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Os Vigilantes / Gun chung / Eye in the Sky <END> Anotação em 2009: <END> Não sou propriamente um fã de filmes de ação, mas gosto de bons filmes, e também de surpresas, de filmes sobre os quais não sei absolutamente nada – e aí resolvi ver Os Vigilantes para experimentar. <END> Além de comprovar que o povo da ex-colônia britânica encravada no planeta China domina bem esse tipo de artesanato, Os Vigilantes é outra prova de que aquilo ali de fato é outro mundo, muito distante do nosso. <END> Tem coisas de 1984, o Grande Irmão da distopia do inglês George Orwell – mas o filme não está aí para discutir sobre o direito à privacidade, o governo ditatorial que sabe de tudo; é só um filme policial, de ação, um thriller. <END> Quem viu qualquer uma das três partes da Trilogia Bourne, com Matt Damon, pode se impressionar com a visão que os filmes passam, de que a CIA, o serviço de espionagem e inteligência do Império mais poderoso da História, sabe tudo, acompanha tudo, pode tudo. <END> É quase como se fosse assim o mundo do futuro que Spielberg mostrou em Minority Report, de 2002, em que a unidade policial em que trabalha o personagem de Tom Cruise vê numa tela os crimes que ainda estão para ser cometidos. <END> Com uma diferença extraordinária: em Os Vigilantes não há super-heróis. <END> O sargento experiente e a novata bonitinha <END> Tá bom, tá bom, mas qual é a história, pô? <END> A história gira em torno de um bandido e dois vigilantes, policiais encarregados de vigiar criminosos. <END> Do lado da lei, os dois personagens seguem aquele modelo clássico que contrapõe uma pessoa experiente, o sargento que é conhecido como Dog Head (Simon Yam, ótimo ator), e um novato, no caso uma novata, a quem o sargento apelida de Piggy – assim mesmo, Dog Head e Piggy, em inglês. <END> A abertura do filme é de tirar o fôlego, de dar vontade de apertar a tecla de rewind e ver de novo uma, duas vezes. <END> Fala-se pouco, como nos western-spaghettis <END> Levamos algum tempo para perceber exatamente o que está acontecendo, quem está seguindo quem. <END> Aos poucos, no entanto, vamos compreendendo a ação – a câmara é rápida, ágil, agitada, mas, ao contrário de tantos filmes de ação de Hollywood, aqui não se procura uma narrativa enrolada para confundir o espectador. <END> Paralelamente, está acontecendo o assalto à joalheria. <END> Dog Head e Piggy serão destacados para ir atrás dos assaltantes, segui-los, vigiá-los. <END> É uma beleza de roteiro, e uma direção de grande talento. <END> O filme – informa o iMDB – ganhou cinco prêmios e teve outras 19 indicações, todas em festivais asiáticos. <END> Danado de difícil acompanhar esses nomes – Yau Nai-hoi ou Nai-Hoi Yau?
O Magnífico / Le Magnifique <END> Anotação em 2009: <END> É uma hilariante, feroz, violenta gozação dos filmes de aventura, espionagem, dos super-heróis; o alvo mais específico são os filmes de James Bond (a trilogia Bourne, os Matrix e os Kill Bill ainda não tinham sido inventados, é claro), mas ele abarca tudo o que já existia e o que viria depois. <END> É também uma maravilhosa brincadeira a respeito de um tema sério: a arte e o entretenimento como escapismo, como fuga da realidade. <END> Quem???, poderá perguntar a imensa maioria das pessoas. <END> Um belo cineasta <END> Philippe de Broca, ladies and gentlemen. <END> Em um de seus filmes mais conhecidos, Le Roi de Coeur, de 1966, disse outra pequena obviedade tão óbvia que a gente se esquece dela: nos hospícios há muito mais gente sã do que do lado de fora – não é quem está do lado de fora que faz guerra? <END> Vejo no iMDB uma informação interessante sobre ele: <END> Vejamos o que diz dele seu compatriota Jean Tulard, no seu Dicionário de Cinema – Os Diretores: <END> "Ex-assistente de Decoin, de Chabrol e de Truffaut, aproveitou-se do fenômeno da nouvelle vague nos primeiros filmes, comédias crepitantes e cheias de humor. <END> Algumas observações aqui deste escrevedor sobre o verbete tirado da edição brasileira do livro de Tulard (L & PM, 1966). <END> E um último comentário sobre o verbete brasileiro do Dicionário de Tulard: a última frase, ótima, exatamente a que elogia O Magnífico, não está, no entanto, na edição original do Dictionnaire de Tulard – pelo menos não na que eu tenho, da editora Robert Laffont, de 1985. <END> Um começo espetacular, brilhante <END> Bem, mas e o filme, cacilda? <END> O filme abre de forma brilhante, não menos que isso. <END> Festa de rua, durante o dia bonito, ensolarado, numa cidade mexicana: uma orquestra toca alto e forte aquele ritmo típico que vemos mexicanos tocarem em tantos filmes americanos, praticamente desde que o cinema existe. <END> Começam os créditos iniciais, com uma melodia à la mexicana alçando vôo junto com o helicóptero que carrega a cabine telefônica com o pobre agente. <END> Mas péra lá, a seqüência de abertura ainda não terminou. <END> Câmara submarina, agora. <END> Não precisava. <END> Corta; uma grande lancha com um oficial americano na proa avança pelas águas, entra num túnel. <END> – "Rodriguez morreu. <END> O americano pede ao francês que Bob Saint-Clair seja colocado na missão – só ele poderá salvar a civiliação ocidental, o mundo livre. <END> O francês liga então para Badgá. <END> Bob Saint-Clair chega a Paris – ainda era Orly, e não o Charles de Gaulle, e ainda não havia fingers. <END> – "Temos um intérprete albanês, mas ele só fala romeno. <END> E lá vai Bob Saint-Clair para sua missão no México, onde é aguardado pela pessoa que trabalhará com ele no caso: <END> Já se passaram, então, uns 10, 12, 15 minutos de filme. <END> É absolutamente sensacional essa seqüência – assim como muito do que virá depois. <END> Se você ainda não viu o filme, não leia a capa do DVD <END> A rigor, a rigor, o espectador não deveria ficar sabendo, antes de ver o filme, o que virá a seguir. <END> Mas, a rigor, a rigor, não deveria. <END> Eu, por mim, não vou entregar/estragar mais nada. <END> Só gostaria de registrar também que haverá, lá pela metade do filme, uma tomada num trem de metrô, uma única e rápida tomada, que por si só já valeria por um filme inteiro. <END> Claude Bolling – e Belmondo <END> Ah, sim, Claude Bolling. <END> E, finalmente, Belmondo. <END> Caro Richard, encontrei o DVD na minha locadora, a 2001 Vídeo, de São Paulo. <END> Este filme "LE MAGNIFIQUE" é o máximo. <END> Assisti esse filme em 73 e andava à sua procura. <END> Esse filme é uma delícia! <END> já vi esse filme na tv a muito tempo estou com 38 anos, com certeza não foi no ano de seu lançamento mas, uma coisa é certa ficou marcado em mim lembro cada detalhe, incrivel não é eterno por estar em pelicula mas, por ser atemporal. me traz muitas recordações poderia escrever horas, é como um doce da infancia que, não se fbrica mais. que bom que hoje esta em dvd e até na internet vamos vamos rejuvenecer vamos provar. <END> Não é da minha geração. <END> 2 Trackbacks <END> […] mínimo sobre outra grande atriz.
Coração Louco / Crazy Heart <END> Anotação em 2010: <END> Não se propõe a ser um grande filme, nem a ser um grande sucesso, um blockbuster – muito ao contrário. <END> Calhou de ter como protagonista Jeff Bridges, grande ator, grande figura, hoje, aos 60 anos, um ícone, um astro de respeito. <END> O problema é do Oscar, da mídia – não do filme. <END> Escrevi os parágrafos acima num impulso, logo depois de ter visto o filme, sem me basear em informação alguma, e aí me deu uma certa dúvida: será que é isso mesmo? <END> Independente, pequeno, despretensioso, despojado <END> Quis começar minha anotação sobre o filme com essas observações porque elas me parecem absolutamente importantes. <END> É tudo isso; é um belo filme. <END> O trabalho do diretor Scott Cooper, que eu não conhecia, é tão discreto quanto eficaz; é do tipo que não chama atenção, não fica soltando rojões e dizendo "olhem aqui como eu sou genial". <END> Um velho músico country despencando ladeira abaixo <END> Bad Blake, o protagonista, não está numa fase boa da vida, quando o vemos no início da ação. <END> Ainda fuma, neste maravilhoso mundo novo já quase sem fumantes; fuma muito, e bebe mais ainda, o nosso Bad Blake. <END> Um velho músico decadente, despencando ladeira abaixo, ainda com seu charme, mas despencando – é o papel perfeito, feito sob medida para Jeff Bridges, belo rosto aos 60 anos de idade, barba grisalha, cabeleira longa e grisalha, que já interpretou vários tipos assim como Bad Blake. <END> Na segunda cidade onde vai se apresentar, desta vez pelo menos em um bar, e não num boliche, Bad Blake encontra um sujeito que gosta de tocar piano e, apesar de ser amador, sabe tocar. <END> Personagens que parecem humanos, espécie em extinção em Hollywood <END> O diretor Scott Cooper, ele mesmo autor do roteiro, foi feliz ao colocar na tela os personagens de Bad Blake e Jean Craddock, criados pelo escritor Thomas Cobbm, e o relacionamento que se estabelece entre os dois é muito bem desenvolvido – é sincero, é real, é anti-clichês, é anti-Hollywood, anti-glamour. <END> Me lembro de ter lido outro dia, a respeito do filme da escritora e cineasta Rebecca Miller, Vidas Cruzadas – A Vida Íntima de Pippa Lee, que personagens que parecem humanos são uma espécie em extinção em Hollywood. <END> Bad Blake não esconde a mágoa que sente pelo sucesso de Tommy (Collin Farrell, bom ator, como é preciso ser para ter no currículo trabalhos com Steven Spielberg e Woody Allen), um jovem cantor que aprendeu tudo com ele e agora faz um sucesso estrondoso. <END> O filme já está bem para lá da metade quando surge um novo personagem, Wayne, um velho amigo de Bad Blake, é uma figura meio paternal para ele, assim como ele, Bad, havia sido o mentor de Tommy. <END> Mais do que o personagem Wayne, importa para o filme o ator que faz o papel dele, outro ícone do bom cinema americano, Robert Duvall. <END> Atores não cantores que cantam – e um elogio à country music <END> Em Tender Mercies, também era Duvall – um ator não cantor – que cantava, com sua própria voz não educada e não treinada. <END> E, por trás do que vemos na tela, está o talento de T. Bone Burnett, um gigante. <END> Um filme de estilo simples, direto, franco, honesto, com belos personagens, belos atores, e muitas belas canções. <END> Ao terminar esta anotação, dois dias depois de rever o filme, deu uma vontade danada de comprar o DVD para rever uns trechos de vez em quando. <END> Um Comentário <END> Eu gostei do filme mas fiquei um tanto decepcionado. <END> 3 Trackbacks <END> […] muitíssimo complicada entre o personagem central, interpretado por Eric Bana, e seu pai, feito por Robert Duvall, sempre cheio de maneirismos mas sempre bom de se ver. <END> […] veremos uma ou outra imagem da mãe, através das lembranças do homem – mas Charlize Theron, Robert Duvall, Guy Pearce e os demais atores têm participações pequenas, de apenas alguns minutos cada um. […] <END> […] Estamos aí com uns 15, 20 minutos de filme, que passam como se fosse meio segundo e dão vontade de voltar e rever tudo – e o que virá a seguir é ainda mais doidão. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
O Cruzeiro / La Croisière <END> Nada vem de graça na vida. <END> Chose de lóki. <END> O filme é menor mesmo. <END> Só conheço um dos atores; possivelmente eles trabalham mais para a TV que para o cinema. <END> Praticamente toda a ação se passa dentro de um desses super ultra big transatlânticos – no caso específico, o MSC Fantasia, uma trolha onde cabem 3.900 passageiros e 1.300 tripulantes. <END> A trama criada pelas roteiristas Jeanne Le Guillou e Pascale Pouzadoux, esta última também a diretora, enfoca meia dúzia de personagens que viajam no naviozão, e que se envolvem nas situações mais embaraçosas, às vezes abertamente ridículas, estapafúrdias, quase sempre hilariantes. <END> E então eu gargalhava e me divertia à beça ao ver o filme – ao mesmo tempo em que me sentia culpado por estar gostando de um filme ruim, sem valor artístico, cultural, ou qualquer outro. <END> Mary, que ao contrário de mim é sã, simplesmente se divertiu. <END> Uma fazendeira cujo marido some no naviozão, um sujeito traído pela mulher, uma ladra… <END> O filme começa em uma fazenda da Bretanha. <END> Vemos então um mapinha da França, com a rota do casal de rudes fazendeiros desde a Bretanha, lá no alto, à esquerda do mapa, atravessando o país inteiro até o Sul, onde fica Marselha. <END> (Essa sacada, o mapinha da França, uma rota sendo percorrida ao longo de todo o país, havia sido usada em A Riviera Não é Aqui/Bienvenue Chez les Ch'tis, uma deliciosa comédia que foi um dos maiores sucessos de bilheteria na França nos últimos muitos anos. <END> Enquanto vão rolando os créditos iniciais, somos apresentados aos demais personagens, além do robusto casal de fazendeiros: <END> Hortense, a fazendeira, vai perder o marido logo na chegada ao navio; eles estão na fila da recepção, Pierrick diz que precisa ir ao banheiro – e desaparece. <END> A partir do desaparecimento de Pierrick, entrará em ação o chefe da segurança, um sujeito que se acha Bruce Willis. <END> Raphaël vê de longe sua bela mulher se encontrar feliz com o amante, e os dois subirem agarradinhos a escada para o navio. <END> Chloé, a batedora de carteiras de coração arrasado, preenche o requisito belíssima mulher jovem sensual, necessário a qualquer filme que pretenda fazer sucesso na bilheteria. <END> Simone, a viúva rica (à esquerda na foto abaixo), entra no navio que conhece bem – é useira e vezeira em viajar em cruzeiros daquele tipo – com um passageiro clandestino, Bernard, seu cãozinho de estimação, o último grande amor de sua vida. <END> E, finalmente, Alix, a workaholic, vem na história para que o espectador ria dos presunçosos parisienses e de todos os que dedicam a vida a trabalhar demais com prazer de menos. <END> Marilou Berry, de família de gente do cinema, começou a carreira adolescente <END> Vejo que Charlotte de Turckheim, uma parisiense da classe de 1955, tem 55 títulos como atriz – a maior parte filmes e séries para a TV, como eu desconfiava. <END> Line Renaud, que faz a rica viúva Simone, veterana nascida em 1928, fez 60 filmes, boa parte deles também para a TV. <END> Marilou Berry é parisiense, de 1983, e vem de uma linhagem de gente de cinema. <END> Nora Arnezeder, bela como se tivesse sido desenhada no Photoshop, também é parisiense, e mais jovem ainda – nasceu em 1989. <END> E, finalmente, Pascale Pouzadoux, a diretora e co-roteirista, de quem jamais tinha ouvido falar. <END> Então é isso aí. <END> Não é um bom filme – mas é engraçadérrimo. <END> Um Trackback <END> […] filmes franceses que se inspiram no tipo de humor televisivo mais popular, como, por exemplo, O Cruzeiro/La Croisière, de Pascale Pouzadoux. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Electra / Ilektra <END> Cerca de 2.370 anos depois que o grego Eurípedes escreveu Electra, seu conterrâneo Michael Cacoyannis transformou a tragédia em um filme de imagens tão belas, fortes, poderosas, que muito possivelmente elas ainda terão admiradores daqui a outros 2.370 anos – se a humanidade não se destruir antes disso, claro. <END> Cacoyannis e seu diretor de fotografia, Walter Lassally, conseguem o equilíbrio perfeito entre os planos gerais – tomadas amplas, mostrando a paisagem seca, terra pedregosa, poucas árvores, do interior da Grécia – e os close-ups dos rostos dos personagens, capazes de uma expressividade incrível, fascinante. <END> As palavras – escritas 23 séculos atrás – não são muitas. <END> Atrás dos protagonistas movimenta-se o coro, essa impressionante invenção da tragédia grega. <END> Há uma coreografia impressionante nos movimentos das mulheres do coro. <END> A câmara focaliza ora o coro inteiro, em plano de conjunto, ora o rosto de cada uma das mulheres, ou dos homens que também assistem aos fatos. <END> A trilha sonora – composta por Mikis Theodorakis, um dos dois gigantes da música grega no século XX, ao lado de Manos Hadjidakis – é seca e dura como a paisagem. <END> Os enquadramentos da câmara parecem ter sido minuciosamente estudados. <END> Como O Evangelho de Pasolini, Electra é um filme que não poderia jamais ter sido feito em cores. <END> O show, o cerne, a razão do filme é Irene Papas, numa atuação chocantemente extraordinária <END> Num filme que passa a mil anos-luz de distância do naturalismo, do realismo, em que a atuação dos atores é completamente estilizada, rigorosamente teatral, sobressaem as atuações de Aleka Katselli e Irene Papas. <END> Aleka Katselli faz uma Clitemnestra apavorante. <END> Mas o show, o cerne, a razão do filme é Irene Papas. <END> Os olhos de Electra-Irene Papas brilham de ódio. <END> É uma interpretação chocantemente extraordinária. <END> Cacoyannis filmou três tragédias gregas. <END> Electra foi o sétimo filme dirigido por Michael Cacoyannis (1922-2011), e a primeira vez que o realizador se aventurou pela tragédia clássica grega. <END> Cacoyannis voltaria à tragédia em 1971, com As Troianas, mais uma vez baseada em Eurípedes. <END> Interessante que o realizador tenha feito Efigênia 15 anos após este Electra, pois os acontecimentos de Efigênia se dão bem antes dos narrados em Electra. <END> Já a ação de Electra se passa bem depois: ao final da longa guerra contra Tróia, Agamenon retorna triunfalmente a Argos – onde será assassinado pela esposa, Clitmnestra, e pelo amante dela, Egisto (Phoebus Rhazis). <END> O filme foi um dos cinco indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 1962, ao lado – que coisa – de O Pagador de Promessas, de Anselmo Duarte. <END> Em Cannes, no ano da premiação de O Pagador de Promessas, Electra recebeu um prêmio técnico especial e outro como "melhor transposição cinematográfica". <END> Vejo nos alfarrábios que, ao contrário do que eu imaginava, o filme não teve absoluta consagração da crítica. <END> O Guide des Films de Jean Tulard realça o fato de o filme ter sido feito em cenário natural grego, entre monumentos antigos e vilarejos nas colinas: <END> E eis o que diz Pauline Kael: <END> […] 1961, Cacoyannis fez o primeiro dos seus três filmes baseados em tragédias gregas clássicas, Electra, a Vingadora. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Brideshead – Desejo e Poder / Brideshead <END> Anotação em 2010: <END> O problema pode ser meu – não afasto essa possibilidade, de forma alguma. <END> Mas nem de Emma Thompson gostei. <END> O filme trata de temas importantes: as diferenças sociais, homossexualismo, alcoolismo, ambição, religião. <END> Narrativa-laço: começamos nos anos 40, e em seguida voltamos no tempo <END> Não conheço o romance de Evelyn Waugh (1903-1966), publicado em 1945, mas os roteiristas Jeremy Brock e Andrew Davies usaram o que chamo de narrativa-laço: o filme abre na época da Segunda Guerra Mundial, primeira metade dos anos 40, quando o protagonista, Charles Ryder (Matthew Goode), é um jovem oficial do Exército, e, num monólogo introdutório, diz o seguinte: <END> "Se você me perguntasse agora quem eu sou, a única resposta que poderia dar com alguma certeza seria meu nome: <END> Em seguida há uma volta no tempo: estamos em um gigantesco transatlântico; Charles Ryder está voltando de uma viagem de dois anos às selvas da América do Sul, e no navio está acontecendo uma exposição dos quadros que pintou na selva. <END> – "Charles!" <END> E agora temos um segundo flashback, desta vez com o tradicional letreiro: <END> Jovem classe média conhece jovem lorde riquíssimo <END> Dez anos antes de reencontrar aquela mulher, Charles Ryder era um rapaz classe média, morando em Paddington, em Londres. <END> Em Oxford, conhece um jovem lorde, de família riquíssima, Sebastian Flyte (Ben Whishaw), homossexual, dado à bebida. <END> Uma família vítima do fanatismo religioso <END> É nessa altura, na primeira visita de Charles ao castelo de Brideshead, que a religião entra na história, para não sair mais. <END> Charles culpa a mãe de Sebastian e seu fanatismo, com todas as letras, pela infelicidade do filho. <END> Tudo bem, pensei: estamos então diante de uma elogiável, meritória crítica ao fanatismo religioso? <END> Pois é, fica parecendo isso: que o filme está fazendo uma elogiável, meritória, saudabilíssima crítica ao xiitismo, ao fundamentalismo. <END> Um escritor profundamente ligado à religião <END> O que é muito estranho, diante do fato de que Evelyn Waugh é um escritor católico, de profunda relação com a religião. <END> Diz a Britannica que, ao abordar os temas dos valores morais, "Waugh tomou o que comumente é considerado o lado reacionário. <END> Ainda segundo a Britannica, na trilogia final escrita por Waugh, entre 1952 e 1961, o escritor "analisa o caráter da guerra, em parrticular sua relação com a eterna luga entre o bem e o mal e a luta temporal entre a civilização e a barbárie". <END> Não consegui entender. <END> Sei lá eu. <END> Bons atores em história que já rendeu série de TV <END> O romance de Waugh havia dado origem a uma série de TV inglesa de 14 episódios, em 1981. <END> Bem, Emma Thompson, Michael Gambon e Greta Scacchi também são grandes atores. <END> Não me lembrava de nenhum dos jovens, que fazem os papéis principais – Matthew Goode, Ben Whishaw, Hayley Atwell. <END> E confiro agora – meu Deus do céu e também da terra, é muito filme, é muito ator, não dá pra guardar tudo na memória – que Ben Whishaw, que faz Sebastian, o jovem lorde homossexual e torturado, está em vários filmes que já vi: <END> O filme teve dez indicações em diversos festivais. <END> Um detalhe que comprova a falta de talento <END> Reafirmo: pode ter sido um problema só meu, pode ser que o filme seja bom, pode ser que muita gente goste do filme – questão religiosa analisada ou não, seja ela fiel ao espírito da obra de Waugh ou não. <END> Acho esse pequeno detalhe revelador de falta de talento. <END> Um Comentário <END> Esse BRIDESHEAD é de fato um filme esquisito e concordo com você quando cita o autor Evelyn Waugh, com aquelas opiniões reacionárias sobre o catolicismo contra a barbárie, cujo ponto de vista não fica claro no filme. <END> 2 Trackbacks <END> […] na vida de George, uma sexta-feira no final de 1962. <END> […] nobres ingleses e seus serviçais. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Resistência / Resistance <END> Resistência, produção mais galesa que inglesa de 2011 dirigida por um realizador estreante, Amit Gupta, é um belo filme. <END> Não tem créditos iniciais, mas diz a que vem já de cara. <END> Uma realidade alternativa. <END> Ficção-fantasia – mas tudo mostrado de uma forma profundamente, arraigadamente realista. <END> Apesar de retratar uma realidade que não houve, uma realidade fictícia, absolutamente catastrófica, Resistência não tem absolutamente nada a ver com os filmes-catástrofes tão comuns no cinemão comercial americano, tipo 2012, O Dia Depois de Amanhã, Independence Day, Invasão a Casa Branca. <END> Numa sacada brilhante, o autor do livro de mesmo nome, lançado em 2007, Owen Sheers, ele também co-autor do roteiro, junto com o diretor Amit Gupta, focaliza um microcosmo específico: toda a ação se passa no tal Olchan Valley, uma região praticamente isolada do resto do mundo, no País de Gales – a terra natal, aliás, do escritor. <END> Não há nada de Londres, sequer de Cardiff, a capital de Gales, na narrativa. <END> A trama focaliza apenas um grupo de pessoas comuns daquele vale do País de Gales – e um pequeno destacamento de soldados alemães que é enviado para o lugar, enquanto há combates nas grandes cidades inglesas. <END> Toda a ação e toda a narrativa se concentram naquele pequeno lugar, naquele microcosmo. <END> Numa manhã, as mulheres do lugar acordam sem seus homens ao lado <END> A primeira sequência do filme mostra um punhado de homens caminhando de madrugada pelos terrenos íngremes, acidentados, cheios de morros, do tal Olchan Valley – o País de Gales que o filme mostra é montanhoso como as Minas Gerais onde crescei, como as Perdizes em que vivo faz tantas décadas que já perdi a conta. <END> Um dos homens, um rapaz jovem, de menos de 30 anos, olha para trás – e então vemos uma mulher de pele muito clara e cabelos muito negros dormindo em sua cama. <END> Corta, e em seguida vemos aquela mulher, a protagonista da história, Sarah Lewis (interpretada, magistralmente, por Andrea Riseborough), acordando sozinha. <END> Outras mulheres do vale acordam sem os homens a seu lado. <END> Negaram-se todos a avisar suas mulheres do passo que dariam. <END> E aí eu fico me perguntando como esse fedelho desse realizador estreante de nome estranho, Amit Gupta, arranjou tanto talento para fazer essa abertura brilhante do filme, o jovem fazendeiro Tom olhando para trás para que, numa montagem rápida, o espectador visse a bela mulher que ele estava abandonando para lutar contra os invasores de seu país. <END> O alemão que comanda o destacamento nazista é um homem bom <END> O pequeno destacamento de soldados alemães enviado àquele pequeno pedaço das Ilhas Britânicas é comandado pelo capitão Albrecht (Tom Wlashiha). <END> Acontece que o capitão Albrecht é uma alma atormentada. <END> Na verdade, o capitão é um homem bom. <END> É um homem bom – e tudo o que quer é evitar que os soldados sob seu comando sejam mortos nas frentes de batalha nas grandes cidades, e que haja atrocidades, de qualquer tipo, na área para a qual foi destacado. <END> O capitão Albrecht é, no fundo, um pacifista. <END> Não, talvez não chegue a tanto. <END> O capitão alemão é um pouco como o Barley de A Casa da Rússia <END> Me ocorre que o capitão Albrecht é um pouco como Barley, o extraordinário, maravilhoso personagem criado por John Le Carré em A Casa da Rússia, beleza de romance transformado em beleza de filme pelo australiano Fred Schepisi. <END> O capitão do exército nazista é, antes de tudo, antes mesmo de ser alemão, um homem, uma pessoa, que, como todas as outras, tem o direito de perseguir a felicidade. <END> As ideologias, elas que se danem, ou não – as pessoas são mais importantes <END> Na minha opinião, uma das coisas que este filme inquietante quer dizer é aquilo em que venho acreditando cada vez mais, enquanto vou ficando mais velho: as pessoas são muito mais importantes que as ideologias. <END> Estava com carradas de razão (como dizia o poeta Chico, esse ser que na política é tão bocó) o jovem Gilberto Gil quando cantava que "a cultura, a civilização, elas que se danem, ou não". <END> Ao mesmo tempo, e exatamente porque a vida não é nada simples, há que resistir aos totalitarismos, há que lutar contra eles. <END> Não se trata apenas de um exército estrangeiro estar invadindo o país de Sarah. <END> E então, diante disso, aí nem é a ideologia propriamente dita que conta. <END> Em suma, em suma, este é um filme contra os fundamentalistas <END> Resistência é um filme tão inquietante que nos mostra até mesmo que há dois tipos de resistentes. <END> Há os fundamentalistas, os idiotas, os desprovidos de razão, os incapazes de compreender nuances, como o garoto George, tadinho (interpretado por Iwan Rheon). <END> Resistência não é um filme para agradar a todas as platéias. <END> Um filme que respeita a inteligência do espectador <END> O belo site All Movies não fez análise crítica do filme – apresenta apenas um boa sinopse. <END> Um leitor da Grã-Bretanha, no entanto, escreveu o seguinte: <END> "Resistance é um filme de guerra como nenhum outro que já vi. <END> Concordo plenamente com o leitor do IMDb que escreveu isso. <END> 5 Comentários <END> Boa tarde, Sérgio! <END> Nossa, Sonia, que delícia receber sua mensagem! <END> Pode me dizer onde consigo esse filme dublado ou legendado? <END> Olá, Maristela! <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Um Misterioso Assassinato em Manhattan / Manhattan Murder Mystery <END> Um Misterioso Assassinato em Manhattan, de 1993, é o primeiro filme de Woody Allen após os 10 anos e 13 filmes da fase Mia Farrow. <END> Pois então, depois de Maridos e Esposas, de 1992, no seu primeiro filme pós Mia Farrow, ele voltou a fazer comédia escrachada, escancarada, despudora. <END> Allen faz Larry Lipton, um editor de livros, casado há tempos com Carol. <END> Allen usou a idéia básica de Janela Indiscreta: e se o vizinho for um assassino? <END> Dois fatos que ocorrerão logo no início da narrativa vão se combinar, se potencializar para ameaçar a estabilidade do casamento de Larry e Carol. <END> O segundo fato é a base de toda a trama, e tem a ver com um casal de vizinhos de Larry e Carol, Paul (Jerry Adler) e Lillian (Lyn Cohen). <END> Larry está sem paciência alguma para travar conhecimento com aqueles vizinhos bem mais velhos, mas Carol adora novidades, acha divertido conversar com Lillian. <END> Poucos dias depois desse primeiro encontro entre os dois casais, todos os moradores do prédio são abalados com a notícia de que Lillian morreu – teve um ataque cardíaco fatal, fatídico, e morreu. <END> Passam-se uns poucos dias; Larry e Carol estão saindo do prédio para ir à tal ópera, e eles cruzam com Paul. <END> Larry e Carol – ela muito, muitíssimo mais que ele – ficam desconfiados de que há algo muito errado ali. <END> Há aí algo de Janela Indiscreta/Rear Window, não há? <END> Uma grande piada: <END> O que vai servir como elemento para afastar Carol de Larry será exatamente essa suspeita de que Paul, o vizinho, tenha assassinado a mulher. <END> E, quanto à trama, não é preciso relatar mais do que isso aí acima. <END> – "Eu sou seu marido! <END> Allen cita Resnais e Wilder, e imita Welles e talvez de novo Hitchcock <END> Woody Allen em geral cita filmes em seus filmes – seja explicitamente, com personagens falando de fitas que viram ou vão ver, seja com situações que fazem lembrar outras obras. <END> Neste Manhattan Murder Mystery, os personagens de Allen e Diane vão a um bairro em que havia um antigo cinema. <END> Larry: – "Lembra que ali tinha um cinema? <END> L'année dernière à Marienbad, que Alain Resnais lançou em 1961 e entortou a cabeça de meio mundo, este pobre escriba inclusive, com sua mistura de fatos de épocas distintas, de realidade com imaginação, memória, sonho. <END> Carol: – "Eu sei. <END> Paul, o vizinho que se torna suspeito, é um empresário, dono de salas de cinema. <END> Nesse cinema, quando a narrativa está chegando bem ao fim, Woody Allen encena uma sequência que faz lembrar a célebre sequência da casa de espelhos de parque de diversões em A Dama de Shangai (1947), de Orson Welles, com sua então mulher, Rita Hayworth. <END> Vi também uma citação a Psicose – mas de fato não dá para saber se foi intencional ou não. <END> Mais ou menos a mesma coisa acontece aqui. <END> A câmara está, neste filme, bem nervosa. <END> Uma característica específica deste Manhattan Murder Mystery: a câmara é inquieta, durante boa parte da narrativa. <END> A fotografia é do competentíssimo italiano Carlo Di Palma, que trabalhou com Allen em vários filmes, mas essa coisa da câmara inquieta não é uma característica dele. <END> Manhattan Murder Mystery tem outra característica que o diferencia da maioria dos outros filmes do autor: <END> Marshall Brickman – nascido no Rio de Janeiro, de pais americanos, em 1939 – dividiu com Woody Allen também os roteiros de O Dorminhoco/Sleeper (1973), Annie Hall (1977) e Manhattan (1979). <END> Quatro filmes escritos em colaboração com Marshall Brickman! <END> Quando Allen escreveu o roteiro, ainda pensava em Mia Farrow para o papel <END> Manhattan Murder Mystery foi a oitava – e última, até agora – colaboração Woody Allen-Diane Keaton. <END> É fascinante pensar que Diane Keaton e Woody Allen fizeram filmes antes e depois da fase Mia Farrow – e até mesmo durante! <END> "De tudo que este filme espetacular tem, o melhor de tudo, na minha opinião, é a homenagem que Woody Allen presta – bem no meio de sua fase Mia Farrow – à sua mulher e musa anterior. <END> Ver Woody Allen e Diane Keaton trabalhando juntos, fazendo papel de marido e mulher, neste Manhattan Murder Mystery também é uma maravilha. <END> Allen escreveu o roteiro do filme tendo em mente Mia Farrow, logo antes do final do casamento. <END> O IMDb chega a afirmar, na página de Trivia, que Allen reescreveu o roteiro para adaptar o papel de Carol Lipton para Diane Keaton. <END> Mas há ao menos uma fala que obviamente foi reescrita para Diane Keaton. <END> Em Annie Hall, o filme que é uma espetacular declaração de amor de Woody Allen a ela, Diane Keaton usa gravata e saia. <END> O IMDb informa também que, em entrevistas, Diane Keaton disse que Woody Allen jamais conversou com ela, durante as filmagens, sobre o inferno que ele estava atravessando, com as brigas na Justiça com Mia Farrow e a repercussão toda na imprensa. <END> Anjelica Huston – que interpreta Marcia Fox, uma escritora amiga de Larry Litpon – disse em entrevistas que o clima durante as filmagens era "estranhamente livre de ansiedade, introspecção e angústia", e atribuiu isso à presença de Diane Keaton. <END> É verdade. <END> Um Comentário <END> Outro filme-delícia. <END> 3 Trackbacks <END> […] admiração pelas pessoas que mantêm a amizade depois que o amor e/ou o casamento acaba, como Woody Allen e Diane Keaton, por exemplo. <END> […] de advocacia Watters & Donovan. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Legião Invencível / She Wore a Yellow Ribbon <END> Anotação em 2009: <END> O filme abre com uma voz em off – uma voz empostada, falsa, de locutor de antigamente – dizendo o seguinte: <END> "Custer está morto. <END> E, ao final do filme, a mesma voz empostada vai encerrar assim a história: <END> Uns 15 anos depois que Ford fez este filme, o jovem Bob Dylan ironizaria em versos amargos essa mesma visão americana de quem se julga eleito por Deus, está sempre certo e os inimigos estão sempre errados: <END> Muito bem. <END> Não há propriamente uma história, uma trama, um enredo, como bem notou a sempre afiada Pauline Kael: <END> Um filme baseado no visual, com cenas grandiosas. <END> Outras odes de Ford à Cavalaria foram filmadas em preto-e-branco. <END> E, sim, há uma pequena historinha. <END> Mas, de fato, mais que essa pequena história, o que conta é a paisagem inóspita que está sendo desbravada, e as personalidades daquela gente. <END> John Ford e John Wayne capricharam na composição do capitão Brittles. <END> John Wayne estava com 42 anos quando interpretou o capitão Brittles com seus cerca de 60 anos, e o povo da maquilagem teve que botar uma mecha de cabelos prateados na sua cabeleira, mais um bigodinho marrom. <END> Olá, sou de Portugal e pergunto se me consegue saber qual o nome de um filme que já vi há muitos anos (1960's) sobre um forte, penso que Fort Knox, onde o capitão da cavalaria vai buscar os piores criminosos e bandidos para defender o forte dos índios que tinham massacrado todas as guarnições anteriores, é um filme soberbo sobre liderança. <END> Francisco, muito obrigado por sua mensagem. <END> […] "The Green Leaves of Summer", composição do grande Dimitri Tiomkin para o filme O Álamo, que John Wayne dirigiu em 1960 (foi a estréia do Duke na direção). <END> […] e voltaria a trabalhar com ele em filmes memoráveis como Sangue de Heróis/Fort Apache (1948), Legião Invencível/She Wore a Yellow Ribbon (1949) e Depois do Vendaval/The Quiet Man, em que protagoniza com John Wayne uma das mais […] <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Minha Cama de Zinco / My Zinc Bed <END> Minha Cama de Zinco é um filme inquietante, perturbador. <END> E o verbo "discutir" não poderia ser mais adequado. <END> São três personagens em cena – e eles falam, e falam, e falam, durante os 75 curtos minutos de duração do filme. <END> Bebe-se tanto quanto nesses três grandes filmes sobre o alcoolismo – mas fala-se sobre alcoolismo, discute-se sobre alcoolismo mais do que nos três juntos. <END> O milionário provoca o pobre alcoólatra em recuperação com vinho e argumentos <END> A ação passa-se em Londres, nos dias de hoje. <END> Victor é um sujeito que não dá entrevistas, mas aceita receber Paul em seu clube para uma conversa que se prolongará no almoço. <END> À mesa para o almoço e o início da entrevista, quando Paul puxa a cadernetinha de anotações, Victor é que faz perguntas – sobre bebida. <END> Victor provoca o pobre coitado do viciado em fase de recuperação até o deixar absolutamente exasperado. <END> Diz uma frase apavorante: – "Se estivéssemos curados, estaríamos curados do desejo. <END> Um alcoólatra em recuperação, uma dependente de drogas. <END> Paul poderia ter mandado às favas (ou a coisa bem mais chula) o milionário que o provocava enquanto tomava doses e mais doses diante dele. <END> Victor o convida para ir com ele até seu escritório, conhecer a sede de sua poderosa empresa. <END> Acaba sendo contratado por Victor para escrever algumas frases publicitárias sobre a empresa e o programa que Victor havia desenvolvido, o Flotilla. <END> Passam-se alguns meses; Paul continua limpo. <END> Conversam um tempão. <END> Elsa era cocainômana e alcoólatra. <END> Depois de uma hora de conversa, atracam-se furiosamente, os dois viciados, dependentes, num abraço de afogados. <END> Estamos aí com 30 minutos de filme. <END> Confesso: não compreendo as motivações do personagem <END> O que leva Victor a aceitar o pedido de entrevista de Paul, a empregá-lo, depois a convidá-lo para uma visita à sua mansão espetacular no Regent Park, onde o receberia preparando margueritas, a bebida que Paul havia dito que adorava? <END> Vontade de testar os limites de um viciado em recuperação? <END> Não dá para saber ao certo. <END> Mais ainda: é de propósito que Victor aproxima Elsa de Paul? <END> O filme, na minha opinião, não fornece respostas. <END> Ao contestar o melhor programa anti-droga jamais feito, o filme inquieta, perturba <END> Mais ainda: não estaria Minha Cama de Zinco oferecendo aos viciados do mundo argumentos para recusar a filosofia dos AAs, aquela segundo a qual uma dose é o começo do fim, porque levará inevitavelmente a outra, e mais outra, e a garrafas inteiras, e a prateleiras inteiras de garrafas vida afora? <END> Afinal, Victor bebe bastante – e não perde a lucidez, e tornou-se estupidamente bem sucedido, ergueu um império, encheu o rabo de muito dinheiro. <END> Existiriam, então, dois tipos de pessoas que bebem – os que simplesmente podem beber, porque são capazes de parar, e os que não podem, porque jamais param? <END> É porque leva a essas questões que o filme, na minha opinião, é inquietante, perturbador. <END> Depois que terminamos de ver Minha Cama de Zinco, Mary ficou um tempo em silêncio, algo bem pouco usual. <END> Mary é sempre perfeita observadora, inteligente, perspicaz. <END> Na minha opinião, o filme pode ajudar os drogados a continuarem drogados <END> David Hare, o autor da peça My Zinc Bed, nasceu em Sussex, Inglaterra, em 1947. <END> A peça My Zinc Bed estreou no Royal Court Theatre de Londres em 2000, com – impressionante! – Tom Wilkinson, Julia Ormond e Steven Mackintosh nos papéis que no filme são, respectivamente, de Jonathan Pryce, Uma Thurman e Paddy Considine. <END> A BBC definiu o filme assim: <END> Gostaria de saber o que diriam deste filme psiquiatras acostumados a tratar viciados.
A Marca do Vampiro / Mark of the Vampire <END> Anotação em 2011: <END> Um filme estranho: tem absolutamente tudo dos filmes de terror, de vampiros, que Hollywood produzia às pencas, nos anos 1930 – mas é sobretudo uma trama policial, de investigação de um crime, e tem uma imensa, inesperada, absoluta reviravolta no final. <END> Um filme que teve, ele mesmo, uma história complicada, insólita: embora o diretor Tod Browning fosse um veterano, e respeitadíssimo, teve seu filme truncado pelo estúdio, a MGM: <END> Não há obra que possa ter decepado um quarto dela, sem a aquiescência de seu criador, que possa permanecer inteligível. <END> Uma mendiga em andrajos, ruídos de pássaros soturnos, medo <END> A narrativa começa numa aldeia que parece parada num passado bem distante do ano da produção do filme, 1935. <END> Vemos uma mendiga em andrajos, velhinha, corpo arqueado, em um cemitério, numa noite de neblina – sombras e neblina, shadows and fog. <END> Corta, e estamos em uma estalagem. <END> Chega à estalagem uma carroça a toda velocidade, e dela desce, com muito pressa para entrar, um homenzinho miúdo, o doutor Doskil (Donald Meek). <END> O cinema mal aprendera a falar, e os técnicos de som de Browning já eram mestres <END> A fotografia é esplêndida, sensacional. <END> Vão aparecer muitos bichos sinistros, na narrativa – ratos, tatus, gambás. <END> Um homem nobre, rico, Sir Karell Boroty (Holmes Herbert) vai aparecer morto. <END> O inspetor de polícia que cuida do caso, Neumann (Lionel Atwill), é um cético. <END> Mas aí o espectador vê vampiros. <END> A vampira Luna voa – uma seqüência impressionante <END> Lá pelas tantas, o espectador verá a vampira Luna voar, feito se fosse um morcego. <END> E surge na história o professor Zelen, um super-especialista em vampiros, interpretado por Lionel Barrymore – que, estranhissimamente, parece, em 1935, muito mais velho do que em 1946, quando fez A Felicidade Não se Compra, de Frank Capra. <END> E aí, ao fim da narrativa, vem a grande reviravolta, o twist, o muda tudo. <END> Um diretor cuja vida daria um filme espetacular <END> O diretor Tod Browning é uma figura incrível, fascinante. <END> A vida de Tod Browning (1882-1962) certamente daria um filmaço. <END> Estreou na direção já no ano seguinte, 1917, e rapidamente adquiriu a reputação de um dos maiores mestres do cinema fantástico e o epíteto de o Edgar Alan Poe do cinema. <END> Mas Browning tinha um protetor dentro do estúdio, o talentoso e respeitadíssimo Irving Thalberg. <END> A refilmagem de uma obra que se perdeu completamente <END> Era a refilmagem de uma outra obra do próprio Browning, London After Midnight, de 1927. <END> Um estudioso chamado Alfred Eaker, num site especializado sobre filmes sobre o fantástico, bizarros, surrealistas, com o nome bem apropriado de 366 Weird Movies, faz um longo histórico sobre os dois filmes, o de 1927 e sua refilmagem, este A Marca do Vampiro. <END> A Metro teria destruído, ela própria, cópias de muitos filmes <END> Que não existem mais cópias de London After Midnight, isso é um fato; os alfarrábios todos trazem essa informação. <END> "A MGM, sob a direção de (Louis B.) Mayer, tinha o notório hábito de comprar rivais – as versões originais das refilmagens ralas do estúdio – e então fazia todas as tentativas de destruir e/ou suprimir o original superior. <END> Prossegue o texto de Alfred Eaker: <END> "A MGM fez a mesma coisa com Dr. Jekyll and Mr. Hyde da Paramount, de 1931, um filme soberbo, que ganhou Oscar, para dar lugar à sua versão risivelmente ruim de 1941. <END> (As duas versões de Gaslight, no Brasil À Meia Luz, a inglesa de 1940 e a americana de 1944, assim como as duas versões de O Médico e o Monstro, a de 1931 e a 1941, foram lançadas no Brasil em DVD, pela Warner Home Video – cada DVD contendo as duas versões de cada filme. <END> Insinuações de incesto – e por pouco o filme não teve uma tal de Margarita Carmen Cansino <END> O livro The MGM Story passa bem longe de toda essa controvérsia levantada pelo pesquisador. <END> Diz o AllMovie, com sua visão atual, pós-2000: <END> "Os sugadores de sangue, pai e filha, interpretados por Lugosi e Carroll Borland, aparecem pouco tempo na tela, mas garantem os melhores sustos, e parecem ter sido a inspiração para o filme Plan 9 From Outer Space, de Ed Wood. <END> E o AllMovie faz uma revelação surpreendente: o fotógrafo James Wong Howe chegou a fazer testes de uma então jovem desconhecida para o papel de Luna, a filha do vampiro. <END> É. A história do filme A Marca do Vampiro daria um bom filme espetacular. <END> Caríssimo José Luís, vi, sim, os dois filmes de Tod Browning na TV. <END> Em Portugal os assinantes da televisão por cabo (onde eu me incluo) estão felizmente muito bem servidos. <END> Bem para que saibam, sou português e acabo agora mesmo de ver este filme em DVD (comprado em Espanha e com legendas em espanhol – Espanha tem um bom comércio de filmes de culto). <END> Se os vampiros neste filme são supostamente encenações para desvendar um crime, então como se explica as transformações em morcegos e a cena em que aparece a boazona a voar? <END> O que eu penso é que o final surpresa foi pensado em cima da hora e acaba por entrar em contradição com o que apareceu atrás. <END> Vale apenas pelas belas imagens que remodelaram o imaginário gótico das décadas subsequentes.
Por isso mesmo, exatamente por isso, é um filme altamente ofensivo. <END> E os jovens diretores Éric Toledano e Olivier Nakache ofendem também, e frontalmente, a todas as pessoas que não perdoam quem faz sucesso. <END> Assim, racistas, xenófobos, assumidos ou envergonhados, e mais a legião de gente que não tolera o sucesso dos outros, têm o que parece ser boas desculpas para torcer o nariz para este Samba. <END> Podem até dizer, empinando o narizinho: ah, mas nem de longe chegaram perto do sucesso do outro… <END> De fato, Samba ficou longe de Intocáveis. <END> A crítica francesa aparentemente também se dividiu mais do que quanto ao filme anterior de Toledano e Nakache: levantamento do AlloCiné mostrou que 3 publicações deram a cotação máxima, de 5 estrelas, ao filme; 18 deram 4 estrelas, o que é um resultado maravilhoso. <END> Para começo de conversa, um plano-seqüência de se aplaudir de pé <END> Samba é o quinto longa-metragem dos parceiros Toledano e Nakache, depois de Je préfère qu'on reste amis (2005), Nos jours heurex (2006), Tellement Proches (2009) e Intocáveis. <END> E é também a quinta vez que Omar Sy está no elenco de filmes da dupla. <END> Desta vez, Omar Sy, francês de Trappes, Yvelines, descendente de pai do Senegal e mãe da Mauritânia, foi também um dos produtores. <END> Samba ainda não tem 20 minutos quando há um diálogo absolutamente delicioso entre o personagem de Omar Sy e o do ator Isaka Sawadogo. <END> Então o personagem de Isaka Sawadogo se apresenta para o outro: – "Jonas, como na Bíblia. <END> E o personagem de Omar Sy, o protagonista da história: – "Samba, como a dança". <END> Samba Cissé – este é o nome que deram para ele seus pais, no Senegal. <END> O espectador vê Omar Sy-Samba Cissé pela primeira vez ao fim de um plano-sequência de fazer cinéfilo que se preza aplaudir de pé como na ópera. <END> É uma festa de gente muita rica, num grande restaurante ou salão de hotel fechado para o evento. <END> Quatro garçons seguram a base do bolo e vão caminhando com aquilo, e a câmara vai indo atrás. <END> É uma decoração brega-tropical, uma homenagem ao Brasil feita por gente que só ouviu falar vagamente em Brasil, mas não conhece nada do país. <END> Lá vão os garçons carregando o gigantesco bolo, e lá vai a câmara, apoiada sossegadamente num carrinho de rodas de pneus bons, que garantem uma estabilidade total, nenhum tremor, por pequeno que seja. <END> Um dos muitíssimos garçons passa diante da câmara carregando um grande número de pratos sujos, e aí a câmara vai atrás dele, e ele caminha por mais corredores, atravessa novas portas, a câmara sempre atrás, e aí finalmente aquele garçom e a câmara chegam a um salão também muito espaçoso – o lugar do fundo da cozinha em que os pratos são lavados. <END> Vemos que diversos dos homens que lavam os pratos são negros. <END> Entre eles está o grandalhão que – saberemos daqui a pouco – se chama Samba. <END> Depois desse magnífico plano-sequência inicial, há uma tomada externa: do lado de fora do restaurante, numa viela, diversos trabalhadores, Samba entre eles, aproveitam um breve momento de descanso para fumar um cigarrinho. <END> Tratar de assuntos sérios, pesados, da forma mais leve e agradável possível <END> Éric Toledano explicou numa entrevista que fazia muito tempo que ele e Nakache pensavam em fazer um filme sobre "esses trabalhadores que a gente vê fumando do lado de fora dos restaurantes – africanos, asiáticos, fazendo uma pausa rápida". <END> E aí os dois realizadores acabaram se deparando com o romance Samba pour la France, de Delphine Coulin, lançado em 2011. <END> Mas eles tomaram liberdades em relação ao romance. <END> Essa é a receita de Toledano e Nakache, tanto em Intocáveis quanto neste Samba: tratar de tema sério, duro, pesado, de forma menos sombria do que outros realizadores fariam. <END> Assim, em Intocáveis eles falaram da vida de um homem milionário tornado tetraplégico por um acidente (o papel do grande François Cluzet), e do encontro dele com um despossuído de todos os tipos de bens materiais, um imigrante pobre que, no entanto, tem humor, disposição para a vida (o papel, claro, do mesmo Omar Sy). <END> E aqui falam de imigração, de imigrantes ilegais, da vida duríssima de quem tem que ficar constantemente fugindo da polícia, e tem que se sujeitar aos mais duros trabalhos em troca de pagamento mínimo – e tudo rola da forma mais leve, mais bem humorada possível. <END> Conselho da moça experiente: não se envolva com eles. <END> Samba Cissé está na França já há dez anos. <END> Samba vai ser atendido, auxiliado, por uma dupla de moças, uma bem mais jovem, Manu (Izïa Higelin, na foto abaixo, em seu segundo papel no cinema), outra já madura, Alice (o papel de Charlotte Gainsbourg, essa atriz em tudo por tudo fascinante). <END> As duas chegam juntas àquele centro de detenção, logo após o encerramento dos créditos iniciais; veremos que quem dirige o carro é a mais velha, Alice. <END> Não haverá uma explicação muito clara sobre quem elas são. <END> O que faz o espectador achar um tanto estranho é que é a mais jovem, Manu, que domina o ofício, e vai dando as instruções para a mais velha, Alice. <END> A primeira tomada após os créditos iniciais é uma tomada geral de uma área perto do aeroporto – vemos um avião na pista, e um carro que se aproxima. <END> E Alice: – "É isso mesmo." <END> Manu, a jovem experiente: – "Bem, por enquanto, apenas observe e tome nota." <END> Manu ensina para Alice: não forneça seu telefone para eles, senão você vai receber telefonemas pedindo ajuda de madrugada. <END> Alice, é claro, é óbvio, vai sentir atração por Samba. <END> A personagem de Alice não existe no romance, foi criada pelos diretores <END> O espectador só vai ficar sabendo um pouco da história de Alice – quem ela é, o que aconteceu recentemente com ela, por que ela resolveu fazer trabalho voluntário durante um período de licença do trabalho, por que ela está de licença do trabalho – quando ela conta essas coisas para Samba, lá pela metade do filme. <END> Alice não existe no romance Samba pour la France. <END> Funcionou muito bem a existência de Alice. <END> É, de novo, o encontro entre duas pessoas extremamente diferentes uma da outra, assim como foi o dos dois personagens centrais de Intocáveis. <END> Vai surgir (bem a rigor, vai ressurgir), quando o filme já passa aí certamente de uns 40 minutos, um personagem interessantíssimo, Wilson, sujeito sempre alegre, jovial, malandrão, mulherengo, amante de dança – o protótipo do brasileiro, no imaginário de qualquer um, brasileiro ou estrangeiro. <END> A sequência em que Wilson e Samba estão lavando os vidros externos de um arranha-céu em Paris Nova, la Grande Arche de La Défense lá atrás, lá embaixo, é extremamente típica do estilo da dupla Toledano & Nakache. <END> Ao mesmo tempo, a seqüência é engraçada, bom astral, porque Wilson, figura sempre altíssimo astral, resolve dançar na plataforma de madeira, para ser visto pelas mulheres do grande escritório lá dentro do arranha-céu. <END> Há uma personagem que aparece pouquíssimo na tela, mas é bastante importante na história. <END> Samba se esforça para atender ao pedido do amigo, e vai visitar os diversos salões de beleza de um determinado bairro – únicas pistas que Jonas tinha sobre o paradeiro da moça. <END> Quando Gracieuse finalmente aparece, é um estupor: ela não é apenas graciosa, é lindérrima. <END> O filme chega numa hora em que cresce na Europa a xenofobia <END> Não poderia haver hora mais apropriada para este hino à convivência entre seres díspares, de origens diferentes, este panfleto contra o racismo, a xenofobia, do que este tempo em que a Europa enfrenta a gravíssima questão da invasão de hordas de refugiados vindos da Síria e de outros países pobres e/ou abalados por guerras e ataques de fanáticos. <END> A tensão do momento leva a uma radicalização de posições. <END> Não deve ser pequeno o número de europeus que se sentem ofendidos por este filme belo em todos os sentidos, a mais pura estética e também a melhor ética.
Coisas Belas e Sujas / Dirty Pretty Things <END> Anotação em 2009: <END> Fui conferir quando tinha visto o filme pela primeira vez, e fiquei chocado com a coincidência: tinha sido no dia 30 de dezembro de 2003 – revi agora no dia 30 de dezembro de 2009. <END> E aí é preciso lembrar como esse cineasta consegue ser eclético. <END> É impressionante. <END> Diversas peças, que vão se encaixando com perfeição <END> A história, a trama, o roteiro de Coisas Belas e Sujas, tudo é um brilho, tudo muito bem amarrado. <END> Okwe é um nigeriano que trabalha durante o dia como motorista de táxi e de noite na recepção de um hotel. <END> Juliette (Sophie Okonedo), uma prostituta que freqüenta o hotel com seus clientes, uma noite chama Okwe para ver se dá um jeito na privada entupida do quarto que usou. <END> Senay, uma moça nascida no interior da Turquia, por sua vez, será perseguida pela polícia de imigração. <END> Os outros personagens secundários – mas também importantes –, além de Juliette, a puta que vai revelar que tem um bom coração, são Juan (Sergi Lopez), um imigrante em situação legal, gerente do hotel, uma figura que é a personificação do mal; Ivan (Zlatko Buric), um russo cínico que trabalha na portaria do hotel; e Guo Yi (Benedict Wong), um imigrante também em situação legal, que trabalha no necrotério de um hospital, e é grande amigo de Okwe. <END> "O meu Deus não fala mais comigo" <END> O roteirista Steve Knight colocou algumas frases absolutamente brilhantes – e desesperançadas – na boca do chinês Guo Yi, um sujeito inteligente, culto, tornado um cínico pelas dificuldades que enfrentou na vida. <END> – "Esta é uma cidade sinistra. <END> E em seguida: <END> – "Nada é tão perigoso quanto um homem virtuoso. <END> Há diálogos brilhantes assim ao longo de todo o filme. <END> Senay: – "Uma das faixineiras fez isso e agora está livre." <END> Okwe: – "Outras estão mortas!" <END> Senay: – "E também estão livres." <END> Okwe: – "O que o seu Deus diria?" <END> Okwe e Senay são alguns dos personagens mais tristes, mais angustiantes do cinema. <END> O filme teve uma indicação para o Oscar – para Steve Knight, pelo roteiro original. <END> Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: <END> Está certo ele ao usar os dois adjetivos. <END> 5 Comentários <END> Este filme é admirável, talvez o melhor que vi nos últimos 2/3 anos. <END> Muito obrigado por seu comentário, José Luís. <END> Caramba! a história é sensacional; dura, comovente e muito boa! <END> Eu comecei a assistir este filme já tem um bocado de tempo, que nem lembro quando foi. <END> […] do filme uma atriz não cantora, a inglesa Sophie Okonedo, que trabalhou com Stephen Frears em Coisas Belas e Sujas/Dirty Pretty Things, de 2002, e já teve uma indicação ao Oscar de coadjuvante por Hotel Ruanda, de 2004. <END> […] uma vez, impressiona demais a versatilidade de Stephen Frears. <END> […] e naquele mesmo ano de 2002 trabalharia com Stephen Frears na Inglaterra no pesadíssimo drama Dirty Pretty Things. <END> […] encontrar alguém que fale a língua dos presos. <END> […] só para citar dois extraordinários, o francês Bem-vindo/Welcome, de Philippe Lioret, e o inglês Coisas Belas e Sujas/Dirty Pretty Things, de Stephen Frears. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
segunda-feira, 11 de julho de 2016 <END> EM SANTIAGO - BM PRENDE HOMEM COM ARMA FURTADA <END> As 09h20min de sábado (09/07) uma guarnição compareceu na Rua Dirceu Funcks, bairro vista alegre, onde ocorria uma briga.
Dentro da Casa / Dans la Maison <END> Com Dentro da Casa, sua obra de 2012, François Ozon comprova mais uma vez algumas verdades. <END> Terceira: ele é como Garrincha – a gente nunca sabe para que lado ele vai driblar o espectador. <END> Dentro da Casa começa com jeito de um filme que vai discutir educação, sistema de ensino, em um país de cada vez maior diversidade cultural, étcnica. <END> Pouco depois, parece que estamos diante de um filme que mostra que um aluno pobre, vindo de família humilde, pode encontrar a salvação da miséria, da marginalidade, através de seu talento. <END> Quando estamos aí com uns 20 minutos dos 105 de duração do filme, percebemos que não, não é bem isso. <END> Um professor de Literatura numa escola modelo, chamada Gustave Flaubert <END> Dentro da Casa começa dentro de uma escola. <END> Entre as novas diretrizes está a volta da exigência de uniforme, um símbolo ousado, audacioso, explica o diretor, porque vai deixar todos os alunos, de extratos sociais bem heterogêneos, em pé de igualdade. <END> Há aplausos, há reclamações. <END> A câmara já nos mostrou quem será um dos protagonistas da história: o professor Germain (o papel de Patrice Luchini), que ensina Literatura. <END> Corta, e vemos um adolescente que veste o uniforme do colégio: calça comprida cinza, camisa social branca, gravata listrada azul e vermelha, paletó. <END> Plano geral do Liceu Gustave Flaubert; o nome, homenagem ao autor do clássico dos clássicos da literatura francesa Madame Bovary, obviamente é proposital, simbólico. <END> Então François Ozon solta belíssimos fogos de artifício: vemos dezenas de fotinhas como se fossem 3 x 4 de alunos do Liceu Gustave Flaubert, e os rostos mostram como são de fato heterogêneos os alunos de uma escola pública francesa hoje: negros, mulatos, árabes, louros, morenos, aquele mosaico felizmente multicolorido que compõe a sociedade. <END> Nesse show de bola, terminam os créditos iniciais. <END> E então vamos conhecer o apartamento – bom, confortável, agradável – do professor Germain e de sua mulher Jeanne (interpretada por Kristin Scott Thomas, a mais francesa de todas as atrizes de língua inglesa hoje). <END> Jeanne gerencia uma galeria de arte moderna; o dono da galeria acaba de morrer, e suas filhas, duas gêmeas, que não têm qualquer tipo de ligação com arte, vão assumir. <END> No meio de redações horrorosas, surge uma muito bem escrita <END> Germain está em casa corrigindo as redações dos alunos. <END> Como aparentemente já havia feito ao longo de muitos anos, Germain lê para a mulher algumas das redações. <END> Germain comenta para a mulher que é a pior classe que ele já teve na vida. <END> Pega outra redação qualquer, e começa a ler. <END> É completamente diferente das demais. <END> Em um texto correto, articulado, seguro, bem escrito, um garoto conta como finalmente conseguiu se aproximar de um colega, Rapha (Bastien Ughetto); Rapha é muito fraco em matemática, e então o autor da bela redação se ofereceu para ajudá-lo nas lições de casa, e pôde, finalmente, entrar na casa dele, que por muito tempo, no passado, havia observado. <END> E o texto do garoto descreve a casa, a casa de uma família classe média típica, e como ele ficou conhecendo a mãe de Rapha, Esther (interpretada por Emmanuelle Seigner, há mais de duas décadas Madame Roman Polanski), e sentiu seu cheiro de mulher de classe média. <END> Tanto o professor Germain quanto Jeanne ficam impressionados com a redação do garoto. <END> E ela termina com a expressão à suivre – segue –, bem colocada entre parênteses. <END> Chama-se Claude Garcia (interpretado por Ernst Umhauer, na foto acima) o aluno que sabe escrever. <END> Germain vai se aproximar do único aluno de sua classe que tem o dom da escrita. <END> Estamos aí com menos de dez minutos do filme. <END> Dá para registrar, no entanto, que Ozon fez um trabalho tão brilhante ao construir o roteiro que ele deixa o espectador em suspense, como se o filme fosse um thriller. <END> Eu me peguei várias vezes aflito com as situações que iam surgindo – aflito, temoroso do que poderia vir a seguir. <END> Pasolini é citado no filme, e não é à toa. <END> François Ozon, em entrevista citada no AlloCine, beleza de site sobre o cinema francês, diz que, no momento em que leu a peça, sentiu o potencial de falar indiretamente de seu trabalho, do cinema, de onde vem a inspiração, do que é ser um criador, um espectador. <END> Citei Teorema de Pasolini mais acima. <END> Achei isso fantástico, porque, momentos antes desse diálogo, tinha me ocorrido a lembrança do filme que o realizador italiano fez em 1968 – uma fábula, uma parábola, em que um visitante (interpretado pelo então jovem Terence Stamp, com aquela sua bela estampa), um desconhecido, chega a uma casa burguesa e, ao ir embora, algum tempo depois, tão misteriosamente quanto havia chegado, deixa a terra arrasada, a família inteiramente destroçada. <END> O AlloCine faz referência a Teorema, e também a Ingmar Bergman – a belíssima sacada do mestre sueco, em Morangos Silvestres, em que o veterano doutor Isak Borg (Victor Sjöström) invade as cenas da sua infância e juventude, suas recordações, e aparece na tela, velhinho, ao lado dos personagens de sua vida tantas e tantas décadas antes. <END> A única característica desagradável de Dentro da Casa, para mim, é aquele lado Chabrol, do desprezo por todo mundo que é o que os esquerdistas de matiz infantil gostam de chamar de burgueses ou pequenos burgueses. <END> Um filme que causa surpresa, desconforto, ansiedade, perplexidade <END> Nas entrevistas citadas no site francês, Ozon lembra que tanto seu pai quanto sua mãe eram professores. <END> No elenco de grandes atores veteranos – Fabrice Luchini, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner –, estão muito bem os dois jovens, Bastien Ughetto, que faz Rapha, e, em especial, Ernst Umhauer, que faz Claude Garcia. <END> Deu certo – até porque o rapaz não parece ter 21 anos. <END> Ernst Umhauer foi indicado para o César de melhor ator iniciante – ou melhor esperança, como os franceses chamam o prêmio. <END> É um belo, impressionante filme, este Dentro da Casa. <END> 4 Comentários <END> Vi este filme em 27 de abril deste ano. <END> Este, é um filme sem clichês e com um final . . . " E sentiu seu cheiro de mulher de classe média " . <END> Oi, Sérgio! <END> Não percebi o personagem principal apenas nem principalmente como um voyeur, da mesma forma como a Claudia Maria.
Simplesmente Complicado / It's Complicated <END> Anotação em 2010: <END> Nada contra as comédias românticas em que os personagens estão na faixa dos 30, ou dos 40. <END> A diretora e roteirista Nancy Meyers é reincidente. <END> Em dois outros filmes, Nancy Meyers focalizou personagens mais velhos, passados dos 40, dos 50. <END> A ex-mulher tem ciúme e inveja da gatinha que roubou seu marido <END> A ação de Simplesmente Complicado começa numa festa, numa bela, riquíssima casa próximo do mar da Califórnia, na região de Santa Monica, perto de Los Angeles. <END> Esse segundo casal é formado por Jake (Alec Baldwin, 51 anos quando o filme foi feito) e Jane (Meryl Streep, 60 gloriosos anos). <END> Na hora em que se despedem um do outro, na festa, Jane dá uma olhadinha furtiva para Jake. <END> Nenhuma separação é propriamente tranqüila, e a separação de Jake e Jane não havia sido nada fácil. <END> Com cinco minutos de filme, a diretora e os dois atores já contaram para o espectador: dez anos após o fim do casamento, Jake e Jane de alguma forma ainda sentem atração um pelo outro. <END> Isso com uns cinco minutos de filme. <END> Surge na trama um homem bonito, charmoso, educado – Adam (Steve Martin, cabelo todo branco há muito tempo, 64 anos quando o filme foi feito), o arquiteto que está planejando a reforma e a ampliação da já ampla e bela casa de Jane, num bairro afastado, quase uma chácara. <END> Mas quem tem um caso com Jane, ali pelos 15 minutos de ação, é Jake, o ex-marido. <END> Grandes atores à vontade, se divertindo com os papéis <END> Alec Baldwin, 25 prêmios e 37 outras indicações nas costas largas, grandão como Gérard Depardieu, está solto, à vontade, como o sujeito de meia idade bem sucedido, filhos criados, com problemas no casamento com a gatinha jovem que tem um filho de cinco anos de outro homem. <END> Steve Martin, veterano, experientíssimo, ator, diretor e roteirista de sucesso, que não precisa provar mais nada, está suave, contido, como o arquiteto que está mal saindo de um divórcio e só quer entrar em outra história se tiver certeza de que a canoa não é furada. <END> Meryl Streep… Meryl Streep é um dos grandes prazeres que o cinema dá para a gente. <END> Me lembrei, agora, enquanto fazia esta anotação, do que disse sobre ela Jane Fonda, a atriz que eu mais admiro na vida: <END> "Dentre os atores do elenco de Julia havia uma novata, no papel de uma mulher de cabelos negros, Anne Marie." <END> (O filme Julia é de 1977; Jane Fonda, que em Julia faz o papel da escritora Lillian Hellmann, já era atriz havia 17 anos, era uma grande e consagrada estrela. <END> "Lembro de quando vi as tomadas da primeira edição, em que ela aparecia. (…) Logo que as cenas terminaram, corri ao telefone para ligar para Bruce, na Califórnia. <END> Um pecadinho: é tudo cor-de-rosa demais <END> Mais algumas pequenas observações sobre Simplesmente Complicado: <END> Uma coisinha chata do filme, talvez seu maior senão, acho eu, é o fato de que tudo que se mostra ali envolve gente rica, muito bem de vida, com dinheiro sobrando. <END> Mas é um detalhe. <END> Um detalhe interessante é a história da maconha. <END> Uma outra característica interessante da história é como os três filhos já crescidinhos do casal Jake e Jane – a mais nova está aí com uns 18, 20, a mais velha com 27, preparando-se para casar – ficam transtornados com o fato de pai e mãe estarem tendo um caso. <END> Em outro filme bem recente, do cinemão comercial francês, Rindo à Toa/LOL – Laughing Out Loud, de Lisa Azuelos, há coisa bem semelhante: a adolescente Lola acha esquisitíssimo o fato de sua mãe dar umas transadas com seu próprio pai, algum tempo depois do divórcio dos dois. <END> Um interessante sinal dos tempos. <END> Um outro detalhinho é que, mais uma vez, o cinema cita A Primeira Noite de um Homem/The Graduate, o hoje clássico filme de Mike Nichols de 1967 que tornou Dustin Hoffman um grande astro. <END> Sob a aparência ingênua, um filme subversivo <END> Para encerrar, volto ao início. <END> E ainda por cima, remando contra toda a corrente, faz uma ode à boa comida, aos doces, aos sorvetes, ao chocolate. <END> De uma certa maneira, esta comedinha romântica do cinemão comercial de Hollywood é mais subversiva que o discurso pretensamente revolucionário mas na verdade pateticamente retrógado, reacionário, de um Plínio de Arruda Sampaio. <END> 2 Comentários <END> Estava vendo Simplesmente…no cinema e tive que sair para atender a um telefonema importante. <END> Filme bonzinho, uma comédia romântica agradável, como todas as outras dessa diretora. <END> Só achei desnecessários os papéis dos filhos. <END> Nunca gostei do Steve Martin, acho que porque ele fez muitas comédias, um gênero que não curto. <END> Fiquei surpresa ao ler aqui que o Alec Baldwin já ganhou vários prêmios. <END> Por fim, eu gosto e não tenho nada contra comédias românticas ou de qualquer outro gênero com pessoas de meia idade. <END> Tirando os pontos que considerei fracos, o filme me agradou; e só a ode, como você bem disse, que ele faz à comida (engordativa, diga-se de passagem) já vale, nesses tempos de atrizes anoréxicas e esqueléticas e de perseguição à comida de verdade. <END> 4 Trackbacks <END> […] que se pode imaginar. <END> […] longos, dois filmes apenas em seu currículo, teve um pequeno papel em Manhattan. <END> […] Que ator, em sã consciência, recusaria um convite de Woody Allen?
O Mito das Digitais / The Myth of Fingerprints <END> Anotação em 1998, com complemento em 2008: <END> Faz lembrar um pouco o ritmo e o clima do primeiro filme do Edward Burns, Os Irmãos McMullen, e também um pouco a estréia do Nick Cassavetes, com a mãe, a grande Gena Rowlands, De Bem com a Vida/Unhook the Stars. <END> E este filme tem essa coisa muito interessante de juntar um ator absolutamente veterano, o Roy Scheider, e uma atriz de grande projeção, embora mais nova, Julianne Moore, os dois já dirigidos por Spielberg, com outros novatos e/ou desconhecidos. <END> Sobre Feriados em Família, anotei que a menina Jodie sabe criar bem os personagens, marcá-los com força. <END> O casal – interpretado por Roy Scheider e Blythe Danner – tem quatro filhos, duas mulheres e dois homens. <END> Mia é uma chata – e todos a tratam como tal (menos um namoradinho da profunda infância, que ela reencontrará mais para o final do filme); é uma daquelas pessoas que têm tudo e reclama de tudo e de todos a toda hora. <END> Os dois outros irmãos são pessoas absolutamente normais, sem problemas, sem dramas, just plain ordinary people. <END> Warren não vai à casa dos pais faz três anos; tem saudade forte da namorada que não vê há quatro anos, Daphe (Arija Bareikis). <END> Não é um grande filme. <END> Vou dar uma espiada nas Premiere americana pra ver se há algo sobre o filme.
Atrás da Porta / The Door <END> István Szabó, o grande diretor de tantos filmes importantes, não realizava nenhum desde 2006, quando fez Roknok, um drama político sobre corrupção. <END> Este The Door, no Brasil Atrás da Porta, foi lançado em 2012, seis anos depois de seu filme anterior. <END> Szabó é um realizador que fica sempre entre a Hungria e o mundo. <END> Fascinantemente, Szabó sempre manteve as ligações com sua terra. <END> Tenho profunda admiração por quem mantém ligações com sua terra. <END> Cineastas de todos os cantos do mundo foram para Hollywood, e é por isso que Hollywood é Hollywood. <END> Szabó já teve filmes co-produzidos pelos Estados Unidos, como Encontro com Vênus (1991), com Glenn Close, e outros feitos na Europa Ocidental, como Mephisto e Coronel Redl. <END> Atrás da Porta é uma co-produção Hungria-Alemanha, com duas grandes, fabulosas atrizes, a inglesa filha de russos Helen Mirren e a alemã Martina Gedeck. <END> Posso estar errado, mas tenho quase certeza (não consegui confirmar isso) que a voz de Martina Gedeck é também da grande atriz, que já trabalhou com diretores de diferentes nacionalidades, como Robert De Niro (O Bom Pastor, 2006), Francis Girot (Un Ami Parfait, 2006), Guillaume Nicloux (A Religiosa, 2013), Bille August (Trem Noturno para Lisboa, 2013) – além, é claro, de ter atuado em grandes filmes do cinema de país natal, como Simplesmente Martha (2001), A Vida dos Outros (2006), O Grupo Baader-Meinhof (2008). <END> A história de uma relação de duas mulheres, ao longo de muito tempo <END> Atrás da Porta conta a história da relação entre duas mulheres, ao longo de vários anos: <END> Magda e o marido Tibor (Károly Eperjes) têm uma vida bastante confortável, em termos materiais, numa casa ampla, talvez ampla até demais, que, aparentemente (não se diz isso explicitamente), havia sido de sua mãe; antes de se mudarem para essa casa, moravam num apartamento bem menor, e Magda dava conta dos trabalhos da casa. <END> E então Magda pede a ajuda de Emerenc, que mora ali bem perto, do outro lado da rua, mas numa casinha humilde, e que fica com a porta permanentemente fechada. <END> Emerenc a princípio recusa, em seguida aceita trabalhar para Magda. <END> Mas a relação entre as duas é extremamente conflituosa, problemática, instável – basicamente porque Emerenc é uma pessoa de comportamento estranho, insólito, imprevisível. <END> Tem um passado misterioso – e guarda muitos mistérios também no presente, no momento da ação, os anos 60, como já foi dito. <END> Em muitos momentos, a empregada tratará a patroa como se ela, empregada, fosse uma rainha, e a patroa, uma súdita humilde. <END> É de fato uma relação extremamente difícil de o espectador compreender. <END> O caráter, a personalidade de Emerenc, tudo nela é estranho, esquisito, peculiar, exótico. <END> Há muitos momentos em que ela parece uma bruxa, um ser com poderes mágicos. <END> O filme se baseia em um livro autobiográfico de Magda Szabó <END> Ver essas duas atrizes sensacionais se digladiando é, sem dúvida, um fino prazer. <END> A superioridade da trabalhadora braçal, da mulher do povo, sobre a intelectual, burguesa? <END> Aliás, há no filme referências constantes à Segunda Guerra Mundial, à perseguição aos judeus. <END> Os créditos do filme esclarecem que o roteiro – de autoria de István Szabó e Andrea Vészits – se baseia em um livro de Magda Szabó. <END> Fiquei pensando nisso depois que o filme terminou e antes de fazer uma pesquisinha na internet: a história é tão insólita que provavelmente não é uma parábola, uma fábula, uma coisa simbólica – deve ter acontecido na realidade, o livro deve ser autobiográfico! <END> Não há parentesco qualquer entre a escritora Magda Szabó (1917-2007) e o cineasta István Szabó (nascido em Budapeste em 1938). <END> Magda Szabó, como a personagem Magda do livro e do filme, havia sido professora; foi casada com Tibor Szobotka, tradutor e escritor, como o marido Tibor do livro e do filme. <END> Mas há coisas que continuaram me parecendo bastante estranhas, depois que li um pouco sobre Magda Szabó. <END> No filme, Magda recebe um prêmio literário dado pelo governo – mas o prêmio não é retirado. <END> Um filme estranho. <END> É preciso registrar que Atrás da Porta tem um visual absolutamente suntuoso. <END> A trilha sonora também é maravilhosa. <END> E, repito, ver os duelos verbais entre Martina Gedeck e Helen Mirren é uma maravilha, para deixar qualquer um que gosta de cinema encantado.
Em Direção ao Sul / Vers le Sud <END> Anotação em 2007, com complemento em 2008: <END> A sempre competente e veterana Charlotte Rampling faz o papel de Ellen, uma professora de literatura francesa já veterana no ritual de passar as férias em um hotel diante do mar belíssimo do Caribe e pagar uns poucos dólares por rapazes do lugar. <END> O filme se baseia em histórias de Dany Laferrière, um haitiano-canadense. <END> O crítico Andrew Bailey acerta quando diz, no livro Cinema Now, que os personagens demonstram uma "sensação de desespero crescente", e que "o espectro sufocante e indiferente do dinheiro paira sobre essas almas em conflito, condenando-as à tragédia à medida em que se apercebem que a economia é a derradeira mão que lhes guia o destino".
O Homem Que Matou o Facínora / The Man Who Shot Liberty Valance <END> Anotação em 2009: <END> Está, por exemplo, no livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer. <END> É ainda mais fascinante a cada nova revisão. <END> John Ford é um cineasta de belas imagens, dos planos gerais, das tomadas que mostram paisagens sem fim, a terra gigantesca que foi sendo conquistada ao longo dos séculos por imigrantes de diversas nacionalidades – muitos irlandeses, como seus antepassados, por exemplo – atraídos pelo sonho de uma vida melhor. <END> "Aqui é o Oeste, senhor. <END> Não me lembro de outra frase mais marcante, em toda a história do western. <END> É um filme sobre fatos e lendas, segredos, mentiras, verdades. <END> Este filme aqui pode ser visto (ele pode ser visto de diversas maneiras; é uma das tais obras que permitem vários tipos de leitura, como costumam dizer os que gostam de uma linguagem mais emproada) como uma fábula, um afresco de como se fez a conquista do Oeste, de como se transformou a terra sem lei num lugar afinal civilizado, os livros passando a ter mais força do que o chicote. <END> E, enquanto via de novo aquelas imagens belíssimas e aquelas tomadas recheadas de grandes diálogos, me ocorreu que a transição que Ford retrata no filme, da barbárie do século XIX para uma civilização baseada em bons princípios no início do século XX, é de fato para se mostrar com orgulho. <END> Mas estou tergiversando. <END> E aí é duro, porque o começo do filme é tão esplendoroso, tão cheio de significado, é tudo feito com tanta maestria em cada pequeno detalhe, que dá vontade de descrever minuciosamente as primeiras seqüências. <END> Um casal de velhos bem vestidos desce do trem na estação de Shinbone – em glorioso preto-e-branco, numa época, 1962, em que os filmes em cores já eram a grande maioria. <END> "Bem-vindo, senador." <END> E ele responde: <END> É o óbvio: o visitante importante de roupa bonita não quer ser tratado com reverência, quer que o velhinho humilde o chame pelo seu prenome, simplesmente. <END> O velhinho então os leva para uma charrete estacionada ali perto, enquanto, na plataforma da estação, um garoto que assistia à cena, excitado, pergunta a Jason, o chefe da estação: <END> "Quem eram eles? <END> E Jason, para o garoto, que sabemos então que é um foca, jornalista novato, verdinho, coitado: – "Uma nota? <END> O garoto corre para o telefone, liga para a redação, avisa da chegada do senador Stoddard, e sai correndo atrás da notícia quente e importante que acabou de chegar desavisada à sua cidadezinha. <END> A essa altura, já chegou até o senador, esbaforido, o editor do jornal, o senhor Scott, que acabara de ser alertado pelo foca sobre a inesperada visita importante. <END> Hallie observa a cidade, e diz, os olhos meio perdidos, vendo com a consciência da velhice o lugar onde passou a infância: <END> Estamos diante de uma velha senhora que retorna muitos anos depois ao lugar onde viveu na juventude. <END> A senhora Hallie diz para Link: <END> Estamos agora na redação do Shinbone Star. <END> E conta que viajou até ali, até aquele distante lugar, para o enterro de um homem, Tom Doniphon. <END> Os jornalistas se entreolham, assustados, espantados: nunca ninguém ouviu falar de Tom Doniphon. <END> E o senador e sua mulher e o velhinho Link vão para a funerária de Shinbone, onde está um caixão simples, quatro peças de madeira cercando o corpo que havia abrigado uma vida que o espectador e os jornalistas da cidade desconhecem totalmente. <END> Aí a câmara de John Ford pega os quatro personagens, sentados mudos, quietos, reverentes, diante do caixão pobre. <END> Entram na funerária o senhor Scott, mais o repórter foca, mais um amigo deles, e o editor do jornal faz este pequeno discurso: <END> "Senhor, não quero me intrometer, mas um senador dos Estados Unidos é notícia de jornal. <END> O senador: – "Ele era um amigo, senhor Scott, e gostaríamos que nos deixasse a sós". <END> O amigo do editor Scott tenta retirá-lo do local, mas ele insiste: <END> "Desculpe, senador, mas isso não basta. <END> Plano de conjunto – vemos, sentados diante do caixão, o velho negro, a esposa do senador, o velhinho tímido, e o senador de pé; ele olha para a mulher, a mulher acena com a cabeça, autorizando o marido a falar. <END> "Talvez o senhor tenha mesmo." <END> E um pouco depois de outra seqüência esplêndida começa a contar a história: <END> "Eu era um rapaz recém saído da faculdade de Direito, com a sacola cheia de livros, o relógio do meu pai e 14 dólares e 80 centavos…" <END> Estamos aqui com uns 15 minutos de filme. <END> James Stewart estava com 54 anos em 1962, quando o filme foi feito. <END> Assim como é um detalhe bobo o fato de que Lee Marvin, no papel de Liberty Valence, o facínora, está caricatural demais. <END> Também está caricatural a figura de Link (Andy Devine), o agora velhinho humilde, no passado, quando era o xerife de Shinbone e tremia feito vara verde ao ouvir qualquer menção ao nome Liberty Valence. <END> O negro alto, forte, figura imponente, que faz Pompey, o braço direito de Tom Doniphon, e no início do filme está lá, idoso, velando o amigo, é Woody Strode. <END> Vera Miles estava na flor dos 33 anos, quando fez Hallie – assim como James Stewart, estava um pouquinho mais velha para fazer a jovem Hallie, e estava jovem demais para ser a idosa senhora Hallie. <END> Assim como é de fazer babar a tomada em que ela vai até a porta da cozinha, iluminada, para ver um Tom Doniphon vestido com sua melhor roupa sumir na sombra, puto dentro das calças porque não conseguiu comer seu bife e não conseguiu as atenções de Hallie naquela noite de sábado. <END> E John Wayne interpretando John Wayne interpretando Tom Doniphon é uma maravilha. <END> Quando se encontraram os três, pela primeira e única vez, para fazer este filme, John Ford, John Wayne e James Stewart estavam todos eles no ápice, no apogeu. <END> Este texto já está grande, mas não dá para deixar de transcrever alguns dos diálogos mais inteligentes do western. <END> Tom Doniphon, para Rance, depois de contar a ele o que na verdade aconteceu na noite em que o facínora Liberty Valence foi morto: – "Hallie é sua garota agora. <END> E o diálogo definitivo, entre o senador Stoddard, depois de contar toda a história, e o atual editor do Shinbone Star, Scott: <END> O senador: – "O senhor não vai usar a história, senhor Scott?" <END> O editor: – "Não, senhor. <END> 9 Comentários <END> Caro Manoel, o problema é esse: tem muito western bom demais, como Onde Começa o Inferno, sobre os quais eu gostaria de escrever. <END> Como toda a obra de arte, esse western apresenta vários níveis de leitura, a minha leitura é algo distinta da sua. <END> Caro Julio Cesar, Agradeço pelas sua excelente, cuidadosa e estudada análise. <END> Já tenho o DVD e já revi o filme. <END> O Homem que Matou O Facínora, caro Vaz, realmente é tudo isso que voce disse acima, mas gostaria de lembrar o episódio da sova dada no advogado (James Stwart, genial).O facínora, que até hoje tem cópias principalmente em paises como o nosso, faz questão de aos gritos contestar a legalidade com chutes murros e chicotadas – chega a ser tragi-cômico. <END> 11 Trackbacks <END> […] a comparar a lenda com a verdade. <END> […] que a atriz escolhida pelo mitológico diretor para os papéis-chave de Madeleine e depois Judy era Vera Miles (que havia acabado de trabalhar com ele em O Homem Errado, de 1957, e voltaria a trabalhar de novo […] <END> […] Quando comecei minha carreira, ainda nos primórdios do falecido e saudoso Jornal da Tarde, tinha um clássico chefe de reportagem parecido com aqueles personagens que encarnam o jornalismo heróico e nascente nos velhos faroestes. <END> […] este aqui, é claro, de 1956; Rastros de Ódio/The Searchers, do mesmo ano; Psicose, de 1960; e O Homem Que Matou o Facínora/The Man Who Shot Liberty Valance, de 1962. <END> […] juiz. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Cirkus Columbia <END> Uma beleza, uma maravilha, um filmaço, este Cirkus Columbia, feito em 2010 na Bósnia e Herzegovina em co-produção com diversos países, França, Inglaterra, Alemanha, Eslovênia, Bélgica e a vizinha Sérvia. <END> É uma fascinante história de família, contada com imenso talento e um leve toque de humor, embora seja um drama pesado, devido à situação política que é o pano de fundo da narrativa e está sempre presente no dia-a- dia dos personagens. <END> Como outros grandes filmes recentes, Cirkus Columbia traz aquela moral, aquela conclusão definitiva: as pessoas são muito mais importantes que as ideologias, os governos, os países. <END> "As pessoas aqui sempre viveram juntas. <END> Na primeira tomada, um garotão – Martin (Boris Ler), de uns 20 anos, mas que tem atitudes, comportamento de um adolescente de 16, 17 – está acordando no sofá de sua casa. <END> Filho e mãe recebem logo cedo a visita de um militar, Savo (Svetislav Goncic), capitão do exército. <END> Ela mostra a ele uma carta que ainda não mostrara ao filho – a convocação para o serviço militar. <END> Lucija acha isso um absurdo: <END> – "Quem vai atirar em quem? <END> É duro ouvir esta frase, quando se sabe a tragédia que se abateria sobre a região pouco depois – uma carnificina semelhante às piores guerras tribais da África, ali, em plena Europa, berço da civilização ocidental. <END> Um homem que emigrou para a Alemanha volta para sua cidade, rico, e com uma bela mulher jovem <END> Corta, e vemos um Mercedes-Benz vermelho, imenso, belíssimo, numa estrada. <END> O gato está enjoado com a viagem, vomita. <END> De volta à sua cidade após 20 anos vivendo e enriquecendo na Alemanha, Divko vai visitar o prefeito, seu primo, Ranko Ivanda (Milan Strljic). <END> A ex-mulher de Divko, que o prefeito manda a polícia despejar à força, é Lucija. <END> Estamos aí com menos de 15 minutos de filme. <END> Um avô de Martin foi fuzilado como fascista; o outro avó era líder comunista <END> Veremos, ao longo da narrativa, que o avô paterno de Martin, o pai de Divko, havia sido fuzilado como fascista durante as décadas em que a Iugoslávia era comunista. <END> Ranko, o atual prefeito, primo de Divko, é odiado pelas pessoas que ainda são comunistas na nova realidade pós-dissolução do império soviético. <END> O ex-prefeito Leon e o capitão Savo foram as pessoas que protegeram Lucija e a ajudaram a criar Martin. <END> "Quem vai atirar em quem? <END> A afirmação de Lucija é de fato uma ironia apavorante. <END> Atores pouco conhecidos por aqui, mas experientes, veteranos, consagrados <END> Vejo que Mira Furlan, a atriz que interpreta Lucija, começou a carreira na antiga Iugoslávia, e, antes da dissolução do país, era conhecida e respeitada por trabalhos no cinema, no teatro e na TV. <END> Miki Manojlovic (na foto acima), o ótimo ator que faz Divko, nasceu em Belgrado, na Sérvia, em 1950. <END> Jelena Stupljanin (nas fotos acima e ao lado), que interpreta a bela Azra, também é de Belgrado – mas veio gerações depois de Mira Furlan e Miki Manojlovic. <END> O filme se baseia em uma novela escrita por Ivica Djikic, jovem jornalista e escritor croata nascido em 1977 numa pequena cidade da Bósnia e Herzegovina – exatamente como a retratada no livro e no filme. <END> O roteiro baseado no livro foi escrito por Danis Tanovic, que é também o diretor do filme. <END> Só fiquei sabendo que L'Enfer é dele agora, ao fazer a anotação. <END> Sujeito de talento. <END> Um Trackback <END> […] Terra de Amor e Ódio, no original In the Land of Blood and Honey, é um belo filme. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Cavalo Indomável / Dark Horse <END> Anotação em 2000, com complemento em 2008: <END> É a história de uma adolescente problemática, que acaba sendo mandada para fazer serviços comunitários num estábulo e se apaixona por cavalos. <END> O interessante na verdade são as pessoas envolvidas no filme, feito em 1991 – tudo gente importante nos anos 60. <END> Eu já tinha visto o final deste filme, zapeando, acho que em 1999; mas vi só o finzinho, fiquei curioso com o nome do Donovan, mas nem cheguei a anotar nada, na época. <END> Bem – o que eu disse sobre Mimi Rogers nunca ter tido uma grande chance é, ao menos em parte, besteira. <END> 3 Comentários <END> Foi um dos melhores filmes que assisti em toda a minha vida… Lição de Vida eu diria, estou a procura deste filme mas não encontro, mandei e-mail na emissora que transmitiu o filme mas até hj não obtive retorno, como faço para ter uma cópia deste maravilhoso filme… Grata, Michelle
Dieta Mediterrânea / Dieta Mediterránea <END> Anotação em 2011: <END> A trama bebe do filão dos filmes sobre cozinha, comida, paixão pelos sabores, com fartas doses de sexo. <END> O diferencial é que Sofía vive a vida inteira entre dois amores, com seus companheiros de infância Toni (Paco León) e Frank (Alfonso Bassave). <END> O maior problema do filme é a direção (ou melhor, a falta de direção) de atores. <END> Não é à toa. <END> Um Comentário <END> Bom saber pra não passar nem perto.
Primeira Segunda de Outubro / First Monday in October <END> Anotação em 1999: <END> Faz lembrar, e muito, a beleza que é A Costela de Adão/Adam's Rib, com Spencer Tracy e Katharine Hepburn, pela oposição homem-mulher diante do Direito, da Lei. <END> Belíssima ode à convivência dos contrários, elogio ao que as instituições americanas têm de melhor. <END> O título, ininteligível para quem não conhece a Justiça americana, é didaticamente explicado no filme: a primeira segunda de outubro é o dia do novo ano de trabalhos na Suprema Corte. <END> Terminei de fazer essa rápida anotação e vi que Leonard Maltin diz que o filme é "Tracy-and-Hepburn-like…" Além de confirmar esta obviedade, ele informa que, por coincidência, pouco antes de o filme estrear foi indicada para a Suprema Corte a primeira mulher.
Harry e Sally – Feitos Um para o Outro / When Harry Met Sally… <END> Quando Harry conheceu Sally, foi uma catástrofe. <END> Sally entendia que Ilsa Lund, o personagem de Ingrid Bergman, queria mesmo era entrar no avião com Victor Laszlo (Paul Henreid). <END> Harry, evidentemente, tinha certeza de que era o contrário. <END> Era um gesto de altruísmo daquele camarada tido até então como o maior egoísta da praça. <END> Um novo clássico que cita o clássico dos clássicos <END> Quando Harry conheceu Sally… When Harry Met Sally… <END> Se os exibidores brasileiros não gostaram da tradução literal, por que então não deixaram só Harry e Sally? <END> Por que, raios, fazer um título que é um spoiler? <END> Segundo, porque, assim como Casablanca é o clássico dos clássicos, When Harry Met Sally…, lançado em 1989, tornou-se muito rapidamente um novo clássico. <END> Harry e Sally é tão bom, e tão novo clássico, quanto seus contemporâneos ingleses Quatro Casamentos e um Funeral e Simplesmente Amor/Love Actually. <END> Pausa para interrogações hamletianas <END> Tenho mesmo que fazer uma sinopse deste filme que todo mundo já viu? <END> Às vezes, ao fazer estas anotações, me pego com interrogações hamletianas. <END> Fiz um site sobre filmes. <END> Mas, se é para ter os filmes de que mais gostei e alguns que mais detestei, tem que ter os clássicos, antigos ou novos. <END> Mas os clássicos todo mundo já viu, já tem sua opinião formada sobre eles. <END> Interrogações hamletianas. <END> Começa em 1977, passa para 1982, depois para 1987 <END> A narrativa começa na Universidade de Chicago, em 1977 – 12 anos, portanto, antes do ano em que o filme foi lançado, 1989. <END> Harry e Amanda estão se frenchkissando na Universidade de Chicago quando Sally pára seu carrinho junto deles. <END> Amanda, amiga de Sally, faz a apresentação: esta é Sally, este é Harry. <END> Sabendo que Sally viajaria em seu carrinho para Nova York, e como Harry também estava indo da Windy City para a Big Apple, Amanda havia sugerido que os dois fossem juntos. <END> Há, então, a viagem de 18 horas entre Chicago e Nova York. <END> É uma catástrofe. <END> Não há um único tema em que Harry e Sally concordem. <END> O final de Casablanca é apenas uma das discordâncias. <END> O tema principal é que Harry acha que homem e mulher não podem ser amigos, porque haverá sempre o sexo interferindo. <END> Sally deixa Harry junto do monumento a George Washington, na Washington Square. <END> Na terceira vez em que se encontram, dez anos depois da primeira, ficam amigos <END> Corta, um letreiro diz "cinco anos mais tarde", e estamos portanto em 1982. <END> Sally reconhece Harry de cara, mas gostaria de não ser reconhecida por ele. <END> Mas, como esta é uma comédia romântica, os dois acabam embarcando no mesmo vôo. <END> Quando Harry encontrou Sally pela segunda vez, foi outra catástrofe. <END> Passam-se então mais cinco anos antes que Harry e Sally voltem a se encontrar. <END> Da terceira vez em que se encontram, dez anos depois da primeira, ele está saindo do casamento, abandonado pela mulher, Helen (Harley Kozak). <END> E então, nesta terceira vez, Harry e Sally ficam amigos. <END> Um belo filme que nos faz lembrar da juventude <END> Umas 439 mil comédias românticas são feitas em cada década. <END> Não tenho a mínima idéia. <END> Se eu tivesse alguma resposta à pergunta, estaria fazendo uma tese de doutorado. <END> (Burt Bacharat e seu parceiro Hal David poderiam dizer que, oh, lord, o mundo não precisa de uma centésima bilionésima primeira tese de doutorado. <END> De qualquer forma, são muitas as razões pelas quais When Harry Met Sally… virou um novo clássico. <END> Há a seqüência do orgasmo fingido. <END> Certamente terá ajudado o filme a virar tão depressa um clássico o fato de que ele nos faz lembrar da juventude. <END> Saindo da universidade em 1977, Harry e Sally, portanto, eram da geração de meados dos anos 50. <END> Um brilho de encontro do diretor Rob Reiner com a roteirista Nora Ephron <END> E há ainda o brilho do encontro de Rob Reiner com Nora Ephron. <END> Comédias românticas dos anos 1990 citando velhos clássicos. <END> Rob Reiner é bom em tudo que faz – drama pesado, comedinha romântica. <END> Nora Ephron e Rob Reiner entenderam-se perfeitamente bem. <END> Consta que Harry tem muito do diretor. <END> Uma imensa quantidade de diálogos que faíscam de inteligência <END> A quantidade de diálogos brilhantes que há no filme é, só por ela mesma, uma homenagem às comédias clássicas de Hollywood dos anos 1930, 1940. <END> Que eu me lembre, nenhuma outra comédia romântica dos anos 1980/1990 tem tantos diálogos brilhantes quanto este When Harry Met Sally… <END> Desde que vi o filme pela primeira vez (numa belíssima sala do Barbican Centre, em Londres), jamais me esqueci da frase dita por Harry para o grande amigo Jess (Bruno Kirby), que está para se casar com a grande amiga de Sally, Marie (Carrie Fisher): – "Anotem seu nome em cada um de seus discos, de seus livros, para que não briguem pela posse de cada um deles depois." <END> E quer saber? <END> A sequência em que Harry e Sally apresentam seus amigos Jess e Marie na tentativa de que um se interesse pelo outro é uma maravilha. <END> Marie sempre havia tentado apresentar homens para Sally. <END> Só que, no jantar a quatro, Sally não vê graça em Jess, nem Harry vê graça em Marie. <END> Ao mesmo tempo, o mesmo diálogo acontece entre as mulheres. <END> Os quatro se reúnem, e caminham juntos por meio minuto. <END> "Coloquem seu nome nos seus livros agora mesmo, antes que eles se misturem" <END> Será igualmente brilhante a sequência em que Harry e Sally visitam os amigos Jess e Marie, agora noivos. <END> Mas Harry havia acabado de reencontrar Helen, a mulher que o abandonara. <END> Então Harry estava na mais profunda fossa. <END> E é aí que ele fala a frase que jamais esqueci. <END> Harry: – "Agora está tudo maravilhoso, todo mundo é feliz, todo mundo esta apaixonado e isso é maravilhoso. <END> Marie protesta suavemente: <END> Harry (cada vez mais bravo e falando cada vez mais alto): <END> Harry (berrando, antes de sair da sala e da cena): <END> Ao longo da narrativa, casais de velhinhos contam suas histórias <END> Uma outra pérola, outra maravilha de When Harry Met Sally… são os depoimentos de casais de velhinhos. <END> Ao longo do filme, entre uma série de sequências e outra, pontuando toda a narrativa, vemos depoimentos de casais de velhinhos. <END> As histórias são deliciosas, os atores que fazem os velhinhos são todos ótimos. <END> Às vezes a mulher interrompe o marido, às vezes a mulher e o marido vão completando as frases um dos outros. <END> Aí vai o depoimento do primeiro casal, para mostrar o tom da coisa: <END> – "Eu estava sentado com meu amigo Arthur Kornblum, num restaurante, era a cafeteria Horn & Hardart. <END> Os depoimentos são de histórias verdadeiras, que o diretor Rob Reiner ouviu de casais da vida real. <END> Nas festas de virada de ano, costuma-se tocar "Auld Lang Syne". <END> (Para quem eventualmente não se lembrar de "Auld Lang Syne", aqui vai a versão do escocês Dougie McLean, na minha opinião uma das mais belas, se não a mais de todas as trocentas que há no YouTube.) <END> O fato é que, na segunda festa de virada de ano em que Harry e Sally estão juntos, toca-se "Auld Lang Syne". <END> Ao que Sally retruca: – "Bem, talvez signifique apenas que nós deveríamos nos lembrar que já tínhamos esquecido deles, ou algo assim. <END> Anyway, it's about old friends. <END> Que absoluta maravilha! <END> A sequência do orgasmo fingido é hilariante – mas também é séria <END> Este texto já está do tamanho de Guerra e Paz, e todo mundo está cansado de saber sobre a antológica seqüência do orgasmo fingido, mas não dá para não falar dela. <END> Harry e Sally já haviam virado amigos, dez anos depois dos dois primeiros e catastróficos encontros. <END> Sally: – "A maior parte das mulheres já fingiu uma vez ou outra." <END> Harry: – "Bem, elas não fingiram comigo." <END> Sally: – "Como você sabe?" <END> Harry: – "Porque eu sei." <END> Sally: – "Ah. <END> Harry: – "O que será que você quer dizer com isso?" <END> Sally: – "Nada. <END> E então, ali no meio da lanchonete notada, Sally finge o orgasmo, gemendo e gritando cada vez mais alto. <END> A lanchonete pára para assistir ao espetáculo. <END> Harry não sabe onde meter a cara. <END> Meg Ryan dá um show de interpretação. <END> É hilariante, é uma delícia, é uma maravilha. <END> Ao final do show literalmente espetacular, uma senhora de meia idade vira para o garçom e diz: <END> – "Vou querer o mesmo que ela está comendo." <END> Detalhinho saborosíssimo, que vejo na curtinha resenha/crítica de Leonard Maltin (classificação do guia dele: <END> O roteiro foi indicado ao Oscar e ganhou o Bafta <END> Dane-se o tamanho do texto. <END> * O jeito de Sally pedir as comidas e bebidas – longas explicações de detalhes ínfimos, de deixar os garçons e os cozinheiros absolutamente malucos – se inspira no jeito da própria autora e roteirista Nora Ephron de fazer seus pedidos. <END> * Sobre a sequência do orgasmo fingido, o roteiro original dizia apenas que Harry e Sally conversavam sobre o fato de que as mulheres fingem orgasmo. <END> * A sequência hoje antológica não foi feita em estúdio, e sim num restaurante na E. Houston Street de Nova York. <END> * O papel de Harry foi recusado por Albert Brooks. <END> Mais duas informaçõezinhas. <END> Teve uma única indicação ao Oscar, na categoria de melhor roteiro original. <END> Um filme feito por gente que aprendeu com quem veio antes e tem orgulho disso <END> Não dá para não falar, ainda que rapidissimamente, sobre a trilha sonora. <END> Cada um na sua cama, falando ao telefone e revendo o final de Casablanca <END> Quando Harry e Sally passam a ser amigos, a partir do terceiro encontro, dez anos após o primeiro, falam de novo de Casablanca. <END> Mais tarde, num final de noite, vêem na TV – junto com o espectador – a seqüência final de Casablanca, cada um em seu apartamento. <END> A tela está cortada em dois, mas é como se Harry e Sally estivessem na mesma cama – coisa que jamais havia acontecido. <END> Os dois vêem o final de Casablanca enquanto conversam ao telefone. <END> Agora com 31 anos, Sally já sabe que Ilsa Lund queria mesmo era ficar com Rick Blaine. <END> Assisti pela primeira vez na adolescência, e quando revi já não lembrava de nada, ou quase nada, a não ser da sequência do orgasmo, que ficou muito famosa e ganhou vida própria. <END> Assisti esse filme pela primeira vez hoje, 21/08 de 2015 porque estou selecionando alguns "clássicos da Sessão da Tarde" pra ver. <END> […] O filme tem diversas cenas engraçadíssimas, hilariantes, mas uma sequência, em especial, é do mais puro brilho. <END> […] e doces para festas, aproveitando o seu talento na cozinha e o da maior amiga, April (o papel de Carrie Fisher, alguns anos após o sucesso como a princesa Leia em Guerra nas Estrelas).
Atração Perigosa / The Town <END> Anotação em 2011: <END> E confirma também a garota Rebecca Hall como uma atriz de grande talento, das melhores dessa nova geração dela, que inclui, entre outras, Michelle Williams, Natalie Portman, Bryce Dallas Howard, Emily Blunt e Anne Hathaway. <END> O filme tem lá suas seqüências de ação – muitos tiros, explosões, perseguições de carro, essas coisas que pelo jeito os filmes de grande orçamento hoje em dia obrigatoriamente têm que ter, para atrair público e se pagar. <END> Antes de a ação começar, há letreiros para situar o espectador: <END> "Uma região operária de Boston produziu mais ladrões de bancos e de carros-fortes do que qualquer outro lugar do mundo." <END> "Assaltos a banco se transformaram em uma profissão em Charlestown, que se passa de pai para filho" – uma frase de um agente federal da Força de Tarefa contra o Roubo de Boston. <END> Charlestown, portanto, é o nome daquela região da Grande Boston em que a ação se passa. <END> Uma jovem gerente do banco é obrigada a abrir a caixa-forte <END> A primeira sequência mostra um assalto a banco. <END> Depois que o cofre-forte é aberto, já deitada no chão de novo, Claire vê que um dos assaltantes tem uma tatuagem na nuca. <END> Antes de deixar o banco levando o butim, os assaltantes jogam solvente em todos os lugares que tocaram, para apagar suas impressões digitais. <END> Sem qualquer necessidade, o ladrão agressivo, que havia berrado com Claire, dá porradas em um dos funcionários do banco com a arma que carrega. <END> Ao fugir, resolvem levar Claire como refém. <END> Gente que segue um código de honra que inclui ódio a todos os policiais e às pessoas de fora do bairro <END> O assaltante agressivo, violento, é Jim Coughlin (Jeremy Renner). <END> Doug está possesso com a agressividade desnecessária de Jim. <END> Muito rapidamente, e com bastante talento, o filme vai mostrar ao espectador que: <END> . são, todos os membros da quadrilha, descendentes de irlandeses, todos de famílias que moram em Charlestown há muitas gerações; <END> . todos seguem fielmente um código de honra que inclui profundo ódio a todo tipo de policial e profundo desprezo por qualquer pessoa que não seja de seu bairro, de sua classe social; <END> . Doug já foi viciado em drogas; livrou-se do vício, freqüenta sessões dos N.A., os narcóticos anônimos; agora que está limpo, sequer bebe cerveja, o que é motivo de gozações dos amigos. <END> O bandido gostaria de cair fora do mundo do crime. <END> Doug passará a seguir Claire, a gerente do banco que sua quadrilha fez refém. <END> Paralelamente, o filme vai mostrando o trabalho da equipe especial montada pelo FBI para combater os assaltos a banco e carros-fortes de Charlestown. <END> A trama muito bem costurada vai incluir novo assalto, uma maior aproximação entre Doug e Claire, revelações sobre o passado de Doug (o pai dele, interpretado, numa participação especial, pelo ótimo Chris Cooper, está preso por assalto e assassinato), e muita coisa mais. <END> Veremos que, enquanto Jim é o bandido de fato mau, Doug é um bandido que gostaria de cair fora do mundo crime. <END> Vidas duras no meio da cidade rica, a capital da Nova Inglaterra <END> Me lembro, embora vagamente, de ter lido que Ben Affleck virou, alguns anos atrás, uma espécie de judas que a imprensa americana gostava de malhar. <END> Pode ser que tenha feito coisa ruim, na vida. <END> Demonstra ser um bom diretor de atores. <END> Interessante: tanto Medo da Verdade quanto este Atração Perigosa (como também Sobre Meninos e Lobos) se passam na região de Boston, onde Ben Affleck foi criado. <END> Ben Affleck apresentou para os produtores uma primeira versão do filme com quatro horas de duração, ou 240 minutos, conta o IMDb. <END> 4 Trackbacks <END> […] que trabalham na mesma grande empresa, a GTX, um conglomerado industrial, uma corporação.
Amor Sem Escalas / Up in the Air <END> Anotação em 2010: <END> O título escolhido pelos distribuidores no Brasil, Amor Sem Escalas, aparentemente tem alguma esperteza. <END> Então, Amor Sem Escalas até parece um título esperto – mas indica uma comedinha romântica. <END> A terceirização da tarefa de demitir <END> Ryan Bingham é um especialista em demitir pessoas. <END> O que é uma ironia brutal: a terceirização do trabalho duro de demitir gente. <END> E é interessantíssimo que, no mesmo ano, tenham sido realizados nos Estados Unidos dois filmes sobre pessoas cujo trabalho é dar aos outros as duas piores notícias que pode haver: que você perdeu seu emprego, e que você perdeu seu filho, ou marido. <END> Em O Mensageiro/The Messanger, dirigido pelo israelense Oren Moverman, o capitão Tony Stone (Woody Harrelson) esconde a profunda amargura por fazer o horroroso, deprimente, assustador trabalho de comunicar a morte de soldados a seu familiar mais próximo sob uma capa dura de profissional dedicado, irrepreensível. <END> Em Amor Sem Escalas, Ryan Bingham também é um profissional dedicado, irrepreensível – mas não parece sentir amargura por ganhar a vida (e ganha muito bem) comunicando às pessoas que elas não têm mais emprego. <END> Costa-Gavras usou o terror absoluto; Jason Reitman, a ironia <END> Com uns 20 minutos de filme, me peguei pensando que este Amor Sem Escalas é parente próximo de O Corte/Le Couperet, que o sempre político Costa-Gavras fez em 2005 – uma visão aterrorizante, apavorante sobre o mundo do capitalismo selvagem, em que as fusões de grandes empresas põem no olho da rua milhares e milhares e milhares de trabalhadores. <END> É parente também de outro grande filme, outra visão medonha sobre estes nossos tempos, o espanhol O Que Você Faria?/El Metodo, em que, dentro de uma sala fechada de uma grande corporação, um grupo de quatro ou cinco homens e duas mulheres disputam uma única vaga, e são transformados em animais selvagens, capazes de tudo pela sobrevivência. <END> Em O Corte, o grego Costa-Gavras partiu para o deboche, através do terror absoluto. <END> O garoto americano Jason Reitman usou a ironia. <END> Lembrei agora do verso de Vandré – grande Vandré: <END> Vera Farmiga brilha como a mulher ambiciosa, fria, machista <END> Estão muito bem, estão soberbos os três atores principais do filme, George Clooney como o cínico, frio, impessoal especialista em demissões (sobre o couro de quem o cipó de arueira vai se abater algumas vezes), Vera Farmiga como sua trepada sem escalas e a jovem Anna Kendrick (na foto) como a garotinha Natalie, outra que vai levar boas lambadas do cipó de arueira. <END> Vera Farmiga está um brilho especial no papel da mulher machista, ambiciosa, fria, que parece determinada a ser mais chauvinista que qualquer porco espinho jamais conseguiria ser. <END> Não dá para saber quanto dessa Alex é criação dos roteiristas – o próprio diretor Jason Reitman e mais Sheldon Turner – ou se ela já existia assim no livro de Walter Kirn, no qual o filme se baseia. <END> Além das três indicações dos atores, o filme teve indicações aos Oscars de roteiro adaptado, diretor e filme. <END> Jovem, mas com memória, e nenhum medo de enfrentar polêmica <END> Danadinho esse garoto Jason Reitman. <END> Filho do diretor Ivan Reitman, de, entre muitos outros, Os Caça-Fantasmas/Ghostbusters, Jason, nascido em Quebec, no Canadá, em 1977 (estava com 32 anos quando fez este filme), tem cuidados e conhecimentos de veterano, que se mesclam a uma audácia típica da juventude. <END> Ao contrário de muitos jovens, aprecia coisas feitas antes que nascesse. <END> Como se fez muito nos anos 50 e 60, os filmes de Jason Reitman tratam com carinho muito especial os créditos iniciais. <END> 4 Comentários <END> Que bom ver seu comentário ! <END> Gostei de "Amor sem…" Me amarro em filmes que aprofundam o sentimento humano. <END> 10 Trackbacks <END> […] em um ótimo filme, Faces da Verdade/Nothing But the Truth. <END> […] final do filme, fiquei surpreso ao ver que a autora da história e do roteiro é Diablo Cody, e que Jason Reitman é um dos produtores. <END> […] Amor Sem Escalas/Up in the Air, de Jason Reitman, de 2009, fala do tema desemprego com uma ironia forte, violenta.
O Jardim dos Finzi-Contini / Il Giardino dei Finzi-Contini <END> Anotação em 2011: <END> Mostra uma tragédia gigantesca, das maiores da História, não como se fosse um estrondo, mas como um gemido quase surdo. <END> Passa-se em Ferrara, no Norte rico da Itália, no tenebroso período entre 1938 e 1943, portanto entre o ano que precedeu a Segunda Guerra e o penúltimo ano do conflito, o período em que o regime fascista apertava mais e mais o cerco aos judeus. <END> Como se aguardassem pacientemente, sentadas nos trilhos, a iminente passagem de um enorme trem que iria esmagá-las. <END> Para Giorgio (Lino Capolicchio), o protagonista, era quase como se a dor do amor irrealizado fosse tão ou mais dolorosa que o holocausto. <END> O filme de Vittorio De Sica é todo perpassado por uma grande melancolia– não um estrondo, mas um gemido quase surdo. <END> O espectador poderá ter suspeitas – mas as coisas não são explicitadas <END> Quando a ação começa, em 1938, um grupo de uns seis, oito jovens, aí na faixa dos 20 anos de idade, está chegando de bicicleta à propriedade dos Finzi-Contini. <END> Nos primeiros momentos, nas seqüências inicias, são tantos os jovens reunidos na propriedade dos Finzi-Contini que o espectador poderá levar algum tempo a identificar quem é quem. <END> Certamente De Sica e seus roteiristas fizeram isso propositadamente. <END> Levam-se uns 15 minutos para saber exatamente quem é quem, e quem vai importar mais para a narrativa, além de Micol e Alberto. <END> O que vai importar mais é Giorgio, o protagonista, o personagem central da trama. <END> Malnate é moreno, alto, forte, tem simpatias pelo socialismo; não é de Ferrara, está lá em visita; é "peludo", conforme dirá a ele próprio Micol, a herdeira mais velha da fortuna dos Finzi-Contini. <END> Alberto é um jovem frágil, de saúde frágil, de constituição frágil – moral e física. <END> Com uma maestria de que só os mestres são capazes, De Sica fará o espectador suspeitar, imaginar – embora o filme não diga isso expressamente em momento algum – que Alberto talvez tenha tendências homossexuais, e talvez esteja mais interessado em Malnate do que apenas como um grande amigo. <END> Mas que se frise sempre: o espectador poderá imaginar que isso talvez exista. <END> O que vamos vendo, neste início de narrativa, é que Micol, essa jovem estranha, que não sabemos compreender direito, nutre um grande amor pelo irmão Alberto, dá mostras de que o moreno, socialista e peludo Malnate não é seu tipo, e tem simpatia especial por Giorgio. <END> Repito: eles estão aí na faixa dos 20 anos, pouco mais, pouco menos. <END> No início da ação, estamos em 1938, perigosamente perto de 1939, o ano do começo da guerra – mas, na antevéspera de um fato, não temos idéia de que o fato vá acontecer. <END> Demora-se um pouco antes que o ovo da serpente produza seu fruto. <END> Quando o grupo de seis ou oito jovens é convidado para adentrar o jardim dos Finzi-Contini, em 1938, no início da ação, a serpente está agindo. <END> Os Finzi-Contini eram muito, muito, muito ricos, provavelmente a família mais rica de Ferrara. <END> O pai de Giorgio é judeu, classe média alta – e se diz fascista, elogia Il Duce, diz que Il Duce é melhor que Hitler. <END> Giorgio enfrenta o pai, contesta o pai e sua adesão ao fascimo, durante o jantar em família. <END> Um homem que não faz sua história, vai sendo levado pela história dos outros <END> Giorgio tem consciência do que está acontecendo. <END> Giorgio me fez lembrar muito o Conde Piotr Bezukov, o personagem central de Guerra e Paz, o homem que vê a História se desenrolar diante de si, mas é incapaz de tentar fazer a sua própria história, vai sendo levado pela história dos outros. <END> É um personagem rico, complexo, fascinante. <END> Não me lembro de ter visto outros filmes com Lino Capolicchio, o jovem belo ator que faz o triste Giorgio. <END> Se de um lado Lino Capolicchio não é tão conhecido, Dominique Sanda e Helmut Berger são atores marcantes – e acho que ninguém teria sido uma escolha tão perfeita quanto eles para fazer os papéis dos jovens Finzi-Contini. <END> O que haverá na alma de Micol – um vulcão, ou uma geleira? <END> Dominique Sanda tem o physique-de-rôle perfeito para fazer Micol, a moça que atrai o amigo para depois rejeitá-lo. <END> Dominique Sanda, diz o IMDb, fez 54 filmes, entre 1969 e 2007; jamais parou de fazer filmes. <END> Helmut Berger era um jovem de beleza impressionante. <END> Uma profunda melancolia, uma imensa suavidade <END> E é fascinante ver como Vittorio De Sica soube usar bem Helmut Berger no papel do herdeiro frágil de uma família judia riquíssima na Itália tomada pelo fascismo. <END> De Sica e Visconti têm as origens mais diversas, mais diferentes que se poderia imaginar. <END> Os dois, mais Antonioni e um pouco depois Fellini, partriciparam do neo-realismo italiano, o renascimento do cinema na Itália do pós-Guerra, o movimento que, sem ser propriamente um movimento, influenciaria o cinema do mundo inteiro no meio século seguinte, e transformaria o cinema italiano dos anos 50 e 60 no melhor de todos. <END> O Jardim dos Finzi-Contini é seguramente o filme mais viscontiano de De Sica – o mundo dos ricos, o mundo que está acabando, o outono, o fim, o mundo que vai dar em alguma outra coisa. <END> Uma profunda melancolia. <END> Uma imensa suavidade. <END> Uma seqüência marcante: na Páscoa, o medo latente <END> Me impressionou muito, ao rever o filme agora, a seqüência da Páscoa, a família de Giorgio reunida, cantando cânticos hebraicos, e a ameaça chegando através do telefone. <END> É um momento raro de uma certa obviedade em um filme delicadamente construído para não ser óbvio. <END> Aqui do meu lado, Mary faz uma observação. <END> Pois em 1970, diz Mary, De Sica já havia mostrado uma personagem que é o símbolo da Itália dos anos 30, na Micol interpretada por Dominique Sanda: uma jovem bela que não sabe muito bem o que quer, que é ao mesmo tempo augusta e muito dada a alguém que se mostra forte, peludo, conquistador. <END> O Jardim dos Finzi-Contini, Mary já havia observado antes, foi feito apenas 25 anos após o fim da guerra. <END> Prêmios ao longo dos anos <END> Os prêmios dados ao filme de alguma maneira demonstram que eu estava certo ao dizer lá em cima que este é um filme cuja beleza vai sendo descoberta aos poucos. <END> O IMDb afirma que, embora o roteiro seja creditado a Vittorio Bonicelli e Ugo Pirro, teriam colaborado nele também Cesare Zavattini, Valerio Zurlini, Franco Brusati, Alain Katz e Tullio Pinelli, além do próprio De Sica. <END> As opiniões de quem entende: <END> Diz o Guide des Films de Jean Tulard sobre Le Jardin des Finzi-Contini (é sempre um imenso prazer ver como os franceses escrevem sobre os filmes): <END> "A perseguição sob o fascismo de uma família de judeus cujos sonhos e esperanças são carregados pela tempestade antissemita. <END> "O filme não é verdadeiramente um quadro da sociedade italiana de 1929 até 1943, nem uma evocação do meio judeu de Ferrara, mesmo que não faltem as cenas saborosas ou trágicas. <END> "Um filme extraordinário, com seu glamour melancólico" <END> Dame Pauline Kael informa que o romance em que o filme se baseia, de Giorgio Bassani, é semi-autobiográfico. <END> O livro 1001 Filmes para Ver Antes de Morrer diz que O Jardim dos Finzi-Contini "marcou o retorno internacional de um diretor que nunca tinha deixado de trabalhar, mas cuja fama tinha decaído desde os tempos de obras-primas neo-realistas como Umberto D (1952)". <END> 3 Comentários <END> Sou um leitor assíduo de seu site e antes de assistir e depois de assitir a algum filme sempre venho olhar o que você tem escrito sobre ele. <END> Vi recentemente pela primeira vez e confesso que não fiquei entusiasmado. <END> 5 Trackbacks <END> […] elogiado, grande sucesso de público, Matrimônio à Italiana – a segunda das três obras em que Vittorio De Sica dirigiu os monstros sagrados Sophia Loren e Marcello Mastroianni – me pareceu hoje perigosamente […] <END> […] A Marquesa Brumonti é uma mulher que não aceita um não como resposta, e insiste em ver o apartamento de cima.
A Montanha dos Sete Abutres / Ace in the Hole <END> O cinema em geral, e especialmente o americano, tem imensa fascinação pelo jornalismo. <END> A Montanha dos Sete Abutres – dá para dizer com bastante certeza – é o mais cruel de todos os filmes jamais feitos sobre jornalismo. <END> Deveria ser mostrado e discutido em todas as escolas de jornalismo do mundo. <END> É uma paulada violentíssima, um soco no estômago, sem dó ou piedade. <END> Um jornalista que, como tantos outros, tem o rei na barriga <END> Chuck Tatum, o protagonista do filme que Billy Wilder fez em 1951, interpretado por Kirk Douglas, tem diversos defeitos, como se verá ao longo dos eletrizantes 111 minutos de duração de Ace in the Hole, mas o primeiro que ele mostra é um bastante típico de sua profissão: a soberba. <END> Na primeira sequência do filme, ele está nas ruas de Albuquerque, Novo México, sentado em um carrão conversível puxado por um caminhão-guincho. <END> Tem o rei na barriga, e mostra isso na cara. <END> Já trabalhou nos grandes jornais das maiores metrópoles, e por isso se acha um gigante diante daqueles anõezinhos da cidadezinha acanhada do Estado distante e empoeirado. <END> Há um índio na redação, e Chuck o olha com imenso desprezo enquanto o cumprimenta com um Ráu! <END> Depois observa um quadro na parede com palavras bordadas, junto da mesa de uma simpática senhorinha. <END> Chuck aborda a pessoa mais jovem que há na redação, um garoto aí de uns 20 e poucos anos – veremos depois que ele se chama Herbie Cook (Robert Arthur) – e diz que quer falar com o patrão. <END> O diálogo que vem a seguir entre Boot, proprietário e editor do jornal de província, simpático, de aparência simples, e o jornalista com o rei na barriga que se acha o melhor do mundo é um brilho acachapante – dos mais brilhantes de tantos escritos por Billy Wilder e seus parceiros. <END> – "Bem, Mr. Boot, estou de passagem por Albuquerque. <END> – "De fato estou interessado." <END> Chuck Tatum está de pé na sala, fumando, Jacob Q. Boot está sentado à sua mesa de trabalho. <END> – "Bem, para ser honesto, me fez vomitar. <END> Boot pega no bolso uma moeda, o preço de um exemplar de seu jornal, e a estende para o Grande Jornalista das Metrópoles. <END> – "Tá certo. <END> – "Pelo visto, o senhor não conhece meu nome." <END> – "Não posso negar." <END> – "É porque não recebem os jornais do Leste por aqui." <END> Se fosse brasileiro e estivesse em Rondônia, ou no Piauí, diria "os jornais do Sudeste." <END> Entrega a Boot algumas páginas de jornais com matérias assinadas por ele, uma espécie de seu portfólio. <END> – "Conheço jornais de trás para a frente. <END> É uma variante de umas das frases mais clássicas do jornalismo: se um cachorro morde um homem, não é notícia; se um homem morde um cachorro, é notícia. <END> E Tatum dá seu preço final: <END> – "Aceito 45." <END> – "Por que tão pouco?" <END> – "É uma pergunta justa, já que me sobressaí em todos os jornais em que trabalhei. <END> – "Vá em frente: me aborreça." <END> – "Já menti muito por aí. <END> Que maravilha de frase, interrompendo o discurso cheio de soberba, de empáfia, do Grande Jornalista das Metrópoles! <END> Mas o Grande Jornalista das Metrópoles não ouve, ou finge não ouvir, e prossegue seu discurso. <END> – "Tenho apenas uma chance de retomar meu lugar: arrumar um emprego em um jornal pequeno como o seu e esperar, e rezar para que algo aconteça, algo em que eu possa pôr as mãos, algo que faça as agências de notícias correrem atrás de mim novamente. <END> Em inglês, a frase é mais sonora, uma aliteração, como no verso buarquiano "esperando parada pregada na pedra do porto", ou no dylaniano "sea sick sailors": forget and forgive. <END> – "Mas até lá, senhor Boot, o senhor terá o melhor jornalista que já viu em sua vida. <END> Durante as perorações de Chuck Tatum, Boot esteve dando uma folheada no material que o outro havia trazido. <END> – "Não temo seus processos, porque sou advogado. <END> Faz uma pausa: <END> – "E quanto à bebida? <END> – "Não muito – só frequentemente." <END> – "Temos uma regra aqui: não se bebe na redação. <END> Abre a porta da sala, os dois passam para a redação. <END> – "Onde fica minha mesa?" <END> – "Aquela perto da porta. <END> Um repórter disposto a qualquer coisa por um furo, um editor íntegro <END> Que maravilha de diálogo, que extraordinário início de narrativa! <END> Dá vontade de dizer, como Audrey, a ex-mulher de Joe Giddeon em All That Jazz, ao ouvir o texto da nova peça que ele escreveu, de um brilho tão absurdo que a deixa exasperada: <END> Às vezes, diante de uma centelha tão brilhante, só mesmo um sonoro palavrão. <END> Uma das genialidades do diálogo de abertura de A Montanha dos Sete Abutres, escrito por Billy Wilder e seus co-roteiristas Lesser Samuels e Walter Newman, na minha opinião, é que ele mostra que Chuck Tatum acha que venceu a parada, que chegou e abafou. <END> Se fosse uma luta de boxe, o vitorioso, nesse embate, seria, sem dúvida alguma, o homem do interior. <END> "Pneus ruins são um perigo!" <END> Boot – o filme mostrará isso com clareza, limpidez – é um jornalista honrado, íntegro, ético. <END> O sujeito cheio de empáfia, soberba, rei na barriga é movido não pela vontade de contar a verdade, mas pelo desejo, pela necessidade de brilhar. <END> Esse é um enorme perigo, em qualquer profissão. <END> "Notícias ruins vendem mais. <END> Para os jornalistas, assim como para os goleiros e os artilheiros, não basta ter talento e esforço. <END> Cai no colo de Chuck Tatum exatamente aquilo que ele esperava, que ele rezava para que acontecesse. <END> Boot o manda cobrir, juntamente com o garoto Herbie, que trabalhará como fotógrafo e motorista, um festejo tradicional do interior do Novo México, que inclui um concurso de caça a cascavéis. <END> Para se distrair, Chuck conta histórias de suas matérias. <END> Conta sobre certa vez em que 50 cobras foram soltas em Oaklahoma City. <END> – "Onde está a última cobra?", pergunta Chuck, agora já não mais morrendo de tédio, porque está falando, ouvindo o som de sua própria voz. <END> E Herbie: – "Não sei. <END> – "Na gaveta da minha mesa, meu amigo. <END> Em A Primeira Página, de 1974, refilmagem que Billy Wilder fez de Jejum de Amor/His Girl Friday, de 1940, um repórter tão competente e anti-ético quanto Chuck Tatum esconde na gaveta de sua mesa o preso que estava para ser executado e conseguiu fugir em plena delegacia central. <END> E aí o garoto Herbie pergunta a Chuck de onde ele tira essas idéias. <END> – "Eu não fiz nenhuma faculdade, mas sei criar uma boa matéria, porque antes de trabalhar em um jornal, eu os vendia nas ruas. <END> Chuck Tatum, o Grande Jornalista das Metrópoles, vai reger um sensacional reality show <END> Param num posto para reabastecer. <END> Herbie entra na lanchonete, chama, não vê ninguém. <END> Herbie volta até o carro para dizer a Chuck que há algo estranho ali – e, naquele exato momento, um carro de polícia entra no portão ao lado da placa. <END> O faro de Chuck o faz mandar Herbie seguir o carro de polícia. <END> Ao fundo do terreno há uma montanha, na qual havia as tais moradias indígenas de séculos atrás, dentro da rocha, como se fosse uma mina abandonada. <END> Leo Minosa (Richard Benedict), o dono do posto, da lanchonete e do sítio arqueológico que quase ninguém visita, havia entrado mais uma vez nos caminhos dentro da montanha, atrás de artefatos indígenas para vender em sua lojinha – e havia ficado preso com o desmoronamento de uma estaca sobre suas pernas. <END> Pessoas do local estão acorrendo para tentar retirar Leo do fundo da mina. <END> Chuck e Herbie são as primeiras pessoas de fora a chegar ao local. <END> Se, em vez de reforçar com estacas o local, se fizesse uma perfuração desde o alto da montanha, o trabalho poderia levar alguns dias. <END> Vai começar um gigantesco espetáculo midiático composto, regido e orquestrado por Chuck Tatum, o Grande Jornalista das Metrópoles. <END> Um sensacional reality show. <END> Uma loura, que, como outras louras de filmes noir, não é flor que se cheire <END> Um posto de gasolina e uma lanchonete pobre, quase miserável, numa estrada pouquíssimo movimentada, no meio do nada. <END> Em Pacto de Sangue há uma loura (interpretada por Barbara Stanwyck), que surge pela primeira vez na tela com as pernas e coxas à mostra, uma tornozeleira à vista. <END> Em O Destino Bate à Sua Porta também há uma loura (interpretada por Lana Turner), que surge pela primeira vez na tela com as pernas e coxas à mostra, toda, todinha de virginal branco. <END> Em A Montanha dos Sete Abutres também há uma loura (interpretada por Jan Sterling). <END> Ao contrário das femmes fatales interpretadas por Barbara Stanwyck e Lana Turner, Lorraine Minosa não está com as pernas e coxas à mostra. <END> Também ao contrário das duas outras atrizes citadas acima, Jan Sterling não é uma mulher de grande beleza e sensualidade. <END> Exatamente como a Phyllis Dietrichson de Barbara Stanwyck e a Cora Smith de Lana Turner, no entanto, Lorraine Minosa não é flor que se cheire. <END> A diferença fundamental entre Loraine e as outras duas, na minha opinião, é que Phyllis e Cora são as agentes provocadoras, são as femmes fatales que botam fogo nos homens que aparecem à sua frente, que incitam neles a cobiça sem fim. <END> Aqui, é a fúria desmedida de Chuck Tatum por um furo jornalístico que incendeia Lorraine, que põe para funcionar a máquina da ambição que já havia nela, mas que até então permanecia quieta. <END> Como em tantas histórias – da vida real e da ficção –, a aprendiz se demonstrará, ao fim e ao cabo, maior que seu mestre. <END> "É uma boa história hoje. <END> Lorraine pensa em cascar fora dali bem cedo. <END> – "Quando tingiram seu cabelo, devem ter tingido seu cérebro também." <END> Chuck diz que ela tem que ir à igreja rezar, para aparecer nas fotos. <END> – "Eu não vou à igreja. <END> Mais tarde, Chuck dirá para ela uma outra pérola antológica: <END> – "É uma boa história hoje. <END> Meu Deus do céu e também da terra, quantas vezes, nos meus 37 anos de jornalismo, não disse e ouvi a frase: <END> "Ninguém quer ver a si mesmo no papel de canalha" <END> E agora chega das minhas opiniões e descrições. <END> Começo a ler o capítulo que trata de A Montanha de Sete Abutres no maravilhoso livro Billy Wilder – e o resto é loucura, de Hellmuth Karasek, e me espanto ao ver que ele diz que o filme foi um fracasso comercial, "o primeiro fracasso de Wilder", "um fracasso clamoroso". <END> Pois é o que diz o livro de Karasek, uma obra escrita com o total apoio do próprio Billy Wilder – o cineasta faz longos depoimentos sobre praticamente todos os tópicos abordados pelo autor, um professor e pesquisador alemão. <END> Karasek lembra que o filme foi lançado durante os anos loucos, pirados, paranóicos do macarthismo, em que se viam comunistas ou, no mínimo, anti-americanos debaixo de cada cama, dentro de cada armário. <END> "O filme se baseia na premissa de que os americanos são um monte de imbecis que se podem enganar com toda a facilidade. <END> Wilder, diz Karasek, jamais procurava culpados, se um de seus filmes não fosse bem recebido. <END> O depoimento do próprio Billy Wilder no livro é absolutamente extraordinário: <END> "Disseram que o filme foi um fracasso porque a esposa se revela como um monstro frio – nenhuma mulher convidaria o marido para ver este filme. <END> Atrás da imprensa ruim estão as pessoas ávidas por notícias sensacionalistas <END> A inteligência, a agudeza do raciocínio de Billy Wilder é acachapante. <END> Sim, sim, sim – A Montanha dos Sete Abutres vai além do exame do jornalismo em si, a diferença entre o jornalismo responsável (representado por Jacob Q. Boot) e o jornalismo sensacionalista (personificado por Chuck Tatum). <END> Ele se aprofunda nisso, sem dúvida alguma. <END> Na imprensa inglesa, a diferença é absolutamente nítida, entre, por exemplo, de um lado, The Guardian, The Independent, e os tablóides populares, The Sun et caterva. <END> Mas, de fato, o filme vai – como mostra o depoimento de Wilder a seu biógrafo-analista – além da diferença entre o jornalismo sério e o jornalismo que aqui chamamos de marrom, e os americanos, de yellow. <END> Ao mostrar o grande circo que Chuck Tatum constrói num canto perdido do Novo México como forma de seu retorno fenomenal ao grande jornalismo das metrópoles, Billy Wilder colocava na mesa a discussão ainda mais profunda, mais séria, mais grave: o que vem primeiro, o ovo ou a galinha? <END> É uma discussão que não tem fim. <END> O próprio Billy Wilder passou por ela – escrachadamente – no já citado A Primeira Página, de 1974. <END> No seu livro Film World, o inglês Ivor Montagu escreveu que Sergei Mikhailovich Eisenstein gostaria de ter filmado A Tragédia Americana, de Theodore Dreiser, mostrando, como o livro, que o responsável pelo crime não é apenas o rapaz que o comete, mas sim toda a sociedade que, em última instância, o leva a cometê-lo. <END> Não importa se um filme faz sucesso ou não; se é bom, fica para sempre <END> Enfim, o que A Montanha dos Sete Abutres vem provar, como tantas outras obras, é que o fato de um filme ser sucesso ou fracasso de público na época de seu lançamento significa muito pouco. <END> Se foi um tremendo fracasso de bilheteria na época do lançamento nos Estados Unidos, o filme foi sucesso de público e crítica na Europa. <END> E, ao longo destes mais de 60 anos que se passaram, tornou-se um indiscutível clássico, reverenciado de forma quase unânime. <END> 14 Comentários <END> 4 estrelas merecidas. <END> Sérgio, Outro dia, você falou que as pessoas se dividem em seres humanos e jornalistas, então eu já estava esperando a publicação de suas impressões acerca do "A Montanha…". <END> Senhorita, você só tem 28 anos????? Desculpe, mas você parece ter mais. <END> André, Adoro os seus comentários. <END> A Montanha… é um filme fantástico. <END> E Kirk Douglas… fantástico do começo ao film. <END> Vi vários filmes com o Kirk mas, este aqui não estou lembrado, acredito que não. <END> Em primeiro, lugar, devo dizer a Senhorita pelo jeito também gosta de torturar seus interlocutores. <END> Eu classifiquei o Billy Wilder como "sádico", mas a rigor isso só serve para os filmes em que ele queria demonstrar o patético da situação a partir das crueldades que eram produzidas a partir dela. <END> Estava revendo o "A Personal Journey with Martin Scorsese Through American Movies" (http://www.imdb.com/title/tt0112120/), e o Scorsese usa uma frase do próprio Wilder para resumi-lo: <END> Grande abraço! <END> P.S.: quando fiz o comentário sobre a Senhorita, dei a entender que era um ancião japonês de 90 anos. <END> Entre tantas críticas brilhantes, essa é uma das mais luminosas, a altura desse filme estupendo. <END> Corrigindo meu "post": na 2a. linha, escapou-me filme no singular, mas o correto é filmes; o comentário sobre "As Ilusões Perdidas" refere-se à dureza dos perfis morais dos jornalistas ali retratados por Balzac. <END> Caríssimo Mario, agradeço até meio sem jeito pelos elogios, que entendo como expressão de sua gentileza.
A Estrada / The Road <END> Anotação em 2010: <END> Comparado com esse filme, 1984, de George Orwell, é suave, quase otimista. <END> Não há, no início, uma explicação sobre o que aconteceu – se foi uma guerra atômica, se foram as mudanças climáticas –, nem se fala em data, mas parece um futuro apavorantemente próximo. <END> Este é o texto inicial do narrador: <END> – "Os relógios pararam à 1h17 numa manhã. <END> Imagens aterradoras de um mundo que perdeu as cores <END> Enquanto vamos ouvindo esse relato – apresentado com a voz pausada, com momentos de silêncio entre uma frase e outra –, vemos um cenário de terra arrasada, o pós-apocalipse: carros que apodrecem, abandonados, junto de estradas; árvores sem uma folha sequer, os galhos esturricados; de vez em quanto há tremores de terra. <END> Não há cor forte – são só tons de cinza, o céu cinza, o chão cinza. <END> No meio dessa absoluta desolação, o homem e o garoto caminham, agasalhados em andrajos, sujos, maltrapilhos. <END> É o horror dos horrores, o inferno na Terra. <END> Antes dessas imagens, há algumas breves tomadas de um mundo colorido, o mundo tal como o conhecemos, e aparece uma mulher de beleza radiante – a mulher do homem sem nome interpretado por Viggo Mortensen, mãe do garoto sem nome que agora está com 10, 12 anos, interpretado por Kodi Smit-McPhee. <END> Ao longo dos 110 minutos de filme, a ação vai se concentrar nos dois, o homem e o garoto. <END> Um visual esplêndio mostra um mundo chocante, aterrador <END> O trabalho do diretor de fotografia, do diretor de arte, é tão chocantemente impressionante quanto a história que o filme narra. <END> Chocante, aterrador. <END> Bem feitíssimo, A Estrada não é um filme para todos os gostos. <END> Outras distopias são também terríveis. <END> Fiquei pensando em outras distopias, outros filmes que imaginam o mundo após o apocalipse. <END> São, todas elas, histórias terríveis. <END> O roteiro foi escrito por Joe Penhall, um nome que eu não conhecia; o iMDB registra nove filmes com roteiros de autoria dele. <END> O diretor John Hillcoat tem uma filmografia curta. <END> O filme se baseia num livro de Cormac McCarthy, um sucesso de público e crítica – foi best-seller nos Estados Unidos e ganhou o prestigiadíssimo Prêmio Pulitzer. <END> Deve ter sido difícil chegar ao final cut <END> O diretor, os produtores devem ter tido um imenso trabalho para definir a forma final do filme, o final cut, a versão que sairia da sala de montagem para exibição. <END> "Uma história sinistra, mas otimista, esperançosa" <END> Vejo no AllMovie que a crítica – assinada por Jason Buchanan, um dos resenhistas mais ativos do grande site – define o filme como otimista e esperançoso, mesmo sendo "sem dúvida um dos mais sinistras, em estilo de pesadelo, histórias de sobrevivência já filmada". <END> Diz ele que a chave do sucesso do filme está no uso do contraste – "não o contraste entre como era o mundo e como ele ficou agora, mas o constraste entre aqueles que instintivamente iriam matar e consumir um outro ser humano em nome da sobrevivência, e aqueles que se recusam a trair os valores que carregam de outros tempos". <END> Mais adiante, Buchanan faz uma interessante comparação com os filmes da série Mad Max, por coincidência produções australianas, que lançaram o também australiano Mel Gibson ao superestrelato. <END> De fato é uma interessante forma de ver o filme, esta, de considerá-lo até mesmo otimista e esperançoso. <END> Verdade: dentro de todo o pavor, há uma pequena centelha de esperança. <END> É isso mesmo. <END> Outro filme igualzinho, pouquíssimo tempo depois! <END> Alguns dias depois de ver este A Estrada, produção de 2009, peguei na locadora O Livro de Eli, produção de 2010, sem saber absolutamente nada sobre o filme, a não ser o fato de que é com Denzel Washington. <END> 2 Comentários <END> Vi o filme uma vez há já algum tempo e depois disso comprei uma TV nova e melhor e trouxe de novo o DVD, mas não aguentei até ao fim. <END> É um sacrilégio você dizer que "Comparado com esse filme, 1984, de George Orwell, é suave, quase otimista." <END> […] Depois de Amanhã, 2004. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Gran Torino <END> Anotação em 2009: <END> Não resisto à tentação de repetir o que disse quando, algumas semanas atrás, comentei sobre A Troca: <END> Depois que saí do cinema onde vi pela primeira vez Os Imperdoáveis, fiz uma anotação sobre Clint Eastwood e a violência. <END> E ia em frente: <END> Repito isso aqui porque tem tudo, absolutamente tudo a ver com Gran Torino. <END> No filme de 1992, Bill Munny, o personagem interpretado pelo próprio Clint, um ex-pistoleiro beberrão que mudou de vida por causa da mulher, Claudia, e agora é um pacífico fazendeiro viúvo tendo que criar sozinho os filhos, é procurado por um grupo de prostitutas que se dispõe a pagar uma boa quantidade de dinheiro a ele para que se vingue de um brutal, estúpido ataque a uma delas cometido por um cliente. <END> Walter Kowalski, o personagem interpretado por Clint em Gran Torino, também terá que encarar uma situação em que toma para si a tarefa de vingar uma moça e um rapaz brutalizados por uma gangue. <END> Nos 16 anos que separam os dois filmes, o veterano artista Clint Eastwood avançou ainda mais na mesma direção que vinha tomando fazia tempos. <END> No começo, o adeus à companheira <END> Quando começa Os Imperdoáveis, Bill Munny está cavando a cova para enterrar sua mulher Claudia, que havia morrido de varíola. <END> Quando Gran Torino começa, Walter Kowalski está na igreja em que está exposto o caixão de sua mulher, com quem viveu 50 anos; em seguida ele e a família – dois filhos adultos, casados, com seus respectivos filhos – recebem os parentes e amigos na casa de Walter. <END> O padre que oficia a cerimônia fúnebre para a mulher de Walter é um garoto jovem, que não tem nem 30 anos. <END> A casa de Walter é boa, confortável, assim como o bairro em que ela foi construída, numa cidade não especificada do Estado de Michigan. <END> Os hmongs da casa ao lado são a avó – que não fala inglês e, sentada na varanda, xinga o vizinho americano o tempo todo: <END> Walter não tem papas na língua, nem qualquer receio de parecer grosseiro – muito ao contrário. <END> Lá pelas tantas, tem o seguinte diálogo com Sue, a garota vizinha (não é uma transcrição literal; faço de memória): <END> Walter: – O que vocês vieram fazer aqui? <END> Sue: – Não somos um povo da selva, vivemos nas montanhas. <END> Sue é inteligente, informada, esperta, simpática, extrovertida; Thao é um adolescente confuso, tímido, retraído. <END> Walter tem em casa – como a imensa maior parte dos americanos de seu tipo – um grande arsenal, espingardas, revólveres. <END> No fundo, é tudo sobre a relação pais e filhos <END> Em Menina de Ouro/Million Dollar Baby, de 2004, Frankie Dunn, o personagem interpretado por Clint Eastwood, um veterano treinador de boxe, irá, com o tempo, embora muito relutantemente, se afeiçoar a Maggie (Hilary Swank), a garota solitária e perseverante que quer aprender a lutar para escapar da pobreza. <END> As difíceis relações pais e filhos perpassam toda a obra da maturidade de Clint Eastwood. <END> Poder Absoluto/Absolute Power, de 1997, é à primeira vista um thriller envolvendo o presidente dos Estados Unidos, mas é principalmente a história de uma relação mal resolvida entre um pai na verdade abnegado e uma filha que nega a relação com ele. <END> Numa seqüência de Poder Absoluto, aparece uma jovem que estuda arte e visita um museu; é interpretada por Alison Eastwood, uma das filhas dele. <END> Em Sobre Meninos e Lobos/Mystic River, de 2003, tudo, absolutamente tudo gira em torno dos filhos, do que se quer para os filhos, do que a crueldade dos outros pode fazer contra eles irremediável, indelevelmente. <END> Em Um Mundo Perfeito/A Perfect World, de 1993, Clint pegou pesado na coisa da falta do pai, da figura paterna. <END> Os personagens de Clint Eastwood estão sempre, de uma maneira ou de outra, em dívida para com os filhos; não deram a eles o amor que deveriam ter dado na infância; percebem isso muito tarde, e de alguma forma tentam recuperar depois o tempo perdido. <END> Mais ou menos da mesma forma com que o cineasta Clint Eastwood, depois de ter atuado em dezenas e dezenas de filmes em que mata pessoas como se matam baratas, passou, depois de velho, a fazer filmes em que demonstra o tamanho absurdo que é tirar a vida de quem quer que seja, até mesmo de um assassino frio, cruel. <END> "É como se ele estivesse, a cada momento, se penitenciando por ter, de alguma forma, participado da construção do cinema como culto à violência. <END> Walter Kowalski também carrega o peso da culpa de não ter sido um bom pai, por não ter sido amigo dos filhos. <END> Como o treinador Frankie Dunn de Menina de Ouro, Walter vai, relutante, sem jeito, com uma aparência de grosseria e desprezo, gostar daqueles garotos chinas, Sue e Thao, como deveria ter gostado dos filhos com quem não tem absolutamente o que falar. <END> Aos 78 anos, Clint Eastwood mostra que é possível aprender, crescer, mudar, melhorar. <END> A trilha sonora do filme é assinada por Kyle Eastwood e Michael Stevens. <END> Muitos dos filmes de Clint nas duas últimas décadas têm sido premiados várias vezes – Os Imperdoáveis e Menina de Ouro levaram os Oscars de melhor filme. <END> Felizmente, como dizia o Vandré, a vida não se resume a festivais. <END> Algumas informações interessantes que achei no iMDB depois de fazer a anotação acima: <END> * A direção de casting colocou anúncios procurando atores da etnia hmong em cidades de diferentes regiões do país, Detroit, Saint Paul e Fresno; só um dos escolhidos para os papéis já havia participado de um filme antes, Doua Moua – e faz um papel menor. <END> * Este foi o quarto filme em que Clint interpretou um veterano da guerra da Coréia; Luther Whitney, o ladrão de jóias de Poder Absoluto, também lutou lá, e o próprio Clint servia as forças armadas na época. <END> * Clint deu a entender que este foi seu último filme como ator. <END> * E o mais interessante de tudo: este foi o filme dirigido por Clint que teve melhor desempenho nas bilheterias tanto dos Estados Unidos quanto da Grã-Bretanha, em termos nominais, sem descontar a inflação. <END> Muito estranho. <END> 3 Comentários <END> Sérgio, perfeito.Vamos torcer para que surja um América na vida desse Romário e ele ainda entre em campo mais algumas vezes para nos assombrar com seu talento,que parece crescer junto com as rugas do rosto.Gran Torino é um grande filme, mas há quanto tempo Clint Eastwood não faz um pequeno filme? <END> Mais uma vez aqui Clint repete a personagem ranzinza, assertivo, grosseiro até, mas que, no momento certo, demonstra a coragem necessária para agir em prol de outras pessoas, com as quais ele, inicialmente, não tem a menor afinidade ou simpatia. <END> 3 Trackbacks <END> […] como Boyz'n the Hood, de John Singleton, A Face Oculta da Lei/Dark Blue, de Ron Shelton, ou Gran Torino, de novo do mestre Clint. <END> […] e A Troca; defendeu de forma radical todos os tipos de anti-racismos e anti-xenofobismos em Gran Torino e Invictus; e ainda por cima mostrou, em J. Edgar, que era um louco obsessivo e veadão enrustido o […] <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Amigos Inseparáveis / Stand Up Guys <END> Amigos Inseparáveis, no original Stand Up Guys, produção de 2012, dirigida por um tal de Fischer Stevens, é um filme sobre velhinhos. <END> Parece que foi só Lawrence Kasdan dizer, ao comentar sobre seu Querido Companheiro, daquele mesmo ano de 2012, que "Hollywood não faz mais filmes sobre pessoas, em especial pessoas com mais de 60 anos", para que pipocassem filmes sobre velhinhos. <END> Não que o grande Lawrence Kasdan tenha se enganado de todo. <END> De fato, tem havido, nos últimos anos, alguns filmes sobre velhinhos. <END> Até mesmo Hollywood, entendido o nome aí como sinônimo da grande indústria de cinema americano, o cinemão comercial americano, fez ao menos dois filme – interessantes, divertidos – sobre velhinhos: <END> Em Antes de Partir, um bilionário em tratamento de doença quase terminal (Jack Nicholson) fica amigo de outro doente (Morgan Freeman) e resolve que os dois vão fazer tudo o que tinham vontade de fazer na vida e nunca tinham feito, por falta de tempo ou dinheiro. <END> Em RED, um grupo de ultra-hiper-super-treinados ex-agentes dos serviços de segurança saem por aí em nome da Justiça e da Honra matando um bando de gente e fazendo explodir um monte de coisas. <END> De onde se pode concluir que ao menos a primeira parte da frase de Lawrence Kasdan é a mais absoluta verdade dos fatos: <END> Os três atuam como se estivessem fazendo uma imitação da imitação de um exagero <END> Pois bem: <END> É assim: um velhinho sai da cadeia, depois de cumprir 28 anos de pena. <END> Quem o espera à saída da penitenciária é seu velho amigo Doc, interpretado por um Christopher Walken fazendo a pior caricatura que se poderia fazer de um Christopher Walken fazendo o papel mais exagerado de sua vida. <END> Antes que o filme chegue aos dez minutos, Val não percebe, ou faz que não percebe, mas o espectador vê que Doc vai tentar matar o amigo inseparável que acabou de sair da prisão. <END> A história é boba. <END> Mas o mais bobo de tudo é a forma com que Al Pacino, esse ator brilhante, mais Alan Arkin, outro ator brilhante, mais Christopher Walken, que sempre me pareceu mais canastrão do que bom ator, atuam. <END> Os três atuam como se estivessem gozando, fazendo gozação, fazendo troça, das suas próprias piores atuações da vida. <END> Eles atuam como se estivessem fazendo a imitação da imitação da imitação da imitação que o taxi driver Travis Brickle faz de si mesmo diante do espelho no filme cultuadíssimo de Martin Scorsese de 1976. <END> Tipo assim: ei, Al, ei, Chris, ei Alan, vamos ver quem fica mais ridículo fingindo que está imitando um personagem de um bad guy wise guy do Scorsese. <END> Pior ainda: o filme resolve fazer piadas prontas, piadas que parecem private mas só conseguem ser privadas, no sentido de vaso sanitário. <END> Para citar mais uma vez a desnecessária refilmagem americana de Perfume de Mulher, há as sequências no carro esportivo veloz. <END> Depois disso, dá vontade de pedir a Hollywood que pare de fazer filmes sobre velhinhos <END> Mary, pessoa sábia, não viu essas sequências do carro correndo feito louco, perseguido pela polícia, fazendo estripulias. <END> Numa hora em que Mary não estava em casa, eu, que sou doido, e tenho um site de filmes, peguei a porcaria para ver até o fim. <END> Pura, absoluta perda de tempo, essa mercadoria tão preciosa. <END> É um filme idiota. <END> E será por que, meu Deus do céu e também da terra, que Julianna Margulies (na foto abaixo), a nossa eterna Good Wife, aceitou fazer um papel chinfrim nesta porcaria? <END> Ao menos aprendi o que significa a expressão "stand up person" – pessoa de princípios. <END> Já gastei muito tempo com essa bobagem, mas, já que gastei, concluo, imitando o tom da revista Veja, que pretende ensinar Barack Obama como se governa o país mais rico do mundo: <END> Ei, Hollywood: pare de fazer filmes imbecis sobre velhinhos, tá? <END> Anotação em setembro de 2013 <END> Um P.S.: Uma das boas coisas da vida é haver opiniões diferentes das nossas. <END> Manuel S. Fonseca, que me dá a honra de permitir a republicação de seus textos maravilhosos, extraordinariamente bem construídos, escreveu recentemente para o semanário português O Expresso (e republiquei no 50 Anos de Textos) um belíssimo artigo sobre este mesmo filme. <END> Um Trackback <END> […] em 1971 tinha acontecido, tinha virado realidade. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
O Jardim das Rosas / The Rosegarden <END> Anotação em 2003: <END> E revolver o passado é exatamente o que este filme – baseado em fatos reais – faz. <END> Liv Ullmann está envelhecida, assim como Maximilian Schell, que parece muito mais velho, em 1989, do que em filme recente, pós 2000, que vi outro dia, o Um Festival em Cannes. <END> O diretor Fons Rademakers é um veterano holandês, nascido em 1920, que foi assistente de Vittorio De Sica e Jean Renoir. <END> O Guia de Mick Martin & Marsha Porter diz que o filme tem 152 min, enquanto o Maltin diz 111 e a revista da Net, que exibiu o filme, diz 113. <END> Na apresentação, aparece The Rosegarden, com uma palavra só, ao contrário do que dizem os guias, que grafam como The Rose Garden.
Amor em Cinco Tempos / 5×2 <END> Anotação em 2006, com complemento em 2008: <END> Giles (Stéphane Freiss) e Marion (Valeria Bruni-Tedeschi) se conhecem, se amam, se casam, vem a fase dos problemas, se separam e depois de se separar vão para um hotel dar uma última trepada – o que talvez seja a única coisa que os diferencia de bilhões de outros casais. <END> Só que a história, em cinco atos, é contada de trás pra diante. <END> Será que François Ozon, esse cineasta tão jovem (é de 1967) e capaz de filmes tão tristes, desesperançados, resolveu contar a história de trás para a frente porque, contada na ordem cronológica, a banalidade ficaria ainda mais gritante? <END> O fato é que este é daquele tipo de filme bem feito, bem interpretado (Valeria Bruni-Tedeschi ganhou o prêmio de melhor atriz em Veneza), bem dirigido, mas ao fim do qual a gente se pergunta: e daí? <END> Na filmografia de Ozon, ele veio depois de três bons filmes: <END> Um Comentário <END> Esse filme é bem isso mesmo que vc falou, qdo termina a gente se pergunta: e daí? <END> […] casal que se conhece, se ama durante um tempo e se separa, só que contada de trás para diante – Amor em Cinco Tempos, de 2004.
Não Esqueça que Você Vai Morrer / N'Oublie pas que Tu Vas Mourir <END> Anotação em 1997: <END> A história é descosturada, desleixadamente descosturada. <END> Benoit, o personagem principal, interpretado pelo jovem diretor, é estudante de História da Arte, filho de pequenos burgueses de Paris. <END> Os pais lembram que ele, devido aos estudos, pode optar pela escola de oficiais. <END> Isso do parágrafo acima dura os primeiros 10, 15 minutos do filme. <END> For the record: a música, de John Cale, ex-parceiro de Lou Reed no Velvet Underground, com peças eruditas incrustradas, é muito boa – belos solos de piano. <END> A capinha da fita traz um erro logo de cara:
Ciladas da Sorte / Albino Alligator <END> Anotação em 1997: <END> Aqui é diferente. <END> Por exemplo: logo no início, quando o carro em que estão os três assaltantes frustrados atropela o policial, a câmara foge do momento do choque; mostra o rosto assustado do policial vendo o carro chegar, e corta para um close up da parte dianteira do carrro, com um barulho de pancada. <END> Outro exemplo é a primeira cena de realmente grande violência, quando o psicopata Law (William Fichtner) assassina Dino, o dono do bar onde os três vão parar fugindo da polícia depois que soa o alarme na tentativa de eles entrarem numa empresa para roubá-la. <END> Depois, quase em câmara lenta, o filme mostra o personagem de Matt Dillon, Dova, o chefe do bando, chegando perto de onde Dino havia caído, e, de outro lado, a personagem de Faye Dunaway, garçonete do bar há dez anos, também chegando para ver. <END> É uma cena brilhante, que define o que o filme quer dizer, que define o estilo e o tom. <END> Há um terceiro exemplo de que a câmara, quase envergonhada, poupa o espectador da explicitude que o cinema americano passou a perseguir cada vez mais, a partir do final dos anos 60. <END> Este é um filme que se alinha com Os Imperdoáveis. <END> A sinopse da caixa do vídeo respeita o espectador. <END> O bar onde se passa 95% da ação é metalinguagem pura, auto-referência ao cinema. <END> Um bom filme. <END> Faltou dizer que este foi o primeiro filme dirigido por Kevin Spacey, esse ator extraordinário, um dos melhores de sua geração (ele é de 1959).
Paixão Proibida / Jude <END> Anotação em 1999: <END> Kate Winslet, pelo jeito, ainda não havia feito Titanic. <END> O filme passou na Quinzena dos Realizadores de Cannes 1996. <END> Fui checar. <END> 4 Comentários <END> Caro Benjamin, Numa rápida pesquisa, o que consegui saber foi que a trilha sonora do filme foi escriada por Adrian Johnston, co-fundador da banda Waterboys. <END> É um filme muito denso e extremamente amargo. <END> […] faz filmes dos mais variados gêneros – de adaptação de clássico da literatura inglesa (Paixão Proibida/Jude, de 1996) a quase western (Riqueza Roubada/The Claim, de 2000), passando por ficção científica […]
Mato em Nome da Lei / Lawman <END> O título escolhido pelos exibidores brasileiros, Mato em Nome da Lei, é a pior coisa deste western de produção caprichada e bom elenco, dirigido em 1971 por Michael Winner. <END> Burt Lancaster faz o Lawman do título original, o homem da lei, o xerife da cidadezinha de Bannock, onde a ação começa. <END> Não se explica onde estava o xerife Jered Maddox (o papel de Burt Lancaster) no momento em que os desordeiros invadiram Bannock. <END> Aí corta, e, alguns meses depois da baderna, Jered Maddox está chegando a uma outra cidadezinha, para prender ali os arruaceiros e levá-los de volta a Bannock para um julgamento. <END> Maddox explica tudo isso ao xerife da cidadezinha, Cotton Ryan (uma ótima interpretação do veterano Robert Ryan), e apresenta a lista dos homens que ele veio prender. <END> O xerife Ryan joga limpo, limpíssimo, com o colega visitante. <END> Mais ainda: todas as pessoas ali gostam de Bronson, respeitam-no (ou têm medo dele). <END> O fazendeiro rico, dono da cidade, não é um absoluto mau caráter. <END> E, recado dado, Ryan vai até a sede da gigantesca fazenda de Bronson contar a ele sobre a chegada de Maddox. <END> Bronson – e aí o filme nos surpreende um tanto – não é um absoluto filho da puta. <END> Bronson reconhece que ele e os amigos e empregados cometeram barbaridades quando passaram por Bannock, voltando de uma longa viagem para entrega de uma partilha de gado. <END> A primeira idéia dele é fazer um acordo com Maddox. <END> Ryan diz não acreditar que Maddox se venda. <END> Bronson reúne os amigos e empregados que participaram da noitada bárbara. <END> Há, é claro, quem sugira simplesmente matar Maddox, e pronto. <END> Bronson argumenta que o tempo daquele tipo de coisa já havia passado. <END> Ao longo da narrativa, repete-se a noção de que os tempos são outros, agora existe a lei <END> A noção de que os tempos são outros, a época dos assassinatos que não davam em nada acabou, a época em que não havia qualquer lei já ficou para trás será destilada diversas vezes, ao longo do filme. <END> O espectador fica sabendo o ano exato em que se passa a ação. <END> A lei, o conceito de existência da lei estava chegando ao Oeste. <END> Quando o xerife toca flauta, uma antiga amante aparece para pedir um favor <END> Num momento em que, no seu quarto de hotel, descansando, sem camisa, apenas com roupa de baixo, Maddox toca uma flauta (um xerife que toca flauta!!), chega uma visita. <END> Enquanto Maddox veste uma camisa por cima da camiseta, para receber condignamente a visita de uma dama, Laura expõe seu pedido. <END> O homem da lei diz que não é possível abrir exceção. <END> O homem da lei é retilíneo, firme, inquebrantável. <END> Uma cidade inteira que vive na paz da corrupção e não quer saber desse negócio de lei, justiça <END> E essa figura do xerife honesto, firme, incorruptível, mais a figura do xerife da cidadezinha, Ryan, que foi um herói no passado, mas hoje, já velho, deixou-se comprar pelo dono da cidade, são um componente que alça este Lawman acima da média dos westerns. <END> E o fato de que, mais para o final, as certezas absolutas de Maddox deixarão de ser tão firmes, aumenta ainda mais a qualidade do filme. <END> Este é um western cheio de palavras, discursos, considerações expressas em diálogos compridos. <END> Em Matar ou Morrer/High Noon, na minha opinião um dos melhores de todos, se não o melhor que já foi feito, e também em Shane, outro dos melhores, usam-se menos palavras. <END> Em Matar ou Morrer, o xerife Will Kane (o memorável personagem interpretado com raça forte por Gary Cooper) terá que enfrentar um bando sozinho porque falta coragem aos homens na sua cidade. <END> Neste Lawman, no entanto, a situação é mais complexa. <END> É uma cidade que não quer saber desse negócio de lei, legalidade, justiça. <END> E é muito interessante que tanta discussão sobre conceitos venha em um filme de Michael Winner, o sujeito que depois faria os Desejo de Matar 1, 2, e, 4, em que Charles Bronson (coincidência de nomes – o ator Charles Bronson, o fazendeiro dono da cidade Jason Bronson), em vez de pensar ou falar, atira. <END> Tretou, relou, lá vem um zoom <END> Michael Winner, neste Lawman, tem um trejeito, um tique: volta e meia ele faz um zoom. <END> Não sei se ele fez isso nos outros filmes dele (o cara tem mais de 40 títulos como diretor). <END> O western é por essência o gênero do plano geral, aquele em que a câmara enxerga o mundo bem de longe. <END> E então Michael Winner e seu diretor de fotografia, Robert Paynter, volta e meia pegam um plano geral, e dão um zoom: com aquelas câmaras Panavision do início dos anos 70, eles partem do geral para o particular, do gigantesco para o detalhe, da paisagem, para o sujeito. <END> Isso acontece, repito, volta e meia, no filme. <END> É uma boa forma de assinar, de dizer que aquilo ali quem fez foi ele, e mais ninguém. <END> Quero ainda fazer mais duas observações. <END> Burt Lancaster está contido, neste filme. <END> Burt Lancaster, se a gente parar um pouquinho para pensar, é uma figura extraordinária. <END> Veio do circo – é atlético, forte, poderoso. <END> Burt Lancaster nos acostumou tanto a berrar muito e fazer caretas demais que, quando interpreta tipos de gestos pequenos, voz baixa, como neste Lawman, ou como em Violência e Paixão, do mestre Luchino Visconti, até assusta. <END> Sua interpretação como o xerife Maddox assusta. <END> Um final surpreendente, que vai contra a forma com que toda a narrativa se encaminhava <END> E então temos o final do filme. <END> Como falar de um final de filme se me propus a não apresentar spoilers? <END> O finalzinho da trama deste Lawman surpreende. <END> Fiquei com a sensação de que aquele não era o final pretendido pelo diretor, pelo roteirista. <END> Não combina com nada do que vinha vindo na narrativa. <END> Se é que se aproxima da verdade a minha impressão, temos uma coisa horrorosa. <END> Fico aqui com mil dúvidas se devo dar os spoilers todos. <END> Mas vamos lá. <END> Maddox passou a duvidar de tudo sobre que tinha certeza até então. <END> A visão de mais uma viúva confirma para ele: seus conceitos todos terão que ser revistos. <END> E ele de fato tenta sair fora da vida que tinha levado até então. <END> Mas, de repente, muda tudo: faz tudo o que não era para o novo Maddox fazer. <END> O final do filme fica sem sentido. <END> Leonard Maltin percebeu isso. <END> Tá certo, concordo: <END> A opção – muito provavelmente dos produtores, não do diretor – de fechar o filme da forma como ele fecha vai contra tudo o que vinha sendo dito até então. <END> É uma grande, gigantesca pena. <END> Uma defesa do final tal como ele é apresentado. <END> Na hora de postar esta anotação, e de buscar as fotos, me deparo com uma opinião e uma informação fascinantes. <END> A opinião é oposta à minha, e justifica plenamente, e de maneira lógica, as ações derradeiras de Maddox.
Je l'aimais <END> Belo, triste, melancólico, amargurado filme sobre escolhas afetivas. <END> Tem muito pouco a ver, mas, por algum motivo, ele me fez lembrar As Pontes de Madison, aquela maravilha que Clint Eastwood fez em 1995. <END> Me ocorreu também que esta é uma das melhores interpretações de Daniel Auteuil, na minha opinião. <END> Je l'aimais. <END> É uma produção de 2009. <END> Autora mulher, duas mulheres autoras do roteiro, diretora mulher. <END> Uma mulher em estado de choque após uma perda <END> Je l'aimais narra sua história devagar – para que ter pressa? <END> Começa com um close-up do rosto de uma jovem mulher que sofre. <END> Chloé primeiro protesta, diz que é noite, está frio, mas enfim deixa-se levar. <END> Vão enfrentar uma viagem longa de carro. <END> Vêm os créditos iniciais. <END> Pierre, Chloé e as duas meninas ficarão em uma ampla, confortável casa de montanha. <END> Os primeiros dias passam bem devagar. <END> O espectador poderia pensar que são pai, filha e netas. <END> Só lá com uns 15 minutos de filme veremos que não é exatamente assim. <END> Pierre se condoeu dela, quis tirá-la da casa, levar para outro ar, para a casa da montanha, até que ela tivesse condições de se recompor. <END> Passa-se mais algum tempo até o filme mostrar que não vai contar a história de Chloé, e sim a de Pierre. <END> O sogro começa a contar para a nora que teve um grande amor na vida <END> Nora e sogro têm uma discussão acolorada, depois de conviverem por dias na casa de montanha apenas trocando algumas poucas frases sobre as providências do dia-a-dia. <END> E veremos que Pierre é de fato um homem crispado, solitário, fechado em si mesmo, uma pedra. <END> Quando, após a discussão, os gritos, o choro, Chloé se aquieta, Pierre começa a contar para ela que teve um grande amor na vida. <END> Não se sabe exatamente por que Pierre resolve, pela primeira vez na vida, contar a história do grande amor que perdeu justamente para a nora que estava ali à beira da catatonia por ter sido abandonada pelo marido. <END> Qualquer um de nós pode ter tido experiência semelhante: ao ouvir de um amigo, um parente, o relato de um fim de caso, somos impelidos, sabe-se lá por quê, a contar uma nossa experiência semelhante. <END> Ou talvez Pierre precisasse extravasar, relatar, pela primeira vez na vida, a história que jamais havia revelado a ninguém, que estava presa na sua garganta. <END> Provavelmente as duas coisas juntas. <END> E então ele conta sua história – para Chloé e para o espectador. <END> Je l'aimais. <END> O amor de Pierre por Mathilde era tão imperfeito que resistia à definição clássica de "ação ocorrida no passado cujo começo e fim ocorreram em período não determinado". <END> Há alguns belos momentos em que imagens do passado e do presente se juntam <END> Pierre conheceu Mathilde numa circunstância especialmente difícil. <END> Mas ele chegou sozinho para a reunião com mais de meia dúzia de chineses. <END> Neste filme belo, feminino, sensibilidade à flor de cada tomada, há uma seqüência especialmente brilhante. <END> Suzanne diz que quer o divórcio. <END> Suzanne é então forçada a dizer a verdade: não quer divórcio algum, quer continuar o casamento. <END> O diálogo mais importante entre Pierre e Suzanne ao longo de muitos anos é a toda hora interrompido pela chegada do garçom. <END> É uma seqüência antológica, inesquecível. <END> Em meio à sua narrativa sóbria, serena, a diretora Zabou Breitman se permite, com extrema suavidade, alguns belos momentos em que imagens do passado e do presente se juntam na tela. <END> Não tem jeito: qualquer escolha trará dor imensa <END> Enquanto conta sua história para a nora que acabou de ser abandonada pelo marido, filho dele, Pierre várias vezes diz coisas do tipo eu não queria, eu não fui atrás, aconteceu, as coisas acontecem, são maiores do que a gente, não há o que a gente possa fazer. <END> Pierre, sujeito duro, insensível, num momento único de abertura do coração, tenta, com sua história, consolar a nora. <END> Je l'aimais é um filme que toca fundo em qualquer pessoa que já tenha passado por uma situação semelhante – estar no meio de uma relação sólida, e ser atingido por um tremor de terra. <END> Diante do tremor de terra de uma nova paixão, há, basicamente, como cada pessoa sabe, duas opções: ou se abandona a ligação sólida, antiga, duradoura, ou se abandona a possibilidade de nova vida. <END> Não tem jeito, não tem remédio: cada uma das escolhas trará dor imensa. <END> A Francesca interpretada por Meryl Streep em As Pontes de Madison poderia passar um bom tempo do resto da vida sufocando a paixão que descobrira pelo Robert que cai de pára-quedas em sua vida, e manter seu casamento – um casamento confortável, agradável, harmonioso, embora sem o fogo da paixão. <END> Exatamente como aconteceu com a Laura interpretada por Celia Johnson em Desencanto/Brief Encounter, a pérola do mestre David Lean. <END> Não tem jeito, não tem remédio: cada uma das escolhas trará dor imensa. <END> Uma história contada com sensibilidade, honestidade, conhecimento de causa <END> Je l'aimais conta essa história triste, melancólica, amargurada, com tamanha sensibilidade, honestidade, conhecimento de causa, que fico imaginando se o romance que deu origem ao roteiro não terá alguma dose de autobiográfico. <END> Anna Galvada, a autora do livro Je l'aimais, nasceu em 1970. <END> Zabou Breitman havia dirigido apenas dois longa-metragens antes deste aqui: <END> Um Comentário <END> Geralmente filmes com esse tema "homem casado conhece e se apaixona por outra" (invariavelmente muito mais jovem) não me comovem, mas esse aqui eu achei bem feito, e até quase derramei uma lágrima. <END> Ao menos o Pierre parecia sentir mesmo um sentimento legítimo pela Mathilde, não era apenas uma paixão dessas que acabam rapidamente. <END> Afinal, o filho era ou não dele? <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Os Homens que Encaravam Cabras / The Men Who Stare at Goats <END> Anotação em 2011: <END> Conta uma história que o governo americano, o Pentágono, as forças armadas, o Establishment da maior potência do planeta seguramente gostariam de esconder, ou de esquecer: as experiências patrocinadas pelo exército dos Estados Unidos da América para criar – os nomes variam muito, mas a coisa é uma só – soldados com poderes extra-sensoriais, espiões psíquicos, observadores remotos, super-soldados, guerreiros Jedis. <END> Noventa e nove vírgula noventa e nove por cento das pessoas reagiriam com um – Péra lá! <END> Bem, o filme está brincando, sim. <END> "Há mais verdade nisso do que você poderia acreditar" <END> A abertura é de um brilho absoluto. <END> Corte, e temos o mesmo homem, na mesma posição, só que agora visto em tomada mais afastada, quase um plano de conjunto. <END> O brigadeiro-general Hopgood olha intensamente para a frente. <END> À frente dele, do outro lado da sala, há uma parede, é claro – todas as salas do mundo têm paredes. <END> O brigadeiro-general Hopgood avisa a seu subordinado que vai até a outra sala. <END> Levanta-se, continua encarando o que há à sua frente, toma impulso e corre com tudo em direção à parede. <END> Infelizmente para ele, o brigadeiro-general Hopgood não consegue atravessar a parede. <END> E surge na tela o letreiro: <END> Cabeças muito cheias de ácido <END> É interessante como não se fez marketing do filme em cima do fato de que ele se baseia em histórias reais. <END> Talvez porque as pessoas não fossem acreditar. <END> Às vezes digo aqui que tal ou tal trama é tão fantástica, tão absurda, tão fora da realidade, que parece que o roteirista tomou um ácido bravo antes de se sentar para escrever. <END> Os Homens Que Encaravam Cabras mostra fatos tão fantásticos, tão absurdos, tão fora da realidade, que parece ser este o caso. <END> O Monstro de Loch Ness é o fantasma de um dinossauro <END> Depois do letreiro "Há mais verdade nisso do que você poderia acreditar", a voz em off de Ewan McGregor conta a história do personagem que ele interpreta, Bob Winton, um jornalista da pequena cidade de Ann Arbor, no Michigan. <END> – "O Monstro de Loch Ness, na Escócia. <END> No mesmo tom de profunda seriedade, Gus explica ao jovem e atônito repórter que, nos anos 1980, ele fez parte de uma unidade top secret treinada pelo exército em um programa sancionado pelos mais altos níveis de governo. <END> E qual era o propósito da unidade?, pergunta o repórter, já que um repórter tem que fazer perguntas. <END> A essa altura, Bob já anotou no seu caderninho que o cara é doido. <END> – "Um homem de nossa unidade parou o coração de uma cabra." <END> Uma figura muito mansa e muito louca <END> O homem que matou uma cabra só de encará-la, o sargento Lyn Cassady, é interpretado por George Clooney, também um dos produtores executivos do filme. <END> Lyn Cassady, um dos grandes guerreiros Jedis formado no Primeiro Batalhão da Terra, em Fort Bragg, Carolina do Norte, vai então levar o repórter Bob para dentro do Iraque ocupado pelas tropas americanas e onde há sempre um atentado a bomba à espreita. <END> É uma figura muito louca e muito mansa (será que Walter Franco já adivinhava a figura do homem que encarava cabras, quando compôs o verso que falava em muito mansa e muito louca, naqueles doidos anos 70?), esse personagem – e ele parece ter sido criado para ser vivido por George Clooney, com aquelas expressões dele que misturam cara de pau, nonchalance, um jeitão de não tá nem aí, que não dá nunca para a gente saber se ele está sério ou tirando um sarro danado de quem está à sua frente. <END> Dirigindo no meio do deserto do Iraque, o sargento Lyn Cassady encara as nuvens lá no alto. <END> Estamos aí com uns 15, 20 minutos de filme, que passam como se fosse meio segundo e dão vontade de voltar e rever tudo – e o que virá a seguir é ainda mais doidão. <END> É tudo absolutamente doidão – e baseado em fatos reais. <END> O jornalista Jon Ronson entrevistou os homens que encaravam cabras <END> Uma das grandes piadas do filme (e o filme é repleto de grandes piadas) vem em letras mínimas, ao final dos créditos finais, aquela coisa que pouca gente vê, porque a imensa maioria já se levantou da poltrona do cinema, ou desligou o DVD. <END> "Embora este filme seja inspirado no livro de Jon Ronson, e os personagens de Lyn Cassady e Bill Django sejam baseados em personagens reais, o sargento Glenn Wheaton e o coronel Jim Channon, todos os outros personagens são inventados ou são compostos (reunião de vários personagens), e não retratos de pessoas reais. <END> Sim: eu não havia dito isso antes, mas os guerreiros Jedis também tentavam atingir a invisibilidade. <END> As duas últimas frases do aviso dos realizadores são uma ótima piada. <END> O personagem Lyn Cassady, interpretado por um hilário George Clooney, existe na vida real, com o nome de Glenn Wheaton. <END> Outra pessoa real, o major-general Albert Stubblebine III, exatamente como o personagem que abre o filme, acreditava de fato que podia atravessar paredes – e bem que tentou. <END> Os três – o sargento Wheaton, o coronel Channon, o major-general Stubblebine – foram entrevistados por Jon Ronson, um jovem jornalista inglês, nascido em 1967, em plena guerra do Vietnã, em pleno alvorecer do flower power. <END> Jon Ronson juntou tudo o que apurou em dezenas e dezenas de entrevistas no livro The Men Who Stare at Goats, publicado originalmente em 2004, e editado no Brasil em 2010, um ano depois do lançamento internacional do filme (a edição brasileira é da Editora Record). <END> O livro que deu origem ao filme é não-ficção – só o retrato da verdade <END> O livro pretende ser, e tudo indica que é mesmo, um relato de não-ficção. <END> É, repito, um livro de não-ficção. <END> Escrever ficção é mais fácil que retratar a exata verdade dos fatos apurados, sem criar nada, sem inventar cereja para botar em cima do bolo. <END> Talvez a frase esteja errada, talvez não seja exatamente isso. <END> Escrever não-ficção, retratando apenas e tão somente a exata verdade dos fatos apurados, sem criar nada, sem usar a imaginação em momento algum, e ao mesmo tempo fazer um texto sempre atraente, fácil e gostoso de se ler é uma tarefa extremamente complexa, complicada, difícil. <END> Quando se parte de fatos reais para fazer uma ficção, o escritor tem uma liberdade muito mais ampla. <END> Porém isso é ficção. <END> O Inocente, de John Grisham, é um exemplo perfeito disso. <END> Os Homens Que Encaravam Cabras, o livro, é delicioso de se ler até lá por um terço, a metade, pois o tema é fascinante, em sua loucura, em sua hilariedade, em sua seriedade. <END> "A divertida e trágica história de como o sonho hippie entrou para o exército" <END> O roteirista Peter Straughan fez um trabalho absolutamente brilhante. <END> Um sujeito do jornal Daily Telegraph cunhou uma frase absolutamente maravilhosa para descrever o livro: <END> O filme é exatamente isso: a divertida e trágica, engraçadíssima, hilariante e triste história de como o sonho hippie entrou para o exército. <END> O tempo em que se procurou ir além das portas da percepção <END> Fez muito sucesso, nos anos 60, um livro chamado O Despertar dos Mágicos. <END> O Despertar dos Mágicos é, me parece, a comprovação de duas obviedades. <END> Uma grande dose de admiração (sem compreender direito) pelo espiritualismo do Oriente, em especial da Índia. <END> Diferentemente do que muita gente acreditou, o sonho da contracultura não morreu em 1969, em Woodstock, nem em 1970, quando John Lennon autocraticamente decretou que tinha acabado. <END> Ao contrário. <END> Quatro grandes atores em ótimas atuações <END> Os Homens que Encaravam Cabras, o livro, mostra como o coronel Jim Channon, ao retornar do Vietnã, foi visitando no início dos anos 70 muitos daqueles grupúsculos de doidões, que carregavam, cada um à sua maneira, a chama da explosão da contracultura. <END> Com Jeff Bridges como o guruzão (coisa que, de alguma maneira, ele é mesmo), com Ewan McGregor como o jovem jornalista que descobre os guerreiros Jedis (tendo sido ele mesmo um guerreiro Jedi na segunda trilogia de Guerra nas Estrelas de George Lucas), com George Clooney (ele mesmo o mais bem acabado rebelde anti-Establishment republicano), como o mais ativo, nestes pobres anos 2000, dos velhos espiões psíquicos, e mais ainda Kevin Spacey (o exemplo perfeito do ator comprometido com as boas causas políticas) no papel do lado escuro da Força, todos eles em grandes atuações, o filme é uma absoluta alegria para quem gosta de cinema, e para quem algum dia sonhou, tendo dormido ou não no sleeping bag. <END> Para quem não gosta nem de cinema nem do sonho – bem, talvez seja uma maneira de começar. <END> Eu vi. <END> Eu, desta vez, também discordo, Sergio. <END> Já vi, Sérgio, e achei-o bastante original, muito louco e desconcertante. <END> Adorei, achei o filme uma lição de vida. <END> O sonho hippie é um sonho de liberdade, sonho de compaixão, não importa a qual religião ou movimento estamos afiliados ou não, importa que façamos o bem, que sejamos o bem, que cuidemos do lugar onde vivemos, que façamos coisas das quais as consequências não serão devastadoramente negativas. <END> Achei demais a ideia (real) do Batalhão da Terra. <END> Achei o filme demais, posso ter tido um ponto de vista errado, distorcido… posso ter viajado mais do que o próprio filme, mas adorei. <END> Eu achei o filme engraçado, inovador e muito bem feito, pois dá a forte impressão de um filme modesto, sem grandes pretensões e, até mesmo, um pouco "artesanal". <END> Simplesmente divino, a combinação do elenco com o filme, tornou esse um tesão, quem curtiu parabens, vc e um Jedai, corra ate a cozinha e entorte uma colher, caso contrario, coração gelado, vc ainda n esta preparado, esqueca a colher e va assistir zorra total. <END> 3 Trackbacks <END> […] do controle da mente com uso de drogas alucinógenas, em especial o LSD, o que faz lembrar Os Homens Que Encaravam Cabras; outro mostra como a CIA depôs nos anos 50 um governo democraticamente eleito da Nicarágua para […]
Minha Mãe Gosta de Mulher / A Mi Madre le Gustan las Mujeres <END> Anotação em 2008: <END> Sofia (a excelente Rosa Maria Sardà), uma mulher de seus 50 e poucos, pianista clássica, separada dos maridos, recebe as três filhas e anuncia para elas o que o título já tinha entregue: está apaixonada por outra mulher – outra instrumentista, a checa Eliska (Eliska Sirová, em primeiro plano na foto abaixo, ao lado de Rosa Maria Sardà, com as filhas ao fundo), bem mais jovem, da idade de sua filha mais velha. <END> Cada uma das três moças, extremamente diferentes umas das outras em tudo, recebe a notícia de uma maneira. <END> Vão surgir situações engraçadas, grotescas, esquisitas, estranhas, complicadas, apavorantes – que não vale a pena adiantar porque poderia fazer perder a graça para quem ainda não viu o filme. <END> Todo o elenco é um brilho, uma maravilha, mas duas das atrizes se sobrassaem, são brilhantíssimas: a veterana Rosa Maria Sardà, que é a protagonista do também delicioso filme catalão Anita Não Perde a Chance/Anita No Perd el Tren, e a menina Leonor Watling (foto abaixo), que tem exatamente a idade da minha filha Fernanda (as duas são de 1975), trabalhou com a catalã Isabel Coixet em pelo menos três de seus filmes: <END> Em termos de ciências humanas, é fascinante ver que em 2002 a Espanha – até 30 anos atrás uma ditadura fascista, país atrasado, quase subdesenvolvido, para os padrões europeus – é um país civilizado, moderno, rico, um oásis para a instrumentista Eliska, que emigra da sua lindíssima mas pobre República Checa em busca de uma vida melhor. <END> Vi o filme em janeiro, e no fim de abril quis rever. <END> O filme ganhou nove prêmios e teve oito outras indicações – inclusive o Goya, o mais importante do cinema espanhol, na categoria melhor diretor novo, para as autoras e roteiristas Daniela Féjerman e Inês Paris. <END> Ça va sans dire, mas, em todo caso, registro: como outros bons filmes que falam sobre homossexualismo, este aqui não é uma ode ao lesbianismo, não é um panfleto pela opção homo. <END> Um Comentário <END> É uma comédia diferente, até pelo tema principal, e a personagem da Leonor Watling é hilária! <END> 2 Trackbacks <END> […] personagens de Ana (Candela Peña, ótima), a irmã que acolhe Pilar, e Aurora (a extraordinária Rosa María Sardà), a mãe das duas. <END> […] faz o principal papel feminino também é espanhola, a bela, gostosa e talentosa Leonor Watling, de Minha Mãe Gosta de Mulher, Minha Vida Sem Mim, Fale com Ela, A Vida Secreta das Palavras, Lope. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Indo Até o Fim / Going All the Way <END> Anotação em 1999: <END> Um deles, Sonny (Jeremy Davies, que faz o soldado medroso em O Resgate do Soldado Ryan) tímido, introspectivo, mais imaturo; o outro, Gunner (Ben Affleck, que na capa do vídeo aparece em primeiro lugar, por ter ficado mais conhecido do público), seguro de si, líder natural. <END> O que incomoda é a aparente imaturidade do diretor.
Deixe-me Viver / White Oleander <END> Anotação em 2007, com complemento em 2008: <END> O filme me impressionou mais quando vimos pela segunda vez, em 2007; tínhamos visto antes em 2004, mas naquela época não fiz anotação, só a ficha técnica e a nota, duas estrelas e meia. <END> Alison Lohmam faz o papel de Astrid, uma garota de uns 14 anos, filha de uma artista plástica belíssima (Michelle Pfeiffer), independente, muito rica, segura de si ao extremíssimo, que se tem como o centro do mundo e, numa crise de ciúme, mata o namorado. <END> Assim como o garoto mimado de família rica na Xangai em O Império do Sol, Astrid de repente, de um momento para o outro, cai de dentro de uma redoma diretamente no pior dos infernos. <END> Ao longo do percurso, vai descobrindo o quanto a mãe é e sempre foi egoista, e, em vez de respeitar a filha, sempre procurou fazer com que a filha fosse uma cópia dela própria. <END> Não sei realmente como não percebi da primeira vez que o filme é muito, muito bom. <END> O extraordinário talento dessa moça me pegou em cheio mais tarde, quando a vi em Verdade Nua/Where The Truth Lies, de 2005. <END> É fácil confundir o nome dela com outra atriz quase da mesma geração, Lindsay Lohan. <END> Alison Lohman – que aparentemente não tem esses problemas comportamentais – é de 1979, e portanto estava já com 22 ou 23 anos quando fez este filme White Oleander – embora pareça não mais que 16. <END> 2 Comentários <END> Como foi gostoso ler o comentário desse filme! <END> Também só à segunda visão do filme é que reparei que é mesmo excelente e que a jovem Alison Lohmam é não só lindíssima como boa actriz. <END> 3 Trackbacks <END> […] de talento – só para dar alguns exemplos, em Questão de Vida/Nine Lives, de Rodrigo García, Deixe-me Viver/White Oleander, de Peter Kosminsky, Sorry, Haters, de Jeff Stanzier. <END> […] para deixar o vício.
O Carteiro e o Poeta / Il Postino <END> Anotação em 1995: <END> Massimo Troisi está brilhante como sempre em seu último filme (morreu em 1994, mesmo ano de produção do filme, do coração, absurdamente jovem – tinha apenas 41 anos). <END> Mas a maior grandeza do filme é a ternura com que lida com a amizade tão improvável entre o poeta e o iletrado, entre o comunista das letras e o simplório homem do povo. <END> O filme é extremamente poético, engraçadíssimo às vezes e de chorar em poucas. <END> Um complemento em novembro de 2012: <END> Ivan Kojakkk, que tem se revelado um dos mais assíduos leitores destas anotações, me mandou uma mensagem perguntando se Massimo Troisi morreu durante as filmagens. <END> Fui procurar minha anotação sobre Il Postino e me espantei ao ver como ela é curtinha. <END> Seria necessário explicar que este site traz anotações feitas apenas para mim mesmo, logo após ver os filmes. <END> Somente a partir de julho de 2008, quando criei este site, foi que passei a fazer anotações mais longas, mais detalhadas. <END> Sobre a morte de Troisi, o IMDb diz o seguinte: <END> "Troisi literalmente deu sua vida para fazer Il Postino. <END> E a Wikipedia diz: <END> "Troisi morreu de um ataque cardíaco na casa de sua irmã em Ostia, Roma, 12 horas depois que as filmagens principais de Il Postino haviam terminado. <END> A Wikipedia acrescenta que Troisi teve uma indicação póstuma para o Oscar de melhor ator por sua atuação no filme. <END> 2 Comentários <END> Que beleza de filme,que maravilha,verdadeiro esplendor.Foi melhor ainda,ir dormir ontém depois de assistir a esta obra.
Rede de Traições / The Assassination File <END> Anotação em 2004, com complemento em 2008: <END> Quando vi, em 2004, anotei o seguinte: <END> A narrativa, os recursos, os atores, tudo é de telefilme padrão. <END> Essa Sherilyn Fenn, embora inexpressiva, é uma daquelas moças muito brancas de olhos azuis e cabelos pretos, terrivelmente bonitas, que o David Lynch adora botar nos Twim Peaks dele. <END> Vejo agora, em 2008, que Sherilyn Fenn já trabalhou em mais de 80 filmes e episódios de séries de TV – e de fato trabalhou com David Lynch em Coração Selvagem/Wild at Heart, de 1990.
Enfim Viúva / Enfin Veuve <END> O comecinho até que promete. <END> "Et su tu n'existais pas" é daquele tipo de canção-chiclete, que a gente ouve uma vez, gruda na memória e a gente é capaz de assobiá-la em seguida e também daí a uma semana, um mês. <END> E Michèle Laroque cantando alto, com entusiasmo, com paixão, sem qualquer afinação – e sem fôlego, porque, afinal, está correndo na praia –, faz uma bela figura, um personagem crível, parecendo de carne e osso. <END> Tive esperança de estar diante de uma boa comedinha francesa. <END> Como diria o jovem Chico, qual o quê. <END> O encanto do filme dura exatamente essa seqüência inicial. <END> Resisti uns cinco, talvez oito minutos. <END> Como não sou são da cabeça, vejo filmes como um avestruz, e além de tudo tenho um site de filmes, no dia seguinte me sentei de novo para ver o resto de Enfim Viúva. <END> É tudo tão ruim que não dá nem para achar graça das piadas <END> O filme é daqueles que dão vergonha no espectador de estar perdendo tempo vendo uma coisa tão absolutamente idiota. <END> Sei que o adjetivo é forte. <END> Vou tentar, portanto, ser breve. <END> A trama é assim: <END> Anne-Marie, burguesa de aí no meio dos 40 anos (o papel de Michèle Laroque), casada com cirurgião plástico extremamente bem sucedido (Wladimir Yordanoff), é, há dois anos, amante de um construtor de barcos na região de Marselha, Léo (Jacques Gamblin). <END> Mas não é a trama que é mais idiota: é a forma com que a trama é apresentada ao espectador, e a forma com que atuam os atores. <END> Por exemplo: o filme tenta, por umas cinco vezes, pelo menos, fazer o espectador rir do fato de que a burguesa se esforça para mentir para a empregada, que está cansada de saber que ela na verdade tem um amante. <END> A forma com que os atores são postos para atuar, como se estivessem no pior quadro jamais concebido num programa humorístico de TV, é uma ofensa a qualquer tipo de inteligência. <END> O maniqueísmo esquerdóide: quem é rico é babaca, quem é mais pobre é bom <END> Eu deveria parar por aqui, mas a imbecilidade do filme é tão agressiva que prossigo um pouco mais. <END> Já disse muitas vezes que o cinema italiano, de uma maneira geral, tem essa idéia fixa de que só os pobres são probos, íntegros, corretos, e todo mundo que tem mais do que o suficiente para sobreviver é mau, sem caráter, filho da puta, doente do pé ou da cabeça, ou ambos. <END> Boa parte do cinema francês também padece dessa doença infantil do esquerdismo: bom é o trabalhador pobre; quem não é trabalhador pobre é mau, sem caráter, filho da puta, doente do pé ou da cabeça, ou ambos. <END> Este filme cultiva este maniqueísmo debilóide. <END> Anne-Marie, a protagonista, a burguesa, é uma completa babaca. <END> O amante, que não é rico, que é trabalhador manual, é gente boa, assim como seus empregados e amigos. <END> Muito mais babaca do que os burgueses do filme é quem vê o mundo desta forma preto-e-branca. <END> É um filme idiota. <END> E, no entanto, a diretora Isabelle Mergault fez Você é tão Bonito – um filme sensível, inteligente, que fala de machismo, do despertar para o afeto, da vida rural francesa que é atrasada, retrógada, incapaz de viver sem subsídios, sobre a miséria do Leste europeu pós-derrocada do império comunista, <END> Você é Tão Bonito é o exato inverso deste filme aqui. <END> Tudo o que esta porcaria aqui não é. <END> Como é possível que uma mesma pessoa consiga fazer um filme tão sensível e um filme tão idiota? <END> Mistério neste mundo de mistérios – embora o maior mistério, como diz o Renato Teixeira, seja haver mistérios. <END> 3 Comentários <END> Aaaaaaaah, Sergio!!!! O filme é legalzinho, vai!
O Homem que Mudou o Jogo / Moneyball <END> O Homem que Mudou o Jogo, no original Moneyball, é um bom filme. <END> É um filme sobre esporte. <END> O Homem que Mudou o Jogo teve seis indicações ao Oscar: melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor ator para Brad Pitt, melhor ator coadjuvante para Jonah Hill, melhor montagem, melhor mixagem de som. <END> Não levou nenhum, mas teve toda a publicidade de um indicado a seis Oscars. <END> E, no entanto, no mercado americano rendeu US$ 75 milhões. <END> Há belos filmes sobre beisebol – mas filme sobre esporte não dá grande bilheteria <END> Os filmes sobre esporte não costumam fazer grande sucesso de público. <END> Todos esses filmes têm grandes admiradores, fãs absolutos – mas nenhum deles chegou a ser um estouro de bilheteria. <END> Alguém deveria escrever uma tese de mestrado mostrando por que, raios, não dá certo na bilheteria o casamento cinema e esporte. <END> Pensando bem, já deve haver umas três dúzias de tese de mestrado sobre esse isso. <END> Se um time tem jogadores que custam US$ 114 milhões, e outro, R$ 39 milhões, não é um jogo justo <END> Os acontecimentos que o filme mostra se deram, de fato, entre 2001 e 2002. <END> Em 2001, o Oakland Athletics, ou simplesmente Oakland A's, como é mais conhecido, conseguiu chegar perto das finais da Major League, o que corresponderia grosso modo ao Campeonato Brasileiro da Série A do nosso futebol. <END> A folha de pagamento dos Yankees era de US$ 114 milhões. <END> Convenhamos que, só de ver esses números, dá para dizer que não era uma disputa justa. <END> O filme se baseia num livro que tem o título sugestivo de Moneyball: <END> Após a derrota, o time perde seus melhores jogadores <END> Logo após a derrota diante dos Yankees, os Oakland A's perdem seus três melhores jogadores, contratados por equipes com orçamento melhor. <END> O general manager dos Oakland A's, literalmente gerente geral, mas o que aqui imagino seria o presidente do clube, chamava-se (e se chama ainda) Billy Beane. <END> O bonitão Billy Beane do filme vai ter uma conversa séria com o dono do time. <END> Vemos então reuniões de Billy com os olheiros do time, os caça-talentos. <END> Billy já percebeu que, com o mesmo orçamento de sempre, muitíssimo inferior ao de diversos outros times da Major League, ele não vai conseguir sair do lugar. <END> Numa viagem a outro Estado, na tentativa de fazer uma troca de jogadores, Billy percebe que um sujeito bem jovem fala alguma coisa ao ouvido de um dos conselheiros do gerente geral do rival, e o conselheiro fala alguma coisa ao ouvido do gerente geral, e este toma uma decisão. <END> Já que não teria orçamento melhor, Billy adapta a formação da equipe ao dinheiro que tem <END> Depois que a reunião termina, Billy vai atrás daquele sujeito que deu o palpite que acabou atrapalhando seu negócio. <END> O sujeito é uma figura fantástica. <END> Peter Brand havia aplicado regras estatísticas ao mundo do beisebol. <END> Billy contrata o garoto. <END> O maravilhoso roteiro mostra tudo com clareza para quem não entende de beisebol <END> Um dos grandes méritos de O Homem que Mudou o Jogo é o roteiro, de autoria de Steven Zaillian e Aaron Sorkin a partir de um argumento escrito por Stan Chervin por sua vez baseado no livro já citado de Michael Lewis. <END> É um dos grandes méritos do filme – talvez o mais importante. <END> O espectador não precisa entender nada de beisebol. <END> (Eu não entendo absolutamente bulhufas daquele jogo incompreensível, que para mim parece uma mistura esquisita de críquete com o bente-altas-licença-pra-dois que os meninos mineiros costumavam jogar nas ruas. <END> O fato é que o espectador não precisa entender lhufas de beisebol, nem de gráficos ou planilhas, nem de economia, nem de relação custo-benefício, para acompanhar, e muito bem, o que o filme está mostrando. <END> O roteiro permite que o espectador compreenda tudo perfeitamente – sem que haja uma simplificação exagerada das coisas, ou um tom de didatismo chato. <END> No novo filme com Clint Eastwood, uma visão oposta <END> Quando vi o filme e escrevi esta anotação, em setembro de 2012, e até agora, final de novembro, quando faço este adendo aqui na hora de postar o texto, não vi o novo filme com Clint Eastwood, Curvas da Vida/Trouble with the Curves, em que ele interpreta um veteraníssimo olheiro de beisebol. <END> Aparentemente, Curvas da Vida traz uma visão do beisebol exatamente oposta à deste Moneyball. <END> Billy teve que escolher entre o beisebol e os estudos – e se arrependeu para sempre da escolha <END> A rigor, a rigor, pelo que o filme mostra, o título brasileiro está errado. <END> O fato é que que não foi um homem que mudou o beisebol: foram Billy Beane e esse economista de Yale que no filme se chama Peter Brand. <END> Foi o encontro entre Billy Beane e o economista de Yale, em suma, que operou a transformação. <END> Outra característica fascinante do roteiro é a forma com que o filme mostra o passado de Billy Beane. <END> Até o colegial, Billy Beane (interpretado, quando jovem, por Reed Thompson) foi uma revelação no beisebol amador. <END> Billy tinha conseguido uma bolsa integral em Stanford, outra das universidades da Major League. <END> Os pais perguntam se ele poderia fazer as duas coisas – cursar Stanford e ser profissional. <END> Os homens com o contrato milionário explicaram que não. <END> Os pais disseram que o rapaz poderia escolher. <END> Ele fez a escolha – e se arrependeu dela pelo resto da vida. <END> É um filme que deveria servir de exemplo para todo jovem bom no esporte <END> Na minha opinião, O Homem que Mudou o Jogo deveria ser exibido obrigatoriamente nas escolas em que há aspirantes a atletas de qualquer tipo de esporte. <END> De uma certa maneira, O Homem que Mudou o Jogo é um poderoso antídoto contro o veneno Lula, o cara que se esforçou ao máximo para ensinar a milhões de adolescentes que não é preciso estudar para ter uma vida melhor. <END> Se quisesse ser suavemente pernóstico, o diretor Bennett Miller poderia ter usado como epígrafe de seu belo filme os versos do poema famoso de Robert Frost: <END> Two roads diverged in a yellow wood, <END> And sorry I could not travel both. <END> As ondas de arrependimento de Billy Beane por ter feito a escolha errada vão percorrendo toda a narrativa, do começo ao fim. <END> É, de fato, um roteiro brilhante, este criado por Steven Zaillian e Aaron Sorkin. <END> E o diretor Bennett Miller soube muito levar o texto para as telas. <END> É um belo filme. <END> 2 Comentários <END> Você tem razão, cinema e esporte é uma combinação que não dá muito certo nas bilheterias. <END> Sergio, adoro filme de esporte. <END> […] Robin Wright parece ter se dado muito bem no papel. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Medianeras é uma obra-prima. <END> Antes de mais nada, Medianeras é um filme extremamente inteligente. <END> Eu confesso que fiquei. <END> E esse Gustavo Taretto, filho da mãe, uniu seu texto brilhante a imagens à altura dele. <END> Um dos filmes que foram mais fundo no retrato da solidão das pessoas das metrópoles <END> Medianeras – assim como aqueles três excelsos, augustos filmes citados no primeiro parágrafo, de autoria respectivamente do brasileiro Domingos Oliveira, do francês Jean-Pierre Jeunet e do americano Marc Webb – é uma prova cabal de que uma comedinha romântica pode perfeitamente ser genial. <END> É verdade que acaba também servindo para que a gente não tenha muita paciência com comedinhas românticas menores, destituídas de inteligência, inventividade, como tantas que o cinemão comercial produz ais borbotões, feito a indústria produz sabonete, tipo o francês Enfim Viúva, o espanhol Dieta Mediterrânea, o brasileiro A Mulher do Meu Amigo ou o americano Casa Comigo?, só para citar alguns exemplos. <END> Dos filmes que já vi (e já vi alguns), Medianeras é um dos que mais fundo foram no retrato da solidão das pessoas nas metrópoles, e na neo-solidão do planeta tornado aldeiazinha global pela internet, em que todos falam com todo mundo a toda hora – à distância, à mais fria distância. <END> Medianeras é Buenos Aires até a medula – mas é quando um autor escreve sobre sua aldeia que ele se torna universal. <END> Aglomerada solidão. <END> Ele teve síndrome de pânico, ela padece de claustrofobia. <END> Martín e Mariana, os protagonistas da história, não chegam a ser humilhados do parque. <END> Ele teve síndrome de pânico, ela padece de claustrofobia. <END> Ele é informático, criador de sites. <END> Ele foi abandonado pela namorada, que foi passear nos Estados Unidos e nunca mais voltou, deixando com ele a cachorrinha, ela também estressada, solitária, anti-social. <END> Ela tentou manter de pé um relacionamento de quatro anos, que se desfez como um castelo de cartas, à falta de cimento, de liga, nem que fosse uma liga feita de cuspe. <END> No meio de um desses encontros, Martín diz para o espectador que encontrar uma mulher que se conheceu pela internet é como ir ao McDonald's. <END> (Uma coincidência a ser notada, já que me gustan las coincidências: há outro filme argentino mais ou menos recente em que a namorada vai para os Estados Unidos e abandona o namorado – Não é Você, Sou Eu, de 2004.) <END> Martin e Mariana se cruzam pelas ruas diversas, diversas vezes – e não se vêem <END> Como em A Fraternidade é Vermelha de Kieslowski, e exatamente como em Toda uma Vida de Lelouch (aposto com quem quiser que Taretto viu ambos os filmes), as trajetórias de Martín e Mariana vão correndo paralelamente – e as paralelas, diz a matemática (ou seria a física?), só se encontram no infinito. <END> Eu costumava dizer que as coincidências da vida, as pequenas trapaças do destino são lelouchianas, porque Lelouch, mais que Kieslowski, mais até mesmo que Jacques Demy, se especializou em brincar com as coincidências, as pessoas que não se vêem, não se conhecem, e no entanto estão muitas vezes no mesmo lugar, cruzando-se nas ruas. <END> Gustavo Taretto exacerba nas coincidências. <END> Deste último, Medianeras se aproxima especialmente, porque, assim como Mariana, Tom Hansen, o protagonista de (500) Dias com Ela, é arquiteto; os dois filmes falam muito sobre arquitetura, os prédios da metrópole – e sobre as imagens da cidade traçam-se desenhos de arquitetos. <END> Ao dizer isso, não estou fazendo, pelamordedeus, qualquer denúncia de plágio, de cópia. <END> Uma homenagem explícita, escarrada, a Manhattan <END> Manhattan, de Woody Allen, é óbvio que Taretto viu e reviu muitas vezes. <END> Uma janela na parede. <END> Um parênteses para falar de uma não coincidência. <END> No mesmo ano em que Medianeras entrava em pré-produção, 2009, o cinema argentino lançava O Homem do Lado/El Hombre de al Lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat. <END> Todo o imenso drama de O Homem ao Lado se dá porque, à procura de mais luz em seu apartamento, um homem quebra um pequeno trecho de uma parede, para fazer ali uma janela. <END> Martín e Mariana fazem, cada um no seu apartamento, uma janela numa parede em que antes não havia janelas, e nem poderia haver. <END> As janelas que os protagonistas abrem ficam na medianera – a parede que não é a da frente nem da traseira do apartamento, a parede lateral dos prédios. <END> Um dos títulos que o filme teve em inglês foi Sidewalls – paredes laterais. <END> No Brasil, o filme foi exibido como Medianeras: <END> Mas é interessante que a mesma ação – abrir uma janela numa parede – tenha resultado em um grande drama num filme, e aqui resulte em cenas belíssimas, engraçadas, gostosas. <END> O ator que faz Martin está começando, a atriz que faz Mariana é veterana <END> Martín é interpretado por Javier Drolas. <END> Mariana vem na pele de Pilar López de Ayala. <END> Se Javier Drolas tem filmografia bem curta, a de Pilar López de Ayala é bastante grande. <END> O rapaz com poucos filmes e a moça com muitos trabalham extraordinariamente bem. <END> Uma abertura esplendorosa – belíssimas imagens de prédios, e um texto fascinante <END> Acho que Gustavo Taretto viu Lelouch, viu Kieslowski, deve seguramente também ter visto muito Jacques Demy, mas o que ele viu muitas vezes antes de escrever este filme maravilhoso foi sem dúvida Manhattan. <END> Para mim, Gustavo Taretto ficou vendo Manhattan e pensando em como fazer a abertura de um filme que fosse tão brilhante quanto a de Manhattan. <END> O puto conseguiu. <END> A abertura de Medianeras é esplendorosamente genial. <END> Como em Manhattan, imagens da cidade. <END> Ao ver o filme, pensei que iria depois me sentar diante dele e ter o trabalho de copiar o texto genial de abertura, para botar aqui. <END> Por preguiça, não degravei o texto. <END> Mas talvez tenha sido melhor. <END> Onde Está Wally? <END> Dois detalhinhos. <END> A sacada de fazer com que Mariana seja uma apaixonada por Onde Está Wally? é uma beleza. <END> Os cartazes, a capa do DVD do filme inspiram-se em Onde Está Wally? <END> Quando o filme terminou, fui checar o nome da música com que a história se fecha, "Ain't no mountain high enough". <END> Delícia que um filme argentino de 2011 homenageie uma canção da usina de sons de Detroit de 1967. <END> Escrevi toda esta anotação até aqui sem ler absolutamente nada sobre quem é, afinal de contas, esse Gustavo Taretto. <END> É jovem, como eu imaginava. <END> Taretto estudou fotografia, e há 20 anos trabalha como redator em uma agência de publicidade. <END> Medianeras é seu primeiro longa. <END> "Em 2004 escrevi o curta Medianeras e o filmei em 2005", contou o realizador em entrevista para a revista da 2001 Vídeo, de São Paulo. <END> 15 Comentários <END> aaaaaaaah!!!! que delícia ver seu texto de Medianeras!!! Esperava mto por essa resenha! <END> O filme é ótimo mesmo, e desses que você cita só não vi o brasileiro (por que será, né?), mas achei o Medianeras superior aos outros dois. <END> Os atores estão muito bem mesmo, só não entendi o porquê de colocar uma atriz espanhola pra fazer uma portenha. <END> Me identifiquei de certa forma com o Martín, pelo fato de ele comprar tudo pela internet. <END> De certo modo, me vi ali um pouco nos dois, com algumas características misturadas. <END> Enfim, adorei o filme, o diretor realmente é muito talentoso, e mais uma vez os hermanos mostram o que é fazer cinema de qualidade. <END> Interessante notar como a fobia do Martín com aviões começou: quando a namorada dele se foi para os EUA. <END> Enfim, acho que o filme além de super bem feito em todos os níveis, é excelente por causa disso: difícil não se identificar com pelo menos alguma coisa. <END> E já que você falou no Kieslowski, sinto falta de um filme dele aqui no site. <END> Mas o que eu queria dizer mesmo é que não acredito que você não conhecia Ain't no mountain high enough!! Serião mesmo? <END> Uma coisa que me incomoda nas comédias românticas e que venho notando há algum tempo é que as mulheres são sempre bonitas ou lindas. <END> Vou fazer só mais uma observaçao, ainda no embalo do excelente comment da Jussara: na palestra, o Taretto disse q escolheu a atriz pq simplesmente se apaixonou por ela em um filme espanhol. <END> Obrigada, Claudia! <END> Já que estou aqui comentando de novo, queria dizer que achei muito bem lembrado o Sérgio falar que a cachorrinha também era anti-social, hahaha (mais um ponto em comum meu com o Martín: ter uma cachorra; no meu caso, duas). <END> Hehehe, Sérgio, cão que ladra não morde. <END> Não lembrava que ela tinha feito o papel de uma argentina nesse filme, interessante mesmo. <END> Eu tenho um pouco de birra de pegarem atores americanos pra fazer ingleses/irlandeses/escoceses e vice-versa. <END> Ah, agora que vi que escrevi "prazer em voar", e lembrei que esse é parte do slogan de uma cia aérea, a que eu mais detesto. <END> Jussara, qual é o problema de ser caudalosa? <END> Vou quebrar minha promessa só para te responder. rs Eu vi Almas Gêmeas só que já não lembro; mas é como você disse, elas se dão bem em tudo o que fazem. <END> Esse Medianeras foi daquelas surpresas inacreditáveis. <END> Estou me sentindo envergonhada por comentar tão tardiamente esse texto. <END> […] muitas, mas muitas, muitas. <END> […] seguiram nesse caminho, e mais tarde muitas das comedinhas românticas usaram a mesma coisa. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
De quien podía coger ideas? <END> Estas éclairs son mi aportación, espero que os gusten tanto como a mi. <END> miércoles, 20 de noviembre de 2013 <END> Seguimos aprovechando las setas esta temporada. <END> Solemos hacer este tipo de preparaciones para cenar, así que las fotos a esas horas no es que salgan muy agradecidas.
Uma Juíza Sem Juízo / 9 Mois Ferme <END> Albert Dupontel, ator tarimbado, realizador bissexto, começa este 9 Mois Ferme, no Brasil Uma Juíza Sem Juízo, seu sexto filme como diretor, de forma absolutamente extraordinária. <END> Enquanto vão rolando os créditos iniciais, a câmara vai passeando – rapidamente, agilmente – pelos imensos salões do Palais de la Justice, a sede da mais alta Corte da Justiça francesa, no coração de Paris, na Île de la Cité, junto da Saint-Chapelle. <END> A câmara passeia velozmente entre as dezenas, centenas de convivas, a maioria vestida em seus trajes de gala, alguns usando togas como se estivessem em meio a um julgamento. <END> Garçons em impecáveis casacos brancos carregam taças e mais taças de vinho e champagne, e os representantes do mais alto meio jurídico francês bebem com uma sede de flamenguista ou corintiano no bar da esquina depois de um jogo especialmente duro. <END> A câmara não pára um instante sequer, não há corte algum, é uma tomada apenas, um plano-seqüência, e ela sobe as escadas do imponente salão de entrada do Palais de la Justice com a elegância de uma gazela. <END> "Meu trabalho é proteger as pessoas delas mesmas", diz a juíza para o espectador <END> Alguém carrega para o andar de cima alguns balões de diversas cores, todos com o desenho de uma toga. <END> É a protagonista da história, interpretada por Sandrine Kiberlain, e ela se apresenta para os espectadores. <END> Vemos Ariane fazendo alongamentos na sala de seu confortável apartamernto: – "Estou bem sem um homem e sem impulsos. <END> Vemos Ariane em sua salinha abarrotada de livros, tendo diante de si um casal que discute, a mulher chora, o advogado tenta conter os ânimos: – "E trabalhar com questões de família confirmou o que penso sobre relacionamentos. <END> Vemos uma criança, um carro que vai embora de uma casa: – "Minha mãe também era sozinha, mas não foi por escolha: meu pai foi embora quando eu era criança. <END> Vemos uma senhora elegante diante de uma bela casa cair para trás da cadeira em que está sentada: – "Depois de me criar, minha mãe morreu." <END> Vemos novamente cenas da festa que está rolando no Palais de la Justice: – "Esta noite é o réveillon. <END> Vemos Ariane em sua salinha, sentada diante de sua mesa, e diante dela, os processos vão se acumulando, formando pilhas cada vez mais altas: <END> Um grupo festeiro enfim invade a sala onde Ariane resistia trabalhando solitária e explicando seus pontos de vista ao distinto público que começa a ver o filme. <END> Ariane sabe que não conseguirá resistir mais. <END> Para fechar essa abertura majestosa, brilhante, tour-de-force, inteligente, com aquele plano sequência de abertura de aplaudir de pé como na ópera, o filme ainda nos oferece tomadas das escadarias frontais do Palais de la Justice feitas das câmaras de segurança. <END> O filme faz uma claríssima opção pelo exagero, pelo desbunde total <END> Se conseguisse manter o nível de inteligência, de brilhantismo desses primeiros cinco, oito, talvez dez minutos, ao longo de todo o filme, Albert Dupontel teria feito um filme genial, no nível assim por exemplo de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, com que Jean-Pierre Jeunet presenteou o mundo em 2001. <END> Não é exatamente o caso. <END> Uma Juíza sem Juízo/9 Mois Ferme é um filme bem curtinho: tem apenas 82 minutos, um pouco menos que os 90 minutos que são hoje em dia (na verdade já há algumas décadas) o tamanho padrão de um longa-metragem comercial. <END> Nos oito, dez primeiros minutos do filme, abusa-se da inteligência, do brilhantismo. <END> É proposital, é claro. <END> Com essa opção, feita às claras, sem medo, sem vergonha, o filme não deixa de ser interessante, e, muitas, muitíssimas vezes, bastante engraçado. <END> No meio dessa zorra total, há um pau violento na imprensa de TV <END> O filme traz uma dura, duríssima gozação da imprensa: mostra a imprensa como uma coisa absolutamente irresponsável, afundada no lodo, no pântano de infotainment, essa coisa de transformar o noticiário, o jornalismo, em especial o televisivo, num fantástico show da vida – uma mistura de informação com entretenimento, esse horror que os brasileiros conhecem tão bem, simbolizado pelos Datenas, os locutores do fim do mundo a cada fim de tarde. <END> Mary achou essa exposição dos males do jornalismo sensacionalista uma coisa muito boa – e de fato é, obviamente. <END> E, no dia seguinte, a juíza acorda sem ter a mínima idéia do que fez à noite <END> A trama toda vai girar em torno da seguinte questão: naquela noite de réveillon, a até então seriíssima juíza Ariane Felder bebeu demais, e, a partir aí da meia-noite e meia do primeiro dia do Ano Novo, não era mais responsável por seus próprios atos. <END> Acontece em Paris com a até então ajuizadíssima juíza Felder exatamente o mesmo que já havia acontecido – para dar apenas dois exemplos – com Alex Sternbergen, em Los Angeles, e com Vieira, no Rio de Janeiro. <END> Alex Sternbergen, a personagem interpretada por Jane Fonda em A Manhã Seguinte, de Sidney Lumet (1986), acorda, de ressaca abissal e absoluta amnésia alcoólica, numa cama ao lado de um homem assassinado em meio a um banho de sangue. <END> Vieira, o ex-policial já aposentado criado pelo escritor Luiz Alfredo Garcia-Roza no livro Achados e Perdidos (1998), acorda, de ressaca abisssal e absoluta amnésia alcoólica, para descobrir que sua amante havia sido assassinada na noite anterior após jantar com ele. <END> Exatamente como a americana Alex e como o brasileiro Vieira, a francesa Ariane Felder acorda no dia 1º de janeiro sem ter a minima idéia, a mais minima idéia, a menor minima idéia do que aconteceu na noite anterior. <END> Pasma, a juíza descobre que está grávida do bandido mais louco do país <END> Estamos todos hoje sob os olhos atentos do Grande Irmão que George Orwell, genialmente, já antecipava em 1949, um ano antes de eu nascer, em seu apavorante 1984. <END> As diversas, dezenas de câmaras de segurança colocadas nos postes da Île de la Cité, nos arredores do Palais de la Justice, gravaram todos os passos bêbados, tronchos, da até então seriíssima juíza Ariane Felder, ao sair da festa de arromba do réveillon. <END> Seis meses depois da tremenda bebedeira, a juíza se descobrirá grávida. <END> No dia 31 de dezembro, Ariane era uma juíza ajuizadíssima. <END> Bob Nolan, o bandido louquérrimo, que segundo toda a imprensa comeu os olhos de uma vítima, é interpretado, é claro, por ninguém menos que Albert Dupontel, o diretor do filme e autor do roteiro. <END> O cinema francês, assim como o americano, tem especial paixão por bandidos <END> A trama criada por Dupontel é sem dúvida engraçada. <END> Albert Dupontel ganhou o César por seu roteiro original, e Sandrine Kiberlain levou o de melhor atriz. <END> O cinema francês – assim como o americano, e não há cinematografias que se adorem mutuamente e se respeitem mais que as americana e francesa – tem uma antiga paixão pelos fora-da-lei. <END> A folk music nascida na Inglaterra e na Irlanda e que deu frutos magníficos nos Estados Unidos também sempre endeusou bandidos, ladrões, assim como o cinema. <END> O bandido é sempre mais fascinante que o homem da lei – o cinema e a música americana sempre disseram isso, e os franceses caíram de amores por isso. <END> Dupontel faz no filme um bandido – pai ausente, mãe alcoólatra, ai, ai, meu Deus do céu e também da terra – muito simpático e muito digno. <END> Se a gente for pensar seriamente, ainda que só por alguns segundos, é assim: este filme que começa brilhante, maravilhoso, é de uma absoluta irresponsabilidade. <END> Mas, se a gente não se preocupar demais com significados, se soltar a franga, ah, é uma comédia danada de engraçada. <END> Um tanto forçada demais, um tanto ridícula demais, um tanto grotesca demais, é verdade. <END> Mas que a abertura do filme é espetacular, lá isso é, e nada do que vem depois pode apagar.
Frozen é um fenômeno. <END> O filme ganhou ainda o Globo de Ouro e o Bafta de melhor longa de animação. <END> Todas as pessoas que têm filhos ou netos nascidos, digamos, de 2010 para cá conhecem bem o fenômeno Frozen. <END> Faço questão de falar sobre esse meu contato direto com o fenômeno Frozen via Marina – mas isso fica para depois. <END> O filme de animação de melhor bilheteria de todos os tempos <END> Sucesso absoluto no quesito prêmios, o filme foi sucesso absoluto nas bilheterias. <END> Com mais de 18 milhões de cópias, foi o home vídeo mais vendido de 2014 nos Estados Unidos. <END> E isso tudo só se refere ao filme em si. <END> Há estimativas de que a venda de produtos com a marca Frozen rendeu aos estúdios Walt Disney o mesmo que o filme ganhou nas bilheterias – ou seja, outro US$ 1,3 bilhão. <END> Foi lançado um Disney on Ice, espetáculo de patinação no gelo baseado na história de Frozen, que está correndo o mundo em 2016 e em abril chega a São Paulo. <END> Em novembro de 2014, um ano após o lançamento do filme, o site americano de economia e finanças TheStreet.com escreveu: <END> Até o próximo século, claro, é um certo exagero. <END> A Rainha de Neve é uma história que envolve magia, um espelho que distorce a realidade e trolls – seres sobrenaturais do folclore e da mitologia dos países nórdicos. <END> Os Estúdios Disney trabalharam numa adaptação da história original durante anos a fio. <END> Como tantos outros contos de fada, e como tantas outras animações feitas pelos Estúdios Disney de contos de fada, Frozen tem tragédia em excesso, infelicidade demais, e diversos momentos que são apavorantes, aterrorizantes, antes de finalmente chegar ao "e viveram felizes para sempre". <END> Como tenho grande dificuldade em fazer sinopses breves, optei por transcrever o que escreveram outras pessoas dotadas do maravilhoso dom da síntese. <END> Esta é a oficial, distribuída pelos Walt Disney Animation Studios: <END> "A corajosa e otimista Anna (voz de Kristen Bell) se une ao robusto homem das montanhas Kristoff (voz de Jonathan Groff) e sua leal rena Sven numa jornada épica, encontrando condições semelhantes às do Ecverest, trolls místicos e um boneco de neve hilariante chamado Olaf, numa caminhada para encontrar Elsa (voz de Idina Menzel), irmã de Anna, cujos poderes gelados puseram o reino de Arendelle em um inverno eterno. <END> Eis aqui a sinopse do carioca Claudio Carvalho, um dos mais assíduos redatores de sinopses no IMDb: <END> "No reino de Arendelle, a Princesa Elsa tem o poder de criar gelo e neve, e sua irmã mais nova Anna adora brincar com ela. <END> "Elsa volta ao castelo e se mantém reclusa em seu quarto com medo de ferir Anna com seu poder crescente. <END> A sinopse de Claudio Carvalho dá de 10 a 0 na oficial dos estúdios Disney. <END> O filme é uma festa para os olhos e os ouvidos. <END> Vi pela primeira vez os 20, 25 minutos do filme junto com Marina, a pedido dela, na casa dela, na versão dublada, claro – e confesso que o início da história me deixou um tanto confuso, um pouco perplexo. <END> Como afinal é o filme que deu origem aos personagens que minha neta adora, como é uma animação da Disney, como é um extraordionário fenônomo, era um filme que deveria ser visto direito – e então comprei o DVD, e Mary e eu vimos o filme inteiro, naturalmente na versão original, como se deve, comme il faut. <END> É uma beleza de animação, é óbvio. <END> Há travellings e panorâmicas e tomadas gerais do reino de Arendelle, do porto, dos navios ancorados ali, que dariam inveja – digo isso com a maior certeza do mundo – aos especialistas em travellings e panorâmicas Alfred Hitchcock, Brian De Palma e Claude Lelouch. <END> É de fato uma festa para os olhos e os ouvidos. <END> O que me inquieta, até mesmo apavora, é a trama, a história. <END> É impossível a gente não se abalar diante tanta tragédia. <END> É um exagero de crueldade dos pais condenarem as filhas à solidão <END> Senti falta de uma explicação de como e por que Elsa tem esse poder – que é ao mesmo tempo um dom e uma maldição, como a vida eterna para os vampiros – de transformar em gelo e neve tudo aquilo em que ela toca. <END> E é crueldade demais que os pais tenham condenado a pobre Elsa (e também a encantadora Anna) àquela solidão absurda. <END> OK: compreende-se que Elsa e Anna tenham que passar por muitas experiências até descobrirem o que é o amor verdadeiro, e que só o amor é que é o caminho, e all you need is love, love is all you need. <END> São pais rígidos demais, ou, para dizer as coisas com suavidade, bem pouco dotados de sensibilidade e inteligência, para não procurarem outras formas de fazer a filha conviver com o seu poder que tanto pode ser um belo dom quanto uma terrível maldição. <END> Anna, um ser solar, forte, alegre, é a grande heroína nesta história de Elsa <END> Se não conseguiram explicar por que Elsa tem o poder de transformar tudo aquilo em que toca em gelo ou neve, se criaram pais que não souberam ajudar em nada sua primogênita, os autores Chris Buck, Jennifer Lee e Shane Morris foram, no entanto, mestres em criar criaturas simpáticas. <END> Kristoff, o homem do povo, o trabalhador, que o espectador vê desde criancinha, crescendo junto com a rena Sven, é delicioso. <END> E o boneco de neve Olaf é um achado extraordinário. <END> Quando as irmãs eram bem pequenas, Elsa criava para ela e para Anna brincarem o bonequinho de neve. <END> Quando, sem querer, durante uma brincadeira, Elsa joga gelo na cabeça de Anna, os pais das duas as levam para a região dos trolls, e Pabbie, o avô dos trolls, o ancião (com a voz do irlandês Ciarán Hinds, de quem jamais vou disassociar a imagem do Júlio César da série Roma), se prepara para socorrê-la, ele diz que vai ter que mexer no cérebro dela. <END> E então, quando empreende aquela jornada em busca da irmã, nas montanhas geladas, Anna reencontrará Olaf, uma das criaturinhas mais fofas que os estúdios Disney já inventaram – um boneco de neve que, ó Meu Deus, sonha em viver no verão e é capaz de, para proteger Anna, se aproximar de uma lareira. <END> Kristoff, Sven, Olaf – maravilhosos, simpáticos, fascinantes personagens. <END> Anna é um ser solar, cheio de vida, de força, de determinação, de vontade. <END> Como é possível que milhões e milhões de seres humanos pequetitos tenham se apaixonado tanto por ela? <END> Faço a pergunta de maneira apenas e exclusivamente retórica. <END> Sei é que Marina – como disse bem lá atrás – já chegou a um ano de idade apaixonada por Elsa. <END> Muito antes de ter idéia de qual era a trama do filme Frozen, entendi que deveria conviver bem com Elsa para poder conviver bem com Marina. <END> Marina tem umas quatro versões de bonecas de Elsa – e agora há pouco, quando se aproximava seu terceiro aniversário, fez o pedido: queria uma boneca Anna. <END> Viu em capítulos. <END> Depois de ver Frozen inteiro mas aos pedaços, com a mãe, Marina pegou o DVD e disse que queria mostrar para o avô e a avó um filme que eles ainda não tinham visto – e aí aconteceu de minha neta de 3 anos me fazer ver um filme. <END> Vimos, então, em três sentadas, três visitas seguidas. <END> Na visita seguinte àquela em que vimos o fim do filme, Marina quis começar a ver de novo. <END> Tenho orgulho de que Marina tenha me convidado para ver Frozen, o primeiro longa que ela viu na vida. <END> Não consigo me lembrar qual foi o primeiro longa que apresentei para a mãe dela, e isso já não interessa tanto. <END> Ver filmes ao lado da filha é seguramente uma das melhores coisas que pode haver. <END> Com a neta, então… Ah, não tem preço. <END> É interessante pensar que, ao redor do mundo, alguns milhões de avós viram Frozen com seus netos. <END> Frozen é um belo filme, mas é mais que isso. <END> 2 Comentários <END> Olá, Sérgio!
A Condenação / Betty Anne Waters ou Conviction <END> Este A Condenação – um filme independente lançado em 2010 – conta uma horripilante história de uma investigação policial grosseira, suja, criminosa, que leva a erro judiciário absurdo: a prisão, por 18 anos, de um homem inocente. <END> Em 1980, no interior do rico Estado de Massachusetts, uma mulher foi assassinada, com requintes de crueldade, em sua casa, na área rural não tão rica de uma pequenina cidade, Ayer. <END> Não havia provas contra Kenny – exceto o fato de que ele tinha ficha na polícia, e um passado turbulento. <END> Nos primeiros minutos do filme, misturam-se fatos de diferentes épocas. <END> Além de voltar para bem antes de 1980, o ano do crime, o filme, logo no início, avança no tempo, para mostrar que Betty Anne, adulta, mãe de dois filhos, separada do marido, trabalhando duro como garçonete para se manter, estudava Direito, com o firme propósito de defender o irmão preso – ela tem absoluta certeza – por um crime que não havia cometido. <END> A narrativa se concentra na figura de Betty Anne, a irmã do acusado de assassinato <END> Desde esse início de narrativa em três épocas diferentes, fica claro que o filme vai se concentrar na figura de Betty Anne – interpretada por Hilary Swank, essa atriz forte, interessante, grandes filmes e dois Oscars no currículo (por Meninos Não Choram, de Kimberley Peirce, de 1999, e Menina de Ouro, de Clint Eastwood, de 2004). <END> Lutar para provar que o irmão amado era inocente transformou-se numa obsessão para Betty Anne. <END> Quando os filhos adolescentes pedem para passar a viver com o pai, Betty Anne tem um momento em que sua eterna força vai embora. <END> Naquele estado, não havia pena de morte; se houvesse, o inocente teria sido executado <END> O julgamento em que Kenny Waters foi condenado à prisão perpétua, em 1983, é mostrado cedo, na primeira meia hora de filme. <END> Dois depoimentos – e o passado turbulento. <END> Isso é o suficiente para o júri condená-lo à prisão perpétua. <END> Na faculdade de Direito que cursa pensando apenas no irmão, Betty Anne aprende que novas descobertas científicas podem ser usadas como provas para tentar inocentar condenados. <END> A existência do teste de DNA nos anos 90 renova as esperanças de Betty Anne. <END> As histórias de erros policiais seguidas de erros judiciários são muitas, e parecidas entre elas <END> Toda essa história de Kenny Waters e de sua irmã Betty Anne – uma trama intrincada, mas ao mesmo tempo clara, límpida – parece ter saído de um livro de John Grisham, ele mesmo um fervoroso combatente da pena de morte e denunciante de erros judiciários. <END> Em seu livro de 2006, O Inocente, Grisham relatou a história de outro erro judicial – um homem inocente foi condenado à morte por dois assassinatos ocorridos em uma pequena cidade de Oklahoma. <END> As histórias de erros policiais seguidos de erros judiciários são muitas. <END> Kenny Waters passou 18 anos preso por um crime que não cometeu, assim como o personagem do livro de não-ficção de Grisham. <END> Se houvesse pena de morte em Massachusets, Kenny Waters teria sido assassinado a sangue frio pelo Estado por um crime que não cometeu. <END> Ao término da narrativa de A Condenação, antes dos créditos finais (não há qualquer tipo de crédito inicial), letreiros informam que, desde 1989, graças aos testes de DNA, 242 sentenças judiciais foram anuladas – inclusive 17 de pessoas que aguardavam a execução no corredor da morte. <END> Dois títulos diferentes, fracasso na bilheteria mas algum reconhecimento em festivais <END> Um detalhe: nos créditos finais do filme no DVD lançado por uma empresa nova, Vinny Filmes, o título é Mary Beth Waters, o nome da heroína desta história real. <END> Teve reconhecimento, no entanto; ganhou cinco prêmios e teve quatro outras indicações. <END> Um diretor experiente que lida bem com seus atores; Juliette Lewis está excepcional <END> Não conhecia Tony Goldwyn, o diretor deste filme. <END> Mostra competência, neste A Condenação. <END> Mas, na minha opinião, a melhor interpretação do filme é de Juliette Lewis, essa garota que começou com tudo e depois passou a se dedicar mais à carreira musical. <END> Aqui, no papel de uma amante de Kenny, ela aparece em apenas duas sequências – uma no tribunal, testemunhando contra o acusado, e outra muitos anos mais tarde, já envelhecida. <END> Mas é a interpretação da atriz que mais impressiona. <END> Assisti este filme na quinta, dia 11/04. <END> Passeando pelo site cheguei aqui novamente. <END> olá! achei esse filme sensacional! <END> Todos ótimos, nem há muito o que falar. <END> A história me fez pensar sobre duas coisas: ter um comportamento agressivo e descontrolado não é bom (mas levando-se em conta a forma como o Kenny e a irmã foram criados, não dava pra esperar muito equilíbrio da parte dele), e algumas pessoas conseguem virar "gente" mesmo com mães estúpidas e desequilibradas (o caso da Betty Ann). <END> E que vida triste e miserável deve ser a de quem teve que passar quase 20 anos preso, pagando por um crime que não cometeu, assim como a das pessoas que injustamente o incriminaram (levando-se em conta que uma hora a consciência pesa, e o remorso aparece, sei lá). <END> Só agora relendo o texto, vi que o diretor foi o Tony Goldwyn. <END> […] pelo filme, desde seu início, desde a primeira sequência – Mary Bee Cuddy, a personagem de Hilary Swank, arando um imenso campo, com vestido comprido, até perto do chão, empurrando o arado puxado por […]
Um Dia, Um Gato / Az pprijde kocou <END> A Primavera de Praga ainda estava longe de começar e o comunismo na Checoslováquia era rigidamente satélite da União Soviética quando, em 1963, Vojtech Jasný realizou Um Dia, Um Gato. <END> O comunismo não existe mais, a União Soviética acabou, a Checoslováquia acabou, e Um Dia, Um Gato permanece um filme fascinante. <END> É uma fábula, uma fantasia, um conto moral, uma sátira política, uma narrativa surrealista, um espetáculo circense – com atuações farsescas e andamento de musical. <END> Já começa brincalhão, completamente fora do tom da exaltação dramática da força do operariado: um senhorzinho de barba grisalha aparece em uma janela no relógio da torre mais alta de uma pequenina cidade interiorana, e se dirige aos espectadores: <END> – "Vou contar uma história. <END> Chama-se Oliva (Jan Werich, na foto, ele também um dos autores do roteiro, juntamente com o diretor Vojtech Jasný e mais Jirí Brdecka). <END> Oliva caminha para um terraço no alto da torre, diante da praça central belíssima de cidade checa muito antiga, centenária. <END> – "Observar a correria da vida é sempre motivo para reflexão. <END> Vamos vendo imagens da praça enquanto ele fala. <END> – "Agora, vejamos o que o dia de hoje nos reserva. <END> Vemos um grupo de umas dez, 12 pessoas, andando pela praça. <END> – "Aqueles são turistas vindos das fazendas das cooperativas. <END> Vemos crianças desenhando com giz nas paredes. <END> – "Hattie, pode me ouvir? <END> E a garotinha, feliz da vida: – "Só tenho esse giz, tio!" <END> Oliva, de novo para o espectador: – "E por que não? <END> E nos apresenta a fofoqueira da cidade (Alena Kreuzmannová), uma velhinha serelepe que está sempre pulando, para tentar ver o que acontece dentro das casas. <END> Um professor dedicado, querido pelos alunos. <END> O casal não casado, que Oliva nos mostrou bem en passant, será muito importante na história. <END> Robert sai da casa de Julie e dá uma passada rápida na sua própria casa, para alimentar os diversos bichos que tem lá, gatos, aves. <END> Entre os outros personagens que Oliva nos apresenta do alto da torre há Marjánka (Vlasta Chramostová), bela, sorridente trabalhadora no campo, e Janek (Karel Effa), o oposto dela, um sujeito preguiçoso, indolente, que está sempre pretextando alguma doença para fugir do trabalho. <END> E há o zelador da escola (Vladimír Mensík), puxa-saco emérito do diretor e seu pau para toda obra. <END> Robert, o professor dedicado, querido pelos alunos, que adora animais. <END> Encontram-se no meio da praça central – Robert filmando os pássaros, o diretor matando um deles. <END> – "Ouça, Robert, chamar o seu superior de assassino em público não parece uma crítica construtiva." <END> Típica frase de um camarada para outro camarada sob o regime soviético e seus satélites. <END> Uma narrativa que voa para longe do realismo a cada instante <END> Num microcosmo, espelho da sociedade como um todo, gente boa, gente trabalhadora. <END> A narrativa voa para longe do realismo a cada momento. <END> Uma trupe circense com um gato de óculos escuros invade a cidadezinha <END> O professor Robert convida o velhinho Oliva para posar para seus alunos numa aula de desenho. <END> Estamos com 25 minutos do filme quando a trupe circense da fantástica história contada por Oliva invade a cidadezinha. <END> A Diana da história fantástica é de fato linda, de uma beleza suave de coisa mágica. <END> O mágico é idêntico a Oliva – menos nas roupas, é claro, já que vem a caráter, de black-tie, e Oliva está sempre com seu macacão de brim. <END> E aí vem a grande sacada do diretor Jasný, autor da história original, e de seus co-roteiristas. <END> Quando alguém tira os óculos escuros do gato mágico, e ele olha para as pessoas ao redor, elas tomam as cores que revelam seu caráter. <END> Os mentirosos, hipócritas, ambiciosos, egoístas ficam roxos. <END> Os infiéis ficam amarelos. <END> Os ladrões ficam cinzas. <END> Os apaixonados ficam vermelhos. <END> Um balé fantástico, aluciante, alucinado. <END> E são esplendorosamente bem feitas as seqüências em que os olhos do gato desmascaram os habitantes da cidade, desnudam a cores o caráter de cada um. <END> Um Dia, Um Gato tem algo dos velhos musicais de Hollywood, uma pitada grande de circo. <END> É mágico, é lindo, é fascinante. <END> Claro: quem quiser apontar defeitos em Um Dia, Um Gato vai encontrá-los. <END> Para qualquer absoluto cínico, os filmes de mestre Frank Capra, o mais idealista e sonhador de todos os realizadores de cinema do mundo, também soariam infantilmente ingênuos. <END> Mas é isso mesmo. <END> Para mim, é, continua sendo sempre, uma beleza de filme. <END> Fiquei espantado, ao rever o filme agora, de como eu me lembrava de muitos pequenos detalhes, de situações, de diálogos, de expressões dos atores, de seqüências inteiras. <END> Um Dia, Um Gato não envelhece nunca. <END> De uma certa maneira, o filme antecipou as obras surrealistas do pós-comunismo <END> E é esplendoroso ver agora como este filme feito sob a censura comunista em 1963 conseguia ser tão anti toda a estética que Stálin adorava. <END> Acho que seria possível dizer que Um Dia, Um Gato antecipou os filmes que viriam depois da derrocada do comunismo nos países do Leste Europeu, muitos deles abusando de um surrealismo escancarado, como para tirar o atraso de tantas décadas de aprisionamento dentro dos cânones do realismo socialista: o georgiano Os 27 Beijos Perdidos, os romenos Casamento Silencioso e Contos da Era Dourada, para citar só alguns. <END> Um Dia, Um Gato – segundo Rubens Ewald Filho "o filme checo mais popular no Brasil" – também antecipou o boom dos belos filmes que sairiam da Checoslováquia nos anos que antecederam a Primavera de Praga de 1968. <END> O filme participou da mostra competitiva no Festival de Cannes, e lá ganhou o Prêmio Especial do Júri. <END> Depois dele, fariam sucesso no Ocidente e seriam incensados pela crítica O Anjo da Morte e A Pequena Loja da Rua Principal, ambos da dupla Ján Kadár e Elmar Klos, Você tem um leão em casa?, de Pavel Hobl, Viva a República, de Karel Kachyna, Trens Estreitamente Vigiados, de Jirí Menzel, Os Amores de uma Loura, de Milos Forman. <END> "Pertenci a uma geração de diretores checos que foram favorecidos por um instante de abertura que fizeram filmes que foram aprovados no Ocidente, e os dirigentes comunistas detestavam aqueles filmes, mas ao mesmo tempo ficavam absolutamente contentes com o fato de aqueles filmes estarem recebendo elogios no Ocidente. <END> Nessa entrevista, perguntaram a Forman se ele se considerava corajoso, por ter feito O Povo Contra Larry Flynt, um filme extremamente polêmico, e ele deu uma resposta que me faz babar cada vez que lembro dela: <END> "Não, eu me considero sobretudo um covarde, tanto que eu fugi do meu país. <END> Muitos dos bons livros sobre cinema não fazem referência ao filme <END> Vojetech Jasný também foi obrigado a sair de seu país depois que os tanques russos invadiram a Checoslováquia em agosto de 1968 para acabar com aquela idéia maluca do governo Alexander Dubcek de abrir o país a reformas que o distanciassem dos rigores do stalinismo, de procurar o que chamava de "socialismo de face humana". <END> Não conheço os demais filmes desse realizador que conseguiu produzir esta maravilha que é Um Dia, Um Gato, mas, aparentemente, esta foi de fato sua maior obra. <END> Me surpreendi bastante com a ausência de comentários sobre Um Dia, Um Gato, nos meus livros sobre cinema, meus alfarrábios. <END> Diz o Guide des Films de Jean Tulard: <END> "Uma conquista honesta do cinema checoslovaco dos anos 1960 onde todos os gêneros se misturam, da comédia musical ao filme fantástico." <END> Acho pouco. <END> Ou estou muito enganado, e Um Dia, Um Gato de fato não tem lá grande importância, ou então é um filme bem menos reconhecido do que deveria. <END> Sugiro ao eventual leitor (se é que algum chegou até aqui) que vá atrás do filme e tire sua própria conclusão. <END> 7 Comentários <END> Olá, Sérgio! <END> Foi um filme que marcou a minha juventude. <END> Recordo-me de haver visto esta película hipersurrealista aos meus 7 ou 8 anos. <END> […] pensando, ao revê-lo agora, absolutamente embevecido, que Le Roi de Coeur e o checo Um Dia, Um Gato, lançado em 1963, apenas três anos antes, são seguramente alguns dos filmes mais emblemáticos […] <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Adeus, Minha Rainha / Les Adieux à la Reine <END> A idéia básica é um brilho: acompanhamos a intimidade de um dos personagens mais famosos da História ao longo de quatro dias que – dá para dizer sem medo de errar – mudaram o mundo. <END> Mas a história é contada através dos olhos não da rainha, nem de um aristocrata da corte de Luís XVI, e sim de uma pessoa comum, uma moça do povo, Sidonie Laborde, uma das empregadas da corte, que tinha a função de ler para a soberana. <END> A realização é gloriosa. <END> A belíssima Diane Kruger faz Maria Antonieta – com as vantagens adicionais de falar francês com ligeiro sotaque alemão, como a rainha, e estar com a mesma idade do personagem à época dos fatos, cerca de 35 anos. <END> Em torno das três atrizes principais, há todo um elenco soberbo. <END> E a câmara do realizador e co-roteirista Benoît Jacquot e seu diretor de fotografia Romain Winding é não menos que estupenda. <END> Bem mais tarde, num momento de clímax, em que a rainha recebe em seus aposentos a duquesa amada, a câmara se move do rosto de uma para outra, em super close-up. <END> Mas, sobretudo, a câmara brilha quando persegue a jovem Sidonie Laborde enquanto ela caminha pelos longos corredores apinhados de gente nas alas pobres do Palácio de Versalhes, as alas dos empregados, dos servos. <END> Adeus, Minha Rainha tem alguns dos mais belos travellings que o cinema nos deu nos últimos muitos anos. <END> Versalhes como o Titanic, o 14 de julho de 1789 como o 11 de setembro de 2001 <END> A menção ao Titanic não é à toa, ao acaso – nem é uma sacada minha. <END> Versalhes como o Titanic. <END> A ação de Adeus, Minha Rainha começa ao alvorecer do dia em que a monarquia absolutista chocou-se com o iceberg e começou a afundar – e o filme mostra a data em um letreiro: <END> Sidonie coça os braços picados por mosquitos. <END> Maria Antonieta e a moça do povo lêem juntas, as cabeças bem próximas uma da outra, trechos de uma peça de teatro. <END> No dia em que o povo tomou a Bastilha, a rainha da França queria um vestido novo com um determinado bordado. <END> O filme mostra Maria Antonieta como uma maníaca-depressiva <END> A Maria Antonieta que Adeus, Minha Rainha retrata é uma mulher multifacetada. <END> A sensação que se tem é que os roteiristas Benoît Jacquot e Gilles Taurand quiseram mostrar Maria Antonieta quase como o que até algumas décadas atrás era chamada de psicótica maníaca-depressiva, e que agora, nestes tempos do politicamente correto, se define como bipolaridade. <END> O roteiro do filme se baseia no romance homônimo – Les Adieux à la Reine, no original – publicado em 2002 pelas edições Seuil. <END> Dá para perceber que a descrição que a autora faz da vida da corte se baseia em muita pesquisa, estudo sério. <END> A única exceção, a licença poética, o personagem fictício no romance e depois no filme, é o da protagonista, a jovem leitora Sidonie Laborde. <END> É exatamente como no filme Titanic. <END> Uma moça que vive "por procuração": ela existe para servir à rainha <END> A fictícia Sidonie Laborde é uma personagem um tanto misteriosa. <END> Quando a narrativa já se aproxima do fim, uma das outras serventes de Versalhes, creio que Alice (Marthe Caufman), diz para Sidonie que ninguém sabe nada sobre ela, sobre sua vida, seu passado. <END> A jovem atriz Léa Seydoux, que está com tudo (sabe-se lá se está prosa ou não), disse, numa entrevista transcrita no site Allo Ciné: <END> O co-roteirista do filme, Jean-Pierre Guérin, compara Sidonie a uma groupie, como essas fanáticas por bandas musicais. <END> A Sidonie interpretada por Léa Seydoux é de fato uma admiradora de Maria Antonieta. <END> Bem ao contrário da sua personagem, moça pobre, a atriz Léa Hélène Seydoux-Fornier de Clausonne tem, como o próprio nome indica, pedigree. <END> Léa Seydoux começou a carreira no cinema em 2006, aos 21 anos de idade. <END> As filmagens foram no próprio Palácio de Versalhes <END> A primeira opção do diretor Benoît Jacquot para o papel de Maria Antonieta foi Eva Green. <END> Virginie Ledoyen (na foto), que faz a duquesa Gabrielle de Polignac, é veterana em filmes de Jacquot. <END> A produção de Adeus, Minha Rainha teve a sorte imensa de poder usar o próprio Palácio de Versalhes como locação para a filmagem de diversas das sequências. <END> Jacquot usou muito pouco dos imensos, milionários salões. <END> Uma personalidade multifacetada, complexa, nada simples, linear <END> Assim que o filme terminou, Mary, que sempre costuma dizer que a gente não sabe nada de nada, fez uma pesquisa sobre Marie Antoinette, e leu para nós páginas e mais páginas sobre essa figura de quem em geral só se conhece a frase "Mas se o povo não tem pão, por que não come brioches?". <END> O que dá para aprender sobre Maria Antonieta em uma pesquisa de algumas horas é absolutamente fascinante. <END> Agora, que me perdoem os fãs da Coppolinha, mas não dá vontade alguma é de rever a Maria Antonieta interpretada por Kirsten Dunst no filme de 2006.
Como diversos desses filmes citados aí, Danny Collins tem muitos momentos alegres, ótimas piadas – mas não é uma comédia. <END> Vários desses filmes usam personagens reais, fatos reais, para fazer parte da história fictícia. <END> Danny Collins parte de um episódio verdadeiro envolvendo John fucking Lennon, Saint John of Liverpool, John Marx Engels Lenin Ono Lennon, the working class hero, o mais famoso do que Cristo, o homem que botou boa parte da humanidade para sonhar que magina de pipol. <END> Incrível como arranjaram um sujeito idêntico ao Pacino de 1971 <END> Um letreiro faz uma brincadeira com aquele rótulo "baseado em uma história real": <END> A narrativa abre com o editor de uma revista de rock, um sujeito com cara de muito doidão, Guy DeLoach (Nick Offerman), entrevistando um jovem muito jovem. <END> E o jornalista diz que vê no trabalho do garoto imensa influência de John Lennon: <END> E depois pergunta ao entrevistado por que, enquanto ele ouve aquilo, fica com aquela cara de quem está morrendo de medo – e ele responde que é por isso mesmo: está morrendo de medo. <END> O espectador vê o rosto do promissor singer-songwriter, ele mesmo, Danny Collins, o personagem-título: um rapaz tremendamente parecido (na foto acima) com o jovem Al Pacino de O Poderoso Chefão/The Godfather (1972). <END> Fiquei impressionado com a semelhança. <END> Danny Collins é um grande astro, é milionário – e profundamente infeliz <END> E aí corta, e estamos agora em 2014. <END> Vemos Danny Collins entrando num estádio lotado – em Los Angeles, a cidade em que mora. <END> Ele canta uma canção que Lennon-McCartney poderiam ter escrito no iniciozinho de sua carreira. <END> Nada contra clichês do pop, de forma alguma. <END> Mas o que a sequência de Danny Collins cantando uma canção adolescente para o aplauso frenético tanto de jovens quanto de senhorinhas idosas mostra é exatamente isso, o paradoxo – uma coisa ginasiana que não combina muito com um senhor bem passado dos 60 anos de idade. <END> Nas sequências seguintes, o autor e diretor Dan Fogelman vai nos mostrar, da maneira mais clara possível, que a fama e o sucesso deixaram Danny Collins cheio da grana, milionário, que, como manda o figurino, bebe demais e cheira demais – e é profundamente infeliz. <END> Lota estádios, agrada a multidões, enche o rabo de dinheiro cantando aquelas cançõezinhas pop bonitinhas e descartáveis – e é profundamente infeliz. <END> Ah, claro, e, depois de três casamentos, está agora com uma namorada extremamente jovem, quase uma adolescente, bela e gostosa, Sophie (Katarina Cas, na foto abaixo). <END> Mais de 30 anos depois, Danny recebe a carta que Lennon escreveu para ele <END> Depois da festa, em que Danny enche a cara de cachaça e pó, mas não consegue de livrar de tremendo cansaço, imenso tédio, ele fica conversando com Frank, seu empresário e maior amigo (interpretado por Christopher Plummer, na foto abaixo), diante de uma Sophie seminua apagada no gramado de sua mansão hollywoodiana. <END> Falam de Sophie, da necessidade de um acordo pré-nupcial, para impedir alguma coisa tipo ela dois dias depois do casamento pedir o divórcio e metade da grana dele. <END> E então Frank diz que tem um presente de fato muito especial para Danny. <END> É o original de uma carta de John Lennon escrita em 1971: <END> "Prezado Danny Collins, Yoko e eu lemos sua entrevista. <END> E o espectador, assim como Danny Collins, vê a carta – que Frank emoldurou num belo quadro. <END> A carta da história fictícia é bem parecida com uma carta real de Lennon <END> John Lennon gostava de escrever cartas. <END> Uma das muitas cartas que John Lennon escreveu em 1971 – o ano do álbum Imagine, com "Imagine", seu hino de amor à humanidade, "How do you sleep?", seu hino de ódio a Paul McCartney, mais "Crippled Inside", "Give Some Truth", "Oh my love", "Oh Yoko" – foi de fato para um então jovem cantor e compositor folk inglês, Steve Tilston. <END> John Lennon fez, na vida real, exatamente o que fez na história fictícia do filme: enviou a carta endereçada a Steve Tilston aos cuidados de Richard Howell, o jornalista que entrevistara o jovem. <END> Nos créditos finais de Danny Collins, vemos recortes de jornais com os títulos contando essa história real – tipo 'folk singer recebe carta de John Lennon 34 anos depois" – e trechos de uma entrevista com o Steve Tilston, então um senhorzinho grisalho. <END> A carta real de John Lennon – publicada com o número de 155, na página 125 da edição brasileira do livro de Hunter Davies – diz o seguinte: <END> "Ser rico não muda a sua vida no modo de pensar. <END> As Cartas de John Lennon não traz apenas a tradução das cartas, mas também o fac-símile de cada uma delas. <END> Foi com base nesse fato real que o diretor Dan Fogelman escreveu sua história e o roteiro do seu filme. <END> No filme, ao entregar a carta emoldurada para Danny, Frank conta a história fictícia inspirada pela história real: ele ouviu falar da carta, e foi atrás do colecionador que possuía o original. <END> O eterno e sempre fascinante tema do "e se?" <END> O filme está com exatos 15 minutos quando Danny Collins lê as palavras que John Lennon dirigiu a ele quando ele era um garoto mal saído da adolescência, cheio de sonhos e esperança. <END> E então temos aqui aquele eterno e sempre fascinante tema do "e se?" <END> What if? <END> E se um almanaque do futuro tivesse de fato sido levado para o passado em De Volta para o Futuro 2? <END> E se George Bailey tivesse morrido bem jovem, o que aconteceria na cidade que o desajeitado anjo Clarence vai visitar, em A Felicidade Não se Compra? <END> E se o jovem Charles Foster Kane não tivesse brigado por causa de seu trenó Rosebud? <END> E se o iceberg tivesse se desviado uma milha e não tivesse atingido o Titanic? <END> E se, em De Caso com o Acaso/Sliding Doors (1998), a porta do metrô não tivesse se fechado naquele exato momento em que fechou para a personagem interpretada por Gwyneth Paltrow? <END> E se, em 3 Corações/Trois Coeurs (2014), o personagem de Benoît Poelvoorde tivesse conseguido chegar ao Jardin des Tuileries a tempo de se encontrar com a personagem de Charlotte Gainsbourg? <END> E se eu não tivesse ido conhecer as irmãs da minha cunhada Célia na Casa Verde, quando cheguei a São Paulo, aos 18 anos, entre sonhos de estudar cinema na ECA e a realidade de ir vender ferramentas na Florêncio de Abreu? <END> E se não tivesse havido a crise na Sucursal de Brasília da Agência Estado, em 1990, e eu não tivesse ido passar uma temporada lá, Mary Zaidan provavelmente não estaria aqui ao lado agora. <END> Pacino representa um sujeito que tem dez anos menos que ele <END> E se? <END> Quando o filme está aí com pouco mais de 15 minutos, Danny Collins decide mudar de vida. <END> Mudar de vida não é fácil, nem mesmo para um superstar do pop – ou talvez especialmente para um superstar do pop. <END> Resgatar o passado, tentar desfazer os erros cometidos, ir em busca do perdão para faltas graves, nada disso é fácil. <END> Al Pacino está absolutamente Al Pacino como esse superstar que, como bem define seu amigo Frank, esconde como pode o fato de que tem um bom coração. <END> Há um probleminha relativo à idade de Pacino e à idade de Danny Collins. <END> Na vida real, no entanto, Pacino e Lennon são exatamente da mesma idade. <END> Noto isso não como um defeito, um probleminha, um erro. <END> Na minha opinião, a melhor interpretação no filme é de um homem mais velho. <END> Annette Benning interpreta Mary Sinclair, a gerente do Hilton de uma cidade do interior de New Jersey onde Danny Collins vai se hospedar. <END> Gosto dessa moça Jennifer Garner. <END> Quando Danny Collins se oferece para botar Hope, a filhinha de Tom e Samantha, garota hiperativa, na melhor escola especializada em crianças hiperativas do país, o rapaz quer recusar, cheio de brio, de orgulho. <END> – "Você irá para o céu por ser tão tolerante, e eu irei para o inferno porque não se compra o perdão." <END> A garotinha Hope – absolutamente encantadora – é interpretada por Giselle Eisenberg, que tem cachinhos e olhos vivos parecidos com os da minha netinha. <END> Uma ou outra cançãozinha adolescente não é problema <END> Peço licença para uma digressãozinha – uma tentativa de explicar aquela coisa de Danny Collins cantar canções com letras de adolescente. <END> Não há mal nenhum – eu acho – em um artista sexagenário, ou septuagenário, cantar uma ou outra canção adolescente. <END> Um crítico americano mal humorado uma vez reclamou do fato de, no concerto no Central Park de Nova York, diante de meio milhão de pessoas, em 1982, os então quarentões Paul Simon e Art Garfunkel cantarem uma coisa adolescente como "Wake up, little Susie": "acorde, pequena Susie, nós pegamos no sono, o filme terminou, são 4 da manhã e estamos com um problema sério. <END> Simon e Garfunkel podem perfeitamente se divertir – e divertir seu meio milhão de espectadores – cantando essa pérola dos anos 50, porque, no mesmo show, cantariam várias das mais belas, sérias, densas canções que já foram feitas no universo da música popular. <END> O que o filme quer mostrar é que, na sua trajetória para o imenso sucesso, Danny Collins abandonou a procura por uma música com conteúdo, deixou de compor suas canções e passou a cantar apenas musiquinhas feitas sob medida para agradar de imediato e para sempre. <END> E mostra isso de maneira clara, límpida, fascinante. <END> Toda a narrativa é pontuada por canções de John Lennon. <END> Danny Collins estreou nos Estados Unidos em março de 2015. <END> É incrível que este filme tão absolutamente bem escrito e bem realizado seja o primeiro longa-metragem dirigido por Dan Fogelman. <END> Que bom que haja novos talentos que sabem que o mundo não começou quando eles nasceram. <END> Toda a narrativa de Danny Collins é pontuada por canções de John Lennon. <END> É uma das muitas qualidades deste bom filme.
Jogando com Prazer / Spread <END> Anotação em 2010: <END> O grande problema é o tom. <END> O protagonista é Nikki, garotão bonitão, gostosão, que saiu de sua cidade e foi para Los Angeles com a intenção de levar uma boa vida aproveitando-se de suas imensas (na sua própria opinião) qualidades: ser garotão, bonitão e gostosão. <END> Nikki é interpretado por Ashton Kutcher, ele mesmo um garotão que se deu muito bem em Los Angeles, em Hollywood: nascido em 1978 no Iowa, em 1997 estudava engenharia bioquímica no seu Estado natal e trabalhava numa fábrica como faxineiro, ganhando US$ 12 por hora, segundo detalha o iMDB; largou os estudos e o emprego para ser modelo. <END> Orgulhoso, o narrador diz que conquistou muito do que queria <END> Nikki, o protagonista, é também o narrador. <END> Em seguida o vemos chegando a uma festa cheia de gente bonita, bem vestida e tendo ou aparentando ter muito dinheiro. <END> Nessa altura, Mary desistiu de ver o filme, com o sábio argumento de que a vida é curta demais para gastar tempo com filme ruim. <END> Lá pelas tantas, Samantha-Anne Heche diz uma frase forte para o personagem de Nikki. <END> – "Você tem juventude, boa aparência e um troço de 15 centímetros. <END> Nikki contesta o tamanho de seu instrumento de trabalho: <END> – "Dezessete centímetros." <END> O filme parece uma elegia à prostituição dos jovens <END> Me lembrei de Perdidos na Noite/Midnight Cowboy, de John Schlesinger, de 1969, em que um sujeito bronco e bonitão – exatamente como Nikki –, interpretado por um então jovem Jon Voight, sai de sua cidadezinha e vai para Nova York sonhando em viver como comedor de senhoras solitárias. <END> É verdade que o predador Nikki acabará sendo vítima de seu próprio veneno. <END> Tsc, tsc. <END> Ah, sim, duas últimas observações. <END> E, finalmente, é o seguinte:
Fuso Horário do Amor / Décalage Horaire <END> Anotação em 2010: <END> Como nos dois filmes dela que eu tinha visto anteriormente, Danièle Thompson é também a autora do argumento e do roteiro, juntamente com o filho, Christopher Thompson. <END> Muitas comédias românticas têm feito graça com as próprias comédias românticas, esse gênero que eu chamo de tão bobinho quanto indispensável. <END> Gozação gostosa, irônica, quase amorosa ao cinema americano <END> A gozação que os Thompson, mãe e filho, fazem com o cinema americano, muito mais que rancorosa, brava, indignada, é gostosa, irônica, fina – quase uma declaração de amor. <END> A voz de la Binoche abre o filme, quando a tela está inteiramente ocupada por algo azul escuro, que ainda não sabemos o que é. <END> – "Levei um tabefe. <END> Rápido parênteses. <END> Uma jovem francesa proibida pelos pais de ver filmes americanos aí pelos anos 70? <END> Mas, pelamordedeus, voltemos à fala inicial de Rose, que goza com carinho os filmes americanos, comédias românticas ou não: <END> – "Meu pai dizia que eram estúpidos, e minha mãe dizia que eles davam uma idéia errada na vida. <END> Rose quer um dia igual a filme americano; Félix chega dos EUA <END> Pausa para respirar fundo – e para eu dar uma tergiversadazinha. <END> Nos filmes americanos, "os pobres ficam ricos, os ricos têm uma vida dura, as guerras terminam, os mortos voltam a viver e as putas se casam com milionários" – uma óbvia citação de Uma Linda Mulher/Pretty Woman. <END> Depois dessa maravilha de texto de abertura, a câmara faz um suave zoom para trás, e vemos então que aquele azul escuro que ocupava toda a tela é a máscara de dormir que Jean Reno está usando em sua poltrona do avião que está chegando a Paris. <END> Acontece que o aeroporto internacional da capital francesa está o mais absoluto caos – como ficaram os aeroportos brasileiros durante o apagão aéreo patrocinado pelo governo Lula, alguns anos atrás, como ficaram os aeroportos europeus na crise provocada pelas cinzas do vulcão islandês no início de 2010. <END> Estamos com cinco minutos de filme, e todas as pedras das ruas sabem o que vai acontecer – é uma comédia romântica, uai. <END> Tudo previsivelmente previsível – e, no caso deste filme, tudo delicioso, bem feito, bem construído, com belíssimas atuações de dois dos grandes astros do cinema francês desta primeira década de século. <END> La Binoche começa maquiada demais – mas nada é gratuito <END> Achei La Binoche maquiada demais, menos bela do que ela é em geral. <END> Nada é gratuito, no filme de Danièle Thompson. <END> Nada é gratuito no filme – não é à toa a referência a Pretty Woman, na fala de abertura. <END> A mulher e a maquiagem – só uma diretora poderia fazer essa seqüência <END> Não é absolutamente nada gratuita a coisa do excesso de maquiagem de Rose, a esteticista, quando nós, espectadores, e Félix a conhecemos. <END> Não quero dar, neste comentário nem em qualquer outro, spoiler para quem ainda não viu o filme (e quem não viu deveria ver). <END> Grande, magnífica Juliette Binoche. <END> E que beleza o roteiro, o texto dos Thompson, mãe e filho. <END> "Fuck la logique!" <END> A frase sensacional de Félix fica bastante sem graça tanto nas legendas em português quanto nas em francês – onde se chapou numa única língua tudo o que ele fala, as palavras francesas e as inglesas, quando a graça é exatamente a mistureba que ele faz, algo que remete à genial letra que Chico Buarque criou para Joana Francesa, o filme de Cacá Diegues passado em Alagoas e estrelado por Jeanne Moreau, um perfeito portucês, ou frantuguês. <END> Nos filmes americanos, os pobres ficam ricos, os ricos têm uma vida dura, as guerras terminam, os mortos voltam a viver e as putas se casam com milionários, e isso é que é dar uma idéia errada do que é a vida, até porque, comment disait la Mère Superière du College Sacré-Coeur à tous ses élèves, ses enfants, "Mes élèves, mes enfants, la vie é foda" – e é exatamente por isso mesmo, porque la vie é foda, que os teóricos marxistas todos, os mestres, os acadêmicos, os scholars, os sábios de carteirinha, nos ensinaram que o happy end é bull shit, é para deixar o distinto público acomodado, alienado, o happy end é o escapismo que deve ser evitado a todo custo porque no distinto público é preciso enfiar sempre o inconformismo absoluto, a vontade férrea de mudar tudo isto que está aí e fazer a revolução, e blá-blá-blá, e blá-blá-blá, aquela cantilena toda, velha, puída, esgarçada… <END> Frase feita por frase feita, prefiro a de John Lennon: <END> 4 Comentários <END> Viva a comédia romântica e, especialmente, reverencie-se sempre bons roteiros e diálogos. <END> Na versão que eu assisti não teve a voz da Juliette , em off, na abertura, só o barulho das turbinas do avião. <END> Oi, Sérgio, revi esse filme q é uma verdadeira delícia, uma comédia romântica na verdadeira acepção da palavra.Como vc diz, parece q o happy end incomoda os cinéfilos "metidos",digamos assim, pois na velha cartilha do cinema sério, filme q se preze tem q ter uma mensagem; deve, ao final, deixar uma sementinha p a gente pensar e, quem sabe, mexer com as estruturas do q está aí.Não pode ser um filme bem feito pra caramba como esse, simplesmente p divertir, tal como aquelas comédias românticas q vc citou ao início de sua crítica. <END> […] é um filme americano, mesmo que independente, e, nos filmes americanos, como ironizou a francesa Danièle Thompson, "os pobres ficam ricos, os ricos têm uma vida dura, os sem-documento encontram os documentos, […] <END> […] Há boas coisas no filme. <END> […] vira um filme típico do cinemão comercial americano, em que, como ironizou, francesamente, a diretora Danièle Thompson, "os pobres ficam ricos, os ricos têm uma vida dura, os sem-documento encontram os documentos, […] <END> […] da personagem interpretada por Juliette Binoche (ela mesma atriz de alguns filmes americanos) em Fuso Horário do Amor/Décalage Horaire, uma fascinante definição de filme americano: nos filmes americanos, diz ela, os pobres ficam […]
As Melhores Coisas do Mundo <END> Anotação em 2010: <END> Não é um filme perfeito. <END> Não tenho muito o direito de dizer isto, porque vejo menos filmes brasileiros do que deveria, mas a idade me permite ser um pouco desavergonhado, e então digo assim mesmo, embora sem muito o direito: <END> Começa leve, suave – e depois põe na mesa todos os temas importantes <END> O roteirista Luiz Bolognesi e a diretora (os dois são casados na vida real) foram absolutamente felizes na forma com que estruturam sua trama – uma visão sobre os adolescentes classe média na São Paulo de hoje, seus relacionamentos na escola, com os colegas, com os pais, o duro, dificílimo rito de passagem, as angústias, os medos, os pesadelos do crescimento, na era da internet, das redes sociais. <END> Começa leve, suave, com um tom bem humorado, cômico – a iniciação sexual, a curiosidade sobre os estranhos seres da mesma idade mas do outro gênero, aquelas pessoas tão diferentes de nós. <END> Com menos de 15 minutos de filme, numa visita à nova casa do pai agora separado, Pedro e Mano questionam Horácio sobre a separação, querem saber quem afinal é a mulher que acabou com a família deles – e têm uma grande surpresa. <END> Com uma precisão de cirurgião, com um timing perfeito que faria a inveja de grandes roteiristas da época de ouro de Hollywood, Luiz Bolognesi e Laís Bodanzky vão nos expondo – com graça e leveza – mais informações sobre o mundo em que vivem Mano, Pedro, Camila, Horácio. <END> E há, é claro, as eleições pra o grêmio do colégio. <END> Uma lição de civilidade, de civilização, de democracia <END> No momento preciso em que o espectador adulto começa a crer que, afinal, este é um filme destinado apenas ao público adolescente – e é bom, é ótimo, é fundamental, é imprescindível que haja filmes brasileiros destinados ao público adolescente –, vira tudo. <END> Sem, de forma alguma, ser didático, chato, muito ao contrário, de forma atraente, gostosa, inteligente, madura, As Melhores Coisas da Vida apresenta, põe na mesa para discussão praticamente todos os temas que deveriam ser conversados entre pais e mães conscientes, atentos, e seus filhos. <END> As Melhores Coisas da Vida é um belo filme, gostoso, bem feito, agradável de se ver – mas é também uma lição de civilidade, de civilização, de democracia. <END> Atuações impressionamente boas <END> O brilho técnico do filme é muito impressionante. <END> Mas talvez o que mais impressione – além do roteiro inteligente, da direção segura, do significado maior do filme, o recado, a mensagem – sejam as atuações. <END> Mas o que é isso, meu Deus, os garotos Francisco Miguez, que faz o protagonista Mano, e Gabriela Rocha, que faz a sensível Carol? <END> Laís Bodanzky, essa garota nascida em 1969 em São Paulo (um ano depois que emigrei, sem um tostão furado, para a cidade que acabaria me tratando bem até demais), já deixou uma marca extraordinária, embora curta. <END> Com licença: vou fazer um desabafo <END> Uma vez recebi um comentário que me acusava de ser contra o cinema brasileiro, de meter o pau em filmes brasileiros, enquanto não poupava elogios, por exemplo, aos argentinos. <END> Não sou contra o cinema brasileiro, nunca fui. <END> Laís Bodanzky prova isso. <END> Acho que o cinema brasileiro pós-retomada ficou muito preso à dicotomia denúncia da injustiça social x A Fórmula Globo. <END> Do outro lado, há os filmes com os atores globais, com o marketing Global. <END> Uma boa reportagem conta muito sobre o filme <END> Vou tomar a liberdade de transcrever uma boa matéria do UOL que revela muito sobre como As Melhores Coisas do Mundo foi feito. <END> "É como um jogo de espelho: primeiro os adolescentes nos contaram suas histórias, e agora vamos contá-las de volta para eles", explica a diretora Laís Bodanzky sobre As Melhores Coisas do Mundo, seu terceiro longa-metragem, cujas filmagens começaram na semana passada em São Paulo. <END> Inspirado na série de livros Mano, de Gilberto Dimenstein e Heloisa Prieto, o filme narra o período de um mês na vida do jovem Hermano e seus amigos, que estudam em um colégio de classe média da capital paulistana e enfrentam os dilemas característicos da adolescência. <END> UOL Cinema acompanhou as filmagens de As Melhores Coisas do Mundo no último domingo (12 de abril de 2009) em um colégio da região sul de São Paulo. <END> Em uma das cenas filmadas naquele dia, os protagonistas Francisco Miguez (Mano) e Gabriela Rocha (Carol) chegavam atrasados a uma aula do professor de física vivido por Caio Blat. <END> Para chegar a esse elenco de jovens não atores, Laís recorreu a um série de encontros com alunos de colégios de São Paulo, que liam, criticavam e pediam mudanças nas primeiras versões do roteiro. <END> A presença de não atores, o roteiro colaborativo e uma história que se desenvolve em sua maior parte em um colégio tornam inevitável a comparação com o recente Entre os Muros da Escola, de Laurent Cantet – vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2008 – já que o diretor francês adotou um processo bastante semelhante com os atores e o roteiro de seu longa. <END> Mas Laís faz questão de destacar que são filmes completamente diferentes. <END> Em seu primeiro dia no set de As Melhores Coisas do Mundo, Caio Blat elogia o desempenho dos jovens atores: <END> Aos 39 anos, Laís achou que já estivesse muito distante da realideade dos adolescentes, mas diz que se surpreendeu: "percebi que as coisas não mudaram tanto; sei o que eles estão pensando, o que estão sentindo, porque lembro do que eu sentia quando estava vivendo aquelas situações, os momentos de descoberta, as cagadas, lembro de tudo", diz. <END> Assim como o protagonista Mano, Laís conta que também passou pelo divóricio dos pais quando entrava na adolescência. <END> Como a maior parte da história de As Melhores Coisas do Mundo se passa em um colégio, os produtores e a direção de arte do filme tinham um problema: onde encontrar uma escola ficasse vazia e que pudesse ceder boa parte de suas dependências por mais de duas semanas, bem no meio do período letivo? <END> A solução foi filmar em uma escola francesa na zona sul de São Paulo, que segue outro calendário e tem duas semanas de férias no mês de abril. <END> Gullane explica que o filme se passa na cidade de São Paulo, que será bem retratada nas telas. <END> Com direção de fotografia de Mauro Pinheiro (de Linha de Passe), direção de arte de Cássio Amarante (Central do Brasil e Encarnação do Demônio) e montagem de Daniel Rezende (de Cidade de Deus e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias), As Melhores Coisas do Mundo tem previsão de estréia para 2010. <END> 7 Comentários <END> Concordo plenamente que este é um dos melhores filmes já feitos no Brasil. <END> Eu não gostei nem desgostei. <END> A primeira metade acaba ficando enfadonha pq é só sobre o mundo dos adolescentes. <END> Acho tb que estereotiparam os adolescentes, como se todos eles fumassem e bebessem (que escola hoje permite fumar? <END> Uma das poucas coisas que achei interessante e que passou batido foi ver como hoje o professor tem que disputar a atenção dos alunos com a tecnologia (no youtube tem um vídeo bastante acessado onde um professor perde a cabeça com a insistente chamada do celular de uma aluna). <END> O filme pintou algumas coisas muito de cor-de-rosa, como se a primeira transa fosse algo fácil e banal. <END> O título não tem nada a ver com o filme. <END> Por fim, ai que preguiça de ter que ver Paulinho Vilhena e Fiuk (com a mesma cara e o mesmo não-talento do pai) atuando.Mas o casalzinho principal é mesmo muito talentoso. <END> Well, como eu já disse aqui em comentários sobre outros dois filmes, eu não gostava de adolescente nem quando eu era uma. <END> Na verdade nunca tinha ouvido falar desse filme como eu estou trabalhnado cyberbulling com meus alunos eu tive como sugestão de filme pela revista MUNDO JOVEM filme as MELHORES COISAS DO MUNDO. <END> Como público alvo posso dizer que não gostei.
O Garoto da Bicicleta / Le Gamin au Vélo <END> O Garoto da Bicicleta, dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, tem sido aclamadíssimo. <END> Uma das muitas qualidades do filme é a forma de narrativa escolhida pelos Dardennes – absolutamente despojada, sem qualquer tipo de firula. <END> Os irmãos não são chegados a planos rápidos. <END> O fato de serem tomadas compridas realça ainda mais, para quem se preocupar em reparar nisso, como é esplêndido o trabalho dos atores. <END> É impressionante como é perfeito trabalho dos Dardennes como diretores de atores. <END> Essas pequenas características técnicas que anotei – o uso de muita câmara de mão, os planos longos –, no entanto, são apenas detalhes que podem perfeitamente passar despercebidos por boa parte dos espectadores. <END> Por um motivo fortuito, ou sem motivo algum, o destino do garoto cruza com o de Samantha <END> Cyril (Thomas Doret, um absoluto espanto), o garoto do título, o protagonista, tem aí uns 12 anos, talvez um pouquinho menos. <END> Os funcionários do lugar – só um pouco mais tarde o espectador fica sabendo que é um internato, e não alguma instituição que retenha menores infratores ou problemáticos à força – têm uma imensa paciência com Cyril, mas o menino é duro na queda. <END> Por um motivo fortuito, uma fatalidade, uma coincidência, ou sem motivo algum, Cyril, garoto abandonado, a mais profunda solidão, a mais virulenta rebeldia em pessoa, acaba se aproximando de uma jovem mulher que, por puro acaso, é dona de um gigantesco coração, e que se apiada dele. <END> Mas Cyril não é nada fácil. <END> Eu, no lugar de Samantha, teria desistido no primeiro final de semana. <END> Mas Samantha é o altruísmo em forma de mulher. <END> O tema de fundo, me parece, é este: há pessoas que não deveriam jamais ter filhos <END> O tema de fundo de O Garoto da Bicicleta é basicamente o mesmo de um filme francês feito dois anos antes, Feliz que Minha Mãe Esteja Viva/Je Suis Heureux que Ma Mère Soit Vivante. <END> São insondáveis os motivos pelos quais, de dois ótimos filmes abordando o mesmo tema, um acaba se tornando bem-amado de todos os críticos de cinema do mundo, e outro passa praticamente em brancas nuvens. <END> Tanto Feliz que Minha Mãe… quanto O Garoto da Bicicleta – dois filmes falados na mesma língua, feitos com um intervalo de apenas dois anos – tratam dessa realidade trágica que é a seguinte: há pessoas que não deveriam jamais ter filhos, e mesmo assim têm. <END> Quando escrevi sobre Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, uns dois meses antes de ver O Garoto da Bicicleta, transcrevi uma anotação que fiz, algum tempo atrás – em 1995, para ser preciso. <END> Assim como o filme dos Millers, pai e filho, este filme dos irmãos Dardenne dá razão ao início de anotação que fiz em 1995, e por isso a transcrevo de novo aqui: <END> Os dogmas religiosos e a biologia que me perdoem, mas a lógica humana indica que Deus (ou a natureza, para quem não acredita em Deus) errou profundamente. <END> A questão é que Deus errou, ou a natureza errou, e estão aí no mundo, aos montes, seres filhos de pais ausentes, inexistentes. <END> Não existe, evidentemente, uma resposta fácil. <END> Cabeça dura, teimoso feito uma mula, Cyril desperdiçará sorte após sorte, até começar a aprender alguma coisa na vida. <END> Ao fim e ao cabo, o que os Dardennes terminam mostrando, na minha opinião, é isso mesmo: que a vida é uma série de eventos casuais, que podem resultar em algo proveitoso – ou não. <END> O que o filme mostra também – propositadamente, ou não – é, como Mary bem notou, que o grande culpado, o verdadeiro criminoso, o pai que teve o filho (na foto abaixo) e não soube o que fazer com isso, esse não paga nada pelo seu erro, seu crime. <END> O Estado não pode obrigar um pai a amar o filho – mas pode, no mínimo, exigir que ele o sustente <END> Por uma imensa coincidência, no mesmo dia em que vimos O Garoto da Bicicleta, o jurista Miguel Reale Júnior publicou um fascinante artigo no Estadão a respeito de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça dando ganho de causa a filhos que entraram na Justiça requerendo compensação financeira dos pais que não lhes deram carinho. <END> Tomo a liberdade de transcrever alguns trechos: <END> "Se o dever não decorre da lei, mas de juízo moral, inexiste pretensão juridicamente assegurada, pois não há direito subjetivo ao afeto, transformando-se o amor em dever jurídico. <END> "Cuidar de criança ou adolescente é um dever, mas dentro de quais limites legais? <END> "Dar afeto ou cuidar afetivamente – ser conselheiro, amigo, garantir equilíbrio emocional e inserção social – não constitui um dever jurídico, a não ser que se queira instituir a hipocrisia por força de lei. (…) Pretender colocar o Estado a ditar o sentimento do afeto é um autoritarismo paternalista inaceitável. <END> "A decisão é preocupante exemplo de mercantilização das relações afetivas, com o risco de incompatibilidades naturais gerarem mágoa e, depois, a ação indenizatória como represália. <END> Há uma tendência de botar o Estado onde ele não deveria estar <END> Na minha opinião, o jurista está coberto de razão. <END> Na verdade, andam – especialmente aqui neste fim de mundo, nesta América Latina que insiste em ser Latrina, que caminha no século XXI celeremente rumo a 1917, sem ter aprendido nada ao longo do trajeto – botando o Estado onde ele não deveria existir. <END> Mas prover o sustento – isso é obrigação do pai. <END> Que achado foi o dos irmãos Dardennes, esse menino Thomas Doret <END> Pode parecer estranho a algumas pessoas trazer essas considerações para dentro de uma anotação sobre um filme – mas o filme suscita essas questões. <END> Bem, quanto ao filme especificamente, o ponto mais importante, na minha opinião, é o seguinte: que achado foi o dos irmãos Dardennes, esse menino Thomas Doret! <END> Os Dardennes não costumam trabalhar com atores de renome. <END> O filme parece só querer mostrar que existem no mundo algumas poucas pessoas de bem. <END> Tudo fica centrado em Cyril-Thomas Doret. <END> Em uma entrevista à revista da 2001 Vídeo (para a qual me chamou a atenção a Cláudia Maria de Oliveira), Jean-Pierre Dardenne contou como ele e o irmão Luc chegaram a Thomas Doret: <END> Deram muita sorte, os Dardennes. <END> Cyril me fez lembrar do Antoine Doinel de Os Incompreendidos/Les Quatre-Cents Coups, o primeiro longa-metragem de François Truffaut, de 1959. <END> Sei lá como Truffaut chegou a Jean-Pierre Léaud. <END> Não dá para saber se Thomas Doret fará mais filmes na vida. <END> O Josué de Vinícius de Oliveira e o Pixote de Fernando Ramos da Silva produtos de famílias problemáticas, mas, sobretudo, resultam de uma imensa miséria. <END> E, se formos comparar os trajetos de Antoine Doinel e de Cyril, é fácil ver que, do final dos anos 1950 para estes anos 2010, os apelos à delinquência, a facilidade de se atrair crianças perdidas para a delinquência aumentaram em progressão geométrica. <END> Mas, de novo, se formos nos concentrar apenas no filme, o fato é o seguinte: esse garoto Thomas Doret teve uma interpretação impressionante, marcante, indelével, inesquecível. <END> 6 Comentários <END> Coincidentemente, Sérgio, estava lendo agora há pouco uma entrevista com os diretores desse filme na revistinha da locadora 2001. <END> Gostei mais deste do que do Feliz que Minha Mãe Esteja Viva, é menos depressivo. <END> O filme não explica, mas acho que a Samantha resolveu ficar com ele porque estava naquela fase de começar a querer ter filhos, mas o namorado não queria. <END> Achei impressionante a paciência infinita que ela tinha, e todo o jeito de lidar com ele. <END> Cécile de France está muito bem, e o Thomas Doret arrasou mesmo. <END> Voltei só pra deixar uma frase que um amigo escreveu quando comentamos o final do filme. <END> Existe na vida real uma história de uma mulher cuja paciência foi ainda maior. <END> Eu assisti ao final deste filme na véspera de Natal no canal Arte 1 e fiquei encantada, mas procurei reprises e não achei. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Faca de Dois Gumes <END> Anotação em 1998: <END> O grande problema é que de fato há buracos grandes na trama. <END> Não se entende por que, tendo tido o cuidado de estabelecer um bom álibi para assassinar no Rio a mulher e o amante dela, seu sócio e maior amigo (estava em São Paulo, vendo jogo do Botafogo, que de fato viu em teipe, podendo descrever direito as jogadas; deixou secretária eletrônica para falar com a telefonista do hotel, tudo direitinho), o personagem central (Paulo José) não chama a polícia quando uma quadrilha vasculha a casa dele, e depois o escritório. <END> Como diz a boa resenha do guia Vídeo 1998 da Abril, "o roteiro aproveitou apenas uma parte do romance de Fernando Sabino e mostra lacunas". <END> Mas é um filme bem feito, que merece atenção. <END> Faca de Dois Gumes <END> De Murilo Salles, Brasil, 1989. <END> Com Paulo José, Marieta Severo, José de Abreu, Flávio Galvão, Úrsula Canto, Paulo Goulart, José Lewgoy, Fernando Peixoto. <END> Bas no romance de Fernando Sabino <END> Adapt cinematográfica Leopoldo Serran, Murilo Salles e Patrick Moine <END> Roteiro Leopoldo Serran, com a colaboração de Alcione Araújo e Murilo Salles
Dulce, Paixão de uma Noite / Douce <END> Anotação em 2001, com complemento em 2008: <END> Este é um daqueles filmes candidatos à lista de piores de todos os tempos. <END> Tem duas longas tomadas feitas como se fosse de trás da lareira. <END> Mas vamos a uma outra opinião. <END> "Em 1888, moça de boa famílias (Odette Joyeux) arranja amante de outra condição social e entra em conflito com sua família (Margueritte Moreno, Jean Debucourt).
Caro Diário / Caro Diario <END> Anotação em 1997: <END> Tem uma câmara que não pára nunca; o trabalho de câmara, especialmente no primeiro dos três capítulos em que o filme se divide, no qual o autor-ator-diretor passeia de Vespa por Roma, é excepcional. <END> E, sim, tem um tom de irreverência, de crítica, quase de aberto anarquismo; um jeito de ser que vai contra a corrente, qualquer corrente, que tem fascínio. <END> E, no primeiro episódio, tem I'm your man com Leonard Cohen e o trecho ápice do Köhl Concert do Keith Jarrett. <END> Mas é o que tem. <END> O primeiro episódio chama-se Na Vespa; é o tal em que o autor-ator-diretor passeia de Vespa por Roma. <END> Não sei o que ele quis dizer com esse episódio. <END> Com o segundo e o terceiro, eu sei: ele não quis dizer muita coisa. <END> O segundo chama-se Ilhas, e mostra quatro ilhas italianas. <END> O terceiro episódio, chamado Médicos, também é de uma piada só: os médicos não sabem o que fazem.
Está sendo lançado agora no Brasil o livro que conta a história da canção que abre com esses versos. <END> Me deu vontade de fazer esta anotação por dois motivos fortes. <END> Em segundo lugar, pela minha ignorância. <END> A canção foi composta no final dos anos 1930 por Abel Meeropol (1903-1983), um judeu esquerdista nova-iorquino que compunha sob o pseudônimo de Lewis Allan. <END> Os versos foram inspirados por uma fotografia do linchamento de dois negros em Indiana, em 1930, cujos corpos foram pendurados em uma árvore. <END> Meeropol levou a música para Billie Holiday em 1938. <END> Billie Holiday faria quatro gravações da canção; a primeira foi em 1939, num 78 rotações lançado pelo selo Commodore. <END> Na sua autobiografia Lady Sings the Blues, escrita em colaboração com William Duffy e publicada em 1956, três anos antes de sua morte, a grande dama do jazz e do blues afirma que ela própria, Sonny White e Meeropol foram os co-autores da canção. <END> Esse é um dos mitos que se construíram sobre "Strange Fruit", e que o livro lançado agora no Brasil desmente. <END> O autor do livro é um jornalista chamado David Margolick. <END> O livro fala sobre o racismo e os linchamentos de negro nos Estados sulistas que inspiraram Meeropol a compor a música. <END> – "Strange fruit' foi escrita numa época em que as relações raciais nos Estados Unidos eram muito precárias", disse o autor do livro, segundo reportagem de Luiz Felipe Reis no Globo. <END> A própria Billie Holiday diria, em entrevista à revista especializada em jazz Downbeat, em 1947: <END> "Só voz e piano, 'Strange Fruit' escapa, como diz Margolick, 'a qualquer categorização musical fácil (…) é artística demais para ser música folk, politicamente explícita e polêmica demais para ser jazz' (pág. <END> Face a face com a morte. <END> De uma certa maneira, "Strange fruit" é uma dirge. <END> Depois de Billie Holiday, muita gente gravou "Strange fruit", é claro. <END> Muitas dessas gravações estão, é claro, disponíveis no YouTube. <END> Uma lição de humildade <END> É isso aí. <END> O que vai abaixo é só um comentário sobre a minha ignorância. <END> Eu achava que conhecia pelo menos um pouco de música popular americana. <END> O fato de nunca ter ouvido falar nessa música que é um gigantesco marco histórico me deixou chocado com a minha própria ignorância. <END> E há ainda um agravante. <END> O choque com a própria ignorância, no entanto, não deixa de ter um lado bom. <END> É uma lição de humildade – e lições de humildade são fundamentais, do 0 aos 62 ou mais anos. <END> Sem humildade não se avança nada. <END> "Strange fruit", e tudo o que ela significa, servem para me apontar como são verdadeiras algumas lições que afinal pude aprender na vida. <END> A lembrar. <END> Por puro acaso, uma vez vi na TV, num documentário, um diálogo entre Lilian Gish e Jeanne Moreau. <END> – "A curiosidade. <END> A lembrar outra das lições. <END> No primeiro ano do Clássico, no Colégio de Aplicação, em Belo Horizonte (chamava-se assim naquela época o que hoje é o Ensino Médio, o que vem após os oito primeiros anos), o professor de Filosofia passou boa parte de uma aula nos explicando que apenas com o estudo, o conhecimento, é possível que pessoas mais pobres possam ter uma vida melhor, e dar vida melhor aos filhos. <END> A lição era clara como água da fonte, e jamais me esqueci dela. <END> Também nos tempos do Aplicação aprendi com Vivina, a professora que virou amiga para todo o sempre, que as pessoas, quando são muito jovens, admiram a beleza; depois, quando crescem um pouco, aprendem a admirar a inteligência; e só depois, quando ficam maduras, percebem que o verdadeiro valor é a bondade, a generosidade. <END> Para mim parecem muitas claras, nítidas, as relações entre esses axiomas aí e o fato de eu só ter ficado sabendo da existência de "Strange Fruit" quando os jornais fizeram matérias sobre o lançamento da edição brasileira do livro de David Margolick, a biografia da canção. <END> Ninguém é obrigado a saber de tudo. <END> Mas, por outro lado (embora a expressão "por outro lado" seja bastante questionável, para dizer o mínimo), está tudo aí para ser descoberto, conhecido, sabido. <END> "A informação virou commodity" – ouvi essa frase algumas centenas, milhares de vezes. <END> A informação está à disposição de quem quiser. <END> Quando, quase 4 décadas atrás, resolvi comprar uma Britannica, ela custava quase o preço de um Fusca. <END> Quase tudo o que a Britannica contém está hoje grátis na internet. <END> Claro: para tentar compreender tanta informação, tanto dado, é preciso ter passado por um currículo bom, um ensino estruturado. <END> Evidentemente, para ter sucesso numa carreira, num trabalho, numa profissão, é preciso juntar um ensino estruturado, uma imensa curiosidade, e seriedade no estudo. <END> Mas o fato é que sempre há muito para se aprender – mesmo nos temas que a gente acha que domina razoavelmente. <END> Aprender é bom. <END> 6 Comentários <END> Cacete que texto bom. <END> juro que não me lembro de ter te falado essas coisas, mas agora, que tô velha, concordo com todas elas… Será que eu era precoce? <END> Eu também ignorava a existência dessa música até ter lido o livro (e ignorava esse texto também, às vezes alguns me escapam, devido à alta "rotatividade" do site. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Férias de Natal / Christmas Holiday <END> Anotação em 2008: <END> Os títulos, tanto o original quanto o brasileiro, não poderiam ser mais inadequados. <END> O que uma moça tão gracinha está fazendo num lixo como esse?, o soldado poderia perguntar. <END> Então, o filme que começa com um soldado na verdade não é sobre o soldado, é sobre Jackie, ou Abigail. <END> No passado, Jackie, ou Abigail, conheceu Robert (Gene Kelly), um homem bonito, simpático, elegante, natural dali mesmo de Nova Orleans, descendente de uma antiga família de colonizadores franceses. <END> Finalmente termina o looongo flashback, e estamos de volta com Jackie, ou Abigail, com o soldado. <END> Jackie, ou Abigail, é interpretada por Deanna Durbin. <END> Anne Frank, a vítima do holocausto que ficaria famosa no mundo inteiro por causa de seu emocionante diário, tinha duas fotos de Deanna Durbin no sótão da casa onde a família se escondeu dos nazistas em Amsterdã. <END> Além de atuar em filmes que arrasavam milhões de corações nos Estados Unidos dos anos da Grande Depressão, antes do início da Segunda Guerra, Deanna Durbin cantava. <END> (Fico imaginando aqui que a estrela infantil do clássico de terror dos anos 60, O Que Terá Acontecido a Baby Jane?/Whatever Happened to Baby Jane?, se inspirou mais em Deanna Durbin do que em Shirley Temple, ao contrário do que eu imaginava. <END> Desde adolescente, Deanna Durbin sempre fez papéis de mocinha inocente e alegre, em comédias e musicais – uma espécie da noviça rebelde de Julie Andrews. <END> Pauline Kael diz que o filme é "um veículo para Deanna Durbin, que já passara de seus grandes dias de cantora adolescente". <END> No auge da carreira, estrela mais bem paga do mundo, aos 27 anos, em 1948, ela abandonou tudo. <END> 3 Comentários <END> Sempre fui fã dessa cantora, assisti a quase todos os seus filmes, adoro música clássica e as músicas que ela cantava. <END> Eu fui enganada pelo título e vi esse filme pela primeira vez numa véspera de Natal, não poderia ter me enganado mais na escolha. <END> Acho que o problema do roteiro é que ele é mal desenvolvido e construído, assim como os personagens. <END> Eu não conhecia a história nem a fama dessa atriz. <END> Assisti a "Christmas Holyday" somente por causa do adorado Gene Kelly, que estava numa época em que só lhe davam porcaria para fazer. <END> Um fato engraçado ou irônico é que Gene não dança nesse filme; quando ele e Deanna vão para a pista de dança, a música pára, ou a cena muda (quase tive um troço). <END> No livro que tenho diz que Deanna Durbin não soube fazer a transição de atriz infantil para adulta, que ela exagera em algumas cenas e não convence como esposa sofredora (assim como seu personagem não convence que trabalha num bordel apenas cantando – nem o marido acreditou). <END> No livro fala também que o público gostou do filme, ou de ver os dois atores nele, e que foi um dos maiores sucessos da Universal em 1944. <END> Eu gostei de ver Gene fazendo um papel diferente, de um cara reprimido, com uma relação meio doentia com a mãe (embora seja estranho vê-lo fazer um mau caráter); ele estava na fase em que o chamo de "docinho de coco", com um rosto muito jovem e doce, só perdendo para quando fez "For Me and My Gal", sua estréia no cinema. <END> E por falar em ruim, ainda tem o ator que faz o militar, cujas sobrancelhas esquisitíssimas gritavam toda vez que ele aparecia na tela; parece que haviam sido raspadas e pintadas com lápis, como as mulheres costumavam fazer em uma determinada época. <END> Tem uma curiosidade sobre este filme que esqueci de comentar: o DVD nunca foi lançado nos EUA, nunca passou na TV de lá e só esteve disponível na Europa por pouquíssimo tempo. <END> Eu já sabia disso, mas me deparei com o texto de um fã-clube americano do canal TCM, que gostaria de compartilhar, apesar da única estrelinha. <END> O texto fala que "Christmas Holiday" chegou a ser vaiado nos cinemas (fato raro na época) porque as pessoas iam vê-lo achando que era um filme alegre de Natal, e se deparavam com um noir. <END> O mais interessante é que no Brasil o filme está à venda, e eu tenho o DVD. <END> [Português deve ser uma das línguas mais difíceis do planeta, faltou um hífen em "mau-caráter" no meu comentário anterior.
O Seqüestro do Metrô 123 / The Taking of Pelham 123 <END> Anotação em 2010: <END> Fiz essa definição sobre Tony Scott depois de ver seu filme anterior, também estrelado por Denzel Washington, Déjà Vu, de 2006. <END> Déjà Vu tem um problema muito sério: carece de qualquer tipo de lógica. <END> Para seu projeto seguinte, parece que o diretor preferiu um terreno mais sólido, menos fantasioso: filmou uma história que já havia rendido dois filmes, os dois com o mesmo título original deste aqui, The Taking of Pelham 123. <END> Visual espetacular, grande elenco em boas atuações <END> Decisão acertadíssima, essa, de pisar em terreno sólido. <END> Tem um monte de exageros – essa tendência cada vez mais presente no cinemão hollywoodiano, em especial nos filmes de ação, nos thrillers. <END> O elenco, cheio de grandes nomes, está todo muito bem. <END> Não vi as versões anteriores da história, nem li o livro, e portanto não sei se o roteirista Brian Helgeland mexeu muito no desenho do personagem de Walter Garber. <END> É igualmente bem construído o personagem de Ryder, o líder dos seqüestradores – e a interpretação de John Travolta só o engrandece. <END> John Turturro, outro grande ator, está ótimo como o experiente policial especializado em negociar com seqüestradores. <END> James Gandolfini faz um prefeito de Nova York que, ao contrário dos dois personagens centrais, é construído de maneira bem esquemática; é o protótipo da figura do político que aparece em vários filmes que aparentemente não conhecem a política – egoísta, desleixado, sem genuíno interesse em servir à população. <END> Os diálogos – em especial aqueles entre o veterano funcionário do metrô e o seqüestrador – são ótimos, funcionam muito bem, e adicionam um pouco de inteligência no meio deste filme de visual caprichadíssimo. <END> É um filme que vale a pena ver – mesmo para quem não é especialmente chegado a um filme de ação. <END> Vejo na revista Studio CinéLive (que dá ao filme 2 estrelas em 5) a seguinte descrição: "um filme B estival testosteronizado". <END> 2 Comentários <END> Em termos de ação o filme é bom e muito bem feito, mas o roteiro deixa a desejar; eu não fiquei grudada na tela nem interessada em saber o que iria acontecer. <END> Uma pena que o Tony Scott tenha cometido suicídio (a depressão não poupa ninguém). <END> Eu sei que "junto com" é pleonasmo, mas pelo adiantado das horas e a preguiça eu quis fazer um remendo e coloquei "junto ao", e acho que ficou tão feio quanto "junto com". <END> […] o rosto de um homem que acende um cigarro. <END> […] John Turturro escreveu e dirigiu Amante a Domicílio (no original, Fading Gigolo) como uma homenagem a Woody Allen. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
O Concerto / Le Concert <END> O Concerto é daquela excelsa, augusta, exclusiva categoria de filmes que fazem você levitar. <END> E, depois que o filme termina, você se pega mais uma vez pensando: mas que merda, se as pessoas são capazes de tanta beleza, talvez, quem sabe?, a humanidade não seja afinal de contas uma invenção que definitivamente deu errado… <END> Um maestro russo aposentado por se recusar a demitir músicos judeus <END> É necessária uma sinopse, no mínimo uma sinopse. <END> "Na época de Brejnev, Andrei Filipov era o maior regente de orquestra da União Soviética e dirigia a célebre Orquestra do Bolshói. <END> A sinopse do site oficial deixa de fora uma informação fundamental, que consta da sinopse da Wikipedia, e então pego uma frase da enciclopédia virtual, com uma pequena adaptação: <END> Para ser a solista do violino no concerto, ele convida uma jovem instrumentista francesa, de grande fama internacional, com quem tem uma ligação inesperada, surpreendente. <END> Temas duros, pesados, difíceis, numa comédia às vezes escrachadíssima <END> Eis aí uma sinopse honesta, que adianta o tema básico do filme sem revelar nada que não possa ser revelado. <END> O protagonista, o maestro tornado faxineiro Andrei Filipov, é interpretado por Alekseï Guskov (o terceiro da esquerda para a direita na foto). <END> É absolutamente necessário registrar também que O Concerto – embora aborde esses temas duros, pesados, difíceis – não é um drama. <END> O diretor Radu Mihaileanu consegue a fantástica proeza de tratar de temas seriíssimos numa comédia hilariante, deliciosa, escrachada, farsesca, quase nonsense – ao mesmo tempo em que às vezes muda o tom e fala sério, muito, muitíssimo sério. <END> Então, isso registrado, posso ir aos meus devaneios. <END> A união mais que perfeita entre o cinema e a música <END> Tenho, acho que diante de tudo na vida, uma coisa associativa. <END> O Concerto, este filme tão internacional, sem fronteiras, acima de fronteiras, produzido com dinheiro de França, Itália, Romênia, Bélgica e Rússia, dirigido por um romeno, falado mezzo em russo, mezzo em francês, com atores das duas nacionalidades, que fala sobre duas das coisas mais supra-nacionalidades que existem – a grandeza da música e o horror dos regimes totalitários –, me fez lembrar de outras obras-primas: <END> Talvez porque promovam, todos os três, assim como O Concerto, a união perfeita entre o cinema e a música, as duas artes que para mim são as maiores, as mais importantes, as mais magníficas. <END> Nas nossas considerações pós-filme, Mary comentou que O Concerto a tinha feito se lembrar de outro filme extraordinário, outra obra-prima: <END> Uma sábia consideração, essa da Mary. <END> E aí, ao registrar a consideração feita pela Mary, lembro de outro grande filme, Feliz Natal/Joyeux Noël – que, por mais absurdo, incrível que pareça, se baseia em fatos reais: numa noite de Natal, durante a Primeira Guerra, a música faz com que os soldados inimigos saiam das trincheiras, promovam uma pequena trégua, se cumprimentem, vivam alguns instantes acima do que os põem em luta. <END> As pessoas são mais importante que os Estados, as ideologias, os nacionalismos <END> As pessoas estão acima dos Estados, das ideologias, dos nacionalismos. <END> que as pessoas são todas iguais; raça, existe uma só, a humana, seja a pele de que cor for, a íris dos olhos de que cor for; que são as ideologias, as fórmulas inventadas pelos que se pretendem dominadores das pessoas, que criam, nutrem e exacerbam os preconceitos entre os grupos de uma raça que afinal é a mesma; que, se fossem deixadas a seus próprios destinos, se não fossem instigadas pelas máquinas ideológicas e/ou governamentais, as pessoas poderiam conviver de forma melhor, talvez até fraterna. <END> Um filme anti-comunista. <END> O Concerto, exatamente como Joyeux Noël, como A Banda, como também Retratos da Vida, é um filme anti-nacionalismos. <END> O Concerto é, agressivamente, virulentamente, poderosamente, anti-comunista. <END> Há poucos dias, depois de ver o filme mais recente do excelente diretor australiano Peter Weir, Caminho da Liberdade/The Way Back, sobre os campos de concentração onde o regime soviético botava para apodrecer as pessoas que lhe pareciam incômodas, anotei: <END> É fantástico, isso. <END> É fantástico, repito. <END> Não consigo compreender qual é a diferença entre um neonazista e um sujeito que ainda hoje é stalinista. <END> Para Mihaileanu, o verdadeiro comunismo dura o tempo de um concerto <END> Ah, sim, mas até aqui quase só se falou de política, e nada sobre o filme! <END> Não existe absolutamente nada que não seja político. <END> O Concerto é um filme profundamente, intrinsecamente político. <END> Fellini, um filo-comunista, ou no mínimo filo-socialista, que teve a sorte de viver a maior parte da vida num país democrático, fez, em Ensaio de Orquestra, um manifesto contra a hierarquia, um panfleto pró-anarquia. <END> Radu Mihaileanu, que viveu na Romênia sob a ditadura de Ceauscescu, faz o elogio do contrário ao que Fellini defendia. <END> O maestro que deixou de ser maestro e virou faxineiro porque ousou contestar o Estado comunista diz para o burocrata comunista que apagou seu brilho, e que não entende coisa alguma de música, arte: <END> – "Uma orquestra é um mundo, Ivan. <END> São virulentos no ataque à ditadura os filmes feitos no ex-império soviético <END> Têm sido extremamente virulentos muitos dos filmes feitos no que até 1990 era o império soviético. <END> Pode ser, talvez, porque, na Romênia, o comunismo tinha essa coisa do culto da personalidade do ditador exacerbada, e o ditador era especialmente grotesco. <END> Ou pode ser porque, por uma série de fatores, os romenos tenham desenvolvido um agudo senso de humor, uma especial índole libertária, e um imenso talento. <END> Ivan Gavrilov (Valeri Barinov) – o ex-agente da KGB que interrompeu o concerto da Orquestra do Bolshói em 1980 denunciando Andrei Filipov como "inimigo do povo", e agora, 30 anos depois, é secretário-geral do nostálgico Partido Comunista da Rússia –, poderia certamente argumentar, assim como os patéticos Orlando Silva e Aldo Rebelo da nossa triste realidade, que os cineastas romenos estão a soldo do imperialismo capitalista. <END> Uma longa tradição de grandes cineastas contra a ditadura comunista <END> Haja dinheiro do imperialismo capitalista para pagar cineastas do ex-império soviético. <END> Sem falar dos grandes cineastas que, ainda durante o comunismo, e a despeito da censura rígida, fizeram belas obras atacando, da melhor forma que podiam, o totalitarismo exercido em nome do povo (e que enriquecia os happy few da nomenklatura), de Andrzej Wajda a Roman Polanski, de Milos Forman à dupla Ján Kadár & Elmar Klos, de Sergei Mikailovich Eisenstein, em seus últimos filmes, a Krzysztof Kieslowski. <END> Polanski cascou fora de sua Polônia comunista bem cedo, e fez filmes nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França. <END> Andrzej Wajda, tão premiado e reconhecido que o regime comunista polonês não conseguiria prender, fez e faz seus filmes grandiosos tanto lá dentro da Polônia então comunista quanto na França. <END> Pode-se falar mal da França por trocentos mil motivos, mas há que se admitir: eta país capaz de receber bem artistas banidos de seus próprios países. <END> Um cineasta de poucas obras, do tipo ourives cuidadoso <END> Radu Mihaileanu radicou-se na França em 1980 – exatamente o ano que ele escolheu para botar, em O Concerto, a demissão do protagonista Andrei Filipov da Orquestra do Bolshói. <END> Tem uma filmografia pequena. <END> Estava na mais plena maturidade artística quando co-escreveu e dirigiu O Concerto. <END> Exageros, nonsense, farsa – temperados com um imenso amor pelas pessoas <END> Há muitos exageros no filme. <END> Exagera-se demais no retrato da Rússia hoje, 20 anos após a queda do comunismo. <END> Diversas seqüências passadas na França também são assim. <END> No entanto, a direção de Mihaileanu é tão brilhante, tão genial, que nada fica ridículo. <END> O Concerto consegue, de fato, como muito bem disse um crítico da revista Studio CinéLive, mesclar o humor (corrosivo, violento, virulento, digo eu) com "uma ternura e uma humanidade raras". <END> Uma ternura e uma humanidade raras. <END> Radu Mihaileanu faz um cinema tão brilhante, tão terno, tão humano, quanto o dos maiores. <END> O filme foi um grande sucesso de público na França. <END> A Academia de Hollywood não deu pelota para O Concerto, mas ele teve indicação para o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. <END> Uma jovem dotada de excesso de talento e sorte <END> Ninguém lê mais do que 140 caracteres na internet, e este texto já tem quase o tamanho de Guerra e Paz, mas ainda não falei de Mélanie Laurent. <END> Há que se compreender e respeitar quem fica irritado, inconformado com Deus, ou os deuses, ou o destino, pela injustíssima distribuição de talento e sorte entre as pessoas. <END> A garota Mélanie Laurent foi injustissimamente dotada dos dois, talento e sorte. <END> Tive a oportunidade de reconhecer o talento de Mélanie Laurent cedo. <END> Só depois de ter reconhecido o talento dela foi que a revi em Bastardos Inglórios, de Tarantino. <END> Entre 2009 e 2011, Mélanie Laurent fez Bastardos Inglórios, este O Concerto, dirigiu seu primeiro filme (que porra, ela nasceu em 1983!), fez teatro em Paris, e gravou um disco como cantora e compositora! <END> Mélanie Laurent passou dois meses estudando violino com Sarah Nemtanu, da Orchestre National de France, para se preparar para o papel de Anne-Marie Jacquet. <END> Transcrevo umas frases dela em entrevista à Studio CinéLive de novembro de 2009, o mês em que o filme estreou na França: <END> "Eu não tive mais que dois meses para saber tocar com a mão direita com bom ritmo o concerto de Tchaikovski, para a cena final de 12 minutos. <END> Um detalhinho mínimo sobre outra grande atriz. <END> Educado, generoso, Radu Mihaileanu faz então o agradecimento. <END> Um final apoteótico, brilhante, antológico, para ficar para sempre na memória <END> Os últimos 20 minutos de O Concerto – filmados de fato no Théâtre de Châtelet, onde o filme teria uma de suas avant-premières – são um exemplo do que de mais belo a humanidade já conseguiu fazer. <END> O Concerto para Violino em Ré, Opus 35, de Tchaikovsiki, jogou por terra a certeza que eu, imbecil, tinha me botado, em algum momento da vida, de que o Piotri Ilitch era um romântico babaca, menor. <END> O Concerto para Violino em Ré, Opus 35 é de uma beleza absurda. <END> Aqueles últimos 20 minutos do filme, culminando com os 12 minutos em que o Concerto para Violino em Ré, Opus 35, é executado, são antológicos. <END> Para ficar para sempre na memória. <END> Seqüências inesquecíveis, antológicas – como o final de Retratos da Vida/Les Uns et les Autres, de Lelouch – todos os personagens de seu filme imenso, painel do século, reunidos para ver a gigantesca apresentação pela paz mundial na Torre Eiffel, canais de TV do mundo inteiro transmitindo ao vivo, o Bolero de Ravel dançado por Jorge Donn, coreografado por Maurice Béjart. <END> Não sei se Radu Mihaileanu viu Retratos da Vida. <END> Lelouch deve seguramente ter visto O Concerto. <END> Uma das muitas sortes que tive na vida foi entrevistar Lelouch, um de meus maiores ídolos. <END> La générosité. <END> Se eu estiver certo, Lelouch terá aplaudido O Concerto de pé como na ópera. <END> Quero rever O Concerto muitas vezes. <END> 7 Comentários <END> Fui assistir a O Concerto imaginando ser um drama. <END> Eu também levitei quando vi este filme, fiquei uns centímetros acima do chão. <END> Acabei de assistir o filme O Concerto no canal Tele Cine Cult.. Acabei de assistir e me emocionar muito. <END> Assisti ao filme ontem. <END> 4 Trackbacks <END> […] aos judeus é um ato de coragem. <END> […] Diversos filmes denunciando o absurdo do regime comunista têm sido feitos nos últimos anos nos países que se libertaram das ditaduras impostas pela União Soviética.
Desejo e Perigo / Lust, Caution / Se, Jie <END> Anotação em 2009: <END> É um daqueles filmes grandes em tudo. <END> O simples fato de ser um filme co-produzido pelo Ocidente, pela China comunista e por Hong Kong e Taiwan já é um marco histórico, se lembrarmos que oficialmente as Chinas divididas pela guerra civil de 1945-1949 – que terminou com a vitória dos comunistas e a expulsão dos nacionalistas para a ilha de Formosa – ainda não se reconhecem como Estados independentes. <END> É um épico, um estudo de caráter, um filme de espionagem, de época de guerra, um romance dramático – e ainda tem um componente forte de erotismo. <END> Por dentro do Vichy da China, o governo fantoche do invasor <END> Quando a ação começa, estamos em 1942, na Xangai ocupada pelo exército invasor japonês. <END> A primeira legenda é a que nos informa "Xangai ocupada pelos japoneses, 1942". <END> Aqui a câmara é muito rápida, vai das peças do jogo (uma espécie assim de dominó, só que com uma complexidade oriental, muitíssimo maior que a do joguinho ocidental) para os rostos das mulheres; há cortes igualmente rápidos, e os movimentos da câmara, entre as peças do jogo e os rostos das jogadoras, são quase tão frenéticos quanto os de um thriller à la trilogia Bourne ou um recente 007. <END> Corte, e vemos o homem que saberemos que é Yee, o alto funcionário colaboracionista, saindo de sua repartição e indo para casa. <END> Mak Tai Tai de repente diz que se esqueceu de avisar as colegas de jogo, mas tem um compromisso e precisa sair. <END> Um primeiro e único flashback, e conhecemos a jovem Wong <END> E então temos um flashback, o primeiro e único que haverá no filme – o letreiro informa que voltamos a quatro anos antes, 1938, portanto. <END> Naquele ano de 1938, a bela moça que havíamos visto como Mak Tai Tai era uma jovem estudante de família de posses; chamava-se Wong Chia Chi; seu pai e seu irmão estavam na Inglaterra, e ela deveria ir ao encontro deles, mas houve o início da guerra, a invasão japonesa, e Wong Chia Chi estava fugindo para Hong Kong, a possessão britânica até ali não atingida pela guerra. <END> Nessa altura, estamos com não mais que 20 minutos de um filme envolvente, apaixonante, que dura cerca de duas horas e meia e que parece muito menos que isso. <END> Um ator veterano e reconhecido, uma atriz novata <END> Yee, o chinês colaboracionista, é interpretado por Tony Leung Chi Wai, um quarto de século de carreira, tido como um dos principais atores chineses em atuação no mundo. <END> Quem faz o papel de Kuang, o líder do grupo rebelde, é Lee-Hom Wang. <END> Já para o papel principal do filme, Wong Chia Chi, e também Mak Tai Tai, a jovem estudante tornada atriz de teatro engajado na luta contra os invasores japoneses e depois tornada espiã dentro da casa do colaboracionista, Ang Lee escolheu Wei Tang, uma jovem chinesa nascida em Wenzhou, Zhejiang, em 1979, com graduação no departamento de direção da Academia Central de Drama de Pequim. <END> Não parece, absolutamente não parece que essa garota Wei Tang é uma iniciante. <END> Vejo, sobre ela, duas informações interessantes no iMDB. <END> Isso aí, me parece, não faz sentido algum. <END> Mas vamos em frente. <END> De canções latinas a sequências de clássicos de Hollywood <END> Num filme em que todos os aspectos técnicos são perfeitos – direção de arte, fotografia, câmara, figurinos, som –, é preciso, no entanto, destacar a trilha sonora belíssima, composta pelo francês Alexandre Desplat. <END> É fascinante lembrar que, apenas um ano antes deste Desejo e Perigo, Desplat havia sido chamado para fazer a trilha sonora de outro filme que se passa quase inteiramente na China, O Despertar de uma Paixão/The Painted Veil, de John Curran, com Edward Norton e Naomi Watts; na bela trilha que criou para aquele filme, Desplat fez algumas aproximações com a sonoridade oriental. <END> (Depois que escrevi esta anotação, acabei vendo a seguinte observação sobre o disco da trilha do filme, no belo site AllMusic: <END> Além dos vários temas compostos por Desplat para o filme, a trilha do filme de Ang Lee usa, como músicas incidentais, diversas canções ocidentais dos anos 30, inclusive latino-americanas. <END> Para os fanáticos por cinema, há ainda a curiosidade de vermos velhos clássicos de Hollywood sendo exibidos na China pré-revolução comunista. <END> "Se minha geração não se conectar ao passado, quem vai fazer isso?" <END> O filme de Ang Lee se baseia numa história da escritora Eileen Chang, nascida em Xangai, em 1920, descendente de um político importante que foi próximo da última dinastia de imperadores chineses; ela que morreu em Los Angeles, em 1995. <END> "A história (criada por Eileen Chang) parece um turbilhão", diz Ang Lee. <END> Diversos depoimentos procuram nos explicar a importância das obras da escritora Eileen Chang, e em especial da história que originou o filme. <END> Um turbilhão de emoções pessoais, dentro do turbilhão da História <END> É uma fantástica história, a que une Yee, o alto funcionário traidor de sua pátria, torturador e assassino de seus compatriotas, e Wong Chia Chi, a garotinha que entrega toda a sua vida, de bandeja, à causa da luta contra os invasores estrangeiros e os chineses que os apóiam. <END> É, de fato, um turbilhão de emoções pessoais, num momento histórico de gigantesco turbilhão. <END> E Ang Lee tem talento suficiente para misturar tudo isso num caldeirão só, e nos apresentar tudo isso – o macro da Grande História e o micro das histórias pessoais – de uma forma impressionamente bela, comovente, emocionante. <END> Ao final, perceberemos que toda a história que Ang Lee nos conta neste filme se assemelha um tanto às matriochkas, aquelas bonecas típicas russas que são colocadas umas dentro das outras, da maior até a menor. <END> Um rápido retrospecto de uma carreira brilhante <END> Só para lembrar, bem rapidinho, um pouco da trajetória desse artista fantástico: nascido em Taiwan, em 1954 – apenas cinco anos, portanto, depois da vitória de Mao e da expulsão dos derrotados para a ilha de Formosa –, Ang Lee formou-se em artes em sua terra natal e prosseguiu os estudos já nos Estados Unidos. <END> Um Comentário <END> Também sou completamente deslumbrada pela competência e originalidade do trabalho de Ang Lee. <END> 2 Trackbacks <END> […] em Woodstock, o mais recente filme de Ang Lee – feito em 2009, dois anos depois do excepcional Desejo e Perigo – é uma absoluta delícia.É bem humorado, leve, suave, gostoso, agradável – um olhar, cheio […] <END> […] com centenas e centenas de figurantes, dezenas e dezenas de carros. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
O Turista / The Tourist <END> Anotação em 2011: <END> A ação se passa em Paris e Veneza, duas das cidades mais belas do mundo – e as tomadas de Veneza são deslumbrantes. <END> Para fazer os dois personagens centrais, juntaram, se não me engano pela primeira vez, dois dos maiores astros do cinemão comercial americano, Johnny Depp e Angelina Jolie. <END> O filme é uma diversãozinha razoável. <END> Mas o povo gosta. <END> Para mim, pessoalmente, O Turista serviu para constatar que Angelina Jolie parece hoje uma caricatura feita no Photoshop. <END> Angelina Jolie é uma espécie assim de Jessica Rabbit, a personagem de desenho animado de Uma Cilada para Roger Rabbit/Who Framed Roger Rabbit, que Robert Zemeckis fez em 1988 – sem as curvas voluptuosas do corpo da coelhinha, porque não tem curvas, tão magrela que parece anoréxica. <END> Uma caricatura criada no Photoshop. <END> Mas o povo adora. <END> Perseguições, tiros, grandes aventuras, um jogo de esconde-esconde <END> Quando a ação começa, aquele fenômeno de mulher – seu personagem se chama Elise Clifton-Ward – está saindo de um prédio de apartamentos chiquetérrimo em Paris, e metade de todos os espiões, agentes, arapongas do mundo está de olho nela. <END> Elisa queima a carta em cima de um prato e se levanta para ir embora do café. <END> Elisa pegará o trem para Veneza. <END> Para tornar mais curta uma trama longa, é o seguinte: <END> Elise, naturalmente, é a mulher da vida de Alexander. <END> A partir da chegada a Veneza, haverá perseguições, tiros, grandes aventuras, um jogo de esconde-esconde, um desfilar de riqueza, um fantástico (e, a rigor, bastante ridículo) baile de gala. <END> Angelina Jolie usa 12 vestidos diferentes! <END> O filme original, Anthony Zimmer – A Caçada, era estrelado por Sophie Marceau, Yvan Attal e Sami Frey. <END> E Johnny Depp é engraçadinho. <END> O filme teve três indicações ao Globo de Ouro, na categoria musical ou comédia: melhor filme, melhor ator para Johnny Depp, melhor atriz para Angelina Jolie. <END> Vejo no IMDb uma informação importante, fundamental para os destinos da humanidade: <END> Que os deuses permitam que Florian Henckel von Donnersmarck volte a usar seu talento para fazer bons filmes. <END> 6 Comentários <END> Bom, este aqui é daqueles que não vou ver e quase nem vale a pena explicar. <END> Estou com o José Luís e este filme eu tb vou passar. <END> O rosto de Johnny Depp está irreconhecível! <END> […] O xale, obviamente, é o de Chapeuzinho Vermelho, que aqui adquire tons de uma ladrazinha bem safada e comilona, e é interpretada por Lilla Crawford. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Dúvida / Doubt <END> Anotação em 2009: <END> É um filme sobre religião, educação, amor ao próximo, certeza e dúvida, sobre os julgamentos que fazemos sobre as pessoas e seus atos sem ter prova concreta de nada, sobre como boatos podem destruir vidas. <END> Para simplificar, vou usar como base da sinopse, no parágrafo abaixo, um texto feito pela própria Miramax, a produtora e distribuidora do filme, reproduzido no iMDB, acrescentando uma ou outra coisinha: <END> A ação se passa em 1964 – o espectador sabe a data porque bem no início do filme, no sermão do Padre Flynn, exatamente sobre certezas e dúvidas, ele se refere ao assassinato de John Kennedy, ocorrido no ano anterior. <END> Os tempos estavam mudando <END> O texto da Miramax diz "the winds of political change". <END> A luta pelos direitos civis, contra o fim do racismo até então institucionalizado nos Estados do Sul, estava no auge. <END> A Igreja velha e a Igreja renovada <END> O mundo mudava, os Estados Unidos mudavam – e a Igreja Católica Apostólica Romana, com seus 1960 anos de história, mudava, e muito. <END> Há uma cena em que a madre diretora, a personagem de Meryl Streep, diz à jovem Irmã James que ela deveria colocar o quadro com a foto do papa logo acima da lousa, e Irmã James diz "mas este não é o papa atual, é o velho", pois o quadro que a madre diretora segura é de Pio XII, o papa que havia morrido em 1958, deixando para sempre insepultas as suspeitas de que ou colaborou com o nazi-fascismo ou no mínimo, no mínimo, não teve postura claramente contrária a ele. <END> "Não importa o papa. <END> A irmã Aloysius, a madre diretora, é contra as canetas esferográficas, essa modernidade que segundo ela deixa os alunos preguiçosos. <END> Mais jovem que ela, em tudo mais arejado que ela, o padre Flynn fala em seus sermões dominicais da vida real das pessoas comuns; fala de dúvidas, de temores, como os que todos sentiram quando Kennedy foi assassinado: <END> A irmã Aloysius é a velha Igreja Católica do Deus barbudo, vingativo, que aponta o dedo para os pecadores. <END> Uma obra dedicada às freiras <END> O texto da peça escrito por John Patrick Shanley e tudo o que se fez a partir dele foram absolutos sucessos de crítica. <END> O próprio autor fez a adaptação da peça para o cinema, e dirigiu o filme – que também teria prêmios e indicações. <END> Ao final do filme, o diretor dedica a obra à Irmã James. <END> Se quiser ser universal, fale da sua aldeia, diz o mandamento. <END> Existiu, sim, uma Irmã James – e ainda existe; ela aparece nos especiais do DVD do filme. <END> Num dos especiais do DVD, há uma frase do autor e diretor que, na minha opinião, deveria estar no filme, nos créditos finais, logo depois que ele faz a homenagem à irmã James, sua professora da adolescência. <END> No meio da grande obra, uns errinhos bobos de ortografia <END> Autor de um texto brilhante, de um filme brilhante, profissional experiente, autor de 12 roteiros, John Patrick Shanley só havia dirigido um outro filme antes, Joe contra o Vulcão/Joe Versus the Volcano, de 1990, com Tom Hanks e Meg Ryan. <END> Num filme como este, perdoa-se facilmente o pecadinho. <END> Há informações curiosas sobre o filme no iMDB. <END> O iMDB diz também que Natalie Portman – a maravilhosa atriz que esbanja talento desde os 13 anos de idade, quando fez O Profissional/Léon/The Professional – recusou o papel da Irmã James. <END> De Meryl Streep e Philip Seymour Hoffman, nem é preciso falar. <END> A seqüência em que o Padre Flynn faz seu segundo sermão, o sobre a fofoca, a maldade que se espalha como um veneno que ninguém depois tem condições de aprisionar de volta, é de um brilho absoluto. <END> 8 Comentários <END> Gostei do filme, mas não muito. <END> Olá, Stella. <END> Na minha visão completamente leiga e descompromissada com o macro, foquei no micro. <END> Acho que isso acontece às vezes, dependendo do quanto e do quê conhecemos da vida, a leitura de qualquer coisa muda. <END> Nao creio que a intencao dos realizadorez tenha sido de mostrar uma freira maligna(como escreveu uma leitora num comentario) e sim representar um lado conservador da igreja e um certo misto de inveja e obssecao desta por parte do Padre Flin. <END> […] atrás, crispado, com prevenção contra o filme. <END> […] foi Julie & Julia, reunindo de novo Meryl Streep e Amy Adams (que haviam trabalhado juntas em Dúvida/Doubt, 2008). <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Três Homens e uma Noite Fria / Kolme viisasta miestä <END> Anotação em 2011: <END> Para deixar mais claro ainda o que quero dizer: faz tempo que já não me obrigo a ver filmes até o fim. <END> Com Três Homens e uma Noite Fria, não deu vontade de parar de ver. <END> Kaurismäki apresenta ao espectador os três homens do título logo nos primeiros minutos do filme, tomando o cuidado de botar um letreiro na tela com o nome de cada um deles. <END> E então o espectador é apresentado a Erkki (Kari Heiskanen). <END> E finalmente há Rauno (Timo Torikka), recém-chegado de Paris, que se instala num quarto de hotel e liga para o filho, Tero (Tommi Eronen), um jovem de 20 e tantos anos. <END> Três velhos conhecidos, nada sábios, e uma mulher desconhecida <END> Os três homens assim apresentados ao espectador, veremos então que eles se conhecem há muito tempo. <END> Demora muito para que a conversa dos três homens toque alguma coisa que tenha de fato a ver com a vida deles, seus sentimentos verdadeiros. <END> E isso é fascinante, porque é o espelho límpido do que acontece entre homens, quando homens se encontram. <END> A velha, velhíssima incapacidade masculina de abrir o coração <END> Ao longo do papo-furado enorme que precede o momento em que as verdades começarão a aflorar, tive a sensação de que o diretor Kaurismäki deixou seus experientes atores improvisarem, irem falando o que bem entendessem, dentro de alguns pontos básicos das características de cada um – Matti é policial, Erkki é fotógrafo, Rauno é ator, por exemplo. <END> Verdade que os três atores são estupendos. <END> Tá bom – mas e daí? <END> Ao fim e ao cabo, a gente se pergunta: tá, mas e daí? <END> Sei lá eu. <END> Talvez seja a maneira finlandesa de se fazer um conto de Natal. <END> Ao fim e ao cabo, Mary pensou um pouquinho e concluiu que talvez a gente tenha sorte por ter nascido em país tropical, miserável, terceiro-mundo. <END> Talvez por isso o diretor Mika Kaurisnäki goste tanto do Brasil. <END> Bem no início do filme, quando Rauno sai do hotel para ir até o hospital onde estão seu filho e sua ex-mulher, ele se assusta com o frio e exclama: – "Isso aqui é o Pólo Norte!" <END> Kauriskmäki alterna seu tempo entre a gélida Finlândia e este país tropical abençoado por Deus (e amaldiçoado por tantos, tantos males, tanta roubalheira, tanto embuste, tantos sarneys, lulas, tantos mensalões, tantos PACs, trens-balas, belos montes). <END> Pode ser que o fato de estar vivendo desde o início dos anos 90 no Rio de Janeiro o tenha deixado mais alegre, mais solto, mais descompromissado. <END> 5 Comentários <END> Eu tinha me dito que não ia comentar este post, estou ficando muito espaçosa, não tenho intenção de ver o filme (talvez o documentário Brasileirinho se eu econtrasse já que adoro choro)e não entendo nada sobre a Finlândia..mas preciso dizer que adorei ler uma crítica sobre um filme que apresenta o brilhante: " E daí? <END> Mas, Luciana, caríssima, o que eu poderia dizer, a não ser a verdade dos fatos, que é simplesmente que sei lá eu? <END> "Para deixar mais claro ainda o que quero dizer: faz tempo que já não me obrigo a ver filmes até o fim. <END> Ah e a propósito, esse "E daí? <END> […] toma banho de mar nua à noite.
Dave – Presidente por um Dia / Dave <END> Anotação em 2011: <END> Mudou o mundo, mudei eu – ou apenas foi o fato de ter revisto agora num fim de madrugada? <END> Muito provavelmente a alternativa certa, como nos vestibulares de antigamente, é a e), todas as alternativas anteriores. <END> Lembrando: um fictício presidente americano, Bill Mitchell, sujeito ruim, como normalmente se entende que são todos os políticos, tem um derrame durante uma trepada com uma de suas muitas amantes ocasionais. <END> O falso presidente, o presidente fajuto, um títere dos dois velhacos assessores, vai, com suas aparições, em que parece humano, sensível, gente como a gente, conquistando as simpatias de todos – dos grandes comentaristas de política às pessoas comuns, os eleitores. <END> Na TV, os comentaristas se perguntam o que teria acontecido para que o presidente mudassse tanto. <END> O falso presidente se apaixona pelo mulherão do presidente verdadeiro <END> E tem a primeira-dama, Ellen, que vem na pele, no corpo alto que não acaba nunca e no rosto forte e lindo de Sigourney Weaver, mulher que extermina alien gosmento num piscar de olhos. <END> Dave, o falso presidente, por sua vez, faz o que qualquer homem normal faria: baba, cai de quatro diante daquele mulherão, aquela deusa. <END> Mais adiante, novo compromisso externo em que presidente e primeira-dama devem aparecer juntos. <END> Mas o tal projeto de espalhar centros sociais país afora é vetado pelos assessores malvados, que na prática são os que tomam todas as decisões. <END> Diante da notícia do veto, Ellen confronta o falso marido, dá-lhe uma dura. <END> E então Dave, o sósia do presidente, o sujeito comum, normal, legalzinho, que era pra ser apenas um fantoche dos assessores malvados, resolve tomar para si a tarefa de fazer cortes em outros itens do orçamento nacional, para poder aprovar o projeto social caro à primeira-dama, e que beneficiaria milhões de pessoas desamparadas país afora. <END> O cineasta que destilou o veneno do otimismo nos anos negros da Depressão <END> Então: um filme fascinantemente à la Capra, delicioso, pra frente? <END> Frank Capra (1897-1991), um dos cineastas mais fascinantes da História, um humanista renitente, persistente, incansável, destilou, durante os anos negros da Grande Depressão, o veneno do otimismo e da solidariedade para centenas de milhares de pessoas desencorajadas, sem emprego, sem comida, sem teto. <END> No evangelho segundo Frank Capra, estar desencorajado, desanimado, desesperançado, é pior do que estar doente; precisar da ajuda dos outros é um dom, uma dádiva. <END> "Por que as coisas não são simples assim?" <END> Tá, mas e aí? <END> Muito provavelmente, acho eu, este filme aqui é as duas coisas ao mesmo tempo. <END> Leonard Maltin, o autor do guia de filmes mais vendido no mundo, deu 3 estrelas em 4: <END> A opinião de Roger Ebert, um crítico que ama os filmes que vê: <END> O garoto Jason Reitman, hoje bom diretor, faz pequeno papel <END> Vejo no IMDb diversas informações saborosas sobre o filme. <END> . Para os papéis (brevíssimos, de apenas umas poucas tomadas) da mulher e do filho do vice-presidente Nance (interpretado pelo grande Ben Kingsley), o diretor Ivan Reitman fez economia: botou sua mulher, Genevieve Robert, e seu filho, Jason Reitman, então com 16 anos. <END> . Ivan Reitman pode ser menos talentoso que o filho, e está mais distante de Frank Capra que o Corinthians de um título na Libertadores, mas bobo não é: este aqui foi seu terceiro filme com Sigourney Weaver, depois dos dois Os Caça-Fantasmas/Ghostbusters. <END> . Consta que o papel de Dave foi recusado por Warren Beatty e Kevin Costner. <END> . O presidente americano na época do lançamento do filme era Bill Clinton. <END> . O nome completo do presidente fictício do filme é William Harrison Mitchell; não é mera coincidência, e sim uma brincadeira do roteirista. <END> . Pelo menos dois senadores de verdade aparecem no filme fazendo papel de si mesmos – Christopher Dodd e Tom Harkin. <END> . Os apresentadores de TV Larry King e Jay Leno são alguns dos nomes da imprensa americana a fazerem papel de si mesmos no filme. <END> Capra e o anjo Clarence devem ter se divertido <END> Então, para encerrar: é um filminho bem naïf – e ao mesmo tempo gostosamente capriano. <END> E, como diz Roger Ebert, por que as coisas na verdade não são simples como poderiam, ou deveriam ser? <END> 3 Comentários <END> Eu sou da turma do Capra. <END> 7 Trackbacks <END> […] americano, da Casa Branca, usando tons de fantasia, de irrealidade, de sátira, de romance – Dave, Presidente por um Dia, Mera Coincidência/Wag the Dog, Meu Querido Presidente/The American President, Sete Dias em Maio […] <END> […] Fez alguns filmes divertidos, interessantes, como Os Caça-Fantasmas/Ghostbusters, de 1984, e Dave – Presidente por um Dia/Dave, de 1993. <END> […] A Vida Imita a Morte, de Jon Amiel, um marido que além de infiel é presidente da República em Dave – Presidente por um Dia, de novo de Ivan Reitman, e a ambição desmedida das grandes corporações e todos os perigos de […] <END> […] Tira no Jardim de Infância/Kindergarten Cop, de 1990). <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Memória de Quem Fica / 18-j <END> Anotação em 2006, com complemento em 2008: <END> Cada esquete tem um estilo próprio. <END> Há curta-metragens de ação – pequenas histórias com princípio, meio e fim. <END> Impressiona também a quantidade de diretores. <END> E impressiona também a capacidade de organização, de mobilização das comunidades judaicas ao redor do mundo. <END> Para lembrar: o ataque terrorista ao prédio da AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina), às 9h15 da manhã de 18 de julho de 1994, foi o pior da história argentina. <END> 2 Trackbacks <END> […] uma beleza de safra que já trouxe os ótimos O Filho da Noiva, Lugares Comuns, O Abraço Partido, Memória de Quem Fica/18-j, Conversando com Mamãe, Clube da Lua/La Luna de Avellaneda.
A Teoria do Amor / I.Q. <END> Anotação em 1996: <END> A história gira em torno da sobrinha de Albert Einstein (ele interpretado com brilho puro e beleza de sotaque alemão pelo velho Walter Matthau, ela pela gracinha de Meg Ryan), uma matemática, toda envolvida com a vida acadêmica e noiva de um psicólogo comportamental absolutamente babaca (interpretado pelo ator que faz o Peter em Para o Resto de Nossas Vidas/Peter's Friends, Stephen Fry). <END> A matemática conhece acidentalmente um jovem mecânico que mal terminou o colegial, apesar de ser extremamente inteligente (Tim Robbins, perfeito como o sujeito meio bobo, num papel semelhante ao que ele fez também em Sorte no Amor). <END> Tio Albert Einstein e seus três amigos físicos (impagáveis, os três) fazem de tudo para que ela se apaixone pelo mecânico. <END> Um Comentário <END> A teoria do amor anotação de 1996?
A Dama de Negro / Park Row <END> Anotação em 2000: <END> Todos os clichês sobre o jornalismo estão reunidos aqui – o que torna o filme, apesar de horroroso, uma interessante peça de museu. <END> O que faz o endeusamento cego de alguns nomes. <END> Depois de fazer a anotação, fui checar e não deu outra.
Escola de Sereias / Bathing Beauty <END> Escola de Sereias, no original Bathing Beauty, é um horror, um pavor. <END> Fiquei pensando, enquanto via o filme: que Gilda, que nada! <END> Esther Williams não chega a ser propriamente muito bonita. <END> Os coreógrafos tinham que inventar bailados dentro da piscina, com algumas dezenas de mulheres em nado sincronizado, em torno dela, a estrela, a atração principal. <END> Esther Jane Williams (1921-2013), America's Mermaid, a Sereia da América, começou a nadar bem cedo, e já na adolescência era um fenômeno do esporte. <END> Era para ser um veículo para o comediante Red Skelton, então no auge da fama. <END> Quando a moda dos musicais aquáticos passou, tornou-se mulher de negócios <END> Ao longo dos 11 anos seguintes, Esther Williams nadaria em 18 filmes. <END> O primeiro dos filmes de 1952, A Rainha do Mar, no original é Million Dollar Mermaid. <END> A MGM construiu especialmente para ela uma grande piscina, totalmente equipada, no estúdio 30. <END> Mas toda moda passa, e a moda de filmes com bailados aquáticos passou. <END> Abandonou o cinema depois de La Fuente Mágica (1963), dirigida por seu então marido Fernando Lamas (o terceiro de quatro), mas não se aposentou. <END> De fato, nunca houve mulher como Esther Williams. <END> 14 ou 16 mãos trabalharam para criar a história – e mal conseguiram <END> Argumento e roteiro de Escola de Sereias/Bathing Beauty levam a assinatura nada menos de sete pessoas, algo que não é nada comum no cinema de Hollywood. <END> Sete ou oito cérebros, 14 ou 16 mãos – e o que saiu dali dificilmente pode ser considerado uma história, uma trama. <END> É isso: o filme é uma junção de esquetes, quadros, pequenos episódios – sendo que vários deles são números musicais. <END> Uma das muitas delícias desta fantástica peça de museu é o fato de apresentar diversas músicas latino-americanas. <END> * "Te quiero dijiste", com Carlos Ramírez e a orquestra de Xavier Cugat; <END> * "Bim, Bam, Bum", com Lina Romay e a orquestra de Xavier Cugat; <END> * "Alma llanera", com Lina Romay e a orquestra de Xavier Cugat; <END> * "Mucho Mucho Mucho", com Luís Mariano; <END> E, lá pelas tantas, a tecladista Ethel Smith ataca de "Tico-tico no fubá", de Zequinha de Abreu! <END> É uma absoluta delícia ver aquele bando de americanas se divertindo ao tocar e ouvir a melodia brasileiríssima. <END> Aliás, bem na abertura do filme surge uma cantora – acompanhada por Xavier Cugat – fazendo o que me pareceu uma imitação de Carmen Miranda. <END> Mocinho e mocinha vão se casar – mas uma mentira estraga tudo <END> Red Skelton (1913-1997) faz o papel de Steve Elliot, um compositor famoso, requisitadíssimo, autor de sucessos nos musicais da Broadway. <END> Caroline é professora de natação em um grande colégio para moças de New Jersey; passava férias na Califórnia. <END> Mas George Adams, o produtor, está convencido de que, casando-se com a bela e atlética Caroline, Steve negligenciará seus deveres de compositor. <END> Caroline acredita na história boba e frouxa, promete a si mesma que anulará o casamento e volta para a rígida escola de moças. <END> Isso acontece nos primeiros 10, 15 minutos de filme. <END> Esther Williams nada e dança na piscina no inicinho e na longa sequência final. <END> Red Skelton foi um nome gigantesco no show business americano. <END> Era, repito, 1944, 15 anos antes de Billy Wilder botar Tony Curtis e Jack Lemmon travestidos de mulher na obra-prima Quanto Mais Quente Melhor/Some Like it Hot, de 1959. <END> Não que Red Skelton tenha sido o primeiro ator americano a aparecer vestido de mulher. <END> Mas, mesmo sem ter sido o primeiro ator a aparecer travestido, Red Skelton se mostra um sujeito corajoso. <END> Deixei para mencionar depois o nome do ator que faz o papel de George Adams, o produtor musical que, ao atrapalhar o casamento da dupla principal, dá o mote para que a história exista – se é que se pode dizer que isso é uma história. <END> É Basil Rathbone (1892-1967), o ator nascido na África do Sul que, entre 1939 e 1946, interpretou Sherlock Holmes em uma série de 14 filmes. <END> "Roteiro bobo, mas com um final aquático espetacular" <END> Leonard Maltin deu ao filme 2.5 estrelas em 5: <END> Pô: concordo com tudo o que Maltin disse. <END> Pauline Kael diz que Esther Williams, que parecia mais garotinha até mesmo do que Doris Day, tinha uma contribuição a dar aos filmes – seu maravilhoso corpo atlético –, e por dez anos a MGM fez tudo por ele, mostrando-a de maiô e esperando que a audiência sentisse arrepios. <END> Até que pegou leve dessa vez, a dona Kael. <END> Este Escola de Sereias estava disponível no Now da Net em novembro de 2015, assim como A Filha de Netuno, que também tem no elenco Red Skelton e Xavier Cugat. <END> 5 Comentários <END> Boa resenha e sem dúvida que concordo com o que o Sérgio disse, embora eu goste do filme. <END> Pelo seu texto o filme parece mesmo uma peça de museu. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Quatro Casamentos e um Funeral / Four Weddings and a Funeral <END> Foi um baita prazer rever Quatro Casamentos e um Funeral. <END> É a perfeição. <END> Uma beleza de história, um roteiro redondinho, personagens bem construídos, interessantes. <END> E que elenco! <END> Certamente há muita gente que não concorde comigo, e então vou ver outras opiniões já. <END> Fico curioso para ver a sinopse do Cinéguide, o guia francês que consegue fazer as sinopses mais sintéticas que há. <END> Diz ele, sobre Quatre Marriages et un Enterrement: <END> Ahnn.. Conciso, sim, mas não tão acurado assim. <END> Vejamos o Guide des Films do mestre Jean Tulard. <END> "Charles, um sedutor irresistível, vai de casamento a casamento. <END> Leonard Maltin, o autor do guia de filmes mais vendido no mundo, deu 3 estrelas em 4: <END> Cada cabeça, uma sentença. <END> Revimos o filme poucos dias depois da morte de Ebert, um crítico que admiro faz muito tempo. <END> "Quatro Casamentos e um Funeral, delicioso e que chegou de surpresa, é uma comédia sobre pessoas que parecem viver suas vidas em público, indo a cerimônias de casamento. <END> "Carrie, interpretada por Andie MacDowell, é uma dessas mulheres que não são tão seguras quanto parecem. <END> "O flerte começa na primeira cerimônia, e seu romance é consumado durante a celebração que se segue ao segundo. <END> (Hum… aqui o grande Ebert comete um pequeno equívoco. <END> "Ela toma a dianteira, porque Charles é reticente demais para dizer claramente o que ele de fato sente – nem mesmo se a felicidade de sua vida dependesse disso. <END> "Enquanto Charles e Carrie se apaixonam, o filme nos introduz a vários dos outros membros da multidão. <END> "Outros frequentadores das cerimônias incluem Henrietta (Anna Chancellor), que costumava sair com Charles e agora gostaria de voltar a sair com ele de novo. <END> (Aqui Ebert cometeu outro equívoco. <END> "Hugh Grant, o astro do filme, tem estado em um monte de outros, mas este pode ser aquele que o tornou familiar às audiências americanas. <END> "Como Peter's Friends de Kenneth Branagh, este filme forma uma comunidade que eventualmente nos envolve. <END> Eis aqui uma série de personagens gostosos, interessantes <END> Quanto ao que ele diz no primeiro parágrafo – a coisa de não mostrar o que os personagens fazem, qual é a profissão de cada um –, acho que é tudo absolutamente proposital. <END> Ebert deixou de falar de alguns personagens que são deliciosos, fascinantes: <END> * Fiona (o papel de Kristin Scott Thomas) é um fascínio. <END> * Gareth (Simon Callow) tem uma união estável com Matthew (John Hannah, os dois na foto). <END> * Tom (James Fleet) é o mais rico de toda a turma – que só tem gente rica ou classe média alta. <END> * David (David Bower) é o irmão mais jovem de Charles. <END> * Scarlett (Charlotte Coleman) é a hippie do grupo. <END> Para lembrar uma meia dúzia de seqüências deliciosas, antológicas <END> Algumas seqüências especialmente fascinantes num filme que tem 117 minutos de fascínio: <END> * A seqüência do segundo casamento na igreja, em que o padre novato (interpretado por Rowan Atkinson, o Mr. Bean, na foto abaixo), nervoso, sem jeito, troca palavras o tempo todo, para o desconforto dos noivos e da audiência. <END> * O momento, no segundo casamento, em Charles se senta à mesa para o jantar. <END> * A sequência no pub-hospedaria do interior, após o final da longa festa do primeiro casamento. <END> * O encontro casual de Charles com Carrie, no único sábado mostrado no filme em que não há um casamento. <END> * Ela em seguida pede que ele a acompanhe até a loja em que vai provar alguns vestidos de noiva. <END> * Depois os dois vão para um bar, onde Charles pergunta sobre seus namorados, os homens com quem transou, e ela vai enumerando um por um, dando números a cada um. <END> * Vão em seguida encontrar com David, com quem Charles tinha um encontro para o qual estava atrasadíssimo. <END> * Carrie se despede dos irmãos, e sai de cena. <END> – "Ehm, veja. <END> A sequência do enterro é de uma rara beleza, e o poema de Auden é magnífico <END> Como se fosse uma peça em cinco atos, há, como o título antecipa, um enterro. <END> É de fazer chorar um frade de pedra. <END> Algumas informações saborosas, muitas delas retiradas do IMDb: <END> * Em sequências que não foram aproveitadas na versão final, de 117 minutos (que passam com a rapidez de um raio), ficamos sabendo que Charles, Matthew e Fiona foram colegas na universidade; Gareth dava palestras na universidade, até ser dispensado por ter escrito um ensaio chamado "King Lear: <END> * O orçamento do filme era tão pequeno, em termos de Inglaterra (o equivalente a US$ 4,4 milhões, segundo o Box Office Mojo), que o casamento na Escócia, o terceiro, não foi filmado na Escócia, e os extras tiveram que levar suas próprias roupas para as cenas. <END> * O filme arrecadou cerca de US$ 245 milhões. <END> * Foi o primeiro filme inglês, depois de Um Peixe Chamado Wanda, a figurar no alto da lista dos mais vistos nos Estados Unidos. <END> * As filmagens duraram apenas 35 dias. <END> * Melanie Griffith e Brooke Shields recusaram o papel de Carrie. <END> * Andie MacDowell – que, graças às musas inspiradoras do cinema, acabou sendo escolhida para o papel – preferiu receber uma porcentagem da bilheteria, em vez de um salário fixo. <END> * Hugh Grant também não foi a primeira escolha dos produtores. <END> * David Bower, que faz o irmão surdo e mudo de Charles, é surdo na vida real, e domina a linguagem de sinais. <END> * Rowan Atkinson ainda não tinha a imensa popularidade que passaria a ter depois, interpretando diversos filmes como o atrapalhado Mr. Bean. <END> * Consta também o autor e roteirista Richard Curtis teve a idéia de escrever a história ao folhear seus diários e verificar que tinha ido a 72 cerimônias de casamento ao longo de dez anos. <END> * Foi o primeiro filme britânico a ganhar o César, o Oscar francês. <END> * Teve duas indicações ao Oscar – melhor filme e melhor roteiro original. <END> * No total, ganhou 24 prêmios e teve outras 18 indicações. <END> Então, para concluir: <END> O melhor cinema que se faz hoje no mundo, tenho certeza disso, é o feito naquelas ilhotas à esquerda do continente europeu. <END> 7 Comentários <END> Demorou uns 15 anos pra eu ver o tão falado "Quatro Casamentos e um Funeral". <END> Sérgio, Esse filme é o responsável por eu ainda nutrir esperanças em relação às comédias românticas. <END> Tenho que recomendar "100 Films and a Funeral (2007)" (http://www.imdb.com/title/tt0820013/), documentário que trata justamente da curta existência da Polygram Filmed Entertainment, produtora responsável por este e vários filmes sensacionais dos anos 90. <END> Pela primeira vez, vou comentar só um pouquinho do filme antes de ler seu artigo. <END> Oi Sérgio. <END> De fato, Andie MacDowell anda sumida. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Guerra ao Terror / The Hurt Locker <END> Anotação em 2010: <END> E, de fato, são duas imensas façanhas. <END> Mas o filme é muito mais do que isso, muito mais que o grande ganhador de Oscars bem no ano de Avatar. <END> É, sobretudo, um filme extraordinário, dos melhores filmes sobre guerra que já foram feitos. <END> Para mim, pessoalmente, ele soou como o filme que demonstra que a loucura sempre pode ser maior do que imaginamos. <END> Duas porradas de Mike Tyson e a loucura elevada ao quadrado <END> Em 1988, me senti obrigado a escrever sobre Nascido para Matar/Full Metal Jacket, de Stanley Kubrick, outro dos melhores filmes sobre guerra que já foram feitos. <END> O filme de Kubrick é assim uma espécie de concerto – ou talvez uma peça de câmara, uma sonata. <END> Ao final do primeiro e do terceiro movimentos, Kubrick nos presenteia com uma porrada na cara, um chute no estômago. <END> Vai daí que escrevi, na revista Afinal que Nascido para Matar é "algo como subir a um ringue para lutar contra Mike Tyson, e ser nocauteado duas vezes". <END> Lembrei dessa história depois de ver o filme de Kathryn Bigelow, porque, para mim, The Hurt Locker demonstra que a loucura pode ser elevada ao quadrado. <END> Já se escreveu demais sobre o filme <END> Repito o que já disse aqui algumas vezes: me dá uma grande canseira comentar filmes sobre os quais todo mundo já falou demais. <END> Já se escreveu sobre The Hurt Locker possivelmente quase tanto quanto sobre A Divina Comédia, ou Guerra e Paz – então vamos acabar com esta anotação o mais rapidamente que for possível. <END> É tudo bem feitíssimo. <END> É brilhante a idéia de usar atores mais conhecidos – o inglês de nascimento criado na Austrália Guy Pearce, o excepcional inglês Ralph Fiennes, o americano de Massachussetts David Morse – como convidados especiais, em papéis bem pequenos, que não ocupam mais de dez minutos de ação. <END> É estranho o fato de o filme ter obtido o Oscar de roteiro original quando se sabe que não houve propriamente um roteiro – filmaram um monte de coisas, um absurdo total de 200 horas, e depois decidiram o que fazer com aquilo tudo. <END> Se você ainda não viu o filme, não leia a partir de agora <END> Durante, digamos, 126 dos 131 de duração, me pareceu que o filme era dos mais legítimos estandartes contra a guerra, todas as guerras, a idéia de guerra. <END> Apavorado, chocado, em pânico, recorri ao meu amigo Elói Gertel, fã de filmes de guerra, fã de James Cameron e de Kathryn Bigelow, que havia gostado do filme, e que havia me relembrado que o tema básico, a história de homens encarregados da insana tarefa de desarmar bombas, já havia sido abordado em três outros filmes: <END> A resposta dele foi: <END> De fato. <END> Seis Oscars, 73 outros prêmios <END> Estes foram os seis Oscars que o filme ganhou: melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original, melhor montagem, melhor som, melhor montagem de som. <END> Foi o primeiro filme de guerra a ganhar o Oscar de melhor filme desde O Paciente Inglês, de Anthony Minghella, de 1996. <END> Além dos Oscars, o filme ganhou 73 outros prêmios – inclusive o Bafta e o prêmio do sindicato dos diretores para Kathryn Bigelow, e teve outras 47 indicações. <END> E, sim, é necessário registrar: literalmente, "the hurt locker" seria algo como armário dos feridos, baú dos feridos, compartimento dos feridos. <END> 4 Comentários <END> Muito obrigado pela correção! <END> […] opinião é de que é um filme em tudo superior ao tão endeusado e oscarizado Guerra ao Terror/The Hurt Locker, de Kathryn Bigelow, de 2008.
Uma Simples Formalidade / Una Pura Formalità / Une Pure Formalité <END> Complemento de anotação em 2011: <END> Esta é a sinopse do Cinéguide francês sobre o filme de Giuseppe Tornatore de 1994. <END> Eis agora a sinopse de Leonard Maltin, no Movie Guide, o guia de filmes mais vendido no mundo: <END> "O inspetor de polícia Polanski, investigando um assassinato que acaba de acontecer, interroga o mundialmente famoso escritor Depardieu, que não consegue se lembrar o que estivera fazendo naquela tarde. <END> Eis ainda uma terceira sinopse, de autoria de Tad Dibbern, que está no IMDB: <END> "Onoff é um famoso escritor que não publica livro novo faz algum tempo, e se transformou numa pessoa reclusa. <END> Estou apresentando essas três sinopses antes de transcrever minha própria anotação, feita em 1997, assim que terminei de ver o filme pela primeira e única vez. <END> Agressividade dos comentários à parte, de fato eu não tinha entendido o que o diretor Tornatore quis dizer em seu filme. <END> Novos comentários vieram, alguns bastante mais educados do que os primeiros, como os do professor Wilson Garcia, do Recife. <END> Eis aí o que escrevi em 1997. <END> Anotação em 1997: <END> E, no entanto, o final é um tanto decepcionante; o filme perde o fôlego, fica confuso, não desata os nós – pelo menos foi a sensação que tive nesta primeira vez. <END> A idéia central: a confrontação de dois homens dentro de uma delegacia de polícia, o representante do Estado, a autoridade, e o suspeito de um crime, e as disputas pelo poder que nascem daí, as inversões do mando de jogo quando se descobre que o suspeito não é um homem comum, e sim uma figura ilustre, importante, respeitada na sociedade. <END> A abertura do filme é brilhantíssima. <END> A primeira imagem que temos, assim, é do homem indefeso diante da máquina do Estado, um homem molhado até os ossos, a quem não dão o direito de tomar um banho, botar uma roupa seca, e que fica à espera da chegada, nunca se sabe quando, da autoridade, o comissário de Polícia, interpretado por Polanski, brilhantíssimo. <END> Começa o interrogatório; o preso diz que se chama Onoff, e o comissário diz que então se chama Leonardo da Vinci. <END> E então temos a segunda imagem – a autoridade se curvando diante da pessoa importante. <END> Acontece que, embora com reverência, o comissário continua a fazer perguntas – e o preso entra em contradições, não sabe responder a questões básicas. <END> O espectador vê fragmentos de imagens que passam rapidamente pela cabeça do preso; ou ele de fato teve uma amnésia parcial, e não sabe o que aconteceu durante três horas daquela noite, ou está escondendo fatos da autoridade. <END> Tudo isso é muito bem contado; Tornatore cria com brilhantismo um clima caustrofóbico, de demência, de insanidade. <END> A partir daí é que Tornatore perde a mão, eu acho. <END> Complemento em novembro de 2009: <END> Tornatore não perdeu a mão. <END> COmo disse ocolega Carlos, On Off é uma puta sacada…e é muito bom saber que tem genet que não entende o filme de primeira…é sinal que é bom de mais e não segue os passos dos blockbusters…AO caro colega q não entendeu, digo,,,,veja novamente e leve em consideração dicas postadas aqui..verá q o filme é fantático….( não contamos o fim, apenas damos dicas para não estragar a surpresa) <END> Conforme já foi comentado por outros aqui, o crime que Onoff cometeu foi o seu próprio suicídio e ele já estava desligado da vida material quando chegou à delegacia. <END> Mas credo em cruz, Kathren, não precisava de tanta agressividade. <END> Sou Wilson Garcia e encontrei o seu site quando procurava pelo Google informações sobre o filme "Uma simples formalidade". <END> Olá, Wilson. <END> Olá Sérgio. <END> pois é, parece que o "trabalho" do comissário era convencer o cara de que ele morreu/se suicidou. da pra perceber que o carro em que ele parte no final desce por um vale, o que me pareceu alusão ao vale dos suicidas.. <END> Antes de tudo, está de parabéns o blogueiro pela humildade. <END> Quanto ao filme, uma belíssima obra de arte (assisti ao original em francês, sem dublagem, Une Pure Formalité, com legendas, óbv, rs), fotografia bela, diálogos e texto riquíssimos, e atuações espetaculares do Polanski e Depardieu, especialmente deste último. <END> Basta reassistir o filme com essa ótica que tudo fica MUITO claro, os diálogos, as expressões dos atores, etc. <END> É um filme na linha Os Outros, Sexto Sentido, Ilha do Medo, etc, mas MUITO mais profundo e mais rico – embora menos tenso. <END> *** Apenas mais uma observação: você comentou que o Depardieu e o Polanski estavam dublados para o italiano. <END> Cara Vanda, Muito obrigado pelas suas duas mensagens. <END> assisto este filme repetidamente a vários anos, na época meu ex disse ser loucura de imaginar um filme sobrenatural, indagar acontecimentos pós morte, fiquei feliz, depois de tantos, ver pessoas q compartilham da minha análise. a folha lançou uma vez fita vejam se , já lançaram em dvd. <END> concordo com o sérgio que o filme tem passagens confusas. eu jamais tinha entendido que o filme trata de um morto que nao sabe que morreu. <END> Adorei ter lido a crítica e todos os comentários feitos, DEPOIS de ter visto o filme, porque, assim como o crítico, eu também não tinha entendido o filme. <END> entendo o filme como o purgatório pós suicídio, mas tem uma cena do Polanski tirando a arma do plastico e vendo a arma com seis balas no tambor, essa é uma dúvida q fica na minha cabeça qnto ao suicídio, onde estaria a bala, pq tornatore fez essa cena se qria justificar o suicídio no sentido da delegacia enquanto o purgatório, entendi o filme de prima como de fato o purgatório, mas a cena da arma com 6 balas no tambor me deixou encasquetado, mesmo com dialogo no final referente a nova alma q se encontra bebendo leite na delega. <END> É um filme excelente, há muito tempo atrás ja havia assistido em VHS mais de uma vez, hj revi de novo pois consegui baixar, não se acha o filme em DVD. não havia tido essa interpretação espírita, talvez o filme tenha várias interpretações, essa do suícidio é uma outra visão e alguns fatos talvez levem a esse, analisando agora a partir desses comentários, mas não sei, tem esse comentário do Pablo Treuffar, o sonho que Onoff tem qdo acorda na delegacia " Paola, tive um sonho sonhei que tinha matado meu editor…" Acho que esse final intrigante e discutivel que nos faz pensar sobre o filme por tanto tempo. <END> Carissimo realmente o filme para quem não conhece a doutrina espirita é intrigante e sem nexo. <END> Interpretações magistrais de Polanski e Depardieu. <END> "Relações de poder" e "espiritismo". <END> 2 Trackbacks <END> […] com tudo mundo; eu, que estou a muitos anos-luz de ser um Roger Ebert, não entendi, por exemplo, um filme de Giuseppe Tornatore – e já me malharam várias vezes por isso.
Mistério na Neve / Smilla's Sense of Snow <END> Resenha para a Agência Estado, em 1997: <END> Dinamarquês, ganhador de duas Palmas de Ouro em Cannes, a quem o mestre Ingmar Bergman confiou a tarefa de dirigir um filme sobre a vida de seus pais, baseado em roteiro dele mesmo (As Melhores Intenções), Bille August desta vez se meteu no mundo dos policiais, dos thrillers. <END> A cena – nos avisa uma legenda logo de cara – se passa na última década do século XIX. <END> O segundo ponto excepcional desse filme é exatamente o personagem de Smilla, que o escritor (também dinamarquês) Peter Hoeg, o diretor Bille August e a atriz Julia Ormond criaram. <END> Smilla é um personagem absolutamente fascinante, que vai se revelando aos poucos, enquanto se desenrola a trama intrincada, complexa, que vai unir aquele cataclisma acontecido no século passado na Groenlândia à morte de um garotinho que mora no mesmo prédio que Smilla.
A Escandinávia tem se mostrado pródiga em belos livros e filmes de suspense, mistério, histórias policiais, thrillers. <END> Esse Pål Sletaune, do mesmo ano de Jo Nesbø, poderia perfeitamente ter escolhido a carreira de escritor – é autor de quatro roteiros originais. <END> Pelo que mostra neste Babycall, tem imaginação, capacidade, talento para contar histórias. <END> Babycall é o título original do filme – assim, com a expressão em inglês. <END> Um terror que não vem de outro mundo, e sim de dentro da cabeça <END> É uma história de suspense, quase terror, daquele tipo em que o terror é psicológico. <END> Essa cabeça que, como dizia o jovem Walter Franco, pode explodir. <END> Ou seja: está muito mais perto de O Inquilino e Repulsa ao Sexo de Polanski, O Iluminado de Kubrick, do que de Os Outros de Amenábar e O Sexto Sentido de M. Night Shyamalan. <END> Começa com a tela negra, enquanto ouvimos uma voz masculina chamar por Anna e perguntar onde está Anders. <END> A primeira imagem que se vê é um close-up de uma mulher aparentemente agonizante, caída no chão, sangue na boca, no nariz. <END> E em seguida volta-se no tempo. <END> A van a deixa diante de um gigantesco prédio de apartamentos. <END> Ela e o filho Anders (Vetle Qvenild Werring, na foto), garoto de oito anos, vão se instalar num apartamento do prédio enorme. <END> Para os padrões brasileiros, seria um prédio classe média média; para os padrões escandinavos, deve ser um conjunto "popular", simples, sem ostentação mas com conforto, limpo, bem cuidado. <END> Ao entrar no apartamento, Anna fecha todas as cortinas. <END> Anna tem no rosto uma permanente expressão de pavor, de um medo profundo. <END> O espectador fica torcendo por aquela mulher apavorada <END> A conta-gotas, bem pouco a pouco, através de diálogos não absolutamente explícitos, o espectador vai sabendo que o marido de Anna é violento, bateu nela e no filho. <END> O pavor de Anna é tamanho que ela a princípio não quer permitir que Anders freqüente escola; os agentes a convencem de que isso é impossível, o garoto tem que ir à escola. <END> O espectador se compadece daquela mulher apavorada, se simpatiza com ela, torce por ela. <END> Uma tomada indica que há ali algo mais estranho do que se pensava <END> Um funcionário da escola vai ao pátio para conversar com Anna. <END> Um homem sentado no ônibus percebe a aflição da mulher. <END> O homem se chama Helge (Kristoffer Joner), e trabalha como vendedor numa grande loja de departamentos, no setor de eletro-domésticos e eletrônicos. <END> Helge simpatiza com aquela mulher visivelmente transtornada. <END> No apartamento, Anna ouvirá choro de criança, súplica de criança, voz ameaçadora de adulto. <END> Anna volta à loja, conversa com Helge. <END> Quando a narrativa já está ali pela metade, há uma tomada que indica para o espectador que há algo ainda mais estranho do que tudo que havia sido mostrado antes. <END> A câmara faz close-ups do rosto de Noomi Rapace-Anna, e o espectador vê o pavor <END> A história é fascinante. <END> Babycall é um belo filme por causa da trama perturbadora, da maneira com que o diretor Pål Sletaune a relata – madura, sem efeitos fáceis, fogos de artifício –, e, sobretudo, pela interpretação extraordinária dessa jovem atriz. <END> Lisbeth Salander, a personagem criada pela imaginação desvairada de Stieg Larsson, é de fato extraordinária, completamente fora de série. <END> Ao ser levada para o cinema, Lisbeth Salander foi encarnada por duas atrizes igualmente fora de série, primeiro essa sueca Noomi Rapace, depois pela americana Rooney Mara. <END> Noomi Rapace está estrondosamente brilhante como essa Anna, essa mãe em permanente pavor, mãe abnegada que faz de tudo para proteger seu filho do monstro brutal que é o próprio pai dele. <END> Ela não é uma mulher de beleza esplendorosa – e isso ajuda. <END> O rapaz que se compadece de Anna pode não ser exatamente o que aparenta <END> Também Helge, o vendedor da loja que se aproxima da pobre Anna, é um personagem muito interessante, bem construído e bem interpretado por Kristoffer Joner. <END> Em ações paralelas à história de Anna, vemos que a mãe de Helge está em estado vegetativo em um hospital. <END> No final da narrativa, haverá uma surpreendente revelação sobre Helge. <END> São muito loucos, esses escandinavos <END> Há muito tempo venho vendo filmes no DVD ou gravados no HD do cabo, de tal forma que me habituei a dar rewind, voltar atrás para ver de novo uma sequência, um detalhe, uma frase, uma expressão, um movimento de câmara. <END> Revimos o início do filme logo em seguida. <END> Conforto material demais, sol de menos. <END> 2 Comentários <END> Sérgio, fiquei muito confusa, mas por agora não tenho paciência para revê-lo.(mea culpa). <END> Caríssima Maria Teresa, você não falou nenhuma bobagem. <END> De qualquer forma, aí vai a forma com que eu entendi:
Dizem que é Pecado / People Will Talk <END> Anotação em 2007, com complemento em 2008: <END> Aqui, Cary Grant faz o papel um médico absolutamente especial, anticonvencional, talvez como todos devessem ser, em cuja clínica, por exemplo, as pessoas comem a hora que quiserem (e não na hora que as enfermeiras determinam). <END> Paralelamente, o médico se apaixona por uma jovem solteira que está grávida (epa: outro tema muito adiante da época do filme) de um caso eventual. <END> Sofisticado, inteligente, irônico, mordaz, como tudo em que o diretor Joseph L. Mankiewicz põe a mão.
Frank e o Robô / Robot & Frank <END> A idéia básica é interessante, poderia talvez resultar em um bom filme: num futuro próximo, homem idoso, que vive sozinho numa casa isolada e enfrenta a perda da memória, passa a ter como cuidador um robô. <END> A princípio, é claro, rejeita ferozmente a nova companhia. <END> Acrescente-se a essa boa idéia básica um certo toque do Ray Bradbury, de Fahrenheit 451: no maravilhoso mundo novo, os livros estão sendo substituídos pela plataforma digital. <END> Solidão, velhice, perda da memória, a difícil convivência entre o velho e seus filhos adultos, amizade e cumplicidade entre homem e máquina, o admirável mundo novo que prescinde de suportes físicos, onde tudo vai para a nuvem. <END> E, para completar, um bom elenco. <END> O filho de Frank, Hunter, rapaz inteligente, talentoso, formado em Princeton, que venceu na vida muito jovem, é interpretado pelo galã James Marsden. <END> A voz do robô (que não tem nome, tadinho, e durante todo o filme é tratado apenas como "o robô) tem a voz de Peter Sarsgaard. <END> A trama mistura ficção científica, comédia, drama familiar e thriller <END> Ficção científica, comédia, drama familiar. <END> Tipo assim: já que tinha mesmo um tanto de Fahrenheit 451, por que não acrescentar uma pitada de Poder Absoluto, de Clint Eastwood? <END> E Frank vai descobrir, para seu absoluto júbilo, que os programadores do robô não incutiram nele noções de certo ou errado perante as leis dos homens e dos deuses. <END> Muitos elogios de espectadores no IMDb, nota 3.5 em 5 no AllMovie <END> Dessa combinação de diversos elementos resultou um filme que parece ter fascinado muitos espectadores. <END> "Gostei de Robot & Frank, embora não saiba muito bem por que se referem ao filme como uma comédia ou uma comédia sobre amigos", escreveu um leitor da Flórida. <END> Um leitor do IMDb da Holanda se entusiasmou: <END> Um leitor da Virginia escreveu: <END> O AllMovie, o elegante, respeitável site que traz bons textos sobre os filmes, não fez uma crítica sobre Frank e o Robô, apenas a sinopse, que dá uma visão geral. <END> A nota dos editores do AllMovie para o filme é 3.5 estrelas em 6 – a mesma média dos votos dos leitores. <END> A direção é fraca, há sequências de um ridículo atroz, e a trama é cheia de furos <END> Tudo isso posto, digo que eu, pessoalmente, achei o filme muito, muito ruim. <END> E não vi o filme com má vontade, ou cansado, ou coisa parecida. <END> No final, achei que Frank e o Robô desperdiça o que tem de bom – aqueles elementos citados na abertura desta anotação, e seu bom elenco. <END> Os defeitos estão no roteiro e na direção – esta, de Jake Schreier, um iniciante, assim como o roteirista, Christopher D. Ford. <END> Os leitores do IMDb que citei (e há diversas outras avaliações tão positivas quanto as que reproduzi) parece que se encantaram com os temas interessantes, e deixaram de ver a quantidade imensa de furos, de improbabilidades, de falhas óbvias na história. <END> Tipo: o que poderia explicar que Frank, ex-presidiário (16 anos atrás das grades, em duas condenações diferentes), tivesse aquele padrão de vida, morando naquela casa gigantesca? <END> Como seria possível que a perda de memória de Frank fosse tão seletiva? <END> Se a visita da filha Madison ao pai (por mais bela que seja Liv Tyler) não é um amontoado de situações ridículas, então definitivamente não sei mais o significado do ridículo. <END> Idem ibidem para toda a sequência da polícia cercando a casa de Frank, tudo de um ridículo atroz. <END> E o que dizer da descoberta que Frank faz ao ver uma foto na sala da bibliotecária Jennifer?
O Sexto Sentido / The Sixth Sense <END> Anotação em 2001: <END> E o filme é fascinantemente bem construído também para ser revisto, e portanto visto sob a outra ótica. <END> E como trabalha bem esse garotinho Haley Joel Osment. <END> A questão é que o filme é extraordinário demais – o que levou todo mundo a ficar esperando mais obras-primas de M. Night Shyamalan. <END> 3 Comentários <END> Eu adorei este filme quando o vi pela primeira vez! <END> Outro filme que considero perfeito. <END> Também gosto imenso deste filme e ainda hoje o estive a rever mais uma vez. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Jeffrey – De Caso com a Vida / Jeffrey <END> Anotação em 1998:Um filme extremamente corajoso. <END> Não foram poucas as pessoas que já escreveram que Philadelphia, de Jonathan Demme, de 1993, a primeira obra do cinemão de Hollywood a falar da aids, é politicamente correto, bem intencionado, mas pouco corajoso, pouco sério e profundo, tocando só muito de leve no fato de o personagem central ser homo. <END> Pois bem. <END> Verdade que a aids hoje é uma praga que atinge heteros, homens, mulheres e crianças. <END> O filme parte daí. <END> Mais tarde, veremos que o homem por quem Jeffrey se apaixona, Steve (Michael T. Weiss), é soropositivo. <END> A coragem, assim como o brilho do filme, não vem apenas porque ele assume discutir francamente os relacionamentos homo diante da ameaça da praga. <END> A deusa Sigourney Weaver dá um show em um engraçadíssimo esquete ironizando os gurus de auto-ajuda. <END> Tem graça, tem estilo, é inteligente e divertido. <END> A peça na qual o filme se baseia estreou em Nova York em 1993, o mesmo ano do filme Philadelphia. <END> Em 2008, vejo no IMDB que o diretor Christopher Ashley ficou sem realizar filme algum desde este Jeffrey.
Trem da Vida / Train de Vie <END> Fazer uma comédia sobre a perseguição dos nazistas aos judeus é um ato de coragem. <END> Um ano antes de Trem da Vida, o italiano Roberto Benigni havia feito uma comédia sobre o mesmo tema, A Vida é Bela, um filme de grande sucesso e, na minha opinião, um tanto superestimado, com seus três Oscars, outros 52 prêmios e 31 indicações. <END> Não que Benigni tivesse, é claro, inventado a roda. <END> O grande diferencial de Trem da Vida, me parece, é o fato de ser uma narrativa nada, nada realista. <END> Era como se aqueles diretores, que viveram sob as ditaduras comunistas, tivessem tanto ódio do totalitarismo imposto pelo império soviético que se insurgiam também contra o estilo narrativo que o Estado comunista exigia, o realismo socialista, optando pelo oposto dele – um estilo surrealista, quase nonsense. <END> Como já escrevi aqui: <END> Em Casamento Silencioso/Nunta Muta, feito em 2008 na própria Romênia, a narrativa do diretor Horatiu Malaele passeia pelo paranormal, vê fantasmas, bota os atores para atuar como que em um teatro farsesco, faz um surrealismo que deixaria Fellini humilhado de inveja. <END> O louco da aldeia é que dá aos sábios a idéia de fugir num trem <END> Essa fuga do realismo, essa vingança não só contra a ditadura, mas também contra a sua estética, é o cerne de O Trem da Vida – mais ainda que a opção, corajosa e difícil, pelo riso. <END> O filme conta a história de um vilarejo judeu, um shtetl, no verão de 1941, quando as tropas nazistas dominavam a maior parte da Europa, e, no seu avanço, iam prendendo milhares, milhões de judeus, que em seguida eram deportados, em trens, para os campos de concentração e extermínio. <END> Quem primeiro avista os nazistas chegando a uma aldeia próxima é Schlomo (Lionel Abelanski, na foto acima), o louco daquela aldeia, daquele shtetl específico. <END> Ao ver o movimento frenético da vila no dia seguinte à reunião do louco com os sábios, uma das mulheres sentencia: <END> – "Deus, por que são os homens que dirigem o mundo? <END> Uma atmosfera onírica, surrealista, impregnada de um humor desavergonhado <END> Dá-se uma grande discussão para definir quais deles representarão os nazistas. <END> A aldeia entra numa atividade febril – e são maravilhosas, esplendorosas as sequências, com belos travellings, elaborados planos gerais da aldeia trabalhando freneticamente, preparando o grande golpe. <END> O filho do Rabino, Yossi (Michel Muller), é enviado até uma cidade para providenciar passaportes falsos com um amigo da comunidade. <END> Na hora de providenciar um profissional para pôr para andar a locomotiva, o máximo que conseguem é um jovem idealista, um burocrata do Ministério dos Transportes, que nunca dirigiu coisa alguma na vida. <END> E por aí vai – tudo numa atmosfera onírica, surrealista, mas sempre impregnada de um humor desavergonhado, escrachado. <END> A garota mostra os seios para o jovem comunista: <END> A garota mais bela da aldeia, Esther (Agathe de La Fontaine, na foto), apaixona-se perdidamente por um garoto boa pinta, filho de Mordechai, e que havia sido convertido ao comunismo pela doutrinação de Yossi. <END> Sim, porque a maioria dos vilarejos passa a acreditar piamente que seus compatriotas, seus amigos até dias atrás, que agora vestem fardas nazistas, passaram a ser de fato nazistas. <END> O próprio Mordechai, depois de algumas aulas de alemão, passa a achar que ele é, de fato, um oficial nazista que tem o direito de dar ordens aos prisioneiros judeus. <END> E, lá pelas tantas, a bela Esther se cansa da perspectiva de continuar virgem para todo o sempre, abre a blusa e mostra os peitos de estátua renascentista para o neo-comunista filho do neo-nazista: <END> – "Isto aqui não é melhor que Marx e Engels e Lênin?" <END> O rabino faz negócio com Deus <END> Num determinado momento, o trem – que anda em círculos, sem sair muito do lugar de origem – é cercado de nazistas de verdade. <END> O rabino negocia com Deus: <END> – "Meu Deus, nunca imaginei mesmo que todos nós escaparíamos. <END> E, já que está mesmo negociando, prossegue: <END> – "Mulheres e homens também. <END> "A Terra só é Santa em um lugar?" <END> Usar o humor ao se falar de uma das maiores tragédias da história da humanidade é algo perigoso. <END> Radu Mihaileanu é um equilibrista de mão cheia. <END> O garotinho: – "Ainda estamos longe?" <END> A mãe: – "Sim, meu querido." <END> O garotinho: – "A Terra só é Santa em um lugar?" <END> A mãe: – "Tem razão. <END> Trem da Vida foi o terceiro filme do diretor. <END> É daquele tipo de artista que não produz demais; ao contrário, sua filmografia não é longa. <END> O Concerto tem várias das características que Mihaileanu já burilava em Trem da Vida. <END> Logo depois de ver O Concerto, poucos dias atrás – o que me deu muita vontade de rever este Trem da Vida –, anotei que o filme demonstra, como outras obras-primas do cinema, que as pessoas estão acima dos Estados, das ideologias, dos nacionalismos; que as pessoas são todas iguais; raça, existe uma só, a humana, seja a pele de que cor for, a íris dos olhos de que cor for; que são as ideologias, as fórmulas inventadas pelos que se pretendem dominadores das pessoas, que criam, nutrem e exacerbam os preconceitos entre os grupos de uma raça que afinal é a mesma; que, se fossem deixadas a seus próprios destinos, se não fossem instigadas pelas máquinas governamentais, as pessoas poderiam conviver de forma melhor, talvez até quase fraterna. <END> Quando passam a ser comunistas ou fantasiados de nazistas, os personagens deixam de ser fraternos <END> Trem da Vida insiste muito nessa noção, que está presente também em O Concerto. <END> Dá vontade de ver os outros filmes desse sujeito de imenso talento – os anteriores, e o que ele fez depois de O Concerto, La Source des Femmes, o poço das mulheres, uma produção de 2011 (o filme estreou no Brasil em janeiro de 2012). <END> Promete, promete.
Minha Vida de Cachorro / Mitt Liv Som Hund <END> Anotação em 2010: <END> A criança em questão é Ingemar, um moleque de uns 12 anos, raciocínio de adolescente bem mais velho em diversas situações, e comportamento e aparência de bem mais novo que isso. <END> A ação se passa no final dos anos 50 – em 1959, para ser preciso. <END> Nosso Ingemar, então, é assim: uma figurinha um tanto complexa. <END> Um garoto com sortes na vida – e enfrentando uma tragédia <END> Ingemar tem algumas sortes na vida. <END> A tragédia na vida de Ingemar é que sua mãe (Anki Liden), uma bela mulher que foi fotógrafa, está muito doente, e cada vez pior. <END> Um dos grandes méritos do diretor Lasse Hallström e de seus roteiristas é criar uma galeria de tipos interessantes, fascinantes, bem desenvolvidos. <END> Temos um velhinho bem velhinho e doente que vive com o tio de Ingemar, tarado e safado, que vive a pedir ao garoto que leia para ele textos de uma revista que descrevem roupas íntimas de mulheres. <END> Falei da coisa de o Brasil ter sido campeão do mundo na Suécia em 1958 – tem a ver com a história. <END> Um diretor de belos filmes <END> O filme se baseia numa novela autobiográfica de um escritor chamado Reidar Jonsson. <END> Hallström ainda faria mais dois filmes na Suécia depois de Minha Vida de Cachorro, mas, a partir do início dos anos 90, estabeleceu-se em Hollywood. <END> São, todos eles, bons, ótimos filmes – mas meu preferido, entre todos, é Regras da Vida/The Cider House Rules, de 1999, um filme sobre crianças sem pais e uma vibrante, forte, corajosa defesa do aborto, outro filme com elenco extraordinário, reunindo Tobey Maguire, Charlize Theron, Delroy Lindo, Paul Rudd e Michael Caine, em um dos melhores papéis de sua longa e veneranda carreira (ele levou o Oscar de coadjuvante). <END> Em Minha Vida de Cachorro – na minha opinião o segundo melhor filme desse diretor de diversos filmes bons –, Hallström consegue criar um maravilhoso clima que mistura bem tristeza e bom humor, pancadas da vida com momentos de alegria. <END> Ah, sim, para registrar. <END> "Uma impressão ao mesmo tempo inquietante e engraçada" <END> Vou dar uma olhadinha em outras opiniões. <END> Leonard Maltin deu 3 estrelas em 4: <END> No AllMovie, Karl Williams diz que o tom bem humorado, quase nostálgico do filme se mistura surpreendentemente bem com a história e as situações francas, pesadas, deixando uma impressão ao mesmo tempo inquietante e engraçada, um tributo à habilidade com que o filme é dirigido por Lasse Hallström. <END> O guia de Jean Tulard diz que é um filme caloroso que explora com muita ternura e pertinência os segredos da alma de um garoto. <END> […] em 2010: <END> […] legenda sequer para identificar qualquer um dos seis entrevistados – pela ordem, o diretor Lasse Hallström, o autor e roteirista John Irving e os atores Michael Caine, Tobey Maguire, Charlize Theron e […]
Ciladas / Pièges <END> Anotação em 2000: <END> A polícia de Paris investiga desaparecimento de diversas mulheres, e taxi girl de dancing é contratada por investigador para servir de isca para o culpado; acaba se envolvendo com um playboy milionário (Maurice Chevalier, simpático, canastrão e bom chansonier), que eventualmente é preso acusado de ser o assassino. <END> Feito em 1939, o ano em que começou a Segunda Guerra, este foi o último filme da primeira fase européia do diretor Robert Siodmak (1900-1973). <END> "Com os alemães em Paris, Siodmak fugiu para os Estados Unidos. <END> Depois dessa fase americana, o diretor retornaria à Europa, onde a partir de 1953 filmou na Alemanha e na França do pós-guerra.
A Casa dos Sonhos / Dream House <END> A Casa dos Sonhos pode ser definido com duas frases com adversativas. <END> Bem: me decepcionou. <END> Não é culpa deles. <END> O problema – ao menos é o que eu achei – é a história, a trama. <END> A sensação é de que ele quis criar uma história de suspense, mistério, quase terror, que tivesse uma reviravolta profunda, como, por exemplo, os excelentes Os Outros, de Alejandro Amenábar (2001), ou O Sexto Sentido, de M. Night Shyamalan (1999). <END> Deu com os burros n'água. <END> Na casa de sonhos de que fala o título vive uma família de sonhos <END> O que se mostra no começo, na primeira metade do filme, é o seguinte: <END> Um editor de livros de uma grande editora de Nova York, chamado Will Atenton (o papel de Daniel Craig), sujeito respeitado, querido pelos colegas, consegue tomar a decisão de pedir demissão. <END> Ali, na calma do subúrbio, longe da agitação da metrópole, ele pretende escrever um livro. <END> (Penso agora que Jack Torrance, o personagem de Jack Nicholson em O Iluminado/The Shining, de Stanley Kubrick, também tinha planos de escrever um livro na solidão do hotel fechado para o período mais rigoroso de inverno nas Montanhas Rochosas. <END> Will sai então do trabalho pela última vez. <END> Na casa recém-comprada, esperam por Will uma mulher que o ama e duas filhinhas que o adoram. <END> Durante alguns minutos, pinta-se o quadro da família perfeita, a família de sonhos na casa de sonhos de que fala o título. <END> A casa não é daqueles monumentos de ostentação, não é um palacete, uma mansão. <END> A família dentro da casa dos sonhos é a família dos sonhos. <END> Exatamente na metade dos 92 minutos do filme, há uma reviravolta completa <END> A perfeição de sonho dura só alguns minutos. <END> E aí vem a revelação: naquela casa que a família comprou ao sair de Nova York havia acontecido uma tragédia. <END> Ninguém havia dito isso para eles, quando compraram a casa. <END> Quando a narrativa está exatamente na metade dos 92 minutos de duração, há uma reviravolta completa. <END> As coisas se complicam, e muito. <END> E haverá nova reviravolta completa mais para o final. <END> Os produtores tiraram o filme das mãos do diretor e fizeram a montagem final <END> No ótimo All Movie, o filme foi classificado com 3.5 estrelas em 5. <END> "É difícil escrever sobre um thriller com uma reviravolta no final, já que presumivelmente você não quer entregar a reviravolta. <END> Mais tarde, o texto diz: <END> Segundo o IMDb, o diretor Jim Sheridan teve brigas feias com o chefão da produtora Morgan Creek, Jim Robinson, sobre como desenvolver o roteiro e a produção do filme. <END> Ainda segundo o site mais enciclopédico sobre filmes que existe, Jim Sheridan chegou a pedir ao Sindicato dos Diretores, o Director's Guild of America, que seu nome fosse retirado dos créditos. <END> É necessário lembrar: <END> "O filme não ficou muito bom. <END> O que, para mim, mais define como a própria equipe avalia A Casa de Sonhos é uma frase de Daniel Craig que está também no IMDb. <END> Ele e Rachel Weisz se apaixonaram durante as filmagens. <END> Às vezes a vida imita os filmes – até a vida de atores de cinema. <END> Diz o IMDb: <END> "Quando perguntado sobre o filme, Craig disse:
As Múmias do Faraó / Les Aventures Extraordinaires d'Adèle Blanc-Sec <END> Anotação em 2011: <END> Nunca fui grande fã de Luc Besson, mas este é um divertissement perfeito, de se aplaudir de pé como na ópera. <END> Não tem jeito, não tem como fugir: é a versão francesa, à la Besson, do Indiana Jones, a criação de Steven Spielberg, George Lucas e Lawrence Kasdan. <END> Claro: para saborear este petisco, é preciso que o respeitável espectador deixe de lado a lógica, a exigência de qualquer verossimilhança. <END> Assim, temos que, na gloriosa Paris de 1911, no pré-guerra, na época dourada do cancã (eta grafia feia, mas é ela que está nos dicionários), um idoso cientista, Espérandieu (Jacky Nercessian), usando dons telepáticos, faz viver um pterodáctilo que estava dentro de um gigantesco ovo pré-histórico, do período jurássico, em um museu de ciências naturais da capital francesa. <END> O pterodáctilo avista um carro, no qual um figurão da política canta uma famosa dançarina de cancã – minutos antes, o espectador já havia presenciado um sensacional número de dança em um teatro lotado. <END> O caso vira manchete de todos os jornais, mexe com os brios do governo, o presidente dá ordens ao ministro do Interior para que o bicho assassino seja imediatamente capturado. <END> Um início de trama esplendorosamente inteligente <END> Enquanto isso… <END> Todo o filme é absolutamente delicioso, mas o início da trama, a forma com que Besson vai apresentando os personagens, as situações, é uma coisa esplendorosamente inteligente, bem sacada, divertida – e rápida. <END> As luzes que ele viu vinham do apartamento do cientista Espérandieu: no seu surto telepático para fazer despertar o ptedorodáctilo, o idoso sábio levita, e faz levitar os objetos da sua sala, que produzem luzes. <END> Mas, enquanto tudo isso está ocorrendo em Paris, a intrépida Adèle Blanc-Sec, a heroína da história, está no Egito, à procura da tumba do faraó Ramsés II. <END> A criatividade, a inventividade de Besson para montar as aventuras de Adèle Blanc-Sec dentro da tumba do faraó devem ter deixado Spielberg e Lucas com inveja. <END> Assim como Indiana Jones tem que enfrentar um rival que rouba dele suas preciosas descobertas, Adèle Blanc-Sec também tem seu inimigo, o terrível vilão Dieuleveult (interpretado por um Mathieu Amalric tão maquiado que fica praticamente irreconhecível). <END> Mas Dieuleveult (o som do nome faz lembrar a expressão Deus o quer; como nas histórias de Astérix, os nomes dos personagens são grandes piadas) é o vilão, e Adèle Blanc-Sec é a heroína, e assim ela conseguirá escapar das garras do bandido e, eventualmente, chegar de volta sã e salva a seu apartamento parisiense com o ataúde com a múmia de Patmosis. <END> Um médico de cinco mil anos atrás para fazer reviver a irmã da heroína <END> Bem, mas quem é exatamente Adèle Blanc-Sec? <END> É assim: <END> O objetivo de Adèle ao levar para Paris a múmia do médico pessoal do imperador Ramsés II não é tão fácil de explicar. <END> O professor Espérandieu (e o som do nome remete a esperando Deus, certo?) consegue, com seus poderes telepáticos, fazer voltar a viver um animal de milhões de anos atrás. <END> Agathe repousa em uma cama no apartamento de Adèle. <END> Besson é um descobridor de mulheres estonteantes <END> Me alonguei na sinopse da história, o que talvez seja bobo e desnecessário – mas achei a trama tão absolutamente fascinante que não me contive. <END> A trama é fascinante, e a realização do filme é melhor ainda. <END> Deixei para mais adiante o nome da atriz que faz Adèle Blanc-Sec, essa heroína supimpa, que tem a agilidade física de um Indiana Jones e fala na velocidade e na inteligência de uma Hildy Johnson, a personagem de Rosalind Russell em Jejum de Amor/His Girl Friday, do mestre Howard Hawks. <END> Chama-se Louise Bourgoin, a atriz que faz Adèle Blanc-Sec. <END> Está ótima no papel, Louise Bourgoin. <END> Mas… pensei eu, quando ela aparece pela primeira vez… Bem, é bonita, mas não é assim uma coisa acachapantemente linda como, por exemplo, Natalie Portman ou Milla Jovovich, ou agressivamente atraente como Rie Rasmussen. <END> (Um descobridor de mulheres estonteantes. <END> Depois deste filme, o céu é o limite para Louise Bourgoin <END> Louise Bourgoin, vi na internet assim que o filme acabou, é uma grande estrela da TV francesa. <END> Não é à toa, portanto, que Besson criou tantos tipos diferentes em que ela se fantasia no filme. <END> Mas a moça não é apenas uma estrela de TV. <END> Não percebi, ao ver o filme, que já tinha visto a atriz, e me impressionado com sua beleza <END> O que é a memória – ou a falta dela. <END> E lá pelas tantas "surge Audrey (Louise Bourgoin), a garota do título – uma mulher lindíssima, gostosíssima, e mais todos os íssimas e érrimas possíveis e imagináveis, uma força da natureza, um vulcão, um tesão, uma coisa absurda, imensa, interminável, sempre com as roupas mais ínfimas, menores que as de uma rainha da bateria em plena Sapucaí." <END> "De longe, a melhor coisa do filme se chama Louise Bourgoin, a mulher íssima e érrima que faz Audrey. <END> "Louise Bourgoin é de fato belíssima, gostosérrima, uma real força da natureza, como era Brigitte, um dos maiores símbolos sexuais dos últimos séculos. <END> Ótimas piadas, tramas gostosa, visual soberbo <END> É o tal negócio: vivendo, aprendendo – e esquecendo, e depois aprendendo de novo. <END> Mas é fantástico: neste filme, ela não me pareceu tão linda nem tão gostosa quanto em A Garota de Mônaco. <END> Na verdade, o fato de Louise Bourgoin ter caras diferentes a cada filme, sua capacidade de se fantasiar de diferentes pessoas reais na TV, de diferentes personagens neste filme aqui, isso só indica que a moça, além de beleza, tem talento. <END> E pelo menos um bom filme Louise Bourgoin já fez. <END> Só a piadinha quase no final, quando o faraó comtempla o prédio do Louvre, já valeria o filme. <END> 4 Comentários <END> Bom filme as cenas onde Adele voa em cima do pterodáctilo com a lua ao fundo e o final onde Ramses II sai pra "explorar" o local saindo do museu dado de cara com o Arco do Triunfo para mim são as melhores, sem contar os diálogos, muito bons, rsrsr. <END> 'Oi eu sou o hebert como vai vcs? vou falar um pouco sobre ah mumia. <END> 6 Trackbacks <END> […] Mathieu Amalric, grande ator, mais de 70 filmes no currículo, diretor bissexto, autor de 12 títulos, incluindo curtas e documentários, ganhou o prêmio de direção em Cannes por Turnê, seu terceiro longa como realizador. […] <END> […] E não são só os americanos que adoram uma múmia. <END> […] Elemento (1997) esbanja imaginação, criatividade; Angel-A (2005) é uma brincadeira gostosa; As Múmias do Faraó (2010) é o que de melhor pode haver como cinema diversão. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
lunes, 7 de abril de 2014 <END> Porque la primavera es alegría y hay que celebrarla dándonos el gusto con algo dulce, como estos pastelitos de limón. <END> Parece ser que la meteorología nos ha dado una tregua, a ver cuanto nos dura.
Estão Todos Bem / Everybody's Fine <END> Anotação em 2010: <END> E então é interessante verificar que, bem nos créditos iniciais, há uma mentirinha – ou, no mínimo, a omissão da verdade. <END> Há uma convenção sobre a forma de se assinar a autoria dos roteiros. <END> Essa mentira, ou omissão, é corrigida nos créditos finais, aquelas letrinhas pequenas, depois do final do filme, que muita gente não vê – em geral, as pessoas se levantam das poltronas do cinema ou da sala nessa hora. <END> Mas ainda bem que a verdade é dita – ainda que tarde, exatamente como algumas verdades da família retratada no filme só serão ditas bem no final. <END> Stanno Tutti Bene, no Brasil Estamos Todos Bem, nos Estados Unidos Everybody's Fine (exatamente o título desta refilmagem feita em 2010), foi o terceiro filme de Tornatore, logo depois de Cinema Paradiso, o maravilhoso filme que deu a ele fama mundial. <END> Estão Todos Bem deu muita vontade de rever Estamos Todos Bem. <END> Um homem solitário que sente falta da mulher e do trabalho <END> É um bom filme, esta refilmagem americana, repito. <END> É um batalhador. <END> Quando a ação começa, Frank está se preparando e preparando sua grande casa agora vazia para receber a visita dos quatro filhos, todos já adultos, espalhados por diversas cidades, todas longe da dele. <END> Como tantos pais, ele nunca tinha sido muito próximo dos filhos. <END> Frank estava cuidando dos preparativos para receber os filhos, nos primeiros minutos da narrativa, e Mary já antecipava: ninguém vai vir. <END> Frank tem problemas de saúde – nada gravíssimo, fatal, mas seus pulmões não estão bem, ele toma medicação, seu médico diz que ele não deve viajar, em especial de avião. <END> Frank parte em busca dos filhos – vai a Nova York, depois a Chicago, depois a Denver, depois a Las Vegas. <END> Estão Todos Bem tem muitas coisas previsíveis. <END> Frank Goode passou a vida em uma empresa (presume-se que de sua propriedade) que encapava fios com PVC, para protegê-los da chuva, do sol. <END> Há uma bela sacada: numa determinada hora do encontro de Frank com Amy (Kate Beckinsale), a filha publicitária bem sucedida em termos materiais, Frank a vê como a garotinha de uns dez anos que ela havia sido. <END> Estão Todos Bem se repete na previsibilidade – e, de novo, aqui não vai juízo de valor. <END> O filme tem também uma série de coisas boas, de pequenos bons detalhes. <END> E, no final, uma canção composta para o filme por Paul McCartney <END> Kirk Jones fez um filme bem intencionado. <END> Exatamente por ser bem intencionado, a muita gente ele parecerá ingênuo, sentimentalóide, babaca. <END> Não me lembrava de ter ouvido o nome do diretor. <END> A trilha sonora de Estão Todos Bem é do italiano radicado na Inglaterra Dario Marianelli, autor da excepcional trilha de Desejo e Reparação/Atonement, da ótima trilha de Orgulho e Preconceito, da ótima trilha de O Solista/The Soloist, entre muitas outras <END> Além das composições de Marianelli, a trilha tem belas músicas incidentais, canções suaves, num estilo folk – sweet songs and soft guitars. <END> Só aí me lembrei da informação: sim, eu tinha lido que Sir James Paul McCartney havia composto uma canção especialmente para um filme de safra recentíssima, que havia sido indicada para um prêmio importante – de fato, "(I Want to) Come Home" foi indicada para o Globo de Ouro. <END> O DVD do filme inclui um filmete de uns dez minutos em que o próprio Paul conta a história da música – desde o momento em que seu agente recebeu um telefonema de alguém que gostaria de saber se ele aceitaria compor uma canção para encerrar um filme que estava sendo produzido. <END> Conta que passaram o filme já praticamente pronto para ele, num cinema do SoHo – e, no final, no lugar em que deveria entrar sua nova canção composta especial e especificamente para aquele momento, tinham colocado Aretha Franklin cantando "Let It Be". <END> Claro que não desistiu. <END> Ah, se a música que ele compôs é boa? <END> É um filme bastante bom, Estão Todos Bem, a refilmagem de Stanno Tutti Bene de Tornatore. <END> 3 Comentários <END> Assisti a versão americana, agora. <END> Lembro de não ter gostado desse filme. <END> Não achei o filme sentimentalóide (sic). <END> […] até já é uma tradição: <END> […] vez em quando, porém, De Niro desliga o piloto automático. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
Ela Queria Riquezas / Rings on Her Fingers <END> O diretor, Rouben Mamoulian, é respeitável. <END> Pois é. <END> A rigor, a rigor, não é um filme que defenda idéias, princípios ruins. <END> O problema é que, para chegar até essa moral, a fábula percorre caminhos perigosos. <END> Um homem e uma mulher que parecem ser milionários – mas são golpistas <END> A narrativa começa numa loja extremamente chique de roupas para mulheres ricas, extremamente ricas, em Manhattan, o umbigo do mundo capitalista naquele ano de 1942 em que o filme foi feito assim como hoje, muito mais de meio século depois. <END> Susan Miller (o personagem de Gene Tierney) é uma das vendedoras da loja – e ela, assim como a mulher que veio depois de Amélia na vida do narrador do velho samba, só pensa em luxo e riqueza. <END> – "Acho que nascemos do lado errado do balcão." <END> Mas logo chegam à loja um homem e uma mulher de meia idade, com todo jeitão de milionários. <END> Estavam ali para comprar roupas para Lilian – que dizem ser sua sobrinha – usar na festa daquela noite. <END> E então resolvem convidar a linda vendedora para ir à festa com as roupas finas compradas na loja, no lugar de Lilian. <END> Há então um corte no tempo. <END> Susan: – "Me digam, vocês são mesmo milionários?" <END> Warren (depois de ele e May caírem na gargalhada): – "Por quê?" <END> Susan: – "Bem, parece que está faltando alguma coisa." <END> May: – "Só os milhões – uma questão de tecnicalidade." <END> Warren: – "Sabe, a natureza brincou conosco: nós deveríamos ter nascido com sangue azul, e então devotamos nossa vida a corrigir esse erro biológico." <END> Susan: – "O que vocês fazem? <END> May: – "Bem, somos uma espécie de excesso de taxa de juros. <END> Warren: – "Somos meras abelhas que pegam um pouco de néctar das flores que têm tanto. <END> O golpista consegue vender para o protagonista um iate que não era dele <END> Em suma: <END> Exatamente de que forma aplicam os golpes, isso o filme não explicita. <END> O fato é que, logo depois desse diálogo que o IMDb transcreveu, e eu peguei dele, vão surgindo aquelas imagens de etiquetas de hotéis e navios que eram coladas às malas: <END> E, com dez minutos de filme, estão na praia em Palm Beach, Califórnia. <END> May diz uma bela frase. <END> – "Sem roupa, todos os homens parecem bem financeiramente." <END> Um funcionário do hotel, carregando um telefone, e parado exatamente ao lado de May, grita pelo sr. <END> O sr. <END> O vigarista Warren então bola um plano para vender para Wheeler, por US$ 15 mil, pagos em dinheiro, um iate… que, evidentemente, não pertence a ele. <END> O trio de vigaristas sai às pressas de Palm Beach, Warren e May felizes com o golpe bem sucedido. <END> O sujeito roubado não é o milionário que parecia ser. <END> Gene Tierney interpreta muito bem a moça pobre que aprende bons modos <END> O que vem a partir daí é cada vez mais bobo, mais sem sentido, e cada vez com mais furos. <END> É, de fato, uma trama danada de boba. <END> É o seguinte: é sensacional a transformação por que passa a personagem de Gene Tierney entre a sua existência como Susan, a garotinha pobre criada no Brooklyn que era ruim na escola e, vendedora em loja chique, morria de inveja dos ricos, e a moça que se passa por filha de uma milionária, e que vemos pela primeira vez na tal sequência em Palm Beach. <END> Susan fala gírias e expressões populares (no segundo encontro dela com May mostrado no filme, ela fala "Gee", interjeição próxima da caramba, putz, e May diz para ela não usar aquela palavra nunca). <END> Pois é. <END> Que ela reapareça já bem diferente, no modo de falar, de andar, de gesticular não deve necessariamente ser definido como furo, porque a dupla de vigaristas pode ter, naquelas viagens deles pelas Américas e Caribe, aplicado um curso intensivo de Professor Henry Higgins em cima dessa Eliza Doolittle. <END> Mas o que é fascinante é que, tão absolutamente jovem, aos ridículos 22 anos de idade, essa moça de beleza estonteante (e que teria uma vida mais trágica do que a de todas as suas personagens) consegue interpretar maravilhosamente a moça pobre que vira fina e chique. <END> Três anos mais tarde, em 1945, ela estrelaria Laura, um dos clássicos mais adorados do cinema americano. <END> (No meu texto sobre Laura, faço um resumo das muitas tragédias que se abateram sobre essa mulher de beleza incomparável.) <END> Maltin diz que o filme é uma tentativa de repetir do sucesso de The Lady Eve <END> Leonard Maltin deu 2.5 estrelas em 4 ao filme, e escreveu sobre ele uma única frase: <END> The Lady Eve no Brasil teve o título de As Três Noites de Eva, e foi lançado em 1941, um ano antes deste Rings on Her Fingers. <END> Um dia preciso rever The Lady Eve. <END> Mas este Rings on Her Fingers não preciso rever.
A Caixa / The Box <END> Anotação em 2010: <END> Mas vamos por partes. <END> Parece que o filme foi um fracasso de público e crítica. <END> A Caixa abre com um texto que vai sendo escrito como se fosse no antigo, antiqüíssimo telex – à medida em que as palavras vão aparecendo na tela, ouvimos um barulhinho semelhante ao que o telex fazia. <END> – "Ressuscitação do paciente Arlington James Steward confirmada pelo hospital. <END> Um letreiro nos avisa que estamos na Virgínia, em 1976, e as primeiras seqüências mostram um início de manhã na casa dos Lewis, um casal na faixa dos 35 anos, com um filho de uns dez. <END> A família – os pais mais o filho Walter (Sam Oz Stone) se reúne em uma mesa em volta do embrulho. <END> O salário é apertado, e a família perde a bolsa de estudos do filho <END> O diretor e roteirista Richard Kelly se dá, assim, um bom espaço de tempo – um dia inteiro – para apresentar os Lewis ao espectador. <END> Norma Lewis é professora de literatura de um bom colégio, onde seu filho Walter estuda com bolsa; na aula que o espectador vê, naquele dia inicial, ela está falando de Sartre, Huis Clos, Entre Quatro Paredes (que em inglês se chamou No Exit), aquela frase famosérrima, "o inferno são os outros". <END> Pouco depois, Norma é chamada pelo diretor do colégio, que a informa que, infelizmente, a escola não poderá mais dar bolsa de estudo aos filhos dos professores. <END> Arthur e Norma vivem com conforto, mas o salário dos dois é apertado, dá apenas para pagar as contas – sem a bolsa de estudos para Walter, e sem o aumento que Arthur teria caso obtivesse a vaga como astronauta, a família vai passar um grande aperto. <END> Steward não tem boa parte da face esquerda; tem uma imensa queimadura que consumiu parte do rosto. <END> – "Eu tenho uma oferta a fazer", informa ele a Norma. <END> O trato com o diabo – a alma de Fausto em troca da vida eterna. <END> A questão que o filme coloca para o espectador é esta: você mataria um desconhecido para ganhar uma fortuna? <END> Um detalhinho mínimo que me chamou a atenção foi o nome do personagem misterioso interpretado por Frank Langella, o ator que fez o excelente Nixon em Frost/Nixon. <END> O autor da história é Richard Matheson, homem de obra vasta <END> Fredric Brown (1906-1972) jamais obteve a respeitabilidade de Isaac Asimov, ou Arthur C. Clarke (aliás, citado algumas vezes ao longo do filme), ou Clifford D. Simak, mas é um brilho de escritor. <END> Fredric Brown seguramente assinaria embaixo dessa história criada por um conterrâneo e praticamente contemporâneo seu, Richard Matheson, nascido em 1926. <END> Confesso (e já confessei aqui coisas muito mais graves): nunca tinha ouvido falar, ou não me lembrava de ter ouvido falar em Richard Matheson. <END> Foi também o autor da novela I Am Legend; como até já foi dito aqui neste site, esse livro de Matheson virou o filme The Last Man on Earth, em 1964, dirigido por Ubaldo Ragona e estrelado por Vincent Price; em 1967 virou um curta-metragem espanhol com o título de Soy Leyenda; aí a Warner comprou os direitos de filmagem do livro, e, em 1971, lançou The Omega Man, dirigido por Boris Segal, com Charlton Heston no papel que tinha sido de Vincent Price e, em 2007, foi refilmado com Will Smith no papel central e Alice Braga com boa participação. <END> E tem muito mais. <END> O sujeito tem uma imaginação inesgotável. <END> É sempre bem-vindo um filme que discute valores morais <END> Matheson não participou desta adaptação de seu conto "Button, Button" para o cinema. <END> Sabe fazer cinema, o garotão Richard Kelly. <END> Tem o mérito de discutir valores, num mundo, numa sociedade, que anda precisando desesperadamente fazer isso – redescobrir valores, reencontrar valores. <END> Não sei se Sartre, Goethe ou Wilde gostariam deste filme. <END> Só hoje vi que o realizador é o mesmo de Donnie Darko que eu vi e que me deixou completamente KO, zarolho, de rastos. <END> Uma crítica apurada e sincera sobre um filme controverso. <END> OUTRA CURIOSIDADE Arlington Steward foi atingido por um raio 5 vezes mais quente que o solar, a estrela de 5 pontas ou pentagrama exotérico é muito importante no ocultismo, além de haver uma cena que exibe abertamente a carteira de cigarros Marlboro e rezar a lenda que existem 5 símbolos maçônicos ocultos na mesma. <END> Um Trackback <END> […] ocasionais. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
A Separação / La Séparation <END> Anotação em 1997: <END> Daniel Auteil e Isabelle Huppert, excelentes, realçam a dificuldade de comunicação no casamento que chega ao fim. <END> Primeiro discutem o que devem fazer, depois discutem se devem se separar, depois discutem quem fica na casa (que era dele) e quem sai. <END> A capinha do vídeo diz que Huppert ganhou melhor atriz em Veneza 95, e Auteil, melhor ator em Cannes 95; é propaganda enganosa, porque eles não foram premiados por este filme.
Duas características chamam especialmente a atenção em Isztambul. <END> O diretor e roteirista, Ferenc Török, é húngaro, assim como a maioria dos personagens e vários atores, mas a atriz principal, Johanna ter Steege, é holandesa. <END> A segunda característica é a fantástica incapacidade de os personagens centrais se comunicarem. <END> Não sei se outras pessoas terão essa sensação, mas, para mim, o filme de Ferenc Török é sobre dificuldade de comunicação. <END> O marido diz que está apaixonado por outra, faz a mala e se manda <END> O filme abre como duas sequências que nos mostram basicamente quem são János e Katalin. <END> Na sequência seguinte, os dois estão na sala de seu apartamento confortável, de classe média. <END> E se manda. <END> Aqui faço uma rápida divagação para dizer obviedades: nenhuma pessoa deveria viver apenas para cuidar da casa e dos filhos. <END> Todas as pessoas deveriam ter um trabalho, uma atividade, ou no mínimo hobbies – nem que seja colecionar selos, ou coisa parecida. <END> Porque se a pessoa se dedica apenas a cuidar da casa e dos filhos, é imenso o perigo de ela perder o sentido da vida quando os filhos crescem e nos dizem adeus. <END> A mulher abandonada pelo marido está à beira da catatonia <END> A holandesa Johanna ter Steege demonstra ser atriz de grande talento. <END> O espectador vê na cara dela como de repente o mundo de Katalin caiu, despencou, desapareceu, como faltou chão sob seus pés. <END> Zoli, o filho, mostra-se enfurecido com o pai – mas não procura estar próximo da mãe, oferecer o ombro, conversar, comunicar. <END> Zsófi, a filha, está grávida, já perto de dar à luz; liga para a mãe, mas a mãe não atende, e ela não vai atrás, não vai visita-la, não procura estar próxima. <END> Katalin está à beira da catatonia. <END> A sequência é brilhante: <END> Depois se levanta, e sai de casa, vai para a rua, sem expressão alguma no rosto. <END> O motorneiro avisa que é a estação final, todos devem descer. <END> Estamos aí com talvez uns dez minutos de filme. <END> Um bando de pessoas que não se comunicam – e por isso se trumbicam, é claro <END> Isztambul – o título do filme é assim, com s e z; deve ser como os húngaros grafam o nome – tem um ritmo propositadamente lento, e nem poderia ser diferente em um drama familiar que mostra uma mulher que perdeu o centro de gravidade, o sentido da vida. <END> O impressionante, na minha opinião, é como os personagens criados pelo diretor e roteirista Ferenc Török falam pouco. <END> O casal e seus dois filhos, em especial, são assim. <END> Um bando de pessoas que não se comunicam, não se abrem. <END> Um belo, sensível filme vindo de um país de filmografia pouco conhecida entre nós <END> O diretor Ferenc Török nasceu em 1971, em Budapeste. <END> Johanna ter Steege nasceu em 1961 em uma cidade do interior da Holanda. <END> Isztambul é um belo, sensível filme – e aqui é preciso agradecer ao canal Max, o 79 na minha Net, por estar exibindo filmes de países cujas cinematografias não costumam normalmente ser conhecidas no circuito comercial brasileiro.
Cupido Não Tem Bandeira / One, Two, Three <END> Anotação em 2009: <END> Claro: como é Billy Wilder, tem coisas boas. <END> A trama parte de uma espécie de Romeu e Julieta adaptado à guerra fria: americana milionária se apaixona por jovem comunista. <END> Um comunista fanático e a herdeira da Coca-Cola <END> A ação se passa na Berlim dividida em dois setores, o Ocidental capitalista e o Oriental comunista. <END> Acontece que Scarlett é uma namoradeira absoluta, incorrigível, contumaz – apareceu homem pela frente, ela se engraça toda, pula no colo dele. <END> A chegada de Scarlett, para ficar sob os cuidados de MacNamara e sua mulher Phyllis (Arlene Francis) atrapalha todos os planos da família. <END> Bem, Scarlett vai então se apaixonar perdidamente por Otto Ludwig Piffl (Horst Buchholz), um jovem alemão de Berlim Oriental membro do Partido Comunista e mais ardoroso defensor da ideologia do que Lênin e Stálin juntos. <END> E não é só por isso que o filme acaba sendo cansativo. <END> Wilder escolheu um tom exagerado demais, caricatural demais, que fica espantoso e cansativo. <END> Mesmo num filme fraco, diálogos sensacionais <END> Então, o filme só não chega a ser uma porcaria porque há o humor feroz de Billy Wilder, os diálogos sensacionais, inteligentes. <END> McNamara, a voz em off no início do filme: – "Alguns policiais da Alemanha Oriental são rudes e desconfiados. <END> McNamara para seu braço direito, Schlemmer, um alemão que cada vez que se apresenta ao chefe bate os sapatos uns nos outros, como faziam os nazistas ao bater continência: – "Cá entre nós, Schlemmer, o que você fazia durante a guerra?" <END> Schlemmer: – "Eu estava nos porões." <END> McNamara: – "Lutando na resistência?" <END> Schlemmer: – "Não, nos motores. <END> Mais tarde: <END> McNamara: – "E é claro que você era anti-nazista e nunca gostou de Adolf." <END> Schlemmer: – "Que Adolf?" <END> Depois, quando, diante de McNamara, Schlemmer reconhece um repórter alemão e o cumprimenta em sinal de respeito: <END> Schlemmer: – "Herr Oberleutnant!" <END> McNamara: – "Vocês se conhecem?" <END> Schlemmer: – "Ele era meu oficial superior." <END> McNamara: – "No metrô?" <END> Schlemmer: – "Não, depois disso, quando eu fui convocado." <END> McNamara: – "Aha! <END> Schlemmer: – "Não, não, na SS." <END> Austríaco de Viena, tendo deixado a Europa nos anos de ascensão do nazismo, Billy Wilder não perdoa, não esquece: mesmo em 1961, no meio da guerra fria, em um filme sobre a guerra fria, 16 anos depois do fim da Segunda Guerra, ele bate na tecla da existência dos ex-nazistas no meio da sociedade alemã. <END> Neste filme aqui, ele dá um jeito de criar uma situação para botar Schlemmer, o ex-SS, travestido de mulher (foto acima). <END> Mas Wilder também volta sua língua ferina para gozar os arquétipos do comunismo – e do capitalismo. <END> – "Você desertou?" <END> E o russo, numa troça com a frase que marcou o avanço dos colonizadores americanos rumo ao Pacífico: – 'É um velho provérbio russo: <END> Numa outra cena, Otto, o jovem comunista de carteirinha, berra: – "Não vou permitir que meu filho cresça para ser um capitalista." <END> Scarlett, a filha do chefão da Coca-Cola: – "Quando ele fizer 18 anos ele pode decidir se quer ser um capitalista ou um comunista rico". <END> Ou esta frase de Otto para Scarlett: <END> – "Vou pegar você às 6h30, porque o trem das 7h parte para Moscou exatamente às 8h15." <END> Ou este diálogo entre Scarlett e MacNamara: <END> Scarlett: – "Você vai gostar dele (de Otto, o jovem comunista). <END> MacNamara: – "Mais cérebro?" <END> Scarlett: – "Mais cabelo. <END> MacNamara: – "Talvez tenhamos votado no homem errado." <END> Scarlett: – "Isso não aconteceria na Rússia." <END> MacNamara: – "Lá eles não cometem enganos?" <END> Scarlett: – "Eles não votam." <END> Ou esta conversa entre MacNamara e os funcionários soviéticos: <END> Russo, oferecendo um charuto a MacNamara: – "Pegue um destes aqui." <END> MacNamara: – "Obrigado. <END> Russo: – "Temos um acordo comercial com Cuba. <END> MacNamara, depois de experimentar o charuto: – "Quer saber? <END> Russo: – "Não se preocupe. <END> Há muitas piadas boas, mas o filme é uma decepção. <END> No entanto, Cupido Não Tem Bandeira fez sucesso nos Estados Unidos, segundo Pauline Kael, que critica as piadas do filme como sendo de baixo nível. <END> Verdade: a trilha de Andre Previn (que iria musicar em seguida Irma La Douce) é interessante. <END> A afirmação de Pauline Kael de que o filme foi um sucesso é negada no livro Billy Wilder – Filmographie Complete, de Glenn Hopp, publicado pela Taschen, em que se afirma que o filme não obteve popularidade. <END> 4 Comentários <END> O filme tem uma cena hilária, absolutamente inesquecível.É quando o americano prepara a cilada para o rapaz alemão ser preso logo depois de cruzar a linha da fronteira. <END> Bom, também gosto do filme, como a Mary. <END> Ora Sergio, mesmo não sendo um dos seus melhores filmes, WILDER profético. <END> […] mesmo ano de 1961, Billy Wilder fez seu Romeu e Julieta da Guerra Fria: em Cupido Não Tem Bandeira/One, Two, Three, passado na Berlim dividida em duas, a filha do presidente da Coca-Cola (Pamela Tiffin) se apaixona […]
Coco Antes de Chanel / Coco Avant Chanel <END> Anotação em 2002: <END> Rico, requintado: é uma senhora produção, bem cuidadíssima. <END> Sóbrio, elegante: <END> Nove entre dez diretores e/ou roteiristas muito provavelmente teriam optado pelo que eu chamo de narrativa-laço: começamos pelo final, para logo haver o flashback – voltamos atrás vários anos, e então vamos vindo para mais perto do presente. <END> Uma narrativa rigorosamente cronológica <END> Nem isso Anne Fontaine fez. <END> Há duas ou três seqüências no orfanato, para realçar duas realidades básicas da vida de Gabrielle (o apelido Coco viria um pouco mais tarde) Chanel: sua origem era bem humilde, provinciana, interiorana; e seu pai, homem pobre, da roça, abandonou as filhas num orfanato assim que a mãe morreu, e nunca mais as procurou. <END> Esses dois pontos assentados, a narrativa dá um salto de 15 anos, conforme nos explica novo letreiro, e passamos a acompanhar a vida dela a partir daí, quando está com uns 22, 23 anos, na cidade de Moulins. <END> Uma mulher de vida rica <END> Há dezenas de cinebiografias que acabam sendo filmes um tanto fracos, ou no mínimo pouco interessantes, pouco marcantes, simplesmente porque a vida do retratado não é rica, não é dramática, não é cômica, não é nada especial – é apenas uma historinha um tanto boba, um tanto chocha. <END> A vida de Coco Chanel, ao contrário, mesmo o trecho inicial, até ela começar a se impor como um dos nomes mais importantes da moda de todo o mundo, é bastante rica. <END> Depois do corte de 15 anos, pulando do orfanato para por volta de 1908, em Moulins, encontramos as irmãs Gabrielle (interpretada por Audrey Tautou) e Adrienne (a bela Marie Gillian) apresentando-se como cantoras em um bar, um cabaré. <END> De noite, cantavam no bar-cabaré; durante o dia, as irmãs órfãs trabalhavam como ajudantes de costureiras numa loja. <END> Com talento, agilidade, o roteiro nos apresenta como se desenvolve a relação entre Coco e Balsan; leva-se um pouquinho de tempo para que Balsan revele que é riquíssimo. <END> Um ser em permanente infelicidade <END> O que virá a seguir não é exatamente um conto de fadas, tipo pobre órfã encontra o amor com homem muito, muito rico. <END> O filme trata dessa questão, e da questão do imenso desnível social entre Coco e Balsan, de uma bela maneira – ao mesmo tempo ostensiva mas não como o mais importante. <END> O mais importante era que Coco se submetia à situação obviamente constrangedora, embaraçosa, deprimente – mas se submetia, ao mesmo tempo não a aceitava plenamente. <END> A jovem Coco Chanel que o filme retrata – e que Audrey Tautou expressa de maneira brilhante – é um ser em permanente infelicidade, em eterna revolta contra a condição de bem tratadíssimo animal de estimação, ou escravo, o que dá quase no mesmo. <END> A diretora Anne Fontaine não faz um discurso feminista, ou pelo menos não o enfatiza – mostra a situação absurda, apenas. <END> A atriz é muito mais bela que a verdadeira Coco Chanel <END> Há, na minha opinião, um pequeno problema de miscasting na escolha de Audrey Tautou para o papel da jovem Coco Chanel. <END> É um pequeno problema, nada sério, nada grave. <END> Cheio de sutilezas, o filme levanta questões sobre moral <END> Uma das maiores qualidades deste ótimo filme é que ele levanta diversas questões importantíssimas sobre moral, costumes, comportamento, sem parecer que está sendo sério demais. <END> Um diálogo me impressionou muito. <END> Diferenciar o certo do errado não é muito fácil, demonstrou Bob Dylan numa canção em que dizia que, no passado, quando era mais jovem, tinha mais certezas, o preto era preto, o branco era branco. <END> Este filme de Anne Fontaine que conta a primeira parte da vida da modista apaixonada pela combinação do preto com o branco mostra, magnificamente, que a vida tem uma quantidade muito maior de tons cinzas do que a juventude, a falta de conhecimento, são capazes de imaginar. <END> Opino agora, mas vi este filme na sexta, 26 deste mes. <END> Ops !!! Esqueci de um detalhe. <END> 2 Trackbacks <END> […] brilhar, ou tinham começado a brilhar fazia pouco tempo, e hoje estão absolutamente consolidados.
Diamante de Sangue / Blood Diamond <END> Anotação em 2007, com complemento em 2008: <END> Junto com O Jardineiro Fiel, a bela produção internacional dirigida por Fernando Meirelles, este é um dos bons filmes recentes que expõem a trágica, absolutamente desumana situação no mais miserável dos continentes, e mostra como os países e corporações do Primeiro Mundo continuam, décadas depois do fim do colonialismo, a piorar ainda mais a vida daqueles povos. <END> A ação se passa em Serra Leoa; Salomon (Djimon Hounsou), um nativo que é obrigado por um grupo armado a se separar da família e a trabalhar como escravo na procura por diamantes, descobre uma pedra extraordinária, de valor incalculável, e consegue fugir com ela. <END> O filme teve cinco indicações ao Oscar, inclusive ator para Leonardo DiCaprio e coadjuvante para Djimon Hounsou; ganhou ainda outros cinco prêmios e teve mais 14 indicações. <END> A trilha sonora do incansável James Newton Howard (o cara assina uma trilha por ano, sem parar, e já compôs para mais de cem filmes e/ou episódios, em uma carreira de 24 anos) é muito impressionante; parece que baixou um espírito africano nesse californiano da gema.
Honra Secreta / Secret Honor <END> Anotação em 2010: <END> É uma peça de teatro filmada, uma peça de um ato e um único cenário, uma grande sala – um monólogo de um ator representando Richard Milhous Nixon, depois de renunciar à Presidência por causa do escândalo Watergate, em 1974. <END> Logo na abertura, o filme do diretor Robert Altman faz este aviso-advertência: <END> "Este trabalho é uma meditação fictícia a respeito do caráter e dos eventos na história de Richard M. Nixon, que é representado neste filme. <END> Uma especial predileção por fitas, gravadores e uísque <END> Philip Baker Hall-Richard Nixon entra na sala carregando uma caixa, que deposita sobre uma das mesas. <END> O Nixon verdadeiro tinha especial predileção por fitas, gravadores – e uísque. <END> O Nixon fictício liga então o gravador, quando estamos bem no início do filme, e começa a falar. <END> O grande momento de um ator que sempre foi coadjuvante <END> O ator Philip Baker Hall dá um show. <END> Não me lembrava dele, nem de ter ouvido o nome dele, mas, pelo que mostra o iMDB, já o vi em vários filmes; o eventual leitor também seguramente já o viu. <END> O retrato que os autores e roteiristas Donald Freed e Arnold M. Stone pintam de Nixon é assombroso, estarrecedor. <END> E, além de tudo, o Nixon do filme se confessa atolado em diversos tipos de corrupção. <END> Altman dava aulas de cinema e seus alunos participaram do filme <END> Este Honra Secreta foi o segundo filme consecutivo que Altman fez baseado em peça de teatro – sem tentar, de forma alguma, "cinematogratizar" a peça. <END> Estava, naquela época, dando aula de cinema na Universidade de Michigan. <END> Uma figura absolutamente maior, Robert Altman. <END> Veio a partir daí a fase em que os estúdios não queriam saber dele. <END> "Um esquisito triunfo", "um psicodocudrama sensacionalista" <END> Vamos às opiniões dos críticos. <END> Leonard Maltin dá 3.5 estrelas em 4: <END> Sérgio Augusto não selecionou o filme para constar da edição brasileira do livro de Pauline Kael, o que me dá o trabalho de tentar traduzir o texto brilhante, rico e difícil dela. <END> E agora Roger Ebert, o crítico que ama os filmes que vê e tem especial admiração por Altman. <END> "Mas, à medida em que Watergate desaparece e vira História, e enquanto historiadores revisionistas começam a sugerir que Nixon pode afinal de contas ter sido um grande presidente – escândalos à parte, é claro –, nossa curiosidade permanece. <END> "Nixon começa a mexer no seu gravador; há uma pequena piada sobre o fato de que ele não sabe direito manejá-lo. <END> "Uma coisa estranha aconteceu comigo enquanto assistia a este filme. <END> Bem, essa é a visão de um americano; a gente conhece bem menos Nixon do que eles. <END> Mas, tirando aquela constatação pessoal de Ebert, o que ele fala me parece perfeito. <END> 3 Trackbacks <END> […] o típico caso de quem não consegue voltar bem à planície, conforme mostram dois belos filmes, Honra Secreta e Frost/Nixon – por coincidência estrelado pelo mesmo Michael Sheen que interpretou Tony Blair […] <END> […] no filme, aconteceram em 1972; em 1973 começaram as condenações dos funcionários do governo Richard Nixon que planejaram, autorizaram e financiaram o assalto. <END> […] Que tristeza ver isso justamente num filme de Robert Redford, que, na maturidade jovem, em Todos os Homens do Presidente (1976), interpretou o repórter Bob Woodward, que, ao lado do colega Carl Bernstein (feito por Dustin Hoffman), e com o apoio da proprietária e do editor-chefe de um dos maiores jornais do mundo, o Washington Post, desvendou a cadeia de corrupção ligando o assalto ao comitê do Partido Democrata no edifício Watergate diretamente aos mais altos escalões da Casa Branca, chefiada pelo republicano Richard M. Nixon. […] <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.
O Estudante / El Estudiante <END> Anotação em 2011: <END> Acaba tendo um gostinho de coisa naïf – ingênua, pura demais. <END> Quando um filme, ou qualquer obra, vira panfleto demais, deixa de ser filme, de ser arte. <END> Boas pessoas, pessoas de bom caráter, de boa índole, seguramente se comoverão com o filme. <END> Gostaria muito de estar aqui apenas tecendo elogios ao filme dos diretor Roberto Girault. <END> Uma apaixonada defesa da aprendizagem e do diálogo entre as gerações <END> É uma defesa apaixonada da aprendizagem, da educação. <END> Tudo, tudo, tudo valores corretíssimos. <END> Não gostaria de sujar esta anotação com recordações ruins que seria melhor deixar pra lá, mas é impossível deixar de registrar que tudo o que este filme defende é o exato oposto daquilo que o apedeuta que foi presidente do Brasil durante oito tristes anos defendeu. <END> Um velhinho que logo se dá bem com os garotinhos e as garotinhas <END> Chano, o protagonista da história (interpretado por Jorge Levat), é um homem na faixa dos 70 anos de idade, feliz, realizado; tem uma mulher maravilhosa, Alicia (Norma Lazareno), amam-se profundamente; tem duas filhas, uma neta linda, e está aposentado, sem qualquer tipo de problema de falta de dinheiro – não se diz o que Chano fez na vida, não importa, mas dá para inferir que ele teve seu próprio negócio, um negócio próspero, firme, não gigantesco, mas bom. <END> Mas Chano quer mais. <END> Matricula-se no curso de Letras da Universidade de Guajanuato. <END> A princípio, haverá um certo estranhamento – os colegas de Chano, um punhado de garotos e garotas ali na faixa dos 20 anos de idade, vão numa primeiro momento demonstrar uma certa rejeição àquele estranho, aquele velhinho. <END> Essa fase vai passar logo. <END> O filme como que fala devagarinho para ver se o público compreende <END> Na minha opinião pessoal (não sou dono da verdade, repito 200 vezes se for preciso: estou apenas expressando minha opinião pessoal de espectador, jamais de crítico de cinema, coisa que não sou), o grande problema deste filme cheio de boas intenções é o excesso de obviedade, o excesso de condescendência para com o que os realizadores devem considerar como sendo falta de informação, de educação, de cultura do público. <END> O filme como que fala muito devagarinho, pausadamente, para ver se o público o compreende. <END> Algumas belas tomadas, fotografia de primeira. <END> Há belas tomadas, a fotografia é muitíssimo bem cuidada. <END> É como se o diretor estivesse se dirigindo a um público emburrecido pela linguagem da televisão, usando a própria linguagem da televisão para tentar passar sua mensagem. <END> Na sua forma, o filme vai exatamente contra a mensagem que está tentando passar – a de que a aprendizagem é básica, fundamental, é com ela que se vai em frente, se avança. <END> Por exemplo, a música. <END> A coisa de a música vir muito alta, e feita para parecer sinfonicamente grande, e impressionante, no momento do clímax, para ajudar a fazer o espectador chorar, é profundamente babaca. <END> Não dá para defender o avanço chamando o público de imbecil. <END> Isso para não entrar na questão mais áspera, polêmica, do aborto. <END> Ao fazer a defesa do já que engravidou tem que parir, mesmo que o engravidar tenha sido com a pessoa errada, na hora errada, o filme que pretende passar boas mensagens se torna lastimável, bocó, fundamentalista, a vanguarda do atraso. <END> 8 Comentários <END> Sergio, penso que o filme tem uma boa história, mas exagera no clichê. <END> Sérgio, concordo integralmente com seus comentários. <END> Caro Aloysio, muitíssimo obrigado pelo comentário – e muitíssimo obrigado pelo elogio ao site. <END> Sérgio, parabéns, conheci hoje o seu blog e estou me divertindo muito. <END> Oi gente. <END> A criança que nasceu (que não foi abortada) não achou o filme fundamentalista. <END> Bom pelo que percebo sua critica se da pelo fato de o autor defender o aporto, você não é obrigado a concorda, mas o autor pode e deve por seu ponto de vista. <END> Adorei, mesmo por que alguns temas abordados são em partes diferentes da cultura que temos no Brasil atualmente, é claro o filme é mexicano…E como toda arte cinematográfica mexicana, muito doce, sutil, bom filme pra relaxar…. <END> Postar um Comentário <END> O seu email nunca é publicado ou compartilhado.