no regime de bens de adquiridos, em imóvel pertencente a um só deles, deve ser relacionado, no inventário subsequente ao divórcio, como benfeitoria, por forma a que se opere a compensação devida ao património comum” (cf., por ex., Ac STJ de 27/1/1993, de 23/3/2004, 13/2/2014, de 16/12/2016, de 30/4/2019, de 6/5/2021, de 13/10/2022, disponíveis em www dgsi.pt ).</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>O acórdão recorrido seguiu a orientação doutrinária da Prof. Rita Xavier, aplicando o critério do art.1726 nº1 CC, pois entende que “o prédio foi adquirido ou construído em parte com dinheiro ou bens próprios – da recorrida – e outra parte com dinheiro comum”, pelo que determinou a avaliação para se saber o valor do terreno e o da casa.</font><br> </p><p><font>Contudo, não parece, com o devido respeito, que, no plano dogmático, seja a melhor solução.</font><br> </p><p><font>Em primeiro lugar, porque a aquisição a que se reporta o art.1726 nº1 CC (“os bens adquiridos”) não abrange, quer pelo elemento literal, histórico e sistemático, a construção ou edificação levada a efeito por ambos os cônjuges.</font><br> </p><p><font>Depois, uma interpretação que a partir da norma considere que a obra implantada no terreno constitui uma nova “unidade jurídica indivisível” (terreno e obra) esbarra com o princípio da tipicidade dos direitos reais (art.1306 CC) e o direito matrimonial não pode criar uma nova forma de aquisição do direito de propriedade ou uma modificação subjectiva do direito de propriedade.</font><br> </p><p><font>Na verdade, por força do princípio da individualização o direito de propriedade sobre o terreno passa também a incidir sobre a obra nele edificada, ou seja, o direito de propriedade abrange a totalidade da coisa modificada, e a nova obra não opera extinção do direito de propriedade pré-existente, nem dá lugar a um novo e autónomo direito de propriedade.</font><br> </p><p><font>Sendo assim, a edificação de obra (casa) por dois cônjuges, casados no regime de comunhão de bens adquiridos, em terreno próprio de um deles constitui benfeitoria e dá lugar a um crédito de compensação (um crédito do património comum sobre o património próprio) com vista à reposição do equilíbrio patrimonial, pois de outra forma haveria um injustificado enriquecimento sem causa. Para Menezes Leitão são aplicáveis as regras do enriquecimento sem causa ( art.473 CC) no caso de atribuições patrimoniais por um dos cônjuges ao outro, na constância do casamento, que não revistam a natureza de doação, por a respectiva causa jurídica se extinguir com a dissolução do matrimónio (O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, 1986, pág. 517).</font><br> </p><p><font>Neste contexto, procede a revista, revoga-se o acórdão da Relação e repristina-se a sentença da 1ª instância.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font> 2.3. -</font><b><font>Síntese Conclusiva</font></b><br> </p><p><font> A edificação de obra (casa) por dois cônjuges, casados no regime de comunhão de bens adquiridos, em terreno próprio de um deles, constitui benfeitoria e dá lugar a um crédito de compensação (um crédito do património comum sobre o património próprio) com vista à reposição do equilíbrio patrimonial, pois de outra forma haveria um injustificado enriquecimento sem causa.</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>III – DECISÃO</font><br> </p><p><font> </font><br> </p><p><font>Pelo exposto, decidem:</font><br> </p><div><br> <font>1)</font></div><br> <br> <font>Julgar procedente a revista e revogar o acórdão recorrido, ficando a vigorar o decidido na sentença da 1ª instância.</font><br
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font> </font> <p><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>I - RELATÓRIO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.1.- Os Autores: </font><b><font>- AA e mulher BB - </font></b><font>instauraram acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus - </font><b><font>CC e mulher DD (posteriormente os habilitados EE e mulher FF).</font></b> </p><p><font>Alegaram, em resumo:</font> </p><p><font>Os Autores são proprietários da fracção autónoma individualizada pela letra ..., correspondente a ..., destinado a habitação, do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia e concelho ... </font> </p><p><font>Os Réus são donos e legítimos possuidores da fração autónoma individualizada pela letra ..., correspondente a ... andar, destinado a habitação, do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz no número 913-B.</font> </p><p><font>O prédio urbano foi constituído em propriedade horizontal por Escritura de Justificação, Constituição de Propriedade Horizontal e Divisão do Cartório Notarial ... datada de 07 de Março de 1994 </font> </p><p><font>No título constitutivo os ali outorgantes acordaram submeter o prédio então inscrito na matriz sob o artigo ...55 – urbano- ao regime de propriedade horizontal com duas frações autónomas destinadas a habitação : a fração ..., ..., com a área de cento e doze metros quadrados, com cave a poente destinada a logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados; a ...” , ... andar com a área de cento e doze metros quadrados com cave a nascente destinada a arrumos com a área de trinta e três metros quadrados e logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados.</font> </p><p><font>Do título constitutivo constam 145 metros quadrados de área coberta e 480 metros quadrados de logradouro, sendo a área total de 625m2. </font> </p><p><font>Desde a data da sua constituição o título constitutivo de propriedade horizontal não foi alterado através de escritura pública.</font> </p><p><font>A área destinada a logradouro, designadamente aquela que se situa na parte de trás da casa de habitação, virada a norte, foi sempre uma área ampla, sem qualquer construção.</font> </p><p><font>A partir de meados do ano de 2014 (Julho) os Réus, sem o consentimento dos Autores, e sem qualquer ato deliberativo da Assembleia de Condomínio do prédio que a tal os habilitasse, iniciaram na parte de trás do logradouro do prédio construção nova de dois anexos com uma área total de cerca de 60m2. </font> </p><p><font>Num primeiro momento, os Réus levaram a cabo uma construção totalmente nova, em tijolo e cimento, de um anexo com cerca de 20m2 na parte de trás do logradouro, onde, como já se referiu, existia anteriormente um espaço amplo, sem qualquer edificação.&nbsp; Logo após, os Réus levaram a cabo uma segunda construção nova, em tijolo e cimento, com cerca de 40m2, imediatamente a seguir à construção a que se alude em 19º, no sentido e paralelamente, da casa dos Autores – que se situa no ... da área coberta do prédio-, e desenvolvendo-se paralelamente a esta </font> </p><p><font>Com a construção do segundo anexo, que foi acoplado ao primeiro, os Réus criaram um espaço construído novo, de cerca de 60m2.</font> </p><p><font>A construção nova foi implantada no logradouro do prédio, parcialmente, a parte lateral junto à edificação já existente ( área coberta).arejamento, iluminação natural e exposição prolongada à ação dos raios solares, violando as exigências do Regime Geral das Edificações Urbanas quanto às distâncias mínimas entre fachadas </font> </p><p><font>A conduta dos Réus ao construírem abusivamente um anexo no logradouro do prédio, alterando a sua linha arquitetónica e estética e ao porem em causa a segurança dos Autores é merecedora de censura e as suas consequências fazem-nos incorrer na obrigação de indemnizar os Autores e na obrigação de demolir as obras, repondo o status quo ante.</font> </p><p><font>Os Réus violaram, além de outros, o disposto no nº 2, alíneas a) e c), e nº 3 do artigo 1422º, e o artigo 1406º todos do Código Civil e ainda o RGEU.</font> </p><p><font>Pediram cumulativamente: </font> </p><p><font>“a) Deve o Tribunal declarar e reconhecer os AA. como donos exclusivos proprietários do prédio identificado em um e dois desta peça.</font> </p><p><font>b) Deve o Tribunal condenar os RR. a reconhecer os AA. como os únicos e exclusivos proprietários do prédio identificado em um e dois desta peça.</font> </p><p><font>c) Deve o Tribunal declarar e condenar os RR. a reconhecer que a parcela de logradouro a que se alude nos autos, nomeadamente nos artigos dezanove e vinte da P.I., ocupado pelos RR., é comum a ambas as frações e faz parte integrante do prédio constituído em propriedade horizontal descrito em 3., 12., e 13. desta peça.</font> </p><p><font>d) Deve o Tribunal declarar e condenar os RR. a reconhecer que, com as construções identificadas em dezanove e vinte desta peça, ocuparam uma parte da área destinada a logradouro no titulo constitutivo da propriedade horizontal.</font> </p><p><font>e) Deve o Tribunal declarar e condenar os RR. a reconhecer que, com as construções identificadas em dezanove e vinte desta peça, estes alteraram a linha arquitetónica, o arranjo estético e a segurança do prédio identificado em três desta peça.</font> </p><p><font>f) Deve o Tribunal declarar e condenar os RR. a reconhecer que com as obras identificadas em dezanove e vinte desta peça violaram as regras do REGEU relativamente às distâncias mínimas entre fachadas.</font> </p><p><font>g) Deve o Tribunal condenar os RR. a demolirem as obras que efetuaram, identificadas em dezanove e vinte desta peça, e a reporem o logradouro do prédio na situação anterior, no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença, que se reputa suficiente para o efeito.</font> </p><p><font>h) Deve o Tribunal condenar os RR. a absterem-se de utilizar o logradouro do prédio para outro fim que não o previsto no título constitutivo da propriedade horizontal.</font> </p><p><font>i) Deve o Tribunal condenar os RR. a pagar aos AA. a quantia de 2.500,00€ a título de danos patrimoniais.</font> </p><p><font>j) Deve o Tribunal condenar os RR. na sanção pecuniária compulsória à razão de 50,00€ por cada dia de atraso na reposição da situação anterior.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus contestaram, defendendo-se, em síntese:</font> </p><p><font>O prédio que hoje se encontra constituído no regime de propriedade horizontal, cujas ..." pertencem aos AA. e RR., respetivamente, pertenceu em tempos, na sua totalidade, aos avós maternos da A. mulher, sendo os mesmos avós paternos e da R. mulher, em virtude de entre estas (A. e R.) se verificar o parentesco no 4º grau da linha colateral.</font> </p><p><font>E, por óbito daqueles avós da A. e da R., foi o referido prédio transmitido em comum a seus filhos, GG, mãe da A. mulher e HH, pai da R. mulher.</font> </p><p><font>Ora, para pôr fim à comunhão do mencionado prédio, aqueles anteriores proprietários, mãe da A. e pai da R., decidiram constituir o prédio no regime da propriedade horizontal, sendo, como consta do título constitutivo da propriedade horizontal, não existem logradouros comuns, tendo cada uma das frações absorvido metade da área total do logradouro, que antes da divisão era de 480 m2. Segundo o título constitutivo, a cada uma das frações ficou a pertencer metade do logradouro existente antes da divisão. Na verdade, foi dividido em dois logradouros de 240 m2, ficando a pertencer cada um deles a cada fração</font> </p><p><font>Acresce que, desde a data em que foi celebrada a escritura de constituição da propriedade horizontal (1994) os pais da A. e os pais da R. usaram e fruíram exclusivamente o logradouro que pertencia a cada fração.</font> </p><p><font>E, de igual modo, o vêm fazendo os ulteriores proprietários, mais concretamente os AA. e RR., até à atualidade, publicamente, à vista de toda a gente, com a convicção de estar a exercer um direito próprio, sem prejudicar quem quer que seja, sem oposição de ninguém, inclusivamente os AA., pelo que, mesmo que outro título não houvesse, haviam adquirido o logradouro por usucapião, que para os devidos efeitos aqui se invoca </font> </p><p><font>As obras realizadas pelos RR. apenas se limitaram a reconstruir os anexos que então se encontravam velhos e bastante degradados, e não ocupam a área de 60 m2 como alegam os AA., mas apenas 43 m2 . Além disso, Autores têm perfeito conhecimento de que a garagem velha que se encontrava no logradouro dos RR. tinha um volume de construção bastante superior à atual, elevando-se acima do nível das janelas do alçado norte, pertencentes à fração dos AA., </font> </p><p><font>A reconstrução da garagem, com área inferior, veio até beneficiar a fração dos AA., permitindo-lhes usufruir das vistas que até então não tinham. Também a reconstrução dos anexos destinados a galinheiros e que agora se encontra transformado num anexo destinado a arrumos, veio beneficiar e valorizar significativamente o conjunto predial, em nada prejudicando qualquer direito de propriedade dos AA.</font> </p><p><font>Pelo que, as obras a que se referem os AA. foram realizadas pelos RR. na sua propriedade - o seu logradouro, em nada violando a propriedade dos AA., ou a propriedade comum do edifício.</font> </p><p><font>Assim, do que se alcança do título constitutivo, as únicas partes comuns à fração ..." e à Fração ..." são as paredes e o telhado, visto que os logradouros e anexos pertencem separadamente às referidas frações.</font> </p><p><font>As obras levadas a cabo pelos RR., no seu logradouro, encontram-se devidamente licenciadas pela autoridade administrativa, em estrita obediência às normas previstas pelo RMUA - Regulamento Municipal da Urbanização e Arquitetura e pelo RGEU - Regulamento Geral das Edificações Urbanas.</font> </p><p><font>Concluíram pela improcedência da acção e pela condenação dos Autores como litigantes de má fé, no pagamento de uma multa exemplar e indemnização a favor dos Réus, em quantia não inferior a € 2 500,00.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.2. Realizada audiência de julgamento, foi</font><b><font> proferida (2/11/2021) sentença que decidiu:</font></b> </p><p><font>“Pelos motivos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:</font> </p><p><font>Declarar os AA. como donos e exclusivos proprietários da Fração ... identificada nos factos provados.</font> </p><p><font>Condenar os RR. a reconhecer os AA. como os únicos e exclusivos proprietários da Fração ... identificada nos factos provados.</font> </p><p><font>Condenar os RR a demolirem a garagem e o anexo, com uma área coberta de 42,2m2, que edificaram no logradouro da sua fração, no prazo de 60 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença.</font> </p><p><font>Condenar os RR a pagar aos autores a quantia de mil euros a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.</font> </p><p><font>Absolver os RR do demais peticionando pelos AA.</font> </p><p><font>Julgar improcedente o pedido de condenação dos autores e dos réus como litigantes de má-fé.</font> </p><p><font>Custas da ação a cargo dos autores e réus, na proporção de 1/5 para os autores e 4/5 para os réus.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.3. Os Réus recorreram de apelação e </font><b><font>a Relação, por acórdão de 24/3/2022, decidiu:</font></b> </p><p><font>“Julgar procedente o recurso interposto pelos RR., revogando-se, em consequência, a decisão que condenou os RR. a demolir a garagem e o anexo, com uma área coberta de 42,2m2, que edificaram no logradouro da sua fracção, e a pagar aos autores a quantia de mil euros a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros, à taxa legal, desde a a citação até integral pagamento, no mais se mantendo o decidido.”</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.4.- Inconformados,</font><b><font> os Autores recorreram de revista, </font></b><font>com as seguintes conclusões:</font> </p><p><font>1) Não constando das duas actas da audiência de julgamento a junção das plantas a que se refere o douto acórdão recorrido para justificar a modificação do ponto 11 dos factos provados fundamentando, ainda, aquela modificação naquilo a que se afigura aos recorrentes tratar-se de um lapso da leitura das fotografias 9,10,11, parece que o Tribunal da Relação deu como provado um facto sem que se tenha produzido a prova indispensável para a sua existência. Deve ser reposto o ponto 11 dado por provado pela 1ª instância.</font> </p><p><font>2) O ponto 17 tal como foi concebido pela 1ª instância não se afigura como um verdadeiro facto, mas sim como matéria conclusiva que envolve juízos de direito. Por se tratar de matéria de direito deve esse Supremo Tribunal dar tal “facto” por não escrito, eliminando-o da matéria de facto.</font> </p><p><font>3) Ao dizer-se, na modificação da matéria de facto do ponto 19 operada pela Relação, que, com a construção executada pelos RR, o aspecto da garagem e anexos ficou favorecido em relação ao da anterior garagem e galinheiros o douto acórdão incorre em juízo conclusivo que não deve figurar na matéria de facto.</font> </p><p><font>4) A construção levada a cabo pelos RR e as suas dimensões enquadradas na globalidade do edifício é que permite, na fundamentação da decisão, concluir, ou não, pela alteração estética do edifício. Aquele ponto 19 deve permanecer na versão dada pela 1ª instância.</font> </p><p><font>5) Por não justificar a sua decisão quanto à modificação do ponto 24 agora dado por não provado inexistindo, também, qualquer exercício crítico sobre aquela matéria, o douto acórdão viola o disposto no art. 154 CPC. Deve aquele ponto regressar aos factos dados por provados.</font> </p><p><font>5) As obras levadas a cabo pelos RR constituem uma violação grosseira e inadmissível do estatuto real do condomínio a que estão sujeitos os condóminos titulares das frações ... e ... identificadas nos autos e ainda as normas de direito privado a que estão sujeitos proprietários ou comproprietários de coisas imóveis.</font> </p><p><font>6) A propriedade horizontal é uma mistura de propriedade singular e compropriedade que implica o estabelecimento de especiais relações de vizinhança entre os condóminos a um ponto tal que há que fixar o estatuto real de direitos e deveres, encargos e fruições de que gozam aqueles.</font> </p><p><font>7) É o pacto constitutivo do condomínio que fixa todas as regras, os direitos e deveres de cada condómino aos quais terão de se adicionar todas as normas imperativas da lei civil, que nem o pacto pode sequer derrogar.</font> </p><p><font>8) No caso dos autos está constituída a propriedade horizontal por escritura pública. Do título constitutivo consta que o prédio então inscrito na matriz sob o artigo 455 – urbano – é constituído por duas fracções autónomas destinadas a habitação: a fracção ... ..., com a área de cento e doze metros quadrados, com cave a poente destinada a arrumos com a área de 33 metros quadrados e logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados; a fracção ..., ... andar com a área de cento e doze metros quadrados com cave a nascente destinada a arrumos com a área de 33 metros quadrados e logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados – facto provado nº 7.</font> </p><p><font>10) Desde a data da sua constituição o título constitutivo de propriedade horizontal não foi alterado através de escritura pública – cfr. ponto nº 10 dos factos provados.</font> </p><p><font>11) O prédio dos autos, de acordo com o título constitutivo tem uma área de 625m2, dos quais 145m2 de área coberta e 480 m de área descoberta, sendo esta última o somatório dos logradouros que o título afeta às frações ... e ... (240m2, cada) e, portanto, necessariamente, área não construída.</font> </p><p><font>12) Resulta dos factos provados – cfr facto provado nº 12 – que no logradouro da fração ... os RR, sem o consentimento dos AA e sem qualquer ato deliberativo da assembleia de condomínio, construíram uma garagem e um anexo com uma área total de cerca de 42,2m2. Face a esta matéria provada, foi adicionada ao logradouro uma área coberta de 42,2m2 em clara violação do título constitutivo daquela propriedade horizontal. Ou seja, a área coberta total (física) do prédio é, atualmente, de 187,2m. </font> </p><p><font>13) Em conclusão, com a sua conduta os RR alteraram totalmente a propriedade horizontal, incorrendo na violação do disposto no artº 1419º do Código Civil.</font> </p><p><font>14) As obras feitas no logradouro diminuíram-lhe a área, construindo novas divisões, alterando a configuração do mesmo logradouro e, consequentemente, alterando a configuração do próprio edifício, globalmente considerado.</font> </p><p><font>15) Perante a matéria dada por provada – pontos 2, 3, 6, 7, 8 a 16 e 19 a 23 – podemos concluir estarmos face a uma modificação substancial da coisa. Donde, tais obras violam o artº 1425º, nº 1 CC.</font> </p><p><font>16) Se este não vier a ser o douto entendimento desse Supremo Tribunal, a verdade é que, excluindo-se da previsão do artº 1425º do CC as obras executadas pelos RR, então, tais obras estarão sempre proibidas pela previsão do artº 1422º do CC.</font> </p><p><font>17) De igual modo, tais obras – as descritas na matéria de facto dada por provada, independentemente de esse Venerando Tribunal sufragar ou não as alterações propostas em sede de violação de normas processuais – violam Regime Geral das Edificações Urbanas, nomeadamente os artigos 59º, 60º, 73º, 74º, 75º, 76º.</font> </p><p><font>18) Tendo sido dado por provado que as obras aumentaram em cerca de 42, 2m2 – cfr. ponto 12 dos factos assentes – a volumetria do edifício, é forçoso concluir-se pela sua alteração física e, naturalmente, pela modificação da sua linha arquitetónica o que remete para a sua alteração estética.</font> </p><p><font>19) Contrariamente ao decidido pelo acórdão recorrido, o que está em causa nas obras executas pelos RR não é a estética do logradouro da sua fração .... O que está em causa é a linha arquitetónica e a estética de todo o imóvel. E aqui, nasceu uma obra nova com pelo menos 42, 2 m2 cuja fachada se situa ao nível da janela do quarto e da varanda dos AA </font> </p><p><font>20) A questão da segurança de um edifício haverá de ser globalmente considerada e não parcelarmente considerada, como erradamente o fez o douto acórdão recorrido. Estando assente que a distância entre fachadas – obra nova e edifício das duas frações – se cifra em 86 cm (ponto 23 factos assentes) isto possibilita a conclusão de que o logradouro que ainda existe e a parte traseira da fração dos AA ficaram enclausuradas sem as condições de acesso exigido para a eventualidade de um socorro, não cabe, ali, sequer, uma maca, não permitindo também o acesso de equipamento, em caso de emergência. Situação que viola flagrantemente o RGEU, artigos 59º, 60º e 73º.</font> </p><p><font>21) A construção de obras num espaço que, segundo o título constitutivo, está destinado a logradouro, obras de volumetria não inferiores a 42,2m2, viola o disposto no artigo 1422º, nº 2, alínea c) do CC.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Réus contra-alegaram no sentido da improcedência do recurso.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>II - FUNDAMENTAÇÃO</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2.1.- </font><b><font>O objecto do recurso</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>As questões essenciais submetidas a revista, delimitada pelas conclusões, são as seguintes:</font> </p><p><font>Violação das regras processuais.</font> </p><p><font>As obras efectuadas no logradouro da fracção dos Réus ( fracção ...))( violação dos arts.1419, 1422 nº2 a e nº3, 1425 CC, e do RGEU).</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2.2. – </font><b><font>Os factos provados</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>1.- Por escritura de habilitações e partilha outorgada no Cartório Notarial ... em 15 de julho de 2005, foi adjudicada à Autora mulher a fração autónoma individualizada pela letra ..., correspondente a ..., destinado a habitação, do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia e concelho ..., conforme certidão junta com a petição inicial como documento n.º ..., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.</font> </p><p><font>2.- O prédio identificado em 1º encontra-se inscrito a favor dos AA. na matriz predial urbana sob o artigo ...92- Fração ... e descrito na conservatória no número ...13..., conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.</font> </p><p><font>3.- E encontra-se constituído no regime da propriedade horizontal por Escritura Notarial de Justificação, Constituição de Propriedade Horizontal e Divisão, outorgada no Cartório Notarial ... em 07 de março de 1994 e inscrita na Conservatória do Registo Predial ... pela inscrição .... de 29 de junho de 2005, conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.</font> </p><p><font>4.- Há mais de 10, 20, 30, 40 e mais anos que os AA., por si e antepossuidores, sem qualquer interrupção ou hiato temporal, à vista e com o conhecimento de todos, de boa fé, pacificamente, já que nunca ninguém se opôs, possuem a dita Fração ..., habitando-a, recebendo visitas e amigos, fazendo reparações e restauros, tratando do respetivo jardim, suportando todas as contribuições e impostos que sobre a mesma incidem, na convicção de que são seus proprietários.</font> </p><p><font>5.- Essa fração esta registada a favor dos AA..</font> </p><p><font>6.- Os RR. são donos e legítimos possuidores da fração autónoma individualizada pela letra ..., correspondente a ... andar, destinado a habitação, do prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...92... e descrito na conservatória no número 913-B.</font> </p><p><font>7.- No título constitutivo da propriedade horizontal consta que o prédio então inscrito na matriz sob o artigo 455 – urbano- é constituído por duas frações autónomas destinadas a habitação:</font> </p><p><font>- a fração ..., ..., com a área de cento e doze metros quadrados, com cave a poente destinada a arrumos com a área de 33 metros quadrados e logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados; </font> </p><p><font>-a ...” , ... andar com a área de cento e doze metros quadrados com cave a nascente destinada a arrumos com a área de trinta e três metros quadrados e logradouro com a área de duzentos e quarenta metros quadrados.</font> </p><p><font>8.- AA. e RR. são os titulares da totalidade do prédio urbano mencionado, cabendo aos primeiros a Fração ... e aos segundos a fração ..., com uma permilagem de 500 a cada, conforme documentos n.ºs ... e ... juntos com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.</font> </p><p><font>9.- Do título constitutivo constam 145 metros quadrados de área coberta e 480 metros quadrados de logradouro, sendo a área total de 625m2. </font> </p><p><font>10.- Desde a data da sua constituição o título constitutivo de propriedade horizontal não foi alterado através de escritura pública.</font> </p><p><font>11.- </font><a></a><font>A área destinada ao logradouro da fracção ..., onde hoje se encontram as actuais construções, era anteriormente ocupada parcialmente por uns galinheiros e uma garagem mais à frente da actual, a um nível mais elevado, tapando a janela da fracção dos AA. e a abertura existente na cave, o que agora já não se verifica, apesar de outras serem as suas dimensões.</font> </p><p><font>12.- Sucede que, em finais do ano de 2014 (julho) os RR., sem o consentimento dos AA. e sem qualquer ato deliberativo da assembleia de condomínio do prédio que a tal os habilitasse, construíram uma garagem e um anexo com uma área total de cerca de 42,2m2, no logradouro da fração ....</font> </p><p><font>13.- A distância do nível do chão da fração dos RR até à parte mais baixa do telhado da garagem é de 2,50 metros.</font> </p><p><font>14.- Entre o beiral da cobertura do telhado da garagem contruída pelos RR ao parapeito da janela e aos pisos das varandas, situados a norte/nascente da habitação dos AA. é de 98 cm e 56 cm, respetivamente.</font> </p><p><font>15.- A cobertura da garagem construída pelos RR, ao nível do beiral (parte mais baixa) encontra-se a aproximadamente 9 cm da cota do pavimento do quarto da fração dos AA,</font> </p><p><font>16.- na parte mais alta, essa cobertura da garagem encontra-se aproximadamente a 97 cm acima da cota do pavimento do quarto da fração dos AA.</font> </p><p><font>19. - Com a construção executada pelos RR. o aspecto da garagem e anexos ficou favorecido em relação ao da anterior garagem e galinheiros que existiam no logradouro.</font> </p><p><font>20.- Essa construção desenvolve-se paralelamente à fração dos AA e numa extensão de 3m48 metros.</font> </p><p><font>21.- A distância entre o beiral da cobertura da garagem e o piso da varanda da habitação dos AA é de 56 cm,</font> </p><p><font>22.- … e a distância desse beiral da cobertura da garagem ao peitoril da janela do quarto da habitação dos autores é de 98 cm.</font> </p><p><font>23.- A distância entre a parede da garagem construída pelos RR e a fachada do prédio dos AA e RR é de 86 cm.</font> </p><p><font>25.- A conduta dos RR causou arrelias, tristeza e desgosto aos autores.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2.3. </font><b><font>Os factos não provados</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>11.- A área destinada ao logradouro da fração ..., designadamente aquela que se situa na parte de trás da casa de habitação dos autores, virada a norte, foi sempre uma área ampla, sem qualquer construção das dimensões daquelas agora existentes.</font> </p><p><font>17.- A obra executada pelos RR não cumpre o projeto apresentado na Câmara Municipal ....</font> </p><p><font>18.- A construção realizada pelos RR pode facilitar a intromissão na fração dos autores devido à proximidade da cobertura desta em relação a essa fração.</font> </p><p><font>24.- Os AA. sentiram-se totalmente desautorizados pelos RR. quanto às alterações no seu prédio.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>2.4. – </font><b><font>A violação das regras processuais:</font></b> </p><p><font> </font> </p><p><font>O nosso modelo processual contém a garantia do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, pois o Tribunal da Relação pode reapreciar o julgamento da matéria de facto e alterar a decisão da 1ª instância nas situações previstas no art.662 nº1 CPC ( als a), b) e c) do nº1 do anterior art.712 do CPC).</font> </p><p><font>O Tribunal da Relação no âmbito de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto tem autonomia decisória que lhe permite formar a sua própria convicção (livre valoração) reapreciando não só os meios probatórios constantes do processo, como determinar a renovação ou a produção de novos meios de prova. </font> </p><p><font>Contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova (art.607 CPC) o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo. O que se torna necessário é que no seu livre exercício da convicção, a Relação (tal como a 1ª instância) indique os fundamentos suficientes (convicção motivada) para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto como provado ou não provado, possibilitando, assim, um controle sobre a racionalidade da própria decisão (concepção racional da prova).</font> </p><p><font>Decorre directamente da lei e está consolidada na jurisprudência a afirmação de que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de direito e não julga de facto, a não ser em situações excepcionais, conforme impõe o art.46 da Lei nº62/2013 de 26/8.</font> </p><p><font>Na verdade, o art.662 nº4 do CPC é claro e imperativo ( “ Das decisões da Relação previstas nos nº1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” ), bem como o disposto no art.674 nº3 ( primeira parte) CPC ( “ O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista” ) e ainda o art.682 nº2&nbsp; CPC (“ A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº3 do artigo 674” ).</font> </p><p><font>Por isso, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está limitada aos casos previstos no art.674 nº3 ( 2ª parte) e 682 nº3 CPC, ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ( isto é, violação das regras direito probatório material) , reenvio do processo para ampliação dos factos ( devido ao vício da insuficiência )ou contradições na decisão da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica.</font> </p><p><font>Daqui resulta que o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir no juízo que a Relação faz com base na reapreciação dos meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação, como os depoimentos testemunhais, documentos sem força probatória plena ou uso de presunções judiciais.</font> </p><p><font> </font> </p><p><font>Os Recorrentes alegam que a Relação julgou provados os factos descritos nos pontos 11 e 24 sem fundamentação devida.</font> </p><p><font>Esta alegação não tem qualquer consistência, pois, conforme resulta do acórdão, a Relação fundamentou ambos os pontos, de forma desenvolvida. Verifica-se que, ao fim e ao cabo, o que pretendem é a alteração dessa factualidade, mas como já se anotou a revista não se destina a tal desiderato.</font> </p><p><font>A Relação alterou o ponto 19, dando-lhe a seguinte redacção</font><a></a><font> - “Com a construção executada pelos RR. o aspecto da garagem e anexos ficou favorecido em relação ao da anterior garagem e galinheiros que existiam no logradouro”.</font> </p><p><font>A Relação justificou a alteração de facto, nos seguintes termos:</font> </p><p><i><font>“No tocante à matéria vertida nos pontos 18 e 19, dos factos provados, onde consta, respectivamente, que a construção realizada pelos RR pode facilitar a intromissão na fracção dos autores devido à proximidade da cobertura desta em relação a essa fracção e que a construção executada pelos RR altera a estética do edifício, o tribunal a quo não referiu quais os factos ou circunstâncias que teve em consideração para concluir como o fez nesses pontos. </font></i> </p><p><i><font>Ora, as testemunhas inquiridas a esta última matéria foram unânimes em afirmar que a obra executada esteticamente ficou melhor (depoimento do arquitecto II e das testemunhas JJ, KK, LL e MM), afirmando o próprio perito, nos esclarecimentos ao relatório pericial, que a aparência melhorou, pois trata-se de uma construção nova e que, considerando a garagem, a harmonia do edifício ficou beneficiada, quer devido ao maior afastamento em relação ao alçado principal, bem como ao facto da cobertura da garagem nova se encontrar a uma cota mais baixa do que que a cota da cobertura da garagem pré-existente, o que, aliás, é confirmado pelas já referidas plantas (e de fls. 118 e 119) e confronto entre as fotos de fls. 113/127 com as de fls. 121 a 123 e 187/188. </font></i> </p><p><i><font>Por outro lado, apesar das testemunhas NN e OO terem referido o facto da obra se encontrar muito próxima da varanda da fracção dos AA, receando estes maiores facilidades de acesso à mesma, o facto é que, como o esclareceu o Sr. Perito (apesar de referir que a construção pertencente aos RR. pode facilitar a intromissão na fracção dos AA. devido à proximidade da cobertura desta em relação à fracção dos AA.), a própria cobertura não é de fácil acesso sem recurso a uma escada ou outro meio de elevação. </font></i> </p><p><i><font>Assim sendo, não se vê como é que a construção edificada pelos RR. facilita a intromissão na fracção dos AA., se para aceder à varanda destes se tem também de recorrer a uma escada ou outro meio de elevação, tal como se teria de utilizar um desses meios para se aceder à construção dos RR., ou seja, para que é que alguém iria aceder à construção dos RR. para se infiltrar no espaço dos AA. se para tal bastava utilizar o mesmo meio para se acede
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <font>ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:</font><br> <br> <font> Nos presentes autos de providência cautelar de arresto instaurados por AA e BB contra os requeridos CC, DD, EE e FF, foi por estes interposto recurso de agravo do despacho que indeferiu o seu pedido de notificação da «Caixa Económica Montepio Geral» para juntar aos autos os elementos indicados, a final, na oposição ao arresto, tendo o Tribunal da Relação do Porto, dando provimento ao agravo, revogado a decisão recorrida, para ser substituída por outra que determine a notificação da dependência bancária em causa no sentido de fornecer os elementos documentais referidos no requerimento de prova da oposição.</font><br> <font>Entretanto, os requeridos, invocando que, posteriormente à interposição do recurso, requereram os aludidos documentos, no Processo n°1.484/08.4TJPRT, do 3° Juízo Cível, 2a Secção, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, em que as partes são as mesmas, pedido esse que lhes foi deferido e por força do qual tiveram acesso aos documentos em causa, designadamente, aos extractos bancários e cópia dos respectivos cheques do Montepio Geral, que já foram, inclusivamente, juntos, em sede de audiência preliminar, na acção principal da providência dos autos, que aguarda marcação de data para a audiência de discussão e julgamento, sustentam que o recurso de agravo se tornou, supervenientemente, inútil.</font><br> <font>Além de que, tendo em conta que a procedência do recurso dos requerentes, tal como foi decidido no douto acórdão, determina a anulação de todo o processado posterior, deverão ser efectuadas novas diligências no procedimento cautelar, o que conduzirá a que a respectiva decisão a proferir seja posterior à decisão de fundo, dada a fase actual em que se encontra a acção principal.</font><br> <font>Sendo certo, continuam os requeridos, que a inutilidade superveniente da lide resulta, também, do facto de a decisão proferida na providência cautelar ter decretado o levantamento do arresto, sem prejuízo de os requerentes "não deverem ser impedidos de exercer o seu direito de fazer prova de que o crédito dos arrestantes não existe”.</font><br> <font>Os requerentes, pronunciando-se sobre o pedido de desistência, entendem que, julgado o recurso, fica esgotado o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria da causa, sendo, por isso, intempestiva a desistência e inconstitucional a interpretação que lhe dê cobertura.</font><br> <font>Em novo acórdão, a Relação do Porto confirmou o despacho da Exª Relatora, que julgou válida a desistência do recurso apresentada pelos arrestados.</font><br> <font>Deste acórdão, os requerentes interpuseram recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que não admita a desistência do recurso apresentada pelos requeridos, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:</font><br> <font>1ª – Proferida decisão final, no caso, acórdão do competente Tribunal da Relação do Porto, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal "a quo" nos termos do art° 666º n° 1 do CPC, ex vi art° 716º n° 1 do mesmo Código.</font><br> <font>2ª - Daí que, tendo o Tribunal da Relação julgado o recurso, não possa de novo, pronunciar-se sobre ele, e muito menos aceitar desistência do recurso que lhe deu origem.</font><br> <font>3ª - Só pode haver desistência do recurso interposto até este ser concluso ao relator.</font><br> <font>4ª - No âmbito dos presentes autos, foram interpostos dois recursos - um pelos requeridos, recorrentes, na pendência da audiência de julgamento; e outro pelos requerentes da decisão final.</font><br> <font>5ª - A decisão que se pretende colocar em crise - o Acórdão da Relação do Porto de fls. - versou sobre ambos os recursos.</font><br> <font>6ª -</font><b><font> </font></b><font>Simplesmente, decidiu as questões colocadas pela ordem que a Lei manda e daí que, face à decisão proferida, considerasse precludida a necessidade/interesse/conveniência de proceder à apreciação das restantes questões.</font><br> <font>7ª - E daqui resulta não estar na disponibilidade dos recorrentes desencadear um mecanismo de desistência (a posteriori) que destrua tal decisão.</font><br> <font>8ª - Porquanto ela não é do seu exclusivo interesse, é também do interesse dos recorridos.</font><br> <font>9ª - Assim a desistência do recurso, com os efeitos que pretendem os requerentes sempre resultaria num acto de disposição de interesses pelos recorrentes, de que não podem dispor,</font><b><font> </font></b><font>e que não são exclusivamente seus.</font><br> <font>10ª - Violou assim, o douto Acórdão recorrido, por erro de interpretação os art°s 2º, 3º, 3º-A, 291º,</font><b><font> </font></b><font>293º, 300º, 666º, 716º, do CPC, 1249º do Cod. Civil, 12º, 13º, 16º, 17º, 18º, 20º, 202º, 204º e 205º da CRC.</font><br> <font>Nas suas contra-alegações, os requeridos concluem que o presente recurso não deve merecer provimento, confirmando-se o acórdão recorrido.</font><br> <font> *</font><br> <font>Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.</font><br> <font>A única questão a decidir, no presente agravo, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do Código de Processo Civil (CPC), consiste em saber se é válida e operante a desistência do recurso depois de proferido o acórdão que o decidiu e antes do respectivo trânsito em julgado.</font><br> <br> <font>DA DESISTÊNCIA DO RECURSO ANTES DO TRÂNSITO DA DECISÃO JÁ PROFERIDA</font><br> <br> <font>Preceitua o artigo 681º, nº 5, do CPC, que “o recorrente pode, por simples requerimento, desistir livremente do recurso interposto”.</font><br> <font>Porém, após a prolação da decisão [sentença ou acórdão], que é o modo normal de extinção da instância, poderão ainda as partes desistir do recurso, oportunamente, admitido e já objecto de decisão, enquanto a mesma, naturalmente, não houver transitado em julgado?</font><br> <font>A desistência é uma das causas de extinção da instância, em conformidade com o disposto pelo artigo 287º, d), do CPC.</font><br> <font>E, aliás, uma causa anormal de extinção da instância, em que a relação jurídica substancial não pode continuar a subsistir, improcedendo o pedido formulado, por factos supervenientes.</font><br> <font>Porém, não se confunde a desistência do pedido ou da instância, a que aludem os artigos 37º, nº 2 e 293º a 301º, todos do CPC, com a desistência do recurso, porquanto aquela é um acto do autor e esta um acto do recorrente, que tanto pode ser o autor como o réu, além de que a parte que desiste do recurso apenas renuncia a um determinado acto do processo, que consiste no acto de impugnação da decisão proferida pelo Tribunal «a quo»</font><font> (1) </font><font>, e não à acção ou à instância, propriamente dita, porquanto a interposição do recurso não importa a constituição de uma nova instância</font><font> (2)</font><font>, ou a sua renovação.</font><br> <font>Enquanto que a desistência do pedido extingue o direito que se pretendia fazer valer, a desistência da instância apenas faz cessar o processo em que se instaurara, nos termos do disposto pelo artigo 295º, nºs 1 e 2, do CPC, já a desistência do recurso tem como consequência a consolidação da decisão recorrida, ou seja, o seu trânsito em julgado, equivalendo à aceitação da decisão proferida, com a única diferença quanto ao momento da pratica do acto pela parte que, no caso de aceitação, tem lugar antes da interposição do recurso e, na hipótese de desistência, depois dela.</font><br> <font>A instância de recurso é uma relação quadrangular em cadeia que liga entre si cada uma das partes a cada um dos tribunais envolvidos, ou seja, o Tribunal «a quo» e o Tribunal «ad quem».</font><br> <font>Efectivamente, sendo a desistência do pedido um acto unilateral de auto-composição da lide da iniciativa do autor, que extingue o direito que se pretendia fazer valer, é admissível, em qualquer estado da causa, podendo, portanto, ter lugar já depois de julgada a acção, em 2ª instância, contanto que a decisão não haja ainda transitado em julgado</font><font> (3) </font><font>.</font><br> <font>A desistência do pedido deve, porém, ser objecto de decisão do Juiz, que se pronunciará sobre a sua validade, nomeadamente, quanto à não afirmação da vontade das partes relativamente a direitos indisponíveis, por forma a fazer extinguir o direito que se pretendia fazer valer, em conformidade com o estipulado pelos artigos 293º, nº 1, 295º, nº 1, 296º, nº 2, 299º, nº 1, 300º, nºs 1, 2 e 3 e 301º, todos do CPC.</font><br> <font>Já é diverso e bem mais simplificado o regime da desistência do recurso, porquanto, consoante decorre do disposto pelo artigo 681º, nº 5, do CPC, o recorrente pode desistir, livremente, do mesmo, mediante simples requerimento.</font><br> <font>Assim sendo, a desistência do recurso não está sujeita a limitações, pois não depende do assentimento do recorrido, uma vez que o recurso interposto por uma parte não aproveita à parte contrária, em conformidade com o preceituado pelo artigo 682º, nº 1, do CPC, segundo o qual “se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável,…”.</font><br> <font> Quer isto dizer que o recorrente pode exercer, livremente, o direito de desistir do recurso, sem carecer da anuência, nem da contra-parte, nem do recorrente, subordinado ou adesivo, eventualmente, existente.</font><br> <font> Por outro lado, a lei não estabelece qualquer exigência de forma para a desistência do recurso, que pode exprimir-se, através de simples requerimento, ou por qualquer outro modo, processualmente, admissível</font><font> (4)</font><font>.</font><br> <font> Embora seja diverso o regime da desistência do pedido e da desistência do recurso, existe uma manifesta similitude nestas duas situações, porquanto em ambas o desistente abdica do exercício de um direito a que se arrogou, aquele a que visava o pedido formulado ou o recurso interposto</font><font> (5) </font><font>.</font><br> <font> O direito de recorrer como faculdade de submeter as decisões judiciais a uma nova apreciação, por um outro Tribunal</font><font> (6)</font><font>, que, eventualmente, as revogue ou altere, não se esgota no acto de interposição e de apresentação de alegações, mas, igualmente, no de abdicar a essa pretensão a uma nova reapreciação judicial, já porque, entretanto, se conformou com o decidido, já porque veio a obter, por outra via, o efeito que pretendia alcançar com o recurso, conforme vem alegado pelos recorridos.</font><br> <font>Sendo certo, de acordo com o disposto pelo artigo 666º, nº 1, do CPC, que proferida a sentença, fica, em princípio, imediatamente, esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, que já não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, ainda que adquira a convicção que errou</font><font> (7) </font><font>, ou seja, se já se extinguiu o «tempo do Tribunal», outrotanto ainda não aconteceu com o «tempo das partes», porquanto, para estas, a sentença ou acórdão só adquirem força obrigatória, dentro e fora do processo, com o respectivo trânsito em julgado, nos termos das disposições combinadas dos artigos 671º, nº 1 e 677º, do CPC, nada impedindo que, até então, o recorrente possa, por via de regra, exercer o seu direito de desistir do recurso que interpôs.</font><br> <font>E, sendo a desistência livre, em qualquer altura, tal significa que a mesma pode ser formulada, em qualquer estado da causa, enquanto não houver sentença com trânsito que ponha termo à instância</font><font> (8)</font><font>, subentendendo-se no conceito de julgamento o trânsito em julgado da decisão que pelo mesmo se atinge, pois que só com a decisão com trânsito em julgado se extingue a instância, atento o preceituado pelos artigos 671º, nº 1 e 677º</font><font> (9)</font><font>, que se mantém, mesmo depois da prolação do acórdão da Relação, de acordo com o disposto pelos artigos 666º e 716º, todos do CPC.</font><br> <font>Confirmando a Relação a decisão de indeferimento proferida pelo Tribunal de 1ª instância, no que respeita ao requerimento de produção de prova apresentado pelos requeridos, não colheu, naturalmente, a pretensão destes.</font><br> <font>Assim sendo, vindo os requeridos, posteriormente, a desistir do recurso do acórdão da Relação que desatendeu o seu requerimento e o agravo que interpuseram, mantém-se, de igual modo, aquela decisão da 1ª instância que, então, transita, vencendo a posição assumida pelos requerentes.</font><br> <font> Ora, porque o julgamento constante do acórdão da Relação não transitou em julgado, é válida e operante a desistência do recurso formulada pelos requeridos, após aquele ter sido lavrado, mas, anteriormente, à data do seu trânsito em julgado.</font><br> <font> Aliás, não subsistiria qualquer dúvida em como seria válida a desistência do eventual recurso de agravo continuado para este Supremo Tribunal de Justiça, mesmo depois de interposto ou admitido, pelo que mal se compreende que os requeridos não possam formular a desistência do recurso que já foi objecto de decisão pela Relação e que ainda não transitou. </font><br> <font>Improcedem, portanto, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações dos requerentes, não se mostrando violadas as disposições legais aludidas nas suas alegações ou outras de que, oficiosamente, cumpra conhecer.</font><br> <br> <font>CONCLUSÕES:</font><br> <br> <font>I - Não importando a interposição do recurso a constituição ou renovação de uma nova instância, a parte que desiste do mesmo apenas renuncia a um determinado acto do processo, que consiste no acto de impugnação da decisão proferida pelo Tribunal.</font><br> <font>II - A desistência do recurso tem como consequência a consolidação da decisão recorrida, ou seja, o seu trânsito em julgado, equivalendo à aceitação da decisão proferida, com a única diferença quanto ao momento da pratica do acto pela parte que, no caso de aceitação, tem lugar antes da interposição do recurso e, na hipótese de desistência, depois dela.</font><br> <font>III - Não aproveitando o recurso interposto por uma parte à parte contrária, a desistência do mesmo não está sujeita a limitações, pois não depende do assentimento do recorrido.</font><br> <font>IV – Mantendo-se a instância depois da prolação do acórdão da Relação e até ao respectivo trânsito em julgado que lhe ponha termo, a desistência do recurso pode ser, validamente, formulada, durante esse lapso temporal, pois que só com o julgamento aquela se extingue, e este pressupõe o respectivo trânsito.</font><br> <br> <font>DECISÃO:</font><br> <br> <font>Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao agravo e, em consequência, em confirmar, inteiramente, o douto acórdão recorrido.</font><br> <font> *</font><br> <font>Custas pelos requerentes.</font><br> <font> *</font><br> <br> <font> Notifique.</font><br> <font>Supremo Tribunal de Justiça, 2 de Fevereiro de 2010</font><br> <br> <font>Helder Roque (Relator) *</font><br> <font>Sebastião Póvoas</font><br> <font>Moreira Alves</font><br> <font>_______________</font><br> <font>(1) Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, volume 3º, 1946, 510.</font><br> <br> <font>(2) </font><font>Barbosa de Magalhães, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, 271.</font><br> <br> <font>(3) STJ, de 4-7-1996, CJ (STJ), Ano IV (1996), T3, 7; Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Iuris, 2009, 168.</font><br> <br> <font>(4) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 283 e 284.</font><br> <br> <font>(5) STJ, de 4-7-1996, CJ (STJ), Ano IV (1996), T3, 7.</font><br> <font>(6) Palma Carlos, Direito Processual Civil, Dos Recursos, Edição da AAFDL, 1963, 3.</font><br> <br> <font>(7) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V, 1981, 126.</font><br> <font>(8) STJ, de 17-6-87, BMJ nº 368, 508; e STJ, de 23-7-74, BMJ nº 239, 158.</font><br> <font>(9)Castro Mendes, Manual de Processo Civil,145.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:<br> Foi instaurada por A, no 1. Juízo Cível de Santo Tirso, acção com processo especial para interdição por anomalia psíquica de sua mãe B.<br> Frustrada a citação pessoal desta, foi designado como curador provisório o seu filho C, o qual, citado nessa qualidade, veio aos autos dizer, em requerimento por si assinado, que não contestava a acção visto serem indiscutíveis a incapacidade de sua mãe e a necessidade de se providenciar quanto à pessoa e aos bens.<br> Foi ordenado o prosseguimento dos autos, designadamente com a realização de exame pericial - cfr. despacho de fls. 16.<br> Veio depois aos autos, espontaneamente, a Senhora Delegada do Procurador da República para arguir a nulidade de todo o processado após a petição inicial, nos termos do artigo 194, alínea b), do CPC - diploma ao qual pertencerão todas as normas que adiante referirmos sem outra identificação -, visto se não ter procedido à sua citação nos termos do artigo 947, n. 1, face à falta de contestação por parte do curador provisório.<br> E, ao mesmo tempo, apresentou contestação, na sua invocada qualidade de parte principal.<br> A Senhora Juíza entendeu que, perante a posição tomada nos autos pelo curador provisório nomeado à requerida, a intervenção do Ministério Público não tinha fundamento, pelo que indeferiu a arguição de nulidade por falta de citação e fez prosseguir a marcha do processo sem ser considerada a contestação apresentada por aquela magistrada.<br> Houve agravo, fixando-se-lhe subida diferida.<br> A final foi proferida sentença que declarou a interdição da requerida, a qual foi seguida de despacho em que à requerida, assim declarada incapaz, foi nomeada como tutora a requerente, sua filha A.<br> Apelou o Ministério Público, sendo a este fixado o efeito meramente<br> devolutivo.<br> A Relação do Porto proferiu acórdão em que, dando provimento ao agravo, julgou procedente a arguição da nulidade por falta de citação do Ministério Público, anulou todo o processo a partir do despacho que, no seguimento do requerimento em que o curador provisório disse não contestar, determinou o prosseguimento da acção, incluindo a sentença, e mandou que se ordenasse a citação do Ministério público para contestar em representação da requerida, com o subsequente processamento legal.<br> A requerente A, inconformada, agravou para este STJ e, alegando para pedir a revogação do acórdão recorrido, formulou as seguintes conclusões:<br> I- Encontrando-se irrefutavelmente provado nos autos que a requerida se encontra incapaz de reger a sua pessoa e bens, e não pondo sequer o Ministério Público em causa essa situação, seria absurdo - e representaria dar absoluta e injustificada prevalência ao ritualismo processual sobre o fundo da questão, à justiça formal sobre a justiça material - o anular-se o processado com base na falta de citação do Ministério Público como parte principal, para lhe possibilitar contestar um pedido que ele não irá contestar;<br> II- A regra do artigo 201, n. 1, do CPC - de que só existe nulidade quando a falta cometida possa influir no exame ou na decisão da causa - deverá ser tida como princípio geral e aplicar-se ao caso em que a falta de citação do Ministério Público como representante para o incapaz, e não àqueles em que o tribunal adquiriu, já os elementos necessários para a procedência do pedido, no interesse do incapaz, como é o caso de se terem realizado os exames médicos e demais diligências que comprovam a necessidade da interdição da incapaz;<br> III- A não anulação do processado, evitando repetição de actos e delongas absolutamente incompatíveis com o interesse do incapaz, não impede o Ministério Público de, em sua representação, requerer as mais medidas que entender adequadas para protecção dos interesses daquele;<br> IV- Consequentemente, a falta de citação do Ministério público não deverá determinar, neste caso, a anulação do processado até ao decretamento da sentença de interdição;<br> V- De qualquer modo, uma vez constituído mandatário judicial no processo à incapaz pelo seu curador provisório, o Ministério Público apenas passará a ter intervenção acessória, nos termos do artigo 947, n. 2, do CPC;<br> VI- Por outro lado, a falta de vista do Ministério público como parte acessória sempre ficará sanada, nos termos do artigo 200, n. 1, do CPC, a partir do momento em que tal mandatário faça valer os seus direitos no processo;<br> VII- Consequentemente, junta procuração do curador provisório constituindo mandatário forense à requerida e intervindo este no processo em sua representação sempre estará sanada qualquer nulidade consequente à falta de intervenção do Ministério Público.<br> Houve contra-alegações apresentadas em nome da requerida, subscritas por advogado que entretanto fora constituído pelo curador provisório. Nelas se defendeu também estar sanada a falta de citação do Ministério Público.<br> Também contra-alegou o Ministério Público, defendendo a orientação seguida no acórdão recorrido.<br> Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.<br> Constam do relatório que antecede as ocorrências de facto que interessam para a decisão deste recurso.<br> A Relação entendeu que houve omissão indevida da citação do Ministério Público dada a falta de contestação por parte do curador provisório nomeado à requerida e que essa omissão produziu a nulidade a que se referem os artigos 194, alínea a), 195, alínea a) e 204, n. 2, do CPC - diploma ao qual pertencerão as normas que adiante forem citadas sem outra menção -, com a consequente necessidade de anulação do processado posterior e realização da citação em falta.<br> A recorrente não contesta a ocorrência daquela omissão indevida mas vem defender que, no caso, ela não produz aquela nulidade.<br> Mas as razões que aduz nesse sentido não colhem.<br> Ao mesmo tempo que arguiu a nulidade da falta de citação o Ministério Público ofereceu a sua contestação, sendo explícito ao concluir no sentido de que deveriam salvar-se apenas a petição inicial e essa contestação; e, em sede de mérito, afirmou desconhecer os factos alegados para demonstração da incapacidade da requerida.<br> Tendo os autos continuado sem que neles fosse admitida a intervenção do Ministério Público - que, aliás, deveria ocupar então a posição de parte principal -, é evidente que não pode dizer-se que está irrefutavelmente provada nos autos aquela incapacidade; basta atentar em que a prova produzida a tal respeito não foi produzida com possibilidade de intervenção por parte de quem nos autos deveria ter intervindo como parte principal, o que inquina o respectivo processado e os seus resultados.<br> A anulação do processado mostra-se, portanto, indispensável para que a instrução decorra com o devido contraditório.<br> E a demora que daí resultar não causará prejuízos para a requerida, a não ser por inércia de quem pode zelar pelos seus interesses, visto que sempre poderá lançar-se mão da faculdade conferida pelo artigo 953, a articular com o artigo 142 do CCIV.<br> O que basta para evidenciar a improficiência das conclusões I a IV.<br> Esgrime a recorrente ainda com a circunstância de o curador provisório haver constituído advogado.<br> Vejamos.<br> A redacção dada pela Lei 60/98, de 27 de Agosto, ao artigo 5 da Lei 47/86, de 15 de Outubro - Lei Orgânica do Ministério público - não era ainda a aplicável quando o presente processo foi instaurado; a sua instauração teve lugar em 16 de Abril de 1997, tendo a sua subida á Relação ocorrido em 15 de Julho de 1998.<br> Valia então a redacção inicial desse preceito, de acordo com a qual o Ministério Público tem intervenção principal nos processos quando representa incapazes - alínea c) do n. 1 - e intervém acessoriamente quando um incapaz é interessado na causa, e também nos demais casos previstos na lei - alínea a) e b) do n. 4. Aliás, nestes pontos a nova redacção não introduziu regime diferente.<br> Em consonância com estas soluções o artigo 947, n. 1 - redacção introduzida pela reforma processual de 1995/96 - prevê a citação do Ministério Público, por aplicação do artigo 15, quando não houver contestação por parte do curador provisório; e o n. 2 estatui que, sendo constituído mandatário judicial por este curador provisório, o Ministério público apenas terá intervenção acessória.<br> E esta intervenção acessória processa-se em termos que estão definidos no artigo 334, de que ressalta a possibilidade de exercício dos poderes que a lei processual confere à parte acessória.<br> Que poderes são estes?<br> Na subsecção II epigrafada de "Intervenção acessória", com início no artigo 330, a lei processual civil distingue, em três divisões, entre a intervenção provocada, a intervenção acessória do Ministério Público e a assistência.<br> Esta última é a única que tem na lei uma regulamentação pormenorizada do seu regime.<br> Na intervenção provocada, correspondente ao antigo chamamento à autoria, dá-se ao chamado o estatuto do assistente - artigo 332, n. 1.<br> Assim, quando o artigo 334, n. 2, concede ao Ministério Público os poderes que cabem à parte acessória, isso significa que também aqui o estatuto processual do assistente é o que deve ser tido como matriz básica da sua actuação, embora com as adaptações impostas pelas menções especiais que em concreto se encontram nos seus ns. 3 e 4.<br> Ora bem.<br> A intervenção do Ministério Público nestes autos deveria, como já ficou dito, ter tido lugar a título de parte principal por o curador provisório da requerida não ter apresentado contestação.<br> Porém, a partir do momento em que este curador principal constitui advogado aquela intervenção só tem lugar a título acessório.<br> Mas tal não tem efeitos retroactivos, designadamente na medida em que não tem a virtualidade de sanar a nulidade ocorrida; não vale aqui, contra o invocado pela recorrente, o disposto no artigo 200, n. 1, porque tal nulidade não constitui na preterição da intervenção do Ministério Público enquanto parte acessória, mas enquanto parte principal.<br> Mas isto não quer dizer que o processado a repetir haja de ter tal intervenção a título de parte principal, por esta posição lhe não caber já; é o que resulta do artigo 947, n. 2, conjugado com o facto de o curador provisório ter constituído já nos autos, neste momento, um mandatário judicial.<br> Por outro lado, a anulação do processado que se determinou no acórdão recorrido e que a recorrente aqui combate não pode ser observada na íntegra, pois que vai mais longe do que o processado havido permite.<br> Quando na 1. instância arguiu a nulidade decorrente da falta da sua citação, o Ministério Público não pediu a sua citação para depois contestar; diversamente, apresentou logo a sua contestação, nos termos acima genericamente mencionados, e pediu que, em procedência da arguição, ficassem a ser considerados os dois articulados produzidos - a petição inicial e a contestação.<br> Sendo assim, não pode ser-lhe concedido um segundo prazo para praticar de novo um acto que já praticou.<br> Daí que essa contestação, apresentada pelo Ministério Público na óbvia qualidade de parte principal, seja a que deve ser atendida no processado subsequente, com a especialidade de que neste a sua intervenção passará a ser meramente acessória, nos termos e pelas razões ditas acima.<br> Assim, a anulação do processado ficará com uma extensão ligeiramente menor do que a resultante do acórdão recorrido.<br> Assim, nega-se provimento ao agravo, determinando-se a anulação de todo o processado a partir do despacho de fls. 16, inclusive, e a sua repetição nos termos acima indicados, com ressalva da contestação apresentada pelo Ministério Público, que se aproveitará.<br> Custas pela recorrente.<br> Lisboa, 7 de Julho de 1999.<br> Ribeiro Coelho,<br> Garcia Marques,<br> Ferreira Ramos.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><font>Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:</font><br> <font><br> I - A e mulher intentaram a presente acção de processo comum, na forma ordinária, contra B, pedindo a condenação desta a demolir à sua custa as vedações existentes, quer as que construiu a poente do seu prédio quer as que impedem o acesso à serventia pela Rua E, bem como quaisquer outras construções efectuadas na área da serventia, a remover desta os materiais e entulhos provenientes da demolição e a abster-se de futuras condutas que impeçam ou perturbem a livre utilização da serventia pelos autores, com o fundamento de serem titulares, com a ré, "do direito a serventia particular constituída pela convenção de 1 de Agosto de 1944" e de a ré, com aquelas vedações, ter impedido o seu uso.<br> </font><br> <font>Houve contestação e procedeu-se a julgamento.<br> Pela sentença de folhas 302 e seguintes, julgou-se a acção procedente, a qual veio a ser confirmada pelo acórdão de folhas 331 e seguintes.<br> Neste recurso de revista, a ré pretende a revogação daquele acórdão com base, em resumo, as seguintes conclusões:<br> - não se teve em conta o direito de tapagem, que lhe assiste, enquanto proprietária do imóvel serviente, nos termos do artigo 1356 do Código Civil;<br> - esse direito deve harmonizar-se com direitos de terceiros, nomeadamente com os inerentes a servidões constituídas, os quais terão de conciliar-se, exercendo-se um sem prejuízo do outro;<br> - se a passagem deve estar isenta de dificuldades, o seu titular não pode exigir a permanente abertura do prédio serviente;<br> - esse seu direito encontra-se ofendido;<br> - o artigo 1568 do citado Código concede ao proprietário do prédio serviente o direito de fazer nele quaisquer modificações, desde que não estorve o uso da servidão;<br> - é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pelo fim social desse direito - artigo 334 do citado Código;<br> - o abuso de direito é de conhecimento oficioso;<br> - não foi adequada interpretação dos factos face ao normativo legal que protege a recorrente.<br> </font><br> <font>Os recorridos, por sua vez, sustentam ser de negar provimento ao recurso e de condenar a recorrente em multa, como litigante de má fé.<br> </font><br> <font>II - Factos dados como provados:<br> Os Autores são proprietários dos prédios descritos na 2. Conservatória do Registo Predial de Sintra sob os ns. 01059 a 01063 da Freguesia de Santa Maria, os quais são terrenos para construção e correspondem aos talhões 17 e 21.<br> A Ré é proprietária do prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e primeiro andar e terreno logradouro descrito na mesma Conservatória sob o n. 01077 da Freguesia de Santa Maria.<br> Este prédio, vendido por C a D por escritura de 1 de Fevereiro de 1946 (e hoje da Ré), foi destacado do prédio descrito sob o n. 34678, que pertence a C, por o haver comprado aos herdeiros de E por escritura de 1 de Agosto de 1944.<br> Nesta escritura de 1 de Agosto de 1944 ficou consignado que "no terreno vendido - a C - fica incorporada uma faixa de seis metros de largura encostada à estrema da propriedade do Dr. F e a todo o comprimento do dito terreno para serventia particular dos ditos talhões a que esse terreno corresponde, e possivelmente, no caso dos vendedores (herdeiros de E) fazerem no seu terreno prolongamento da mesma serventia, para ser utilizada em benefício dos talhões que ficam a poente dos (talhões) aqui vendidos".<br> Os prédios dos Autores (designadamente os talhões 17 e 18) situam-se a poente do da Ré.<br> </font><br> <font>No Verão de 1987, a Ré vedou com muretes em alvenaria e com um portão de madeira o acesso a partir da Rua E à referida faixa de terreno que liga esta rua aos prédios dos Autores.<br> Na mesma ocasião e na parte poente da referida faixa, a Ré colocou também uma vedação em arame suportada em pilares de betão a uma distância de 3 metros e 40 centímetros a 4 metros do muro que a poente delimitava o seu prédio.<br> Com as referidas obras a Ré impede o acesso pelos Autores da serventia particular que beneficia os seus prédios através da aludida faixa de terreno.<br> </font><br> <font>III - Quanto ao mérito do recurso:<br> Como se decidiu nas instâncias e não vem questionado no recurso, "está constituída sobre o prédio da ré e a todo o comprimento deste, uma servidão de passagem com a largura de seis metros a favor de vários prédios que lhe ficam a poente, entre os quais dois prédios dos autores, os talhões 17 e 18.<br> Tal como no recurso de apelação, a ré suscita duas questões - ter agido no exercício do direito de tapagem do seu prédio, sem prejudicar o uso da servidão, e constituir abuso de direito a pretensão de demolição das obras efectuadas.<br> A alegação da recorrente, tanto na parte expositiva como nas conclusões, limita-se, no essencial, a considerações de ordem genérica e doutrinariamente correctas mas com abstracção dos factos provados e dos argumentos expostos no acórdão recorrido, de tal modo que, e salvo o devido respeito, não se justifica agora grande desenvolvimento.<br> O proprietário de bens imóveis goza da faculdade de proceder à sua tapagem ou vedação (artigo 1356 do Código Civil) e, por outro lado, "não pode estorvar o uso da servidão" sobre eles constituída (artigo 1568 n. 1 do mesmo Código).<br> Pela conjugação dessas normas, entende-se geralmente, como já se entendia em face de disposições idênticas da lei anterior, que o dono do prédio serviente pode fazer a vedação do seu prédio mas já não poderá impedir ou dificultar o uso de servidão; assim, no caso de servidão de passagem, esta não poderá tornar-se mais onerosa para o proprietário dominante mas admite-se que as zonas de entrada ou saída sejam vedadas por cancela ou portão, com entrega das respectivas chaves àquele proprietário, quando for caso disso, desde que o acesso mantenha idêntica facilidade, a qual não será prejudicada pelo simples incómodo da abertura do portão (cfr. P. Lima, Lições de Direito Civil - Direitos Reais, página 346, Gonçalves Rodrigues, Da Servidão Legal ..., página 133, P. Lima e A. Varela, no Código Civil Anotado, III, página 616, e Tavarela Lobo, Mudança e Alteração de Servidão, página 205).<br> Em rigor, a conciliação destes interesses opostos deve ser analisada em função de cada caso concreto, de modo a poder ou não concluir-se pela existência de maior onerosidade no uso da servidão e consequente prejuízo para o prédio dominante.<br> Assim, a construção de um "pesado portão de ferro com chave e cadeado" e com diminuição da largura inicial da passagem constituirá, em princípio, estorvo da servidão, que não poderá ser imposto ao proprietário do prédio dominante (Tavarela Lobo, no loc. citado, página 209). Deverá ainda atender-se ao conteúdo da servidão, conforme se destine a um uso raro ou frequente e por poucas ou muitas pessoas, ao ponto de se dever entender que, tratando-se de passagem para alguns prédios urbanos, não será porventura lícita a sua vedação, por poder causar relevantes embaraços ao trânsito de pessoas e veículos, o que se traduz em situação idêntica à de uma via pública.<br> No caso presente, a "vedação em arame suportada em pilares de betão a uma distância de 3,40 a 4 metros do muro "que delimitava o prédio da ré, efectuada na parte poente da faixa de terreno, com a largura de seis metros, destinada à servidão em causa, não se reconduz a tapagem desse prédio, já vedado por muro implantado na linha divisória, mas a estreitamento da largura da servidão de seis para 3,40 a 4 metros; se a ré pretendesse, como também se lhe deve reconhecer, a delimitação dessa faixa de terreno da parte restante do seu prédio, teria então de construir aquela vedação à distância de seis metros do muro, deixando livre toda a largura da servidão.<br> Com referência à vedação "com muretes em alvenaria e com um portão de madeira" do "acesso a partir da Rua E à referida faixa de terreno que liga esta Rua aos prédios dos Autores", considerou-se no acórdão recorrido que a largura do acesso foi desse modo reduzida para um máximo de quatro metros e que não seria "funcional" um portão com a largura de seis metros, o que se reconduz a interpretação ou juízos de valor sobre a matéria de facto, insusceptível de censura por este tribunal de revista (artigo 722 n. 2 do Código de Processo Civil).<br> Por isso, e tendo-se ainda dado como provado que "com as referidas obras a ré impede o acesso pelos autores da serventia particular ...", não pode deixar de concluir-se, como se concluiu naquele acórdão, que tais obras impedem a utilização da servidão, "tal como esta se encontra contratualmente constituída", ou que constituem estorvo ao seu uso, não sendo pois permitidas, nos termos do disposto no n. 1 do citado artigo 1568 do Código Civil.<br> Aliás, na alegação da recorrente não houve sequer a tentativa de contrariar aquela conclusão, tendo-se limitado, como já se notou, a simples considerações de ordem geral.<br> Acresce que, destinando-se a servidão ou "serventia particular" em causa a permitir o acesso a vários talhões ou terrenos para construção, e mesmo que tais construções não se tenham iniciado, o conteúdo da servidão deve determinar-se em função dessas utilidades, "ainda que futuras ou eventuais (artigo 1544 do citado Código), e, perante elas, seria pelo menos questionável a admissibilidade de vedação daquele acesso.<br> </font><br> <font>Por outro lado, quanto ao abuso de direito, invocado apenas na face do recurso e baseado em que os autores, para acesso ao seu terreno, "têm agora ... uma estrada asfaltada, não só com melhor piso mas igualmente nivelada e de acesso mais rápido", tal pretensão não pode também proceder.<br> Esses factos não foram objecto de prova nem sequer alegados nem são de conhecimento oficioso (artigo 514 do Código de Processo Civil) e a simples junção aos autos de fotografias não é susceptível de suprir a falta da sua alegação.</font><br> <font>De resto, e em rigor, a desnecessidade de servidão só poderá ser invocada, quando for caso disso, como fundamento da sua extinção (artigo 1569 ns. 2 e 3 do Código Civil).<br> Contra o pretendido pelos recorridos, não há lugar a condenação da recorrente como litigante de má fé.<br> Nos termos do artigo 456 n. 2 do Código de Processo Civil, não basta para o efeito a culpa, ainda que grave, exigindo-se antes uma actuação dolosa ou maliciosa (cfr. M. Andrade, Noções ..., página 343, e A. Reis, Código Anotado, II, página 259).<br> No caso presente, tratando-se de simples matéria de direito, a posição assumida pela recorrente poderá qualificar-se de temerária ou negligente mas não de dolosa.<br> Além disso, os recorridos apenas teriam legitimidade para pedir a condenação em indemnização, o que não fizeram, (n. 1 do citado artigo 456).<br> O proprietário de prédio onerado com servidão de passagem pode proceder à sua vedação, colocando um portão nos respectivos acessos, desde que não seja impedido ou dificultado o uso da servidão (artigos 1356 e 1568 n. 1 do Código Civil).<br> </font><br> <font>A conciliação dos interesses opostos dos proprietários serviente e dominante deve ser analisada em função das circunstâncias de cada caso concreto, devendo atender-se, além do mais, ao tipo de construção efectuada e ao conteúdo da servidão.<br> </font><br> <font>Pelo exposto:<br> Nega-se a revista.<br> Custa pela recorrente.<br> Lisboa, 19 de Abril de 1995<br> Martins da Costa,<br> Pais de Sousa,<br> Santos Monteiro.</font></font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:<br> <br> "Nova Vouga - Indústria da Alimentação, S.A.", autora na presente acção com processo ordinário em que são R. R. o "Centro Regional de Segurança Social de Aveiro"; a "União de Bancos Portugueses" e o "Banco Português do Atlântico", requer a revista do acórdão da Relação do Porto que, julgando improcedente o recurso interposto da decisão proferida na Primeira Instância, confirmou esta última. A recorrente alega nos termos de folha 251 a 356.<br> Em contra-alegação - folha 373 a 383 - a "União de Bancos Portugueses" levanta questões prévias.<br> A saber: o problema da recorrente não foi indicado nas conclusões do alegado, as disposições violadas, justificativas da revista interposta e o haver, agora, nas alegações levantadas questões novas não submetidas ao julgamento, quer da Primeira Instância, quer da relação.<br> Aquando do seu "visto" o Excelentíssimo Conselheiro Adjunto é de parecer se convide a recorrente a indicar as disposições que considera violadas. Mesmo sem despacho, nesse sentido, notificada do contexto do parecer, a recorrente apresentou as alegações de folha 397 a 407, com conclusões.<br> Oportunamente, por seu turno, o Banco Português do Atlântico contra-alegou nos termos de folhas 405 e 415 verso.<br> Notificado das alegações da recorrente da folha 397 à 403, a União de Bancos Portugueses veio levantar a questão de não se dever tomar conhecimento do recurso da recorrente, na medida em que a mesma se aproveitou do convite que lhe foi feito nos termos do artigo 690, do Código de Processo Civil - cf. "Parecer do Excelentíssimo Adjunto - para apresentar novas alegações, reproduzindo, aliás, na íntegra, as anteriores, com o acrescentamento das "conclusões".<br> <br> Houve vistos legais.<br> Cumpre, agora, conhecer e decidir.<br> 1. Questões prévias:<br> a) o problema da não indicação nas alegações de recurso da "Nova-Vouga", das disposições de direito substantivo eventualmente violadas.<br> É facto determinar-se no artigo 690, n. 1, Código de Processo Civil que o recorrente deve apresentar na sua alegação conclusões, especificando a norma jurídica violada (cf. artigo 690, n. 1, citado).<br> A recorrente não tinha dado devido cumprimento ao determinado na lei. Veio a fazê-lo, depois, em alegações juntas a folha 397 e seguintes, quando notificada do "parecer" do Excelentíssimo Juiz Adjunto, de folha 356.<br> Diz a recorrida "União de Bancos Portugueses" que o fez apresentando "novas" alegações, o que é proíbido por Lei.<br> Se tal procedimento não se põe em dúvida, porque verificável pela mera consulta dos autos, o facto é que em tais "novas" alegações a recorrente mais não fez de que reproduzir na íntegra - tal como a folha 406 a recorrida União de Bancos Portugueses reconhece as anteriores - somente, acrescentando-lhe as conclusões com - "devida indicação da, ou das normas jurídicas violadas, a que estava, aliás, obrigado.<br> Ora, embora se constate tenha sido dada uma forma diversa às conclusões formuladas, tal não significa tenham sido, em verdade apresentadas "novas alegações" (no sentido que esta expressão comporta).<br> Assim, não se determina o desentranhamento daquelas que, a ter lugar, daria lugar à cominação prevista no artigo 690, n. 1, do Código de Processo Civil.<br> b) O problema do levantamento de questões novas.<br> É verdade que, nas alegações feitas perante este Supremo Tribunal, a recorrente explicita de modo expresso, nela baseando o fundamental da sua argumentação, a questão de se saber se o princípio da indivisibilidade da hipoteca, "não é um princípio de ordem pública ou de característica especial" ou, de se fazer... "a especificação e a correspondência da parte do crédito que corresponde a cada prédio, ou prédios, ou a cada parcela destes, nos precisos montantes da soma dos créditos hipotecários dos três recorridos".<br> Também é verdade, ser jurisprudência assente neste Supremo Tribunal, a de que o Tribunal de Revista não pode apreciar problemas e questões novas.<br> No caso dos autos, simplesmente, é fácil de ver que as questões afloradas - a despeito de, anteriormente o não terem sido, do modo expresso, como, agora, o foram - não são, de algum modo, novas, constituindo, antes, a base do todo o raciocínio da recorrente, ao longo do processo.<br> Talvez, de novo (assume-se o "risco" da tal dizer) seja, tão só a citação feita da opinião dos Professores Pires de Lima e A. Varela, in "Código Civil Anotado" - vol. I, 4 edição, página 310.<br> Mas, a agora, tal "novidade, não o era, naturalmente, já para o Tribunal.<br> Tudo para concluir, entendermos não terem sido levantadas "questões novas" de que este Supremo Tribunal não cumpra conhecer.<br> <br> 2. Alegações da recorrente:<br> A "Nova Vouga" diz, longamente, em termos de recurso, das suas razões, concluindo:<br> a) que há uma efectiva redução do montante global das dívidas, garantido pela constituição das hipotecas referidas, sendo certo não ser o "princípio da indivisibilidade da hipoteca" da ordem pública ou característica essencial da mesma;<br> b) que a decisão em crise (como, a anterior da Primeira Instância) está em desacordo com o disposto na alínea a), n. 2, do artigo 720, do Código Civil que admite a redução judicial da hipoteca, se, em consequência do cumprimento parcial, ou outra causa de extinção, a dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante inicial;<br> c) que a mesma viola, também, o disposto na alínea a), do artigo 730, do Código Civil que diz, de forma expressa, que a hipoteca como direito de garantia que é de um direito de crédito a que virá associada, se extingue com o seu pagamento - e, também (na medida devida) com a sua redução (cf. artigo 718, citado);<br> d) que, nos termos do artigo 716, n. 2, conjugado com o artigo 696 ambos do Código Civil, deve a redução pretendida ser.. "a especificação que já consta na escritura da constituição da hipoteca, de 19 de Maio de 1981, mas, fixando-se a parte do crédito que corresponde a cada prédio, ou prédios, ou a cada parcela destes, nos precisos montantes a que está, agora, adstrita a causa dos créditos hipotecários dos, ora, recorridos";<br> e) que há que conjugar os artigos 716, n. 2 e 696, do Código Civil, fazendo-se a especificação e a correspondência da parte do crédito que corresponde a cada prédio, ou prédios, ou a cada parcela destes, nos precisos montantes da soma dos créditos hipotecários dos três recorridos, porque a soma dos mesmos está, nos termos legais, reduzida a menos de dois terços do montante inicial.<br> <br> A recorrente conclui pedindo a procedência do presente recurso e, com ela, o ordenamento da redução judicial da hipoteca, nos termos pedidos.<br> <br> 3. Contra-alegações dos recorridos:<br> a) União de Bancos Portugueses:<br> a recorrida alega nos termos de folha 360 a 384, concluindo:<br> - que o seu crédito hipotecário se encontra invocado, não tendo sido reduzido, além do mais, porque a recorrente nunca o extinguiu, por qualquer forma, total ou parcialmente;<br> - que o facto da totalidade dos débitos hipotecários do recorrente se encontrar, substancialmente reduzido, em nada interessa à presente causa, pois só a redução, em mais de um terço do montante inicial do crédito hipotecário da, aqui, recorrida, justificaria, quanto a ela, a redução judicial da sua hipoteca;<br> - que o facto da totalidade do crédito da recorrida se encontrar reduzido, também não releva, pois o que importava demonstrar é que o seu crédito hipotecário estava reduzido em mais de um terço;<br> - que não foi alegado nenhum facto tendente a demonstrar que os bens hipotecados se tinham valorizado;<br> - que da escritura da constituição da hipoteca não consta qualquer convenção contrária ao estipulado no artigo 696, do Código Civil, pelo que a recorrente não pode obter por via judicial o que não convencionou;<br> - que se não verificam os pressupostos exigidos pelo artigo 720 do Código Civil, para que a hipoteca da recorrida seja reduzida.<br> - que o artigo 716, do Código Civil, não tem aplicação ao caso dos autos, na medida em que a escritura da constituição da hipoteca especifica os bens da recorrente abrangidos pela mesma.<br> Pelo que - conclui, deverá ser confirmado o acórdão, em crise.<br> b) Banco Português do Atlântico:<br> o recorrido alega sucintamente:<br> - que ainda que por mera hipótese, se admita que o princípio da indivisibilidade da hipoteca "...não é um princípio de ordem pública ou característica essencial da hipoteca..." o certo é que para o mesmo não ser aplicado é necessário convenção e no contrário dos outorgantes;<br> - que se não houver tal convenção a hipoteca é indivisível, subsistindo, por inteiro, sobre cada uma das coisas oneradas, ainda que a coisa ou o crédito seja dividido ou se encontre parcialmente satisfeito (cf. 696, Código Civil);<br> - que, no caso dos autos o princípio da indivisibilidade não foi afastado por qualquer convenção entre as partes intervenientes, sendo certo que o crédito do Banco Português do Atlântico, garantido pela hipoteca em causa, não se encontra reduzido a menos de dois terços do seu montante inicial.<br> Pelo que, conclui, dada a não violação dos artigos 720, n. 2, alínea a), e 696 do Código Civil, deve ser negada a revista. <br> <br> 4. O acórdão da Relação:<br> Dando como provado que:<br> a) Foi registado em 1 de Julho de 1982, hipoteca voluntária constituída, por escritura pública, pela a., a favor do Banco Borges &amp; Irmão, Banco Pinto &amp; Sotto Mayor, Banco Português do Atlântico, União de Bancos Portugueses, Banco Nacional Ultramarino, Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e Crédito Predial Português, para garantia do empréstimo da quantia de 315738000 escudos, na proporção de 100824000 escudos do Banco Borges &amp; Irmão, 65600000 do Banco Pinto &amp; Sotto Mayor, 45664000 escudos do Banco Português do Atlântico, 43774000 escudos da União de Bancos Portugueses, 40820000 escudos, do Banco Nacional Ultramarino, 9931000 escudos do Crédito Predial Português, 9120000 escudos do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa e juros a 20 porcento; sendo o máximo assegurado de 505180800 escudos;<br> b) Tal hipoteca incide sobre os prédios da a., sitos em Sever do Vouga, identificados devidamente nos autos (cf. folha 334);<br> c) Em 15 de Junho de 1983 foi registada hipoteca legal a favor do Centro Regional de Segurança Social de Aveiro para garantia do pagamento de 11982987 escudos de contribuições e 12924612 escudos, de juros a 7 porcento, sendo o montante máximo garantido de 24924692 escudos, da hipoteca essa incidida dobre os prédios atrás referidos sob os n. 1, 2, 4, 5, 7 a 10, 12 a 15 e 19 a 21;<br> d) No processo especial de recuperação da empresa 134/86, do Tribunal da Comarca de Albergaria-a-Velha, os credores representantes de 81,5 porcento dos créditos reconhecidos aprovaram a recuperação da a. por gestão contestada, com conversão dos créditos em capital social, excepto os privilegiados cujos credores - os, ora R.R. - não renunciaram à garantia;<br> e) à data, os créditos reclamados e reconhecidos aos R.R. foram :<br> - União de Bancos Portugueses - 92640043 escudos e 60 centavos, de capital e juros, com garantia hipotecária até ao montante de 71460773 escudos;<br> - Banco Português do Atlântico - 84591641 escudos e 90 centavos de capital e juros, com garantia hipotecária até ao montante de 69732598 escudos e 90 centavos;<br> - Centro Regional de Segurança Social de Aveiro - o montante global de 124461289 escudos, sendo de capital 66622084 escudos e de juros 57839205 escudos, garantido por hipoteca legal até ao montante de 24924612 escudos;<br> f) Nos termos da escritura elaborada em execução da deliberação de conversão em capital dos créditos garantidos por hipoteca, reclamados mais reconhecidos no processo de recuperação de empresas, couberam as seguintes quantidades de acções do valor unitário de 1000 escudos do Banco Pinto e Sotto Mayor; 36780 escudos Banco Borges e Irmão - 213428 escudos; Banco Nacional Ultramarino - 80848; Credito Predial Português - 27117 escudos e Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa - 20100 escudos;<br> g) Nesta mesma escritura couberam:<br> - à União de Bancos Portugueses - 21179 escudos, acções;<br> - ao Banco Português do Atlântico - 14859 escudos, acções, correspondentes à diferença entre os montantes totais do crédito reclamado e reconhecido e o limite máximo com garantia hipotecária, e, considerando como única questão a decidir, a de saber se foi - ou, não - reduzida a dívida da recorrente para, nos termos do artigo 720, do Código Civil poder, a mesma, obter a redução judicial da hipoteca, concluiu que tal não aconteceu, acima de tudo porque não se está perante um caso de uma única hipoteca, em garantia do montante global correspondente à soma dos vários créditos, mas sim, perante uma pluralidade de créditos garantidos por outras tantas hipotecas provenientes de uma mesma fonte (com unidade de escritura e de registo).<br> E, assim sendo, a Relação julgou o recurso interposto improcedente, mantendo e decidido.<br> <br> 5. Neste Supremo Tribunal, conhecendo-se de direito na base do dado como assente pelas instâncias, face ao pedido constante das conclusões formuladas na presente revista, todo o problema em análise se cinge do saber se, na acção, se verificam os pressupostos exigidos pelo artigo 720, do Código Civil, para que se possam considerar reduzidas as hipotecas das, aqui, recorridas.<br> Tudo, na perspectiva do disposto no artigo 696, do Código Civil e no artigo 716, do mesmo diploma legal.<br> a)<br> O artigo 720, do Código Civil, respeitante à redução judicial das hipotecas legais e judiciais, encontra-se inserido num capitulo que vem no artigo 719 do Código Civil fixado o princípio de que a hipoteca pode ser reduzida voluntária ou judicialmente.<br> Como condicionantes à possibilidade de aplicação do disposto no n. 1, do artigo 720, "a requerimento de qualquer interessado", consagra-se que a redução judicial só é admitida:<br> - se, em consequência do cumprimento parcial, ou outra causa de extinção, a dívida se encontrar reduzida a menos de dois terços do seu montante inicial;<br> - se, por virtude, de acessões naturais ou benfeitorias a coisa ou o direito hipotecado se tiver valorizado em mais de um terço de seu valor à data da constituição da hipoteca.<br> <br> Da lei resulta que, em princípio, a redução aflorada só pode ter lugar nas hipotecas legais e judiciais, uma vez que só nessas se verifica a indeterminação os bens sobre que incidem.<br> Tratando-se de hipoteca voluntária - caso da dos autos - não se admite, como regra, a sua redução judicial.<br> (cf. Professor Pires de Lima e A. Varela "Código Civil Anotado" - 1967, página 555)<br> Só, excepcionalmente, nas hipotecas previstas nas alíneas, do n. 2, do artigo 720, supra-referenciadas, ela será permitida.<br> Mais precisamente: em casos de valorização da coisa onerada ou da diminuição da dívida.<br> Não obstante - e, ainda - em qualquer das hipóteses mencionadas, a lei estabelece limites objectivos a fim de conciliar, com o mínimo de segurança, a vantagem possível de libertar os bens dos encargos.<br> (cf. Professores Pires de Lima e A. Varela, ob. citada).<br> No caso dos autos, é dentro do quadro legal acabado de referir - já que se está perante uma hipoteca voluntária, incidindo e onerando vários prédios - que há que ter em conta o consagrado no artigo 696, do Código Civil, ou seja que, salvo convenção em contrário, aquela outra é indivisível, subsistindo, por inteiro, sobre cada uma das coisas oneradas e sobre cada uma das partes que a constituam, ainda que o crédito seja dividido, ou se encontre parcialmente satisfeito.<br> Trata-se de uma consideração que leva a que se aflore o que, em direito positivo português, é qualificado como "princípio da indivisibilidade da hipoteca".<br> (cf. "Parecer", Professor D. Ascensão e Menezes Cordeiro, in" Col. Fun. - 1986 - v. página 37).<br> A doutrina refere, porém, que "tomada como tal, a indivisibilidade da hipoteca não constitui um princípio geral de direito, no sentido de ser um grande vector jurídico obtido através de construção e elaboração científica".<br> Tal indivisibilidade assumir-se-á, outrossim, como ... " - um comando jurídico explicito inserido no artigo 696, do Código Civil, com correspondência cabal na tradição jurídica portuguesa e no direito comparado.<br> (cf. a.a. supra, ob. citado).<br> b)<br> Tudo visto.<br> Face do dado como provado pelas instâncias e, dentro do enquadramento legal a ter em conta, não tem razão a recorrente.<br> A conclusão que pretende tirar daqui, tendo os vários credores hipotecários - à excepção dos, aqui, R.R. - renunciado aos privilégios que a hipoteca lhes dava, convertendo os seus créditos em capital social, os dos R.R., garantidos por aquela outra, se encontram reduzidos a menos de dois terços do seu montante inicial (cf. alínea a), n. 2, artigo 720, citado), não corresponde à realidade.<br> Em verdade, atento o dado como assente à luz do condicionamento legal apontado, o que se tem de ver não é se a totalidade do crédito de cada uma das recorridas sofreu uma redução, mas, sim, se o crédito hipotecário de cada uma daquelas foi, efectivamente reduzido.<br> Ora, os elementos vindos aos autos permitiram que a Relação concluísse (vid. acórdão) que "todo o capital e acessórios até ao máximo da garantia, continuaram em dívida, não havendo, assim, redução do montante inicial".<br> Nestes termos, não se verificaria, à partida, a hipótese prevista na alínea a), n. 2, do artigo 720, do Código Civil que, excepcionalmente, permitiria a redução judicial, a que se vem fazendo menção, em casos de hipoteca voluntária, como é a dos autos.<br> Daí, a legitimidade da conclusão tirada no acórdão em crise de que os créditos hipotecários dos recorridos se encontram indicados, não tendo sido reduzidos pela recorrente.<br> E, se não sendo o princípio da indivisibilidade da hipoteca de "ordem pública" se tenha que admitir a possibilidade da convenção contrária ao estipulado no artigo 696, do Código Civil, o facto é que, no caso dos autos, não foi dado como provado existisse alguma na escritura de constituição da referida hipoteca, onde se defendesse condicionalismo que, agora, a recorrente pretende obter por via judicial.<br> Temos, assim, em termos de direito, tal hipoteca a substituir, por inteiro, sobre cada um dos prédios onerados, não sendo legítimo, porque a interpretação dos artigos 716, n. 2 e 696, mesmo conjunta, o não permite, fazer a especificação e a correspondência da parte do crédito que corresponde a cada prédio, ou prédios - ou, a cada parcela, dos mesmos - nos precisos montantes da soma dos créditos hipotecários dos, aqui, recorridos.<br> (Cf. Professor Vaz Serra, in "Hipoteca" - Boletim M. J. - 63, 339 e 340 e separatas 502 e 503), cuja doutrina constituiu o anteprojecto inicial do Código, na matéria).<br> <br> 6. Assim sendo, consideram os deste Supremo Tribunal não ter havido no acórdão da Relação, em crise, violação da lei, "máxime" dos artigos 720, n. 2, alínea a) e 669, ambos do Código Civil.<br> Razão porque se nega a revista pedida.<br> Custas pela recorrente (ainda que, de momento, a mesma beneficie de apoio judiciário).<br> Lisboa, 13 de Abril de 1994.<br> Gelásio Rocha;<br> Carlos Caldas;<br> Correia de Sousa.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font>PROCESSO N. 87664<br> Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br> I<br> 1. No Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, A e marido B intentaram acção ordinária contra Unicer - União Cervejeira, S.A., pedindo a condenação desta: a) a pagar-lhe a quantia de 4790640 escudos, a título de devidas actualizações do montante de uma avença acordada em contrato de prestação de serviços entre todos celebrados, contados desde Dezembro de 1970 até finais de 1991; b) a actualizar as mensalidades a pagar-lhes a título de avença no ano de 1992 a importância de 68056 escudos; e c) a actualizar, anualmente, para o futuro, segundo a taxa de inflação verificada no ano anterior, aquela mensalidade enquanto se mantiver vigente o contrato que presentemente obriga as partes.<br> Como fundamentos dos pedidos, invocam os Autores o direito a verem actualizado o montante de avença pactuado no momento da celebração do contrato - Janeiro de 1968 - a partir de Dezembro de 1970, face à inflação verificada de então para cá, direito que lhes terá de ser reconhecido face ao princípio de Justiça e proporcionalidade constitucionalmente garantida ou que lhes advirá, em via subsidiária, por força da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 473 do Código Civil.<br> - A Ré contestou alegando que os Autores não têm direito à reclamada actualização de avença, não beneficiando dos princípios constitucionais invocados nem do instituto do enriquecimento sem causa, nem sequer uma eventual modificação do contrato por alteração anormal de circunstâncias.<br> - Os Autores apresentaram réplica, na qual reiteraram o pedido, invocando agora também como causa de pedir a alteração anormal das circunstâncias previstas no artigo 437 do Código Civil.<br> - Proferido foi despacho saneador sentença a conhecer dos pedidos, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré daqueles.<br> - Os autores apelaram. A Relação do Porto, por acórdão de 4 de Julho de 1994, julgou improcedente o recurso e, em consequência, confirmou-se a sentença recorrida.<br> 2. Os autores pedem revista - revogação do acórdão recorrido, com prosseguimento dos autos para elaboração da especificação e questionário - formulando as seguintes conclusões:<br> 1) a factualidade demonstrada nos autos conforme situação subsumível aos preceitos legais invocados pelos recorrentes e justifica o procedimento do pedido com fundamento em alteração anormal das circunstâncias ou, quando menos, com base no enriquecimento sem causa da empresa Recorrida.<br> 2) Tanto a douta sentença da primeira instância como o mais autorizado acórdão da Emirata Relação que aquela confirmou fazem errónea interpretação dos normativos em que se fundamentam e, em consequência, errada aplicação das correspectivas regras de direito.<br> 3) A interpretação assim em concreto efectuada das normas levadas aos artigos 437 e seguintes e 473 do<br> Código Civil não se compagina com os princípios gerais de Direito e as regras constitucionais da Justiça e da proporcionalidade acolhidos logo nos comandos dos artigos 3 n. 3, 18 n. 2 e 20 n. 1, 1. parte, da Constituição.<br> A recorrida apresentou contra-alegações a pugnar pela manutenção do acórdão recorrido, salientando que:<br> 1) Não há lugar à aplicação do disposto no artigo 437 do Código Civil pois que não se verificou qualquer anormal alteração de circunstâncias (a alteração a que os recorrentes aludem da desvalorização monetária, deu-se, no que ao caso interessa, ao longo de período superior a 20 anos e, portanto, não foi nem imprevisível nem anormal, nem de tal modo inesperado que os contraentes a não tivessem presente no momento da contratação, período durante o qual sempre os recorrentes tiveram, como têm, total liberdade para rescindirem o contrato).<br> 2) Não existiu nem existe enriquecimento sem causa<br> (artigo 437 do Código Civil) por parte da recorrida, se ele existe, o mesmo verifica-se por parte dos recorrentes que, sem qualquer contrapartida (nem possuem já qualquer estabelecimento comercial onde a pudessem consubstanciar) continuam a receber a quantia que, de boa fé, a recorrida se comprometeu a entregar-lhes mensalmente.<br> Corridos os vistos, cumpre decidir<br> II<br> Elementos a tomar em conta:<br> 1) Por documento reduzido a escrito, no dia 28 de<br> Janeiro de 1968, a Ré e os Autores celebraram um contrato, denominado "contrato de prestação de serviços por avença", assinado apenas pela Ré e pela A. mulher por acordo das partes.<br> 2) Este contrato tinha as seguintes cláusulas: a) o 2. outorgante (A. mulher) propõe-se, durante o exercício da sua actividade profissional e sempre que se ofereça oportunidade para tal, fomentar a procura dos produtos da empresa do 1. outorgante e promover o prestígio da "imagem", dos mesmos b) o 1. outorgante obriga-se a pagar mensalmente ao 2. a avença de 2232 escudos c) o exercício pelo 2. outorgante, ou pelo seu marido, de comércio ou indústria concorrente, quer directamente, quer indirectamente por interposta pessoa, física ou ficta, ou a prática por si ou por seu marido de actos ou omissões, que no entender do 1. outorgante prejudiquem os seus interesses de forma mediata ou imediata, implicará a rescisão do presente contrato. d) por morte do 2. outorgante ocorrida na vigência do presente contrato e se assim expressamente o desejar por escrito, obriga-se o primeiro outorgante a avençar para a prestação de idênticos serviços o Senhor B (autor marido), se este quiser continuar a exercer a mesma actividade.<br> 3) No começo de 1968 já os autores eram proprietários de um armazém de um pequeno restaurante, que gizava sob a denominação de "Casa Paixão", que ambos exploravam.<br> 4) No armazém e no restaurante os Autores vendiam cerveja e refrigerantes fabricados e fornecidos pela hoje Ré, e designadamente, cerveja "Cristal" e "Super-Bock", gasosa "Lima" e laranjada "Invicta".<br> 5) A actividade do armazém foi encerrada poucos anos após 1968 e o restaurante revelou-se de todo inviável em Dezembro de 1989<br> 6) Cessada a actividade do armazém e inviabilizado o restaurante, cuidaram os Autores de tratar da vida, restando à Autora mulher as tarefas e lides domésticas, enquanto o Autor marido logrou mudar de ramo de actividade<br> 7) Antes da celebração do contrato referido em 1), vigorou entre a Ré e o titular dos mesmos armazém e restaurante (pai do autor marido), um contrato de agência firmado em 1948, que a Ré rescindiu em Janeiro de 1968.<br> 8) Este contrato de agência foi rescindido pela Ré, como outros então vigentes porque esta, em Janeiro, por razões estruturais, passou a proceder à venda dos produtos por si produzidos (cerveja, refrigerantes e<br> águas minerais) através de distribuição directa.<br> 9) Na altura em que o contrato de agência atrás referido foi rescindido pôs-se o problema da indemnização (gratificação ou compensação devida por tal rescisão e do comportamento para o futuro dos ex-agentes, designadamente em termos de concorrência; então, foi entre a Ré e os ex-agentes - ou seus familiares ou sócios, quando entre eles existisse uma relação de funcionalidade e nestes casos a pedido dos mesmos - contratado - também com a Autora (mulher, nora do titular do contrato de agência atrás mencionado - como forma substitutiva da compensação ou gratificação, celebrar contratos de prestação de serviços por avença, como aquele a que se refere em 2).<br> 10) O contrato referido em 1) e 2) foi celebrado, funcionando a avença de 2232 escudos como indemnização, compensação, gratificação, quer pela rescisão do contrato de agência atrás citado quer pela obrigação expressa na cláusula referida na alínea c) do n. 2.<br> 11) Desde o início do contrato referido em 1) até hoje a Ré vem pagando à Autora a referida avença de 2232 escudos mensais.<br> III<br> Questões a apreciar no presente recurso.<br> A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa fundamentalmente pela análise de duas questões: a primeira, se a factualidade demonstrada nos autos justifica a procedência do pedido com fundamento em alteração anormal das circunstâncias: a segunda, se a factualidade demonstrada nos autos justifica a procedência do pedido com base, quando menos, no enriquecimento sem causa da Ré.<br> A segunda questão só será apreciada no caso de a primeira sofrer resposta negativa.<br> Abordemos tais questões.<br> IV<br> Se a factualidade demonstrada nos autos justifica a procedência do pedido com fundamento em alteração anormal das circunstâncias.<br> 1. Posição da Relação e dos recorrentes:<br> 1a) A Relação do Porto decidiu que os Autores não tem direito a reclamar actualização quer das avenças vencidas quer em relação às vincendas com base no facto de desde a altura da celebração do contrato (1968) até agora se ter deteriorado o real valor da avença, face aos índices de inflação entretanto verificados e à continuidade da contraprestação que lhe é imposta pelo contrato. a) Relativamente às avenças vencidas, a alteração das circunstâncias alegadas não reveste a natureza de anormal, não serve para aplicação do disposto no artigo<br> 437 do Código Civil, porquanto os Autores, que eram comerciantes a sabiam através do exercício dessa profissão do que se passava em termos de inflação e desvalorização da moeda através do aumento dos preços dos produtos que vendiam, não podem agora falar de alteração anormal das circunstâncias, no sentido de imprevisível, abrupta e excessiva.<br> - Na verdade, o poder de compra do dinheiro alterou-se radicalmente nos últimos 20 anos, mas tal alteração não se verificou de modo abrupto e excessivo, mas antes paulatinamente ao longo dos meses e dos anos, um tanto de cada vez, sendo perfeitamente previsível tal alteração, face às modificações sócio-económicas que o país atravessou nesse período. b) Relativamente às avenças vincendas os Autores não têm direito à actualização na medida em que o contrato e o seu cumprimento por ambas as partes só se compreendia enquanto os Autores exercessem uma actividade igual ou idêntica àquela que consta do contrato e que exerciam no momento da sua celebração.<br> Acontece que os Autores desde Dezembro de 1989, não cumprem a prestação a que estavam obrigados por força do contrato; e se o não cumprem desaparece a razão de ser da prestação da Ré - o pagamento da avença.<br> - A Relação do Porto também decidiu que a não actualização das avenças (vencidas e futuras) não violam os princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, porquanto os princípios da liberdade contratual e da eficácia dos contratos estabelecidos nas normas em que a sentença se baseou (artigos 405 n. 1 e 406 n. 1) são eles próprios afloramentos da aplicação de tais princípios: neles as partes estão em perfeita igualdade, sendo "justo que cumpram aquilo que negociaram, presumindo-se que são equilibradas as prestações negociadas, atenta a citada liberdade de negociação.<br> 1b) Por sua vez, os recorrentes sustentam ter direito a reclamar a actualização quer das avenças vencidas quer das avenças futuras.<br> Relativamente às avenças vencidas dizem que não se compreende como poderia exigir-se dos autores que solicitassem em cada ano uma actualização do quantitativo da avença que a regra dos "pacta sunt servanda" fatalmente faria indeferir. Porque a "anormalidade" da alteração das circunstâncias verificadas - e invocadas - nem sempre resulta do simples somatório por assim dizer aritmético do que em cada ano foi ocorrendo, mas antes na "anormalidade" que emerge para as partes no cumprimento de um contrato sinalagmático onde, à permanente - e até autónoma e não apenas correspectiva valorização de uma prestação, se opõe pacificamente a profunda desvalorização da contrapartida prestada. Desvalorização que, ocorrendo de forma insensível em cada dia e em percentagem pouco significativa no fim de cada ano que foi transcorrendo, todavia se apresenta agora como gritantemente acentuada.<br> - Relativamente à actualização das avenças no futuro, sustentam que ponderar que a cessação da actividade comercial por parte dos autores constitui fundamento bastante para a decisão de não actualização da avença no futuro é esquecer o que poderemos denominar a vertente negativa das obrigações contratualmente assumidas pelos recorrentes: estes obrigam-se por um lado a promover o prestigio das marcas (e respectivos produtos) da empresa enquanto se mantiverem no exercício de tal ramo de actividade e, por outro e em qualquer caso, a não promoverem - pessoal e directamente ou sequer indirectamente e por interposta pessoa - concorrência às marcas e produtos da empresa.<br> E é na decorrência de tal entendimento da situação ainda hoje vigente que acabaram invocando, em favor da sua tese, os princípios constitucionais da proporcionalidade e da Justiça, princípios que no caso dos autos e em última análise têm por desacatados na solução jurídica fixada.<br> Que dizer?<br> 2. O preceito basilar que serve de trave-mestre da teoria dos contratos é o da liberdade contratual, que consiste na faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar, de acordo com a sua vontade, o conteúdo dos contratos que realizarem, celebrar contratos diferentes dos previstos no Código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver - artigo 405 n. 1 do Código Civil.<br> A liberdade contratual é apenas reconhecida, no dizer do n. 1 do artigo 405, "dentro dos limites da lei".<br> Entre os limites da lei destacam-se, segundo Antunes Varela, "o de assegurar a lisura e a correcção com que as partes devem agir na preparação e execução dos contratos, o de garantir quanto possível a justiça real, comutativa (não a simples justiça formal expressa pela igualdade jurídica dos contraentes) nas relações entre as partes, o de proteger a parte que dentro da relação contratual se considera económica ou socialmente mais fraca e o de preservar a "integridade de outros valores essenciais à vida da relação, como sejam a moral pública, os bons costumes, a segurança do comércio jurídico e a certeza do direito (Das obrigações em geral, vol. I, 6. edição, página 253).<br> - Observados os enunciados "limites da lei" na<br> "modelação" dos contratos, este passa a ser um acto com força obrigatória: uma vez celebrado, o contrato, plenamente válido e eficaz, constitui lei imperativa entre as partes - artigo 406 n. 1.<br> - Este princípio da estabilidade dos contratos sofre desvios: o contrato pode modificar-se ou extinguir-se por vontade das partes ou por providência legislativa.<br> - Dentro destes desvios surge o da resolução ou modificação dos contratos por alteração das circunstâncias: às vantagens da segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do principio da estabilidade opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a resolução ou modificação do contrato.<br> - Tal princípio e respectivos desvios são afloramentos, como bem salienta o acórdão recorrido, dos princípios constitucionais de justiça e de proporcionalidade, tendo em vista o alcance destes princípios (Gomes<br> Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3. edição, páginas 164 e 152).<br> 3.O direito à resolução ou à modificação do contrato surge nos termos do artigo 437 n. 1, quando se verifiquem os seguintes requisitos. a) produzir-se uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. b) a exigência das obrigações assumidas pela parte lesada afecte gravemente os princípios da boa fé; c) Tal exigência não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato (Vaz Serra, Revista de Legislação Jurisprudência, ano 113, páginas 366 e 368; Pires de<br> Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. I, 4. edição, página 413).<br> - A fórmula legal usada no n. 1 do artigo 437 diz respeito ao circunstancionalismo que rodeia o contrato objectivamente tomado, desde que se lhe reporte..., sendo certo que para se determinar as circunstâncias visadas e qual a envergadura da alteração para que se desencadeia o processo de resolução ou modificação do contrato surge, então, um primeiro papel da "boa fé": revelam as circunstâncias cuja alteração, num determinado grau, leve a que a exigência das obrigações assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé (Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol II, página 1107).<br> Se a alteração de circunstâncias de um contrato vem a colocar um cenário onde se confrontam pretensões idênticas de sentido contrário - um a exigir o seu cumprimento e outro a clamar a injustiça desse incumprimento - dir-se-á, conforme sublinha Menezes Cordeiro, "que a boa fé não comunica, de imediato, os traços mais habituais do seu conteúdo (traduzidos pelas ideias de protecção da confiança e da consideração pela materialidade da base) mas exprime, no sistema privado e em situações as exigências de igualdade: igualdade que, "para além de presidir à possibilidade de constituição de situações jurídicas, exerce, nas vicissitudes destes, uma função sindicante e que a margem de oscilação, a nível de resultados reais, tem limites, consegue-se, por esta via, dar expressão dogmática a uma ordem de factores que, actuando já no pré-entendimento do tema, facultava intuições semelhantes e acertadas, ainda quando acompanhadas de justificações indefendíveis" (obra citada, páginas 1112 e 1113).<br> 4. O artigo 437 n. 1 do Código Civil exige ainda que a alteração não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.<br> - A referência ao risco tem sentido de que os esquemas da alteração das circunstâncias só operam na falta de normas que, de modo explícito, prescrevam outras formas de suportação dos danos verificados, já que tal referência indica a natureza supletiva da alteração das circunstâncias em que os princípios de boa fé apresentam-se com uma função de controlo, conforme Menezes Cordeiro quando diz:<br> "Mas tal relação de supletividade não deve ser entendida em termos absolutos: a interpretação das normas que cominem as repartições particulares do risco ou similares deve revelar se a atribuição realizada é definitiva, plena, ou se, ainda aí, é admissível, passada certa margem, que a exigência dos deveres contratuais possa contrariar gravemente os princípios de boa fé" (obra citada, página 1107).<br> 5. As considerações que se deixam expostas permite-nos precisar que, no caso "sub judice" não têm os Autores direito à actualização quer das avenças vencidas quer das avenças futuras.<br> 5a) Relativamente às avenças vencidas não se justifica desvio a princípio da estabilidade do contrato celebrado entre as partes, na medida em não se verifica a razão de ser que reclama a resolução ou modificação do contrato, razão de ser que nos é dada por Almeida Costa quando escreve:<br> "A segurança das relações jurídicas induz à estabilidade dos contratos. Pode acontecer, porém, que uma mudança profunda das circunstâncias em que as partes se vincularam torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas o cumprimento daquilo a que se encontra obrigada, ou provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas, quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração. Nestas situações, as vantagens de segurança, aconselhando a rigorosa aplicação do princípio da estabilidade, opõe-se um imperativo de justiça, que reclama a resolução ou modificação do contrato" (Direito das obrigações, 5. edição, página 254).<br> 5b) Relativamente às avenças futuras não se coloca a questão da modificação do contrato celebrado entre as partes, na medida em que esse contrato deixou de produzir efeitos a partir do momento em que a autora mulher deixou de exercer a sua actividade profissional.<br> - A outro resultado não se chega quando se analisa as cláusulas do contrato celebrado entre as partes, mormente a cláusula transcrita em a), n. 2), parágrafo II do presente acórdão.<br> - Esta cláusula só pode ter o sentido de a contraprestação a que os Autores se obrigaram (fomentar a procura dos produtos da empresa da 1. outorgante e promover o prestígio da imagem dos mesmos) estar limitada no tempo, precisamente "durante o exercício da actividade profissional da Autora mulher".<br> - O exercício da actividade profissional da Autora mulher cessou em 1989 (cfr. referido em 5) e 6), parágrafo II do presente acórdão) de sorte que o contrato deixou de produzir os seus efeitos, o que equivale a dizer que, a partir desse momento, deixou de existir obrigações para os outorgantes do contrato.<br> - E desaparecendo as obrigações a que se encontravam adstritas cada uma das partes não se pode colocar a questão que os Autores colocaram na presente acção: a modificação do contrato que celebraram com a Ré com base na verificação dos requisitos enunciados no artigo 437 n. 1 do Código Civil.<br> - Conclui-se, assim, que a factualidade demonstrada nos autos não justifica a procedência do pedido com fundamento em alteração anormal das circunstâncias.<br> V<br> Se a factualidade demonstrada nos autos justifica a procedência do pedido com base no enriquecimento sem causa da Ré:<br> 1. Posição da Relação e dos recorrentes:<br> 1a) A Relação do Porto decidiu que, face à matéria factual dada como provada, não se prova que a Ré tenha obtido realmente qualquer enriquecimento: para que tal enriquecimento se tivesse verificado, tornar-se-ia necessário alegar e provar que, mercê da actividade dos<br> Autores (por acção ou omissão) a Ré tivesse obtido maiores proventos na venda dos produtos que fabricava e comercializava. Não se sabe se efectivamente a Ré, quer através da venda dos seus produtos por parte dos Autores quer através da obrigação de não concorrência a que eles estavam obrigados, auferia ou não alguns proventos, enriquecendo, assim o seu património.<br> Por outro lado, não se vislumbra o nexo de causalidade entre o enriquecimento, o empobrecimento, na medida em que falta a relação de dependência pressuposto no artigo 473, quando a vantagem e o prejuízo, em vez de serem causa um do outro são antes efeito (no todo ou em parte) da mesma circunstância.<br> Conclui que não se verifica no "caso" qualquer dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.<br> 1b) Por sua vez, os recorrentes sustentam que a Ré, beneficiando da mesma prestação acordada com os autores e por estes prestada ao longo dos anos, enriqueceu à custa do seu empobrecimento consubstanciado no gritante desvalor da avença por eles recebida daquela, face à inflação entretanto verificada.<br> Que dizer?<br> 2. A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, pressupõe a verificação simultânea de três requisitos (artigo 473 n. 1): que alguém obtenha um enriquecimento, que o obtenha à custa de quem requer a sua restituição; e que o enriquecimento não tenha causa justificativa.<br> - O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de ser encarada sob dois ângulos o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e a do enriquecimento patrimonial, que reflecte a diferença, para mais produzida na esfera económica do enriquecimento e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado<br> (Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, páginas 27 e 42 e seguintes).<br> - O alcance dos dois restantes requisitos retira-se dos ensinamentos dos novos mais recentes e iminentes civilistas (Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 5. edição, páginas 450 e seguintes; Almeida e<br> Costa, Direito das Obrigações, 5. edição, páginas 393 e seguintes; Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6. edição, páginas 183 e seguintes).<br> 3. Perante o alcance dado ao requisito enriquecimento, haverá que reconhecer que o mesmo não se verifica no caso "sub judice": não se encontram provados factos demonstrativos de que o património da Ré se valorizou ou deixou de desvalorizar em resultado da conduta assumida pelos Autores, ou seja, em resultado dos Autores cumprirem a obrigação a que se encontravam adstritos em resultado do contrato que celebraram com a Ré.<br> Por outro lado, não se vê provados factos demonstrativos do empobrecimento dos Autores.<br> - Tudo a significar que boa análise fez a Relação sobre os requisitos do injusto locupletamento à custa alheia, de sorte a concluir (como concluimos) não existir factualidade demonstrada a justificar a procedência do pedido com base no enriquecimento sem causa da Ré.<br> VI<br> Conclusão<br> Do exposto, poderá extrair-se que:<br> 1) a razão de ser do regime estabelecido no artigo 437 n. 1 do Código Civil está na mudança das circunstâncias em que as partes se vincularam tornando excessivamente oneroso ou difícil para um deles o cumprimento daquilo a que se encontra obrigado ou provocando um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas quando se trate de contratos de execução diferida ou de longa duração.<br> 2) A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, pressupõe que alguém obtenha um enriquecimento, sem causa justificativa, à custa de quem requer a sua substituição.<br> 3) O requisito enriquecimento, encarado sob o ângulo patrimonial, reflecte a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado.<br> Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos reunidos nos autos, poderá precisar-se que:<br> 1) Os autores não têm direito à actualização das avenças vencidas relativas ao contrato de prestação de serviços celebrado em 1968 com a Ré, na medida em que a questão da modificaão desse contrato coloca-se, nos termos do artigo 437 n. 1 do Código Civil, relativamente a prestações que ainda não foram cumpridas.<br> 2) Os Autores não têm direito à actualização de avenças futuras no contrato de prestação de serviços celebrado em 1968 com a Ré na medida em que a questão da modificação desse contrato, nos termos do artigo 437 n. 1 do Código Civil, deixou de colocar-se a partir do momento em que o mesmo se extinguiu: o contrato deixou de produzir efeitos a partir do momento em que a Autora mulher deixou de exercer a sua actividade profissional.<br> 3) A Ré não tem obrigação de restituir, nos termos do artigo 472 do Código Civil, por não se encontrarem provados factos demonstrativos de que o património da Ré se valorizou ou deixou de desvalorizar em resultado dos autores cumprirem a obrigação a que se encontravam adstritos em resultado do contrato que celebraram com a Ré.<br> 4) O acórdão recorrido não merece censura por ter observado o afirmado em 1) e 3).<br> Termos em que se nega a revista.<br> Custas pelos recorrentes.<br> Lisboa, 18 de Janeiro de 1996.<br> Miranda Gusmão,<br> Sá Couto,<br> Sousa Inês.<br> Decisões impugnadas:<br> I - Sentença de 14 de Abril de 1993 de Vila Nova de<br> Gaia;<br> II - Acórdão de 4 de Julho de 1994 da Relação do Porto.</font>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><b><u><font>Relatório</font></u></b> <p><font>Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, corre termos uma acção declarativa de condenação, em que figura como autora,</font> </p><p><b><u><font>AA S.A.</font></u></b><font>,</font> </p><p><font>e como réu,</font> </p><p><b><u><font>BB</font></u></b> </p><p><font>Nessa acção a A. pede, no que aqui interessa considerar, a condenação do réu a entregar-lhe o montante de 40.000,00 €, acrescido dos juros moratórios, vencidos e vincendos, sendo o capital correspondente ao valor de um veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula ..., que o R. indevidamente transferiu para a sua propriedade.</font> </p><p><font>No essencial alega:</font> </p><p><font>- Enquanto gerente da Sociedade “CC Ld.ª” (incorporada por fusão na A.), o R. dispunha de um veículo automóvel para o exercício das suas funções;</font> </p><p><font>- De acordo com as normas internas da sociedade «CC, Lda.», vigentes até final de 2007, era conferida a alguns quadros superiores da empresa e que utilizassem viaturas de função, a possibilidade de adquirirem as mesmas, findo o respectivo período de utilização, o qual correspondia à duração dos contratos celebrados pela sociedade «CC, Lda.» relativos às viaturas de função, habitualmente de 4 anos, embora tal período pudesse variar, caso a caso;</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp; As viaturas de função apenas podiam ser transferidas para os respectivos colaboradores findo o respectivo período de utilização mediante o pagamento do valor residual do veículo;</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp; Desde 2008, as normas de gestão da frota automóvel excluem expressamente a possibilidade de as viaturas de função serem adquiridas pelos respectivos colaboradores findo o respectivo período de utilização e nunca foi reconhecido ao Réu o direito de adquirir gratuitamente a viatura que lhe havia sido atribuída;</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp; O Réu, aproveitando-se das funções que exercia na sociedade «CC, Lda.», e bem sabendo que para tal não estava autorizado, ordenou aos serviços que tratassem da documentação necessária à transferência da propriedade do referido veículo automóvel, a qual foi concretizada, estando o veículo registado definitivamente a favor do Réu desde 6 de Julho de 2009;</font> </p><p><font>-&nbsp;&nbsp;&nbsp; Apesar de interpelado para o efeito, o Réu não procedeu à entrega da viatura, vendo-se a Autora obrigada a emitir, em 3 de Julho de 2009, uma nota de débito com vencimento na mesma data no valor de € 40.000,00 correspondente ao valor de mercado da viatura, e que deveria ser pago pelo Réu;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp;&nbsp; </font> </p><p><font>O R. </font><u><font>arguiu excepção de incompetência material do Tribunal</font></u><font> alegando em resumo que:</font> </p><p><font>- Tinha uma relação profissional com a A., emergente de contrato de trabalho;</font> </p><p><font>- Foi despedido pela Autora no âmbito de um despedimento colectivo;</font> </p><p><font>- Impugnou o despedimento estando a respectiva acção pendente no 5.° juízo, 2.a secção do Tribunal do Trabalho de Lisboa, com o n.° 303/10.6;</font> </p><p><font>- Na supra referida acção formulou, entre outros, pedidos de declaração de ilicitude e de anulação do despedimento e de condenação da Ré (ora Autora) a pagar-lhe as remunerações e demais benefícios inerentes ao período que vai desde a data do despedimento até à data da sentença;</font> </p><p><font>- Entre os benefícios referidos encontra-se a viatura automóvel em causa nos autos, a qual tinha o direito de adquirir a custo zero no final do período de utilização em virtude da relação laboral que tinha com a Autora;</font> </p><p><font>- A questão que a Autora pretende suscitar traduz-se em saber se o Réu teria, ou não, o direito a adquirir a viatura e em que condições, direito que emerge da relação de trabalho, devendo, por isso, ser apreciada à luz do Código do Trabalho.</font> </p><p><font>Pelo que, conclui, o Tribunal materialmente e competente é o Tribunal do Trabalho.</font> </p><p><font>Em sede de réplica a A. alegou:</font> </p><p><font>- A competência em razão da matéria deve ser apreciada em face da causa de pedir e do pedido formulados na petição inicial;</font> </p><p><font>- Nos presentes autos não se discute a natureza da entrega da viatura nem se a mesma reveste o carácter de remuneração, mas tão só a «transferência da propriedade de um veículo automóvel»;</font> </p><p><font>- De acordo com as normas de gestão da frota automóvel actualmente em vigor, é expressamente excluída a possibilidade de as viaturas de função serem adquiridas pelos respectivos colaboradores findo o respectivo período de utilização;</font> </p><p><font>- O direito a adquirir o veículo automóvel em causa não resulta de qualquer convenção colectiva de trabalho, do contrato individual de trabalho ou de qualquer acordo em que seja parte a Autora e o Réu.</font> </p><p><font>Concluindo que o tribunal competente é o presente.</font> </p><p><font>Conhecendo da excepção e no que respeita ao pedido de entrega dos 40.000,00 € (único que aqui interessa ponderar), a 1ª instância decidiu que o que estava em causa era a efectivação da responsabilidade civil do réu decorrente da transferência indevida para a sua esfera jurídica da aludida viatura automóvel, que era propriedade da A..</font> </p><p><font>Entendeu, então que o </font><u><font>tribunal é materialmente competente para conhecer e decidir do pedido de condenação do réu no pagamento da peticionada quantia de 40.000,00 € acrescida dos juros</font></u><font>.</font> </p><p><font>Inconformado recorre o R. para o Tribunal da Relação, que deu provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e, julgou procedente a excepção de incompetência material do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa para conhecer do pedido em causa.</font> </p><p><font>É agora a A. que inconformada recorre de revista para este S.T.J..</font> </p><p><b><u><font>Conclusões</font></u></b></p><div><br> </div><br> <br> <font>Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente, as seguintes conclusões:</font> <p><font>A. No âmbito dos presentes autos, a ora Recorrente (então Autora) peticiona a condenação do ora Recorrido (então Réu) no pagamento do montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos. O referido montante corresponde ao valor de mercado do veículo automóvel de marca Mercedes, com a matrícula ..., o qual foi transferido (de forma ilícita) da propriedade do ora Recorrente para a propriedade do ora Recorrido.</font> </p><p><font>B. Após o ora Recorrido ter invocado a excepção de incompetência absoluta das Varas Cíveis para conhecer o referido pedido, veio o Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente a referida excepção de incompetência material.</font> </p><p><font>C. A ora Recorrente discorda em absoluto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa uma vez que o mesmo não teve em devida conta o pedido e a causa de pedir formulados pela ora Recorrente, nem tão-pouco a relação material controvertida entre as Partes.</font> </p><p><font>D. Com efeito, o Tribunal Cível é efectivamente competente para apreciar o pedido em referência, na medida em que, no âmbito dos presentes autos, não se discute a natureza da transferência do veículo, nem se a mesma reveste carácter de retribuição, mas apenas e tão somente a questão da transferência (ilícita) da propriedade de um veículo automóvel e os danos causados com este actos. Assim trata-se, claramente, de uma questão de foro cível.</font> </p><p><font>E. O ora Recorrido, aproveitando-se das funções de gerente que desempenhava na Recorrente e bem sabendo que não estava autorizado para o efeito, ordenou aos serviços internos competentes na matéria, que tratassem de toda a documentação necessária à operação de transferência de propriedade do veículo automóvel que usou durante a relação que manteve com a ora Recorrente. Assim, e sem o conhecimento ou o consentimento da restante gerência da ora Recorrente, a propriedade do veículo automóvel foi transferida para o ora Recorrido, não obstante este bem saber que essa transferência era ilícita.</font> </p><p><font>F. Assim, não se poderá senão concluir que o que está em causa no âmbito da presente acção é, tão-somente, uma questão de responsabilidade civil do ora Recorrido perante a ora Recorrente, uma vez que, através da conduta supra descrita, o Recorrido provocou danos à ora Recorrente no montante de € 40.000,00, correspondentes ao valor de mercado da viatura em apreço. Nestes termos, o que se pretende, através da presente acção, é apurar os eventuais factos geradores de responsabilidade civil praticados pelo ora Recorrido, peticionando correspondente indemnização.</font> </p><p><font>G. Tendo a ora Recorrente formulado contra o ora Recorrido um pedido relativo a dano; patrimoniais sofridos em virtude de um acto ilícito, temos que a respectiva causa de pedir não emerge, nem directa nem indirectamente, de qualquer relação pré-existente (laboral ou outra) entre as Partes, mas única e exclusivamente de actos ilícitos geradores de responsabilidade civil e para cujo conhecimento o Tribunal do Trabalho não é competente.</font> </p><p><font>H. Assim a causa de pedir e o pedido reconduzem-se, única e exclusivamente, a uma questão de responsabilidade civil extracontratual, cuja competência para decidir é legalmente atribuída aos tribunais cíveis.</font> </p><p><font>I. No momento da prática dos factos ilícitos, a relação laboral do ora Recorrido com a Recorrente encontrava-se aliás suspensa, em virtude de este ter sido nomeado como gerente da ora Recorrente. Estando o contrato de trabalho suspenso, verificamos que os actos não foram praticados ao abrigo de uma relação de trabalho, pelo que o Tribunal de Trabalho jamais poderia ser competente para dirimir esta questão, uma vez que a este só compete conhecer das questões emergentes das relações de trabalho subordinado.</font> </p><p><font>J. Acresce que, para que se afirmasse a competência do Tribunal do Trabalho para conhecer do pedido em apreço, seria necessária a sua conexão com a eventual relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência e, bem assim, a sua cumulação com outro pedido para o qual o tribunal fosse directamente competente. Ora não estando o facto gerador de responsabilidade civil do ora Recorrido conexionado com quaisquer outros atinentes à eventual relação de trabalho existente entre a ora Recorrente e o ora Recorrido por acessoriedade ou dependência, não é o Tribunal do Trabalho materialmente competente para conhecer do pedido que aqueles mesmos factos suportam. A responsabilidade civil de ora Recorrido não está conexionada com a eventual relação laboral existente entre as Parte: (ou, de resto, qualquer outra relação existente entre as Partes), pois os factos geradores de responsabilidade do ora Recorrido em nada dependem do contrato, seja de trabalho ou de gerência que parece ter existido entre ambas.</font> </p><p><font>K. Para que se verifique a hipótese de competência material do Tribunal do Trabalho prevista n alínea b), do art.° 118.° da LOFTJ, é necessário que o direito que se pretende ver acautelada provenha da violação de obrigações que resultem de uma relação jurídica laboral. ( problema é, assim, de interpretação da lei, mais concretamente, do sintagma "questão emergente de relação de trabalho subordinado". Na determinação do sentido e alcance da primeira parte da alínea b) do referido art.° 118°, o que verdadeiramente releva, para determinação da razão de ser da norma, é que o direito que se pretenda ver tutelado através do exercício do direito de acção judicial provenha (seja emergente) da violação de obrigações que resultem de uma relação jurídico-laboral, mormente do contrato de trabalho.</font> </p><p><font>L. Mas é manifesto não ser isso o que acontece no caso sub judice. Com efeito, desde logo, a relação laboral estava suspensa, motivo pelo qual não existindo relação laboral, não será competente o Tribunal do Trabalho. Por outro lado e sobretudo a ora Recorrente fundamenta a sua pretensão, não na violação de uma obrigação laboral do Recorrido, mas sim na responsabilidade civil extracontratual deste pela prática de actos ilícitos.</font> </p><p><font>M. Não se verifica a existência de qualquer situação que possa determinar a atribuição de competência ao tribunal de trabalho, pelo que é competente o tribunal cível.</font> </p><p><font>Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis deve ser concedido provimento ao presente recurso julgando-se o mesmo procedente e revogando-se o douto Acórdão recorrido em conformidade, substituindo-se por outro que reconheça competência material do tribunal a quo e que prossiga com o conhecimento da causa.</font> </p><p><b><u><font>Os Factos</font></u></b> </p><p><font>Para além do que se deixou descrito no antecedente relatório, a </font><u><font>Relação fixou a seguinte matéria de facto com interesse para a decisão</font></u><font>:</font> </p><p><font>1) No&nbsp; âmbito&nbsp; dos presentes&nbsp; autos,&nbsp; a Recorrida peticionou&nbsp; a&nbsp; condenação&nbsp; do Recorrente a pagar-lhe o montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), relativo à transferência para&nbsp; a&nbsp; esfera jurídica&nbsp; do&nbsp; Recorrente&nbsp; da&nbsp; propriedade&nbsp; do&nbsp; veículo&nbsp; automóvel,&nbsp; da&nbsp; marca "Mercedes", com a matrícula ....</font> </p><p><font>2) Alegou, para o efeito, que:</font> </p><p><font>- O Recorrente, enquanto gerente da sociedade "CC, Lda.", incorporada por fusão na Recorrida, dispunha de um veículo automóvel para o exercício das suas funções; (art. 14.° da PI)</font> </p><p><font>- De acordo com as normas internas da sociedade "CC, Lda.", vigentes até final de 2007, era conferida a alguns quadros superiores da empresa, que utilizassem viaturas de função, a possibilidade de adquirirem as mesmas, findo o respectivo período de utilização; (arts. 15.° e 16.° da PI);</font> </p><p><font>- As mencionadas viaturas de função apenas poderiam ser transferidas para os respectivos colaboradores findo o respectivo período de utilização, mediante o pagamento do valor residual do veículo; (art. 17.° da PI);</font> </p><p><font>- Posteriormente, em virtude de uma alteração na gestão da citada sociedade e nos procedimentos internos adoptados, nomeadamente no que respeita à gestão da "Frota Automóvel", as normas de gestão da frota automóvel (em vigor desde 2008) expressamente excluem a possibilidade de as viaturas de função serem adquiridas pelos respectivos colaboradores findo o respectivo período de utilização; (arts. 22.° e 23.° da PI);</font> </p><p><font>- Ao Recorrente nunca foi reconhecido (antes ou depois de 2007 e findo ou não o período de utilização), o direito a adquirir gratuitamente a viatura que lhe havia sido atribuída.</font> </p><p><font>- Com efeito, o direito a adquirir o veículo automóvel em causa não resulta de qualquer convenção colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho ou qualquer outro acordo em que seja parte Recorrente e Recorrida.</font> </p><p><font>- Não obstante, o Recorrente, aproveitando-se das funções que exercia na sociedade "CC, Lda.", e bem sabendo que para tal não estava autorizado, ordenou aos serviços que tratassem da documentação necessária à transferência da propriedade do referido veículo automóvel; (arts. 24.° e 25.° da PI)</font> </p><p><font>- Sem conhecimento da gerência da sociedade "CC, Lda.", a propriedade do veículo automóvel foi transferida para o Recorrente, sem que o mesmo tivesse pago qualquer montante à referida sociedade, estando o veículo registado definitivamente a favor do Réu desde 6 de Julho de 2009 (arts. 32.° a 35.° da PI);</font> </p><p><font>- Apesar de interpelado para o efeito, o Recorrente não procedeu à entrega do veículo automóvel, tendo, contrariamente ao que era sua obrigação, procedido ao registo da transferência de propriedade.</font> </p><p><font>- O valor de mercado do veículo automóvel, à data da transferência da propriedade, ascendia a € 40.000,00 (quarenta mil euros), correspondendo também ao montante que a sociedade "CC, Lda." receberia caso tivesse decidido vender o veículo automóvel na referida data.</font> </p><p><font>- Através da conduta supra descrita, o Recorrente provocou danos à sociedade "CC, Lda.", incorporada por fusão na Recorrida, no montante de € 40.000,00, correspondente ao valor de mercado do veículo.</font> </p><p><b><u><font>Fundamentação</font></u></b> </p><p><font>Como se vê das conclusões, a única questão a apreciar é a de saber se </font><u><font>o Tribunal Cível é o competente para conhecer do pedido de pagamento dos 40.000,00 €</font></u><font>, correspondentes ao valor do veículo automóvel que o R. terá, indevidamente, transferido para a sua esfera jurídica, sem consentimento da A., sua proprietária, como esta defende, ou, </font><u><font>se, diferentemente, a competência material para apreciar este pedido pertence ao Tribunal de Trabalho</font></u><font>, como quer o R..</font> </p><p><font>Como é sabido a competência é um pressuposto processual que se determina em conformidade com a configuração do pedido e respectiva causa de pedir, tal como são apresentadas pelo A..</font> </p><p><font>A sua determinação constitui, portanto, questão prévia ao conhecimento do mérito da causa, que, aliás, condiciona, na medida em que o juiz só pode conhecer do fundo se para tal lhe for reconhecida competência material.</font> </p><p><font>A competência afere-se, por conseguinte, pelo “quid disputatum” ou “quid decidendum”, em oposição com aquilo que, posteriormente, será o “quid decisum”.</font> </p><p><font>Por outras palavras, a competência material afere-se pela relação litigiosa submetida à apreciação do Tribunal, nos exactos termos unilateralmente afirmadas pelo autor da pretensão e pelo pedido formulado.</font> </p><p><font>Como ensina o Prof. Manuel de Andrade (Noções):</font> </p><p><font>“A competência do Tribunal não depende ... da legitimidade das partes nem da procedência da acção.</font> </p><p><font>É ponto a resolver de acordo com os termos da pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos desta pretensão”.</font> </p><p><font>Por isso mesmo a competência dos tribunais judiciais fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, tal como as modificações de direito (quanto a estas com duas excepções, que aqui não interessam considerar).</font> </p><p><font>- Cofr. Art. 22 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais – L. 3/99 de 13/1 – . O mesmo regime foi adoptado pela actual Lei 52/2008 de 28/8. – </font> </p><p><font>Por outro lado, no confronto entre tribunais pertencentes a ordens jurisdicionais diversos, a competência em razão da matéria dos tribunais judiciais determina-se por um critério residual, daí que estes tribunais tenham competência material para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.</font> </p><p><font>No caso concreto encontramo-nos no âmbito de tribunais da mesma ordem jurisdicional, tratando-se de saber se a competência material para o conhecimento da causa pertence às Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, onde a A. instaurou a acção, ou ao Tribunal de Trabalho, sendo certo que, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais de competência especializada cível aqueles que possuem competência residual, competindo-lhes o julgamento das causas de natureza cível não atribuídas a outros tribunais especializados.</font> </p><p><font>São as leis de organização judiciária que determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais dotados de competência especializada, como, por ex., dos Tribunais de Trabalho.</font> </p><p><font>Ora, segundo o disposto no Art. 85º da Lei 3/99, compete aos tribunais de trabalho conhecer, em matéria cível, entre o mais,</font> </p><p><font>b) das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e das relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.</font> </p><p><font>o) das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho.</font> </p><p><font>..............</font> </p><p><font>(Cfr. também o Art. 118º da nova Lei 52/2008, de teor idêntico).</font> </p><p><font>Posto isto, não pode esquecer-se o que logo de início se referiu, isto é, que a determinação da competência em razão da matéria se afere em função do pedido e da causa de pedir, tais como foram desenhadas pelo A.</font> </p><p><font>Como se decidiu no Ac. deste S.T.J. de 13/3/2008, em que foi relator o Ex.</font><sup><font>mo</font></sup><font> Cons. Sebastião Povoas e 1º adjunto o aqui relator “Para decidir a matéria da excepção de incompetência material, há que considerar a factualidade emergente dos articulados, isto é, a causa petendi e, também o pedido nos precisos termos afirmados pelo demandante ... no fundo o que sucede com a competência do tribunal, sucede também com outros pressupostos processuais (legitimidade, forma do processo), ou seja, é a instância – no seu primeiro segmento consubstanciado no articulado inicial do demandante – que determina a resolução desse pressuposto”.</font> </p><p><font>Ora, no caso concreto a A. fundamenta a acção nos termos acima descritos, alegando essencialmente, que o R., aproveitando-se das suas funções na sociedade e apesar de saber que não estava autorizado, nem tinha direito a fazer seu o veículo de função que utilizava </font><u><font>enquanto gerente</font></u><font>, fez transferir para a sua propriedade o dito veículo, com o que causou à A. danos ou prejuízos correspondentes ao valor de mercado do veículo. É esse valor que peticiona.</font> </p><p><font>Atribui, pois, ao R., </font><u><font>um comportamento ilícito, gerador de responsabilidade civil extracontratual, sem chamar à colação qualquer relação laboral. Alega mesmo expressamente, que o R. não tem direito de adquirir o veículo automóvel em causa com base em qualquer convenção colectiva de trabalho, contrato de trabalho ou qualquer acordo em que sejam partes a A. e o R..</font></u> </p><p><font>Assim, é evidente que a causa de pedir nada tem a ver com qualquer questão emergente da relação de trabalho subordinado que ligasse a A. e o R., até porque o gerente não é, seguramente, um trabalhador subordinado, e ao que vem alegado, a utilização do veículo (à data, sem direito de aquisição, finda a utilização) era efectuada pelo R. enquanto gerente da A..</font> </p><p><font>Daí que tenha de ter-se por excluída a competência material do Tribunal de Trabalho.</font> </p><p><font>É certo que o R. alega que foi despedido e que impugnou tal despedimento em acção pendente no Tribunal de Trabalho, pedindo, nessa acção, a condenação da aqui A. (ali Ré) a pagar-lhe as remunerações devidas e demais benefícios inerentes, entre eles, o direito de adquirir a viatura em causa a custo zero, </font><u><font>por se tratar de benefício de natureza retributiva emergente de relação de trabalho</font></u><font>.</font> </p><p><font>Porém, tal alegação significa apenas que o R. se defende, arguindo factualidade excepcional, que a provar-se e a proceder, inviabiliza a pretensão da A.</font> </p><p><font>Mas tal defesa, como é óbvio, </font><u><font>não altera a causa de pedir ou o pedido</font></u><font>, que, como se disse, foram estruturados na base da responsabilidade civil extracontratual decorrente de acto ilícito e é por referência a tal pedido e causa de pedir que há-de decidir-se a excepção da incompetência em razão da matéria, que nada tem a ver com o mérito.</font> </p><p><font>Decisivamente, não é em consideração com o alegado em termos de defesa que se determina a competência material do Tribunal ...</font> </p><p><font>Acresce que o Art.º 96º n.º 1 do C.P.C. estende a competência do tribunal comum, não só para decidir incidentes propriamente ditos que se suscitem no decurso da acção, como também para </font><u><font>decidir outras questões prejudiciais</font></u><font> que o R. coloque em sede de defesa, o que significa que o tribunal competente para a causa (no caso do tribunal cível) tem também competência para apreciar tais questões prejudiciais conexas, ainda que, isoladamente consideradas, a competência para delas conhecer pertencesse a outro tribunal (no caso, ao Tribunal de Trabalho), com a única limitação de que essa concreta decisão não constitui caso julgado fora do processo, o mesmo é dizer que apenas tem força de caso julgado formal.</font> </p><p><font>Consequentemente, o reconhecimento da competência material do Tribunal cível não prejudica a utilidade da acção que o R. instaurou no Tribunal de Trabalho, a qual, a ser considerada causa prejudicial em relação à acção intentada pela A., poderá levar eventualmente à suspensão desta nos termos do Art. 279º do C.P.C..</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>Concluímos, portanto, pela competência material das Varas Cíveis para conhecer do mérito da causa aqui em lide, procedendo, por consequência o recurso.</font><div><br> </div><br> <br> <b><u><font>Decisão</font></u></b><div><br> </div><br> <br> <font>Termos em que acordam neste S.T.J. em conceder revista e consequentemente:</font> <p><font>- revoga-se o acórdão recorrido na parte em que julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal Cível de Lisboa no que se reporta ao pedido de condenação do R. a pagar à A. a quantia de 40.000,00 € e respectivos juros moratórios.</font> </p><p><font>- decide-se julgar improcedente a referida excepção, afirmando-se ser o Tribunal cível competente materialmente para conhecer do referido pedido, assim repristinando, nesta parte (única em causa no recurso) a decisão de 1ª instância.</font></p><div><br> </div><br> <br> <font>Custas pelo recorrido.</font><div><br> </div><br> <br> <font>Lisboa,&nbsp; 31 de Maio de 2011</font> <p><font> </font> </p><p><font>Moreira Alves (Relator)</font> </p><p><font>Alves Velho</font> </p></font><p><font><font>Moreira Camilo</font></font></p>
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1.ª Secção (Cível)
<b><font> </font></b><font><br> <br> <br> <b><u><font>Relatório</font></u></b><div></div><br> <font>Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, </font><br> <b><u><font>AA, Ld.ª</font></u></b><font> e</font><br> <b><u><font>BB, S.A.</font></u></b><font>,</font><br> <font>Intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o, </font><br> <b><u><font>Estado Português</font></u></b><br> <font>Formulando os seguintes pedidos:</font><br> <font>— Condenação do R., enquanto sucessor da RNIP – Rodoviária Nacional Investimentos e Participações, S.A. – no pagamento à </font><b><u><font>1ª Autora</font></u></b><font> da quantia de 623.555,32 €, acrescidas de juros de mora, desde a citação, ou subsidiariamente, a condenação do R. a pagar igual quantia à </font><b><u><font>2ª Autora</font></u></b><b><font>.</font></b><div></div><font>Alegam em fundamento:</font><div></div><font>A A.A. no âmbito da operação de privatização em oferta pública de venda de diversas sociedades comerciais cinditárias da Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, S.A. – RNIP – (entretanto extinta, tendo a totalidade do seu património sido transmitido para o accionista único, o ora R.), a 1ª Autora adquiriu a quase totalidade do capital social de cinco dessas sociedades ou seja:</font><br> <font>- 99,98%, do capital da Rodoviária da Estremadura, S.A. (que actualmente é a 2ª A.);</font><br> <font>- 99,75% do capital social da Rodoviária de Lisboa, S.A.;</font><br> <font>- 100% do capital social da Rodoviária Sul do Tejo, S.A. (actualmente denominada Transportes Sul do Tejo, S.A.).;</font><br> <font>- 86.78% do capital social da Rodoviária do Alentejo, S.A.; e</font><br> <font>- 82,37% do capital social de Rodoviária do Algarve S.A. (actualmente denominada EVA, Transportes, S.A.).</font><br> <font>Deste modo, adquiriu indirectamente, uma posição dominante no capital social da EIS – Empresa de Indústria Mecânica do Sul, S.A., visto que o capital desta empresa tinha sido repartido do modo seguinte:</font><br> <font>- 26% era detido pela Rodoviária Estremadura S.A.;</font><br> <font>- 25% pela Rodoviária Lisboa S.A.;</font><br> <font>- 22% pela Rodoviária Sul do Tejo SA..;</font><br> <font>- 20% pela Rodoviária do Alentejo S.A. e </font><br> <font>- os restantes 7% tinham sido adquiridos pela EVA – Transportes, S.A. (anteriormente designada por Rodoviária do Algarve), por sua vez sociedade filha da Rodoviária do Alentejo, S.A.).</font><div></div><font>Posteriormente, em 16/11/2001, a EIS foi objecto de fusão por incorporação na 2ª Autora, que é quase integralmente detida pela 1ª Autora.</font><div></div><font>Sucede que a referida Sociedade EIS, que constituía um activo financeiro das cinco sociedades adquiridas na referida privatização, padecia e padece de um vício não revelado pela alienante, que a desvalorizou, na medida em que, por assembleia geral da RNIP, de 31/1/1991, foi deliberado que eventuais casos de integração de trabalhadores que hajam pertencido aos quadros da sede, serão incluídos no pessoal da EIS.</font><div></div><font>Ora, à data da cisão, existia no seio da RNIP contingências laborais relativas a dois processos judiciais de impugnação de despedimento de trabalhadores afectos à sede, no caso, de CC e DD.</font><div></div><font>Por força da referida deliberação, essas contingências laborais foram afectas à EIS, por razões do exclusivo interesse da RNIP e sem obedecer a qualquer lógica de unidade funcional.</font><div></div><font>Contudo, enquanto a RNIP assumiu a responsabilidade pela indemnização em que a EIS foi condenada, no que se refere a CC, o mesmo não ocorreu quanto ao outro processo judicial, em que a EIS foi condenada a pagar a DD a quantia de Esc. 144.468.532$00, posteriormente reduzida, por acordo, para € 440.496,49, que pagou, a que acrescem outras despesas judiciais, no montante de € 183.058,83.</font><br> <font>Apesar de várias vezes instada, a RNIP não assumiu as responsabilidades quanto a esta contingência laboral, ficando a EIS empobrecida no referido montante, que nunca foi provisionado. </font><div></div><font>Acresce que a 1ª autora desconhecia essa contingência na data de aquisição das sociedades, pois a mesma não foi revelada nos prospectos de privatização, nem na contabilidade das sociedades cinditárias ou da EIS, </font><u><font>sendo que não as adquiriria pelo preço a que o fez, se tivesse esse conhecimento</font></u><font>. </font><br> <font>Entendem, pois, as autoras que a RNIP violou a sua obrigação de correcta informação, no prospecto das OPV’s, induzindo em erro a 1ª autora, </font><u><font>que só pagou o preço proposto por desconhecer o referido ónus que impendia sobre as sociedades adquiridas</font></u><font>.</font><div></div><font>Pretende, pois, a primeira autora fazer funcionar o seu direito à redução do preço que pagou pelas sociedades cinditárias, nos termos dos arts. 905° e 911° do Cód. Civil.</font><div></div><font>A não se entender tal, sempre terá existido culpa na formação do contrato, por violação do dever legal de informação, ao abrigo do art. 485°, n°2 do Cód. Civil e por violação do dever de boa fé, ao abrigo dos arts. 227° e 762°, n°2 do mesmo Código.</font><div></div><font>Ainda que assim não se entenda, sempre a RNIP, enquanto sociedade cindida, responde solidariamente pelas responsabilidades transmitidas à sociedade cinditária, nos termos do art. 122°, n°l do Cód. Socs. Comerciais.</font><br> <font>Desse modo, a 2ª autora, por ter adquirido o património da EIS, é credora da RNIP, tendo o direito a ser ressarcida do empobrecimento indevido por ela sofrido, pois a deliberação em crise violou o preceituado no art. 124°, n°s 1, b) e 2 do citado Código, deduzindo, pois, pedido subsidiário, ao abrigo do art. 483°, n° 1 do Cód. Civil.</font><div></div><font>O réu Estado Português deduziu contestação, excepcionando a prescrição da pretensa responsabilidade civil decorrente do prospecto, nos termos do art. 161° do CMVM, por se mostrarem já decorridos mais de 18 meses desde a data de encerramento das respectivas ofertas públicas de venda.</font><br> <font>Em segundo lugar, excepciona o réu a caducidade da responsabilidade emergente da pretensa venda de coisa onerada ou defeituosa, por força do disposto nos arts. 916° e 917° do Cód. Civil.</font><br> <font>Em terceiro lugar, excepciona o mesmo réu a prescrição do direito à indemnização por pretensa violação do dever legal de informação ou de boa fé, por força do disposto no art. 498°, n°l do Cód. Civil.</font><br> <font>Por fim, o mesmo réu impugnou motivadamente parte da factualidade enunciada na petição inicial, alegando, para tanto, que a inclusão das contingências laborais em crise na EIS ficou a dever-se à constatação de que esses trabalhadores seriam dificilmente enquadráveis em qualquer das novas empresas de transportes, sendo que, na sua eventual integração, os respectivos custos seriam repercutidos por várias sociedades cinditárias, sendo a EIS participada por cinco sociedades, em vez de fazer recair esse encargo apenas sobre uma delas - fundamentos objectivos e coerentes, factores jurídicos e financeiros legítimos e ponderados.</font><div></div><font>Acrescenta o réu que a 1ª autora era conhecedora da contingência laboral em questão, na medida em que a mesma resultava claramente da acta em crise e também porque adquiriu logo em Fevereiro de 1992, 82,37% do capital social da Rodoviária do Algarve, S.A., por sua vez, uma das participantes no capital social da EIS, o que não impediu que concorresse com sucesso à privatização de outras quatro sociedades cinditárias.</font><div></div><font>No que se refere ao pedido subsidiário, formulado pela 2ª autora, também a este respeito invoca o réu a excepção de prescrição, por se mostrar decorrido o prazo previsto no art. 498°, n° 1 do Cód. Civil, bem como, nos termos supra aduzidos, impugna motivadamente a factualidade enunciada como seu pressuposto.</font><div></div><font>Conclui, pois, o réu pela improcedência da demanda.</font><div></div><font> Sobre a matéria, vieram as Autoras referir, em </font><u><font>sede de réplica</font></u><font>, que a acção se não funda na responsabilidade civil decorrente do art. 161°, CMVM, sendo certo que o próprio art. 165°, desse diploma, prevê que o regime da responsabilidade pelo conteúdo do prospecto não afasta a aplicabilidade do regime geral da responsabilidade, podendo os lesados accionar os responsáveis «nos termos e prazos que resultem destas disposições», apenas com a ressalva de «que o dano não seja indemnizado mais de uma vez».</font><div></div><font>Por outro lado, o caso dos autos não é enquadrável como venda de coisa defeituosa, por não estarem em causa vícios materiais ou físicos da coisa objecto de transmissão, mas sim vícios jurídicos, o que reconduz o caso à previsão da venda de bens onerados (à qual não será aplicável o regime dos arts. 916° e 917°, CC), de modo que, tem de improceder a arguida excepção de caducidade.</font><div></div><font>Por fim, entendem as Autoras, que o prazo do art. 498°, n° 1, CC, só se iniciou depois da produção do dano, ou seja, com o trânsito em julgado em 09/12/1999, do acórdão STJ 24/11/1999, que condenou a EIS, no pagamento das quantias reclamadas pelo Dr. DD, pelo que inexiste qualquer prescrição</font><div></div><font>Procedeu-se à prolação de despacho saneador, onde se julgou improcedente a primeira excepção de prescrição da responsabilidade civil decorrente do prospecto - apenas e só na medida em que a autora não funda o seu pedido no regime de responsabilidade civil decorrente dos arts. 160° e sesgs do CMVM.</font><br> <font>Relegou-se o conhecimento da excepção de caducidade da responsabilidade derivada da venda de coisa onerada ou defeituosa para final.</font><div></div><font>Julgaram-se improcedentes as excepções de prescrição do direito à indemnização por violação do dever legal de informação e de boa fé, bem como de prescrição do direito invocado, quanto ao pedido subsidiário.</font><div></div><font>Procedeu-se à selecção da matéria de facto relevante, que não foi objecto de reclamação, bem como à realização de audiência de julgamento e foi proferida decisão quanto à matéria de facto provada, sem qualquer reclamação e com observância das legais formalidades.</font><div></div><font>Proferiu-se, de seguida, sentença final que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu o R. dos pedidos (quer do pedido principal, quer do subsidiário).</font><div></div><font>Inconformados, recorreram os A.A. mas sem êxito, visto que a Relação, conhecendo da apelação a julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.</font><div></div><font>Novamente inconformados, voltam a recorrer os AA., agora de revista e para este S.T.J..</font><div><br> <font> </font><br> </div><br> <b><u><font>Conclusões da Revista</font></u></b><b><font>.</font></b><br> <font>Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:</font><div></div><font>1. O Douto Tribunal a quo, por acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, absolveu, de forma ilegal, o ora Recorrido dos pedidos formulados pelas Recorrentes.</font><br> <font>2. Ficou adquirido nos autos que, no âmbito da operação de reprivatização, através de ofertas públicas de venda ("OPV") de acções representativas do capital social de diversas sociedades comerciais resultantes da cisão da RNIP - Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, S.A., (doravante designada por "RNIP") - entretanto extinta, tendo ex lege sido todo o seu património transmitido para o accionista único, o ora Recorrido - as Recorrentes adquiriram a quase totalidade do respectivo capital social, e, indirectamente, uma posição dominante no capital social da sociedade EIS - EMPRESA DE INDÚSTRIA METALÚRGICA DO SUL, S.A. (daqui em diante "EIS") - sociedade detida na totalidade pelas sociedades adquiridas - sociedade hoje denominada BB, S.A., ora Recorrente, por fusão por incorporação.</font><br> <font>3. A EIS, que se afigurava como um relevante activo financeiro das sociedades cinditárias, carregava consigo um vício de direito - dois litígios laborais - não revelado às Recorrentes, quer nos prospectos de OPV, quer na contabilidade das sociedades, e que estas não estavam, em face das circunstâncias concretas, obrigadas a conhecer.</font><br> <font>4. Os prospectos das OPV’s não só não informavam, como deveriam, a existência das referidas contingências laborais, como os documentos contabilísticos relevantes não reflectiam, como deveriam, essas contingências através da constituição de uma provisão ou de uma menção das razões pelas quais se entendia não provisionar tais contingências, uma vez que não era razoável, expectável ou sequer lógico que a EIS tivesse no seu quadro de pessoal o trabalhador\relativo ao qual se verificava a tal contingência laboral.</font><br> <font>5. Contrariamente ao que sucedeu quanto à indemnização a que a EIS foi condenada a pagar num dos referidos processos laborais - o do Engenheiro CC -, cujo pagamento foi assumido pela RNIP, no caso dos autos, o Estado, sucessor ex lege na posição da RNIP, não assumiu idêntico comportamento, embora se tratasse de um caso em tudo semelhante àquele.</font><br> <font>6. Da matéria de facto carreada para os autos e de uma correcta interpretação e aplicação do Direito resultava a possibilidade de conceder às ora Recorrentes a redução do preço do negócio, bem como a condenação do Recorrido, com base em responsabilidade pré-contratual e violação do dever de informação, a que acresceria, subsidiariamente, a condenação do Recorrido com base em responsabilidade civil, dada a ilegalidade da deliberação de 31/1/1991 da RNIP, por violação do preceitos que regulam a cisão.</font><br> <font>7. O acórdão recorrido violou lei substantiva, nomeadamente através de erro na interpretação e aplicação das normas legais relevantes.</font><br> <font>8. No que concerne ao vício de excesso de pronúncia, e de acordo com o disposto no artigo 660.°, n.° 2, do CPC, o Tribunal apenas pode conhecer de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras.</font><br> <font>9. No caso em apreço as Recorrentes invocaram a redução do preço no negócio, ao abrigo do vertido nos artigos 905.° e 911.° do CC, como base do pedido de indemnização deduzido contra o ora Recorrido.</font><br> <font>10. A referida redução do preço, enquanto elemento determinante para a pretensão das Recorrentes, arvora-se em elemento constitutivo do pedido.</font><br> <font>11. O Tribunal de 1.ª Instância - contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo - pronunciou-se sobre questões de que não poderia ter tomado conhecimento, tendo produzido considerações conclusivas e preenchido factos não provados ou sequer alegados por qualquer das partes.</font><br> <font>12. De acordo com o entendimento preconizado pela 1.ª Instância - e baseando-se num conjunto de factos por si tidos como bons e que influenciaram, de forma decisiva, o sentido do aresto -, o referido negócio entre as partes teria sido celebrado pelas ora Recorrentes nas exactas condições em que o foi, ainda que estas conhecessem a contingência em apreço, sem que tal tivesse sido alegado pelo Recorrido,</font><br> <font>13. O eventual benefício que as Recorrentes poderiam obter com a aquisição das citadas empresas não implica, automaticamente, que as mesmas as comprassem a qualquer preço, independentemente do seu valor.</font><br> <font>14. Aliás, a aquisição das empresas em causa não foi feita com base numa proposta de venda de "tudo ou nada", podendo, naturalmente, os potenciais adquirentes avaliar as empresas e procurar comprá-las em função dessa avaliação, reflectindo no respectivo preço, rectius na respectiva oferta, os aspectos positivos e negativos entretanto identificados.</font><br> <font>15. O Tribunal de 1.ª Instância não se limitou a tecer considerações relacionadas com factos públicos e notórios.</font><br> <font>16. As Recorrentes não poderiam ter atacado a consideração desses factos como públicos, pois a sua maioria apenas foi putativamente qualificada como tal pelo Tribunal a quo.</font><br> <font>17. Não se vislumbra claramente do acórdão recorrido quais os factos concretamente considerados como notórios pelo Tribunal a quo que tenham sustentado as aludidas "considerações" - já que a 1.ª Instância apenas havia declaradamente chamado à colação tal conceito para um dos factos.</font><br> <font>18. De todos os factos em questão, somente a existência do grupo Rodoviária Nacional e o desenvolvimento da sua actividade na área centro e sul se configuram como factos notórios, por serem factos do conhecimento geral no país, pelo cidadão comum.</font><br> <font>19. Quanto aos restantes "factos notórios", mais não são do que considerações de direito (“aquisição de posição de domínio") ou meras formulações abstractas ("maior grupo de transporte português"), que não se reconduzem ao conceito previsto no artigo 514.°, n.° 1, do CPC.</font><br> <font>20. O Tribunal de 1.ª Instância fundou a sua decisão - nomeadamente a de que as Recorrentes não haviam cumprido o ónus de prova da alegação de que teriam, igualmente, adquirido as participações, embora por preço inferior, se tivessem conhecimento da contingência laboral em questão - com os supra citados factos, os quais, uma vez explanados e assentes, foram pedra de toque para que o Tribunal conhecesse de matérias que se encontravam fora do âmbito do pedido e da causa de pedir.</font><br> <font>21. Labora num equívoco o Tribunal a quo ao referir que as Recorrentes não descartaram a possibilidade de a sua posição no mercado poder ter beneficiado com a aquisição das citadas empresas, parecendo fazer depender a existência do vício de excesso de pronúncia de uma/ eventual impugnação desse facto, bem como da impugnação dos alegados "factos notórios".</font><br> <font>22. O vício de excesso de pronúncia não está dependente de tal impugnação, e, bem assim, as Recorrentes, nas suas alegações de recurso, expressamente afirmaram não corresponderem à realidade as conclusões a que o Tribunal de 1.ª Instância chegou - e, consequentemente, os factos que lhe subjazem - nomeadamente a eventual aquisição das empresas em causa nas exactas condições em que foi feita, ainda que as Recorrentes conhecessem a contingência laboral em questão.</font><br> <font>23. Resulta à saciedade que o Tribunal de 1.ª Instância se pronunciou sobre questões de que não poderia conhecer - particularmente a eventual aquisição das empresas em causa nas exactas condições em que foi feita, ainda que as Recorrentes conhecessem a contingência laboral em questão e os factos dados como certos que sustentaram tal conclusão.</font><br> <font>24. O Tribunal recorrido fez uma interpretação incorrecta e ilegal da 2.ª parte da alínea d) do n.° 1 do artigo 668.° do CPC, em especial através da não subsunção da questão em apreço ao vício de excesso de pronúncia.</font><br> <font>25. Relativamente à redução do preço do negócio, entendeu o Douto Tribunal recorrido que a mesma teria que improceder por não existirem elementos nos autos que permitissem preencher a previsão do artigo 905.° do CC, tendo o mesmo Tribunal deixado de se pronunciar sobre a questão da admissibilidade daquela redução de preço.</font><br> <font>26. A empresa, enquanto unidade jurídica - coisa unitária composta incorpórea, de tipo especial - pode ser objecto de negócios jurídicos (compra e venda de empresa).</font><br> <font>27. No caso em apreço, o que se pretendeu fazer através das OPV’s foi alienar as empresas qua tale.</font><br> <font>28. Mesmo a compra de uma porção significativa de participações sociais de uma empresa - como sucedeu no caso sub judice com a aquisição das empresas cinditárias - deverá ser configurada como compra e venda de empresa.</font><br> <font>29. Neste sentido, e a propósito de um caso semelhante ao que ora se discute nestes autos (privatização de uma sociedade financeira de capitais públicos, objecto de uma oferta pública de venda, em que dos prospectos não constava a existência de duas garantias bancárias), foi decidido por um Tribunal Arbitral, em Acórdão de 31 de Março de 1993 </font><font>Cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 126,1993-1994, pp. 128 e segs.</font><br> <font>, "não sofrer dúvida que o negócio celebrado entre os AA. e R. (compra e venda de cerca de 95% das acções da sociedade) se deva qualificar como compra e venda, tendo por objecto uma empresa, sobre a qual incidiam ónus ocultados ou não revelados aos adquirentes."</font><br> <font>30. Relativamente ao citado Acórdão do Tribunal Arbitral, a opinião totalmente maioritária da doutrina foi a de enquadrar a referida situação no regime da compra e venda de bens onerados (artigos 905.° e seguintes do CC).</font><br> <font>31. Mesmo que o regime da compra e venda de bens onerados não pudesse ser aplicado directamente à venda de empresa, sempre o seria por via do artigo 939.° do CC, que permite alargar aos diversos contratos onerosos o regime da compra e venda.</font><br> <font>32. Na Alemanha, a questão da qualificação das dívidas inesperadas, que tem provocado ampla produção doutrinária e jurisprudencial é a respeitante à responsabilidade por vícios.</font><br> <font>33. Assim, para uns, a compra de empresa estaria sujeita às regras da compra da coisa e, em particular, aos §§ 459 e segs. do BGB (responsabilidade por vícios da coisa), aplicáveis analogicamente, enquanto que, para outros, e para maioria da jurisprudência alemã, as dívidas inesperadas configuram vícios de direito, sendo aplicáveis os §§ 434 e segs do BGB (entre nós, os citados artigos 905.° e segs. do CC), uma vez que se trataria de uma transmissão da empresa societária e esta empresa, fruto da imprevisão da dívida (não revelada pelo vendedor), encontrar-se-ia onerada (vício de direito) - artigo 905.° do CC.</font><br> <font>34. Para aqueles outros que consideram os factos inesperados para o comprador uma venda de coisa (empresa) defeituosa, então, aplicar-se-ia o disposto no artigo 913.° do CC.</font><br> <font>35. Em qualquer das situações, o regime aplicável será sempre o da compra e venda de bens onerados, podendo o comprador lançar mão dos direitos previstos nos artigos 905.° e seguintes do CC.</font><br> <font>36. Os ónus ou direitos a que o artigo 905.° do CC se refere respeitam a vícios de direito que afectam a situação jurídica da coisa e não as suas qualidades fácticas, ou seja, tratam-se de direitos de terceiro oponíveis ao comprador e que, portanto, não permitem a utilização do bem segundo o que havia sido acordado.</font><br> <font>37. Todos os direitos que confiram a terceiros pretensões contra o comprador - que sejam eficazes perante este - e que este desconheça no momento da compra cairão no âmbito de aplicação do artigo 905.° do CC.</font><br> <font>38. A contingência laboral ora em análise, relativa à EIS - e que se reflectia nas empresas adquiridas, por serem detentoras da totalidade das suas participações sociais - consubstancia-se num ónus ou limitação, na acepção do artigo 905.° do CC, uma vez que se referia à situação/jurídica do objecto da compra e venda, isto é, das empresas enquanto unidade autónoma.</font><br> <font>39. Improcede a argumentação expendida pelo Douto Tribunal a quo, segundo a qual a inexistência, no momento da compra, de qualquer obrigação judicial ou contratual fixada de indemnização pecuniária a favor do trabalhador DD, bem como a impossibilidade de quantificar, a priori, o montante da indemnização fundavam a inexistência de tal ónus.</font><br> <font>40. A existência de um ónus implica que um terceiro possa opor o seu direito ao do comprador, vendo-se este constrangido no exercício dos seus direitos, exigindo-se, assim, uma mera susceptibilidade de oposição do direito de terceiro face ao comprador, o que, manifestamente, sucedia com a referida contingência laboral, que se tratava de um vício de direito.</font><br> <font>41. O trabalhador DD havia intentado acção de impugnação de despedimento contra a Rodoviária Nacional -posteriormente RNIP - tendo passado a ser da responsabilidade da EIS, aquando da cisão da RNIP, os débitos resultantes de contrato de trabalho e sua violação ou cessação, incluindo situações de readmissão de trabalhadores que tinham pertencido ao quadro da sede.</font><br> <font>42. Como ressalta do parecer elaborado pelo Dr. ... sobre o "Processo laboral do Dr. DD" (junto a fls. 66-82 e facto provado n.° 14) e, bem assim, da carta enviada pela Comissão Liquidatária da RNIP ao Chefe de Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro (junto a fls. 70-73 e facto provado n.° 13) e como foi dado como assente pelo Douto Tribunal a quo (cfr. facto provado n.° 39), no que concerne à citada contingência laboral, a RNIP tinha consciência de que existiria um elevado grau de probabilidade de que a respectiva decisão de mérito fosse desfavorável à EIS, isto é, a susceptibilidade de oposição do direito era reforçada.</font><br> <font>43. O bem adquirido pelas Recorrentes - as cinco empresas cinditárias -carregava consigo um ónus (não identificado) que, a ser conhecido, certamente, condicionaria os termos da sua aquisição, já que constituía forte limitação ao direito de propriedade que lhe estava associado.</font><br> <font>44. O que releva, pois, é determinar se a limitação detectada poderá ser oposta ao comprador, provocando uma "diminuição" do direito transmitido e, desse modo, uma falta de correspondência entre o valor do bem pressuposto no contrato e o valor efectivamente transmitido.</font><br> <font>45. A subvalorização das participações sociais das empresas adquiridas, fruto da contingência laboral em causa, consubstancia, ela própria, um vício de direito e, portanto, um ónus do bem adquirido,</font><br> <font>46. Contrariamente ao decidido pelo Douto Tribunal a quo, dos factos carreados para os autos e dados como assentes resulta, de forma explícita, que o referido ónus - maxime uma contingência laboral não identificada nos prospectos de oferta pública de venda, nem provisionada ou por qualquer modo revelada nos documentos contabilísticos da sociedade - não constitui um ónus normalmente verificado quando da transmissão de empresas.</font><br> <font>47. Apenas dessa maneira se explica que o citado ónus, atento o seu elevado valor, constituísse, inegavelmente, informação relevante que deveria encontrar-se nos prospectos de oferta pública de venda de privatização das empresas cinditárias.</font><br> <font>48. Um ónus como aquele ora em análise, ou seja, propositadamente oculto, não poderá ser configurado como um vício que não excede os limites usuais inerentes aos direitos da mesma categoria.</font><br> <font>49. O legislador pretende proteger o comprador nos casos em que não estão em causa onerações que entram no genérico quadro delimitador do conteúdo do tipo de direito em questão, o que, manifestamente, sucede no caso em apreço.</font><br> <font>50. O juízo de determinação do ónus em causa como excedendo os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria não passa por uma visão fraccionada da responsabilidade das sociedades cinditárias - e bem assim das ora Recorrentes -, em função da participação social que detinham na EIS - como defende o Douto Tribunal a quo.</font><br> <font>51. O valor eventualmente a pagar por cada sociedade detentora de participações no capital social da EIS (cerca de €160.000,00) não seria despiciendo.</font><br> <font>52. O objecto vendido - as empresas cinditárias - trazia acoplado a si a mais que provável exigência de pagamento do referido valor ao trabalhador DD, contingência que, como é prática no mundo empresarial - ainda para mais quando do lado do vendedor se encontra o Estado -, deveria ser revelada, por não se tratar de um assunto de somenos importância.</font><br> <font>53. Foi colocado à disposição das ora Recorrentes o objecto da compra e venda, mas não lhes foi proporcionada, simultaneamente, a situação jurídica que, de acordo com a OPV, estas poderiam legitimamente esperar, tendo aquelas recebido menos, em direito, do que aquilo a que o Recorrido, enquanto vendedor, estava obrigado a proporcionar-lhes.</font><br> <font>54. A ser conhecida, a referida contingência teria naturalmente tido influência no montante oferecido pelas Recorrentes por cada acção das empresas cinditárias.</font><br> <font>55. Proporcionalmente, os valores em causa a pagar por cada uma das empresas, face ao valor das propostas de compra efectuadas teriam maior impacto no negócio - e, portanto, no preço oferecido - do que se as cinco empresas tivessem sido adquiridas num só "pacote", já que, neste caso, o valor da responsabilidade estaria muito mais diluído.</font><br> <font>56. Contrariamente à solução propugnada pelo Douto Tribunal a quo, a existência da contingência, a sua não identificação nos prospectos de OPV (dolosamente ocultada, aliás) nem nos documentos contabilísticos, a relevância do montante da contingência e o seu carácter excessivo resultam claramente dos autos, com o que não podem as ora Recorrentes deixar de censurar o sentido do aresto ora em análise.</font><br> <font>57. A venda das empresas cinditárias, com a referida contingência, (traduziu-se, portanto, numa compra e venda de bem onerado, a que são aplicáveis os artigos 905.° e seguintes do CC.</font><br> <font>58. Em relação à citada redução do preço no negócio em análise, quer o Venerando Tribunal recorrido, quer o Tribunal de 1.ª Instância simplesmente ignoraram o caso supra referenciado relativo à privatização da Sociedade Financeira Portuguesa, decidido por um Tribunal Arbitral - caso em tudo paralelo ao ora em análise -, bem como toda a doutrina produzida nesse âmbito e que defendia a aplicação do regime da compra e venda de bens onerados, mormente a aplicação da figura da redução do preço.</font><br> <font>59. O Tribunal a quo não se pronunciou sobre a aplicação do artigo 911.° do CC, embora tivesse entendido não resultar dos autos que, a terem conhecimento da citada contingência, as Recorrentes teriam, igualmente, adquirido as participações sociais, mas mediante preço inferior (artigo 911.° do CC),</font><br> <font>60. Às Recorrentes seria suficiente a prova da existência do ónus, da falta de qualidade da coisa, não tendo sequer de provar o seu desconhecimento.</font><br> <font>61. Resulta claro dos autos que as Recorrentes conseguiram provar, efectivamente, o desconhecimento do ónus no momento das aquisições.</font><br> <font>62. Nos termos do vertido no artigo 911.° do CC, era ao Recorrido que caberia provar, para obstar à procedência do pedido, que o seu incumprimento do contrato era irrelevante.</font><br> <font>63. A compra e venda de bens onerados, embora remeta para o regime da anulabilidade por erro ou dolo, não se confunde com tal regime, apresentando, igualmente, características do regime do incumprimento, que a configuram como uma figura de natureza híbrida.</font><br> <font>64. A letra da lei exige, nos artigos 905.° e 913.° do CC, a aplicação dos requisitos legais da anulabilidade, tendo o comprador que provar os respectivos factos; todavia, esta exigência faz algum sentido no âmbito do artigo 911.° do CC.</font><br> <font>65. De facto, considera o legislador que o comprador apenas poderá anular o contrato se o "erro" sobre o ónus/limitação ou vício da coisa que comprou (i.e. o incumprimento) for essencial, ou seja, se o comprador tivesse deixado de celebrar o negócio se conhecesse tal ónus/limitação.</font><br> <font>66. No caso da redução do preço, o legislador não exige - como faz para a anulação de uma compra e venda de bem onerado - o "erro" sobre o ónus/limitação ou vício da coisa que comprou (i.e. o incumprimento) seja essencial.</font><br> <font>67. O problema do caso vertente reside em saber que factos precisaria o comprador provar para o exercício do direito à redução do preço previsto no artigo 911.° do CC.</font><br> <font>68. Como refere a melhor doutrina, o comprador, apesar de a garantia edilícia «depender» da existência de erro seu quanto às qualidades da coisa comprada, não tem que fazer prova da existência do erro, apenas tendo que fazer prova da existência do vício ou falta de qualidade da coisa.</font><br> <font>69. Ressalta da prova produzida que, sem margem para dúvidas, existia um ónus a onerar as empresas adquiridas, uma vez que os bens em causa foram entregues com um vício de direito que, muito provavelmente, iria trazer ao comprador despesas acrescidas - como veio de facto a suceder.</font><br> <font>70. Não se vislumbra qualquer motivo para que não tenha sido concedido às Recorrentes o direito à redução do preço, em conformidade com o que t
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